jornalismo internacional e aÇÕes humanitÁrias da onu no haiti: a cobertura da folha de s. paulo
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Kátia Regina de Brito
JORNALISMO INTERNACIONAL E AÇÕES HUMANITÁRIAS DAONU NO HAITI:
a cobertura da Folha de S. Paulo
Belo HorizonteCentro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH)
2011
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Kátia Regina de Brito
JORNALISMO INTERNACIONAL E AÇÕES HUMANITÁRIAS DAONU NO HAITI:
a cobertura da Folha de S. Paulo
Monografia apresentada ao curso de Comunicação Social doDepartamento de Ciências da Comunicação do Centro Universitáriode Belo Horizonte - UNI-BH, como requisito parcial para obtenção dotítulo de bacharel em Jornalismo.
Orientador: Murilo Marques Gontijo
Belo HorizonteCentro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH)
2011
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................04
2 A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA .........................................................................................07
2.1 Quando o fato vira notícia......................................................................................................07
2.2 Os filtros da notícia ................................................................................................................11
2.3 Discurso jornalístico...............................................................................................................13
2.4 A reportagem...........................................................................................................................16
3 JORNALISMO INTERNACIONAL.....................................................................................193.1 Mundo globalizado e circulação da informação.....................................................................19
3.2 Criação e interferências das agências de notícias...................................................................22
3.3 Jornalismo internacional brasileiro.........................................................................................24
4 RETRATO DAS AÇÕES HUMANITÁRIAS DA ONU NO HAITI REVELADO PELA
FOLHA DE S. PAULO ..............................................................................................................27
4.1 Metodologia ...........................................................................................................................274.2.1 Apresentação da Folha de S. Paulo ....................................................................................28
4.2.2 História do Haiti...................................................................................................................29
4.2.2 Missões de paz da ONU......................................................................................................31
4.3 A Minustah na Folha de S. Paulo ..........................................................................................32
4.3.1 A missão de paz da ONU chega ao Haiti (2004): uma abordagem quantitativa ...............32
4.3.2 Abordagem qualitativa (2004) ............................................................................................35
4.3.3 Terremoto e epidemia dizimam a população haitiana (2010): uma abordagem quantitativa.......................................................................................................................................................41
4.3.4 Abordagem qualitativa (2010).............................................................................................45
4.3.5 As eleições haitianas e a reconstrução de uma nação destruída (2011): uma abordagem
quantitativa....................................................................................................................................51
4.3.6 Abordagem qualitativa (2011).............................................................................................53
CONCLUSÃO ............................................................................................................................58
REFERÊNCIAS .........................................................................................................................60
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1 INTRODUÇÃO
A pesquisa tem por objetivo analisar a publicação de noticias e material de agências de notícias
internacionais, no caderno Mundo, do jornal Folha de S. Paulo a respeito das intervenções da
Organização das Nações Unidas no Haiti (ONU). O jornalismo internacional da Folha
apresenta uma variedade textual grande, pois apresenta um corpo jornalístico atuante em países
de continentes distintos e repórteres produzindo conteúdo dentro da redação. Esse panorama
pôde ser descrito a partir de observação do material impresso da publicação.
A escolha de observar notícias que envolvem as ações humanitárias da ONU está na
importância global desta organização para o desenvolvimento econômico, social e humano domundo. Suas intervenções estão em destaque nas mídias internacionais por se envolver em
conflitos com o objetivo de estabelecer a paz entre países e povos e por levar desenvolvimento
humano em nações pobres e assoladas por questões políticas, epidemias e destruições naturais.
É importante avaliar o perfil do jornalismo internacional da Folha para averiguar seu
posicionamento e forma de construção do relato jornalístico de acordo com os fatos em
destaque no mundo e, principalmente, a influência das agências de notícia em relação à produção do caderno Mundo.
Já as ações da ONU merecem atenção por ser uma organização supranacional presente em
diversas nações e que tem um peso nas decisões política externas de todas as nações. Além
disso, a missão fixada no Haiti tem como líder o exército brasileiro que enviou para a ilha
caribenha o maior contingente militar da América do Sul, já que outros países do continente
estão envolvidos na missão, como por exemplo, a Argentina.
O jornalismo internacional da Folha de S. Paulo escolhe os assuntos que vão ser publicados no
caderno Mundo a partir de critérios de noticiabilidade apontados por Wolf (1999) e do conceito
de acontecimento e seus tipos, traçados por Rodrigues (1999). A missão da ONU no Haiti é
divulgada baseada em critérios definidos por Wolf (1999) como de atualização, impacto sobre
a nação e sobre o interesse nacional, grau e nível hierárquico dos indivíduos envolvidos no
acontecimento noticiável e significatividade do acontecimento quanto à evolução futura de uma
determinada situação. Já os conceitos desenvolvidos por Rodrigues (1999) que definem
situações ocorridas no Haiti são excesso e falhas. Outro ponto que interfere no que é ou não
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noticiado pela Folha é a divulgação de informações pelas agências de notícias internacionais. É
possível perceber a influência desses órgãos de informação de forma direta, quando são citadas
ao fim das matérias ou indiretas, pois serve de ponto de partida para o desenvolvimento de
pautas, direcionamento de fontes e tamanho da matéria.
O presente trabalho se propõe a discutir como a Folha de S. Paulo noticiou ao longo dos anos
de 2004, 2010 e 2011, as ações humanitárias da Organização das Nações Unidas (ONU), no
Haiti. Alguns pontos são importantes para se alcançar a conclusão a respeito de como é
noticiado o assunto pelo jornal. A verificação do perfil da editoria internacional da Folha de S.
Paulo; a participação das agências de notícia na elaboração das matérias; os critérios de
noticiabilidade que a Folha utiliza na construção das notícias e se existe algum tipo deinterferência do discurso empregado pelos jornalistas que podem de alguma maneira apontar
qual é a opinião do jornal a respeito das ações humanitárias da ONU no Haiti.
A Folha de S. Paulo foi o jornal escolhido por ser o jornal não popular de maior circulação no
território nacional, segundo dados do IVC (Instituto Verificador de Circulação) 1, (2010, citado
pelo jornal O Diário Maringá). A Folha apresenta uma frequência média de 294.498
exemplares por dia, o que faz dela o jornal de referência informativa no país.
Para mensurar o trabalho desenvolvido no caderno Mundo optou-se por realizar análise
quantitativa dos anos de 2004, 2010 e 2011 exposta em tabelas que podem ser observadas na
parte analítica da pesquisa. Os temas mensurados foram: número de notícias e reportagens
publicadas, jornalistas responsáveis pela escrita da matéria, tipos de fontes utilizadas nos textos
informativos e a participação de agências internacionais de informação nas notícias. Além da
análise quantitativa, o trabalho apresenta uma avaliação qualitativa, na qual foi possívelobservar a aplicabilidade do conteúdo teórico aprendido na academia no material publicado no
caderno Mundo da Folha de S. Paulo.
Na primeira etapa desta pesquisa, o leitor vai encontrar dois capítulos teóricos a respeito dos
seguintes assuntos: a construção da notícia e jornalismo internacional. No primeiro capítulo, são
discutidas quais características deve apresentar um acontecimento para que seja noticiado pela
mídia. Compõem esse capítulo três tópicos importantes para a compreensão de como se dá a
1 ODIARIO.com. Desenvolvido por: Leandro Lancelotti, 19 de setembro de 2002. Site jornalístico do impressoO Diário. Disponível em: <www.odiario.com> Acesso em: 22/04/11.
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construção da notícia. O primeiro tópico é denominado Os filtros da notícia e mostra o processo
de seleção pelo qual um acontecimento passa, antes de ser definido como pauta a ser noticiada
pelo jornalismo. No segundo tópico, destaca-se a influência que o discurso do jornalista tem
sobre o fato a ser narrado ao público e como é construído este discurso. E, no último tópico, há
exposição de características importantes de uma reportagem.
O terceiro capítulo aborda o jornalismo internacional e como ele se desenvolve a partir de
discussões a respeito da globalização da informação. No segundo subtítulo desse capítulo, há
uma apresentação das agências internacionais de notícia e uma discussão sobre sua interferência
no produto jornalístico brasileiro. O último tópico aponta as características do jornalismo
internacional.
Na segunda parte desse estudo, encontra-se o desenvolvimento analítico, dividido entre
abordagem quantitativa e qualitativa, onde são desenvolvidas observações a partir de notícias e
reportagens digitalizadas publicadas na Folha de S. Paulo nos anos de 2004, 2010 e 2011, a
respeito das ações humanitárias da ONU no Haiti. O capítulo analítico começa com o título A
Minustah na Folha de S. Paulo e foi separado por anos e principais acontecimentos do Haiti
envolvendo a missão de paz da ONU. O primeiro é A missão de paz brasileira chega ao Haiti
(2004), o segundo Terremoto e epidemia dizimam a população haitiana (2010) e o último As
eleições haitianas e a reconstrução de uma nação destruída (2011).
2 A CONSTRUÇÃO DA NOTÍCIA
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2.1 Quando o fato vira notícia
Um conceito essencial para o desenvolvimento da discussão sobre como é construída uma
notícia é compreender o que é acontecimento. De acordo com Lustosa (1996), a expressão
“informação” diz respeito a um acontecimento que traz, em si, dados que devem ser reportados
como notícia nos meios de comunicação. O que determina um fato ser noticioso é o que
Rodrigues (1999) chama de acontecimento jornalístico. Segundo o autor, trata-se de um
acontecimento especial, que carrega características capazes de torná-lo diferente dos assuntos
cotidianos, é uma ocorrência que rompe com o que é habitual.
Já os valores/notícia são concepções que orientam os jornalistas na escolha de quais
informações devem ser reportadas aos leitores. Wolf (1999) explica que esses parâmetros são
importantes dentro dos critérios noticiabilidade. Esses valores são divididos em critérios que
classificam o que é relevante ou não para ser noticiado. Wolf (1999) observa que os
valores/notícia aparecem em outros momentos da cadeia de construção da notícia, não apenas
no momento em que se seleciona o assunto que vai ou não para o jornal. Segundo o autor, os
valores vão surgir de maneiras diversificadas em cada parte do trabalho do jornalista, desdeapuração à escrita do texto. Um desses critérios, como observa Wolf (1999), considera a
quantidade de pessoas envolvidas do acontecimento. Quanto maior o número de envolvidos ou
o número de pessoas com maior valor social presentes em uma ocasião, maiores são as chances
em se construir a notícia.
Entretanto, Wolf (1999) adverte que não é correto afirmar que tudo o que é publicado, é assim
feito, a partir da subjetividade do jornalista. Isso porque, segundo o autor, o processo defiltragem das informações é complexo e sofre interferências até mesmo das fontes consultadas
para construção do texto.
Rodrigues (1999) acrescenta outros conceitos que caracterizam um acontecimento como
candidato a notícia. Os acontecimentos regidos por falhas, quando um problema desencadeia
diversos outros prejudiciais a uma quantidade significativa de pessoas, ou por excesso, que é
caracterizado pelo rompimento de leis, pré-definidas por um indivíduo ou órgão, gerando
problemas que atinjam outros cidadãos. A inversão que trabalha com fatos que não obedecem
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ao procedimento natural das situações. E o meta-acontecimentos que são os discursos dos
jornalistas a respeito de um fato que passa a ter relevância quando é publicado no jornal.
Wolf (1999) apresenta outros critérios empregados pelos meios de comunicação para definir o
que deve ou não ser noticiado. O primeiro é o Grau e nível hierárquico dos indivíduos
envolvidos no acontecimento noticiável . Esse critério diz respeito a pessoas que desempenham
papeis importantes em organismos governamentais ou a hierarquias institucionais poderosas
que exercem, fora do meio de origem, influência social e econômica. O segundo critério trata do
Impacto sobre a nação e sobre o interesse nacional que caracteriza o grau de influência de um
acontecimento sobre o destino de uma nação. O autor apresenta outro critério importante para
um fato ser noticioso a Relevância e significatividade do acontecimento quanto à evolução
futura de uma determinada situação, Wolf, baseado na obra de Herbet Gans2, diz respeito a
acontecimentos de duração prolongada, que ainda terá desdobramentos ao longo do tempo.
Outro fator que define o que será noticiado pelo jornal é a agenda de serviços. Segundo Wolf
(1999) a agenda de serviço, nas suas diferentes formas e características organizativas, é
constituída essencialmente pela lista diária dos acontecimentos que sobrevirão e cuja
noticiabilidade é, em grande parte, dada como certa.
Medina (1988) explica como os fatos se tornam candidatos a noticia ao apresentar o trajeto da
informação a partir do momento que chega à redação. Quando o fato chega à empresa de
comunicação, antes de ir para o editor, ele passa por um filtro, para depois ser apresentado ao
editor. Ele é o profissional responsável por determinar o que entra ou não na pauta para, depois,
enviar a informação ao repórter que vai produzir a notícia. Esse, por sua vez, também vai
escolher o ângulo, lead , título que vão transformar a informação recebida inicialmente naredação, para então chegar às mãos do leitor.
Wolf (1999) elucida que dois fatores interferem diretamente no que será a notícia: a
característica das empresas de comunicação e os elementos da cultura profissional. Ambos, de
acordo com o autor, vão definir quais características devem ter o acontecimento para que seja
selecionado e então, ser noticiado. Wolf (1999) acrescenta que os critérios de escolha do que
será notícia leva em consideração a linha editorial adotada pela empresa.
2 GANS, Herbert. Decidindo o que é notícia: um estudo da CBS Evening News, NBC Nightly News, Newsweek e
Time. New York: Pantheon Books.1979
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Em concordância com os conceitos apresentados por Wolf (1999), Charaudeau (2006) afirma
que a notícia, quando chega ao cidadão não é repassada exatamente como aconteceu, pois
recebeu a interferência do “olhar” do jornalista que, para escrever o texto, escolhe o ângulo que
pretende explorar em seu texto.
Passado o processo de seleção do que é notícia, chega a etapa da elaboração do texto
jornalístico. Lustosa (1996) observa que, para uma informação ser noticiada, ela deve narrar um
assunto pronto para ser consumido e que interesse ao coletivo ou a uma parcela expressiva do
público.
Lustosa (1999) ainda observa que o discurso do jornalista, além de informar, deve emocionar e
causar sensações ao ponto de despertar interesse no público de ler, ver ou ouvir a notícia. O
mesmo é avaliado por Wolf (1999), que afirma que a qualidade da história contada pelo
jornalista é que vai atribuir valor ao produto apresentado. O autor destaca que ação, ritmo,
clareza na linguagem e caráter exaustivo são elementos importantes para que o acontecimento
noticiado tenha características textuais importantes para a compreensão dos leitores.
Para publicar boas histórias, é fundamental, segundo Lage (2006), a realização de uma
investigação. O repórter deve transmitir em seu texto dados diversificados que ofereçam ao
leitor a possibilidade de concluir algo a respeito da informação contida na reportagem. O
jornalista não deve concluir o fato noticiado para não interferir na construção de sentido por
parte do leitor.
Medina (1988) destaca que é essencial ao repórter se informar a respeito do tema, ficar atentodurante as entrevistas, construir um texto crítico e fazer a junção entre os dados fornecidos por
agências e outras fontes com os dados documentais. A autora aponta outro conceito importante
na construção do texto que é a angulação. Tal conceito é, na prática jornalística, o
direcionamento do assunto da reportagem e para qual público, a pauta, a ser desenvolvida pelo
repórter, é destinada.
Lage (2006) também avalia ser fundamental para o repórter traduzir as informações apuradas,
apresentar diversas perspectivas a respeito e inserir dados e pontos de vistas distintos para que o
leitor possa se localizar e desenvolver seu próprio ponto de vista a respeito da notícia. O autor
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ressalta que as fontes consultadas são elementos essenciais para assegurar a veracidade das
informações. A partir do contato com um entrevistado, é possível coletar dados que vão auxiliar
no desenvolvimento da matéria.
De acordo com Charaudeau (2006), são essas fontes que comprovam os dados e dão
credibilidade à informação apresentada em uma notícia. O autor avalia que existem dois tipos
de fontes: as internas e as externas. As internas são do próprio jornal, no caso, correspondentes,
enviados especiais e arquivos. Já as externas são as institucionais, representadas pelos governos
de Estados, organizações sociais, políticos e administrações públicas. E há também há externas
não institucionais que são especialistas, profissionais de diversas áreas de atuação e
testemunhas.
As fontes, segundo Lage (2006) avalia, são importantes para corroborar os argumentos do
jornalista e garantir a veracidade ao fato narrado. Elas podem ser classificadas de acordo com a
sua natureza. As fontes serão oficiais quando ligadas a governos de Estados; primárias quando
utilizadas como base para o jornalista formular uma reportagem; secundárias se consultadas
com o intuito de auxiliar no desenvolvimento de outras entrevistas; testemunhais, quando se
tratar de pessoas que estavam no local do acontecimento; e experts, que ajudam na interpretaçãodas informações.
Segundo Lage (2006), o repórter deve ficar atento às fontes secundárias, pois uma vez que essas
são seres humanos dotados de conceitos pré-concebidos, cultura e crenças que podem interferir
tanto a favor quanto contra o assunto sobre o qual estão sendo questionadas.
Assim como Lage (2006), Charaudeau (2006) observa que a forma como a notícia seráapresentada é que vai determinar o grau de proximidade ou de afastamento do leitor. Quanto
mais o jornalista aprofundar no tema e usar palavras que consigam traduzir os fatos, mais o
leitor vai ler a respeito do assunto; caso contrário, não terá interesse em ler ou entender o que é
e o porquê da notícia publicada.
2.2 Os filtros da notícia
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O acontecimento publicado no jornal apresenta vínculos diretos com a realidade ao relatar um
determinado fato ocorrido. Entretanto, não é possível relatar ao leitor detalhes precisos, pois o
texto escrito pelo repórter é uma narrativa que tenta se aproximar ao máximo da realidade, mas
que apresenta apenas ângulos diferenciados do evento.
Esse ato praticado diariamente pelos jornalistas é também realizado na vida de qualquer
indivíduo, para dar sentido às vivências cotidianas. “A vida cotidiana apresenta-se como uma
realidade interpretada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles na medida em
que forma um mundo coerente” (BERGER/LUCKMANN, 2001, p.35).
O leitor de uma determinada publicação só consegue atribuir algum significado à notícia lidaquando consegue associá-la à realidade na qual está inserido. Como elucidam Berger e
Luckmann (2001), a vida cotidiana é construída a partir de objetos ordenados, já determinados
como tal, antes da inserção do indivíduo na situação.
Portanto, o fato só existe para o leitor a partir do momento em que ele tem acesso à notícia,
escrita por um sujeito (jornalista) e reproduzida por uma instituição social (empresa). Segundo
Charaudeau (2006), o jornalista é “(...) uma testemunha esclarecida (...)” tem a responsabilidadede interpretar e analisar os acontecimentos levando em consideração suas experiências, razão e
cultura associados às técnicas de sua profissão.
O construtor da informação também é humano e, como Charaudeau (2006) observa, emprega
no texto que escreve -valores pessoais e individuais- interferindo no que realmente é o fato
inicial. Berger e Luckmann (2001) explicam que o homem, ao manifestar suas opiniões, está
construindo o mundo no qual ele se manifesta. “(...) no processo de exteriorização projeta narealidade seus próprios significados (...)” (BERGER/LUCKMANN, 2001, p.142).
Entretanto, para Wolf (1999), um aspecto importante a ser considerado na rotina produtiva do
profissional é o que estudos sociológicos denominam distorção involuntária. O autor explica
que o jornalista, ao escrever o texto que será publicado, interfere na informação recebida
inicialmente sem perceber. Isso ocorre por causa da rotina profissional que solicita o
cumprimento de algumas técnicas e teorias para que o acontecimento adquira caráter de notícia.
As distorções inconscientes que, dia após dia, realçam uma determinada representação darealidade social, marginalizando alguns dos seus aspectos em favor de outros, é um
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elemento que entra em jogo na dinâmica da difusão de efeitos cognitivos ligados àquelaimagem da realidade. (WOLF, 1999, p. 165.).
Berger e Luckmann (2001) observam que existe no dia a dia de qualquer indivíduo uma
repetição de comportamentos que são convertidos em hábitos. Os autores avaliam que as ações
podem ser repetidas no futuro da mesma forma que anteriormente
Da mesma maneira que o jornalista, como indivíduo social, apresenta hábitos pessoais que
interferem na construção da notícia, a empresa para qual trabalha define os critérios noticiosos e
os temas a serem informados pelo repórter. Segundo Charaudeau (2006), além dos critérios
individuais estabelecidos pelo jornalista existem os critérios econômicos. As empresas de
comunicação que criam os jornais, revistas, programas de televisão e rádio, são antes de tudo
corporações que têm gastos com funcionários e matéria-prima e, como qualquer setor
produtivo, precisam vender para manutenção da empresa. Por isso, é comum encontrar ângulos
distintos sobre a mesma notícia, em meios de comunicação distintos.
Traquina (2005) observa que a política editorial da organização influencia a seleção do que será
definido como acontecimento e, desses, quais serão noticiados. O autor afirma que a direção da
empresa ou o dono a partir de percepções individuais prioriza determinado assunto ou tema.
A criação de espaços regulares, como suplementos e rubricas/seções, tem consequênciasdiretas sobre o produto jornalístico de uma empresa porque a existência de espaçosespecíficos sobre certos assuntos ou temas estimula mais notícias sobre esses assuntos outemas, porque tais espaços precisam ser preenchidos (TRAQUINA, 2005, p.93).
Como toda profissão, o jornalismo também possui uma rotina produtiva, na qual, atitudes serão
repetidas para alcançar um fim: a notícia. No processo de elaboração textual as fontes são
elementos importantes para o encadeamento das informações. Traquina (1999) explica que o
jornalista deve ser atento na escolha das fontes, pois ao darem uma entrevista ou passarem
dados materiais, têm interesses pessoais, por isso, devem ter credibilidade provada em situações
anteriores.
Traquina (1999) observa que essa credibilidade está diretamente ligada à autoridade
profissional da fonte. O cargo que exerce em empresas públicas, estatais ou particulares lhe
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garante acesso a determinados dados que outras pessoas não têm, portanto são informações
isentas de falhas. “(...) quanto mais alta é a posição do informador melhor é a fonte de
informação (...)” (TRAQUINA, 1999, p.172).
Ao final de toda uma trilha argumentativa resta a pergunta: o que é notícia? Segundo Lustosa
(1996) notícia é “(...) a técnica de relatar um fato (...) é o relato, não o fato (...)” (LUSTOSA,
1996, p.17). Já Traquina (1999) define notícia como a união de acontecimento e texto, pois o
primeiro dá origem a notícia e esta, por sua vez, institui o acontecimento. Em concordância com
Traquina (1999), Sousa (1999) afirma que não é possível entender o que é notícia sem
relacioná-la com o acontecimento. “(...) Notícia e acontecimento estariam, aliás, interligados.
Muitas vezes, a própria notícia funciona como acontecimento susceptível de desencadear novosacontecimentos (…)” (SOUSA, 1999, p.11).
Sousa (1999) observa que a notícia pode apresentar uma variedade de conceitos de acordo com
a influência que recebe que pode ser: pessoal, social, ideológica, cultural, física e tecnológica. O
autor adverte que todas essas esferas são mutáveis, pois apresentam outras interferências como
culturais, sociais, históricas e econômicas.
2.3 Discurso jornalístico
A compreensão de como é apresentado o discurso empregado pelos jornalistas, nos diversos
suportes de comunicação, deve ser considerado o conceito de informação, já apresentado no
inicio da discussão teórica deste trabalho. Para se avaliar o discurso jornalístico é preciso que
haja acontecimento para que este, a posterior seja transformado em notícia, onde se dá aconstrução dos discursos. Charaudeau (2006), atribui um conceito para informação diferente do
que é definido por Lustosa (1996). Para o autor francês, informação é o ato de emitir um
conhecimento a outra pessoa que não o possua, por meio da linguagem.
E sem essa linguagem, escrita ou falada, não é possível que o outro tenha acesso à informação.
Charaudeau (2006) afirma que “(...) qualquer que seja a pergunta que se faça a respeito da
informação, volta-se sempre para a questão da linguagem (...)” (CHARAUDEAU, 2006, p. 33).
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Maingueneau (2004) explica que a partir do estabelecimento de uma interação, por meio da
linguagem, é que acontece o processo de compreensão do que é enunciado por um locutor.
Entretanto, o autor aponta que, além dos saberes gramaticais e linguísticos, é preciso acessar
outros conhecimentos para entender a informação.
Compreender um enunciado não é somente referir-se a uma gramática e a um dicionário, émobilizar saberes muito diversos, fazer hipóteses, raciocinar, construindo um contexto quenão é um dado preestabelecido e estável. (MAINGUENEAU, 2004, p.20).
Charaudeau (2006) observa que a informação é dependente dos saberes que a restringe, da
circunstância e por meio de qual dispositivo ela é transmitida. Em concordância com o autor,Maingueneau (2004) avalia que o contexto é essencial para entender o sentido da informação e
juntamente com esse contexto deve ser considerado o lugar, o momento específico e o sujeito
que se dirige a um ou mais indivíduos.
Trata-se da linguagem enquanto ato de discurso, que aponta para a maneira pela qual seorganiza a circulação da fala numa comunidade social ao produzir sentido. Assim, pode-sedizer que a informação implica processo de produção de discurso em situação decomunicação. (CHARAUDEAU, 2006, p.33-34).
Se informar é produzir um discurso, para comunicar-se com outro alguém, o que afinal é
discurso? Maingueneau (2004) elucida que existem algumas formas de compreensão do que
seja discurso. A primeira, de senso comum, refere-se a pronunciamentos de autoridades, como
presidente de uma nação, a segunda forma é pejorativa, quando se duvida do conteúdo
enunciado, por apresentarem falas inconseqüentes e a terceira é restrita a uma língua ou
profissão, discurso do partido “x”, por exemplo. O autor afirma ainda que essa terceira maneira
pode se referir a duas situações: “(...) o sistema que permite produzir um conjunto de textos e o
próprio conjunto de textos (...)” (MAINGUENEAU, 2004, p.51).
Para que o texto do discurso seja compreensível, é necessário que ele tenha sentido. Charaudeau
(2006) explica que a construção do sentido aparece ao fim de um processo duplo e semiótico de
transformação e de transação. O primeiro transforma o que ainda não é real em realidade por
meio de categorias que nomeiam os seres do mundo, lhes atribui qualidades por meio de
propriedades, narram as ações desses seres, apresentam as motivações e os modaliza.
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O ato de informar inscreve-se nesse processo porque deve descrever (identificar-qualificar fatos), contar (reportar acontecimentos), explicar (fornecer as causas desses fatos eacontecimentos) (CHARAUDEAU, 2006 p.41).
Já o processo de transação, apontado por Charaudeau (2006), é o ato de um sujeito atribuir
significado psicossocial, oferecer um objetivo ao que produziu por meio da linguagem, a partir
dos seguintes parâmetros relacionados a quem recebe a informação: identidade, efeito, relação e
regulação.
O ato de informar participa desse processo de transação, fazendo circular entre os parceirosum objeto de saber que, em principio, um possui e o outro não, estando um delesencarregado de transmitir e o outro de receber, compreender, interpretar, sofrendo aomesmo tempo uma modificação com relação a seu estado inicial de conhecimento.(CHARAUDEAU, 2006, p.41).
Para que o outro tenha acesso ao saber citado acima, é preciso que um suporte (rádio, televisão,
internet ou impresso) faça com que a informação chegue até o receptor. Maingueneau (2004)
afirma que os suportes não são itens adicionais da enunciação ou discurso, pelo contrário,
definem a constituição do texto e moldam o gênero do discurso.
Maingueneau (2004) observa que a impressão do texto no papel já apresenta uma modificação
na comunicação entre o jornalista e o leitor. Isso acontece, segundo o autor, porque os
caracteres invariáveis, empregados na digitação do texto retiram as características da
comunicação direta, entre duas pessoas. O autor explica a diferença a partir do exemplo das
correspondências pessoais e a correspondência enviada de uma empresa a um indivíduo.
A primeira vai de indivíduo a indivíduo, produz textos únicos que preservam as marcas dasingularidade do autor; a segunda não põe em relação dois indivíduos: mesmo sendoassinada por este ou aquele responsável, ela vai de um organismo oficial a um cliente ou aum consumidor e produz textos pré- fabricados, com a possibilidade de se arquivaremcópias. (MAINGUENEAU, 2004, p.80).
Charaudeau (2006) avalia que o ato de imprimir as palavras do discurso sobre o papel é uma
forma de construir provas que conduzem à verdade. Maingueneau (2004) elucida que o texto
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traz em si imagens reveladas aos olhos de quem o acessar. Juntamente com os ícones, as
imagens conseguem ampliar compreensão da mensagem por parte do leitor.
2.3 A REPORTAGEM
2.3.1 Reportagem dissertativa
De acordo com Coimbra (1993), a reportagem dissertativa tem como característica intrínseca
informar e convencer o leitor de que as informações transmitidas a ele estão corretamente
explicadas e apresentadas. Segundo o autor, os jornalistas conseguem convencer os leitores de
que estão escrevendo sobre o que realmente aconteceu ao se utilizar de argumentos que fazemcom que as pessoas saibam e creiam em algo, no que está escrito. “A argumentação visa
convencer, persuadir ou influenciar o leitor” (COIMBRA, 1993, p.12).
A forma como o texto da reportagem dissertativa é escrita auxilia o repórter, segundo Coimbra
(1993), a organizar os dados de maneira que se consiga passar ao leitor a mensagem completa e
em condições de ser compreendida. O autor explica que a reportagem é escrita pelo jornalista a
partir de uma ideia central que acompanhada por outras e que vão dar sentido ao texto.
A estrutura da reportagem dissertativa se apóia num raciocínio explicitado através deafirmações generalizantes, seguidas de fundamentação, que constitui a analise, feita peloredator, de um acontecimento ou de um grupo de acontecimentos. (COIMBRA, 1993, p.24).
Coimbra (1993) afirma que existem várias formas de elaborar o parágrafo inicial da reportagem
dissertativa, mais conhecido em jornalismo como lead . Dentre as formas que o autor apresenta
está a omissão de dados identificadores, quando o jornalista omite informações que ajudam na
identificação de um personagem para criar expectativas no leitor fazendo com que este, por sua
vez, fique atento a todo o texto e a alusão histórica quando o repórter conta um acontecimento
do qual foi participante ou testemunha, um fato histórico.
Portanto, Coimbra, baseado em obra de Agnelo de Carvalho Pacheco 3 (1988 citado por
Coimbra, 1993), resume a ideia principal da abertura de uma reportagem dissertativa ao afirmar
3 PACHECO, Agnelo de Carvalho. Dissertação – teoria e prática. São Paulo: Atual, 1988.
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que a introdução é como um exemplo. Isso porque fornece ao leitor uma dimensão do que será
tratado no texto na forma de narração curta.
2.4.2 Reportagem narrativa e personagens
Sodré e Ferrari (1986) apontam três formatos de reportagem narrativa que podem ser
encontrados nos meios de comunicação. O primeiro se foca nos fatos aplicando o modelo norte-
americano da pirâmide invertida. A reportagem de ação parte do assunto que desperta o
interesse do leitor e, a partir dele, desenvolve os acontecimentos; e a reportagem documental,
que tem um perfil próximo da pesquisa, pode ser incluída no texto de formato comum com
introdução, desenvolvimento e conclusão.
Uma forma de realizar a abertura de uma reportagem narrativa é, de acordo com Sodré e Ferrari
(1986), fazer a introdução do texto utilizando a descrição fotográfica, cinematográfica ou
descritiva. Essas abordagens podem ser aplicadas das seguintes formas: apresentando a
progressão dos fatos, em ordem cronológica, mostrando mudanças das pessoas ou das situações;
realçar a inventividade por meio de uma abertura comparativa ou imaginativa; e a valorização
da pessoa contando a história de um personagem, colocando-se na situação proposta ou pondo oleitor na cena.
Para Sodré e Ferrari (1996), a aplicação do formato cinematográfico exige que o repórter
elabore um texto com base nas ações dos personagens e nos ambientes em que se configuram
estas cenas, podendo humanizar o relato, mesmo que narrando de forma objetiva.
Os autores inserem outro tema importante para a discussão: o uso das personagens. Sodré eFerrari (1986) afirmam que podem ser empregados nos textos três modelos de personagem: o
indivíduo, retratado por suas atitudes e comportamento psicológico; o tipo, que expressa formas
comuns como o esportista, o cantor, o milionário; além do personagem-caricatura, como
tendência à exibição.
Segundo Sodré e Ferrari (1986), a inserção de um personagem no texto acontece com a
interrupção da narrativa para dar lugar à descrição do universo interior ou exterior do personagem. A essa interrupção, o jornalismo nomeou de perfil que é quando o foco do texto
está na pessoa- seja ela famosa, um tipo popular, não importa, o foco será no protagonista, na
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sua história, a história do heroi (ou anti-heroi). Entretanto, Sodré e Ferrari (1986) denominam
essa inserção como mini-perfil. Algo diferente do perfil, que se volta exclusivamente a um
indivíduo ou coisa. Os autores ressaltam, porém, que devido à multiplicidade de narrativas a
engendrar a argumentação da reportagem, este tipo de perfil pode ser compreendido como um
multi-perfil.
3 JORNALISMO INTERNACIONAL
3.1 Mundo globalizado e a circulação da informação
A comunicação e a interação na globalização são definidas por Giddens (1991) a partir de uma
situação comumente encontrada na sociedade contemporânea, o distanciamento tempo-espaço.
O autor pontua que a era moderna aumentou a distância nas relações sociais presenciais e na
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mesma proporção ampliou as interações de ausência físicas. Essa nova forma de
relacionamento, segundo Giddens (1991), foi estabelecida pela globalização.
A globalização pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais emescala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locaissão modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa(GIDDENS, 1991, P.69).
Para Thompson (1998), o conceito de globalização pode ser aplicado a diversas situações, mas
aponta como a definição mais coerente a seguinte: “Crescente interconexão entre as diferentes
partes do mundo em processo que deu origem às formas complexas de interação e
interdependência”. (THOMPSON, 1998, P.135).
Bauman (1999) afirma que globalização apresenta um significado “mais profundo” que é o de
indeterminação, ausência de disciplina e autopropulsão, temas que circulam mundialmente.
A referência existente para o mundo, segundo Bauman (1999), até o fim dos anos 90, eram os
dois grandes blocos políticos e econômicos representados pela União Soviética e Estados
Unidos. Com o fim da guerra fria, as relações econômicas e políticas entre as nações foramtransformadas colocando fim na ordem mundial.
Com o grande cisma fora do caminho, o mundo não parece mais uma totalidade e, sim, umcampo de forças dispersas e díspares, que se reúnem em pontos difíceis de prever e ganhamimpulso sem que ninguém saiba realmente como pará-las. (BAUMAN, 1999, p.66).
Giddens (1991) observa que a reorganização do mundo proporcionou a aproximação entre
nações em níveis econômicos e culturais, pois tornou possível acessar, conhecer outras
realidades mais distantes. Entretanto, o autor avalia que o contato com outros lugares gerou
pressões para a “autonomia local e identidade cultural regional” (GIDDENS, 1998, p.70).
Bauman (1999) observa que a globalização não responde as necessidades, os sonhos e
realizações dos indivíduos, ela engloba tudo o que está acontecendo na terra, ou seja, envolve a
todos os indivíduos. A globalização, avalia o autor, está acima de todos e não é possível
compreendê-la ou alcançá-la por meio de qualquer ação seja de quem for.
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Outra característica do mundo globalizado, segundo Oliveira (1998), são as mudanças na
produção e transmissão da informação. Isso pode ser observado a partir da inserção de novas
tecnologias, como as chamadas Tv’s a cabo, a presença de agências de notícias internacionais
nos jornais e a fusão de empresas privadas de comunicação.
Uma peculiaridade que merece destaque e que faz parte do mundo global é a comunicação. De
acordo com Thompson (1998), a comunicação estreita laços e encurta os caminhos pelos quais
a mensagem tem que atravessar para alcançar indivíduos que estejam distantes fisicamente.
“(...) ela acontece em uma escala cada vez mais global (...)” (THOMPSON, 1998, P. 135).
Thompson (1998) aponta que o século XIX é o marco do desenvolvimento global dascomunicações. Dentre os fatores que influenciaram esse desenvolvimento, estão os econômicos,
políticos, militares e tecnológicos. “A globalização da comunicação” só ocorreu quando foram
criados e aperfeiçoados os sistemas de cabos submarinos por algumas potências europeias. As
agências internacionais de notícias e o mundo foram divididos em áreas de atuação com a
formação de grandes organizações comunicação interessadas em distribuir a informação.
Oliveira (1998) explica que fatos históricos que envolvem a evolução da comunicação mundial,como a resolução apresentada pela UNESCO e Organização das Nações Unidas na 31ª
Assembleia Geral da ONU, no ano de 1970, revelaram a necessidade, apontada por países em
desenvolvimento, de democratização da informação internacional. Segundo a autora, a
insatisfação apresentada na reunião deu origem à NOMIC (Nova Ordem Mundial da
Comunicação e da Informação), que tem como objetivo traçar diretrizes para a produção e
difusão das informações na rede mundial de informação.
No entanto, Oliveira (1998) aponta que tal iniciativa internacional foi embargada por
representantes de diversos órgãos e associações de imprensa internacional, sob a alegação de
que o documento da NOMIC, apresentado pela UNESCO e ONU, feria a liberdade de
imprensa.
Oliveira (1998) descreve que dentre os opositores à NOMIC estão as agências internacionais de
notícias dos Estados Unidos e da França, que ainda hoje são utilizadas como fontes de
informação pelas editorias internacionais do jornalismo brasileiro.
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A decisão de manter, sem aprovação, o documento ajuda na compreensão do atual modelo de
informação mundial. Oliveira (1998) aponta que a informação circula verticalmente, de cima
para baixo, ou seja, dos países que possuem maior potência econômica para os com economia
em desenvolvimento. A autora afirma que isso resulta em publicações distorcidas sobre o que
acontece nos países que não possuem o mesmo direito a divulgar informações.
Segundo Thompson (1998), o fluxo global da informação trafega em um espaço internacional e
que tudo o que é produzido por um país alcança, além da população do local onde são
produzidas as informações, outros povos em outras nações. Sabe-se, como foi explicado por
Oliveira (1998), que já existe uma estrutura informativa predominante no mundo. Nas palavras
de Thompson, “Certas organizações detêm o controle predominante, levando algumas regiõesdo mundo à extrema dependência de outras para o suprimento de bens simbólicos”
(THOMPSON, 1998, p. 146).
Somavia (1980), como Oliveira (1998), observa que, os países denominados de Terceiro Mundo
fazem parte de um sistema internacional no qual as ideias que dominam partem dos países
desenvolvidos. O autor elucida que existe uma estrutura que está acima da soberania de todas as
nações, e que opera com o objetivo de interiorizar, nos países, o modelo ideal de economia,tecnologia, cultura, dentre outras.
É cada vez mais evidente que o sistema transnacional de comunicação se desenvolveu como apoio e a serviço dessa estrutura transnacional de poder. É parte integrante do sistema, e
por meio da qual é controlado o instrumento fundamental que é a informação na sociedadecontemporânea. (SOMAVIA, 1980, p.35).
Segundo Somavia (1980), a comunicação faz parte das políticas de desenvolvimento dos países.
O autor observa que as decisões, no que diz respeito à circulação da informação, no interior das
nações, são influenciadas pela estrutura informativa que domina o cenário internacional.
Jurado (2010) elucida que a maneira como a informação circula e é regulada, em países latino-
americanos, precisa ser revista. Segundo o autor, o entrave para as mudanças não estão nos
governos populistas de esquerda e nas empresas de comunicação e telecomunicações, mas na
questão da NOMIC, estacionada há mais de 20 anos nas Organizações das Nações Unidas,
citado anteriormente por Oliveira (1998), envolvendo os países não-alinhados.
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En ese contexto, un primer abordaje considera que es necesario reivindicar y sostener lademanda por el derecho a la comunicación o el derecho a comunicar , defendiendo la tesisde que este nuevo derecho humano tendría un contenido jurídico inédito que ha de romper con los presupuestos jurídico-políticos que caracterizaron a los derechos tradicionalmenterelacionados con la comunicación; esto es, que su formulación se aparte de la matriz del
individualismo capitalista em que surgieron esos derechos, y que se aparte más aún de la pretensión neoliberal contemporánea de que esos derechos sean entendidos y vividos comouma proyección de la noción hegemónica de mercado, promovida por los interesescapitalistas transnacionales en materia de comunicaciones y telecomunicaciones,(...).4
(JURADO, 2010, p.6).
O embargo à tentativa de se obter igualdade de transmissão de informações fere, segundo
Jurado (2010), o direito humano à comunicação. O autor observa que o Estado, em
concordância com outros setores, deve estabelecer os direitos e deveres que vão nortear de
forma justa a comunicação.
3.2 Criação e interferências das agências de notícias
A necessidade de integração entre as nações por meio da informação no século XIX propiciou a
criação das agências de informação internacionais. Thompson (1998) aponta três fatores que
revelam a importância das agências: primeiro elas reuniam e organizavam dados de todas as
partes do mundo; segundo, elas dividiram o mundo de forma que sabiam onde cada uma atuava(isso criou uma nova forma de organização do mundo no que diz respeito à comunicação). E
terceiro, elas prestam serviços exclusivamente à imprensa. As agências que disputavam o
mercado da informação no ano de 1869 eram: Havas, criada por Charles Havas em 1835, em
Paris, Paul Julius Reuter criava a Reuters, na mesma década em Londres, e em Berlim Bernard
Wolff a agência Wolff.
O tríplice cartel de agências dominou o sistema internacional de coleta e disseminação de
notícias até a deflagração da I Guerra Mundial. Outras agências se estabeleceram nasúltimas décadas do século XIX e primeiras do século XX, mas muitas se associaram a umadas três. (THOMPSON, 1998, p.140).
4 Neste contexto, uma primeira abordagem considera que é necessário reivindicar e sustentar a demanda pelodireito à comunicação ou o direito a comunicar, defendendo a tese de que este novo direito humano teria a umconteúdo jurídico inédito que há de romper com os pressupostos jurídico-políticos que caracterizaram os direitostradicionalmente relacionados com a comunicação; isto é, que sua formulação se afasta da matriz doindividualismo capitalista em que surgiram esses direitos, e que se afasta mais ainda da pretensão neoliberal
contemporânea de que esses direitos sejam entendidos e vividos como uma projeção da noção hegemônica demercado, promovida pelos interesses capitalistas transnacionais em matéria de comunicação e telecomunicações(...). (Nossa Tradução)
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Segundo Sousa (2008), a necessidade de governos, empresas e bancos tinham de obter
informações, a respeito do que ocorria em outras localidades do mundo, propiciaram o
crescimento das agências noticiosas. De acordo com o autor, o crescimento da demanda
informativa conferiu a Reuters, Havas e France-press o controle do fluxo de notícias das
metrópoles para as colônias.
No inicio do século XX, as agências europeias de informação ganharam novos concorrentes que
dividirem o domínio da informação entre Europa e Estados Unidos. Sousa (2008) observa que
as agências americanas, com sede na Europa, não eram comprometidas com o poder
governamental local e ainda ofereciam conteúdo diversificado notícias.
Sousa (2008) salienta que, por terem a primazia no mercado das informações, apresentarem
rigor na divulgação de acontecimentos e por terem fieis consumidores nos governos e imprensa
de outras nações, tornaram-se privilegiadas quase anulando a concorrência interna. Thompson
(1998) observa que as agências não se limitaram a uma única atividade sabendo explorar novas
tecnologias e outras áreas de atuação da comunicação. O autor afirma que as agências “(...)
emergiram como atores centrais no novo mercado global de informações e dados de vários tipos
(...)” (THOMPSON, 1998, p.141).
Para Oliveira (1998), o monopólio da informação por parte das agências de informação é
avaliado pelo espaço obtido nas publicações dos outros países. Para a autora, esse espaço é uma
evidência implícita de que as políticas dessas agências influenciam as decisões editoriais dos
meios nos quais elas aparecem.
Acentua-se que as agências podem causar deturpações, ao repassar informações sob a óticaexclusiva dos países onde têm sede, e omitir ou subdimensionar informações de interessede outros países. A distorção não supõe, necessariamente, uma falsa apresentação dos fatos,mas uma seleção arbitrária e uma avaliação intencional da realidade (...) a apresentação defatos reais de maneira que as conseqüências implícitas sejam favoráveis ao sistemadominante. (OLIVEIRA, 1998, p.47)
Outra forma de distorção avaliada por Oliveira (1998) é a omissão de acontecimentos por parte
das agências de informação. A autora explica que, se existe algum fato que denuncia ou afeta a
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política e econômica do país no qual a agência está inserida, a probabilidade desse fato ser
informado a todos é quase nula.
Araújo (1991) aponta que os países em desenvolvimento estão inseridos em um sistema que os
permite apenas consumir o que é produzido pelos países sede das agências de informação. A
autora avalia que o sistema vigente de transmissão e coleta de informações criou uma
dependência por parte das nações periféricas e um meio de exploração por parte das agências de
noticia.
3.3 Jornalismo internacional brasileiro
O jornalismo brasileiro com características internacionais surgiu em 1808, com o Correio
Braziliense, escrito por Hipólito José da Costa, diretamente de Londres para a corte portuguesa
instalada no Brasil; e com a Gazeta do Rio, que publicava notícias sobre a saúde e a vida dos
reis europeus (NATALI, 2007). O dia 22 de junho de 1874 é uma data importante para o
desenvolvimento da editoria internacional no Brasil. Segundo Natali (2007), neste dia, D. Pedro
II trocou informações com o papa Pio IX, Marconi, o rei Vittorio Emmanuele, a rainha Vitória,
da Inglaterra, e o presidente da França, General Mac Mahon, por meio de um telégrafo queligava o rei português às outras autoridades europeias, graças a um cabo fixado ao longo do mar
Atlântico.
Passados três anos desde essa conexão chegou ao Brasil, em 1877, a primeira agência de
notícias internacional, a Reauters Havas (Natali 2007). No mesmo ano, o Jornal do Comércio
publicou duas páginas com informações construídas pela agência. Alguns anos depois, com a
chegada ao território nacional de imigrantes europeus que escapavam da Primeira GuerraMundial constitui-se um novo público consumidor de notícias. Segundo Natali (2007), surgiram
diversos jornais direcionados aos núcleos alemães, italianos, árabes e espanhóis.
O jornalismo internacional do Brasil passa por uma transformação maior no período da ditadura
(1964-1985), ganhando um espaço maior das páginas e estabelecendo um novo perfil de leitor
interessado nas lutas de outras nações pela liberdade e igualdade de direitos (Natali 2007). As
lutas contra os governos ditatoriais do continente africano e do Chile despertavam a atenção dos
brasileiros que viam semelhanças entre a realidade de outros países e o Brasil. Segundo Natali
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(2007), jornalistas também aproveitavam o espaço internacional para, nas entrelinhas, dizer o
que pensavam sobre a repressão e a censura nacional.
Atualmente, Natali (2007) avalia que a editoria internacional, por ter menos destaque, é a que
menos recebe investimentos, principalmente porque seus gastos são maiores, já que as notícias
acontecem em outros países. A alternativa é investir em correspondentes, enviados especiais e
em trainees.
Oliveira (1998) observa que, apesar de o jornalismo internacional brasileiro adotar em sua
cobertura informações enviadas por agências de notícias, apresenta um diferencial que é o de ter
jornalistas que trabalham como enviados especiais e correspondentes, para a elaboração dematérias com viés opinativo. Entretanto, pesquisa realizada pela autora, constatou que embora
os jornais brasileiros tenham profissionais com experiência em reportagens internacionais, a
imprensa nacional ainda se ampara no modelo norte-americano no que diz respeito à produção
jornalística. Essa característica apontada por Oliveira (1998) pode ser percebida no uso de
fontes ligadas ao governo norte-americano, o que demonstra, de maneira implícita, a influência
que o modelo e a filosofia estadunidenses têm sobre o noticiário brasileiro. A autora avalia que
esse tipo de atitude na produção jornalística brasileira é recorrente no noticiário internacional.
Colombo (1998) elucida que a língua inglesa domina a transmissão da notícia sendo a fonte
principal dos jornais de todo o mundo. Segundo o autor, os meios de informação de origem
inglesa são a preferência dos órgãos de comunicação, por causa, do seu caráter universal.
O caminho linguístico inglês é o único que tem acesso às planícies amplas e férteis da
notícia americana. Mas é também o único que consegue atravessar, sem risco deincompreensão, as fronteiras linguísticas e culturais de quase todos os países do mundo(COLOMBO, 1998, p.125).
O autor, entretanto, aponta a necessidade de revisão do modelo informativo no qual a língua
predominante mundialmente, o inglês, e as fontes ligadas a órgãos transnacionais, determinam o
que é notícia. Colombo (1998) avalia que esse é um problema enfrentado pelo jornalismo que
de internacional está se transformando em global. O dilema vivido pelo jornalismo está no
choque existente entre a necessidade da cultura local de receber informações originárias de sua
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região e língua em relação a pressão exercida pela disputa entre as empresas de comunicação
pelo mercado informativo.
Outra mudança que vem ocorrendo no jornalismo internacional diz respeito ao processo de
produção jornalística que é o acesso à rede mundial de informações, por meio da internet. De
acordo com Natali (2007), a internet mudou a produção do caderno internacional, pois permite
o acesso a dados atualizados, fontes diferenciadas, arquivos digitais e, além disso, é possível
visualizar as informações das agências de notícias antes que elas cheguem ao redator. Ao
mesmo tempo em que trouxe benefícios para a construção das matérias, a internet separa
aqueles que dominam diversas línguas e aqueles que sabem apenas português. Para o autor, não
é possível analisar o cenário político do mundo sem saber falar no mínimo inglês e espanhol, jáque muitas fontes e dados estatísticos se encontram nos Estados Unidos e na Europa.
4 O RETRATO DAS AÇÕES HUMANITÁRIAS DA ONU NO HAITI REVELADO
PELA FOLHA DE S. PAULO
Com o referencial teórico concluído, passa-se, a partir deste capítulo, para o desenvolvimento
analítico de como foi realizada a cobertura internacional da Folha de S. Paulo sobre as ações
humanitárias da ONU no Haiti nos anos de 2004, 2010 e até o mês de junho de 2011.
4.1 Metodologia
O material selecionado para análise compreende notícias e reportagens publicadas na Folha de
S. Paulo que relatem algo a respeito das ações da Minustah, missão de paz da ONU no Haiti. O
período escolhido para análise do material jornalístico se divide em três datas. A primeira
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compreende o ano de 2004, precisamente a partir de abril, mês em que a missão chega à
República do Haiti. A segunda é 2010, época marcada por dois fatos que dizimaram parte
significativa da população haitiana: o terremoto ocorrido em 12 de janeiro e que quase destruiu
a capital Porto Príncipe, além da epidemia do cólera que também foi responsável por ceifar a
vida de muitos haitianos. Junta-se a estes acontecimentos a corrida pela Presidência do Haiti.
Encerra o período de análise os seis primeiros meses de 2011, que englobam informações como,
o marco de um ano de ocorrência do terremoto, eleições presidenciais e reconstrução da nação
haitiana. Essas datas são importantes, pois representam fatos relevantes ocorridos ao longo da
história do Haiti e explicam o porquê a nação necessita de intervenções da missão de paz da
ONU.
Por isso, realizou-se um levantamento de matérias publicadas ao longo de todos os meses dos
anos citados, entretanto, detectou-se um maior volume de informações em apenas alguns meses
dos períodos de análise. Portanto, optou-se por desenvolver os estudos desta pesquisa nos
seguintes meses: em maio, setembro e outubro de 2004; janeiro e novembro de 2010 e janeiro,
março e abril de 2011.
A partir dos anos escolhidos e do tipo de material jornalístico publicado, verificar-se-á arelevância que o jornalismo internacional da Folha de S. Paulo atribui às ações promovidas
pelas Nações Unidas e ao que acontece no Haiti, país que sustenta o título de “O pobre das
Américas”. Nomeação que é comprovada por estatística apresentada pelo Indicador
Internacional de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, de 20105, (ver anexo I e II) no
qual foi constatado que o Haiti possui um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0.393,
considerado bem inferior à média da América Latina e Caribe que é de 0.704.
Na tentativa de mensurar como é retratado na Folha de S. Paulo o tema desta pesquisa, realizar-
se-ão análises quantitativas e qualitativas. Textos noticiosos e reportagens serão o foco da
pesquisa, por apresentarem um maior nível de profundidade informativa com a utilização de
fontes e ângulos diversificados, além de dados, estatísticas e de serem resultado de uma
construção textual de jornalistas em situações produtivas diferentes.
5 hdr.undp.org/es/. Desenvolvido por: Jean Yves Hamel, 16 de setembro de 1991. Site informativo das NaçõesUnidas. Disponível em: < hdrstats.undp.org/es/paises/perfiles/HTI.html > Acesso em: 22/10/11
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Para a análise quantitativa consideram-se meses e datas das publicações para averiguar se a
publicação das matérias obedece aos critérios de noticiabilidade e valores-notícia, abordados
por Wolf (1999), e se para os fatos se tornarem acontecimentos publicáveis no jornal, foram
regidos pelo que Rodrigues (1999) denomina de falha, excesso, inversão e meta-acontecimento.
Outro fator importante a ser verificado é quem e quantas são as fontes consultadas para
construção do texto jornalístico, pois, segundo Lage (1999), são fundamentais para corroborar
as ideias do jornalista e aferir veracidade aos fatos narrados. Além disso, é importante saber
quem são as fontes para tentar saber até que ponto elas interferem na informação repassada ao
leitor, pois, como afirmam Luckmann e Berger (2001), o homem expõe aquilo que é importante
para a construção do próprio mundo. E, por último, qual é o número de textos enviados por
agências internacionais de informação, escritas na redação, por enviados especiais ecorrespondentes.
Para a avaliação qualitativa, conceitos importantes que vão contribuir para o desenvolvimento
analítico do estudo são: jornalismo internacional, globalização da informação, critérios de
noticiabilidade, discurso jornalístico e estrutura da notícia.
4.2 Apresentação da Folha de S. Paulo
No dia 19 de fevereiro de 1921, um grupo de jornalistas fundou a empresa Folha, na época o
impresso ganhou o nome Folha da Noite. O objetivo dessa primeira publicação, vespertina, era
o de formar leitores da classe média urbana e classe operária. Quatro anos depois, o grupo
estendeu seu “braço informativo” criando a Folha da Manhã para o período matutino.
Em 1931 o controle dos jornais passou para as mãos de Octaviano Alves de Lima, Diógenes deLemos e Guilherme de Almeida que mudaram a razão social da empresa para Folha da Manhã
LTDA. Além do nome, a linha editorial dos jornais também foi modificada, atendendo as
demandas dos grandes ruralistas de São Paulo.
A defesa do setor rural permaneceu até 1945, quando as ações da empresa passaram para o
jornalista José Nabantino Ramos, que mudou a razão social para a que é conhecida até os dias
atuais, Folha de S. Paulo. Em 1949 foi lançado para o período da tarde outro jornal, a Folha da
Tarde. No ano de 1960, Nabantino optou por fundir os três jornais em um e deu o nome Folha
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de S. Paulo. A partir dessa mudança, a linha editorial teve uma nova definição e um novo
público alvo, a classe média urbana do estado.
Atualmente a empresa Folha pertence à família Frias de Oliveira, responsável por definir o
nome do jornal e traçar seus objetivos como publicação nacional. Com isso, a Folha de S.
Paulo conseguiu conquistar um número fiel de leitores fazendo com que o periódico fosse, até o
início de ano de 2011, o jornal de circulação nacional mais vendido no país.
Para averiguar a presença de notícias e reportagens sobre as ações humanitárias da ONU no
Haiti foi adotado como critério a quantidade de exemplares, consumidos, no Brasil. De acordo
com dados do IVC (Instituto Verificador de Circulação)6, (2010, citado pelo jornal O Diário
Maringá), a Folha de S. Paulo é o segundo diário de maior circulação no território nacional,
com uma frequência média de 294.498 por dia, perdendo a primazia para o popular Super
Notícias, de Minas Gerais. No entanto, é o primeiro jornal de referência mais vendido no país.
4.2.1 História do Haiti
“O país mais pobre das Américas”. Eis o título que define o que é o Haiti perante as outrasnações do mundo, na atualidade. Os caminhos traçados pela história e que fizeram com que a
ilha caribenha chegasse até essa classificação, começaram no ano de 1492, quando Cristóvão
Colombo chegou à ilha e a chamou de Hispaniola7 . A terra conquistada logo recebeu uma
capitania que tinha por objetivo principal a extração do ouro, ou seja, gerar riquezas para a
metrópole, no caso a Espanha. No século XVI, entre os anos de 1517 e 1540, os interesses
coloniais foram transferidos para o cultivo da cana-de-açúcar sendo necessário, capturar
escravos africanos para auxiliar no trabalho, já que a mão de obra indígena estava escassa.
A próspera colônia espanhola despertou o interesse da França, que no fim do século XVI,
estabeleceu-se na porção noroeste da ilha e conquistou o direito de permanência em 1697,
chamando a nova e rica colônia de Saint-Domingue. Nessa fase histórica, o Haiti ganha um
título precioso: “A pérola das Antilhas”, pois rendia para a metrópole lucros financeiros por
6 ODIARIO.com. Desenvolvido por: Leandro Lancelotti, 19 de setembro de 2002. Site jornalístico do impressoO Diário. Disponível em: <www.odiario.com> Acesso em: 22/04/11.
7 MATIJASCIC, V. B. Adaptação do capítulo 2 da dissertação de mestrado defendida em 15/12/2008. Acesso
02/04/2011
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meio do comércio do café, do algodão e principalmente do açúcar. O sucesso da ilha francesa
estava também na rigidez empregada na manutenção de poder da metrópole.
Entretanto, a França enfrentaria mais à frente a Revolução Francesa, perdendo o controle da
colônia de Saint-Domingue. Inicia-se uma série de rebeliões, primeiro das porções mais altas da
sociedade, que retiraram da liderança da Assembleia os franceses, depois a camada mais baixa,
composta por escravos, também começava a se organizar para alcançar a liberdade.
Em 1791, os mulatos, excluídos dos processos de decisórios da colônia, estimularam os
escravos a se rebelarem contra o sistema político existente, com a finalidade de conquistar
posições de prestígio. Entretanto, a investida não deu certo. Em meio às insurgênciasdeflagradas na colônia, aparece, em 1796, o nome Toussaint L’Overture, líder da principal
revolta dos escravos, que se declarou tenente-governador da ilha. O novo líder dos haitianos
criou novas diretrizes para o país. Aboliu a escravidão, substituindo-a pela mão-de-obra
remunerada, pôs fim ao monopólio francês e estabeleceu relações comerciais com a Inglaterra e
com os Estados Unidos.
Em 1801, após a França se estabilizar politicamente, Napoleão Bonaparte e seu exércitoretiraram Overture da liderança e o enviaram para uma prisão na metrópole, onde faleceu.
Assumiu a liderança haitiana Jean-Jacques Dessalines, que retomou o combate contra a França.
Entretanto, as guerras napoleônicas necessitaram de um maior envolvimento de soldados,
fazendo com que metrópole abrisse mão de Saint-Domingue, declarando-a independente em
1804.
Porém, o reconhecimento da independência haitiana não aconteceu imediatamente, pois, asoutras potências europeias temiam que suas colônias se inspirassem na ilha do Caribe, gerando
instabilidade para a dinâmica colonial. Em 1824, a França reconheceria o Haiti como uma
nação soberana, caso os haitianos a indenizasse em 150 mil francos pelas perdas que sofrera
com o fim da colônia. Para sanar a dívida, a ilha passou a vender produtos agrícolas para a
Inglaterra e os Estados Unidos.
Apesar de livre do poderio francês, o Haiti se enfraquecia internamente, pois mulatos e negros
passaram a disputar a liderança do novo país, o que fez com que a ilha necessitasse de
intervenções externas, que deram início a outra dependência. O Haiti passou a ser foco de
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países como Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha, que estavam interessados, não em ajudar
na organização de poder e desenvolvimento da ilha, mas sim na posição geográfica estratégica
que oferecia para as disputas da Primeira Guerra Mundial.
Da sua independência até o presente ano de 2011, o Haiti passou por governos instáveis,
insatisfação e violência popular, ditadura, embargos comerciais, dívidas externas, epidemias e
desastres naturais que fizeram com que essa nação sustente, hoje, o título de “país mais pobre
das Américas”.
4.2.2 Missões de paz da ONU
As forças de manutenção de paz das Nações Unidas (ONU) são conhecidas mundialmente
como capacetes azuis. Composta por militares de diversos países, as missões de paz da
Organização atuam em zonas de conflitos com o objetivo de monitorar o fim deles,
supervisionar a retirada de tropas envolvidas em guerras, dente outras funções. As diretrizes das
forças de paz foram estabelecidas pelo Conselho de Segurança da ONU, que determinou as
funções do grupo militar no âmbito internacional.
A Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti, a Minustah ( Mi ssion des N ations
U nies pour la stabilisation en H aïti) foi criada em 30 de abril de 2004 para pôr fim aos
problemas ocorridos após a deposição do presidente Jean-Bertrand Aristide. A ONU definiu
quatro objetivos específicos para a missão: estabilizar o país, pacificar e desarmar grupos
guerrilheiros e rebeldes, promover eleições livres e informadas e formar o desenvolvimento
institucional e econômico do Haiti. A missão, desde o seu início, foi chefiada por comandantes
brasileiros e por uma presença maior de militares do Brasil no exército dos capacetes azuis.
Em outubro de 2011, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou a retirada gradual
dos militares do Haiti. A decisão teve o apoio da comunidade internacional, que avalia que
Michel Martelly, novo presidente do Haiti, consegue manter o país organizado e controlar a
violência. Até março de 2012 a Minustah deverá ter saído do Haiti, colocando fim na missão
mais longa da ONU já conduzida por militares brasileiros.
4.3 A Minustah na Folha de S. Paulo
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4.3.1 A missão de paz da ONU chega ao Haiti (2004): uma abordagem quantitativa
O Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) definiu em 30 de abril de 2004 o envio da
Missão de Paz ao Haiti. Na ocasião, mais uma crise política foi instaurada no país. O presidente
Jean-Bertrand Aristide foi retirado do poder por militares norte-americanos em meio a um
confronto entre grupos apoiadores e contra o governo. Outra decisão tomada pela ONU foi
entregar a liderança da missão ao exército brasileiro.
Entretanto, antes de enviar os soldados houve um período de definição de qual batalhão e de
qual Estado sairia o contingente em direção ao Haiti. Além disso, era preciso estabelecer qual
seria o investimento financeiro do Brasil. Doze dias após o anúncio da ONU, o Brasil já haviaescolhido quatro batalhões das cidades de Porto Alegre, Sapucaia do Sul, Pelotas e Jaguarão,
todos do Rio Grande do Sul.
É nesse contexto de definições, de envio e de chegada das tropas comandadas pelo Brasil ao
Haiti, que será avaliada a cobertura da Folha de S. Paulo a desses acontecimentos. Os tipos de
textos jornalísticos escolhidos para análise são notícias e reportagens.
Quadro I
A Minustah na Folha de S.Paulo (2004)Mês Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dec Total
Número de matérias
publicadas
0 0 0 0 15 3 3 1 6 6 2 4 40
Notícias 0 0 0 0 15 3 3 1 6 6 2 4 40Reportagens 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0Reportagem local 0 0 0 0 2 1 1Da redação 0 0 0 0 2 1 3 5 2Sucursal Brasília 0 0 0 3 1 1 1Sucursal Rio 0 0 0 0 2Agência Folha 0 0 0 0 1 1de São Paulo 0 0 0Colaboradores
internacionais
0 0 0 0 1 1 1
Enviado especialBrasil
0 0 0 0 1 1
Enviado especial 0 0 0 4 2 1 3 1
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Porto Príncipe/HaitiCom agências
internacionais
00 0 0 0 2 4 3
Fonte oficial 0 0 0 5 7 4 3 11 13 1 7Fonte expert 0 0 0 0 1Fonte primária 0 0 0 5 2 4 1 4 3 5Fonte secundária 0 0 0 0 4 4Fonte testemunhal 0 0 0 0 1 5Personagem 0 0 0 0 4 3 1 2 1
Como é possível observar no Quadro I, os meses que tiveram maior número de notícias e
reportagens publicadas na Folha de S. Paulo foram maio, com 15 matérias, outubro, com nove
matérias publicadas, e dezembro, com seis matérias publicadas.
Sobre o jornalista responsável pela elaboração das matérias, as informações contidas no Quadro
I revelam que trinta jornalistas escreveram notícias e reportagens sobre o Haiti sem estarem
presentes no país caribenho. Desse total, quinze da redação da Folha, seis da sucursal de
Brasília, dois da Agência Folha no Rio Grande do Sul, dois da sucursal do Rio de Janeiro,
quatro da reportagem local e um como enviado especial para algum estado brasileiro. É um
número elevado se comparado com as informações produzidas por enviados especiais ao Haiti,
que totalizaram 12 matérias. Mesmo em outubro, cinco meses após a tropa brasileira chegar ao
Haiti, o número de notícias escritas por repórteres no Brasil é superior ao do enviado
internacional. Quantificando, a cada notícia preparada em terras caribenhas, a Folha noticiou
nove matérias produzidas, apuradas e escritas de algum estado brasileiro.
Quadro II
Jornalistas que escreveram notícias/reportagens (2004)Jornalista Brasil Haiti Total
Ricardo Bonalume Neto XX XXXXXXXX 10Fabiano Maisonnave XXXXX 05
André Soliani XXX 03Sérgio Torres XXX 03
Eduardo Scolese XXX 03Léo Gerchann X 01Rafael Carielo X 01
Fernanda Krakovics X 01
João Batista Natali X 01
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A Folha de S. Paulo realizou cobertura sobre a Minustah com um jornalista presente em Porto
Príncipe, Ricardo Bolanume Neto. Como pode ser observado no Quadro II, Bonalume, foi o
repórter que mais assinou matérias como enviado especial, com 11 notícias. Ambos também
participaram da cobertura dos eventos no Haiti, estando no Brasil. As agências internacionais
foram registradas no Quadro I como colaboradoras em 13 notícias. Não foram reproduzidos, em
2004, textos na íntegra de agências8
.
Os principais fatos, envolvendo a Minustah, que ganharam as páginas da Folha nos três meses
destacados acima são: o envio e a chegada das tropas brasileiras ao Haiti; o enfrentamento da
violência e de grupos rebeldes nas favelas ao redor de Porto Príncipe; a tempestade Jeanne, que
provocou um quadro de destruição e de fome no país; a ausência de presidente para governar o
Haiti e a tentativa de se organizarem eleições. Os outros meses trazem informações sobre as
dificuldades enfrentadas pela missão, a violência, as disputas internas com partidários do ex- presidente Aristide, a interferência de outros países no comando brasileiro e um novo papel
assumido pela Minustah: o de transformar a realidade social haitiana.
No quesito fontes, foram consultadas a respeito dos temas acima elencados, 95 fontes divididas,
em oficiais, experts, testemunhais, personagens, primárias e secundárias. Percebe-se, como
pode ser visto no Quadro I, que 51 pessoas ouvidas eram fontes institucionais, ligadas a
governos ou órgãos internacionais. Fontes primárias aparecem logo em seguida, com 24
consultas e em terceiro estão os personagens, com 14 pessoas ouvidas.
8 Nove notícias assinalaram ao final do texto, em negrito a frase “com agências internacionais”.
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4.3.2 Abordagem qualitativa (2004)
O jornalismo internacional da Folha de S. Paulo apresenta um modelo fixo de atuação de seus
profissionais na construção das notícias. Isso pôde ser observado, a partir das notícias,
publicadas no caderno Mundo, que apontam para detalhes que compõem o perfil das matérias
internacionais da Folha. De acordo com Natali (2007), o baixo investimento na editoria
internacional obriga o jornal a encontrar uma alternativa mais viável: enviar jornalistas para
outros países, os chamados enviados especiais. Isso pode ser observado no quadro II, no qual
especifica os jornalistas e o número de matérias que escreveram sobre a missão da ONU no
Haiti. Ricardo Bonalume Neto publicou na Folha, como enviado especial ao Haiti, oito notícias,enquanto Fabiano Maisonnave escreveu cinco, estando presente na redação.
Outra característica observada é a inserção de análises e opiniões do jornalista ao longo do texto
noticioso. Oliveira (1998) e Natali (2007) apontam que, faz parte do jornalismo internacional
brasileiro, investir em um texto opinativo e crítico, para atrair um maior número de leitores que
sejam conhecedores da política mundial e dos fatos que envolvem as nações do mundo em
diversas circunstâncias. Essa particularidade se destaca na notícia Calma, capital haitiana
espera brasileiros publicada no dia 29 de maio, na edição 27.450 (ver anexo III), escrita pelo
enviado especial Ricardo Bonalume Neto.
Porto Príncipe é uma típica capital de país pobre, com ruas precárias e sujas, moradiaimprovisada e uma ou outra casa mais luxuosa. As calçadas são tomadas por vendedoresque oferecem um pouco de tudo: frutas, legumes, pneus velhos etc. o trânsito édesorganizado; os serviços lentos. (BONALUME, 2004, p. 12).9
Bonalume (2004) expõe sua opinião em outra notícia Tropa chega ao Haiti sem abrigo
definitivo publicada no dia 30 de maio, na edição 27.451 (ver anexo IV). “(...) também vieram
dois Land Rover do Exército, mas que ainda não se aventuraram no tresloucado trânsito de
Porto Príncipe, onde cada motorista faz o que bem entende, quando quer em ruas repletas
de buracos, poeira e sujeira.” (BONALUME, 2004, p.19, grifos meus).
Um fator relevante para construção do perfil do jornalismo internacional brasileiro é acolaboração de agências de notícia. Em nove matérias veiculadas na Folha foi detectada essa9 Folha de S. Paulo. 29 de maio de 2004.Caderno Mundo.
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participação. Em alguns casos foi possível observar uma participação explícita das agências,
direcionando a construção do texto escrito pelo jornalista. Araújo (1991) salienta que essa
influência faz parte do sistema no qual países em desenvolvimento estão inseridos, que os
permite apenas consumir o que é produzido pelas agências de informação. Em alguns trechos da
notícia Chuva muda o foco da ONU no Haiti, do dia 28 de maio, edição 27.449 (ver anexo V),
pode ser vista a observação da autora.
Segundo a Reuters, até 2000 pessoas morreram no Haiti na vizinha RepúblicaDominicana./ Segundo a Reuters mais de mil corpos foram recuperada anteontem, emMapou (cerca de 50 km de Porto Príncipe), varrida por um rio de lama e detritos / Ainda deacordo com a Reuters, havia 1.660 mortos já confirmados no Haiti. (REDAÇÃO, 2004, p.13, grifos meus).10
Porém, pode ser examinado que a Folha não é dependente exclusivamente das agências para
noticiar assuntos internacionais. Mesmo que a informação seja recebida das agências, o jornal
pratica o que Lage (2006) destaca como fundamental para se publicar uma boa matéria: a
realização de uma investigação dos dados recebidos. Isso pode ser percebido quando o repórter
utiliza o nome do jornal para conferir credibilidade à informação, demonstrando, inclusive, que
ela foi verificada pela publicação. Na notícia Brasil desloca tropas para conter ex-militareshaitianos, do dia 22 de setembro, da edição 27.547, o repórter Fabiano Maisonnave escreveu:
“(...) A Folha apurou que o Brasil enviou ontem a tarde um pelotão (...)” (MAISONNAVE,
2004, p.13, grifo meu).11
Já na notícia de 15 de maio, Rafael Carielo redigiu de New York: “(...) diplomatas ouvidos pela
Folha prevêem atraso na chegada das forças internacionais que substituirão as tropas dos EUA,
da França, do Canadá e do Chile, atualmente no país” (CARIELO, 2004, p.10, grifo meu).12
Por se tratar de notícias de caráter internacional, é possível observar que todas as informações
que se referem às ações humanitárias da ONU e ao Haiti, país problema para as Américas e para
a França, terão um alcance mundial. Outro fator que inserem as matérias da Folha em um
contexto global é o fato de o Brasil liderar a missão na ilha caribenha. Giddens (1991) elucida
que acontecimentos locais (preparação do Brasil para a missão) são influenciados por “eventos
10 Folha de S. Paulo. 28 de maio de 2004. Caderno Mundo.11 Folha de S. Paulo. 22 de setembro de 2004. Caderno Mundo.12 Folha de S. Paulo. 15 de maio de 2004. Caderno Mundo.
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ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa” (Haiti). A matéria Comboio brasileiro
parte para o Haiti de 12 de maio, edição 27.431, de Léo Gerchmann, apresenta um parágrafo
que revela o grau de importância dessa missão para uma cidade gaúcha e também para o Haiti,
por causa do movimento de pessoas que é feito para auxiliar o país. “O Brasil dá hoje mais um
passo para a missão de paz que comandará no Haiti. Um comboio de 58 jipes militares, pintados
com as letras UN (ONU, em inglês), sai hoje de São Leopoldo (RS), em direção ao Rio de
Janeiro”. (GERCHMANN, 2004, p.11).13
Na matéria Empatia vale mais que arma na força de paz , publicada, no dia 30 de maio, edição
27.451, o enviado especial Ricardo Bonalume Neto, reporta: “A empatia que o soldado da
ONU precisa mostrar é resumida em três palavras que começam com ‘f’, em inglês: firm(firme), fair (justo, imparcial) e friendly (amigável)” (BONALUME, 2004, p.20).14. Esse trecho
mostra uma diretriz da ONU, para as ações de paz mundial e, além disso, o trecho apresenta
palavras do inglês traduzidas para o português. Aqui é possível perceber um conceito abordado
por Thompson (1999), no qual afirma que a comunicação acontece em uma escala “cada vez
mais global”.
Para que a missão de paz da ONU no Haiti fosse um assunto escolhido para ser noticiado ele precisa passar por critérios que o caracterizem como informação importante. A partir dos
critérios de noticiabilidade de Wolf (1999) e dos aspectos que definem o que é acontecimento
para Rodrigues (1999) é possível avaliar sob qual pontos as notícias selecionadas para análise
passaram antes de serem publicadas na Folha.
O primeiro critério assinalado por Wolf (1999) é o Impacto sobre a nação e sobre o interesse
nacional, é um assunto que acontece em qualquer lugar e que tem influência sobre o destino deuma nação. No caso da missão no Haiti, é possível ver que o impacto acontece tanto no Haiti,
ao receber os brasileiros, quanto no Brasil ao enviá-los.
A notícia Amorim pede urgência para pacificar Haiti, de 15 de outubro, edição 27.589, da
sucursal de Brasília, revela a necessidade de a ilha caribenha contar com uma maior presença
militar, o que interfere no andamento da missão liderada pelo Brasil e na política brasileira, pois
este arca com despesas extras, resultantes do número ineficiente de militares no Haiti. “Segundo
13 Folha de S. Paulo. 12 de maio de 2004. Caderno Mundo.14 Folha de S. Paulo. 30 de maio de 2004. Caderno Mundo.
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ele, a situação é “delicada” e comunidade internacional precisa agir rapidamente. Dos 6.700
homens que deveriam estar na Missão Estabilizadora das Nações Unidas para o Haiti, liderada
pelo Brasil, apenas 3.200 foram enviados – 1.200 são brasileiros. (SUCURSAL BRASÍLIA,
2004, p.14). Mais um trecho que revela o impacto sobre o Brasil é o seguinte: “O ministro
demonstrou impaciência com o atraso na remessa de verbas para reconstrução de infra-
estrutura.” (SUCURSAL BRASÍLIA, 2004, p.14).15
Outro exemplo pode ser observado na matéria Brasil usa soldo para pagar missão no Haiti, de
13 de maio, edição 27.432, redigida por André Soliani e Eduardo Scolese. A decisão de enviar
ou não a tropa brasileira está nas mãos da política nacional, já que o envio resulta em gastos
excedentes nos cofres do governo. “Antes de o governo despachar as tropas, o Congresso teráde aprovar a participação brasileira na operação. A oposição já afirmou que votará contra,
segundo lideranças do PSDB e do PFL na câmara. Existe resistência também entre os
governistas” (SOLIANI/SCOLESE, 2004, p.15).16
Dentro das definições de acontecimento, expressas por Rodrigues (1999), há os acontecimentos
caracterizados por falhas quando um problema desencadeia diversos outros prejudiciais a uma
quantidade significativa de pessoas. No dia 21 de setembro, na edição 27.565, a Folha noticioudireto da redação Furação provoca 600 mortes no Haiti. Os seguintes trechos da notícia
revelam o impacto da tempestade denominada Jeanne. “Cerca de 80% da cidade de Gonaives –
a terceira maior do país, com cerca de 200 mil habitantes – ficou alagada” / “Milhares de
pessoas abandonaram suas casas e estão desabrigadas” (REDAÇÃO, 2004, p.7).17
Esse acontecimento teve, na ocasião, desdobramentos que justificaram o acompanhamento da
situação. Essa posição adotada pelo jornal é justificada pelo critério abordado por Wolf (1999),o de Relevância e significatividade do acontecimento quanto à evolução futura de uma
determinada situação. Observa-se este critério na notícia Crianças são maioria entre os mortos
no Haiti, 22 de setembro, edição 27.566, de Fabiano Maisonnave. “As inundações provocadas
pelo furacão Jeanne na região de Gonaives (...) já haviam causado até ontem à tarde a morte de
pelo menos 700 haitianos, informou a ONU” / “A preocupação da Minustah (Missão da ONU
de Estabilização no Haiti) agora é atender à população da cidade de 200 mil habitantes”
15 Folha de S. Paulo. 15 de outubro de 2004. Caderno Mundo.16 Folha de S. Paulo. 13 de maio de 2004. Caderno Mundo.17 Folha de S. Paulo. 21 de setembro de 2004. Caderno Mundo.
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http://slidepdf.com/reader/full/jornalismo-internacional-e-acoes-humanitarias-da-onu-no-haiti-a-cobertura 39/60
(MAISONNAVE, 2004, p.10). Outra notícia que mantém a atualização do fato é Fome, sede e
desespero crescem no Haiti, de 24 de setembro, edição 27.588, elaborada pelo enviado especial
Ricardo Bonalume Neto. “O número de mortos pelas enchentes chegou a 1.105, das quais 1.013
apenas em Gonaives. Segundo a defesa civil o número poderia passar de 2.000” (BONALUME,
2004, p.12).18
Quanto aos jornalistas responsáveis por reportar ao leitor as informações, são destaques,
expostos no Quadro II, Ricardo Bonalume Neto e Fabiano Maisonnave. Sendo que, o primeiro
foi o que mais manteve contato com o assunto missões de paz no Haiti, principalmente por que
elaborou seus textos, inserido na realidade haitiana e próximo aos militares brasileiros
envolvidos na tarefa pacificadora. Isso pode ser comprovado nas notícias de 24 de setembro, Fome, sede e desespero crescem no Haiti, em 26 de setembro, População haitiano improvisa
para sobreviver e em 3 de outubro, Após quatro meses, Haiti segue sem estado. Nas três
notícias aparecem no fim do texto: “O jornalista Ricardo Bonalume Neto viajou ao Haiti a
convite do Ministério da Defesa, em um C-130 da FAB” (FOLHA, 2004, p.12, 23, 16, grifo do
jornal).19
A maior participação de Bonalume (2004) apresenta pontos positivos e negativos. O primeiro,como já foi citado, devido à sua proximidade com a realidade enfrentada pela população e
militares da missão, a narrativa noticiosa se torna mais fidedigna à realidade, oferecendo ao
leitor um ângulo diversificado da informação. Algo importante, pois segundo Lage (2006),
apresentar diversas perspectivas e inserir dados distintos e pontos de vistas a respeito de um
assunto, é essencial para que o leitor possa se localizar e desenvolver sua própria leitura a
respeito da notícia. Entretanto, o ponto negativo também pode interferir na opinião do leitor, já
que, por escrever diversas vezes sobre o mesmo assunto, o autor pode desenvolver víciosopinativos, comprometendo a informação contida no texto.
Charaudeau (2006) aponta que essa interferência positiva ou negativa existe no texto
jornalístico, uma vez que o repórter ao escrevê-lo, imprime valores pessoais e individuais,
interferindo no que realmente é o fato inicial. Berger e Luckmann (2001) denominam essa
atitude de “processo de exteriorização”, no qual o homem projeta na realidade seus próprios
significados.
18 Folha de S. Paulo. 24 de setembro de 2004. Caderno Mundo.19 Folha de S. Paulo. 26 de setembro de 2004. Caderno Mundo.
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Por fim, no processo de construção da notícia, além da opinião implícita ou explícita do
jornalista, existe aquela expressa pelas fontes consultadas pelos repórteres para, como afirma
Traquina (1999), garantir credibilidade a matéria. Isso acontece, principalmente, se essas fontes
exercerem cargos de autoridade em empresas públicas, estatais ou particulares.
Essa afirmação de Traquina (1999) pode ser constatada ao se observar o Quadro I. Nela, é
possível verificar que as matérias publicadas nos meses de maio, setembro e outubro
privilegiaram as fontes oficiais, totalizadas em 29 pessoas ligadas a órgãos e de importância
internacional e nacional. Em número inferior foram ouvidos haitianos, sendo que apenas no mês
de maio, quatro pessoas tiveram oportunidade de expressar suas opiniões, enquanto emsetembro, duas e em outubro, somente um haitiano teve suas impressões descritas pelo repórter
ao longo das matérias.
Os militares, general Américo Salvador de Oliveira e o comandante da missão da ONU no
Haiti, Augusto Heleno Ribeiro Pereira são fontes ligadas ao exército. Juntos aparecem nove
vezes em matérias diferentes e com falas de maior destaque. Na matéria Furacão provoca 600
mortes no Haiti, de 21 de setembro, redigida da redação, o comandante aparece como fonteacessível e mais importante da matéria. “Em entrevista a Folha o general Heleno disse que a
maioria da população estava dormindo quando a cidade foi atingida por uma enxurrada de água
e terra.” / “é um problema seriíssimo, não apenas em termos quantitativos, mas também de
segurança” (REDAÇÃO, 2004, p.7).20 Além dessa fala, existem outras na mesma matéria que
não tem personagens atingidos pela tragédia.
Somente na matéria de 26 de setembro, População do Haiti improvisa para poder sobreviver ,que populares expressam sua opinião a respeito da tempestade que matou mais de mil haitianos.
“Fiquei triste pelas mortes dos meus irmãos e irmãs haitianas, mas Deus fez o Trabalho”, disse
o guia turístico Dieudonne (não aparece sobrenome na material). (BONALUME, 2004, p.23).21
4.3.3 Terremoto e epidemia dizimam a população haitiana (2010): uma abordagem
quantitativa
20 Folha de S. Paulo. 21 de setembro de 2004. Caderno Mundo.21 Folha de S. Paulo. 26 de setembro de 2004. Caderno Mundo.
40
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Janeiro e novembro são os meses selecionados para análise por apresentarem quantidades mais
significativas de notícias e reportagens a respeito da missão de paz no Haiti. No Quadro III, é
possível visualizar o número total de matérias publicadas, que chegaram a 30, sendo que desse
valor, 18 são reportagens e 13 notícias. Essa diferença ocorre principalmente no mês de janeiro,
quando aconteceu o terremoto que abalou o Haiti.
O maior número de matérias publicadas pela Folha, de acordo com o Quadro III, foram
apuradas e redigidas em solo haitiano, totalizando 14 notícias e reportagens. O fato dos
jornalistas estarem presentes no Haiti não impõe dificuldades ter contatos com os fatos e as
fontes envolvidas nos acontecimentos. O segundo local que produziu maior número de matérias
para o jornal foi a sucursal de Brasília, com seis publicações.
Quadro III
A Minustah na Folha de S. Paulo (2010)Mês Jan Nov Total
Número de matérias publicadas 25 5 30 Notícias 8 5 13Reportagens 17 1 18Reportagem local 1 0 1
Da redação 2 0 2Sucursal Brasília 6 0 6Sucursal Rio 2 0 2Agência Folha 0 0 0de São Paulo/jornal Agora 2 1 3Colaboradores internacionais 3 0 3Enviado especial Brasil 0 0 0Enviado especial Porto Príncipe/Haiti 10 4 14Com agências internacionais 1 1 1Fonte oficial 34 6 40
Fonte expert 4 2 6Fonte primária 13 4 17Fonte secundária 2 0 2Fonte testemunhal 2 0 2Personagem 25 7 32
As fontes privilegiadas pelos jornalistas são as oficiais. Quarenta pessoas ligadas a órgãos
oficiais e a ONU auxiliaram na construção das informações. Não muito distante desse número
estão os personagens. Trinta e duas pessoas, brasileiras e haitianas, tiveram suas históriasrelatadas por jornalistas em notícias ou reportagens. As fontes primárias também merecem
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destaque, pois por dezessete vezes forneceram informações oficiais para os repórteres
construírem as matérias.
O Quadro IV apresenta os jornalistas que assinaram matérias noticiadas na Folha ao longo dos
meses de janeiro e novembro. O repórter que teve maior participação na cobertura de 2010 foi
Fábio Zanini, com sete matérias publicadas. Em seguida aparece Fabiano Maisonnave, com
cinco. Em terceiro vem Luis Kawaguti, com quatro publicações. As agências de notícias
aparecem com uma publicação na íntegra assinalada com “Das agências de notícias” e uma
colaboração em matéria apontada no pé de página da matéria “com agências de notícias”.
Quadro IV
Jornalistas que escreveram notícias/reportagens (2010)
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Jornalista Brasil Haiti EUA TotalFábio Zanini XXX XXXX 7
Fabiano Maisonnave XXXXX 5
Luis Kawaguti XXXX 4Flávia Marreiro XXX 3Hudson Corrêia XX 2Sérgio D’ávila XX 2Johanna Nublat XX 2Fernanda Odilla XX 2Simone Iglesias XX 2
Janaina Lage X 1Agências de notícias X 1
Ítalo Nogueira X 1
Laura Capriglione X 1Fábio Seixas X 1Renan Ramalho X 1Adriano Ceoline X 1Cláudia Antunes X 1
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4.3.4 Abordagem qualitativa (2010)
Terremoto de grande magnitude atinge o Haiti. Esta é a primeira notícia publicada na Folha, no
dia 13 de janeiro, edição 29.505, escrita da redação, um dia após a catástrofe que colocou
abaixo a capital Porto Príncipe. Não se sabe o número de pessoas atingidas, mas a fonte oficial,
definida por Lage (2006) como aquela que está ligada a instituições governamentais ou órgãos
oficiais, neste caso o Centro de Pesquisas Geológicas dos Estados Unidos, aponta que o tremor
atingiu sete graus na escala Richter. Só por esse número, mesmo sem saber quantas foram asvítimas, é possível classificar, de acordo com Rodrigues (1999), como um acontecimento regido
por falhas, uma vez que um problema desencadeia diversos outros prejudiciais a uma
quantidade significativa de pessoas.
Nem mesmo a missão de paz do Haiti, a Minustah, ficou imune ao desastre natural. O
secretário-geral-adjunto da ONU para operações de manutenção de paz, fonte oficial de acordo
com Lage (2006), afirma que a sede da missão “sofreu sérios danos, assim como outrasinstalações da ONU” (REDAÇÃO, 2010, p.12).22 Outra declaração de um funcionário da
Organização das Nações Unidas, publicada pela agência de informação France Presse e
utilizada pela Folha, demonstra na prática a afirmação de Thompson (1998). “Certas
organizações detêm o controle predominante, levando algumas regiões do mundo à extrema
dependência de outras para o suprimento de bens simbólicos”.
Entretanto, faz parte do perfil do jornalismo internacional da Folha buscar sua própria apuração
e, a partir do que recebe das agências de notícia, produzir seu próprio material. Isso é observado
22 Folha de S. Paulo. 13 de janeiro de 2010. Caderno Mundo.
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por Natali (2007) quando este elucida que os jornalistas conseguem usufruir das agências sem
ficarem dependentes delas. “A Folha tentou contato com oficiais brasileiros e organizações
internacionais no Haiti, mas não teve sucesso” (REDAÇAO, 2010, p.12).23
Na mesma data da notícia anterior, a matéria Brasil relata danos materiais, porém não fala em
vítimas, elaborada por Hudson Corrêa, repórter da sucursal Brasília, a fonte oficial é o
Itamaraty, representado com frases do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Este “manifestou
preocupação e solidariedade com os brasileiros, e o povo haitiano de um modo geral”
(CORREA, 2010, p.13).24 De acordo com o jornal, o presidente estava preocupado,
principalmente, por causa dos “1.266 militares em missão da ONU”. A matéria apresenta ainda
duas fontes, denominadas por Charaudeau (2006) como externas, que são as institucionais,representadas pelos governos de Estados, organizações sociais, políticos e administrações
públicas. No caso, os representantes do governo são Nelson Jobim, do Ministério da Defesa, e o
embaixador do Brasil no Haiti, Igor Kipman.
Em nota, Jobim fala sobre os militares brasileiros: “(...) o espírito de colaboração já faz parte do
cotidiano das tropas brasileiras que participam da força de paz da Organização das Nações
Unidas, naquele país, mas ponderou que novas necessidades surgirão dessa catástrofe”. JáKipman apresentou um tom otimista sobre como estariam os militares brasileiros. “Os
brasileiros estão bem. Já tive essa informação. Estão bem. Temos [cerca de] de 1.300 militares e
mais civis, talvez 50 e 60”. (CORREA, 2010, p. 13).25
A partir do dia 14 de janeiro, a Folha inicia uma série de reportagens que tem, por objetivo
diário, informar ao leitor o que está acontecendo no Haiti. O principal critério de noticiabilidade
que se aplica a essa série, conforme Wolf (1999) é o de atualização, pois acrescenta novasinformações à primeira notícia sobre o acontecimento principal, no caso o terremoto.
A matéria capa da editoria Mundo, no dia 14 de janeiro, edição 29.506 (ver anexo VI) , cujo
título é Haiti em Ruínas, versal de todas as matérias ao longo do mês de janeiro , inicia a jornada
do enviado especial a Porto Príncipe, Fabiano Maisonnave. O texto de abertura não foi escrito
23 Folha de S. Paulo. 13 de janeiro de 2010. Caderno Mundo.24 Folha de S. Paulo. 13 de janeiro de 2010. Caderno Mundo.25 Folha de S. Paulo. 13 de janeiro de 2010. Caderno Mundo.
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pelo jornalista. Na verdade é o depoimento do antropólogo da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), Omar Ribeiro Thomaz, uma testemunha do terremoto.
A abertura escolhida pelo jornal corresponde à teoria desenvolvida por Coimbra (1993) a
respeito da reportagem dissertativa. O autor afirma que a introdução pode conter uma alusão
histórica do acontecimento de que o jornalista tenha sido participante ou testemunha. No caso a
testemunha não é o repórter, mas é uma fonte consultada pela Folha e que concedeu sua fala
para ser utilizada pelo jornal da forma que esse optasse.
No dia 12 de janeiro de 2010, o mundo ruiu em Porto Príncipe. Um mundo já frágil e parcialmente em ruínas foi-se abaixo. O Haiti já estava de joelhos. Agora com a destruiçãode sua capital, está prostrado. (...) as operações de resgate são até o momento, uma
promessa, e é evidente que as forças internacionais da ONU não estavam preparadas paralidar com uma calamidade desta natureza (...) (RIBEIRO, 2010, p.13).26
Até a chegada do enviado especial Fabiano Maisonnave ao Haiti, a Folha realiza da redação a
cobertura dos acontecimentos na ilha caribenha, com o auxílio das agências internacionais de
notícias. Esse amparo que o jornal busca nas agências confirma as observações de Oliveira(1998), de que o jornalismo internacional brasileiro adota em sua cobertura, frequentemente,
informações enviadas por agências de notícias. Na reportagem País fala em “centenas de
milhares” de mortos, do dia 14 de janeiro, edição 29.506, escrita por Luis Kawaguti com
agências internacionais, encontra-se a primeira participação de informações vindas do exterior e
utilizadas pelo jornal. “É uma catástrofe (...) “inimaginável”, disse o presidente René Préval ao
jornal americano ‘Miami Herald’”. (KAWAGUTI, 2010, p. 14).27
Todavia, mesmo a origem da informação sendo norte-americana, a Folha busca apurar os fatos
em concordância com a afirmação de Lage (2006), que discorre sobre a necessidade de
investigar e passar para o leitor o maior número de informações possíveis.
26 Folha de S. Paulo. 12 de janeiro de 2010. Caderno Mundo.27 Folha de S. Paulo. 14 de janeiro de 2010. Caderno Mundo.
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28A ONU confirmou que a sede da Minustah, um prédio de cinco andares na capital, foidestruída. Ao menos 16 funcionários da organização morreram e 150 estão desaparecidos.Além dos 14 soldados brasileiros cuja morte foi confirmada por Brasília (...).(KAWAGUTI, 2010, p. 14, grifos meus).
Ainda no dia 14, a série Haiti em ruínas continua a reportar os principais fatos da tragédia. A
reportagem Tremor mata 14 militares do Brasil e deixa 4 desaparecidos (ver anexo VII), de
Fábio Zanini situado em Brasília, foi noticiada porque se encaixa no critério denominado por
Wolf (1999) de Impacto sobre a nação e sobre o interesse nacional. Essa notícia trouxe
consequências para a nação, pois os militares da missão de paz, que perderam suas vidas,
estavam no Haiti sob responsabilidade do governo brasileiro. Além disso, interessa à nação por
envolver a perda de personagens que levavam o nome do Brasil, imbuídos na prática do bem, e
situados em uma nação carente em todas as áreas. Aqui vale ressaltar o conceito de Sodré e
Ferrari (1986) sobre o perfil do heroi, que é protagonista da história da própria vida. Os
soldados brasileiros foram para o Haiti como heróis e possíveis salvadores da nação haitiana,
mas alguns saíram do “enredo” de forma trágica.
A reportagem apresenta o perfil de oito dos 14 soldados vitimados no terremoto. Os textos
informam, mas principalmente despertam sensações no leitor, o que para Lustosa (1996) é
essencial para o texto jornalístico. “Além de informar, deve emocionar e causar sensações ao
ponto de despertar interesse no público de ler”.
29O cabo foi voluntário para a Minustah por razões humanitárias; queria ajudar os haitianos – pessoas que conhecia só pelos noticiários e sabia serem das mais sofridas da América.Quando voltou ao Brasil de férias da missão, no semestre passado, contou à família ter aprendido muitas lições de vida ao servir no Caribe. (ZANINI, 2011, p.16).30
No dia 16 de janeiro, edição 29.508, a Folha publica a reportagem Resgatados feridos, 16
brasileiros chegam a SP , de Laura Capriglione, reportagem local. A reportagem é narrativa,
conforme conceitos de Sodré e Ferrari (1986), pois apresenta como característica fundamental a
28 As partes negritadas são traços de que foi realizada uma apuração junto aos dois órgãos oficiais: a ONU e o
Itamaraty.
29 Perfil do militar Douglas Pedrotti Neckel, 24 anos.30 Folha de S. Paulo. 14 de janeiro de 2010. Caderno Mundo.
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progressão dos fatos em ordem cronológica. Além disso, consegue mostrar mudanças nas
pessoas ou nas situações, como se fosse uma narrativa cinematográfica.
Passava das 13h quando militares brasileiros feridos no terremoto do Haiti começaram adescer em fila do avião da Força Aérea Brasileira estacionado na Base Aérea de Cumbica.
No cortejo silencioso e solene até o ônibus que os levaria para o hospital militar de SãoPaulo, viam-se mãos imobilizadas em tipóias, um com ataduras na cabeça, outros nas
pernas e pés; dois tiveram de ser transportados em cadeiras de rodas, como o 3º sargentoTareck Souza de Pontes (ele levava sobre as pernas uma bandeira brasileira dobrada).Também saíram do avião duas macas com soldados – tiveram de ser levados em
ambulâncias. (CAPRIGLIONE, 2010, p.21).31
Pela gravidade do acontecimento a Folha dividiu o seu grupo de jornalista em frentes de
atuação diversificadas, para que pudesse cobrir o assunto da forma mais ampla possível. No
mês de janeiro, além dos enviados especiais a Porto Príncipe, participaram com maior número
de matérias escritas, jornalistas da redação de São Paulo, reportagem local e sucursal de
Brasília. Nesse ponto é possível observar o que Traquina (2005) afirma ao se referir sobre a
influência da política editorial dos jornais. De acordo com o autor, a empresa tem poder de
definir o que será dado como acontecimento e quais serão noticiados. Na situação encontrada
em janeiro, o número de acontecimentos era múltiplo, sendo necessário optar por aqueles que
despertariam maior interesse do leitor.
Como é possível observar no Quadro III, os tipos de fontes mais consultadas pelos jornalistas
foram as oficiais, com 40, seguidas por 32 personagens e 17 fontes secundárias. Os órgãos
oficiais ligados a governos e a ONU aparecem tanto como fontes oficiais, quanto secundárias,
fornecendo informações precisas sobre o que aconteceu no Haiti. As personagens haitianas e
brasileiras também se destacam, afinal, foram as mais atingidas pela catástrofe.
No mês de novembro, a cobertura apresenta as principais consequências do terremoto para a
população haitiana e o início da organização das eleições presidenciais. De acordo com os
critérios de Wolf (1999) são acontecimentos que inserem atualizações ao terremoto de janeiro.
Na reportagem do dia primeiro de novembro, edição 29.797, Terra do NUNCA (caixa alta e
31 Folha de S. Paulo. 16 de janeiro de 2010. Caderno Mundo.
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negrito do jornal) (ver anexo VIII), escrita pelo enviado especial Fábio Seixas, revela um
quadro preocupante: jovens que deixam suas famílias para formarem outras células familiares.
As fontes da reportagem são as personagens Lovely, Cristila e Ruth Saint-Fleury, todas, jovens
de 16 anos, Darlene Lucianel de 22 e Emanuela Batol, 15. A única fonte oficial é do Ministério
da Juventude, Esportes e Ação Civil, Witchner Orméus. A escolha do repórter de privilegiar
personagens é, segundo Lage (2006), uma forma de “garantir a veracidade ao fato narrado”.
Seixas (2010) reforça por meio do seu texto a justificativa para a ausência de especialistas e da
pequena participação da fonte oficial. “Não há estatísticas, não há projeções. Mas, há realidade.
O fenômeno é perceptível por toda Porto Príncipe, e preocupa o governo do Haiti” (SEIXAS,
2010, p. 10).32
Outro problema que começou após o terremoto é a epidemia do cólera. A desconfiança de o
vírus ter sido introduzido no país por meio de uma das tropas que compõem a missão de paz
gerou revoltas na população. Na matéria Violência cresce e chega a capital do Haiti, do dia 19
de novembro, edição 29.815, de agências de notícia, a única fonte é um funcionário não
identificado de um órgão humanitário no país.
A forma como a notícia foi construída revela o que Oliveira (1998) observa em suas pesquisas:
a distorção sobre o que acontece nos países que não possuem o mesmo direito a divulgar
informações. O primeiro parágrafo fala a respeito dos protestos contra a Minustah, apontada
como responsável pela epidemia, que tem soldados de diversos países. Já no segundo parágrafo,
ressalta-se que a missão é comandada pelo Brasil e apresentou o número de militares
brasileiros. A quantidade de militares de outras nacionalidades não é revelada, porém.
A onda de protestos contra a Minustah (a missão da ONU no Haiti) promovida nestasemana por manifestantes que atribuem a seus membros a epidemia do cólera que afeta o
país chegou ontem pela primeira vez a Porto Príncipe. (1º primeiro parágrafo). A segurançada capital do Haiti é em grande parte comandada pelo batalhão brasileiro da missão,que tem 2.220 homens no país (2º parágrafo). (AGENCIAS, 2010, p.16, grifos meus).33
A última notícia de novembro que faz menção a missão de paz da ONU foi publicada no dia 26,
edição 29.823, e preparada pela enviada especial Flávia Marreiro. Candidatos fazem beija-mão
32 Folha de S. Paulo. 01 de novembro de 2010. Caderno Mundo.33 Folha de S. Paulo. 19 de novembro de 2010. Caderno Mundo.
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a Brasil e EUA mostra a influência da liderança brasileira sob a Minustah, nas eleições
presidenciais. “É algo sintomático de um país onde o núcleo de poder não está no Estado, mas
em grande parte na Minustah, missão da ONU que está no Haiti desde 2004” (MARREIRO,
2010, p.16).34
A principal fonte da matéria é o embaixador do Brasil Igor Kipman, que confirma as
informações transmitidas pela repórter no texto ao dizer que “considera natural a movimentação
em torno do Brasil”. A resposta de Kipman demonstra que realmente existe uma aproximação
do Brasil por parte dos candidatos. Tudo em virtude da Minustah. Traquina (2005) afirma que
essa capacidade da fonte oficial fortalecer os argumentos do jornalista está “diretamente ligada
à autoridade profissional da fonte.”
4.3.5 As eleições haitianas e a reconstrução de uma nação destruída (2011): uma
abordagem quantitativa
O período de análise compreende os meses entre janeiro e junho do ano de 2011. Foram
selecionadas notícias e reportagens publicadas no caderno Mundo da Folha de S. Paulo a
respeito da missão de paz da ONU no Haiti, a Minustah. As matérias escolhidas, de acordo comos critérios já citados, chegaram ao número de 12, divididas entre os meses de janeiro (marca
um ano do terremoto que matou mais de 250 mil pessoas) e março e abril (preparação para as
eleições de segundo turno e definição do presidente e outros cargos políticos à frente do país
caribenho e ao início da reconstrução do Haiti).
34 Folha de S. Paulo. 26 de novembro de 2011. Caderno Mundo.
50
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Quadro V
A Minustah na Folha de S. Paulo (2011)Mês Jan Mar Abr Total
Número de matérias publicadas 5 3 3 11 Notícias 4 3 3 10Reportagens 1 0 0 1De São Paulo 0 1 1 2Enviado especial Porto Príncipe/ Haiti 4 2 1 7Caracas 1 0 1 2Fonte oficial 3 2 2 7Fonte expert 1 0 0 1Fonte primária 4 1 1 6Fonte secundária 1 0 0 1Fonte testemunhal 1 0 0 1Personagem 4 2 0 6Com agências internacionais 0 0 1 1
Foi separado material referente ao primeiro semestre de 2011, entretanto, chegou-se ao número
de 11 notícias e uma reportagem, nas quais apareceu alguma informação sobre a missão de paz
no Haiti. Dentre essas notícias e a reportagem é possível encontrar assuntos que falam
estritamente sobre o Haiti, sem citar a ONU ou a Minustah. Apesar dessas notícias não fazerem
parte do tema da análise, é importante citá-los, pois fornecem a informação de que a cobertura
em 2011 se voltou mais para acontecimentos que se restringem à política e à cultura haitiana.
O fato de o Haiti ser o foco das notícias em 2011 pode ser comprovado pelo número de
personagens, seis, estarem praticamente igual ao número de fontes oficiais, sete, algo exposto
no Quadro V. Outro dado importante, que também está registrado no Quadro V, é a localização
dos jornalistas responsáveis pelos textos publicados em janeiro, março e abril. Oito matérias
foram apuradas e escritas em território haitiano e duas em Caracas, na Venezuela. Enquanto as
duas restantes foram escritas de São Paulo. A participação das agências internacionais é
observada em uma matéria de Luiz Kawaguti, no mês de abril. Não foi registrada a reprodução
de textos de agências de informação na íntegra.
Quadro VI
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Jornalistas que escreveram notícias/ reportagens (2004)Jornalista Haiti Brasil Caracas Total
Flávia Marreiro XXXXXXX35 ------- XX 9Luis Kawaguti ------- XX ------- 2
Já, o Quadro VI, apresenta os jornalistas responsáveis pela cobertura do Haiti em 2011. Flávia
Marreiro trabalhou como enviada especial ao Haiti, produzindo matérias in loco, ou seja,
estando próxima aos acontecimentos envolvendo as eleições e a definição do fim da missão de
paz na ilha caribenha. Em dois momentos, a repórter realizou a cobertura de Caracas. Luis
Kawaguti, por sua vez, colaborou com duas notícias a respeito do Haiti, escritas em território
paulistano.
4.3.6 Abordagem qualitativa (2011)
O ano de 2011 apresenta as mesmas características peculiares ao jornalismo internacional
brasileiro, entretanto, é possível avaliar a partir dos dados expostos nos Quadros V e VI,
prevaleceu a cobertura realizada por enviado especial, e, em segundo, a construção de matérias
da redação de São Paulo. Essa opção legitima a opinião de Natali (2007) que a editoriainternacional, para manter sua cobertura diária a baixos custos, investe nos enviados especiais e
em matérias elaboradas da redação.
A utilização de dados transmitidos por agências de informação pode ser verificada em duas
notícias. Oliveira (1998) defende que é comum o jornalismo internacional brasileiro utilizar as
agências como fontes de informação. Na matéria Caos político marca 1 ano de terremoto,
publicada no dia 11 de janeiro, na edição 29.868 (ver anexo IX), a jornalista Flávia Marreiro,
enviada especial descreve: “(...) ontem quando a agência de notícias Associated Press disse ter
obtido o parecer da OEA que contraria os resultados oficiais preliminares das eleição”
(MARREIRO, 2011, p.9, grifos meus). 36
O aparecimento da agência como fonte de dados confirma a afirmação de Oliveira (1998), de
que existe um monopólio por parte das agências que possui informações privilegiadas. No caso
da notícia avaliada, a Associated Press era detentora de informações importantes o apuradas
35 Número de matérias escritas pelo repórter 36 Folha de S. Paulo. 11 de janeiro de 2011. Caderno Mundo.
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junto a um órgão oficial, no caso da notícia, a Organização dos Estados Americanos (OEA). Em
toda a notícia essa é a informação de maior peso. A segunda notícia que assinala a utilização
das agências de informação como fonte foi publicada no dia 22 de abril, edição 29.969, e
redigida por Luis Kawaguti com o título Haitiano quer Exército no lugar da ONU (ver anexo
X). No final do texto aparece a frase “com agências de notícias” (grifo do jornal).
Outra característica que se faz presente nos textos da editoria Mundo é a Folha de S. Paulo
assumir a responsabilidade da apuração das matérias e o lugar do jornalista na narrativa
noticiosa. Isso demonstra que a publicação se preocupa em apresentar ao seu leitor informações
apuradas, o que garante ao jornal maior credibilidade. Charaudeau (2006) expõe que quanto
mais o jornalista se aprofunda em um tema e usa palavras que consigam traduzir os fatos, maiso leitor terá o desejo de ler a respeito do assunto.
Nas matérias Caos político marca 1 ano de terremoto, de 11 de janeiro, e Partido oficial desiste
de eleição haitiana, de 27 de janeiro, edição 29.884, ambas escritas por Flávia Marreiro,
apresentam no texto a Folha, como pessoa ou jornalista. Na primeira notícia: “Segundo a Folha
apurou ontem (...)” e na segunda “(...) disse à Folha (...)”. (MARREIRO, 2011, p.9 e 18, grifos
do jornal).37
Bauman (1999) apresenta um conceito interessante a respeito da globalização, que torna
possível inserir o contexto de algumas notícias. O autor explica que o mundo globalizado surge
a partir da nova ordem mundial, que oferece inúmeras incertezas e não tem quem controle ou
administre um globo sem fronteiras. O Haiti é um exemplo de uma nação de incertezas internas
e externas, já que sua posição de destaque é a de “pobre das Américas”. As notícias de 2011
conseguem pinçar alguns pontos da sociedade e política haitiana que demonstram essaincerteza, principalmente, porque envolve outras nações.
A notícia Haiti tem prova de fogo para democracia, publicada no dia 20 de março, edição
29.936, de Flávia Marreiro, apresenta um parágrafo que demonstra o quanto a desordem domina
a política externa do Haiti.
Por pressão da ONU e dos países doadores – entre eles EUA, França e Brasil. – as
autoridades eleitorais haitianas excluíram do duelo final o candidato governista Jude
37 Folha de S. Paulo. 11 de janeiro de 2011. Caderno Mundo.
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Celestín. A mudança foi feita com base num relatório da Organização dos EstadosAmericanos (...) (MARRIERO, 2011, p.22, grifos meus).38
Os meses de janeiro, março e abril têm como assunto principal das notícias e reportagem a
marca de um ano dos terremotos de 2010 e as eleições presidenciais. Os critérios de
noticiabilidade definidos por Wolf (1999) e que originaram as notícias de 2011 são atualização,
Impacto sobre a nação e sobre o interesse nacional e significatividade do acontecimento
quanto à evolução futura de uma determinada situação. No primeiro critério se encaixam as
notícias Caos político marca 1 ano de terremoto, de 11 de janeiro, 1 ano depois, Haiti faz senso
de mortos, de 13 de janeiro, edição 29.870 e na reportagem Uma noite em Porto Príncipe, de 12
de janeiro, edição 29.869, todas de Flávia Marreiro. As três matérias mostram como está o
Haiti, um ano após o terremoto que abalou a nação, e apontam problemas diferentes e que ainda
persistem no país.
Em um ano Sherlyne mudou de zona da cidade, viu crescer uma dívida no banco e levaduas horas para chegar ao centro e seguir vendendo sapatos. Como 810 mil haitianos, vivenuma barraca em um dos 1.150 campos para desabrigados – espontâneos, em espaçosvazios e praças, ou organizados por ONG’s (MARREIRO, 2011, p.10).39
No segundo critério entram as notícias Partido oficial desiste de eleição haitiana, de 27 de
janeiro, edição 29.884, e, Problemas marcam votação no Haiti, de 21 de março, edição 29.937,
ambas escritas pela jornalista Flávia Marreiro.
O país inicia agora uma longa espera – tradicionalmente tensa no país - porque osresultados preliminares só serão divulgados no dia 31. O novo presidente e a composiçãodo parlamento - quem vencer terá de negociar para eleger um premiê – só serão conhecidosoficialmente em 16 de abril. (MARREIRO, 2011, p.23).40
E o último critério pode ser observado nas notícias Cantor popular vence disputa para
presidente no Haiti, de 5 de abril, edição 29.952 e Haitiano quer Exército no lugar da ONU , de
22 de abril, edição 29.969. “Martelly prometeu que as novas Forças Armadas do país não terão
38 Folha de S. Paulo. 20 de março de 2011. Caderno Mundo.39 Folha de S. Paulo.12 de janeiro de 2011. Caderno Mundo.40 Folha de S. Paulo. 21 de março de 2011. Caderno Mundo.
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marinha nem aviões de combate. Disse que ajudarão a reconstruir o país após o terremoto de
2010”. (KAWAGUTI, 2011, p. 8).41
As fontes mais recorrentes nas matérias de acordo como Quadro V foram as oficiais e os
personagens. De acordo com Charadeau (2006), são estas que comprovam os dados e dão
credibilidade à informação apresentada em uma notícia. Nesse período de análise os
personagens, mesmo sendo em número menor que as fontes oficiais, ganharam maior destaque
nas notícias, sendo utilizados em abertura de matérias, como no exemplo a seguir.
Fritzgerald Dorilas, 43, diz que está muito feliz com a volta do ex-presidente JeanBertrhand Aristide ao Haiti. Afinal, diz, ele é um haitiano como qualquer outro e tem essedireito. Depois, Aristide é um homem querido, no qual ele votou nas vezes em que podefazê-lo. Mas, Dorilas muda de feição quando o assunto é a eleição de hoje, para escolher o
presidente do país pelos próximos cinco anos – e também parte dos senadores e deputados.(MARREIRO, 2011, p.22).42
No que diz respeito à responsável pela autoria de maior parte das notícias, Flávia Marriero, é
possível aplicar a repórter um termo utilizado por Charaudeau (2006) para definir o jornalista:
“uma testemunha esclarecida”. Chama a atenção no caso da repórter da Folha o fato dela
escrever a matéria do local onde estão ocorrendo os pronunciamentos oficiais do governo do
Haiti e a situação social e política, podendo assim, passar para o leitor informações mais
apuradas.
Existem fatores positivos e negativos dessa autoria, quase que exclusiva da repórter. Os pontos
positivos estão na possibilidade de ter mais acesso a fontes ligadas ao governo haitiano, à
população local e também pela oportunidade de observar de perto a realidade vivida no país.
Lage (2006) elucida que é fundamental que o jornalista realize uma boa investigação para publicar boas histórias. Marreiro (2011) proporcionou um maior contato com o “mundo” dos
haitianos, principalmente, quando faz o uso de personagens. Os pontos negativos são os
chamados vícios de texto e de apuração, que podem interferir na objetividade do texto e na
tentativa da imparcialidade. Esses problemas caem no que Berger e Luckmann (2001) chamam
de ações que podem ser repetidas no futuro, da mesma forma que anteriormente.
41 Folha de S. Paulo. 22 de abril de 2011. Caderno Mundo.42 Folha de S. Paulo. 20 de março de 2011. Caderno Mundo.
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É importante observar que a missão de paz da ONU é citada em quatro notícias, do mês de
novembro, como informação complementar. Não foram elaboradas matérias que discorram
exclusivamente sobre as ações dos militares brasileiros no Haiti. “(...) o novo presidente terá de
discutir a presença da Minustah, a força de estabilização da ONU, no país desde 2004. O braço
militar da missão é comandado pelo Brasil” (MARREIRO, 2011, p.22).43
CONCLUSÃO
As notícias e reportagens sobre a missão de paz da ONU no Haiti publicadas na Folha de S.
Paulo obedecem aos critérios de noticiabilidade e à definição de acontecimento traçados por
Wolf (1999) e Rodrigues (1999). Em 2004 a missão ganha o status de notícia, porque se
enquadra no critério Grau e nível hierárquico dos indivíduos envolvidos no acontecimento
noticiável que é explicado por Wolf (1999) como um acontecimento que envolve instituições e
pessoas de alto nível hierárquico. Quando o Conselho de Segurança da ONU aceita o Brasil
como líder da missão de paz no Haiti, caracteriza-se o envolvimento de uma nação com um
43 Folha de S. Paulo. 20 de março de 2011. Caderno Mundo.
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órgão supranacional, o que desperta o interesse dos jornais brasileiros em noticiar essa
informação.
Outro fator que influencia a Folha a publicar matérias sobre a missão é a constatação de que é a
primeira ação de importância internacional que o Brasil vai liderar sem o auxílio de países
como os Estados Unidos da América. Para acompanhar as ações do exército brasileiro no Haiti,
a Folha desloca um jornalista, pois economicamente é inviável manter uma equipe numerosa ou
um correspondente fixo em um país que se destaca pelo título de “O Pobre das Américas”.
Natali (2007) esclarece que a editoria internacional recebe poucos investimentos e, por isso,
justifica-se, em muitos casos, recorrer a informações reportadas por agências de notícias.
Ao longo de 2004, a missão de paz no Haiti recebe destaque nas páginas do jornal, por um
período maior no mês de maio. Isso acontece, principalmente, por causa do encontro com uma
realidade diferente da brasileira e pelos altos índices de violência que a ilha caribenha enfrenta.
Aos poucos, a missão de paz, assim como o Haiti, perdem espaço no caderno Mundo,
retornando em setembro por causa da tempestade tropical Jeanne, acontecimento regido pelo
que Rodrigues (1999) define como falhas, que matou cerca de 2.000 haitianos. A missão ainda
se mantém por mais um mês no noticiário da Folha devido à crescente violência no Haiti e aos problemas enfrentados pelo Brasil com os atrasos de pagamento, por parte da ONU, e da
chegada de outros militares da América do Sul, para auxiliar no patrulhamento da ilha
caribenha.
Em 2010, Haiti e missões de paz retornam ao noticiário da Folha devido a mais um
acontecimento regido por falhas, um terremoto de 8.0 na escala Richter. A Minustah ganha
destaque na Folha de S. Paulo, por causa da baixa de militares e pelo controle da violência quecresce com a falta de água, comida e moradia para milhares de haitianos. A cobertura se limita a
janeiro, por ser o mês do trágico desastre natural, e a novembro, quando um surto de cólera
dizima ainda mais a população e desperta a revolta dos haitianos, pois se suspeita que o vírus
tenha entrado no país por meio das tropas da ONU. Outro assunto que manteve o Haiti e a
missão de paz no noticiário da Folha foi eleição de um novo presidente com o aval de Estados
Unidos, Brasil e França.
O ano de 2011 começa com a marca de um ano do terremoto que arruinou o Haiti, o que
segundo Wolf (1999) é uma atualização do que aconteceu no período de um ano desde que a
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terra tremeu e destruiu ainda mais a estrutura social e política do país. A missão de paz não
aparece como assunto principal, sendo relegada a pequenos parágrafos que retomam o que ela é
e qual a sua função no Haiti. À medida que os militares deixam a República do Haiti, a Folha
deixa de noticiar as ações da ONU e informações que diz respeito à nação haitiana, pois não se
apresentam como acontecimentos com apelo comercial e que sejam capazes de interferir no que
Bauman (1999) denomina de “desordem mundial”.
É possível perceber nos três anos de análise que as agências de notícias internacionais exercem
influência na produção do caderno Mundo da Folha de S. Paulo. Seja como fonte de
informação ou como ponto de partida para a produção e execução de pautas relacionadas à
missão de paz da ONU no Haiti. Isso pôde ser observado, principalmente, em matérias escritasda redação do jornal sobre assuntos que estavam ocorrendo no Haiti, aparecendo no texto a
seguinte informação: “Segundo a agência Reuters”. Em 13 notícias, a Folha assinalou que o
texto foi escrito com o auxilio de agências internacionais, comprovando o que Oliveira (1998)
elucida sobre a dependência do jornalismo internacional brasileiro da produção jornalística das
agências internacionais.
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