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peridico do Instituto Cultural Janela Aberta sobre arte, cultura, literatura, software livre e economia solidariaTRANSCRIPT
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J ANELA ABERTAl iteratura, artes, software livre e economia solidária - ano 4 - número 9
editorial cristian cobraeconomia solidária conto: uma nova economia acontece wendy palo
software livre software livre é uma questão de liberdade cristian cobraprosa garota bad trip jemima murad
poema fluir alexandre stucchi de souzapoema celeste alexandre stucchi de souza
poema o rei sem reino alex tomépoema sem título marcos murad
poema abstração ana amélia pisanellifora do eixo letras romance desleixo
prosa quatro minutos leonardo panço
tirinha osvaldo spitaletti jrtirinha murilo bannertirinha rafael monster
tirinha os malvados andré dahmerjanela aberta: incubadora de artistas maju martins
entre você também nessa rede!
com o apoio de
versã
o digital
poema esperança alexandre stucchi de souzapoema bocejo alexandre stucchi de souza
poema mulher gisele carvalhopoema povo gisele carvalho
poema sem título marcos muradpoema não ter você fabiana ribeiroprosa maria lúcia josette monzaniprosa joca tijó gustavo veronési
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As opiniões emitidas pelostextos aqui publicados nãosão necessariamente asmesmas de seus editores.Mesmo assim, são bemvindas todas as críticas e
sugestões.
InformesO que rolou no Janela Aberta:Desde a última edição do Jornal fo-ram muitos eventos e projetos queaconteceram: vários Identidade Jazze Identidade Hardcore, realizaçãodo Projeto Pequenas Expedições ede oficinas culturais no CEFA (Pro-jeto SOS Bombeiros), aquisição denovos parceiros na Rede do Conto,mudança do site para uma plata-forma livre (wordpress), participa-ção na Feira de Economia Solidáriado estival Contato, um novo grupode estudos de Dança Tribal sob cui-dados de Ligia Botelho, a publica-ção do livro Versos da Terra de JoséPaulo Maciel em parceria com aPrefeitura e Fundação Pró-memoria,exposição de quadros do Programade Medidas Sócio-educativas ParaMenores em Regime Aberto emparceria com o Salesianos São Car-los e outras ações que não citamospor causa do pouco espaço!
O que ta rolando:Aproveite para curtir os últimoseventos do Janela Aberta nos dias1 7, Identidade Hardcore e 1 8 Identi-dade Jazz. O Janela participará tam-bém do Congresso Fora do Eixo queacontece em São Paulo entre os di-as 1 1 e 1 8 de dezembro (informa-ções no nosso site). E as fériasestão chegando, e aproveitamospara informar que o Janela entraráem recesso no período de 23 dedezembro a 20 de janeiro.
O que vai rolar:Logo mais o Janela começará o pro-jeto "Catira em Santa Eudóxia", pre-miado pelo ProAC no edital"Promoção da continuidade dasculturas tradicionais". Para o anoque vem estamos aguardando tam-bém a chegada dos recursos doPonto de Cultura, que trará melho-rias à infraestrutura do Instituto epermitirá a realização de muitasoutras atividades, como olançamento de um edital paranovos incubados. Aguardem!
EXPEDIENTE
Editor GeralCristian Cobra
CapaMelissa Conde
Conselho EditorialJemima MuradCristian CobraHelena BoschiRicardo Gessner
Alex ToméDouglas PinoWendy Palo
ContatoR: Conde do Pinhal 2340
São Carlos - Centro(1 6) 341 2-6461
Correio eletrô[email protected]
Sítiowww.janelaaberta.art.br
Tiragem1 .000 exemplares
EDITORIAL
Rede é um lugar bom pra sonhar
Se você fizer uma busca pela internet, participar de algum
evento inovador ou mesmo prestar atenção nos noticiários da
televisão, você irá se deparar frequentemente com o termo “rede”.
Redes era o título do editorial anterior, e novamente nos vemos
obrigados a focar este tema.
O termo na verdade não é novo, mas começa a derivar
novos sentidos, começa a ter novos usos em novos contextos. Rede,
é defin itivamente um conceito do presente e do futuro. Estar
conectado é estar em constante troca. Não uma troca completamente
disparatada, desigual, assim eram as árvores, as pirâmides, as
estruturas sólidas e verticais do poder. As pirâmides eram
organogramas fechados, era preciso criptografar hieróglifos, colocar
armadilhas, obstáculos, era preciso enterrar o engenheiro junto com
o Faraó. Os planos, cartesianos, eram retas e pontos riscados em
folhas bidimensionais que não consideravam o verso, a mesa, o
lápis, a mão.
As redes são leves, intrincadas, embricadas, várias e ao
mesmo tempo uma, tridimensionais, quadrimensionais, indefiníveis
pois não podem ser simplificadas. As redes são maleáveis, pode-se
dobrá-las e enverga-las pulando assim de uma ponta a outra. Não é
competição, não é apenas cooperação, exigem juntamento e espaço,
pausa e respiro, conflito, reavaliação, novas conexões. As redes
podem ser nossa nova forma de entender as relações humanas e
ambientais. Câmara de aceleração de partículas, cultura laboratorial
de estudo, folha de rascunho. Teoria do Caos? O que você insere na
rede aqui, ressoa como lá, acolá e além? Receitas colaborativas e
coletivas: quando você vem pra rede, o que você traz? Uma
sugestão: a rede é um lugar bom pra se sonhar...
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Cristian Cobra é escritor e o editor geral deste jornal. Seus trabalhosencontram-se, entre outros, no livro de poemas Guerras Contidas(2007) e em seu blogue www.excamas.blogspot.com.
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Jornal Janela Aberta online!
Já conheceu o site do Jornal Janela Aberta? Agora, com nosso
novo site do Instituto, temos uma espaço próprio para o Jornal que,
além de vincular as versões digitais deste periódico, publica notícias e
informes sobre o Janela Aberta e a cultura em geral. Aproveite para
conferir a versão digital do jornal que, a partir dessa edição, será ex-
pandida e irá conter os textos que acabam ficando fora por causa da
falta de espaço. Visite e cadastre seu email! www.janelaaberta.art.br
SOFTWARE LIVRE
Software Livre é uma questão de liberdade
No penúltimo texto desta coluna escrevi rapidamente sobre algu-
mas vantagens de ser um usuário Linux. Gostaria de voltar a tratar aqui com
mais detalhes um daqueles tópicos: a liberdade, considerado pela maioria
dos usuários como o mais importante.
No senso-comum as pessoas entendem que um Software Livre (SL)
é um programa gratuito. Isso não é verdade, essa defin ição cabe aos progra-
mas Freewares. Um programa, resumidamente, são várias linhas escritas em
alguma linguagem de computação que podem ser facilmente copiadas e al-
teradas. Um software tradicional tem essas linhas codificadas, para impedir
que outra pessoa use-as e faça seu próprio programa. É uma forma de pre-
servar o "direito autoral" de quem programou.
Isso significa que um programador precisa começar seu trabalho
do zero, pois não pode utilizar de algo já "escrito", já programado. O SL, ao
contrário, permite que um programador altere o programa já existente,
melhorando-o ou atribuindo novas funções criando assim um outro
programa. E isso não é um problema, pois os códigos dessa nova versão
também podem ser alterados e redestribuido-os. Isso proporciona uma me-
lhor evolução tecnológica pois impede que as pessoas tenham sempre que
começar um trabalho do zero. Esses programadores podem ganhar dinheiro
mesmo assim, ou ainda vender publicidade em seu programa, vender su-
porte técnico etc, sem restringirem os códigos de seus programas.
Isso gera, ao mesmo tempo, uma comunidade de usuários no en-
torno dos programas, o que torna todo usuário um colaborador potencial do
desenvolvimento de tal software. O avanço que esse modelo de trabalho re-
presenta vê-se em programas como os Libre/OpenOffice.org, que são recen-
tes e já se encontram em nível igual ou próximo do clássico Microsoft Office
(que já possui 23 anos), ou o caso do navegador Firefox que já superou em
muito o Internet Explorer no quesito segurança.
É claro que esse novo modelo de criação, gestão, venda e distri-
buição de SL também tem seus problemas, seus desafios e obstáculos (co-
mo a falta de colaboração por parte das grandes empresas que dominam o
mercado de software e especialmente de hardware) mas parte do princípio
de que a liberdade de entender, modificar e comparti lhar um programa, é
mais producente que restringír esses direitos. Coletivamente, esse modelo
do SL traz outras vantagens, como a democratização dos meios digitais, di-
minuindo custos dos governos, empresas e dos usuários domésticos.
E destaco aqui a importância de entender esse processo como
uma cultura. Não se trata apenas de melhor tecnologia, trata-se de baratea-
mento de tecnologia, democratização do acesso e liberdade criativa. Uma
cultura que possui similaridades com outros movimentos/fi losofias como a
Economia Solidária, a democracia participativa, o ativismo-ambientalista,
etc. Nós, do Janela Aberta, acreditamos que a filosofia do comparti lhar é
mais eficiente que a filosofia da competição. Esse é o motivo primeiro que
nos motiva a escolher sempre o Software Livre.
Cristian Cobra é aluno da Pós-Graduação em Linguística (UFSCar) e dsenvol-
ve pesquisa sobre Software Livre, direito
autoral e cultura digital.
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rede Conto
ECONOMIA SOLIDÁRIA
Conto: uma nova economia acontece!
Um dos primeiros depoimentos que ouvi sobre o conto foi: “que
legal, funcionou como dinheiro mesmo, eu paguei a conta toda com os
contos”. São recorrentes os relatos como este, repletos de admiração ao
poder gastar os contos adquiridos através do trabalho artístico.
Com a grande concentração de renda que o mundo convive hoje,
o dinheiro está ficando cada vez mais escasso e se concentrando nas mãos
de poucas pessoas. O Instituto Cultural Janela Aberta com certeza não faz
parte desse pequeno e seleto grupo, já que um dos grandes problemas
enfrentados pela entidade sempre foi a falta de recursos para poder
contratar o trabalho dos artistas, ou remunerá-los por alguma contribuição
dada ao Janela. Oferecíamos orientação e infraestrutura, mas
encontrávamos dificuldades no sentido da geração de renda direta.
O fato era: não havia dinheiro! Então precisávamos descobrir o
que já havíamos conseguido para tentar solucionar o problema. E
percebemos que tínhamos algo bem valioso: uma grande abertura no
diálogo com comerciantes locais, sendo que alguns, inclusive, já nos
apoiavam com alguns produtos e serviços. Em cima de um mapeamento de
todas as ferramentas que possuíamos em mãos e do que podíamos oferecer
a partir delas, começamos a desenvolver nossa moeda social e seu sistema
de circulação. Depois de quase um ano de trabalho – estudando,
pesquisando outras moedas e sistemas de trocas, quebrando a cabeça para
a escolha do melhor nome – surgiu o Conto.
A genialidade de uma moeda social está na forma como se dá o
intercâmbio socioeconômico, no mecanismo multi-recíproco utilizado para
fazer as trocas; não se trata de um sistema alternativo, e sim complementar
à economia. No caso do Conto, existem dois pontos primordiais a serem
destacados: o primeiro é o fato de ser uma moeda ligada à cadeia produtiva
da arte e da cultura, o que aquece o mercado não só para os artistas, mas
também para os produtores de bens e prestadores de serviços ligados aos
fazeres artísticos; o segundo é o fato de envolver empresários locais que
nunca tinham vivenciado a lógica da economia solidária, e em menos de
seis meses de moeda já vemos alguns comerciantes recebendo contos além
de suas cotas para poder utilizar em outros estabelecimentos.
Assim, o valor da moeda não está nela própria, mas no trabalho
que faz para produzir bens, serviços e saberes. O valor está na troca dos
produtos e serviços por outros produtos e serviços, sendo a moeda a
mediadora dessas trocas. Não está ligada a nenhuma taxa de juros, por isso
não interessa a ninguém guardá-la, mas trocá-la continuamente por bens e
serviços que venham a responder às mais diferentes necessidades. O
resultado é que o integrante da rede gasta menos com a moeda corrente,
pois substitui estes gastos por trocas. São ao mesmo tempo consumidores e
produtores destes bens e serviços.
O Conto não é a única moeda social que circula em São Carlos,
também existem o Marciano e o Contato, desenvolvidos respectivamente
pelos coletivos Casa Fora do Eixo Sanca e o Festival Contato. E estamos
sempre na expectativa do surgimento de novas moedas, pois elas são
elaboradas a partir da solidariedade de grupos, criando uma reflexão de
como cada pessoa que está excluída do mercado convencional pode trocar
os seus produtos, conhecimentos, serviços, trabalhos e cultura. Trata-se de
um instrumento de uma nova economia verdadeiramente humana para que
se possa comparti lhar e melhorar a qualidade de vida.
Uma outra economia acontece, comparti lhe desse ideal!
Wendy Palo é atriz, produtora cultural, militante política e uma otimista
inveterada
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PÁGINA ABERTAprosa & verso
garota bad trip
eu voltava pra casa a pé, como de costume. tinha sido um dia cheio - casa, banco, papelada,
trabalho trabalho trabalho. foi aí que eu resolvi passar na frente da casa dela. afinal, era
caminho.
eu passava lá na frente mesmo sabendo que ela não morava mais lá, eu passava lá na frente
mesmo ela não sendo mais minha vizinha. não cruzava mais com ela na rua correndo pra
faculdade enquanto eu corria pro trabalho.
ela foi a primeira menina legal que deu bola pra mim. meus colegas deram uma empurrada,
claro, mas cara, ela tinha namorado, isso era fo-da.
pra ela, ela não estava nem aí. ela me queria justamente porque não queria o namorado. ela
me queria porque queria se livrar do namorado por outro.
era isso que eu achava.
eu traí todas as minhas ex-namoradas por ela. ela também. foi assim que começou. eu, ela e
as amigas bêbadas dela. ela estava lá por outro - eu só estava lá por ela. os dezesseis anos
dela me fascinavam, ela falava bonito, cantava pra mim, tinha aqueles olhos grandes cor de
licor de chocolate, os cabelos dela tinham várias cores.
foi um dia de sol, sol, sol, lago e floresta. ela tinha medo das árvores, do vento, de tudo, e
nada ao mesmo tempo, ela me botava medo e isso era só mais uma parte do charme. eu
nem sei quantas vezes eu a beijei, nem sei se foi no bosque, na beira do lago, na praça, na
rua, na escada... na esquina da casa dela.
logo depois terminou a primavera bonita, começou o verão veio janeiro e as chuvas. e ela
voltou. sozinha, de vinho, bebendo frisante em garrafa de cerâmica. pra mim, três dias, três
noites.
ela me deu minha primeira noite. eu fui o primeiro dela, mas e daí? ela só estava lá pra
curtir. eu fui lá e me derramei sobre ela, e ela me deu as costas, fria, esvoaçante.
aquela garota é uma bad trip - que eu não canso de tentar repetir.
ano após ano eu a encontro, ano após anos nós nos encontramos. feito conjunção de
planetas. mas é que às vezes a face dela está voltada para o outro lado. todo ano ela é
minha, todo ano ela me escapa, todo ano eu me afasto dela. todo ano ela é minha.
Jemima Murad é graduanda em Gestão Ambiental, gosta de cantar, tocar, dançar e escrever,
mas dizem que ela não é artista.
Fluir
serei
areia a salgar
água,
estrela do mar.
mirar o fundo do mar
e lá
serei a morar.
Celeste
Céus!
Meu lençol azul
que o diga.
Alexandre Stucchi de Souza
tem 23 anos, mora em ja-
boticabal e cursa agrono-
mia. Planta e escreve para
quem sabe um dia colher.
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rede Conto
Abstração
A vida se resume a um enorme picadeiro
Que na base do improviso
Eu faço meu carnaval sem enredo
Toco meu samba sem pandeiro.
Sou uma artista desconhecida,
Eu sou a arte,
Tudo faz parte,
Do coração partido até meu riso.
Nesse imenso picadeiro,
Com uma platéia nula,
Que mal sabe o que está acontecendo,
De tão absurda sua hipocrisia
Não enxerga o espetáculo da vida.
A mente vazia se limita abstraindo o entendimento do todo
Que no meio do meu improviso,
Do meu carnaval sem enredo e
Do meu samba sem pandeiro
A vida brota no meio deste caos,
Reproduzindo a arte como meu espetáculo final.
Ana Amélia Pisanelli não é Ana, não é João! Não é viado,
lésbica ou sapatão! É sua felicidade e o que mais quiser ser,
ama seus amigos e seus amores que jamais vai esquecer.
O Rei Sem Reino
Tenho um corpo
e tudo o que eu fizer é a continuação do meu começo.
Não chegarei ao fim sem ritmar caminhos,
isto é, manipular caminhos,
isto é, pular caminhos:
traçado aos trancos e barrancos
coisas que fiz e só fui entender mais tarde.
Abismo-me,
pernambuco-me nesta estória.
História sobre o desejo de reprimir o desejo.
Não sei se continuo nesta chama que me chama e queima.
Vou e volto em sucessivos súbitos abertos.
Sei que complico os fatos,
ora os fatos são o começo das coisas
e a incapacidade de contar uma história principia no buraco da voz,
ou melhor,
a incapacidade de contar uma história começa no fato de relatarmos
[a todo o momento que vamos contar uma história.
Descanso.
Os olhos como os livros, fechados: guardando ideias, palavras, sonhos, dor.
Alex Tomé é escritor, cineasta e militante político.
Sem título
Bolotinha gania para um canto do quintal.
Se sacudia e ameaçava aquela parte obscura de seu reino.
A parte de seu mundo que só lhe chegava o cheiro.
Marcos Murad é graduando em arquitetura, abstracionista
e artista.
Maria Lúcia
Maria Lúcia tem medo do escuro. E é desor-ganizada também. Estas características marcam asua personalidade, regram sua vida.
Nunca fica sozinha. Quando acontece de seumarido sair com as crianças, vai para a casa de suamãe. Isso, com 40 anos! Este fato acaba colaborandocom a sua desorganização. Nestas horas ela poderiaestar pondo em ordem a casa, com sossego. Achoque ela não gosta de ver as coisas ordenadas.
[por ser muito longo, confira o restante do texto naversão digital do Jornal em www.janelaaberta.art.br]
Josette Monzani é professora de cinema dos
Mestrados em Imagem e Som e em Estudos de
Literatura da UFSCar.
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PÁGINA ABERTAprosa & verso
Esperança
Eu vestido todo de cinza.
Me olhas.
Trespassa e sabes
que folhas e
coração
meditam.
Num vermelho paixão.
Bocejo
Amor de manhã.
Uma nuvem de passarinhos
Levou meus sonhos
Pra chover na praia.
Alexandre Stucchi de Souza
tem 23 anos, mora em jabo-
ticabal e cursa agronomia.
Planta e escreve para quem
sabe um dia colher.
Sem título
Se a cada passo
Cada rasgo
Se opusesse a razão?
Não
NÃO
O NÃO
Mas e se fosse o não a ânsia que consome?
Ou que move
Que força
E dá força.
Mesmo assim
E de vez em quando?
Por um momento o controle
Não, o medo de se possuir
De ter o Poder de Si
Questionando e Jogando,
O peso dos dois lados
Contrapondo-se
Superpondo-se
Porque o ser humano é um fardo
Uma doença
E ao mesmo tempo uma
Dança
Ou mesmo crença
Ou
Felicidade
Marcos Murad é graduando em arquitetura,
abstracionista e artista.
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Não ter você
Não ter você
É apagar a luz e sentir seu cheiro
É sentir as lágrimas rolarem pelo rosto
É quando todas as músicas se transformam
em canções de amor.
É pensar em você no café
no almoço e no jantar
É ver a estrada logo cedo e sentir
um aperto no peito e um nó na garganta.
É tudo a minha volta ter lembranças suas
desde a palavra falada uma só vez
até a repetida mais vezes
Os lugares nas ruas,
os bancos da praça,
as cadeiras do shopping,
e os carrinhos do mercado.
Tudo, tudo me lembra você
E não ter você só faz com que
cada vez mais o peito fique apertado,
os olhos marejados,
os pensamentos distantes
E o lápis trabalhando a escrever no papel
toda a falta que você me faz
quando eu não tenho você.
Fabiana Ribeiro é formada em Letras,
aficcionada por poesia e cinema.
Criamos essa versãodigital ampliada com o
intuito de podercontemplar todos ostextos enviados,
incluindo aqueles quenão foram selecionadospelo Conselho Editorialpara a versão impressapor critérios técnicos,estéticos, ou devido àslimitações do espaçoimpresso. Procuramos
assim ampliar o máximopossível o espaço e acirculação dos autores
locais que colaboram como Jornal.
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Maria Lúcia
I
Maria Lúcia tem medo do escuro. E é desorganizada também. Estas
características marcam a sua personalidade, regram sua vida.
Nunca fica sozinha. Quando acontece de seu marido sair com as
crianças, vai para a casa de sua mãe. Isso, com 40 anos! Este fato
acaba colaborando com a sua desorganização. Nestas horas ela
poderia estar pondo em ordem a casa, com sossego. Acho que ela
não gosta de ver as coisas ordenadas.
Meias, fraldas, roupa de cama, shorts, toalhas, tudo por passar a
ferro na sala de TV. A mesa da copa é um brechó: chaves, papel de
presente, pratos usados, bolsa, Nescau, sucrilhos e pão. As camas
eternamente por fazer. O banheiro, sem comentários. Nem as
tampas ficam nos lugares corretos. Mas Maria Lúcia é feliz assim.
Homero é quem sofre. Capricorniano, gosta de tudo arrumadinho.
Que fazer! Maria Lúcia não consegue ser diferente. Nos primeiros
tempos de casados, essa sua característica não era tão marcante.
Acho que ela se continha. Depois, com a vinda das crianças e a
soltura decorrente da convivência, a bagunça começou a tomar
corpo.
Ela adora fazer compras vantajosas. Gosta de liquidações e compra
por antecipação. Ela comenta:
- Que maravilha! Estes sapatinhos ficarão ótimos na Thelma
quando ela calçar 35, o que deve faltar só um ano, um ano e meio
para acontecer. Roupas de inverno por este precinho? Vou levar e
guardar.
E é isto o que sempre acontece. Só que ela acaba se esquecendo
do que comprou. Às vezes, Homero dá uma busca nos armários e
fica escandalizado com o tanto de quinquilharias que encontra.
Ele sempre sugere fazerem uma boa limpeza e darem o excesso
para os pobres. Maria Lúcia acaba achando uma desculpa para
guardar tudo de volta.
Outra grande mania de Maria Lúcia é a de manter muita coisa
usada que, eventualmente (sublinhado), ainda possa ter alguma
serventia no futuro. Um bom par de tênis de Thelma poderá servir
para Thaís, é claro. As roupas de Jr. servirão para o possível bebê
de Maria Emília, sua irmã mais nova. As roupas de gravidez ainda
terão uma função (alguma amiga sempre poderá precisar). E assim
por diante.
Mas, como afirmei anteriormente, ela é avoada e se esquece de
tudo o que guardou.
Pobre Homero! Maria Lúcia está fazendo escola. Suas fi lhas,
grandinhas, estão indo pelo caminho da mãe e contribuem
bastante com a bagunça geral. Cadernos, livros, canetas, lápis de
cor, mochilas, tudo fica estacionado em cima da mesa da sala de
jantar. Aliás, lugar de se fazer as lições de casa. De nada adiantou
Homero ter comprado uma escrivaninha para cada uma. Adiantar
até que adiantou, as escrivaninhas são excelentes lugares para se
largar os uniformes usados e os estojinhos de maquiagem.
Diomar, minha secretária extremamente lúcida (ela é capricorniana,
feito Homero) diz que o problema de Maria Lúcia é ser psicóloga.
- Todo psicólogo é assim. Têm essa mania de liberdade para si e
para os fi lhos. Deus me livre de trabalhar na casa deles.
Maria Lúcia não enxerga a bagunça e transita feliz em meio àquela
desordem. A única coisa a tirá-la do sério é o escuro. Ela compra
velas em profusão. Tem uma bela e possante lanterna e um
lampião. E tem, por medida de segurança, o que gera ódio
profundo em Homero, três cachorros vira-latas que servem para
nada em termos de proteção, já que são dóceis e tranqüilos. Aliás,
servem para aumentar a bagunça que, por intermédio deles,
alcança também o quintal.
I I
No auge da confusão, Maria Lúcia toca teclado. Ela não canta bem,
complexo que carrega desde menina. Quem um dia já não sonhou
cantar na bandinha da escola (que era mista, por sinal, enquanto
as classes eram separadas) ou no coro da igreja? Cantar nas
festinhas também. Era algo que ela não podia jamais fazer, com o
risco de comprometer suas paqueras. Hoje, depois de anos de
análise, ela se permite cantar, baixinho, em público. Mas, em casa,
ela já se liberou e canta feliz ao teclado. Bee Gees, Beatles, Ronnie
Von, todos os sucessos da sua adolescência são agora revividos. Ao
lado do samba que Maria Lúcia, com o tempo, aprendeu a gostar.
Ela anda até pensando em voltar a estudar inglês, ela que nunca
dera muita bola para esse idioma.
- Para cantar em inglês é preciso conhecimento das letras e da
pronúncia, senão fica cafona, ela diz.
Mulher
Seria simples meu Deus
O pão de cada dia
As horas a regar as plantas
Os anos a ver os frutos crescendo
A felicidade nas pequenas coisas
O aroma na cozinha
Daquele que fica na memória
De quem passou a infância a senti-lo
O prazer de quem passou pela vida para propiciar
O chão brilhando
As camisas bem passadas
As crianças enfeitadas, (coitadas)
As comidas prediletas
A casa arrumada
E o tempo para bordar
Seria tão simples meus Deus...
Sem aspirações
Inquietações
Se toda mulher fosse assim
Nesse cotidiano, feliz.. .
Onde tudo cabe
E se tem tudo que cabe
Seria tão simples...
Povo
Penso , precipito
Penhascos, pontes, precipícios
Paredes, poeira
Prazer, paladar, palavras
Percorro paisagens, planos
Plaino
Pequenos poderes
Prisões
Profetizo, purifico
Por que?
Gisele de Carvalho.
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rede Conto
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Maria Lúcia tem medo de ser considerada cafona. A causa disso
devem ser os seus cabelos. Eles são extremamente crespos. Na
juventude de Maria Lúcia o ideal era ter cabelos lisíssimos. O que ela
sofreu por esta razão! Ela vivia alisando os cabelos com todas as
porcarias que a revista Capricho anunciava. Sim, Maria Lúcia lia,
quinzenalmente, essa revista. Uma bíblia!
Bem, voltando à música, Maria Lúcia também não dançava bem.
Acho que sua timidez a atrapalhava muito. Hoje em dia, após a
terapia já comentada, ela se soltou: e dança. Ou melhor, até gosta
de dançar. Homero gosta de dormir cedo, mas precisa acompanhá-la
nas festas. Ela adora um baile de carnaval, uma boite ou mesmo
uma reuniãozinha dançante com os amigos. (Ela se tornou sociável,
quem diria).
Sempre dá festas, especialmente nos aniversários. Dado o seu modo
de ser, ela é péssima na organização que uma festa exige. O bolo
sempre é pequeno demais para os convidados, faltam refrigerantes,
a previsão de cervejas falha, as lembrancinhas das crianças nunca
são ordenadas com antecedência, a pipoca é pouca, o molho das
salsichas sai salgado demais. Apenas que todos ficam à vontade e
acabam por se divertir.
É claro que nessas ocasiões Maria Lúcia resolve novamente ser
econômica.
-Ah! esse patê até que não está velho e pode ser aproveitado.
- Dona Benedita pode fazer os salgadinhos, que saem muito mais
em conta do que aqueles feitos pela Sueli, com sua mania de
exagerar nos recheios.
- Salsicha da promoção também é gostosa. E faz o mesmo efeito.
Criança nem percebe!
Maria Lúcia parece feliz!
Josette Monzani é professora de cinema dos Mestrados
em Imagem e Som e em Estudos de Literatura da UFSCar.
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Joca Tijó
Frio, matuto, distante, não muito sociável. Assim era o pós
adolescente de tipo físico sofrido, cabelos precocemente
ralos, como suas atitudes perante a vida em comparação aos
pouquíssimos amigos de mesma idade, e pele típica de
habitantes de Novo Triunfo, cidadezinha próxima a Antas, no
interior da Bahia, onde morava.
De família triste, na míngua e de predicado italiano por terem
antecessores vindos da Europa, João Carlos suspirava sonhos
pelos cantos silenciosos e escuros daquela casa em que vivia
desde seu nascimento. Como todos os outros de sua região,
desejava conhecer um horizonte que lhe mostrasse além dos
secos campos que o cercava.
Não havia miséria no sentido real da circunstância, mas Joca
almejava uma vida um pouco diferente, queria ter o que
alguns amigos seus tinham e que ele só podia desfrutar nas
tardes de Domingo, quando Iranildo, seu melhor amigo
emprestava a televisão e sua sala acanhada para ver os jogos
de futebol dos times da capital. Não era só por isso que
Iranildo era seu confidente, mas pelo fato de ser mais
baixinho, franzino e pouco atraía olhares das moças quando
andavam juntos pelas ruas da cidade.
De tanto sonhar, mas também rezar todo sábado na igreja mal
acabada que havia ali , próximo à sua casa, Joca sentia que
algo iria mudar em sua vida. E não é que poderia mudar
mesmo? Numa certa tarde de quarta-feira, enquanto dormia,
o que era raro, pois sempre procurava, mesmo que fosse a
mais inúti l ocupação ou passatempo, como amassar
tampinhas de garrafas de bebida para parecerem um time de
botão, Joca recebeu um tapa na cabeça, era sua mãe, que o
acordara para atender um amigo mais velho esperando-o na
porta.
Ofegante e alegre pelo recado e boa notícia que tinha a
passar para Joca, o amigo mais fiel, porém menos ponderado
dos arredores contou sobre a chance de pegar uma carona
com seu tio Jacinto para São Paulo naquele próximo final de
semana. O tio havia recebido uma proposta de trabalho
temporário em um projeto de uma construção civil na grande
selva de pedra, onde já havia morado e trabalhado por uns
meses em anos anteriores, mas dessa vez queria levar o
sobrinho, Tião, para ajudá-lo na labuta e, quem sabe, colocar
o jovem grandalhão e com cérebro por desenvolver em dias
mais produtivos do que aqueles que sempre juntava pedaços
de revista amassados, catados no lixão de Novo Triunfo,
brincando de criar uma novela de papel.
Joca não teve uma primeira reação positiva, afinal estava
despertando e tentara raciocinar o que Tião, de pés descalços
e com algumas gotas de suor caindo de seu rosto devido ao
calor e a sua ânsia de estar junto com seu melhor e único
amigo fazia ali na porta de sua casa. –“Vamo Joca, leva aquela
sua chutera que tu ganho do seu pai quando ele jogava no
amador.”- exclamou Tião.
Com audição apuradíssima, avental amarelado, o qual usava
vinte horas por dia em volta de um corpo roliço, porém forte
e sadio, Dona Marta vociferou mais do que depressa, fez
sombra no filho que titubeava em responder algo ao amigo
que ali estava e como sempre com vergonha de pedir um
copo d’água para aliviar o calor conseqüente dos doze
quilômetros que correu ansioso em contar a novidade para o
colega de escola: – “Arruma tuas coisas menino, é sua grande
chance.” – ordenou quando enxugava as mãos calejadas que
a vida com Genésio, seu marido, a ofereceu desde que se
casaram.
Num caminhar sem muita vontade, três dias depois estava
Joca, na principal estrada de terra que o levaria ao ponto de
embarque, onde ficou combinado de se encontrar com Tião e
o tio. Mala surrada, pesada e de alça escorregadia em uma
mão, uma pequena sacola com alguns trocados e moedas
dadas pelo pai na outra, avistou Jacinto e seu sobrinho, o
menino grande na frente, todo sorridente, com o velho
gritando atrás, este com a única roupa limpa que possuía
depois óbito de sua esposa por desnutrição, vindo de duas
quadras dali .
Longos dias e intermináveis noites na rota do “melhorar de
vida” pelas estradas clandestinas, as quais o motorista não
tinha de pagar pedágio quase até o destino final da maioria
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dos ocupantes daquele ônibus não muito bem conservado
que rodava Brasil abaixo no sentido do mapa.
Nos primeiros dias na capital dormiram em um quarto sem
energia elétrica, pensão lotada de pessoas com caras de
intenções pouco amigáveis, próxima ao monte de pedras,
areia e madeiras que seriam usadas pelas mãos de Jacinto e
um grupo enorme de trabalhadores de função braçal no mais
audacioso projeto de arranha-céu já elaborado na terra da
garoa.
Mas Joca levou consigo a grande capacidade de disciplina e
organização que herdara do pai na maneira de arrumar e
controlar todas as ferramentas de Jacinto num pedaço coberto
à margem da construção, que estava a todo vapor. Ele havia
percebido que o tio era remunerado por metro quadrado
levantado e lembrando de muitas prateleiras que aprendeu a
confeccionar com o pai, conseguiu deixar as tralhas do
pedreiro aposentado de forma que o velho ganhasse tempo
em vir buscar qualquer um de seus instrumentos de trabalho.
Não demorou mais que duas semanas para aparecer ali no
pequeno espaço coberto, onde ficavam passando o tempo
dividindo milímetros com as caixinhas de madeira e
prateleiras arquitetadas por Joca a fim de organizar as coisas
do tio, um sujeito de ar rude, cabelos, barba, sobrancelhas e
bigode e brancos, trajando roupas novas, mas tomadas pelo
pó da construção que chefiava, a fim de saber como Jacinto
lidava de forma tão rápida com as inúmeras paredes que
erguia ao longo daqueles dias barulhentos e frios da cidade.
- “Você me parece ter futuro garoto. Tem uma qualidade que
nenhum de seus irmãos do nordeste têm quando chegam
aqui para tentar a sorte” – deduziu com veemência o velho
que sempre mantinha a mão sob o marca passo grudado no
seu peito, vítima de três operações cardíacas.
E assim Joca foi convidado por Osmar, o chefe de Jacinto, a
trabalhar como almoxarife na grande obra. Era natural que o
jovem recém chegado do sertão ia desenvolver outras funções
no auge de sua juventude e energia de viver, afinal não
assinara nenhum contrato, situação comum que os
encarregados de obras impunham aos que ali faziam valer
cada gota de suor para pagar cada colherada de comida.
Deu-se início a uma nova história com Joca começando sua
vida em um trabalho remunerado. Estava feliz, apesar de não
saber que muitas atividades que viriam futuramente o
deixariam indignado, até em algumas ocasiões revoltado, pois
não era pago para certos trabalhos. Porém isso ele esquecia
toda vez que entrava em uma cabine, antes de esperar
pacientemente no meio de uma fila kilométrica de
trabalhadores braçais, onde recebia um pagamento. Não era
muito dinheiro, mas contava e dobrava cada uma das cédulas
de real para guardar num envelope velho e rasgado que havia
deixado embaixo de seu minúsculo colchão onde dormia
apenas algumas horas.
Meses se passaram adentro daquela rotina cansativa, mas de
sensação de vida nova, pessoas novas, um degrau pequeno
em seu aprendizado por dia. Sem margens de dúvida
compensadora, porque para quem não ganhava um centavo
sequer para lavar os pratos do almoço da família ou ajudar o
pai no preparo de algumas tarefas nada prazerosas como tirar
a terra das enxadas e dar banho em seu meio de transporte,
um cavalo velho, Joca se sentia como nunca havia se sentido:
era alguém na vida. Mesmo em meio a uma multidão que
vive correndo de um lado para outro, bem diferente das
pessoas que ele estava acostumado a ver diariamente em sua
terra, quando resolvia dar uma simples volta no quarteirão da
construção gigante.
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Mas Joca deu certo. Desenvolveu uma fantástica habilidade
com trabalhos manuais, conseqüência das muitas noites que
gostava de rabiscar algumas formas e linhas em alguns
espaços em branco de revistas velhas, debruçado em sua
cama quando ainda dividia o quarto com seus pais. Sua
obstinação era notável por todos em sua volta. Era o melhor
entre os aprendizes. Tanto que acabou por receber mais
trabalho, mais afazeres, novos desafios. Destes adorava
escrever tão certinho o nome das peças que ele controlava na
obra, fazia com tanto capricho e zelo que mais uma vez o
observaram com outros olhos bem intencionados.
Em seu primeiro aniversário na capital Joca Tijó já havia
comprado algumas roupas, degustado de incomuns
guloseimas, aquelas mesmas que ele só via nas propagandas
de televisão em Novo Triunfo, melhorado a aparência, estava
até mais vaidoso.
Em uma certa sexta-feira, apontou próximo ao departamento
onde Joca trabalhava, um outro homem, este já de trajes
sociais, olhar concentrado em detalhes, fixo nos armarinhos
que Joca havia cuidadosamente pregado na parede. Em meio
a quinze minutos de conversa com o chefe de setor,
aproxima-se de Joca e diz: - “Jovem, você gostaria de ter um
emprego na construtora dessa obra?”.
Naquela noite Joca não deu sossego ao sono de Jacinto e seu
sobrinho, Tião. Falava nas possibilidades, no dinheiro que iria
ganhar, nas atividades que ia se comprometer a fazer, mas já
sabia com qual roupa e sapato iria usar na manhã seguinte
para falar o decidido “sim” ao homem que lhe dera um
cartão com o endereço da tal empresa.
Não foi fácil se adaptar ao novo trabalho. Joca teve muitos
obstáculos a superar: deixar de ser um “bicho-do-mato”, por
exemplo, foi o mais terrível de todos, pois as pessoas eram
diferentes, falavam uma “outra língua”, era tudo muito
assustador, mas ao mesmo tempo fantástico para sua mente
e olhos.
Seu desenvolvimento profissional era tão admirável e veloz
que recebeu convites para cursos de especialização, uma
bolsa para estudar em uma universidade. Davam-lhe
credibilidade em tudo, só pelo fato de perceberem
imediatamente que se tratava de um jovem de confiança,
honesto e dedicado ao extremo.
A missão do tio de Tião já havia terminado na grande
metrópole, precisava voltar com o “fruto colhido” para o
norte. Por isso, um dos dias mais difíceis de sua vida quando
já era gerente de projetos da construtora que não parava de
crescer foi o qual se despediu de seu melhor amigo e o tio,
homem que o trouxe para viver agora essa vida inédita, mas
cheia de esperanças e planos.
Nunca na vida Joca desfrutava de tanta privacidade, sensação
de poder e ter, não observava mais os valores dos itens que
colocava no carrinho quando ia ao supermercado, tinha
praticamente o que queria, mas ainda não conseguira se
desvencilhar da solidão naquele apartamento frio em um dos
melhores bairros da cidade.
Mais uma vez João Carlos havia se tornado um dos melhores
em sua área de atuação. Tanto que as cobranças seguiram
essa tendência. As horas extras já faziam parte de sua carga
de trabalho semanal como se fosse absolutamente normal
ficar até altas horas da noite dentro de seu escritório. Ele se
doou cento e cinqüenta por cento em relação à sua
capacidade de produzir. Exigiram dele mais. Contribuiu com
duzentos por cento do que podia. Pediram que fizesse ainda
mais. Conseguiu dar-se de si o que estava além de seu limite
físico, emocional e até racional.
Havia um encorajamento natural, adquirido pela experiência
dos anos que se passavam, para encarar novos desafios em
sua vida. Falar com várias pessoas estranhas que nunca
costumara ver na frente já não era mais um sacrifício
causador dos momentos em que suas mãos suavam perante a
grande preocupação que carregava desde menino: a de ser
rejeitado por qualquer atitude que tivesse. Incluído num
ambiente pobre de amizades verdadeiras, que ele mesmo
descrevia como uma “atmosfera podre” e de propósitos não
compatíveis ao seu caráter granjeado de berço, Joca também
aprendia muitos truques até ilegais com uma sociedade de
pouquíssimos idôneos, de pensamentos opostos à sua
propensão natural, sobre como sobreviver empregado e
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inserido no grupo.
As escassas horas de mordomia e prazer que tinha quando
usava seu dinheiro, objeto que até sobrara em sua conta
bancária há meses, o faziam esquecer um pouco os
momentos de correria, do nível máximo de cansaço e pressão
moral que sofria no emprego de salário gordo.
Carregando dias assim, e achando que tais sensações eram
resultado de uma simples gripe de cidade grande ou até
mesmo da fadiga diária que já se acostumara, perdurou em
continuar sua rotina acordando sempre no mesmo horário e
delineando o análogo caminho ao seu trabalho, quando ligava
o rádio para ouvir notícias matinais a bordo do carro que
tanto se orgulhava de ter conquistado.
Mas em uma determinada tarde de segunda-feira seu corpo o
avisou: havia desenvolvido a tal espécie de pânico de viver,
medo de sair de casa, chorava por horas antes de começar
mais um dia de trabalho. Estava desorientado e atordoado.
Parte do salário já estava destinada há alguns meses para
consultas no médico que seu amigo de setor, Marcelo, o
recomendara e também para comprar remédios que só
amenizavam sua angústia de não saber como decidir entre:
parar para viver um pouco, mas perder todo um crescimento
profissional e realização financeira que o iria aplacar no
futuro, ou dar continuidade aos dias de resignação,
desprazimento com uma ocupação excelentemente
remunerada que havia conquistado com muita luta, mas que
o estava deixando doentio.
Depois de refletir sozinho, em uma cadeira na varanda de seu
apartamento naquela rumorosa madrugada afora, Joca
começou a recolher do chão uma porção de pedaços de
papel. Eram os quais fazia contas, cálculos do que
aconteceria ou deixaria de acontecer para o destino de um
quase trintão, a fim de ter a inteira e absoluta segurança de
não tomar a decisão errada.
Foi quando Joca, com ares de um homem firme em seus
pensamentos, mas sabendo que chegara a hora do início de
mais um dia repleto de muito trabalho, saiu do banho, vestiu
os mesmos trajes que usara para ocupar seu cargo, agarrou
com brevidade sua mala e deu sequência aos passos de seu
cotidiano modo de viver.
Eram dez da manhã quando Marcelo notou um bilhete em vez
do computador portáti l que todos os dias escondia o rosto de
seu amigo mais estreitamente ligado, sobre a mesa da sala ao
lado. De imediato clamou por sua amiga de repartição que já
chegara cruzando as mãos e Marcelo, desabotoando a gravata
e com a sensação de não acreditar que se tratava de
nenhuma brincadeira do amigo, começaram a ler juntos:
“Caros amigos e amigas de trabalho:
Como não suportaria fazer uma despedida como teria de ser,
resolvi escrever este bilhete que está em suas mãos para
agradecer aos bons momentos que dividimos aqui nesta
empresa. As amizades, os desafios e as turbulências que
enfrentamos juntos. Turbulências essas que me fizeram
enxergar lá trás, quando eu era menino e talvez não soubesse
o que viria pela frente. Mas mesmo assim encarei com
competência e coragem tudo o que era diferente para mim.
Caí, levantei, curei dentro de mim uma pessoa que era cega,
não via em ninguém uma intenção aprovadora de minha
pessoa, pode ser devido à criação que tive em casa. Mas isso
é passado.
Vocês não precisavam chegar a mim e dizer uma só frase. Eu
percebia no dia a dia que todos me adoravam, apesar de
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estarmos sempre competindo nesse mercado de trabalho.
Gostei de todas as semanas, meses e anos que me dediquei a
esta empresa que me abriu horizontes.
Todavia esse ritmo e sistema de correr contra o tempo,
refazer o que já estava bom, lutar para conseguir melhores
produtos do que dos concorrentes e seguir praticamente uma
seita que prega a redução de custos e o melhor em menor
tempo, entre outras ideologias que eu não suportaria mais
um dia em seguir, decidi por voltar de onde vim. Viver minha
vida simples, sem o luxo que eu tinha, talvez até sem o carro
que eu comprei de imediatismo, afinal eu tinha um bom
salário. Lembram a primeira vez que saímos com ele,
estávamos todos juntos a caminho daquele bar onde nos
divertimos à farta? Pois é. Na terra onde nasci e estou
voltando não faria sentido eu sequer ligar o rádio ou abrir o
teto solar no meio de tanta aridez, falta de asfalto.
Por isso decidi desejar a vocês grandes conquistas e que
sejam os profissionais mais felizes, mais realizados e bem
pagos do mundo! Porque amanhã de manhã eu vou começar
a resgatar, mesmo que seja moroso, um pouco da felicidade
que eu tinha e da simplicidade de viver que perdi me
dedicando a somente fazer números em minha conta no
banco e não encontrar nesses anos que passei longe de mim
mesmo, um sentido de vida”.
Gustavo Veronési
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distribuido livremente, por cópias, email ou
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Podem estar disponíveis autorizações adicionais ao âmbito desta licença emwww.janelaaberta.art.br.
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FORA DO EIXO LETRAS
Romance Desleixo
Temos um caso, desses mais vagabun-
dos, com a palavra, dessas mais sorrateiras. So-
mos a FEL - Fora do Eixo Letras - e se for para
nos envolver, que seja com a palavra perdida, a
palavra secreta, aquela que não está nos livros,
aquela que se deseja intensamente, mas não se
sabe como, ou onde, exteriorizar.
Através de tecnologias que ressignifi-
cam a cadeia produtiva literária, a FEL flerta com
as mais plurais linguagens artísticas. Saraus,
Debates, Videopoemas, Turnês de autores, Va-
rais da Arte, Editora, Publicações Impressas e on
line são alguns dos encontros antropofágicos da
palavra-homem com a FEL, frente temática do
Circuito Fora do Eixo*.
Traímos o formato tradicional de pro-
dução, circulação e distribuição de obras literá-
rias e propomos aos escritores independentes
novos “romances” com o fazer diário da produ-
ção editorial e intercâmbio de autores. E a partir
de agora, contamos com uma parceria com o Ja-
nela Aberta, em um namorico de palavras que
promete, literalmente, dar o que falar.
Isto porque mais que canônicos “imor-
tais”, nosso flerte é com a linguagem viva, pul-
sante, que segue em um movimento horizontal,
coletivo e ansioso pela revolução do pensamen-
to humano usando signo, significado, significan-
te e (re)significador de uma sociedade livre.
Fora do Eixo é uma rede de trabalhos colabora-
tivos que ecoa nos mais de 1 00 pontos de arti-
culação e linguagem no Brasil e América Latina.
Esta edição do jornal teve sua circulação veicu-
lada através de uma parceria nascida entre FEL
e Janela Aberta para o IV Congresso Nacional
Fora do Eixo, em São Paulo em dezembro de
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Quatro Minutos
Eu não fiz nada por quatro minutos, apenas fechei os olhos e
pensei em coisas que nunca vão acontecer. Faço isso o tempo todo. Cruzei
as pernas, quando já deitado, e em seguida fiz o mesmo com as mãos sobre
o peito. Como um morto que aproveitasse o sol em uma praia agradável.
Lembrei, ou inventei, não tenho certeza, de que cruzar as pernas assim, dá
problemas de coluna. Descruzei e cruzei novamente. É mais forte do que eu.
Sempre cruzo as pernas. É automático, sabe? Apreciei a brisa do ventilador,
que sopra mesmo sendo inverno. Me sinto sufocado sem o vento ali . Um dos
cachorros esbarrou na porta do quarto onde eu fazia nada por quatro
minutos. Acho que foi a que não enxerga. Às vezes ela esbarra em coisas, já
que não enxerga. Também esbarro em coisas, estabanação ao que me
parece. Saí do torpor dos quatro minutos sem fazer nada, pisei no chão frio,
abri a porta e nenhum cachorro estava por detrás. Dormiam todos. Todos os
20. Abri a porta da sala que vai para o quintal para fazer um teste, uma
oferta para que o xixi fosse feito do lado de fora e não na minha cozinha
limpinha. Não fui em que limpei. Alguns olharam de rabo de olho, outros
nem acordaram com o barulho das chaves na madeira. Nenhum se animou
ao exercício e ficou muito claro que pela manhã eu precisaria de um
mocambo que limpasse minha cozinha novamente.
Leonardo Panço é músico do hardcore há mais 1 4 anos, integrando, entre
outras, as bandas Soutien Xiita e Jason. É também fundador da Tamborete
Entertainment, por onde lançou CDs de muitos artistas e seus três livros: Ja-
son 2001 - Uma Odisséia na Europa (2005), Caras Dessa Idade Já Não Leem
Manuais (2008) e Esporro (201 1 ).
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Panço esteve em novembro em São Carlos quando conheceu o Instituto
Cultural Janela Aberta. Foi apresentado pela Casa Fora do Eixo Sanca onde
gravou um programa do Observatório Fora do Eixo com Alex Tomé e Cristian
Cobra discutindo tópicos sobre literatura. O autor circulava pelo Brasil
divulgando seus livros, os quais foram trocados por produtos da Loja do
Janela Aberta e lá estão a venda.
JANELA ABERTA: INCUBADORA DE ARTISTAS
Maju Martins
Maju está incubada no Instituto Cultural
Janela Aberta desde 201 0, onde vem
desenvolvendo diversas atividades em parceira
com o Janela, como oficinas de teatro para
crianças e jovens, oficinas de Yoga e Estudos
Expressivos do Corpo, produção de espetáculos
(Antúrio, Todas as Vidas e Chapeuzinho Amarelo) e
redação de projetos para editais de financiamento
cultural.
Busca desenvolver um trabalho de criação
que esteja intimamente ligado ao corpo, aos seus
fluxos energéticos, às suas cargas tensivas e à
força que habita o inconsciente, criando uma
proposta poética. Trata-se de uma pesquisa
teórico-prática que busca na prática corporal do
Yoga e nos processos de criação do Butoh
elementos que sirvam de substrato criativo para a
criação de performances.
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