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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
JOSÉ AUGUSTO HARTMANN
CLERO SECULAR E ELITE LOCAL: O CASO DO VIGÁRIO LOURENÇO
JUSTINIANO FERREIRA BELLO
CURITIBA
2009
JOSÉ AUGUSTO HARTMANN
CLERO SECULAR E ELITE LOCAL: O CASO DO VIGÁRIO LOURENÇO
JUSTINIANO FERREIRA BELLO
Monografia apresentada à disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica como requisito parcial à conclusão do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.
Orientador: Profº Drº Carlos Alberto Medeiros Lima
CURITIBA
2009
AGRADECIMENTOS
Ao professor Carlos A. M. Lima, pela orientação, pelos livros e apoio. Pelas
aulas de História da América, que inspiraram a continuidade de estudo no tema.
Aos professores pelas excelentes exposições.
A minha esposa, Kelly, pelo incentivo e carinho.
Aos meus pais e irmãos, Celso, Maria Ângela, Celso Maurício e César, pelo
incentivo em minha vida.
Aos meus colegas e amigos da turma de 2006, pelo harmonioso convívio
nas aulas e apoio nos estudos e na realização dos trabalhos.
A todos os meus amigos e familiares pelo incentivo.
Às vezes o carro parava para minha tia falar com as comadres, que vinham alegríssimas dar duas palavras com a senhora. E os meninos de camisa comprida tomando a bênção à
madrinha.
José Lins do Rego
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 – GENEALOGIA DE LOURENÇO JUSTINIANO FERREIRA BELLO..66 QUADRO 1 – QUANTIDADE DE AFILHADOS POR PADRINHO ENTRE 1857 E 1868 NA IGREJA MATRIZ DE NOSSA SENHORA DA PIEDADE DO CAMPO LARGO..................................................................................................................69
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................7
2. CAPÍTULO I: IGREJA E ESTADO NO BRASIL ......................................14
2.1. A FORMAÇÃO DA RELAÇÃO ENTRE IGREJA E ESTADO NO BRASIL ..................................................................................................................................................15
2.2. A QUESTÃO RELIGIOSA ............................................................................27
3. CAPÍTULO II: A POSSE DA TERRA.........................................................39
3.1. A LEGISLAÇÃO SOBRE TERRAS.............................................................49
4. CAPÍTULO III: RELAÇÕES ENTRE O CLERO SECULAR BRASILEIRO E A SOCIEDADE. ...................................................................................... 60
4.1. AS RELAÇÕES SOCIAIS DO VIGÁRIO LOURENÇO JUSTINIANO FERREIRA BELLO. ...............................................................................................................62
5. CONCLUSÃO ................................................................................................74
6. FONTES ..........................................................................................................76
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................78
7
1. INTRODUÇÃO
A Independência do Estado brasileiro em relação à Portugal acabou por
acarretar mudanças nas instituições que haviam na antiga América Portuguesa. Por
outro lado, isso não significa que haverá, em todas essas instituições, uma drástica
ruptura com suas organizações anteriores ao evento da Independência, ao menos
de imediato. Um bom exemplo disso é a manutenção do regime monárquico, regido
pelo herdeiro português. Outra característica da nova Coroa brasileira é a tentativa
de manter sua ligação com a Igreja, instituição que mantinha uma próxima relação
com a Coroa portuguesa, caracterizada, sobretudo, pelo regime do Padroado. Mas
se essa relação já trazia consigo alguns desajustes, após a Independência, a Coroa
brasileira, apesar dos interesses que tal relação proporcionava para ambas
instituições, travará graves conflitos com a Sé romana e mesmo com parte do clero
nacional.
Aqui, buscar-se-á analisar essa relação que se desenvolveu após a
Independência do novo Estado americano, verificando os conflitos diretos entre
Coroa e Sé. Entretanto, não dever-se-á, neste trabalho, deixar de tomar cuidado
com a análise das relações do clero brasileiro com a Coroa e, também, com a Santa
Sé. É o clero local que poderá nos apontar respostas para muitas das perguntas
que formularemos.
Transitaremos pelas relações desse clero com aquelas instituições, Sé e
Estado, para verificarmos como eram, aquelas, sustentadas em sua base. Pelo
menos a princípio, porém, não nos interessamos por declarar o clero brasileiro como
representante da Igreja romana ou do Estado brasileiro. Até porque, já inicialmente,
surgirá uma aparente divisão do clero entre apoiadores de um ou outro. Buscar-se-á
compreender esse clero, o Estado e a Igreja, no que tange essas relações, nos
conflitos do século XIX, em que se envolveram as duas instituições. Destacamos,
entretanto, que tal clero pode não se encontrar como base de sustentação,
unicamente, de um desses estabelecimentos. Para que possamos realizar esse
trânsito, buscaremos num caso, do vigário da freguesia de Campo Largo, no Paraná,
8
as relações que travava. Não realizaremos uma análise da trajetória desse vigário,
porém, trataremos de atingir a rede social em que se envolvia ou criava.
Logo, o seguinte trabalho parte do objetivo de apresentar um panorama de
relações sociais no Império brasileiro a partir de uma análise local. Sua
fundamentação é depositada na análise de um processo movido pelo vigário da
freguesia de Nossa Senhora da Piedade do Campo Largo, Lourenço Justiniano
Ferreira Bello, na recente província do Paraná, criada em 1853, contra a moradora,
dona Joaquina Vieira de Souza, pela legitimação da propriedade de um terreno
anexo à Igreja Matriz da freguesia. O processo decorre no início da década de 1870,
período de disputas entre a Sé e o Estado brasileiro que serão analisadas ao longo
dessa pesquisa1.
Ao pensarmos sobre um caso envolvendo um vigário de uma pequena
freguesia na província do Paraná e uma moradora da mesma freguesia, podemos
perceber as exigências e interesses da Sé e do Estado brasileiro para exercer
predomínio de autoridade sobre tal sociedade. Ao mesmo tempo, pode-se verificar
como as intenções de exercer tal predomínio de autoridade não transcorrem, na
prática das relações sociais, de maneira coesa. Verificamos que o clero divide-se no
Brasil. De um lado, aqueles que apóiam a influência estatal. São pessoas
relacionadas às ideias “reformistas”. Desejam liberdade de participação política, as
vezes o fim do celibato, ou liberdade para participar de organizações não
eclesiásticas, como a maçonaria. Por outro, o clero “europeizado” ou “romanizado”.
Alinhados com as normas “conservadoras” da Santa Sé. Combatem os “erros
modernos”, isto é, todas as formas de aproximação de clérigos com assuntos
seculares. Há, ainda, a possibilidade de encontrar um clero que não se adeque a
nenhuma dessas duas posições. Isto foi verificado neste trabalho. Assim, dentro da
própria Igreja no Brasil, encontraremos clérigos afinados com os dois lados
contenciosos, a Igreja romana e o Estado brasileiro, ou, ainda, a nenhum deles
exatamente. É mesmo possível que não se consiga perceber um clero brasileiro que
seja totalmente submisso ao Padroado régio ou à “romanização”.
1 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Curitiba, 1870. Arquivo Público do Paraná, PB045 PI6939 266. p.2.
9
Metodologicamente buscou-se não seguir pauta que previamente
direcionasse as conclusões. Ao se tratar do Império Ultramarino Português, e, tão
logo, do Brasil Colônia, António Manuel Hespanha apontou para o desajuste do
centralismo como método historiográfico, analisado por alguns historiadores, que
viam em categorias como a de “Estado” um centro de transmissão geral e coeso de
suas estratégias, renunciando, que estavam então, à categorias de “redes”2. Nesse
texto, o jurista e historiador português, defende uma análise em que não se limite à
uma interpretação onde grandes categorias expliquem todas as relações. A
formação de práticas sociais ocorre em um âmbito complexo, que envolve vários
autores.
Em sentido parecido, a abordagem microhistórica também questionava
grandes categorias para pautar explicações sobre formações de práticas sociais e
culturais. Em livro organizado pelo historiador francês Jacques Revel, a partir de um
seminário para analisar o tema, realizado em 1991, pensou-se sobre a abordagem
microhistórica, iniciada na Itália desde o final dos anos 1970. Revel foi responsável
pelo estudo “Microanálise e construção do social”, o primeiro capítulo do livro3.
Nesse texto o historiador aponta para essa nova abordagem epistemológica como
um questionamento da História Social realizada até então, vista, pelo autor, como
um conjunto de trabalhos monográficos que seriam como que peças que se
completam de um quebra-cabeças de uma História totalizante. Para Revel a
abordagem microhistórica, em oposição a isso, realizaria uma análise que negaria
critérios em “termos simples, de força/fraqueza, autoridade/resistência,
centro/periferia, [...] [para] deslocar a análise para os fenômenos de circulação, de
negociação, de apropriação em todos os níveis”4. Logo, essa nova abordagem,
aponta o historiador, mostrou-se mais eficaz na construção do objeto, em sua forma,
pois “a experiência mais elementar, a do grupo restrito, e até mesmo do indivíduo, é
2 HESPANHA, António Manuel. A constituição do Império Português: revisão de alguns enviesamentos correntes. In: BICALHO, Maria Fernanda; FRAGOSO, João; GOUVÊA.(org.). O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI – XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 3 REVEL, Jacques (org.). Microanálise e construção do social. In: ______. Jogos de escala: a experiência da microanálise. Trad.: Dora Rocha. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 15-38. 4 Ibid., pp. 29-30.
10
a mais esclarecedora porque é a mais complexa e porque se inscreve no maior
número de contextos diferentes”.5 Neste trabalho não realizaremos um estudo
específico de microhistória. Não analisaremos aqui trajetórias de indivíduos ou
grupo. Entretanto, desejamos não realizar uma explicação por via de grandes
modelos. Receberá predominância, neste estudo, as relações locais do clero,
verificado pela figura do vigário Lourenço Justiniano. Buscaremos perceber se há
existência de relações em alguma rede social que caracterize relações de alguma
elite local.
No que se refere à abordagem metodológica, no Brasil também presenciou-
se a relativização de termos totalizantes. Em 2001 publicou-se o livro de organização
de João Fragoso, Maria Fernanda Bicalho e Maria de Fátima Gouvêa, “O Antigo
Regime nos Trópicos”, que reuniu artigos de vários historiadores6. Na “Introdução”,
os historiadores que organizaram tal trabalho, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro e da Universidade Federal Fluminense, expõem que:
“O que este livro propõe de diferente é uma rediscussão – a partir de novos parâmetros conceituais e de novas perspectivas teóricas – de algumas teses acerca das relações econômicas e das práticas políticas, religiosas e administrativas imperiais. Ele busca responder a algumas questões que Vêm sendo colocadas pelas pesquisas e pela experiência docente de seus autores: como desfazer uma interpretação fundada na irredutível dualidade econômica entre metrópole e a colônia? Como esquecer que, ao lado dos – e, às vezes, simultaneamente aos – conflitos entre colonos e a Coroa, inúmeras foram as negociações (grifo nosso) que estabeleceram e ajudaram a dar vida e estabilidade ao Império? Como tecer um novo ponto de vista, ou um novo arcabouço teórico e conceitual que, ao dar conta da lógica do poder no Antigo Regime, possa explicitar práticas e instituições presentes na sociedade colonial?”7
Essa abordagem, que culminou nesse livro, pensando o Império Atlântico
Português, trouxe uma maneira de construir a história do Brasil que privilegiou as
relações locais e suas redes relacionais, em detrimento de uma abordagem
5 Ibid., p. 32. 6 BICALHO, Maria Fernanda; FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI – XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 7 Ibid., pp. 21-22.
11
totalizante, onde grandes categorias se sobrepõem às relações dos sujeitos, reais
formadores do objeto historiográfico.
No contexto dessas novas abordagens, Maria Fernanda Martins, em texto
publicado em 2007, analisou as relações na Corte brasileira do Segundo Império por
redes de relações locais8. A historiadora defende que a sustentação do poder
central, no Império do Brasil, estava estabelecida em relações familiares e de poder
nas províncias. Assim, explica que “além das relações que se estabeleciam na
Corte, a análise dessas redes [de poder local] demonstra ainda como a alta cúpula
do poder imperial encontrava-se ligada às oligarquias regionais, fosse por linhagem
direta ou por uma eficiente política de casamentos (grifo nosso)”9.
Com base nessas importantes formas de construção de um objeto
historiográfico para o Brasil, o seguinte trabalho abordará esses registros na
formulação de sua problemática. Iniciando com uma análise institucional de Igreja e
Estado no Brasil, seguindo com uma verificação de problemas envolvendo a posse
da terra no Brasil pós-Independência e, finalmente, deparando-se com as relações
entre o clero secular brasileiro e a sociedade, lendo-se, aqui, uma possível relação
de elite local.
Os objetivos deste trabalho são os de abordar as relações locais do poder
estatal e eclesiástico, contudo, não definindo os envolvidos como unicamente
pertencentes a tais grupos, mas indivíduos que tramitam entre grupos sociais
diversos e têm interesses particulares. Ainda assim, esses interesses particulares
são desenvolvidos dentro dos grupos com os quais dialogam, o que pode, então,
contribuir, também, na construção de um objeto de uma história das relações
Estado-Igreja-Sociedade.
O enfoque temporal dado ao Segundo Império pretende analisar as relações
abordadas de um Estado e clero pós-Independência, apoiados em idiossincrasias
dessas duas instituições que culminariam na Questão Religiosa. Pretende-se saber
como essas instituições, o Estado e a Igreja, desenrolavam suas práticas através de
8 MARTINS, Maria Fernanda Vieira. A grande família e a dinâmica das redes: as relações de sociabilidade e parentesco. In:______. A velha arte de governar: um estudo sobre política e elites a partir do Conselho de Estado (1842-1889). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2007. p. 167-252. 9 Ibid., p. 185.
12
seus membros, que não necessariamente são duros em relação às orientações
superiores, em contato com outros personagens sociais.
Buscar-se-á, através do processo de autoria do vigário, informações a
respeito das transferências de bens para a instituição eclesiástica, o que, neste
trabalho, é lido como informação que permite análise a respeito das relações entre
instituição eclesiástica e elites locais. As primeiras informações que constam são de
autoria do vigário, que informa que o terreno em questão foi devoluto e, então,
“concedido a elle [...] por carta de data passada pela Camara Municipal desta Capital
[Curitiba] em 1º de Maio de 1860”.10 Em oposição, a ré irá apresentar sua defesa
indicando que o terreno é de sua propriedade, por posse da família de seu marido.
Nesse ponto a questão é em relação a qual é o tema da legislação citada pelas
partes. Será questionado e analisado como o terreno da igreja vai ser tratado no
âmbito da legislação. Logo que era recente a legislação a respeito de bens de mão-
morta.
Outras informações pertinentes, que puderam ser verificadas pela fonte
principal analisada, dizem respeito ao modo como a formação da freguesia era vista
na época do processo. Tal dado tornou-se fundamental à análise do tratamento para
o terreno, uma vez que as terras onde fora edificada a freguesia do Campo Largo
eram doação de uma única pessoa para a exata função de formação de uma
freguesia. Há bibliografia a respeito da inserção socioespacial das paróquias, e, na
execução do trabalho, serão coletados os posicionamentos tomados em relação a
isso.
Serão analisadas as relações do Autor do processo com outros agentes
sociais, uma vez que isso aparece nos róis de testemunhas e procuradores, e serve,
no âmbito desta pesquisa, para verificar o tipo de apoio social que os membros da
instituição estavam conseguindo angariar nessa época. Existindo a possibilidade de
compreender aspectos do papel atribuído ao padre pelas elites locais, buscou-se
verificar as relações que travava. Procurou-se verificar se há referências à hierarquia
eclesiástica no processo e, logo, se o padre é referido como alguém que fala pela
comunidade paroquial. Quando se refere às relações locais do vigário, são as
10 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 2.
13
testemunhas e procuradores em Curitiba que delega. Entre eles a figura de
Generoso Marques dos Santos, seu advogado nesse processo, eleito como
deputado provincial pela primeira vez em 1866, pelo Partido Liberal, que continuará
influente na política do estado do Paraná já após a proclamação da República,
sendo, após tal mudança de regime, sete vezes senador.11
A pesquisa também objetiva entender as relações entre Sé e Império do
Brasil no que tange as questões dos “erros modernos”, das relações sociopolíticas
de clérigos, através da figura do padre Lourenço Justiniano, mas, também, da
maçonaria; o que levará ao ápice do conflito entre o Império brasileiro e a Sé. O que
se busca é entender como se situava a relação entre essas Instituições, não
igualando simplesmente a Sé e a Igreja no Brasil. Esse aspecto iniciará o trabalho,
afim de que se possa situar a pesquisa em um terreno seguro, ou seja, esclarecidas
as posições institucionais que são privilegiadas neste trabalho.
Por fim, construir uma história do Brasil Imperial, repleto de disputas,
contradições e especificidades que teve, sem entende-lo como algo uno, coeso e de
instituições que se sobrepunham aos homens que o davam sentido.
11 TOURINHO, Luis Carlos Pereira. Toiro Passante III: tempo de República Velha. Curitiba: Rocha, 1990. p. 409-419.
14
2. CAPÍTULO I: IGREJA E ESTADO NO BRASIL
Muitos autores, de grande influência na historiografia, miraram a formação
da sociedade brasileira através de impressões marcantes para sua constituição.
Temas como a escravidão, sua importância para a formação social, econômica e
cultural; do latifúndio, da formação de elites locais, da ação da Igreja e do Império
português ou brasileiro, são fundamentais na construção de uma história do Brasil.
O texto iniciado visará recolher parte de algumas dessas exposições para
que possam ser observadas com a contribuição da análise que segue, empenhada,
que está, no tratamento de relações que envolveram pessoas de uma freguesia na
recém formada província do Paraná a partir de um processo judicial. Isto pois, essas
relações envolveram não somente o vigário local e uma moradora, autor e ré desse
processo, mas, também, outras figuras, que poderão enriquecer nosso estudo.
O vigário da freguesia e, posteriormente, vila de Nossa Senhora da Piedade
do Campo Largo, Lourenço Justiniano Ferreira Bello, assumiu a paróquia, de acordo
com o Livro Tombo da mesma, em 8 de março de 184812, designado pelo Bispo de
São Paulo, Dom Antonio Joaquim de Mello, considerado o primeiro bispo brasileiro
da dioscese. Conduzia a paróquia a vários anos quando, em 1870, iniciou uma
disputa judicial com dona Joaquina Vieira de Souza, moradora da freguesia, e seu
marido, Francisco Borges de Sampaio, ausente, havia vários anos, na freguesia de
Soledade, no extremo Sul do país, pela posse de um terreno em frente à Igreja.
Essa disputa foi encerrada no mesmo ano, após a decisão do Juiz Municipal da
cidade de Curitiba, Augusto Lobo de Moura. Porém, antes de aprofundarmo-nos
nesse caso, temos por necessidade, verificar alguns relatos historiográficos acerca
da formação do clero brasileiro e suas relações com a Sé, com o Estado e com a
sociedade.
12 Livro Tombo da Paróquia de Nossa Senhora da Piedade. Campo Largo. Vol. 2, p. 13.
15
2.1. A Formação da Relação entre Igreja e Estado no Brasil
O clero secular no Brasil esteve como braço do Estado na organização de
uma burocracia de registros de nascimentos, casamentos, óbitos e outros registros,
como os de posse. Decorrência de um processo de aproximação realizado pelo
Estado português ao adequar a antiga Ordem dos Templários em Portugal aos
interesses do Estado.13 Essa relação entre o Estado português e a Igreja é abalada
no decorrer do século XIX. Por um lado, o processo de “romanização”, analisado
nesses termos pela exposição do sociólogo Sérgio Miceli14, combateu aquilo que
chamou de “erros modernos”; o liberalismo, o racionalismo, a liberdade de religião, a
maçonaria, a separação entre Igreja e Estado e outras secularizações. De acordo
com Ivan Aparecido Manoel, a Igreja, nesse processo, visava recuperar um prestígio
perdido após a Idade Média:
“A reconquista da condição de centro de referência para a humanidade indica o sentido reacionário da política católica daquele período. Recuperar o lugar central do mundo significava que o vetor do movimento católico não era em direção a um futuro que suplantasse o momento presente, mas um futuro que readquirisse as características da Idade Média, mais especificamente entre os séculos VIII e XIV.”15
Esse “centro de referência” referir-se-ia a um projeto de “recristianização”
que a Sé notava como necessário perante a uma descristianização decorrente dos
“erros modernos”. Tal tarefa privilegiaria, segundo o autor, “(...) uma estratégia
centrada apenas na própria Igreja, assentando no trabalho discursivo a maior parte
da responsabilidade pela recristianização da humanidade.”16 Pode-se verificar,
então, segundo Manoel, que no período de “(...) 1800 a 1903 - pontificaram papas
13 Sobre a Ordem dos Templários em Portugal ver: TORRES-LONDOÑO, Fernando. Paróquia e comunidade na representação do Sagrado na Colônia. Paróquia e comunidade no Brasil: perspectiva histórica. São Paulo: Paulus, 1997. p. 51-90. p. 55. 14 MICELI, Sérgio. A elite eclesiástica brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1988
15 MANOEL, Ivan Aparecido. A Ação Católica brasileira: notas para estudo. Acta Scientiarum, Human and
Social Sciences. Franca, v. 21, p. 207-215, 1999. Disponível em:
<http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/viewFile/4207/2872>. Acesso em:
24/05/2009. 16 Ibid., p. 209.
16
como Gregório XVI e Pio IX, cuja direção pastoral foi fechar a possibilidade de
qualquer contato entre a Igreja e o 'século'.”17
Por outro lado, a Independência do Estado brasileiro conotou uma mudança
naquilo que havia sido firmado para a adequação da Ordem dos Templários ao
Estado português e as práticas do Padroado. O Estado brasileiro não representava
aquele que havia abarcado a antiga Ordem; o português. Assim, as tentativas de
reafirmação do pacto entre o Estado brasileiro e a Sé tornam-se conflituosas e,
finalmente, infrutíferas, pelo menos no primeiro momento após a independência.
Isso, pois, a Sé não aceitou legitimar a Coroa brasileira como sucessora da
portuguesa, em relação a proteção da Ordem de Cristo. Decorre disso, porém, que
mantém-se o Padroado no Brasil, apesar da Santa Sé. Somente em 1827 Roma
confirmaria a manutenção do padroado no Brasil.18
Posta, a situação, desse modo, o conflito estava gerado nesse momento em
que, após um envolvimento direto entre o clero e a Coroa portuguesa no período
colonial, em decorrência do Padroado, o Estado, a que a Igreja deveria aceitar as
indicações de seus representantes sobre tal jurisdição, já não era mais o mesmo
após as Independências, não somente no Brasil, mas nos países americanos de
origem Ibérica. Isso abria um espaço para uma nova organização, o que, ao final,
não acabou com o Padroado no Brasil e nem caracterizou uma ruptura radical com
aquela organização. Porém, mesmo com a manutenção desse sistema, as
mudanças internas na Igreja e no Estado geraram esse conflito.
Na América Latina, as independências acarretaram um conflito quanto a
orientação do Estado nas práticas da Igreja. O historiador Leslie Bethell afirma que,
na América espanhola:
“Ambos os contendores nas lutas de independência [a coroa ibérica e os separatistas americanos] (...) (1808-1825) sempre se preocuparam em buscar o apoio ideológico e econômico da Igreja católica. [Porém,] Desde o início a maior parte da hierarquia da Igreja defendeu a causa realista. O patronato real, derivado das concessões pontifícias aos Habsburgos no século XVI, reforçadas pelo regalismo dos Bourbons no século XVIII,
17 Ibid., p. 208. 18 BETHELL, Leslie. A Igreja e a Independência da América Latina. In: ______. História da América Latina: da Independência a 1870. 2ªed. Trad.: Maria Clara Cescato. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Brasilia: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. v.3. p. 267-273. p. 273.
17
concedia à coroa o direito de nomear bispos que se tornavam dependentes dela e ficavam subordinados ao poder real. Seja como for, a esmagadora maioria desses bispos eram peninsulares e se identificavam com os interesses da Espanha. Além disso, tinham consciência da ameaça que a revolução e a ideologia liberal representavam para a posição estabelecida da Igreja.”19
Desta maneira, assim como no Brasil, o clero dos demais países latino-
americanos foi, no período colonial, gerido pelo Estado. Nesses países, expõe o
autor, o “baixo clero, especialmente o secular, era constituído, predominantemente,
de criollos e, portanto, embora apresentasse divisões, do mesmo modo que o
conjunto da elite criolla, se mostrou mais inclinado a apoiar a causa de um governo
autônomo hispano-americano e até mesmo a independência.”20 Enquanto isso, a
posição da Sé é de apoio à Coroa ibérica. Nesse período “o papado manteve sua
tradicional aliança com a coroa espanhola – e sua oposição à revolução liberal.”21
Cabe lembrar que nos países de colonização espanhola da América Latina o sistema
adotado após suas independências foi a república, e não outra monarquia, como no
caso brasileiro. Entretanto, a ascensão de um governo liberal na Espanha tornou-se
um dos principais fatores para que a Igreja tomasse “uma postura política mais
neutra”.22 Após as independências um conflito de alçadas sobreveio:
“O desejo de muitos liberais, além de afirmar a supremacia do Estado secular e defender a liberdade de pensamento, era em grande parte reduzir o poder temporal e a influência da Igreja, que consideravam o principal obstáculo à modernização política, social, econômica do período pós-independência. As propriedades da Igreja, seu capital, renda, influência educacional e privilégios jurídicos, tudo foi objeto de ataque. De seu lado, a Igreja, à medida que sofria a influência das idéias ultramontanas, sobretudo no papado de Pio IX, resistiu cada vez mais, mobilizando em sua própria defesa as forças conservadoras da sociedade hispano-americana, inclusive forças populares. Em conseqüência, o conflito entre o Estado liberal e a Igreja Católica passou a ser, nas décadas intermediárias do século XIX – e durante algum tempo depois –, uma questão política central em toda a América espanhola, sobretudo no México, onde, na década de 1850 e na de 1860, deu origem a violento confronto e a uma guerra civil de grandes proporções.”23
19 Ibid., p. 267. 20 Id. 21 Ibid., p. 268. 22 Id. 23 Ibid., p. 271.
18
No Brasil, aponta Bethell, “a maioria do clero [...] apoiou a facção brasileira
contra os portugueses [...] [encontrava-se, ainda, a presença de padres] entre os
republicanos e os liberais extremados”.24 Mas a principal característica do processo
de independência sobre o clero no Brasil, foi a grande participação política dos
membros da Igreja após tal evento. Por esse caráter, Leslie Bethell escreveu que:
“A transição do Brasil de colônia portuguesa a império independente foi marcada pela continuidade tanto nas questões eclesiásticas quanto nas outras de qualquer tipo. A natureza relativamente pacífica do movimento em favor da independência e a sobrevivência da monarquia permitiram que, ao contrário da América espanhola, a Igreja do Brasil – seu pessoal, seus bens e seu prestígio – emergisse relativamente pouco prejudicada, embora, mesmo no Brasil, as primeiras décadas do século XIX tenham testemunhado uma diminuição no número de membros do clero secular e mais particularmente do regular, quando as ordens religiosas entraram num período de declínio.”25
Em oposição destacavam-se os planos do Estado e Sé no Brasil na década
de 1860. Enquanto a Santa Sé realizava um projeto de afirmação da autoridade
papal em contraposição aos “erros modernos”, o poder imperial do novo Estado, no
Brasil, reafirmava a autoridade sobre a Igreja, já conquistada pela Coroa portuguesa.
Ocorria que as relações políticas dentro desse Estado apresentavam elementos,
como o liberalismo e a maçonaria, que iam a desencontro com o projeto eclesiástico
romano. Logo, deve-se ter em vista as diferenças entre a Sé e a Igreja brasileira. O
novo contexto, em que se deu as relações entre Igreja e Estado no Brasil
independente, teve fundamentais bases na nova posição da Igreja. Segundo o
sociólogo Sérgio Miceli:
“A postura doutrinária da Santa Sé [no século XIX] se consolidou através das encíclicas Quanta Cura e Syllabus Errorum (1864) que condenaram drasticamente os chamados ‘erros modernos’, a saber, o racionalismo, o socialismo, o comunismo, a maçonaria, a separação entre a Igreja e o Estado, as liberdades de imprensa, de religião, em suma ‘o progresso, o liberalismo e a civilização moderna’”.26
24 Ibid., p. 272. 25 Ibid., pp. 272-273. 26 MICELI, Sérgio. Op. Cit.
19
Em 1870 já havia 24 anos do papado de Pio IX27, caracterizado pelo
combate aos “erros modernos”. Foi nesse contexto que “os órgãos centrais da Igreja
não pouparam esforços na promoção do papa, chegando ao extremo de proclamar o
dogma da infabilidade papal por ocasião do primeiro Concílio Vaticano (1870)”28.
Essa promoção esteve inserida no movimento de “romanização”. Segundo Marcelo
dos Reis Tavares, em sua dissertação de mestrado,
“[...] o catolicismo praticado fora dos círculos de domínio da Santa Sé, não era, ou pelo menos não era considerado pela hierarquia católica, como plenamente romano. Esse fato explica o conjunto de ações concretas da Igreja no decorrer do século XIX, no sentido de resguardar os seus direitos e transmutar as práticas católicas tanto no Velho, quanto no Novo Mundo, eivadas que estavam de um espírito nacional e liberal”29.
Contribuindo para essa impressão, expõe o historiador Kenneth Serbin que a
participação política do clero secular, que já era muito importante no período
colonial, ganhou mais destaque após 1822. Escreve esse historiador que:
“Os padres continuavam essenciais na sociedade. Depois da independência, alcançaram grande poder político regional, especialmente no interior. As paróquias faziam os registros de propriedade da terra, a base do poder no campo. Para o brasileiro médio, Deus era o supremo juiz regulador da sociedade. Os padres ainda intervinham como árbitros morais nos assuntos mais pessoais e delicados. A administração pública baseava-se em divisões territoriais eclesiásticas, e as eleições, realizadas nas igrejas paroquiais, eram eventos sagrados cuidadosamente regulados pelo clero. Padres participavam do registro dos eleitores e das juntas eleitorais, da coleta de estatísticas e do aconselhamento de juízes de paz novatos ou ineptos. O Brasil era uma sociedade elitista, distante da democracia. Ainda assim, o clero desempenhou um papel democratizante, ajudando a introduzir os brasileiros em novos conceitos como Constituição, leis, partidos políticos e voto.”30
27 Biografia do Papa Pio IX. Disponível em: <http://www.vatican.va/news_services/liturgy/saints/ns_lit_doc_20000903_pius-ix_it.html>. Acesso em: 06/04/2009. 28 MICELI, Sérgio. Op. Cit., p. 12. 29 TAVARES, Marcelo dos Reis. Entre a Cruz e o Esquadro: o debate entre a Igreja Católica e a Maçonaria na imprensa francana (1882-1901). 136f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de História, Direito e serviço Social, Universidade Estadual Paulista, Franca, 2006. p. 14. 30 SERBIN, Kenneth P. Padres, Celibato e Conflito social: uma história da Igreja Católica no Brasil. Trad.: Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. pp. 65-66.
20
Assim, que nos eventos que levaram à independência do Estado brasileiro
em relação ao português:
“Padres encabeçaram a agitação política [...]. A mudança política e os sentimentos nacionalistas instigaram-nos a agir. Brechas no sistema colonial permitiam que o debate sobre cidadania, a abolição da escravidão e a liberdade de imprensa surgisse na arena política pela primeira vez. A literatura abordou temas políticos, e as tensões étnicas e sociais entraram em ebulição. Leitores ávidos, os padres acumulavam livros e absorviam idéias polêmicas. A avassaladora influência da Revolução Francesa e da ideologia liberal, o exemplo do clero pró-revolucionário na França, atritos com os portugueses e a resistência a atitudes autoritárias de dom Pedro I levaram muitos padres a rebelar-se contra a coroa portuguesa e depois contra o governo imperial. Inspirados pelo Iluminismo, inimigos da tirania, esses clérigos deram liderança ideológica a movimentos políticos. A maçonaria, que em muitos aspectos se assemelhava às irmandades, foi um canal para disseminar a dissidência e formar movimentos. A idéia de ascensão social vista na república norte-americana agradou aos clérigos brasileiros. Muitos dentre os padres rebeldes tinham a menor remuneração e o menor prestígio no clero. Como outros desprivilegiados mas talentosos membros da sociedade, eles estavam frustrados com a falta de oportunidades de progredir. Muitos padres acabaram pegando em armas.”31
Em novembro de 1875, escreveu o vigário da Candelária, no Rio de Janeiro,
que o Brasil, um país nascente, “[...] subjugado pelas ordens régias tardias e
contraditorias, de uma metropole milhares de leguas distante, que não tinha nem
podia obter pleno conhecimento das necessidades dos povos sujeitos á sua tutella,
soffria sempre as contrariedades das urgentes necessidades [...]”,32reforçando o
raciocínio do apoio de clérigos à independência, ainda que já passados mais de
cinquenta anos, porém, ainda, nos desenlaces da Questão Religiosa. Mas, para
além das relações, apresentadas pelo autor, de padres com os movimentos pela
independência, a participação de clérigos em ordens maçônicas e na política parece
que foi bastante disseminada. Serbin explica que a participação de padres na
política “começou nas cortes portuguesas (corpo representativo) de 1821-22. [Onde
dos] [...] oitenta deputados eleitos, 23 eram bispos ou padres. Na assembléia
Constituinte brasileira de 1822-23, dos cem representantes 22 eram padres [...]. Nas
31 Ibid., p. 66-67. 32 HONORATO, Manoel da Costa. Memoria Historica da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelaria D'Esta Côrte. Revista Trimestral do Instituto Historico Geograpfico Ethnographico do Brasil. Rio de Janeiro. Tomo XXXIV. B.I.Guarnier, 1876. p. 5-96. p. 54.
21
vinte legislaturas eleitas do Império, duzentas cadeiras foram ocupadas por padres
na Câmara dos Deputados.”33 O mal-estar entre aqueles que se relacionavam tão
diretamente na política e aqueles que defendiam o projeto aqui chamado de
“romanização”, que exigia a não-separação entre Estado e Igreja ao mesmo tempo
que uma preocupação dos clérigos para com, somente, o campo espiritual, pode ser
verificado na figura do padre e regente Feijó. Sobre esse influente padre, Serbin
retrata que:
“Feijó trabalhou como professor e, como outros membros do clero, fundou um jornal. Em 1821, foi eleito representante nas cortes de Lisboa. Cinco anos depois, elegeram-no para a Assembléia Geral, onde comparecia em trajes laicos [em desacordo com as normas tridentinas]. Como ministro da Justiça (1831-32), Feijó estabilizou o clima político na esteira da abdicação de dom Pedro I criando a Guarda Nacinal. Em 1833, foi nomeado senador. Feijó recusou a indicação do governo para tornar-se bispo de Mariana em 1835. Atingiu o ápice do poder político como regente de 1835 a 1837, governando em nome do imperador menino dom Pedro II durante um dos mais turbulentos períodos da história brasileira. Feijó é lembrado como um dos heróis da unidade nacional brasileira. Em 1842, ele participou de uma malograda rebelião contra o governo central que lhe impôs fim à carreira política.”34
Serbin situa o regente Feijó como representante do clero reformador, em
oposição ao clero conservador, sustentado nas regras do Concílio de Trento e
“romanizador”. Entre as posições de Feijó e, em alguma medida, do clero
reformador, ele “queria [...] que o governo brasileiro nomeasse bispos e que os
presidentes das províncias escolhessem os vigários e os padres paroquiais. Todas
essas idéias não condiziam com a centralização e a uniformidade ultramontanas.”35
Dessa maneira, podemos verificar, como afirma Kenneth Serbin, que:
“Formaram-se dois campos [na Igreja do Brasil]. De um lado estavam os conservadores, ultramonarquistas, reacionários e ultramontanos (ferrenhos partidários do papado e da centralização da autoridade eclesiástica); do outro, os liberais, revolucionários nacionalistas, republicanos e galicanos (defensores de estreitas relações entre Igreja e Estado e da maior soberania nacional nos assuntos religiosos).”36
33 Ibid., p. 67. 34 Ibid., pp. 70-71. 35 Ibid., p. 75. 36 Ibid., p. 70.
22
Cabe aqui relativizar alguns conceitos. Serão expostos em algumas citações
deste trabalho os conceitos “jansenistas”, “galicanos” e “ultramontanos”. Em
comunicação realizada no colóquio “Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e
sociedades”, realizado em novembro de 2005, na cidade de Lisboa, o historiador
Evergton Sales Souza, ao tratar desses termos, mais especificamente do
“jansenismo” na América portuguesa, faz uma exposição das relações desses
movimentos com a Coroa portuguesa de D.José I, de seu ministro, o Marquês de
Pombal, e suas relações com os jesuítas e a Sé.37 Trata-se, entretanto, de
problemas característicos dos séculos XVII e XVIII. Aqui, porém, não encontramos
exposições suficientes para que afirmemos categoricamente a relação entre esses
movimentos e o problema verificado no século XIX, caracterizado, de um lado, pelo
combate aos “erros modernos” e pela participação político-social, do outro, ainda
que verifique-se caracterizado elementos “regalistas” em ambos contextos.
O autor da comunicação, ao tratar do “jansenismo” no Império Português,
expõe seu caráter específico:
“Tratou-se de um jansenismo tardio, pois não apareceu senão nos anos 1760, isto é, mais de um século após o início das controvérsias jansenistas nos Países Baixos espanhóis e em França. Não foi simples cópia do jansenismo francês, ou daquele da Itália da segunda metade do século XVIII. Ainda que os jansenistas portugueses não escondessem sua admiração a respeito de alguns autores jansenistas da França, da Itália ou de outras partes da Europa, e que seu pensamento fosse fundamentalmente influenciado por eles, o jansenismo no mundo português traz a marca indelével de um contexto histórico e religioso específico.”38
Logo, os termos propostos, de “jansenismo” e “galicanismo” não serão, aqui,
sustentados no problema que se está analisando, por tratarem de um tema
específico: ideias referentes à organização eclesiástica e real, porém acusadas de
serem trazidas de outras partes para Portugal, principalmente da França, no século
37 SOUZA, Evergton Sales. Jansenísmo e reforma da Igreja na América Portuguesa. In: COLÓQUIO ESPAÇO ATLÂNTICO DE ANTIGO REGIME, 2005, Lisboa. Disponível em: <http://cvc.instituto-camoes.pt/eaar/coloquio/comunicacoes/marcia_maria_menendes_motta.pdf>. Acesso em: 01/10/2009. 38 Ibid., p. 3.
23
XVIII. No tema deste trabalho, esses termos surgem como facilitadores da
compreensão acerca dos planos de Estado e Igreja. Outros termos, entretanto,
mantêm um significado pertinente ao que se está verificando aqui. Trata-se do
“regalismo”, “ultramontanismo” e da “romanização”. Para o problema aqui analisado,
do mal-estar gerado pelas posições, muitas vezes, antagônicas de Roma e Rio de
Janeiro, Sérgio Miceli expõe que: “No caso dos países latino-americanos e
sobretudo no Brasil, a política expansionista da Santa Sé em fins do século passado
[XIX] e começo do atual [XX] adotou uma postura marcadamente patrimonialista,
sem abrir mão das metas de ‘romanização’”.39
Sobre o caráter da Igreja no Brasil, o historiador Thales de Azevedo afirma
que:
“No Brasil, parece haver ocorrido, durante o período colonial, uma crise de identificação, a Igreja e o Estado, confundidos nas ordens institucional e jurídica, tinham dificuldade em se distinguir e os seus choques eram expressões dessa ambigüidade. No império essa ambigüidade assume a modalidade de crise de competência, de conflito jurídico em que se disputava, as duas instituições já distintas historicamente, qual deveria assumir o poder e a hegemonia sobre a outra”40.
Segundo Thales de Azevedo, o período colonial é marcado pela confusão
entre a Igreja e o Estado português. O autor defende que as navegações
portuguesas foram caracterizadas pela continuidade do movimento de Reconquista
Ibérica, isto é, um avanço da sociedade cristã para o sul. Para isso,
“Uma das providências adotadas com tais fins é a utilização dos bens e das vultuosas rendas da poderosa Ordem dos Templários, que a Sé Apostólica abolira em começos do século XIV, e com tais recursos instituir, em meados da centúria seguinte, com a permissão do papado por uma bula de 1418, a Ordem de Cristo, sob o grão-mestrado perpétuo (grifo nosso) do rei lusitano, com poderes de administração e governo e também jurisdição espiritual sobre todas as regiões a partir de então conquistadas em África e nas chamadas Índias”41
39 MICELI, Sérgio. Op.Cit., p. 13. 40 AZEVEDO, Thales de. Igreja e Estado em Tensão e Crise: a conquista espiritual e o padroado na Bahia. São Paulo: Ed. Ática, 1978. p. 21 (nota de rodapé). 41 Ibid., p. 26.
24
Do mesmo modo, J.H. Elliot percebeu no desenvolvimento das navegações
portuguesas uma continuação da Reconquista Ibérica.42 O historiador destaca que
com a Reconquista procurou-se aumentar os limites da fé cristã, do mesmo modo
que o território das Coroas Ibéricas. Todavia esse movimento para o sul não foi
concluído com os limites da Península Ibérica, levando os reinos ali constituídos à
prosseguirem nesse sentido.
“A Reconquista – o grande movimento dos reinos cristãos da Península Ibérica para o sul, para regiões mantidas pelos mouros – ilustra um pouco a ampla gama de possibilidades nas quais se poderiam buscar precedentes. Travada ao longo da fronteira que dividia o Cristianismo do Islã, a Reconquista foi uma guerra que ampliou os limites da fé, também uma guerra em busca de expansão territorial, conduzida e regulamentada, mesmo que nem sempre controlada, pela coroa espanhola e pelas grandes ordens religioso-militares, que no processo obtinha vassalos junto com vastas áreas de terra. Foi uma típica guerra de fronteira, numa tática de ataques rápidos e específicos em busca de saques fáceis, oferecendo oportunidades de lucro com resgates e escambos, e de recompensas mais tangíveis, como honra e fama. Foi uma migração de pessoas e de rebanhos em busca de novos lares e novas pastagens. Foi um processo de povoamento e colonização controladas, com base na fundação de cidades às quais era concedida ampla extensão territorial sob garantia real.”43
Para Elliot, os motivos portugueses para a expansão ao sul iam além da
“aquisição de novos mercados e de novas fontes de suprimento de corantes, ouro,
açúcar e escravos.”44
“[...] as aventuras ultramarinas de Portugal no século XV também eram guiadas por outros interesses, às vezes contraditórios. A nobreza, golpeada pelas desvalorizações da moeda que reduziram o valor de seus censos e rendimentos fixos, procurava no ultramar novas terras e novas fontes de riqueza. Os príncipes da nova casa real combinavam em graus variados o instinto aquisitivo com o fervor de cruzada, uma sede de informações geográficas e um desejo de perpetuar seus nomes.”45
42 ELLIOT, J.H. A Conquista Espanhola e a Colonização da América. In: BETHELL, Leslie. História da América Latina: América Latina Colonial. 2ªed. Trad.: Maria Clara Cescato. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Brasilia: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. v.1. p. 135-194. 43 Ibid., p. 135 e 138. 44 Ibid., p. 140. 45 Ibid., pp. 140-141.
25
Por outro ângulo, Luiz Felipe de Alencastro percebe o expansionismo
português como preventivo em relação à uma Castela ameaçadora de sua
independência, e uma Holanda como importante região de comércio e de
navegações destacadas, logo, concorrendo pela posse de novos territórios.46 Sua
ação preventiva consistia, então, em aumentar sua marinha e alinhar seu comércio
com a Inglaterra, que, assim, reconhecia suas posses e independência de Castela.
Logo, a motivação portuguesa para seu expansionismo encontrava-se em ocupar
primeiro os territórios que poderiam vir a ser descobertos após os tratados de
Alcaçovas e Tordesilhas, quando fora pactuado fronteiras de terras à serem
descobertas. Isso acabou, também, contraditoriamente às intenções portuguesas,
por impulsionar os espanhóis ao mar, pondo, assim, em risco as teóricas
possessões de Portugal. Internamente, uma vez que as receitas da Coroa
portuguesa se baseavam na tributação da circulação de riquezas, os rendimentos do
além-mar aumentaram muito as riquezas circulantes em Portugal e, logo, as receitas
da Coroa. Este é um dos importantes motivos expostos por Luiz Felipe de Alencastro
para o expansionismo português. Além disso, a Coroa participou diretamente dos
lucros das expedições ao tornar-se investidora, através de feitorias nas Colônias.
Consequentemente, a Coroa portuguesa estimulou o comércio ultramarino e
manteve intocadas as instituições de Antigo Regime organizadas no seu reino. A
Inquisição também contribuiu decisivamente para as expedições, segundo o autor.
Isso pois, a burguesia portuguesa, investidora das navegações, era em grande parte
composta por Cristãos-Novos, judeus, que não podiam investir em títulos.
Acabavam, então, por, em grande medida, reinvestir nas expedições. Assim, a
Inquisição teve papel fundamental para que o lucro das expedições não fosse
desviado para a compra de títulos, mas reinvestido. A lógica das expedições,
segundo Alencastro, funcionou da seguinte maneira:
“[...] o Estado extrai suas receitas do comércio exterior, estimulando, por sua vez, a expansão marítima (a): esta lhe assegura territórios e mercados além-mar, os quais, cedidos ou entreabertos ao comércio inglês, servem de penhora à aliança luso-britânica (b): garantida desta forma a independência
46 ALENCASTRO, Luiz Felipe de. A economia política dos descobrimentos. In: ______. A descoberta do homem e do mundo. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. p. 193-207.
26
de Portugal legitima por sua vez a monarquia, permitindo que o aparelho de Estado se sobreponha às instituições e às estruturas metropolitanas e coloniais (c).” 47
Ainda que o comércio e a expansão portuguesa tenham recebido o
investimento da burguesia, não pode-se desconsiderar a importância das rendas da
Ordem de Cristo para a formação da marinha portuguesa e suas expedições. As
novas possessões portuguesas justificavam-se pela catequização, assim como as
caravelas levavam a Cruz de Malta em seus estandartes. Elliot aponta para uma
Península Ibérica onde havia se constituído um
“[...] humanismo do Renascimento e uma religião revivescente com fortes nuances escatológicas [que] forneciam idéias e símbolos que podiam ser explorados para projetar novas imagens da monarquia, como a de líder natural numa grande empresa coletiva – a missão divina de eliminar os últimos resquícios do domínio mouro e de purificar a Península de quaisquer elementos de contaminação, um prelúdio da difusão do evangelho aos recantos mais longínquos da terra (grifo nosso).”48
Como grão-mestre da Ordem de Cristo e com o início do Padroado, o rei
ganhou o poder de “indicar os candidatos a todos os benefícios e cargos dos cleros
secular e regular, a impor censuras e outras penalidades eclesiásticas e a exercer os
poderes ordinários nos limites de suas jurisdições”49. A Igreja em Portugal pode ser
analisada, nesse período, como “instrumentum regni da tradição constantiniana e do
padroado, enquanto (...) a missão eclesiástica era definidamente profética e mística,
inspirada de universalismo por Santo Inácio”50. Logo, recebeu uma importância
social significativa, enquanto instituição, para a inclusão nas sociedades portuguesas
de além-mar. No Brasil, coube “à Igreja [até a República] fazer a expressa
regulamentação das relações sociais e até dos trâmites seculares, como o registro
dos nascimentos, a legitimação da propriedade, a posse da terra [...]”51, como expõe
Azevedo.
47 Ibid., p. 203-204. 48 ELLIOT, J.H. Op.Cit., p. 144. 49 AZEVEDO, Thales de. Op. Cit., p. 26. 50 Ibid., p. 50. 51 Ibid., p. 86-87.
27
Para o historiador, esse caráter é modificado após a Independência. O autor
aponta para o seguinte:
“A Independência e o Império determinaram uma modificação substancial na problemática nas relações entre Estado e Igreja. Não que as posições relativas se alterem no quadro institucional de poder e dominação (grifo nosso). Porém, as novas idéias – trabalhando desde há muito as mentes numa e noutra esfera – haviam criado uma nova consciência, seja nos políticos e estadistas, seja nos eclesiásticos em geral, – a consciência de suas específicas identidades.”52
Ainda assim, a Independência não denotou uma laicização radical do novo
Império. A distinção entre as duas instituições, expõe Azevedo, não impediu de
“continuar o Estado desejoso e interessado em subordinar a religião e seu aparato
pastoral em instrumentos de seus desígnios”53. Isso ocorrendo principalmente com o
clero secular, mais próximo do Estado.
2.2. A Questão Religiosa
Entretanto, a Sé romana e o Estado independente do Brasil assumem
posições diversas que os levarão a uma situação conflituosa, ainda que de
resultados limitados no Brasil. Thales de Azevedo explicita que dada a
Independência o papado é “cedo procurado pelo imperador para que lhe confirme as
prerrogativas do padroado”54, o que não ocorre, forçando o imperador a confirmá-las
“por arbítrio próprio”55.
Segundo Frederick B. Pike, essas posições diversas entre Sé e Coroa
repercutirão, também, no próprio clero:
52 Ibid., p. 122. 53 Id. 54 Ibid., p. 123. 55 Id.
28
“Quando o Brasil se proclamou independente de Portugal, em 1822, a maioria do clero, como freqüentemente aconteceu na América espanhola, tinha inclinações liberais e estava pronta a aceitar os padrões regalistas nas relações entre a Igreja e o Estado. Na década de 1870, porém, alarmados pelos novos acontecimentos que consideravam uma séria ameaça para a Igreja e encorajados pelo tom ultramontano do Syllabus de 1864 e outros pronunciamentos papais, certos prelados brasileiros decidiram que só poderiam defender o catolicismo deixando de ser servos do Estado e desafiando diretamente a linha de ação política do governo, que consideravam injuriosa.”56
Concomitantemente a independência, os anos de meados do século XIX são
de forte anticlericalismo em Portugal. Segundo o historiador português Fernando
Catroga:
“Sabe-se que a chamada questão italiana e as deliberações do Concílio Vaticano I, articuladas com a crise social e política que a Comuna e a vitória da III República Francesa, laica e anticlerical, simbolizaram, condicionaram um novo empolamento da questão religiosa. E, recorde-se, para além da contra-ofensiva doutrinal (neotomismo), saíram de Roma incentivos para que essa campanha recebesse uma tradução organizada. Foi neste contexto que surgiu, entre nós [portugueses], a Associação Católica (1872), liderada pelo conde de Samodães, facto que, ligado às provas da crescente penetração das ordens religiosas no País, não deixou de incomodar os meios políticos mais fiéis à tradição anticongreganista do liberalismo português. Como resposta, nasceu em Coimbra um movimento a favor da fundação de associações liberais, sob o impulso de alguns mações e positivistas. O seu programa era claro: apelava para o revigoramento de uma frente liberal ampla, programaticamente baseada na defesa das leis secularizadoras de Pombal e do liberalismo, condição que consideravam fundamental para que não voltassem a perigar os alicerces do sistema representativo”57
Pode-se perceber que a aceitação da Cúria romana às decisões do poder
estatal brasileiro em relação a liberalismos, envolvia não somente questões internas
ao Brasil ou da relação pontual entre as duas instituições. O Estado brasileiro, que
presenciava grande influência de maçons na sua estrutura, inseria-se no contexto do
anticlericalismo que a Igreja tentava combater em Portugal, outras nações da Europa
e América Latina, expandindo sua presença e autoridade. O historiador Kenneth
56 PIKE. Frederick B. O Catolicismo na América Latina de 1848 aos Nossos Dias.In:______ Nova História da Igreja: a Igreja na sociedade liberal e no mundo moderno. Tomo II. Trad.: Almir Ribeiro Guimarães e Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis – RJ: Vozes, 1976. p. 119-175. p. 141. 57 CATROGA, Fernando. O Laicismo e a Questão Religiosa em Portugal (1865-1911). Disponível em: http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223029596W8bRF8ng3Ap22XN2.pdf. Acesso em: 31/05/2009.
29
Serbin descreve a “romanização” como um mecanismo que “[...] nasceu dos
esforços da Igreja para reafirmar seu poder e influência em meio às grandes
mudanças produzidas pelo mundo moderno. Surgiu após os generalizados ataques
da Revolução Francesa contra o clero e os privilégios, bens e doutrina da Igreja.”58
No Brasil, tomada a posição de manter o Padroado, pelo Estado, verificou-se
uma boa relação entre alguns clérigos e o poder estatal. Os chamados “erros
modernos”, em destaque a maçonaria eram, inclusive, encontrados no seio da
Igreja, o que culminará na “Questão Religiosa”, como afirma Marcelo dos Reis
Tavares:
“O estopim da Questão Religiosa foi a expulsão do padre e maçom Almeida Martins pelo bispo do Rio de Janeiro D. Pedro Maria de Lacerda. Numa festa organizada pelo Grande Oriente do Lavradio em 2 de março de 1872, em comemoração à Lei do Ventre Livre, o padre proferiu um discurso em homenagem ao Visconde do Rio Branco, presidente do Conselho de Ministros e Grão-mestre da maçonaria brasileira.”59
Os acontecimentos que levaram à “Questão Religiosa” apontam para a
proximidade entre integrantes do clero brasileiro e da política do Estado nacional
brasileiro. Reforçado pela presente atuação de clérigos no âmbito político-imperial,
como pode-se verificar nas legislaturas do vigário do Campo Largo. O Padre
Lourenço Justiniano Ferreira Bello foi deputado da Assembléia Provincial do Paraná
nos biênios de 1858-59, 60-61, 62-63, 64-65, 66-67 e 68-69. Seu irmão, João Batista
Ferreira Bello, além de vigário na freguesia de São José dos Pinhais e na cidade de
Curitiba, também foi deputado da mesma Assembléia e Delegado Especial do
Inspetor Geral da Instrução Pública da Corte no Paraná, nomeado em 187960.
Dados que apontam relações com o poder estatal desses representantes do clero
secular mesmo após o frágil encerramento da Questão Religiosa. Deve-se aqui
esclarecer que isso não significa um anticlericalismo por si, mesmo porque poderiam
buscar defender os interesses da Igreja no âmbito estatal. O que aqui destacamos é
a participação secular de elementos eclesiásticos.
58 SERBIN, Kenneth P. Op.Cit., p. 79. 59 TAVARES, Marcelo dos Reis. Op.Cit., p. 35. 60 NEGRÃO, Francisco. Genealogia Paranaense. v. 3. Curitiba: Impressora Paranaense, 1926. p. 598.
30
No ano de 1864, por exemplo, entre as decisões publicadas do Império do
Brasil, pode-se verificar o pagamento de côngruas ao vigário Lourenço Justiniano, o
que evidencia na prática a notória regra do Padroado nessa década. O vigário
Lourenço Justiniano Ferreira Bello é obrigado, nesse ano, a devolver 50$000 para o
Estado, referentes ao pagamento de côngrua de dois meses, maio e junho do
mesmo ano, nos quais encontrava-se, segundo o documento, doente e ausente da
paróquia. Previa a legislação que funcionários eclesiásticos não recebessem
estando ausentes de suas atividades paroquiais, o que fatalizava a devolução.61
Segundo o cônego Manoel da Costa Honorato, vigário da paróquia de Nossa
Senhora da Candelária, no Rio de Janeiro, as côngruas anuais, escrevia em 1875,
eram de até 600$000, o que era pouco para todas as funções da igreja segundo
esse vigário.62
Desse modo, entre a Sé e o Estado dividia-se o clero em conservador e
reformista, cada braço puxado para um lado: o da Igreja e do Estado.
“Durante o Segundo Reinado (1840-89), a reforma clerical criou tanto afinidades eletivas como conflitos entre a construção do Estado brasileiro e a renovação da Igreja. Um clero eficaz era almejado pela Igreja e pelo Estado, mas cada qual tinha em mente um propósito. A Igreja queria padres melhores para ser viável, enquanto o Estado desejava que os padres atuassem como agentes de controle social, especialmente no campo, onde eles tinham influência sobre o povo lado a lado com os coronéis. Um clero europeizado sintonizado com os bispos e com a elite brasileira era o que mais convinha a esses objetivos. Contudo, as desgastantes tensões entre Igreja e Estado freqüêntemente conduziram a táticas diferentes. A Igreja enfatizou os aspectos romanizadores da reforma, mas o governo imperial procurou controlar o clero por meio do persistente padroado.”63
Pudemos, então, como já foi visto, observar que distinguia-se pelo menos
dois cleros no Brasil do Segundo Reinado. Segundo José Manuel Sanz del Castillo
os elementos como o “movimento liberal”, a “maçonaria e as novas correntes de
61 Decisões do Governo da Republica dos Estados Unidos do Brazil. Rio de Janeiro, Typographia nacional, 1964, 428p. Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=Zm5QAAAAMAAJ&pg=RA1-PA225&lpg=RA1-PA225&dq=%22louren%C3%A7o+justiniano+ferreira+bello%22&source=bl&ots=TwJhNf7rhL&sig=mnuN6xgW4aQuC00z9b0OFeKYUqo&hl=pt-BR&ei=mKtjSvGZF823twe17vzrDw&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=1. Acesso em: 19/07/2009. 62 HONORATO, Manoel da Costa. Op.Cit., p. 14. 63 SERBIN, Kenneth P. Op.Cit., p. 83.
31
pensamento iluminista de raízes francesas tentaram, durante a época do Império,
criar novo cenário político, social, cultural, um Brasil moderno, transformando as
velhas estruturas e instituições do Brasil Colonial.”64 Como representante dessas
instituições arcaicas, a Igreja Católica no Brasil “foi objeto de contínuas retaliações
em relação à sua autonomia, e ameaçada desde a óptica hierárquica de sofrer uma
reforma regalista na primeira metade do século XIX”65. Serbin, sobre isso, escreve
que:
“O governo imperial influenciou na reforma mudando, coibindo e até eliminando certos grupos de padres. Seu intuito era restringir o poder dos bispos e ganhar o controle de propriedades da Igreja, em parte para poder custear a formação de padres diocesanos [seculares]. Regalistas, maçons e facções políticas anticlericais reforçaram a demanda pelo controle da Igreja. Católico recalcitrante, o imperador dom Pedro II exerceu plenamente as prerrogativas régias do padroado. Por exemplo, refreou o crescimento organizacional da Igreja e proibiu a publicação do Sílabo de Pio IX. Seu governo promulgou regulamentações minuciosas sobre a conduta do clero e outras questões religiosas.”66
Por outro lado, da parte da Igreja, “Bispos formados na França e em Roma
no colégio Pio latino-americano fundado em 1854 voltaram ao Brasil com uma
mentalidade romanizada e ultramontana que foi se espalhando nos meios
eclesiásticos”67. Decorre daí a formulação dos dois cleros. Nesse contexto, José
Manuel Sanz del Castillo expõe que o clero reformista buscava uma formação nos
“padrões tridentinos”:
“reformulação das atividades e estatutos das Irmandades, Confrarias e Ordens Terceiras, sujeitando-as à autoridade do bispo e seus representantes; estímulo à vinda de novas congregações religiosas; fortalecimento e expansão do número de dioceses e paróquias, aumentando suas atribuições e competências especificamente religiosas, fortalecendo assim a presença e influência da Igreja hierárquica no meio da população cuja religiosidade se tenta reformar; criação de escolas paroquiais e colégios de congregações religiosas estrangeiras; maior coesão entre os
64 CASTILLO, José Manuel Sanz del. O Movimento da Reforma e a “Paroquialização” do Espaço Eclesial do Século XIX ao XX. In:TORRES-LONDOÑO, Fernando. Paróquia e Comunidade no Brasil: perspectiva histórica. São Paulo: Paulus, 1997. p. 91-130. p. 101. 65 Id. 66 SERBIN, Kenneth P. Op.Cit., p. 84. 67 CASTILLO, José Manuel Sanz del. Op.Cit., p. 101.
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membros do episcopado, que reorganizam administrativamente suas dioceses seguindo as orientações e normas da cúria romana e o modelo das dioceses européias”68
Segundo Kenneth Serbin: “Em 1870 havia cinqüenta brasileiros estudando
na Cidade Eterna, onde foram preparados para tornar-se reitores de seminário,
professores de teologia e bispos em sua terra natal. Esses padres acentuadamente
europeizados compuseram a vanguarda da romanização.”69 Se o clero reformador
buscava uma formação nos padrões tridentinos, do outro lado o “clero encontrou
fortes resistências dos padres liberais, que, nos núcleos urbanos, se dedicavam a
tarefas culturais e políticas, assim como dos padres tradicionais do meio rural,
acostumados a ser funcionários mal pagos do Estado, mas dedicados em geral a
trabalhos que nada tinham que ver com a atividade pastoral”.70
Além disso, outras questões envolviam os clérigos no Brasil. O vigário da
Candelária em 1875, além de exaltar a figura de Dom Pedro II, o que pode-se
verificar nas passagens que seguem:
“Os monarchas da terra, semelhantes ao sol, que apezar de achar-se collocado em distancia quasi infinita, não póde occultar de quantos para elle se voltam suas manchas nem os seus beneficos raios, são attentamente olhados pelos subditos, que de suas acções tomam a norma de seu procedimento, e felizes julgam-se quando vêm que o soberano acompanha-os nas crenças piedosas, herdadas de seus antepassados.” “N'esta parte principalmente nós os brasileiros podemos dizer que somos felizes, porque até hoje os successores de Santa Isabel têm-nos dado o melhor religioso exemplo e Deus ha de permittir que cada vez mais os sentimentos de seus antepassados se há de perpetuar no throno do Imperio americano.”71
Defende o patrimônio da paróquia, atrelando, para isso, essa propriedade ao
uso público, e, então, à proteção da Coroa. Escreveu esse vigário que “[...] a igreja
matriz é de serventia publica, razão pela qual não soffre a condição de propriedade
de quem quer que seja.”72
68 Ibid., p. 104. 69 SERBIN, Kenneth P. Op.Cit., p. 80. 70 CASTILLO, José Manuel Sanz del. Op.Cit., p. 104. 71 HONORATO, Manoel da Costa. Op.Cit., p. 79. 72 Ibid., p. 94.
33
Partindo do processo envolvendo o vigário de Campo Largo, Lourenço
Justiniano Ferreira Bello, que reclama o recebimento de um terreno devoluto junto
da Igreja matriz da freguesia na década de 1870 que recebera uma construção de
uma moradora local, que alegava ser seu o terreno, presenciamos um profundo
exemplo das relações locais do clero secular com a sociedade, a justiça e o poder
estatal local no período anterior a Questão Religiosa. O vigário, que mantém uma
estreita relação com a política provincial e, mesmo, com proeminentes elementos
civis, o que nos leva a crer que faça parte do clero reformista ou, mesmo, de
nenhum dos dois, porém ligado, diretamente à uma elite local, assume uma atitude
patrimonialista, ao iniciar a contenda judicial pelo terreno anexo à Matriz. Essa
disputa e qualificação veremos melhor adiante, ao tratarmos da questão da terra e
das relações entre o clero e a sociedade. No momento é preciso retornar à Questão
Religiosa. Ao iniciarmos o capítulo segundo poderemos verificar com mais cautela a
destinação dos bens de mão-morta e analisarmos os casos da Candelária e da
Piedade do Campo Largo.
Ao partirmos da definição de que havia dois cleros no Brasil, em relação às
disputas entre Igreja e Estado, não devemos esquecer que, por outro lado, tentamos
aqui verificar os atores sociais a partir de suas relações locais.
A Questão Religiosa, no entanto, é um tema que se deve considerar ao
estudar o Segundo Império do Brasil. Para isso destacada parte da historiografia
brasileira se debruçou sobre o assunto73. A importância do tema encontra-se,
também, no fato de estar envolvida nas relações do Estado com a Igreja, o que
remete à própria formação do Estado brasileiro e mesmo do Estado português.
Se o século XIX é caracterizado pela “romanização” proposta pela Sé,
fundamentada pelas encíclicas Quanta Cura e Syllabus Errorum, como afirma o
autor de “A elite eclesiástica brasileira”74, no Brasil, como já vimos, se percebe que
alguns “erros modernos”, principalmente a maçonaria, está presente na vida social
de alguns integrantes da própria Igreja. A Questão Religiosa é iniciada com a
73 Ver: BARROS, Roque S. M. de. A Questão Religiosa. In: HOLLANDA, Sérgio Buarque de. História Geral da Civilização Brasileira. v. 4. Tomo II: o Brasil monárquico. 4ª ed. São Paulo: Difel, 1985. p. 338-365. 74 MICELI, Sérgio. Op. Cit., p.12.
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interdição de padres ligados a Ordens maçônicas pelos bispos de Olinda e Belém75.
A maçonaria também esteve presente em grande medida no Estado brasileiro, ainda
que proibida em alguns momentos. Mas sua presença entre integrantes do Estado é
clara, por exemplo, na figura do Visconde do Rio Branco76. Assim, o posicionamento
dos bispos de Olinda e Belém, ainda que defendido pelo Papa77, ao não respeitar as
regras do Padroado, recebeu um caráter emblemático para o problema da união
Igreja-Estado, na década de 187078.
Sobre a importância da maçonaria no que encaminhou o conflito que
culminou na Questão Religiosa, Frederick Pike expõe que:
“A causa imediata da crise nas relações entre a Igreja e o Estado foi a disputa sobre a maçonaria. Desde o século XVIII os padres brasileiros tinham a tendência a considerar favoravelmente a maçonaria. Grande número deles filiaram-se às várias lojas estabelecidas no país. Várias condenações papais da maçonaria não foram publicadas no Brasil, porque os funcionários do Estado, freqüentemente apoiados pelo clero, não consideravam o movimentos como uma ameaça.” “Na segunda metade do século XIX, contudo, havia sinais de que a franco-maçonaria brasileira, do mesmo modo que em algumas das repúblicas da América espanhola, estava assumindo uma atitude mais virulentamente anticlerical e talvez caminhando para uma posição anticatólica. Em 1873 a preocupação com a situação levou o bispo Vital Maria Gonçalves de Oliveira, de Pernambuco, jovem frade capuchinho educado na França e recentemente sagrado, a denunciar a influência maçônica em sua diocese. Em resposta a uma comunicação feita ao Vaticano sobre o assunto, o bispo Vital recebeu um breve papal autorizando-o, se acontecesse o pior, a 'excomunhão da Ordem maçônica' e a supressão das Irmandades religiosas que estavam sob controle maçônico. Sem pedir a sanção imperial do breve papal, conforme exigiam os procedimentos legais, o bispo Vital publicou o conteúdo dele e como resultado defrontou-se, juntamente com outro bispo que lhe tinha dado apoio, com as acusações de ter violado a constituição e o código penal.”79
Os bispos D.Vital e D. Antônio de Macedo Costa, de Olinda e Belém
respectivamente, foram, segundo Roque Spencer de Barros, “no Brasil, os mais
legítimos representantes das teses que, inerentes ao catolicismo, encontraram
75 Ver: CASTILLO, José Manuel Sanz del. Op.Cit., p. 97. 76 MICELI, Sérgio. Op. Cit., p. 79. 77 Biografia do papa Pio IX. Apostolado Veritatis Splendor: exortae in ista. Disponível em: <http://www.veritatis.com.br/article/4497>. Acesso em: 20/04/2009. 78 Sobre os bispos ligados à Questão Religiosa ver: CASTILLO, José Manuel Sanz del Op.Cit., p. 97-98. 79 PIKE, Frederick B. Op.Cit., p. 141
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expressão acabada no Pontificado de Pio IX.”80 A formação de ambos foi, segundo o
autor, realizada na Europa, de onde retornam como bravos defensores das
chamadas “doutrinas ultramontanas”. Logo, encontram-se em aberto combate aos
“erros modernos”. Roque Spencer afirma que esses prelados, donos dessas
“convicções não poderiam, de forma alguma, aceitar as espúrias alianças entre a
Maçonaria e a Igreja, entre o catolicismo e o liberalismo que o negava ou
desfigurava.”81 Suspenso, pelo bispo de Olinda, D. Vital, o padre maçom Almeida
Martins, houve rápida reação da Maçonaria. Segundo Roque Spencer “[...] durante
todo o transcorrer da questão religiosa, as autoridades maçônicas insistiram sempre
que sua incompatibilidade era apenas o jesuitismo, com o ultramontanismo, em uma
palavra, com o 'neocatolicismo', nunca com o que entendiam ser a catolicidade
legítima.”82 Decorre disso, porém, que tais afirmações da Maçonaria brasileira,
buscando apresentar uma identidade que não a distinguisse da “catolicidade
legítima”, somando “[...] a afirmação de que a Maçonaria brasileira era diferente da
européia em nada mudava a questão: não eram os maçons liberais, não lutavam
pela liberdade de consciência?”83, questiona o historiador Roque Spencer, logo,
divergia do catolicismo defendido por sua mais alta representatividade, o Papa,
considerado, agora, infalível.
Desse modo, a Questão é iniciada em Pernambuco, em 1872, com as ações
de D. Vital, agindo para “restabelecer a ortodoxia católica ao menos em sua diocese,
[para o que] o bispo de Olinda propôs-se a proceder com o maior rigor contra os
católicos-maçons, levando-os a optar entre a Igreja e a Maçonaria.”84 O autor desse
capítulo da “História geral da civilização brasileira”, acentua para o fato de que “a
questão envolvia aspectos graves e importantes, precisamente por causa do sistema
de união entre a Igreja e o Estado.”85 Podemos analisar melhor o teor dessa
afirmação através da seguinte:
80 BARROS, Roque S. M. de. Op.Cit., p. 338. 81 Id. 82 Ibid., p. 339. 83 Ibid., p. 340. 84 Id. 85Ibid., p. 341.
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“[...] se ser católico não fosse condição para o exercício de inúmeros direitos fundamentais, na esfera civil, a exclusão de uma Irmandade religiosa ou a própria excomunhão seria um assunto interno da Igreja, sem qualquer efeito civil. Num regime, contudo, em que não vigoravam o registro civil, o casamento civil, os cemitérios secularizados, em que ser católico era condição para bacharelar-se pelas escolas superiores e nelas lecionar, para exercer cargos públicos ou fazer parte da representação nacional, é claro que tal assunto, necessariamente, teria de ultrapassar a vida interna da Igreja e repercutir em cheio no domínio temporal.”86
O conflito entre Igreja e Estado assumiu, no desenrolar da Questão
Religiosa, um dramático tom sobre a união das duas instituições. As Irmandades,
entre as quais D. Vital suspendeu a do Santíssimo Sacramento, ao desobedecer sua
ordem para exortar um membro a abjurar a Maçonaria ou excomungá-lo,87
“[...] eram associações mistas, instituídas ao mesmo tempo pelo Estado e pela Igreja, um velando pela sua parte civil, outra pela parte espiritual. Mas onde estava, exatamente, o limite entre o temporal e o espiritual? Vago e incerto, a quem competiria estabelecê-lo? À Igreja ou ao Estado? Se à Igreja, firmar-se-ia o primado desta, que poderia fazê-lo avançar até onde entendesse; se ao Estado, estabelecer-se-ia a supremacia do poder temporal, que poderia igualmente avançar até o ponto que quisesse. Os bispos não poderiam aceitar a última tese; o poder civil nunca admitiria a primeira.”88
A Questão sustentava-se, sobretudo, nessa “crise de competência”, como
afirmou Thales de Azevedo89, o que se pode verificar, pela afirmação de Roque
Spencer de Barros, na
“[...] própria doutrina do beneplácito régio que se punha em questão. As bulas, encíclicas e constituições apostólicas de condenação da maçonaria não haviam recebido o placet imperial, não tendo, por conseguinte, do ponto de vista do Estado, qualquer valor no País. [...] O bispo, por sua vez, não poderia mesmo respeitar, a não ser acomodando-se, o famoso placet imperial, direito contestado e repudiado pela Igreja”90
O caso de Pernambuco deixou de representar “um único foco de rebelião”91
para tornar-se uma “ameaça de um conflito que se generalizava”92 com a inserção
86 Id. 87 Ibid., p. 340. 88 Ibid., p. 342. 89 AZEVEDO, Thales de. Op. Cit., p. 21. 90 BARROS, Roque S.M. de. Op.Cit., p. 342. 91 Ibid., p. 351.
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da crise entre o Império e o Bispo de Belém na cena. “Essa generalização do
conflito, já a previa, aliás, antes disso, o governo, que compreendia não bastar a
punição dos bispos para resolver a questão, já que estes, ainda presos,
continuariam a exercer sua autoridade sobre o clero sob sua jurisdição.”93 D. Vital e
D. Antônio serão, então, presos em 1874. Nesse contexto, o Império do Brasil irá
enviar o Barão de Penedo à Santa Sé para negociar sobre a questão das
competências, porém, não sobre a questão dos bispos presos: “Para o poder civil,
uma coisa era o procedimento dos bispos, ato já cumprido e, no seu entender,
sujeito às leis penais do País, outra o objetivo da Missão, que se destinava a evitar,
para o futuro, a repetição de atos semelhantes.”94 Visava, o Imperador, impor a lei e
não permitir que novas ações da Igreja contrárias a Constituição se repetissem. Por
outro lado não tinha interesse em que se separassem as duas instituições, Igreja e
Estado. Roque Spencer expõe uma carta de D. Pedro II endereçada ao conselheiro
de Estado Caxias:
“[...] escrita no próprio dia da anistia, [onde] vê-se que o Imperador continuava recalcitrante, convencido da culpabilidade dos bispos. E nela se encontra este trecho esclarecedor: “Faço votos para que as intenções do Ministério sejam compensadas pelos resultados do ato de anistia, mas não tenho esperança disto. Nunca me agradaram os processos, mas só vi e vejo dois meios de solver a questão dos bispos: ou uma energia letal e constante que faça a Cúria Romana recear as consequências do erro dos bispos, ou uma separação, embora não declarada, entre o Estado e a Igreja, o que sempre procurei e procurarei evitar, enquanto não o exigir a independência, e, portanto, a dignidade do Poder Civil.”95
A condenação dos dois bispos em 1874, para Roque Spencer, “significava a
oposição radical do Estado brasileiro às teses fundamentais do pontificado de Pio IX
e à maré montante do ultramontanismo.”96 Somente com a anistia dos bispos em
1875, a Cúria Romana e o Império brasileiro puderam, ainda que de maneira
artificial, superar a “crise de competência” que se instalou. Ficava, porém, como
92 Id. 93 Id. 94 Ibid., p. 354. 95 Id. 96 Ibid., p. 362.
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afirma o historiador, um mal-estar que só poderia acabar com a separação entre as
duas instituições; o que não era desejado por nenhuma delas.97
97 Ibid., p. 365-364.
39
3. CAPÍTULO II: A POSSE DA TERRA
A historiadora Raquel Glezer aponta para o ano de 1850 como marco da
“modernização” no Império do Brasil.98 Esse é também o ano da promulgação da Lei
de Terras, ainda que seu regulamento se realize somente em 185499, que rege sobre
a propriedade das terras doadas e devolutas, “isto é, as que não tinham proprietário
ou posseiro, e que não pertenciam ao patrimônio imperial, provincial ou
municipal”.100 Ainda assim, até 1916, indica a autora, continuaram predominando as
legislações civis portuguesas, de Antigo Regime.
Glezer destaca algumas diferenças do Império brasileiro para outros países
americanos, que se tornavam independentes de Espanha. Uma dessas diferenças é
a “manutenção do sistema de Padroado [no Brasil], pelo qual a Igreja Católica
atuava como um dos braços do Estado”.101 Nesse contexto, em relação às terras da
Igreja, a autora expõe que houve somente uma pequena interferência sobre suas
propriedades após 1850:
“Comprovando a continuidade relativa do Antigo Regime entre os anos de 1850 e 1920, temos o exemplo das corporações religiosas: a sobrevivência e continuidade dos bens de ‘mão-morta’ dos conventos, recolhimentos, confrarias e irmandades. O Império brasileiro nunca emitiu legislação de desamortização dos bens de ‘mão–morta’ (grifo nosso), e as propostas liberais foram tímidas aproximações: taxas pesadas em propriedades urbanas e na escravaria, como todos os proprietários em mesma situação, mas nunca nos bens ‘rústicos’ – as grandes propriedades rurais–; controles quanto ao funcionamento dos conventos e recebimento de noviços, mas nunca a determinação de encerramento das atividades, ou a apropriação dos bens e venda em hasta pública.”102
98 GLEZER, Raquel. Persistências do Antigo Regime na Legislação sobre Propriedade Territorial Urbana no Brasil: o caso da cidade de São Paulo (1850-1916). Revista Complutense de História da América, São Paulo, v. 33. p. 197-215, 2007. p. 198. 99 LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. 4ªed. Brasília: ESAF, 1988, p. 51. 100 GLEZER, Raquel. Op.Cit., p. 208. 101 Ibid., p. 200. 102 Ibid., p. 207.
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Assim, mais uma vez é indicada a aproximação das duas instituições,
Estado e Igreja, no Brasil, mesmo após a Independência e do combate realizado
pela Cúria aos erros do “século”. Raquel Glezer evidencia a situação, já verificada
anteriormente, onde o “Império Brasileiro manteve o Catolicismo como religião oficial
e o sistema de Padroado, pelo qual a Igreja Católica ficava ligada ao Estado, através
do pagamento aos seus padres e da indicação para o preenchimento de cargos
religiosos, em capelas, capelas curadas, freguesias, paróquias e bispados.”103 Por
outro lado, da parte da Igreja cabia “o registro de nascimentos, batismos,
casamentos, mortes, o de testamentos e inventários, além do de propriedades –
atividades de Estado.”104 Desse modo, mantinha-se uma relação de dependência
onde: “As corporações religiosas também estavam vinculadas ao Padroado, e
dependiam do Estado para autorização de funcionamento, recebimento de
candidatos (as), e, especialmente, para a venda de ‘bens de mão-morta’”,105 nunca
desamortizados, como já vimos.
Os bens eclesiásticos no Brasil eram inalienáveis após a Independência, o
que podemos verificar já pela lei de nove de dezembro de 1830 onde se instituiu
“nullos e de nenhum efeito em Juizo, ou fóra delle todas as alienações e contractos
onerosos, feitos pelas ordens regulares, sobre bens moveis, immoveis e semoventes
de seu patrimonio; uma vez que não haja precedido expressa licença do
Governo”106. Nesse ponto, fica clara a relação de controle pelo Estado dos bens da
Igreja. Além disso, em decretos do mesmo dia, são considerados devolutos e, assim,
exigido o recolhimento de terrenos de posseiros particulares não utilizados ou
registrados107, o que aponta para a política de extensão de autoridade e regulação
da Coroa. Entretanto, ficando inalienáveis esses bens, fazer de uma propriedade
bem da Igreja podia representar sua manutenção.
103 Ibid., p. 202. 104 Id. 105 Id. 106 BRASIL. Lei de 9 de dezembro de 1830. Disponível em: <http://arisp.files.wordpress.com/2009/04/lei-de-9-de-dezembro-de-1830-clbr.pdf>. Acesso em: 26/05/2009 as 12:17. p.1. 107 Ibid., p.2.
41
Se os bens da Igreja eram controlados pelo Estado e intocados, por outro
lado a questão da propriedade da terra no Brasil não estava tão clara no período
pós-Independência. Podemos verificar que as discussões para a implementação da
Lei de Terras, que trataria da regularização fundiária e da imigração européia ao
Brasil, não ocorreram de maneira rápida e consensual. Claudia Christina Machado e
Silva em sua dissertação de mestrado108, expõe que o debate parlamentar sobre a
Lei de Terras acabava por não envolver somente a regularização fundiária mas,
também, um importante tema para as elites rurais brasileiras, a disponibilidade de
mão-de-obra. Isso contribuiu para um debate prolongado, que levou as discussões
sobre a Lei de Terras até a década seguinte, de 1850.
“Dessa forma, a preocupação dos legisladores na década de 1840 não se dirigia aos progressos e à modernização, mas – como verificamos por várias vezes – 'à única e verdadeira indústria do país: a agricultura.'Sendo assim, o que preocupava as elites políticas naquele momento não era a política de povoamento e sua influência cultural para o país, mas a garantia de que nas lavouras de café não faltaria mão-de-obra.”109
A preocupação em manter mão-de-obra para os cafezais, principalmente,
paulistas e, também, mineiros, contribui para que as discussões acerca da Lei de
Terras opusesse, em relação à sua instituição, os Liberais, que reascendiam ao
poder na década de 1840, predominantemente ligados às oligarquias regionais, e os
Conservadores, defensores de maior centralismo imperial. Segundo Claudia
Machado e Silva os liberais permaneceram no poder entre 1844 e 1848. Nesse
período entrou em discussão no Senado o projeto para a Lei de Terras, em 1845. As
primeiras argumentações foram realizadas pelo senador pelo Partido Liberal paulista
Paula e Souza, que defendeu a distinção das matérias terra e colonização. O
discurso realizado pelo senador liberal encontrava-se com os interesses da elite
agrária paulista, para os quais a organização fundiária presente era adequada.
Grande parte dos Liberais, portanto, expõe a autora, representantes das elites
108 SILVA, Claudia Christina Machado e. O Processo Legislativo: O histórico da Lei de Terras. Escravidão e grande lavoura: o debate parlamentar sobre a Lei de Terras (1842 – 1854). 138 fls. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2006. pp. 89-127. 109 Ibid., p. 127
42
paulistas, concordava que uma lei agrária não era assunto urgente. 110
As relações locais, em oposição ao centralismo monárquico, do Partido
Liberal, acabaram por predominar na Lei de Terras, pelo menos quanto ao
financiamento da imigração, abolindo-se, então, o imposto territorial, que visava
esse financiamento. Tal imposto era considerado prejudicial à produção nas
Províncias. Contudo, o imposto de chancelaria, mantido no texto aprovado da Lei,
cobrado para a expedição de título de propriedade, pode-se justificar pela garantia
de reconhecimento da propriedade, o que interessava àquelas elites.111
O terreno em disputa pelo vigário Lourenço Justiniano e dona Joaquina
Vieira de Souza em 1870 na freguesia de Campo Largo, constava de “noventa
palmos de extensão”112, tratava-se, assim, não de uma grande propriedade rural,
mas de um central terreno urbano. A disputa é estabelecida em termos de efetiva
posse do terreno. Isso considerado através da construção. Os argumentos do vigário
para exercer posse do terreno são os de que havia sido abandonado pela família da
ré há mais de vinte e cinco anos. A Lei de Terras versava que não se poderia exercer
posse, tornando-se devoluto o terreno não perturbado por 10 anos.113 O vigário
também afirmará o seguinte: “Que tendo [...] há pouco mais de dois meses mandado
dar começo dos trabalhos de edificação, alguns dias depois começou também D.
Joaquina Vieira de Souza a fazer levantar no referido terreno alicerces para edificar,
contra a vontade e sem consentimento”114 dele. Esse é o principal argumento que
levará o autor a solicitar em juízo a demolição da obra que dona Joaquina iniciou no
terreno após ter, o vigário, tomado posse, depositado material para iniciar construção
e registrado-o para si na Câmara Municipal em 1860. Tal argumentação sobrepor-se-
a em relação a da senhora Joaquina Vieira, de que o terreno pertenceu por gerações
à família de seu marido, o que aponta para a importância sobressalente da tomada
de posse para a propriedade da terra nesse período. Se, por um lado, a Lei de
Terras, promulgada em 18 de setembro de 1850, dispõe a proibição de aquisição de
110 Ibid., p. 90-91
111 Ibid., p.125. 112 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 2. 113 BRASIL. Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L0601-1850.htm. Acesso em: 20/05/2009 às 18:50. 114 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 2.
43
terras devolutas senão por compra, por outro permite revalidação de algumas
posses, como pode-se verificar no parágrafo 4º do artigo 3º, onde lê-se que são,
também, terras devolutas: “As que não se acharem occupadas por posses, que,
apezar de não se fundarem em titulo legal, forem legitimadas por esta Lei.115
Segundo o jurista Ruy Cirne Lima: “Errata com relação ao regime das sesmarias, a
Lei de 1850 é, ao mesmo tempo, uma ratificação formal do regime de posses.”116
O vigário Lourenço Justiniano afirmará: “Que tendo sido julgado devoluto, foi
concedido a elle [...] por carta de data passada pela Camara Municipal desta Capital
[Curitiba] em 1º de Maio de 1860, um terreno constando de noventa palmos de
extensão para edificar no pátio da matriz da dita freguesia de Campo Largo”117.
Pode, então, soar contraditório que o vigário tenha recebido em concessão um
terreno devoluto, uma vez que as terras devolutas, a partir da promulgação da Lei de
Terras deveriam ser vendidas. Deve-se, porém, levar em consideração as
possibilidades previstas para a confirmação de propriedade da posse e, decorrente
disso, a autoridade das câmaras municipais nesse assunto. O vigário apresenta,
então, sua carta de posse do terreno, recebida da Câmara Municipal de Curitiba. Tal
posse, como ele mesmo afirma em sua defesa, recebeu após pagar imposto, como
também se previa na Lei de Terras, porém não apresenta nada referente à compra.
Nesse contexto, a Câmara Municipal afirma, em documento solicitado pela
acusação, que havia “presente o recibo do Procurador da Camara pelo qual mostrou
ter pago a quantia de nove mil reis imposto marcado pelas posturas.”118 Constava
também, nesse documento, as informações que seguem; de que “[...] attendendo a
Camara ser justo lhe mandar passar a presente carta”119, de propriedade do terreno,
em 1860, o vigário deve num “praso de um anno levantar as paredes externas do
edifício [...] em estado de receber o madeiramento superior, e em quanto assim não
fizer ou não desistir do terreno [...] pagará a multa annual de 12$000 reis”120, porém,
não há referência, nesse texto, sobre a possibilidade de perda da posse.
115 BRASIL. Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850. Op.Cit.§ 4º do Art. 3º. 116 LIMA, Ruy Cirne. Op.Cit., p. 65. 117 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 2. 118 Ibid., p. 3. 119 Ibid., p. 4. 120 Id.
44
Por outro lado, em âmbito regionalizado, a câmara municipal não tinha livre
acesso para concluir a condição de um terreno devoluto e realizar sua concessão. O
economista Sebastião Neto Ribeiro Guedes explica que em 1854 criou-se o órgão
responsável pela distribuição das terras devolutas, a Repartição Geral das Terras
Públicas.121 Esse órgão estendia-se do ministério dos Negócios do Estado à sua
sucursal provincial, subordinada ao presidente da província. Guedes explicita que:
“O processo de medição e demarcação de terras particulares dependia diretamente do presidente de província, que deveria exigir que os juízes (de direito, municipais, de paz) e os delegados e subdelegados informassem sobre a existência de terras devolutas em suas jurisdições. De posse dessas informações, o presidente de província nomeava um juiz comissário de medição.”122
Nesse mesmo ano de 1854 publica-se o Decreto nº 1.138, conhecido como
registro paroquial de terras, ou registro do vigário. A partir desse decreto, para
legitimar posse pacífica deveria-se registra-la junto a respectiva paróquia. Destaca-
se, portanto, na análise que nos cabe aqui realizar, que Lourenço Justiniano, apesar
das facilidades que poderia lhe conferir a proximidade da paróquia, não havia
realizado registro do terreno que, considerado devoluto, lhe foi concedido pela
Câmara de Curitiba em 1860, e que iniciaria disputa na década seguinte com dona
Joaquina Vieira, que afirmava ser de sua propriedade.
A argumentação da defesa de dona Joaquina baseia-se não somente no seu
principal argumento, de que, como esposa de quem poderia legalmente responder, o
senhor Francisco Borges de Sampaio, tornar-se-ia nulo o processo, logo que ele não
foi citado onde deveria se encontrar; na freguesia de Soledade, em São Pedro do
Rio Grande do Sul, e sendo ela incapaz juridicamente para responder por esses
bens. Sua argumentação também afirma que “por morte de Gertrudes Maria Vas,
mãe do marido da ré, coube a elle, na partilha da successão, uma parte ou lanço de
uma casa, no valor de 51:340 reis, cabendo outra parte, de igual valor, a Manuel
Borges de Sampaio, irmão do marido da ré, e incluindo-se outra de 47:320 reis, na
121 GUEDES, Sebastião Neto Ribeiro. Análise comparativa do processo de transferência de terras públicas para o domínio privado no Brasil e EUA: uma abordagem institucionalista. Revista de Economia, Curitiba, v. 32, n.1, p. 7-36, jan./jun.2006. 122 Ibid., p. 32.
45
meação do pae do marido da ré.”123 Francisco Borges, posteriormente teria
comprado as outras duas partes, de seu pai e de seu irmão, tornando-se o único
dono da casa que havia construída no terreno e, assim, também, do próprio terreno,
em posse da família desde 1827. Sobre esse tipo de propriedade de terra, a
historiadora Muriel Nazzari escreveu que:
“Os direitos de propriedade sobre a terra tornaram-se mais rígidos e exclusivos no século XIX, à medida que decrescia a disponibilidade de terras e crescia seu valor. No século XVII, a terra era livremente legada e recebida em doações e as famílias só uma vez ou outra cuidavam de sua titulação; embora os títulos fossem apresentados por ocasião do inventário, não se atribuía valor monetário algum à terra. Contudo, as benfeitorias feitas sobre a terra, quer a família possuísse ou não o respectivo título, eram consideradas bens e devidamente avaliadas.”124
Retornando ao processo de Campo Largo, acaba, porém, por predominar o
discurso da acusação, de que o terreno já não tinha construção e não era utilizado a
mais de vinte e cinco anos.
Outra argumentação para refutação da acusação, utilizada pela defesa da
ré, foi a de que o título de propriedade, concedido ao vigário pela Câmara Municipal
de Curitiba, não poderia ter validade, uma vez que o terreno em questão não tratava-
se de um terreno municipal, porém um terreno “pertencente á capella de Nossa
Senhora da Piedade á qual foi doado o campo que faz parte esse terreno pelo
capitão João Antonio da Costa, em 13 de maio de 1819, para formar o seu
patrimônio, declarando o doador que quem quisesse arranchar-se nesse campo o
poderia fazer 'sem pensão alguma e nem depender de licença de ninguém'”.125 Além
disso, argumenta a defesa, que não somente, “na povoação, hoje villa, do Campo
Largo onde está a capella á que foi feita a referida doação, os moradores teêm
edificado suas casas sem pedir licença á camara municipal nem á qualquer outra
autoridade”126, como o próprio vigário “tem construído casas e cercado terrenos no
123 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 13. 124 NAZZARI, Muriel. O Crescimento do Individualismo. In:______. O Desaparecimento do Dote: mulheres, famílias e mudança social em São Paulo, Brasil, 1600-1900. Trad.: Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, pp. 156-157. pp.151-170. 125 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 13. 126 Ibid., p. 14.
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referido Campo do mesmo modo que os outros moradores, isto é, sem licença de
autoridade alguma”127.
Em referência a doação do Campo pelo capitão João Antônio da Costa,
devemos verificar como se deu a formação da freguesia. Sobre o tema, escreveu
José Carlos Veiga Lopes que em 1814 o tenente Joaquim Lopes de Santa Ana
Cascais
“[...] deu, sem título algum, para Nossa Senhora da Piedade um rincão de campo no bairro do Campo Largo, para ser edificado um povoado, onde também ele morava; provavelmente herdou terras do pai Domingos Lopes Cascais, pois as que comprara dos herdeiros de Antônio Lopes Teixeira havia vendido; Domingos Lopes Cascais era casado Joana Gonçalves de Siqueira, filha de Ana de Melo Coutinho ou Ana Coutinho ou Ana Gonçalves Coutinho, casada com Pedro de Siqueira Cortes, e que havia recebido terras no Campo Largo de seu tio Antônio Luís Tigre”.128
Em 1819, ainda segundo o mesmo autor, o terreno foi a venda em praça
pública, após a morte de Cascais no ano anterior. Foi, então, adquirido pelo capitão
João Antônio da Costa por 40$200 e, imediatamente, doado à Nossa Senhora da
Piedade.129 Falecido em 1827 João Antônio da Costa, em 1828 “a povoação foi
elevada a capela curada, sendo nomeado capelão o padre José Joaquim Ribeiro da
Silva. As divisas com a freguesia de Palmeira eram pelo rio Tortuoso mas o padre
deu um jeito e ficou com as terras do Tamanduá e São Luís”.130
A freguesia do Tamanduá, acima citada, representou fator de disputa entre
as freguesias de Palmeira e Campo Largo. O donatário, capitão Antônio Luís Tigre
tinha a posse de uma fazenda denominada Tamanduá, além da sesmaria do Rio
Verde, porém não a havia recebido em sesmaria, segundo conta José Carlos
Lopes.131 No “relatório do presidente da Província do Paraná”, Zacarias de Góes e
Vasconcellos, de 15 de julho de 1854, expõe o presidente que Antonio Luíz Tigre
edificou a capela de Tamanduá para Nossa Senhora do Carmo. Elevada essa
127 Id. 128 LOPES, José Carlos Veiga. Aconteceu nos Pinhais: subsídios para as histórias dos municípios do Paraná Tradicional do Planalto. Curitiba: Progressiva, 2007. p. 178-179. 129 Ibid., p. 179. 130 Ibid., p. 181. 131 Ibid., p. 70.
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povoação a freguesia em 1813, porém a Igreja, posteriormente, foi transferida para a
freguesia de Palmeira.132 José Carlos Lopes afirma que “a primeira capela do
Tamanduá foi construída em madeira pelos frades carmelitas, em 1709, executores
da vontade do capitão Tigre.”133 Em 1731 fez a doação da capela de Nossa Senhora
da Conceição do Tamanduá, para a qual, segundo afirma, com provisão do bispo D.
Francisco de São Jerônimo, ergueu uma capela de pedras. 1731 foi também o ano
da morte de sua esposa, Ana Rodrigues de França, que deixou “todos os seus bens
para a capela”.134 O autor também expõe que os herdeiros do capitão Tigre, morto
em 1838, doaram a capela para o convento do Carmo em São Paulo, após o
falecimento do procurador da fazenda tenente-coronel Manuel Rodrigues da Mota.
Em 1772, Nossa Senhora da Conceição do Tamanduá “possuía 64 vacuns, 90
eqüinos, 1 macho de sinal, um escravo macho, duas fêmeas, 9 administrados, 3
administradas, 10 filhos dos ditos.”135
Em 1813 a capela do Tamanduá foi elevada à freguesia, para o que havia
solicitado o bispo de São Paulo em 1811.136 Nessa data o bispado de São Paulo era
dirigido por Dom Mateus de Abreu Pereira. Dom Mateus também assumiu
interinamente o governo da capitania de São Paulo por quatro vezes. Esse bispo de
São Paulo, de ativa participação política, além de defensor da permanência do
príncipe regente no Brasil, nos eventos que precediam a Independência, assim
como o padre Antônio Feijó, defendia a necessidade da formação de uma Igreja
nacional.137
Em 1816, D. Manuel “ordenou ao vigário colado da freguesia de Tamanduá,
que logo e sem demora fizesse entregar aos religiosos do Carmo da cidade de São
Paulo todas as terras e bens pertencentes à capela”, o que foi feito em 1818.138
132 VASCONCELLOS, Zacarias de Góes e. Relatório do Presidente da Província do Paraná de 15 de Julho de 1854. Arquivo Público do Paraná. 148 fls. Disponível em: http://www.arquivopublico.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/rel_1854_a_p.pdf. Acesso em: 15/01/2009. 133 LOPES, José Carlos Veiga. Op.Cit., p. 70. 134 Ibid., p. 71. 135 Ibid., p. 72. 136 Id.
137 SOUZA, Ney de (org.). Dom Mateus de Abreu Pereira: quarto bispo de São Paulo (1796-1824). Catolicismo em São Paulo: 450 anos da presença da Igreja Católica em São Paulo. São Paulo : Paulinas, pp.212-239. 138 LOPES, José Carlos Veiga. Op.Cit., p. 73-74.
48
Nesse mesmo ano de 1818, o padre Antônio Duarte Passos, vigário de Tamanduá,
mudou a paróquia para a freguesia de Palmeira. Posteriormente, em 1832, o vigário
de Nossa Senhora da Piedade do Campo Largo, José Joaquim Ribeiro da Silva,
defendia, em sessão na Câmara de Curitiba, que os limites de sua paróquia
abarcavam a freguesia de Tamanduá. Iniciados os debates acerca dos limites das
freguesias de Palmeira e Campo Largo, acabou por, em 1833, prevalecer os limites
propostos por Ribeiro da Silva, privilegiando a capela de Campo Largo.139
Doadas as terras pelo capitão João Antônio da Costa em 1819 a posse dos
terrenos na freguesia de Campo Largo não necessitava de registros, o que parece
continuar mesmo após a Lei de Terras, como indica a defesa da ré. Os moradores
mantinham a prática de posse por medição e ocupação, o que foi feito pelo vigário
Lourenço Justiniano nesse caso. No decorrer do processo não pode-se verificar
menção sobre a necessidade de compra de terrenos, ainda que o próprio padre
afirme que o terreno em litígio foi considerado devoluto. No processo, as
argumentações transitam em torno da legítima posse; se a família de dona Joaquina
ocupava efetivamente o terreno ou se encontrava-se abandonado, pertencendo,
então, ao vigário, que o mediu, iniciou construção e o registrou junto a Câmara
Municipal. Argumentou-se, portanto, da ocupação da Paróquia, e de seu
representante, o vigário Lourenço Justiniano. Parece, desse modo, ter-se aceito os
termos da doação realizada pelo capitão João Antônio, pois não considerou-se uma
posse ilegítima, mas validada, como, então, pode ser verificado nos termos da Lei
de Terras que versa sobre o que são as terras devolutas:
“§1º As que não se acharem applicadas a algum uso publico nacional, provincial, ou municipal. § 2º As que não se acharem no dominio particular por qualquer titulo legitimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em commisso por falta do cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura. § 3º As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do Governo, que, apezar de incursas em commisso, forem revalidadas por esta Lei. § 4º As que não se acharem occupadas por posses, que, apezar de não se fundarem em titulo legal, forem legitimadas por esta Lei.
139 Ibid., p. 73 -78.
49
Entretanto, pesa a informação dada pelo vigário de que o terreno foi
devoluto.140 De acordo com o afirmado pela acusação, o terreno litigado não
encontrava-se em domínio de ninguém até a posse do vigário em 1860. Logo, uma
aparente contradição surge: não deveria tal terreno ter sido vendido em praça
pública, logo que considerado devoluto? Por outro lado nenhuma reclamação de
necessidade de compra do terreno é apontada pela defesa, mesmo após a primeira
decisão, quando saem derrotados. Levanta-se, assim, a necessidade de uma
análise mais detalhada da legislação de terras no Brasil.
3.1. A Legislação sobre Terras
A distribuição de terras no Brasil independente é regulada pela “Resolução de 17 de
julho de 1822, [que] pondo termo ao regime das sesmarias no Brasil, sancionava
apenas um fato consumado: – a instituição das sesmarias já havia rolado fora da
órbita de nossa evolução social.”141 Em Rio Claro142, o historiador Warren Dean, por
outro lado, expõe que eram as sesmarias, “concedidas pelo vice-rei ou o
governador, [...] os únicos títulos de posse de terra reconhecidos pelos tribunais, até
a Lei da Terra em 1850.”143 Isso, porém, não indica que outras formas de exercício
de propriedade não fossem realizadas, o que se evidencia com o próprio fim das
concessões de sesmarias em 1822. Logo, as posses representam, pelo menos até a
Lei de Terras, a única forma de tomar propriedade desde tal Resolução. Como
afirma Sebastião Guedes:
“A política de terras no Brasil possui também dois momentos. Um primeiro, que durou de 1822 a 1850, caracterizou-se pela ausência de regulação sobre a terra pública e pelo crescimento vertiginoso das posses. O segundo momento compreende o período posterior à aprovação da Lei de Terras
140 BRASIL. Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850. Op.Cit 141 LIMA, Ruy Cirne. Op.Cit., p. 47. 142 DEAN, Warren. A expropriação da terra. Rio Claro: um sistema brasileiro de grande lavoura 1820-1920. Trad.: Waldívia Portinho. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1977. p. 19-37. 143 Ibid., p. 28.
50
(1850), caracterizado pela tentativa de implementação de uma efetiva política de terras que realizasse a necessária conversão do regime sesmarial em propriedade privada plena”144
A especulação com as terras concedidas, no modelo anterior à
Independência, tornou-se uma prática corrente. No Rio Claro, das terras concedidas,
Warren Dean verificou que a metade dos donatários jamais fixou residência em suas
propriedades.145 Pelo contrário, iniciou-se um processo de venda e doação de lotes
menores que apontam para o caráter lucrativo do recebimento de sesmaria, ou, pelo
menos, do ganho de influência social ou política na região da propriedade. Warren
Dean relaciona esse caráter especulativo à formação de propriedades senhoriais:
“Fora de qualquer dúvida, a posse de vastos tratos de terra dava prestígio, daí porque seu proprietário considerava de seu direito exercer comando e auferir deferência. Tais sentimentos podem ser caracterizados como senhoriais, mas eram engendrados por ações que destinavam a aumentar o acesso a riquezas, e, em decorrência, a alcançar lucros monopolísticos num mercado ativo e capitalista.”146
Sobre esse caráter, Roberto Smith afirma que “Possivelmente esses são
aspectos que se superpõem a necessidade de terras para a expansão da cana, do
algodão, de culturas de subsistência e o alçar vôo do café, após a chegada da
Família Real, com a distribuição indiscriminada de terras [sesmarias]. Se aceita essa
hipótese, é possível pensar que, na época, a distribuição para finalidades
improdutivas fosse ao encontro dos requisitos de expansão da agricultura [...].”147
Seja qual a específica função da posse de grandes propriedades, ou seu
efeito, pudemos verificar que a distribuição de sesmarias, no período anterior a
Independência caracterizou-se pela formação de senhorios. Uma das possibilidades
para manutenção da propriedade senhorial, ainda que de realização pouco frequente
no Brasil, foi a instituição do morgadio. A prática do morgadio, proveniente da
144 GUEDES, Sebastião Neto Riberio. Op. Cit., p. 24. 145 DEAN, Warren. Op.Cit., p. 30. 146 Ibid., p. 28. 147 SMITH, Roberto, A Transição no Brasil: a absolutização da propriedade fundiária. In:______. Propriedade da Terra e Transição: estudo da formação da propriedade privada da terra e transição para o capitalismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 237-338. p. 294-295.
51
nobreza portuguesa, foi instituída no Brasil Colônia, sendo abolida somente alguns
anos após os episódios da separação. O cientista político Luiz Alberto Moniz
Bandeira, sobre essa relação, expõe que
“As instituições feudais, que Portugal, já na etapa do mercantilismo, transmitiu à colônia sofreram adaptação e, conseqüentemente, transformações, e ela, na sua formação, não podia reproduzir fielmente a estrutura econômica, social e política da metrópole. Mas mentalidade feudal, com seus valores – honra, espírito de cavalaria, coragem e generosidade, entre outros – permaneceu e cristalizou-se, na classe dominante da colônia, em decorrência, inclusive, das funções militares atribuídas aos sesmeiros, na maioria fidalgos da Casa Real ou funcionários do reino, que se tornaram não só proprietários das terras e dos meios de produção, como, também, detentores da autoridade civil e da força armada, e acumulando às vezes à funções de juizes e vereadores. Eles eram vassalos do rei (vassi dominici), que desfrutavam de sua proteção particular e, constituindo uma rede de fidelidade, lhe deviam fornecer grande das tropas, para a defesa da colônia, quer contra os índios quer contra os estrangeiros.”148
A instituição do morgadio visava, então, a formação e manutenção de uma
casa senhorial, pois a propriedade do morgado não poderia ser fragmentada após a
morte do senhor que a possuía. Um herdeiro era designado à assumir essa
propriedade senhorial. Luiz Alberto Bandeira explica, em relação a instituição do
morgadio que:
“A instituição do morgadio, vinculando um conjunto de propriedades, subordinando-os a uma disciplina jurídica que não permitia nem a alienação em vida nem a repartição por morte e, concedendo à primogenitura o direito de herança, foi estabelecida em Portugal, durante a Idade Média, a fim de reforçar socialmente a nobreza e evitar o seu empobrecimento. No Brasil, o Parlamento proibiu a instituição do morgadio, em 1835, e os morgados existentes foram extintos 1837.”149
Os motivos para a formação do morgadio, precedidos pela lei da
primogenitura, são apresentados por José Flávio Pereira e Lupércio Antônio Pereira,
resgatando Adam Smith, da seguinte maneira:
148 BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Aspectos feudais da colonização do Brasil. Revista Espaço Academico. n. 52, set. 2005. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/052/52bandeira.htm. Acesso em: 14/10/2009. 149 Id.
52
“Na concepção smithiana, a lei de primogenitura foi adotada na Europa medieval como resposta às desordens e à insegurança que se seguiram à queda do Império Romano. Segundo ele, com a queda do Império Romano sobreveio uma época de desordem generalizada na Europa e os únicos agentes capazes de oferecer alguma segurança aos habitantes do campo eram os grandes proprietários das terras. Assim, a terra deixou de ser considerada mero 'meio de subsistência' e passou a ser concebida também como instrumento de poder e proteção. Naquela 'época de desordem', todo grande proprietário de terras passou a ser 'uma espécie de príncipe secundário' e 'seus rendeiros eram seus súditos'. Como cada grande senhor podia fazer 'guerra a seu talante' contra seus vizinhos e até contra seu soberano, a insegurança era geral, de modo que 'a proteção que seu proprietário tinha condições de oferecer aos que nela moravam, dependia da extensão da terra'. Assim, a divisão da grande propriedade poderia colocar em risco a segurança dos seus moradores, que ficavam sujeitos às incursões de vizinhos belicosos. Por isso, continua o autor da Riqueza das Nações, 'a lei de primogenitura veio a implantar-se gradualmente na sucessão das propriedades rurais, pela mesma razão pela qual geralmente se implantou na sucessão das monarquias', isto é, para que o poder do grande proprietário, e conseqüentemente a segurança que ele oferecia, não se enfraquecesse por divisões. Para evitar essa divisão, adotou-se a norma de que a grande propriedade da nobreza fosse herdada apenas por um dos filhos, o mais velho, com precedência para o sexo masculino na linha de sucessão. Assim, impondo a sucessão linear ao invés da sucessão democrática, a primogenitura impedia que a grande propriedade fosse partilhada entre os herdeiros.”150
Mesmo desconsiderando a análise smithiana exposta pelos dois autores
sobre as razões medievais para a formação da lei de primogenitura e do morgadio,
interessa-nos aqui perceber o desejo de manter, através dessa prática, a
propriedade senhorial indivisa. Para isso, o morgadio complementa a lei da
primogenitura pois: “[...] Se esta [lei da primogenitura] impedia a partilha dos
domínios por meio da herança, aquele [o morgadio] bloqueava a partilha por meio da
alienação, legado ou doação.”151 A propriedade da terra representava, desde a
implementação do regime de sesmarias no Brasil, uma posição social de prestígio.
André João Antonil, sobre os senhores de engenho na Bahia, escreveu que:
“O ser senhor de engenho é título a que muitos aspiram, porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos. E se for, qual deve ser (grifo nosso), homem de cabedal e governo, bem se pode estimar no
150 PEREIRA, José Flávio; PEREIRA, Lupércio Antônio. Instituições jurídicas, propriedade fundiária e desenvolvimento econômico no pensamento de José da Silva Lisboa (1829). História. v. 25. n. 2. Franca, 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-90742006000200010&script=sci_arttext. Acesso em: 14/10/2009. 151 Id.
53
Brasil o ser senhor de engenho, quanto proporcionalmente se estimam os títulos entre os fidalgos do Reino.”152
Podemos então questionarmo-nos sobre os motivos da doação realizada
pelo capitão João Antônio da Costa. Quais os motivos que o levaram a fazer a
doação de sua propriedade recém adquirida para Nossa Senhora da Piedade? O fim
do morgadio ainda na década de 1830 não caracterizará o fim das heranças e
práticas para manter a propriedade indivisa, até porque essa não foi a prática mais
disseminada na América portuguesa. Se o morgadio, para vigorar, precisava da
confirmação da Coroa, maneiras mais práticas eram utilizadas nos Trópicos. Sobre
isso, Warren Dean expõe que:
“O governo do Brasil independente mostrou-se incapaz de formular uma lei da terra em substituição ao regime de doações reais. Os reivindicantes de Rio Claro, embaraçados, tiveram de recorrer a formas improvisadas de reconhecimento. Combinavam seus interesses com outros, vendendo lotes a terceiros que então, deveriam sustentar a alienação original. O imposto pago por essas transações era apresentado como prova de aprovação oficial. Em Rio Claro, um dos posseiros mais importantes, Manuel Paes de Arruda, fortaleceu sua posição doando parte de sua posse para a construção da sede do município. A Câmara municipal de Piracicaba declarava, em 1835, em relatório ao presidente da província que já não havia terras públicas na região. Na verdade, elas tinham sido todas usurpadas.”153
No caso de Nossa Senhora da Candelária, no Rio de Janeiro, o cônego
Manuel da Costa Honorato, em exposição no Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro no ano de 1875, expõe como práticas de doações podiam representar uma
proteção da propriedade e não sua perda. Remete-se, para isso, ao caso dos
doadores da capela da Candelária:
“Em 1634 a ermida de Nossa Senhora da Candelaria foi elevada ao gráo de parochia, sendo, portanto, a segunda freguezia creada no Rio de Janeiro com uma área immensa, porque os povos estavam espalhados em todo o terreno habitavel.”
152 ANTONIL, André João. Do Cabedal que há de ter o Senhor de um Engenho Real. Cultura e Opulência do Brasil. p. 28-29. p. 28. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000026.pdf. Acesso em: 14/10/2009 as 15:33. 153 DEAN, Warren. Op.Cit., p. 31.
54
“Entretanto não agradou aos fundadores e proprietarios da ermida de Nossa Senhora da Candelaria a creação da parochia em um templo que tinham fundado como sua propriedade particular, porque d'essa fórma passaria elle para o dominio do Estado sob a immediata inspecção do parocho. Portanto resolveram fazer doação da ermida á santa casa da misericordia o que effectuaram por escriptura publica de 4 de Julho de 1639, sendo provedor da misericordia o capitão-mór, governador do estado, Salvador Corrêa de Sá e Benevides.”154
Uma das práticas mais comuns para manutenção de uma propriedade era a
doação das terras para a criação de uma paróquia ou propriedade de serventia
pública, caracterizando um bem de mão-morta. Realizada a doação, as terras não
poderiam ser vendidas. Como exposto acima nos argumentos de Raquel Glezer, os
bens da Igreja permaneceram intocados mesmo após a Independência. Logo, tanto
na Candelária, onde os fundadores da capela de Nossa Senhora da Candelária
haviam-na construído, tendo sua posse, como em Rio Claro, onde a doação para
sede do município visou manter o uso de Manuel Paes de Arruda, verificamos
práticas para manutenção de uma propriedade sem divisão não caracterizadas pelo
morgadio. Nas primeiras décadas do século XIX o regime de sesmarias contribuirá
para que pequenas posses não reconhecidas sejam eliminadas, e, para isso,
tomadas por sesmeiros. Segundo Warren Dean:
“Por volta de 1820, muitos dos moradores de Rio Claro foram subitamente expulsos por algumas poucas pessoas com suficiente dinheiro e influência política para conseguir títulos de posse sob a forma de sesmarias. A expropriação do valor adicional representado pela limpeza da terra e o cultivo anterior significava um ato inicial de acumulação de capital. Cedo, pessoas ainda mais ricas e influentes começaram a reunir recursos suficientes para a exploração agrícola em larga escala. Rio Claro tornara-se, na expressão local, uma 'frente pioneira', ou seja, passara a fazer parte do perímetro da economia costeira capitalista e voltada para a exportação.”155
Não se desconsidera, então, a utilidade econômica que as propriedades
podiam proporcionar. A atividade capitalista não eliminava necessariamente o caráter
senhorial, e vice-versa. Por outro lado, muitas vezes a propriedade da terra não
154 HONORATO, Manoel da Costa. Op.Cit., p. 12. 155 DEAN, Warren. Op.Cit., p 37.
55
interessava em grande propriedade, mas podia-se ganhar mais pela sua subdivisão,
como podemos verificar por texto do próprio Warren Dean:
“Em 1855, quando houve o primeiro registro geral de terras, muitas declarações mostraram três ou mais donos sucedendo o sesmeiro original, de mais ou menos 30 anos antes. Muitos dos proprietários anteriores nunca haviam morado em Rio Claro, eram expeculadores que visavam ao lucro decorrente de novas subdivisões. Muitos dos proprietários, na paróquia de Rio Claro, que indicaram a data de aquisição de suas terras, haviam-nas recebido menos de seis meses atrás. A rapidez das transferências por compra excedia a das heranças. No mesmo registro de 1855, apenas 20 por cento dos que declararam a procedência de seus títulos indicaram herança ou doação. Ainda que algumas das declarações de compra ou troca fossem, na verdade, ajustes entre co-herdeiros, aparentemente, havia mais compras do que doações.”156
Nesse contexto, Muriel Nazzari, expõe que também podia ocorrer a
subdivisão da terra em benefício da posse daqueles que a habitavam:
“A preponderância de pequenos proprietários em nossa amostra do século XIX [na província de São Paulo] pode indicar, também, que o privilégio de ter propriedade privada vinha sendo conseguido cada vez por um número maior de famílias. A maioria delas era provavelmente de descendentes daqueles relacionados nos censos de meados do século XVIII como pessoas que trabalhavam a terra mas não eram seus donos, pois a maioria delas havia nascido na freguesia em que viviam ou em uma freguesia próxima. Nos anos intermediários haviam adquirido a terra em que trabalhavam. João Soares Camargo, por exemplo, adquiriu sua terra mediante a prova de que ela estava em sua posse e era cultivada desde 1838.”157
A prosperidade dos herdeiros também não era garantida. Nazzari expõe que:
“Outros pequenos proprietários podem ter decaído socialmente, sendo
descendentes de famílias mais prósperas cujas propriedades foram sendo
sucessivamente subdivididas por intermédio de herança.”158 Logo, o risco que a
subdivisão podia acarretar pode contribuir para que concluamos que o interesse em
manter a propriedade indivisa tinha elementos não somente senhoriais, mas,
também, econômicos.
156 Ibid., p. 31. 157 NAZZARI, Muriel. Op.Cit., p. 159. 158 Ibid., p. 159-160.
56
Por se tratar de um terreno urbano, do caso do litígio aqui analisado, não
podemos concluir que houve intenção de usufrui-lo, por alguma das partes, para fins
senhoriais ou de grande plantação. Essas considerações, no entanto, podem ser
levantadas quando se questiona a figura do doador da paróquia, o capitão João
Antônio da Costa. Imediatamente após arrematar a propriedade do Campo Largo,
como já foi verificado, fez a doação do terreno para que ali se pudesse iniciar a
freguesia. Vimos como a doação para uma capela podia representar o desejo de
manter uma propriedade indivisa, mantendo seus laços senhoriais sobre uma
propriedade que seus herdeiros teriam de cultivar sem dividí-la. Poderíamos,
mesmo, supor que há algum parentesco entre o capitão João Antônio da Costa e
pessoas assentadas no Campo Largo, como Gertrudes Maria Vas, sogra de dona
Joaquina Vieira de Souza e que tinha a posse inicial do terreno, ou outras pessoas
que permaneciam no Campo, como o vigário Lourenço Justiniano. Cabe registrar
que, feita a doação, ficou responsável por zelar pela capela o capitão Jerônimo José
Vieira.159
Em relação ao processo de 1870, o documento principal de análise deste
estudo, o processo judicial envolvendo o vigário Lourenço Justiniano e dona
Joaquina Vieira de Souza, traz, como uma das principais interpretações legais,
principalmente pela acusação, texto do jurista português Mello Freire. Utiliza-se as
referências desse jurista no que se refere à propriedade por posse. O vigário
Lourenço Justiniano, na figura de seu procurador, advogado Generoso Marques dos
Santos, argumenta contra a posse alegada pela defesa de dona Joaquina, que:
“A intenção de possuir, que a autora tentará provar o que seria com effeito sufficiente para a continuação de sua posse mesmo faltando a carta o elemento essencial da occupação, se a casa existisse ainda porque nesta hypothese teria applicação o preceito do art. 3º § 11 [...]. Tendo, porém, sido a casa completamente destruída cessara a faculdade de exercer a autora sua posse, não podendo permanecer no lugar e deixando este ao uso público. É o que nos diz Mello Freire – Inst. Jur. Civ. L. §3º §2º §7º ibi.”160
159 LOPES, José Carlos Veiga. Op.Cit., p. 181. 160 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 48.
57
A jurisprudência acatada pela corte, origina-se, ou debruça-se sobre as
legislações anteriores a Lei de Terras. Márcia Maria Menendes Motta, afirmou, que:
“Ao assumir a tarefa de refletir sobre o tema do direito civil, e portanto, sobre o fundamento da propriedade, Mello Freire produziu três volumes de suas Notas de Uso Pratico e Criticas, organizado por Lobão na primeira segunda do século XIX. [...] destacam-se, no primeiro volume, as reflexões de Mello Freire sobre Sesmarias [...] e sobre o Costume; e no terceiro volume, suas ilações sobre as diferenças entre posse e domínio. [...] as interpretações de Freire nos ajudam a refletir sobre a questão do direito a terra em Portugal, de fins do século XVIII.”161
Porém, as interpretações legadas por Mello Freire, ainda no século XVIII,
contribuíram para que se julgasse sobre a posse de terra, também, no Brasil
independente. A autora classifica o jurista Pascoal José de Mello Freire como o
maior intérprete de um “racionalismo”, representado, em Portugal, pelo Marquês de
Pombal, e que visava implantar uma “ratio scripta”. Isso ficará patente quando
publica, entre 1778 e 1793, “A História Iuris Civilis Lusitani” e “Instituitiones Iuris
Civilis Lusitani”.162 Nesse contexto será promulgada a Lei da Boa Razão, que
buscava, segundo a autora, além de atingir aquele caráter racional, sustentar o
direito nacional, e da Coroa portuguesa, em oposição ao direito romano. Márcia
Maria Motta afirma, então, que “de uma forma ou de outra a Lei da Boa Razão foi
uma continuidade na ruptura (ou se desejarem, uma ruptura na continuidade), posto
que a partir de 1769, tornava-se expressa em lei à obrigatoriedade de utilização do
direito pátrio, em detrimento do romano.”163
As obras citadas de Mello Freire foram, como nos expõe a autora,
organizadas na primeira metade do século XIX por outro importante jurista
português, Manoel d’ Almeida e Sousa de Lobão. É pela edição de Lobão que
Márcia Maria Motta expõe que Mello Freire verifica as dificuldades em definir posse
e propriedade da terra, como entes distintos, nos domínios portugueses. Mello
161 MOTTA, Márcia Maria Menendes. Sesmarias: uma história luso-brasileira (séculos XVIII/XIX). In: COLÓQUIO ESPAÇO ATLÂNTICO DE ANTIGO REGIME, 2005, Lisboa. Disponível em: <http://cvc.instituto-camoes.pt/eaar/coloquio/comunicacoes/marcia_maria_menendes_motta.pdf>. Acesso em: 01/10/2009. 162 Ibid., p. 12-13. 163 Ibid., p. 12.
58
Freire, buscava sobrepor leis “racionais” às práticas de uso comum, tão presentes
nas legislações de Antigo Regime, ainda que sem apresentar uma posição radical
quanto a liberdade.164 Por outro lado:
“Práticas e direitos antigos que muitas vezes se pautavam na noção de uma posse imemorial eram acionados nos crescentes processos de contestação contra o não menos crescente processo de individualismo agrário. Resistências e protestos tornavam-se a marca dos camponeses que procuravam se defender contra a vedação dos maninhos e aforamento de terras, antes utilizadas em comum.”165
Se Portugal enfrentava uma crise agrícola no século XVIII, quando a
regularização fundiária e a propriedade privada passaram a ser entendidas como
maneiras de combate à essa crise, no Brasil a questão da propriedade da terra
recebia contornos diferentes. Mello Freire como representante das ideias
reformadoras em Portugal, verifica que era necessário uma mudança nos costumes
para regular a propriedade. No Brasil, no entanto, a Coroa portuguesa encontrava
um entendimento sobre a propriedade diferente, como nos aponta a Márcia Maria
Motta:
“No entanto, em fins do século XVIII a Coroa Portuguesa tinha problemas ainda não menos graves a enfrentar nos seus esforços de estabelecer princípios jurídicos claros para a questão da apropriação da terra. No território do Ultramar, na colônia brasileira, havia se instituído exatamente um sistema jurídico fundamentado na lei de Sesmarias de D. Fernando, e expressava a face mais visível da dificuldade em se definir posse e propriedade em áreas ainda objeto de expansão. O desconhecimento sobre a forma como ela era operada nas colônias e seus múltiplos significados eram visíveis nas análises dos memorialistas, como Bernardo de Mello e Vandelli. No entanto, o imaginário social havia consagrado a noção de que nas terras livres coloniais era possível a instituição da propriedade privada, sem os problemas oriundos de práticas e costumes antigos, considerados causadores dos males da agricultura em Portugal.”166
A acusação de Generoso Marques, utilizando-se das interpretações de Mello
Freire, argumenta que, no caso do terreno em litígio:
164 Ibid., p. 13-14. 165 Ibid., p. 15. 166 Ibid., p. 16.
59
“O abandono [do terreno pela família da ré] em tal caso é presumido, a coisa possuída, a casa, tendo perecido, não podia continuar a possuir se não ocupando novamente o terreno. Ao contrário, não sendo este sua propriedade, mesmo para força do documento constando da certidão da fl16 voltara á condição de todo o mais terreno pertencente ao patrimonio da Padroeira da Freguesia. E como a prescrição entre presentes é de dez annos (Ord. L.º 4 A. 3º § 1º e A. 19 §3º Consol. Das 2ªs notas ao art. 1322) fôra bastante este tempo de occupação pelo público para que o terreno reportasse a elle.167
Podemos verificar, então, como continuam as legislações portuguesas
vigorando mesmo no Brasil independente. Generoso Marques conclui sua exposição
datada de 24 de julho de 1870, afirmando que pertencendo “o terreno ao patrimonio
da Padroeira, ficava sujeita á clausula da doação feita pelo Cap. João Antonio da
Costa, e portanto pertencia áquelle que primeiro o occupasse, começando a
edificar.”168 Essas argumentações serão aceitas pela corte. O processo, iniciado em
12 de junho de 1870, terá sua última linha acrescentada em 28 de outubro do
mesmo ano, em acordo com a jurisprudência portuguesa do século XVIII.
167 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 48. 168 Id.
60
4. CAPÍTULO III: RELAÇÕES ENTRE O CLERO SECULAR BRASILEIRO E A SOCIEDADE.
No que se refere as relações entre o clero brasileiro e a sociedade, cabe
retomar algumas contribuições historiográficas consagradas sobre o tema.
Inicialmente buscamos a análise proposta por Gilberto Freyre, que apontou para a
relação de proximidade entre o padre local e o senhor de engenho no período
colonial. Freyre descreveu um “patriarcalismo torto dos clérigos”169, caracterizado
por uniões conjugais. Nas “notas ao capítulo V” de “Casa Grande e Senzala”, o autor
expôs que “'ter filhos foi dos fenômenos interessantes da vida dos padres e vigários
do século passado' [XIX], (...) atividade parapatriarcal de sacerdotes brasileiros,
homens notáveis pela inteligência, altos serviços e brilho das posições.”170 Esses
sacerdotes encontravam-se em relação com “homens abastados” e suas famílias, e,
muitas vezes, formando novas famílias. Logo, Freyre defende a existência de uma
influência primordial dos eclesiásticos na formação da vida social brasileira,
resultado da sua proximidade com as populações locais e das famílias dos “homens
abastados”. Freyre escreveu que
“A igreja que age na formação brasileira, articulando-a, não é a catedral com o seu bispo a que se vão queixar os desenganados da justiça secular; nem a igreja isolada e só, ou de mosteiro ou abadia, onde se vão acoitar criminosos e prover-se de pão e restos de comida mendigos e desamparados. É a capela de engenho. Não chega a haver clericalismo no Brasil. Esboçou-se o dos padres da Companhia para esvair-se logo, vencido pelo oligarquismo e pelo nepotismo dos grandes senhores de terras e escravos.”171
Por outro lado, se a Igreja busca uma moralização em meados do século
XIX, caracterizada pela “romanização”, exposta pelas encíclicas de 1864, e o Estado
169 FREYRE, Gilberto. Casa grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global. 2004. p. 534. 170 Ibid., p. 565-566. 171 Ibid., p. 271.
61
brasileiro manter e/ou aumentar seu controle sobre o clero nacional, é necessário
verificar como se comportou a Igreja no Brasil diante das duas posições opostas que
verificamos pela historiografia analisada no primeiro capítulo; da Sé e do Império,
sob a luz da historiografia retomada agora.
Outra análise fundamental sobre as relações sociais no Brasil, e,
consequentemente, de elementos da Igreja e do Estado, é a do “Homem Cordial” de
Sérgio Buarque de Holanda. Em sua análise, o historiador apresenta a existência,
enfatizando idealmente, uma confusão entre os espaços Público e Privado na
formação da sociedade brasileira. Aqui, as relações, os negócios, aproximam-se das
relações de parentesco. É característico, no Brasil, segundo Buarque, o predomínio
do “tipo primitivo da família patriarcal”172, onde prevalece um “convívio mais
familiar”173. Essa explicação de Sérgio Buarque permite ter um princípio para a
análise das relações locais, onde, na apresentação do historiador, o Estado não
interferia nos bens da capela, e a Igreja se ocupava de suas funções sem interferir
na ordem social interna do Estado.
Relacionando as abordagens de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de
Holanda acerca da formação patriarcal da sociedade e as relações de uma Igreja
nesse contexto, verificamos que os dois autores apontam para a importância de
relações familiares na formação da sociedade brasileira. Gilberto Freyre chama de
“Capela de Engenho” esse local, inserido na propriedade latifundiária que
caracteriza as relações entre Igreja e sociedade na formação do Brasil.
Outro aspecto importante, destacado por Gilberto Freyre, refere-se a
formação patriarcal, que segundo o autor, permanece no Império. É através desse
poder local, que o patriarcalismo constitui, que as redes familiares se formam e
buscam manter influência na Corte, extrapolando o âmbito regional. Maria Fernanda
Martins expõe que em seu trabalho:
“ao se privilegiar as famílias como base para análise do papel e da atuação dos poderes locais, bem como das redes que os ligavam ao poder central, pretende-se ressaltar o fato de que essas redes desconheciam os limites
172 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Cia das Letras. 1995, p. 145. 173 Ibid., p. 148.
62
provinciais, formando uma extensa teia que, em geral, permitia a manutenção de uma certa unidade familiar”174.
Como o clero secular se posicionava frente essas relações familiares e de
poder local deve ser, aqui, analisado pela figura do vigário Lourenço Justiniano.
4.1. As relações sociais do vigário Lourenço Justiniano Ferreira Bello.
Apresentado pelo historiador Francisco Negrão como um político “militante e
de prestígio”175, a árvore genealógica de Lourenço Justiniano pode apresentar um
exame de suas relações, o que fizemos seguindo a exposição de Negrão. Lourenço
Justiniano insere-se na sexta geração do Capitão João Rodrigues de França.
Negrão explica, no terceiro volume de sua “Genealogia Paranaense”, que os doze
capítulos desse texto referem-se aos descendentes do Capitão-mor João Rodrigues
de França.176
A patente de Capitão-mor de Paranaguá foi outorgada à Rodrigues de
França em 1707. Exerceu o governo dessa Capitania até sua morte, em 1715.
Francisco Negrão relata que João Rodrigues de França foi “[...] morador em Santos,
onde era estabelecido. Possuia varias fazendas de criação nos Campos Geraes e
nos de Curityba e S. José e as minas de ouro de Arassatuba em S. José, d'onde
retirou muito ouro”.177 Homem de influência na Corte, Negrão afirma que por “[...]
possuir grandes cabedaes, procurou educar e instruir seus filhos, dos quaes fez
ordenar na carreira Ecclesiastica a seis d'eles”178. Vale lembrar que teve doze filhos,
dos quais cinco eram mulheres. Desse modo, apenas um de seus filhos homens não
seguiu pela carreira eclesiástica, o sargento-mor Christóvão Pinheiro Rodrigues de
174 MARTINS, Maria Fernanda. Op. Cit., p. 188. 175 NEGRÃO, Francisco. Op.Cit., p. 398. 176 Ibid., p. 567. 177 Ibid., p. 3-4. 178 Ibid., p. 4.
63
França. Podemos, então, verificar a importância da carreira eclesiástica para uma
família de grandes posses. Num contexto diferente, porém pertinente, a França do
século XVIII, tratando de “alianças” entre nobres, ou, mais especificamente,
casamentos entre nobres que visavam a manutenção da posse nobiliárquica, e
“mésalliances”, ou alianças impuras, entre nobres e burgueses, visando um
incremento de capital, Jean-Claude Bologne comenta sobre a prática realizada pela
nobreza francesa em adotar “com exagero a solução eclesiástica para o problema
dos filhos supranumerários, para não dividir o seu patrimônio até ao infinito.”179 Pelo
menos no Brasil, segundo podemos perceber pela genealogia exposta por Francisco
Negrão, buscou-se muito, entre os abastado proprietários de terras, direcionar seus
filhos para as carreiras eclesiástica e militar. Fora o fato de ter entre seus sete filhos
homens seis eclesiásticos, o único restante dedicou-se à carreira militar, assim como
o pai. Poderemos verificar a continuação dessa prática na sequência da análise
genealógica. Também entre as mulheres a incidência de casamento com militares
será facilmente perceptível. Sérgio Buarque, na História Geral da Civilização
Brasileira, defende que “a ocupação favorita da gente graúda e uma das mais
respeitáveis, fora sempre em S. Paulo a carreira das armas”.180 Defende, também, o
historiador, que a carreira militar, assim como a clerical, exercia “poderoso atrativo
sobre os filhos das famílias mais distintas pelo nascimento e pela fortuna”.181
Buarque destaca o prestígio que essas duas profissões podiam conceder aos seus
empregados. Destacará, então, como podiam proporcionar empregos seguros “num
ambiente que ainda não desenvolveu uma estrutura burocrática moderna de cunho
permanente.”182
“Se é isto fato verdadeiro a propósito dos militares, que em todo caso se expõem a perigos, adversidades e injustiças, não o é menos no caso dos clérigos. Na prática, aliás, a posição do clero no Brasil colonial e até certo ponto durante o Império, equivalia sem grande diferença à dos funcionários do Governo, desde que este se obrigava a pagar-lhes as côngruas
179 BOLOGNE, Jean-Claude. Alianças e Mésalliances. História do casamento no Ocidente. Trad.: Isabel Cardeal. Lisboa. Temas e Debates, 1999. p. 217-246. p. 223. 180 HOLANDA, Sérgio Buarque. São Paulo. In:______ História Geral da Civilização Brasileira.Tomo II. v.2. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. p. 413-472. p. 451. 181 Id.
182 Id.
64
competentes derivadas dos rendimentos da Ordem de Cristo. Ao lado disso era costume perceberem os párocos suas 'conhecenças' de taxa variável, segundo o tempo e o lugar, com o que suprimiam a deficiência das côngruas. Reminiscências dos primitivos dízimos pessoais, que deviam os paroquianos aos pastores para a honesta subsistência destes, a cobrança das conhecenças foi causa de inúmeras polêmicas, onde não raro se envolviam os prelados e que motivaram as constantes desinteligências surgidas em S. Paulo entre o bispo D. Mateus Pereira e vários governadores.” 183
Contudo, entre a exposição de Bologne e de Negrão, verificamos que a
carreira eclesiástica no Brasil não representava um desligamento do mundo material
que envolvia sua família. O filho de Rodrigues de França, padre José Rodrigues de
França “foi Capellão da egreja da Conceição do Tamanduá durante alguns annos.
Possuia numerosa escravatura e bens nos Campos Geraes, em S. José, Tamanduá
e no Palmital. Foi vigário de Santos.”184 Antes, porém, de se ordenar, de acordo com
Francisco Negrão, ainda quando estudante em Coimbra, teve um filho, João
Chrisostomo.185 O percurso do padre José Rodrigues de França lembra-nos mais a
Igreja apresentada por Gilberto Freyre, as ligações com as famílias abastadas e os
demais “fenômenos interessantes da vida dos padres e vigários do século
passado”186.
Ao referirmo-nos à constância de casamentos das mulheres, aqui
verificados, com militares, a historiadora Mary del Priori aponta para o controle dos
casamentos pelos pais no Brasil do século XIX. A autora destaca uma “mentalidade”
que propiciava uma “rede de solidariedade, deveres e obrigações mútuas”187. Desse
modo, o “consentimento dos mais velhos continuava [nos núcleos urbanos, como
São Paulo] abençoando as uniões e cabia ao pai decidir e determinar o futuro dos
filhos sem lhes consultar, 'de sorte que' – explica o escritor Alcântara Machado –
'casamentos se fazem às vezes sem que os nubentes se tenham jamais visto',
sendo comum a união de parentes para preservar fortuna e linhagem.”188
183 Id.
184 NEGRÃO, Francisco. Op.Cit., p. 565. 185 Id.
186 FREYRE, Gilberto. Op. Cit., p. 565-566. 187 DEL PRIORI, Mary. Casamentos arranjados, casamentos por interesse.In:______. História do amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2005. p. 156-180. 188 Id.
65
Outro registro importante refere-se às relações entre os capitães, além da
quantidade de terras que possuíam. O Capitão Antônio Luiz Tigre, aqui já abordado,
grande proprietário de terras nos campos de Curitiba, foi, assim como João
Rodrigues de França, outro grande proprietário na mesma localidade, testamenteiro
do “Capitão-Mór e ex-Administrador e descobridor das Minas do Sul e ex-
Governador Militar da praça de Santos, Agostinho de Figueiredo”189. Novamente em
relação aos casamentos, cabe destacar que o já referido Capitão Antônio Luiz Tigre
casou-se com a última filha de Rodrigues de França, Anna Rodrigues de França.
Quando morreu sua esposa, como já vimos, fez doação de sua propriedade para a
capela de Tamanduá, assim como os herdeiros fizeram após a morte do Capitão.
A genealogia de Lourenço Justiniano ramifica-se pela segunda filha do
Capitão Rodrigues de França, Maria de Ascenção. Falecida em 1742, em
Paranaguá, deixou, segundo Negrão “fazendas de criação de gado nos campos do
termo de Curityba.”190 Casou-se duas vezes, primeiro com o Capitão Francisco
Rodrigues Godinho, “negociante de fazendas em Paranaguá”191, com quem, entre
outros dois filhos, teve Francisca Pinheiro, que segue a ramificação que culminará,
aqui para nós, em Lourenço Justiniano Ferreira Bello. Posteriormente casou-se com
o Capitão-mor André Gonçalves Pinheiro, “pertencente entre uma das principais
famílias de Paranaguá, conforme se vê de sua Patente de Capitão-Mór, passada por
Rodrigo Cezar Menezes, General do Senado de S. Paulo”192, foi ainda, esse capitão,
“Provedor dos Reaes Quintos do ouro da Fundição da Villa e Comarca de
Paranaguá”193. Desse casamento teve outros nove filhos; sete mulheres e dois
homens que se tornaram padres. Francisca Pinheiro, neta da esposa do Capitão
Rodrigues da França, de mesmo nome dela, também se casou duas vezes. Primeiro
com Domingos Machado, com quem teve Domingos Machado Pereira, que
interessa-nos pela genealogia que seguimos, e, em segundas núpcias com Capitão
Virissimo Gomes da Silva, integrante do Regimento de Ordenanças de Paranaguá e
189 NEGRÃO, Francisco. Op.Cit., p. 4. 190 Ibid., p. 7. 191 Id.
192 Id.
193 Ibid., p. 7-8.
66
Comandante da Companhia da Barra Grande desde 1733.194 Casado com Francisca
Xavier, Domingos Machado Pereira teve, entre outros filhos, o Tenente Domingos
Machado Pereira Filho, que casou-se com Anna Maria da Rocha. Dos sete filhos que
tiveram, a última, Balbina Maria do Nascimento casou-se com o Capitão Joaquim
José Ferreira Bello. É desse casamento que será gerado nosso observado o vigário
Lourenço Justiniano Ferreira Bello. Lourenço teve oito irmãos, quatro mulheres, um
padre, como ele, dois capitães e um que Francisco Negrão não informa profissão,
por talvez ser morto ainda enquanto criança. Vejamos essa genealogia no quadro
abaixo:
FIGURA 1 – GENEALOGIA DE LOURENÇO JUSTINIANO FERREIRA BELLO FONTE: O autor (2009
194 Ibid., p. 372.
Cap. João Rodrigues de França
Francisca Pinheiro
Maria de Ascenção Cap. Francisco Rodrigues Godinho
Casou-se em segundas núpcias com André Gonçalves Pinheiro
Francisca Pinheiro Domingos Machado
Casou-se em segundas núpcias com o capitão Virissimo Gomes da Silva
Domingos Machado Pinheiro Francisca Xavier
Ten. Francisco Machado Pereira Filho Anna Maria da Rocha
Cap. Joaquim José Ferreira Bello Maria Balbina do Nascimento
Padre Lourenço Justiniano Ferreira Bello
67
Pudemos verificar como Lourenço Justiniano pertencia a uma importante
família da região da capitania de Paranaguá. De sua geração, dois de seus irmãos
foram capitães, o que, como já vimos, propiciava algum prestígio social, e outro foi
padre, além de deputado, assim como o próprio Lourenço. Entretanto, o padre
Lourenço Justiniano não foi “somente” vigário de Campo Largo, região de
estabelecimento de propriedades de sua família, como também cônego, e, assim,
pertencendo ao cabido de São Paulo. Desse modo, Lourenço Justiniano, como
vigário capitular, chegou a assumir interinamente o bispado de São Paulo após a
morte de D. Manuel de Andrade em 1847.195 Logo, Lourenço Justiniano gozou de
elevado prestígio na Igreja da província de São Paulo e, posteriormente, do Paraná.
Os seis biênios para os quais foi conduzido à Assembleia Provincial corroboram seu
prestígio, político, porém, também, social.
Sua influência na freguesia do Campo Largo também pode ser verificada
na quantidade de vezes em que foi convidado para ser padrinho. Lourenço
Justiniano aparece como padrinho em vários batismos realizados na Paróquia de
Nossa Senhora da Piedade. Entre todos os batismos localizados nos livros 4 e 5 dos
Assentos de Batismo de Campo Largo, 2619, realizados entre os anos de 1857 e
1868, 92 foram realizados na capela do Tamanduá e 2491 na Matriz de Nossa
Senhora da Piedade. Em 1857 foram sessenta e cinco registros de batismos, em
1858 duzentos e treze, em 1859 são duzentos e quarenta e nove, em 1860 duzentos
e cinquenta e um, em 1861 duzentos e quarenta e oito, em 1862 duzentos e trinta e
oito, em 1863 duzentos e quatorze, em 1864 cento e quarenta e cinco, em 1865
foram cento e vinte e oito, em 1866 duzentos e sessenta e um, em 1867 trezentos e
vinte e dois e em 1868 duzentos e oitenta e cinco. Nesses doze anos, Lourenço
Justiniano aparece como padrinho em trinta e duas vezes.
São pais de seus afilhados: Pedro José da Cunha e Leocádia Maria do
Rodo, em 1857; João Barbosa Godoi e Joaquina Cardosa em 1858; Felipe Miller e
Francisca de Assunção Santos, Diogo Ponto de Azevedo Portugal e Vitalina Ferreira
de Azevedo em 1859; José Maria de Paula Montes e Francisca da Costa Portella,
alferes Manoel Antonio da Andrade e Maria das Merces Andrade, Lucio José Ferreira
195 SOUZA, Ney de (org.). Op. Cit., p. 297.
68
e Aldina de Souza, além de outros dois pais incógnitos, com mães chamadas Maria
e Antonia Maria em 1860; em 1861, o Tenente José Ferreira Pinto e Francisca de
Paula Ribas, Antonio Ferreira de Albuquerque e Aureliana da Costa Portella; Pedro
Ferras de Oliveira Franco e Placidina Alves de Jesus e um pai incógnito e mãe Maria
Gertrudes Vas. Não localizamos parentesco específico dessa senhora com a sogra
de dona Joaquina Vieira, ré no processo movido por Lourenço em 1870, dona
Gertrudes Maria Vas, apesar da semelhança dos nomes, que nos leva mesmo a crer
na possibilidade de ser a mesma pessoa.
Maria Gertrudes Vas teve uma filha chamada Luiza, com esse pai
incógnito, que tornou-se afilhada de Lourenço Justiniano. No processo que envolvia
dona Joaquina e o vigário Lourenço Justiniano, é citado um irmão de Francisco
Borges de Sampaio, Manuel Borges de Sampaio, porém, também nesse documento,
não há referência ao nome de seu pai. Contudo, a divisão da casa que havia no
terreno em litígio, após a morte de dona Gertrudes, foi realizada entre Francisco
Borges de Sampaio, seu irmão e seu pai, não constando nada que se refira à Luiza,
ou, mesmo alguma filha do casal ou de dona Gertrudes.
Em 1862, o vigário Lourenço Justiniano tornou-se padrinho de filhos de
Joaquim Antonio Coelho e Ana de Matos Cordeira, além de Francisco Gabriel e
Francisca Maria Padilha. Em 1863; José de Lima e Maria Eufrásia, e de um pai
incógnito e Balduina Alves de Brito. Em 1864; Francisco João de Chaves e Ana de
Paula Farias, alferes Joaquim Pinto Ribeiro Nunes e Zeferina Maria Cordeira,
Prudente José do Nascimento e dona Laura de Lima Borges, Francisco de Paiva
Rocha e Maria do Céu e Souza, e, alferes João Soares da Silva e dona Francisca de
Paula Teixeira. No ano de 1866; tenente José Ferreira Bello, seu irmão e futuro
capitão, e Geraldina da Mota Bandeira e Silva Bello, João Ferreira da Silva e Maria
Gertrudes da Conceição, e pai incógnito e Laurinda Soares de Lima. Em 1867;
Prudente Domingos Ferreira e Felicidade da Costa Portella, João José Ferreira e
Generosa Coleta Guimarães, Antonio Ferreira de Albuquerque e Aureliana da Costa
Portella, e Manoel João Fernandes e Leocádia do Espírito Santo. No último ano
69
desse registro, 1868, um pai incógnito e Maria Francelina Labre. Na maioria das
vezes, a madrinha que o acompanha foi Maria da Luz Ferreira Bello.196
A quantidade de vezes que Lourenço Justiniano foi padrinho destaca-se
gravemente dos demais padrinhos da região. Entre os padrinhos que mais vezes
foram convidados, destacam-se aqueles que tinham algum cargo militar. Sem contar
Lourenço Justiniano, o padrinho mais vezes solicitado foi o Capitão Pedro Martins
Saldanha, vinte e três vezes. Ainda assim, somente duas pessoas, sem contar o
vigário, foram padrinhos de mais de vinte crianças, porém nenhum atingiu trinta,
como o fez Justiniano. Padrinhos de dez ou mais crianças, encontrou-se somente
dezoito. Desses, onze são apresentados como militares e sete não. Se
considerarmos o fato de ser lembrado para padrinho um sinal de prestígio social,
podemos concluir que os militares levavam vantagem, perdendo, nesses doze anos,
para apenas uma pessoa, o vigário Lourenço Justiniano Ferreira Bello. Cabe
destacar que entre os escolhidos por dez ou mais pais, um dos padrinhos foi
Ildefonso Ferreira Bello, um evidente parente do vigário de Campo Largo.
Além dos padrinhos com apenas um afilhado ou que não se podia definir
corretamente, o número de padrinhos e afilhados segue, para o mesmo registro
citado acima, na seguinte tabela:
QUADRO 1 – QUANTIDADE DE AFILHADOS POR PADRINHO ENTRE 1857 E 1868 NA IGREJA
MATRIZ DE NOSSA SENHORA DA PIEDADE DO CAMPO LARGO
QUANTIDADE DE AFILHADOS POR PADRINHO
NÚMERO DE PADRINHOS
2 197
3 106
4 58
5 41
6 28
7 26
196 Assentos de batismos. Campo Largo, 1857-1868. Paróquia de Nossa Senhora da Piedade do Campo Largo, livros 4 e 5.
70
8 15
9 8
10 5
11 3
12 2
13 2
14 2
15 1
16 1
21 1
23 1
32 1 FONTE: O autor (2009) FIGURA 2.
Podemos verificar como à medida em que aumentam os números de
afilhados diminuem os de padrinhos. Padrinhos com quinze ou mais afilhados são
encontrados em número bastante restrito. Desses há somente um padrinho para 15,
16, 21, 23 e 32 afilhados, o que aponta para o restrito número de pessoas iguais
procuradas pelos pais. Padrinhos com menos de dez afilhados transitam em torno
de 479 no total, enquanto aqueles com mais de dez, em torno de 27. Acima de
quinze o número se restringe ainda mais. São somente cinco padrinhos que atingem
tão alto número de afilhados. Logo, a prática mais comum era, provavelmente, de
escolher pessoas mais próximas, por isso a diversidades de padrinhos. Porém,
algumas pessoas são procuradas por muitos pais. Vimos que eram, na maioria das
vezes pessoas ligadas a atividade militar. Vimos também que os militares gozavam
de algum prestígio naquela sociedade. Portanto, as pessoas mais procuradas para
serem padrinhos eram distintas pelo prestígio social.
Essas relações de compadrio foram analisadas por parte da historiografia
brasileira. Retomamos, aqui, artigo de pesquisadores da Universidade de Ouro
71
Preto, que verificaram relações de compadrio na Vila Rica de fins do século XVIII.197
Segundo esses historiadores, a importância do estudo de compadrio destaca-se pela
possibilidade de atingir as relações sociais perante as elites locais de uma
determinada localidade, uma vez que “o compadrio consistia em um dos elementos
de estruturação das redes sociais que organizavam a vida cotidiana.”198 Os registros
de batismo, depositados nos assentos batismais, e que representavam, segundo os
autores, um dos únicos documentos escritos que registravam as divisões sociais de
uma determinada localidade, são de fundamental importância para podermos
verificar a existência de
“uma hierarquia complexa, pois [que] envolvia não só a situação econômica ou política, como também a ‘qualidade’ da pessoa, identificada simbolicamente através de sua condição social (livre ou forra); sua cor (branca, parda, cabra ou negra); sua condição de nascimento (legítima, ilegítima ou abandonada); sua naturalidade (portuguesa, colonial ou africana); e sua dignidade ou título nobiliárquico civil, eclesiástico e militar, expressos nas formas de tratamento: Ilustríssimo, Reverendíssimo, Dom, Dona, Capitão, Tenente, Sargento Mor etc.”199
Esses autores verificaram quatro integrantes de elite local de Vila Rica no
final do século XVIII que eram, também, autoridades. Analisaram, assim, dois
governadores de Minas, um tenente-coronel e um contratador, no período que vai de
1777, o primeiro batismo, até 1789, o último. Desses, o governador Dom Luís da
Cunha Menezes será o que mais afilhados terá, contabilizando um total de vinte e
três entre os anos de 1783 e 1787, na Paróquia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro
Preto.200 Os demais, porém, também terão numeroso número de afilhados. Ainda
que se destaquem os quatro senhores analisados, a prática de compadrio entre
muitos afilhados para um mesmo padrinho demonstra-se comum. Os autores
197 VENÂNCIO, Renato Pinto. SOUZA, Maria José Ferro de. PEREIRA, Maria Teresa Gonçalves. O Compadre Governador: redes de compadrio em Vila Rica de fins do século XVIII. Revista Brasileira de História. v.26. n. 52. São Paulo, 2006. p. 273-294. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-01882006000200012&script=sci_arttext>. Acesso em: 24/06/2009. 198 Ibid., p. 274. 199 Ibid., p. 277. 200 Ibid., p. 278.
72
chegam a afirmar que a “análise do comportamento dos demais governadores
mostra que a prática de compadrio com autoridades era recorrente.”201
Outra questão levantada por esses autores diz respeito a pais incógnitos.
Segundo os autores:
“Essas ocorrências diziam respeito aos filhos nascidos de relações pré ou extraconjugais. Embora tais arranjos fossem relativamente correntes na sociedade da época — o Tenente Coronel Freire de Andrada era, ele mesmo, fruto de um deles —, parece ter havido atitudes bastante distintas entre os membros da elite. Os governadores não aceitaram apadrinhar criança alguma que tivesse nascido fora de famílias legalmente constituídas; o contratador e o tenente coronel adotavam um comportamento mais flexível.”202
Resgatando o caso de Campo Largo, verificamos que o vigário Lourenço
Justiniano, padrinho mais vezes solicitado no período analisado, mesma época em
que, além de vigário, foi deputado da Assembleia Provincial, aceitou alguns casos de
pais incógnitos, incluindo, possivelmente, daquela que seria sogra da ré no processo
movido por ele em 1870.
O compadrio representava, muitas vezes, uma maneira de se ligar ao poder
político. Segundo o artigo analisado:
“Caso o parentesco espiritual [compadrio] envolvesse a autoridade máxima da capitania, o compadre podia ter acesso ao rei, no sentido de conquistar graças e mercês, ou, mais simplesmente, ter uma petição sua atendida. Porém, os compadres menos poderosos serviam de intermediários do governador junto à população livre e pobre, transferindo parte da ascendência que tinham sobre ela à autoridade reinol. Dessa forma era criada uma rede política e social que podia começar entre humildes ex-escravas e terminar em famílias reais européias.”203
Desse modo, as relações de compadrio visavam uma proteção contra
possíveis transtornos, o que é destacado pelos autores na figura de Tiradentes, que
diferentemente do Tenente Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, que
201 Ibid., p. 279. 202 Ibid., p. 281. 203 Ibid., p. 287.
73
“embora filho e compadre de governadores, não escapou de ser perseguido politicamente e exilado. De qualquer forma, por mais amargo que fosse esse destino, era ele melhor do que a forca. Sintomaticamente, na documentação analisada, nenhum membro da elite de Vila Rica elegeu o Alferes Joaquim José da Silva Xavier como padrinho.”
O destino do Tiradentes pode facilmente ser considerado pior que do Tenente
Coronel.
Caso iniciado e desenrolado já na segunda metade do século XIX, o
processo movido por Lourenço Justiniano evidencia as relações sociais do vigário
com parte da elite política da província do Paraná. Seu procurador e advogado em
Curitiba, o doutor Generoso Marques dos Santos se relaciona com abastados
cidadãos dessa província. Segundo Francisco Negrão, Generoso Marques foi genro
do Coronel Benedito Enéas de Paula, deputado provincial em mais de sete biênios
entre 1858 e 1881, além de tesoureiro provincial, camarista e presidente da Câmara
Municipal de Curitiba e Coronel da Guarda Nacional. Generoso Marques também
exerceu vários cargos importantes no Paraná do Império, tanto na Assembleia
Provincial, como na Câmara Municipal de Curitiba, onde chegou à presidência.204
Desse modo, Lourenço Justiniano Ferreira Bello mostra-se para nós muito
mais como um membro de elite local do município de Curitiba e da freguesia de
Campo Largo do que um vigário inserido nos debates do conflito Estado e Igreja no
Brasil. Ainda que não descartemos a possibilidade de Justiniano defender algum
partido naquela questão, até porque envolvia-se diretamente com o âmbito estatal e
membros do Partido Liberal, verificamos que despontava na freguesia como uma
figura prestigiosa. O processo que moveu contra dona Joaquina ainda pode nos
demonstrar como a preocupação patrimonialista transitava por seus interesses e
ações. É claro que tal preocupação também estava presente na Igreja do século XIX
devido ao avanço liberal, como vimos anteriormente. Todavia, ao ligarmos os dados
que buscamos acerca do vigário Lourenço Justiniano, percebemos que destacava-
se pelas relações que mantinha nos âmbitos político e social. O fato de Justiniano
ganhar um litígio contra uma moradora local caracteriza uma demonstração do
poder que detinha através das relações sociais que mantinha.
204 NEGRÃO, Francisco. Op.Cit., p. 119-120.
74
5. CONCLUSÃO
Iniciado um processo envolvendo um vigário de uma pequena freguesia,
porém de grandes campos e pertencente a uma nova capital provincial do Império,
contra uma moradora local, em 1870, pudemos verificar a atuação de vários
elementos que compunham essa sociedade e que se ligavam através de redes de
relações sociais à diversas esferas de poder. Os debates levados por Generoso
Marques dos Santos, advogado do vigário Lourenço Justiniano Ferreira Bello e
Bento Fernandes de Barros, advogado de dona Joaquina Vieira de Souza,
transcorrerão todos no ano de 1870, quando o Juiz de Paz do município de Curitiba
julgará procedente a acusação do vigário Lourenço e condenará a ré a demolir
construção que iniciou no terreno litigado e pagar as custas do processo; que
finalizaram em 154$100, em 16 de novembro de 1870.
Talvez a importância do terreno litigado esteja em sua localização central
na freguesia de Campo Largo. Cabe lembrar que no próprio processo informa-se
que praticava-se nessa época a posse de terrenos naquela freguesia livremente,
seguindo a carta de doação do Capitão João Antônio da Costa.
Ao iniciarmos este trabalho verificamos, por intermédio da historiografia
analisada, a existência de dois cleros no Brasil. Vimos como o Estado Português
havia abarcado a antiga Ordem dos Templários e que, desde então, o rei português
passou a designar o clero de acordo com sua iniciativa. A formação do sistema de
Padroado no Brasil foi afetada quando em 1822 legitimou-se esse novo Estado
independente de Portugal. Em um primeiro momento, a Santa Sé romana não
confirmou a manutenção do sistema de Padroado para a nova Monarquia. Apesar
disso, manteve-se no Brasil tal sistema, que foi legitimado posteriormente pela Igreja
romana.
Pela mesma época Roma realizava um processo de legitimação de sua
autoridade. Visava combater os chamados “erros modernos”, como a maçonaria. No
Brasil, entretanto, muitos clérigos e integrantes do Estado pertenciam a ordens
combatidas, o que revelava um desalinhamento de integrantes da Igreja no Brasil
75
com a Sé. Esse problema culminou na Questão Religiosa que opôs a Coroa
brasileira a Igreja romana. Passado, porém não resolvido, em sua integridade o mal-
estar desse conflito, via-se, pelo menos, claramente um clero com posições
contraditórias: defensores do “regalismo” e defensores da “romanização”.
Essa posição e oposição dualista, entretanto, pode não corresponder a
realidade prática. Isso foi verificado com maior clareza quando abordamos os temas
do último capítulo. Antes disso, porém, no segundo capítulo desse trabalho,
analisamos a questão da terra e essa legislação no Brasil novecentista.
A jurisprudência da terra no Brasil, assim como também a civil, do século
XIX, é caracterizada pela manutenção das legislações portuguesas. Os bens da
Igreja, os bens de mão-morta, ficam inalienados no período, o que aponta para uma
atitude não agressiva da Coroa frente a Igreja. Essa jurisprudência permanece
mesmo após a Lei de Terras de 1850-1854. Anteriormente, logo após a
Independência, a Coroa brasileira extinguiu as concessões de sesmarias e a prática
do morgadio, que já era pouco utilizado no Brasil. Contudo, isso não acabou com
tentativas de manter terras indivisas após herança. Para isso, uma das práticas, que
já era utilizada, mesmo antes do fim do morgadio, foi a realização de doações de
terras para formação de capelas. Nesse interregno, da Independência a Lei de
Terras, a posse foi a maneira mais usual de adquirir propriedade, o que não foi
encerrado com a promulgação da Lei. Nesse capítulo também destacamos que a
grande propriedade não caracterizava apenas a possibilidade de obter altos
rendimentos, mas, ainda, a possibilidade de ascensão e de prestígio social.
No último capítulo partimos das análises de Gilberto Freyre e Sérgio
Buarque de Holanda para percebermos como relações locais, muitas vezes,
interessavam mais a membros do clero que a disputa entre “regalistas” e
“romanizadores”. Vimos a importância dos casamentos e das relações de compadrio
para ascensão social ou manutenção de um padrão elevado de prestígio e proteção.
Percebemos, assim, na figura do vigário de Campo Largo, Lourenço Justiniano,
como um clérigo podia estar mais interessado em aumentar sua rede relacional,
através do compadrio, a se dedicar a uma das duas causas litigantes; do Estado e
da Sé. Presente nas esferas eclesiástica e estatal, podemos localiza-lo mais próximo
a sua causa, uma propriedade na freguesia onde gozava de grande prestígio.
76
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