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JOANA STICHINI VILELA E NICK MROZOWSKI

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JOANA STICHINI VILELA

E NICK MROZOWSKI

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Joana Stichini VilelaNick Mrozowski

LX

60

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título: Lisboa, anos 60

© 2012, Joana Stichini Vilela

e Publicações Dom Quixote

Todos os direitos reservados

autor: Joana Stichini Vilela

colaboração de: André Rito, Bruno Faria

Lopes, Clara Silva, Luís Leal Miranda, Rui

Miguel Tovar

revisão: Rita Almeida Simões

projecto gráfico: Nick Mrozowski

design: Pedro Fernandes

infografia: Carlos Monteiro

pesquisa e edição de imagem: Ágata

Xavier

�.a edição: Outubro de 2012

isbn: 9789722050920

Publicações Dom Quixote

Uma editora do Grupo LeYa

Rua Cidade de Córdova, nº 2

2610-038 Alfragide – Portugal

www.dquixote.pt

www.leya.com

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Ao João

Aos avós Mrozowski e July

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1960, AÍ VAMOS NÓS Lisboa entra nos anos 60 a bordo de uma

revolução. O Metropolitano, inaugurado a 29 de Dezembro de 1959 e aberto ao público no

penúltimo dia da década, permite ir dos Restauradores a Entrecampos em oito minutos. Um bilhete: 1$50.

Ao todo são só 11 estações e 6,5 quilómetros de linha em forma de y. Com apenas duas carruagens, as

composições parecem de brincar. Mas os alfacinhas sentem-se por fim a viver numa capital europeia.

E até o clima ajuda, como conta o Diário de Lisboa: “A manhã fria, a que o nevoeiro cerrado dava uma

atmosfera europeia de trabalho, era o cenário propício para a inauguração de um melhoramento que

tem como fundamental razão de ser a sua utilidade.” O chefe de Estado, o cardeal-patriarca e 500

convidados atestam a solenidade do momento, mas a verdadeira festa está guardada para o dia seguinte.

Às seis da manhã, mal se abrem as cancelas, uma multidão espantada e ruidosa invade as estações. Há

correrias e encontrões. Muitos dos que embarcam ao fim de uma noite de farra nos Restauradores são

artistas de variedades. Canta-se e dança-se nas carruagens. Um grupo de espanholas que se exibem

num dos dancings da capital actuam com os seus músicos para os aplausos dos passageiros. É um

regabofe, um final de noite em glória. Vem aí uma nova era.

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Estação do Saldanha, 1960

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PORTUGAL, 1960

INSTANTÂNEOS

MAIS DE 82% DOS PARTOS OCORREM EM CASA. MORREM

7,7 CRIANÇAS POR CADA 100 NASCIMENTOS

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8,9 MILHÕES DE RESIDENTES, 92% COM MENOS DE 65 ANOS

ESPERANÇA DE VIDA: HOMENS, 60,7 ANOS

MULHERES, 66,4 ANOS7

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MAIS DE 65% DAS PESSOAS COM 15 OU MAIS ANOS NUNCA FORAM À ESCOLA.

POPULAÇÃO COM INSTRUÇÃO EQUIVALENTE AO ENSINO SUPERIOR: 1%

APENAS 9,3% DOS CASAMENTOS NÃO SÃO CATÓLICOS. UM EM CADA

100 ACABA EM DIVÓRCIO8

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80 MÉDICOS E 108 ENFERMEIROS POR 100 MIL HABITANTES

EXISTEM 203 DIÁRIOS E SEMANÁRIOS, NUM TOTAL DE 468

PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS

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ÍNDICE

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4 1960, aí Vamos Nós

6 Instantâneos

12 Simone vs. Madalena

14 A Idade de Ouro

16 B.B. BUUUUUUUUUU

18 Surfin’ na Linha do

Estoril

22 A Tragédia da Praia do

Guincho

24 Vais a Casa da Natália?

26 O Rei da Animação

28 “Se Não Jogasse Futebol,

Era Bailarino da

Broadway”

32 O 11 Ideal da Melhor

Equipa Portuguesa de

sempre

34 1961. Salazar sob Fogo

Cruzado

40 A Liga de Senhoras

Extraordinárias

42 Adeus, até ao Meu

Regresso

44 Feira Popular

46 20 Valores

48 Férias em Monsanto

52 1X2. Vamos Jogar no

Totobola

54 Uma Andorinha Faz a

Primavera

56 Um Supermercado em

Lisboa

58 Manhã na Praça

60 A Breve História da Ida

de Solnado à Guerra de

1908

62 De Armas e Bagagens

64 Turbo de Escape

66 A Morte Saiu à Rua

70 Operação Papagaio

74 Não Comemos!

76 Fuga para Espanha Num

“Boca de Sapo”

78 O Design Nórdico Chega

a Lisboa

80 Os Mosquitos Contra-

-Atacam

82 Vilhena Vai de Cana

86 Aviz Vis-a-vis

88 O Mestre João Ribeiro

90 “Cortez”

92 Grande Jogo do Prazer e

da Sedução

96 O Tempo e o Modo98 “Enfant-terrible”, moi?

102 A Milagrosa Fonte das

Ratas

104 Cais do Sodré em

Escombros

106 Duas Vezes Ié

110 A Noite de Coroação de

Gomes I, Rei do Twist

112 Fala-Barato

114 Os Verdes Anos

118 Muito mais do Que

Cafés

122 Assim Pensam os

Universitários de Lisboa

124 111

126 Tem Lume?

128 E Agora Uma Pausa

Para Compromissos

Publicitários

130 Indispensáveis em

Qualquer Casa

132 “Pois, Pois, J. Pimenta!”

134 De Olhos Bem Vendados

136 Manequim: Procura-se

140 Belarmino

144 Frau Rau

146 Aventuras no Armário

148 Roteiro Gay

150 O Último e Trágico

Espectáculo

do D. Maria II

152 Os Maiores Êxitos do

Natal

154 Bip, Biiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii

Sai da frente, pá!

156 O Hotel dos Americanos

158 Vasco Morgado

Apresenta

162 Farra!

166 “Tinha um sex-appeal

natural”

168 Ordem para Assaltar,

Revistar, Vandalizar

170 Bisbilhotices

172 Polémica! Amália Canta

Camões

174 A Vestir os Jovens Ié-Ié

desde 1965

178 Choque na Linha de

Sintra

180 “Pinto para Dar Um

Rosto ao Medo”

182 Foi Você Que Pediu

Uma Revolução Sexual?

186 Escândalo!

188 São Livros, Senhor

190 A Vida no Lumiar

196 O Espectador mais

Assíduo da RTP

198 Whisky à Moda de

Sacavém

200 Mundial 66

202 Ponte Salazar

204 O Corta-Fitas

206 Nunca Se Viu Coisa

assim

208 Tarde Triste no Campo

Pequeno

210 A Estúpida Morte de

Luciano no Estádio da

Luz

212 O Fim do Enguiço

214 Quanto mais Curto

Melhor. Ou talvez não

216 Novo Lar

218 “Vamos Dormir”

220 Que Tanga!

222 O Caso dos Ballet-Rose

224 As Piores Cheias de Que

Há Memória

232 Olh’A Capital!234 O Assassino de Luther

King Esconde-se em

Lisboa

236 Dinheiro a Qualquer

Hora

238 “Fui Eu Que Inventei as

Curvas do Agostinho”

240 As Festas Gémeas – e

Rivais

246 Haute Couture à

Portuguesa

248 Salazar Cai da Cadeira

250 Conversas em Família

252 Vemos, Ouvimos e

Lemos. Não Podemos

Ignorar

254 Lisboa Treme e Sai para

a Rua

256 Franjinhas

258 O Catitinha

260 “O Zip”

262 “Quem Faz um Filho

Fá-lo por Gosto”

264 Um Lugar de Múltiplos

Prazeres Intelectuais

268 Bem-Vindo aos Olivais

270 O Meu Bairro

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MADALENA IGLÉSIASInclui acessórios para filmes e viagens

Galã: Sarilho de

Fraldas

Recorte as

Cançonetistas

Rivais

Lisboa,

24/10/1939

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SIMONE DE OLIVEIRACom irreverente conjunto de frontalidades

Lisboa,

11/02/1938

“Não acredito nos concursos da Eurovisão.”

“Recebemos cachets verdadeiramente

ridículos.”

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“Idade de ouro” não será a primeira ideia que a maioria das pessoas associa aos anos 60

em Lisboa – ou em Portugal. Mas, na história da economia portuguesa, a década de 60 é um

marco incontornável: regista-se o maior crescimento económico de sempre e lançam-se

sementes para transformações posteriores. O impacto relativo é maior no interior isolado e

rural, mas para Lisboa a expansão traz novidades, da modernização da cidade (com a ponte

sobre o Tejo e novas urbanizações, como os Olivais), ao aumento das possibilidades de

consumo (embora ainda muito longe do que se tornará realidade 50 anos depois).

Dos acontecimentos que marcam a década de 60 – e que explicam que a economia tenha

praticamente triplicado entre 1958 e o início dos anos 70 –, a entrada na EFTA a 4 de Janeiro

de 1960 lidera. Criada para rivalizar com a Comunidade Económica Europeia (CEE), a EFTA

(Associação Europeia de Comércio Livre) começa com sete países. Seis são desenvolvidos:

Noruega, Dinamarca, Áustria, Reino Unido, Suíça e Suécia. O sétimo é pobre e rural: Portugal.

A excepção portuguesa – que não pode entrar na CEE por não ter um regime democrático e

ser demasiado pobre para ser integrada com as restantes economias – consegue um acordo

especial, que preserva barreiras alfandegárias de defesa da indústria nascente, ao mesmo

tempo que abre as portas a mercados de exportação mais ricos e exigentes.

A emigração – para fugir à pobreza rural ou à Guerra Colonial, que se acentua também

nos anos 60 – é outra força importante. O milhão de portugueses que em dez anos saem

do país consegue uma taxa de poupança altíssima – em alguns casos documentados em

França ronda 50% do rendimento –, que envia como remessas para Portugal. Os bancos

expandem-se para o interior – com balcões e agentes – para captar esse dinheiro que acaba

por formar uma importante base de capital. Um empréstimo para um projecto empresarial a

35 anos a uma taxa de apenas 3% é uma realidade possível na década de 60.

Dinheiro barato e abertura económica ao exterior levam ao nascimento de novas

A IDADE DE OURO

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A entrada de Portugal na EFTA em 1960 é

determinante para o boom económico que se segue

indústrias, como a fábrica da Toddy em 1960, em Belas ou, noutra escala, a Siderurgia

Nacional, em 1961, no Seixal. As mudanças desenvolvem também velhos gigantes, como

a CUF. A Companhia União Fabril já empregava 16 mil pessoas nos anos 30, mas chega ao

final da década de 60 como o maior conglomerado industrial português (químico, têxteis,

indústria naval e alimentar, tabacos, entre outros), sediado na margem sul do Tejo, a poucos

minutos de Lisboa (Barreiro).

Observado no papel, o desenvolvimento significa crescimentos anuais da economia

acima de 7% - um ritmo muito distante da média próxima de zero que Portugal registará na

primeira década do século xxi. O país rural começa a desaparecer. Em 1958, a agricultura

ocupa 43% da população; no início dos anos 70, já só vale 34%. O declínio face à expansão

industrial e dos serviços leva não só à emigração mas também à migração para as cidades

no litoral, como Lisboa. Na década de 60, a capital e os municípios da área metropolitana

(incluindo margem sul) ultrapassam o milhão de habitantes. O negócio da construção

civil arranca – irá explodir entre os anos 70 e 90 – e aumenta a urbanização das zonas

rurais à volta da cidade. “Nesta zona privilegiada […] disporão os seus habitantes de todas

as instalações públicas indispensáveis para a vida moderna”, lê-se num anúncio a 19 de

Novembro de 1964, no Diário de Lisboa, sobre a “cidade jardim” da Reboleira.

Em Lisboa – como no resto do país –, a idade de ouro (que coincide com uma idade de

ouro europeia) significa mais rendimento (o volume total de salários mais do que duplica) e

mais consumo, de carros a televisores. Em 1961 abre o primeiro supermercado, no Saldanha.

Na mesma zona, abre em 1967 o restaurante Galeto, um símbolo de modernidade. Entre 1965

e 1970 o volume de carros vendidos mais do que triplica, quando comparado com o nível

entre 1955 e 1960. Tudo é parte de um salto enorme num país muito atrasado – um salto

apenas superado pela transformação que virá a acontecer mais tarde, com a entrada na CEE.

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16

BB

A 26 de Março de 1960, a bela Brigitte Bardot aterra em Lisboa para um fim-de-semana de paparicos. O pretexto é a estreia de A Mulher e o Fantoche, no São Jorge, fita em que contracena com o português António Vilar*. Mas ao segundo dia tudo dá para o torto. Entre beijos roubados (por uma mulher grisalha), perseguições de automóvel e a chuva que não pára de cair, B.B. não vê a hora de deixar a província.

Do céu cai uma estrela“A celebérrima e adorável B.B., versão euro-

peia e actualizada da grande ‘star’ que apai-

xona e arrasta as multidões” chega a Lisboa.

Chove sem parar, mas centenas de fãs não

arredam pé do aeroporto. Horas depois, no

terraço do Hotel Mundial, bebem-se cocktails

com o nome dela; Bardot, de vestido de or-

ganza preto e decotado, prefere o whisky. Se-

gue para o Cinema São Jorge, onde é recebida

por uma multidão extática. Janta iscas e bebe

vinho no Bairro Alto, na casa de fados Tipóia.

A noite acaba já depois das quatro da manhã.

Mudança de planosAcorda tarde e, de acordo com o marido, o actor

Jacques Charrier, exausta. Decide cancelar a viagem à

Nazaré. Quer ir comprar objectos típicos. Dezenas de

fotógrafos esperam-na no lobby do Hotel Ritz. Lá fora,

um magote de adolescentes “empunha esferográfi-

cas e ‘bloc-notes’ na ânsia do autógrafo largo, quase

garrafal, de B.B.” António Vilar oferece-lhe uns sapatos

brancos de “desenho revolucionário” da sapataria

Orion. Ela apoia-se nele e calça-os para as objectivas.

Entre os nativosÀ saída do Ritz, é envolvida

pela multidão. Uma mulher

baixa e grisalha segura-a

por um braço e beija-a no

pescoço. Sempre seguidos

por jornalistas, os actores

arrancam num Citroën.

Pouco depois, encostam

nos Restauradores, na Rua

Jardim do Regedor, onde vão

à “Regional da Madeira”.

Enquanto B.B. vê toalhas

bordadas, os mirones vão-se

aglomerando junto à montra.

Às tantas, já são duas mil

cabeças com outras tantas

sentenças: “’É muito magra’;

‘Parece que está doente’;

“Óculos escuros com este

tempo!...”. Debalde a polícia

“toma enérgicas disposi-

ções” para conter os mais

entusiastas. À saída da loja, a

turba assalta B.B. e parte-lhe

uma lente dos óculos de sol.

Finalmente no carro, Char-

rier saca da câmara e filma

os nativos.

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17

BUUUUUUU

*

RefúgioÀ entrada no “Mónaco”, na Ave-

nida Marginal, B.B. está irreco-

nhecível: desgrenhada, a maqui-

lhagem borrada, o olhar já sem

brilho. A refeição é ligeira: lagosta

e vinho. Uma hora depois, regres-

sa ao Ritz e, apesar dos planos de

ir ao Casino Estoril nessa noite, só

volta a sair na manhã seguinte -

para o aeroporto. Sorri o essen-

cial. Recusa-se a dar autógrafos.

Sente-se cansada e engripada, diz.

Está na hora de voltar a casa.

PerseguiçãoA caravana arranca, agora

seguida por populares.

B.B. e companhia tentam

despistá-los. Aceleram

Avenida da Liberdade

acima, em direcção à

Auto-Estrada da Costa do

Estoril. Chegam aos

120 km/hora. Já perto de

Monsanto, desistem. En-

costam e tomam uma deci-

são: ir a um restaurante.

Vilar fica na história de Bardot como o homem que lhe deslocou o maxi-lar. Ela fica na dele como a mulher que lhe partiu uma costela. Não foi num ringue, mas na rodagem de A Mulher e o Fantoche. O português tinha de lhe dar uma bofetada mas, na opinião do realizador Julien Duvivier, faltava--lhe convicção. À enési-ma tentativa, Duvivier ficou satisfeito; B.B., não.

17

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SURFIN’ NA LINHA DO ESTORIL

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19

Pedro Martins de Lima entre os amigos Luís

Manuel Furtado e Carlos Vieira, em 1968,

na praia de Carcavelos.

19

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20

Pedro Martins de Lima nasceu para deslizar. O primeiro grande acidente desportivo aconteceu-lhe ao descer de trotineta a Rua da Emenda, em Lisboa. Tinha cinco anos. Passados quase 25, em 1959, compra uma longboard em França e torna-se o pai do surf português. Os populares acham que está louco, os cabos de mar tentam prendê-lo. Durante grande parte da década de 60 o “Pedro da Tábua” tem todas as ondas do país só para ele. Uma aventura irrepetível, como recorda aqui.

Descobri o surf em 1945, durante a Segunda

Guerra Mundial, numa base americana nos

Açores, quando vi numa revista um artigo

sobre o Duke Kahanamoku. No mesmo ano,

noutra revista, vi um anúncio às “Churchil

Swim Fins”, barbatanas usadas no Havai para

caça submarina, e pedi a um primo que me

trouxesse umas de lá. Em 1946, tinha 15 para

16 anos, fui viver para Carcavelos, na linha de

Cascais. Foi lá que o meu entrosamento com

o mar se tornou diário.

Comecei a fazer as chamadas “carreiras

de papo” com os braços a fazer de hydrofoil.

No Inverno, só com o corpo, conseguia

deslizar 300, 400 metros até terra. Pensei: se

conseguisse arranjar uma coisa que flutuasse,

seria fantástico. E assim foi. Um amigo do

Alentejo arranjou-me uma prancha de cortiça

e intuitivamente comecei a fazer bodysurf.

O Morey Boogey, surfista de bodysurf,

lembrou-se de comercializar uma

prancha de plástico em 1962. Imagino

que eu, em 1946, tenha sido o

primeiro da Europa a fazer

bodyboard.

Fazia bodysurf com

uma camisola de lã. Mais tarde

arranjei um fato seco da Pirelli

feito em borracha de câmaras de ar. Em

1953, tornei-me o primeiro a ter um fato

de neoprene. A fábrica do comandante

Cousteau ia lançá-los na Europa. Durante

um estágio lá, experimentei o protótipo e

parecia feito para mim. Disse-lhes: “Se me

derem o fato, eu tiro. Se não derem, fujo

já com ele.” Três semanas depois vem a

Calypso a Portugal. O único que tinha

um fato igual ao meu era o Albert Falco,

comandante.

Durante anos e anos ia para a neve nos

Pirenéus passar o Natal e o fim de ano. Soube

que, em Bayonne, a Barland, uma fábrica

de fibra de vidro, estava a fazer pranchas

de surf. No início de 1959, fui lá e comprei

uma. Era um bacalhau: pesava 15 ou 16 kg

e media 3,10 m. Mais tarde colei-lhe umas

flores – era o tempo dos hippies.

Venho com ela em cima do carro. Chego

a Carcavelos. Assim que me ponho de pé,

escorrego e caio. Ainda vou para São Pedro

à procura de ondas menos verticais, mas

escorrego sempre. Isto durante uma semana.

No fim-de-semana seguinte volto a Biarritz.

Chego à Plage des Anglais e está lá um

americano a fazer surf. Pergunto-lhe o que se

passa. E ele diz: “Man, get a piece of wax.” Ele

mesmo põe o wax na minha prancha. Estava

um dia fantástico, de Inverno mas com sol,

umas ondas lindas. Saio para o mar e ponho-

-me logo em pé. Sinto a exultação, o factor

mágico, a alegria de deslizar sobre a água.

Voltei para Portugal e comecei a surfar

de manhã, à hora do almoço e ao final do

dia. Deixava a prancha no Narciso, uma

barraquinha verde que vendia sanduíches

na praia de Carcavelos. À sexta-feira, saía do

escritório – ainda não havia auto-estradas

– e fazia sozinho no meu dois cavalos

ou num Singer descapotável e

sem aquecimento 1200

km até La Mongie.

Chegava a

Biarritz

sábado de madrugada.

Fazia duas horinhas de surf e depois ia

esquiar. Deitava-me às cinco da tarde para

me levantar às sete da manhã. Fazia ski e às

cinco da tarde voltava para Lisboa. Porque é

que eu fui pioneiro? Por ser assim, persistente,

insistente, ter iniciativa.

Em 1960, no “Bico” de São Pedro, a minha

segunda mulher tira-me as primeiras fotos

de surf alguma vez feitas em Portugal. Ela era

hospedeira do ar, passava cá muito pouco

tempo. Por isso é que tenho muito poucas

fotos. Ia sempre sozinho. E foi assim durante

quase dez anos.

As pessoas olhavam para mim como

se fosse um marciano. Juntava-se uma

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