jÊibel mÁrcio pires carvalho - ppghist
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHAtildeO
PROacute-REITORIA DE PESQUISA E POacuteS-GRADUACcedilAtildeO
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM HISTOacuteRIA
JEcircIBEL MAacuteRCIO PIRES CARVALHO
ldquoDOS TERREIROS PARA A ESCOLA DA ESCOLA PARA OS TERREIROSrdquo
problematizando as relaccedilotildees entre instituiccedilotildees escolares e religiotildees afro-brasileiras a partir de
CururupuMA
SAtildeO LUIacuteS
2019
JEcircIBEL MAacuteRCIO PIRES CARVALHO
ldquoDOS TERREIROS PARA A ESCOLA DA ESCOLA PARA OS TERREIROSrdquo
problematizando as relaccedilotildees entre instituiccedilotildees escolares e religiotildees afro-brasileiras a partir de
CururupuMA
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da Universidade Estadual
do Maranhatildeo para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre
Orientador Prof Dr Wheriston Silva Neris
SAtildeO LUIacuteS
2019
Carvalho Jecircibel Maacutercio Pires
ldquoDos terreiros para a escola da escola para os terreirosrdquo problematizando as relaccedilotildees
entre instituiccedilotildees escolares e religiotildees afro-brasileiras a partir de CururupuMA Jecircibel
Maacutercio Pires Carvalho ndash Satildeo Luiacutes 2019
138 f il
Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria (PPGHIST) Uni-
versidade Estadual do Maranhatildeo 2019
Orientador Prof Dr Wheriston Silva Neris
1 Escola 2 Religiotildees afro-brasileiras 3 Cultura 4 Oficinas I Tiacutetulo
CDU 3739(6+81)(091)
Dedico este trabalho a minha matildee Mirtes
Pires Carvalho pela dedicaccedilatildeo a um anjo de pele preta que apareceu em
minha vida Joseacute Parece Nunes (in memori-
am) e a meu grande amor Jouberth Reis Sil-va (in memoriam)
AGRADECIMENTOS
Foi quando aprendi a fazer conta de subtraccedilatildeo para achar a idade que vi as maravi-
lhas que a educaccedilatildeo pode possibilitar a um indiviacuteduo Ainda nas seacuteries iniciais percebi que a
educaccedilatildeo poderia mudar minha vida Mais uma etapa se encerra houve muitas renuacutencias para
que pudesse realizar este trabalho Foram dois anos de muito aprendizado e um incansaacutevel
mundo de descobertas neste estaacutegio de minha formaccedilatildeo para tanto algumas pessoas foram
importantes para esta conquista
Assim comeccedilo agradecendo agrave minha matildee mulher dedicada e saacutebia com quem aprendi
que ldquoQuando se tem muito se come muito quando se tem pouco se come pouco quando natildeo
se tem nada natildeo se come nada mas natildeo se abaixa a cabeccedila e se vive com dignidaderdquo Ouvi
esta frase por anos em nossa educaccedilatildeo em meio aos insignificantes recursos inclusive de ali-
mentaccedilatildeo mas que me deu forccedila para seguir
Agradeccedilo tambeacutem a meu padrasto Joseacute Parece (in memoriam) que surgiu em minha
vida no dia e na hora certa para me oferecer o que mais me fazia falta comida Foi por isso
tambeacutem que cheguei aqui
Agraves minhas irmatildes Wiara Nunes pelo apoio nos momentos que mais precisei e pela de-
dicaccedilatildeo em cuidar da nossa matildee e agrave Hildna Adeacutelia pelo amor e apoio constante Agrave toda minha
famiacutelia meu muito obrigado
Aos amigos o grandessiacutessimo Nonato Macedo pela forccedila sem sua fidelidade e genero-
sidade natildeo teria conseguido chegar ateacute aqui obrigado quando agrave eacutepoca do seletivo do mestrado
no qual concorriacuteamos e com uma atitude digna dos grandes seres iluminados proferiu a frase
que marcou a minha vida ldquoJaacute estou de idade taacute aqui minhas apostilas estude passe e seja
mestre Vocecirc merecerdquo Nonato obrigado meu amigo Meu muito obrigado tambeacutem a Mozart
que quando eu trilhava o bairro inteiro com o intuito de economizar na passagem generosa-
mente dizia ldquoNatildeo faccedila mais isto para de andar quando precisar de dinheiro de passagem me
diz que te dourdquo Sou agradecido pelo acolhimento em sua casa A Valdenilton pela atenccedilatildeo e
zelo a mim prestada sempre que estou em Satildeo Luiacutes Todos vocecircs contribuiacuteram imensamente
para esse processo
Aos meus tios Israel Pires pela hospedagem carinho e conversas repletas de co-
nhecimentos ao Tio Milton Pires pela ajuda constante que me direciona Agrave outra pessoa
igualmente relevante para esse processo Regina Brito Costa grato pelos bilhetes de autoriza-
ccedilatildeo agrave eacutepoca da CNEC quando dos enormes atrasos nas mensalidades
Agrave Jorlidalva pelo apoio incondicional essa mulher com um coraccedilatildeo gigante que me
reergueu quando havia perdido o interesse pela profissatildeo
Agrave Marileide pela sensibilidade e apoio junto a Secretaria de Educaccedilatildeo de Serrano do
Maranhatildeo que permitiu que iniciasse o mestrado
Ao Secretaacuterio Carlos Pinheiro pela coragem em assumir o compromisso em permitir
que eu concluiacutesse o mestrado
ldquoAgraveS REISrdquo Ana Maria Alessandra Alexandro Rosana Tatiana Dilla Mayara
Mendes Ronald e a todos que formam essa famiacutelia esplecircndida da qual me orgulho de ter em
meu conviacutevio muito obrigado
A negra mais espetacular que conheci Juacutelia Reis (in memoriam) que me orgulho de
chamaacute-la de matildee pela generosidade respeito inteligecircncia carinho com que tratava o ser hu-
mano e por ter feito de sua vida e sua casa a filosofia ubuntu
Agrave minha pequena notaacutevel Tatiana Reis por me inspirar e possibilitar seu conviacutevio pe-
los livros emprestados que deram base agrave minha pesquisa e pelo apoio incondicional Faltam
palavras para externar o imenso carinho e admiraccedilatildeo que tenho por ti
Ao grande amor da minha vida que cedo partiu deixando um vazio imenso Jouberth
Reis Silva (in memoriam) pelo zelo e carinho que me dedicavas
Agradeccedilo agrave Alzenira Pestana pelo esforccedilo em providenciar meu diploma do Magisteacute-
rio para que eu pudesse entrar na Universidade
Ao meu grande amigo Joseacute Maria Marques pelo tratamento e por ter dividido comigo
a cena mais heroica de minha vida estudantil ao tempo da extinta CNEC quando com meses
de atraso e impossibilitados de entrar prendemos os braccedilos do porteiro para entrarmos e mos-
trarmos que com todo fardo das dificuldades financeiras queriacuteamos estudar fato que fomos
convidados a se retirar de sala e sermos aplaudidos pelos alunos Zeacute muito obrigado
Ao Professor Joseacute Francisco Pestana e a Izabel Nogueira pela quitaccedilatildeo das mensalida-
des muito obrigado
Ao Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda pelo acolhimento da minha pesquisa
Aos pais de santos pela atenccedilatildeo e consideraccedilatildeo em relatar suas histoacuterias e abrir suas
casas para as entrevistas
Agrave Mocircnica Picollo pela eficiente conduccedilatildeo do Programa e atenccedilatildeo a mim direcionada
Admiraccedilatildeo eacute o que melhor explica nossa relaccedilatildeo muito obrigado
Agraves professoras Ana Liacutevia Bomfim pela inspiraccedilatildeo como profissional pela frase que me
fez crer que tudo eacute possiacutevel ldquoNatildeo naturalize nada em sua vidardquo frase que veio como um man-
tra agrave Sandra Regina pelas aulas inspiradoras e cheias de sorrisos e Milena Galdez pelo espe-
taacuteculo de pessoa e pelas enormes contribuiccedilotildees que me que ajudaram a confirmar a possibili-
dade de debates entre as religiotildees muito obrigado
Agrave Diretora do Centro de Ensino Profordf Joana Batista Dias Josilene Conde Marina Bra-
ga pela compreensatildeo nas minhas ausecircncias Aos amigos Carlos Pimentel e Marcos Soares
pela ajuda na minha ausecircncia na escola do estado obrigado Ao Professor Noir Santos Pro-
fessor Jornandes e Alexandre Miranda Aos amigos Leandro Seacutergio Ederlon Mariano e An-
tonilson pela ajuda ao meu primo Leandro Lima pelo carinho Ao companheiro Joatildeo Barros
por ser sempre solicito a Osmilda Neovaldo Ana Isabel Aldo Guedes e a Raimunda e Neti-
nho Oliveira
Ao meu eterno Professor Luiacutes Claudio pelo incentivo e por matar minha fome nas ho-
ras que me faltavam muitiacutessimo obrigado
Ao grupo de jovem JAF onde muito aprendi e convivi com pessoas maravilhosas ao
grupo OMNIRAacute pelas oportunidades em mostrar meu lado artiacutestico
Aos meus colegas de mestrado foi uma experiecircncia que jamais irei esquecer a Renata
pela constante atenccedilatildeo Amanda Jeacutessica Mayara Adriana Jeferson Tereza Edilene Cirila
Gustavo Lara Drielle Diego Laiana Cleidiane MUITO OBRIGADO
Agradeccedilo imensamente ao Professor Wheriston Silva Neris pelo compromisso com a
pesquisa a atenccedilatildeo e zelo como me orientou sabendo das dificuldades que tinha a sua humil-
dade seu talento em conduzir minhas duacutevidas com muito respeito e humanidade sua orienta-
ccedilatildeo me mostrou que podemos ir bem longe quando somos bem conduzidos e foi isto que sua
intelectualidade me mostrou Quando o vi em Bacabal em 2014 palestrando foi quiacutemica agrave
primeira vista o destino me possibilitou que o tivesse como orientador sou muito grato por ter
dividido com vocecirc essa etapa da minha vida palavras satildeo poucas para externar o enorme ca-
rinho respeito admiraccedilatildeo e gratidatildeo que tenho Obrigado por tudo pelo universo que colo-
castes em minhas matildeos MUITO OBRIGADO
Quando o Sol
Se derramar em toda sua essecircncia
Desafiando o poder da ciecircncia
Pra combater o mal
E o mar
Com suas aacuteguas bravias
Levar consigo o poacute dos nossos dias
Vai ser um bom sinal
Os palaacutecios vatildeo desabar
Sob a forccedila de um temporal
E os ventos vatildeo sufocar o barulho infernal
Os homens vatildeo se rebelar
Dessa farsa descomunal
Vai voltar tudo ao seu lugar
Afinal
Vai resplandecer
Uma chuva de prata do ceacuteu vai descer la la la
O esplendor da mata vai renascer
E o ar de novo vai ser natural
Vai florir
Cada grande cidade o mato vai cobrir ocirc ocirc
Das ruiacutenas um novo povo vai surgir
E vai cantar afinal
As pragas e as ervas daninhas
As armas e os homens de mal
Vatildeo desaparecer nas cinzas de um carnaval
(Clara Nunes- As Forccedilas da Natureza)
RESUMO
O objetivo deste trabalho eacute discutir as relaccedilotildees entre instituiccedilotildees escolares e religiotildees afro-
brasileiras tomando como unidade empiacuterica de anaacutelise um contexto relacional representado
pelo Bairro de Satildeo Benedito localizado na periferia da cidade de Cururupu-Maranhatildeo Trata-
se aqui de colocar sob foco as interfaces cruzamentos de espaccedilos e diaacutelogos possiacuteveis entre o
Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda e os 14 terreiros existentes que circundam a escola
Metodologicamente a pesquisa busca combinar diferentes estrateacutegias tais como a aplicaccedilatildeo
de questionaacuterios e a realizaccedilatildeo de entrevistas temaacuteticas com (ex) gestores professores e dis-
centes e lideranccedilas religiosas de terreiros atuantes nesse mesmo bairro Em um momento no
qual o tratamento da questatildeo da diferenccedila e da cultura em meios educacionais tem entrado na
pauta do dia produzindo impactos e novos desafios para os profissionais do espaccedilo escolar
buscamos natildeo somente suscitar a criacutetica reflexiva sobre as formas de preconceito e estigmati-
zaccedilatildeo ainda em voga como tambeacutem explorar experimentalmente vias de diaacutelogos entre atores
tatildeo proacuteximos geograacutefica e simbolicamente mas ao mesmo tempo tatildeo distantes em termos de
conhecimento e reconhecimento Para tanto propusemos a realizaccedilatildeo de Oficinas como lugar
coletivo para aproximaccedilatildeo debate e diaacutelogo a partir do proacuteprio contexto em pauta entendido
enquanto meio para gerar novas praacuteticas para o ensino de Histoacuteria e a aquisiccedilatildeo de competecircn-
cias ciacutevicas importantes para a cidadania e respeito agrave diferenccedila A experiecircncia resultante da
execuccedilatildeo dessa proposta de intervenccedilatildeo pedagoacutegica foi condensada no produto apresentado
em anexo constituindo uma forma de contribuiccedilatildeo aplicada dessa dissertaccedilatildeo
Palavras-Chave Escola Religiotildees Afro-brasileiras Cultura Oficinas
ABSTRACT
The objective of this work is to discuss the relations between school institutions and Afro-
Brazilian religions taking as an empirical unit of analysis a relational context represented by
the District of Satildeo Benedito located in the outskirts of the city of Cururupu-Maranhatildeo The
focus here is on the interfaces crossings of spaces and possible dialogues between the Joatildeo
Marques Miranda Teaching Center and the 14 existing terreiros that surround the school
Methodologically the research seeks to combine different strategies such as the application
of questionnaires and thematic interviews with (ex) managers professors and students and
religious leaders from terreiros operating in the same neighborhood At a moment in which
the treatment of the issue of difference and culture in educational media has entered the agen-
da of the day producing impacts and new challenges for the professionals of the school space
we seek not only to provoke the reflexive criticism about the forms of preconception and
stigmatization still in vogue as well as tentatively exploring ways of dialogue between actors
so closely geographically and symbolically but at the same time so far apart in terms of
knowledge and recognition In order to do so we proposed the realization of workshops as a
collective place to approach debate and dialogue from the context in question understood as
a means to generate new practices for the teaching of History and the acquisition of important
civic competences for the citizenship and respect to the difference The experience resulting
from the implementation of this pedagogical intervention proposal was condensed into the
final product presented in the annex constituting a form of applied contribution of this disser-
tation
Keywords School Afro-Brazilian religions Culture Offices
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Imagem1- Desfile da Unidos de Vila Isabel44
Imagem 2- Marcha Zumbi dos Palmares47
Imagem 3- Fachada do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda61
Imagem 4- Joatildeo Marques Miranda62
Imagem 5- Profordf Floranilde Dias da Silva81
Imagem 6- Profordf Deacuterika Sandriane da Silva Maia83
Imagem 7- Profordm Eacutelcio Silva 84
Imagem 8- Profordf Raimunda Nonata86
Imagem 9- Matildee de Santo Maria Clara Cunha 87
Imagem 10- Mapa do Bairro de Satildeo Benedito96
Imagem 11- Festival de Carro de Boi99
Imagem 12- Terreiros do bairro de Satildeo Benedito101
Imagem 13- Isabel Mineira (in memoriam) 103
Imagem 14- Pai de Santo Fracircncio Jacircnio Silva Veras 104
Imagem 15- Pai de Santo Luiacutes Afonso Azevedo Silva106
Imagem 16- Pai de Santo Edimir107
Imagem 17- Matildee de Santo Edna Pires 108
Imagem 18- Matildee de Santo Faacutetima Cadete109
Imagem 19- Pai de Santo Joseacute Maria Ramos110
Imagem 20- Iniciada Tereza Cadete111
LISTA DE SIGLAS
CBPE- Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
CCE- Conselho Estadual de Educaccedilatildeo
CEERSEMA- Centro Ecumecircnico de Estudos Religiosos Superiores do Maranhatildeo
CMF- Comissatildeo Maranhense de Folclore
CNE- Conselho Nacional de Educaccedilatildeo
EJA- Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos
FNB- Frente Negra Brasileira
FUNASA ndash Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede
GCNC- Grupo de Consciecircncia Negra de Cururupu
GEAR- Grupo de Estudos Andreacute Rebouccedilas
GTI- Grupo de Trabalho Interministerial
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IPCN- Instituto de Pesquisas de Cultura Negra
JAF- Jovens Armas do Futuro
MEC-Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura
MNU- Movimento Negro Unificado
PCNrsquos- Paracircmetros Curriculares Nacionais
SECAD- Secretaria de Educaccedilatildeo a Distacircncia Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade
SECNEB- Sociedade de Estudos de Cultura Negra no Brasil
SINBA- Sociedade de Intercacircmbio Brasil Aacutefrica
UEMA- Universidade Estadual do Maranhatildeo
LISTA DE GRAacuteFICOS
Graacutefico 01- Vocecirc se considera negro65
Graacutefico 02- Vocecirc tem conhecimento de quais religiotildees satildeo praticadas em Cururupu66
Graacutefico 03- Jaacute ouviu falar sobre religiatildeo afro-brasileira67
Graacutefico 04- Frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana na cidade67
Graacutefico 05- Vocecirc conhece algum terreiro de religiatildeo de matriz africana que fica localizada proacuteximo ao
CEJMMiranda68
Graacutefico 06- Conhece algum pai ou matildee de santo que residem proacuteximo da escola69
Graacutefico 07- J aacute participou de algum festejo em terreiro de religiatildeo de matriz africana69
Graacutefico 08- Vocecirc acha que as religiotildees de matriz africana sofrem discriminaccedilatildeo na escola70
Graacutefico 09- Como vocecirc acha que a escola deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo71
Graacutefico 10- Como define religiatildeo73
Graacutefico 11- Conhece alguma religiatildeo de matriz africana74
Graacutefico 12- Jaacute participou de alguma atividade em cultos de matriz africana74
Graacutefico 13- Considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cultos de matriz africana75
Graacutefico 14- Nas escolas considera que os cultos africanos sofrem discriminaccedilatildeo75
Graacutefico 15- A escola desenvolve atividades que falam das denominaccedilotildees religiosas praticadas em
Cururupu Como satildeo feitas essas abordagens 76
Graacutefico 16- Tem conhecimento sobre a Lei 106392003 que trata do Ensino de Histoacuteria da Aacutefrica e
Cultura Afro-brasileira nas escolas77
Graacutefico 17- Tem acesso a materiais sobre Aacutefrica e Cultura Afro-brasileira nas escolas ou fora dela77
Graacutefico 18- As datas alusivas agrave comunidade negra como a escola tecircm trabalhado os temas78
Graacutefico 19- Como tem administrado as discussotildees sobre religiatildeo africana em sala de aula quando
estas acontecem 78
Graacutefico 20- Vocecirc acha que a escola e os terreiros deveriam desenvolver atividades que fortalecessem esses laccedilos Por quecirc78
Graacutefico 21- O que vocecirc acha que deveria ser feito para que debates acerca das religiotildees acontecessem
na escola 79
Graacutefico 22- Conhece pais e matildees de santo que residem proacuteximos da escola80
LISTA DOS TERREIROS
Terreiro 01- Pingo Drsquoaacutegua Matildee Isabel Mineira (in memoriam)
Terreiro 02- Quarto altar Pai Fracircncio Jacircnio Veras
Terreiro 03- Pai Joaquim de Angola Pai Luiacutes Afonso Azevedo
Terreiro 04- Santo Antocircnio Matildee Maria Bebo Soeira (in memoriam)
Terreiro 05- Santa Baacuterbara Pai Edimir Pires Mota
Terreiro 06- Santa Baacuterbara Matildee Edina Pires
Terreiro 07- Quarto altar Pai Deiran
Terreiro 08- Santa Luzia Matildee Faacutetima Cadete
Terreiro 09- Santa Baacuterbara Matildee Valdelina
Terreiro 10- Quarto altar Pai Daacuterio
Terreiro 11- Quarto altar Pai Sebastiatildeo Conde
Terreiro 12- Satildeo Sebastiatildeo Pai Jorge de Abdias
Terreiro 13- Deus eacute quem Guia Pai Joseacute Maria Ramos
Terreiro 14- Quarto altar Iniciada Tereza Cadete
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO18
I -Referenciais de anaacutelise-Antropologia da educaccedilatildeo-repensando a diferenccedila no espaccedilo
escolar 19
II-Formas escolares hegemonicas e culturas escolares
especiacuteficas23
III-Encaminhamentos da pesquisa escolha temaacutetica e a posiccedilatildeo do pesquisador 26
IV- Estrutura do trabalho 28
CAPIacuteTULO 1 - A CULTURA AFRO-BRASILEIRA NOS BANCOS ESCOLARES
Diversidade diferenccedila e Cultura Escolar30
11 A contribuiccedilatildeo da Histoacuteria da Aacutefrica para a humanidade 30
12 A cultura afro-brasileira e o espaccedilo escolar 35
13 As lutas para afirmaccedilatildeo da cultura Afro-Brasileira 40
CAPIacuteTULO 2- RELACcedilOtildeES EacuteTNICO-RACIAIS lutas movimentos e reformas poliacuteticas edu-
cacionais43
CAPIacuteTULO 3 -DA ESCOLA PARA OS TERREIROS Normas experiecircncias e percepccedilotildees sobre
as religiotildees afro-brasileiras53
31 As mutaccedilotildees no curriacuteculo e o desafio de implementaccedilatildeo da Lei 106392003 53
32 Descrevendo a instituiccedilatildeo escolar histoacuterias atores e experiecircncias 60
33 Mapeando as avaliaccedilotildees de discentes e docentes sobre religiotildees afro-brasileiras 63
34 Entrando no mundo dos alunos 64
35 As religiotildees afro-brasileiras entre os docentes 72
36 Experiecircncias e percepccedilotildees de docentes acerca da relaccedilatildeo entre escola e comunidade 80
CAPIacuteTULO 4 - DA COMUNIDADE PARA A ESCOLA histoacuterias percepccedilotildees e experiecircncias de
um diaacutelogo possiacutevel 90
41 Perspectiva de investigaccedilao sobre a histoacuteria e cultura afro-brasileira no
Maranhao92
42 Descrevendo o bairro Satildeo Benedito festas populares e tracircnsitos religiosos 95
43 Histoacuterias de terreiros terrenos de memoacuterias e de histoacuterias101
CAPIacuteTULO 5- OFICINAS PEDAGOacuteGICAS E A HISTOacuteRIA E CULTURA AFRO-
BRASILEIRA 113
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 117
REFEREcircNCIAS 119
APEcircNCICES127
18
INTRODUCcedilAtildeO
Cururupu eacute um municiacutepio localizado no Litoral Ocidental Maranhense composto
em sua maior parte por descendentes de africanos que vieram do antigo Daomeacute1 na Regiatildeo
Ocidental da Aacutefrica Conforme dados do uacuteltimo Censo do IBGE a populaccedilatildeo residente no
municiacutepio concentra-se predominantemente na religiatildeo Catoacutelica seguido de longe pelas de-
nominadas evangeacutelicas Ocorre que embora natildeo sejam apresentados registros de pertencentes
agraves religiotildees afro-brasileiras a cidade eacute conhecida no cenaacuterio estadual como terra de grandes
pais e matildees de santo Atualmente Cururupu possui uma grande quantidade de terreiros na
sede havendo bairros que contam com aproximadamente cinco a sete casas de cultos aos ori-
xaacutes voduns e caboclos2 De maneira geral esses terreiros estatildeo localizados em aacutereas afastadas
e perifeacutericas do municiacutepio para onde afluem os praticantes e admiradores nas muacuteltiplas oca-
siotildees e ciclos de cerimocircnias e festas aos santos Nessas ocasiotildees participam das muacuteltiplas
atividades ali desenvolvidas com a utilizaccedilatildeo de tambores danccedilas e muacutesicas que fazem parte
da liturgia empregada pelos sacerdotes e sacerdotisas para evocar as divindades
Neste cenaacuterio cabe destacar o Bairro Satildeo Benedito localizado justamente na peri-
feria do referido municiacutepio onde estaacute localizado o Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda
escola da rede estadual selecionada como laboratoacuterio para discutirmos sobre o processo de
integraccedilatildeo da Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africana no cotidiano escolar conforme
respalda a Lei 106392003 Levando em conta que a referida lei foi promulgada haacute uma deacute-
cada e meia o que esteve no ponto de partida deste trabalho foi o desejo de investigar como
uma instituiccedilatildeo escolar e seus atores rodeada por nada menos do que 09 (nove) terreiros3 e 05
quarto altar que lida justamente com o tema da diversidade eacutetnico-religiosa brasileira nota-
damente de matriz afro-brasileira
1 Paiacutes africano de onde vieram escravizados para trabalharem nas fazendas de mandioca accediluacutecar e aguardente de Cururupu Daomeacute eacute atualmente Benim 2 Em Cururupu as casas de cultos as entidades possuem grande quantidade de adeptos que ajudam na organiza-
ccedilatildeo dos festejos Essas comunidades organizadas nos terreiros respeitam um grau de ligaccedilatildeo entre serviccedilos pres-
tados pelo pai de santo ao assistente ou a um membro da famiacutelia deixando um laccedilo de gratidatildeo eacute comum famiacute-
lias inteiras frequentarem os terreiros nas mesmas condiccedilotildees de tarefas 3 Terreiro Pingo Drsquoaacutegua de Matildee Izabel Mineira (in memoriam) Terreiro Santa Baacuterbara do Pai Edmir Mota Ter-
reiro Santa Baacuterbara de Matildee Edna Pires Terreiro de Santa Luzia de Matildee Faacutetima Cadete Terreiro Satildeo Sebastiatildeo
de Pai Jorge de Abdias Terreiro Pai Joaquim de Angola de Pai Luiacutes Quarto-Altar de Pai Daacuterio Quarto-Altar de
Sebastiatildeo Conde Terreiro Santo Antonio de Matildee Maria Bebo Soeira (in memoriam) Quarto-Altar de Pai Dei-
ran Terreiro Deus me Guia de Pai Joseacute Maria Quarto-Altar de Tereza Cadete Quarto-Altar de Pai Fracircncio Ve-
ras Terreiro Santa Baacuterbara de Matildee Valdelina
19
Com efeito o objetivo da presente dissertaccedilatildeo foi analisar a pluralidade de olhares
sobre escolas e terreiros e suas intra e inter-relaccedilotildees tomando como unidade empiacuterica de anaacute-
lise um contexto relacional representado pelo Bairro de Satildeo Benedito localizado na periferia
da cidade de Cururupu- Maranhatildeo Objetivamente trata-se aqui de colocar sob foco as inter-
faces cruzamentos de espaccedilos e diaacutelogos possiacuteveis entre o Centro de Ensino Joatildeo Marques
Miranda e as casas de cultos existentes que circundam a escola Metodologicamente a pes-
quisa busca combinar diferentes estrateacutegias tais como a aplicaccedilatildeo de questionaacuterios de admi-
nistraccedilatildeo direta e a realizaccedilatildeo de entrevistas temaacuteticas com (ex) gestores professores alunos
e lideranccedilas religiosas de terreiros atuantes nesse mesmo bairro O tiacutetulo da presente disserta-
ccedilatildeo ldquoDos terreiros para a escola da escola para os terreirosrdquo claramente inspirado nos traba-
lhos da Antropologia da Educaccedilatildeo notadamente Stela Caputo (2012) e Rachel Rua Baptista
Bakke (2011) entre outros tenta expressar justamente o esforccedilo por problematizar os pontos
de vista de atores sociais que protagonizam as relaccedilotildees entre escola e comunidade em uma
conjuntura histoacuterico-social especiacutefica o que permite situar o foco da presente pesquisa sobre
as interfaces cruzamentos de espaccedilos e co-representaccedilotildees identitaacuterias resultantes de certo
estaacutegio de relaccedilotildees e incompreensotildees entre esses dois universos
I - Referenciais de anaacutelise- Antropologia e Educaccedilatildeo repensando a diferenccedila no espaccedilo
escolar
Dentro da perspectiva analiacutetica adotada neste estudo os principais referenciais pa-
ra discussatildeo sobre como a alteridade tem sido experienciada dentro da escola estatildeo baseados
nos trabalhos situados na fronteira entre Educaccedilatildeo e Antropologia Poreacutem eacute vaacutelido ressaltar
desde jaacute que natildeo se trata aqui exatamente de adentrar nas disputas de fronteiras entre essas
aacutereas mas de tentar situar-se dentro de um conjunto de um campo ainda bastante incipiente e
em processo de consolidaccedilatildeo (GUSMAtildeO 2009)
Eacute nesse sentido que vale agrave pena retomar alguns apontamentos de Amurabi Olivei-
ra (2017) a respeito das interfaces entre Antropologia e Educaccedilatildeo no Brasil O ponto de parti-
da do autor eacute a constataccedilatildeo de que embora se trate de um campo de pesquisas em processo de
consolidaccedilatildeo a introduccedilatildeo da antropologia nas praacuteticas pedagoacutegicas aleacutem de natildeo ser recente
tende a se tornar cada vez mais complexa com o passar do tempo Assim seja atraveacutes da in-
serccedilatildeo da disciplina de Introduccedilatildeo agrave Antropologia Pedagoacutegica no curriacuteculo de escolas nor-
mais antes mesmo da criaccedilatildeo dos primeiros cursos de Ciecircncias Sociais no Brasil seja pela
20
intervenccedilatildeo de antropoacutelogos reconhecidos na formulaccedilatildeo de poliacuteticas educacionais no Brasil ndash
a exemplo de Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro que participaram ativamente do Centro Brasi-
leiro de Pesquisas Educacionais - (CBPE) o que importa reter eacute que as interfaces entre Educa-
ccedilatildeo e Antropologia natildeo constituem aqui um fenocircmeno ineacutedito (OLIVEIRA 2017)
Contudo como explicita o mesmo autor aleacutem do processo de consolidaccedilatildeo insti-
tucional dessas duas aacutereas no Brasil ter reforccedilado o isolamento de ambas a partir da deacutecada de
1970 no caso especiacutefico da Antropologia parece pesar ldquoo fato de que as populaccedilotildees que pre-
dominantemente foram objeto de reflexatildeo por parte dessa ciecircncia soacute paulatinamente tiveram
amplo acesso ao sistema educacional formalrdquo (OLIVEIRA 2017) Dessa forma como des-
creve Neusa Gusmatildeo (2009) o caso eacute que se os estudos antropoloacutegicos sobre a educaccedilatildeo
ganham forccedila a participaccedilatildeo de antropoacutelogos em projetos educacionais e poliacuteticas educativas
tem sido uma constante no Brasil
Em certa medida isso ajuda a explicar o porquecirc da questatildeo da diferenccedila da cultu-
ra e das desigualdades vir sendo inserida na pauta do dia das poliacuteticas nacionais de educaccedilatildeo e
das poliacuteticas de diversidade ndash Leis 1063903 e 1164508 4e das accedilotildees afirmativas no ensino
superior produzindo impactos e novos desafios no espaccedilo escolar brasileiro
Seja como for o que importa destacar com isso eacute que na medida em que essas po-
liacuteticas educacionais colocam como foco central a questatildeo da relaccedilatildeo com a diferenccedila e a ques-
tatildeo da alteridade toca-se diretamente em princiacutepios antropoloacutegicos importantes e necessaacuterios
para uma atitude humanista e problematizadora do espaccedilo escolar Como parte das Ciecircncias
Humanas a Educaccedilatildeo e a Antropologia encontram no estudo do homem em suas diferentes
nuances costumes crenccedilas e haacutebitos a chave para desnaturalizar as visotildees etnocecircntricas para
enfatizar o relativismo a valorizaccedilatildeo da diversidade questotildees essas cada vez mais importan-
tes em nosso tempo e realidade Essa constitui uma das principais contribuiccedilotildees da Antropo-
logia concebida aqui nas palavras de Siqueira (2007) como
O estudo do homem buscando um enfoque totalizador que integre os aspec-
tos culturais e bioloacutegicos no presente e no passado focalizando as relaccedilotildees entre o homem e o meio entre o homem e a cultura e entre o homem com o
homem (SIQUEIRA 2007 p 17)
4 Lei 116452008 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Indiacutegena alterada pela
Lei nordm 9394 de 20 de dezembro de 1996 modificada pela Lei nordm 10639 de 9 de janeiro de 2003 que estabelece
as diretrizes e bases da educaccedilatildeo nacional para incluir no curriacuteculo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da
temaacutetica (DE PAULO 2015 p 69)
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Portanto a Antropologia estuda a diversidade cultural dos povos entrelaccedilando os as-
pectos que contribuiacuteram para a formaccedilatildeo das sociedades como ciecircncia preocupa-se com a
questatildeo das diferenccedilas e busca propor formas de intervenccedilatildeo sobre a realidade papel a que se
dirige qualquer conhecimento produzido a partir das relaccedilotildees entre os homens e o mundo so-
cial criado por eles Neste mundo social a que o autor faz inferecircncia satildeo fartamente observa-
dos os elementos que compotildee as culturas de cada sociedade bem como seus elementos cons-
tituintes
Neste sentido como cultura podemos entender todo tipo de manifestaccedilatildeo social mo-
dos haacutebitos comportamentos rituais crenccedilas mitos e outros aspectos sendo portanto fon-
tes de pesquisa para os estudiosos da antropologia Neste aspecto esta ciecircncia carrega em seu
repertoacuterio conceitual o encadeamento das accedilotildees que envolvem o comportamento humano
bem como sua maneira de desenvolvimento peculiar para a realizaccedilatildeo de atividades que en-
volvam o entendimento das massas em estudos auxiliando em eminentes intervenccedilotildees que
implicam numa compreensatildeo mais proacutexima da realidade bem como os apontamentos de vari-
aacuteveis Para isto
A antropologia como ciecircncia preocupa-se com a questatildeo das diferenccedilas e
busca propor formas de intervenccedilatildeo sobre a realidade papel a que se dirige
qualquer conhecimento produzido a partir das relaccedilotildees entre os homens e o
mundo social criado por eles (GUSMAtildeO 2009 p 54)
Dessa perspectiva a educaccedilatildeo eacute tomada aqui como uma praacutetica reflexiva que se enri-
quece pelas intersecccedilotildees com outras aacutereas do saber no caso a Antropologia Isto eacute se esti-
vermos em condiccedilotildees de entender que a educaccedilatildeo em seu sentido amplo de processo de inte-
graccedilatildeo dos indiviacuteduos agrave sociedade encontra-se no cerne do processo de transmissatildeo das he-
ranccedilas sociais e culturais entre as geraccedilotildees Em suma a educaccedilatildeo particularmente em suas
formas mais institucionais e formalizadas exerce papel central no processo de aprendizado do
ser social
Sobre a questatildeo da diferenccedila eacute vaacutelido ressaltar que as sociedades sobretudo as con-
temporacircneas satildeo compostas por diferentes grupos humanos que deteacutem interesses contrapos-
tos e identidades culturais em conflito Frente a esse quadro a Antropologia tem muito a con-
tribuir visto que oferece aberturas para pensar a relaccedilatildeo com a alteridade e a diferenccedila dado
que o proacuteprio espaccedilo escolar se encontra perpassado pela heterogeneidade Eacute precisamente
nesse sentido que vale acompanhar algumas consideraccedilotildees de Irene Aparecida Aacutevila (2010)
Nilma Lino Gomes (2012) e Vera Maria Ferratildeo Candau (2012) a respeito das dinacircmicas cul-
turais que atravessam e permeiam o espaccedilo escolar
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Segundo Irene Aacutevila (2010) eacute crucial repensar como a composiccedilatildeo social heterogecircnea
na sociedade brasileira se apresenta no espaccedilo escolar entendido como meio necessaacuterio para
trabalhar o direito agrave diferenccedila e agraves competecircncias ciacutevicas de respeito agrave pluralidade de ideias e
culturas
Reconhecer a diferenccedila que existe nos indiviacuteduos e nos grupos passa a ser percebida como direitos correlatos pois a convivecircncia em uma sociedade
democraacutetica depende da aceitaccedilatildeo da ideia de compormos uma totalidade
social heterogecircnea na qual natildeo deve ocorrer a exclusatildeo (AacuteVILA 2010 p
36)
Ao discutir sobre a heterogeneidade social e seus contrapontos a autora parte do pres-
suposto que a formaccedilatildeo brasileira eacute majoritariamente composta por diferentes matrizes eacutetnicas
(o iacutendio nativo o negro escravizado e o branco colonizador) que ao longo da Histoacuteria do Bra-
sil sempre estiveram em disputas pela manutenccedilatildeo de suas raiacutezes simboacutelicas Disputa essa
marcada por relaccedilotildees de poder Ocorre que demorou muito tempo para que surgissem propos-
tas e reformas poliacutetico-educacionais que afirmassem o discurso multiculturalista nos estabele-
cimentos de ensino (OLIVEIRA 2010) Bandeira poliacutetica recente ateacute entatildeo a heterogeneida-
de do social era negligenciada no curriacuteculo (GOMES 2012) produzindo uma escola pura-
mente eurocecircntrica segregacionista e recrudescedora das desigualdades sociais isto eacute ldquocrian-
do um ambiente onde as diferenccedilas natildeo satildeo privilegiadasrdquo (AacuteVILA 2010 p 40)
Neste sentido cabe agrave escola fazer o aluno compreender que ldquoa realidade social natildeo eacute
uma coisa dada e acabadardquo (BRANDAtildeO 1993 p 23) e que o respeito agrave diferenccedila constitui
parte importante de reforccedilo de uma moral e ciacutevica que garanta igualdade e liberdade a todos
Aqui ao tecermos essas consideraccedilotildees assumimos inevitavelmente uma posiccedilatildeo poliacutetica
Aliaacutes ldquoNo tocante a isto vale lembrar acerca da noccedilatildeo de cultura que sempre foi e eacute portan-
to uma noccedilatildeo que se define eminentemente como poliacuteticardquo (GUSMAtildeO 2009 p 53)
Para Nilma Lino Gomes por outro lado para equacionar a ausecircncia de um debate efe-
tivo sobre a diferenccedila e que reafirme a autoestima e as identidades dos diferentes atores no
espaccedilo escolar deve-se problematizar o proacuteprio sentido e finalidade da educaccedilatildeo Como asse-
vera na praacutetica natildeo se educa para alguma coisa educa-se porque a educaccedilatildeo eacute um direito e
como tal deve ser garantido de forma igualitaacuteria equacircnime e justa (GOMES 2012 p01)
Trata-se de uma perspectiva semelhante agravequela defendida por Vera Maria Candau para quem
[] a educaccedilatildeo escolar natildeo pode ser reduzida a um produto que se negocia na loacutegi-ca do mercado nem ter como referecircncia quase que exclusivamente a aquisiccedilatildeo de
determinados ldquoconteuacutedosrdquo por mais socialmente reconhecidos que sejam Deve ter
como horizonte a construccedilatildeo de uma cidadania participativa a formaccedilatildeo de sujeitos
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de direito o desenvolvimento da vocaccedilatildeo humana de todas as pessoas nela impli-
cadas (CANDAU 2012 p721)
Agrave vista disso a perspectiva antropoloacutegica em que se inspira a presente pesquisa con-
tribui natildeo somente para compreender o espaccedilo escolar a partir de uma abordagem mais mi-
croscoacutepica como tambeacutem constitui ferramenta importante para trabalhar competecircncias para
uma vida ciacutevica responsaacutevel O qual exige que o trabalho com o relativismo cultural que eacute
intriacutenseco agrave aacuterea seja exercitado na maneira como abordamos as culturas os costumes e ex-
periecircncias dos diferentes grupos dentro do espaccedilo escolar Foi precisamente essa concepccedilatildeo
de fundo qual seja a de que a escola deve apostar no trabalho com as diferentes manifestaccedilotildees
culturais com a histoacuteria local que esteve no ponto de partida das intervenccedilotildees pedagoacutegicas
que realizamos
II- Formas escolares hegemocircnicas e culturas escolares especiacuteficas
A discussatildeo sobre a cultura escolar natildeo constitui exclusividade da Antropologia Nesse
sentido com a finalidade de produzir aportes para o nosso proacuteprio trabalho de pesquisa pro-
curamos explorar dentro do campo historiograacutefico as pesquisas e propostas de observaccedilatildeo que
mais se ajustassem ao objetivo principal do trabalho qual seja o de problematizar as relaccedilotildees
entre escola e terreiros a partir da maneira como lidam com a histoacuteria cultura e religiosidade
afro-brasileiras Foi dessa forma que chegamos a um conjunto teoacuterico que reuacutene trabalhos que
tomam as noccedilotildees de forma escolar e de cultura escolar como categorias de interpretaccedilatildeo Des-
taca-se aqui em particular os trabalhos de Dominique Julia (2001) Antonio Vinao Frago
(1995) Andreacute Chervel (1990) Vincent Lahire amp Thin (2001) Faria Filho (2000 2004) etc
Pode-se comeccedilar entatildeo pela noccedilatildeo de forma escolar (VINCENT LAHIRE amp THIN
2001) que designa agrave existecircncia em uma dada conjuntura histoacuterica de uma configuraccedilatildeo social
de conjunto que se encontra particularmente ligada a reproduccedilatildeo das relaccedilotildees de poder no
espaccedilo social mais amplo A forma escolar natildeo se confunde com a instituiccedilatildeo escolar e suas
diferentes culturas muito embora ela seja ldquotransversal em relaccedilatildeo agraves diversas instituiccedilotildees e
grupos sociaisrdquo (VINCENT LAHIRE amp THIN 2001 p 46) Como visto nossa forma esco-
lar eacute claramente marcada pela histoacuteria de sua constituiccedilatildeo no mundo ocidental pela maneira
com que produz conhecimentos e disciplina os corpos e os saberes e valores culturais que
consagra O que entra em pauta aqui eacute um modo de relaccedilatildeo com o saber e poder inscrito no
funcionamento estrutural da educaccedilatildeo escolarizada e que retraduz uma visatildeo da sociedade de
maneira hierarquizada desigual e o que nos toca mais particularmente racializada Isto que
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talvez exija considerarmos que a modificaccedilatildeo da forma com que a escola lida com a diferenccedila
e as culturas dependam natildeo somente de modificaccedilotildees toacutepicas em seu curriacuteculo da disponibi-
lidade de materiais para trabalhar conteuacutedos diversificados ou tatildeo somente do aprimoramento
da formaccedilatildeo dos seus profissionais Eacute provaacutevel que necessitemos de uma revisatildeo mais pro-
funda capaz de acompanhar a pluralidade das formas de compreensatildeo do mundo e as episte-
mologias diversas que foram silenciadas ao longo da histoacuteria
Eacute nessa perspectiva que vale a pena pensar na noccedilatildeo de cultura escolar como objeto de
anaacutelise histoacuterica particularmente porque lida com a possibilidade de constituir uma perspec-
tiva teoacuterico-metodoloacutegica atenta agraves diferentes manifestaccedilotildees das praacuteticas instauradas no inte-
rior das escolas transitando de alunos a professores de normas agraves teorias Ora uma vez cons-
tatada a existecircncia de formas escolares tradicionais e hegemocircnicas que perpassam a maneira
como o saber formalizado eacute transmitido em nossas instituiccedilotildees de ensino natildeo podemos dedu-
zir daiacute que todas as instituiccedilotildees atuam da mesma forma negando toda contribuiccedilatildeo e todas as
modificaccedilotildees microscoacutepicas realizadas pelos sujeitos que vatildeo modificando paulatinamente o
sistema como um todo Nesse sentido talvez fosse mais coerente considerar com Vrao Frago
(2001) a existecircncia de culturas escolares como nos diz
Sin embargo desde uma perspectiva histoacuterica parece maacutes fructiacutefero e inte-ressante hablar em plural de culturas escolares () No hay escuelas coleacute-
gios institutos de ensentildeanza secundaacuteria universidades o faculdades exacta-
mente iguales aunque puedan establecerse similitudes entre ellas Las dife-
rencias crecen cuando comparamos las culturas de instituciones que perte-nencen a distintos niveles educativos (FRAGO 2001 p 33)
Eacute importante ressaltar no entanto que a atenccedilatildeo agraves singularidades e a ampliaccedilatildeo do
campo da histoacuteria das instituiccedilotildees escolares o que limitaria a operacionalidade da tentativa de
abarcar de maneira generalista as formas de escolarizaccedilatildeo de um dado periacuteodo natildeo se tradu-
ziria pela tentativa de conferir agrave escola um grau de autonomia absoluta que lhe conferisse a
capacidade de formular uma cultura distinta da cultura vigente na qual estaria inserida Tam-
pouco se trataria de mascarar as caracteriacutesticas distintivas da cultura de uma sociedade consi-
derada em seu conjunto como poderia ser acusada Entenda-se portanto que a maneira como
ela eacute invocada nesta dissertaccedilatildeo indica que nas palavras de Antocircnio Candido (CANDIDO
apud SILVA 2006 p 210) ldquo[] a proacutepria vida interna da escola [] reelabora segundo a
sua dinacircmica interna as normas valores praacuteticas comunitaacuterias dando-lhes uma coloraccedilatildeo
nova mas nem por isso alheia ao encadeamento geral da sociedaderdquo
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Destarte estudar a cultura escolar remete portanto a tentativa de focalizar os proces-
sos e produtos das praacuteticas escolares isto eacute praacuteticas que permitem a transmissatildeo de conheci-
mentos e a imposiccedilatildeo de condutas circunscritas agrave escola Como assinala Dominique Julia
[] poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar e um conjunto de
praacuteticas que permitem a transmissatildeo desses conhecimentos e a incorporaccedilatildeo
desses comportamentos normas e praacuteticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as eacutepocas (finalidades religiosas sociopoliacuteticas ou
simplesmente de socializaccedilatildeo) (JULIA 2001 p10)
Nessa esteira a cultura escolar define conhecimentos e praacuteticas que podem mudar de
acordo com os contextos soacutecio-poliacuteticos A autora aponta ainda que os debates sobre o funci-
onamento real das finalidades atribuiacutedas agrave escola podem ser mais bem captados justamente
nos momentos de crises e conflitos ou seja em conjunturas instaacuteveis que deixam em relevo
as disputas representacionais em torno do papel funccedilatildeo e significado social da escola Por traacutes
dessa noccedilatildeo na realidade encontra-se todo um programa de investigaccedilatildeo que serviu de inspi-
raccedilatildeo para muitas das questotildees que nos fizemos na presente pesquisa a saber Quais os pro-
gramas normas e regras que circunscrevem ao mesmo tempo em que habilitam a atuaccedilatildeo e
produccedilatildeo de conhecimentos em sala de aula Como isso se realiza em um contexto histoacuterico
preciso Quais os padrotildees de interaccedilatildeo observados e as percepccedilotildees subjetivas dos seus atores
Eacute possiacutevel divisar por essa breve descriccedilatildeo dos conceitos acima como eles se ajustam
ao nosso tema de investigaccedilatildeo Primeiramente porque exigem repensar as proacuteprias bases de
nossa representaccedilatildeo a respeito da histoacuteria das sociedades e da nossa proacutepria histoacuteria sobre os
quais se assenta a produccedilatildeo do saber em sala de aula Aleacutem disso exige a coragem de pensar
questotildees que vem sendo cada vez mais problematizadas no espaccedilo puacuteblico como o lugar da
histoacuteria cultura e religiosidade afro-brasileira em um momento de franco ataque a essas ini-
ciativas Da mesma forma essas noccedilotildees nos levam a considerar que cada unidade de observa-
ccedilatildeo cada instituiccedilatildeo cada cultura escolar tem suas especificidades e peculiaridades e que essa
preocupaccedilatildeo diagnoacutestica mais geral necessita ser divisada a partir de uma discussatildeo mais lo-
cal particularizada Por fim eacute preciso conversar com os diferentes atores implicados para
apreender as histoacuterias memoacuterias e percepccedilotildees produzidas sobre si sobre os outros e sobre
esses temas No ponto de partida disso tudo se deixa antever um esforccedilo natildeo apenas intelectu-
al de descriccedilatildeo e diagnoacutestico da realidade mas tambeacutem a tentativa de constituir condiccedilotildees
para uma intervenccedilatildeo poliacutetica pedagoacutegica orientada pelos desafios locais
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III- Encaminhamentos da pesquisa escolha temaacutetica e a posiccedilatildeo do pesquisador
Com efeito uma raacutepida pesquisa na internet permite constatar um significativo aumen-
to de interesse entre profissionais de diversos campos a respeito das condiccedilotildees de implemen-
taccedilatildeo do estudo da Histoacuteria e Cultura e Afro-brasileira e africana a partir da Lei Federal
106392003 Em nosso caso a opccedilatildeo por uma abordagem que destoa da tendecircncia esmaga-
dora nos recentes trabalhos de optar apenas pelo estudo das representaccedilotildees de professores e
alunos sobre as religiotildees afro-brasileiras condiccedilotildees de formaccedilatildeo entre outros para integrar agrave
anaacutelise as percepccedilotildees subjetivas de lideranccedilas de terreiros sobre si sua histoacuteria e de como a
escola se relaciona com as religiotildees de matriz africana (BAKKE 2011) decorre da aposta de
que pela via da problematizaccedilatildeo dessas percepccedilotildees muacutetuas poderiacuteamos avanccedilar tanto na supe-
raccedilatildeo dos preconceitos e formas de estigmatizaccedilatildeo ainda persistentes no espaccedilo escolar quan-
to colocar em diaacutelogo atores tatildeo proacuteximos geograacutefica e simbolicamente mas ao mesmo tempo
tatildeo distantes em niacutevel de conhecimento e reconhecimento
As razotildees para a escolha da temaacutetica satildeo muitas Do ponto de vista pessoal minha li-
gaccedilatildeo com religiatildeo de matriz africana se deu inicialmente pela convivecircncia muito cedo no
bairro onde durante muitos anos minha matildee foi assistente de duas conhecidas casas de cultos
afros Terreiro de Filomena e Vicentinho (um localizado no Bairro de Faacutetima e outro no Bair-
ro de Armazeacutem) Naquela ocasiatildeo por conta de problemas espirituais ela teve que pagar
promessas como forma de retribuir as graccedilas recebida dos santos das referidas casas Mais
tarde passei a frequentar toques aos voduns em vaacuterias casas de Cururupu o que aos poucos foi
me chamando atenccedilatildeo da maneira como externavam sua feacute e mais ainda como desenvolviam
sua dedicaccedilatildeo aos santos Com as constantes visitas e o interesse em me aprofundar nos fun-
damentos tornei-me em pouco tempo Assissi5 uma espeacutecie de ajudante nas tarefas que vari-
avam entre rezas ornamentos organizaccedilatildeo das festas Paralelamente data desse mesmo periacute-
odo minha inserccedilatildeo no grupo de jovens e mais tarde no movimento negro Na sequecircncia em
1994 o Bloco Afro Omniraacute6 inicia suas atividades na regiatildeo e logo em 1995 desenvolve
como tema Matildee Isabel quilombola de Zumbi A escolha temaacutetica se vinculava agraves comemo-
raccedilotildees a Zumbi e por ter sido Isabel Mineira7 (FERRETI M 2015 168) a primeira pessoa a
5 Nos cultos de Tambor de Mina os Assissis satildeo uma espeacutecie de assistente da casa colaboradores (FERRETI
1996 p) 6 Bloco Afro Omniraacute que em liacutengua yorubaacute significa liberdade organizado pelo grupo que leva o mesmo nome
fundado em 26 de outubro de 1995 O grupo desenvolve atividades de sensibilizaccedilatildeo a populaccedilatildeo negra do Curu-
rupu 7 Isabel Pinto da Silva- Isabel Mineira como era mais conhecida nasceu em novembro de 1903 faleceu aos 90
anos foi a primeira pessoa a abrir um terreiro de Mina em Cururupu era devota de Santa Rosa de Lima e reali-
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abrir um terreiro de Mina em Cururupu A partir de entatildeo sempre busquei aprofundar a com-
preensatildeo sobre os cultos de religiatildeo afro-brasileiros
Com relaccedilatildeo ao recorte empiacuterico este se justifica em funccedilatildeo de minha proacutepria experi-
ecircncia profissional na escola selecionada Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda oportuni-
dade na qual pude perceber a inexistecircncia das religiotildees afro-brasileiras no curriacuteculo escolar a
despeito da jaacute referida lei de ensino de histoacuteria e cultura africana e afro-brasileira e ateacute mesmo
das manifestaccedilotildees ocasionais desse legado no calendaacuterio escolar Talvez por exercer papel de
proeminecircncia na escola na condiccedilatildeo de Diretor-adjunto do C E Joatildeo Marques Miranda co-
mecei a perceber como reagiam alunos e professores quando se tratava de temas sobre religi-
otildees afro-brasileira e como se calavam diante de atitudes oriundas de sujeitos que seguiam
outros dogmas e como professores praticantes se escondiam atraacutes de discursos de negaccedilatildeo
por conta do curriacuteculo
Seria necessaacuterio reconhecer nesse sentido que o ponto de partida da pesquisa tambeacutem
assumiu uma dimensatildeo propriamente poliacutetica afinal dado que se trata de um contexto perifeacute-
rico de um bairro estigmatizado onde estaacute concentrada a maior quantidade de terreiros do
municiacutepio de Cururupu porque a escola natildeo abordava temas que seriam centrais agrave dinacircmica
comunitaacuteria E isso se mostrava ainda mais importante para mim devido ao fato observado
por Seacutergio Ferreti (1996) de que entre todos os municiacutepios do Brasil Cururupu se destaca por
cultuar os orixaacutes com os traccedilos de originalidade trazidos da Aacutefrica
Paralelamente a essas preocupaccedilotildees e na tentativa mesmo de instrumentalizar-me a
respeito do tema (as carecircncias formativas dos docentes e de acesso a materiais concernentes agrave
histoacuteria da Aacutefrica e da cultura afro-brasileira jaacute foram sobejamente expressos em diversos
trabalhos) fui percebendo a importacircncia de aprofundar minha compreensatildeo sobre diversos
aspectos a saber primeiramente a respeito dos aportes que a Antropologia e a Histoacuteria po-
dem trazer agrave aacuterea da educaccedilatildeo na medida em que essa relaccedilatildeo interdisciplinar tende a favore-
cer a constituiccedilatildeo de uma abordagem que coloque como central a maneira como escola trata a
questatildeo da diferenccedila cultural e da desigualdade social a partir de agentes histoacutericos sociais
especiacuteficos como jaacute mencionados em segundo lugar a necessidade de resgatar parte do esta-
do das discussotildees sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Brasil explorando as implicaccedilotildees e poten-
zava no mecircs de agosto uma festa em sua homenagem com trecircs noites de tambor Naquela festa recebia com
grande orgulho Rosinha filha caccedilula de Rainha Rosa e da famiacutelia de Leacutegua Bogi (FERRETI M 2015 168)
Seu barracatildeo era em forma de navio tambeacutem foi parteira e realizou 6003 partos foi tambeacutem uma grande foliatilde
do carnaval tinha um bloco chamado Baralho
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cialidades decorrentes das alteraccedilotildees no curriacuteculo hegemocircnico a partir da publicaccedilatildeo da lei
1063903
A esses fatores mais epistemoloacutegicos por assim dizer fui despertando tambeacutem inte-
resse por assumir um ponto de vista mais compreensivo a respeito do universo relacional sob
anaacutelise com a finalidade de dar voz agraves diferentes categorias de atores envolvidos profissionais
da educaccedilatildeo lideranccedilas de terreiros lideranccedilas comunitaacuterias estudantes Com essa perspect i-
va em mente adentrei no ambiente da escola de iniacutecio com observaccedilotildees do cotidiano esco-
lar sobretudo a eacutepoca dos festejos Conversei com professores sobre a temaacutetica aproveitando
para explanar a respeito das intenccedilotildees do projeto Nessa troca de experiecircncias identifiquei a
existecircncia de muitos receios hesitaccedilotildees e ateacute mesmo de resistecircncia com relaccedilatildeo ao tema da
histoacuteria cultura e religiosidade afro em sala de aula
A despeito da extensatildeo do universo empiacuterico e das dificuldades operacionais para tra-
tamento das informaccedilotildees a pesquisa foi realizada com base na combinaccedilatildeo de diferentes es-
trateacutegias metodoloacutegicas Grosso modo trata-se de tentar harmonizar a utilizaccedilatildeo de aborda-
gens quantitativas e qualitativas com base na aplicaccedilatildeo de questionaacuterios de administraccedilatildeo
direta para os alunos da Escola Joatildeo Marques Miranda a realizaccedilatildeo de entrevistas temaacuteticas
com (ex) gestores (ex) professores e (ex) alunos que frequentam terreiros da regiatildeo e realiza-
ccedilatildeo de entrevistas em profundidade com lideranccedilas religiosas de terreiros situados no bairro
Satildeo Benedito e arredores da localidade a fim de recompor suas visotildees de mundo e histoacuterias de
vida Soma-se a isso a observaccedilatildeo e descriccedilatildeo dos debates e reaccedilotildees individuais e coletivas
frente agrave realizaccedilatildeo de oficinas Diligencia-se nesse uacuteltimo caso de explorar esses olhares a
fim de apreender as diferentes temporalidades em accedilatildeo agrave histoacuteria da constituiccedilatildeo da comuni-
dade e permanecircncias inscritas na proacutepria loacutegica de funcionamento da cultura escolar (a sensa-
ccedilatildeo que se tem eacute sempre de um avanccedilo muito precaacuterio nesse plano)
IV - Estrutura do trabalho
Ante o exposto o texto que segue apresenta a seguinte estrutura no primeiro A
cultura Afro-brasileira nos bancos escolares diversidade diferenccedila e Cultura Escolar pro-
blematizaratildeo as relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e diversidade no Brasil de uma perspectiva de meacutedia
duraccedilatildeo explorando com maior ecircnfase a diversidade de atores movimentos e accedilotildees puacuteblicas
que favoreceram a rediscussatildeo sobre o lugar na cultura afro-brasileira nos bancos escolares
No capiacutetulo seguinte Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais lutas movimentos e reformas poliacuteticas educa-
cionais haveraacute uma caracterizaccedilatildeo da legislaccedilatildeo concernente ao tema
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Adiante no terceiro capiacutetulo Da escola para os terreiros normas experiecircncias e
percepccedilotildees sobre as religiotildees afro-brasileiras caracteriza-se o estabelecimento escolar seleci-
onado como unidade empiacuterica e as percepccedilotildees de profissionais da educaccedilatildeo e estudantes sobre
as religiotildees de matriz africana No quarto capiacutetulo Da comunidade para a escola histoacuterias
percepccedilotildees e experiecircncias de um diaacutelogo possiacutevel voltam-se aos olhares histoacuterias e memoacuterias
a respeito do bairro e da escola destacando as histoacuterias dos terreiros como espaccedilo de memoacute-
ria ao passo em que exploramos a histoacuteria de vida de atores que vivem concretamente na
fronteira dessa relaccedilatildeo com o espaccedilo escolar mas de uma posiccedilatildeo mais externa Tambeacutem ha-
veraacute apresentaccedilatildeo de algumas das oficinas que realizamos a fim de extrair conclusotildees a res-
peito da distacircncia estranheza e do desconhecimento entre essas duas esferas de vida O foco
neste caso seraacute o de explorar as vantagens heuriacutesticas de uma aproximaccedilatildeo pedagogicamente
planejada cujo cerne seria voltado para o cultivo de valores e competecircncias essenciais para
reforccedilo das redes de solidariedade no contexto em pauta E por fim satildeo apresentadas as con-
clusotildees e referecircncias do trabalho
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CAPIacuteTULO 1 - A CULTURA AFRO-BRASILEIRA NOS BANCOS ESCOLARES
diversidade diferenccedila e Cultura Escolar
Deus abenccediloe a Aacutefrica
Deus abenccediloe a Aacutefrica
Que suas gloacuterias sejam exaltadas Ouccedila nossas preces
Deus nos abenccediloe porque somos seus filhos
Deus cuide de nossa naccedilatildeo
Acabe com nossos conflitos Nos proteja e proteja nossa naccedilatildeo
(Hino da Aacutefrica do Sul)
O objetivo principal desse capiacutetulo eacute problematizar como o tema da diversidade e
da diferenccedila vem sendo tratado no Brasil com ecircnfase sobre os debates iniciativas e movi-
mentos que recolocaram a questatildeo da Educaccedilatildeo para as relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais no centro da
agenda das discussotildees sobre as dimensotildees poliacuteticas do curriacuteculo e dos padrotildees de interaccedilatildeo no
espaccedilo escolar contemporaneamente Antes no entanto tecemos algumas consideraccedilotildees a
respeito do lugar e importacircncia da histoacuteria da Aacutefrica na histoacuteria da humanidade e de como ela
foi condenada e representada a ponto de se rogar benccedilotildees gloacuterias reconhecimento paz e
proteccedilatildeo como mostra a epiacutegrafe que abre este capiacutetulo Para tanto o texto se baseia funda-
mentalmente na bibliografia a respeito e seu ponto de partida se situa no interesse pedagoacutegico
de dar a conhecer ao leitor em que condiccedilotildees essa luta se transmuta em poliacuteticas educacionais
notadamente a partir da deacutecada de 1990
11 A contribuiccedilatildeo da Histoacuteria da Aacutefrica para a humanidade
Antes de explorarmos de que maneira paulatinamente o tema da educaccedilatildeo para as re-
laccedilotildees eacutetnico-raciais e da inclusatildeo da Histoacuteria Cultura e Religiosidade Africana e Afro-
brasileira foi entrando em pauta no Brasil valeria agrave pena tecer algumas consideraccedilotildees sobre
os desafios epistemoloacutegicos e praacuteticos que temos ao propor uma intervenccedilatildeo pedagoacutegica co-
mo a que estamos construindo Epistemoloacutegico por um lado pois como boa parte da biblio-
grafia pertinente sobre o tema jaacute evidenciou a Histoacuteria da Aacutefrica foi silenciada pela perspec-
tiva hegemocircnica da visatildeo etnocecircntrica produzida pelo ocidente Poreacutem nessa batalha aacuterdua
natildeo basta apenas exercer a capacidade criacutetica posto que devemos tambeacutem explicitar de que
maneira o continente seus povos e culturas influenciaram decisivamente outros povos con-
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formaram nossas identidades e promoveram a circulaccedilatildeo de saberes e percepccedilotildees de mundo
Trata-se de demonstrar como sua histoacuteria eacute parte da nossa a traveacutes de exemplos concretos
retirados do acircmago do esforccedilo criacutetico empreendido por intelectuais e historiadores dentro e
fora da Aacutefrica As consideraccedilotildees que seguem atendem a esse duplo objetivo
Pode-se comeccedilar pela tese fundamental do livro de Edward Said (2007) Orientalismo
a respeito de como o Ocidente inventou o Oriente como um misto indistinto de naccedilotildees hete-
rogecircneas rotuladas sob o signo do exotismo e inferioridade Dissipada por uma seacuterie de pro-
duccedilotildees artiacutesticas filosoacuteficas literaacuterias e ateacute mesmo cientiacuteficas essas representaccedilotildees imageacuteti-
cas sobre os designados orientais constituiu um poderoso discurso voltado precisamente para
os povos outrora colonizados garantindo primazia superioridade e normalidade ao homem
europeu ldquocivilizadordquo por oposiccedilatildeo aos outros Essa visatildeo criacutetica sobre o eurocentrismo eacute par-
ticularmente convergente com as criacuteticas realizadas por Jack Goody (2008) que rotula a rela-
ccedilatildeo entre a Europa e as outras naccedilotildees sob o signo do Roubo da Histoacuteria Roubo ou mesmo
apropriaccedilatildeo que tinha como finalidade demarcar uma suposta excepcionalidade do Ocidente
quanto agrave criaccedilatildeo de valores (igualdade democracia liberdade) instituiccedilotildees (universidades) e
sentimentos (amor individualismo) que nunca foram especificidades suas Quer dizer a im-
posiccedilatildeo de uma narrativa histoacuterica formulada a partir do ponto de vista europeu obliterou a
real histoacuteria do mundo na medida em que impuseram conceitos cronologia e silecircncios sobre
as contribuiccedilotildees de outras culturas para projetar a superioridade ocidental
Por esse vieacutes tais reflexotildees podem muito bem ser utilizadas para pensar como o olhar
europeu ao longo de seacuteculos produziu uma visatildeo distorcida sobre o negro e sobre a Aacutefrica
antes mesmo que o discurso racista se solidificasse no seacuteculo XIX Eacute o que demonstra o traba-
lho de Gislene Aparecida dos Santos (2002) que demonstrou como no imaginaacuterio europeu as
visotildees sobre o negro e a cor negra foram paulatinamente se deslocando do fasciacutenio ao repuacute-
dio
Satildeo fartos os exemplos de que o imaginaacuterio europeu da Idade Meacutedia ao Seacuteculo das
Luzes era repleto de visotildees sobre seres fantaacutesticos grotescos eou gigantes que povoariam as
terras mais longiacutenquas gerando ao mesmo tempo medo e fasciacutenio Embora jaacute houvesse a
ideia de que o branco seria superior ao negro e que a cor preta designasse uma marca do mal
ou um grande motivo de preocupaccedilatildeo ainda estava contida nessa percepccedilatildeo um misto de fas-
ciacutenio e medo O exotismo dos relatos de viajantes se deixa ainda permear pela admiraccedilatildeo da
diferenccedila e pela curiosidade daiacute por que eram descritos em diversos cronistas de maneira am-
biacutegua nunca inteiramente negativa Todavia esse estranhamento esse misto de fasciacutenio e
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repuacutedio se convertem em algo bem diferente quando a Aacutefrica se converteu em objeto de cobi-
ccedilas e fonte de imensas riquezas O racismo se apoiou portanto em estereoacutetipos e preconceitos
anteriores mas eacute filho direto do colonialismo moderno
Assim podemos dizer que ateacute o seacuteculo XIX havia em relaccedilatildeo aos povos da Aacutefrica um olhar exoacutetico (misto de fasciacutenio e de repulsa) e que foi exatamen-
te este olhar exoacutetico com tudo o que decorre dele que embora natildeo tenha
criado o racismo permitiu que o sentimento racista aflorasse A construccedilatildeo de um olhar exoacutetico sobre a Aacutefrica resvalou para o racismo no momento em
que se desejou retirar da populaccedilatildeo seu poder de participaccedilatildeo poliacutetica Natildeo eacute
agrave toa que o discurso racista surge no momento em que o continente africano aparece diante do olhar dos europeus como um territoacuterio de imensas riquezas
ainda preservadas ou em que nas colocircnias o processo de conquista da liber-
dade por parte dos ex-escravos seja efetivado (BARBOSA 2008 147)
Como demonstra Muryatan Barbosa (2008) esse olhar eurocecircntrico recorrente atra-
vessou diversas Filosofias da Histoacuteria englobando autores claacutessicos como Voltaire Vico He-
gel e Marx e inscreveu-se no proacuteprio nascedouro da historiografia moderna A concepccedilatildeo
evolucionista que realccedilava a excepcionalidade e superioridade europeia nos planos econocircmi-
co cultural religioso e racial permeou entatildeo as proacuteprias Ciecircncias Humanas e inscrevendo-se
como um dispositivo no acircmbito epistemoloacutegico Assim sendo o ponto de partida para a
emergecircncia de um conhecimento historiograacutefico sobre a Aacutefrica tem como primeira meta dar
uma resposta a esse discurso que silencia e oblitera a importacircncia africana
A mudanccedila nessa perspectiva comeccedilou a ocorrer somente entre os anos de 1950 e
1960 a reboque das lutas pela independecircncia que tiveram lugar nesses marcos (OLIVA
2003) Eacute a partir desse periacuteodo que comeccedila a haver uma revoluccedilatildeo nos estudos africanos no-
tadamente pelos investimentos de historiadores africanos Tratava-se em um primeiro mo-
mento de construir uma Histoacuteria que pudesse servir como instrumento de luta ideoloacutegica Eacute
dentro desse quadro que se pode compreender o empenho de historiadores como Cheijk Anta
Diop Djibril Tamsir Niane e Jean Vansina para recolocar empiacuterica e conceitualmente a His-
toacuteria Africana (BARBOSA 2008) Essa renovaccedilatildeo natildeo se deu somente no continente africa-
no vez que participou de uma reconstruccedilatildeo das proacuteprias ciecircncias humanas dos modelos his-
toriograacuteficos e dos interesses de pesquisa em diferentes naccedilotildees
Deste modo a renovaccedilatildeo dos estudos sobre Aacutefrica e o efeito propriamente descoloni-
zador da Histoacuteria suscitou a circulaccedilatildeo internacional de pesquisadores o incremento de redes
de pesquisa e a elaboraccedilatildeo de iniciativas de conjunto para reconstruccedilatildeo de uma histoacuteria afri-
cana de uma perspectiva mais estrutural Aleacutem das incontaacuteveis obras que surgem desde entatildeo
produzidas por intelectuais africanos ou estrangeiros destaca-se a produccedilatildeo de uma Histoacuteria
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Geral da Aacutefrica (HGA) promovida pela UNESCO e que hoje em dia estaacute disponiacutevel em diver-
sas liacutenguas
Trecircs motivos principais justificavam a criaccedilatildeo do projeto da HGA segundo
seus idealizadores Em primeiro lugar havia o perigo de que as fontes para a
histoacuteria da Aacutefrica se perdessem definitivamente tanto as fontes escritas quanto as orais Tal fato poderia ser revertido em parte com a coleta de fon-
tes e a organizaccedilatildeo dos arquivos em Aacutefrica os quais poderiam acomodar a
documentaccedilatildeo existente e aquela que ainda estava por investigar Mas isso
deveria ser feito rapidamente Em segundo lugar havia o desejo de que a HGA pudesse sintetizar o conhecimento sobre o continente ainda disperso e
mal distribuiacutedo no tempo e no espaccedilo Soacute assim se teria clareza das lacunas a
serem pesquisadas Por fim havia o desejo de que a HGA pudesse impulsio-nar uma escrita da histoacuteria que superasse os preconceitos colonialistas sobre
o continente contribuindo para mostrar as contribuiccedilotildees africanas para a ci-
vilizaccedilatildeo humana Algo visto como sumamente necessaacuterio agraves naccedilotildees africa-nas no periacuteodo poacutes-colonial que se instaurava em Aacutefrica (BARBOSA 2008
p 195)
Assim quando chegamos agrave deacutecada de 1980 e 1990 o que se deu foi agrave ampliaccedilatildeo desse
campo de estudos e sua consolidaccedilatildeo em niacutevel internacional Nesse processo surgiram novas
frentes de investigaccedilatildeo e jovens intelectuais tecircm explorado os canais abertos pelo adensamen-
to da produccedilatildeo intelectual nas redes de conexatildeo do Sul Global
[] um avanccedilo intelectual e institucional com a constituiccedilatildeo de novas aacutereas
de estudos historiograacuteficos africanos dentro e fora do continente Deste de-senvolvimento surgem novos especialistas na temaacutetica que se tornam figu-
ras influentes dentro do meio acadecircmico Isto tanto dentro da Aacutefrica como
B Barry A F Ajahi A Boahen B A Ogot V Mudimbe I A Akinjog-bin T Falola M Diouf E J Alagoa e outros quanto fora da Aacutefrica como
J Vansina J Thornton C Coquery-Vidrovitch P Lovejoy J Miller Y
Kopytoff A Costa e Silva K Asante M Bernal Carlos Lopes D Birmin-gham entre outros (SILVA 2010 p 35)
No Brasil natildeo foi diferente aonde vimos emergir diferentes centros de investigaccedilatildeo
desde a deacutecada de 1950 concentrando-se inicialmente em Satildeo Paulo Rio e principalmente
na Bahia Hoje em dia grupos de pesquisas centros e unidades acadecircmicas ampliaram-se con-
sideravelmente alimentando a produccedilatildeo de uma farta e crescente bibliografia sobre a Histoacuteria
Africana Afro-brasileira e ultrapassando em muito os domiacutenios disciplinares da Histoacuteria Eacute
justamente essa pulsante produccedilatildeo intelectual que estaacute na base do segundo movimento que
estamos tentando fazer em nosso trabalho qual seja o de apresentar uma visatildeo criacutetica mas ao
mesmo tempo equilibrada e justa sobre a Aacutefrica os africanos e a cultura afro-brasileira
Dessa maneira chegamos ao segundo eixo de argumentaccedilatildeo a respeito de como explo-
rar os aspectos positivos da contribuiccedilatildeo africana para a histoacuteria da humanidade A questatildeo de
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fundo pode ser colocada da seguinte maneira Para que serve a Histoacuteria da Aacutefrica Proposiccedilatildeo
essa que organizou um texto pequeno mas muito salutar da professora e doutora em Histoacuteria
Mocircnica Lima e Souza Vale agrave pena retomar alguns dos seus argumentos Obviamente como
em todo resto eacute somente pela compreensatildeo da maneira como foi escrita a histoacuteria o que re-
quer uma modificaccedilatildeo na forma como ela eacute ensinada nas escolas que se pode criar condiccedilotildees
para formulaccedilatildeo de uma perspectiva menos eurocecircntrica que decirc espaccedilo para outros atores
regiotildees povos e histoacuterias A bibliografia jaacute disponiacutevel nos apresenta no entanto alguns as-
pectos bastante sugestivos
A comeccedilar pelo dato de que as relaccedilotildees intensas com os Africanos e a Aacutefrica natildeo da-
tam dos primoacuterdios dos empreendimentos ultramarinos ocorridos no iniacutecio da era moderna
Mesmo tendo como marco o encadeamento cronoloacutegico que trabalhamos pode-se perceber
que desde a Antiguidade os africanos participam de intensas trocas comerciais de circulaccedilatildeo
de teacutecnicas e conhecimentos em torno do Mediterracircneo O fausto e a riqueza das sociedades
africanas foram protagonistas de grandes feitos na histoacuteria como o proacuteprio Egito que dura-
mente muito tempo foi concebido como branco Jaacute no iniacutecio do periacuteodo moderno o desloca-
mento forccedilado de grandes contingentes humanos atraveacutes dos navios negreiros e das novas
rotas atlacircnticas abertas fomentou a circulaccedilatildeo de pessoas mercadorias e ideias inscrevendo o
legado africano em diversos espaccedilos do globo Se a humanidade surgiu em Aacutefrica ela se refez
pelos contatos trocas e pelas resistecircncias lutas e rebeliotildees que protagonizaram em diferentes
regiotildees Como evidenciado na pesquisa de John Thornton (2004) a Aacutefrica exerceu papel cen-
tral no complexo intercontinental atlacircntico
Se ao longo do seacuteculo XX a regiatildeo foi atravessada por diversos conflitos decorrentes
das formas de dominaccedilatildeo instauradas que se prolongam ateacute hoje essas transformaccedilotildees inter-
nas natildeo foram decorrentes somente de particularidades Estatildeo plenamente integradas ao cenaacute-
rio internacional alterando de maneira significativa os conflitos ao longo do seacuteculo XX Tanto
no passado quanto na atualidade os problemas e desafios africanos dramatizam natildeo o seu
descolamento do restante da histoacuteria universal Eacute exatamente o contraacuterio
E se esses argumentos satildeo razoaacuteveis para explicar o interesse da Histoacuteria da Aacutefrica em
um cenaacuterio global muito maior eacute o significado dessa histoacuteria para o caso brasileiro afinal
nossa formaccedilatildeo nossa cultura nossa liacutengua foram fortemente influenciados pelos africanos
que para caacute foram deslocados E esse intercacircmbio marcado por relaccedilotildees violentas de domina-
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ccedilatildeo e resistecircncia natildeo foi somente simboacutelico Ele preencheu diversas dimensotildees da nossa rea-
lidade tornando-se tatildeo nossos que sequer conseguimos pensaacute-los como estranhos Assim
qualquer tentativa de eliminar a contribuiccedilatildeo dessa histoacuteria provoca uma espeacutecie de suiciacutedio
coletivo de nossas heranccedilas culturais de nossas bases identitaacuterias
Somos o paiacutes que por mais tempo e em maior quantidade recebeu africanos
escravizados da histoacuteria do mundo Os cativos trazidos da Aacutefrica que nada
podiam carregar aleacutem de sua memoacuteria e conhecimentos trouxeram para nos-so paiacutes aportes tecnoloacutegicos que vatildeo desde conhecimentos de agricultura
tropical a teacutecnicas de mineraccedilatildeo aleacutem de vaacuterios outros As heranccedilas africa-
nas estatildeo presentes em diferentes aspectos da vida social e cultural brasilei-ras ateacute hoje e conformam aspectos fundamentais da identidade nacional
Nos modos de celebrar na religiosidade na musicalidade no gosto e esteacutetica
brasileiros expressos nos modos de vestir e nas escolhas artiacutesticas ficam evidentes as matrizes culturais que nasceram do outro lado do Atlacircntico Ao
longo de nossa histoacuteria diversas vezes os fatores ligados a processos
e episoacutedios somente podem ser compreendidos se olharmos os dois lados do
oceano que nos une (SOUZA 2014 p 02)
Com efeito ver-se-aacute que essa foi em grande medida a orientaccedilatildeo principal dada agraves
oficinas ministradas junto ao corpo discente da escola selecionada como laboratoacuterio de inves-
tigaccedilatildeo e accedilatildeo nesta dissertaccedilatildeo Se tomarmos como ponto de partida a reflexatildeo criacutetica sobre
os vieses normativos e silenciadores do discurso tradicional eurocecircntrico o foco esteve mais
centrado em mostrar que eacute possiacutevel trabalhar com conteuacutedo da histoacuteria cultura e religiosidade
afro em sala de aula Na medida do possiacutevel procurou-se criar condiccedilotildees para que os estudan-
tes entendessem esse fenocircmeno como algo que se inscreve no cotidiano escolar e encontra-se
difundido socialmente em diversos discursos muito embora a praacutetica e a experiecircncia sejam
sempre mais abertas e fluiacutedas do que possa parecer Na sequecircncia entatildeo demonstra-se como
essas temaacuteticas ganharam espaccedilo no debate puacuteblico em seguida dar um mergulho nos univer-
sos que pretendemos aproximar neste trabalho
12 A cultura afro-brasileira e o espaccedilo escolar
O estudo de Vicentini (2009) nos mostra que o Brasil carrega caracteriacutesticas soci-
ais multieacutetnicas que se inscrevem na proacutepria histoacuteria da constituiccedilatildeo da naccedilatildeo Esse eacute ponto
chave o reconhecimento e respeito da diversidade eacutetnica que nos propotildee ter clareza dos fato-
res constitutivos do pertencimento a uma identidade social dos quais todos participamos A
luta contra a discriminaccedilatildeo eacute uma luta diaacuteria de muitos afro-brasileiros vale dizer que assu-
me tambeacutem a dimensatildeo de uma luta por reconhecimento social e por direitos humanos A luta
contra a rejeiccedilatildeo os preconceitos e intoleracircncias raciais participam desse modo de uma bata-
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lha muito mais ampla a favor do direito agrave diversidade cultural racial linguiacutestica eacutetnica que
se encontra na base da constituiccedilatildeo de nossa coletividade
Evidentemente dada agrave discussatildeo da temaacutetica na atualidade jaacute eacute possiacutevel notar di-
versos avanccedilos principalmente com relaccedilatildeo agrave abertura de espaccedilos de atuaccedilatildeo para a popula-
ccedilatildeo negra Poreacutem eacute preciso reconhecer que ainda persistem diversos obstaacuteculos sociais e ins-
titucionais os quais constituem barreiras para a ascensatildeo social de negros Como bem apon-
tou o antropoacutelogo Kabengele Munanga (2015) os problemas sociais e a condiccedilatildeo que a maio-
ria dos estudantes pobres tem faz com que os mesmos natildeo tenham um bom desenvolvimento
escolar na educaccedilatildeo baacutesica pois se torna difiacutecil o aluno se concentrar nos estudos sem ter se
alimentado direito e sem ter uma estrutura familiar decente
Natildeo se tem registro histoacuterico preciso do dia que o indiviacuteduo de pele negra pocircde
frequentar as escolas regulares no Brasil de forma oficial visto que isto apesar da aboliccedilatildeo
da escravatura satildeo praacuteticas regulamentadas pelos poderosos senhores de engenho que natildeo
permitiam o estudo dos alunos negros nas escolas de suas dependecircncias Contudo a sua per-
manecircncia e acesso nas instituiccedilotildees de ensino satildeo questotildees que necessitam de um debate soci-
al pois fazem diferenccedila a respeito da ascensatildeo social e melhoria de vida do indiviacuteduo e sua
comunidade (ALVES 2007)
Embora as desigualdades raciais natildeo se iniciem na escola nela encontra um terre-
no feacutertil para se reproduzir Eacute na escola enquanto loacutecus do saber formal que as crianccedilas e
adolescentes das classes populares passam a maior parte do tempo-aprendendo toda a histori-
ografia oficial que ressalta a figura do heroacutei bom belo e europeu em detrimento do patrimocirc-
nio cultural de outros povos especialmente do povo africano e indiacutegenas E esse modelo in-
fluencia fortemente na construccedilatildeo da identidade desses alunos causando distorccedilotildees imensas
na sua formaccedilatildeo e comprometendo as relaccedilotildees estabelecidas socialmente
A escola tem uma responsabilidade imensa na discussatildeo sobre educaccedilatildeo e diver-
sidade eacutetnico-cultural pois sua funccedilatildeo social eacute partilhar o conhecimento acumulado pela hu-
manidade com os seus alunos e isso significa partilhar os conhecimentos produzidos pelos
diversos povos que entraram na formaccedilatildeo do povo brasileiro (FRANCO 2008) A lei
1063903 representa uma importante ferramenta para a implementaccedilatildeo das poliacuteticas afirmati-
vas de combate ao racismo e pelas relaccedilotildees eacutetnico-raciais nas escolas contribuindo para que a
sociedade e sobretudo as instituiccedilotildees de ensino venham
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[] reconhecer a existecircncia do afrodescendente seus ancestrais (africanos)
sua trajetoacuteria na educaccedilatildeo brasileira na condiccedilatildeo de sujeitos e na construccedilatildeo da cultura e da sociedade A alteraccedilatildeo da LDB representou um ganho legal e
poliacutetico agora eacute preciso que ele se reflita no acircmbito do ensino e da aprendi-
zagem para que se tenha um resultado eficaz nos campos societaacuterio e educa-tivo (AacuteVILA 2010 p 10)
Como se vecirc a promulgaccedilatildeo da Lei 106392003 a 09 de janeiro de 2003 foi uma
conquista das lutas desenvolvidas pelo movimento negro organizado ao longo dos anos a Lei
busca reconhecer a existecircncia e portanto a histoacuteria do negro no Brasil seus ancestrais africa-
nos e suas contribuiccedilotildees para a educaccedilatildeo e a sociedade brasileira assim professores alunos e
corpo escolar no todo tem a obrigaccedilatildeo histoacuterica de falar de tais temaacuteticas e avanccedilar na cons-
truccedilatildeo de relaccedilotildees raciais mais igualitaacuterias Esse ensino envolve todas as disciplinas do curriacute-
culo escolar incluindo a disciplina de histoacuteria que passa a se tornar uma porta voz da igualda-
de racial
De maneira geral eacute ponto paciacutefico em meios cientiacuteficos que a raccedila natildeo eacute o fator
que determina a superioridade intelectual O que realmente eacute fator determinante eacute o acesso agrave
informaccedilatildeo a produccedilatildeo de conhecimento aos bens materiais tecnoloacutegicos e intelectuais pro-
duzidos na histoacuteria Enquanto a diferenccedila eacute natural a desigualdade constitui um produto intei-
ramente social que se combina agrave naturalizaccedilatildeo do preconceito dos estereoacutetipos e que atuam
como forma de justificar legitimar e consagrar a subordinaccedilatildeo de grupos e atores sociais O
estereoacutetipo eacute a praacutetica do preconceito Eacute a sua manifestaccedilatildeo comportamental O estereoacutetipo
objetiva justificar uma suposta inferioridade justificar a manutenccedilatildeo do status quo e legiti-
mar aceitar e justificar a dependecircncia a subordinaccedilatildeo e a desigualdade (MUNANGA 2005
p 65)
Silva (2010) revela que nos uacuteltimos 30 anos foram realizados accedilotildees que objetivam
a promoccedilatildeo da igualdade nas relaccedilotildees eacutetnico-raciais e que vem cada vez mais ganhando forccedila
no Brasil principalmente no contexto educativo pois atraveacutes das cotas alunos negros conse-
guem ingressar em cursos que antes apenas os mais ricos conseguiam cursar como medicina
engenharia direito Como esclarece o autor a maioria dos negros sempre teve vontade de
estudar ingressar nas escolas aprender novas liacutenguas mas sempre eram impedidos por forccedila
da rejeiccedilatildeo da elite dominante e por natildeo terem paracircmetros legais para se apoiarem Soma-se a
isso a dificuldade de conciliar a dedicaccedilatildeo aos estudos com as exigecircncias do trabalho e da
sobrevivecircncia cuja conciliaccedilatildeo eacute sempre complexa
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A questatildeo eacute que a cultura afro-brasileira sempre foi tratada de forma marginaliza-
da Eacute precisamente contra a maneira seletiva com que a escola privilegiou determinadas for-
mas culturais em detrimento de outras consideradas inferiores e sem nenhum objetivo peda-
goacutegico ou enriquecedor aos conhecimentos dos alunos (ALVES 2007) que a luta a favor da
inclusatildeo da histoacuteria e cultura afro-brasileiras se defronta
Por esse vieacutes eacute o que demonstra o trabalho de Silva (2013) que expotildee o fato de
que ao longo da histoacuteria do Brasil a concepccedilatildeo de que as culturas natildeo brancas eram inferiores
no processo de escolarizaccedilatildeo se conectava a uma representaccedilatildeo negativa das camadas inferio-
res do estrato social onde se concentrou e ainda concentra a maior parte dos negros e descen-
dentes natildeo plenamente integrados a ordem capitalista no Brasil
Natildeo parece ser outra a razatildeo pela qual a Lei 106392003 representa uma espeacutecie
de diacutevida moral e eacutetica paga pelo estado brasileiro aos afro-brasileiros pois obrigar a inclusatildeo
da histoacuteria e cultura do negro nos curriacuteculos das escolas eacute uma decisatildeo justa e de paridade
Conhecer a histoacuteria e cultura afro-brasileira eacute fundamental para elevar o niacutevel de democratiza-
ccedilatildeo racial e isso natildeo se resume somente a identificar o negro no seu contexto mas sim em
valorizar a sua contribuiccedilatildeo e papel dentro da formaccedilatildeo sociocultural brasileira uma socieda-
de plurieacutetnica multicultural que ainda precisa avanccedilar em seus ideais democraacuteticos Nesse
sentido a lei 106392003 constitui uma ferramenta fundamental para fazer com que as pesso-
as repensem suas relaccedilotildees sociais eacutetnico-raciais procedimentos de ensino condiccedilotildees ofereci-
das para aprendizagem instruccedilotildees pedagoacutegicas coerentes e condizente com a realidade Desse
acircngulo o curriacuteculo ganha novos horizontes
Silva (2015) diz que se preocupar com a construccedilatildeo do curriacuteculo eacute uma questatildeo
social que precisa ser discutida publicamente visto que seus paracircmetros acabam por definir
qual tipo de sociedade se deseja atraveacutes da educaccedilatildeo Por essa vida ainda coloca-se em xe-
que algumas ldquoverdadesrdquo construiacutedas sobre a naturalidade e obviedade do curriacuteculo e passa-se
a ter uma visatildeo dele como um constructo social e poliacutetico Nesse sentido importa ressaltar
que toda sociedade deve se mobilizar para garantir o respeito independentemente de sua ori-
gem corraccedila ou religiatildeo As crianccedilas satildeo o futuro do Brasil eacute essencial que elas cresccedilam
absorvendo os significados de diferenccedila de igual de singularplural e que saibam que no
outro poderaacute haver umas dessas caracteriacutesticas mas que quando adulta teraacute o discernimento
de aceitar e respeitaacute-lo como ela eacute
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Vicentini (2009) em seus estudos demonstra que as escolas brasileiras encontram
dificuldades em reconhecer que muitos de seus alunos natildeo se enquadram no perfil determina-
do atraveacutes de uma concepccedilatildeo universal de cultura Por essa razatildeo torna-se necessaacuterio uma
revisatildeo conceitual e estrutural das loacutegicas de produccedilatildeo do saber e do conhecimento no espaccedilo
escolar a fim de oportunizar a valorizaccedilatildeo da diversidade cultural que eacute intriacutenseca agrave nossa
cultura natildeo deixando de valorizar as manifestaccedilotildees culturais da minoria Assim se faz neces-
saacuterio a superaccedilatildeo de uma educaccedilatildeo escolar deslumbrada apenas pela cultura da elite abrindo
espaccedilo para uma escola multiintercultural Em nossa perspectiva isso deve ser o principal
objetivo dos curriacuteculos escolares a garantia de que todos possam se expressar dando vez e
voz agraves diferenccedilas culturais independentemente do niacutevel social de cada indiviacuteduo
Eacute prudente afirmar que atraveacutes da educaccedilatildeo eacute possiacutevel realizar muitas transforma-
ccedilotildees principalmente levar as pessoas a aceitar a diversidade natildeo ter medo do desconhecido
pois no contexto humano tende-se a rejeitar o que natildeo conhecemos para tanto se faz necessaacute-
rio conhecer para poder aceitar Em face disto Silva (2015) nos alerta para a necessidade da
luta pela igualdade pois do contraacuterio a propagaccedilatildeo desenfreada da discriminaccedilatildeo pode levar
agrave situaccedilatildeo limite de instauraccedilatildeo de um conflito civil sem precedentes Poreacutem natildeo basta ape-
nas discutir a diversidade eacutetnico-racial em nosso paiacutes satildeo necessaacuterias accedilotildees concretas para
que o Brasil supere a persistecircncia e profundidade do preconceito racial
Neste sentido a afirmaccedilatildeo da educaccedilatildeo brasileira deve passar pelo debate a re-
formulaccedilatildeo do nosso curriacuteculo sendo ele eacute um dos principais propulsores das accedilotildees pedagoacute-
gicas Em particular cabe reconhecer que o curriacuteculo em voga ainda carrega consigo forte
hegemonia da loacutegica eurocecircntrica a qual sempre privilegiou os saberes e modos de compre-
ensatildeo ocidental e com isso o homem branco cristatildeo de elite marginalizando outras dimen-
sotildees eacutetnicas humanas e socioculturais (OLIVA 2003) Como jaacute mencionado poreacutem aqui
natildeo se trata somente de uma revisatildeo das bases interpretativas de nossa proacutepria cultura e da
maneira como se inscrevem no cotidiano A luta pela revisatildeo do curriacuteculo tambeacutem encontra
direta relaccedilatildeo com a ampliaccedilatildeo do universo de possibilidades para a populaccedilatildeo negra dado
que a escola deteacutem um papel importante no sistema de reproduccedilatildeo das posiccedilotildees sociais na
contemporaneidade (ALVES 2007)
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13 As lutas para afirmaccedilatildeo da Cultura Afro-Brasileira
Eacute inegaacutevel na sociedade brasileira de hoje que o preconceito racial persiste seja
promovido de maneira dissimulada e privada seja assumindo dimensotildees puacuteblicas eou coleti-
vas Sem duacutevida a permanecircncia dessas formas de preconceito e discriminaccedilatildeo e a proacutepria
ausecircncia de identificaccedilatildeo do negro com os conteuacutedos formas e saberes culturais valorizados
no espaccedilo escolar constituem aspectos importantes para entender como os negros satildeo leva-
dos inclusive a se auto excluiacuterem Trata-se aqui de um processo muito eficiente de inculca-
ccedilatildeo da inferioridade de estranhamento reforccedilo da submissatildeo que desde as primeiras etapas
da escolarizaccedilatildeo ateacute os momentos finais incluir-se nos padrotildees de interaccedilatildeo nos conteuacutedos e
nas instituiccedilotildees Isto adquire particular relevacircncia quando se aborda a histoacuteria do Brasil
Neste sentido Silva (2015) nos mostra que a grande maioria da sociedade brasi-
leira conhece somente a histoacuteria da Aacutefrica e do negro que os livros didaacuteticos abordam onde a
ecircnfase principal recai quase que exclusivamente quando o tema eacute escravidatildeo no periacuteodo colo-
nial e imperial chegando ateacute a aboliccedilatildeo da escravidatildeo Passando esse periacuteodo histoacuterico na
praacutetica quase natildeo se aborda ou natildeo se destaca nada a respeito da populaccedilatildeo afro-brasileira
nos livros e perioacutedicos didaacuteticos Quando muito a cultura negra eacute colocada como uma espeacutecie
de plano de fundo das manifestaccedilotildees culturais brasileiras e sua contribuiccedilatildeo subsumida a in-
corporaccedilotildees seletivas na comida expressotildees vestuaacuterio etc Tudo ocorre como se ainda fosse
necessaacuterio escrever a histoacuteria da populaccedilatildeo negra retirando-a do papel de coadjuvante e cap-
tando sua agecircncia capacidade de resistecircncia e luta
Na praacutetica o que se deseja destacar eacute que todas as pessoas satildeo capazes de produ-
zir algo relevante para a sociedade independentemente de sua cultura corraccedila ou credo reli-
gioso Forquin (1993) por exemplo diz que a cultura eacute o conjunto de caracteriacutesticas da ma-
neira como o sujeito vive em sociedade em um grupo em comunidade devendo estas ser
respeitadas por todos
Vicentini (2009) por outro lado define a identidade cultural como uma constru-
ccedilatildeo histoacuterica ininterrupta sendo formada e transformada de maneira continua em detrimento
as formas que somos representadas e ilustrados pelos sistemas culturais que compartilhamos
Quando esse sistema vai se multiplicando nossa ldquoidentidade culturalrdquo eacute confrontada por ou-
tras identidades possiacuteveis onde satildeo verificadas a multiplicidade de combinaccedilotildees com as
quais poderiacuteamos nos identificar e aderir
41
Dado que a nossa situaccedilatildeo se encontra longe da ideal o combate agraves muacuteltiplas
formas de racismo e discriminaccedilatildeo tendeu a assumir rumos diversos Desde o esforccedilo para a
elaboraccedilatildeo de instrumentos juriacutedicos que garantissem direitos aos negros passando pela de-
mocratizaccedilatildeo do sistema poliacutetico ateacute a abertura de vagas no mercado de trabalho e a amplia-
ccedilatildeo do aceso agrave educaccedilatildeo e agrave cultura Em grande medida essas modificaccedilotildees encontram-se as-
sociadas ao papel do movimento negro cujas conquistas em acircmbito puacuteblico natildeo se restringem
simplesmente a essa causa sendo tambeacutem importantes para outros movimentos representati-
vos de minorias
Andrews citado por Alves (2007) demonstra em suas pesquisas que embora o
preconceito seja exercitado predominantemente de maneira opaca e dissimulada mesclando-
se por vezes com outros marcadores sociais a populaccedilatildeo negra eacute consciente de que o pre-
conceito racial existe Em nossa cultura o racismo e discriminaccedilotildees satildeo correntes no cotidia-
no e orientado principalmente pela classificaccedilatildeo associada aos atributos fiacutesicos fenotiacutepicos
O problema eacute que no nosso caso o preconceito estaacute fundamentalmente nos carac-
teres fiacutesicos A discriminaccedilatildeo ldquoculturalrdquo vem a reboque da fiacutesica pois os racistas acham que
ldquotudo que vem de negro de pretordquo ou eacute inferior ou eacute maleacutefico (religiatildeo ritmos haacutebitos etc)
(BENTES Apud MUNANGA 2005 p175)
Nesse ponto talvez seja necessaacuterio esclarecer que em meios cientiacuteficos a tese da
hierarquia entre as raccedilas8 constitui um subproduto largamente questionado cujas bases de
legitimidade foram destruiacutedas desde meados do seacuteculo XX Ateacute entatildeo predominava a visatildeo
de que haveria uma escala evolutiva entre as diferentes raccedilas e nessa reparticcedilatildeo os povos
negros os africanos estariam em posiccedilotildees mais inferiores e atrasadas Hoje ao contraacuterio
sabe-se que raccedila e racismo natildeo constituem mais a base da compreensatildeo cientiacutefica sobre a hu-
manidade poreacutem a questatildeo aqui eacute que essa interpretaccedilatildeo se inscreveu no proacuteprio funciona-
mento das instituiccedilotildees e nas bases interpretativas e classificatoacuterias da realidade Dessa pers-
pectiva ao falar-se em raccedila e racismo natildeo entra em pauta a sua discussatildeo em termos bioloacutegi-
cos mas sociais que envolvem a necessidade de construccedilatildeo de projetos poliacuteticos de modifica-
ccedilatildeo da realidade de desmistificaccedilatildeo de formas de classificaccedilatildeo e etiquetagem dos atores e
8 Raccedila eacute uma construccedilatildeo poliacutetica e social Eacute a categoria discursiva em torno da qual se organiza um sistema de
poder socioeconocircmico de exploraccedilatildeo e exclusatildeo ndash ou seja ndash o racismo Todavia como praacutetica discursiva o
racismo possui uma loacutegica proacutepria Tenta justificar as diferenccedilas sociais e culturais que legitimam a exclusatildeo
racial em termos de distinccedilotildees geneacuteticas e bioloacutegicas isto eacute na natureza (GOMES 2012 p730)
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consequentemente de criacutetica sobre os efeitos desse processo sobre a consciecircncia autoestima
da populaccedilatildeo negra estatisticamente majoritaacuteria no Brasil (ALVES 2007)
Em parte essa revisatildeo se inscreve na proacutepria histoacuteria das Ciecircncias Sociais no Bra-
sil onde intelectuais de diversas procedecircncias e inscritos tanto em instituiccedilotildees cientiacuteficas -
Neves (2006 apud Alves 2007) cita por exemplo os intelectuais posicionados no Instituto de
Pesquisas de Cultura Negra (IPCN) com sede no Rio de Janeiro a Sociedade de Intercacircmbio
Brasil Aacutefrica (SINBA) a Sociedade de Estudo de Cultura Negra no Brasil (SECNEB) O
Grupo de Estudos Andreacute Rebouccedilas (GEAR) entre outros ndash como tambeacutem em Grupos Cultu-
rais de diversos matizes (no estado da Bahia existia o Grupo de Cultura Afro-Brasileira o
Grupo de Teatro Palmares) tem desempenhado um papel importante para a valorizaccedilatildeo da
cultura afro-brasileira Como veremos a seguir essas lutas compotildeem um quadro ainda mais
amplo de engajamentos os quais recolocaram na ordem do dia o tema das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais no espaccedilo escolar sem os quais sequer teriacuteamos condiccedilotildees como as atuais de colocar o
tema das relaccedilotildees eacutetnico-raciais no espaccedilo escolar
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CAPIacuteTULO 2 - RELACcedilOtildeES EacuteTNICO-RACIAIS lutas movimentos e reformas poliacuteti-
cas educacionais
Valeu Zumbi
O grito forte dos Palmares
Que correu terras ceacuteus e mares
Influenciando a Aboliccedilatildeo
Zumbi valeu
Hoje a Vila eacute Kizomba
Eacute batuque canto e danccedila
Jongo e Maracatu
Vem menininha pra danccedilar o Caxambu (bis)
Ocirc ocirc nega mina
Anastaacutecia natildeo se deixou escravizar
Ocirc ocirc Clementina
O pagode eacute o partido popular
Sacerdote ergue a taccedila
Convocando toda a massa
Nesse evento que com graccedila
Gente de todas as raccedilas
Numa mesma emoccedilatildeo
Esta Kizomba eacute nossa constituiccedilatildeo
Que magia
Reza ageum e Orixaacute
Tem a forccedila da Cultura
Tem a arte e a bravura
E um bom jogo de cintura
Faz valer seus ideais
E a beleza pura dos seus rituais
Vem a Lua de Luanda
Para iluminar a rua
Nossa sede eacute nossa sede
De que o Apartheid se destrua
(Rodolpho de Souza Jonas Rodrigues e Luiacutes Carlos da Vila 1988)
Muito embora distante de tornar realidade os movimentos de combate ao racismo as
frases de ordem o ativismo declarado de negros em todo paiacutes nas diferentes performances
intelectuais ou artiacutesticas contra a sociedade e seu sistema escravocrata velado foi que em
1988 ano que o Brasil comemorou o centenaacuterio da aboliccedilatildeo da escravatura a Unidos de Vila
Isabel9 levantou a Marquecircs de Sapucaiacute com o samba enredo ldquoKizomba a festa da raccedilardquo A
9 Grecircmio Recreativo Escola de Samba Unidos de Vila Isabel eacute uma das mais tradicionais escolas de samba da
cidade do Rio de Janeiro Foi campeatilde do Grupo Especial do Carnaval em 1988 2006 e 2013 Em seu brasatildeo haacute a
coroa da Princesa Isabel aonde figuram na parte de cima um resplendor com uma fita azul aonde se encontram
as iniciais da agremiaccedilatildeo (GRESUVI) e na parte de baixo se veem uma clave de sol um pandeiro e a pena de
Noel Rosa A Unidos de Vila Isabel foi fundada em 4 de abril de 1946 (Fonte wwwunidosdevilaisabelcombr)
44
composiccedilatildeo de Rodolpho de Souza Jonas Rodrigues e Luiacutes Carlos da Vila encantou a todos
numa simbiose de reafirmaccedilatildeo e pertencimento a cultura negra sendo decisiva para o tiacutetulo da
escola tornando-se ldquoinstantaneamente um claacutessico do carnaval brasileirordquo (SOUZA 2013
p 1)
Imagem 1- Desfile da Escola de Samba Unidos de Vila Isabel (1988)
Fonte httpwwwpedromigaocombrourodetolo2016011988-kizombaco-da-vila-isabel-e-quem-viu-viu
Acesso em 08 mar 2018
O Samba enredo marcado por um ritmo forte harmocircnico cadenciado envolvente e
convidativo bem proacuteximo das batidas dos atabaques de terreiros de candombleacutes e tantas ou-
tras manifestaccedilotildees da ancestralidade africana a muacutesica trazia uma poesia igualmente intensa
(SOUZA 2013) Jaacute Rezende destacou que a escola se apresentou ativamente transgressora
viva harmoniosa latente e sobretudo festiva agrave comunidade negra
[] posto que buscou desconstruir um dos mais caros mitos da histoacuteria ofici-al brasileira marcadamente ideologizada aquele que atribui agrave generosidade
da princesa Isabel todo o creacutedito e veneraccedilatildeo pelo fim da escravidatildeo no Bra-
sil acentuadamente transcritos nos livros didaacuteticos escolares e secularmente
transferidos para os curriacuteculos e propagada pelas escolas do paiacutes (REZEN-DE 2017 p 155)
Tomado como referecircncia para discutir as relaccedilotildees de Brasil e Aacutefrica num reencontro
que envolvia uma gama de acontecimentos atinentes agrave populaccedilatildeo negra que deram origem a
vaacuterios movimentos de reafirmaccedilatildeo da identidade africana pelo paiacutes Para tanto a referecircncia ao
enredo manifesto natildeo eacute destituiacuteda de relaccedilotildees com o que se discute neste trabalho A mensa-
45
gem que se tenta transmitir agrave populaccedilatildeo brasileira atraveacutes de estrofes e versos inscreve-se em
uma narrativa bem mais ampla de lutas formas de resistecircncia e tentativas de valorizaccedilatildeo do
legado e do patrimocircnio cultural afro-brasileiro Aliaacutes seria necessaacuterio recordar ainda que es-
taacutevamos aqui no ano de 1988 proacuteximos da comemoraccedilatildeo do centenaacuterio da aboliccedilatildeo da escra-
vatura o que constituiu uma oportunidade iacutempar para refletir sobre o processo de integraccedilatildeo
do negro na sociedade brasileira e sobre os efeitos das experiecircncias histoacutericas sobre o presen-
te
Com efeito a anaacutelise mais detalhada desse enredo permite por o manifesto uma dentre
outras formas de comunicar agrave sociedade brasileira sobre a importacircncia da cultura e da identi-
dade negra no paiacutes Isto eacute o que entra em questatildeo a partir de entatildeo satildeo as estrateacutegias adotadas
para ldquoevidenciar as inuacutemeras contribuiccedilotildees para a formaccedilatildeo da naccedilatildeo brasileira com seus
valores e patrimocircnios culturaisrdquo (SANTOS 2010 p 35)
Deste modo satildeo inegaacuteveis as reverberaccedilotildees que o ano de ldquo1988 trouxe [] sendo um
dos aportes para a refundaccedilatildeo do movimento negrordquo (RIOS 2012 p 44) Em boa medida a
ocasiatildeo foi tomada como oportunidade para operar uma criacutetica agraves narrativas consagradas so-
bre a naccedilatildeo e particularmente para demarcar um processo de reflexatildeo coletiva sobre o que
efetivamente deveria ser comemorado Por essa razatildeo o Movimento Negro organizou nesse
ano a marcha contra o racismo e a farsa da aboliccedilatildeo manifestaccedilatildeo que ocorreu no Rio de Ja-
neiro no dia 11 de Maio de 1988 centro da capital carioca
O centenaacuterio da Aboliccedilatildeo em 1988 entrou para a histoacuteria do movimento negro como o
segundo marco nacional da luta antirracista contemporacircneo a onda de manifestaccedilotildees que
questionou a data comemorativa de 13 (treze) de Maio possuiu maior alcance seja porque se
tratava de momento simboacutelico para a naccedilatildeo seja porque foi realizada nas proximidades da
campanha pela reforma constitucional Natildeo era para menos ldquotratava-se de uma oportunidade
poliacutetica francamente aberta para a consolidaccedilatildeo do movimento negro na cena poliacutetica nacio-
nalrdquo (RIOS 2012 p 51)
De acordo com Oliveira (2016) movimento negro refere-se aos diferentes coletivos de
pessoas organizadas na diaacutespora africana com vista criar experiecircncias de poder
Quando falamos em movimento negro nos referimos a coletivos de pessoas que se sentem comprometidos e se organizam nas vaacuterias partes do mundo
onde se deu a diaacutespora africana nas Ameacutericas na Aacutesia na Europa na Oce-
ania e na proacutepria Aacutefrica (na diaacutespora interna) para lutar e criar uma nova situaccedilatildeo de poder em que osas negrosas sejam reconhecidosas e respeita-
dosas como portadores de uma tradiccedilatildeo proacutepria com seus proacuteprios valores
46
civilizatoacuterios herdados dos seus antepassados E que sejam incluiacutedos natildeo
somente na base produtiva dessas sociedades mas tambeacutem na condiccedilatildeo de dirigentes do desenvolvimento social poliacutetico econocircmico e cultural em seus
paiacuteses (OLIVEIRA 2016 p 9 grifo nosso)
Em face disto muito ainda se discute a repercussatildeo que a marcha contra o racismo te-
ve para suscitar algumas discussotildees vez que destacaram para a sociedade brasileira o estado
precaacuterio e socialmente vulneraacutevel de parte da populaccedilatildeo negra
A partir de entatildeo a atuaccedilatildeo poliacutetica de negros parece ter adquirido novo focirclego levan-
tando questotildees natildeo apenas de redistribuiccedilatildeo socioeconocircmica como tambeacutem concernente agrave
bandeira das lutas por reconhecimento e direitos sociais poliacuteticos e civis Assim a combina-
ccedilatildeo dessas lutas foi capaz de produzir efeitos natildeo somente sobre o Estado como tambeacutem in-
terpelou ao proacuteprio movimento agrave esquerda e a populaccedilatildeo brasileira de um modo geral
Eacute na deacutecada de 80 no seacuteculo XX durante o processo de abertura poliacutetica e
redemocratizaccedilatildeo da sociedade que assistimos uma nova forma de atuaccedilatildeo
poliacutetica dos negros e negras brasileiros Estes passaram a atuar ativamente por meio dos novos movimentos sociais sobretudo os de caraacuteter identitaacuterio
trazendo outro conjunto de problematizaccedilatildeo e novas formas de atuaccedilatildeo e
reinvindicaccedilatildeo poliacutetica O Movimento Negro indaga a exclusividade do en-
foque sobre a classe social presente nas reivindicaccedilotildees e denuacutencias da luta dos movimentos sociais da eacutepoca As suas reivindicaccedilotildees assumem um caraacute-
ter muito mais profundo indagam o Estado a esquerda brasileira e os mo-
vimentos sociais sobre o seu posicionamento neutro e omisso diante da cen-tralidade da raccedila na formaccedilatildeo do paiacutes (GOMES 2010 p 2-3)
A tentativa de construccedilatildeo de uma visatildeo mais positiva da identidade negra requisitou
no entanto uma ampliaccedilatildeo do repertoacuterio de atuaccedilatildeo ateacute entatildeo empregado De uma militacircncia
que era mais artiacutestica intelectual cultural e ateacute mesmo microscoacutepica passamos para o quadro
da criaccedilatildeo de um efetivo grupo de pressatildeo que procurou sentar a mesa para elaboraccedilatildeo de
textos legais que dessem expressatildeo e garantias agraves lutas e bandeiras levantadas Foi assim por
exemplo no contexto de formulaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 quando o movimento
negro participou ativamente da discussatildeo de propostas apesar de que
[] natildeo incluiacuteram de fato as reivindicaccedilotildees desse movimento em prol da
educaccedilatildeo Os debates em torno da questatildeo racial realizados entre o Movi-
mento Negro e os parlamentares revelam um processo de esvaziamento do conteuacutedo poliacutetico das reivindicaccedilotildees (RODRIGUES apud GOMES 2011 p
5)
A despeito de que natildeo tenha havido um direcionamento concreto agraves diversas demandas
apresentadas pelo movimento essas iniciativas davam mostras da organicidade e fortaleciam
as condiccedilotildees de coalizatildeo interna bem como a identificaccedilatildeo de canais para encaminhamento
de demandas ao Estado
47
Outra demonstraccedilatildeo puacuteblica da capacidade de mobilizaccedilatildeo e organizaccedilatildeo do movi-
mento foi agrave comemoraccedilatildeo do tricentenaacuterio da morte de Negro Zumbi reunindo aproximada-
mente 30 mil pessoas nas ruas de Brasiacutelia
Bakke (2011) diz que
[] em 1995 por ocasiatildeo das comemoraccedilotildees dos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares os movimentos sociais negros realizaram uma marcha
a Marcha dos 300 anos de Zumbi dos Palmares ateacute Brasiacutelia onde entregaram
uma reivindicaccedilatildeo por poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees afirmativas ao entatildeo presi-
dente da repuacuteblica Fernando Henrique Cardoso Nessa comemoraccedilatildeo o pre-sidente fez um discurso no qual pela primeira vez o Estado brasileiro reco-
nhecia oficialmente a existecircncia do racismo mudando o posicionamento ateacute
entatildeo adotado sem grandes alteraccedilotildees dede a deacutecada de 1930 No ano se-guinte a luta dos movimentos sociais negros tambeacutem aparece na promulga-
ccedilatildeo da Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo (LDB) que reafirma a orienta-
ccedilatildeo de que os curriacuteculos escolares deveriam tratar da participaccedilatildeo dos negros
e indiacutegenas na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (BAKKE 2011 p 9)
Assim as poliacuteticas puacuteblicas afirmativas foram ganhando cena a niacutevel do Estado brasi-
leiro Na deacutecada de 90 do Seacutec XX o movimento negro realiza outra marcha e com frases de
efeitos ldquoReaja agrave violecircncia racialrdquo ldquoNegro tambeacutem quer poderrdquo ldquoPalmares Zumbi Assim
eu resistirdquo ldquoQueremos escola queremos empregordquo ldquoZumbi vive Racismo natildeordquo (RIOS
2012 p 56) a multidatildeo que movimentou Brasiacutelia no Dia 20 de Novembro de 1995 represen-
tava uma massa significativa da populaccedilatildeo brasileira que clamava por justiccedila social As rei-
vindicaccedilotildees concatenadas priorizam o acesso agrave educaccedilatildeo como forma de colaborar para a as-
censatildeo social do negro A partir da Marcha Zumbi dos Palmares as questotildees eacutetnico-raciais
brasileiras entraram em pauta em diferentes niacuteveis governamentais e sociais (DUARTE
2008 p 5)
Imagem 2 - Marcha Zumbi dos PalmaresBrasiacutelia 20 de novembro de 1995
Fonte httpwwwafropresscompostaspid=18405 Acesso em 08032019
48
O objetivo dessa marcha era apresentar ao governo brasileiro o reconhecimento
das injusticcedilas histoacutericas sofridas por esses brasileiros principalmente a falta de acesso agraves poliacute-
ticas afirmativas bem como a criaccedilatildeo de um nuacutecleo de debates que problematizassem ques-
totildees atinentes ao negro no paiacutes Em resposta o Presidente Fernando Henrique Cardoso
(19952003) criou o Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorizaccedilatildeo da Populaccedilatildeo Ne-
gra (GTI Populaccedilatildeo Negra) O movimento havia conseguido influenciar os rumos da luta con-
tra o racismo no paiacutes A data foi fundamental e abriu caminho para a formulaccedilatildeo posterior
das poliacuteticas de accedilotildees afirmativas no Brasil (GELEDEacuteS 2016) Por accedilotildees afirmativas deve-se
compreender que
[] satildeo medidas que buscam o fim de uma seacuterie de desigualdades que foram
sendo produzidas reproduzidas e acumuladas ao longo da histoacuteria humana bem como pretendem compensar as inuacutemeras perdas provocadas pela exclu-
satildeo social discriminaccedilatildeo e marginalizaccedilatildeo dentre outras accedilotildees oriundas do
julgamento por motivos raciais eacutetnicos religiosos de gecircnero Assim a in-
tenccedilatildeo das accedilotildees afirmativas gira em torno da busca por garantir igualdade de oportunidade e tratamento agraves minorias funcionando como primeiro passo
para a inclusatildeo destes nas esferas sociais das quais natildeo fazem parte (SE-
CAD MEC2006 p 26)
Eacute valido ressaltar por outro lado que mesmo em um contexto de marcada nega-
ccedilatildeo de direitos agrave populaccedilatildeo negra a militacircncia procurou sempre atuar em diferentes frentes de
mobilizaccedilatildeo Seja atraveacutes de jornais seja atraveacutes de iniciativas propriamente educacionais
progressivamente foi se constituindo um corpo de agentes dotados de competecircncias e saberes
cruciais para atuar de maneira eficiente junto ao Estado Em torno desse pensamento inuacuteme-
ras accedilotildees de mobilizaccedilatildeo foram realizadas com a finalidade de aproximar agrave populaccedilatildeo negra
para as negociaccedilotildees que tratariam de accedilotildees que levariam o negro para o centro das decisotildees
no uacuteltimo quartel do seacuteculo XX Por exemplo a imprensa brasileira foi intensamente utilizada
como instrumento de suas campanhas Aleacutem disso setores da Frente Negra Brasileira (FNB)
criaram salas de aula de alfabetizaccedilatildeo para os trabalhadores e trabalhadoras negras em diver-
sas localidades (GONCcedilALVES 2000)
[] Nesta trajetoacuteria destacam-se as experiecircncias do Movimento Negro Uni-
ficado (MNU) a partir do fim da deacutecada de 1970 - e seus desdobramentos com a poliacutetica antirracista nas deacutecadas de 1980 e 1990 com conquistas sin-
gulares nos espaccedilos puacuteblicos e privados - das frentes abertas pelo Movimen-
to de Mulheres Negras e do embate poliacutetico impulsionado pelas Comunida-
des Negras Quilombolas Ou seja no percurso trilhado pelo Movimento Ne-gro Brasileiro a educaccedilatildeo sempre foi tratada como instrumento de grande
valia para a promoccedilatildeo das demandas da populaccedilatildeo negra e o combate agraves de-
sigualdades sociais e raciais (SECADMEC 2006 p18 19)
49
Coerentemente com suas reivindicaccedilotildees e propostas histoacutericas que decorrem desde as
ldquomanifestaccedilotildees mais reservadas por conta do sistema ditatorial ateacute as primeiras manifestaccedilotildees
de ruas que ganharam bastante notoriedade com a redemocratizaccedilatildeo do paiacutesrdquo (RIOS 2012 p
52) a lutas empreendidas pelo Movimento Negro tecircm possibilitado ao Estado brasileiro pro-
mover poliacuteticas e programas para a populaccedilatildeo afro-brasileira e valorizar a histoacuteria e a cultura
do povo negro (GOMES 2010 SECADMEC 2006)
Outro componente importante dessa luta que deve ser mencionado diz respeito agrave III
Conferecircncia Mundial contra o racismo a discriminaccedilatildeo a xenofobia e formas correlatas de
intoleracircncia ocorrida em 2001 na cidade de Durban Aacutefrica do Sul De maneira geral somen-
te depois dessa conferecircncia que a adoccedilatildeo de poliacuteticas afirmativas entrou para a agenda poliacutetica
internacional Para o Brasil esse evento foi de grande importacircncia como destaca Munanga
(2015)
Depois da Conferecircncia de Durban o Brasil oficial engajou-se como natildeo se vira antes na busca dos caminhos para a execuccedilatildeo da Declaraccedilatildeo dessa Con-
ferecircncia da qual foi um dos paiacuteses signataacuterios A declaraccedilatildeo previa a imple-
mentaccedilatildeo das poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa inclusive as cotas em benefiacutecio
dos negros iacutendios e outras chamadas minorias As polecircmicas e controveacutersias a respeito dessas poliacuteticas satildeo indicadores das realidades de uma sociedade
que ainda vive entre o mito e os fatos ou melhor que confunde o mito e os
fatos ou seja onde o mito funciona como verdadeira realidade (MUNAN-GA 2015 p 137)
Com efeito a instituiccedilatildeo da Lei 1063903 que foi confirmada e ampliada pela lei
116452008 constituiacuteram demonstraccedilotildees concretas de compromisso do Estado Brasileiro com
a questatildeo muito embora sua implementaccedilatildeo ainda seja insuficiente como seraacute exposto mais
adiante Segue abaixo os objetivos da lei 1063903
Lei Nordm 106392003 Altera a Lei nordm 9394 de 20 de dezembro de 1996 que estabelece as diretri-
zes e bases da educaccedilatildeo nacional para incluir no curriacuteculo oficial da Rede de
Ensino a obrigatoriedade da temaacutetica ldquoHistoacuteria e Cultura Afro-Brasileirardquo E
daacute outras providecircncias O PRESIDENTE DA REPUacuteBLICA Faccedilo saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei
Art 1ordm - A Lei no 9394 de 20 de dezembro de 1996 passa a vigorar acres-
cida dos seguintes arts 26-A 79-A e 79-B Art 26-A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e
particulares torna-se obrigatoacuterio o ensino sobre Histoacuteria e Cultura Afro-
Brasileira sect 1ordm O conteuacutedo programaacutetico a que se refere o caput deste artigo incluiraacute o
estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dos Africanos a luta dos negros no Brasil a
cultura negra brasileira e o negro na formaccedilatildeo da sociedade nacional resga-
tando a contribuiccedilatildeo do povo negro nas aacutereas social econocircmica e poliacutetica pertinente agrave Histoacuteria do Brasil
50
sect 2ordm Os conteuacutedos referentes agrave Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira seratildeo mi-
nistrados no acircmbito de todo o curriacuteculo escolar em especial nas aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica e de Literatura e Histoacuteria Brasileira
sect ldquo3ordm - (Vetado)rdquo ldquoArt 79-A - (Vetado)rdquo ldquoArt 79-B - O calendaacuterio escolar
incluiraacute o dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciecircncia Negrardquo Art 2ordm - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicaccedilatildeo
(Brasiacutelia 9 de janeiro de 2003 182ordm da Independecircncia e 115ordm da Repuacuteblica
LUIZ INAacuteCIO LULA DA SILVA Cristoacutevan Ricardo Cavalcanti Buarque (BRASIL DOU 10 de jan de 2003)
Diante da publicaccedilatildeo de tal legislaccedilatildeo o Conselho Nacional de Educaccedilatildeo aprovou o
Parecer CNECP 32004 que institui as Diretrizes Curriculares para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees
Eacutetnico-Raciais e o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas a serem executa-
das pelos estabelecimentos de ensino de diferentes niacuteveis e modalidades cabendo aos siste-
mas de ensino orientar e promover a formaccedilatildeo de professores e professoras e supervisionar o
cumprimento das Diretrizes Curriculares Nacionais Pode-se compreender segundo esse do-
cumento que relaccedilotildees eacutetnico-raciais satildeo aquelas criadas por sujeitos de diferentes grupos par-
tindo de ideias conceitos e informaccedilotildees sobre as diferenccedilas raciais percebendo suas seme-
lhanccedilas criando desta forma um sentimento de pertencimento racial
Com efeito esse debate culminou em diversas propostas de implementaccedilatildeo de accedilotildees
para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais conforme suscitado pela Secretaria de Educa-
ccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SECADMEC) Estas propostas assumiriam o
rol de orientaccedilotildees para a implementaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais com abrangecircncia em to-
dos os niacuteveis de ensino nas instituiccedilotildees puacuteblicas e particulares do territoacuterio nacional Entre os
diferentes princiacutepios que presidiram a produccedilatildeo desses documentos vale destacar os seguin-
tes
Socializaccedilatildeo e visibilidade da cultura negro-africana
Formaccedilatildeo de professores com vistas agrave sensibilizaccedilatildeo e agrave construccedilatildeo de es-trateacutegias para melhor equacionar questotildees ligadas ao combate agraves discri-
minaccedilotildees racial de gecircnero e agrave homofobia
Construccedilatildeo de material didaacutetico-pedagoacutegico que contemple a diversidade
eacutetnico-racial na escola Valorizaccedilatildeo dos diversos saberes
Valorizaccedilatildeo das identidades presentes nas escolas sem deixar de lado esse
esforccedilo nos momentos de festas e comemoraccedilotildees (SECADMEC 2006 p 24)
Seja como for muito embora a Lei tenha vindo como um ajuste de contas ela natildeo teve
o dinamismo das lutas realizadas para sua implementaccedilatildeo No estado do Maranhatildeo por
exemplo que apresenta o terceiro maior percentual de residentes autodeclarados como negros
51
(perde apenas para o Paraacute e a Bahia) as poliacuteticas de afirmaccedilatildeo voltadas para a populaccedilatildeo
afrodescendentes ainda natildeo foram desenvolvidas tatildeo sistematicamente quanto se esperava
O Plano Estadual de Educaccedilatildeo (PEE) que eacute uma exigecircncia federal eacute pouco
conhecido pelos professores da rede estadual e embora traga um diagnoacutestico
realista com base nesses indicadores educacionais e destaque nas metas e estrateacutegias formas de reparar essa realidade natildeo eacute utilizado na praacutetica Esse
plano foi construiacutedo pelo Foacuterum Estadual de Educaccedilatildeo atraveacutes de vinte con-
ferecircncias intermunicipais e aprovadas no governo de Roseana Sarney atra-
veacutes da Lei nordm 10099 de 11 de junho de 2014 (SANTOS 2018 p)
Apesar disso o governo do Estado em conjunto com intelectuais autoridades e pes-
quisadores tem tentado implementar o Plano Estadual de Poliacutetica de Promoccedilatildeo da Igualdade
Eacutetnico-Racial (2006) bem como promovido conferecircncias com regularidade para debater so-
bre a promoccedilatildeo de iniciativas voltadas agrave populaccedilatildeo negra do Estado
Como em todo o resto no entanto se de um lado convivemos com avanccedilos significa-
tivos no plano legal a verdade concreta eacute que no plano do cotidiano escolar ainda convivemos
com uma inclusatildeo muito limitada a momentos estanques comemorativos e com teor folcloacuteri-
co estando muito aqueacutem de uma inserccedilatildeo interdisciplinar como preconizado pelo texto legal
Sob a perspectiva assumida neste trabalho a valorizaccedilatildeo do respeito agrave diferenccedila que estaacute na
base do multiculturalismo teve evidentes vitorias no campo das poliacuteticas puacuteblicas no Brasil e
na Ameacuterica Latina Ocorre que quando observamos o cotidiano das instituiccedilotildees e estudamos
as culturas escolares especiacuteficas percebemos que elas ainda reproduzem as formas escolares
hegemocircnicas que satildeo atravessadas por uma concepccedilatildeo que naturaliza a desigualdade as hie-
rarquias e as concepccedilotildees racializada da realidade
Nesse sentido
Espera-se que ao longo dos anos o caraacuteter emergencial dessa medida de
accedilatildeo afirmativa decirc lugar ao seu total enraizamento enquanto lei nacional a ponto de passar a fazer parte do imaginaacuterio pedagoacutegico e da poliacutetica educa-
cional brasileira e natildeo mais ser vista como uma legislaccedilatildeo especiacutefica Nesse
caso entendida como Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional a Lei nordm 1063903 poderaacute garantir aquilo que os defensores das accedilotildees afirmativas
pleiteiam ou melhor que as poliacuteticas universais brasileiras incluam e garan-
tam de forma expliacutecita o direito agrave diferenccedila (GOMES 2010 p 21)
Atento ao quadro sob observaccedilatildeo que combina deficiecircncias estruturais carecircncias de
materiais especializados obstaacuteculos decorrentes da proacutepria formaccedilatildeo dos professores e as
resistecircncias oriundas do acircmbito propriamente escolar ndash cada vez mais atravessado por uma
accedilatildeo ostensiva das igrejas evangeacutelicas notadamente ndash concebemos este trabalho como uma
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singela contribuiccedilatildeo para melhoria desse quadro cuja razatildeo de ser deriva do engajamento do
autor desse trabalho como pessoa e profissional no espaccedilo em pauta
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CAPIacuteTULO 3- DA ESCOLA PARA OS TERREIROS normas experiecircncias e percep-
ccedilotildees sobre as religiotildees afro-brasileiras
Este capiacutetulo assume uma dimensatildeo muito mais diagnoacutestica sobre o funcionamento da
cultura escolar em pauta A comeccedilar pelo fato de tentar discuti-la a partir da descriccedilatildeo dos
paracircmetros e normas que moldam o curriacuteculo com atenccedilatildeo particular aos significados e desa-
fios da implementaccedilatildeo da Lei 1063903 Ocorre que a exploraccedilatildeo dessa cultura escolar requi-
sita ainda que efetuemos uma caracterizaccedilatildeo mais detalhada do espaccedilo de anaacutelise da estrutura
do estabelecimento escolar e tambeacutem das percepccedilotildees que seus atores tecircm a respeito da inclu-
satildeo de temas relacionada agrave histoacuteria cultura e religiosidade africana e afro-brasileira no espaccedilo
escolar Neste caso recorremos tanto agrave aplicaccedilatildeo de questionaacuterios estruturados com alunos e
professores (disponiacuteveis nos anexos da dissertaccedilatildeo) como tambeacutem estabelecemos diaacutelogo
com docentes atuais e que jaacute passaram pela instituiccedilatildeo para entendermos como eles percebe
(ia)m a relaccedilatildeo entre a escola e os terreiros O tiacutetulo do capiacutetulo da escola para os terreiros
representa pois a tentativa de compreender como na escola em estudo para anaacutelise com a
proximidade geograacutefica e relacional com os diversos terreiros do entorno eacute pensada concebi-
da e que iniciativas foram executadas ao longo do processo
Como seraacute visto a despeito de haver resistecircncias e ateacute mesmo certo despreparo teacutecnico
os tracircnsitos de agentes os ajustes de loacutegicas e as negociaccedilotildees satildeo antigos o que levanta o
problema das ineacutercias educativas para coordenaccedilatildeo desse processo Por essa razatildeo na uacuteltima
parte do capiacutetulo exploramos a experiecircncia de realizaccedilatildeo de oficinas que ministramos na esco-
la e que estiveram na base da produccedilatildeo do material didaacutetico que acompanha a presente disser-
taccedilatildeo
31 As mutaccedilotildees no curriacuteculo e o desafio de implementaccedilatildeo da Lei 106392003
O papel fundamental da educaccedilatildeo no desenvolvimento das pessoas e das so-
ciedades amplia-se ainda mais no despertar do novo milecircnio e aponta para
a necessidade de se construir uma escola voltada para a formaccedilatildeo de cida-
datildeos Vivemos numa era marcada pela competiccedilatildeo e pela excelecircncia em que progressos cientiacuteficos e avanccedilos tecnoloacutegicos definem exigecircncias novas
para os jovens que ingressaratildeo no mundo do trabalho ldquoTal demanda impotildee
uma revisatildeo dos curriacuteculos que orientam o trabalho cotidianamente reali-zado pelos professores e especialistas em educaccedilatildeo do nosso paiacutesrdquo
(Paulo Renato Souza Ministro da Educaccedilatildeo e do Desporto PCNrsquos 1998
p 5)
54
As escolas brasileiras ao longo da sua construccedilatildeo vecircm debatendo sobre o curriacuteculo no
que se refere agrave distribuiccedilatildeo de conteuacutedos sobretudo com questotildees que englobam a temaacutetica
do respeito agraves diferenccedilas dentro do espaccedilo escolar Como pudemos demonstrar no capiacutetulo
anterior essa discussatildeo natildeo eacute recente e resulta em grande medida da atuaccedilatildeo importantiacutessi-
ma do movimento negro
Nessa perspectiva para manter uma estrutura de ensino minimamente aproximada das
verdadeiras aspiraccedilotildees da educaccedilatildeo as escolas devem se basear em propostas que orientem
efetivamente para o exerciacutecio da cidadania e estejam adaptadas agraves peculiaridades do contexto
em pauta conforme orientam os Paracircmetros Curriculares Nacionais que satildeo
[] diretrizes elaboradas com o objetivo principal de orientar os educadores por
meio da normatizaccedilatildeo de alguns fatores fundamentais concernentes a cada discipli-na [] no exerciacutecio da cidadania Embora natildeo sejam obrigatoacuterios os PCNrsquos ser-
vem como norteadores para professores coordenadores e diretores que podem
adaptaacute-los agraves peculiaridades locais [] para a transformaccedilatildeo de objetivos conteuacute-
dos e didaacutetica do ensino (BRASIL PCNrsquos 1998 p 11 grifo nosso)
Com o objetivo de apresentar instrumentos mencionamos os paracircmetros na visatildeo de
um professor da rede municipal de Ensino de Cururupu- MA Para o docente
Paracircmetros satildeo orientaccedilotildees para os professores seguirem na medida em que desenvolvem atividades em sala de aula com o objetivo de propiciar um en-
sino moderadamente eficaz apesar de que isso natildeo seja colocado em praacutetica
(Professor Edivaldo Rodrigues julho de 2018) 10
Conceitualmente os paracircmetros orientam praacuteticas de ensino das disciplinas e aborda-
gens de seus conteuacutedos com o objetivo de aprimorar habilidades e competecircncias no corpo
discente No que tange ao Ensino de Histoacuteria prescreve orientaccedilotildees para que a escola apren-
da a reconhecer e valorizar a ldquopluralidade do patrimocircnio sociocultural brasileirordquo e ao mes-
mo tempo conhecer tambeacutem os ldquoaspectos socioculturais de outros povos posicionando-se
contra qualquer discriminaccedilatildeo []rdquo (OLIVA 2009 p 145)
Desse modo esses documentos objetivam orientar o professor quanto agrave necessidade de
trabalhar a diversidade presente na escola os elementos que a formatam a pluralidade de sa-
beres existentes nos grupos Eacute interessante observar o descompasso entre aquilo que eacute apre-
sentado nos documentos legais geralmente trabalhados de maneira superficial ou para preen-
cher determinados rituais pedagoacutegicos (SANTOS 2015) e as formas praacuteticas de exerciacutecio nas
diferentes configuraccedilotildees escolares Quando se observa de maneira mais aproximada o cotidi-
ano escolar ainda tendo em vista o descompasso supramencionado o que se percebe eacute que
10 Edivaldo Rodrigues professor da Rede Municipal de Ensino de Cururupu trabalha com a disciplina Liacutengua
Portuguesa na Unidade Integrada Herculana Vieira I
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mesmo naqueles casos em que haacute um esforccedilo para aplicaccedilatildeo de novas praacuteticas pedagoacutegicas
ocorrem vaacuterios problemas sejam eles oriundos da formaccedilatildeo da disposiccedilatildeo dos profissionais
ou ateacute mesmo do caraacuteter meramente pragmaacutetico e superficial como que essas diretrizes satildeo
implementadas
O professor eacute o principal agente de transmissatildeo dos conhecimentos dentro da sala de
aula dessa maneira merece atenccedilatildeo especial quanto a novos conteuacutedos a serem repassados
aos alunos No que se refere agrave Cultura Afro-Brasileira esse cuidado deve ser ainda maior
pois se torna essencial que o educador compreenda as implicaccedilotildees propriamente poliacuteticas que
perpassam o processo de ensino-aprendizagem Sem duacutevida essa decisatildeo estaacute no princiacutepio de
sua atuaccedilatildeo pedagoacutegica e tende a refletir-se sobre a maneira como a desigualdade e injusticcedila
social satildeo tratadas dentro da escola No cotidiano escolar eacute fundamental que a educaccedilatildeo seja
antirracista visando agrave erradicaccedilatildeo das discriminaccedilotildees dos preconceitos e de tratamentos dife-
renciados Ocorre que o espaccedilo escolar ainda continua repassando ideias e estereoacutetipos pre-
concebidos independente da forma de disseminaccedilatildeo (material didaacutetico e de apoio meio de
comunicaccedilatildeo corpo docente e discente dentre outros) Essas manifestaccedilotildees devem ser criti-
cadas com fervor e principalmente banidas do meio social dado que se conectam a manuten-
ccedilatildeo do preconceito e de comportamentos discriminatoacuterios que reforccedilam a desigualdade social
como menciona Cavalleiro (2001)
[] na educaccedilatildeo nem sempre os agentes estatildeo conscientes de que a manu-
tenccedilatildeo dos preconceitos seja um problema Dessa forma interiorizamos ati-
tudes e comportamentos discriminatoacuterios que passam a fazer parte do nosso
cotidiano mantendo eou disseminando as desigualdades sociais (CA-
VALLEIRO 2001 p 152)
A praacutetica pedagoacutegica nesse sentido precisa ser eminentemente poliacutetica e consciente
do seu papel central no combate ao racismo ao preconceito agrave discriminaccedilatildeo e agraves demais ma-
neiras de classificaccedilatildeo social negativa Sob nossa perspectiva o cotidiano escolar pode ser um
meio eficiente de dispersatildeo ou dissipaccedilatildeo de atos preconceituosos Portanto quando se assu-
me uma postura contraacuteria agrave desigualdade e segue-se rumo agrave visatildeo de paridade entre as pesso-
as compreende-se que a escola tambeacutem tem esse papel pois eacute um aparelho ideoloacutegico efici-
ente na formaccedilatildeo social (ALVES 2007)
Nesse sentido cabe a todos os integrantes da escola - professores apoio pedagoacutegico
diretores funcionaacuterios comunidade - colocarem em exerciacutecio as determinaccedilotildees da Lei ndeg
106392003 concernentes agrave Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africana Dessa maneira o
professor deve estar sempre atento aos conteuacutedos que devem ser ensinados sobre a cultura
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afro-brasileira precisando pesquisar e implementar o que determina os Paracircmetros Curricula-
res Nacionais Evidentemente isto se conecta a uma percepccedilatildeo renovada do curriacuteculo enten-
dido como meio para a construccedilatildeo de identidade e valorizaccedilatildeo da dignidade e diferenccedila
Segundo Antocircnio Flaacutevio Barbosa Moreira e Vera Maria Candau(2007)
[] O curriacuteculo representa assim um conjunto de praacuteticas que propiciam a produccedilatildeo a circulaccedilatildeo e o consumo de significados no espaccedilo social e que
contribuem intensamente para a construccedilatildeo de identidades sociais e cultu-
rais O curriacuteculo eacute por consequecircncia um dispositivo de grande efeito no
processo de construccedilatildeo da identidade do (a) estudante (CANDAU MO-REIRA 2006 p 28)
O curriacuteculo como criaccedilatildeo simboacutelica no fazer pedagoacutegico permeia as atividades de
criaccedilatildeo recriaccedilatildeo contestaccedilatildeo e transgressatildeo dos saberes possibilitando significados e nego-
ciaccedilotildees De acordo com Medeiros (2017 p 41) ldquoO curriacuteculo como hoje se apresenta remonta
em certa medida agraves deacutecadas de 1920 e 1930 periacuteodo de eminentes mudanccedilas culturais no
Brasil sobretudo transformaccedilotildees econocircmicas e poliacuteticas
Nesse cenaacuterio em que debates acalorados sobre a educaccedilatildeo ocorriam em diferentes
espaccedilos fortes influecircncias dos Estados Unidos e da Europa foram basilares para a construccedilatildeo
de pautas que debatessem o curriacuteculo como proposta passiacutevel de mudanccedilas Autores ligados
ao pragmatismo e a Escola Nova lanccedilaram propostas que debatiam sobre o curriacuteculo e os con-
teuacutedos como forma de pensar uma educaccedilatildeo mais acessiacutevel tanto em termos de acesso fiacutesi-
co como na redistribuiccedilatildeo de temas a serem trabalhados em sala de aula (PACHECO 2005)
Eacute vaacutelido ressaltar que as primeiras publicaccedilotildees no Brasil referentes ao curriacuteculo satildeo
realizadas entre as deacutecadas de 1950 e 1960 tendo autores como Joatildeo Roberto Moreira e Ma-
rina Couto Entre as deacutecadas de 1970 e 1980 surgem representantes no cenaacuterio nacional com
pensamento voltado para o tecnicismo e pensadores como Baacuterbara Freitag e Luiz Antocircnio
Cunha que apresentavam um pensamento criacutetico (MEDEIROS 2017) Soma-se a esse grupo
ainda um conjunto de outros intelectuais que defendiam uma construccedilatildeo do curriacuteculo atenta agrave
realidade escolar baseando-se na realidade social dos seus estudantes como visto nas pers-
pectivas pedagoacutegicas e propostas de teoacutericos da pedagogia como Paulo Freire (1996) e De-
merval Saviani (1999)
A despeito disso como demonstra Nilma Lino Gomes (2012) ao comentar sobre
a histoacuteria do curriacuteculo e da descolonizaccedilatildeo ainda eacute necessaacuterio lidar com um curriacuteculo ainda
formulado com base em padrotildees eurocecircntricos e a proacutepria formaccedilatildeo dos professores constitui
outro entrave para esse processo de superaccedilatildeo Como tambeacutem ressalta Aacutevila
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[] uma das razotildees que se constata eacute a organizaccedilatildeo curricular dos cursos de
formaccedilatildeo de docentes o que vimos satildeo curriacuteculos ainda muito teacutecnicos que natildeo favorecem nem preparam o professor para a valorizaccedilatildeo plural da cultu-
ra Os curriacuteculos estatildeo ligados e refletem o que preconizam as camadas do-
minantes da sociedade que congelam as identidades e reproduzem a desi-gualdade social (AacuteVILA 2010 p 46)
Nesse quadro sem duacutevida a implementaccedilatildeo da Lei ndeg 106392003 pode ser lida como
uma conquista concreta realizada ao longo de anos e por intermeacutedio de vaacuterios atores individu-
ais e coletivos para valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira em meios escolares De um ponto de
vista praacutetico contribui para ldquoconstruccedilatildeo e viabilizaccedilatildeo de novos acordos sociais por meio do
qual a valorizaccedilatildeo formal da cultura negra eacute reconhecida como uma das matrizes da sociedade
brasileirardquo (BAKKE 2011 p 62)
A Lei 106392003 reformula o curriacuteculo oficial pois eacute atraveacutes deste que satildeo escolhi-
das as propriedades do que ensinar ou natildeo nas escolas brasileiras O curriacuteculo educacional eacute
estruturalmente a manifestaccedilatildeo das poliacuteticas oficialmente aceitas em uma sociedade pois
condensa o estado das lutas poliacuteticas e sociais no formato de regras e conteuacutedos legitimados
Desnecessaacuterio dizer que os conteuacutedos e saberes consagrados celebram direta e tacitamente as
concepccedilotildees de mundo dos dominantes Na praacutetica a expectativa era de que essa lei consoli-
dasse o compromisso da escola e dos seus profissionais com a formaccedilatildeo para a cidadania for-
talecendo competecircncias para o respeito agrave diversidade e a valorizaccedilatildeo dos diferentes atores e
culturas que estiveram na base da formaccedilatildeo social do Brasil (SANCHEZ 2017)
Mesmo que exista uma vasta literatura acadecircmica no campo do pensamento social bra-
sileiro que ateste a influecircncia da cultura africana e a sua inestimaacutevel contribuiccedilatildeo para a for-
maccedilatildeo da sociedade brasileira ainda eacute fato que no cotidiano essa heranccedila ainda eacute rechaccedilada e
rejeitada com variaccedilotildees obviamente em cada configuraccedilatildeo territorial Eacute precisamente nesse
sentido que a obrigatoriedade de trabalhar com essa cultura adquire pleno sentido exigindo
que as instituiccedilotildees brasileiras de ensino baacutesico sejam compelidas a incluir no seu curriacuteculo o
ensino de Histoacuteria e da Cultura afro-brasileira e Africana como um tema transversal (ALVES
2007)
Esse contexto traz aspectos pertinentes com relaccedilatildeo agrave dignidade da pessoa humana
Poreacutem quando avaliada do acircngulo das suas condiccedilotildees de implementaccedilatildeo passamos a perce-
ber que ela ainda constitui um desafio concreto para a atuaccedilatildeo docente
As questotildees eacutetnico-raciais ao lado da Lei 1063903 suscitam na educaccedilatildeo
desafios e tensotildees na dimensatildeo cognitiva e subjetiva dos docentes e nos es-
paccedilos escolares Por outro lado a Lei natildeo eacute de faacutecil aplicaccedilatildeo pois trata de
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questotildees curriculares que satildeo conflitivas desconsideradas muitas vezes pois
questionam e desconstroem saberes histoacutericos considerados como verdades inabalaacuteveis (AacuteVILA 2010 p 69)
E isto por vaacuterios motivos Gentile apud Alves (2007) por exemplo revela que a des-
qualificaccedilatildeo da cultura africana eacute constantemente refletida em sala de aula pois a discrimina-
ccedilatildeo eacute tambeacutem percebida pelo fato que o segundo maior continente do mundo apresenta a
literatura africana apenas quando trata o tema ldquoescravidatildeordquo natildeo divulgando a riqueza literaacute-
ria e o conhecimento da capacidade intelectual do negro De maneira semelhante a importacircn-
cia do afrodescendente tambeacutem natildeo eacute explorada com toda a sua riqueza
Poreacutem como vimos anteriormente se as formas escolares hegemocircnicas se encontram
estruturalmente ligadas agrave reproduccedilatildeo dos padrotildees e formas culturais dominantes a reformula-
ccedilatildeo da produccedilatildeo do saber escolar com base na inclusatildeo dos elementos anteriormente tratados
como marginais natildeo deixa de suscitar resistecircncias mais ou menos conscientes em que pese os
inegaacuteveis avanccedilos institucionais E aqui talvez se encontre um dos principais dilemas do pro-
cesso em anaacutelise Enquanto por um lado constata-se uma seacuterie de avanccedilos ao niacutevel propria-
mente juriacutedico-poliacutetico o mesmo natildeo ocorre no padratildeo cotidiano de interaccedilotildees face a face
dentro do espaccedilo escolar Primeiramente porque a proacutepria configuraccedilatildeo do Estado brasileiro
parece ter sido orientada por criteacuterios racializados cuja inscriccedilatildeo nas instituiccedilotildees constitui um
dos principais entraves para a implementaccedilatildeo praacutetica da referida Lei (SANCHEZ 2017)
Nestes aspectos funda-se o desejo de uma consciecircncia histoacuterica e poliacutetica da aceitaccedilatildeo
da diversidade que nos leve agrave compreensatildeo e agrave aceitaccedilatildeo dos sujeitos integrantes e partiacutecipes
de nossa formaccedilatildeo social Como ressalta Borges (2010) grupos distintos eacutetnico-raciais que
satildeo dotados de cultura e histoacuterias diferentes devem ter o mesmo valor na conjuntura social
Neste sentido conveacutem apoiar as medidas que visem agrave preservaccedilatildeo dos seus princiacutepios identi-
taacuterios e que visem agrave garantia do respeito agrave proacutepria diversidade e ao conviacutevio muacutetuo Ou seja a
educaccedilatildeo escolar deve servir agrave tarefa puacuteblica de oportunizar aos diferentes atores sociais os
conhecimentos e as ferramentas para garantia de direitos oferecendo as condiccedilotildees para o efe-
tivo exerciacutecio da cidadania
Dada agrave importacircncia do saber escolar nesse cenaacuterio eacute fundamental que os professores
estejam aptos para dispor de estrateacutegias e propostas de aprendizado que levem o aluno a refle-
tir criticamente sobre seu contexto social que alicercem a responsabilidade com os princiacutepios
eacuteticos de respeito agrave diferenccedila e que agucem o senso criacutetico dos estudantes para quando neces-
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saacuterio discutirem contestarem em toacutepicos e questotildees que natildeo dizem somente respeito ao in-
diviacuteduo em particular como tambeacutem ao universo social mais amplamente considerado
Como enfatiza Alves (2007) as escolas devem cumprir de forma detalhada as poliacuteticas
educacionais instituiacutedas pelas leis em vigor principalmente as que reconhecem e dignificam a
diversidade eacutetnico-racial Assim constituem-se os paracircmetros institucionais e reforccedilam-se os
princiacutepios que moldam o respeito agrave diversidade cultural na educaccedilatildeo Sanchez (2017) por
outro lado faz uma anaacutelise histoacuterica das poliacuteticas e praacuteticas da educaccedilatildeo brasileira demons-
trando o quanto de avanccedilo ocorreu no sentido da criaccedilatildeo de formas de consciecircncia poliacutetica
cidadatilde muito embora assevere que com relaccedilatildeo aos menos favorecidos a sociedade com
todas as transformaccedilotildees que teve ainda natildeo foi capaz de superar a desigualdade racial
Eacute importante reconhecer que a Lei de ndeg 1063903 natildeo estabelece privileacutegios tam-
pouco prioridade mas tem como foco colocar de forma justa a histoacuteria do negro no Brasil
reconhecendo principalmente as injusticcedilas sofridas ao longo da histoacuteria e criminalizando os
atos de racismo Neste sentido as escolas devem se adequar a determinaccedilatildeo desta lei ampli-
ando seu curriacuteculo para proporcionar aos estudantes praacuteticas que contribuam para o reconhe-
cimento e o resgate histoacuterico cultural dos povos africanos no Brasil trazendo agrave tona os discur-
sos da diversidade raciais culturais sociais e econocircmicos existentes no nosso paiacutes (FERRAZ
2011)
Borges (2010) diz que a instauraccedilatildeo da Lei nordm 106392003 foi um momento impar na
histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira e de fundamental importacircncia para o ensino da diversidade
cultural nas escolas do nosso paiacutes jaacute que em seus aspectos mais amplos preza pela valoriza-
ccedilatildeo da diversidade cultural e histoacuterica do povo afrodescendente Jaacute estava mais do que na hora
do Estado brasileiro elaborar uma ferramenta para reparar os danos histoacutericos causados aos
negros no Brasil haacute mais de cinco seacuteculos como conclui
Para Ferraz (2011) o debate sobre a lei proporcionou um avanccedilo significativo nas rela-
ccedilotildees eacutetnico-socais no Brasil portanto abriu um leque de opccedilotildees de atuaccedilatildeo da afirmaccedilatildeo posi-
tiva das culturas no campo educacional o tema vem sendo proporcionalmente divulgado o
acesso agrave internet aos livros didaacuteticos a literatura figuras imagens e muitos exemplos do
povo negro que sem duacutevida tornou e torna as aulas mais reflexivas e ricas conceitualmente
Sabe-se que a Lei 106392003 eacute apenas mais uma arma na luta que se trava a deacutecadas que
vem sendo construiacutedas concomitantemente nas escolas brasileiras demonstrando a voz e a
forccedila dos grupos discriminados no cenaacuterio nacional
60
32 Descrevendo a instituiccedilatildeo escolar histoacuterias atores e experiecircncias
O municiacutepio de Cururupu compotildee uma das 217 unidades administrativas do Estado do
Maranhatildeo estando localizado no litoral ocidental a 465 km da capital Satildeo Luiacutes O local onde
hoje se encontra a sede do municiacutepio era originariamente habitado pelos iacutendios tupinambaacutes
cujo cacique do grupo era conhecido como Cabelo de Velha nome hoje dado a uma baiacutea proacute-
xima a sede (IBGE 2010) Seu povoamento teve iniacutecio por volta de 1816 a partir das entradas
chefiadas por Bento Maciel Parente que subjugou os iacutendios tupinambaacutes ali aldeados matando
o cacique Cabelo de Velha Os iacutendios sobreviventes deste massacre abandonaram a terra de-
vida agrave impossibilidade de conviacutevio com o homem branco A partir daiacute portugueses vindos de
Guimaratildees comeccedilaram a povoar a regiatildeo dando iniacutecio ao ciclo das grandes fazendas onde se
fabricavam farinha de mandioca accediluacutecar e aguardente usando engenhos a vapor (IBGE 2010)
Quanto agrave origem do nome nenhuma das explicaccedilotildees disponiacuteveis eacute aceita unanime-
mente Uma das versotildees diz que o nome se originou da junccedilatildeo do som da arma (pu) que ma-
tou o cacique Cabelo de Velha que os iacutendios chamavam de Cururu Cururu+PU dando o no-
me a cidade de Cururupu Outra versatildeo estaacute relacionada com uma fazenda existente agrave margem
esquerda do rio que banha a atual sede do municiacutepio cujo nome era ldquoFazenda Cururupurdquo
existe ainda uma terceira versatildeo que o nome originou-se devido a grande quantidade de sapos
conhecidos por sapos cururus segundo essa versatildeo o nome originou-se da uniatildeo do nome dos
sapos e dos sons do seu coaxar (IBGE 2010)
Atraveacutes da Lei Provincial nordm 13 de maio de 1835 foi entatildeo criada a freguesia de Curu-
rupu conhecida pelo 3ordm Distrito de Cabelo de Velha subordinada administrativamente a
Guimaratildees (COSTA 2014 p 23) Em 1842 outra Lei Provincial a de ndeg 120 de 03 de outu-
bro eleva a freguesia agrave categoria de vila conhecida como Cururupu desmembrando-se entatildeo
de Guimaratildees e conquistando sua autonomia administrativa A Lei Estadual nordm 893 de 09
marccedilo de 1920 eleva a vila a categoria de cidade Em divisatildeo administrativa referente ao ano
de 1933 o municiacutepio aparece constituiacutedo do distrito sede (CRUZ 2012)
Atualmente a sede do municiacutepio apresenta caracteriacutesticas de cidade histoacuterica contendo
um patrimocircnio arquitetocircnico avaliado como do tipo colonial A zona rural eacute composta por
pescadores artesanais O municiacutepio de Cururupu concentra hoje uma populaccedilatildeo estimada em
32652 mil habitantes (IBGE 2010) com 685 residente na sede e 315 na zona rural e nas
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ilhas portanto 22270 na zona urbana e 10382 na zona rural sendo a maioria negra Os negros
que hoje povoam a cidade satildeo descendentes de povos que vieram do Daomeacute (Benin) para tra-
balharem na condiccedilatildeo de escravos nas antigas fazendas de mandioca accediluacutecar e aguardente
A cidade eacute banhada pelos rios Liconde e Cururupu tendo como principais atividades
econocircmicas a agricultura pesca e comeacutercio As religiotildees praticadas pelos cururupuenses satildeo
catolicismo protestantismo e religiotildees de matriz africana O municiacutepio conta atualmente com
26 (vinte e seis) bairros 51 (cinquenta e uma) escolas da rede municipal e 04 (quatro) da rede
estadual a saber Centro de Ensino Gervaacutesio Protaacutesio dos Santos situado agrave Rua Eurico Gaspar
Dutra nordm 141 Bairro Jacareacute Centro de Ensino Joana Batista Dias situado agrave Avenida Liberalino
Miranda nordm 134 Bairro Jacareacute Instituto Estadual de Educaccedilatildeo Ciecircncia e Tecnologia do Mara-
nhatildeo (IEMA) localizado agrave Rua Governador Antocircnio Dino MA-006 ndash Areia Branca e o Centro
de Ensino Joatildeo Marques Miranda localizado agrave Rua General Osoacuterio sn Bairro de Satildeo Benedi-
to onde concentramos a presente pesquisa Apresentamos abaixo a fachada desta escola
Imagem 3 Fachada do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda-Cururupu
Fonte Arquivo Pessoal
A Unidade Escolar Joatildeo Marques Miranda hoje Centro de Ensino Joatildeo Marques Mi-
randa funcionou por um periacuteodo em um preacutedio da prefeitura localizado no Bairro Areia
Branca depois passou a funcionar na Unidade Escolar Silvestre Fernandes desenvolvendo
suas atividades em dois turnos Teve como gestora geral Izaurina Fonseca Nesse intervalo
houve muitas mudanccedilas devido agrave escola natildeo possuir um preacutedio proacuteprio Em 08 de novembro
de 1984 o Conselho Estadual de Educaccedilatildeo do Maranhatildeo a eacutepoca do governo Joatildeo Castelo
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emitiu parecer da Cacircmara de Ensino de 1ordm Grau emitido com o processo nordm 95085 o CEE
reconheceu a escola como dependecircncia administrativa estadual
A partir de 1984 a escola passou a funcionar no atual endereccedilo localizado agrave Rua Ge-
neral Osoacuterio sn durante a administraccedilatildeo do prefeito Joseacute dos Santos Amado sendo que o
preacutedio era pertencente ao municiacutepio A pedido da diretora Floranilde Dias da Silva o preacutedio
foi cedido a Escola Joatildeo Marques Miranda em 1995
A escola na eacutepoca possuiacutea turmas de 1ordf a 4ordf seacuterie e Jardim de Infacircncia No iniacutecio dos
anos 2000 com a mudanccedila de responsabilidade do ensino fundamental para a rede municipal
a escola comeccedilou a trabalhar com o ensino de jovens e adultos com anexos nas praias de Ma-
racujatiua e Aquiles Lisboa Neste periacuteodo esteve na direccedilatildeo agrave professora Floranilde Dias da
Silva e Clara Maria Cunha e como coordenadora pedagoacutegica Deacuterika Sandriane da Silva Maia
licenciada em pedagogia pelo CEERSEMA especialista em Psicopedagogia pelo Instituto de
Ensino Superior Franciscano Paccedilo do Lumiar Atualmente a escola eacute dirigida pelas Professo-
ras Keyth Cristina Pestana Chaves e Gizelda de Faacutetima Reis Diniz ambas licenciadas em Le-
tras pela Universidade Estadual do Maranhatildeo (UEMA)
A escola recebeu este nome em homenagem a um dos primeiros intendentes de grande
prestiacutegio do municiacutepio de Cururupu e que foi tambeacutem um grande comerciante da regiatildeo na
exportaccedilatildeo de farinha e um dos primeiros donos do Siacutetio Satildeo Lourenccedilo Filho de Pedro Beleacutem
Miranda e Umberlina Marques Miranda Joatildeo Marques Miranda nasceu no dia 23 de outubro
de 1888 e faleceu em 1ordm de abril de 1954 na cidade de Cururupu
Imagem 4 - Joatildeo Marques Miranda
Fonte Arquivo Pessoal
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No turno noturno em que a pesquisa foi aplicada os horaacuterios de aula iniciam agraves
19h00min horas e terminam agraves 22h30min perfazendo 5 horasaulas Os alunos matriculados
assim estatildeo distribuiacutedos turma 10027 alunos turma 10130 alunos turma 102 28 alunos
turma 20132 alunos e turma 20237 alunos As etapas funcionam da seguinte forma as tur-
mas do 1ordm ano estudam 50 da primeira e 50 da segunda seacuterie e a outra etapa eacute a 3ordf seacuterie
completa O Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda possui 42 funcionaacuterios entre efetivos e
contratados assim distribuiacutedos 01 Gestora Geral 01 Gestora Adjunta 01 secretaacuteria 02 assis-
tentes de serviccedilos gerais 05 vigilantes 03 apoio pedagoacutegico (reduccedilatildeo de carga horaacuteria) 02
agentes administrativos dos 22 professores uma professora estaacute aguardando aposentadoria e
outra estaacute de licenccedila para tratamento de sauacutede dos 41 funcionaacuterios 37 satildeo efetivos e 04 satildeo
em regime de contrato
3 3 Mapeando as avaliaccedilotildees dos discentes e docentes sobre religiotildees afro-brasileiras
Para apreender as diferentes concepccedilotildees e perspectivas de alunos e professores a res-
peito das religiotildees afro-brasileiras aplicamos dois questionaacuterios que a despeito de sua ade-
quaccedilatildeo aos diferentes puacuteblicos pesquisados convergiam em relaccedilatildeo a algumas variaacuteveis Para
os discentes os eixos principais concentraram-se sobre a relaccedilatildeo que os estudantes estabele-
ciam com a escola as percepccedilotildees sobre o ser negro e a cultura a maneira como a escola lida-
va com a temaacutetica da histoacuteria e cultura afro-brasileira Com relaccedilatildeo aos professores aleacutem da
natureza dos viacutenculos com o estabelecimento indagamos sobre como percebem o acolhimen-
to por parte da escola da temaacutetica religiotildees africanas quais as estrateacutegias pedagoacutegicas aciona-
das por eles e elas e suas percepccedilotildees a respeito do fenocircmeno religiatildeo no ambiente escolar Em
anexo apresentamos os dois questionaacuterios utilizados na pesquisa Assim embora possuam
especificidades ndash e natildeo poderia ser diferente dado que se trata de universos com caracteriacutesti-
cas e posiccedilotildees institucionais distintas ndash as respostas produzidas pela aplicaccedilatildeo desse questio-
naacuterio ajudam muito a compreender e a diagnosticar a extensatildeo e complexidade do desafio em
pauta
Importa assinalar que meu primeiro contato com a escola ocorreu antes da pesquisa e
de maneira bastante formal quando trabalhei como Gestor-adjunto da instituiccedilatildeo A proposta
de pesquisa resultou inclusive dessa inserccedilatildeo profissional anterior Nesta convivecircncia perce-
bi a proximidade como alunos e professores transitavam no mesmo espaccedilo com pais e matildees
de santo que demarcavam aquele espaccedilo com suas festividades no entanto essa proximidade
natildeo era explorada nas atividades pedagoacutegicas Tudo ocorria como se essas relaccedilotildees que exis-
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tiam no cotidiano natildeo tivessem condiccedilotildees de assumir um formato pedagoacutegico reflexivamente
construiacutedo Mesmo entre agentes que transitavam entre esses diferentes espaccedilos
Quando a pesquisa teve efetiva inserccedilatildeo o primeiro passo dado foi agrave realizaccedilatildeo de
uma palestra com alunos e professores para a apresentaccedilatildeo do projeto e seus objetivos Ao
longo do encontro ao apresentar a proposta de discussatildeo perguntamos aos presentes basica-
mente profissionais da educaccedilatildeo e alunos a respeito do conhecimento deles sobre os terreiros
que existiam no entorno da escola obtendo respostas positivas em poucos casos Eacute difiacutecil de-
finir se essas respostas puacuteblicas implicavam em desconhecimento concreto ou se constituiacuteam
apenas uma maneira de natildeo explicitar relaccedilotildees mais proacuteximas como uma forma de gestatildeo da
identidade Por essa razatildeo optou-se tambeacutem pela aplicaccedilatildeo do questionaacuterio como uma medi-
da eficiente para contribuir com coleta das informaccedilotildees No que segue passa-se agrave exploraccedilatildeo
dos dados apresentados conforme as diferentes categorias implicadas nesta pesquisa
34 Entrando no mundo dos alunos
Inicialmente para conhecer a realidade da escola aplicamos o questionaacuterio para 90
(noventa) alunos O instrumento de pesquisa construiacutedo tinha como finalidade apreender o
entrelaccedilamento entre esses dois espaccedilos Escola e Terreiro como dito
Pode-se comeccedilar entatildeo pela composiccedilatildeo etaacuteria dos pesquisados Entre os 90 alunos
com informaccedilotildees disponiacuteveis 45 (quarenta e cinco por cento) encontravam-se na faixa etaacute-
ria de 18 a 24 anos 25 (vinte e cinco por cento) entre 26 e 30 anos 15 (quinze por cento)
representam discentes com idades entre 33 e 40 anos e 5 (cinco por cento) entre 45 e 49
anos Trata-se de uma composiccedilatildeo caracteriacutestica do niacutevel de ensino Da mesma forma quando
avaliamos as razotildees pelas quais os entrevistados datildeo continuidade aos estudos encontramos
motivaccedilotildees diversas tais como ldquoentrar no mercado de trabalhordquo especialmente no extrato
mais jovem por que haviam parado os estudos entre aqueles com faixa etaacuteria acima dos 30
anos onde tambeacutem se concentram aqueles que desejam apreender mais informaccedilotildees e que
enfrentam dificuldades para arranjar posiccedilotildees no mercado de trabalho Como esperado do
total pesquisado nada menos que 90 (noventa por cento) deles trabalhavam durante o dia
Quanto ao bairro onde residiam 30 (trinta por cento) dos alunos responderam que moravam
no Bairro de Satildeo Benedito e os demais 70 em bairros como Areia Branca Centro Faacutetima
Pitombeira Rodagem Vila Lieacutege e Vila Satildeo Francisco Ou seja a populaccedilatildeo estudantil vem
toda da mesma regiatildeo
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Por outro lado por meio da aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios com as turmas procurou cap-
tar a visatildeo dos alunos a respeito de sua identidade Quando perguntados sobre seu pertenci-
mento eacutetnico-racial 91 se autodeclararam negros o que converge com a proacutepria caracteriza-
ccedilatildeo soacutecia demograacutefica do municiacutepio conforme jaacute explicitado Os motivos apresentados eram
variados Afirmaram por exemplo que se consideravam negros porque a famiacutelia eacute toda de
negros e por isso natildeo poderiam ser de outra raccedila porque os pais vinham de negros escravos
por isso suas peles seriam negras ou simplesmente porque diziam que sua pele era negra O
restante ou seja 9 (nove por cento) dos alunos disseram ser brancos Um deles inclusive
afirmou que apesar de sua pele natildeo ser muito clara considerava-se branco jaacute que em seu do-
cumento estava escrito pardo
Graacutefico 01- Vocecirc se considera negro
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Questionados se tinham conhecimento de quais religiotildees eram praticadas em
Cururupu 42 (quarenta e dois por cento) responderam que sim 18 ( dezoito por cento)
disseram natildeo saber 21 (vinte um por cento) natildeo responderam e 19 (dezenove por cento)
apresentou o nome das denominaccedilotildees religiosas praticadas em Cururupu Eacute provaacutevel que essa
questatildeo natildeo tenha sido plenamente compreendida vez que pressupunha a ideia de apresentar
uma visatildeo geral sobre as religiotildees da localidade natildeo apreendendo efetivamente quais
religiotildees eles conheciam
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Graacutefico 02- Vocecirc tem conhecimento de quais religiotildees satildeo praticadas em Cururupu
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Essa distorccedilatildeo fica mais visiacutevel quando perguntamos aos alunos se eles jaacute tinham ou-
vido falar sobre as religiotildees afro-brasileiras Formulada dessa forma o questionaacuterio obteve as
seguintes respostas 28 (vinte e oito por cento) responderam que natildeo 53 (cinquenta e trecircs
por cento) dos alunos responderam que sim e 19 (dezenove por cento) optaram por natildeo res-
ponder agrave questatildeo Essas respostas nos fazem pensar em diversas questotildees A comeccedilar pelo
fato de que a despeito do conviacutevio com festividades realizadas nos terreiros proacuteximos agrave esco-
la ou mesmo em seus bairros de origem parece haver ainda certo estranhamento mais ou
menos consciente a depender do pertencimento religioso com relaccedilatildeo agraves religiotildees de matriz
africana no local E natildeo se trata apenas de uma percepccedilatildeo realizada no bojo da pesquisa O
receio de tocar no assunto ou de manifestar alguma forma de conhecimento tambeacutem jaacute foi
observado por uma das docentes da escola que leciona a disciplina de Histoacuteria o que ensejou
a organizaccedilatildeo de um projeto em 2016 cuja intenccedilatildeo era evidenciar como as religiotildees africanas
faziam parte do calendaacuterio do municiacutepio e a riqueza de suas liturgias A esse respeito a pro-
fessora esclarece como foi realizada essa experiecircncia e algumas das percepccedilotildees dos estudan-
tes que podem ajudar na explicaccedilatildeo dos resultados de nossa proacutepria pesquisa
O projeto foi de grande importacircncia para a escola houve uma participaccedilatildeo dos professores dos alunos eles apresentaram coisas interessantes vieram
na frente e falaram coisa que eles jaacute sabiam e coisas que eles pesquisaram
alguns alunos evangeacutelicos participaram e atribuiacuteram a falta de interesse so-bre religiatildeo de matriz de africana por que em sua maioria as atividades que
satildeo apresentadas eacute soacute de negros cantando e danccedilando e nunca falam da reli-
giatildeo (Geordilene Ramos 2018) 11
Destarte a despeito dessa accedilatildeo da professora de histoacuteria com as religiotildees de matriz
africana na escola ainda eacute preciso trabalhar aspectos da cosmovisatildeo sobre tais praacuteticas religio-
11 Professora de Histoacuteria do C E Joatildeo Marques Miranda em 12072018
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sas e fazer relaccedilatildeo com suas origens africanas e afro-brasileiras de modo a demarcar tais fun-
damentos e ao mesmo tempo contribuir para seu reconhecimento
Graacutefico 03- Jaacute ouviu falar sobre religiatildeo afro-brasileira
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Com relaccedilatildeo agrave questatildeo de jaacute ter frequentado algum terreiro de religiatildeo de matriz afri-
cana na cidade 38 (trinta e oito por cento) dos alunos responderam que sim frequentam ou
jaacute frequentaram 53 (cinquenta e trecircs por cento) disseram que natildeo frequentam terreiros e 9
(nove por cento) natildeo responderam Falta encorajamento em assumir mesmo em um questio-
naacuterio o seu pertencimento religioso
Graacutefico 04- Frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana na cidade
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ressalta-se que muitos desses alunos que frequentam terreiros em sua maioria satildeo de
outros bairros Como alguns alunos comentavam na aplicaccedilatildeo do questionaacuterio havia tambeacutem
um pequeno grupo que falava dos respectivos pais de santos responsaacuteveis pelas casas que
foram frequentadas Nota-se neste sentido o afastamento total ou mesmo parcial desses alu-
nos em assumir sua participaccedilatildeo nestes eventos Soma-se a isso a existecircncia de percepccedilotildees
entre esses mesmos estudantes que resvalam na ideia de que as religiotildees afro-brasileiras natildeo
constituem formas legiacutetimas de exerciacutecio religioso como bem visiacutevel na seguinte passagem
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Acho que natildeo eacute religiatildeo eles passam a noite danccedilando e bebendo e
penso que natildeo era para ser assim se fosse religiatildeo nas igrejas natildeo
vemos isto natildeo tem bebida eacute uma coisa muito seacuterio todo mundo sen-
tado quietinho ouvindo as coisas mas acredito que isto pode mudar
um dia vejo que eacute um entra e sai isto eacute o que eu acho (Ramos C A
aluno da 2ordf etapa do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda 2019)
12
Como visto existe uma percepccedilatildeo de que as religiotildees de matriz africanas natildeo devem
ser entendidas assim devido ao fato de os rituais serem envolvidos com danccedila e bebidas cha-
ma atenccedilatildeo o paracircmetro para tal avaliaccedilatildeo ldquonas igrejas natildeo vemos isto natildeo tem bebida eacute uma
coisa muito seacuteria todo mundo sentado e quietinho ouvindo as coisasrdquo
Questionados se conhecem algum terreiro de religiatildeo de matriz africana que esteja lo-
calizado proacuteximo ao Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda 7 (sete por cento) dos alunos
natildeo responderam enquanto 28 (vinte e oito por cento) responderam que natildeo conhecem ter-
reiros proacuteximos da escola e 65 (sessenta e cinco por cento) afirmam que sim que conhecem
as casas de culto proacuteximas
Graacutefico 05- Vocecirc conhece algum terreiro de religiatildeo de ma-
triz africana que fica localizada proacuteximo ao Centro de Ensi-
no Joatildeo Marques Miranda
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Tendecircncia semelhante foi encontrada na taxa de respostas para a questatildeo do conheci-
mento a respeito de algum pai ou matildee de santo que reside proacuteximo agrave escola Em resposta a
esta questatildeo 48 (quarenta e oito por cento) responderam que sim 44 (quarenta e quatro
por cento) natildeo responderam e 8 (oito por cento) responderam que natildeo conhecem Eacute mister
destacar que nos questionaacuterios recolhidos alguns alunos chegaram ateacute a mencionar os nomes
de alguns pais de santo Ou seja mais da metade do puacuteblico escolar considerado tem conhe-
12 Aluno da 2ordf etapa do C E Joatildeo Marques Miranda
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cimento circula e provavelmente ateacute frequente um desses terreiros seja de maneira ocasional
quando da realizaccedilatildeo perioacutedica de festas seja de maneira regular poreacutem natildeo declarada
Graacutefico 06- Conhece algum pai ou matildee de santo que residem proacuteximo da escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Esse aspecto fica mais claro quando passamos agrave questatildeo da participaccedilatildeo em festas ou
festejos em terreiros de religiatildeo de matriz africana Conforme apreendido nos questionaacuterios
30 (trinta por cento) responderam que sim 28 (vinte e oito por cento) disseram nunca ter
participado desse tipo de festejo e notaacuteveis 42 (quarenta e dois por cento) natildeo responderam
Graacutefico 07 - Jaacute participou de algum festejo em terreiro de religiatildeo de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
No entanto tendo em vista o calendaacuterio festivo que ocorre no bairro ndash relativamente
pequeno ndash eacute de se supor que esses eventos acabam por marcar o compasso da proacutepria ambiecircn-
cia comunitaacuteria envolvendo parte da comunidade como em um dos relatos de estudantes que
recolhemos
Eu sempre vou a festejos no meu bairro que tem muito satildeo muito
animadas agraves festas e satildeo muitos dias todos tem lava-pratos que eacute
mais gostoso ainda na minha casa minha matildee eacute juiacuteza de uma festa
eu sempre que tem festejo quando saio da escola costumo encostar
70
nesses festejos [] eacute muito bom (C S B C13
E Joatildeo Marques Mi-
randa da 2ordf etapa do EJA em 17072018)
Infere-se que muitos desses alunos participam dos festejos dos festejos religiosos de
matriz africana na condiccedilatildeo de observadores ou mesmo para preencherem a falta de lazer
que existe no municiacutepio muito embora esses eventos aconteccedilam o ano todo haacute festejos afa-
mados que tomam a atenccedilatildeo da cidade e sobretudo dos alunos que estudam agrave noite por conta
do trajeto na volta para casa Em se tratando do C E Joatildeo Marques Miranda a proximidade eacute
mais recorrente neste sentido devido agrave existecircncia de trecircs afamados terreiros bem proacuteximos da
escola - terreiros esses cujo espaccedilo se confunde com o proacuteprio territoacuterio escolar como seraacute
visto mais adiante Para o momento basta dizer que haacute um terreiro em frente agrave escola situado
na Rua General Osoacuterio sobre o comando do Pai de Santo Daacuterio outro que fica na Rua Satildeo
Joseacute ao lado direito da escola e por fim um terceiro que fica localizado nos fundos do esta-
belecimento Nesse sentido o que nos intriga eacute justamente o fato de que embora existam ca-
sas tatildeo proacuteximas como elas se tornam tatildeo invisiacuteveis assim para alunos do proacuteprio bairro
Ocorre que quando questionados se achavam que as religiotildees de matriz africana e
afro-brasileiras sofriam discriminaccedilatildeo na escola 70 (setenta por cento) dos alunos respon-
deram que sim 8 (oito por cento) disseram que natildeo e 22 (vinte e dois por cento) natildeo res-
ponderam
Graacutefico 08 - Vocecirc acha que as religiotildees de matriz africana sofrem discriminaccedilatildeo na escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ou seja ao passo em que as declaraccedilotildees de pertencimento conhecimento ou de tracircnsi-
to parecem englobar formas de gestatildeo da proacutepria identidade entre os estudantes a ideia de que
essas religiotildees sofrem discriminaccedilatildeo o que remete ao sentimento de injusticcedila mostra-se bem
mais claro e expressivo A interpretaccedilatildeo que se pode desenvolver eacute de que estamos em um
13 Aluna da 2ordf etapa do EJA do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda (sede)
71
quadro no qual se compreende os efeitos da discriminaccedilatildeo mas em que as accedilotildees natildeo ganham
concretude e em que o silecircncio prepondera como se pode apreender no relato desta aluna
Acho que sofre muita discriminaccedilatildeo a escola natildeo leva muito a seacuterio
acha que porque nos terreiros eles danccedilam aquilo natildeo eacute seacuterio ai natildeo
leva com seriedade os pajeacutes na escola mesmo quando falam de pajeacute
as pessoas ficam meio caladas natildeo falam muita coisa quando o pro-
fessor pede opiniatildeo agrave maioria fica calada (A S Pinto CE Joatildeo
Marques Miranda 2ordf etapa EJA julho de 2018)14
Isto nos leva a questionar como deveria ser trabalhada a questatildeo dentro da sala de aula
com os alunos Por essa razatildeo foi questionado sobre como deveriam ser trabalhados os conte-
uacutedos sobre religiatildeo na escola 39 (trinta e nove por cento) respondeu que deveria ser traba-
lhado em forma de debates 5 (cinco por cento) em forma de projetos 44 (quarenta e qua-
tro por cento) natildeo responderam e 5 (cinco por cento) que era pra deixar como estaacute Eacute valido
destacar que no momento da devoluccedilatildeo do questionaacuterio alguns alunos disseram que a escola
deveria trabalhar mais esses assuntos pois como alegava uma delas - ldquoquase todo mundo usa
macumba mas ningueacutem gosta de falar por isso de acontecer certas coisasrdquo A fala da aluna
nos faz crer que alguns alunos tem interesse em debater sobre tais questotildees no entanto como
satildeo minoria acabam se restringindo por conta do proacuteprio sistema que natildeo apoia essa clientela
Por outro lado os alunos que demostram esse interesse satildeo em sua maioria praticantes de re-
ligiatildeo afro-brasileira que ainda natildeo assumem publicamente sua religiosidade no espaccedilo esco-
lar o que tudo indica a meu ver ser a tentativa de externar sua crenccedila
Graacutefico 09- Como vocecirc acha que deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ao analisar os questionaacuterios aplicados aos estudantes constatamos que possuem certo
conhecimento das religiotildees de matriz africana poreacutem estes se devem muito mais agraves experiecircn-
cias cotidianas e externas ao acircmbito da escola do que propriamente ao tratamento do tema
14 Aluna da 2ordf etapa do C E J Miranda
72
neste espaccedilo Outro aspecto importante a ser enunciado diz respeito ao fato de que em diver-
sas entrevistas realizadas com alunos foi possiacutevel reconhecer praticantes de religiotildees afro-
brasileiras que natildeo revelam seu pertencimento religioso por receio de comentaacuterios dos colegas
ou de sofrerem alguma forma de constrangimento Por outro lado essa realidade natildeo deixou
de ser notada pelos proacuteprios profissionais da educaccedilatildeo atuantes nesse espaccedilo ensejando desde
iniciativas mais esporaacutedicas como os projetos desenvolvidos em disciplinas especiacuteficas seja
um reforccedilo das atividades da Semana de Consciecircncia Negra em novembro ocasiatildeo em que
foram exibidos diversos filmes sobre religiatildeo e elaboradas atividades concernentes ao tema
Como relataram os professores essas iniciativas tiveram maior ecircnfase a partir do ano de 2016
ainda haacute muito por ser feito e a escola necessita da colaboraccedilatildeo de especialistas no tema
35 As religiotildees afro-brasileiras entre os docentes
Nas ocasiotildees em que realizava visitas perioacutedicas agrave escola foram identificadas infor-
maccedilotildees importantes a respeito de como os professores estatildeo abordando o tema das religiotildees
afro-brasileiras no espaccedilo escolar e como relacionam os coacutedigos legais agraves estrateacutegias pedagoacute-
gicas empregadas no dia a dia Importa ressaltar que os docentes foram muito soliacutecitos com
relaccedilatildeo agrave coleta de dados o que permitiu que a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios e a realizaccedilatildeo de
entrevistas transcorressem sem maiores percalccedilos e em clima de grande receptividade e entro-
samento Em boa medida os resultados a que chegamos denotam as potencialidades de uma
pesquisa realizada dentro de um meio conhecido mesmo que carregue consigo como contra-
partida o duro desafio do distanciamento
Seja como for a atividade foi aplicada entre os dias 26 de novembro e 08 de dezem-
bro precisamente no final do semestre quando a escola contava com baixa presenccedila de alu-
nos e os professores estavam mais agrave vontade e sem duacutevida com mais tempo Foi aplicado o
mesmo instrumento de pesquisa para 18 docentes distribuiacutedos entre efetivos e contratados
Nesse processo alguns professores relataram a importacircncia de tratar do assunto na escola
pois sabem que muitos alunos satildeo praticantes e precisam se sentir apoiados Apesar de o tema
natildeo vir sendo tratado assim tatildeo abertamente como foi possiacutevel constatar atraveacutes das respostas
dos estudantes os relatos dos docentes demarcam que regularmente acontecimentos e expe-
riecircncias relativas aos terreiros frequentados pelos primeiros irrompem em sala de aula nos
corredores e nas conversas informais De maneira convergente a diretora adjunta afirmou
total apoio agrave pesquisa pelo fato de a comunidade ser discriminada por conta da marginalidade
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que acomete o bairro e que todo projeto que vier para fortalecer a comunicaccedilatildeo seraacute bem-
vindo
Resulta que quando passamos aos professores constatamos que suas trajetoacuterias tam-
beacutem satildeo marcadas por travessias Nesse segmento eacute importante destacar que entre os profes-
sores que participaram da pesquisa encontramos a professora Diquinha - como eacute carinhosa-
mente conhecida ndash e que aleacutem de ser a docente mais antiga da escola assume sua identidade
religiosa como umbandista apesar de que natildeo consiga mais danccedilar e de que suas obrigaccedilotildees
(carga) tenham sido transferidas para seu filho que tambeacutem eacute pai de santo e jaacute foi aluno da
escola Ante o exposto passamos na sequecircncia agrave exploraccedilatildeo do questionaacuterio dirigido aos pro-
fessores
O questionaacuterio trouxe como proposta conhecer como os professores definiam religiatildeo
e quando questionados acerca do assunto 72 (setenta e dois por cento) responderam que a
consideram como uma manifestaccedilatildeoexecuccedilatildeo da feacute enquanto que para 28 (vinte e oito por
cento) a religiatildeo remete a uma crenccedila cujos fundamentos encontram-se nos costumes e heran-
ccedilas familiares
Graacutefico 10- Como define religiatildeo
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Na sequecircncia procuramos saber se os docentes conheciam alguma religiatildeo de matriz
africana 61 (sessenta um por cento) responderam que conhecem algum tipo de religiatildeo
africana 39 (trinta e nove por cento) natildeo responderam Neste uacuteltimo caso alguns relataram
ter certo temor com relaccedilatildeo a esses temas preferindo natildeo se envolver diretamente
74
Graacutefico 11-Conhece alguma religiatildeo de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Quando perguntados acerca da participaccedilatildeo em cultos africanos 33 (trinta e trecircs por
cento) responderam que jaacute frequentaram ao passo que 67 (sessenta e sete por cento) natildeo
responderam Aqui encontramos novamente uma tendecircncia semelhante agrave identificada entre os
estudantes Como nos relatou uma das professoras em conversa particular em Cururupu a
maioria das pessoas vai agrave casa de pajeacute muitos natildeo admitem porque em alguns casos a pessoa
as vezes vai atraacutes de um conselho e orientaccedilatildeo espiritual e as pessoas jaacute pensam que eacute para
fazer feiticcedilo Encontramos aqui por conseguinte indiacutecios de proximidade que satildeo dissimula-
dos por questotildees referentes agrave gestatildeo das imagens puacuteblicas
Graacutefico 12- Jaacute participou de alguma atividade em cultos de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Por outro lado quando questionados se existe discriminaccedilatildeo aos cultos de matriz
africana 22 (vinte e dois por cento) disseram que natildeo e 78 responderam que sim que
existe discriminaccedilatildeo as religiotildees
75
Graacutefico 13- Considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cul-
tos de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
De maneira semelhante foi agrave manifestaccedilatildeo do professor de Histoacuteria do Centro de Ensi-
no Joatildeo Marques Miranda Robert do E Santo Freitas
Sim pois no Brasil Colonial foram rotuladas tais religiotildees pelo sim-
ples fato de serem de origem africana A accedilatildeo de movimentos pente-
costais os quais se valiam de mitos para demonizar e incitar a perse-
guiccedilatildeo a umbandistas e candomblecistas (Robert do E Santo Freitas
novembro de 2018)
Com relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito no espaccedilo escolar para
17 (dezessete por cento) dos que responderam ao questionaacuterio os cultos satildeo discriminados
enquanto para 83 (oitenta e trecircs e por cento) dos docentes as religiotildees de matriz africana
sofrem tratamento diferencial nas escolas Interessa notar aqui todavia que quando levados a
comentar sobre as manifestaccedilotildees concretas de discriminaccedilatildeo entre os alunos a postura docen-
te conduz a relativa atenuaccedilatildeo das mesmas visto que satildeo consideradas como meros comentaacute-
rios ldquoeles falam por falarrdquo ldquoeles dizem isso mas natildeo eacute pra levar a seacuteriordquo E aqui talvez se
encontre o componente mais preocupante visto que tal postura que se apresenta como orien-
tada pela tentativa de proteccedilatildeo aos estudantes no final das contas conduz a certa complacecircn-
ciaaquiescecircncia com o fenocircmeno da discriminaccedilatildeo resvalando em sua naturalizaccedilatildeo
Graacutefico 14- Nas escolas considera que os cultos africanos so-
frem discriminaccedilatildeo
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
76
Perguntados se a escola desenvolve atividades que falam das religiotildees praticadas
em Cururupu e como satildeo feitas essas abordagens 22 (vinte e dois por cento) responderam
que as abordagens satildeo feitas atraveacutes de projetos e 78 (setenta e oito por cento) disseram que
ainda natildeo participaram das discussotildees
Graacutefico 15- A escola desenvolve atividades que falam das denominaccedilotildees reli-
giosas praticadas em Cururupu Como satildeo feitas essas abordagens
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ainda a esse respeito a professora Josiane Ferreira afirma que
Que esses temas satildeo abordados atraveacutes de projetos pois acredita que eacute mais faacutecil men-cionar nas atividades que envolvem todos os alunos pois reuacutene um grupo maior de alu-
nos que participam das diferentes religiotildees os alunos se sentem mais seguros e as pesso-
as que em sala de aula criticam costumam natildeo fazer isso no meio de mais pessoas moti-vo pel0o qual acredito que traz mais resultado tanto para a escola quanto para os alu-
nos (Professora Josiane B Ferreira novembro de 2018)
Eacute provaacutevel que essa ausecircncia de discussotildees sobre as temaacuteticas fora de projetos ou
iniciativas parcelares se explique em funccedilatildeo tambeacutem do baixo conhecimento manifestado
pelos professores a respeito da Histoacuteria e Cultura Afro-brasileira e das proacuteprias exigecircncias
derivadas da Lei 106392003 Aliaacutes quando perguntados se tinham conhecimento sobre essa
diretriz legal nada menos que 89 (oitenta e nove por cento) informou sequer ter ouvido
falar da lei mas que ldquotinham interesse em conhecerrdquo Quer dizer quando dentro do universo
docente de um estabelecimento de ensino apenas 11 (onze por cento) da populaccedilatildeo pesqui-
sada conhece a Lei temos muitos motivos para acreditar que as chances de inclusatildeo dos te-
mas supramencionados encontram-se longe de ser realizada
77
Graacutefico 16- Tem conhecimento sobre a Lei 106392003 que trata do Ensino de Histoacuteria da Aacutefri-
ca e Cultura Afro-brasileira nas escolas
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Da mesma forma que natildeo conhecem a legislaccedilatildeo e a despeito dos incrementos de pro-
duccedilatildeo recente de materiais didaacuteticos - disponiacuteveis ateacute mesmo na internet vale dizer - 22
(vinte e dois por cento) afirmam ter pouco acesso e 78 (setenta e oito por cento) afirmaram
que natildeo tem acesso a qualquer material que fale de Aacutefrica
Graacutefico 17- Tem acesso a materiais sobre Aacutefrica e Cultura
Afro-brasileira nas escolas ou fora dela
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Sobre as datas alusivas agrave comunidade negra perguntamos aos professores como a escola
tem trabalhado esses temas obtendo os seguintes percentuais 28 (vinte e oito por cento)
disseram que datas como o dia da raccedila e da consciecircncia negra eacute trabalhado em forma de proje-
tos e 72 (setenta de dois por cento) disseram que trabalham em sala de aula temas que falam
da populaccedilatildeo negra mas que em geral esses assuntos satildeo mais voltados para os conteuacutedos dos
livros Natildeo haveria aqui portanto tratamento particular
78
Graacutefico 18- As datas alusivas agrave comunidade negra como a escola tecircm trabalhado os temas
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Quanto agrave administraccedilatildeo das discussotildees sobre religiatildeo de matriz africana nas ocasiotildees
em que esse tema surge em sala de aula 72 (setenta e dois por cento) responderam que tem
que respeitar e 28 (vinte e oito por cento) disseram que existe soacute um Deus
Graacutefico 19- Como tem administrado as discussotildees sobre religiatildeo
africana em sala de aula quando estas acontecem
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Tambeacutem foi questionado se escola e terreiros deveriam desenvolver atividades para
fortalecer laccedilos de proximidade 11 (onze por cento) disseram que natildeo deveriam realizar
atividades para fortalecer tais laccedilos enquanto 89 por cento responderam que as duas inst i-
tuiccedilotildees devem sim desenvolver maneiras de fortalecer a proximidade
Graacutefico 20- Vocecirc acha que a escola e os terreiros deveriam desenvolver atividades
que fortalecessem esses laccedilos de proximidade Por quecirc
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
79
A professora e religiosa de matriz africana Diquinha contribui dizendo
Que eacute um momento importante tanto escola quanto terreiro deve se aproximar
mais por conta da dificuldade que a escola tem para falar de religiatildeo africana e
nada melhor que os proacuteprios membros para explicar dividir suas experiecircncias na
tentativa de quebrar com o silecircncio e tirar a imagem negativa que a maioria dos
membros que frequentam a escola tem das religiotildees africanas acredito que isto eacute
possiacutevel desde que haja interesse de ambos mas para isso eacute necessaacuterio que seja
feito um trabalho se sensibilizaccedilatildeo antes na escola para receber essas pessoas
outro ponto importante nesse debate eacute aproximar os terreiros que ficam proacuteximo
sempre haacute eventos nestes terreiros e a escola nunca procurou fazer um trabalho
de pesquisa para que entendecircssemos essas origens garanto que na escola tem
alunos que frequentam essas festas e que podem contribuir muito para esse diaacutelo-
go (Professora Diquinha janeiro de 2019)
Ao serem questionados sobre o que achavam que deveria ser feito para que debates
sobre as religiotildees de matriz africana acontecessem na escola 11 (onze por cento) disseram
que deveriam trabalhar mais os conteuacutedos 22 (vinte e dois por cento) que deveria ser reali-
zado um trabalho de sensibilizaccedilatildeo na escola e 67 (sessenta e sete por cento) acharam que o
tema deveria ser tratado por meio de projetos O professor Robert Freitas diz que tambeacutem eacute
importante sensibilizar a famiacutelia para que juntamente com a escola possa trabalhar de manei-
ra complementar evitando defasagens muito grandes entre essas duas instacircncias
Graacutefico 21- O que vocecirc acha que deveria ser feito para
que debate acerca das religiotildees acontecesse na escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Quando questionados se conhecem pais e matildees de santo proacuteximo agrave escola 22 (vinte
e dois por cento) responderam que sim e 78 (setenta e oito por cento) disseram que natildeo tem
conhecimento disso
80
Graacutefico 22- Conhece pais e matildees de santo que residem proacuteximo da escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Aqui novamente encontramos uma tendecircncia semelhante ao padratildeo de respostas dos
estudantes demonstrando desconhecimento com relaccedilatildeo ao proacuteprio espaccedilo de inscriccedilatildeo do
estabelecimento escolar O que leva a crer que estamos em um quadro de forte descompasso
entre os saberes escolares as experiecircncias dos sujeitos que dele participam e a proacutepria histoacute-
ria memoacuteria e cultura do lugar
36 Experiecircncias e percepccedilotildees de docentes acerca da relaccedilatildeo entre escola e comunidade
Os resultados inquietantes dos questionaacuterios aplicados aos docentes - particularmente
com relaccedilatildeo ao grau de desconhecimento da lei e da carecircncia de materiais - deflagraram uma
seacuterie de lembranccedilas e questotildees Lembranccedilas em primeiro lugar do periacuteodo do conviacutevio con-
tinuo com a escola na condiccedilatildeo de diretor adjunto e das ausecircncias silecircncios e omissotildees que
perpassaram a minha proacutepria praacutetica profissional ao longo dessa passagem Inquieta sim
pensar que minhas respostas poderiam natildeo ter sido assim tatildeo diferentes daquelas que recolhi
dos entrevistados agora na condiccedilatildeo de pesquisador e com o olhar mais treinado e sensiacutevel a
essas questotildees Eacute talvez por essa mesma razatildeo por um certo sentimento de impotecircncia que
me impus como meta retornar ao estabelecimento escolar para saber se natildeo haviam experiecircn-
cias iniciativas e percepccedilotildees entre os docentes atuantes agora ou do passado que jaacute aponta-
vam para uma possibilidade de estreitamento concreto dos viacutenculos entre escola e terreiros
Os relatos colhidos e expostos a seguir reunidos em clima de entrevista aberta mas com foco
sobre as relaccedilotildees entre a escola e os terreiros locais como que reequilibram em certa medida
aquilo que a abordagem anterior natildeo permitiu captar muito embora o quadro como um todo
esteja longe de ser o ideal Na sequecircncia passo entatildeo agrave descriccedilatildeo de histoacuterias de professores e
suas percepccedilotildees como sujeitos atuantes e reflexivos nesse espaccedilo relacional expondo como
esse desafio tem atravessado a praacutetica e a experiecircncia de docentes ao longo de vaacuterias gera-
ccedilotildees
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Professora aposentada da rede estadual e atualmente em atividade em uma escola par-
ticular do municiacutepio como apoio pedagoacutegico Floranilde Dias da Silva ou Flora como eacute co-
nhecida nasceu na ilha de Guajerutiua em 30 de julho de 1951 Professora normalista com
graduaccedilatildeo em pedagogia foi diretora do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda durante
treze anos (20022015) Quando comeccedilou atuar como diretora adjunta logo que veio da praia
para Cururupu a escola ainda funcionava com o jardim de infacircncia ainda na deacutecada de 1980
Ao perceber a necessidade do Bairro de Satildeo Benedito possuir uma escola de 5ordm ao 8ordm ano deu
iniacutecio ao processo para aquisiccedilatildeo das referidas seacuteries Apoacutes ter organizado as turmas do ensi-
no fundamental engajou-se para organizar turmas do Ensino Meacutedio obtendo ecircxito em pouco
espaccedilo de tempo Com esta nova proposta para o antigo Segundo Grau organizou anexos em
Guajerutiua Valha-me Deus Caccedilacueira Satildeo Lucas Maracujatiua e Areia Branca
Imagem 5- Professora Floranilde Dias da SilvaCururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
Quando rememora parte da histoacuteria da escola a professora Flora apresenta alguns fa-
tos curiosos que sempre aconteciam no estabelecimento notadamente os casos de possessotildees
frequentes de alunos por entidades Como relata nessas ocasiotildees sempre recorria aos Pais de
Santo Daacuterio Luiacutes Afonso Vicentinho e Faacutetima cujos terreiros situavam-se perto da escola a
fim de resolver o problema Nessas ocasiotildees informa sempre ter sido recebida com muita
atenccedilatildeo
Outro episoacutedio relatado entre as lembranccedilas da Profordf Flora foi quando proacuteximo aos
desfiles de independecircncia do Brasil ela se encontrava sozinha na escola e de repente ouviu
um som inexplicaacutevel que saia do armaacuterio Acreditou momentaneamente que se tratava de al-
gueacutem que tinha jogado uma pedra com bastante forccedila poreacutem ao dirigir-se para o moacutevel natildeo
encontrou o que supunha ter provocado o som Sua suspeita principal eacute de que esse e outros
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acontecimentos relatados teriam sido obras dos encantados que habitam no local uma vez que
a escola foi construiacuteda precisamente em local que pertencia a eles anteriormente Isto eacute sua
visatildeo a respeito de acontecimentos inexplicaacuteveis na escola ou quanto a determinados desafios
a exemplo dos casos de possessatildeo resvala em uma percepccedilatildeo de que a escola mantem viacutencu-
los com o universo religioso afro
Ainda no periacuteodo da sua gestatildeo informa que por vaacuterias vezes a escola fez parceria
com o Grupo de Consciecircncia Negra de Cururupu (GCNC) nas datas referentes agrave populaccedilatildeo
negra quando ministravam palestras sobre os temas referentes agrave cultura afro-brasileira O
objetivo prioritaacuterio das conversas era sensibilizar os alunos com relaccedilatildeo agrave importacircncia da co-
munidade negra no municiacutepio e a valorizaccedilatildeo do pertencimento eacutetnico A professora Floranil-
de Silva acredita que ldquoquando se trata do envolvimento de escola e religiatildeo o que deve preva-
lecer eacute o respeito em primeiro em lugar uma vez que temos soacute um Deusrdquo (FLORANILDE
DIAS DA SILVA 2019)
Questionada sobre os terreiros que circundam a escola afirma que tinha consciecircncia
dessa proximidade contudo teve pouca relaccedilatildeo com essas casas de cultos Ocorre que sempre
que acontecia alguma coisa de espiacuterito com os alunos sempre recorria a um pai de santo proacute-
ximo e ele sempre vinha ajudar Quanto agrave escola
Acredito que a escola precisa aprimorar os conhecimentos sobre as
religiotildees como um todo principalmente sobre a religiatildeo negra para
que haja mais dedicaccedilatildeo ao trabalhar com as religiotildees africanas
muitos alunos e professores satildeo praticantes no entanto tem uma certa
vergonha em assumir que praticam esse tipo de culto principalmente
na escola onde a criacutetica ainda eacute maior com essas pessoas e tudo isto
por que a sociedade natildeo aceita essas coisas (Professora Floranilde
Dias da Silva entrevista coletada em 29 de janeiro de 2019)
Deacuterika Sandriane da Silva Maia trinta e nove anos pedagoga especialista em psi-
copedagogia supervisatildeo e planejamento educacional tambeacutem aceitou falar conosco a respeito
de sua experiecircncia na escola Natural de Guajerutiua povoado da regiatildeo foi coordenadora
pedagoacutegica dos anexos do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda nas ilhas e professora na
sede Orgulha-se de ter prestado assessoria pedagoacutegica quando desenvolveu vaacuterias atividades
para ampliar o leque de praacuteticas pedagoacutegicas da escola
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Imagem 6- Professora Deacuterika Sandriane da Silva Maia Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
Indagada sobre religiatildeo a professora assume a identidade catoacutelica pois considera que
esta ldquoeacute a religiatildeo a ser seguidardquo mas afirma ser importante natildeo ldquodesmerecer as outras reli-
giotildeesrdquo Disse-nos ainda que algumas religiotildees protestantes ela admira outras natildeo Quando
questionada sobre as religiotildees africanas existentes em Cururupu afirma ser leiga no assunto
no entanto respeita o espaccedilo de cada uma e que agraves vezes ateacute visita esses cultos nas ocasiotildees
festivas Sobre o periacuteodo em que desempenhou atribuiccedilotildees como orientadora pedagoacutegica
afirma ter sempre buscado diaacutelogo com a comunidade escolar visando estreitamento dos la-
ccedilos poreacutem ressalta que foram poucos os projetos efetivamente executados
Ao falar do tema a professora afirma que haacute uma inseguranccedila na escolha do indiviacuteduo
quanto ao tipo de identidade religiosa que ele pode assumir no espaccedilo escolar Os conflitos
contiacutenuos e cotidianos criam obstaacuteculos para que o sujeito assuma sua feacute o que faz com que
muitos estudantes e ateacute mesmo professores passeiem por vaacuterias religiotildees natildeo se definindo em
nenhuma A professora Deacuterika Maia diz conhecer a Lei 106392003 contudo argumenta que
A maacute elaboraccedilatildeo do curriacuteculo nas propostas que tratam dos assuntos
atinentes a populaccedilatildeo negra mesmo com a obrigatoriedade os profes-
sores estatildeo muitos despreparados para lidar com o tema Quando Se-
cretaria de Educaccedilatildeo do municiacutepio de Cururupu levei o tema sobre a
Lei 1063903 para as escolas mas senti uma falta de interesse des-
conhecimento da Lei por alguns professores alguns ateacute jaacute tinham ou-
vido falar mas natildeo sabiam explicar como ia funcionar dentro da gra-
de curricular vejo que isto se daacute pela falta de formaccedilatildeo dos professo-
res que natildeo tiveram formaccedilotildees especificas sobre o tema por isso da
dificuldade em adotar a Lei mesmo diante da obrigatoriedade (Pro-
fessora Deacuterika Sandriane da Silva Maia entrevista coletada em 29 de
dezembro de 2018)
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Outro fator que a professora destaca eacute que a sociedade natildeo estaacute preparada para lidar
efetivamente com questotildees religiosas e principalmente a respeito das religiotildees negras Acre-
dita ainda que muitos que ali se encontram natildeo sabem por que razotildees pertencem ou partici-
pam da mesma pois haacute carecircncia de esclarecimento para que de fato pudessem defender sua
escolha Reafirma que haacute uma rejeiccedilatildeo da sociedade com as religiotildees de matriz africana
O professor Eacutelcio Cadete da Silva nasceu dia 20 de agosto de 1984 eacute formado em His-
toacuteria pela Universidade Estadual do Maranhatildeo e professor da rede estadual de ensino Atual-
mente trabalha com comunidades quilombolas O professor nos relatou que cursou o ensino
fundamental na escola Joatildeo Marques Miranda e foi nessa eacutepoca que teve seu primeiro contato
com as entidades Lembra que houve vaacuterios casos de possessotildees na escola Como a escola
tinha (tem) dificuldade de lidar com estas questotildees comeccedilou a pesquisar as religiotildees de matriz
africana com foco no Bairro de Satildeo Benedito
Imagem 7- Eacutelcio Cadete Silva professor de Histoacuteria e Umbandista CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
Eacutelcio que se assume umbandista diz manter um diaacutelogo com os pais de santo do seu
entorno com o objetivo de manter uma relaccedilatildeo de proximidade com esses terreiros como for-
ma de discutir as relaccedilotildees de pertencimento Perguntado sobre religiatildeo ele relata que
A religiatildeo natildeo pode ser vista como cultura e sim como religiatildeo com
respeito de todos O terccedilo da missa eacute a guia do terreiro a banda de
muacutesica eacute os tambores a religiatildeo tem muita gente confundindo a reli-
giatildeo o capitalismo tem dificultado a fundamentaccedilatildeo nos cultos as
pessoas entram nos cultos e natildeo querem mais de aprofundar (EacuteLCIO
CADETE fevereiro 2019)
O professor enfatiza ainda o afastamento das verdadeiras tradiccedilotildees nos cultos afros
dado que em sua perspectiva muitas participam das celebraccedilotildees por motivos deturpados pois
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vecirc-se ldquoos salotildees cheio de danccedilantes no entanto muitos ali estatildeo unicamente para se firmar
sem buscar a origemrdquo
Quanto agrave relaccedilatildeo dos terreiros com a escola ele afirma que
Os terreiros se mostram abertos para o debate no entanto a escola
natildeo sabe lidar com essas questotildees por exemplo quando fiz o primaacute-
rio no Joatildeo Marques tive possessotildees e a escola natildeo soube lidar com a
situaccedilatildeo houve uma eacutepoca que a escola estava com constantes movi-
mentos de entidades foi chamado um padre e um pastor para resolve-
rem o problema esses falaram ao puacuteblico sobre o problema foi cha-
mado o pai de santo Luiacutes soacute que este fazia as coisas soacute no escondido
quando na verdade deveria explicar o que estava acontecendo vemos
que esse contato da escola com os terreiros soacute acontece assim as es-
curas o que confirma o despreparo da escola Quando o pai de santo
usava um banho na escola tinha que dizer que era aacutegua benta esse
sincretismo de objeto natildeo deveria acontecer a escola deveria nesse
momento fazer uso da experiecircncia e aproximar esse debate (EacuteLCIO
CADETE fevereiro 2019)
Sobre a sua visatildeo a respeito de como a instituiccedilatildeo vecirc as casas de cultos proacuteximas da
escola e da relaccedilatildeo que esta deveria ter com as mesmas considera que deveria haver maior
aproximaccedilatildeo entre ambas sobretudo por que a experiecircncia que este encontro proporcionaria
na aprendizagem tanto de adeptos quanto da proacutepria escola seria de grande valia para o com-
bate contra o preconceito Nessa mesma perspectiva Eacutelcio mostrou-se bem enfaacutetico
A escola precisa ensinar a religiatildeo africana como religiatildeo e natildeo co-
mo manifestaccedilatildeo natildeo adianta a escola trabalhar as datas sobre a po-
pulaccedilatildeo negra e natildeo fazer um trabalho que enraiacuteze essas informa-
ccedilotildees a escola tem sim pessoas que frequentam os terreiros e isto tem
que ser levado em consideraccedilatildeo o que temos observado nas escolas eacute
que o descuido com essas questotildees tem aumentado agrave evasatildeo escolar
tudo por conta da escola natildeo daacute atenccedilatildeo a essa situaccedilatildeo os terreiros
tem sim interesse em trocar essas experiecircncias mas a sociedade por
natildeo estaacute preparada acaba influenciando no espaccedilo escolar enquanto
natildeo enraizar essas questotildees o preconceito continuaraacute a fazer pessoas
natildeo seguirem suas crenccedilas a seguir no que acreditam eu sou um-
bandista assumido e faccedilo o que estaacute ao meu alcance para contribuir
com o divulgaccedilatildeo da religiatildeo (EacuteLCIO CADETE fevereiro 2019)
Raimunda Nonata Setubal Chaves mais conhecida como Diquinha nascida em 1960
eacute pedagoga e foi professora durante 25 anos do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda Atu-
almente natildeo estaacute em sala de aula Umbandista assumida uma das frases principais que utiliza
como se fosse uma espeacutecie de bordatildeo eacute a seguinte ldquoDeus deixou o mundo completo de tudordquo
A professora nos relatou que sua relaccedilatildeo com a umbanda eacute uma relaccedilatildeo de muito respeito e
identidade Uma das professoras mais antigas da escola e tendo em vista seu pertencimento
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religioso indaguei sobre como era agrave relaccedilatildeo da escola com a histoacuteria e cultura afro-brasileira
em sua eacutepoca antes e agora Ela nos descreveu haacute discriminaccedilatildeo e sempre haveraacute todavia
garante que muita coisa jaacute mudou sem explorar o elo entre as razotildees dessa permanecircncia e
sobretudo das mudanccedilas Como exemplo fez questatildeo de lembrar que agrave eacutepoca da professora
Floranilde organizou uma danccedila junina com seus alunos que no final de contas era um ritual
de pajeacute Danccedila muito requisitada naquele periacuteodo acredita que isso se dava pela curiosidade
que a populaccedilatildeo tinha a eacutepoca mas defende que esse foi um passo importante para abrir fissu-
ras no debate
Imagem 8- Professora Raimunda Nonata Setubal ChavesUmbandista Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
Sobre escola e religiatildeo africana a professora diz algo que parece ser agrave visatildeo da maioria
dos pais de santo quando relata que
Os terreiros estatildeo sempre abertos para receber quem quer que seja
preto branco pobre ricos a nossa religiatildeo eacute de partilha a escola
precisa abrir espaccedilo para que os debates ocorram temos muitos alu-
nos que sofrem de entidades mas natildeo sabem lidar quando isto acon-
tece na escola penso que esta realidade mudaraacute quando professores
de Sociologia Filosofia e Histoacuteria comeccedilarem a falar sobre estas
questotildees eacute preciso explicar que o mesmo Deus das outras religiotildees eacute
o mesmo dos terreiros eacute preciso respeitar o espaccedilo do outro a reli-
giatildeo do outro eu sempre que tenho uma oportunidade converso com
os alunos sobre o assunto as pessoas natildeo precisam se esconder Deus
deixou tudo certo no mundo Eu sou umbandista e me assumo em
qualquer lugar natildeo tenho como fugir ela me acompanha (RAI-
MUINDA NONATA S CHAVES fevereiro de 2019)
A uacuteltima de nossas entrevistadas eacute Maria Clara Cunha professora aposentada que
exerceu o magisteacuterio por 35 anos A nossa conversa com a pedagoga ocorreu de maneira bas-
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tante descontraiacuteda e em clima de grande receptividade a exemplo dos demais entrevistados
Quando perguntada sobre seu envolvimento com a religiatildeo afro ela fez questatildeo de frisar que
natildeo teve ldquopai de santo como dizem nos cultos pois nasci feitardquo E acrescenta que ainda hoje
continua trabalhando de mesa branca mas que tambeacutem tem linha de caboclo15
Durante muito
tempo danccedilou com o pai de santo Vicentinho localizado no bairro do Armazeacutem o qual teria
sido em suas proacuteprias palavras um excelente meacutedium Sobre a escola fala que houve uma
eacutepoca que na escola estava acontecendo muitos casos de alunos incorporando espiacuteritos para
resolver a situaccedilatildeo chamaram os sacerdotes Daacuterio e Vicentinho para realizarem trabalhos de
seguranccedila16
na escola o que veio a amenizar mais a situaccedilatildeo
Perguntada a respeito de como ela lidou com o seu proacuteprio pertencimento religioso
dentro do espaccedilo escolar relatou que sempre se assumiu na escola que desde cedo danccedilava e
que natildeo tinha vergonha de ser umbandista Embora soubesse que muitos natildeo gostavam e ateacute
houvesse situaccedilotildees em que colegas e alunos manifestavam desaprovaccedilatildeo (o que nos foi rela-
tado com certo bom humor) considera que ldquoisto eacute um dom que Deus daacute para as pessoas e que
elas precisam cumprir com esta obrigaccedilatildeordquo A imagem que nos cede para utilizaccedilatildeo neste
trabalho apresentada na paacutegina seguinte expressaria assim parte dessa autoconsciecircncia
Imagem 9- Clara Maria Cunha Professora MeacutediumUmbandista Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal 2019
15 Na religiatildeo afro-brasileira muitas satildeos as formas como as entidades se manifestam dentre estas haacute a linha de
mesa branca Satildeo pais matildees de santos e iniciados que desenvolvem trabalhos espirituais neste caso especiacutefico
natildeo haacute a utilizaccedilatildeo de tambores os cantos satildeo executados as entidades que se manifestam nos toques tambeacutem
arreiam na sessatildeo de mesa branca e realizam seus trabalhos de cura neste sentido existem pais de santo que
trabalham nas duas linhas de encantaria 16 O trabalho de seguranccedila realizado por pais e matildees se santo eacute uma atividade que se desenvolve uma chamada
espiritual eacute feito um trabalho para que as entidades que se manifestam naquele local incorporando nas pessoas se
afastem ou ateacute mesmo a pessoa que incorpora fica protegida pela orientaccedilatildeo dos pais de santos atraveacutes de suas
linhas de encantados
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Procuramos saber da professora a respeito de como a escola enxergava os terreiros
que ficavam nas proximidades do estabelecimento e como ela concebia o papel da escola nes-
se contexto Sua resposta como que retoma o mesmo eixo argumentativo dos demais
A escola sabe abertamente que os casos de alunos que recebem enti-
dades existem que quando foi diretora adjunta sempre procurava
aproximar o debate entre os alunos mas as vezes as situaccedilotildees que al-
gumas pessoas natildeo compreendem acredito que a escola precisa fazer
um trabalho mais direcionado para as religiotildees comeccedilamos uma vez
a chamar dois pais de santo para explicar sobre o que acontecia na
escola mas soacute que isto foi a muito tempo precisamos entender uma
coisa ldquo noacutes somos galinha se Deus se ele chama um filho seu para
exercer uma funccedilatildeo ele tem que exercer ateacute mesmo na hora da morte
se Deus escolhe um filho tem que ir Deus daacute Deus tira assim mesmo
eacute com a religiatildeo (Clara Maria Cunha 2019)
A escola tem sua funccedilatildeo enquanto escola para ajudar esses alunos
agora agraves coisas soacute natildeo estatildeo melhores por que os umbandistas natildeo se
unem para fazer as coisas acontecerem talvez se tivesse mais uniatildeo a
situaccedilatildeo seria outra mas o importante eacute que estamos tentando fazer
alguma coisa por exemplo eu faccedilo minha parte explico como satildeo as
coisas e espero que entendam afinal cada um tem que seguir seu des-
tino o destino que Deus lhe deu (Clara Maria Cunha 2019)
Em siacutentese parece fato inconteste entre os docentes a importacircncia que deve ser dada
ao estreitamento de relaccedilotildees e de compreensotildees entre escolas e terreiros Outro aspecto que
fica evidenciado nos relatos eacute que na praacutetica a resistecircncia parece vir predominantemente da
cultura escolar visto que os terreiros e suas lideranccedilas sempre deram mostras praacuteticas de inte-
raccedilatildeo e abertura de vias de diaacutelogo A questatildeo se torna ainda mais intrigante quando se perce-
be que essas relaccedilotildees natildeo satildeo estreitadas mesmo que os proacuteprios docentes tambeacutem pertenccedilam
a religiotildees afro-brasileiras Quer dizer geralmente quando pensamos na questatildeo da inclusatildeo
dos temas relativos agrave histoacuteria e cultura afro-brasileira no espaccedilo escolar levantamos a questatildeo
do pertencimento religioso dos estudantes mas poucos satildeo os trabalhos que problematizam
como os professores lidam com sua proacutepria identidade religiosa nessas condiccedilotildees Embora
natildeo seja esta a questatildeo principal da presente pesquisa trata-se de um problema que requereria
anaacutelise mais cuidadosa uma vez que abre um insuspeitado espaccedilo para pensar as resistecircncias
oriundas da forma escolar hegemocircnica para inclusatildeo dessa temaacutetica
Tendo explorado como a comunidade escolar e seus agentes percebem as relaccedilotildees en-
tre escola e terreiro passaremos no capiacutetulo seguinte agrave exploraccedilatildeo da proacutepria dinacircmica comu-
89
nitaacuteria de onde retiramos algumas importantes liccedilotildees para aplicaccedilatildeo das oficinas pedagoacutegicas
que compuseram o produto final desta dissertaccedilatildeo
90
CAPIacuteTULO 4 ndash DA COMUNIDADE PARA A ESCOLA histoacuterias percepccedilotildees e experi-
ecircncias de um diaacutelogo possiacutevel
Meu Satildeo Benedito sua manga cheira
A cravos e rosas e flor de laranjeira
Meu Satildeo Benedito jaacute foi cozinheiro
E hoje eacute santo de Deus verdadeiro
Meu Satildeo Benedito estrela do norte
Guiai-me meu santo na vida e na
Morte
(Domiacutenio popular)
Talvez um dos fatos mais curiosos no decorrer da pesquisa foi agrave constataccedilatildeo de muitos
relatos de que alunos eram incorporados por encantados nos horaacuterios de aula Como vimos
nas entrevistas esses acontecimentos satildeo interpretados pelos docentes em funccedilatildeo do local
onde a escola foi construiacuteda Vaacuterios deles chegaram mesmo a explicar que como natildeo pediram
permissatildeo para construccedilatildeo da escola aos donos do local os ldquoencantadosrdquo as possessotildees ocor-
riam Outro fato importante relatado pelos docentes foi que sempre que ocorriam fatos dessa
natureza eles chamavam um pai de santo de um terreiro proacuteximo agrave escola para que assim o
problema pudesse ser resolvido Inclusive em uma dessas visitas para auxiliar alunos incor-
porados um pai de santo teria advertido quanto agrave necessidade de realizar um trabalho de des-
pacho para que este tipo de situaccedilatildeo parasse de acontecer Como seraacute visto no decorrer deste
mesmo capiacutetulo esses relatos tambeacutem satildeo muito comuns entre pais e matildees de santo que vi-
vem proacuteximos agrave escola
Para o momento eacute oportuno destacar o fato baacutesico que esteve no ponto de partida des-
te trabalho qual seja desde que tive a oportunidade de atuar profissionalmente na referida
escola sempre achei impressionante a quantidade de terreiros proacuteximos ao estabelecimento de
ensino sem que essa situaccedilatildeo produzisse efeitos sobre as iniciativas pedagoacutegicas em curso
voltadas para o diaacutelogo e integraccedilatildeo com a comunidade neste plano Obviamente devo incluir
nesse quadro as proacuteprias dificuldades que tive Essa dissertaccedilatildeo resulta justamente desse in-
cocircmodo e do sentimento de impotecircncia decorrente disso como tive a oportunidade de enfati-
zar paacuteginas atraacutes
91
Ocorre que observado com o olhar treinado pela passagem no mestrado em His-
toacuteria Ensino e Narrativas pude notar que essa disjunccedilatildeo entre escola e comunidade eacute bem
maior A impressatildeo que se tem eacute de que a escola constitui uma espeacutecie de forte contra as in-
cursotildees aberturas e janelas criadas pelo cotidiano mesmo da comunidade como se pode notar
ao observar a importacircncias das diversas festas populares que ocorrem no bairro Visto desta
perspectiva jaacute natildeo se trata aqui tatildeo somente das religiosidades afro-brasileiras como tambeacutem
da proacutepria dificuldade de incorporar ao espaccedilo escolar as temaacuteticas culturais e histoacutericas mais
amplas conectadas aos saberes e fazeres da cultura africana e afro-brasileira o que esteve no
princiacutepio do formato final de nossa proposta pedagoacutegica Em siacutentese a reflexatildeo sobre esse
quadro levou-me a tentar compreender como a instituiccedilatildeo escolar encontra-se em pleno des-
compasso com a integraccedilatildeo ao mundo cultural e histoacuterico das proacuteprias camadas populares e
suas diferentes representaccedilotildees
Enquanto no capiacutetulo anterior exploramos de maneira diagnoacutestica como a cultura es-
colar selecionada lida e percebe as relaccedilotildees entre escola e o legado da histoacuteria e cultura afro-
brasileiras neste trabalho pretendemos explorar parte da histoacuteria do bairro e dos terreiros
com foco sobre as casas localizadas proacuteximo agrave escola Para tanto apoacutes tecermos algumas con-
sideraccedilotildees a respeito das pesquisas realizadas nesse campo de estudos (baseando-nos princi-
palmente nos trabalhos regionais disponiacuteveis a respeito) passamos a uma breve incursatildeo so-
bre a dinacircmica do bairro e de suas festas populares as histoacuterias e memoacuterias dos terreiros e
lideranccedilas religiosas principais e suas visotildees sobre as relaccedilotildees entre terreiros e escolas Em
particular neste uacuteltimo eixo objetivamos saber dos Pais de Santo que aceitaram dar entrevis-
tas como eles observam o papel da escola naquela configuraccedilatildeo Por fim voltamo-nos para a
descriccedilatildeo das oficinas que realizamos na escola
Conveacutem esclarecer que se optamos por posicionar as oficinas neste capiacutetulo que
em tese seria mais voltado para o contexto externo da escola - o bairro seus terreiros e pesso-
as eacute porque concluiacutemos haver um potencial educativo notoacuterio no movimento que vai dos ter-
reiros para a escola Como visto ao longo das oficinas realizadas a sensaccedilatildeo que fica eacute de que
somente atraveacutes da realizaccedilatildeo de atividades planejadas didaticamente a partir do proacuteprio local
eacute que a instituiccedilatildeo escolar e seus profissionais poderatildeo avanccedilar no alcance de metas que jaacute
estatildeo claras muito embora encontrem diversas resistecircncias para sua efetivaccedilatildeo As oficinas
constituiacuteram pois uma ocasiatildeo para promoccedilatildeo do encontro desses dois mundos tatildeo proacuteximos
geograficamente contudo ao mesmo tempo tatildeo distantes em termos de reconhecimento
92
41 Perspectivas de investigaccedilatildeo sobre a histoacuteria e cultura afro-brasileiras no Maranhatildeo
Durante a uacuteltima deacutecada muita coisa mudou tambeacutem no acircmbito das religiotildees no Bra-
sil O censo de 2000 nos diz que o paiacutes estaacute hoje menos catoacutelico mais evangeacutelico e menos
afro-brasileiro Velhas tendecircncias foram confirmadas novas direccedilotildees vatildeo se impondo Religi-
otildees receacutem-criadas se enfrentam com as mais antigas velhas religiotildees assumem novas formas
e veiculam renovados conteuacutedos para enfrentar a concorrecircncia mais acirrada no mercado reli-
gioso (PRANDI 2003 p 16) Neste cenaacuterio de tracircnsito e novas denominaccedilotildees religiosas
ressaltamos a importacircncia de revisitar algumas concepccedilotildees sobre religiatildeo afro-brasileiras
Trata-se de um exerciacutecio importante natildeo apenas para municiar o trabalho com os aportes das
pesquisas realizadas sobre o tema como tambeacutem para fundamentar as intervenccedilotildees pedagoacutegi-
cas no cenaacuterio escolhido
Oriundas de formaccedilotildees sincreacuteticas no processo de escravizaccedilatildeo as religiotildees afro-
brasileiras mais antigas foram formadas no seacuteculo XIX (PRANDI 2000) Ao longo de todo
empreendimento colonizador o catolicismo era a religiatildeo do Estado participando ativamente
do processo de afirmaccedilatildeo do ethos europeu Nessa conjuntura as tradiccedilotildees religiosas africa-
nas eram vistas como formas religiosas demoniacuteacas devendo consequentemente ser extirpa-
das Para manter suas formas doutrinaacuterias originaacuterias os africanos trazidos para o novo mun-
do tiveram que adotar entatildeo estrateacutegias de sobrevivecircncia e adaptaccedilatildeo O sincretismo que se
pode identificar em diferentes festas religiosas populares e particularmente na maneira como
se combinam no universo afro-catoacutelico as relaccedilotildees entre santos e orixaacutes no Brasil e nas Ameacute-
ricas resultam concretamente dessas estrateacutegias (FERRETTI 1998) Obviamente aleacutem das
estrateacutegias de resistecircncia o que entra em pauta aqui tambeacutem eacute a recriaccedilatildeo de uma Aacutefrica sim-
boacutelica cuja forccedila e penetraccedilatildeo estende para muito aleacutem do acircmbito propriamente religioso
(PRANDI 2000)
Seja como for o fato eacute que as formas religiosas de origem africana firmaram espaccedilo
em solo brasileiro seja atraveacutes do candombleacute17
(PRANDI 2000) na Bahia do tambor de mi-
na18
do Maranhatildeo (FERRETI 1996) do xangocirc 19
de Pernambuco e do batuque20
do Rio Gran-
17 Candombleacute eacute uma religiatildeo afro-brasileira derivada de cultos tradicionais africanos na qual haacute crenccedila em um
Ser Supremo e culto dirigido a forccedilas da natureza personificadas nas formas ancestrais divinizados orixaacutes vo-
duns ou inquices dependendo da naccedilatildeo o estado da Bahia concentra um grande nuacutemero de terreiros de candom-
bleacute as casas satildeo dirigidas por babalorixaacutes e yalorixaacutes estes dirigentes possuem os conhecimentos do culto e sua
indicaccedilatildeo eacute feita pelos orixaacutes atraveacutes do jogo de buacutezios (PRANDI 2000 p 61) 18 Eacute a denominaccedilatildeo mais difundida das religiotildees afro-brasileiras no Estado do Maranhatildeo A pala-
vra tambor deriva da importacircncia do instrumento nos rituais de culto Mina deriva de negro-mina de Satildeo Jorge
93
de do Sul (PRANDI 2000 p 62) da Umbanda21
(FELINTO 2012) no Rio de Janeiro entre
outros Trata-se no entanto de uma histoacuteria de resistecircncia que ainda se prolonga no tempo
dado que os cultos ainda sofrem perseguiccedilotildees por todo paiacutes e natildeo satildeo poucos os exemplos
contemporacircneos concretos de intoleracircncia religiosa no Brasil Em grande medida isto se deve
agrave proacutepria maneira como essas religiotildees foram concebidas pelo discurso religioso dominante
Mesmo diante das praacuteticas de intoleracircncia Os cultos afro-brasileiros sobrevivem como
uma rede de resistecircncia e apoio agrave populaccedilatildeo afrodescendente Vale explicitar as denominaccedilotildees
mais populares no Brasil O candombleacute que se instalou no estado da Bahia se desenvolve em
forma de casas templos onde a maioria dos adeptos moram e desenvolvem cerimonias agraves enti-
dades Os deuses cultuados nesta praacutetica religiosa satildeo os Orixaacutes forccedilas da natureza que invo-
cados incorporam nos seus filhos e executam danccedilas sagradas Paramentados com suas vestes
rituais nos cultos eles executam tambeacutem processos de cura e conversas com os participantes
(FELINTO 2012) Os orixaacutes mais populares no Brasil satildeo Exuacute Ogum Iansatilde Oxum Oxoacutes-
si Ossaim Obalouaecirc Oxumereacute Iemanjaacute Xangocirc Nanatilde e Oxalaacute todos esses deuses possuem
caracteriacutesticas especificas cores ferramentas e liturgias que acompanham a danccedila ritual co-
mo teremos a oportunidade de destacar no produto desta dissertaccedilatildeo
O Tambor de Mina popularmente difundido no Maranhatildeo natildeo se diferencia em muito
do candombleacute Os cultos acontecem em invocaccedilatildeo aos Voduns e Caboclos que visitam os
terreiros incorporando nos iniciados O ritual inicia-se em liacutengua de acordo com a naccedilatildeo ao
qual pertencem Os Voduns assim como os orixaacutes satildeo forccedilas que simbolizam elementos da
natureza No Maranhatildeo haacute trecircs importantes casas que foram fundadas por mulheres africanas
da Mina denominaccedilatildeo dada aos escravos procedentes da ldquocosta situada a leste do Castelo de Satildeo Jorge da Minardquo no atual Repuacuteblica do Gana trazidos da regiatildeo das hoje Repuacuteblicas do Togo Benin e da Nigeacuteria que eram co-
nhecidos principalmente como negros mina-jejes e mina-nagocircs (FERRETI 1996 35) 19 Xangocirc de Pernambuco tambeacutem conhecido como Xangocirc do Recife eacute uma religiatildeo afro-brasileira O nome eacute dado em virtude da popularidade e importacircncia de Xangocirc nessa regiatildeo (PRANDI 2000 p 60) 20 Batuque eacute uma denominaccedilatildeo as religiotildees afro-brasileiras de culto aos orixaacutes encontrados principalmente no
estado do Rio Grande do Sul Brasil de onde se estendeu para os paiacuteses vizinhos tais como Uruguai e Argentina
O batuque eacute fruto de religiotildees dos povos da Costa da Guineacute do Benim e da Nigeacuteria com as na-
ccedilotildees Jecircje Ijexaacute Oyoacute Cabinda e Nagocirc Hoje o Batuque possui centenas de casas e inuacutemeros praticantes e adep-
tos (PRANDI 2000 p 62) 21A Umbanda eacute uma religiatildeo brasileira que sintetiza vaacuterios elementos das religiotildees africanas e cristatildes poreacutem sem
ser definida por eles Formada no iniacutecio do seacuteculo XX no sudeste do Brasil a partir da siacutentese com movimentos
religiosos como o Candombleacute o Catolicismo e o Espiritismo Eacute considerada uma religiatildeo brasileira por exce-
lecircncia com um sincretismo que combina o Catolicismo a tradiccedilatildeo dos orixaacutes africanos e os espiacuteritos de origem
indiacutegena (FELINTO 2012 p15)
94
e possuem grande longevidade a Casa das Minas22
(FERRETI 1996) que pertence ao tronco
Jecircje Nagocirc a Casa de Nagocirc23
(FERRETI 2009) que pratica ritos da cultura nagocirc e a Casa de
Fanti-ashanti24
com predominacircncia da Cultura Ashanti (FERRETTI 2000)
Igualmente como nas tradiccedilotildees religiosas em Aacutefrica estas casas trabalham na ideia de
hierarquia tendo na pessoa do pai e da matildee de santo os responsaacuteveis por conduzirem os cultos
Na Casa das Minas os Voduns satildeo representados sobre a noccedilatildeo de famiacutelias sob o comando de
seus chefes Os mais conhecidos satildeo Toacutei Zomadocircnu o dono da Casa das Minas famiacutelia de
Quevioccedilocirc famiacutelia de Toacutei Acoacutessi Sapataacute Odan Toacutei Dadarrocirc Toacutei Doccediluacute-Bogueccedilagajaacute Toacutei Be-
digaacute Nochegrave Sepazin e Toacutei Averequecircte (FERRETI 1996) A Casa de Nagocirc dedica-se aos cul-
tos dos orixaacutes nagocircs como Afrekete Ogum Iemanjaacute Logunedeacute Yewaacute aleacutem de contar tam-
beacutem com entidades caboclas chamadas de Gentis a exemplo de Dom Luiacutes Rei de Franccedila
Dom Joatildeo Dom Floriano Seu Zezinho de Amaramadatilde Rei da Turquia Seu Leacutegua Bogi Jo-
atildeo da Mata (FERRETI 2009) A Casa de Fanti- Ashanti eacute uma conhecida casa de culto no
Maranhatildeo que realiza toques de mina e baiatildeo (FERRETI 1991)
Outro forte aspecto da religiatildeo afro-brasileira eacute a Umbanda considerada como uma
crenccedila genuinamente brasileira A Umbanda tem seus fundamentos firmados com elementos
do candombleacute catolicismo e espiritismo combinando uma variedade de entidades que se ma-
nifestam nos terreiros em casos de iniciados (FELINTO 2012 p15) Os ritos satildeo diversifica-
dos na maneira como se desenvolvem Os cultos se apresentam com entidades das mais dife-
rentes naccedilotildees como iacutendios orixaacutes fidalgos e caboclos entre outros o que a torna uma mani-
festaccedilatildeo diversificada
22 Tambor de mina eacute uma religiatildeo de matriz africana organizada no Maranhatildeo na primeira metade do seacuteculo
XIX) FERRETI M 2009 p 2) A Casa das Minas ou Querebentatilde de Zomadocircnu localizada na Rua Satildeo Panta-
leatildeo atual Rua Senador Costa Rodrigues bairro da Madre de Deus em Satildeo Luiacutes eacute a mais antiga casa de religiatildeo
afro-brasileira do Maranhatildeo Foi provavelmente fundada em meados do seacuteculo XIX por negros jecircje oriundos do
sul de Benin (antigo Daomeacute) A memoacuteria oral transmitida entre as geraccedilotildees conta que a Casa das Minas foi fundada por Maria Jesuiacutena ndash que adorava Zomadocircnu e que teria passado pelo ritual para se tornar matildee ainda na
Aacutefrica (FERRETI 1996 p 39) 23A Casa de Nagocirc eacute uma casa de Tambor de Mina localizada no centro histoacuterico de Satildeo Luiacutes no estado
do Maranhatildeo Dedica-se ao culto dos orixaacutes nagocircs foi fundada agrave eacutepoca do Brasil Impeacuterio
por malungos africanos Dedica-se ao culto dos orixaacutes nagocircs possuindo hierarquia matriarcal uma de suas mais
importantes voduacutensis foi a Matildee Dudu por quem era conhecida Victorina Tobias Santos (1886-1988) filha de
Iemanjaacute e que muito contribuiu para o seu tombamento (FERRETI M 2009 p3) 24A Casa Fanti-Ashanti foi fundada em 1954 Os Fanti e os Ashanti eram povos da antiga Costa do Ouro atual
Repuacuteblica de Gana Eacute uma Casa de Mina e Candombleacute que manteacutem a tradiccedilatildeo desde sua fundaccedilatildeo Haacute tambeacutem
rituais ligados agrave pajelanccedila ao catolicismo popular (Espiacuterito Santo) (FERRETI M 2000 p5)
95
Em suma como bem destacado por Carlos Benedito Rodrigues da Silva (2015) essa eacute
uma histoacuteria de sincretismo que emerge a partir da proacutepria diaacutespora que perpassa as relaccedilotildees
assimeacutetricas entre colonizadores e colonizados mas que tambeacutem denota o movimento dinacirc-
mico de transgressatildeo adaptaccedilatildeo irreverecircncia que eacute protagonizado pelos negros e afrodescen-
dentes e que constroem novas relaccedilotildees com a religiosidade O que ldquoresulta portanto em no-
vos elementos interpretativos que datildeo conta da anaacutelise de um cenaacuterio social altamente plura-
lizado de reconstruccedilatildeo das tradiccedilotildees de redefiniccedilotildees de identidades de ressignificaccedilotildees da
vida cotidianardquo (SILVA 2015 p 161)
Deslocando um pouco o eixo de argumentaccedilatildeo anterior valeria agrave pena tecer algumas
consideraccedilotildees a respeito das pesquisas realizadas sobre religiatildeo e cultura popular no Mara-
nhatildeo Para tanto recorro principalmente ao trabalho de Ferretti (2015) um dos principais res-
ponsaacuteveis pelo incentivo ao estudo sobre as religiotildees de origem africana na regiatildeo Conforme
o autor diferentemente de outras regiotildees como a baiana no Maranhatildeo eacute basicamente a partir
da deacutecada de 1980 com os trabalhos do proacuteprio autor e da pesquisadora Mundicarmo Ferreti
que a temaacutetica comeccedila a ganhar destaque dentro da universidade Paulatinamente umas seacuteries
de alunos da graduaccedilatildeo e do mestrado comeccedilaram a redigir trabalhos sobre religiotildees de ori-
gem africana nos quadros do Grupo de Pesquisa Religiatildeo e Cultura Popular iniciado em 1992
no Departamento de Sociologia e Antropologia e em diversos programas de Poacutes-Graduaccedilatildeo
da Universidade Federal do Maranhatildeo Da mesma forma ganha destaque os trabalhos publi-
cados no Boletim da Comissatildeo Maranhense de Folclore (CMF) conformando aportes funda-
mentais para o estudo da temaacutetica em nosso meio (FERRETTI 2015) Deve-se dar destaque
tambeacutem agraves pesquisas que vecircm sendo realizado por Silva (2015) acerca das festas populares e
que tem tambeacutem enfatizado o quanto haacute um entrelaccedilamento de diferentes religiosidades e cul-
turas na populaccedilatildeo maranhense
42 Descrevendo o bairro Satildeo Benedito festas populares e tracircnsitos religiosos
O Bairro Satildeo Benedito faz divisa ao leste com os bairros de Cearaacute e Centro (Tra-
vessa Comandante Joseacute Santos) ao norte com os bairros Centro e Brasiacutelia (Rua Getuacutelio Var-
gas) ao oeste com o bairro Rodagem (Rua Joaquim Reis) ao sul faz divisa com o Rio Satildeo
Lourenccedilo (FUNASA 2019) Atualmente possui um conjunto arquitetocircnico de 1016 (mil e
dezesseis) preacutedios distribuiacutedos entre residecircncias preacutedios comerciais igrejas e terreiros de
cultos afros Apresentamos abaixo um mapa para permitir a visualizaccedilatildeo do periacutemetro do
96
bairro Atenccedilatildeo deve ser dada agrave posiccedilatildeo geograacutefica do Centro de Ensino Joatildeo Marques Mi-
randa posicionado no centro do bairro
Imagem 10- Mapa do Bairro de Satildeo Benedito
Fonte Google Maps 2019
Do ponto de vista da distribuiccedilatildeo dos estabelecimentos religiosos o bairro estaacute distri-
buiacutedo da seguinte maneira na Praccedila Siqueira Campos fica localizada a igreja de Satildeo Benedi-
to na Travessa Vilela de Abreu estaacute situado o Templo da Igreja Quadrangular e na Rua Joatildeo
Miranda o Templo da Assembleia de Deus e em todo bairro localizamos 18 (dezoito) terrei-
ros de religiatildeo de matriz africana e 09 (nove) quartos altares25
dos quais falaremos mais adi-
ante A populaccedilatildeo que reside no bairro gira em torno de 2439 (dois quatrocentos e trinta e
nove) habitantes (FUNASA 2019) e da mesma forma que para o restante do municiacutepio o
puacuteblico eacute majoritariamente negro
A histoacuteria do bairro possui uma relaccedilatildeo muito proacutexima com o aparecimento da ima-
gem de Satildeo Benedito Populares contam que ela foi encontrada sobre uma pedra onde foi edi-
ficado o primeiro barracatildeo para realizaccedilatildeo dos primeiros cultos local onde hoje estaacute construiacute-
do o santuaacuterio ainda conforme esses relatos a referida imagem possuiacutea algumas caracteriacutesti-
cas como mudar de local jorrar sangue ao ser perfurada tendo inclusive sido levada agrave Santa
25 Denominaccedilatildeo empregada para se referir a espaccedilos onde os pais matildees que ainda natildeo possuem barracatildeo exer-
cem suas atividades espirituais dentre estas trabalhos de consultas e curas e obrigaccedilotildees onde guardam seus
relicaacuterios para os filhos de santos eacute o espaccedilo onde iniciam sua aprendizagem ateacute assumirem postos de pais e
matildees de santo ( AHLET 2016 p 277) Haacute religiosos que preferem os quartos altares em vez de barracotildees afir-
mando ser muita responsabilidade assumir um terreiro Encontramos muitos casos na pesquisa como o Senhor
Sebastiatildeo Conde que afirma preferir seu quarto de segredo em virtude de ter outras profissotildees e natildeo poder se
dedicar aos cultos (BASTINHO 2019)
97
Seacute (RIBEIRO 2014) Esta compotildee inclusive parte das principais narrativas alimentadas em
torno do conhecido festejo ao Glorioso Satildeo Benedito
De maneira geral conforme o historiador Paulo Henrique Ribeiro (2014) o surgimen-
to dos primeiros cultos em homenagem ao santo remonta a meados do seacuteculo XIX Para tanto
destacou-se o papel da Irmandade negra de Satildeo Benedito a qual apesar de natildeo ser regula-
mentada seguia os mesmos padrotildees de irmandades registradas A notoriedade e longevidade
histoacuterica do festejo remonta portanto a esse contexto (COSTA 2014)
Quanto agrave construccedilatildeo das edificaccedilotildees Ribeiro (2014) afirma que a primeira igreja em
devoccedilatildeo ao santo foi construiacuteda em 1871 tendo sido reformada e ampliada em 1926 O tem-
plo que seguia os padrotildees com apenas uma torre sineira teve sua fachada alterada para o atual
modelo somente em 1986 permanecendo hoje com trecircs torres tendo sido chamado desde
entatildeo de Santuaacuterio de Satildeo Benedito (COSTA 2014)
O Bairro de Satildeo Benedito tem no festejo ao padroeiro um exemplo muito concreto dos
fortes tracircnsitos entre o sagrado e o profano na localidade O festejo acontece na primeira se-
mana de outubro em forma de novenaacuterio catoacutelico possuindo um seacuteculo e meio de festivida-
de Aleacutem das missas o festejo tambeacutem conta com uma seacuterie de outras atividades organizadas
por grupos de leigos Destaca-se nesse sentido as atividades de muacutesicas de orquestra agrave noite
e o tradicional leilatildeo que acontece ao teacutermino das missas Neste os objetos leiloados satildeo ori-
undos de promessas feitas por devotos que comprovam o recebimento de graccedilas alcanccediladas
por intermeacutedio do santo Aleacutem das festividades durante os dias de festejo haacute pagamentos de
promessas ofertas de presentes vigiacutelia Pungadas e rimas na roda de tambor tambeacutem satildeo or-
ganizadas recorrentemente
Agravequeles que jaacute estatildeo acostumados com o sincretismo dessas festas religiosas talvez
natildeo se torne assim tatildeo claro o quanto esses eventos mesclam siacutembolos culturais e identitaacuterios
distintos criando um acontecimento social bastante dinacircmico Esse ambiente de trocas e tracircn-
sitos religiosos torna comum ao longo do ciclo dos eventos na localidade agrave introduccedilatildeo do
tambor de crioula de ladainhas toque aos voduns homenagens a caboclos e procissotildees Essas
praacuteticas evidenciam a dinacircmica religiosa que eacute constitutiva do bairro de Satildeo Benedito com
seus templos catoacutelicos templos-terreiro e templos de matriz africana que de uma forma ou de
outra aglutinam a populaccedilatildeo que transitam nos campos da religiosidade popular cururupuense
Inferimos portanto que esses devotos em sua maioria antes mesmo de participarem
de atividades que aos olhos de muitos desconstruiria a imagem idealizada do bom devoto
participam religiosamente dos cultos de matriz catoacutelica demonstrando como o festejo cami-
98
nha com essa dinacircmica Os tambores que soam em homenagem ao santo traduzem ao mesmo
tempo uma troca nesses espaccedilos de religiosidades mas tambeacutem a permanecircncia de uma cultura
ancestral que vieram com os negros escravizados para esta terra isto evidencia que a ldquoassoci-
accedilatildeo entre sagrado e profano dentro da cultura negra permitiu que esses transladados e seus
descendentes cultivassem natildeo soacute uma cultura musical mas tambeacutem uma permanecircncia religio-
sa de sua terrardquo (CUTRIM 2016 p264)
Haacute exatos oitenta anos o cotidiano do bairro eacute animado por um coro de vozes sobretu-
do nos dias de festejo sendo a melodia mais executada O hino em louvor a Satildeo Benedito
guarda um fato curioso acerca de sua composiccedilatildeo Tendo sua primeira versatildeo composta no
ano de 1938 (MARLINA MIRANDA 2019)26
pelos cururupuense Manoel Miranda e Libera-
lino Miranda muacutesicos renomados na memoacuteria no bairro foi somente deacutecadas depois quando
da vinda da missatildeo canadense para Cururupu que o hino adquiriu o seu formato final devido
agrave colaboraccedilatildeo do Padre Joatildeo Fillion o qual inseriu duas estrofes na composiccedilatildeo Expomos
abaixo o hino em sua versatildeo mais atual ndash aquela que eacute entoada nas atividades regulares do
festejo
Haacute humildade privileacutegios de almas puras que os anjos cultivam nesta Val
quero tecirc-la como tu bem a tiveste sendo meu fanal
(Refratildeo)
Vecirc teus filhos na tormenta desta vida Benedito laacute no seu trono de luz roga a Deus uma benccedilatildeo bem fecunda ao paiacutes da santa cruz
Deus altiacutessimo no ceacuteu te resplandece povo humilde nesta terra te bendiz
manifesta-se em cantos de louvor gente bem feliz Glorifico nesta hora e para sempre o teu nome excelso em cada geraccedilatildeo
manso e puro como tu Satildeo Benedito quero ser cristatildeo
Tu que vives laacute perto do nosso Deus ensinai-nos a praticar o amor para que tambeacutem conquistemos os ceacuteus com todo ardor
Fortifica-nos em nossa caminhada para um Reino de verdade e de paz con-
fiantes esperamos tua ajuda que tudo nos faz (Manoel Miranda Liberalino
Miranda Joatildeo Fillion Marlina Miranda)
Com efeito caberia tambeacutem destacar a importacircncia de outro festival que tem lugar no
Bairro de Satildeo Benedito Trata-se do Festival de Carro de boi que eacute realizado no mecircs de no-
vembro exatamente no Dia Nacional da Consciecircncia Negra A histoacuteria do festival tem iniacutecio
no ano de 2011 por iniciativa da Associaccedilatildeo de Moradores de Rio de Pedra e o Instituto Ne-
gro Cosme Maria de Nazareacute que eacute uma das organizadoras narra que o festival tem uma his-
toacuteria bastante interessante
26 Marlina Miranda eacute uma professora aposentada que reside no bairro de Satildeo Benedito filho do muacutesico cururu-
puense Manoel Miranda eacute pesquisadora de cultura popular compositora e foliatilde eacute a guardiatilde dos antigos blocos de
mulheres haacute 16 anos comanda o Bloco de Mulheres ldquoCOMO ANTIGAMENTErdquo no carnaval de Cururupu
(MARLINA MIRANDA 2019)
99
De acordo com a informante quando da visita de um pesquisador que estudava as co-
munidades quilombolas e que achou muito bonito o som que era emitido pelas rodas dos car-
ros de boi quando estas estavam em movimento este propocircs agrave comunidade que realizassem
alguma atividade para evidenciar aquele som e aquele haacutebito cultural Segundo argumento
aleacutem do som os carros de boi eram sinal de uma resistecircncia que mereceria ser celebrada em
um festival
Imagem 11- Festival do Carro de Boi na Praccedila Satildeo Benedito CururupuMA
Fontelthttpcururupumagovbrnoticiax-encontro-de-carro-de-bois-cortejo-
acontece- neste-domingo282 gt Acesso em 10 de mar 2019
Ainda conforme nossa informante logo no iniacutecio o evento foi realizado no bairro do
Armazeacutem (Praccedila Guarani) o que ela considera natildeo ter tido o objetivo esperado Jaacute no ano se-
guinte ele foi transferido para a Praccedila de Satildeo Benedito ganhando o status que tem hoje O
evento acontece em trecircs dias Uma semana antes da culminacircncia satildeo realizadas atividades de
Accedilatildeo Social Durante essa atividade os organizadores providenciam uma equipe de meacutedicos e
enfermeiros para realizar diferentes atividades como afericcedilatildeo da pressatildeo e testes laboratoriais
raacutepidos Aleacutem disso na abertura da festividade eacute realizada a missa dos quilombos Poreacutem
para Maria de Nazareacute essa missa acaba por natildeo ter o mesmo puacuteblico esperado das missas tra-
dicionais visto que parece haver resistecircncia por parte de uma parcela da comunidade que natildeo
aceitam a missa aos moldes como se apresentam Por fim encerra afirmando que
Pra noacutes comeccedilarmos essa missa tivemos que recorrer a Meridelma
que faz parte da igreja pra nos ajudar a organizar a missa na igreja
mas mesmo assim ainda tem resistecircncia de alguns membros Eles vatildeo
100
ter que se acostumar porque o santo eacute negro e a missa eacute pra negro
que eles queiram ou natildeo noacutes vamos resistir noacutes temos que mostrar
nossa cultura (MARIA DE NAZAREacute 2019)
Na programaccedilatildeo haacute uma noite cultural com demonstraccedilatildeo de manifestaccedilotildees afro e ao
final a realizaccedilatildeo do Concurso Beleza Negra Mirim No terceiro dia logo pela manhatilde eacute ofere-
cido um cafeacute da manhatilde partilhado em que as comunidades contribuem com uma iguaria da
sua produccedilatildeo Atualmente o cafeacute eacute servido em dois extremos da cidade um no bairro de Ro-
dagem no Siacutetio Pascoal e outro no bairro de Pitombeira A culminacircncia acontece com a saiacuteda
dos dois cortejos com os carros se encontrando no bairro Rodagem onde inicia o cortejo pelas
ruas de Cururupu guiadas por grupos de tambor de crioula
Nesse Festival o cortejo eacute composto da seguinte forma carro cantador carro original
com as seacutebias27
e carro ornamentado com elementos da roccedila Ao final do evento satildeo entregues
trofeacuteus e certificados aos participantes Ressalta-se que dentro do contexto histoacuterico dos feste-
jos realizados no bairro de Satildeo Benedito haacute uma participaccedilatildeo efetiva dos devotos cada um
com suas proacuteprias peculiaridades Outro aspecto a ser destacado aleacutem da forte presenccedila da
comunidade eacute que esses festejos conferem lugar especial agrave presenccedila dos siacutembolos negros
Quer dizer aleacutem de alimentarem devoccedilotildees e ofertarem diversatildeo aos seus fieacuteis e participantes
dando mostras do caraacuteter intrinsecamente sincreacutetico das festas populares eles tambeacutem const i-
tuem iniciativas que contribuem para a valorizaccedilatildeo da memoacuteria dos legados e valores associ-
ados agrave populaccedilatildeo negra e sua ancestralidade
Quer dizer seria questionaacutevel perceber nesses eventos somente o seu cunho festivo
propriamente dito Eacute notoacuteria a presenccedila da busca de atividades que reverenciem a resistecircncia
do povo negro ao longo da histoacuteria bem como o papel devotado dos envolvidos em trabalhar a
questatildeo poliacutetica como forma de evidenciar o papel do movimento negro Maria de Nazareacute ao
se referir sobre os caminhos que o Festival deve traccedilar argumenta que a pretensatildeo eacute que esses
movimentos cheguem agraves escolas fazendo parte do calendaacuterio como uma atividade que agrega
valores agrave comunidade e sobretudo resgata a ancestralidade da formaccedilatildeo do povo cururupuen-
se No tocante a isto percebemos a importacircncia dos festejos e das histoacuterias vivenciadas no
bairro como uma construccedilatildeo de identidades compartilhadas a partir das quais esses sujeitos
organizam formas de demarcar os espaccedilos como possiacuteveis de reaver as contribuiccedilotildees das po-
pulaccedilotildees ali envolvidas na formataccedilatildeo da sociedade cururupuense inserindo nisto a participa-
27 Trama de vara e cipoacute feita para colocar do lado da mesa do carro auxiliando na proteccedilatildeo dos materiais ali
alojados atualmente as seacutebias satildeo feitas de ripas com prego no Festival de Carro de Boi o criteacuterio satildeo seacutebias
artesanais feitas em material bruto
101
ccedilatildeo dos diferentes povos que contribuem para esta organizaccedilatildeo observamos nestes eventos
uma convivecircncia nas relaccedilotildees que aproximam os envolvidos numa construccedilatildeo de parcerias
43 Histoacuterias de terreiros terrenos de memoacuterias e de histoacuterias
A finalidade principal deste toacutepico eacute descrever e apresentar algumas das histoacuterias
de pais e matildees de santo que aceitou nos dar entrevistas e cujos terreiros situam-se em torno
do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda Essas entrevistas foram realizadas em tom de
bastante receptividade muito embora as respostas obtidas tenham sido bastante tiacutemidas Seja
como a despeito do caraacuteter conciso das respostas e daquilo que eacute suscetiacutevel de ser discutido
aqui ainda assim suas histoacuterias ajudam a compreender parte da histoacuteria do local e das rela-
ccedilotildees entre terreiros e escolas A compreensatildeo disso eacute tanto mais importante quanto se sabe
que a escola se encontra em uma situaccedilatildeo limiacutetrofe com diversos terreiros o que poderia fa-
vorecer uma aproximaccedilatildeo entre esses espaccedilos e seus processos educativos Abaixo segue um
mapa em que indicamos os terreiros que existem proacuteximos ao estabelecimento de ensino
Imagem 12- Terreiros do Bairro de Satildeo Benedito
Fonte Google Maps 2019
Apresentamos uma lista dos terreiros e dos quarto altares que circundam o Centro de
Ensino Joatildeo Marques Miranda e seus dirigentes Em boa medida satildeo esses espaccedilos e suas
atividades que dinamizam o calendaacuterio afro-religioso cururupuense
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01 Terreiro Pingo Drsquoaacutegua28
- Matildee de Santo Isabel Mineira (in memoriam)
Travessa Vilela de Abreu sn
02 Quarto altar- Pai de Santo Fracircncio Jacircnio Veras-Travessa Coelho Neto nordm
53
03 Terreiro Pai Joaquim de Angola- Pai de Santo Luiacutes Afonso-Travessa
Satildeo Joseacute nordm 01
04 Terreiro Santo Antonio-Matildee de Santo Maria Bebo Soeira 29
(in memori-
am) Rua Dr Laacutezaro Ramos snordm
05 Terreiro Santa Baacuterbara- Pai de Santo Edimir Mota- Rua Clodoaldo Ri-
beiro nordm- 39
06 Terreiro Santa Baacuterbara- Matildee de Santo Edina Pires- Rua Joatildeo Miranda
nordm 245
07 Quarto altar- Pai de Santo Deiran- Rua Joaquim Reis nordm 38
08 Terreiro Santa Luzia- Matildee de Santo Faacutetima Cordeiro-Travessa Satildeo Joseacute
nordm 207
09 Terreiro Santa Baacuterbara- Matildee de Santo Valdelina-Travessa Coelho Neto
nordm 74
10 Quarto altar- Pai de Santo Daacuterio-Rua General Osoacuterio nordm 250
11 Quarto altar- Pai de Santo Sebastiatildeo Conde- Travessa Satildeo Joseacute nordm 43
12 Terreiro Satildeo Sebastiatildeo - Pai de Santo Jorge de Abdias- Rua Celso Fari-
as nordm247
13 Terreiro Deus eacute quem Guia - Pai de Santo Joseacute Maria Ramos-Rua Joatildeo-
zinho Reis nordm316
14 Quarto altar- Iniciada Tereza Cadete Rua-Joaquim Reis nordm 33
28 O Terreio Pingo drsquoagua considerado o primeiro terreiro de Tambor de Mina em Cururupu fundado na deacutecada
de 1920 o terreiro era uma construccedilatildeo em forma de navio em homenagem ao seu guia Marinheiro nos dias de toque era iccedilada a bandeira nas cores azul e branco marcando o inicio das festividades em homenagem aos vo-
duns guias e caboclos da casa (FERRETI M 2015 p168) A menccedilatildeo ao Terreiro Pingo drsquoaacutegua se deu por conta
dos relatos que coletamos dos entrevistados a dirigente que faleceu na deacutecada de noventa faz parte do repertoacuterio
de memoacuterias do bairro portanto achamos importante a alusatildeo muito embora merecida independente dos relatos
pois acreditamos tratar-se de uma grande referecircncia para os cultos afro-cururupuense 29 Maria Bebo Soeira ou simplesmente Maria Bebinha foi uma importante e conhecida matildee de santo do bairro de
Satildeo Benedito seu terreiro era bem proacuteximo ao cemiteacuterio municipal Maria Bebinha era muito procurada por suas
praticas de cura os entrevistados a lembram com grande reverecircncia como uma das matildees de santo que contribui
para difusatildeo da religiatildeo na cidade Falecida em 2016 Maria de Bebinha eacute na memoacuteria da populaccedilatildeo local uma
grande referecircncia por sua enorme contribuiccedilatildeo acreditamos que se faz necessaacuterio uma alusatildeo ao legado que
ajudou a construir como Matildee de Santo isto em favor da religiatildeo afro-cururupuense
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Para explorar parte dessa histoacuteria natildeo poderiacuteamos fazer isso sem recorrer agrave histoacuteria da
mais influente matildee de santo de Cururupu a qual teve uma geraccedilatildeo de filhos e filhas de santo
que ajudaram a difundir o culto no municiacutepio Na sua trajetoacuteria como matildee de santo em quase
68 anos de dedicaccedilatildeo a religiatildeo africana a fez ser considerada como a maior matildee de santo de
Cururupu como assim eacute relembrada pelos pais e matildees de santos as quais entrevistamos Era
devota de Santa Rosa de Lima e juntamente com a ajuda de filhos e colaboradores realizava
no mecircs de agosto uma festa em homenagem a Santa O Festejo acontecia em trecircs dias com
levantamento de mastro toque aos deuses e nele a devota recebia a entidade Rosinha filha
caccedilula de Rainha Rosa e da famiacutelia de Leacutegua Bogi (FERRETI M 2015 p169)
Sua ligaccedilatildeo com a santa se deu por ocasiatildeo de uma promessa feita Como relatado agrave
Mundicarmo Ferretti (2015) na conversa disse que se atendida andaria de joelho e levantaria
uma irmandade para festejaacute-la Para cumprir com a segunda parte da promessa trabalhou mui-
to (FERRETI M 2015 p 170) Apoacutes todo esse esforccedilo finalmente abriu deu terreiro e a par-
tir de entatildeo nunca mais parou com a devoccedilatildeo e os cultos as entidades Vale ressaltar que aleacutem
de mineira ela foi tambeacutem parteira realizando mais de 6000 mil partos No carnaval ela in-
centiva a um bloco chamado ldquoBaralhordquo em que as participantes usavam maacutescaras Em 1995
foi homenageada pelo Bloco Afro Omniraacute Isabel Mineira faleceu aos 90 anos deixando um
legado aos cultos africanos em Cururupu
Imagem 13- Matildee de Santo Isabel Mineira em toque de Mina CururupuMA
Fonte Arquivo da Famiacutelia
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Fracircncio Jacircnio da Silva Veras eacute natural de Cururupu nascido em 11 de novembro de
1983 na ilha de Guajerutiua Atualmente eacute o Secretaacuterio de Cultura de Cururupu e ao longo de
sua gestatildeo tem desenvolvido trabalhos junto com os pais e matildees de santos do municiacutepio Jaacute
realizou vaacuterios eventos enfocando as religiotildees africanas Sua residecircncia estaacute localizada na
Travessa Coelho Neto nordm 53 bairro Satildeo Benedito Seu contato com as entidades comeccedilou
muito cedo quando ainda tinha trecircs anos de idade Nessa eacutepoca morava na ilha de Guajerutiua
Ele relata que sempre que passava por peacutes de cajueiro sentia uma energia que ateacute entatildeo natildeo
sabia explicar mas sentia alguma forma de atraccedilatildeo
O pai de santo narra que sua relaccedilatildeo vem de seu avocirc o senhor Olegaacuterio que era reno-
mado vidente da cidade A seu respeito conta que tinha uma notaacutevel habilidade para perceber
as mais diversas situaccedilotildees nas pessoas a exemplo de casos de doenccedila que precisam de trata-
mento antes mesmo da doenccedila se manifestar Sua famiacutelia era de maioria evangeacutelica por isso
encontrou dificuldades para solucionar suas possessotildees quando jovem Em nossa entrevista
ele narrou que sua avoacute o levava para os cultos evangeacutelicos mas ele natildeo gostava e entatildeo co-
meccedilava a puxar sua saia e chorar Neste intervalo passavam pelo anajaacute que o deixava de so-
breaviso por conta da energia que este transmitia sempre que passava por ele
Imagem 14- Pai de Santo Fracircncio Jacircnio da Silva Veras CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
Foi em Cururupu que frequentou o seu primeiro terreiro o de Faacutetima Cadete sendo
que sua primeira feitura foi realizada por ela Mesmo assim soacute teve seu trabalho definitivo aos
18 anos quando a matildee de santo Deusonete se propocircs a realizar seu trabalho sem cobrar nada
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Como nos descreve tem como guia de frente Raio de Sol como contra guia Joseacute Toacuteia Tupi-
nambaacute caboclo farrista o marinheiro Mariano e a cabocla Mariana Com a vivecircncia atual-
mente tornou-se pai de santo com jaacute cinco filhos de santo preparados
Fracircncio frequentou a escola Joatildeo Marques Miranda tendo cursado o ensino fundamen-
tal menor nesse estabelecimento Desse periacuteodo relata inuacutemeros casos de possessatildeo que pre-
senciou na escola Sua explicaccedilatildeo semelhante agrave dos professores do estabelecimento ressalta
que essa frequecircncia se deu por conta da construccedilatildeo da escola sem que fosse solicitada a auto-
rizaccedilatildeo dos encantados que ali habitavam Quando perguntado sobre como a escola deveria
trabalhar as religiotildees de matriz africana o pai de santo foi bem enfaacutetico ao falar que
A religiatildeo que realmente predomina em Cururupu eacute a religiatildeo africa-
na as pessoas quando perguntada qual sua religiatildeo eles sempre res-
pondem catoacutelica no entanto todo catoacutelico tambeacutem frequenta os ter-
reiros muitos natildeo assume por vergonha a pessoa vai uma vez agrave igre-
ja e no terreiro vai mais de uma vez na semana os problemas espiri-
tuais satildeo resolvidos nos terreiros e natildeo e na igreja portanto satildeo mais
umbandista Com relaccedilatildeo agrave escola tanto os terreiros como a escola
deveriam orientar as pessoas a seguir a religiatildeo acredito que falta
comunicaccedilatildeo os pais de santo precisam mudar a maneira como apre-
sentam o ritual muitas vezes quando vamos a um terreiro para um
culto nos deparamos com sangue animais mortos isto atrapalha a
pessoa a se identificar na religiatildeo acredito que aleacutem da doutrina os
pais de santo deviam criar sua doutrina tambeacutem para repassar a seus
disciacutepulos como forma de que saibam divulgar a religiatildeo de maneira
correta e natildeo com essa visatildeo deturpada que se apresenta na cidade
Nos terreiros tambeacutem se ensina como ser boa pessoa como tratar os
outros isto que o que pretendo assim que levantar meu barracatildeo
(Fracircncio Jacircnio da Silva Veras Pai de Santo entrevista coletada em 25
de janeiro de 2019)
Luiacutes Afonso Silva Azevedo nasceu em Cururupu na Santa Casa de Misericoacuterdia em
fevereiro de 1965 eacute gecircmeo com seu irmatildeo Afonso Luiacutes que tambeacutem eacute pai de Santo no muni-
ciacutepio de Serrano do Maranhatildeo cidade que fica a 32 km de Cururupu Morou em Guajerutiua
por alguns anos ateacute mudar-se para o estado do Paraacute onde se fundamentou ainda mais nos pre-
ceitos da religiatildeo Seu contato com os encantados acorreu muito cedo dentro do ciacuterculo fami-
liar Como destaca seu viacutenculo com a mina se deu em parte porque havia uma tia proacutexima que
era mineira Sua matildee de Santo foi Sebastiana Chaves (Ceceacute) afamada vidente e curandeira de
Areia Branca quem o iniciou na linha de cura com o pai de Santo o senhor Jaime quem o que
introduziu no tambor de mina por isso se considera mineirocurador
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Imagem 15ndash Pai de Santo Luiacutes Afonso Silva Azevedo Cururupu- MA
Fonte Arquivo pessoal
Seu terreiro fica localizado agrave Rua Satildeo Joseacute ndeg 01 Bairro de Satildeo Benedito a uma qua-
dra de escola Joatildeo Marques Miranda O nome de sua casa eacute uma homenagem a seu patratildeo Pai
Joaquim de Angola primeira entidade a baixar na sua cabeccedila Tem como guia o caboclo Cea-
rense contra guia Dona Jarina e como caboclo farrista Zeacute Raimundo O pai de santo relata
que por algumas vezes foi convocado pela professora Floranilde Silva ao Centro de Ensino
Joatildeo Marques Miranda para ajudaacute-la a resolver problemas de possessatildeo em alunos diz que
sempre que era solicitado ele estava disposto a atender pois sabia da espiritualidade presente
naquele local O terreiro do senhor Luiacutes Afonso realiza toques aos encantados e festejo ao
dono de sua cabeccedila Pai Joaquim de Angola aleacutem de ministrar consultas agraves pessoas que o pro-
curam em busca de conforto espiritual
Quando questionado sobre a discriminaccedilatildeo que passam as religiotildees de matriz africana
disse que
A cidade precisa fundar uma associaccedilatildeo de umbandista para que
possa nos orientar casos de discriminaccedilatildeo Isso tambeacutem se vecirc na es-
cola a meu ver a escola natildeo tem religiatildeo acho que todo mundo tem o
direito de escolher qual religiatildeo quer seguir mas que precisa de um
educador para explicar como funciona a religiatildeo de culto afro brasi-
leiro os pais de santo precisam se unir mais (Pai de Santo Luiacutes
Afonso Silva Azevedo entrevista coletada em 30 de janeiro de 2019)
Edmir Pires Mota por seu turno tem sessenta e cinco anos de idade e nasceu em 1953
no interior chamado Barracatildeo hoje municiacutepio de Serrano do Maranhatildeo Haacute trinta e sete anos
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na religiatildeo afro se diz curador e mineiro Teve sua cabeccedila feita aos vinte e seis anos pelo seu
pai de santo Jaime Seu barracatildeo estaacute localizado na Travessa Clodoaldo bairro de Satildeo Bene-
dito nordm 39 bem proacuteximo ao cemiteacuterio municipal com o nome de Terreiro de Santa Baacuterbara
Imagem 16ndash Pai de Santo Edimir Pires Mota incorporado com o caboclo
Pequeninho em trabalho de cura CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
A trajetoacuteria de vida religiosa de Seu Edmir natildeo se difere da maioria dos pajeacutes que acei-
taram conversar conosco Antes de aceitar a sua obrigaccedilatildeo como mineiro sofreu com vaacuterios
tipos de doenccedilas Rejeitava ter esse dom tinha vergonha das pessoas Soacute aceitou quando fez
sua iniciaccedilatildeo e percebeu que tinha que aceitar os seus guias ldquoEu natildeo tive outra soluccedilatildeo taacute
veno E aiacute quando eles chegaram foi com tudo de uma vez natildeo teve como me livrarrdquo (SIL-
VA 2016) Mediante a sua narrativa Seu Edmir esclarece que ou aceitava ser pajeacute ou assumi-
ria as consequecircncias Negar seus guias seria sofrer na vida Assumindo ser pajeacute Seu Edmir se
firmou na terra e natildeo teve as perturbaccedilotildees que sofria antes de se iniciar Na cura seus guias
satildeo Piquinininho como chefe Dadinho como seu contra guia aleacutem desses dois recebe ainda
Caboclo Ubirajara Pinaguarema Joatildeo de Una
O calendaacuterio de festividades do terreiro eacute bem diversificado Seu Edmir Mota rea-
liza festa de aniversaacuterio para seu guia no mecircs de julho para Piquinininho e no mecircs de de-
zembro para Dadinho aleacutem das festas de obrigaccedilotildees para outras entidades A festa do mecircs de
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dezembro aleacutem de ser uma festa de aniversaacuterio do caboclo Dadinho eacute destinada tambeacutem a
Nossa Senhora da Guia (SILVA 2016) Essa festa comeccedila no dia 2 e se estende ateacute 4 de de-
zembro com toque de caixa em homenagem ao Divino Espiacuterito Santo
Quando perguntado sobre a relaccedilatildeo entre o Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda e
os terreiros que ficam proacuteximos disse que constantemente recebe visitas de pessoas da escola
soacute que natildeo entram muito no assunto De maneira geral em suas proacuteprias palavras acredita
que as pessoas que estatildeo na escola ldquotem medo de tambor de mina muitos sabem que sofrem
de encantados mais evitam vir aos terreiros e que agraves vezes essa vergonha atrapalha a vida
da pessoa que taacute sofrendo e natildeo procura recursordquo
Com 83 anos e a 73 no Tambor de Mina Edna Pires inicia nossa conversa com uma
afirmaccedilatildeo que considera importante para registro ldquonasci na mina e vou morrer na mina des-
sa religiatildeo ningueacutem me tira fiel ateacute morrerrdquo Matildee Edna Pires nasceu a 20 de maio de 1936 e
comanda o Terreiro Santa Baacuterbara localizado no Bairro de Satildeo Benedito situado agrave Rua Joatildeo
Miranda nordm 245 Eacute o terreiro mais antigo em atividade no bairro ainda bastante luacutecida dona
Edna nos relatou que comeccedilou bobar como costuma dizer quando ainda tinha nove anos de
idade no povoado Bacabal ao vir para sede do municiacutepio foi iniciada no toque por Isabel Mi-
neira isto na deacutecada de 1940 Sobre essa experiecircncia ela relata que ajudava minha velha nos
trabalhos de cura e nos festejos que ela fazia ldquoAprendi muita coisa com ela a respeitar as
entidades por isso que ainda estou viva ateacute hojerdquo Na paacutegina seguinte temos uma imagem da
matildee de santo
Imagem 17 Matildee de Santo Edna Pires CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
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Matildee Edna ou simplesmente ldquoMaedinardquo como eacute carinhosamente chamada no bairro re-
alizava os festejos de Santa Baacuterbara no periacuteodo 02 a 06 de dezembro com ladainhas toques e
festa danccedilante enquanto seu filho que tambeacutem era mineiro era vivo Atualmente realiza ape-
nas toques de obrigaccedilatildeo Dona Eacutedna Pires diz que sempre eacute visitada por evangeacutelicos que ten-
tam convencecirc-la a entrar na crenccedila mas ela diz que a religiatildeo que ela segue ajuda muita gente
por isso natildeo teria razotildees para mudar Relata ainda que mesmo com a idade jaacute avanccedilada ainda
realiza trabalhos de cura em sua casa onde sempre recebe visitas de populares que precisam
de seus cuidados Entre os diversos terreiros do bairro o seu eacute o uacutenico registrado na Federa-
ccedilatildeo de Umbanda e Cultos Afro-brasileiros O terreiro estaacute localizado a uma quadra da escola
Joatildeo Marques Miranda
Quando perguntada se jaacute houve algum tipo de contato com a escola Dona Edna rela-
tou que certa vez foi convocada a ajudar uma pessoa que estava com problemas espirituais
mas que isto foi haacute muito tempo quando era soacute ela que tinha terreiro ali proacuteximo Agora jaacute
tem um monte de terreiros perto da escola conclui
O Terreiro de Santa Luzia eacute o mais proacuteximo da escola Joatildeo Marques Miranda locali-
zada na Travessa Satildeo Joseacute canto com o Centro de Ensino (Travessa Satildeo Joseacute nordm 207) Agrave fren-
te da casa de culto encontra-se Matildee Faacutetima das Graccedilas Cadete do caboclo Manezinho mineira
nascida em 1950
Imagem 18- Matildee de Santo Faacutetima das Graccedilas Cadete Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
110
Seu contato com os ldquoinvisiacuteveisrdquo como ela costuma dizer comeccedilou quando ainda tinha
quatorze anos Conforme nos conta sempre aconteciam coisas estranhas com ela nesse periacuteo-
do agraves vezes se deparava debaixo da cama e as pessoas a aconselhavam a procurar um pai de
santo e que deveria seguir seu dom mas sempre relutava ateacute que comeccedilou a ficar aleijada
Diz que apanhou muito baque ateacute desenvolver sua mediunidade Como prossegue em seu
relato Faacutetima jaacute preparou muitos filhos de santo
Sobre as relaccedilotildees entre terreiro e escola ela nos relatou que no tempo da professora Flo-
ranilde Silva sempre era procurada para aliviar incorporaccedilotildees de espiacuteritos na escola Pergun-
tada se aleacutem disso havia algum outro tipo de contato respondeu que soacute a procuravam quan-
do apareciam esses problemas Mas de maneira geral mesmo quando havia festejos promo-
vidos pelo barracatildeo que empregavam sonorizaccedilatildeo mecacircnica entrava-se em um acordo com a
direccedilatildeo dado as boas relaccedilotildees que mantinham
Joseacute Maria Ramos por seu turno se define como mineiro curador e ainda afirma que as
maiorias dos pais de santo de Cururupu assim o satildeo Nascido em 1954 desde os 15 anos de
idade informa ter comeccedilado o festejo ao santo que ateacute hoje eacute devoto Satildeo Sebastiatildeo Desde laacute
como enfatiza nunca mais parou com cinquenta e seis anos de feitura no santo
Imagem 19 ndash Pai de Santo Joseacute Maria Ramos Cururupu- MA
Fonte Arquivo Pessoal
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Seu primeiro contato com as entidades foi quando ainda tinha cinco anos de idade
Nesse tempo desenvolveu sua espiritualidade indo procurar um pai de santo quando fez dez
anos Tem como guia de frente Tombasseacute de Oliveira Seus pais de santo foram Fernando do
Barreto e Margarida Mota Aleacutem dos festejos da casa o Terreiro Deus eacute quem Guia localiza-
do a Rua Joatildeozinho Reis nordm 316 realiza outros festejos como o de Santa Luzia Joseacute Maria
atualmente com sessenta e quatro anos se diz um pouco cansado da vida de curador no en-
tanto manteacutem as obrigaccedilotildees em dia Quando perguntado sobre religiatildeo de matriz africana e
escola o pai de santo afirma que
A escola deveria ensinar os alunos sobre as religiotildees mais tambeacutem
existe uma coisa que precisa ser esclarecida assim como a escola en-
sina vaacuterias coisas o aluno a diferenciar os praticantes da religiatildeo
tambeacutem precisam diferenciar quais as religiotildees africanas que existe
pra natildeo confundir e assim facilitar a conversa (Joseacute Maria Ramos
Pai de Santo entrevista coletada em 22 de janeiro de 2019)
A uacuteltima das entrevistadas que aceitou conversar conosco foi Tereza Cadete nascida a
19 de maio de 1955 Sua residecircncia fica localizada agrave Rua Joaquim Reis nordm 33 Bairro de Satildeo
Benedito Conta que teve iniacutecio com os encantados muito cedo mas que natildeo aceitava essa
condiccedilatildeo por causa disto ficou cega vindo ficar boa soacute quando se reatou com as entidades
Imagem 20- Iniciada Tereza CadeteCururupuMA
Fonte Arquivo pessoal
Tereza diz que apenas cumpre com as obrigaccedilotildees para sua entidade Obalouaecirc que rea-
liza no mecircs de dezembro com toque de tambor em sua casa Assim como muitos outros ela
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possui um quarto-altar onde desenvolve suas atividades espirituais Quando perguntada como
se definia disse que apenas danccedila com seu pai de santo Edimir e que natildeo se considera propri-
amente uma matildee de santo e nem gostaria de ser pois sabe que eacute uma responsabilidade muita
grande Concluindo que natildeo se acha preparada enfatiza ldquoos pais de santo tem que cumprir
com os calendaacuterios de toquesrdquo Indagada quanto agrave religiatildeo e escola a Tereza disse que ldquoNa
escola os cultos sofrem muita discriminaccedilatildeo tanto de alunos como professoresrdquo Mencionou
por fim que no coleacutegio da baixa30
sempre acontece casos de incorporaccedilatildeo alegando a mesma
histoacuteria que o local tem dono por isso das constantes possessotildees nas pessoas
30 A denominaccedilatildeo ldquoescola da baixardquo tem relaccedilatildeo pela localidade do terreno que fica em uma parte baixa do bair-
ro de Satildeo Benedito antes da construccedilatildeo da escola havia naquele local uma lagoa com grande proporccedilotildees de aacutegua
por conta da chuva esse reservatoacuterio demorava algum tempo para secar Como o local fica localizado jaacute proacuteximo
do mangue ficou conhecido como escola da baixa
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CAPIacuteTULO 5 - OFICINAS PEDAGOacuteGICAS E A HISTOacuteRIA E CULTURA AFRO-
BRASILEIRA
Para nossa pesquisa tatildeo importante quanto compreender parte da histoacuteria do local de
suas lideranccedilas e a perspectiva que tecircm sobre o papel da escola eacute pensar em propostas de
oficinas pedagoacutegicas para serem empregadas no estabelecimento de ensino em pauta Se esse
material segue em anexo gostaria nesse espaccedilo de descrever como foram realizadas essas
oficinas e como pude oferecer minha contribuiccedilatildeo para rediscussatildeo das relaccedilotildees entre esses
espaccedilos Na sequecircncia descrevo duas das oficinas que aplicamos junto aos estudantes e por
uacuteltimo uma das oficinas que realizamos com os professores O relato dessa experiencia eacute
tomado aqui para compreender algumas das nossas escolhas metodoloacutegicas na construccedilatildeo do
produto final
Comeccedilo pela Oficina de Histoacuteria da Aacutefrica aplicada no dia 07 de novembro de 2018
para alunos do 3ordm ano na disciplina Histoacuteria no Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda Par-
ticiparam dessa atividade 21 estudantes A oficina buscou compreender quais as visotildees que os
discentes possuiacuteam sobre a Aacutefrica Os relatos apresentados foram ao encontro das diversas
pesquisas que jaacute evidenciaram a visatildeo negativa sobre o continente africano ou simplesmente o
desconhecimento Em certa medida natildeo havia aqui muita surpresa visto que pelas respostas
dadas ao questionaacuterio esses mesmos estudantes sequer conseguem captar a forccedila e a impor-
tacircncia do legado cultural afro-brasileiro no contexto local Embora esse desconhecimento jaacute
pudesse ser previsiacutevel eacute preciso destacar tambeacutem o interesse e curiosidade que foi sendo des-
pertado ao longo da execuccedilatildeo da atividade
A dinacircmica adotada para apresentaccedilatildeo da temaacutetica foi agrave utilizaccedilatildeo de imagens das di-
versas representaccedilotildees sobre o continente africano Pretendeu-se suscitar nos alunos quais
imagens conseguiam identificar e relacionar com outras que jaacute haviam observados em outros
locais Na ocasiatildeo dois alunos externaram suas visotildees as quais merecem registro O primeiro
se identificou como filho de santo e que jaacute tinha ouvido algumas histoacuterias sobre a Aacutefrica con-
tadas verbalmente por sua matildee Lembrou-se de histoacuterias sobre como vieram para o Brasil das
lutas e desafios enfrentados A visatildeo do segundo no entanto era bem distinta Sempre tinha
ouvido falar da fome e miseacuteria e que seria um lugar amaldiccediloado por Deus
Agrave medida que apresentaacutevamos informaccedilotildees que mostravam a realidade africana de
uma oacutetica mais positiva sobretudo com foco na organizaccedilatildeo cultural e poliacutetica dos seus dife-
rentes povos percebia a reaccedilatildeo de total estranheza e ateacute mesmo de incompreensatildeo Tudo
ocorria como se aquela imagem da Aacutefrica como um espaccedilo geograacutefico diversificado comple-
114
xo e dinacircmico destoasse de qualquer coisa jaacute ouvida mesmo em se tratando dos mais propen-
sos a ter uma visatildeo positiva sobre o continente Vale lembrar que muitas das imagens apresen-
tadas foram retiradas de livros didaacuteticos o que foi concebido como um expediente para facili-
tar o acesso agraves informaccedilotildees A proposta em sequecircncia era perceber quais paiacuteses eles conheci-
am como pertencentes ao continente Ora natildeo fosse talvez a Copa do Mundo como lembrado
em tom de brincadeira por um dos estudantes para a maior parte deles a Aacutefrica era apenas um
paiacutes gigantesco
Nessas oficinas em certa medida era possiacutevel identificar como a escola vinha traba-
lhando o tema em sala Vaacuterios dos alunos comentaram que muito raramente os professores
das disciplinas desenvolviam conteuacutedos voltados para essa temaacutetica Perguntados se tinham
interesse em conhecer mais sobre o tema responderam que seria muito interessante uma vez
que satildeo conscientes de sua descendecircncia africana Com a aplicaccedilatildeo das atividades inferimos
que haacute um interesse dos alunos no entanto a escola possui pouco embasamento para trabalhar
com este tipo de conteuacutedo
Aplicamos uma atividade em equipes contendo imagens sobre o continente e pedimos
que escrevessem a impressatildeo que tinham a partir da oficina Dos relatos colhidos destaco
aqui o do estudante Leandro de Oliveira e Maria Monteiro que registrou o seguinte
O continente africano eacute o segundo maior do mundo e tambeacutem muito
rico apesar de muitos paiacuteses terem roubado ouro diamantes entre ou-
tras riquezas A cultura dos povos africanos eacute marcante atraveacutes de
cores fortes e muita alegria O continente africano foi muito explora-
do pelos europeus aleacutem disso foram castigados torturados e outros
mortos por natildeo aceitar aquela situaccedilatildeo de ser escravizado em seu
proacuteprio lugar onde nasceu e cresceu e tambeacutem eacute um paiacutes de muitas
diversidades cores etnias tribos e culturas (Leandro Oliveira e Ma-
ria Monteiro)
A segunda oficina foi Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira a Histoacuteria do Brasil africa-
no vidas para aleacutem dos tambores e da escravidatildeo realizada no dia 14 de dezembro de 2018
para alunos do 2ordm ano O objetivo da atividade era perceber como a cultura afro-brasileira se
formou ao longo da histoacuteria partindo desde o Brasil colonial ateacute os dias atuais e como estas
tradiccedilotildees africanas resistiram ao processo de perseguiccedilatildeo no contexto da cultura
A oficina foi ministrada pelo Professor Especialista Carlos Viana Pimentel (URCA)
Os encaminhamentos apontados levaram os alunos a reconhecer os aspectos pelo quais se deu
a escravizaccedilatildeo de povos africanos no Brasil e como os povos resistiram para manter vivas
suas tradiccedilotildees Logo na sequecircncia procuramos explorar quais as informaccedilotildees possuiacuteam acer-
115
ca das manifestaccedilotildees afro-brasileiras e como compreendiam essas atividades dentro do cenaacute-
rio afro cururupuense Na proporccedilatildeo em que as colocaccedilotildees iam sendo direcionadas os alunos
interagiam demonstrando um certo conhecimento acerca das manifestaccedilotildees e como haviam
conhecido essas praacuteticas Em certa medida essa inciativa mostrou-se mais eficiente para cap-
tar algumas percepccedilotildees mais refinadas dos estudantes quando comparado com os achados dos
questionaacuterios aplicados
Dessa maneira o que conseguimos captar foi que a maioria dos alunos jaacute participou ou
participam de alguma forma de atividades festivas ou mesmo como integrantes de cultos afro-
brasileiros Outro aspecto positivo acerca da atividade foi o fato de que os estudantes afirma-
ram ter obtido uma visatildeo mais ampla sobre as tradiccedilotildees afro-brasileiras e suas lutas Um dos
estudantes destacou por exemplo que esses temas eram parte da histoacuteria dos seus antepassa-
dos e que deveriam ter maior destaque dentro da escola Na condiccedilatildeo de ministradores da ofi-
cina tanto eu quanto o Prof Carlos Viana Pimentel avaliamos como muito positiva a ativida-
de muito embora tenhamos a contiacutenua sensaccedilatildeo de que embora a abordagem dessas temaacuteticas
seja bem recebida sua realizaccedilatildeo de maneira esporaacutedica e pontual encontra-se muito aqueacutem
do tipo de inserccedilatildeo que se pretende valorizar aqui
Enquanto as oficinas aplicadas aos estudantes tiveram essa tonalidade geral gostaria
de destacar a oficina destinada aos professores abordou os antecedentes que levaram a pro-
mulgaccedilatildeo da Lei 106392003 O foco dessa atividade era apresentar alguns elementos que
poderiam auxiliar na introduccedilatildeo da histoacuteria e da cultura afro-brasileira em sala de aula ofere-
cendo aos docentes os aportes que sentimos falta quando da aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios ex-
plorados no capiacutetulo 2
Iniciamos por discorrer sobre a resistecircncia negra desde o periacuteodo colonial com as rebe-
liotildees coordenadas por grandes quantidades de negros que natildeo aceitavam tal condiccedilatildeo Esses
movimentos abriram portas para que pudeacutessemos ver os aspectos negativos da escravidatildeo as
puniccedilotildees e castigos realizados e o lugar que essa instituiccedilatildeo tinha como estruturadora de nos-
sas relaccedilotildees de sociabilidade Na permanecircncia discorremos sobre como as formas de resis-
tecircncia adotadas por esses movimentos constituem exemplos concretos da agecircncia negra for-
necendo pela renovaccedilatildeo da historiografia os aportes para que tenhamos outra visatildeo sobre a
participaccedilatildeo poliacutetica dos negros
Na sequecircncia enfatizamos como no processo de formaccedilatildeo de nossa sociedade e iden-
tidade sociocultural as contribuiccedilotildees africanas e afro-brasileiras foram fundamentais para a
constituiccedilatildeo da naccedilatildeo e o quanto isso deveria ensejar um ensino pautado pela valorizaccedilatildeo da
116
diversidade Tratou-se em todos os momentos de enfatizar a riqueza eacutetnica do paiacutes e nossos
inegaacuteveis e indissoluacuteveis viacutenculos Particular importacircncia foi dada agrave descriccedilatildeo das histoacuterias de
vida de pais de santo que habitavam proacuteximos agrave escola e sobre a necessidade de desenvolver-
mos estrateacutegias de aproximaccedilatildeo pedagogicamente concebidas Tudo isso com o fito de refor-
ccedilar o papel da educaccedilatildeo e particularmente do trabalho realizado em sala de aula para o fomen-
to ao respeito toleracircncia e agrave convivecircncia paciacutefica entre as diferentes culturas que estatildeo na
base de nossa formaccedilatildeo
Quando passamos para a discussatildeo coletiva os professores apontaram para uma defi-
ciecircncia em suas formaccedilotildees acadecircmicas pois encontravam dificuldades para a inserccedilatildeo ade-
quada desses temas em sala de aula A carecircncia de materiais foi destacada como um dos prin-
cipais obstaacuteculos Da mesma forma de maneira um tanto quanto reticente pareceu-me haver
nas entrelinhas certo temor quanto ao debate desses temas em salas de aula notadamente pela
possibilidade de que viessem a ser acusados de proselitismo ou tatildeo somente de que desviavam
o assunto para temas natildeo pertinentes Se por um lado todos estatildeo convictos da importacircncia
desse tema o que constitui no final das contas uma resposta esquiva quanto a qualquer acusa-
ccedilatildeo de que natildeo valorizam esses temas a disposiccedilatildeo concreta para essa inserccedilatildeo (o que requisi-
taria a revisatildeo das posturas pedagoacutegicas o investimento em formaccedilatildeo e o desenvolvimento de
outras estrateacutegias para a sala de aula) natildeo se encontra na mesma medida Longe estamos de
responsabilizaacute-los sozinhos por essa inclusatildeo dado que compreendemos tambeacutem as dificul-
dades concretas de o fazer Eu mesmo num passado recente estava nessa mesma condiccedilatildeo
Poreacutem isto natildeo impede de constatarmos o caraacuteter meramente ornamental com que o discurso
sobre a diferenccedila eacute incorporado entre noacutes Desse acircngulo o descompasso natildeo eacute somente entre
o texto legal e a realidade das culturas escolar brasileiras ele se aloja tambeacutem na distinccedilatildeo
entre aquilo que eacute dito e reconhecido e aquilo que eacute efetivamente feito e realizado Sem qual-
quer pretensatildeo de resolver a essa questatildeo o produto que apresentamos constitui uma maneira
necessariamente limitada mas individual para contribuir para a diminuiccedilatildeo dessa distacircncia
117
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As atuais relaccedilotildees pelas quais passam escola e sociedade eacute objeto de estudo de vaacuterios
campos de conhecimento principalmente no que diz respeito ao conviacutevio dos diversos grupos
que formatam a escola com isto sua relaccedilatildeo com as praacuteticas culturais que ensejam esses ato-
res A escola eacute o espaccedilo onde se estreita relaccedilotildees mas tambeacutem eacute um ambiente de exclusatildeo no
entanto eacute no interior da instituiccedilatildeo que se percebe os meandros de como a escola pode contri-
buir para a aproximaccedilatildeo desses elementos neste aspecto
O cenaacuterio em que se desenvolvem essas relaccedilotildees de convivecircncia todavia tecircm afastado
debates que possam agregar as relaccedilotildees de pertencimento as diferentes crenccedilas que carregam
esses sujeitos e permeiam estes espaccedilos em diferentes estruturas para a qual se destinam as
escolhas religiosas sobretudo estudos que faccedilam repensar estudos sobre Aacutefrica e suas inuacuteme-
ras formas de compreender a religiatildeo neste vieacutes discorrer sobre sua contribuiccedilatildeo para a for-
maccedilatildeo da cultura afro-brasileira Eacute no bojo dos estudos sobre Aacutefrica que percebemos a relaccedilatildeo
intriacutenseca do povo africano com a religiatildeo e seus deuses
Os aspectos apresentados levaram a compreender que as instituiccedilotildees com suas diferen-
tes formas de conduzirem suas didaacuteticas nos leva a crer que este distanciamento tem ligaccedilotildees
diretas com a educaccedilatildeo adotada que privilegia determinadas setores da sociedade em detri-
mento de outros A escola eacute por natureza o espaccedilo onde deveria ocorrer essa socializaccedilatildeo de
saberes e nessas trocas o enraizamento do respeito agraves crenccedilas que ainda natildeo estatildeo inseridas
nos debates curriculares
Quanto agrave praacutetica do ensino nas escolas estas natildeo levam em conta o cotidiano dos alu-
nos tendo em vista maior aproveitamento das experiecircncias a que satildeo submetidos esses ele-
mentos a escola ainda trata os conteuacutedos claacutessicos como uacutenicos e intocaacuteveis A experiecircncia
vivida no movimento negro levou a perceber o distanciamento entre escola e terreiros de reli-
giatildeo de matriz africana isto fez com que despertasse o interesse em compreender as relaccedilotildees
que satildeo estabelecidas entre essas redes de ensino
No que diz respeito ao ensino de histoacuteria ainda prevalece uma praacutetica que trabalha de
maneira bastante verticalizada os conteuacutedos que tratam sobre religiatildeo privilegiando unica-
mente uma religiatildeo o que tem distanciado os grupos que praticam os cultos de matriz africana
que natildeo se sentem incluiacutedos no processo Os terreiros asseguram estarem abertos aos debates
para que haja uma aproximaccedilatildeo e com isto possam enraizar laccedilos que levem as dinacircmicas
desenvolvidas nos terreiros a fim de reverberar a laicidade no espaccedilo escolar
118
Partindo da experiecircncia no Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda escola que em
seu entorno concentra 14 terreiros de religiatildeo de matriz africana concomitante com debates no
movimento negro e disciplinas no mestrado Este trabalho se propocircs a analisar as abordagens
que professores alunos e sacerdotes possuem sobre a relaccedilatildeo terreiros e escolas como forma
de refletir sobre estrateacutegias teoacutericos-metodoloacutegicos que podem amenizar o distanciamento
existente nestas relaccedilotildees de convivecircncia nestes espaccedilos a fim de que os atores envolvidos pos-
sam dialogar na equidade dentro do ambiente escolar e com isso aproximar as experiecircncias do
que eacute aprendido no cotidiano dos discentes ao conhecimento repassado na escola como forma
de materializar um debate sobre religiatildeo
Para tanto acredita-se que a metodologia para alcanccedilar tal objetivo seja a implementa-
ccedilatildeo da Lei 106392003 que trata do Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-brasileira e Africana
nas escolas como forma de introduzir conteuacutedos que reverberem sobre esses temas auxiliando
no processo ensino-aprendizagem promovendo a mediaccedilatildeo neste processo
Assim foram elaboradas as oficinas ldquoDA ESCOLA PARA OS TERREIROSrdquo Ofici-
nas para trabalhar a Histoacuteria Cultura e Religiatildeo Afro-Brasileira no espaccedilo escolar que apre-
senta conteuacutedos referentes agraves manifestaccedilotildees culturais africanas afro-brasileira religiatildeo e mi-
tos Aleacutem das imagens demonstradas o material eacute constituiacutedo de propostas de oficinas para
que alunos possam exercitar informaccedilotildees jaacute adquiridas em outros espaccedilos ou mesmo na escola
sobre os temas apresentados
A proposta do material desenvolvido neste trabalho natildeo pretende em momento algum
sanar as lacunas existentes nas relaccedilotildees entre estas instituiccedilotildees de ensino mas pode ser uma
tentativa de promover debates concernentes ao tema em salas de aula na disciplina Histoacuteria
sobre a realidade dos aspectos que envolvem esse tema e com isto conduzir os alunos a pensa-
rem como professarem sua feacute no espaccedilo escolar
No mais objetiva inserir meacutetodos de como introduzir conceitos sobre religiatildeo de ma-
triz africana natildeo como simples exigecircncia ao ritual pedagoacutegico mas como uma forma de tratar
as vivecircncias desses sujeitos em trocas a serem aplicadas no cotidiano escolar incorporando um
comportamento mais edificado na praacutetica aos cultos afros
Por fim acredita-se que o ambiente escolar seja sim este espaccedilo de promoccedilatildeo da
equidade com base na educaccedilatildeo com seu caraacuteter formador de opiniotildees que busca acima de
tudo superar a subtraccedilatildeo dessas crenccedilas no curriacuteculo escolar e naturalizando essas praacuteticas
sem o efeito da dominaccedilatildeo mas sim privilegiando o respeito a diversidade religiosa ali exis-
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127
APEcircNDICES
128
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHAtildeO
PROGRAMA DE POacuteS ndash GRADUACcedilAtildeO EM HISTOacuteRIA MESTRADO PROFISSIONAL
ndash PPGHIS
MESTRANDO JEcircIBEL MAacuteRCIO PIRES CARVALHO ndash e-mail dicarva-
lho36hotmailcom
QUESTIONAacuteRIO PARA OS ESTUDANTES
Prezado Estudante
Sob
re v
ocecirc e
a e
scola
Qual a sua idade ________
Vocecirc nasceu em que CidadeEstado _____________________________
Qual o seu sexo ( ) Masculino ( ) Feminino
Qual a sua cor _____________________________________
Vocecirc eacute ( ) Solteiro(a) ( ) Casado(a) ( ) Vive junto ( ) DivorciadoSeparado ( ) viuacutevo(a)
Vocecirc tem filho(s)( ) Sim ( ) Natildeo Em caso afirmativo quantos _______
Vocecirc trabalha( ) Sim ( ) Natildeo
Em caso afirmativo com que idade comeccedilou a trabalhar ________ E qual a sua profissatildeo ________________________
Vocecirc jaacute teve alguma reprovaccedilatildeo na escola ao longo de sua vida ( ) Sim ( ) Natildeo
Vocecirc gosta de vir pra escola( ) sim ( ) Sim mas depende da atividade ( ) Sim mas eacute muito cansativo ( ) Natildeo ( ) Natildeo ela se tornou muito difiacutecil ( ) Natildeo Se pudesse nem viria
Vocecirc se considera um bom estudante( ) Sim ( ) Natildeo
Por quecirc ___________________________________________________________________________
O que vocecirc quer ser Qual a profissatildeo que vocecirc planeja exercer no futuro
_________________________________________________________________________________
129
Sob
re s
eus
pais e
famiacutelia
Qual a escolaridade do seu pai
( ) nunca estudou ( )fundamental menor ( ) Fundamental maior ( ) Ensino Meacutedio ( ) Ensino superior
Qual a profissatildeoocupaccedilatildeo do seu pai __________________________
Qual a escolaridade da sua matildee
( ) nunca estudou ( )fundamental menor ( ) Fundamental maior ( ) Ensino Meacutedio ( ) Ensino superior
Qual a profissatildeoocupaccedilatildeo de sua matildee __________________________
Vocecirc(s) mora(m) em que bairro de Cururupu ____________________________________
Somando todas as rendas da sua famiacutelia vocecircs alcanccedilam
( ) Ateacute 1 salaacuterio miacutenimo ( ) de 2 a 3 salaacuterios miacutenimos ( ) de 3 a 6 salaacuterios
130
Sob
re s
er
negro
(a)
Vocecirc se considera negro (a) ( ) Sim ( ) Natildeo
Explique por que __________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
Em sua opiniatildeo existe alguma diferenccedila entre ser jovem negro(a) e ser jovem branco(a) para vocecirc
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
O que eacute bom em ser jovem e negro (a) em sua opiniatildeo
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
O que eacute ruim em ser jovem e negro (a) em sua opiniatildeo
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
Vocecirc jaacute vivenciou ou conhece algueacutem que sofreu preconceito racial ( ) Sim ( ) Natildeo
Em caso afirmativo onde ocorreu _______________________________________
Frente a uma situaccedilatildeo de racismo sofrida por algueacutem o que vocecirc faria
( ) Vocecirc tentar intervir ( ) Vocecirc se indigna mas fica calada ( ) Vocecirc natildeo se importa pois natildeo foi com vocecirc
( ) Natildeo sabe
Vocecirc jaacute presenciou algum conflito na escola devido a preconceitos ou questotildees raciais ( ) Sim ( ) Natildeo
O que o correu ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Vocecirc jaacute debateu esse tema (racismo preconceito discriminaccedilatildeo intoleracirccia) na escola
( )sempre ( ) de vez em quando ( ) raramente ( ) nunca
Vocecirc jaacute debateu sobre religiotildees afro-brasileiras na escola (candombleacute mina pajeacute umbanda tecircrecocirc etc)
( ) sempre ( ) de vez em quando ( ) raramente ( ) nunca
131
Esc
ola e
religiotildees
afr
o-bra
sileiras
Pra vocecirc o que eacute uma religiatildeo
Qual religiatildeo vocecirc se identifica
Vocecirc tem conhecimento de quais religiotildees satildeo praticadas em Cururupu
Pra vocecirc a escola valoriza a cultura e as religiotildees dos diversos grupos eacutetnico-raciais que compotildeem a sociedade brasileira
Como vocecirc acha que deveria que a escola deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo
Jaacute ouviu falar sobre religiotildees de matriz africana ou afro-brasileiras Quais
Frequentou ou frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana aqui na cidade Se sim em qual bairro
Vocecirc conhece algum terreiro de religiatildeo de matriz africana que se localiza proacuteximo ao Centro de Ensi-no Joatildeo Marques Miranda
Jaacute participou de algum festejo em terreiros de religiatildeo africana
A escola jaacute promoveu alguma atividade que estimulasse o diaacutelogo e a reflexatildeo sobre os terreiros da-qui
Vocecirc acha que a escola e terreiro deveriam desenvolver atividades que fortalecessem esses laccedilos Por quecirc
Vocecirc acha que as religiotildees de matriz africana sofrem discriminaccedilatildeo na escola
Vocecirc jaacute presenciou alguma praacutetica de discriminaccedilatildeo contra membros das religiotildees afros na escola Como se deu esse acontecimento
Conhece ou jaacute ouviu falar de algum pai ou matildee de santo que residem no entorno da escola
132
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHAtildeO
PROGRAMA DE POacuteS ndash GRADUACcedilAtildeO EM HISTOacuteRIA MESTRADO
PROFISSIONAL ndash PPGHIS
MESTRANDO JEcircIBEL MAacuteRCIO PIRES CARVALHO ndash e-mail di-
carvalho36hotmailcom (98) 98434-3856
QUESTIONAacuteRIO PARA PROFESSORES
Prezado Professor
O questionaacuterio que segue eacute parte da pesquisa de campo que estou realizando no Mestrado em
Histoacuteria da Universidade Estadual do Maranhatildeo-UEMA sob orientaccedilatildeo do professor Dr
Wheriston Silva Neacuteris Desde jaacute agradeccedilo sua colaboraccedilatildeo
Sob
re v
ocecirc e
a e
scola
Nome_______________________________Idade________________________________
Bairro_______________________________ Local de Nascimento___________________
Grau de instruccedilatildeo ( ) Magisteacuterio ( ) Superior
Aacuterea de formaccedilatildeo___________________________________________________________
Instituiccedilatildeo de formaccedilatildeo______________________________________________________
Ocupaccedilatildeo Profissional______________________________________________________
Disciplina que leciona na escola________________________________________________
A disciplina que leciona_____________________________________________________
Quantos anos trabalha como professor__________________________________________
Quanto tempo trabalha na escola_____________________________________________
Jaacute trabalhou com outra disciplina que natildeo fosse sua aacuterea de formaccedilatildeo_________________________ -
Qual sua cor___________
133
Sob
re r
eligiatildeo
Como define religiatildeo______________________________________________
Vocecirc tem alguma religiatildeo especiacutefica ( ) sim ( ) natildeo
Em caso afirmativo qual____________________________________________
Tendo uma religiatildeo especifica vocecirc participa das atividades_____________________
De quais atividades participa_______________________
Conhece algum tipo religiatildeo de matriz africana _____________________________
Jaacute participou de alguma atividade em cultos de religiatildeo de matriz africana______________
Vocecirc considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cultos de matriz africana em Cururupu
Considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cultos de matriz africana nas escolas Justifique
Nas escolas considera que os cultos africanos sofrem discriminaccedilatildeo________________________
134
Sob
re r
eligiatildeo
e p
raacutetica
pedagoacuteg
ica
A escola desenvolve atividades que falam das denominaccedilotildees religiosas praticadas em Cururupu
Como satildeo feitas essas abordagens
Haacute uma lei trata do Ensino de Aacutefrica e Cultura Afro-Brasileira tem conhecimento dessa Lei
Tem conhecimento sobre a Lei 106392003 Ensino de Aacutefrica e Cultura Afro-Brasileira se positivo
como conheceu a Lei caso natildeo conheccedila teria interesse em conhececirc-la
Tem acesso a materiais sobre Aacutefrica e Cultura Afro-Brasileira na escola ou fora dela
A data alusiva agrave comunidade negra como a escola tem trabalhado os temas sobre a populaccedilatildeo
negra
Como tem administrado as discussotildees sobre religiatildeo africana em sala de aula quando estas
acontecem
135
Esc
ola e
religiotildees
afr
o-bra
sileiras
Pra vocecirc a escola valoriza a cultura e as religiotildees dos diversos grupos eacutetnicos-raciais que compotildeem
a sociedade brasileira
Como vocecirc acha que a escola deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo no espaccedilo escolar
Frequentou ou frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana aqui na cidade Se sim
em qual bairro Como foi a experiecircncia
Jaacute participou de algum festejo em terreiros de religiatildeo de matriz africana
A escola jaacute promoveu alguma atividade que estimulasse o diaacutelogo e a reflexatildeo sobre os terreiros
daqui
Vocecirc acha que escola e terreiro deveriam desenvolver atividades que fortalecessem esses laccedilos
Por quecirc
Vocecirc jaacute presenciou alguma praacutetica de discriminaccedilatildeo contra membros das religiotildees afros na
escola Como se deu esse acontecimento
Conhece ou jaacute ouviu falar de algum pai ou matildee de santo que residem proacuteximo da escola qual
o nome
A escola jaacute fez alguma atividade com os terreiros proacuteximos da escola
O que acha que deveria ser feito para que debates mais contiacutenuos acontecessem na escola
sobre as religiotildees de matriz africana
136
137
138
JEcircIBEL MAacuteRCIO PIRES CARVALHO
ldquoDOS TERREIROS PARA A ESCOLA DA ESCOLA PARA OS TERREIROSrdquo
problematizando as relaccedilotildees entre instituiccedilotildees escolares e religiotildees afro-brasileiras a partir de
CururupuMA
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da Universidade Estadual
do Maranhatildeo para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre
Orientador Prof Dr Wheriston Silva Neris
SAtildeO LUIacuteS
2019
Carvalho Jecircibel Maacutercio Pires
ldquoDos terreiros para a escola da escola para os terreirosrdquo problematizando as relaccedilotildees
entre instituiccedilotildees escolares e religiotildees afro-brasileiras a partir de CururupuMA Jecircibel
Maacutercio Pires Carvalho ndash Satildeo Luiacutes 2019
138 f il
Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria (PPGHIST) Uni-
versidade Estadual do Maranhatildeo 2019
Orientador Prof Dr Wheriston Silva Neris
1 Escola 2 Religiotildees afro-brasileiras 3 Cultura 4 Oficinas I Tiacutetulo
CDU 3739(6+81)(091)
Dedico este trabalho a minha matildee Mirtes
Pires Carvalho pela dedicaccedilatildeo a um anjo de pele preta que apareceu em
minha vida Joseacute Parece Nunes (in memori-
am) e a meu grande amor Jouberth Reis Sil-va (in memoriam)
AGRADECIMENTOS
Foi quando aprendi a fazer conta de subtraccedilatildeo para achar a idade que vi as maravi-
lhas que a educaccedilatildeo pode possibilitar a um indiviacuteduo Ainda nas seacuteries iniciais percebi que a
educaccedilatildeo poderia mudar minha vida Mais uma etapa se encerra houve muitas renuacutencias para
que pudesse realizar este trabalho Foram dois anos de muito aprendizado e um incansaacutevel
mundo de descobertas neste estaacutegio de minha formaccedilatildeo para tanto algumas pessoas foram
importantes para esta conquista
Assim comeccedilo agradecendo agrave minha matildee mulher dedicada e saacutebia com quem aprendi
que ldquoQuando se tem muito se come muito quando se tem pouco se come pouco quando natildeo
se tem nada natildeo se come nada mas natildeo se abaixa a cabeccedila e se vive com dignidaderdquo Ouvi
esta frase por anos em nossa educaccedilatildeo em meio aos insignificantes recursos inclusive de ali-
mentaccedilatildeo mas que me deu forccedila para seguir
Agradeccedilo tambeacutem a meu padrasto Joseacute Parece (in memoriam) que surgiu em minha
vida no dia e na hora certa para me oferecer o que mais me fazia falta comida Foi por isso
tambeacutem que cheguei aqui
Agraves minhas irmatildes Wiara Nunes pelo apoio nos momentos que mais precisei e pela de-
dicaccedilatildeo em cuidar da nossa matildee e agrave Hildna Adeacutelia pelo amor e apoio constante Agrave toda minha
famiacutelia meu muito obrigado
Aos amigos o grandessiacutessimo Nonato Macedo pela forccedila sem sua fidelidade e genero-
sidade natildeo teria conseguido chegar ateacute aqui obrigado quando agrave eacutepoca do seletivo do mestrado
no qual concorriacuteamos e com uma atitude digna dos grandes seres iluminados proferiu a frase
que marcou a minha vida ldquoJaacute estou de idade taacute aqui minhas apostilas estude passe e seja
mestre Vocecirc merecerdquo Nonato obrigado meu amigo Meu muito obrigado tambeacutem a Mozart
que quando eu trilhava o bairro inteiro com o intuito de economizar na passagem generosa-
mente dizia ldquoNatildeo faccedila mais isto para de andar quando precisar de dinheiro de passagem me
diz que te dourdquo Sou agradecido pelo acolhimento em sua casa A Valdenilton pela atenccedilatildeo e
zelo a mim prestada sempre que estou em Satildeo Luiacutes Todos vocecircs contribuiacuteram imensamente
para esse processo
Aos meus tios Israel Pires pela hospedagem carinho e conversas repletas de co-
nhecimentos ao Tio Milton Pires pela ajuda constante que me direciona Agrave outra pessoa
igualmente relevante para esse processo Regina Brito Costa grato pelos bilhetes de autoriza-
ccedilatildeo agrave eacutepoca da CNEC quando dos enormes atrasos nas mensalidades
Agrave Jorlidalva pelo apoio incondicional essa mulher com um coraccedilatildeo gigante que me
reergueu quando havia perdido o interesse pela profissatildeo
Agrave Marileide pela sensibilidade e apoio junto a Secretaria de Educaccedilatildeo de Serrano do
Maranhatildeo que permitiu que iniciasse o mestrado
Ao Secretaacuterio Carlos Pinheiro pela coragem em assumir o compromisso em permitir
que eu concluiacutesse o mestrado
ldquoAgraveS REISrdquo Ana Maria Alessandra Alexandro Rosana Tatiana Dilla Mayara
Mendes Ronald e a todos que formam essa famiacutelia esplecircndida da qual me orgulho de ter em
meu conviacutevio muito obrigado
A negra mais espetacular que conheci Juacutelia Reis (in memoriam) que me orgulho de
chamaacute-la de matildee pela generosidade respeito inteligecircncia carinho com que tratava o ser hu-
mano e por ter feito de sua vida e sua casa a filosofia ubuntu
Agrave minha pequena notaacutevel Tatiana Reis por me inspirar e possibilitar seu conviacutevio pe-
los livros emprestados que deram base agrave minha pesquisa e pelo apoio incondicional Faltam
palavras para externar o imenso carinho e admiraccedilatildeo que tenho por ti
Ao grande amor da minha vida que cedo partiu deixando um vazio imenso Jouberth
Reis Silva (in memoriam) pelo zelo e carinho que me dedicavas
Agradeccedilo agrave Alzenira Pestana pelo esforccedilo em providenciar meu diploma do Magisteacute-
rio para que eu pudesse entrar na Universidade
Ao meu grande amigo Joseacute Maria Marques pelo tratamento e por ter dividido comigo
a cena mais heroica de minha vida estudantil ao tempo da extinta CNEC quando com meses
de atraso e impossibilitados de entrar prendemos os braccedilos do porteiro para entrarmos e mos-
trarmos que com todo fardo das dificuldades financeiras queriacuteamos estudar fato que fomos
convidados a se retirar de sala e sermos aplaudidos pelos alunos Zeacute muito obrigado
Ao Professor Joseacute Francisco Pestana e a Izabel Nogueira pela quitaccedilatildeo das mensalida-
des muito obrigado
Ao Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda pelo acolhimento da minha pesquisa
Aos pais de santos pela atenccedilatildeo e consideraccedilatildeo em relatar suas histoacuterias e abrir suas
casas para as entrevistas
Agrave Mocircnica Picollo pela eficiente conduccedilatildeo do Programa e atenccedilatildeo a mim direcionada
Admiraccedilatildeo eacute o que melhor explica nossa relaccedilatildeo muito obrigado
Agraves professoras Ana Liacutevia Bomfim pela inspiraccedilatildeo como profissional pela frase que me
fez crer que tudo eacute possiacutevel ldquoNatildeo naturalize nada em sua vidardquo frase que veio como um man-
tra agrave Sandra Regina pelas aulas inspiradoras e cheias de sorrisos e Milena Galdez pelo espe-
taacuteculo de pessoa e pelas enormes contribuiccedilotildees que me que ajudaram a confirmar a possibili-
dade de debates entre as religiotildees muito obrigado
Agrave Diretora do Centro de Ensino Profordf Joana Batista Dias Josilene Conde Marina Bra-
ga pela compreensatildeo nas minhas ausecircncias Aos amigos Carlos Pimentel e Marcos Soares
pela ajuda na minha ausecircncia na escola do estado obrigado Ao Professor Noir Santos Pro-
fessor Jornandes e Alexandre Miranda Aos amigos Leandro Seacutergio Ederlon Mariano e An-
tonilson pela ajuda ao meu primo Leandro Lima pelo carinho Ao companheiro Joatildeo Barros
por ser sempre solicito a Osmilda Neovaldo Ana Isabel Aldo Guedes e a Raimunda e Neti-
nho Oliveira
Ao meu eterno Professor Luiacutes Claudio pelo incentivo e por matar minha fome nas ho-
ras que me faltavam muitiacutessimo obrigado
Ao grupo de jovem JAF onde muito aprendi e convivi com pessoas maravilhosas ao
grupo OMNIRAacute pelas oportunidades em mostrar meu lado artiacutestico
Aos meus colegas de mestrado foi uma experiecircncia que jamais irei esquecer a Renata
pela constante atenccedilatildeo Amanda Jeacutessica Mayara Adriana Jeferson Tereza Edilene Cirila
Gustavo Lara Drielle Diego Laiana Cleidiane MUITO OBRIGADO
Agradeccedilo imensamente ao Professor Wheriston Silva Neris pelo compromisso com a
pesquisa a atenccedilatildeo e zelo como me orientou sabendo das dificuldades que tinha a sua humil-
dade seu talento em conduzir minhas duacutevidas com muito respeito e humanidade sua orienta-
ccedilatildeo me mostrou que podemos ir bem longe quando somos bem conduzidos e foi isto que sua
intelectualidade me mostrou Quando o vi em Bacabal em 2014 palestrando foi quiacutemica agrave
primeira vista o destino me possibilitou que o tivesse como orientador sou muito grato por ter
dividido com vocecirc essa etapa da minha vida palavras satildeo poucas para externar o enorme ca-
rinho respeito admiraccedilatildeo e gratidatildeo que tenho Obrigado por tudo pelo universo que colo-
castes em minhas matildeos MUITO OBRIGADO
Quando o Sol
Se derramar em toda sua essecircncia
Desafiando o poder da ciecircncia
Pra combater o mal
E o mar
Com suas aacuteguas bravias
Levar consigo o poacute dos nossos dias
Vai ser um bom sinal
Os palaacutecios vatildeo desabar
Sob a forccedila de um temporal
E os ventos vatildeo sufocar o barulho infernal
Os homens vatildeo se rebelar
Dessa farsa descomunal
Vai voltar tudo ao seu lugar
Afinal
Vai resplandecer
Uma chuva de prata do ceacuteu vai descer la la la
O esplendor da mata vai renascer
E o ar de novo vai ser natural
Vai florir
Cada grande cidade o mato vai cobrir ocirc ocirc
Das ruiacutenas um novo povo vai surgir
E vai cantar afinal
As pragas e as ervas daninhas
As armas e os homens de mal
Vatildeo desaparecer nas cinzas de um carnaval
(Clara Nunes- As Forccedilas da Natureza)
RESUMO
O objetivo deste trabalho eacute discutir as relaccedilotildees entre instituiccedilotildees escolares e religiotildees afro-
brasileiras tomando como unidade empiacuterica de anaacutelise um contexto relacional representado
pelo Bairro de Satildeo Benedito localizado na periferia da cidade de Cururupu-Maranhatildeo Trata-
se aqui de colocar sob foco as interfaces cruzamentos de espaccedilos e diaacutelogos possiacuteveis entre o
Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda e os 14 terreiros existentes que circundam a escola
Metodologicamente a pesquisa busca combinar diferentes estrateacutegias tais como a aplicaccedilatildeo
de questionaacuterios e a realizaccedilatildeo de entrevistas temaacuteticas com (ex) gestores professores e dis-
centes e lideranccedilas religiosas de terreiros atuantes nesse mesmo bairro Em um momento no
qual o tratamento da questatildeo da diferenccedila e da cultura em meios educacionais tem entrado na
pauta do dia produzindo impactos e novos desafios para os profissionais do espaccedilo escolar
buscamos natildeo somente suscitar a criacutetica reflexiva sobre as formas de preconceito e estigmati-
zaccedilatildeo ainda em voga como tambeacutem explorar experimentalmente vias de diaacutelogos entre atores
tatildeo proacuteximos geograacutefica e simbolicamente mas ao mesmo tempo tatildeo distantes em termos de
conhecimento e reconhecimento Para tanto propusemos a realizaccedilatildeo de Oficinas como lugar
coletivo para aproximaccedilatildeo debate e diaacutelogo a partir do proacuteprio contexto em pauta entendido
enquanto meio para gerar novas praacuteticas para o ensino de Histoacuteria e a aquisiccedilatildeo de competecircn-
cias ciacutevicas importantes para a cidadania e respeito agrave diferenccedila A experiecircncia resultante da
execuccedilatildeo dessa proposta de intervenccedilatildeo pedagoacutegica foi condensada no produto apresentado
em anexo constituindo uma forma de contribuiccedilatildeo aplicada dessa dissertaccedilatildeo
Palavras-Chave Escola Religiotildees Afro-brasileiras Cultura Oficinas
ABSTRACT
The objective of this work is to discuss the relations between school institutions and Afro-
Brazilian religions taking as an empirical unit of analysis a relational context represented by
the District of Satildeo Benedito located in the outskirts of the city of Cururupu-Maranhatildeo The
focus here is on the interfaces crossings of spaces and possible dialogues between the Joatildeo
Marques Miranda Teaching Center and the 14 existing terreiros that surround the school
Methodologically the research seeks to combine different strategies such as the application
of questionnaires and thematic interviews with (ex) managers professors and students and
religious leaders from terreiros operating in the same neighborhood At a moment in which
the treatment of the issue of difference and culture in educational media has entered the agen-
da of the day producing impacts and new challenges for the professionals of the school space
we seek not only to provoke the reflexive criticism about the forms of preconception and
stigmatization still in vogue as well as tentatively exploring ways of dialogue between actors
so closely geographically and symbolically but at the same time so far apart in terms of
knowledge and recognition In order to do so we proposed the realization of workshops as a
collective place to approach debate and dialogue from the context in question understood as
a means to generate new practices for the teaching of History and the acquisition of important
civic competences for the citizenship and respect to the difference The experience resulting
from the implementation of this pedagogical intervention proposal was condensed into the
final product presented in the annex constituting a form of applied contribution of this disser-
tation
Keywords School Afro-Brazilian religions Culture Offices
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Imagem1- Desfile da Unidos de Vila Isabel44
Imagem 2- Marcha Zumbi dos Palmares47
Imagem 3- Fachada do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda61
Imagem 4- Joatildeo Marques Miranda62
Imagem 5- Profordf Floranilde Dias da Silva81
Imagem 6- Profordf Deacuterika Sandriane da Silva Maia83
Imagem 7- Profordm Eacutelcio Silva 84
Imagem 8- Profordf Raimunda Nonata86
Imagem 9- Matildee de Santo Maria Clara Cunha 87
Imagem 10- Mapa do Bairro de Satildeo Benedito96
Imagem 11- Festival de Carro de Boi99
Imagem 12- Terreiros do bairro de Satildeo Benedito101
Imagem 13- Isabel Mineira (in memoriam) 103
Imagem 14- Pai de Santo Fracircncio Jacircnio Silva Veras 104
Imagem 15- Pai de Santo Luiacutes Afonso Azevedo Silva106
Imagem 16- Pai de Santo Edimir107
Imagem 17- Matildee de Santo Edna Pires 108
Imagem 18- Matildee de Santo Faacutetima Cadete109
Imagem 19- Pai de Santo Joseacute Maria Ramos110
Imagem 20- Iniciada Tereza Cadete111
LISTA DE SIGLAS
CBPE- Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
CCE- Conselho Estadual de Educaccedilatildeo
CEERSEMA- Centro Ecumecircnico de Estudos Religiosos Superiores do Maranhatildeo
CMF- Comissatildeo Maranhense de Folclore
CNE- Conselho Nacional de Educaccedilatildeo
EJA- Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos
FNB- Frente Negra Brasileira
FUNASA ndash Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede
GCNC- Grupo de Consciecircncia Negra de Cururupu
GEAR- Grupo de Estudos Andreacute Rebouccedilas
GTI- Grupo de Trabalho Interministerial
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IPCN- Instituto de Pesquisas de Cultura Negra
JAF- Jovens Armas do Futuro
MEC-Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura
MNU- Movimento Negro Unificado
PCNrsquos- Paracircmetros Curriculares Nacionais
SECAD- Secretaria de Educaccedilatildeo a Distacircncia Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade
SECNEB- Sociedade de Estudos de Cultura Negra no Brasil
SINBA- Sociedade de Intercacircmbio Brasil Aacutefrica
UEMA- Universidade Estadual do Maranhatildeo
LISTA DE GRAacuteFICOS
Graacutefico 01- Vocecirc se considera negro65
Graacutefico 02- Vocecirc tem conhecimento de quais religiotildees satildeo praticadas em Cururupu66
Graacutefico 03- Jaacute ouviu falar sobre religiatildeo afro-brasileira67
Graacutefico 04- Frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana na cidade67
Graacutefico 05- Vocecirc conhece algum terreiro de religiatildeo de matriz africana que fica localizada proacuteximo ao
CEJMMiranda68
Graacutefico 06- Conhece algum pai ou matildee de santo que residem proacuteximo da escola69
Graacutefico 07- J aacute participou de algum festejo em terreiro de religiatildeo de matriz africana69
Graacutefico 08- Vocecirc acha que as religiotildees de matriz africana sofrem discriminaccedilatildeo na escola70
Graacutefico 09- Como vocecirc acha que a escola deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo71
Graacutefico 10- Como define religiatildeo73
Graacutefico 11- Conhece alguma religiatildeo de matriz africana74
Graacutefico 12- Jaacute participou de alguma atividade em cultos de matriz africana74
Graacutefico 13- Considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cultos de matriz africana75
Graacutefico 14- Nas escolas considera que os cultos africanos sofrem discriminaccedilatildeo75
Graacutefico 15- A escola desenvolve atividades que falam das denominaccedilotildees religiosas praticadas em
Cururupu Como satildeo feitas essas abordagens 76
Graacutefico 16- Tem conhecimento sobre a Lei 106392003 que trata do Ensino de Histoacuteria da Aacutefrica e
Cultura Afro-brasileira nas escolas77
Graacutefico 17- Tem acesso a materiais sobre Aacutefrica e Cultura Afro-brasileira nas escolas ou fora dela77
Graacutefico 18- As datas alusivas agrave comunidade negra como a escola tecircm trabalhado os temas78
Graacutefico 19- Como tem administrado as discussotildees sobre religiatildeo africana em sala de aula quando
estas acontecem 78
Graacutefico 20- Vocecirc acha que a escola e os terreiros deveriam desenvolver atividades que fortalecessem esses laccedilos Por quecirc78
Graacutefico 21- O que vocecirc acha que deveria ser feito para que debates acerca das religiotildees acontecessem
na escola 79
Graacutefico 22- Conhece pais e matildees de santo que residem proacuteximos da escola80
LISTA DOS TERREIROS
Terreiro 01- Pingo Drsquoaacutegua Matildee Isabel Mineira (in memoriam)
Terreiro 02- Quarto altar Pai Fracircncio Jacircnio Veras
Terreiro 03- Pai Joaquim de Angola Pai Luiacutes Afonso Azevedo
Terreiro 04- Santo Antocircnio Matildee Maria Bebo Soeira (in memoriam)
Terreiro 05- Santa Baacuterbara Pai Edimir Pires Mota
Terreiro 06- Santa Baacuterbara Matildee Edina Pires
Terreiro 07- Quarto altar Pai Deiran
Terreiro 08- Santa Luzia Matildee Faacutetima Cadete
Terreiro 09- Santa Baacuterbara Matildee Valdelina
Terreiro 10- Quarto altar Pai Daacuterio
Terreiro 11- Quarto altar Pai Sebastiatildeo Conde
Terreiro 12- Satildeo Sebastiatildeo Pai Jorge de Abdias
Terreiro 13- Deus eacute quem Guia Pai Joseacute Maria Ramos
Terreiro 14- Quarto altar Iniciada Tereza Cadete
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO18
I -Referenciais de anaacutelise-Antropologia da educaccedilatildeo-repensando a diferenccedila no espaccedilo
escolar 19
II-Formas escolares hegemonicas e culturas escolares
especiacuteficas23
III-Encaminhamentos da pesquisa escolha temaacutetica e a posiccedilatildeo do pesquisador 26
IV- Estrutura do trabalho 28
CAPIacuteTULO 1 - A CULTURA AFRO-BRASILEIRA NOS BANCOS ESCOLARES
Diversidade diferenccedila e Cultura Escolar30
11 A contribuiccedilatildeo da Histoacuteria da Aacutefrica para a humanidade 30
12 A cultura afro-brasileira e o espaccedilo escolar 35
13 As lutas para afirmaccedilatildeo da cultura Afro-Brasileira 40
CAPIacuteTULO 2- RELACcedilOtildeES EacuteTNICO-RACIAIS lutas movimentos e reformas poliacuteticas edu-
cacionais43
CAPIacuteTULO 3 -DA ESCOLA PARA OS TERREIROS Normas experiecircncias e percepccedilotildees sobre
as religiotildees afro-brasileiras53
31 As mutaccedilotildees no curriacuteculo e o desafio de implementaccedilatildeo da Lei 106392003 53
32 Descrevendo a instituiccedilatildeo escolar histoacuterias atores e experiecircncias 60
33 Mapeando as avaliaccedilotildees de discentes e docentes sobre religiotildees afro-brasileiras 63
34 Entrando no mundo dos alunos 64
35 As religiotildees afro-brasileiras entre os docentes 72
36 Experiecircncias e percepccedilotildees de docentes acerca da relaccedilatildeo entre escola e comunidade 80
CAPIacuteTULO 4 - DA COMUNIDADE PARA A ESCOLA histoacuterias percepccedilotildees e experiecircncias de
um diaacutelogo possiacutevel 90
41 Perspectiva de investigaccedilao sobre a histoacuteria e cultura afro-brasileira no
Maranhao92
42 Descrevendo o bairro Satildeo Benedito festas populares e tracircnsitos religiosos 95
43 Histoacuterias de terreiros terrenos de memoacuterias e de histoacuterias101
CAPIacuteTULO 5- OFICINAS PEDAGOacuteGICAS E A HISTOacuteRIA E CULTURA AFRO-
BRASILEIRA 113
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 117
REFEREcircNCIAS 119
APEcircNCICES127
18
INTRODUCcedilAtildeO
Cururupu eacute um municiacutepio localizado no Litoral Ocidental Maranhense composto
em sua maior parte por descendentes de africanos que vieram do antigo Daomeacute1 na Regiatildeo
Ocidental da Aacutefrica Conforme dados do uacuteltimo Censo do IBGE a populaccedilatildeo residente no
municiacutepio concentra-se predominantemente na religiatildeo Catoacutelica seguido de longe pelas de-
nominadas evangeacutelicas Ocorre que embora natildeo sejam apresentados registros de pertencentes
agraves religiotildees afro-brasileiras a cidade eacute conhecida no cenaacuterio estadual como terra de grandes
pais e matildees de santo Atualmente Cururupu possui uma grande quantidade de terreiros na
sede havendo bairros que contam com aproximadamente cinco a sete casas de cultos aos ori-
xaacutes voduns e caboclos2 De maneira geral esses terreiros estatildeo localizados em aacutereas afastadas
e perifeacutericas do municiacutepio para onde afluem os praticantes e admiradores nas muacuteltiplas oca-
siotildees e ciclos de cerimocircnias e festas aos santos Nessas ocasiotildees participam das muacuteltiplas
atividades ali desenvolvidas com a utilizaccedilatildeo de tambores danccedilas e muacutesicas que fazem parte
da liturgia empregada pelos sacerdotes e sacerdotisas para evocar as divindades
Neste cenaacuterio cabe destacar o Bairro Satildeo Benedito localizado justamente na peri-
feria do referido municiacutepio onde estaacute localizado o Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda
escola da rede estadual selecionada como laboratoacuterio para discutirmos sobre o processo de
integraccedilatildeo da Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africana no cotidiano escolar conforme
respalda a Lei 106392003 Levando em conta que a referida lei foi promulgada haacute uma deacute-
cada e meia o que esteve no ponto de partida deste trabalho foi o desejo de investigar como
uma instituiccedilatildeo escolar e seus atores rodeada por nada menos do que 09 (nove) terreiros3 e 05
quarto altar que lida justamente com o tema da diversidade eacutetnico-religiosa brasileira nota-
damente de matriz afro-brasileira
1 Paiacutes africano de onde vieram escravizados para trabalharem nas fazendas de mandioca accediluacutecar e aguardente de Cururupu Daomeacute eacute atualmente Benim 2 Em Cururupu as casas de cultos as entidades possuem grande quantidade de adeptos que ajudam na organiza-
ccedilatildeo dos festejos Essas comunidades organizadas nos terreiros respeitam um grau de ligaccedilatildeo entre serviccedilos pres-
tados pelo pai de santo ao assistente ou a um membro da famiacutelia deixando um laccedilo de gratidatildeo eacute comum famiacute-
lias inteiras frequentarem os terreiros nas mesmas condiccedilotildees de tarefas 3 Terreiro Pingo Drsquoaacutegua de Matildee Izabel Mineira (in memoriam) Terreiro Santa Baacuterbara do Pai Edmir Mota Ter-
reiro Santa Baacuterbara de Matildee Edna Pires Terreiro de Santa Luzia de Matildee Faacutetima Cadete Terreiro Satildeo Sebastiatildeo
de Pai Jorge de Abdias Terreiro Pai Joaquim de Angola de Pai Luiacutes Quarto-Altar de Pai Daacuterio Quarto-Altar de
Sebastiatildeo Conde Terreiro Santo Antonio de Matildee Maria Bebo Soeira (in memoriam) Quarto-Altar de Pai Dei-
ran Terreiro Deus me Guia de Pai Joseacute Maria Quarto-Altar de Tereza Cadete Quarto-Altar de Pai Fracircncio Ve-
ras Terreiro Santa Baacuterbara de Matildee Valdelina
19
Com efeito o objetivo da presente dissertaccedilatildeo foi analisar a pluralidade de olhares
sobre escolas e terreiros e suas intra e inter-relaccedilotildees tomando como unidade empiacuterica de anaacute-
lise um contexto relacional representado pelo Bairro de Satildeo Benedito localizado na periferia
da cidade de Cururupu- Maranhatildeo Objetivamente trata-se aqui de colocar sob foco as inter-
faces cruzamentos de espaccedilos e diaacutelogos possiacuteveis entre o Centro de Ensino Joatildeo Marques
Miranda e as casas de cultos existentes que circundam a escola Metodologicamente a pes-
quisa busca combinar diferentes estrateacutegias tais como a aplicaccedilatildeo de questionaacuterios de admi-
nistraccedilatildeo direta e a realizaccedilatildeo de entrevistas temaacuteticas com (ex) gestores professores alunos
e lideranccedilas religiosas de terreiros atuantes nesse mesmo bairro O tiacutetulo da presente disserta-
ccedilatildeo ldquoDos terreiros para a escola da escola para os terreirosrdquo claramente inspirado nos traba-
lhos da Antropologia da Educaccedilatildeo notadamente Stela Caputo (2012) e Rachel Rua Baptista
Bakke (2011) entre outros tenta expressar justamente o esforccedilo por problematizar os pontos
de vista de atores sociais que protagonizam as relaccedilotildees entre escola e comunidade em uma
conjuntura histoacuterico-social especiacutefica o que permite situar o foco da presente pesquisa sobre
as interfaces cruzamentos de espaccedilos e co-representaccedilotildees identitaacuterias resultantes de certo
estaacutegio de relaccedilotildees e incompreensotildees entre esses dois universos
I - Referenciais de anaacutelise- Antropologia e Educaccedilatildeo repensando a diferenccedila no espaccedilo
escolar
Dentro da perspectiva analiacutetica adotada neste estudo os principais referenciais pa-
ra discussatildeo sobre como a alteridade tem sido experienciada dentro da escola estatildeo baseados
nos trabalhos situados na fronteira entre Educaccedilatildeo e Antropologia Poreacutem eacute vaacutelido ressaltar
desde jaacute que natildeo se trata aqui exatamente de adentrar nas disputas de fronteiras entre essas
aacutereas mas de tentar situar-se dentro de um conjunto de um campo ainda bastante incipiente e
em processo de consolidaccedilatildeo (GUSMAtildeO 2009)
Eacute nesse sentido que vale agrave pena retomar alguns apontamentos de Amurabi Olivei-
ra (2017) a respeito das interfaces entre Antropologia e Educaccedilatildeo no Brasil O ponto de parti-
da do autor eacute a constataccedilatildeo de que embora se trate de um campo de pesquisas em processo de
consolidaccedilatildeo a introduccedilatildeo da antropologia nas praacuteticas pedagoacutegicas aleacutem de natildeo ser recente
tende a se tornar cada vez mais complexa com o passar do tempo Assim seja atraveacutes da in-
serccedilatildeo da disciplina de Introduccedilatildeo agrave Antropologia Pedagoacutegica no curriacuteculo de escolas nor-
mais antes mesmo da criaccedilatildeo dos primeiros cursos de Ciecircncias Sociais no Brasil seja pela
20
intervenccedilatildeo de antropoacutelogos reconhecidos na formulaccedilatildeo de poliacuteticas educacionais no Brasil ndash
a exemplo de Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro que participaram ativamente do Centro Brasi-
leiro de Pesquisas Educacionais - (CBPE) o que importa reter eacute que as interfaces entre Educa-
ccedilatildeo e Antropologia natildeo constituem aqui um fenocircmeno ineacutedito (OLIVEIRA 2017)
Contudo como explicita o mesmo autor aleacutem do processo de consolidaccedilatildeo insti-
tucional dessas duas aacutereas no Brasil ter reforccedilado o isolamento de ambas a partir da deacutecada de
1970 no caso especiacutefico da Antropologia parece pesar ldquoo fato de que as populaccedilotildees que pre-
dominantemente foram objeto de reflexatildeo por parte dessa ciecircncia soacute paulatinamente tiveram
amplo acesso ao sistema educacional formalrdquo (OLIVEIRA 2017) Dessa forma como des-
creve Neusa Gusmatildeo (2009) o caso eacute que se os estudos antropoloacutegicos sobre a educaccedilatildeo
ganham forccedila a participaccedilatildeo de antropoacutelogos em projetos educacionais e poliacuteticas educativas
tem sido uma constante no Brasil
Em certa medida isso ajuda a explicar o porquecirc da questatildeo da diferenccedila da cultu-
ra e das desigualdades vir sendo inserida na pauta do dia das poliacuteticas nacionais de educaccedilatildeo e
das poliacuteticas de diversidade ndash Leis 1063903 e 1164508 4e das accedilotildees afirmativas no ensino
superior produzindo impactos e novos desafios no espaccedilo escolar brasileiro
Seja como for o que importa destacar com isso eacute que na medida em que essas po-
liacuteticas educacionais colocam como foco central a questatildeo da relaccedilatildeo com a diferenccedila e a ques-
tatildeo da alteridade toca-se diretamente em princiacutepios antropoloacutegicos importantes e necessaacuterios
para uma atitude humanista e problematizadora do espaccedilo escolar Como parte das Ciecircncias
Humanas a Educaccedilatildeo e a Antropologia encontram no estudo do homem em suas diferentes
nuances costumes crenccedilas e haacutebitos a chave para desnaturalizar as visotildees etnocecircntricas para
enfatizar o relativismo a valorizaccedilatildeo da diversidade questotildees essas cada vez mais importan-
tes em nosso tempo e realidade Essa constitui uma das principais contribuiccedilotildees da Antropo-
logia concebida aqui nas palavras de Siqueira (2007) como
O estudo do homem buscando um enfoque totalizador que integre os aspec-
tos culturais e bioloacutegicos no presente e no passado focalizando as relaccedilotildees entre o homem e o meio entre o homem e a cultura e entre o homem com o
homem (SIQUEIRA 2007 p 17)
4 Lei 116452008 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Indiacutegena alterada pela
Lei nordm 9394 de 20 de dezembro de 1996 modificada pela Lei nordm 10639 de 9 de janeiro de 2003 que estabelece
as diretrizes e bases da educaccedilatildeo nacional para incluir no curriacuteculo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da
temaacutetica (DE PAULO 2015 p 69)
21
Portanto a Antropologia estuda a diversidade cultural dos povos entrelaccedilando os as-
pectos que contribuiacuteram para a formaccedilatildeo das sociedades como ciecircncia preocupa-se com a
questatildeo das diferenccedilas e busca propor formas de intervenccedilatildeo sobre a realidade papel a que se
dirige qualquer conhecimento produzido a partir das relaccedilotildees entre os homens e o mundo so-
cial criado por eles Neste mundo social a que o autor faz inferecircncia satildeo fartamente observa-
dos os elementos que compotildee as culturas de cada sociedade bem como seus elementos cons-
tituintes
Neste sentido como cultura podemos entender todo tipo de manifestaccedilatildeo social mo-
dos haacutebitos comportamentos rituais crenccedilas mitos e outros aspectos sendo portanto fon-
tes de pesquisa para os estudiosos da antropologia Neste aspecto esta ciecircncia carrega em seu
repertoacuterio conceitual o encadeamento das accedilotildees que envolvem o comportamento humano
bem como sua maneira de desenvolvimento peculiar para a realizaccedilatildeo de atividades que en-
volvam o entendimento das massas em estudos auxiliando em eminentes intervenccedilotildees que
implicam numa compreensatildeo mais proacutexima da realidade bem como os apontamentos de vari-
aacuteveis Para isto
A antropologia como ciecircncia preocupa-se com a questatildeo das diferenccedilas e
busca propor formas de intervenccedilatildeo sobre a realidade papel a que se dirige
qualquer conhecimento produzido a partir das relaccedilotildees entre os homens e o
mundo social criado por eles (GUSMAtildeO 2009 p 54)
Dessa perspectiva a educaccedilatildeo eacute tomada aqui como uma praacutetica reflexiva que se enri-
quece pelas intersecccedilotildees com outras aacutereas do saber no caso a Antropologia Isto eacute se esti-
vermos em condiccedilotildees de entender que a educaccedilatildeo em seu sentido amplo de processo de inte-
graccedilatildeo dos indiviacuteduos agrave sociedade encontra-se no cerne do processo de transmissatildeo das he-
ranccedilas sociais e culturais entre as geraccedilotildees Em suma a educaccedilatildeo particularmente em suas
formas mais institucionais e formalizadas exerce papel central no processo de aprendizado do
ser social
Sobre a questatildeo da diferenccedila eacute vaacutelido ressaltar que as sociedades sobretudo as con-
temporacircneas satildeo compostas por diferentes grupos humanos que deteacutem interesses contrapos-
tos e identidades culturais em conflito Frente a esse quadro a Antropologia tem muito a con-
tribuir visto que oferece aberturas para pensar a relaccedilatildeo com a alteridade e a diferenccedila dado
que o proacuteprio espaccedilo escolar se encontra perpassado pela heterogeneidade Eacute precisamente
nesse sentido que vale acompanhar algumas consideraccedilotildees de Irene Aparecida Aacutevila (2010)
Nilma Lino Gomes (2012) e Vera Maria Ferratildeo Candau (2012) a respeito das dinacircmicas cul-
turais que atravessam e permeiam o espaccedilo escolar
22
Segundo Irene Aacutevila (2010) eacute crucial repensar como a composiccedilatildeo social heterogecircnea
na sociedade brasileira se apresenta no espaccedilo escolar entendido como meio necessaacuterio para
trabalhar o direito agrave diferenccedila e agraves competecircncias ciacutevicas de respeito agrave pluralidade de ideias e
culturas
Reconhecer a diferenccedila que existe nos indiviacuteduos e nos grupos passa a ser percebida como direitos correlatos pois a convivecircncia em uma sociedade
democraacutetica depende da aceitaccedilatildeo da ideia de compormos uma totalidade
social heterogecircnea na qual natildeo deve ocorrer a exclusatildeo (AacuteVILA 2010 p
36)
Ao discutir sobre a heterogeneidade social e seus contrapontos a autora parte do pres-
suposto que a formaccedilatildeo brasileira eacute majoritariamente composta por diferentes matrizes eacutetnicas
(o iacutendio nativo o negro escravizado e o branco colonizador) que ao longo da Histoacuteria do Bra-
sil sempre estiveram em disputas pela manutenccedilatildeo de suas raiacutezes simboacutelicas Disputa essa
marcada por relaccedilotildees de poder Ocorre que demorou muito tempo para que surgissem propos-
tas e reformas poliacutetico-educacionais que afirmassem o discurso multiculturalista nos estabele-
cimentos de ensino (OLIVEIRA 2010) Bandeira poliacutetica recente ateacute entatildeo a heterogeneida-
de do social era negligenciada no curriacuteculo (GOMES 2012) produzindo uma escola pura-
mente eurocecircntrica segregacionista e recrudescedora das desigualdades sociais isto eacute ldquocrian-
do um ambiente onde as diferenccedilas natildeo satildeo privilegiadasrdquo (AacuteVILA 2010 p 40)
Neste sentido cabe agrave escola fazer o aluno compreender que ldquoa realidade social natildeo eacute
uma coisa dada e acabadardquo (BRANDAtildeO 1993 p 23) e que o respeito agrave diferenccedila constitui
parte importante de reforccedilo de uma moral e ciacutevica que garanta igualdade e liberdade a todos
Aqui ao tecermos essas consideraccedilotildees assumimos inevitavelmente uma posiccedilatildeo poliacutetica
Aliaacutes ldquoNo tocante a isto vale lembrar acerca da noccedilatildeo de cultura que sempre foi e eacute portan-
to uma noccedilatildeo que se define eminentemente como poliacuteticardquo (GUSMAtildeO 2009 p 53)
Para Nilma Lino Gomes por outro lado para equacionar a ausecircncia de um debate efe-
tivo sobre a diferenccedila e que reafirme a autoestima e as identidades dos diferentes atores no
espaccedilo escolar deve-se problematizar o proacuteprio sentido e finalidade da educaccedilatildeo Como asse-
vera na praacutetica natildeo se educa para alguma coisa educa-se porque a educaccedilatildeo eacute um direito e
como tal deve ser garantido de forma igualitaacuteria equacircnime e justa (GOMES 2012 p01)
Trata-se de uma perspectiva semelhante agravequela defendida por Vera Maria Candau para quem
[] a educaccedilatildeo escolar natildeo pode ser reduzida a um produto que se negocia na loacutegi-ca do mercado nem ter como referecircncia quase que exclusivamente a aquisiccedilatildeo de
determinados ldquoconteuacutedosrdquo por mais socialmente reconhecidos que sejam Deve ter
como horizonte a construccedilatildeo de uma cidadania participativa a formaccedilatildeo de sujeitos
23
de direito o desenvolvimento da vocaccedilatildeo humana de todas as pessoas nela impli-
cadas (CANDAU 2012 p721)
Agrave vista disso a perspectiva antropoloacutegica em que se inspira a presente pesquisa con-
tribui natildeo somente para compreender o espaccedilo escolar a partir de uma abordagem mais mi-
croscoacutepica como tambeacutem constitui ferramenta importante para trabalhar competecircncias para
uma vida ciacutevica responsaacutevel O qual exige que o trabalho com o relativismo cultural que eacute
intriacutenseco agrave aacuterea seja exercitado na maneira como abordamos as culturas os costumes e ex-
periecircncias dos diferentes grupos dentro do espaccedilo escolar Foi precisamente essa concepccedilatildeo
de fundo qual seja a de que a escola deve apostar no trabalho com as diferentes manifestaccedilotildees
culturais com a histoacuteria local que esteve no ponto de partida das intervenccedilotildees pedagoacutegicas
que realizamos
II- Formas escolares hegemocircnicas e culturas escolares especiacuteficas
A discussatildeo sobre a cultura escolar natildeo constitui exclusividade da Antropologia Nesse
sentido com a finalidade de produzir aportes para o nosso proacuteprio trabalho de pesquisa pro-
curamos explorar dentro do campo historiograacutefico as pesquisas e propostas de observaccedilatildeo que
mais se ajustassem ao objetivo principal do trabalho qual seja o de problematizar as relaccedilotildees
entre escola e terreiros a partir da maneira como lidam com a histoacuteria cultura e religiosidade
afro-brasileiras Foi dessa forma que chegamos a um conjunto teoacuterico que reuacutene trabalhos que
tomam as noccedilotildees de forma escolar e de cultura escolar como categorias de interpretaccedilatildeo Des-
taca-se aqui em particular os trabalhos de Dominique Julia (2001) Antonio Vinao Frago
(1995) Andreacute Chervel (1990) Vincent Lahire amp Thin (2001) Faria Filho (2000 2004) etc
Pode-se comeccedilar entatildeo pela noccedilatildeo de forma escolar (VINCENT LAHIRE amp THIN
2001) que designa agrave existecircncia em uma dada conjuntura histoacuterica de uma configuraccedilatildeo social
de conjunto que se encontra particularmente ligada a reproduccedilatildeo das relaccedilotildees de poder no
espaccedilo social mais amplo A forma escolar natildeo se confunde com a instituiccedilatildeo escolar e suas
diferentes culturas muito embora ela seja ldquotransversal em relaccedilatildeo agraves diversas instituiccedilotildees e
grupos sociaisrdquo (VINCENT LAHIRE amp THIN 2001 p 46) Como visto nossa forma esco-
lar eacute claramente marcada pela histoacuteria de sua constituiccedilatildeo no mundo ocidental pela maneira
com que produz conhecimentos e disciplina os corpos e os saberes e valores culturais que
consagra O que entra em pauta aqui eacute um modo de relaccedilatildeo com o saber e poder inscrito no
funcionamento estrutural da educaccedilatildeo escolarizada e que retraduz uma visatildeo da sociedade de
maneira hierarquizada desigual e o que nos toca mais particularmente racializada Isto que
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talvez exija considerarmos que a modificaccedilatildeo da forma com que a escola lida com a diferenccedila
e as culturas dependam natildeo somente de modificaccedilotildees toacutepicas em seu curriacuteculo da disponibi-
lidade de materiais para trabalhar conteuacutedos diversificados ou tatildeo somente do aprimoramento
da formaccedilatildeo dos seus profissionais Eacute provaacutevel que necessitemos de uma revisatildeo mais pro-
funda capaz de acompanhar a pluralidade das formas de compreensatildeo do mundo e as episte-
mologias diversas que foram silenciadas ao longo da histoacuteria
Eacute nessa perspectiva que vale a pena pensar na noccedilatildeo de cultura escolar como objeto de
anaacutelise histoacuterica particularmente porque lida com a possibilidade de constituir uma perspec-
tiva teoacuterico-metodoloacutegica atenta agraves diferentes manifestaccedilotildees das praacuteticas instauradas no inte-
rior das escolas transitando de alunos a professores de normas agraves teorias Ora uma vez cons-
tatada a existecircncia de formas escolares tradicionais e hegemocircnicas que perpassam a maneira
como o saber formalizado eacute transmitido em nossas instituiccedilotildees de ensino natildeo podemos dedu-
zir daiacute que todas as instituiccedilotildees atuam da mesma forma negando toda contribuiccedilatildeo e todas as
modificaccedilotildees microscoacutepicas realizadas pelos sujeitos que vatildeo modificando paulatinamente o
sistema como um todo Nesse sentido talvez fosse mais coerente considerar com Vrao Frago
(2001) a existecircncia de culturas escolares como nos diz
Sin embargo desde uma perspectiva histoacuterica parece maacutes fructiacutefero e inte-ressante hablar em plural de culturas escolares () No hay escuelas coleacute-
gios institutos de ensentildeanza secundaacuteria universidades o faculdades exacta-
mente iguales aunque puedan establecerse similitudes entre ellas Las dife-
rencias crecen cuando comparamos las culturas de instituciones que perte-nencen a distintos niveles educativos (FRAGO 2001 p 33)
Eacute importante ressaltar no entanto que a atenccedilatildeo agraves singularidades e a ampliaccedilatildeo do
campo da histoacuteria das instituiccedilotildees escolares o que limitaria a operacionalidade da tentativa de
abarcar de maneira generalista as formas de escolarizaccedilatildeo de um dado periacuteodo natildeo se tradu-
ziria pela tentativa de conferir agrave escola um grau de autonomia absoluta que lhe conferisse a
capacidade de formular uma cultura distinta da cultura vigente na qual estaria inserida Tam-
pouco se trataria de mascarar as caracteriacutesticas distintivas da cultura de uma sociedade consi-
derada em seu conjunto como poderia ser acusada Entenda-se portanto que a maneira como
ela eacute invocada nesta dissertaccedilatildeo indica que nas palavras de Antocircnio Candido (CANDIDO
apud SILVA 2006 p 210) ldquo[] a proacutepria vida interna da escola [] reelabora segundo a
sua dinacircmica interna as normas valores praacuteticas comunitaacuterias dando-lhes uma coloraccedilatildeo
nova mas nem por isso alheia ao encadeamento geral da sociedaderdquo
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Destarte estudar a cultura escolar remete portanto a tentativa de focalizar os proces-
sos e produtos das praacuteticas escolares isto eacute praacuteticas que permitem a transmissatildeo de conheci-
mentos e a imposiccedilatildeo de condutas circunscritas agrave escola Como assinala Dominique Julia
[] poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar e um conjunto de
praacuteticas que permitem a transmissatildeo desses conhecimentos e a incorporaccedilatildeo
desses comportamentos normas e praacuteticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as eacutepocas (finalidades religiosas sociopoliacuteticas ou
simplesmente de socializaccedilatildeo) (JULIA 2001 p10)
Nessa esteira a cultura escolar define conhecimentos e praacuteticas que podem mudar de
acordo com os contextos soacutecio-poliacuteticos A autora aponta ainda que os debates sobre o funci-
onamento real das finalidades atribuiacutedas agrave escola podem ser mais bem captados justamente
nos momentos de crises e conflitos ou seja em conjunturas instaacuteveis que deixam em relevo
as disputas representacionais em torno do papel funccedilatildeo e significado social da escola Por traacutes
dessa noccedilatildeo na realidade encontra-se todo um programa de investigaccedilatildeo que serviu de inspi-
raccedilatildeo para muitas das questotildees que nos fizemos na presente pesquisa a saber Quais os pro-
gramas normas e regras que circunscrevem ao mesmo tempo em que habilitam a atuaccedilatildeo e
produccedilatildeo de conhecimentos em sala de aula Como isso se realiza em um contexto histoacuterico
preciso Quais os padrotildees de interaccedilatildeo observados e as percepccedilotildees subjetivas dos seus atores
Eacute possiacutevel divisar por essa breve descriccedilatildeo dos conceitos acima como eles se ajustam
ao nosso tema de investigaccedilatildeo Primeiramente porque exigem repensar as proacuteprias bases de
nossa representaccedilatildeo a respeito da histoacuteria das sociedades e da nossa proacutepria histoacuteria sobre os
quais se assenta a produccedilatildeo do saber em sala de aula Aleacutem disso exige a coragem de pensar
questotildees que vem sendo cada vez mais problematizadas no espaccedilo puacuteblico como o lugar da
histoacuteria cultura e religiosidade afro-brasileira em um momento de franco ataque a essas ini-
ciativas Da mesma forma essas noccedilotildees nos levam a considerar que cada unidade de observa-
ccedilatildeo cada instituiccedilatildeo cada cultura escolar tem suas especificidades e peculiaridades e que essa
preocupaccedilatildeo diagnoacutestica mais geral necessita ser divisada a partir de uma discussatildeo mais lo-
cal particularizada Por fim eacute preciso conversar com os diferentes atores implicados para
apreender as histoacuterias memoacuterias e percepccedilotildees produzidas sobre si sobre os outros e sobre
esses temas No ponto de partida disso tudo se deixa antever um esforccedilo natildeo apenas intelectu-
al de descriccedilatildeo e diagnoacutestico da realidade mas tambeacutem a tentativa de constituir condiccedilotildees
para uma intervenccedilatildeo poliacutetica pedagoacutegica orientada pelos desafios locais
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III- Encaminhamentos da pesquisa escolha temaacutetica e a posiccedilatildeo do pesquisador
Com efeito uma raacutepida pesquisa na internet permite constatar um significativo aumen-
to de interesse entre profissionais de diversos campos a respeito das condiccedilotildees de implemen-
taccedilatildeo do estudo da Histoacuteria e Cultura e Afro-brasileira e africana a partir da Lei Federal
106392003 Em nosso caso a opccedilatildeo por uma abordagem que destoa da tendecircncia esmaga-
dora nos recentes trabalhos de optar apenas pelo estudo das representaccedilotildees de professores e
alunos sobre as religiotildees afro-brasileiras condiccedilotildees de formaccedilatildeo entre outros para integrar agrave
anaacutelise as percepccedilotildees subjetivas de lideranccedilas de terreiros sobre si sua histoacuteria e de como a
escola se relaciona com as religiotildees de matriz africana (BAKKE 2011) decorre da aposta de
que pela via da problematizaccedilatildeo dessas percepccedilotildees muacutetuas poderiacuteamos avanccedilar tanto na supe-
raccedilatildeo dos preconceitos e formas de estigmatizaccedilatildeo ainda persistentes no espaccedilo escolar quan-
to colocar em diaacutelogo atores tatildeo proacuteximos geograacutefica e simbolicamente mas ao mesmo tempo
tatildeo distantes em niacutevel de conhecimento e reconhecimento
As razotildees para a escolha da temaacutetica satildeo muitas Do ponto de vista pessoal minha li-
gaccedilatildeo com religiatildeo de matriz africana se deu inicialmente pela convivecircncia muito cedo no
bairro onde durante muitos anos minha matildee foi assistente de duas conhecidas casas de cultos
afros Terreiro de Filomena e Vicentinho (um localizado no Bairro de Faacutetima e outro no Bair-
ro de Armazeacutem) Naquela ocasiatildeo por conta de problemas espirituais ela teve que pagar
promessas como forma de retribuir as graccedilas recebida dos santos das referidas casas Mais
tarde passei a frequentar toques aos voduns em vaacuterias casas de Cururupu o que aos poucos foi
me chamando atenccedilatildeo da maneira como externavam sua feacute e mais ainda como desenvolviam
sua dedicaccedilatildeo aos santos Com as constantes visitas e o interesse em me aprofundar nos fun-
damentos tornei-me em pouco tempo Assissi5 uma espeacutecie de ajudante nas tarefas que vari-
avam entre rezas ornamentos organizaccedilatildeo das festas Paralelamente data desse mesmo periacute-
odo minha inserccedilatildeo no grupo de jovens e mais tarde no movimento negro Na sequecircncia em
1994 o Bloco Afro Omniraacute6 inicia suas atividades na regiatildeo e logo em 1995 desenvolve
como tema Matildee Isabel quilombola de Zumbi A escolha temaacutetica se vinculava agraves comemo-
raccedilotildees a Zumbi e por ter sido Isabel Mineira7 (FERRETI M 2015 168) a primeira pessoa a
5 Nos cultos de Tambor de Mina os Assissis satildeo uma espeacutecie de assistente da casa colaboradores (FERRETI
1996 p) 6 Bloco Afro Omniraacute que em liacutengua yorubaacute significa liberdade organizado pelo grupo que leva o mesmo nome
fundado em 26 de outubro de 1995 O grupo desenvolve atividades de sensibilizaccedilatildeo a populaccedilatildeo negra do Curu-
rupu 7 Isabel Pinto da Silva- Isabel Mineira como era mais conhecida nasceu em novembro de 1903 faleceu aos 90
anos foi a primeira pessoa a abrir um terreiro de Mina em Cururupu era devota de Santa Rosa de Lima e reali-
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abrir um terreiro de Mina em Cururupu A partir de entatildeo sempre busquei aprofundar a com-
preensatildeo sobre os cultos de religiatildeo afro-brasileiros
Com relaccedilatildeo ao recorte empiacuterico este se justifica em funccedilatildeo de minha proacutepria experi-
ecircncia profissional na escola selecionada Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda oportuni-
dade na qual pude perceber a inexistecircncia das religiotildees afro-brasileiras no curriacuteculo escolar a
despeito da jaacute referida lei de ensino de histoacuteria e cultura africana e afro-brasileira e ateacute mesmo
das manifestaccedilotildees ocasionais desse legado no calendaacuterio escolar Talvez por exercer papel de
proeminecircncia na escola na condiccedilatildeo de Diretor-adjunto do C E Joatildeo Marques Miranda co-
mecei a perceber como reagiam alunos e professores quando se tratava de temas sobre religi-
otildees afro-brasileira e como se calavam diante de atitudes oriundas de sujeitos que seguiam
outros dogmas e como professores praticantes se escondiam atraacutes de discursos de negaccedilatildeo
por conta do curriacuteculo
Seria necessaacuterio reconhecer nesse sentido que o ponto de partida da pesquisa tambeacutem
assumiu uma dimensatildeo propriamente poliacutetica afinal dado que se trata de um contexto perifeacute-
rico de um bairro estigmatizado onde estaacute concentrada a maior quantidade de terreiros do
municiacutepio de Cururupu porque a escola natildeo abordava temas que seriam centrais agrave dinacircmica
comunitaacuteria E isso se mostrava ainda mais importante para mim devido ao fato observado
por Seacutergio Ferreti (1996) de que entre todos os municiacutepios do Brasil Cururupu se destaca por
cultuar os orixaacutes com os traccedilos de originalidade trazidos da Aacutefrica
Paralelamente a essas preocupaccedilotildees e na tentativa mesmo de instrumentalizar-me a
respeito do tema (as carecircncias formativas dos docentes e de acesso a materiais concernentes agrave
histoacuteria da Aacutefrica e da cultura afro-brasileira jaacute foram sobejamente expressos em diversos
trabalhos) fui percebendo a importacircncia de aprofundar minha compreensatildeo sobre diversos
aspectos a saber primeiramente a respeito dos aportes que a Antropologia e a Histoacuteria po-
dem trazer agrave aacuterea da educaccedilatildeo na medida em que essa relaccedilatildeo interdisciplinar tende a favore-
cer a constituiccedilatildeo de uma abordagem que coloque como central a maneira como escola trata a
questatildeo da diferenccedila cultural e da desigualdade social a partir de agentes histoacutericos sociais
especiacuteficos como jaacute mencionados em segundo lugar a necessidade de resgatar parte do esta-
do das discussotildees sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Brasil explorando as implicaccedilotildees e poten-
zava no mecircs de agosto uma festa em sua homenagem com trecircs noites de tambor Naquela festa recebia com
grande orgulho Rosinha filha caccedilula de Rainha Rosa e da famiacutelia de Leacutegua Bogi (FERRETI M 2015 168)
Seu barracatildeo era em forma de navio tambeacutem foi parteira e realizou 6003 partos foi tambeacutem uma grande foliatilde
do carnaval tinha um bloco chamado Baralho
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cialidades decorrentes das alteraccedilotildees no curriacuteculo hegemocircnico a partir da publicaccedilatildeo da lei
1063903
A esses fatores mais epistemoloacutegicos por assim dizer fui despertando tambeacutem inte-
resse por assumir um ponto de vista mais compreensivo a respeito do universo relacional sob
anaacutelise com a finalidade de dar voz agraves diferentes categorias de atores envolvidos profissionais
da educaccedilatildeo lideranccedilas de terreiros lideranccedilas comunitaacuterias estudantes Com essa perspect i-
va em mente adentrei no ambiente da escola de iniacutecio com observaccedilotildees do cotidiano esco-
lar sobretudo a eacutepoca dos festejos Conversei com professores sobre a temaacutetica aproveitando
para explanar a respeito das intenccedilotildees do projeto Nessa troca de experiecircncias identifiquei a
existecircncia de muitos receios hesitaccedilotildees e ateacute mesmo de resistecircncia com relaccedilatildeo ao tema da
histoacuteria cultura e religiosidade afro em sala de aula
A despeito da extensatildeo do universo empiacuterico e das dificuldades operacionais para tra-
tamento das informaccedilotildees a pesquisa foi realizada com base na combinaccedilatildeo de diferentes es-
trateacutegias metodoloacutegicas Grosso modo trata-se de tentar harmonizar a utilizaccedilatildeo de aborda-
gens quantitativas e qualitativas com base na aplicaccedilatildeo de questionaacuterios de administraccedilatildeo
direta para os alunos da Escola Joatildeo Marques Miranda a realizaccedilatildeo de entrevistas temaacuteticas
com (ex) gestores (ex) professores e (ex) alunos que frequentam terreiros da regiatildeo e realiza-
ccedilatildeo de entrevistas em profundidade com lideranccedilas religiosas de terreiros situados no bairro
Satildeo Benedito e arredores da localidade a fim de recompor suas visotildees de mundo e histoacuterias de
vida Soma-se a isso a observaccedilatildeo e descriccedilatildeo dos debates e reaccedilotildees individuais e coletivas
frente agrave realizaccedilatildeo de oficinas Diligencia-se nesse uacuteltimo caso de explorar esses olhares a
fim de apreender as diferentes temporalidades em accedilatildeo agrave histoacuteria da constituiccedilatildeo da comuni-
dade e permanecircncias inscritas na proacutepria loacutegica de funcionamento da cultura escolar (a sensa-
ccedilatildeo que se tem eacute sempre de um avanccedilo muito precaacuterio nesse plano)
IV - Estrutura do trabalho
Ante o exposto o texto que segue apresenta a seguinte estrutura no primeiro A
cultura Afro-brasileira nos bancos escolares diversidade diferenccedila e Cultura Escolar pro-
blematizaratildeo as relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e diversidade no Brasil de uma perspectiva de meacutedia
duraccedilatildeo explorando com maior ecircnfase a diversidade de atores movimentos e accedilotildees puacuteblicas
que favoreceram a rediscussatildeo sobre o lugar na cultura afro-brasileira nos bancos escolares
No capiacutetulo seguinte Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais lutas movimentos e reformas poliacuteticas educa-
cionais haveraacute uma caracterizaccedilatildeo da legislaccedilatildeo concernente ao tema
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Adiante no terceiro capiacutetulo Da escola para os terreiros normas experiecircncias e
percepccedilotildees sobre as religiotildees afro-brasileiras caracteriza-se o estabelecimento escolar seleci-
onado como unidade empiacuterica e as percepccedilotildees de profissionais da educaccedilatildeo e estudantes sobre
as religiotildees de matriz africana No quarto capiacutetulo Da comunidade para a escola histoacuterias
percepccedilotildees e experiecircncias de um diaacutelogo possiacutevel voltam-se aos olhares histoacuterias e memoacuterias
a respeito do bairro e da escola destacando as histoacuterias dos terreiros como espaccedilo de memoacute-
ria ao passo em que exploramos a histoacuteria de vida de atores que vivem concretamente na
fronteira dessa relaccedilatildeo com o espaccedilo escolar mas de uma posiccedilatildeo mais externa Tambeacutem ha-
veraacute apresentaccedilatildeo de algumas das oficinas que realizamos a fim de extrair conclusotildees a res-
peito da distacircncia estranheza e do desconhecimento entre essas duas esferas de vida O foco
neste caso seraacute o de explorar as vantagens heuriacutesticas de uma aproximaccedilatildeo pedagogicamente
planejada cujo cerne seria voltado para o cultivo de valores e competecircncias essenciais para
reforccedilo das redes de solidariedade no contexto em pauta E por fim satildeo apresentadas as con-
clusotildees e referecircncias do trabalho
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CAPIacuteTULO 1 - A CULTURA AFRO-BRASILEIRA NOS BANCOS ESCOLARES
diversidade diferenccedila e Cultura Escolar
Deus abenccediloe a Aacutefrica
Deus abenccediloe a Aacutefrica
Que suas gloacuterias sejam exaltadas Ouccedila nossas preces
Deus nos abenccediloe porque somos seus filhos
Deus cuide de nossa naccedilatildeo
Acabe com nossos conflitos Nos proteja e proteja nossa naccedilatildeo
(Hino da Aacutefrica do Sul)
O objetivo principal desse capiacutetulo eacute problematizar como o tema da diversidade e
da diferenccedila vem sendo tratado no Brasil com ecircnfase sobre os debates iniciativas e movi-
mentos que recolocaram a questatildeo da Educaccedilatildeo para as relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais no centro da
agenda das discussotildees sobre as dimensotildees poliacuteticas do curriacuteculo e dos padrotildees de interaccedilatildeo no
espaccedilo escolar contemporaneamente Antes no entanto tecemos algumas consideraccedilotildees a
respeito do lugar e importacircncia da histoacuteria da Aacutefrica na histoacuteria da humanidade e de como ela
foi condenada e representada a ponto de se rogar benccedilotildees gloacuterias reconhecimento paz e
proteccedilatildeo como mostra a epiacutegrafe que abre este capiacutetulo Para tanto o texto se baseia funda-
mentalmente na bibliografia a respeito e seu ponto de partida se situa no interesse pedagoacutegico
de dar a conhecer ao leitor em que condiccedilotildees essa luta se transmuta em poliacuteticas educacionais
notadamente a partir da deacutecada de 1990
11 A contribuiccedilatildeo da Histoacuteria da Aacutefrica para a humanidade
Antes de explorarmos de que maneira paulatinamente o tema da educaccedilatildeo para as re-
laccedilotildees eacutetnico-raciais e da inclusatildeo da Histoacuteria Cultura e Religiosidade Africana e Afro-
brasileira foi entrando em pauta no Brasil valeria agrave pena tecer algumas consideraccedilotildees sobre
os desafios epistemoloacutegicos e praacuteticos que temos ao propor uma intervenccedilatildeo pedagoacutegica co-
mo a que estamos construindo Epistemoloacutegico por um lado pois como boa parte da biblio-
grafia pertinente sobre o tema jaacute evidenciou a Histoacuteria da Aacutefrica foi silenciada pela perspec-
tiva hegemocircnica da visatildeo etnocecircntrica produzida pelo ocidente Poreacutem nessa batalha aacuterdua
natildeo basta apenas exercer a capacidade criacutetica posto que devemos tambeacutem explicitar de que
maneira o continente seus povos e culturas influenciaram decisivamente outros povos con-
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formaram nossas identidades e promoveram a circulaccedilatildeo de saberes e percepccedilotildees de mundo
Trata-se de demonstrar como sua histoacuteria eacute parte da nossa a traveacutes de exemplos concretos
retirados do acircmago do esforccedilo criacutetico empreendido por intelectuais e historiadores dentro e
fora da Aacutefrica As consideraccedilotildees que seguem atendem a esse duplo objetivo
Pode-se comeccedilar pela tese fundamental do livro de Edward Said (2007) Orientalismo
a respeito de como o Ocidente inventou o Oriente como um misto indistinto de naccedilotildees hete-
rogecircneas rotuladas sob o signo do exotismo e inferioridade Dissipada por uma seacuterie de pro-
duccedilotildees artiacutesticas filosoacuteficas literaacuterias e ateacute mesmo cientiacuteficas essas representaccedilotildees imageacuteti-
cas sobre os designados orientais constituiu um poderoso discurso voltado precisamente para
os povos outrora colonizados garantindo primazia superioridade e normalidade ao homem
europeu ldquocivilizadordquo por oposiccedilatildeo aos outros Essa visatildeo criacutetica sobre o eurocentrismo eacute par-
ticularmente convergente com as criacuteticas realizadas por Jack Goody (2008) que rotula a rela-
ccedilatildeo entre a Europa e as outras naccedilotildees sob o signo do Roubo da Histoacuteria Roubo ou mesmo
apropriaccedilatildeo que tinha como finalidade demarcar uma suposta excepcionalidade do Ocidente
quanto agrave criaccedilatildeo de valores (igualdade democracia liberdade) instituiccedilotildees (universidades) e
sentimentos (amor individualismo) que nunca foram especificidades suas Quer dizer a im-
posiccedilatildeo de uma narrativa histoacuterica formulada a partir do ponto de vista europeu obliterou a
real histoacuteria do mundo na medida em que impuseram conceitos cronologia e silecircncios sobre
as contribuiccedilotildees de outras culturas para projetar a superioridade ocidental
Por esse vieacutes tais reflexotildees podem muito bem ser utilizadas para pensar como o olhar
europeu ao longo de seacuteculos produziu uma visatildeo distorcida sobre o negro e sobre a Aacutefrica
antes mesmo que o discurso racista se solidificasse no seacuteculo XIX Eacute o que demonstra o traba-
lho de Gislene Aparecida dos Santos (2002) que demonstrou como no imaginaacuterio europeu as
visotildees sobre o negro e a cor negra foram paulatinamente se deslocando do fasciacutenio ao repuacute-
dio
Satildeo fartos os exemplos de que o imaginaacuterio europeu da Idade Meacutedia ao Seacuteculo das
Luzes era repleto de visotildees sobre seres fantaacutesticos grotescos eou gigantes que povoariam as
terras mais longiacutenquas gerando ao mesmo tempo medo e fasciacutenio Embora jaacute houvesse a
ideia de que o branco seria superior ao negro e que a cor preta designasse uma marca do mal
ou um grande motivo de preocupaccedilatildeo ainda estava contida nessa percepccedilatildeo um misto de fas-
ciacutenio e medo O exotismo dos relatos de viajantes se deixa ainda permear pela admiraccedilatildeo da
diferenccedila e pela curiosidade daiacute por que eram descritos em diversos cronistas de maneira am-
biacutegua nunca inteiramente negativa Todavia esse estranhamento esse misto de fasciacutenio e
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repuacutedio se convertem em algo bem diferente quando a Aacutefrica se converteu em objeto de cobi-
ccedilas e fonte de imensas riquezas O racismo se apoiou portanto em estereoacutetipos e preconceitos
anteriores mas eacute filho direto do colonialismo moderno
Assim podemos dizer que ateacute o seacuteculo XIX havia em relaccedilatildeo aos povos da Aacutefrica um olhar exoacutetico (misto de fasciacutenio e de repulsa) e que foi exatamen-
te este olhar exoacutetico com tudo o que decorre dele que embora natildeo tenha
criado o racismo permitiu que o sentimento racista aflorasse A construccedilatildeo de um olhar exoacutetico sobre a Aacutefrica resvalou para o racismo no momento em
que se desejou retirar da populaccedilatildeo seu poder de participaccedilatildeo poliacutetica Natildeo eacute
agrave toa que o discurso racista surge no momento em que o continente africano aparece diante do olhar dos europeus como um territoacuterio de imensas riquezas
ainda preservadas ou em que nas colocircnias o processo de conquista da liber-
dade por parte dos ex-escravos seja efetivado (BARBOSA 2008 147)
Como demonstra Muryatan Barbosa (2008) esse olhar eurocecircntrico recorrente atra-
vessou diversas Filosofias da Histoacuteria englobando autores claacutessicos como Voltaire Vico He-
gel e Marx e inscreveu-se no proacuteprio nascedouro da historiografia moderna A concepccedilatildeo
evolucionista que realccedilava a excepcionalidade e superioridade europeia nos planos econocircmi-
co cultural religioso e racial permeou entatildeo as proacuteprias Ciecircncias Humanas e inscrevendo-se
como um dispositivo no acircmbito epistemoloacutegico Assim sendo o ponto de partida para a
emergecircncia de um conhecimento historiograacutefico sobre a Aacutefrica tem como primeira meta dar
uma resposta a esse discurso que silencia e oblitera a importacircncia africana
A mudanccedila nessa perspectiva comeccedilou a ocorrer somente entre os anos de 1950 e
1960 a reboque das lutas pela independecircncia que tiveram lugar nesses marcos (OLIVA
2003) Eacute a partir desse periacuteodo que comeccedila a haver uma revoluccedilatildeo nos estudos africanos no-
tadamente pelos investimentos de historiadores africanos Tratava-se em um primeiro mo-
mento de construir uma Histoacuteria que pudesse servir como instrumento de luta ideoloacutegica Eacute
dentro desse quadro que se pode compreender o empenho de historiadores como Cheijk Anta
Diop Djibril Tamsir Niane e Jean Vansina para recolocar empiacuterica e conceitualmente a His-
toacuteria Africana (BARBOSA 2008) Essa renovaccedilatildeo natildeo se deu somente no continente africa-
no vez que participou de uma reconstruccedilatildeo das proacuteprias ciecircncias humanas dos modelos his-
toriograacuteficos e dos interesses de pesquisa em diferentes naccedilotildees
Deste modo a renovaccedilatildeo dos estudos sobre Aacutefrica e o efeito propriamente descoloni-
zador da Histoacuteria suscitou a circulaccedilatildeo internacional de pesquisadores o incremento de redes
de pesquisa e a elaboraccedilatildeo de iniciativas de conjunto para reconstruccedilatildeo de uma histoacuteria afri-
cana de uma perspectiva mais estrutural Aleacutem das incontaacuteveis obras que surgem desde entatildeo
produzidas por intelectuais africanos ou estrangeiros destaca-se a produccedilatildeo de uma Histoacuteria
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Geral da Aacutefrica (HGA) promovida pela UNESCO e que hoje em dia estaacute disponiacutevel em diver-
sas liacutenguas
Trecircs motivos principais justificavam a criaccedilatildeo do projeto da HGA segundo
seus idealizadores Em primeiro lugar havia o perigo de que as fontes para a
histoacuteria da Aacutefrica se perdessem definitivamente tanto as fontes escritas quanto as orais Tal fato poderia ser revertido em parte com a coleta de fon-
tes e a organizaccedilatildeo dos arquivos em Aacutefrica os quais poderiam acomodar a
documentaccedilatildeo existente e aquela que ainda estava por investigar Mas isso
deveria ser feito rapidamente Em segundo lugar havia o desejo de que a HGA pudesse sintetizar o conhecimento sobre o continente ainda disperso e
mal distribuiacutedo no tempo e no espaccedilo Soacute assim se teria clareza das lacunas a
serem pesquisadas Por fim havia o desejo de que a HGA pudesse impulsio-nar uma escrita da histoacuteria que superasse os preconceitos colonialistas sobre
o continente contribuindo para mostrar as contribuiccedilotildees africanas para a ci-
vilizaccedilatildeo humana Algo visto como sumamente necessaacuterio agraves naccedilotildees africa-nas no periacuteodo poacutes-colonial que se instaurava em Aacutefrica (BARBOSA 2008
p 195)
Assim quando chegamos agrave deacutecada de 1980 e 1990 o que se deu foi agrave ampliaccedilatildeo desse
campo de estudos e sua consolidaccedilatildeo em niacutevel internacional Nesse processo surgiram novas
frentes de investigaccedilatildeo e jovens intelectuais tecircm explorado os canais abertos pelo adensamen-
to da produccedilatildeo intelectual nas redes de conexatildeo do Sul Global
[] um avanccedilo intelectual e institucional com a constituiccedilatildeo de novas aacutereas
de estudos historiograacuteficos africanos dentro e fora do continente Deste de-senvolvimento surgem novos especialistas na temaacutetica que se tornam figu-
ras influentes dentro do meio acadecircmico Isto tanto dentro da Aacutefrica como
B Barry A F Ajahi A Boahen B A Ogot V Mudimbe I A Akinjog-bin T Falola M Diouf E J Alagoa e outros quanto fora da Aacutefrica como
J Vansina J Thornton C Coquery-Vidrovitch P Lovejoy J Miller Y
Kopytoff A Costa e Silva K Asante M Bernal Carlos Lopes D Birmin-gham entre outros (SILVA 2010 p 35)
No Brasil natildeo foi diferente aonde vimos emergir diferentes centros de investigaccedilatildeo
desde a deacutecada de 1950 concentrando-se inicialmente em Satildeo Paulo Rio e principalmente
na Bahia Hoje em dia grupos de pesquisas centros e unidades acadecircmicas ampliaram-se con-
sideravelmente alimentando a produccedilatildeo de uma farta e crescente bibliografia sobre a Histoacuteria
Africana Afro-brasileira e ultrapassando em muito os domiacutenios disciplinares da Histoacuteria Eacute
justamente essa pulsante produccedilatildeo intelectual que estaacute na base do segundo movimento que
estamos tentando fazer em nosso trabalho qual seja o de apresentar uma visatildeo criacutetica mas ao
mesmo tempo equilibrada e justa sobre a Aacutefrica os africanos e a cultura afro-brasileira
Dessa maneira chegamos ao segundo eixo de argumentaccedilatildeo a respeito de como explo-
rar os aspectos positivos da contribuiccedilatildeo africana para a histoacuteria da humanidade A questatildeo de
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fundo pode ser colocada da seguinte maneira Para que serve a Histoacuteria da Aacutefrica Proposiccedilatildeo
essa que organizou um texto pequeno mas muito salutar da professora e doutora em Histoacuteria
Mocircnica Lima e Souza Vale agrave pena retomar alguns dos seus argumentos Obviamente como
em todo resto eacute somente pela compreensatildeo da maneira como foi escrita a histoacuteria o que re-
quer uma modificaccedilatildeo na forma como ela eacute ensinada nas escolas que se pode criar condiccedilotildees
para formulaccedilatildeo de uma perspectiva menos eurocecircntrica que decirc espaccedilo para outros atores
regiotildees povos e histoacuterias A bibliografia jaacute disponiacutevel nos apresenta no entanto alguns as-
pectos bastante sugestivos
A comeccedilar pelo dato de que as relaccedilotildees intensas com os Africanos e a Aacutefrica natildeo da-
tam dos primoacuterdios dos empreendimentos ultramarinos ocorridos no iniacutecio da era moderna
Mesmo tendo como marco o encadeamento cronoloacutegico que trabalhamos pode-se perceber
que desde a Antiguidade os africanos participam de intensas trocas comerciais de circulaccedilatildeo
de teacutecnicas e conhecimentos em torno do Mediterracircneo O fausto e a riqueza das sociedades
africanas foram protagonistas de grandes feitos na histoacuteria como o proacuteprio Egito que dura-
mente muito tempo foi concebido como branco Jaacute no iniacutecio do periacuteodo moderno o desloca-
mento forccedilado de grandes contingentes humanos atraveacutes dos navios negreiros e das novas
rotas atlacircnticas abertas fomentou a circulaccedilatildeo de pessoas mercadorias e ideias inscrevendo o
legado africano em diversos espaccedilos do globo Se a humanidade surgiu em Aacutefrica ela se refez
pelos contatos trocas e pelas resistecircncias lutas e rebeliotildees que protagonizaram em diferentes
regiotildees Como evidenciado na pesquisa de John Thornton (2004) a Aacutefrica exerceu papel cen-
tral no complexo intercontinental atlacircntico
Se ao longo do seacuteculo XX a regiatildeo foi atravessada por diversos conflitos decorrentes
das formas de dominaccedilatildeo instauradas que se prolongam ateacute hoje essas transformaccedilotildees inter-
nas natildeo foram decorrentes somente de particularidades Estatildeo plenamente integradas ao cenaacute-
rio internacional alterando de maneira significativa os conflitos ao longo do seacuteculo XX Tanto
no passado quanto na atualidade os problemas e desafios africanos dramatizam natildeo o seu
descolamento do restante da histoacuteria universal Eacute exatamente o contraacuterio
E se esses argumentos satildeo razoaacuteveis para explicar o interesse da Histoacuteria da Aacutefrica em
um cenaacuterio global muito maior eacute o significado dessa histoacuteria para o caso brasileiro afinal
nossa formaccedilatildeo nossa cultura nossa liacutengua foram fortemente influenciados pelos africanos
que para caacute foram deslocados E esse intercacircmbio marcado por relaccedilotildees violentas de domina-
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ccedilatildeo e resistecircncia natildeo foi somente simboacutelico Ele preencheu diversas dimensotildees da nossa rea-
lidade tornando-se tatildeo nossos que sequer conseguimos pensaacute-los como estranhos Assim
qualquer tentativa de eliminar a contribuiccedilatildeo dessa histoacuteria provoca uma espeacutecie de suiciacutedio
coletivo de nossas heranccedilas culturais de nossas bases identitaacuterias
Somos o paiacutes que por mais tempo e em maior quantidade recebeu africanos
escravizados da histoacuteria do mundo Os cativos trazidos da Aacutefrica que nada
podiam carregar aleacutem de sua memoacuteria e conhecimentos trouxeram para nos-so paiacutes aportes tecnoloacutegicos que vatildeo desde conhecimentos de agricultura
tropical a teacutecnicas de mineraccedilatildeo aleacutem de vaacuterios outros As heranccedilas africa-
nas estatildeo presentes em diferentes aspectos da vida social e cultural brasilei-ras ateacute hoje e conformam aspectos fundamentais da identidade nacional
Nos modos de celebrar na religiosidade na musicalidade no gosto e esteacutetica
brasileiros expressos nos modos de vestir e nas escolhas artiacutesticas ficam evidentes as matrizes culturais que nasceram do outro lado do Atlacircntico Ao
longo de nossa histoacuteria diversas vezes os fatores ligados a processos
e episoacutedios somente podem ser compreendidos se olharmos os dois lados do
oceano que nos une (SOUZA 2014 p 02)
Com efeito ver-se-aacute que essa foi em grande medida a orientaccedilatildeo principal dada agraves
oficinas ministradas junto ao corpo discente da escola selecionada como laboratoacuterio de inves-
tigaccedilatildeo e accedilatildeo nesta dissertaccedilatildeo Se tomarmos como ponto de partida a reflexatildeo criacutetica sobre
os vieses normativos e silenciadores do discurso tradicional eurocecircntrico o foco esteve mais
centrado em mostrar que eacute possiacutevel trabalhar com conteuacutedo da histoacuteria cultura e religiosidade
afro em sala de aula Na medida do possiacutevel procurou-se criar condiccedilotildees para que os estudan-
tes entendessem esse fenocircmeno como algo que se inscreve no cotidiano escolar e encontra-se
difundido socialmente em diversos discursos muito embora a praacutetica e a experiecircncia sejam
sempre mais abertas e fluiacutedas do que possa parecer Na sequecircncia entatildeo demonstra-se como
essas temaacuteticas ganharam espaccedilo no debate puacuteblico em seguida dar um mergulho nos univer-
sos que pretendemos aproximar neste trabalho
12 A cultura afro-brasileira e o espaccedilo escolar
O estudo de Vicentini (2009) nos mostra que o Brasil carrega caracteriacutesticas soci-
ais multieacutetnicas que se inscrevem na proacutepria histoacuteria da constituiccedilatildeo da naccedilatildeo Esse eacute ponto
chave o reconhecimento e respeito da diversidade eacutetnica que nos propotildee ter clareza dos fato-
res constitutivos do pertencimento a uma identidade social dos quais todos participamos A
luta contra a discriminaccedilatildeo eacute uma luta diaacuteria de muitos afro-brasileiros vale dizer que assu-
me tambeacutem a dimensatildeo de uma luta por reconhecimento social e por direitos humanos A luta
contra a rejeiccedilatildeo os preconceitos e intoleracircncias raciais participam desse modo de uma bata-
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lha muito mais ampla a favor do direito agrave diversidade cultural racial linguiacutestica eacutetnica que
se encontra na base da constituiccedilatildeo de nossa coletividade
Evidentemente dada agrave discussatildeo da temaacutetica na atualidade jaacute eacute possiacutevel notar di-
versos avanccedilos principalmente com relaccedilatildeo agrave abertura de espaccedilos de atuaccedilatildeo para a popula-
ccedilatildeo negra Poreacutem eacute preciso reconhecer que ainda persistem diversos obstaacuteculos sociais e ins-
titucionais os quais constituem barreiras para a ascensatildeo social de negros Como bem apon-
tou o antropoacutelogo Kabengele Munanga (2015) os problemas sociais e a condiccedilatildeo que a maio-
ria dos estudantes pobres tem faz com que os mesmos natildeo tenham um bom desenvolvimento
escolar na educaccedilatildeo baacutesica pois se torna difiacutecil o aluno se concentrar nos estudos sem ter se
alimentado direito e sem ter uma estrutura familiar decente
Natildeo se tem registro histoacuterico preciso do dia que o indiviacuteduo de pele negra pocircde
frequentar as escolas regulares no Brasil de forma oficial visto que isto apesar da aboliccedilatildeo
da escravatura satildeo praacuteticas regulamentadas pelos poderosos senhores de engenho que natildeo
permitiam o estudo dos alunos negros nas escolas de suas dependecircncias Contudo a sua per-
manecircncia e acesso nas instituiccedilotildees de ensino satildeo questotildees que necessitam de um debate soci-
al pois fazem diferenccedila a respeito da ascensatildeo social e melhoria de vida do indiviacuteduo e sua
comunidade (ALVES 2007)
Embora as desigualdades raciais natildeo se iniciem na escola nela encontra um terre-
no feacutertil para se reproduzir Eacute na escola enquanto loacutecus do saber formal que as crianccedilas e
adolescentes das classes populares passam a maior parte do tempo-aprendendo toda a histori-
ografia oficial que ressalta a figura do heroacutei bom belo e europeu em detrimento do patrimocirc-
nio cultural de outros povos especialmente do povo africano e indiacutegenas E esse modelo in-
fluencia fortemente na construccedilatildeo da identidade desses alunos causando distorccedilotildees imensas
na sua formaccedilatildeo e comprometendo as relaccedilotildees estabelecidas socialmente
A escola tem uma responsabilidade imensa na discussatildeo sobre educaccedilatildeo e diver-
sidade eacutetnico-cultural pois sua funccedilatildeo social eacute partilhar o conhecimento acumulado pela hu-
manidade com os seus alunos e isso significa partilhar os conhecimentos produzidos pelos
diversos povos que entraram na formaccedilatildeo do povo brasileiro (FRANCO 2008) A lei
1063903 representa uma importante ferramenta para a implementaccedilatildeo das poliacuteticas afirmati-
vas de combate ao racismo e pelas relaccedilotildees eacutetnico-raciais nas escolas contribuindo para que a
sociedade e sobretudo as instituiccedilotildees de ensino venham
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[] reconhecer a existecircncia do afrodescendente seus ancestrais (africanos)
sua trajetoacuteria na educaccedilatildeo brasileira na condiccedilatildeo de sujeitos e na construccedilatildeo da cultura e da sociedade A alteraccedilatildeo da LDB representou um ganho legal e
poliacutetico agora eacute preciso que ele se reflita no acircmbito do ensino e da aprendi-
zagem para que se tenha um resultado eficaz nos campos societaacuterio e educa-tivo (AacuteVILA 2010 p 10)
Como se vecirc a promulgaccedilatildeo da Lei 106392003 a 09 de janeiro de 2003 foi uma
conquista das lutas desenvolvidas pelo movimento negro organizado ao longo dos anos a Lei
busca reconhecer a existecircncia e portanto a histoacuteria do negro no Brasil seus ancestrais africa-
nos e suas contribuiccedilotildees para a educaccedilatildeo e a sociedade brasileira assim professores alunos e
corpo escolar no todo tem a obrigaccedilatildeo histoacuterica de falar de tais temaacuteticas e avanccedilar na cons-
truccedilatildeo de relaccedilotildees raciais mais igualitaacuterias Esse ensino envolve todas as disciplinas do curriacute-
culo escolar incluindo a disciplina de histoacuteria que passa a se tornar uma porta voz da igualda-
de racial
De maneira geral eacute ponto paciacutefico em meios cientiacuteficos que a raccedila natildeo eacute o fator
que determina a superioridade intelectual O que realmente eacute fator determinante eacute o acesso agrave
informaccedilatildeo a produccedilatildeo de conhecimento aos bens materiais tecnoloacutegicos e intelectuais pro-
duzidos na histoacuteria Enquanto a diferenccedila eacute natural a desigualdade constitui um produto intei-
ramente social que se combina agrave naturalizaccedilatildeo do preconceito dos estereoacutetipos e que atuam
como forma de justificar legitimar e consagrar a subordinaccedilatildeo de grupos e atores sociais O
estereoacutetipo eacute a praacutetica do preconceito Eacute a sua manifestaccedilatildeo comportamental O estereoacutetipo
objetiva justificar uma suposta inferioridade justificar a manutenccedilatildeo do status quo e legiti-
mar aceitar e justificar a dependecircncia a subordinaccedilatildeo e a desigualdade (MUNANGA 2005
p 65)
Silva (2010) revela que nos uacuteltimos 30 anos foram realizados accedilotildees que objetivam
a promoccedilatildeo da igualdade nas relaccedilotildees eacutetnico-raciais e que vem cada vez mais ganhando forccedila
no Brasil principalmente no contexto educativo pois atraveacutes das cotas alunos negros conse-
guem ingressar em cursos que antes apenas os mais ricos conseguiam cursar como medicina
engenharia direito Como esclarece o autor a maioria dos negros sempre teve vontade de
estudar ingressar nas escolas aprender novas liacutenguas mas sempre eram impedidos por forccedila
da rejeiccedilatildeo da elite dominante e por natildeo terem paracircmetros legais para se apoiarem Soma-se a
isso a dificuldade de conciliar a dedicaccedilatildeo aos estudos com as exigecircncias do trabalho e da
sobrevivecircncia cuja conciliaccedilatildeo eacute sempre complexa
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A questatildeo eacute que a cultura afro-brasileira sempre foi tratada de forma marginaliza-
da Eacute precisamente contra a maneira seletiva com que a escola privilegiou determinadas for-
mas culturais em detrimento de outras consideradas inferiores e sem nenhum objetivo peda-
goacutegico ou enriquecedor aos conhecimentos dos alunos (ALVES 2007) que a luta a favor da
inclusatildeo da histoacuteria e cultura afro-brasileiras se defronta
Por esse vieacutes eacute o que demonstra o trabalho de Silva (2013) que expotildee o fato de
que ao longo da histoacuteria do Brasil a concepccedilatildeo de que as culturas natildeo brancas eram inferiores
no processo de escolarizaccedilatildeo se conectava a uma representaccedilatildeo negativa das camadas inferio-
res do estrato social onde se concentrou e ainda concentra a maior parte dos negros e descen-
dentes natildeo plenamente integrados a ordem capitalista no Brasil
Natildeo parece ser outra a razatildeo pela qual a Lei 106392003 representa uma espeacutecie
de diacutevida moral e eacutetica paga pelo estado brasileiro aos afro-brasileiros pois obrigar a inclusatildeo
da histoacuteria e cultura do negro nos curriacuteculos das escolas eacute uma decisatildeo justa e de paridade
Conhecer a histoacuteria e cultura afro-brasileira eacute fundamental para elevar o niacutevel de democratiza-
ccedilatildeo racial e isso natildeo se resume somente a identificar o negro no seu contexto mas sim em
valorizar a sua contribuiccedilatildeo e papel dentro da formaccedilatildeo sociocultural brasileira uma socieda-
de plurieacutetnica multicultural que ainda precisa avanccedilar em seus ideais democraacuteticos Nesse
sentido a lei 106392003 constitui uma ferramenta fundamental para fazer com que as pesso-
as repensem suas relaccedilotildees sociais eacutetnico-raciais procedimentos de ensino condiccedilotildees ofereci-
das para aprendizagem instruccedilotildees pedagoacutegicas coerentes e condizente com a realidade Desse
acircngulo o curriacuteculo ganha novos horizontes
Silva (2015) diz que se preocupar com a construccedilatildeo do curriacuteculo eacute uma questatildeo
social que precisa ser discutida publicamente visto que seus paracircmetros acabam por definir
qual tipo de sociedade se deseja atraveacutes da educaccedilatildeo Por essa vida ainda coloca-se em xe-
que algumas ldquoverdadesrdquo construiacutedas sobre a naturalidade e obviedade do curriacuteculo e passa-se
a ter uma visatildeo dele como um constructo social e poliacutetico Nesse sentido importa ressaltar
que toda sociedade deve se mobilizar para garantir o respeito independentemente de sua ori-
gem corraccedila ou religiatildeo As crianccedilas satildeo o futuro do Brasil eacute essencial que elas cresccedilam
absorvendo os significados de diferenccedila de igual de singularplural e que saibam que no
outro poderaacute haver umas dessas caracteriacutesticas mas que quando adulta teraacute o discernimento
de aceitar e respeitaacute-lo como ela eacute
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Vicentini (2009) em seus estudos demonstra que as escolas brasileiras encontram
dificuldades em reconhecer que muitos de seus alunos natildeo se enquadram no perfil determina-
do atraveacutes de uma concepccedilatildeo universal de cultura Por essa razatildeo torna-se necessaacuterio uma
revisatildeo conceitual e estrutural das loacutegicas de produccedilatildeo do saber e do conhecimento no espaccedilo
escolar a fim de oportunizar a valorizaccedilatildeo da diversidade cultural que eacute intriacutenseca agrave nossa
cultura natildeo deixando de valorizar as manifestaccedilotildees culturais da minoria Assim se faz neces-
saacuterio a superaccedilatildeo de uma educaccedilatildeo escolar deslumbrada apenas pela cultura da elite abrindo
espaccedilo para uma escola multiintercultural Em nossa perspectiva isso deve ser o principal
objetivo dos curriacuteculos escolares a garantia de que todos possam se expressar dando vez e
voz agraves diferenccedilas culturais independentemente do niacutevel social de cada indiviacuteduo
Eacute prudente afirmar que atraveacutes da educaccedilatildeo eacute possiacutevel realizar muitas transforma-
ccedilotildees principalmente levar as pessoas a aceitar a diversidade natildeo ter medo do desconhecido
pois no contexto humano tende-se a rejeitar o que natildeo conhecemos para tanto se faz necessaacute-
rio conhecer para poder aceitar Em face disto Silva (2015) nos alerta para a necessidade da
luta pela igualdade pois do contraacuterio a propagaccedilatildeo desenfreada da discriminaccedilatildeo pode levar
agrave situaccedilatildeo limite de instauraccedilatildeo de um conflito civil sem precedentes Poreacutem natildeo basta ape-
nas discutir a diversidade eacutetnico-racial em nosso paiacutes satildeo necessaacuterias accedilotildees concretas para
que o Brasil supere a persistecircncia e profundidade do preconceito racial
Neste sentido a afirmaccedilatildeo da educaccedilatildeo brasileira deve passar pelo debate a re-
formulaccedilatildeo do nosso curriacuteculo sendo ele eacute um dos principais propulsores das accedilotildees pedagoacute-
gicas Em particular cabe reconhecer que o curriacuteculo em voga ainda carrega consigo forte
hegemonia da loacutegica eurocecircntrica a qual sempre privilegiou os saberes e modos de compre-
ensatildeo ocidental e com isso o homem branco cristatildeo de elite marginalizando outras dimen-
sotildees eacutetnicas humanas e socioculturais (OLIVA 2003) Como jaacute mencionado poreacutem aqui
natildeo se trata somente de uma revisatildeo das bases interpretativas de nossa proacutepria cultura e da
maneira como se inscrevem no cotidiano A luta pela revisatildeo do curriacuteculo tambeacutem encontra
direta relaccedilatildeo com a ampliaccedilatildeo do universo de possibilidades para a populaccedilatildeo negra dado
que a escola deteacutem um papel importante no sistema de reproduccedilatildeo das posiccedilotildees sociais na
contemporaneidade (ALVES 2007)
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13 As lutas para afirmaccedilatildeo da Cultura Afro-Brasileira
Eacute inegaacutevel na sociedade brasileira de hoje que o preconceito racial persiste seja
promovido de maneira dissimulada e privada seja assumindo dimensotildees puacuteblicas eou coleti-
vas Sem duacutevida a permanecircncia dessas formas de preconceito e discriminaccedilatildeo e a proacutepria
ausecircncia de identificaccedilatildeo do negro com os conteuacutedos formas e saberes culturais valorizados
no espaccedilo escolar constituem aspectos importantes para entender como os negros satildeo leva-
dos inclusive a se auto excluiacuterem Trata-se aqui de um processo muito eficiente de inculca-
ccedilatildeo da inferioridade de estranhamento reforccedilo da submissatildeo que desde as primeiras etapas
da escolarizaccedilatildeo ateacute os momentos finais incluir-se nos padrotildees de interaccedilatildeo nos conteuacutedos e
nas instituiccedilotildees Isto adquire particular relevacircncia quando se aborda a histoacuteria do Brasil
Neste sentido Silva (2015) nos mostra que a grande maioria da sociedade brasi-
leira conhece somente a histoacuteria da Aacutefrica e do negro que os livros didaacuteticos abordam onde a
ecircnfase principal recai quase que exclusivamente quando o tema eacute escravidatildeo no periacuteodo colo-
nial e imperial chegando ateacute a aboliccedilatildeo da escravidatildeo Passando esse periacuteodo histoacuterico na
praacutetica quase natildeo se aborda ou natildeo se destaca nada a respeito da populaccedilatildeo afro-brasileira
nos livros e perioacutedicos didaacuteticos Quando muito a cultura negra eacute colocada como uma espeacutecie
de plano de fundo das manifestaccedilotildees culturais brasileiras e sua contribuiccedilatildeo subsumida a in-
corporaccedilotildees seletivas na comida expressotildees vestuaacuterio etc Tudo ocorre como se ainda fosse
necessaacuterio escrever a histoacuteria da populaccedilatildeo negra retirando-a do papel de coadjuvante e cap-
tando sua agecircncia capacidade de resistecircncia e luta
Na praacutetica o que se deseja destacar eacute que todas as pessoas satildeo capazes de produ-
zir algo relevante para a sociedade independentemente de sua cultura corraccedila ou credo reli-
gioso Forquin (1993) por exemplo diz que a cultura eacute o conjunto de caracteriacutesticas da ma-
neira como o sujeito vive em sociedade em um grupo em comunidade devendo estas ser
respeitadas por todos
Vicentini (2009) por outro lado define a identidade cultural como uma constru-
ccedilatildeo histoacuterica ininterrupta sendo formada e transformada de maneira continua em detrimento
as formas que somos representadas e ilustrados pelos sistemas culturais que compartilhamos
Quando esse sistema vai se multiplicando nossa ldquoidentidade culturalrdquo eacute confrontada por ou-
tras identidades possiacuteveis onde satildeo verificadas a multiplicidade de combinaccedilotildees com as
quais poderiacuteamos nos identificar e aderir
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Dado que a nossa situaccedilatildeo se encontra longe da ideal o combate agraves muacuteltiplas
formas de racismo e discriminaccedilatildeo tendeu a assumir rumos diversos Desde o esforccedilo para a
elaboraccedilatildeo de instrumentos juriacutedicos que garantissem direitos aos negros passando pela de-
mocratizaccedilatildeo do sistema poliacutetico ateacute a abertura de vagas no mercado de trabalho e a amplia-
ccedilatildeo do aceso agrave educaccedilatildeo e agrave cultura Em grande medida essas modificaccedilotildees encontram-se as-
sociadas ao papel do movimento negro cujas conquistas em acircmbito puacuteblico natildeo se restringem
simplesmente a essa causa sendo tambeacutem importantes para outros movimentos representati-
vos de minorias
Andrews citado por Alves (2007) demonstra em suas pesquisas que embora o
preconceito seja exercitado predominantemente de maneira opaca e dissimulada mesclando-
se por vezes com outros marcadores sociais a populaccedilatildeo negra eacute consciente de que o pre-
conceito racial existe Em nossa cultura o racismo e discriminaccedilotildees satildeo correntes no cotidia-
no e orientado principalmente pela classificaccedilatildeo associada aos atributos fiacutesicos fenotiacutepicos
O problema eacute que no nosso caso o preconceito estaacute fundamentalmente nos carac-
teres fiacutesicos A discriminaccedilatildeo ldquoculturalrdquo vem a reboque da fiacutesica pois os racistas acham que
ldquotudo que vem de negro de pretordquo ou eacute inferior ou eacute maleacutefico (religiatildeo ritmos haacutebitos etc)
(BENTES Apud MUNANGA 2005 p175)
Nesse ponto talvez seja necessaacuterio esclarecer que em meios cientiacuteficos a tese da
hierarquia entre as raccedilas8 constitui um subproduto largamente questionado cujas bases de
legitimidade foram destruiacutedas desde meados do seacuteculo XX Ateacute entatildeo predominava a visatildeo
de que haveria uma escala evolutiva entre as diferentes raccedilas e nessa reparticcedilatildeo os povos
negros os africanos estariam em posiccedilotildees mais inferiores e atrasadas Hoje ao contraacuterio
sabe-se que raccedila e racismo natildeo constituem mais a base da compreensatildeo cientiacutefica sobre a hu-
manidade poreacutem a questatildeo aqui eacute que essa interpretaccedilatildeo se inscreveu no proacuteprio funciona-
mento das instituiccedilotildees e nas bases interpretativas e classificatoacuterias da realidade Dessa pers-
pectiva ao falar-se em raccedila e racismo natildeo entra em pauta a sua discussatildeo em termos bioloacutegi-
cos mas sociais que envolvem a necessidade de construccedilatildeo de projetos poliacuteticos de modifica-
ccedilatildeo da realidade de desmistificaccedilatildeo de formas de classificaccedilatildeo e etiquetagem dos atores e
8 Raccedila eacute uma construccedilatildeo poliacutetica e social Eacute a categoria discursiva em torno da qual se organiza um sistema de
poder socioeconocircmico de exploraccedilatildeo e exclusatildeo ndash ou seja ndash o racismo Todavia como praacutetica discursiva o
racismo possui uma loacutegica proacutepria Tenta justificar as diferenccedilas sociais e culturais que legitimam a exclusatildeo
racial em termos de distinccedilotildees geneacuteticas e bioloacutegicas isto eacute na natureza (GOMES 2012 p730)
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consequentemente de criacutetica sobre os efeitos desse processo sobre a consciecircncia autoestima
da populaccedilatildeo negra estatisticamente majoritaacuteria no Brasil (ALVES 2007)
Em parte essa revisatildeo se inscreve na proacutepria histoacuteria das Ciecircncias Sociais no Bra-
sil onde intelectuais de diversas procedecircncias e inscritos tanto em instituiccedilotildees cientiacuteficas -
Neves (2006 apud Alves 2007) cita por exemplo os intelectuais posicionados no Instituto de
Pesquisas de Cultura Negra (IPCN) com sede no Rio de Janeiro a Sociedade de Intercacircmbio
Brasil Aacutefrica (SINBA) a Sociedade de Estudo de Cultura Negra no Brasil (SECNEB) O
Grupo de Estudos Andreacute Rebouccedilas (GEAR) entre outros ndash como tambeacutem em Grupos Cultu-
rais de diversos matizes (no estado da Bahia existia o Grupo de Cultura Afro-Brasileira o
Grupo de Teatro Palmares) tem desempenhado um papel importante para a valorizaccedilatildeo da
cultura afro-brasileira Como veremos a seguir essas lutas compotildeem um quadro ainda mais
amplo de engajamentos os quais recolocaram na ordem do dia o tema das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais no espaccedilo escolar sem os quais sequer teriacuteamos condiccedilotildees como as atuais de colocar o
tema das relaccedilotildees eacutetnico-raciais no espaccedilo escolar
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CAPIacuteTULO 2 - RELACcedilOtildeES EacuteTNICO-RACIAIS lutas movimentos e reformas poliacuteti-
cas educacionais
Valeu Zumbi
O grito forte dos Palmares
Que correu terras ceacuteus e mares
Influenciando a Aboliccedilatildeo
Zumbi valeu
Hoje a Vila eacute Kizomba
Eacute batuque canto e danccedila
Jongo e Maracatu
Vem menininha pra danccedilar o Caxambu (bis)
Ocirc ocirc nega mina
Anastaacutecia natildeo se deixou escravizar
Ocirc ocirc Clementina
O pagode eacute o partido popular
Sacerdote ergue a taccedila
Convocando toda a massa
Nesse evento que com graccedila
Gente de todas as raccedilas
Numa mesma emoccedilatildeo
Esta Kizomba eacute nossa constituiccedilatildeo
Que magia
Reza ageum e Orixaacute
Tem a forccedila da Cultura
Tem a arte e a bravura
E um bom jogo de cintura
Faz valer seus ideais
E a beleza pura dos seus rituais
Vem a Lua de Luanda
Para iluminar a rua
Nossa sede eacute nossa sede
De que o Apartheid se destrua
(Rodolpho de Souza Jonas Rodrigues e Luiacutes Carlos da Vila 1988)
Muito embora distante de tornar realidade os movimentos de combate ao racismo as
frases de ordem o ativismo declarado de negros em todo paiacutes nas diferentes performances
intelectuais ou artiacutesticas contra a sociedade e seu sistema escravocrata velado foi que em
1988 ano que o Brasil comemorou o centenaacuterio da aboliccedilatildeo da escravatura a Unidos de Vila
Isabel9 levantou a Marquecircs de Sapucaiacute com o samba enredo ldquoKizomba a festa da raccedilardquo A
9 Grecircmio Recreativo Escola de Samba Unidos de Vila Isabel eacute uma das mais tradicionais escolas de samba da
cidade do Rio de Janeiro Foi campeatilde do Grupo Especial do Carnaval em 1988 2006 e 2013 Em seu brasatildeo haacute a
coroa da Princesa Isabel aonde figuram na parte de cima um resplendor com uma fita azul aonde se encontram
as iniciais da agremiaccedilatildeo (GRESUVI) e na parte de baixo se veem uma clave de sol um pandeiro e a pena de
Noel Rosa A Unidos de Vila Isabel foi fundada em 4 de abril de 1946 (Fonte wwwunidosdevilaisabelcombr)
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composiccedilatildeo de Rodolpho de Souza Jonas Rodrigues e Luiacutes Carlos da Vila encantou a todos
numa simbiose de reafirmaccedilatildeo e pertencimento a cultura negra sendo decisiva para o tiacutetulo da
escola tornando-se ldquoinstantaneamente um claacutessico do carnaval brasileirordquo (SOUZA 2013
p 1)
Imagem 1- Desfile da Escola de Samba Unidos de Vila Isabel (1988)
Fonte httpwwwpedromigaocombrourodetolo2016011988-kizombaco-da-vila-isabel-e-quem-viu-viu
Acesso em 08 mar 2018
O Samba enredo marcado por um ritmo forte harmocircnico cadenciado envolvente e
convidativo bem proacuteximo das batidas dos atabaques de terreiros de candombleacutes e tantas ou-
tras manifestaccedilotildees da ancestralidade africana a muacutesica trazia uma poesia igualmente intensa
(SOUZA 2013) Jaacute Rezende destacou que a escola se apresentou ativamente transgressora
viva harmoniosa latente e sobretudo festiva agrave comunidade negra
[] posto que buscou desconstruir um dos mais caros mitos da histoacuteria ofici-al brasileira marcadamente ideologizada aquele que atribui agrave generosidade
da princesa Isabel todo o creacutedito e veneraccedilatildeo pelo fim da escravidatildeo no Bra-
sil acentuadamente transcritos nos livros didaacuteticos escolares e secularmente
transferidos para os curriacuteculos e propagada pelas escolas do paiacutes (REZEN-DE 2017 p 155)
Tomado como referecircncia para discutir as relaccedilotildees de Brasil e Aacutefrica num reencontro
que envolvia uma gama de acontecimentos atinentes agrave populaccedilatildeo negra que deram origem a
vaacuterios movimentos de reafirmaccedilatildeo da identidade africana pelo paiacutes Para tanto a referecircncia ao
enredo manifesto natildeo eacute destituiacuteda de relaccedilotildees com o que se discute neste trabalho A mensa-
45
gem que se tenta transmitir agrave populaccedilatildeo brasileira atraveacutes de estrofes e versos inscreve-se em
uma narrativa bem mais ampla de lutas formas de resistecircncia e tentativas de valorizaccedilatildeo do
legado e do patrimocircnio cultural afro-brasileiro Aliaacutes seria necessaacuterio recordar ainda que es-
taacutevamos aqui no ano de 1988 proacuteximos da comemoraccedilatildeo do centenaacuterio da aboliccedilatildeo da escra-
vatura o que constituiu uma oportunidade iacutempar para refletir sobre o processo de integraccedilatildeo
do negro na sociedade brasileira e sobre os efeitos das experiecircncias histoacutericas sobre o presen-
te
Com efeito a anaacutelise mais detalhada desse enredo permite por o manifesto uma dentre
outras formas de comunicar agrave sociedade brasileira sobre a importacircncia da cultura e da identi-
dade negra no paiacutes Isto eacute o que entra em questatildeo a partir de entatildeo satildeo as estrateacutegias adotadas
para ldquoevidenciar as inuacutemeras contribuiccedilotildees para a formaccedilatildeo da naccedilatildeo brasileira com seus
valores e patrimocircnios culturaisrdquo (SANTOS 2010 p 35)
Deste modo satildeo inegaacuteveis as reverberaccedilotildees que o ano de ldquo1988 trouxe [] sendo um
dos aportes para a refundaccedilatildeo do movimento negrordquo (RIOS 2012 p 44) Em boa medida a
ocasiatildeo foi tomada como oportunidade para operar uma criacutetica agraves narrativas consagradas so-
bre a naccedilatildeo e particularmente para demarcar um processo de reflexatildeo coletiva sobre o que
efetivamente deveria ser comemorado Por essa razatildeo o Movimento Negro organizou nesse
ano a marcha contra o racismo e a farsa da aboliccedilatildeo manifestaccedilatildeo que ocorreu no Rio de Ja-
neiro no dia 11 de Maio de 1988 centro da capital carioca
O centenaacuterio da Aboliccedilatildeo em 1988 entrou para a histoacuteria do movimento negro como o
segundo marco nacional da luta antirracista contemporacircneo a onda de manifestaccedilotildees que
questionou a data comemorativa de 13 (treze) de Maio possuiu maior alcance seja porque se
tratava de momento simboacutelico para a naccedilatildeo seja porque foi realizada nas proximidades da
campanha pela reforma constitucional Natildeo era para menos ldquotratava-se de uma oportunidade
poliacutetica francamente aberta para a consolidaccedilatildeo do movimento negro na cena poliacutetica nacio-
nalrdquo (RIOS 2012 p 51)
De acordo com Oliveira (2016) movimento negro refere-se aos diferentes coletivos de
pessoas organizadas na diaacutespora africana com vista criar experiecircncias de poder
Quando falamos em movimento negro nos referimos a coletivos de pessoas que se sentem comprometidos e se organizam nas vaacuterias partes do mundo
onde se deu a diaacutespora africana nas Ameacutericas na Aacutesia na Europa na Oce-
ania e na proacutepria Aacutefrica (na diaacutespora interna) para lutar e criar uma nova situaccedilatildeo de poder em que osas negrosas sejam reconhecidosas e respeita-
dosas como portadores de uma tradiccedilatildeo proacutepria com seus proacuteprios valores
46
civilizatoacuterios herdados dos seus antepassados E que sejam incluiacutedos natildeo
somente na base produtiva dessas sociedades mas tambeacutem na condiccedilatildeo de dirigentes do desenvolvimento social poliacutetico econocircmico e cultural em seus
paiacuteses (OLIVEIRA 2016 p 9 grifo nosso)
Em face disto muito ainda se discute a repercussatildeo que a marcha contra o racismo te-
ve para suscitar algumas discussotildees vez que destacaram para a sociedade brasileira o estado
precaacuterio e socialmente vulneraacutevel de parte da populaccedilatildeo negra
A partir de entatildeo a atuaccedilatildeo poliacutetica de negros parece ter adquirido novo focirclego levan-
tando questotildees natildeo apenas de redistribuiccedilatildeo socioeconocircmica como tambeacutem concernente agrave
bandeira das lutas por reconhecimento e direitos sociais poliacuteticos e civis Assim a combina-
ccedilatildeo dessas lutas foi capaz de produzir efeitos natildeo somente sobre o Estado como tambeacutem in-
terpelou ao proacuteprio movimento agrave esquerda e a populaccedilatildeo brasileira de um modo geral
Eacute na deacutecada de 80 no seacuteculo XX durante o processo de abertura poliacutetica e
redemocratizaccedilatildeo da sociedade que assistimos uma nova forma de atuaccedilatildeo
poliacutetica dos negros e negras brasileiros Estes passaram a atuar ativamente por meio dos novos movimentos sociais sobretudo os de caraacuteter identitaacuterio
trazendo outro conjunto de problematizaccedilatildeo e novas formas de atuaccedilatildeo e
reinvindicaccedilatildeo poliacutetica O Movimento Negro indaga a exclusividade do en-
foque sobre a classe social presente nas reivindicaccedilotildees e denuacutencias da luta dos movimentos sociais da eacutepoca As suas reivindicaccedilotildees assumem um caraacute-
ter muito mais profundo indagam o Estado a esquerda brasileira e os mo-
vimentos sociais sobre o seu posicionamento neutro e omisso diante da cen-tralidade da raccedila na formaccedilatildeo do paiacutes (GOMES 2010 p 2-3)
A tentativa de construccedilatildeo de uma visatildeo mais positiva da identidade negra requisitou
no entanto uma ampliaccedilatildeo do repertoacuterio de atuaccedilatildeo ateacute entatildeo empregado De uma militacircncia
que era mais artiacutestica intelectual cultural e ateacute mesmo microscoacutepica passamos para o quadro
da criaccedilatildeo de um efetivo grupo de pressatildeo que procurou sentar a mesa para elaboraccedilatildeo de
textos legais que dessem expressatildeo e garantias agraves lutas e bandeiras levantadas Foi assim por
exemplo no contexto de formulaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 quando o movimento
negro participou ativamente da discussatildeo de propostas apesar de que
[] natildeo incluiacuteram de fato as reivindicaccedilotildees desse movimento em prol da
educaccedilatildeo Os debates em torno da questatildeo racial realizados entre o Movi-
mento Negro e os parlamentares revelam um processo de esvaziamento do conteuacutedo poliacutetico das reivindicaccedilotildees (RODRIGUES apud GOMES 2011 p
5)
A despeito de que natildeo tenha havido um direcionamento concreto agraves diversas demandas
apresentadas pelo movimento essas iniciativas davam mostras da organicidade e fortaleciam
as condiccedilotildees de coalizatildeo interna bem como a identificaccedilatildeo de canais para encaminhamento
de demandas ao Estado
47
Outra demonstraccedilatildeo puacuteblica da capacidade de mobilizaccedilatildeo e organizaccedilatildeo do movi-
mento foi agrave comemoraccedilatildeo do tricentenaacuterio da morte de Negro Zumbi reunindo aproximada-
mente 30 mil pessoas nas ruas de Brasiacutelia
Bakke (2011) diz que
[] em 1995 por ocasiatildeo das comemoraccedilotildees dos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares os movimentos sociais negros realizaram uma marcha
a Marcha dos 300 anos de Zumbi dos Palmares ateacute Brasiacutelia onde entregaram
uma reivindicaccedilatildeo por poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees afirmativas ao entatildeo presi-
dente da repuacuteblica Fernando Henrique Cardoso Nessa comemoraccedilatildeo o pre-sidente fez um discurso no qual pela primeira vez o Estado brasileiro reco-
nhecia oficialmente a existecircncia do racismo mudando o posicionamento ateacute
entatildeo adotado sem grandes alteraccedilotildees dede a deacutecada de 1930 No ano se-guinte a luta dos movimentos sociais negros tambeacutem aparece na promulga-
ccedilatildeo da Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo (LDB) que reafirma a orienta-
ccedilatildeo de que os curriacuteculos escolares deveriam tratar da participaccedilatildeo dos negros
e indiacutegenas na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (BAKKE 2011 p 9)
Assim as poliacuteticas puacuteblicas afirmativas foram ganhando cena a niacutevel do Estado brasi-
leiro Na deacutecada de 90 do Seacutec XX o movimento negro realiza outra marcha e com frases de
efeitos ldquoReaja agrave violecircncia racialrdquo ldquoNegro tambeacutem quer poderrdquo ldquoPalmares Zumbi Assim
eu resistirdquo ldquoQueremos escola queremos empregordquo ldquoZumbi vive Racismo natildeordquo (RIOS
2012 p 56) a multidatildeo que movimentou Brasiacutelia no Dia 20 de Novembro de 1995 represen-
tava uma massa significativa da populaccedilatildeo brasileira que clamava por justiccedila social As rei-
vindicaccedilotildees concatenadas priorizam o acesso agrave educaccedilatildeo como forma de colaborar para a as-
censatildeo social do negro A partir da Marcha Zumbi dos Palmares as questotildees eacutetnico-raciais
brasileiras entraram em pauta em diferentes niacuteveis governamentais e sociais (DUARTE
2008 p 5)
Imagem 2 - Marcha Zumbi dos PalmaresBrasiacutelia 20 de novembro de 1995
Fonte httpwwwafropresscompostaspid=18405 Acesso em 08032019
48
O objetivo dessa marcha era apresentar ao governo brasileiro o reconhecimento
das injusticcedilas histoacutericas sofridas por esses brasileiros principalmente a falta de acesso agraves poliacute-
ticas afirmativas bem como a criaccedilatildeo de um nuacutecleo de debates que problematizassem ques-
totildees atinentes ao negro no paiacutes Em resposta o Presidente Fernando Henrique Cardoso
(19952003) criou o Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorizaccedilatildeo da Populaccedilatildeo Ne-
gra (GTI Populaccedilatildeo Negra) O movimento havia conseguido influenciar os rumos da luta con-
tra o racismo no paiacutes A data foi fundamental e abriu caminho para a formulaccedilatildeo posterior
das poliacuteticas de accedilotildees afirmativas no Brasil (GELEDEacuteS 2016) Por accedilotildees afirmativas deve-se
compreender que
[] satildeo medidas que buscam o fim de uma seacuterie de desigualdades que foram
sendo produzidas reproduzidas e acumuladas ao longo da histoacuteria humana bem como pretendem compensar as inuacutemeras perdas provocadas pela exclu-
satildeo social discriminaccedilatildeo e marginalizaccedilatildeo dentre outras accedilotildees oriundas do
julgamento por motivos raciais eacutetnicos religiosos de gecircnero Assim a in-
tenccedilatildeo das accedilotildees afirmativas gira em torno da busca por garantir igualdade de oportunidade e tratamento agraves minorias funcionando como primeiro passo
para a inclusatildeo destes nas esferas sociais das quais natildeo fazem parte (SE-
CAD MEC2006 p 26)
Eacute valido ressaltar por outro lado que mesmo em um contexto de marcada nega-
ccedilatildeo de direitos agrave populaccedilatildeo negra a militacircncia procurou sempre atuar em diferentes frentes de
mobilizaccedilatildeo Seja atraveacutes de jornais seja atraveacutes de iniciativas propriamente educacionais
progressivamente foi se constituindo um corpo de agentes dotados de competecircncias e saberes
cruciais para atuar de maneira eficiente junto ao Estado Em torno desse pensamento inuacuteme-
ras accedilotildees de mobilizaccedilatildeo foram realizadas com a finalidade de aproximar agrave populaccedilatildeo negra
para as negociaccedilotildees que tratariam de accedilotildees que levariam o negro para o centro das decisotildees
no uacuteltimo quartel do seacuteculo XX Por exemplo a imprensa brasileira foi intensamente utilizada
como instrumento de suas campanhas Aleacutem disso setores da Frente Negra Brasileira (FNB)
criaram salas de aula de alfabetizaccedilatildeo para os trabalhadores e trabalhadoras negras em diver-
sas localidades (GONCcedilALVES 2000)
[] Nesta trajetoacuteria destacam-se as experiecircncias do Movimento Negro Uni-
ficado (MNU) a partir do fim da deacutecada de 1970 - e seus desdobramentos com a poliacutetica antirracista nas deacutecadas de 1980 e 1990 com conquistas sin-
gulares nos espaccedilos puacuteblicos e privados - das frentes abertas pelo Movimen-
to de Mulheres Negras e do embate poliacutetico impulsionado pelas Comunida-
des Negras Quilombolas Ou seja no percurso trilhado pelo Movimento Ne-gro Brasileiro a educaccedilatildeo sempre foi tratada como instrumento de grande
valia para a promoccedilatildeo das demandas da populaccedilatildeo negra e o combate agraves de-
sigualdades sociais e raciais (SECADMEC 2006 p18 19)
49
Coerentemente com suas reivindicaccedilotildees e propostas histoacutericas que decorrem desde as
ldquomanifestaccedilotildees mais reservadas por conta do sistema ditatorial ateacute as primeiras manifestaccedilotildees
de ruas que ganharam bastante notoriedade com a redemocratizaccedilatildeo do paiacutesrdquo (RIOS 2012 p
52) a lutas empreendidas pelo Movimento Negro tecircm possibilitado ao Estado brasileiro pro-
mover poliacuteticas e programas para a populaccedilatildeo afro-brasileira e valorizar a histoacuteria e a cultura
do povo negro (GOMES 2010 SECADMEC 2006)
Outro componente importante dessa luta que deve ser mencionado diz respeito agrave III
Conferecircncia Mundial contra o racismo a discriminaccedilatildeo a xenofobia e formas correlatas de
intoleracircncia ocorrida em 2001 na cidade de Durban Aacutefrica do Sul De maneira geral somen-
te depois dessa conferecircncia que a adoccedilatildeo de poliacuteticas afirmativas entrou para a agenda poliacutetica
internacional Para o Brasil esse evento foi de grande importacircncia como destaca Munanga
(2015)
Depois da Conferecircncia de Durban o Brasil oficial engajou-se como natildeo se vira antes na busca dos caminhos para a execuccedilatildeo da Declaraccedilatildeo dessa Con-
ferecircncia da qual foi um dos paiacuteses signataacuterios A declaraccedilatildeo previa a imple-
mentaccedilatildeo das poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa inclusive as cotas em benefiacutecio
dos negros iacutendios e outras chamadas minorias As polecircmicas e controveacutersias a respeito dessas poliacuteticas satildeo indicadores das realidades de uma sociedade
que ainda vive entre o mito e os fatos ou melhor que confunde o mito e os
fatos ou seja onde o mito funciona como verdadeira realidade (MUNAN-GA 2015 p 137)
Com efeito a instituiccedilatildeo da Lei 1063903 que foi confirmada e ampliada pela lei
116452008 constituiacuteram demonstraccedilotildees concretas de compromisso do Estado Brasileiro com
a questatildeo muito embora sua implementaccedilatildeo ainda seja insuficiente como seraacute exposto mais
adiante Segue abaixo os objetivos da lei 1063903
Lei Nordm 106392003 Altera a Lei nordm 9394 de 20 de dezembro de 1996 que estabelece as diretri-
zes e bases da educaccedilatildeo nacional para incluir no curriacuteculo oficial da Rede de
Ensino a obrigatoriedade da temaacutetica ldquoHistoacuteria e Cultura Afro-Brasileirardquo E
daacute outras providecircncias O PRESIDENTE DA REPUacuteBLICA Faccedilo saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei
Art 1ordm - A Lei no 9394 de 20 de dezembro de 1996 passa a vigorar acres-
cida dos seguintes arts 26-A 79-A e 79-B Art 26-A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e
particulares torna-se obrigatoacuterio o ensino sobre Histoacuteria e Cultura Afro-
Brasileira sect 1ordm O conteuacutedo programaacutetico a que se refere o caput deste artigo incluiraacute o
estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dos Africanos a luta dos negros no Brasil a
cultura negra brasileira e o negro na formaccedilatildeo da sociedade nacional resga-
tando a contribuiccedilatildeo do povo negro nas aacutereas social econocircmica e poliacutetica pertinente agrave Histoacuteria do Brasil
50
sect 2ordm Os conteuacutedos referentes agrave Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira seratildeo mi-
nistrados no acircmbito de todo o curriacuteculo escolar em especial nas aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica e de Literatura e Histoacuteria Brasileira
sect ldquo3ordm - (Vetado)rdquo ldquoArt 79-A - (Vetado)rdquo ldquoArt 79-B - O calendaacuterio escolar
incluiraacute o dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciecircncia Negrardquo Art 2ordm - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicaccedilatildeo
(Brasiacutelia 9 de janeiro de 2003 182ordm da Independecircncia e 115ordm da Repuacuteblica
LUIZ INAacuteCIO LULA DA SILVA Cristoacutevan Ricardo Cavalcanti Buarque (BRASIL DOU 10 de jan de 2003)
Diante da publicaccedilatildeo de tal legislaccedilatildeo o Conselho Nacional de Educaccedilatildeo aprovou o
Parecer CNECP 32004 que institui as Diretrizes Curriculares para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees
Eacutetnico-Raciais e o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas a serem executa-
das pelos estabelecimentos de ensino de diferentes niacuteveis e modalidades cabendo aos siste-
mas de ensino orientar e promover a formaccedilatildeo de professores e professoras e supervisionar o
cumprimento das Diretrizes Curriculares Nacionais Pode-se compreender segundo esse do-
cumento que relaccedilotildees eacutetnico-raciais satildeo aquelas criadas por sujeitos de diferentes grupos par-
tindo de ideias conceitos e informaccedilotildees sobre as diferenccedilas raciais percebendo suas seme-
lhanccedilas criando desta forma um sentimento de pertencimento racial
Com efeito esse debate culminou em diversas propostas de implementaccedilatildeo de accedilotildees
para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais conforme suscitado pela Secretaria de Educa-
ccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SECADMEC) Estas propostas assumiriam o
rol de orientaccedilotildees para a implementaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais com abrangecircncia em to-
dos os niacuteveis de ensino nas instituiccedilotildees puacuteblicas e particulares do territoacuterio nacional Entre os
diferentes princiacutepios que presidiram a produccedilatildeo desses documentos vale destacar os seguin-
tes
Socializaccedilatildeo e visibilidade da cultura negro-africana
Formaccedilatildeo de professores com vistas agrave sensibilizaccedilatildeo e agrave construccedilatildeo de es-trateacutegias para melhor equacionar questotildees ligadas ao combate agraves discri-
minaccedilotildees racial de gecircnero e agrave homofobia
Construccedilatildeo de material didaacutetico-pedagoacutegico que contemple a diversidade
eacutetnico-racial na escola Valorizaccedilatildeo dos diversos saberes
Valorizaccedilatildeo das identidades presentes nas escolas sem deixar de lado esse
esforccedilo nos momentos de festas e comemoraccedilotildees (SECADMEC 2006 p 24)
Seja como for muito embora a Lei tenha vindo como um ajuste de contas ela natildeo teve
o dinamismo das lutas realizadas para sua implementaccedilatildeo No estado do Maranhatildeo por
exemplo que apresenta o terceiro maior percentual de residentes autodeclarados como negros
51
(perde apenas para o Paraacute e a Bahia) as poliacuteticas de afirmaccedilatildeo voltadas para a populaccedilatildeo
afrodescendentes ainda natildeo foram desenvolvidas tatildeo sistematicamente quanto se esperava
O Plano Estadual de Educaccedilatildeo (PEE) que eacute uma exigecircncia federal eacute pouco
conhecido pelos professores da rede estadual e embora traga um diagnoacutestico
realista com base nesses indicadores educacionais e destaque nas metas e estrateacutegias formas de reparar essa realidade natildeo eacute utilizado na praacutetica Esse
plano foi construiacutedo pelo Foacuterum Estadual de Educaccedilatildeo atraveacutes de vinte con-
ferecircncias intermunicipais e aprovadas no governo de Roseana Sarney atra-
veacutes da Lei nordm 10099 de 11 de junho de 2014 (SANTOS 2018 p)
Apesar disso o governo do Estado em conjunto com intelectuais autoridades e pes-
quisadores tem tentado implementar o Plano Estadual de Poliacutetica de Promoccedilatildeo da Igualdade
Eacutetnico-Racial (2006) bem como promovido conferecircncias com regularidade para debater so-
bre a promoccedilatildeo de iniciativas voltadas agrave populaccedilatildeo negra do Estado
Como em todo o resto no entanto se de um lado convivemos com avanccedilos significa-
tivos no plano legal a verdade concreta eacute que no plano do cotidiano escolar ainda convivemos
com uma inclusatildeo muito limitada a momentos estanques comemorativos e com teor folcloacuteri-
co estando muito aqueacutem de uma inserccedilatildeo interdisciplinar como preconizado pelo texto legal
Sob a perspectiva assumida neste trabalho a valorizaccedilatildeo do respeito agrave diferenccedila que estaacute na
base do multiculturalismo teve evidentes vitorias no campo das poliacuteticas puacuteblicas no Brasil e
na Ameacuterica Latina Ocorre que quando observamos o cotidiano das instituiccedilotildees e estudamos
as culturas escolares especiacuteficas percebemos que elas ainda reproduzem as formas escolares
hegemocircnicas que satildeo atravessadas por uma concepccedilatildeo que naturaliza a desigualdade as hie-
rarquias e as concepccedilotildees racializada da realidade
Nesse sentido
Espera-se que ao longo dos anos o caraacuteter emergencial dessa medida de
accedilatildeo afirmativa decirc lugar ao seu total enraizamento enquanto lei nacional a ponto de passar a fazer parte do imaginaacuterio pedagoacutegico e da poliacutetica educa-
cional brasileira e natildeo mais ser vista como uma legislaccedilatildeo especiacutefica Nesse
caso entendida como Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional a Lei nordm 1063903 poderaacute garantir aquilo que os defensores das accedilotildees afirmativas
pleiteiam ou melhor que as poliacuteticas universais brasileiras incluam e garan-
tam de forma expliacutecita o direito agrave diferenccedila (GOMES 2010 p 21)
Atento ao quadro sob observaccedilatildeo que combina deficiecircncias estruturais carecircncias de
materiais especializados obstaacuteculos decorrentes da proacutepria formaccedilatildeo dos professores e as
resistecircncias oriundas do acircmbito propriamente escolar ndash cada vez mais atravessado por uma
accedilatildeo ostensiva das igrejas evangeacutelicas notadamente ndash concebemos este trabalho como uma
52
singela contribuiccedilatildeo para melhoria desse quadro cuja razatildeo de ser deriva do engajamento do
autor desse trabalho como pessoa e profissional no espaccedilo em pauta
53
CAPIacuteTULO 3- DA ESCOLA PARA OS TERREIROS normas experiecircncias e percep-
ccedilotildees sobre as religiotildees afro-brasileiras
Este capiacutetulo assume uma dimensatildeo muito mais diagnoacutestica sobre o funcionamento da
cultura escolar em pauta A comeccedilar pelo fato de tentar discuti-la a partir da descriccedilatildeo dos
paracircmetros e normas que moldam o curriacuteculo com atenccedilatildeo particular aos significados e desa-
fios da implementaccedilatildeo da Lei 1063903 Ocorre que a exploraccedilatildeo dessa cultura escolar requi-
sita ainda que efetuemos uma caracterizaccedilatildeo mais detalhada do espaccedilo de anaacutelise da estrutura
do estabelecimento escolar e tambeacutem das percepccedilotildees que seus atores tecircm a respeito da inclu-
satildeo de temas relacionada agrave histoacuteria cultura e religiosidade africana e afro-brasileira no espaccedilo
escolar Neste caso recorremos tanto agrave aplicaccedilatildeo de questionaacuterios estruturados com alunos e
professores (disponiacuteveis nos anexos da dissertaccedilatildeo) como tambeacutem estabelecemos diaacutelogo
com docentes atuais e que jaacute passaram pela instituiccedilatildeo para entendermos como eles percebe
(ia)m a relaccedilatildeo entre a escola e os terreiros O tiacutetulo do capiacutetulo da escola para os terreiros
representa pois a tentativa de compreender como na escola em estudo para anaacutelise com a
proximidade geograacutefica e relacional com os diversos terreiros do entorno eacute pensada concebi-
da e que iniciativas foram executadas ao longo do processo
Como seraacute visto a despeito de haver resistecircncias e ateacute mesmo certo despreparo teacutecnico
os tracircnsitos de agentes os ajustes de loacutegicas e as negociaccedilotildees satildeo antigos o que levanta o
problema das ineacutercias educativas para coordenaccedilatildeo desse processo Por essa razatildeo na uacuteltima
parte do capiacutetulo exploramos a experiecircncia de realizaccedilatildeo de oficinas que ministramos na esco-
la e que estiveram na base da produccedilatildeo do material didaacutetico que acompanha a presente disser-
taccedilatildeo
31 As mutaccedilotildees no curriacuteculo e o desafio de implementaccedilatildeo da Lei 106392003
O papel fundamental da educaccedilatildeo no desenvolvimento das pessoas e das so-
ciedades amplia-se ainda mais no despertar do novo milecircnio e aponta para
a necessidade de se construir uma escola voltada para a formaccedilatildeo de cida-
datildeos Vivemos numa era marcada pela competiccedilatildeo e pela excelecircncia em que progressos cientiacuteficos e avanccedilos tecnoloacutegicos definem exigecircncias novas
para os jovens que ingressaratildeo no mundo do trabalho ldquoTal demanda impotildee
uma revisatildeo dos curriacuteculos que orientam o trabalho cotidianamente reali-zado pelos professores e especialistas em educaccedilatildeo do nosso paiacutesrdquo
(Paulo Renato Souza Ministro da Educaccedilatildeo e do Desporto PCNrsquos 1998
p 5)
54
As escolas brasileiras ao longo da sua construccedilatildeo vecircm debatendo sobre o curriacuteculo no
que se refere agrave distribuiccedilatildeo de conteuacutedos sobretudo com questotildees que englobam a temaacutetica
do respeito agraves diferenccedilas dentro do espaccedilo escolar Como pudemos demonstrar no capiacutetulo
anterior essa discussatildeo natildeo eacute recente e resulta em grande medida da atuaccedilatildeo importantiacutessi-
ma do movimento negro
Nessa perspectiva para manter uma estrutura de ensino minimamente aproximada das
verdadeiras aspiraccedilotildees da educaccedilatildeo as escolas devem se basear em propostas que orientem
efetivamente para o exerciacutecio da cidadania e estejam adaptadas agraves peculiaridades do contexto
em pauta conforme orientam os Paracircmetros Curriculares Nacionais que satildeo
[] diretrizes elaboradas com o objetivo principal de orientar os educadores por
meio da normatizaccedilatildeo de alguns fatores fundamentais concernentes a cada discipli-na [] no exerciacutecio da cidadania Embora natildeo sejam obrigatoacuterios os PCNrsquos ser-
vem como norteadores para professores coordenadores e diretores que podem
adaptaacute-los agraves peculiaridades locais [] para a transformaccedilatildeo de objetivos conteuacute-
dos e didaacutetica do ensino (BRASIL PCNrsquos 1998 p 11 grifo nosso)
Com o objetivo de apresentar instrumentos mencionamos os paracircmetros na visatildeo de
um professor da rede municipal de Ensino de Cururupu- MA Para o docente
Paracircmetros satildeo orientaccedilotildees para os professores seguirem na medida em que desenvolvem atividades em sala de aula com o objetivo de propiciar um en-
sino moderadamente eficaz apesar de que isso natildeo seja colocado em praacutetica
(Professor Edivaldo Rodrigues julho de 2018) 10
Conceitualmente os paracircmetros orientam praacuteticas de ensino das disciplinas e aborda-
gens de seus conteuacutedos com o objetivo de aprimorar habilidades e competecircncias no corpo
discente No que tange ao Ensino de Histoacuteria prescreve orientaccedilotildees para que a escola apren-
da a reconhecer e valorizar a ldquopluralidade do patrimocircnio sociocultural brasileirordquo e ao mes-
mo tempo conhecer tambeacutem os ldquoaspectos socioculturais de outros povos posicionando-se
contra qualquer discriminaccedilatildeo []rdquo (OLIVA 2009 p 145)
Desse modo esses documentos objetivam orientar o professor quanto agrave necessidade de
trabalhar a diversidade presente na escola os elementos que a formatam a pluralidade de sa-
beres existentes nos grupos Eacute interessante observar o descompasso entre aquilo que eacute apre-
sentado nos documentos legais geralmente trabalhados de maneira superficial ou para preen-
cher determinados rituais pedagoacutegicos (SANTOS 2015) e as formas praacuteticas de exerciacutecio nas
diferentes configuraccedilotildees escolares Quando se observa de maneira mais aproximada o cotidi-
ano escolar ainda tendo em vista o descompasso supramencionado o que se percebe eacute que
10 Edivaldo Rodrigues professor da Rede Municipal de Ensino de Cururupu trabalha com a disciplina Liacutengua
Portuguesa na Unidade Integrada Herculana Vieira I
55
mesmo naqueles casos em que haacute um esforccedilo para aplicaccedilatildeo de novas praacuteticas pedagoacutegicas
ocorrem vaacuterios problemas sejam eles oriundos da formaccedilatildeo da disposiccedilatildeo dos profissionais
ou ateacute mesmo do caraacuteter meramente pragmaacutetico e superficial como que essas diretrizes satildeo
implementadas
O professor eacute o principal agente de transmissatildeo dos conhecimentos dentro da sala de
aula dessa maneira merece atenccedilatildeo especial quanto a novos conteuacutedos a serem repassados
aos alunos No que se refere agrave Cultura Afro-Brasileira esse cuidado deve ser ainda maior
pois se torna essencial que o educador compreenda as implicaccedilotildees propriamente poliacuteticas que
perpassam o processo de ensino-aprendizagem Sem duacutevida essa decisatildeo estaacute no princiacutepio de
sua atuaccedilatildeo pedagoacutegica e tende a refletir-se sobre a maneira como a desigualdade e injusticcedila
social satildeo tratadas dentro da escola No cotidiano escolar eacute fundamental que a educaccedilatildeo seja
antirracista visando agrave erradicaccedilatildeo das discriminaccedilotildees dos preconceitos e de tratamentos dife-
renciados Ocorre que o espaccedilo escolar ainda continua repassando ideias e estereoacutetipos pre-
concebidos independente da forma de disseminaccedilatildeo (material didaacutetico e de apoio meio de
comunicaccedilatildeo corpo docente e discente dentre outros) Essas manifestaccedilotildees devem ser criti-
cadas com fervor e principalmente banidas do meio social dado que se conectam a manuten-
ccedilatildeo do preconceito e de comportamentos discriminatoacuterios que reforccedilam a desigualdade social
como menciona Cavalleiro (2001)
[] na educaccedilatildeo nem sempre os agentes estatildeo conscientes de que a manu-
tenccedilatildeo dos preconceitos seja um problema Dessa forma interiorizamos ati-
tudes e comportamentos discriminatoacuterios que passam a fazer parte do nosso
cotidiano mantendo eou disseminando as desigualdades sociais (CA-
VALLEIRO 2001 p 152)
A praacutetica pedagoacutegica nesse sentido precisa ser eminentemente poliacutetica e consciente
do seu papel central no combate ao racismo ao preconceito agrave discriminaccedilatildeo e agraves demais ma-
neiras de classificaccedilatildeo social negativa Sob nossa perspectiva o cotidiano escolar pode ser um
meio eficiente de dispersatildeo ou dissipaccedilatildeo de atos preconceituosos Portanto quando se assu-
me uma postura contraacuteria agrave desigualdade e segue-se rumo agrave visatildeo de paridade entre as pesso-
as compreende-se que a escola tambeacutem tem esse papel pois eacute um aparelho ideoloacutegico efici-
ente na formaccedilatildeo social (ALVES 2007)
Nesse sentido cabe a todos os integrantes da escola - professores apoio pedagoacutegico
diretores funcionaacuterios comunidade - colocarem em exerciacutecio as determinaccedilotildees da Lei ndeg
106392003 concernentes agrave Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africana Dessa maneira o
professor deve estar sempre atento aos conteuacutedos que devem ser ensinados sobre a cultura
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afro-brasileira precisando pesquisar e implementar o que determina os Paracircmetros Curricula-
res Nacionais Evidentemente isto se conecta a uma percepccedilatildeo renovada do curriacuteculo enten-
dido como meio para a construccedilatildeo de identidade e valorizaccedilatildeo da dignidade e diferenccedila
Segundo Antocircnio Flaacutevio Barbosa Moreira e Vera Maria Candau(2007)
[] O curriacuteculo representa assim um conjunto de praacuteticas que propiciam a produccedilatildeo a circulaccedilatildeo e o consumo de significados no espaccedilo social e que
contribuem intensamente para a construccedilatildeo de identidades sociais e cultu-
rais O curriacuteculo eacute por consequecircncia um dispositivo de grande efeito no
processo de construccedilatildeo da identidade do (a) estudante (CANDAU MO-REIRA 2006 p 28)
O curriacuteculo como criaccedilatildeo simboacutelica no fazer pedagoacutegico permeia as atividades de
criaccedilatildeo recriaccedilatildeo contestaccedilatildeo e transgressatildeo dos saberes possibilitando significados e nego-
ciaccedilotildees De acordo com Medeiros (2017 p 41) ldquoO curriacuteculo como hoje se apresenta remonta
em certa medida agraves deacutecadas de 1920 e 1930 periacuteodo de eminentes mudanccedilas culturais no
Brasil sobretudo transformaccedilotildees econocircmicas e poliacuteticas
Nesse cenaacuterio em que debates acalorados sobre a educaccedilatildeo ocorriam em diferentes
espaccedilos fortes influecircncias dos Estados Unidos e da Europa foram basilares para a construccedilatildeo
de pautas que debatessem o curriacuteculo como proposta passiacutevel de mudanccedilas Autores ligados
ao pragmatismo e a Escola Nova lanccedilaram propostas que debatiam sobre o curriacuteculo e os con-
teuacutedos como forma de pensar uma educaccedilatildeo mais acessiacutevel tanto em termos de acesso fiacutesi-
co como na redistribuiccedilatildeo de temas a serem trabalhados em sala de aula (PACHECO 2005)
Eacute vaacutelido ressaltar que as primeiras publicaccedilotildees no Brasil referentes ao curriacuteculo satildeo
realizadas entre as deacutecadas de 1950 e 1960 tendo autores como Joatildeo Roberto Moreira e Ma-
rina Couto Entre as deacutecadas de 1970 e 1980 surgem representantes no cenaacuterio nacional com
pensamento voltado para o tecnicismo e pensadores como Baacuterbara Freitag e Luiz Antocircnio
Cunha que apresentavam um pensamento criacutetico (MEDEIROS 2017) Soma-se a esse grupo
ainda um conjunto de outros intelectuais que defendiam uma construccedilatildeo do curriacuteculo atenta agrave
realidade escolar baseando-se na realidade social dos seus estudantes como visto nas pers-
pectivas pedagoacutegicas e propostas de teoacutericos da pedagogia como Paulo Freire (1996) e De-
merval Saviani (1999)
A despeito disso como demonstra Nilma Lino Gomes (2012) ao comentar sobre
a histoacuteria do curriacuteculo e da descolonizaccedilatildeo ainda eacute necessaacuterio lidar com um curriacuteculo ainda
formulado com base em padrotildees eurocecircntricos e a proacutepria formaccedilatildeo dos professores constitui
outro entrave para esse processo de superaccedilatildeo Como tambeacutem ressalta Aacutevila
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[] uma das razotildees que se constata eacute a organizaccedilatildeo curricular dos cursos de
formaccedilatildeo de docentes o que vimos satildeo curriacuteculos ainda muito teacutecnicos que natildeo favorecem nem preparam o professor para a valorizaccedilatildeo plural da cultu-
ra Os curriacuteculos estatildeo ligados e refletem o que preconizam as camadas do-
minantes da sociedade que congelam as identidades e reproduzem a desi-gualdade social (AacuteVILA 2010 p 46)
Nesse quadro sem duacutevida a implementaccedilatildeo da Lei ndeg 106392003 pode ser lida como
uma conquista concreta realizada ao longo de anos e por intermeacutedio de vaacuterios atores individu-
ais e coletivos para valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira em meios escolares De um ponto de
vista praacutetico contribui para ldquoconstruccedilatildeo e viabilizaccedilatildeo de novos acordos sociais por meio do
qual a valorizaccedilatildeo formal da cultura negra eacute reconhecida como uma das matrizes da sociedade
brasileirardquo (BAKKE 2011 p 62)
A Lei 106392003 reformula o curriacuteculo oficial pois eacute atraveacutes deste que satildeo escolhi-
das as propriedades do que ensinar ou natildeo nas escolas brasileiras O curriacuteculo educacional eacute
estruturalmente a manifestaccedilatildeo das poliacuteticas oficialmente aceitas em uma sociedade pois
condensa o estado das lutas poliacuteticas e sociais no formato de regras e conteuacutedos legitimados
Desnecessaacuterio dizer que os conteuacutedos e saberes consagrados celebram direta e tacitamente as
concepccedilotildees de mundo dos dominantes Na praacutetica a expectativa era de que essa lei consoli-
dasse o compromisso da escola e dos seus profissionais com a formaccedilatildeo para a cidadania for-
talecendo competecircncias para o respeito agrave diversidade e a valorizaccedilatildeo dos diferentes atores e
culturas que estiveram na base da formaccedilatildeo social do Brasil (SANCHEZ 2017)
Mesmo que exista uma vasta literatura acadecircmica no campo do pensamento social bra-
sileiro que ateste a influecircncia da cultura africana e a sua inestimaacutevel contribuiccedilatildeo para a for-
maccedilatildeo da sociedade brasileira ainda eacute fato que no cotidiano essa heranccedila ainda eacute rechaccedilada e
rejeitada com variaccedilotildees obviamente em cada configuraccedilatildeo territorial Eacute precisamente nesse
sentido que a obrigatoriedade de trabalhar com essa cultura adquire pleno sentido exigindo
que as instituiccedilotildees brasileiras de ensino baacutesico sejam compelidas a incluir no seu curriacuteculo o
ensino de Histoacuteria e da Cultura afro-brasileira e Africana como um tema transversal (ALVES
2007)
Esse contexto traz aspectos pertinentes com relaccedilatildeo agrave dignidade da pessoa humana
Poreacutem quando avaliada do acircngulo das suas condiccedilotildees de implementaccedilatildeo passamos a perce-
ber que ela ainda constitui um desafio concreto para a atuaccedilatildeo docente
As questotildees eacutetnico-raciais ao lado da Lei 1063903 suscitam na educaccedilatildeo
desafios e tensotildees na dimensatildeo cognitiva e subjetiva dos docentes e nos es-
paccedilos escolares Por outro lado a Lei natildeo eacute de faacutecil aplicaccedilatildeo pois trata de
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questotildees curriculares que satildeo conflitivas desconsideradas muitas vezes pois
questionam e desconstroem saberes histoacutericos considerados como verdades inabalaacuteveis (AacuteVILA 2010 p 69)
E isto por vaacuterios motivos Gentile apud Alves (2007) por exemplo revela que a des-
qualificaccedilatildeo da cultura africana eacute constantemente refletida em sala de aula pois a discrimina-
ccedilatildeo eacute tambeacutem percebida pelo fato que o segundo maior continente do mundo apresenta a
literatura africana apenas quando trata o tema ldquoescravidatildeordquo natildeo divulgando a riqueza literaacute-
ria e o conhecimento da capacidade intelectual do negro De maneira semelhante a importacircn-
cia do afrodescendente tambeacutem natildeo eacute explorada com toda a sua riqueza
Poreacutem como vimos anteriormente se as formas escolares hegemocircnicas se encontram
estruturalmente ligadas agrave reproduccedilatildeo dos padrotildees e formas culturais dominantes a reformula-
ccedilatildeo da produccedilatildeo do saber escolar com base na inclusatildeo dos elementos anteriormente tratados
como marginais natildeo deixa de suscitar resistecircncias mais ou menos conscientes em que pese os
inegaacuteveis avanccedilos institucionais E aqui talvez se encontre um dos principais dilemas do pro-
cesso em anaacutelise Enquanto por um lado constata-se uma seacuterie de avanccedilos ao niacutevel propria-
mente juriacutedico-poliacutetico o mesmo natildeo ocorre no padratildeo cotidiano de interaccedilotildees face a face
dentro do espaccedilo escolar Primeiramente porque a proacutepria configuraccedilatildeo do Estado brasileiro
parece ter sido orientada por criteacuterios racializados cuja inscriccedilatildeo nas instituiccedilotildees constitui um
dos principais entraves para a implementaccedilatildeo praacutetica da referida Lei (SANCHEZ 2017)
Nestes aspectos funda-se o desejo de uma consciecircncia histoacuterica e poliacutetica da aceitaccedilatildeo
da diversidade que nos leve agrave compreensatildeo e agrave aceitaccedilatildeo dos sujeitos integrantes e partiacutecipes
de nossa formaccedilatildeo social Como ressalta Borges (2010) grupos distintos eacutetnico-raciais que
satildeo dotados de cultura e histoacuterias diferentes devem ter o mesmo valor na conjuntura social
Neste sentido conveacutem apoiar as medidas que visem agrave preservaccedilatildeo dos seus princiacutepios identi-
taacuterios e que visem agrave garantia do respeito agrave proacutepria diversidade e ao conviacutevio muacutetuo Ou seja a
educaccedilatildeo escolar deve servir agrave tarefa puacuteblica de oportunizar aos diferentes atores sociais os
conhecimentos e as ferramentas para garantia de direitos oferecendo as condiccedilotildees para o efe-
tivo exerciacutecio da cidadania
Dada agrave importacircncia do saber escolar nesse cenaacuterio eacute fundamental que os professores
estejam aptos para dispor de estrateacutegias e propostas de aprendizado que levem o aluno a refle-
tir criticamente sobre seu contexto social que alicercem a responsabilidade com os princiacutepios
eacuteticos de respeito agrave diferenccedila e que agucem o senso criacutetico dos estudantes para quando neces-
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saacuterio discutirem contestarem em toacutepicos e questotildees que natildeo dizem somente respeito ao in-
diviacuteduo em particular como tambeacutem ao universo social mais amplamente considerado
Como enfatiza Alves (2007) as escolas devem cumprir de forma detalhada as poliacuteticas
educacionais instituiacutedas pelas leis em vigor principalmente as que reconhecem e dignificam a
diversidade eacutetnico-racial Assim constituem-se os paracircmetros institucionais e reforccedilam-se os
princiacutepios que moldam o respeito agrave diversidade cultural na educaccedilatildeo Sanchez (2017) por
outro lado faz uma anaacutelise histoacuterica das poliacuteticas e praacuteticas da educaccedilatildeo brasileira demons-
trando o quanto de avanccedilo ocorreu no sentido da criaccedilatildeo de formas de consciecircncia poliacutetica
cidadatilde muito embora assevere que com relaccedilatildeo aos menos favorecidos a sociedade com
todas as transformaccedilotildees que teve ainda natildeo foi capaz de superar a desigualdade racial
Eacute importante reconhecer que a Lei de ndeg 1063903 natildeo estabelece privileacutegios tam-
pouco prioridade mas tem como foco colocar de forma justa a histoacuteria do negro no Brasil
reconhecendo principalmente as injusticcedilas sofridas ao longo da histoacuteria e criminalizando os
atos de racismo Neste sentido as escolas devem se adequar a determinaccedilatildeo desta lei ampli-
ando seu curriacuteculo para proporcionar aos estudantes praacuteticas que contribuam para o reconhe-
cimento e o resgate histoacuterico cultural dos povos africanos no Brasil trazendo agrave tona os discur-
sos da diversidade raciais culturais sociais e econocircmicos existentes no nosso paiacutes (FERRAZ
2011)
Borges (2010) diz que a instauraccedilatildeo da Lei nordm 106392003 foi um momento impar na
histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira e de fundamental importacircncia para o ensino da diversidade
cultural nas escolas do nosso paiacutes jaacute que em seus aspectos mais amplos preza pela valoriza-
ccedilatildeo da diversidade cultural e histoacuterica do povo afrodescendente Jaacute estava mais do que na hora
do Estado brasileiro elaborar uma ferramenta para reparar os danos histoacutericos causados aos
negros no Brasil haacute mais de cinco seacuteculos como conclui
Para Ferraz (2011) o debate sobre a lei proporcionou um avanccedilo significativo nas rela-
ccedilotildees eacutetnico-socais no Brasil portanto abriu um leque de opccedilotildees de atuaccedilatildeo da afirmaccedilatildeo posi-
tiva das culturas no campo educacional o tema vem sendo proporcionalmente divulgado o
acesso agrave internet aos livros didaacuteticos a literatura figuras imagens e muitos exemplos do
povo negro que sem duacutevida tornou e torna as aulas mais reflexivas e ricas conceitualmente
Sabe-se que a Lei 106392003 eacute apenas mais uma arma na luta que se trava a deacutecadas que
vem sendo construiacutedas concomitantemente nas escolas brasileiras demonstrando a voz e a
forccedila dos grupos discriminados no cenaacuterio nacional
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32 Descrevendo a instituiccedilatildeo escolar histoacuterias atores e experiecircncias
O municiacutepio de Cururupu compotildee uma das 217 unidades administrativas do Estado do
Maranhatildeo estando localizado no litoral ocidental a 465 km da capital Satildeo Luiacutes O local onde
hoje se encontra a sede do municiacutepio era originariamente habitado pelos iacutendios tupinambaacutes
cujo cacique do grupo era conhecido como Cabelo de Velha nome hoje dado a uma baiacutea proacute-
xima a sede (IBGE 2010) Seu povoamento teve iniacutecio por volta de 1816 a partir das entradas
chefiadas por Bento Maciel Parente que subjugou os iacutendios tupinambaacutes ali aldeados matando
o cacique Cabelo de Velha Os iacutendios sobreviventes deste massacre abandonaram a terra de-
vida agrave impossibilidade de conviacutevio com o homem branco A partir daiacute portugueses vindos de
Guimaratildees comeccedilaram a povoar a regiatildeo dando iniacutecio ao ciclo das grandes fazendas onde se
fabricavam farinha de mandioca accediluacutecar e aguardente usando engenhos a vapor (IBGE 2010)
Quanto agrave origem do nome nenhuma das explicaccedilotildees disponiacuteveis eacute aceita unanime-
mente Uma das versotildees diz que o nome se originou da junccedilatildeo do som da arma (pu) que ma-
tou o cacique Cabelo de Velha que os iacutendios chamavam de Cururu Cururu+PU dando o no-
me a cidade de Cururupu Outra versatildeo estaacute relacionada com uma fazenda existente agrave margem
esquerda do rio que banha a atual sede do municiacutepio cujo nome era ldquoFazenda Cururupurdquo
existe ainda uma terceira versatildeo que o nome originou-se devido a grande quantidade de sapos
conhecidos por sapos cururus segundo essa versatildeo o nome originou-se da uniatildeo do nome dos
sapos e dos sons do seu coaxar (IBGE 2010)
Atraveacutes da Lei Provincial nordm 13 de maio de 1835 foi entatildeo criada a freguesia de Curu-
rupu conhecida pelo 3ordm Distrito de Cabelo de Velha subordinada administrativamente a
Guimaratildees (COSTA 2014 p 23) Em 1842 outra Lei Provincial a de ndeg 120 de 03 de outu-
bro eleva a freguesia agrave categoria de vila conhecida como Cururupu desmembrando-se entatildeo
de Guimaratildees e conquistando sua autonomia administrativa A Lei Estadual nordm 893 de 09
marccedilo de 1920 eleva a vila a categoria de cidade Em divisatildeo administrativa referente ao ano
de 1933 o municiacutepio aparece constituiacutedo do distrito sede (CRUZ 2012)
Atualmente a sede do municiacutepio apresenta caracteriacutesticas de cidade histoacuterica contendo
um patrimocircnio arquitetocircnico avaliado como do tipo colonial A zona rural eacute composta por
pescadores artesanais O municiacutepio de Cururupu concentra hoje uma populaccedilatildeo estimada em
32652 mil habitantes (IBGE 2010) com 685 residente na sede e 315 na zona rural e nas
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ilhas portanto 22270 na zona urbana e 10382 na zona rural sendo a maioria negra Os negros
que hoje povoam a cidade satildeo descendentes de povos que vieram do Daomeacute (Benin) para tra-
balharem na condiccedilatildeo de escravos nas antigas fazendas de mandioca accediluacutecar e aguardente
A cidade eacute banhada pelos rios Liconde e Cururupu tendo como principais atividades
econocircmicas a agricultura pesca e comeacutercio As religiotildees praticadas pelos cururupuenses satildeo
catolicismo protestantismo e religiotildees de matriz africana O municiacutepio conta atualmente com
26 (vinte e seis) bairros 51 (cinquenta e uma) escolas da rede municipal e 04 (quatro) da rede
estadual a saber Centro de Ensino Gervaacutesio Protaacutesio dos Santos situado agrave Rua Eurico Gaspar
Dutra nordm 141 Bairro Jacareacute Centro de Ensino Joana Batista Dias situado agrave Avenida Liberalino
Miranda nordm 134 Bairro Jacareacute Instituto Estadual de Educaccedilatildeo Ciecircncia e Tecnologia do Mara-
nhatildeo (IEMA) localizado agrave Rua Governador Antocircnio Dino MA-006 ndash Areia Branca e o Centro
de Ensino Joatildeo Marques Miranda localizado agrave Rua General Osoacuterio sn Bairro de Satildeo Benedi-
to onde concentramos a presente pesquisa Apresentamos abaixo a fachada desta escola
Imagem 3 Fachada do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda-Cururupu
Fonte Arquivo Pessoal
A Unidade Escolar Joatildeo Marques Miranda hoje Centro de Ensino Joatildeo Marques Mi-
randa funcionou por um periacuteodo em um preacutedio da prefeitura localizado no Bairro Areia
Branca depois passou a funcionar na Unidade Escolar Silvestre Fernandes desenvolvendo
suas atividades em dois turnos Teve como gestora geral Izaurina Fonseca Nesse intervalo
houve muitas mudanccedilas devido agrave escola natildeo possuir um preacutedio proacuteprio Em 08 de novembro
de 1984 o Conselho Estadual de Educaccedilatildeo do Maranhatildeo a eacutepoca do governo Joatildeo Castelo
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emitiu parecer da Cacircmara de Ensino de 1ordm Grau emitido com o processo nordm 95085 o CEE
reconheceu a escola como dependecircncia administrativa estadual
A partir de 1984 a escola passou a funcionar no atual endereccedilo localizado agrave Rua Ge-
neral Osoacuterio sn durante a administraccedilatildeo do prefeito Joseacute dos Santos Amado sendo que o
preacutedio era pertencente ao municiacutepio A pedido da diretora Floranilde Dias da Silva o preacutedio
foi cedido a Escola Joatildeo Marques Miranda em 1995
A escola na eacutepoca possuiacutea turmas de 1ordf a 4ordf seacuterie e Jardim de Infacircncia No iniacutecio dos
anos 2000 com a mudanccedila de responsabilidade do ensino fundamental para a rede municipal
a escola comeccedilou a trabalhar com o ensino de jovens e adultos com anexos nas praias de Ma-
racujatiua e Aquiles Lisboa Neste periacuteodo esteve na direccedilatildeo agrave professora Floranilde Dias da
Silva e Clara Maria Cunha e como coordenadora pedagoacutegica Deacuterika Sandriane da Silva Maia
licenciada em pedagogia pelo CEERSEMA especialista em Psicopedagogia pelo Instituto de
Ensino Superior Franciscano Paccedilo do Lumiar Atualmente a escola eacute dirigida pelas Professo-
ras Keyth Cristina Pestana Chaves e Gizelda de Faacutetima Reis Diniz ambas licenciadas em Le-
tras pela Universidade Estadual do Maranhatildeo (UEMA)
A escola recebeu este nome em homenagem a um dos primeiros intendentes de grande
prestiacutegio do municiacutepio de Cururupu e que foi tambeacutem um grande comerciante da regiatildeo na
exportaccedilatildeo de farinha e um dos primeiros donos do Siacutetio Satildeo Lourenccedilo Filho de Pedro Beleacutem
Miranda e Umberlina Marques Miranda Joatildeo Marques Miranda nasceu no dia 23 de outubro
de 1888 e faleceu em 1ordm de abril de 1954 na cidade de Cururupu
Imagem 4 - Joatildeo Marques Miranda
Fonte Arquivo Pessoal
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No turno noturno em que a pesquisa foi aplicada os horaacuterios de aula iniciam agraves
19h00min horas e terminam agraves 22h30min perfazendo 5 horasaulas Os alunos matriculados
assim estatildeo distribuiacutedos turma 10027 alunos turma 10130 alunos turma 102 28 alunos
turma 20132 alunos e turma 20237 alunos As etapas funcionam da seguinte forma as tur-
mas do 1ordm ano estudam 50 da primeira e 50 da segunda seacuterie e a outra etapa eacute a 3ordf seacuterie
completa O Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda possui 42 funcionaacuterios entre efetivos e
contratados assim distribuiacutedos 01 Gestora Geral 01 Gestora Adjunta 01 secretaacuteria 02 assis-
tentes de serviccedilos gerais 05 vigilantes 03 apoio pedagoacutegico (reduccedilatildeo de carga horaacuteria) 02
agentes administrativos dos 22 professores uma professora estaacute aguardando aposentadoria e
outra estaacute de licenccedila para tratamento de sauacutede dos 41 funcionaacuterios 37 satildeo efetivos e 04 satildeo
em regime de contrato
3 3 Mapeando as avaliaccedilotildees dos discentes e docentes sobre religiotildees afro-brasileiras
Para apreender as diferentes concepccedilotildees e perspectivas de alunos e professores a res-
peito das religiotildees afro-brasileiras aplicamos dois questionaacuterios que a despeito de sua ade-
quaccedilatildeo aos diferentes puacuteblicos pesquisados convergiam em relaccedilatildeo a algumas variaacuteveis Para
os discentes os eixos principais concentraram-se sobre a relaccedilatildeo que os estudantes estabele-
ciam com a escola as percepccedilotildees sobre o ser negro e a cultura a maneira como a escola lida-
va com a temaacutetica da histoacuteria e cultura afro-brasileira Com relaccedilatildeo aos professores aleacutem da
natureza dos viacutenculos com o estabelecimento indagamos sobre como percebem o acolhimen-
to por parte da escola da temaacutetica religiotildees africanas quais as estrateacutegias pedagoacutegicas aciona-
das por eles e elas e suas percepccedilotildees a respeito do fenocircmeno religiatildeo no ambiente escolar Em
anexo apresentamos os dois questionaacuterios utilizados na pesquisa Assim embora possuam
especificidades ndash e natildeo poderia ser diferente dado que se trata de universos com caracteriacutesti-
cas e posiccedilotildees institucionais distintas ndash as respostas produzidas pela aplicaccedilatildeo desse questio-
naacuterio ajudam muito a compreender e a diagnosticar a extensatildeo e complexidade do desafio em
pauta
Importa assinalar que meu primeiro contato com a escola ocorreu antes da pesquisa e
de maneira bastante formal quando trabalhei como Gestor-adjunto da instituiccedilatildeo A proposta
de pesquisa resultou inclusive dessa inserccedilatildeo profissional anterior Nesta convivecircncia perce-
bi a proximidade como alunos e professores transitavam no mesmo espaccedilo com pais e matildees
de santo que demarcavam aquele espaccedilo com suas festividades no entanto essa proximidade
natildeo era explorada nas atividades pedagoacutegicas Tudo ocorria como se essas relaccedilotildees que exis-
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tiam no cotidiano natildeo tivessem condiccedilotildees de assumir um formato pedagoacutegico reflexivamente
construiacutedo Mesmo entre agentes que transitavam entre esses diferentes espaccedilos
Quando a pesquisa teve efetiva inserccedilatildeo o primeiro passo dado foi agrave realizaccedilatildeo de
uma palestra com alunos e professores para a apresentaccedilatildeo do projeto e seus objetivos Ao
longo do encontro ao apresentar a proposta de discussatildeo perguntamos aos presentes basica-
mente profissionais da educaccedilatildeo e alunos a respeito do conhecimento deles sobre os terreiros
que existiam no entorno da escola obtendo respostas positivas em poucos casos Eacute difiacutecil de-
finir se essas respostas puacuteblicas implicavam em desconhecimento concreto ou se constituiacuteam
apenas uma maneira de natildeo explicitar relaccedilotildees mais proacuteximas como uma forma de gestatildeo da
identidade Por essa razatildeo optou-se tambeacutem pela aplicaccedilatildeo do questionaacuterio como uma medi-
da eficiente para contribuir com coleta das informaccedilotildees No que segue passa-se agrave exploraccedilatildeo
dos dados apresentados conforme as diferentes categorias implicadas nesta pesquisa
34 Entrando no mundo dos alunos
Inicialmente para conhecer a realidade da escola aplicamos o questionaacuterio para 90
(noventa) alunos O instrumento de pesquisa construiacutedo tinha como finalidade apreender o
entrelaccedilamento entre esses dois espaccedilos Escola e Terreiro como dito
Pode-se comeccedilar entatildeo pela composiccedilatildeo etaacuteria dos pesquisados Entre os 90 alunos
com informaccedilotildees disponiacuteveis 45 (quarenta e cinco por cento) encontravam-se na faixa etaacute-
ria de 18 a 24 anos 25 (vinte e cinco por cento) entre 26 e 30 anos 15 (quinze por cento)
representam discentes com idades entre 33 e 40 anos e 5 (cinco por cento) entre 45 e 49
anos Trata-se de uma composiccedilatildeo caracteriacutestica do niacutevel de ensino Da mesma forma quando
avaliamos as razotildees pelas quais os entrevistados datildeo continuidade aos estudos encontramos
motivaccedilotildees diversas tais como ldquoentrar no mercado de trabalhordquo especialmente no extrato
mais jovem por que haviam parado os estudos entre aqueles com faixa etaacuteria acima dos 30
anos onde tambeacutem se concentram aqueles que desejam apreender mais informaccedilotildees e que
enfrentam dificuldades para arranjar posiccedilotildees no mercado de trabalho Como esperado do
total pesquisado nada menos que 90 (noventa por cento) deles trabalhavam durante o dia
Quanto ao bairro onde residiam 30 (trinta por cento) dos alunos responderam que moravam
no Bairro de Satildeo Benedito e os demais 70 em bairros como Areia Branca Centro Faacutetima
Pitombeira Rodagem Vila Lieacutege e Vila Satildeo Francisco Ou seja a populaccedilatildeo estudantil vem
toda da mesma regiatildeo
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Por outro lado por meio da aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios com as turmas procurou cap-
tar a visatildeo dos alunos a respeito de sua identidade Quando perguntados sobre seu pertenci-
mento eacutetnico-racial 91 se autodeclararam negros o que converge com a proacutepria caracteriza-
ccedilatildeo soacutecia demograacutefica do municiacutepio conforme jaacute explicitado Os motivos apresentados eram
variados Afirmaram por exemplo que se consideravam negros porque a famiacutelia eacute toda de
negros e por isso natildeo poderiam ser de outra raccedila porque os pais vinham de negros escravos
por isso suas peles seriam negras ou simplesmente porque diziam que sua pele era negra O
restante ou seja 9 (nove por cento) dos alunos disseram ser brancos Um deles inclusive
afirmou que apesar de sua pele natildeo ser muito clara considerava-se branco jaacute que em seu do-
cumento estava escrito pardo
Graacutefico 01- Vocecirc se considera negro
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Questionados se tinham conhecimento de quais religiotildees eram praticadas em
Cururupu 42 (quarenta e dois por cento) responderam que sim 18 ( dezoito por cento)
disseram natildeo saber 21 (vinte um por cento) natildeo responderam e 19 (dezenove por cento)
apresentou o nome das denominaccedilotildees religiosas praticadas em Cururupu Eacute provaacutevel que essa
questatildeo natildeo tenha sido plenamente compreendida vez que pressupunha a ideia de apresentar
uma visatildeo geral sobre as religiotildees da localidade natildeo apreendendo efetivamente quais
religiotildees eles conheciam
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Graacutefico 02- Vocecirc tem conhecimento de quais religiotildees satildeo praticadas em Cururupu
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Essa distorccedilatildeo fica mais visiacutevel quando perguntamos aos alunos se eles jaacute tinham ou-
vido falar sobre as religiotildees afro-brasileiras Formulada dessa forma o questionaacuterio obteve as
seguintes respostas 28 (vinte e oito por cento) responderam que natildeo 53 (cinquenta e trecircs
por cento) dos alunos responderam que sim e 19 (dezenove por cento) optaram por natildeo res-
ponder agrave questatildeo Essas respostas nos fazem pensar em diversas questotildees A comeccedilar pelo
fato de que a despeito do conviacutevio com festividades realizadas nos terreiros proacuteximos agrave esco-
la ou mesmo em seus bairros de origem parece haver ainda certo estranhamento mais ou
menos consciente a depender do pertencimento religioso com relaccedilatildeo agraves religiotildees de matriz
africana no local E natildeo se trata apenas de uma percepccedilatildeo realizada no bojo da pesquisa O
receio de tocar no assunto ou de manifestar alguma forma de conhecimento tambeacutem jaacute foi
observado por uma das docentes da escola que leciona a disciplina de Histoacuteria o que ensejou
a organizaccedilatildeo de um projeto em 2016 cuja intenccedilatildeo era evidenciar como as religiotildees africanas
faziam parte do calendaacuterio do municiacutepio e a riqueza de suas liturgias A esse respeito a pro-
fessora esclarece como foi realizada essa experiecircncia e algumas das percepccedilotildees dos estudan-
tes que podem ajudar na explicaccedilatildeo dos resultados de nossa proacutepria pesquisa
O projeto foi de grande importacircncia para a escola houve uma participaccedilatildeo dos professores dos alunos eles apresentaram coisas interessantes vieram
na frente e falaram coisa que eles jaacute sabiam e coisas que eles pesquisaram
alguns alunos evangeacutelicos participaram e atribuiacuteram a falta de interesse so-bre religiatildeo de matriz de africana por que em sua maioria as atividades que
satildeo apresentadas eacute soacute de negros cantando e danccedilando e nunca falam da reli-
giatildeo (Geordilene Ramos 2018) 11
Destarte a despeito dessa accedilatildeo da professora de histoacuteria com as religiotildees de matriz
africana na escola ainda eacute preciso trabalhar aspectos da cosmovisatildeo sobre tais praacuteticas religio-
11 Professora de Histoacuteria do C E Joatildeo Marques Miranda em 12072018
67
sas e fazer relaccedilatildeo com suas origens africanas e afro-brasileiras de modo a demarcar tais fun-
damentos e ao mesmo tempo contribuir para seu reconhecimento
Graacutefico 03- Jaacute ouviu falar sobre religiatildeo afro-brasileira
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Com relaccedilatildeo agrave questatildeo de jaacute ter frequentado algum terreiro de religiatildeo de matriz afri-
cana na cidade 38 (trinta e oito por cento) dos alunos responderam que sim frequentam ou
jaacute frequentaram 53 (cinquenta e trecircs por cento) disseram que natildeo frequentam terreiros e 9
(nove por cento) natildeo responderam Falta encorajamento em assumir mesmo em um questio-
naacuterio o seu pertencimento religioso
Graacutefico 04- Frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana na cidade
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ressalta-se que muitos desses alunos que frequentam terreiros em sua maioria satildeo de
outros bairros Como alguns alunos comentavam na aplicaccedilatildeo do questionaacuterio havia tambeacutem
um pequeno grupo que falava dos respectivos pais de santos responsaacuteveis pelas casas que
foram frequentadas Nota-se neste sentido o afastamento total ou mesmo parcial desses alu-
nos em assumir sua participaccedilatildeo nestes eventos Soma-se a isso a existecircncia de percepccedilotildees
entre esses mesmos estudantes que resvalam na ideia de que as religiotildees afro-brasileiras natildeo
constituem formas legiacutetimas de exerciacutecio religioso como bem visiacutevel na seguinte passagem
68
Acho que natildeo eacute religiatildeo eles passam a noite danccedilando e bebendo e
penso que natildeo era para ser assim se fosse religiatildeo nas igrejas natildeo
vemos isto natildeo tem bebida eacute uma coisa muito seacuterio todo mundo sen-
tado quietinho ouvindo as coisas mas acredito que isto pode mudar
um dia vejo que eacute um entra e sai isto eacute o que eu acho (Ramos C A
aluno da 2ordf etapa do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda 2019)
12
Como visto existe uma percepccedilatildeo de que as religiotildees de matriz africanas natildeo devem
ser entendidas assim devido ao fato de os rituais serem envolvidos com danccedila e bebidas cha-
ma atenccedilatildeo o paracircmetro para tal avaliaccedilatildeo ldquonas igrejas natildeo vemos isto natildeo tem bebida eacute uma
coisa muito seacuteria todo mundo sentado e quietinho ouvindo as coisasrdquo
Questionados se conhecem algum terreiro de religiatildeo de matriz africana que esteja lo-
calizado proacuteximo ao Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda 7 (sete por cento) dos alunos
natildeo responderam enquanto 28 (vinte e oito por cento) responderam que natildeo conhecem ter-
reiros proacuteximos da escola e 65 (sessenta e cinco por cento) afirmam que sim que conhecem
as casas de culto proacuteximas
Graacutefico 05- Vocecirc conhece algum terreiro de religiatildeo de ma-
triz africana que fica localizada proacuteximo ao Centro de Ensi-
no Joatildeo Marques Miranda
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Tendecircncia semelhante foi encontrada na taxa de respostas para a questatildeo do conheci-
mento a respeito de algum pai ou matildee de santo que reside proacuteximo agrave escola Em resposta a
esta questatildeo 48 (quarenta e oito por cento) responderam que sim 44 (quarenta e quatro
por cento) natildeo responderam e 8 (oito por cento) responderam que natildeo conhecem Eacute mister
destacar que nos questionaacuterios recolhidos alguns alunos chegaram ateacute a mencionar os nomes
de alguns pais de santo Ou seja mais da metade do puacuteblico escolar considerado tem conhe-
12 Aluno da 2ordf etapa do C E Joatildeo Marques Miranda
69
cimento circula e provavelmente ateacute frequente um desses terreiros seja de maneira ocasional
quando da realizaccedilatildeo perioacutedica de festas seja de maneira regular poreacutem natildeo declarada
Graacutefico 06- Conhece algum pai ou matildee de santo que residem proacuteximo da escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Esse aspecto fica mais claro quando passamos agrave questatildeo da participaccedilatildeo em festas ou
festejos em terreiros de religiatildeo de matriz africana Conforme apreendido nos questionaacuterios
30 (trinta por cento) responderam que sim 28 (vinte e oito por cento) disseram nunca ter
participado desse tipo de festejo e notaacuteveis 42 (quarenta e dois por cento) natildeo responderam
Graacutefico 07 - Jaacute participou de algum festejo em terreiro de religiatildeo de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
No entanto tendo em vista o calendaacuterio festivo que ocorre no bairro ndash relativamente
pequeno ndash eacute de se supor que esses eventos acabam por marcar o compasso da proacutepria ambiecircn-
cia comunitaacuteria envolvendo parte da comunidade como em um dos relatos de estudantes que
recolhemos
Eu sempre vou a festejos no meu bairro que tem muito satildeo muito
animadas agraves festas e satildeo muitos dias todos tem lava-pratos que eacute
mais gostoso ainda na minha casa minha matildee eacute juiacuteza de uma festa
eu sempre que tem festejo quando saio da escola costumo encostar
70
nesses festejos [] eacute muito bom (C S B C13
E Joatildeo Marques Mi-
randa da 2ordf etapa do EJA em 17072018)
Infere-se que muitos desses alunos participam dos festejos dos festejos religiosos de
matriz africana na condiccedilatildeo de observadores ou mesmo para preencherem a falta de lazer
que existe no municiacutepio muito embora esses eventos aconteccedilam o ano todo haacute festejos afa-
mados que tomam a atenccedilatildeo da cidade e sobretudo dos alunos que estudam agrave noite por conta
do trajeto na volta para casa Em se tratando do C E Joatildeo Marques Miranda a proximidade eacute
mais recorrente neste sentido devido agrave existecircncia de trecircs afamados terreiros bem proacuteximos da
escola - terreiros esses cujo espaccedilo se confunde com o proacuteprio territoacuterio escolar como seraacute
visto mais adiante Para o momento basta dizer que haacute um terreiro em frente agrave escola situado
na Rua General Osoacuterio sobre o comando do Pai de Santo Daacuterio outro que fica na Rua Satildeo
Joseacute ao lado direito da escola e por fim um terceiro que fica localizado nos fundos do esta-
belecimento Nesse sentido o que nos intriga eacute justamente o fato de que embora existam ca-
sas tatildeo proacuteximas como elas se tornam tatildeo invisiacuteveis assim para alunos do proacuteprio bairro
Ocorre que quando questionados se achavam que as religiotildees de matriz africana e
afro-brasileiras sofriam discriminaccedilatildeo na escola 70 (setenta por cento) dos alunos respon-
deram que sim 8 (oito por cento) disseram que natildeo e 22 (vinte e dois por cento) natildeo res-
ponderam
Graacutefico 08 - Vocecirc acha que as religiotildees de matriz africana sofrem discriminaccedilatildeo na escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ou seja ao passo em que as declaraccedilotildees de pertencimento conhecimento ou de tracircnsi-
to parecem englobar formas de gestatildeo da proacutepria identidade entre os estudantes a ideia de que
essas religiotildees sofrem discriminaccedilatildeo o que remete ao sentimento de injusticcedila mostra-se bem
mais claro e expressivo A interpretaccedilatildeo que se pode desenvolver eacute de que estamos em um
13 Aluna da 2ordf etapa do EJA do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda (sede)
71
quadro no qual se compreende os efeitos da discriminaccedilatildeo mas em que as accedilotildees natildeo ganham
concretude e em que o silecircncio prepondera como se pode apreender no relato desta aluna
Acho que sofre muita discriminaccedilatildeo a escola natildeo leva muito a seacuterio
acha que porque nos terreiros eles danccedilam aquilo natildeo eacute seacuterio ai natildeo
leva com seriedade os pajeacutes na escola mesmo quando falam de pajeacute
as pessoas ficam meio caladas natildeo falam muita coisa quando o pro-
fessor pede opiniatildeo agrave maioria fica calada (A S Pinto CE Joatildeo
Marques Miranda 2ordf etapa EJA julho de 2018)14
Isto nos leva a questionar como deveria ser trabalhada a questatildeo dentro da sala de aula
com os alunos Por essa razatildeo foi questionado sobre como deveriam ser trabalhados os conte-
uacutedos sobre religiatildeo na escola 39 (trinta e nove por cento) respondeu que deveria ser traba-
lhado em forma de debates 5 (cinco por cento) em forma de projetos 44 (quarenta e qua-
tro por cento) natildeo responderam e 5 (cinco por cento) que era pra deixar como estaacute Eacute valido
destacar que no momento da devoluccedilatildeo do questionaacuterio alguns alunos disseram que a escola
deveria trabalhar mais esses assuntos pois como alegava uma delas - ldquoquase todo mundo usa
macumba mas ningueacutem gosta de falar por isso de acontecer certas coisasrdquo A fala da aluna
nos faz crer que alguns alunos tem interesse em debater sobre tais questotildees no entanto como
satildeo minoria acabam se restringindo por conta do proacuteprio sistema que natildeo apoia essa clientela
Por outro lado os alunos que demostram esse interesse satildeo em sua maioria praticantes de re-
ligiatildeo afro-brasileira que ainda natildeo assumem publicamente sua religiosidade no espaccedilo esco-
lar o que tudo indica a meu ver ser a tentativa de externar sua crenccedila
Graacutefico 09- Como vocecirc acha que deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ao analisar os questionaacuterios aplicados aos estudantes constatamos que possuem certo
conhecimento das religiotildees de matriz africana poreacutem estes se devem muito mais agraves experiecircn-
cias cotidianas e externas ao acircmbito da escola do que propriamente ao tratamento do tema
14 Aluna da 2ordf etapa do C E J Miranda
72
neste espaccedilo Outro aspecto importante a ser enunciado diz respeito ao fato de que em diver-
sas entrevistas realizadas com alunos foi possiacutevel reconhecer praticantes de religiotildees afro-
brasileiras que natildeo revelam seu pertencimento religioso por receio de comentaacuterios dos colegas
ou de sofrerem alguma forma de constrangimento Por outro lado essa realidade natildeo deixou
de ser notada pelos proacuteprios profissionais da educaccedilatildeo atuantes nesse espaccedilo ensejando desde
iniciativas mais esporaacutedicas como os projetos desenvolvidos em disciplinas especiacuteficas seja
um reforccedilo das atividades da Semana de Consciecircncia Negra em novembro ocasiatildeo em que
foram exibidos diversos filmes sobre religiatildeo e elaboradas atividades concernentes ao tema
Como relataram os professores essas iniciativas tiveram maior ecircnfase a partir do ano de 2016
ainda haacute muito por ser feito e a escola necessita da colaboraccedilatildeo de especialistas no tema
35 As religiotildees afro-brasileiras entre os docentes
Nas ocasiotildees em que realizava visitas perioacutedicas agrave escola foram identificadas infor-
maccedilotildees importantes a respeito de como os professores estatildeo abordando o tema das religiotildees
afro-brasileiras no espaccedilo escolar e como relacionam os coacutedigos legais agraves estrateacutegias pedagoacute-
gicas empregadas no dia a dia Importa ressaltar que os docentes foram muito soliacutecitos com
relaccedilatildeo agrave coleta de dados o que permitiu que a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios e a realizaccedilatildeo de
entrevistas transcorressem sem maiores percalccedilos e em clima de grande receptividade e entro-
samento Em boa medida os resultados a que chegamos denotam as potencialidades de uma
pesquisa realizada dentro de um meio conhecido mesmo que carregue consigo como contra-
partida o duro desafio do distanciamento
Seja como for a atividade foi aplicada entre os dias 26 de novembro e 08 de dezem-
bro precisamente no final do semestre quando a escola contava com baixa presenccedila de alu-
nos e os professores estavam mais agrave vontade e sem duacutevida com mais tempo Foi aplicado o
mesmo instrumento de pesquisa para 18 docentes distribuiacutedos entre efetivos e contratados
Nesse processo alguns professores relataram a importacircncia de tratar do assunto na escola
pois sabem que muitos alunos satildeo praticantes e precisam se sentir apoiados Apesar de o tema
natildeo vir sendo tratado assim tatildeo abertamente como foi possiacutevel constatar atraveacutes das respostas
dos estudantes os relatos dos docentes demarcam que regularmente acontecimentos e expe-
riecircncias relativas aos terreiros frequentados pelos primeiros irrompem em sala de aula nos
corredores e nas conversas informais De maneira convergente a diretora adjunta afirmou
total apoio agrave pesquisa pelo fato de a comunidade ser discriminada por conta da marginalidade
73
que acomete o bairro e que todo projeto que vier para fortalecer a comunicaccedilatildeo seraacute bem-
vindo
Resulta que quando passamos aos professores constatamos que suas trajetoacuterias tam-
beacutem satildeo marcadas por travessias Nesse segmento eacute importante destacar que entre os profes-
sores que participaram da pesquisa encontramos a professora Diquinha - como eacute carinhosa-
mente conhecida ndash e que aleacutem de ser a docente mais antiga da escola assume sua identidade
religiosa como umbandista apesar de que natildeo consiga mais danccedilar e de que suas obrigaccedilotildees
(carga) tenham sido transferidas para seu filho que tambeacutem eacute pai de santo e jaacute foi aluno da
escola Ante o exposto passamos na sequecircncia agrave exploraccedilatildeo do questionaacuterio dirigido aos pro-
fessores
O questionaacuterio trouxe como proposta conhecer como os professores definiam religiatildeo
e quando questionados acerca do assunto 72 (setenta e dois por cento) responderam que a
consideram como uma manifestaccedilatildeoexecuccedilatildeo da feacute enquanto que para 28 (vinte e oito por
cento) a religiatildeo remete a uma crenccedila cujos fundamentos encontram-se nos costumes e heran-
ccedilas familiares
Graacutefico 10- Como define religiatildeo
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Na sequecircncia procuramos saber se os docentes conheciam alguma religiatildeo de matriz
africana 61 (sessenta um por cento) responderam que conhecem algum tipo de religiatildeo
africana 39 (trinta e nove por cento) natildeo responderam Neste uacuteltimo caso alguns relataram
ter certo temor com relaccedilatildeo a esses temas preferindo natildeo se envolver diretamente
74
Graacutefico 11-Conhece alguma religiatildeo de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Quando perguntados acerca da participaccedilatildeo em cultos africanos 33 (trinta e trecircs por
cento) responderam que jaacute frequentaram ao passo que 67 (sessenta e sete por cento) natildeo
responderam Aqui encontramos novamente uma tendecircncia semelhante agrave identificada entre os
estudantes Como nos relatou uma das professoras em conversa particular em Cururupu a
maioria das pessoas vai agrave casa de pajeacute muitos natildeo admitem porque em alguns casos a pessoa
as vezes vai atraacutes de um conselho e orientaccedilatildeo espiritual e as pessoas jaacute pensam que eacute para
fazer feiticcedilo Encontramos aqui por conseguinte indiacutecios de proximidade que satildeo dissimula-
dos por questotildees referentes agrave gestatildeo das imagens puacuteblicas
Graacutefico 12- Jaacute participou de alguma atividade em cultos de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Por outro lado quando questionados se existe discriminaccedilatildeo aos cultos de matriz
africana 22 (vinte e dois por cento) disseram que natildeo e 78 responderam que sim que
existe discriminaccedilatildeo as religiotildees
75
Graacutefico 13- Considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cul-
tos de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
De maneira semelhante foi agrave manifestaccedilatildeo do professor de Histoacuteria do Centro de Ensi-
no Joatildeo Marques Miranda Robert do E Santo Freitas
Sim pois no Brasil Colonial foram rotuladas tais religiotildees pelo sim-
ples fato de serem de origem africana A accedilatildeo de movimentos pente-
costais os quais se valiam de mitos para demonizar e incitar a perse-
guiccedilatildeo a umbandistas e candomblecistas (Robert do E Santo Freitas
novembro de 2018)
Com relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito no espaccedilo escolar para
17 (dezessete por cento) dos que responderam ao questionaacuterio os cultos satildeo discriminados
enquanto para 83 (oitenta e trecircs e por cento) dos docentes as religiotildees de matriz africana
sofrem tratamento diferencial nas escolas Interessa notar aqui todavia que quando levados a
comentar sobre as manifestaccedilotildees concretas de discriminaccedilatildeo entre os alunos a postura docen-
te conduz a relativa atenuaccedilatildeo das mesmas visto que satildeo consideradas como meros comentaacute-
rios ldquoeles falam por falarrdquo ldquoeles dizem isso mas natildeo eacute pra levar a seacuteriordquo E aqui talvez se
encontre o componente mais preocupante visto que tal postura que se apresenta como orien-
tada pela tentativa de proteccedilatildeo aos estudantes no final das contas conduz a certa complacecircn-
ciaaquiescecircncia com o fenocircmeno da discriminaccedilatildeo resvalando em sua naturalizaccedilatildeo
Graacutefico 14- Nas escolas considera que os cultos africanos so-
frem discriminaccedilatildeo
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
76
Perguntados se a escola desenvolve atividades que falam das religiotildees praticadas
em Cururupu e como satildeo feitas essas abordagens 22 (vinte e dois por cento) responderam
que as abordagens satildeo feitas atraveacutes de projetos e 78 (setenta e oito por cento) disseram que
ainda natildeo participaram das discussotildees
Graacutefico 15- A escola desenvolve atividades que falam das denominaccedilotildees reli-
giosas praticadas em Cururupu Como satildeo feitas essas abordagens
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ainda a esse respeito a professora Josiane Ferreira afirma que
Que esses temas satildeo abordados atraveacutes de projetos pois acredita que eacute mais faacutecil men-cionar nas atividades que envolvem todos os alunos pois reuacutene um grupo maior de alu-
nos que participam das diferentes religiotildees os alunos se sentem mais seguros e as pesso-
as que em sala de aula criticam costumam natildeo fazer isso no meio de mais pessoas moti-vo pel0o qual acredito que traz mais resultado tanto para a escola quanto para os alu-
nos (Professora Josiane B Ferreira novembro de 2018)
Eacute provaacutevel que essa ausecircncia de discussotildees sobre as temaacuteticas fora de projetos ou
iniciativas parcelares se explique em funccedilatildeo tambeacutem do baixo conhecimento manifestado
pelos professores a respeito da Histoacuteria e Cultura Afro-brasileira e das proacuteprias exigecircncias
derivadas da Lei 106392003 Aliaacutes quando perguntados se tinham conhecimento sobre essa
diretriz legal nada menos que 89 (oitenta e nove por cento) informou sequer ter ouvido
falar da lei mas que ldquotinham interesse em conhecerrdquo Quer dizer quando dentro do universo
docente de um estabelecimento de ensino apenas 11 (onze por cento) da populaccedilatildeo pesqui-
sada conhece a Lei temos muitos motivos para acreditar que as chances de inclusatildeo dos te-
mas supramencionados encontram-se longe de ser realizada
77
Graacutefico 16- Tem conhecimento sobre a Lei 106392003 que trata do Ensino de Histoacuteria da Aacutefri-
ca e Cultura Afro-brasileira nas escolas
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Da mesma forma que natildeo conhecem a legislaccedilatildeo e a despeito dos incrementos de pro-
duccedilatildeo recente de materiais didaacuteticos - disponiacuteveis ateacute mesmo na internet vale dizer - 22
(vinte e dois por cento) afirmam ter pouco acesso e 78 (setenta e oito por cento) afirmaram
que natildeo tem acesso a qualquer material que fale de Aacutefrica
Graacutefico 17- Tem acesso a materiais sobre Aacutefrica e Cultura
Afro-brasileira nas escolas ou fora dela
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Sobre as datas alusivas agrave comunidade negra perguntamos aos professores como a escola
tem trabalhado esses temas obtendo os seguintes percentuais 28 (vinte e oito por cento)
disseram que datas como o dia da raccedila e da consciecircncia negra eacute trabalhado em forma de proje-
tos e 72 (setenta de dois por cento) disseram que trabalham em sala de aula temas que falam
da populaccedilatildeo negra mas que em geral esses assuntos satildeo mais voltados para os conteuacutedos dos
livros Natildeo haveria aqui portanto tratamento particular
78
Graacutefico 18- As datas alusivas agrave comunidade negra como a escola tecircm trabalhado os temas
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Quanto agrave administraccedilatildeo das discussotildees sobre religiatildeo de matriz africana nas ocasiotildees
em que esse tema surge em sala de aula 72 (setenta e dois por cento) responderam que tem
que respeitar e 28 (vinte e oito por cento) disseram que existe soacute um Deus
Graacutefico 19- Como tem administrado as discussotildees sobre religiatildeo
africana em sala de aula quando estas acontecem
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Tambeacutem foi questionado se escola e terreiros deveriam desenvolver atividades para
fortalecer laccedilos de proximidade 11 (onze por cento) disseram que natildeo deveriam realizar
atividades para fortalecer tais laccedilos enquanto 89 por cento responderam que as duas inst i-
tuiccedilotildees devem sim desenvolver maneiras de fortalecer a proximidade
Graacutefico 20- Vocecirc acha que a escola e os terreiros deveriam desenvolver atividades
que fortalecessem esses laccedilos de proximidade Por quecirc
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
79
A professora e religiosa de matriz africana Diquinha contribui dizendo
Que eacute um momento importante tanto escola quanto terreiro deve se aproximar
mais por conta da dificuldade que a escola tem para falar de religiatildeo africana e
nada melhor que os proacuteprios membros para explicar dividir suas experiecircncias na
tentativa de quebrar com o silecircncio e tirar a imagem negativa que a maioria dos
membros que frequentam a escola tem das religiotildees africanas acredito que isto eacute
possiacutevel desde que haja interesse de ambos mas para isso eacute necessaacuterio que seja
feito um trabalho se sensibilizaccedilatildeo antes na escola para receber essas pessoas
outro ponto importante nesse debate eacute aproximar os terreiros que ficam proacuteximo
sempre haacute eventos nestes terreiros e a escola nunca procurou fazer um trabalho
de pesquisa para que entendecircssemos essas origens garanto que na escola tem
alunos que frequentam essas festas e que podem contribuir muito para esse diaacutelo-
go (Professora Diquinha janeiro de 2019)
Ao serem questionados sobre o que achavam que deveria ser feito para que debates
sobre as religiotildees de matriz africana acontecessem na escola 11 (onze por cento) disseram
que deveriam trabalhar mais os conteuacutedos 22 (vinte e dois por cento) que deveria ser reali-
zado um trabalho de sensibilizaccedilatildeo na escola e 67 (sessenta e sete por cento) acharam que o
tema deveria ser tratado por meio de projetos O professor Robert Freitas diz que tambeacutem eacute
importante sensibilizar a famiacutelia para que juntamente com a escola possa trabalhar de manei-
ra complementar evitando defasagens muito grandes entre essas duas instacircncias
Graacutefico 21- O que vocecirc acha que deveria ser feito para
que debate acerca das religiotildees acontecesse na escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Quando questionados se conhecem pais e matildees de santo proacuteximo agrave escola 22 (vinte
e dois por cento) responderam que sim e 78 (setenta e oito por cento) disseram que natildeo tem
conhecimento disso
80
Graacutefico 22- Conhece pais e matildees de santo que residem proacuteximo da escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Aqui novamente encontramos uma tendecircncia semelhante ao padratildeo de respostas dos
estudantes demonstrando desconhecimento com relaccedilatildeo ao proacuteprio espaccedilo de inscriccedilatildeo do
estabelecimento escolar O que leva a crer que estamos em um quadro de forte descompasso
entre os saberes escolares as experiecircncias dos sujeitos que dele participam e a proacutepria histoacute-
ria memoacuteria e cultura do lugar
36 Experiecircncias e percepccedilotildees de docentes acerca da relaccedilatildeo entre escola e comunidade
Os resultados inquietantes dos questionaacuterios aplicados aos docentes - particularmente
com relaccedilatildeo ao grau de desconhecimento da lei e da carecircncia de materiais - deflagraram uma
seacuterie de lembranccedilas e questotildees Lembranccedilas em primeiro lugar do periacuteodo do conviacutevio con-
tinuo com a escola na condiccedilatildeo de diretor adjunto e das ausecircncias silecircncios e omissotildees que
perpassaram a minha proacutepria praacutetica profissional ao longo dessa passagem Inquieta sim
pensar que minhas respostas poderiam natildeo ter sido assim tatildeo diferentes daquelas que recolhi
dos entrevistados agora na condiccedilatildeo de pesquisador e com o olhar mais treinado e sensiacutevel a
essas questotildees Eacute talvez por essa mesma razatildeo por um certo sentimento de impotecircncia que
me impus como meta retornar ao estabelecimento escolar para saber se natildeo haviam experiecircn-
cias iniciativas e percepccedilotildees entre os docentes atuantes agora ou do passado que jaacute aponta-
vam para uma possibilidade de estreitamento concreto dos viacutenculos entre escola e terreiros
Os relatos colhidos e expostos a seguir reunidos em clima de entrevista aberta mas com foco
sobre as relaccedilotildees entre a escola e os terreiros locais como que reequilibram em certa medida
aquilo que a abordagem anterior natildeo permitiu captar muito embora o quadro como um todo
esteja longe de ser o ideal Na sequecircncia passo entatildeo agrave descriccedilatildeo de histoacuterias de professores e
suas percepccedilotildees como sujeitos atuantes e reflexivos nesse espaccedilo relacional expondo como
esse desafio tem atravessado a praacutetica e a experiecircncia de docentes ao longo de vaacuterias gera-
ccedilotildees
81
Professora aposentada da rede estadual e atualmente em atividade em uma escola par-
ticular do municiacutepio como apoio pedagoacutegico Floranilde Dias da Silva ou Flora como eacute co-
nhecida nasceu na ilha de Guajerutiua em 30 de julho de 1951 Professora normalista com
graduaccedilatildeo em pedagogia foi diretora do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda durante
treze anos (20022015) Quando comeccedilou atuar como diretora adjunta logo que veio da praia
para Cururupu a escola ainda funcionava com o jardim de infacircncia ainda na deacutecada de 1980
Ao perceber a necessidade do Bairro de Satildeo Benedito possuir uma escola de 5ordm ao 8ordm ano deu
iniacutecio ao processo para aquisiccedilatildeo das referidas seacuteries Apoacutes ter organizado as turmas do ensi-
no fundamental engajou-se para organizar turmas do Ensino Meacutedio obtendo ecircxito em pouco
espaccedilo de tempo Com esta nova proposta para o antigo Segundo Grau organizou anexos em
Guajerutiua Valha-me Deus Caccedilacueira Satildeo Lucas Maracujatiua e Areia Branca
Imagem 5- Professora Floranilde Dias da SilvaCururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
Quando rememora parte da histoacuteria da escola a professora Flora apresenta alguns fa-
tos curiosos que sempre aconteciam no estabelecimento notadamente os casos de possessotildees
frequentes de alunos por entidades Como relata nessas ocasiotildees sempre recorria aos Pais de
Santo Daacuterio Luiacutes Afonso Vicentinho e Faacutetima cujos terreiros situavam-se perto da escola a
fim de resolver o problema Nessas ocasiotildees informa sempre ter sido recebida com muita
atenccedilatildeo
Outro episoacutedio relatado entre as lembranccedilas da Profordf Flora foi quando proacuteximo aos
desfiles de independecircncia do Brasil ela se encontrava sozinha na escola e de repente ouviu
um som inexplicaacutevel que saia do armaacuterio Acreditou momentaneamente que se tratava de al-
gueacutem que tinha jogado uma pedra com bastante forccedila poreacutem ao dirigir-se para o moacutevel natildeo
encontrou o que supunha ter provocado o som Sua suspeita principal eacute de que esse e outros
82
acontecimentos relatados teriam sido obras dos encantados que habitam no local uma vez que
a escola foi construiacuteda precisamente em local que pertencia a eles anteriormente Isto eacute sua
visatildeo a respeito de acontecimentos inexplicaacuteveis na escola ou quanto a determinados desafios
a exemplo dos casos de possessatildeo resvala em uma percepccedilatildeo de que a escola mantem viacutencu-
los com o universo religioso afro
Ainda no periacuteodo da sua gestatildeo informa que por vaacuterias vezes a escola fez parceria
com o Grupo de Consciecircncia Negra de Cururupu (GCNC) nas datas referentes agrave populaccedilatildeo
negra quando ministravam palestras sobre os temas referentes agrave cultura afro-brasileira O
objetivo prioritaacuterio das conversas era sensibilizar os alunos com relaccedilatildeo agrave importacircncia da co-
munidade negra no municiacutepio e a valorizaccedilatildeo do pertencimento eacutetnico A professora Floranil-
de Silva acredita que ldquoquando se trata do envolvimento de escola e religiatildeo o que deve preva-
lecer eacute o respeito em primeiro em lugar uma vez que temos soacute um Deusrdquo (FLORANILDE
DIAS DA SILVA 2019)
Questionada sobre os terreiros que circundam a escola afirma que tinha consciecircncia
dessa proximidade contudo teve pouca relaccedilatildeo com essas casas de cultos Ocorre que sempre
que acontecia alguma coisa de espiacuterito com os alunos sempre recorria a um pai de santo proacute-
ximo e ele sempre vinha ajudar Quanto agrave escola
Acredito que a escola precisa aprimorar os conhecimentos sobre as
religiotildees como um todo principalmente sobre a religiatildeo negra para
que haja mais dedicaccedilatildeo ao trabalhar com as religiotildees africanas
muitos alunos e professores satildeo praticantes no entanto tem uma certa
vergonha em assumir que praticam esse tipo de culto principalmente
na escola onde a criacutetica ainda eacute maior com essas pessoas e tudo isto
por que a sociedade natildeo aceita essas coisas (Professora Floranilde
Dias da Silva entrevista coletada em 29 de janeiro de 2019)
Deacuterika Sandriane da Silva Maia trinta e nove anos pedagoga especialista em psi-
copedagogia supervisatildeo e planejamento educacional tambeacutem aceitou falar conosco a respeito
de sua experiecircncia na escola Natural de Guajerutiua povoado da regiatildeo foi coordenadora
pedagoacutegica dos anexos do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda nas ilhas e professora na
sede Orgulha-se de ter prestado assessoria pedagoacutegica quando desenvolveu vaacuterias atividades
para ampliar o leque de praacuteticas pedagoacutegicas da escola
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Imagem 6- Professora Deacuterika Sandriane da Silva Maia Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
Indagada sobre religiatildeo a professora assume a identidade catoacutelica pois considera que
esta ldquoeacute a religiatildeo a ser seguidardquo mas afirma ser importante natildeo ldquodesmerecer as outras reli-
giotildeesrdquo Disse-nos ainda que algumas religiotildees protestantes ela admira outras natildeo Quando
questionada sobre as religiotildees africanas existentes em Cururupu afirma ser leiga no assunto
no entanto respeita o espaccedilo de cada uma e que agraves vezes ateacute visita esses cultos nas ocasiotildees
festivas Sobre o periacuteodo em que desempenhou atribuiccedilotildees como orientadora pedagoacutegica
afirma ter sempre buscado diaacutelogo com a comunidade escolar visando estreitamento dos la-
ccedilos poreacutem ressalta que foram poucos os projetos efetivamente executados
Ao falar do tema a professora afirma que haacute uma inseguranccedila na escolha do indiviacuteduo
quanto ao tipo de identidade religiosa que ele pode assumir no espaccedilo escolar Os conflitos
contiacutenuos e cotidianos criam obstaacuteculos para que o sujeito assuma sua feacute o que faz com que
muitos estudantes e ateacute mesmo professores passeiem por vaacuterias religiotildees natildeo se definindo em
nenhuma A professora Deacuterika Maia diz conhecer a Lei 106392003 contudo argumenta que
A maacute elaboraccedilatildeo do curriacuteculo nas propostas que tratam dos assuntos
atinentes a populaccedilatildeo negra mesmo com a obrigatoriedade os profes-
sores estatildeo muitos despreparados para lidar com o tema Quando Se-
cretaria de Educaccedilatildeo do municiacutepio de Cururupu levei o tema sobre a
Lei 1063903 para as escolas mas senti uma falta de interesse des-
conhecimento da Lei por alguns professores alguns ateacute jaacute tinham ou-
vido falar mas natildeo sabiam explicar como ia funcionar dentro da gra-
de curricular vejo que isto se daacute pela falta de formaccedilatildeo dos professo-
res que natildeo tiveram formaccedilotildees especificas sobre o tema por isso da
dificuldade em adotar a Lei mesmo diante da obrigatoriedade (Pro-
fessora Deacuterika Sandriane da Silva Maia entrevista coletada em 29 de
dezembro de 2018)
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Outro fator que a professora destaca eacute que a sociedade natildeo estaacute preparada para lidar
efetivamente com questotildees religiosas e principalmente a respeito das religiotildees negras Acre-
dita ainda que muitos que ali se encontram natildeo sabem por que razotildees pertencem ou partici-
pam da mesma pois haacute carecircncia de esclarecimento para que de fato pudessem defender sua
escolha Reafirma que haacute uma rejeiccedilatildeo da sociedade com as religiotildees de matriz africana
O professor Eacutelcio Cadete da Silva nasceu dia 20 de agosto de 1984 eacute formado em His-
toacuteria pela Universidade Estadual do Maranhatildeo e professor da rede estadual de ensino Atual-
mente trabalha com comunidades quilombolas O professor nos relatou que cursou o ensino
fundamental na escola Joatildeo Marques Miranda e foi nessa eacutepoca que teve seu primeiro contato
com as entidades Lembra que houve vaacuterios casos de possessotildees na escola Como a escola
tinha (tem) dificuldade de lidar com estas questotildees comeccedilou a pesquisar as religiotildees de matriz
africana com foco no Bairro de Satildeo Benedito
Imagem 7- Eacutelcio Cadete Silva professor de Histoacuteria e Umbandista CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
Eacutelcio que se assume umbandista diz manter um diaacutelogo com os pais de santo do seu
entorno com o objetivo de manter uma relaccedilatildeo de proximidade com esses terreiros como for-
ma de discutir as relaccedilotildees de pertencimento Perguntado sobre religiatildeo ele relata que
A religiatildeo natildeo pode ser vista como cultura e sim como religiatildeo com
respeito de todos O terccedilo da missa eacute a guia do terreiro a banda de
muacutesica eacute os tambores a religiatildeo tem muita gente confundindo a reli-
giatildeo o capitalismo tem dificultado a fundamentaccedilatildeo nos cultos as
pessoas entram nos cultos e natildeo querem mais de aprofundar (EacuteLCIO
CADETE fevereiro 2019)
O professor enfatiza ainda o afastamento das verdadeiras tradiccedilotildees nos cultos afros
dado que em sua perspectiva muitas participam das celebraccedilotildees por motivos deturpados pois
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vecirc-se ldquoos salotildees cheio de danccedilantes no entanto muitos ali estatildeo unicamente para se firmar
sem buscar a origemrdquo
Quanto agrave relaccedilatildeo dos terreiros com a escola ele afirma que
Os terreiros se mostram abertos para o debate no entanto a escola
natildeo sabe lidar com essas questotildees por exemplo quando fiz o primaacute-
rio no Joatildeo Marques tive possessotildees e a escola natildeo soube lidar com a
situaccedilatildeo houve uma eacutepoca que a escola estava com constantes movi-
mentos de entidades foi chamado um padre e um pastor para resolve-
rem o problema esses falaram ao puacuteblico sobre o problema foi cha-
mado o pai de santo Luiacutes soacute que este fazia as coisas soacute no escondido
quando na verdade deveria explicar o que estava acontecendo vemos
que esse contato da escola com os terreiros soacute acontece assim as es-
curas o que confirma o despreparo da escola Quando o pai de santo
usava um banho na escola tinha que dizer que era aacutegua benta esse
sincretismo de objeto natildeo deveria acontecer a escola deveria nesse
momento fazer uso da experiecircncia e aproximar esse debate (EacuteLCIO
CADETE fevereiro 2019)
Sobre a sua visatildeo a respeito de como a instituiccedilatildeo vecirc as casas de cultos proacuteximas da
escola e da relaccedilatildeo que esta deveria ter com as mesmas considera que deveria haver maior
aproximaccedilatildeo entre ambas sobretudo por que a experiecircncia que este encontro proporcionaria
na aprendizagem tanto de adeptos quanto da proacutepria escola seria de grande valia para o com-
bate contra o preconceito Nessa mesma perspectiva Eacutelcio mostrou-se bem enfaacutetico
A escola precisa ensinar a religiatildeo africana como religiatildeo e natildeo co-
mo manifestaccedilatildeo natildeo adianta a escola trabalhar as datas sobre a po-
pulaccedilatildeo negra e natildeo fazer um trabalho que enraiacuteze essas informa-
ccedilotildees a escola tem sim pessoas que frequentam os terreiros e isto tem
que ser levado em consideraccedilatildeo o que temos observado nas escolas eacute
que o descuido com essas questotildees tem aumentado agrave evasatildeo escolar
tudo por conta da escola natildeo daacute atenccedilatildeo a essa situaccedilatildeo os terreiros
tem sim interesse em trocar essas experiecircncias mas a sociedade por
natildeo estaacute preparada acaba influenciando no espaccedilo escolar enquanto
natildeo enraizar essas questotildees o preconceito continuaraacute a fazer pessoas
natildeo seguirem suas crenccedilas a seguir no que acreditam eu sou um-
bandista assumido e faccedilo o que estaacute ao meu alcance para contribuir
com o divulgaccedilatildeo da religiatildeo (EacuteLCIO CADETE fevereiro 2019)
Raimunda Nonata Setubal Chaves mais conhecida como Diquinha nascida em 1960
eacute pedagoga e foi professora durante 25 anos do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda Atu-
almente natildeo estaacute em sala de aula Umbandista assumida uma das frases principais que utiliza
como se fosse uma espeacutecie de bordatildeo eacute a seguinte ldquoDeus deixou o mundo completo de tudordquo
A professora nos relatou que sua relaccedilatildeo com a umbanda eacute uma relaccedilatildeo de muito respeito e
identidade Uma das professoras mais antigas da escola e tendo em vista seu pertencimento
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religioso indaguei sobre como era agrave relaccedilatildeo da escola com a histoacuteria e cultura afro-brasileira
em sua eacutepoca antes e agora Ela nos descreveu haacute discriminaccedilatildeo e sempre haveraacute todavia
garante que muita coisa jaacute mudou sem explorar o elo entre as razotildees dessa permanecircncia e
sobretudo das mudanccedilas Como exemplo fez questatildeo de lembrar que agrave eacutepoca da professora
Floranilde organizou uma danccedila junina com seus alunos que no final de contas era um ritual
de pajeacute Danccedila muito requisitada naquele periacuteodo acredita que isso se dava pela curiosidade
que a populaccedilatildeo tinha a eacutepoca mas defende que esse foi um passo importante para abrir fissu-
ras no debate
Imagem 8- Professora Raimunda Nonata Setubal ChavesUmbandista Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
Sobre escola e religiatildeo africana a professora diz algo que parece ser agrave visatildeo da maioria
dos pais de santo quando relata que
Os terreiros estatildeo sempre abertos para receber quem quer que seja
preto branco pobre ricos a nossa religiatildeo eacute de partilha a escola
precisa abrir espaccedilo para que os debates ocorram temos muitos alu-
nos que sofrem de entidades mas natildeo sabem lidar quando isto acon-
tece na escola penso que esta realidade mudaraacute quando professores
de Sociologia Filosofia e Histoacuteria comeccedilarem a falar sobre estas
questotildees eacute preciso explicar que o mesmo Deus das outras religiotildees eacute
o mesmo dos terreiros eacute preciso respeitar o espaccedilo do outro a reli-
giatildeo do outro eu sempre que tenho uma oportunidade converso com
os alunos sobre o assunto as pessoas natildeo precisam se esconder Deus
deixou tudo certo no mundo Eu sou umbandista e me assumo em
qualquer lugar natildeo tenho como fugir ela me acompanha (RAI-
MUINDA NONATA S CHAVES fevereiro de 2019)
A uacuteltima de nossas entrevistadas eacute Maria Clara Cunha professora aposentada que
exerceu o magisteacuterio por 35 anos A nossa conversa com a pedagoga ocorreu de maneira bas-
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tante descontraiacuteda e em clima de grande receptividade a exemplo dos demais entrevistados
Quando perguntada sobre seu envolvimento com a religiatildeo afro ela fez questatildeo de frisar que
natildeo teve ldquopai de santo como dizem nos cultos pois nasci feitardquo E acrescenta que ainda hoje
continua trabalhando de mesa branca mas que tambeacutem tem linha de caboclo15
Durante muito
tempo danccedilou com o pai de santo Vicentinho localizado no bairro do Armazeacutem o qual teria
sido em suas proacuteprias palavras um excelente meacutedium Sobre a escola fala que houve uma
eacutepoca que na escola estava acontecendo muitos casos de alunos incorporando espiacuteritos para
resolver a situaccedilatildeo chamaram os sacerdotes Daacuterio e Vicentinho para realizarem trabalhos de
seguranccedila16
na escola o que veio a amenizar mais a situaccedilatildeo
Perguntada a respeito de como ela lidou com o seu proacuteprio pertencimento religioso
dentro do espaccedilo escolar relatou que sempre se assumiu na escola que desde cedo danccedilava e
que natildeo tinha vergonha de ser umbandista Embora soubesse que muitos natildeo gostavam e ateacute
houvesse situaccedilotildees em que colegas e alunos manifestavam desaprovaccedilatildeo (o que nos foi rela-
tado com certo bom humor) considera que ldquoisto eacute um dom que Deus daacute para as pessoas e que
elas precisam cumprir com esta obrigaccedilatildeordquo A imagem que nos cede para utilizaccedilatildeo neste
trabalho apresentada na paacutegina seguinte expressaria assim parte dessa autoconsciecircncia
Imagem 9- Clara Maria Cunha Professora MeacutediumUmbandista Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal 2019
15 Na religiatildeo afro-brasileira muitas satildeos as formas como as entidades se manifestam dentre estas haacute a linha de
mesa branca Satildeo pais matildees de santos e iniciados que desenvolvem trabalhos espirituais neste caso especiacutefico
natildeo haacute a utilizaccedilatildeo de tambores os cantos satildeo executados as entidades que se manifestam nos toques tambeacutem
arreiam na sessatildeo de mesa branca e realizam seus trabalhos de cura neste sentido existem pais de santo que
trabalham nas duas linhas de encantaria 16 O trabalho de seguranccedila realizado por pais e matildees se santo eacute uma atividade que se desenvolve uma chamada
espiritual eacute feito um trabalho para que as entidades que se manifestam naquele local incorporando nas pessoas se
afastem ou ateacute mesmo a pessoa que incorpora fica protegida pela orientaccedilatildeo dos pais de santos atraveacutes de suas
linhas de encantados
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Procuramos saber da professora a respeito de como a escola enxergava os terreiros
que ficavam nas proximidades do estabelecimento e como ela concebia o papel da escola nes-
se contexto Sua resposta como que retoma o mesmo eixo argumentativo dos demais
A escola sabe abertamente que os casos de alunos que recebem enti-
dades existem que quando foi diretora adjunta sempre procurava
aproximar o debate entre os alunos mas as vezes as situaccedilotildees que al-
gumas pessoas natildeo compreendem acredito que a escola precisa fazer
um trabalho mais direcionado para as religiotildees comeccedilamos uma vez
a chamar dois pais de santo para explicar sobre o que acontecia na
escola mas soacute que isto foi a muito tempo precisamos entender uma
coisa ldquo noacutes somos galinha se Deus se ele chama um filho seu para
exercer uma funccedilatildeo ele tem que exercer ateacute mesmo na hora da morte
se Deus escolhe um filho tem que ir Deus daacute Deus tira assim mesmo
eacute com a religiatildeo (Clara Maria Cunha 2019)
A escola tem sua funccedilatildeo enquanto escola para ajudar esses alunos
agora agraves coisas soacute natildeo estatildeo melhores por que os umbandistas natildeo se
unem para fazer as coisas acontecerem talvez se tivesse mais uniatildeo a
situaccedilatildeo seria outra mas o importante eacute que estamos tentando fazer
alguma coisa por exemplo eu faccedilo minha parte explico como satildeo as
coisas e espero que entendam afinal cada um tem que seguir seu des-
tino o destino que Deus lhe deu (Clara Maria Cunha 2019)
Em siacutentese parece fato inconteste entre os docentes a importacircncia que deve ser dada
ao estreitamento de relaccedilotildees e de compreensotildees entre escolas e terreiros Outro aspecto que
fica evidenciado nos relatos eacute que na praacutetica a resistecircncia parece vir predominantemente da
cultura escolar visto que os terreiros e suas lideranccedilas sempre deram mostras praacuteticas de inte-
raccedilatildeo e abertura de vias de diaacutelogo A questatildeo se torna ainda mais intrigante quando se perce-
be que essas relaccedilotildees natildeo satildeo estreitadas mesmo que os proacuteprios docentes tambeacutem pertenccedilam
a religiotildees afro-brasileiras Quer dizer geralmente quando pensamos na questatildeo da inclusatildeo
dos temas relativos agrave histoacuteria e cultura afro-brasileira no espaccedilo escolar levantamos a questatildeo
do pertencimento religioso dos estudantes mas poucos satildeo os trabalhos que problematizam
como os professores lidam com sua proacutepria identidade religiosa nessas condiccedilotildees Embora
natildeo seja esta a questatildeo principal da presente pesquisa trata-se de um problema que requereria
anaacutelise mais cuidadosa uma vez que abre um insuspeitado espaccedilo para pensar as resistecircncias
oriundas da forma escolar hegemocircnica para inclusatildeo dessa temaacutetica
Tendo explorado como a comunidade escolar e seus agentes percebem as relaccedilotildees en-
tre escola e terreiro passaremos no capiacutetulo seguinte agrave exploraccedilatildeo da proacutepria dinacircmica comu-
89
nitaacuteria de onde retiramos algumas importantes liccedilotildees para aplicaccedilatildeo das oficinas pedagoacutegicas
que compuseram o produto final desta dissertaccedilatildeo
90
CAPIacuteTULO 4 ndash DA COMUNIDADE PARA A ESCOLA histoacuterias percepccedilotildees e experi-
ecircncias de um diaacutelogo possiacutevel
Meu Satildeo Benedito sua manga cheira
A cravos e rosas e flor de laranjeira
Meu Satildeo Benedito jaacute foi cozinheiro
E hoje eacute santo de Deus verdadeiro
Meu Satildeo Benedito estrela do norte
Guiai-me meu santo na vida e na
Morte
(Domiacutenio popular)
Talvez um dos fatos mais curiosos no decorrer da pesquisa foi agrave constataccedilatildeo de muitos
relatos de que alunos eram incorporados por encantados nos horaacuterios de aula Como vimos
nas entrevistas esses acontecimentos satildeo interpretados pelos docentes em funccedilatildeo do local
onde a escola foi construiacuteda Vaacuterios deles chegaram mesmo a explicar que como natildeo pediram
permissatildeo para construccedilatildeo da escola aos donos do local os ldquoencantadosrdquo as possessotildees ocor-
riam Outro fato importante relatado pelos docentes foi que sempre que ocorriam fatos dessa
natureza eles chamavam um pai de santo de um terreiro proacuteximo agrave escola para que assim o
problema pudesse ser resolvido Inclusive em uma dessas visitas para auxiliar alunos incor-
porados um pai de santo teria advertido quanto agrave necessidade de realizar um trabalho de des-
pacho para que este tipo de situaccedilatildeo parasse de acontecer Como seraacute visto no decorrer deste
mesmo capiacutetulo esses relatos tambeacutem satildeo muito comuns entre pais e matildees de santo que vi-
vem proacuteximos agrave escola
Para o momento eacute oportuno destacar o fato baacutesico que esteve no ponto de partida des-
te trabalho qual seja desde que tive a oportunidade de atuar profissionalmente na referida
escola sempre achei impressionante a quantidade de terreiros proacuteximos ao estabelecimento de
ensino sem que essa situaccedilatildeo produzisse efeitos sobre as iniciativas pedagoacutegicas em curso
voltadas para o diaacutelogo e integraccedilatildeo com a comunidade neste plano Obviamente devo incluir
nesse quadro as proacuteprias dificuldades que tive Essa dissertaccedilatildeo resulta justamente desse in-
cocircmodo e do sentimento de impotecircncia decorrente disso como tive a oportunidade de enfati-
zar paacuteginas atraacutes
91
Ocorre que observado com o olhar treinado pela passagem no mestrado em His-
toacuteria Ensino e Narrativas pude notar que essa disjunccedilatildeo entre escola e comunidade eacute bem
maior A impressatildeo que se tem eacute de que a escola constitui uma espeacutecie de forte contra as in-
cursotildees aberturas e janelas criadas pelo cotidiano mesmo da comunidade como se pode notar
ao observar a importacircncias das diversas festas populares que ocorrem no bairro Visto desta
perspectiva jaacute natildeo se trata aqui tatildeo somente das religiosidades afro-brasileiras como tambeacutem
da proacutepria dificuldade de incorporar ao espaccedilo escolar as temaacuteticas culturais e histoacutericas mais
amplas conectadas aos saberes e fazeres da cultura africana e afro-brasileira o que esteve no
princiacutepio do formato final de nossa proposta pedagoacutegica Em siacutentese a reflexatildeo sobre esse
quadro levou-me a tentar compreender como a instituiccedilatildeo escolar encontra-se em pleno des-
compasso com a integraccedilatildeo ao mundo cultural e histoacuterico das proacuteprias camadas populares e
suas diferentes representaccedilotildees
Enquanto no capiacutetulo anterior exploramos de maneira diagnoacutestica como a cultura es-
colar selecionada lida e percebe as relaccedilotildees entre escola e o legado da histoacuteria e cultura afro-
brasileiras neste trabalho pretendemos explorar parte da histoacuteria do bairro e dos terreiros
com foco sobre as casas localizadas proacuteximo agrave escola Para tanto apoacutes tecermos algumas con-
sideraccedilotildees a respeito das pesquisas realizadas nesse campo de estudos (baseando-nos princi-
palmente nos trabalhos regionais disponiacuteveis a respeito) passamos a uma breve incursatildeo so-
bre a dinacircmica do bairro e de suas festas populares as histoacuterias e memoacuterias dos terreiros e
lideranccedilas religiosas principais e suas visotildees sobre as relaccedilotildees entre terreiros e escolas Em
particular neste uacuteltimo eixo objetivamos saber dos Pais de Santo que aceitaram dar entrevis-
tas como eles observam o papel da escola naquela configuraccedilatildeo Por fim voltamo-nos para a
descriccedilatildeo das oficinas que realizamos na escola
Conveacutem esclarecer que se optamos por posicionar as oficinas neste capiacutetulo que
em tese seria mais voltado para o contexto externo da escola - o bairro seus terreiros e pesso-
as eacute porque concluiacutemos haver um potencial educativo notoacuterio no movimento que vai dos ter-
reiros para a escola Como visto ao longo das oficinas realizadas a sensaccedilatildeo que fica eacute de que
somente atraveacutes da realizaccedilatildeo de atividades planejadas didaticamente a partir do proacuteprio local
eacute que a instituiccedilatildeo escolar e seus profissionais poderatildeo avanccedilar no alcance de metas que jaacute
estatildeo claras muito embora encontrem diversas resistecircncias para sua efetivaccedilatildeo As oficinas
constituiacuteram pois uma ocasiatildeo para promoccedilatildeo do encontro desses dois mundos tatildeo proacuteximos
geograficamente contudo ao mesmo tempo tatildeo distantes em termos de reconhecimento
92
41 Perspectivas de investigaccedilatildeo sobre a histoacuteria e cultura afro-brasileiras no Maranhatildeo
Durante a uacuteltima deacutecada muita coisa mudou tambeacutem no acircmbito das religiotildees no Bra-
sil O censo de 2000 nos diz que o paiacutes estaacute hoje menos catoacutelico mais evangeacutelico e menos
afro-brasileiro Velhas tendecircncias foram confirmadas novas direccedilotildees vatildeo se impondo Religi-
otildees receacutem-criadas se enfrentam com as mais antigas velhas religiotildees assumem novas formas
e veiculam renovados conteuacutedos para enfrentar a concorrecircncia mais acirrada no mercado reli-
gioso (PRANDI 2003 p 16) Neste cenaacuterio de tracircnsito e novas denominaccedilotildees religiosas
ressaltamos a importacircncia de revisitar algumas concepccedilotildees sobre religiatildeo afro-brasileiras
Trata-se de um exerciacutecio importante natildeo apenas para municiar o trabalho com os aportes das
pesquisas realizadas sobre o tema como tambeacutem para fundamentar as intervenccedilotildees pedagoacutegi-
cas no cenaacuterio escolhido
Oriundas de formaccedilotildees sincreacuteticas no processo de escravizaccedilatildeo as religiotildees afro-
brasileiras mais antigas foram formadas no seacuteculo XIX (PRANDI 2000) Ao longo de todo
empreendimento colonizador o catolicismo era a religiatildeo do Estado participando ativamente
do processo de afirmaccedilatildeo do ethos europeu Nessa conjuntura as tradiccedilotildees religiosas africa-
nas eram vistas como formas religiosas demoniacuteacas devendo consequentemente ser extirpa-
das Para manter suas formas doutrinaacuterias originaacuterias os africanos trazidos para o novo mun-
do tiveram que adotar entatildeo estrateacutegias de sobrevivecircncia e adaptaccedilatildeo O sincretismo que se
pode identificar em diferentes festas religiosas populares e particularmente na maneira como
se combinam no universo afro-catoacutelico as relaccedilotildees entre santos e orixaacutes no Brasil e nas Ameacute-
ricas resultam concretamente dessas estrateacutegias (FERRETTI 1998) Obviamente aleacutem das
estrateacutegias de resistecircncia o que entra em pauta aqui tambeacutem eacute a recriaccedilatildeo de uma Aacutefrica sim-
boacutelica cuja forccedila e penetraccedilatildeo estende para muito aleacutem do acircmbito propriamente religioso
(PRANDI 2000)
Seja como for o fato eacute que as formas religiosas de origem africana firmaram espaccedilo
em solo brasileiro seja atraveacutes do candombleacute17
(PRANDI 2000) na Bahia do tambor de mi-
na18
do Maranhatildeo (FERRETI 1996) do xangocirc 19
de Pernambuco e do batuque20
do Rio Gran-
17 Candombleacute eacute uma religiatildeo afro-brasileira derivada de cultos tradicionais africanos na qual haacute crenccedila em um
Ser Supremo e culto dirigido a forccedilas da natureza personificadas nas formas ancestrais divinizados orixaacutes vo-
duns ou inquices dependendo da naccedilatildeo o estado da Bahia concentra um grande nuacutemero de terreiros de candom-
bleacute as casas satildeo dirigidas por babalorixaacutes e yalorixaacutes estes dirigentes possuem os conhecimentos do culto e sua
indicaccedilatildeo eacute feita pelos orixaacutes atraveacutes do jogo de buacutezios (PRANDI 2000 p 61) 18 Eacute a denominaccedilatildeo mais difundida das religiotildees afro-brasileiras no Estado do Maranhatildeo A pala-
vra tambor deriva da importacircncia do instrumento nos rituais de culto Mina deriva de negro-mina de Satildeo Jorge
93
de do Sul (PRANDI 2000 p 62) da Umbanda21
(FELINTO 2012) no Rio de Janeiro entre
outros Trata-se no entanto de uma histoacuteria de resistecircncia que ainda se prolonga no tempo
dado que os cultos ainda sofrem perseguiccedilotildees por todo paiacutes e natildeo satildeo poucos os exemplos
contemporacircneos concretos de intoleracircncia religiosa no Brasil Em grande medida isto se deve
agrave proacutepria maneira como essas religiotildees foram concebidas pelo discurso religioso dominante
Mesmo diante das praacuteticas de intoleracircncia Os cultos afro-brasileiros sobrevivem como
uma rede de resistecircncia e apoio agrave populaccedilatildeo afrodescendente Vale explicitar as denominaccedilotildees
mais populares no Brasil O candombleacute que se instalou no estado da Bahia se desenvolve em
forma de casas templos onde a maioria dos adeptos moram e desenvolvem cerimonias agraves enti-
dades Os deuses cultuados nesta praacutetica religiosa satildeo os Orixaacutes forccedilas da natureza que invo-
cados incorporam nos seus filhos e executam danccedilas sagradas Paramentados com suas vestes
rituais nos cultos eles executam tambeacutem processos de cura e conversas com os participantes
(FELINTO 2012) Os orixaacutes mais populares no Brasil satildeo Exuacute Ogum Iansatilde Oxum Oxoacutes-
si Ossaim Obalouaecirc Oxumereacute Iemanjaacute Xangocirc Nanatilde e Oxalaacute todos esses deuses possuem
caracteriacutesticas especificas cores ferramentas e liturgias que acompanham a danccedila ritual co-
mo teremos a oportunidade de destacar no produto desta dissertaccedilatildeo
O Tambor de Mina popularmente difundido no Maranhatildeo natildeo se diferencia em muito
do candombleacute Os cultos acontecem em invocaccedilatildeo aos Voduns e Caboclos que visitam os
terreiros incorporando nos iniciados O ritual inicia-se em liacutengua de acordo com a naccedilatildeo ao
qual pertencem Os Voduns assim como os orixaacutes satildeo forccedilas que simbolizam elementos da
natureza No Maranhatildeo haacute trecircs importantes casas que foram fundadas por mulheres africanas
da Mina denominaccedilatildeo dada aos escravos procedentes da ldquocosta situada a leste do Castelo de Satildeo Jorge da Minardquo no atual Repuacuteblica do Gana trazidos da regiatildeo das hoje Repuacuteblicas do Togo Benin e da Nigeacuteria que eram co-
nhecidos principalmente como negros mina-jejes e mina-nagocircs (FERRETI 1996 35) 19 Xangocirc de Pernambuco tambeacutem conhecido como Xangocirc do Recife eacute uma religiatildeo afro-brasileira O nome eacute dado em virtude da popularidade e importacircncia de Xangocirc nessa regiatildeo (PRANDI 2000 p 60) 20 Batuque eacute uma denominaccedilatildeo as religiotildees afro-brasileiras de culto aos orixaacutes encontrados principalmente no
estado do Rio Grande do Sul Brasil de onde se estendeu para os paiacuteses vizinhos tais como Uruguai e Argentina
O batuque eacute fruto de religiotildees dos povos da Costa da Guineacute do Benim e da Nigeacuteria com as na-
ccedilotildees Jecircje Ijexaacute Oyoacute Cabinda e Nagocirc Hoje o Batuque possui centenas de casas e inuacutemeros praticantes e adep-
tos (PRANDI 2000 p 62) 21A Umbanda eacute uma religiatildeo brasileira que sintetiza vaacuterios elementos das religiotildees africanas e cristatildes poreacutem sem
ser definida por eles Formada no iniacutecio do seacuteculo XX no sudeste do Brasil a partir da siacutentese com movimentos
religiosos como o Candombleacute o Catolicismo e o Espiritismo Eacute considerada uma religiatildeo brasileira por exce-
lecircncia com um sincretismo que combina o Catolicismo a tradiccedilatildeo dos orixaacutes africanos e os espiacuteritos de origem
indiacutegena (FELINTO 2012 p15)
94
e possuem grande longevidade a Casa das Minas22
(FERRETI 1996) que pertence ao tronco
Jecircje Nagocirc a Casa de Nagocirc23
(FERRETI 2009) que pratica ritos da cultura nagocirc e a Casa de
Fanti-ashanti24
com predominacircncia da Cultura Ashanti (FERRETTI 2000)
Igualmente como nas tradiccedilotildees religiosas em Aacutefrica estas casas trabalham na ideia de
hierarquia tendo na pessoa do pai e da matildee de santo os responsaacuteveis por conduzirem os cultos
Na Casa das Minas os Voduns satildeo representados sobre a noccedilatildeo de famiacutelias sob o comando de
seus chefes Os mais conhecidos satildeo Toacutei Zomadocircnu o dono da Casa das Minas famiacutelia de
Quevioccedilocirc famiacutelia de Toacutei Acoacutessi Sapataacute Odan Toacutei Dadarrocirc Toacutei Doccediluacute-Bogueccedilagajaacute Toacutei Be-
digaacute Nochegrave Sepazin e Toacutei Averequecircte (FERRETI 1996) A Casa de Nagocirc dedica-se aos cul-
tos dos orixaacutes nagocircs como Afrekete Ogum Iemanjaacute Logunedeacute Yewaacute aleacutem de contar tam-
beacutem com entidades caboclas chamadas de Gentis a exemplo de Dom Luiacutes Rei de Franccedila
Dom Joatildeo Dom Floriano Seu Zezinho de Amaramadatilde Rei da Turquia Seu Leacutegua Bogi Jo-
atildeo da Mata (FERRETI 2009) A Casa de Fanti- Ashanti eacute uma conhecida casa de culto no
Maranhatildeo que realiza toques de mina e baiatildeo (FERRETI 1991)
Outro forte aspecto da religiatildeo afro-brasileira eacute a Umbanda considerada como uma
crenccedila genuinamente brasileira A Umbanda tem seus fundamentos firmados com elementos
do candombleacute catolicismo e espiritismo combinando uma variedade de entidades que se ma-
nifestam nos terreiros em casos de iniciados (FELINTO 2012 p15) Os ritos satildeo diversifica-
dos na maneira como se desenvolvem Os cultos se apresentam com entidades das mais dife-
rentes naccedilotildees como iacutendios orixaacutes fidalgos e caboclos entre outros o que a torna uma mani-
festaccedilatildeo diversificada
22 Tambor de mina eacute uma religiatildeo de matriz africana organizada no Maranhatildeo na primeira metade do seacuteculo
XIX) FERRETI M 2009 p 2) A Casa das Minas ou Querebentatilde de Zomadocircnu localizada na Rua Satildeo Panta-
leatildeo atual Rua Senador Costa Rodrigues bairro da Madre de Deus em Satildeo Luiacutes eacute a mais antiga casa de religiatildeo
afro-brasileira do Maranhatildeo Foi provavelmente fundada em meados do seacuteculo XIX por negros jecircje oriundos do
sul de Benin (antigo Daomeacute) A memoacuteria oral transmitida entre as geraccedilotildees conta que a Casa das Minas foi fundada por Maria Jesuiacutena ndash que adorava Zomadocircnu e que teria passado pelo ritual para se tornar matildee ainda na
Aacutefrica (FERRETI 1996 p 39) 23A Casa de Nagocirc eacute uma casa de Tambor de Mina localizada no centro histoacuterico de Satildeo Luiacutes no estado
do Maranhatildeo Dedica-se ao culto dos orixaacutes nagocircs foi fundada agrave eacutepoca do Brasil Impeacuterio
por malungos africanos Dedica-se ao culto dos orixaacutes nagocircs possuindo hierarquia matriarcal uma de suas mais
importantes voduacutensis foi a Matildee Dudu por quem era conhecida Victorina Tobias Santos (1886-1988) filha de
Iemanjaacute e que muito contribuiu para o seu tombamento (FERRETI M 2009 p3) 24A Casa Fanti-Ashanti foi fundada em 1954 Os Fanti e os Ashanti eram povos da antiga Costa do Ouro atual
Repuacuteblica de Gana Eacute uma Casa de Mina e Candombleacute que manteacutem a tradiccedilatildeo desde sua fundaccedilatildeo Haacute tambeacutem
rituais ligados agrave pajelanccedila ao catolicismo popular (Espiacuterito Santo) (FERRETI M 2000 p5)
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Em suma como bem destacado por Carlos Benedito Rodrigues da Silva (2015) essa eacute
uma histoacuteria de sincretismo que emerge a partir da proacutepria diaacutespora que perpassa as relaccedilotildees
assimeacutetricas entre colonizadores e colonizados mas que tambeacutem denota o movimento dinacirc-
mico de transgressatildeo adaptaccedilatildeo irreverecircncia que eacute protagonizado pelos negros e afrodescen-
dentes e que constroem novas relaccedilotildees com a religiosidade O que ldquoresulta portanto em no-
vos elementos interpretativos que datildeo conta da anaacutelise de um cenaacuterio social altamente plura-
lizado de reconstruccedilatildeo das tradiccedilotildees de redefiniccedilotildees de identidades de ressignificaccedilotildees da
vida cotidianardquo (SILVA 2015 p 161)
Deslocando um pouco o eixo de argumentaccedilatildeo anterior valeria agrave pena tecer algumas
consideraccedilotildees a respeito das pesquisas realizadas sobre religiatildeo e cultura popular no Mara-
nhatildeo Para tanto recorro principalmente ao trabalho de Ferretti (2015) um dos principais res-
ponsaacuteveis pelo incentivo ao estudo sobre as religiotildees de origem africana na regiatildeo Conforme
o autor diferentemente de outras regiotildees como a baiana no Maranhatildeo eacute basicamente a partir
da deacutecada de 1980 com os trabalhos do proacuteprio autor e da pesquisadora Mundicarmo Ferreti
que a temaacutetica comeccedila a ganhar destaque dentro da universidade Paulatinamente umas seacuteries
de alunos da graduaccedilatildeo e do mestrado comeccedilaram a redigir trabalhos sobre religiotildees de ori-
gem africana nos quadros do Grupo de Pesquisa Religiatildeo e Cultura Popular iniciado em 1992
no Departamento de Sociologia e Antropologia e em diversos programas de Poacutes-Graduaccedilatildeo
da Universidade Federal do Maranhatildeo Da mesma forma ganha destaque os trabalhos publi-
cados no Boletim da Comissatildeo Maranhense de Folclore (CMF) conformando aportes funda-
mentais para o estudo da temaacutetica em nosso meio (FERRETTI 2015) Deve-se dar destaque
tambeacutem agraves pesquisas que vecircm sendo realizado por Silva (2015) acerca das festas populares e
que tem tambeacutem enfatizado o quanto haacute um entrelaccedilamento de diferentes religiosidades e cul-
turas na populaccedilatildeo maranhense
42 Descrevendo o bairro Satildeo Benedito festas populares e tracircnsitos religiosos
O Bairro Satildeo Benedito faz divisa ao leste com os bairros de Cearaacute e Centro (Tra-
vessa Comandante Joseacute Santos) ao norte com os bairros Centro e Brasiacutelia (Rua Getuacutelio Var-
gas) ao oeste com o bairro Rodagem (Rua Joaquim Reis) ao sul faz divisa com o Rio Satildeo
Lourenccedilo (FUNASA 2019) Atualmente possui um conjunto arquitetocircnico de 1016 (mil e
dezesseis) preacutedios distribuiacutedos entre residecircncias preacutedios comerciais igrejas e terreiros de
cultos afros Apresentamos abaixo um mapa para permitir a visualizaccedilatildeo do periacutemetro do
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bairro Atenccedilatildeo deve ser dada agrave posiccedilatildeo geograacutefica do Centro de Ensino Joatildeo Marques Mi-
randa posicionado no centro do bairro
Imagem 10- Mapa do Bairro de Satildeo Benedito
Fonte Google Maps 2019
Do ponto de vista da distribuiccedilatildeo dos estabelecimentos religiosos o bairro estaacute distri-
buiacutedo da seguinte maneira na Praccedila Siqueira Campos fica localizada a igreja de Satildeo Benedi-
to na Travessa Vilela de Abreu estaacute situado o Templo da Igreja Quadrangular e na Rua Joatildeo
Miranda o Templo da Assembleia de Deus e em todo bairro localizamos 18 (dezoito) terrei-
ros de religiatildeo de matriz africana e 09 (nove) quartos altares25
dos quais falaremos mais adi-
ante A populaccedilatildeo que reside no bairro gira em torno de 2439 (dois quatrocentos e trinta e
nove) habitantes (FUNASA 2019) e da mesma forma que para o restante do municiacutepio o
puacuteblico eacute majoritariamente negro
A histoacuteria do bairro possui uma relaccedilatildeo muito proacutexima com o aparecimento da ima-
gem de Satildeo Benedito Populares contam que ela foi encontrada sobre uma pedra onde foi edi-
ficado o primeiro barracatildeo para realizaccedilatildeo dos primeiros cultos local onde hoje estaacute construiacute-
do o santuaacuterio ainda conforme esses relatos a referida imagem possuiacutea algumas caracteriacutesti-
cas como mudar de local jorrar sangue ao ser perfurada tendo inclusive sido levada agrave Santa
25 Denominaccedilatildeo empregada para se referir a espaccedilos onde os pais matildees que ainda natildeo possuem barracatildeo exer-
cem suas atividades espirituais dentre estas trabalhos de consultas e curas e obrigaccedilotildees onde guardam seus
relicaacuterios para os filhos de santos eacute o espaccedilo onde iniciam sua aprendizagem ateacute assumirem postos de pais e
matildees de santo ( AHLET 2016 p 277) Haacute religiosos que preferem os quartos altares em vez de barracotildees afir-
mando ser muita responsabilidade assumir um terreiro Encontramos muitos casos na pesquisa como o Senhor
Sebastiatildeo Conde que afirma preferir seu quarto de segredo em virtude de ter outras profissotildees e natildeo poder se
dedicar aos cultos (BASTINHO 2019)
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Seacute (RIBEIRO 2014) Esta compotildee inclusive parte das principais narrativas alimentadas em
torno do conhecido festejo ao Glorioso Satildeo Benedito
De maneira geral conforme o historiador Paulo Henrique Ribeiro (2014) o surgimen-
to dos primeiros cultos em homenagem ao santo remonta a meados do seacuteculo XIX Para tanto
destacou-se o papel da Irmandade negra de Satildeo Benedito a qual apesar de natildeo ser regula-
mentada seguia os mesmos padrotildees de irmandades registradas A notoriedade e longevidade
histoacuterica do festejo remonta portanto a esse contexto (COSTA 2014)
Quanto agrave construccedilatildeo das edificaccedilotildees Ribeiro (2014) afirma que a primeira igreja em
devoccedilatildeo ao santo foi construiacuteda em 1871 tendo sido reformada e ampliada em 1926 O tem-
plo que seguia os padrotildees com apenas uma torre sineira teve sua fachada alterada para o atual
modelo somente em 1986 permanecendo hoje com trecircs torres tendo sido chamado desde
entatildeo de Santuaacuterio de Satildeo Benedito (COSTA 2014)
O Bairro de Satildeo Benedito tem no festejo ao padroeiro um exemplo muito concreto dos
fortes tracircnsitos entre o sagrado e o profano na localidade O festejo acontece na primeira se-
mana de outubro em forma de novenaacuterio catoacutelico possuindo um seacuteculo e meio de festivida-
de Aleacutem das missas o festejo tambeacutem conta com uma seacuterie de outras atividades organizadas
por grupos de leigos Destaca-se nesse sentido as atividades de muacutesicas de orquestra agrave noite
e o tradicional leilatildeo que acontece ao teacutermino das missas Neste os objetos leiloados satildeo ori-
undos de promessas feitas por devotos que comprovam o recebimento de graccedilas alcanccediladas
por intermeacutedio do santo Aleacutem das festividades durante os dias de festejo haacute pagamentos de
promessas ofertas de presentes vigiacutelia Pungadas e rimas na roda de tambor tambeacutem satildeo or-
ganizadas recorrentemente
Agravequeles que jaacute estatildeo acostumados com o sincretismo dessas festas religiosas talvez
natildeo se torne assim tatildeo claro o quanto esses eventos mesclam siacutembolos culturais e identitaacuterios
distintos criando um acontecimento social bastante dinacircmico Esse ambiente de trocas e tracircn-
sitos religiosos torna comum ao longo do ciclo dos eventos na localidade agrave introduccedilatildeo do
tambor de crioula de ladainhas toque aos voduns homenagens a caboclos e procissotildees Essas
praacuteticas evidenciam a dinacircmica religiosa que eacute constitutiva do bairro de Satildeo Benedito com
seus templos catoacutelicos templos-terreiro e templos de matriz africana que de uma forma ou de
outra aglutinam a populaccedilatildeo que transitam nos campos da religiosidade popular cururupuense
Inferimos portanto que esses devotos em sua maioria antes mesmo de participarem
de atividades que aos olhos de muitos desconstruiria a imagem idealizada do bom devoto
participam religiosamente dos cultos de matriz catoacutelica demonstrando como o festejo cami-
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nha com essa dinacircmica Os tambores que soam em homenagem ao santo traduzem ao mesmo
tempo uma troca nesses espaccedilos de religiosidades mas tambeacutem a permanecircncia de uma cultura
ancestral que vieram com os negros escravizados para esta terra isto evidencia que a ldquoassoci-
accedilatildeo entre sagrado e profano dentro da cultura negra permitiu que esses transladados e seus
descendentes cultivassem natildeo soacute uma cultura musical mas tambeacutem uma permanecircncia religio-
sa de sua terrardquo (CUTRIM 2016 p264)
Haacute exatos oitenta anos o cotidiano do bairro eacute animado por um coro de vozes sobretu-
do nos dias de festejo sendo a melodia mais executada O hino em louvor a Satildeo Benedito
guarda um fato curioso acerca de sua composiccedilatildeo Tendo sua primeira versatildeo composta no
ano de 1938 (MARLINA MIRANDA 2019)26
pelos cururupuense Manoel Miranda e Libera-
lino Miranda muacutesicos renomados na memoacuteria no bairro foi somente deacutecadas depois quando
da vinda da missatildeo canadense para Cururupu que o hino adquiriu o seu formato final devido
agrave colaboraccedilatildeo do Padre Joatildeo Fillion o qual inseriu duas estrofes na composiccedilatildeo Expomos
abaixo o hino em sua versatildeo mais atual ndash aquela que eacute entoada nas atividades regulares do
festejo
Haacute humildade privileacutegios de almas puras que os anjos cultivam nesta Val
quero tecirc-la como tu bem a tiveste sendo meu fanal
(Refratildeo)
Vecirc teus filhos na tormenta desta vida Benedito laacute no seu trono de luz roga a Deus uma benccedilatildeo bem fecunda ao paiacutes da santa cruz
Deus altiacutessimo no ceacuteu te resplandece povo humilde nesta terra te bendiz
manifesta-se em cantos de louvor gente bem feliz Glorifico nesta hora e para sempre o teu nome excelso em cada geraccedilatildeo
manso e puro como tu Satildeo Benedito quero ser cristatildeo
Tu que vives laacute perto do nosso Deus ensinai-nos a praticar o amor para que tambeacutem conquistemos os ceacuteus com todo ardor
Fortifica-nos em nossa caminhada para um Reino de verdade e de paz con-
fiantes esperamos tua ajuda que tudo nos faz (Manoel Miranda Liberalino
Miranda Joatildeo Fillion Marlina Miranda)
Com efeito caberia tambeacutem destacar a importacircncia de outro festival que tem lugar no
Bairro de Satildeo Benedito Trata-se do Festival de Carro de boi que eacute realizado no mecircs de no-
vembro exatamente no Dia Nacional da Consciecircncia Negra A histoacuteria do festival tem iniacutecio
no ano de 2011 por iniciativa da Associaccedilatildeo de Moradores de Rio de Pedra e o Instituto Ne-
gro Cosme Maria de Nazareacute que eacute uma das organizadoras narra que o festival tem uma his-
toacuteria bastante interessante
26 Marlina Miranda eacute uma professora aposentada que reside no bairro de Satildeo Benedito filho do muacutesico cururu-
puense Manoel Miranda eacute pesquisadora de cultura popular compositora e foliatilde eacute a guardiatilde dos antigos blocos de
mulheres haacute 16 anos comanda o Bloco de Mulheres ldquoCOMO ANTIGAMENTErdquo no carnaval de Cururupu
(MARLINA MIRANDA 2019)
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De acordo com a informante quando da visita de um pesquisador que estudava as co-
munidades quilombolas e que achou muito bonito o som que era emitido pelas rodas dos car-
ros de boi quando estas estavam em movimento este propocircs agrave comunidade que realizassem
alguma atividade para evidenciar aquele som e aquele haacutebito cultural Segundo argumento
aleacutem do som os carros de boi eram sinal de uma resistecircncia que mereceria ser celebrada em
um festival
Imagem 11- Festival do Carro de Boi na Praccedila Satildeo Benedito CururupuMA
Fontelthttpcururupumagovbrnoticiax-encontro-de-carro-de-bois-cortejo-
acontece- neste-domingo282 gt Acesso em 10 de mar 2019
Ainda conforme nossa informante logo no iniacutecio o evento foi realizado no bairro do
Armazeacutem (Praccedila Guarani) o que ela considera natildeo ter tido o objetivo esperado Jaacute no ano se-
guinte ele foi transferido para a Praccedila de Satildeo Benedito ganhando o status que tem hoje O
evento acontece em trecircs dias Uma semana antes da culminacircncia satildeo realizadas atividades de
Accedilatildeo Social Durante essa atividade os organizadores providenciam uma equipe de meacutedicos e
enfermeiros para realizar diferentes atividades como afericcedilatildeo da pressatildeo e testes laboratoriais
raacutepidos Aleacutem disso na abertura da festividade eacute realizada a missa dos quilombos Poreacutem
para Maria de Nazareacute essa missa acaba por natildeo ter o mesmo puacuteblico esperado das missas tra-
dicionais visto que parece haver resistecircncia por parte de uma parcela da comunidade que natildeo
aceitam a missa aos moldes como se apresentam Por fim encerra afirmando que
Pra noacutes comeccedilarmos essa missa tivemos que recorrer a Meridelma
que faz parte da igreja pra nos ajudar a organizar a missa na igreja
mas mesmo assim ainda tem resistecircncia de alguns membros Eles vatildeo
100
ter que se acostumar porque o santo eacute negro e a missa eacute pra negro
que eles queiram ou natildeo noacutes vamos resistir noacutes temos que mostrar
nossa cultura (MARIA DE NAZAREacute 2019)
Na programaccedilatildeo haacute uma noite cultural com demonstraccedilatildeo de manifestaccedilotildees afro e ao
final a realizaccedilatildeo do Concurso Beleza Negra Mirim No terceiro dia logo pela manhatilde eacute ofere-
cido um cafeacute da manhatilde partilhado em que as comunidades contribuem com uma iguaria da
sua produccedilatildeo Atualmente o cafeacute eacute servido em dois extremos da cidade um no bairro de Ro-
dagem no Siacutetio Pascoal e outro no bairro de Pitombeira A culminacircncia acontece com a saiacuteda
dos dois cortejos com os carros se encontrando no bairro Rodagem onde inicia o cortejo pelas
ruas de Cururupu guiadas por grupos de tambor de crioula
Nesse Festival o cortejo eacute composto da seguinte forma carro cantador carro original
com as seacutebias27
e carro ornamentado com elementos da roccedila Ao final do evento satildeo entregues
trofeacuteus e certificados aos participantes Ressalta-se que dentro do contexto histoacuterico dos feste-
jos realizados no bairro de Satildeo Benedito haacute uma participaccedilatildeo efetiva dos devotos cada um
com suas proacuteprias peculiaridades Outro aspecto a ser destacado aleacutem da forte presenccedila da
comunidade eacute que esses festejos conferem lugar especial agrave presenccedila dos siacutembolos negros
Quer dizer aleacutem de alimentarem devoccedilotildees e ofertarem diversatildeo aos seus fieacuteis e participantes
dando mostras do caraacuteter intrinsecamente sincreacutetico das festas populares eles tambeacutem const i-
tuem iniciativas que contribuem para a valorizaccedilatildeo da memoacuteria dos legados e valores associ-
ados agrave populaccedilatildeo negra e sua ancestralidade
Quer dizer seria questionaacutevel perceber nesses eventos somente o seu cunho festivo
propriamente dito Eacute notoacuteria a presenccedila da busca de atividades que reverenciem a resistecircncia
do povo negro ao longo da histoacuteria bem como o papel devotado dos envolvidos em trabalhar a
questatildeo poliacutetica como forma de evidenciar o papel do movimento negro Maria de Nazareacute ao
se referir sobre os caminhos que o Festival deve traccedilar argumenta que a pretensatildeo eacute que esses
movimentos cheguem agraves escolas fazendo parte do calendaacuterio como uma atividade que agrega
valores agrave comunidade e sobretudo resgata a ancestralidade da formaccedilatildeo do povo cururupuen-
se No tocante a isto percebemos a importacircncia dos festejos e das histoacuterias vivenciadas no
bairro como uma construccedilatildeo de identidades compartilhadas a partir das quais esses sujeitos
organizam formas de demarcar os espaccedilos como possiacuteveis de reaver as contribuiccedilotildees das po-
pulaccedilotildees ali envolvidas na formataccedilatildeo da sociedade cururupuense inserindo nisto a participa-
27 Trama de vara e cipoacute feita para colocar do lado da mesa do carro auxiliando na proteccedilatildeo dos materiais ali
alojados atualmente as seacutebias satildeo feitas de ripas com prego no Festival de Carro de Boi o criteacuterio satildeo seacutebias
artesanais feitas em material bruto
101
ccedilatildeo dos diferentes povos que contribuem para esta organizaccedilatildeo observamos nestes eventos
uma convivecircncia nas relaccedilotildees que aproximam os envolvidos numa construccedilatildeo de parcerias
43 Histoacuterias de terreiros terrenos de memoacuterias e de histoacuterias
A finalidade principal deste toacutepico eacute descrever e apresentar algumas das histoacuterias
de pais e matildees de santo que aceitou nos dar entrevistas e cujos terreiros situam-se em torno
do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda Essas entrevistas foram realizadas em tom de
bastante receptividade muito embora as respostas obtidas tenham sido bastante tiacutemidas Seja
como a despeito do caraacuteter conciso das respostas e daquilo que eacute suscetiacutevel de ser discutido
aqui ainda assim suas histoacuterias ajudam a compreender parte da histoacuteria do local e das rela-
ccedilotildees entre terreiros e escolas A compreensatildeo disso eacute tanto mais importante quanto se sabe
que a escola se encontra em uma situaccedilatildeo limiacutetrofe com diversos terreiros o que poderia fa-
vorecer uma aproximaccedilatildeo entre esses espaccedilos e seus processos educativos Abaixo segue um
mapa em que indicamos os terreiros que existem proacuteximos ao estabelecimento de ensino
Imagem 12- Terreiros do Bairro de Satildeo Benedito
Fonte Google Maps 2019
Apresentamos uma lista dos terreiros e dos quarto altares que circundam o Centro de
Ensino Joatildeo Marques Miranda e seus dirigentes Em boa medida satildeo esses espaccedilos e suas
atividades que dinamizam o calendaacuterio afro-religioso cururupuense
102
01 Terreiro Pingo Drsquoaacutegua28
- Matildee de Santo Isabel Mineira (in memoriam)
Travessa Vilela de Abreu sn
02 Quarto altar- Pai de Santo Fracircncio Jacircnio Veras-Travessa Coelho Neto nordm
53
03 Terreiro Pai Joaquim de Angola- Pai de Santo Luiacutes Afonso-Travessa
Satildeo Joseacute nordm 01
04 Terreiro Santo Antonio-Matildee de Santo Maria Bebo Soeira 29
(in memori-
am) Rua Dr Laacutezaro Ramos snordm
05 Terreiro Santa Baacuterbara- Pai de Santo Edimir Mota- Rua Clodoaldo Ri-
beiro nordm- 39
06 Terreiro Santa Baacuterbara- Matildee de Santo Edina Pires- Rua Joatildeo Miranda
nordm 245
07 Quarto altar- Pai de Santo Deiran- Rua Joaquim Reis nordm 38
08 Terreiro Santa Luzia- Matildee de Santo Faacutetima Cordeiro-Travessa Satildeo Joseacute
nordm 207
09 Terreiro Santa Baacuterbara- Matildee de Santo Valdelina-Travessa Coelho Neto
nordm 74
10 Quarto altar- Pai de Santo Daacuterio-Rua General Osoacuterio nordm 250
11 Quarto altar- Pai de Santo Sebastiatildeo Conde- Travessa Satildeo Joseacute nordm 43
12 Terreiro Satildeo Sebastiatildeo - Pai de Santo Jorge de Abdias- Rua Celso Fari-
as nordm247
13 Terreiro Deus eacute quem Guia - Pai de Santo Joseacute Maria Ramos-Rua Joatildeo-
zinho Reis nordm316
14 Quarto altar- Iniciada Tereza Cadete Rua-Joaquim Reis nordm 33
28 O Terreio Pingo drsquoagua considerado o primeiro terreiro de Tambor de Mina em Cururupu fundado na deacutecada
de 1920 o terreiro era uma construccedilatildeo em forma de navio em homenagem ao seu guia Marinheiro nos dias de toque era iccedilada a bandeira nas cores azul e branco marcando o inicio das festividades em homenagem aos vo-
duns guias e caboclos da casa (FERRETI M 2015 p168) A menccedilatildeo ao Terreiro Pingo drsquoaacutegua se deu por conta
dos relatos que coletamos dos entrevistados a dirigente que faleceu na deacutecada de noventa faz parte do repertoacuterio
de memoacuterias do bairro portanto achamos importante a alusatildeo muito embora merecida independente dos relatos
pois acreditamos tratar-se de uma grande referecircncia para os cultos afro-cururupuense 29 Maria Bebo Soeira ou simplesmente Maria Bebinha foi uma importante e conhecida matildee de santo do bairro de
Satildeo Benedito seu terreiro era bem proacuteximo ao cemiteacuterio municipal Maria Bebinha era muito procurada por suas
praticas de cura os entrevistados a lembram com grande reverecircncia como uma das matildees de santo que contribui
para difusatildeo da religiatildeo na cidade Falecida em 2016 Maria de Bebinha eacute na memoacuteria da populaccedilatildeo local uma
grande referecircncia por sua enorme contribuiccedilatildeo acreditamos que se faz necessaacuterio uma alusatildeo ao legado que
ajudou a construir como Matildee de Santo isto em favor da religiatildeo afro-cururupuense
103
Para explorar parte dessa histoacuteria natildeo poderiacuteamos fazer isso sem recorrer agrave histoacuteria da
mais influente matildee de santo de Cururupu a qual teve uma geraccedilatildeo de filhos e filhas de santo
que ajudaram a difundir o culto no municiacutepio Na sua trajetoacuteria como matildee de santo em quase
68 anos de dedicaccedilatildeo a religiatildeo africana a fez ser considerada como a maior matildee de santo de
Cururupu como assim eacute relembrada pelos pais e matildees de santos as quais entrevistamos Era
devota de Santa Rosa de Lima e juntamente com a ajuda de filhos e colaboradores realizava
no mecircs de agosto uma festa em homenagem a Santa O Festejo acontecia em trecircs dias com
levantamento de mastro toque aos deuses e nele a devota recebia a entidade Rosinha filha
caccedilula de Rainha Rosa e da famiacutelia de Leacutegua Bogi (FERRETI M 2015 p169)
Sua ligaccedilatildeo com a santa se deu por ocasiatildeo de uma promessa feita Como relatado agrave
Mundicarmo Ferretti (2015) na conversa disse que se atendida andaria de joelho e levantaria
uma irmandade para festejaacute-la Para cumprir com a segunda parte da promessa trabalhou mui-
to (FERRETI M 2015 p 170) Apoacutes todo esse esforccedilo finalmente abriu deu terreiro e a par-
tir de entatildeo nunca mais parou com a devoccedilatildeo e os cultos as entidades Vale ressaltar que aleacutem
de mineira ela foi tambeacutem parteira realizando mais de 6000 mil partos No carnaval ela in-
centiva a um bloco chamado ldquoBaralhordquo em que as participantes usavam maacutescaras Em 1995
foi homenageada pelo Bloco Afro Omniraacute Isabel Mineira faleceu aos 90 anos deixando um
legado aos cultos africanos em Cururupu
Imagem 13- Matildee de Santo Isabel Mineira em toque de Mina CururupuMA
Fonte Arquivo da Famiacutelia
104
Fracircncio Jacircnio da Silva Veras eacute natural de Cururupu nascido em 11 de novembro de
1983 na ilha de Guajerutiua Atualmente eacute o Secretaacuterio de Cultura de Cururupu e ao longo de
sua gestatildeo tem desenvolvido trabalhos junto com os pais e matildees de santos do municiacutepio Jaacute
realizou vaacuterios eventos enfocando as religiotildees africanas Sua residecircncia estaacute localizada na
Travessa Coelho Neto nordm 53 bairro Satildeo Benedito Seu contato com as entidades comeccedilou
muito cedo quando ainda tinha trecircs anos de idade Nessa eacutepoca morava na ilha de Guajerutiua
Ele relata que sempre que passava por peacutes de cajueiro sentia uma energia que ateacute entatildeo natildeo
sabia explicar mas sentia alguma forma de atraccedilatildeo
O pai de santo narra que sua relaccedilatildeo vem de seu avocirc o senhor Olegaacuterio que era reno-
mado vidente da cidade A seu respeito conta que tinha uma notaacutevel habilidade para perceber
as mais diversas situaccedilotildees nas pessoas a exemplo de casos de doenccedila que precisam de trata-
mento antes mesmo da doenccedila se manifestar Sua famiacutelia era de maioria evangeacutelica por isso
encontrou dificuldades para solucionar suas possessotildees quando jovem Em nossa entrevista
ele narrou que sua avoacute o levava para os cultos evangeacutelicos mas ele natildeo gostava e entatildeo co-
meccedilava a puxar sua saia e chorar Neste intervalo passavam pelo anajaacute que o deixava de so-
breaviso por conta da energia que este transmitia sempre que passava por ele
Imagem 14- Pai de Santo Fracircncio Jacircnio da Silva Veras CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
Foi em Cururupu que frequentou o seu primeiro terreiro o de Faacutetima Cadete sendo
que sua primeira feitura foi realizada por ela Mesmo assim soacute teve seu trabalho definitivo aos
18 anos quando a matildee de santo Deusonete se propocircs a realizar seu trabalho sem cobrar nada
105
Como nos descreve tem como guia de frente Raio de Sol como contra guia Joseacute Toacuteia Tupi-
nambaacute caboclo farrista o marinheiro Mariano e a cabocla Mariana Com a vivecircncia atual-
mente tornou-se pai de santo com jaacute cinco filhos de santo preparados
Fracircncio frequentou a escola Joatildeo Marques Miranda tendo cursado o ensino fundamen-
tal menor nesse estabelecimento Desse periacuteodo relata inuacutemeros casos de possessatildeo que pre-
senciou na escola Sua explicaccedilatildeo semelhante agrave dos professores do estabelecimento ressalta
que essa frequecircncia se deu por conta da construccedilatildeo da escola sem que fosse solicitada a auto-
rizaccedilatildeo dos encantados que ali habitavam Quando perguntado sobre como a escola deveria
trabalhar as religiotildees de matriz africana o pai de santo foi bem enfaacutetico ao falar que
A religiatildeo que realmente predomina em Cururupu eacute a religiatildeo africa-
na as pessoas quando perguntada qual sua religiatildeo eles sempre res-
pondem catoacutelica no entanto todo catoacutelico tambeacutem frequenta os ter-
reiros muitos natildeo assume por vergonha a pessoa vai uma vez agrave igre-
ja e no terreiro vai mais de uma vez na semana os problemas espiri-
tuais satildeo resolvidos nos terreiros e natildeo e na igreja portanto satildeo mais
umbandista Com relaccedilatildeo agrave escola tanto os terreiros como a escola
deveriam orientar as pessoas a seguir a religiatildeo acredito que falta
comunicaccedilatildeo os pais de santo precisam mudar a maneira como apre-
sentam o ritual muitas vezes quando vamos a um terreiro para um
culto nos deparamos com sangue animais mortos isto atrapalha a
pessoa a se identificar na religiatildeo acredito que aleacutem da doutrina os
pais de santo deviam criar sua doutrina tambeacutem para repassar a seus
disciacutepulos como forma de que saibam divulgar a religiatildeo de maneira
correta e natildeo com essa visatildeo deturpada que se apresenta na cidade
Nos terreiros tambeacutem se ensina como ser boa pessoa como tratar os
outros isto que o que pretendo assim que levantar meu barracatildeo
(Fracircncio Jacircnio da Silva Veras Pai de Santo entrevista coletada em 25
de janeiro de 2019)
Luiacutes Afonso Silva Azevedo nasceu em Cururupu na Santa Casa de Misericoacuterdia em
fevereiro de 1965 eacute gecircmeo com seu irmatildeo Afonso Luiacutes que tambeacutem eacute pai de Santo no muni-
ciacutepio de Serrano do Maranhatildeo cidade que fica a 32 km de Cururupu Morou em Guajerutiua
por alguns anos ateacute mudar-se para o estado do Paraacute onde se fundamentou ainda mais nos pre-
ceitos da religiatildeo Seu contato com os encantados acorreu muito cedo dentro do ciacuterculo fami-
liar Como destaca seu viacutenculo com a mina se deu em parte porque havia uma tia proacutexima que
era mineira Sua matildee de Santo foi Sebastiana Chaves (Ceceacute) afamada vidente e curandeira de
Areia Branca quem o iniciou na linha de cura com o pai de Santo o senhor Jaime quem o que
introduziu no tambor de mina por isso se considera mineirocurador
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Imagem 15ndash Pai de Santo Luiacutes Afonso Silva Azevedo Cururupu- MA
Fonte Arquivo pessoal
Seu terreiro fica localizado agrave Rua Satildeo Joseacute ndeg 01 Bairro de Satildeo Benedito a uma qua-
dra de escola Joatildeo Marques Miranda O nome de sua casa eacute uma homenagem a seu patratildeo Pai
Joaquim de Angola primeira entidade a baixar na sua cabeccedila Tem como guia o caboclo Cea-
rense contra guia Dona Jarina e como caboclo farrista Zeacute Raimundo O pai de santo relata
que por algumas vezes foi convocado pela professora Floranilde Silva ao Centro de Ensino
Joatildeo Marques Miranda para ajudaacute-la a resolver problemas de possessatildeo em alunos diz que
sempre que era solicitado ele estava disposto a atender pois sabia da espiritualidade presente
naquele local O terreiro do senhor Luiacutes Afonso realiza toques aos encantados e festejo ao
dono de sua cabeccedila Pai Joaquim de Angola aleacutem de ministrar consultas agraves pessoas que o pro-
curam em busca de conforto espiritual
Quando questionado sobre a discriminaccedilatildeo que passam as religiotildees de matriz africana
disse que
A cidade precisa fundar uma associaccedilatildeo de umbandista para que
possa nos orientar casos de discriminaccedilatildeo Isso tambeacutem se vecirc na es-
cola a meu ver a escola natildeo tem religiatildeo acho que todo mundo tem o
direito de escolher qual religiatildeo quer seguir mas que precisa de um
educador para explicar como funciona a religiatildeo de culto afro brasi-
leiro os pais de santo precisam se unir mais (Pai de Santo Luiacutes
Afonso Silva Azevedo entrevista coletada em 30 de janeiro de 2019)
Edmir Pires Mota por seu turno tem sessenta e cinco anos de idade e nasceu em 1953
no interior chamado Barracatildeo hoje municiacutepio de Serrano do Maranhatildeo Haacute trinta e sete anos
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na religiatildeo afro se diz curador e mineiro Teve sua cabeccedila feita aos vinte e seis anos pelo seu
pai de santo Jaime Seu barracatildeo estaacute localizado na Travessa Clodoaldo bairro de Satildeo Bene-
dito nordm 39 bem proacuteximo ao cemiteacuterio municipal com o nome de Terreiro de Santa Baacuterbara
Imagem 16ndash Pai de Santo Edimir Pires Mota incorporado com o caboclo
Pequeninho em trabalho de cura CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
A trajetoacuteria de vida religiosa de Seu Edmir natildeo se difere da maioria dos pajeacutes que acei-
taram conversar conosco Antes de aceitar a sua obrigaccedilatildeo como mineiro sofreu com vaacuterios
tipos de doenccedilas Rejeitava ter esse dom tinha vergonha das pessoas Soacute aceitou quando fez
sua iniciaccedilatildeo e percebeu que tinha que aceitar os seus guias ldquoEu natildeo tive outra soluccedilatildeo taacute
veno E aiacute quando eles chegaram foi com tudo de uma vez natildeo teve como me livrarrdquo (SIL-
VA 2016) Mediante a sua narrativa Seu Edmir esclarece que ou aceitava ser pajeacute ou assumi-
ria as consequecircncias Negar seus guias seria sofrer na vida Assumindo ser pajeacute Seu Edmir se
firmou na terra e natildeo teve as perturbaccedilotildees que sofria antes de se iniciar Na cura seus guias
satildeo Piquinininho como chefe Dadinho como seu contra guia aleacutem desses dois recebe ainda
Caboclo Ubirajara Pinaguarema Joatildeo de Una
O calendaacuterio de festividades do terreiro eacute bem diversificado Seu Edmir Mota rea-
liza festa de aniversaacuterio para seu guia no mecircs de julho para Piquinininho e no mecircs de de-
zembro para Dadinho aleacutem das festas de obrigaccedilotildees para outras entidades A festa do mecircs de
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dezembro aleacutem de ser uma festa de aniversaacuterio do caboclo Dadinho eacute destinada tambeacutem a
Nossa Senhora da Guia (SILVA 2016) Essa festa comeccedila no dia 2 e se estende ateacute 4 de de-
zembro com toque de caixa em homenagem ao Divino Espiacuterito Santo
Quando perguntado sobre a relaccedilatildeo entre o Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda e
os terreiros que ficam proacuteximos disse que constantemente recebe visitas de pessoas da escola
soacute que natildeo entram muito no assunto De maneira geral em suas proacuteprias palavras acredita
que as pessoas que estatildeo na escola ldquotem medo de tambor de mina muitos sabem que sofrem
de encantados mais evitam vir aos terreiros e que agraves vezes essa vergonha atrapalha a vida
da pessoa que taacute sofrendo e natildeo procura recursordquo
Com 83 anos e a 73 no Tambor de Mina Edna Pires inicia nossa conversa com uma
afirmaccedilatildeo que considera importante para registro ldquonasci na mina e vou morrer na mina des-
sa religiatildeo ningueacutem me tira fiel ateacute morrerrdquo Matildee Edna Pires nasceu a 20 de maio de 1936 e
comanda o Terreiro Santa Baacuterbara localizado no Bairro de Satildeo Benedito situado agrave Rua Joatildeo
Miranda nordm 245 Eacute o terreiro mais antigo em atividade no bairro ainda bastante luacutecida dona
Edna nos relatou que comeccedilou bobar como costuma dizer quando ainda tinha nove anos de
idade no povoado Bacabal ao vir para sede do municiacutepio foi iniciada no toque por Isabel Mi-
neira isto na deacutecada de 1940 Sobre essa experiecircncia ela relata que ajudava minha velha nos
trabalhos de cura e nos festejos que ela fazia ldquoAprendi muita coisa com ela a respeitar as
entidades por isso que ainda estou viva ateacute hojerdquo Na paacutegina seguinte temos uma imagem da
matildee de santo
Imagem 17 Matildee de Santo Edna Pires CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
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Matildee Edna ou simplesmente ldquoMaedinardquo como eacute carinhosamente chamada no bairro re-
alizava os festejos de Santa Baacuterbara no periacuteodo 02 a 06 de dezembro com ladainhas toques e
festa danccedilante enquanto seu filho que tambeacutem era mineiro era vivo Atualmente realiza ape-
nas toques de obrigaccedilatildeo Dona Eacutedna Pires diz que sempre eacute visitada por evangeacutelicos que ten-
tam convencecirc-la a entrar na crenccedila mas ela diz que a religiatildeo que ela segue ajuda muita gente
por isso natildeo teria razotildees para mudar Relata ainda que mesmo com a idade jaacute avanccedilada ainda
realiza trabalhos de cura em sua casa onde sempre recebe visitas de populares que precisam
de seus cuidados Entre os diversos terreiros do bairro o seu eacute o uacutenico registrado na Federa-
ccedilatildeo de Umbanda e Cultos Afro-brasileiros O terreiro estaacute localizado a uma quadra da escola
Joatildeo Marques Miranda
Quando perguntada se jaacute houve algum tipo de contato com a escola Dona Edna rela-
tou que certa vez foi convocada a ajudar uma pessoa que estava com problemas espirituais
mas que isto foi haacute muito tempo quando era soacute ela que tinha terreiro ali proacuteximo Agora jaacute
tem um monte de terreiros perto da escola conclui
O Terreiro de Santa Luzia eacute o mais proacuteximo da escola Joatildeo Marques Miranda locali-
zada na Travessa Satildeo Joseacute canto com o Centro de Ensino (Travessa Satildeo Joseacute nordm 207) Agrave fren-
te da casa de culto encontra-se Matildee Faacutetima das Graccedilas Cadete do caboclo Manezinho mineira
nascida em 1950
Imagem 18- Matildee de Santo Faacutetima das Graccedilas Cadete Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
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Seu contato com os ldquoinvisiacuteveisrdquo como ela costuma dizer comeccedilou quando ainda tinha
quatorze anos Conforme nos conta sempre aconteciam coisas estranhas com ela nesse periacuteo-
do agraves vezes se deparava debaixo da cama e as pessoas a aconselhavam a procurar um pai de
santo e que deveria seguir seu dom mas sempre relutava ateacute que comeccedilou a ficar aleijada
Diz que apanhou muito baque ateacute desenvolver sua mediunidade Como prossegue em seu
relato Faacutetima jaacute preparou muitos filhos de santo
Sobre as relaccedilotildees entre terreiro e escola ela nos relatou que no tempo da professora Flo-
ranilde Silva sempre era procurada para aliviar incorporaccedilotildees de espiacuteritos na escola Pergun-
tada se aleacutem disso havia algum outro tipo de contato respondeu que soacute a procuravam quan-
do apareciam esses problemas Mas de maneira geral mesmo quando havia festejos promo-
vidos pelo barracatildeo que empregavam sonorizaccedilatildeo mecacircnica entrava-se em um acordo com a
direccedilatildeo dado as boas relaccedilotildees que mantinham
Joseacute Maria Ramos por seu turno se define como mineiro curador e ainda afirma que as
maiorias dos pais de santo de Cururupu assim o satildeo Nascido em 1954 desde os 15 anos de
idade informa ter comeccedilado o festejo ao santo que ateacute hoje eacute devoto Satildeo Sebastiatildeo Desde laacute
como enfatiza nunca mais parou com cinquenta e seis anos de feitura no santo
Imagem 19 ndash Pai de Santo Joseacute Maria Ramos Cururupu- MA
Fonte Arquivo Pessoal
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Seu primeiro contato com as entidades foi quando ainda tinha cinco anos de idade
Nesse tempo desenvolveu sua espiritualidade indo procurar um pai de santo quando fez dez
anos Tem como guia de frente Tombasseacute de Oliveira Seus pais de santo foram Fernando do
Barreto e Margarida Mota Aleacutem dos festejos da casa o Terreiro Deus eacute quem Guia localiza-
do a Rua Joatildeozinho Reis nordm 316 realiza outros festejos como o de Santa Luzia Joseacute Maria
atualmente com sessenta e quatro anos se diz um pouco cansado da vida de curador no en-
tanto manteacutem as obrigaccedilotildees em dia Quando perguntado sobre religiatildeo de matriz africana e
escola o pai de santo afirma que
A escola deveria ensinar os alunos sobre as religiotildees mais tambeacutem
existe uma coisa que precisa ser esclarecida assim como a escola en-
sina vaacuterias coisas o aluno a diferenciar os praticantes da religiatildeo
tambeacutem precisam diferenciar quais as religiotildees africanas que existe
pra natildeo confundir e assim facilitar a conversa (Joseacute Maria Ramos
Pai de Santo entrevista coletada em 22 de janeiro de 2019)
A uacuteltima das entrevistadas que aceitou conversar conosco foi Tereza Cadete nascida a
19 de maio de 1955 Sua residecircncia fica localizada agrave Rua Joaquim Reis nordm 33 Bairro de Satildeo
Benedito Conta que teve iniacutecio com os encantados muito cedo mas que natildeo aceitava essa
condiccedilatildeo por causa disto ficou cega vindo ficar boa soacute quando se reatou com as entidades
Imagem 20- Iniciada Tereza CadeteCururupuMA
Fonte Arquivo pessoal
Tereza diz que apenas cumpre com as obrigaccedilotildees para sua entidade Obalouaecirc que rea-
liza no mecircs de dezembro com toque de tambor em sua casa Assim como muitos outros ela
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possui um quarto-altar onde desenvolve suas atividades espirituais Quando perguntada como
se definia disse que apenas danccedila com seu pai de santo Edimir e que natildeo se considera propri-
amente uma matildee de santo e nem gostaria de ser pois sabe que eacute uma responsabilidade muita
grande Concluindo que natildeo se acha preparada enfatiza ldquoos pais de santo tem que cumprir
com os calendaacuterios de toquesrdquo Indagada quanto agrave religiatildeo e escola a Tereza disse que ldquoNa
escola os cultos sofrem muita discriminaccedilatildeo tanto de alunos como professoresrdquo Mencionou
por fim que no coleacutegio da baixa30
sempre acontece casos de incorporaccedilatildeo alegando a mesma
histoacuteria que o local tem dono por isso das constantes possessotildees nas pessoas
30 A denominaccedilatildeo ldquoescola da baixardquo tem relaccedilatildeo pela localidade do terreno que fica em uma parte baixa do bair-
ro de Satildeo Benedito antes da construccedilatildeo da escola havia naquele local uma lagoa com grande proporccedilotildees de aacutegua
por conta da chuva esse reservatoacuterio demorava algum tempo para secar Como o local fica localizado jaacute proacuteximo
do mangue ficou conhecido como escola da baixa
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CAPIacuteTULO 5 - OFICINAS PEDAGOacuteGICAS E A HISTOacuteRIA E CULTURA AFRO-
BRASILEIRA
Para nossa pesquisa tatildeo importante quanto compreender parte da histoacuteria do local de
suas lideranccedilas e a perspectiva que tecircm sobre o papel da escola eacute pensar em propostas de
oficinas pedagoacutegicas para serem empregadas no estabelecimento de ensino em pauta Se esse
material segue em anexo gostaria nesse espaccedilo de descrever como foram realizadas essas
oficinas e como pude oferecer minha contribuiccedilatildeo para rediscussatildeo das relaccedilotildees entre esses
espaccedilos Na sequecircncia descrevo duas das oficinas que aplicamos junto aos estudantes e por
uacuteltimo uma das oficinas que realizamos com os professores O relato dessa experiencia eacute
tomado aqui para compreender algumas das nossas escolhas metodoloacutegicas na construccedilatildeo do
produto final
Comeccedilo pela Oficina de Histoacuteria da Aacutefrica aplicada no dia 07 de novembro de 2018
para alunos do 3ordm ano na disciplina Histoacuteria no Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda Par-
ticiparam dessa atividade 21 estudantes A oficina buscou compreender quais as visotildees que os
discentes possuiacuteam sobre a Aacutefrica Os relatos apresentados foram ao encontro das diversas
pesquisas que jaacute evidenciaram a visatildeo negativa sobre o continente africano ou simplesmente o
desconhecimento Em certa medida natildeo havia aqui muita surpresa visto que pelas respostas
dadas ao questionaacuterio esses mesmos estudantes sequer conseguem captar a forccedila e a impor-
tacircncia do legado cultural afro-brasileiro no contexto local Embora esse desconhecimento jaacute
pudesse ser previsiacutevel eacute preciso destacar tambeacutem o interesse e curiosidade que foi sendo des-
pertado ao longo da execuccedilatildeo da atividade
A dinacircmica adotada para apresentaccedilatildeo da temaacutetica foi agrave utilizaccedilatildeo de imagens das di-
versas representaccedilotildees sobre o continente africano Pretendeu-se suscitar nos alunos quais
imagens conseguiam identificar e relacionar com outras que jaacute haviam observados em outros
locais Na ocasiatildeo dois alunos externaram suas visotildees as quais merecem registro O primeiro
se identificou como filho de santo e que jaacute tinha ouvido algumas histoacuterias sobre a Aacutefrica con-
tadas verbalmente por sua matildee Lembrou-se de histoacuterias sobre como vieram para o Brasil das
lutas e desafios enfrentados A visatildeo do segundo no entanto era bem distinta Sempre tinha
ouvido falar da fome e miseacuteria e que seria um lugar amaldiccediloado por Deus
Agrave medida que apresentaacutevamos informaccedilotildees que mostravam a realidade africana de
uma oacutetica mais positiva sobretudo com foco na organizaccedilatildeo cultural e poliacutetica dos seus dife-
rentes povos percebia a reaccedilatildeo de total estranheza e ateacute mesmo de incompreensatildeo Tudo
ocorria como se aquela imagem da Aacutefrica como um espaccedilo geograacutefico diversificado comple-
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xo e dinacircmico destoasse de qualquer coisa jaacute ouvida mesmo em se tratando dos mais propen-
sos a ter uma visatildeo positiva sobre o continente Vale lembrar que muitas das imagens apresen-
tadas foram retiradas de livros didaacuteticos o que foi concebido como um expediente para facili-
tar o acesso agraves informaccedilotildees A proposta em sequecircncia era perceber quais paiacuteses eles conheci-
am como pertencentes ao continente Ora natildeo fosse talvez a Copa do Mundo como lembrado
em tom de brincadeira por um dos estudantes para a maior parte deles a Aacutefrica era apenas um
paiacutes gigantesco
Nessas oficinas em certa medida era possiacutevel identificar como a escola vinha traba-
lhando o tema em sala Vaacuterios dos alunos comentaram que muito raramente os professores
das disciplinas desenvolviam conteuacutedos voltados para essa temaacutetica Perguntados se tinham
interesse em conhecer mais sobre o tema responderam que seria muito interessante uma vez
que satildeo conscientes de sua descendecircncia africana Com a aplicaccedilatildeo das atividades inferimos
que haacute um interesse dos alunos no entanto a escola possui pouco embasamento para trabalhar
com este tipo de conteuacutedo
Aplicamos uma atividade em equipes contendo imagens sobre o continente e pedimos
que escrevessem a impressatildeo que tinham a partir da oficina Dos relatos colhidos destaco
aqui o do estudante Leandro de Oliveira e Maria Monteiro que registrou o seguinte
O continente africano eacute o segundo maior do mundo e tambeacutem muito
rico apesar de muitos paiacuteses terem roubado ouro diamantes entre ou-
tras riquezas A cultura dos povos africanos eacute marcante atraveacutes de
cores fortes e muita alegria O continente africano foi muito explora-
do pelos europeus aleacutem disso foram castigados torturados e outros
mortos por natildeo aceitar aquela situaccedilatildeo de ser escravizado em seu
proacuteprio lugar onde nasceu e cresceu e tambeacutem eacute um paiacutes de muitas
diversidades cores etnias tribos e culturas (Leandro Oliveira e Ma-
ria Monteiro)
A segunda oficina foi Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira a Histoacuteria do Brasil africa-
no vidas para aleacutem dos tambores e da escravidatildeo realizada no dia 14 de dezembro de 2018
para alunos do 2ordm ano O objetivo da atividade era perceber como a cultura afro-brasileira se
formou ao longo da histoacuteria partindo desde o Brasil colonial ateacute os dias atuais e como estas
tradiccedilotildees africanas resistiram ao processo de perseguiccedilatildeo no contexto da cultura
A oficina foi ministrada pelo Professor Especialista Carlos Viana Pimentel (URCA)
Os encaminhamentos apontados levaram os alunos a reconhecer os aspectos pelo quais se deu
a escravizaccedilatildeo de povos africanos no Brasil e como os povos resistiram para manter vivas
suas tradiccedilotildees Logo na sequecircncia procuramos explorar quais as informaccedilotildees possuiacuteam acer-
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ca das manifestaccedilotildees afro-brasileiras e como compreendiam essas atividades dentro do cenaacute-
rio afro cururupuense Na proporccedilatildeo em que as colocaccedilotildees iam sendo direcionadas os alunos
interagiam demonstrando um certo conhecimento acerca das manifestaccedilotildees e como haviam
conhecido essas praacuteticas Em certa medida essa inciativa mostrou-se mais eficiente para cap-
tar algumas percepccedilotildees mais refinadas dos estudantes quando comparado com os achados dos
questionaacuterios aplicados
Dessa maneira o que conseguimos captar foi que a maioria dos alunos jaacute participou ou
participam de alguma forma de atividades festivas ou mesmo como integrantes de cultos afro-
brasileiros Outro aspecto positivo acerca da atividade foi o fato de que os estudantes afirma-
ram ter obtido uma visatildeo mais ampla sobre as tradiccedilotildees afro-brasileiras e suas lutas Um dos
estudantes destacou por exemplo que esses temas eram parte da histoacuteria dos seus antepassa-
dos e que deveriam ter maior destaque dentro da escola Na condiccedilatildeo de ministradores da ofi-
cina tanto eu quanto o Prof Carlos Viana Pimentel avaliamos como muito positiva a ativida-
de muito embora tenhamos a contiacutenua sensaccedilatildeo de que embora a abordagem dessas temaacuteticas
seja bem recebida sua realizaccedilatildeo de maneira esporaacutedica e pontual encontra-se muito aqueacutem
do tipo de inserccedilatildeo que se pretende valorizar aqui
Enquanto as oficinas aplicadas aos estudantes tiveram essa tonalidade geral gostaria
de destacar a oficina destinada aos professores abordou os antecedentes que levaram a pro-
mulgaccedilatildeo da Lei 106392003 O foco dessa atividade era apresentar alguns elementos que
poderiam auxiliar na introduccedilatildeo da histoacuteria e da cultura afro-brasileira em sala de aula ofere-
cendo aos docentes os aportes que sentimos falta quando da aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios ex-
plorados no capiacutetulo 2
Iniciamos por discorrer sobre a resistecircncia negra desde o periacuteodo colonial com as rebe-
liotildees coordenadas por grandes quantidades de negros que natildeo aceitavam tal condiccedilatildeo Esses
movimentos abriram portas para que pudeacutessemos ver os aspectos negativos da escravidatildeo as
puniccedilotildees e castigos realizados e o lugar que essa instituiccedilatildeo tinha como estruturadora de nos-
sas relaccedilotildees de sociabilidade Na permanecircncia discorremos sobre como as formas de resis-
tecircncia adotadas por esses movimentos constituem exemplos concretos da agecircncia negra for-
necendo pela renovaccedilatildeo da historiografia os aportes para que tenhamos outra visatildeo sobre a
participaccedilatildeo poliacutetica dos negros
Na sequecircncia enfatizamos como no processo de formaccedilatildeo de nossa sociedade e iden-
tidade sociocultural as contribuiccedilotildees africanas e afro-brasileiras foram fundamentais para a
constituiccedilatildeo da naccedilatildeo e o quanto isso deveria ensejar um ensino pautado pela valorizaccedilatildeo da
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diversidade Tratou-se em todos os momentos de enfatizar a riqueza eacutetnica do paiacutes e nossos
inegaacuteveis e indissoluacuteveis viacutenculos Particular importacircncia foi dada agrave descriccedilatildeo das histoacuterias de
vida de pais de santo que habitavam proacuteximos agrave escola e sobre a necessidade de desenvolver-
mos estrateacutegias de aproximaccedilatildeo pedagogicamente concebidas Tudo isso com o fito de refor-
ccedilar o papel da educaccedilatildeo e particularmente do trabalho realizado em sala de aula para o fomen-
to ao respeito toleracircncia e agrave convivecircncia paciacutefica entre as diferentes culturas que estatildeo na
base de nossa formaccedilatildeo
Quando passamos para a discussatildeo coletiva os professores apontaram para uma defi-
ciecircncia em suas formaccedilotildees acadecircmicas pois encontravam dificuldades para a inserccedilatildeo ade-
quada desses temas em sala de aula A carecircncia de materiais foi destacada como um dos prin-
cipais obstaacuteculos Da mesma forma de maneira um tanto quanto reticente pareceu-me haver
nas entrelinhas certo temor quanto ao debate desses temas em salas de aula notadamente pela
possibilidade de que viessem a ser acusados de proselitismo ou tatildeo somente de que desviavam
o assunto para temas natildeo pertinentes Se por um lado todos estatildeo convictos da importacircncia
desse tema o que constitui no final das contas uma resposta esquiva quanto a qualquer acusa-
ccedilatildeo de que natildeo valorizam esses temas a disposiccedilatildeo concreta para essa inserccedilatildeo (o que requisi-
taria a revisatildeo das posturas pedagoacutegicas o investimento em formaccedilatildeo e o desenvolvimento de
outras estrateacutegias para a sala de aula) natildeo se encontra na mesma medida Longe estamos de
responsabilizaacute-los sozinhos por essa inclusatildeo dado que compreendemos tambeacutem as dificul-
dades concretas de o fazer Eu mesmo num passado recente estava nessa mesma condiccedilatildeo
Poreacutem isto natildeo impede de constatarmos o caraacuteter meramente ornamental com que o discurso
sobre a diferenccedila eacute incorporado entre noacutes Desse acircngulo o descompasso natildeo eacute somente entre
o texto legal e a realidade das culturas escolar brasileiras ele se aloja tambeacutem na distinccedilatildeo
entre aquilo que eacute dito e reconhecido e aquilo que eacute efetivamente feito e realizado Sem qual-
quer pretensatildeo de resolver a essa questatildeo o produto que apresentamos constitui uma maneira
necessariamente limitada mas individual para contribuir para a diminuiccedilatildeo dessa distacircncia
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6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As atuais relaccedilotildees pelas quais passam escola e sociedade eacute objeto de estudo de vaacuterios
campos de conhecimento principalmente no que diz respeito ao conviacutevio dos diversos grupos
que formatam a escola com isto sua relaccedilatildeo com as praacuteticas culturais que ensejam esses ato-
res A escola eacute o espaccedilo onde se estreita relaccedilotildees mas tambeacutem eacute um ambiente de exclusatildeo no
entanto eacute no interior da instituiccedilatildeo que se percebe os meandros de como a escola pode contri-
buir para a aproximaccedilatildeo desses elementos neste aspecto
O cenaacuterio em que se desenvolvem essas relaccedilotildees de convivecircncia todavia tecircm afastado
debates que possam agregar as relaccedilotildees de pertencimento as diferentes crenccedilas que carregam
esses sujeitos e permeiam estes espaccedilos em diferentes estruturas para a qual se destinam as
escolhas religiosas sobretudo estudos que faccedilam repensar estudos sobre Aacutefrica e suas inuacuteme-
ras formas de compreender a religiatildeo neste vieacutes discorrer sobre sua contribuiccedilatildeo para a for-
maccedilatildeo da cultura afro-brasileira Eacute no bojo dos estudos sobre Aacutefrica que percebemos a relaccedilatildeo
intriacutenseca do povo africano com a religiatildeo e seus deuses
Os aspectos apresentados levaram a compreender que as instituiccedilotildees com suas diferen-
tes formas de conduzirem suas didaacuteticas nos leva a crer que este distanciamento tem ligaccedilotildees
diretas com a educaccedilatildeo adotada que privilegia determinadas setores da sociedade em detri-
mento de outros A escola eacute por natureza o espaccedilo onde deveria ocorrer essa socializaccedilatildeo de
saberes e nessas trocas o enraizamento do respeito agraves crenccedilas que ainda natildeo estatildeo inseridas
nos debates curriculares
Quanto agrave praacutetica do ensino nas escolas estas natildeo levam em conta o cotidiano dos alu-
nos tendo em vista maior aproveitamento das experiecircncias a que satildeo submetidos esses ele-
mentos a escola ainda trata os conteuacutedos claacutessicos como uacutenicos e intocaacuteveis A experiecircncia
vivida no movimento negro levou a perceber o distanciamento entre escola e terreiros de reli-
giatildeo de matriz africana isto fez com que despertasse o interesse em compreender as relaccedilotildees
que satildeo estabelecidas entre essas redes de ensino
No que diz respeito ao ensino de histoacuteria ainda prevalece uma praacutetica que trabalha de
maneira bastante verticalizada os conteuacutedos que tratam sobre religiatildeo privilegiando unica-
mente uma religiatildeo o que tem distanciado os grupos que praticam os cultos de matriz africana
que natildeo se sentem incluiacutedos no processo Os terreiros asseguram estarem abertos aos debates
para que haja uma aproximaccedilatildeo e com isto possam enraizar laccedilos que levem as dinacircmicas
desenvolvidas nos terreiros a fim de reverberar a laicidade no espaccedilo escolar
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Partindo da experiecircncia no Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda escola que em
seu entorno concentra 14 terreiros de religiatildeo de matriz africana concomitante com debates no
movimento negro e disciplinas no mestrado Este trabalho se propocircs a analisar as abordagens
que professores alunos e sacerdotes possuem sobre a relaccedilatildeo terreiros e escolas como forma
de refletir sobre estrateacutegias teoacutericos-metodoloacutegicos que podem amenizar o distanciamento
existente nestas relaccedilotildees de convivecircncia nestes espaccedilos a fim de que os atores envolvidos pos-
sam dialogar na equidade dentro do ambiente escolar e com isso aproximar as experiecircncias do
que eacute aprendido no cotidiano dos discentes ao conhecimento repassado na escola como forma
de materializar um debate sobre religiatildeo
Para tanto acredita-se que a metodologia para alcanccedilar tal objetivo seja a implementa-
ccedilatildeo da Lei 106392003 que trata do Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-brasileira e Africana
nas escolas como forma de introduzir conteuacutedos que reverberem sobre esses temas auxiliando
no processo ensino-aprendizagem promovendo a mediaccedilatildeo neste processo
Assim foram elaboradas as oficinas ldquoDA ESCOLA PARA OS TERREIROSrdquo Ofici-
nas para trabalhar a Histoacuteria Cultura e Religiatildeo Afro-Brasileira no espaccedilo escolar que apre-
senta conteuacutedos referentes agraves manifestaccedilotildees culturais africanas afro-brasileira religiatildeo e mi-
tos Aleacutem das imagens demonstradas o material eacute constituiacutedo de propostas de oficinas para
que alunos possam exercitar informaccedilotildees jaacute adquiridas em outros espaccedilos ou mesmo na escola
sobre os temas apresentados
A proposta do material desenvolvido neste trabalho natildeo pretende em momento algum
sanar as lacunas existentes nas relaccedilotildees entre estas instituiccedilotildees de ensino mas pode ser uma
tentativa de promover debates concernentes ao tema em salas de aula na disciplina Histoacuteria
sobre a realidade dos aspectos que envolvem esse tema e com isto conduzir os alunos a pensa-
rem como professarem sua feacute no espaccedilo escolar
No mais objetiva inserir meacutetodos de como introduzir conceitos sobre religiatildeo de ma-
triz africana natildeo como simples exigecircncia ao ritual pedagoacutegico mas como uma forma de tratar
as vivecircncias desses sujeitos em trocas a serem aplicadas no cotidiano escolar incorporando um
comportamento mais edificado na praacutetica aos cultos afros
Por fim acredita-se que o ambiente escolar seja sim este espaccedilo de promoccedilatildeo da
equidade com base na educaccedilatildeo com seu caraacuteter formador de opiniotildees que busca acima de
tudo superar a subtraccedilatildeo dessas crenccedilas no curriacuteculo escolar e naturalizando essas praacuteticas
sem o efeito da dominaccedilatildeo mas sim privilegiando o respeito a diversidade religiosa ali exis-
tente
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so nas Escolas Cadernos de Pesquisa v 46 n 160 p 466- 482 abrjun [sl] 2016
RIBEIRO Jonatas Roque Histoacuteria e ensino de histoacuteria perspectivas e abordagens Educaccedilatildeo
em Foco n 07 set 2013 p1-7 Campinas Satildeo Paulo
RIBEIRO Paulo Henrique Reis Religiotildees e religiosidades o sagrado e o profano no feste-
jo de Satildeo Benedito na cidade de Cururupu-MA 2014 Monografia (Graduaccedilatildeo) Curso de
Histoacuteria Universidade Estadual do Maranhatildeo 2014
THORNTON John K A Aacutefrica e os africanos na formaccedilatildeo do mundo atlacircntico (1400-
1800) Rio de Janeiro Editora Campus Elsivier 2004
VICENTINI Dalva Linda O trabalho pedagoacutegico na perspectiva multiintercultural em bus-
ca de accedilotildees didaacuteticas In SEMINAacuteRIO DE PESQUISA DO PPE Universidade Estadual de
Maringaacute 2009 Disponiacutevel em
lthttpwwwppeuembrpublicacoesseminario_ppe_2009_2010pdf200954pdf gt acesso
em 29 dezembro de 2017
127
APEcircNDICES
128
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHAtildeO
PROGRAMA DE POacuteS ndash GRADUACcedilAtildeO EM HISTOacuteRIA MESTRADO PROFISSIONAL
ndash PPGHIS
MESTRANDO JEcircIBEL MAacuteRCIO PIRES CARVALHO ndash e-mail dicarva-
lho36hotmailcom
QUESTIONAacuteRIO PARA OS ESTUDANTES
Prezado Estudante
Sob
re v
ocecirc e
a e
scola
Qual a sua idade ________
Vocecirc nasceu em que CidadeEstado _____________________________
Qual o seu sexo ( ) Masculino ( ) Feminino
Qual a sua cor _____________________________________
Vocecirc eacute ( ) Solteiro(a) ( ) Casado(a) ( ) Vive junto ( ) DivorciadoSeparado ( ) viuacutevo(a)
Vocecirc tem filho(s)( ) Sim ( ) Natildeo Em caso afirmativo quantos _______
Vocecirc trabalha( ) Sim ( ) Natildeo
Em caso afirmativo com que idade comeccedilou a trabalhar ________ E qual a sua profissatildeo ________________________
Vocecirc jaacute teve alguma reprovaccedilatildeo na escola ao longo de sua vida ( ) Sim ( ) Natildeo
Vocecirc gosta de vir pra escola( ) sim ( ) Sim mas depende da atividade ( ) Sim mas eacute muito cansativo ( ) Natildeo ( ) Natildeo ela se tornou muito difiacutecil ( ) Natildeo Se pudesse nem viria
Vocecirc se considera um bom estudante( ) Sim ( ) Natildeo
Por quecirc ___________________________________________________________________________
O que vocecirc quer ser Qual a profissatildeo que vocecirc planeja exercer no futuro
_________________________________________________________________________________
129
Sob
re s
eus
pais e
famiacutelia
Qual a escolaridade do seu pai
( ) nunca estudou ( )fundamental menor ( ) Fundamental maior ( ) Ensino Meacutedio ( ) Ensino superior
Qual a profissatildeoocupaccedilatildeo do seu pai __________________________
Qual a escolaridade da sua matildee
( ) nunca estudou ( )fundamental menor ( ) Fundamental maior ( ) Ensino Meacutedio ( ) Ensino superior
Qual a profissatildeoocupaccedilatildeo de sua matildee __________________________
Vocecirc(s) mora(m) em que bairro de Cururupu ____________________________________
Somando todas as rendas da sua famiacutelia vocecircs alcanccedilam
( ) Ateacute 1 salaacuterio miacutenimo ( ) de 2 a 3 salaacuterios miacutenimos ( ) de 3 a 6 salaacuterios
130
Sob
re s
er
negro
(a)
Vocecirc se considera negro (a) ( ) Sim ( ) Natildeo
Explique por que __________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
Em sua opiniatildeo existe alguma diferenccedila entre ser jovem negro(a) e ser jovem branco(a) para vocecirc
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
O que eacute bom em ser jovem e negro (a) em sua opiniatildeo
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
O que eacute ruim em ser jovem e negro (a) em sua opiniatildeo
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
Vocecirc jaacute vivenciou ou conhece algueacutem que sofreu preconceito racial ( ) Sim ( ) Natildeo
Em caso afirmativo onde ocorreu _______________________________________
Frente a uma situaccedilatildeo de racismo sofrida por algueacutem o que vocecirc faria
( ) Vocecirc tentar intervir ( ) Vocecirc se indigna mas fica calada ( ) Vocecirc natildeo se importa pois natildeo foi com vocecirc
( ) Natildeo sabe
Vocecirc jaacute presenciou algum conflito na escola devido a preconceitos ou questotildees raciais ( ) Sim ( ) Natildeo
O que o correu ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Vocecirc jaacute debateu esse tema (racismo preconceito discriminaccedilatildeo intoleracirccia) na escola
( )sempre ( ) de vez em quando ( ) raramente ( ) nunca
Vocecirc jaacute debateu sobre religiotildees afro-brasileiras na escola (candombleacute mina pajeacute umbanda tecircrecocirc etc)
( ) sempre ( ) de vez em quando ( ) raramente ( ) nunca
131
Esc
ola e
religiotildees
afr
o-bra
sileiras
Pra vocecirc o que eacute uma religiatildeo
Qual religiatildeo vocecirc se identifica
Vocecirc tem conhecimento de quais religiotildees satildeo praticadas em Cururupu
Pra vocecirc a escola valoriza a cultura e as religiotildees dos diversos grupos eacutetnico-raciais que compotildeem a sociedade brasileira
Como vocecirc acha que deveria que a escola deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo
Jaacute ouviu falar sobre religiotildees de matriz africana ou afro-brasileiras Quais
Frequentou ou frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana aqui na cidade Se sim em qual bairro
Vocecirc conhece algum terreiro de religiatildeo de matriz africana que se localiza proacuteximo ao Centro de Ensi-no Joatildeo Marques Miranda
Jaacute participou de algum festejo em terreiros de religiatildeo africana
A escola jaacute promoveu alguma atividade que estimulasse o diaacutelogo e a reflexatildeo sobre os terreiros da-qui
Vocecirc acha que a escola e terreiro deveriam desenvolver atividades que fortalecessem esses laccedilos Por quecirc
Vocecirc acha que as religiotildees de matriz africana sofrem discriminaccedilatildeo na escola
Vocecirc jaacute presenciou alguma praacutetica de discriminaccedilatildeo contra membros das religiotildees afros na escola Como se deu esse acontecimento
Conhece ou jaacute ouviu falar de algum pai ou matildee de santo que residem no entorno da escola
132
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHAtildeO
PROGRAMA DE POacuteS ndash GRADUACcedilAtildeO EM HISTOacuteRIA MESTRADO
PROFISSIONAL ndash PPGHIS
MESTRANDO JEcircIBEL MAacuteRCIO PIRES CARVALHO ndash e-mail di-
carvalho36hotmailcom (98) 98434-3856
QUESTIONAacuteRIO PARA PROFESSORES
Prezado Professor
O questionaacuterio que segue eacute parte da pesquisa de campo que estou realizando no Mestrado em
Histoacuteria da Universidade Estadual do Maranhatildeo-UEMA sob orientaccedilatildeo do professor Dr
Wheriston Silva Neacuteris Desde jaacute agradeccedilo sua colaboraccedilatildeo
Sob
re v
ocecirc e
a e
scola
Nome_______________________________Idade________________________________
Bairro_______________________________ Local de Nascimento___________________
Grau de instruccedilatildeo ( ) Magisteacuterio ( ) Superior
Aacuterea de formaccedilatildeo___________________________________________________________
Instituiccedilatildeo de formaccedilatildeo______________________________________________________
Ocupaccedilatildeo Profissional______________________________________________________
Disciplina que leciona na escola________________________________________________
A disciplina que leciona_____________________________________________________
Quantos anos trabalha como professor__________________________________________
Quanto tempo trabalha na escola_____________________________________________
Jaacute trabalhou com outra disciplina que natildeo fosse sua aacuterea de formaccedilatildeo_________________________ -
Qual sua cor___________
133
Sob
re r
eligiatildeo
Como define religiatildeo______________________________________________
Vocecirc tem alguma religiatildeo especiacutefica ( ) sim ( ) natildeo
Em caso afirmativo qual____________________________________________
Tendo uma religiatildeo especifica vocecirc participa das atividades_____________________
De quais atividades participa_______________________
Conhece algum tipo religiatildeo de matriz africana _____________________________
Jaacute participou de alguma atividade em cultos de religiatildeo de matriz africana______________
Vocecirc considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cultos de matriz africana em Cururupu
Considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cultos de matriz africana nas escolas Justifique
Nas escolas considera que os cultos africanos sofrem discriminaccedilatildeo________________________
134
Sob
re r
eligiatildeo
e p
raacutetica
pedagoacuteg
ica
A escola desenvolve atividades que falam das denominaccedilotildees religiosas praticadas em Cururupu
Como satildeo feitas essas abordagens
Haacute uma lei trata do Ensino de Aacutefrica e Cultura Afro-Brasileira tem conhecimento dessa Lei
Tem conhecimento sobre a Lei 106392003 Ensino de Aacutefrica e Cultura Afro-Brasileira se positivo
como conheceu a Lei caso natildeo conheccedila teria interesse em conhececirc-la
Tem acesso a materiais sobre Aacutefrica e Cultura Afro-Brasileira na escola ou fora dela
A data alusiva agrave comunidade negra como a escola tem trabalhado os temas sobre a populaccedilatildeo
negra
Como tem administrado as discussotildees sobre religiatildeo africana em sala de aula quando estas
acontecem
135
Esc
ola e
religiotildees
afr
o-bra
sileiras
Pra vocecirc a escola valoriza a cultura e as religiotildees dos diversos grupos eacutetnicos-raciais que compotildeem
a sociedade brasileira
Como vocecirc acha que a escola deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo no espaccedilo escolar
Frequentou ou frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana aqui na cidade Se sim
em qual bairro Como foi a experiecircncia
Jaacute participou de algum festejo em terreiros de religiatildeo de matriz africana
A escola jaacute promoveu alguma atividade que estimulasse o diaacutelogo e a reflexatildeo sobre os terreiros
daqui
Vocecirc acha que escola e terreiro deveriam desenvolver atividades que fortalecessem esses laccedilos
Por quecirc
Vocecirc jaacute presenciou alguma praacutetica de discriminaccedilatildeo contra membros das religiotildees afros na
escola Como se deu esse acontecimento
Conhece ou jaacute ouviu falar de algum pai ou matildee de santo que residem proacuteximo da escola qual
o nome
A escola jaacute fez alguma atividade com os terreiros proacuteximos da escola
O que acha que deveria ser feito para que debates mais contiacutenuos acontecessem na escola
sobre as religiotildees de matriz africana
136
137
138
Carvalho Jecircibel Maacutercio Pires
ldquoDos terreiros para a escola da escola para os terreirosrdquo problematizando as relaccedilotildees
entre instituiccedilotildees escolares e religiotildees afro-brasileiras a partir de CururupuMA Jecircibel
Maacutercio Pires Carvalho ndash Satildeo Luiacutes 2019
138 f il
Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria (PPGHIST) Uni-
versidade Estadual do Maranhatildeo 2019
Orientador Prof Dr Wheriston Silva Neris
1 Escola 2 Religiotildees afro-brasileiras 3 Cultura 4 Oficinas I Tiacutetulo
CDU 3739(6+81)(091)
Dedico este trabalho a minha matildee Mirtes
Pires Carvalho pela dedicaccedilatildeo a um anjo de pele preta que apareceu em
minha vida Joseacute Parece Nunes (in memori-
am) e a meu grande amor Jouberth Reis Sil-va (in memoriam)
AGRADECIMENTOS
Foi quando aprendi a fazer conta de subtraccedilatildeo para achar a idade que vi as maravi-
lhas que a educaccedilatildeo pode possibilitar a um indiviacuteduo Ainda nas seacuteries iniciais percebi que a
educaccedilatildeo poderia mudar minha vida Mais uma etapa se encerra houve muitas renuacutencias para
que pudesse realizar este trabalho Foram dois anos de muito aprendizado e um incansaacutevel
mundo de descobertas neste estaacutegio de minha formaccedilatildeo para tanto algumas pessoas foram
importantes para esta conquista
Assim comeccedilo agradecendo agrave minha matildee mulher dedicada e saacutebia com quem aprendi
que ldquoQuando se tem muito se come muito quando se tem pouco se come pouco quando natildeo
se tem nada natildeo se come nada mas natildeo se abaixa a cabeccedila e se vive com dignidaderdquo Ouvi
esta frase por anos em nossa educaccedilatildeo em meio aos insignificantes recursos inclusive de ali-
mentaccedilatildeo mas que me deu forccedila para seguir
Agradeccedilo tambeacutem a meu padrasto Joseacute Parece (in memoriam) que surgiu em minha
vida no dia e na hora certa para me oferecer o que mais me fazia falta comida Foi por isso
tambeacutem que cheguei aqui
Agraves minhas irmatildes Wiara Nunes pelo apoio nos momentos que mais precisei e pela de-
dicaccedilatildeo em cuidar da nossa matildee e agrave Hildna Adeacutelia pelo amor e apoio constante Agrave toda minha
famiacutelia meu muito obrigado
Aos amigos o grandessiacutessimo Nonato Macedo pela forccedila sem sua fidelidade e genero-
sidade natildeo teria conseguido chegar ateacute aqui obrigado quando agrave eacutepoca do seletivo do mestrado
no qual concorriacuteamos e com uma atitude digna dos grandes seres iluminados proferiu a frase
que marcou a minha vida ldquoJaacute estou de idade taacute aqui minhas apostilas estude passe e seja
mestre Vocecirc merecerdquo Nonato obrigado meu amigo Meu muito obrigado tambeacutem a Mozart
que quando eu trilhava o bairro inteiro com o intuito de economizar na passagem generosa-
mente dizia ldquoNatildeo faccedila mais isto para de andar quando precisar de dinheiro de passagem me
diz que te dourdquo Sou agradecido pelo acolhimento em sua casa A Valdenilton pela atenccedilatildeo e
zelo a mim prestada sempre que estou em Satildeo Luiacutes Todos vocecircs contribuiacuteram imensamente
para esse processo
Aos meus tios Israel Pires pela hospedagem carinho e conversas repletas de co-
nhecimentos ao Tio Milton Pires pela ajuda constante que me direciona Agrave outra pessoa
igualmente relevante para esse processo Regina Brito Costa grato pelos bilhetes de autoriza-
ccedilatildeo agrave eacutepoca da CNEC quando dos enormes atrasos nas mensalidades
Agrave Jorlidalva pelo apoio incondicional essa mulher com um coraccedilatildeo gigante que me
reergueu quando havia perdido o interesse pela profissatildeo
Agrave Marileide pela sensibilidade e apoio junto a Secretaria de Educaccedilatildeo de Serrano do
Maranhatildeo que permitiu que iniciasse o mestrado
Ao Secretaacuterio Carlos Pinheiro pela coragem em assumir o compromisso em permitir
que eu concluiacutesse o mestrado
ldquoAgraveS REISrdquo Ana Maria Alessandra Alexandro Rosana Tatiana Dilla Mayara
Mendes Ronald e a todos que formam essa famiacutelia esplecircndida da qual me orgulho de ter em
meu conviacutevio muito obrigado
A negra mais espetacular que conheci Juacutelia Reis (in memoriam) que me orgulho de
chamaacute-la de matildee pela generosidade respeito inteligecircncia carinho com que tratava o ser hu-
mano e por ter feito de sua vida e sua casa a filosofia ubuntu
Agrave minha pequena notaacutevel Tatiana Reis por me inspirar e possibilitar seu conviacutevio pe-
los livros emprestados que deram base agrave minha pesquisa e pelo apoio incondicional Faltam
palavras para externar o imenso carinho e admiraccedilatildeo que tenho por ti
Ao grande amor da minha vida que cedo partiu deixando um vazio imenso Jouberth
Reis Silva (in memoriam) pelo zelo e carinho que me dedicavas
Agradeccedilo agrave Alzenira Pestana pelo esforccedilo em providenciar meu diploma do Magisteacute-
rio para que eu pudesse entrar na Universidade
Ao meu grande amigo Joseacute Maria Marques pelo tratamento e por ter dividido comigo
a cena mais heroica de minha vida estudantil ao tempo da extinta CNEC quando com meses
de atraso e impossibilitados de entrar prendemos os braccedilos do porteiro para entrarmos e mos-
trarmos que com todo fardo das dificuldades financeiras queriacuteamos estudar fato que fomos
convidados a se retirar de sala e sermos aplaudidos pelos alunos Zeacute muito obrigado
Ao Professor Joseacute Francisco Pestana e a Izabel Nogueira pela quitaccedilatildeo das mensalida-
des muito obrigado
Ao Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda pelo acolhimento da minha pesquisa
Aos pais de santos pela atenccedilatildeo e consideraccedilatildeo em relatar suas histoacuterias e abrir suas
casas para as entrevistas
Agrave Mocircnica Picollo pela eficiente conduccedilatildeo do Programa e atenccedilatildeo a mim direcionada
Admiraccedilatildeo eacute o que melhor explica nossa relaccedilatildeo muito obrigado
Agraves professoras Ana Liacutevia Bomfim pela inspiraccedilatildeo como profissional pela frase que me
fez crer que tudo eacute possiacutevel ldquoNatildeo naturalize nada em sua vidardquo frase que veio como um man-
tra agrave Sandra Regina pelas aulas inspiradoras e cheias de sorrisos e Milena Galdez pelo espe-
taacuteculo de pessoa e pelas enormes contribuiccedilotildees que me que ajudaram a confirmar a possibili-
dade de debates entre as religiotildees muito obrigado
Agrave Diretora do Centro de Ensino Profordf Joana Batista Dias Josilene Conde Marina Bra-
ga pela compreensatildeo nas minhas ausecircncias Aos amigos Carlos Pimentel e Marcos Soares
pela ajuda na minha ausecircncia na escola do estado obrigado Ao Professor Noir Santos Pro-
fessor Jornandes e Alexandre Miranda Aos amigos Leandro Seacutergio Ederlon Mariano e An-
tonilson pela ajuda ao meu primo Leandro Lima pelo carinho Ao companheiro Joatildeo Barros
por ser sempre solicito a Osmilda Neovaldo Ana Isabel Aldo Guedes e a Raimunda e Neti-
nho Oliveira
Ao meu eterno Professor Luiacutes Claudio pelo incentivo e por matar minha fome nas ho-
ras que me faltavam muitiacutessimo obrigado
Ao grupo de jovem JAF onde muito aprendi e convivi com pessoas maravilhosas ao
grupo OMNIRAacute pelas oportunidades em mostrar meu lado artiacutestico
Aos meus colegas de mestrado foi uma experiecircncia que jamais irei esquecer a Renata
pela constante atenccedilatildeo Amanda Jeacutessica Mayara Adriana Jeferson Tereza Edilene Cirila
Gustavo Lara Drielle Diego Laiana Cleidiane MUITO OBRIGADO
Agradeccedilo imensamente ao Professor Wheriston Silva Neris pelo compromisso com a
pesquisa a atenccedilatildeo e zelo como me orientou sabendo das dificuldades que tinha a sua humil-
dade seu talento em conduzir minhas duacutevidas com muito respeito e humanidade sua orienta-
ccedilatildeo me mostrou que podemos ir bem longe quando somos bem conduzidos e foi isto que sua
intelectualidade me mostrou Quando o vi em Bacabal em 2014 palestrando foi quiacutemica agrave
primeira vista o destino me possibilitou que o tivesse como orientador sou muito grato por ter
dividido com vocecirc essa etapa da minha vida palavras satildeo poucas para externar o enorme ca-
rinho respeito admiraccedilatildeo e gratidatildeo que tenho Obrigado por tudo pelo universo que colo-
castes em minhas matildeos MUITO OBRIGADO
Quando o Sol
Se derramar em toda sua essecircncia
Desafiando o poder da ciecircncia
Pra combater o mal
E o mar
Com suas aacuteguas bravias
Levar consigo o poacute dos nossos dias
Vai ser um bom sinal
Os palaacutecios vatildeo desabar
Sob a forccedila de um temporal
E os ventos vatildeo sufocar o barulho infernal
Os homens vatildeo se rebelar
Dessa farsa descomunal
Vai voltar tudo ao seu lugar
Afinal
Vai resplandecer
Uma chuva de prata do ceacuteu vai descer la la la
O esplendor da mata vai renascer
E o ar de novo vai ser natural
Vai florir
Cada grande cidade o mato vai cobrir ocirc ocirc
Das ruiacutenas um novo povo vai surgir
E vai cantar afinal
As pragas e as ervas daninhas
As armas e os homens de mal
Vatildeo desaparecer nas cinzas de um carnaval
(Clara Nunes- As Forccedilas da Natureza)
RESUMO
O objetivo deste trabalho eacute discutir as relaccedilotildees entre instituiccedilotildees escolares e religiotildees afro-
brasileiras tomando como unidade empiacuterica de anaacutelise um contexto relacional representado
pelo Bairro de Satildeo Benedito localizado na periferia da cidade de Cururupu-Maranhatildeo Trata-
se aqui de colocar sob foco as interfaces cruzamentos de espaccedilos e diaacutelogos possiacuteveis entre o
Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda e os 14 terreiros existentes que circundam a escola
Metodologicamente a pesquisa busca combinar diferentes estrateacutegias tais como a aplicaccedilatildeo
de questionaacuterios e a realizaccedilatildeo de entrevistas temaacuteticas com (ex) gestores professores e dis-
centes e lideranccedilas religiosas de terreiros atuantes nesse mesmo bairro Em um momento no
qual o tratamento da questatildeo da diferenccedila e da cultura em meios educacionais tem entrado na
pauta do dia produzindo impactos e novos desafios para os profissionais do espaccedilo escolar
buscamos natildeo somente suscitar a criacutetica reflexiva sobre as formas de preconceito e estigmati-
zaccedilatildeo ainda em voga como tambeacutem explorar experimentalmente vias de diaacutelogos entre atores
tatildeo proacuteximos geograacutefica e simbolicamente mas ao mesmo tempo tatildeo distantes em termos de
conhecimento e reconhecimento Para tanto propusemos a realizaccedilatildeo de Oficinas como lugar
coletivo para aproximaccedilatildeo debate e diaacutelogo a partir do proacuteprio contexto em pauta entendido
enquanto meio para gerar novas praacuteticas para o ensino de Histoacuteria e a aquisiccedilatildeo de competecircn-
cias ciacutevicas importantes para a cidadania e respeito agrave diferenccedila A experiecircncia resultante da
execuccedilatildeo dessa proposta de intervenccedilatildeo pedagoacutegica foi condensada no produto apresentado
em anexo constituindo uma forma de contribuiccedilatildeo aplicada dessa dissertaccedilatildeo
Palavras-Chave Escola Religiotildees Afro-brasileiras Cultura Oficinas
ABSTRACT
The objective of this work is to discuss the relations between school institutions and Afro-
Brazilian religions taking as an empirical unit of analysis a relational context represented by
the District of Satildeo Benedito located in the outskirts of the city of Cururupu-Maranhatildeo The
focus here is on the interfaces crossings of spaces and possible dialogues between the Joatildeo
Marques Miranda Teaching Center and the 14 existing terreiros that surround the school
Methodologically the research seeks to combine different strategies such as the application
of questionnaires and thematic interviews with (ex) managers professors and students and
religious leaders from terreiros operating in the same neighborhood At a moment in which
the treatment of the issue of difference and culture in educational media has entered the agen-
da of the day producing impacts and new challenges for the professionals of the school space
we seek not only to provoke the reflexive criticism about the forms of preconception and
stigmatization still in vogue as well as tentatively exploring ways of dialogue between actors
so closely geographically and symbolically but at the same time so far apart in terms of
knowledge and recognition In order to do so we proposed the realization of workshops as a
collective place to approach debate and dialogue from the context in question understood as
a means to generate new practices for the teaching of History and the acquisition of important
civic competences for the citizenship and respect to the difference The experience resulting
from the implementation of this pedagogical intervention proposal was condensed into the
final product presented in the annex constituting a form of applied contribution of this disser-
tation
Keywords School Afro-Brazilian religions Culture Offices
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Imagem1- Desfile da Unidos de Vila Isabel44
Imagem 2- Marcha Zumbi dos Palmares47
Imagem 3- Fachada do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda61
Imagem 4- Joatildeo Marques Miranda62
Imagem 5- Profordf Floranilde Dias da Silva81
Imagem 6- Profordf Deacuterika Sandriane da Silva Maia83
Imagem 7- Profordm Eacutelcio Silva 84
Imagem 8- Profordf Raimunda Nonata86
Imagem 9- Matildee de Santo Maria Clara Cunha 87
Imagem 10- Mapa do Bairro de Satildeo Benedito96
Imagem 11- Festival de Carro de Boi99
Imagem 12- Terreiros do bairro de Satildeo Benedito101
Imagem 13- Isabel Mineira (in memoriam) 103
Imagem 14- Pai de Santo Fracircncio Jacircnio Silva Veras 104
Imagem 15- Pai de Santo Luiacutes Afonso Azevedo Silva106
Imagem 16- Pai de Santo Edimir107
Imagem 17- Matildee de Santo Edna Pires 108
Imagem 18- Matildee de Santo Faacutetima Cadete109
Imagem 19- Pai de Santo Joseacute Maria Ramos110
Imagem 20- Iniciada Tereza Cadete111
LISTA DE SIGLAS
CBPE- Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
CCE- Conselho Estadual de Educaccedilatildeo
CEERSEMA- Centro Ecumecircnico de Estudos Religiosos Superiores do Maranhatildeo
CMF- Comissatildeo Maranhense de Folclore
CNE- Conselho Nacional de Educaccedilatildeo
EJA- Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos
FNB- Frente Negra Brasileira
FUNASA ndash Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede
GCNC- Grupo de Consciecircncia Negra de Cururupu
GEAR- Grupo de Estudos Andreacute Rebouccedilas
GTI- Grupo de Trabalho Interministerial
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IPCN- Instituto de Pesquisas de Cultura Negra
JAF- Jovens Armas do Futuro
MEC-Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura
MNU- Movimento Negro Unificado
PCNrsquos- Paracircmetros Curriculares Nacionais
SECAD- Secretaria de Educaccedilatildeo a Distacircncia Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade
SECNEB- Sociedade de Estudos de Cultura Negra no Brasil
SINBA- Sociedade de Intercacircmbio Brasil Aacutefrica
UEMA- Universidade Estadual do Maranhatildeo
LISTA DE GRAacuteFICOS
Graacutefico 01- Vocecirc se considera negro65
Graacutefico 02- Vocecirc tem conhecimento de quais religiotildees satildeo praticadas em Cururupu66
Graacutefico 03- Jaacute ouviu falar sobre religiatildeo afro-brasileira67
Graacutefico 04- Frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana na cidade67
Graacutefico 05- Vocecirc conhece algum terreiro de religiatildeo de matriz africana que fica localizada proacuteximo ao
CEJMMiranda68
Graacutefico 06- Conhece algum pai ou matildee de santo que residem proacuteximo da escola69
Graacutefico 07- J aacute participou de algum festejo em terreiro de religiatildeo de matriz africana69
Graacutefico 08- Vocecirc acha que as religiotildees de matriz africana sofrem discriminaccedilatildeo na escola70
Graacutefico 09- Como vocecirc acha que a escola deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo71
Graacutefico 10- Como define religiatildeo73
Graacutefico 11- Conhece alguma religiatildeo de matriz africana74
Graacutefico 12- Jaacute participou de alguma atividade em cultos de matriz africana74
Graacutefico 13- Considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cultos de matriz africana75
Graacutefico 14- Nas escolas considera que os cultos africanos sofrem discriminaccedilatildeo75
Graacutefico 15- A escola desenvolve atividades que falam das denominaccedilotildees religiosas praticadas em
Cururupu Como satildeo feitas essas abordagens 76
Graacutefico 16- Tem conhecimento sobre a Lei 106392003 que trata do Ensino de Histoacuteria da Aacutefrica e
Cultura Afro-brasileira nas escolas77
Graacutefico 17- Tem acesso a materiais sobre Aacutefrica e Cultura Afro-brasileira nas escolas ou fora dela77
Graacutefico 18- As datas alusivas agrave comunidade negra como a escola tecircm trabalhado os temas78
Graacutefico 19- Como tem administrado as discussotildees sobre religiatildeo africana em sala de aula quando
estas acontecem 78
Graacutefico 20- Vocecirc acha que a escola e os terreiros deveriam desenvolver atividades que fortalecessem esses laccedilos Por quecirc78
Graacutefico 21- O que vocecirc acha que deveria ser feito para que debates acerca das religiotildees acontecessem
na escola 79
Graacutefico 22- Conhece pais e matildees de santo que residem proacuteximos da escola80
LISTA DOS TERREIROS
Terreiro 01- Pingo Drsquoaacutegua Matildee Isabel Mineira (in memoriam)
Terreiro 02- Quarto altar Pai Fracircncio Jacircnio Veras
Terreiro 03- Pai Joaquim de Angola Pai Luiacutes Afonso Azevedo
Terreiro 04- Santo Antocircnio Matildee Maria Bebo Soeira (in memoriam)
Terreiro 05- Santa Baacuterbara Pai Edimir Pires Mota
Terreiro 06- Santa Baacuterbara Matildee Edina Pires
Terreiro 07- Quarto altar Pai Deiran
Terreiro 08- Santa Luzia Matildee Faacutetima Cadete
Terreiro 09- Santa Baacuterbara Matildee Valdelina
Terreiro 10- Quarto altar Pai Daacuterio
Terreiro 11- Quarto altar Pai Sebastiatildeo Conde
Terreiro 12- Satildeo Sebastiatildeo Pai Jorge de Abdias
Terreiro 13- Deus eacute quem Guia Pai Joseacute Maria Ramos
Terreiro 14- Quarto altar Iniciada Tereza Cadete
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO18
I -Referenciais de anaacutelise-Antropologia da educaccedilatildeo-repensando a diferenccedila no espaccedilo
escolar 19
II-Formas escolares hegemonicas e culturas escolares
especiacuteficas23
III-Encaminhamentos da pesquisa escolha temaacutetica e a posiccedilatildeo do pesquisador 26
IV- Estrutura do trabalho 28
CAPIacuteTULO 1 - A CULTURA AFRO-BRASILEIRA NOS BANCOS ESCOLARES
Diversidade diferenccedila e Cultura Escolar30
11 A contribuiccedilatildeo da Histoacuteria da Aacutefrica para a humanidade 30
12 A cultura afro-brasileira e o espaccedilo escolar 35
13 As lutas para afirmaccedilatildeo da cultura Afro-Brasileira 40
CAPIacuteTULO 2- RELACcedilOtildeES EacuteTNICO-RACIAIS lutas movimentos e reformas poliacuteticas edu-
cacionais43
CAPIacuteTULO 3 -DA ESCOLA PARA OS TERREIROS Normas experiecircncias e percepccedilotildees sobre
as religiotildees afro-brasileiras53
31 As mutaccedilotildees no curriacuteculo e o desafio de implementaccedilatildeo da Lei 106392003 53
32 Descrevendo a instituiccedilatildeo escolar histoacuterias atores e experiecircncias 60
33 Mapeando as avaliaccedilotildees de discentes e docentes sobre religiotildees afro-brasileiras 63
34 Entrando no mundo dos alunos 64
35 As religiotildees afro-brasileiras entre os docentes 72
36 Experiecircncias e percepccedilotildees de docentes acerca da relaccedilatildeo entre escola e comunidade 80
CAPIacuteTULO 4 - DA COMUNIDADE PARA A ESCOLA histoacuterias percepccedilotildees e experiecircncias de
um diaacutelogo possiacutevel 90
41 Perspectiva de investigaccedilao sobre a histoacuteria e cultura afro-brasileira no
Maranhao92
42 Descrevendo o bairro Satildeo Benedito festas populares e tracircnsitos religiosos 95
43 Histoacuterias de terreiros terrenos de memoacuterias e de histoacuterias101
CAPIacuteTULO 5- OFICINAS PEDAGOacuteGICAS E A HISTOacuteRIA E CULTURA AFRO-
BRASILEIRA 113
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 117
REFEREcircNCIAS 119
APEcircNCICES127
18
INTRODUCcedilAtildeO
Cururupu eacute um municiacutepio localizado no Litoral Ocidental Maranhense composto
em sua maior parte por descendentes de africanos que vieram do antigo Daomeacute1 na Regiatildeo
Ocidental da Aacutefrica Conforme dados do uacuteltimo Censo do IBGE a populaccedilatildeo residente no
municiacutepio concentra-se predominantemente na religiatildeo Catoacutelica seguido de longe pelas de-
nominadas evangeacutelicas Ocorre que embora natildeo sejam apresentados registros de pertencentes
agraves religiotildees afro-brasileiras a cidade eacute conhecida no cenaacuterio estadual como terra de grandes
pais e matildees de santo Atualmente Cururupu possui uma grande quantidade de terreiros na
sede havendo bairros que contam com aproximadamente cinco a sete casas de cultos aos ori-
xaacutes voduns e caboclos2 De maneira geral esses terreiros estatildeo localizados em aacutereas afastadas
e perifeacutericas do municiacutepio para onde afluem os praticantes e admiradores nas muacuteltiplas oca-
siotildees e ciclos de cerimocircnias e festas aos santos Nessas ocasiotildees participam das muacuteltiplas
atividades ali desenvolvidas com a utilizaccedilatildeo de tambores danccedilas e muacutesicas que fazem parte
da liturgia empregada pelos sacerdotes e sacerdotisas para evocar as divindades
Neste cenaacuterio cabe destacar o Bairro Satildeo Benedito localizado justamente na peri-
feria do referido municiacutepio onde estaacute localizado o Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda
escola da rede estadual selecionada como laboratoacuterio para discutirmos sobre o processo de
integraccedilatildeo da Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africana no cotidiano escolar conforme
respalda a Lei 106392003 Levando em conta que a referida lei foi promulgada haacute uma deacute-
cada e meia o que esteve no ponto de partida deste trabalho foi o desejo de investigar como
uma instituiccedilatildeo escolar e seus atores rodeada por nada menos do que 09 (nove) terreiros3 e 05
quarto altar que lida justamente com o tema da diversidade eacutetnico-religiosa brasileira nota-
damente de matriz afro-brasileira
1 Paiacutes africano de onde vieram escravizados para trabalharem nas fazendas de mandioca accediluacutecar e aguardente de Cururupu Daomeacute eacute atualmente Benim 2 Em Cururupu as casas de cultos as entidades possuem grande quantidade de adeptos que ajudam na organiza-
ccedilatildeo dos festejos Essas comunidades organizadas nos terreiros respeitam um grau de ligaccedilatildeo entre serviccedilos pres-
tados pelo pai de santo ao assistente ou a um membro da famiacutelia deixando um laccedilo de gratidatildeo eacute comum famiacute-
lias inteiras frequentarem os terreiros nas mesmas condiccedilotildees de tarefas 3 Terreiro Pingo Drsquoaacutegua de Matildee Izabel Mineira (in memoriam) Terreiro Santa Baacuterbara do Pai Edmir Mota Ter-
reiro Santa Baacuterbara de Matildee Edna Pires Terreiro de Santa Luzia de Matildee Faacutetima Cadete Terreiro Satildeo Sebastiatildeo
de Pai Jorge de Abdias Terreiro Pai Joaquim de Angola de Pai Luiacutes Quarto-Altar de Pai Daacuterio Quarto-Altar de
Sebastiatildeo Conde Terreiro Santo Antonio de Matildee Maria Bebo Soeira (in memoriam) Quarto-Altar de Pai Dei-
ran Terreiro Deus me Guia de Pai Joseacute Maria Quarto-Altar de Tereza Cadete Quarto-Altar de Pai Fracircncio Ve-
ras Terreiro Santa Baacuterbara de Matildee Valdelina
19
Com efeito o objetivo da presente dissertaccedilatildeo foi analisar a pluralidade de olhares
sobre escolas e terreiros e suas intra e inter-relaccedilotildees tomando como unidade empiacuterica de anaacute-
lise um contexto relacional representado pelo Bairro de Satildeo Benedito localizado na periferia
da cidade de Cururupu- Maranhatildeo Objetivamente trata-se aqui de colocar sob foco as inter-
faces cruzamentos de espaccedilos e diaacutelogos possiacuteveis entre o Centro de Ensino Joatildeo Marques
Miranda e as casas de cultos existentes que circundam a escola Metodologicamente a pes-
quisa busca combinar diferentes estrateacutegias tais como a aplicaccedilatildeo de questionaacuterios de admi-
nistraccedilatildeo direta e a realizaccedilatildeo de entrevistas temaacuteticas com (ex) gestores professores alunos
e lideranccedilas religiosas de terreiros atuantes nesse mesmo bairro O tiacutetulo da presente disserta-
ccedilatildeo ldquoDos terreiros para a escola da escola para os terreirosrdquo claramente inspirado nos traba-
lhos da Antropologia da Educaccedilatildeo notadamente Stela Caputo (2012) e Rachel Rua Baptista
Bakke (2011) entre outros tenta expressar justamente o esforccedilo por problematizar os pontos
de vista de atores sociais que protagonizam as relaccedilotildees entre escola e comunidade em uma
conjuntura histoacuterico-social especiacutefica o que permite situar o foco da presente pesquisa sobre
as interfaces cruzamentos de espaccedilos e co-representaccedilotildees identitaacuterias resultantes de certo
estaacutegio de relaccedilotildees e incompreensotildees entre esses dois universos
I - Referenciais de anaacutelise- Antropologia e Educaccedilatildeo repensando a diferenccedila no espaccedilo
escolar
Dentro da perspectiva analiacutetica adotada neste estudo os principais referenciais pa-
ra discussatildeo sobre como a alteridade tem sido experienciada dentro da escola estatildeo baseados
nos trabalhos situados na fronteira entre Educaccedilatildeo e Antropologia Poreacutem eacute vaacutelido ressaltar
desde jaacute que natildeo se trata aqui exatamente de adentrar nas disputas de fronteiras entre essas
aacutereas mas de tentar situar-se dentro de um conjunto de um campo ainda bastante incipiente e
em processo de consolidaccedilatildeo (GUSMAtildeO 2009)
Eacute nesse sentido que vale agrave pena retomar alguns apontamentos de Amurabi Olivei-
ra (2017) a respeito das interfaces entre Antropologia e Educaccedilatildeo no Brasil O ponto de parti-
da do autor eacute a constataccedilatildeo de que embora se trate de um campo de pesquisas em processo de
consolidaccedilatildeo a introduccedilatildeo da antropologia nas praacuteticas pedagoacutegicas aleacutem de natildeo ser recente
tende a se tornar cada vez mais complexa com o passar do tempo Assim seja atraveacutes da in-
serccedilatildeo da disciplina de Introduccedilatildeo agrave Antropologia Pedagoacutegica no curriacuteculo de escolas nor-
mais antes mesmo da criaccedilatildeo dos primeiros cursos de Ciecircncias Sociais no Brasil seja pela
20
intervenccedilatildeo de antropoacutelogos reconhecidos na formulaccedilatildeo de poliacuteticas educacionais no Brasil ndash
a exemplo de Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro que participaram ativamente do Centro Brasi-
leiro de Pesquisas Educacionais - (CBPE) o que importa reter eacute que as interfaces entre Educa-
ccedilatildeo e Antropologia natildeo constituem aqui um fenocircmeno ineacutedito (OLIVEIRA 2017)
Contudo como explicita o mesmo autor aleacutem do processo de consolidaccedilatildeo insti-
tucional dessas duas aacutereas no Brasil ter reforccedilado o isolamento de ambas a partir da deacutecada de
1970 no caso especiacutefico da Antropologia parece pesar ldquoo fato de que as populaccedilotildees que pre-
dominantemente foram objeto de reflexatildeo por parte dessa ciecircncia soacute paulatinamente tiveram
amplo acesso ao sistema educacional formalrdquo (OLIVEIRA 2017) Dessa forma como des-
creve Neusa Gusmatildeo (2009) o caso eacute que se os estudos antropoloacutegicos sobre a educaccedilatildeo
ganham forccedila a participaccedilatildeo de antropoacutelogos em projetos educacionais e poliacuteticas educativas
tem sido uma constante no Brasil
Em certa medida isso ajuda a explicar o porquecirc da questatildeo da diferenccedila da cultu-
ra e das desigualdades vir sendo inserida na pauta do dia das poliacuteticas nacionais de educaccedilatildeo e
das poliacuteticas de diversidade ndash Leis 1063903 e 1164508 4e das accedilotildees afirmativas no ensino
superior produzindo impactos e novos desafios no espaccedilo escolar brasileiro
Seja como for o que importa destacar com isso eacute que na medida em que essas po-
liacuteticas educacionais colocam como foco central a questatildeo da relaccedilatildeo com a diferenccedila e a ques-
tatildeo da alteridade toca-se diretamente em princiacutepios antropoloacutegicos importantes e necessaacuterios
para uma atitude humanista e problematizadora do espaccedilo escolar Como parte das Ciecircncias
Humanas a Educaccedilatildeo e a Antropologia encontram no estudo do homem em suas diferentes
nuances costumes crenccedilas e haacutebitos a chave para desnaturalizar as visotildees etnocecircntricas para
enfatizar o relativismo a valorizaccedilatildeo da diversidade questotildees essas cada vez mais importan-
tes em nosso tempo e realidade Essa constitui uma das principais contribuiccedilotildees da Antropo-
logia concebida aqui nas palavras de Siqueira (2007) como
O estudo do homem buscando um enfoque totalizador que integre os aspec-
tos culturais e bioloacutegicos no presente e no passado focalizando as relaccedilotildees entre o homem e o meio entre o homem e a cultura e entre o homem com o
homem (SIQUEIRA 2007 p 17)
4 Lei 116452008 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Indiacutegena alterada pela
Lei nordm 9394 de 20 de dezembro de 1996 modificada pela Lei nordm 10639 de 9 de janeiro de 2003 que estabelece
as diretrizes e bases da educaccedilatildeo nacional para incluir no curriacuteculo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da
temaacutetica (DE PAULO 2015 p 69)
21
Portanto a Antropologia estuda a diversidade cultural dos povos entrelaccedilando os as-
pectos que contribuiacuteram para a formaccedilatildeo das sociedades como ciecircncia preocupa-se com a
questatildeo das diferenccedilas e busca propor formas de intervenccedilatildeo sobre a realidade papel a que se
dirige qualquer conhecimento produzido a partir das relaccedilotildees entre os homens e o mundo so-
cial criado por eles Neste mundo social a que o autor faz inferecircncia satildeo fartamente observa-
dos os elementos que compotildee as culturas de cada sociedade bem como seus elementos cons-
tituintes
Neste sentido como cultura podemos entender todo tipo de manifestaccedilatildeo social mo-
dos haacutebitos comportamentos rituais crenccedilas mitos e outros aspectos sendo portanto fon-
tes de pesquisa para os estudiosos da antropologia Neste aspecto esta ciecircncia carrega em seu
repertoacuterio conceitual o encadeamento das accedilotildees que envolvem o comportamento humano
bem como sua maneira de desenvolvimento peculiar para a realizaccedilatildeo de atividades que en-
volvam o entendimento das massas em estudos auxiliando em eminentes intervenccedilotildees que
implicam numa compreensatildeo mais proacutexima da realidade bem como os apontamentos de vari-
aacuteveis Para isto
A antropologia como ciecircncia preocupa-se com a questatildeo das diferenccedilas e
busca propor formas de intervenccedilatildeo sobre a realidade papel a que se dirige
qualquer conhecimento produzido a partir das relaccedilotildees entre os homens e o
mundo social criado por eles (GUSMAtildeO 2009 p 54)
Dessa perspectiva a educaccedilatildeo eacute tomada aqui como uma praacutetica reflexiva que se enri-
quece pelas intersecccedilotildees com outras aacutereas do saber no caso a Antropologia Isto eacute se esti-
vermos em condiccedilotildees de entender que a educaccedilatildeo em seu sentido amplo de processo de inte-
graccedilatildeo dos indiviacuteduos agrave sociedade encontra-se no cerne do processo de transmissatildeo das he-
ranccedilas sociais e culturais entre as geraccedilotildees Em suma a educaccedilatildeo particularmente em suas
formas mais institucionais e formalizadas exerce papel central no processo de aprendizado do
ser social
Sobre a questatildeo da diferenccedila eacute vaacutelido ressaltar que as sociedades sobretudo as con-
temporacircneas satildeo compostas por diferentes grupos humanos que deteacutem interesses contrapos-
tos e identidades culturais em conflito Frente a esse quadro a Antropologia tem muito a con-
tribuir visto que oferece aberturas para pensar a relaccedilatildeo com a alteridade e a diferenccedila dado
que o proacuteprio espaccedilo escolar se encontra perpassado pela heterogeneidade Eacute precisamente
nesse sentido que vale acompanhar algumas consideraccedilotildees de Irene Aparecida Aacutevila (2010)
Nilma Lino Gomes (2012) e Vera Maria Ferratildeo Candau (2012) a respeito das dinacircmicas cul-
turais que atravessam e permeiam o espaccedilo escolar
22
Segundo Irene Aacutevila (2010) eacute crucial repensar como a composiccedilatildeo social heterogecircnea
na sociedade brasileira se apresenta no espaccedilo escolar entendido como meio necessaacuterio para
trabalhar o direito agrave diferenccedila e agraves competecircncias ciacutevicas de respeito agrave pluralidade de ideias e
culturas
Reconhecer a diferenccedila que existe nos indiviacuteduos e nos grupos passa a ser percebida como direitos correlatos pois a convivecircncia em uma sociedade
democraacutetica depende da aceitaccedilatildeo da ideia de compormos uma totalidade
social heterogecircnea na qual natildeo deve ocorrer a exclusatildeo (AacuteVILA 2010 p
36)
Ao discutir sobre a heterogeneidade social e seus contrapontos a autora parte do pres-
suposto que a formaccedilatildeo brasileira eacute majoritariamente composta por diferentes matrizes eacutetnicas
(o iacutendio nativo o negro escravizado e o branco colonizador) que ao longo da Histoacuteria do Bra-
sil sempre estiveram em disputas pela manutenccedilatildeo de suas raiacutezes simboacutelicas Disputa essa
marcada por relaccedilotildees de poder Ocorre que demorou muito tempo para que surgissem propos-
tas e reformas poliacutetico-educacionais que afirmassem o discurso multiculturalista nos estabele-
cimentos de ensino (OLIVEIRA 2010) Bandeira poliacutetica recente ateacute entatildeo a heterogeneida-
de do social era negligenciada no curriacuteculo (GOMES 2012) produzindo uma escola pura-
mente eurocecircntrica segregacionista e recrudescedora das desigualdades sociais isto eacute ldquocrian-
do um ambiente onde as diferenccedilas natildeo satildeo privilegiadasrdquo (AacuteVILA 2010 p 40)
Neste sentido cabe agrave escola fazer o aluno compreender que ldquoa realidade social natildeo eacute
uma coisa dada e acabadardquo (BRANDAtildeO 1993 p 23) e que o respeito agrave diferenccedila constitui
parte importante de reforccedilo de uma moral e ciacutevica que garanta igualdade e liberdade a todos
Aqui ao tecermos essas consideraccedilotildees assumimos inevitavelmente uma posiccedilatildeo poliacutetica
Aliaacutes ldquoNo tocante a isto vale lembrar acerca da noccedilatildeo de cultura que sempre foi e eacute portan-
to uma noccedilatildeo que se define eminentemente como poliacuteticardquo (GUSMAtildeO 2009 p 53)
Para Nilma Lino Gomes por outro lado para equacionar a ausecircncia de um debate efe-
tivo sobre a diferenccedila e que reafirme a autoestima e as identidades dos diferentes atores no
espaccedilo escolar deve-se problematizar o proacuteprio sentido e finalidade da educaccedilatildeo Como asse-
vera na praacutetica natildeo se educa para alguma coisa educa-se porque a educaccedilatildeo eacute um direito e
como tal deve ser garantido de forma igualitaacuteria equacircnime e justa (GOMES 2012 p01)
Trata-se de uma perspectiva semelhante agravequela defendida por Vera Maria Candau para quem
[] a educaccedilatildeo escolar natildeo pode ser reduzida a um produto que se negocia na loacutegi-ca do mercado nem ter como referecircncia quase que exclusivamente a aquisiccedilatildeo de
determinados ldquoconteuacutedosrdquo por mais socialmente reconhecidos que sejam Deve ter
como horizonte a construccedilatildeo de uma cidadania participativa a formaccedilatildeo de sujeitos
23
de direito o desenvolvimento da vocaccedilatildeo humana de todas as pessoas nela impli-
cadas (CANDAU 2012 p721)
Agrave vista disso a perspectiva antropoloacutegica em que se inspira a presente pesquisa con-
tribui natildeo somente para compreender o espaccedilo escolar a partir de uma abordagem mais mi-
croscoacutepica como tambeacutem constitui ferramenta importante para trabalhar competecircncias para
uma vida ciacutevica responsaacutevel O qual exige que o trabalho com o relativismo cultural que eacute
intriacutenseco agrave aacuterea seja exercitado na maneira como abordamos as culturas os costumes e ex-
periecircncias dos diferentes grupos dentro do espaccedilo escolar Foi precisamente essa concepccedilatildeo
de fundo qual seja a de que a escola deve apostar no trabalho com as diferentes manifestaccedilotildees
culturais com a histoacuteria local que esteve no ponto de partida das intervenccedilotildees pedagoacutegicas
que realizamos
II- Formas escolares hegemocircnicas e culturas escolares especiacuteficas
A discussatildeo sobre a cultura escolar natildeo constitui exclusividade da Antropologia Nesse
sentido com a finalidade de produzir aportes para o nosso proacuteprio trabalho de pesquisa pro-
curamos explorar dentro do campo historiograacutefico as pesquisas e propostas de observaccedilatildeo que
mais se ajustassem ao objetivo principal do trabalho qual seja o de problematizar as relaccedilotildees
entre escola e terreiros a partir da maneira como lidam com a histoacuteria cultura e religiosidade
afro-brasileiras Foi dessa forma que chegamos a um conjunto teoacuterico que reuacutene trabalhos que
tomam as noccedilotildees de forma escolar e de cultura escolar como categorias de interpretaccedilatildeo Des-
taca-se aqui em particular os trabalhos de Dominique Julia (2001) Antonio Vinao Frago
(1995) Andreacute Chervel (1990) Vincent Lahire amp Thin (2001) Faria Filho (2000 2004) etc
Pode-se comeccedilar entatildeo pela noccedilatildeo de forma escolar (VINCENT LAHIRE amp THIN
2001) que designa agrave existecircncia em uma dada conjuntura histoacuterica de uma configuraccedilatildeo social
de conjunto que se encontra particularmente ligada a reproduccedilatildeo das relaccedilotildees de poder no
espaccedilo social mais amplo A forma escolar natildeo se confunde com a instituiccedilatildeo escolar e suas
diferentes culturas muito embora ela seja ldquotransversal em relaccedilatildeo agraves diversas instituiccedilotildees e
grupos sociaisrdquo (VINCENT LAHIRE amp THIN 2001 p 46) Como visto nossa forma esco-
lar eacute claramente marcada pela histoacuteria de sua constituiccedilatildeo no mundo ocidental pela maneira
com que produz conhecimentos e disciplina os corpos e os saberes e valores culturais que
consagra O que entra em pauta aqui eacute um modo de relaccedilatildeo com o saber e poder inscrito no
funcionamento estrutural da educaccedilatildeo escolarizada e que retraduz uma visatildeo da sociedade de
maneira hierarquizada desigual e o que nos toca mais particularmente racializada Isto que
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talvez exija considerarmos que a modificaccedilatildeo da forma com que a escola lida com a diferenccedila
e as culturas dependam natildeo somente de modificaccedilotildees toacutepicas em seu curriacuteculo da disponibi-
lidade de materiais para trabalhar conteuacutedos diversificados ou tatildeo somente do aprimoramento
da formaccedilatildeo dos seus profissionais Eacute provaacutevel que necessitemos de uma revisatildeo mais pro-
funda capaz de acompanhar a pluralidade das formas de compreensatildeo do mundo e as episte-
mologias diversas que foram silenciadas ao longo da histoacuteria
Eacute nessa perspectiva que vale a pena pensar na noccedilatildeo de cultura escolar como objeto de
anaacutelise histoacuterica particularmente porque lida com a possibilidade de constituir uma perspec-
tiva teoacuterico-metodoloacutegica atenta agraves diferentes manifestaccedilotildees das praacuteticas instauradas no inte-
rior das escolas transitando de alunos a professores de normas agraves teorias Ora uma vez cons-
tatada a existecircncia de formas escolares tradicionais e hegemocircnicas que perpassam a maneira
como o saber formalizado eacute transmitido em nossas instituiccedilotildees de ensino natildeo podemos dedu-
zir daiacute que todas as instituiccedilotildees atuam da mesma forma negando toda contribuiccedilatildeo e todas as
modificaccedilotildees microscoacutepicas realizadas pelos sujeitos que vatildeo modificando paulatinamente o
sistema como um todo Nesse sentido talvez fosse mais coerente considerar com Vrao Frago
(2001) a existecircncia de culturas escolares como nos diz
Sin embargo desde uma perspectiva histoacuterica parece maacutes fructiacutefero e inte-ressante hablar em plural de culturas escolares () No hay escuelas coleacute-
gios institutos de ensentildeanza secundaacuteria universidades o faculdades exacta-
mente iguales aunque puedan establecerse similitudes entre ellas Las dife-
rencias crecen cuando comparamos las culturas de instituciones que perte-nencen a distintos niveles educativos (FRAGO 2001 p 33)
Eacute importante ressaltar no entanto que a atenccedilatildeo agraves singularidades e a ampliaccedilatildeo do
campo da histoacuteria das instituiccedilotildees escolares o que limitaria a operacionalidade da tentativa de
abarcar de maneira generalista as formas de escolarizaccedilatildeo de um dado periacuteodo natildeo se tradu-
ziria pela tentativa de conferir agrave escola um grau de autonomia absoluta que lhe conferisse a
capacidade de formular uma cultura distinta da cultura vigente na qual estaria inserida Tam-
pouco se trataria de mascarar as caracteriacutesticas distintivas da cultura de uma sociedade consi-
derada em seu conjunto como poderia ser acusada Entenda-se portanto que a maneira como
ela eacute invocada nesta dissertaccedilatildeo indica que nas palavras de Antocircnio Candido (CANDIDO
apud SILVA 2006 p 210) ldquo[] a proacutepria vida interna da escola [] reelabora segundo a
sua dinacircmica interna as normas valores praacuteticas comunitaacuterias dando-lhes uma coloraccedilatildeo
nova mas nem por isso alheia ao encadeamento geral da sociedaderdquo
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Destarte estudar a cultura escolar remete portanto a tentativa de focalizar os proces-
sos e produtos das praacuteticas escolares isto eacute praacuteticas que permitem a transmissatildeo de conheci-
mentos e a imposiccedilatildeo de condutas circunscritas agrave escola Como assinala Dominique Julia
[] poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar e um conjunto de
praacuteticas que permitem a transmissatildeo desses conhecimentos e a incorporaccedilatildeo
desses comportamentos normas e praacuteticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as eacutepocas (finalidades religiosas sociopoliacuteticas ou
simplesmente de socializaccedilatildeo) (JULIA 2001 p10)
Nessa esteira a cultura escolar define conhecimentos e praacuteticas que podem mudar de
acordo com os contextos soacutecio-poliacuteticos A autora aponta ainda que os debates sobre o funci-
onamento real das finalidades atribuiacutedas agrave escola podem ser mais bem captados justamente
nos momentos de crises e conflitos ou seja em conjunturas instaacuteveis que deixam em relevo
as disputas representacionais em torno do papel funccedilatildeo e significado social da escola Por traacutes
dessa noccedilatildeo na realidade encontra-se todo um programa de investigaccedilatildeo que serviu de inspi-
raccedilatildeo para muitas das questotildees que nos fizemos na presente pesquisa a saber Quais os pro-
gramas normas e regras que circunscrevem ao mesmo tempo em que habilitam a atuaccedilatildeo e
produccedilatildeo de conhecimentos em sala de aula Como isso se realiza em um contexto histoacuterico
preciso Quais os padrotildees de interaccedilatildeo observados e as percepccedilotildees subjetivas dos seus atores
Eacute possiacutevel divisar por essa breve descriccedilatildeo dos conceitos acima como eles se ajustam
ao nosso tema de investigaccedilatildeo Primeiramente porque exigem repensar as proacuteprias bases de
nossa representaccedilatildeo a respeito da histoacuteria das sociedades e da nossa proacutepria histoacuteria sobre os
quais se assenta a produccedilatildeo do saber em sala de aula Aleacutem disso exige a coragem de pensar
questotildees que vem sendo cada vez mais problematizadas no espaccedilo puacuteblico como o lugar da
histoacuteria cultura e religiosidade afro-brasileira em um momento de franco ataque a essas ini-
ciativas Da mesma forma essas noccedilotildees nos levam a considerar que cada unidade de observa-
ccedilatildeo cada instituiccedilatildeo cada cultura escolar tem suas especificidades e peculiaridades e que essa
preocupaccedilatildeo diagnoacutestica mais geral necessita ser divisada a partir de uma discussatildeo mais lo-
cal particularizada Por fim eacute preciso conversar com os diferentes atores implicados para
apreender as histoacuterias memoacuterias e percepccedilotildees produzidas sobre si sobre os outros e sobre
esses temas No ponto de partida disso tudo se deixa antever um esforccedilo natildeo apenas intelectu-
al de descriccedilatildeo e diagnoacutestico da realidade mas tambeacutem a tentativa de constituir condiccedilotildees
para uma intervenccedilatildeo poliacutetica pedagoacutegica orientada pelos desafios locais
26
III- Encaminhamentos da pesquisa escolha temaacutetica e a posiccedilatildeo do pesquisador
Com efeito uma raacutepida pesquisa na internet permite constatar um significativo aumen-
to de interesse entre profissionais de diversos campos a respeito das condiccedilotildees de implemen-
taccedilatildeo do estudo da Histoacuteria e Cultura e Afro-brasileira e africana a partir da Lei Federal
106392003 Em nosso caso a opccedilatildeo por uma abordagem que destoa da tendecircncia esmaga-
dora nos recentes trabalhos de optar apenas pelo estudo das representaccedilotildees de professores e
alunos sobre as religiotildees afro-brasileiras condiccedilotildees de formaccedilatildeo entre outros para integrar agrave
anaacutelise as percepccedilotildees subjetivas de lideranccedilas de terreiros sobre si sua histoacuteria e de como a
escola se relaciona com as religiotildees de matriz africana (BAKKE 2011) decorre da aposta de
que pela via da problematizaccedilatildeo dessas percepccedilotildees muacutetuas poderiacuteamos avanccedilar tanto na supe-
raccedilatildeo dos preconceitos e formas de estigmatizaccedilatildeo ainda persistentes no espaccedilo escolar quan-
to colocar em diaacutelogo atores tatildeo proacuteximos geograacutefica e simbolicamente mas ao mesmo tempo
tatildeo distantes em niacutevel de conhecimento e reconhecimento
As razotildees para a escolha da temaacutetica satildeo muitas Do ponto de vista pessoal minha li-
gaccedilatildeo com religiatildeo de matriz africana se deu inicialmente pela convivecircncia muito cedo no
bairro onde durante muitos anos minha matildee foi assistente de duas conhecidas casas de cultos
afros Terreiro de Filomena e Vicentinho (um localizado no Bairro de Faacutetima e outro no Bair-
ro de Armazeacutem) Naquela ocasiatildeo por conta de problemas espirituais ela teve que pagar
promessas como forma de retribuir as graccedilas recebida dos santos das referidas casas Mais
tarde passei a frequentar toques aos voduns em vaacuterias casas de Cururupu o que aos poucos foi
me chamando atenccedilatildeo da maneira como externavam sua feacute e mais ainda como desenvolviam
sua dedicaccedilatildeo aos santos Com as constantes visitas e o interesse em me aprofundar nos fun-
damentos tornei-me em pouco tempo Assissi5 uma espeacutecie de ajudante nas tarefas que vari-
avam entre rezas ornamentos organizaccedilatildeo das festas Paralelamente data desse mesmo periacute-
odo minha inserccedilatildeo no grupo de jovens e mais tarde no movimento negro Na sequecircncia em
1994 o Bloco Afro Omniraacute6 inicia suas atividades na regiatildeo e logo em 1995 desenvolve
como tema Matildee Isabel quilombola de Zumbi A escolha temaacutetica se vinculava agraves comemo-
raccedilotildees a Zumbi e por ter sido Isabel Mineira7 (FERRETI M 2015 168) a primeira pessoa a
5 Nos cultos de Tambor de Mina os Assissis satildeo uma espeacutecie de assistente da casa colaboradores (FERRETI
1996 p) 6 Bloco Afro Omniraacute que em liacutengua yorubaacute significa liberdade organizado pelo grupo que leva o mesmo nome
fundado em 26 de outubro de 1995 O grupo desenvolve atividades de sensibilizaccedilatildeo a populaccedilatildeo negra do Curu-
rupu 7 Isabel Pinto da Silva- Isabel Mineira como era mais conhecida nasceu em novembro de 1903 faleceu aos 90
anos foi a primeira pessoa a abrir um terreiro de Mina em Cururupu era devota de Santa Rosa de Lima e reali-
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abrir um terreiro de Mina em Cururupu A partir de entatildeo sempre busquei aprofundar a com-
preensatildeo sobre os cultos de religiatildeo afro-brasileiros
Com relaccedilatildeo ao recorte empiacuterico este se justifica em funccedilatildeo de minha proacutepria experi-
ecircncia profissional na escola selecionada Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda oportuni-
dade na qual pude perceber a inexistecircncia das religiotildees afro-brasileiras no curriacuteculo escolar a
despeito da jaacute referida lei de ensino de histoacuteria e cultura africana e afro-brasileira e ateacute mesmo
das manifestaccedilotildees ocasionais desse legado no calendaacuterio escolar Talvez por exercer papel de
proeminecircncia na escola na condiccedilatildeo de Diretor-adjunto do C E Joatildeo Marques Miranda co-
mecei a perceber como reagiam alunos e professores quando se tratava de temas sobre religi-
otildees afro-brasileira e como se calavam diante de atitudes oriundas de sujeitos que seguiam
outros dogmas e como professores praticantes se escondiam atraacutes de discursos de negaccedilatildeo
por conta do curriacuteculo
Seria necessaacuterio reconhecer nesse sentido que o ponto de partida da pesquisa tambeacutem
assumiu uma dimensatildeo propriamente poliacutetica afinal dado que se trata de um contexto perifeacute-
rico de um bairro estigmatizado onde estaacute concentrada a maior quantidade de terreiros do
municiacutepio de Cururupu porque a escola natildeo abordava temas que seriam centrais agrave dinacircmica
comunitaacuteria E isso se mostrava ainda mais importante para mim devido ao fato observado
por Seacutergio Ferreti (1996) de que entre todos os municiacutepios do Brasil Cururupu se destaca por
cultuar os orixaacutes com os traccedilos de originalidade trazidos da Aacutefrica
Paralelamente a essas preocupaccedilotildees e na tentativa mesmo de instrumentalizar-me a
respeito do tema (as carecircncias formativas dos docentes e de acesso a materiais concernentes agrave
histoacuteria da Aacutefrica e da cultura afro-brasileira jaacute foram sobejamente expressos em diversos
trabalhos) fui percebendo a importacircncia de aprofundar minha compreensatildeo sobre diversos
aspectos a saber primeiramente a respeito dos aportes que a Antropologia e a Histoacuteria po-
dem trazer agrave aacuterea da educaccedilatildeo na medida em que essa relaccedilatildeo interdisciplinar tende a favore-
cer a constituiccedilatildeo de uma abordagem que coloque como central a maneira como escola trata a
questatildeo da diferenccedila cultural e da desigualdade social a partir de agentes histoacutericos sociais
especiacuteficos como jaacute mencionados em segundo lugar a necessidade de resgatar parte do esta-
do das discussotildees sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Brasil explorando as implicaccedilotildees e poten-
zava no mecircs de agosto uma festa em sua homenagem com trecircs noites de tambor Naquela festa recebia com
grande orgulho Rosinha filha caccedilula de Rainha Rosa e da famiacutelia de Leacutegua Bogi (FERRETI M 2015 168)
Seu barracatildeo era em forma de navio tambeacutem foi parteira e realizou 6003 partos foi tambeacutem uma grande foliatilde
do carnaval tinha um bloco chamado Baralho
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cialidades decorrentes das alteraccedilotildees no curriacuteculo hegemocircnico a partir da publicaccedilatildeo da lei
1063903
A esses fatores mais epistemoloacutegicos por assim dizer fui despertando tambeacutem inte-
resse por assumir um ponto de vista mais compreensivo a respeito do universo relacional sob
anaacutelise com a finalidade de dar voz agraves diferentes categorias de atores envolvidos profissionais
da educaccedilatildeo lideranccedilas de terreiros lideranccedilas comunitaacuterias estudantes Com essa perspect i-
va em mente adentrei no ambiente da escola de iniacutecio com observaccedilotildees do cotidiano esco-
lar sobretudo a eacutepoca dos festejos Conversei com professores sobre a temaacutetica aproveitando
para explanar a respeito das intenccedilotildees do projeto Nessa troca de experiecircncias identifiquei a
existecircncia de muitos receios hesitaccedilotildees e ateacute mesmo de resistecircncia com relaccedilatildeo ao tema da
histoacuteria cultura e religiosidade afro em sala de aula
A despeito da extensatildeo do universo empiacuterico e das dificuldades operacionais para tra-
tamento das informaccedilotildees a pesquisa foi realizada com base na combinaccedilatildeo de diferentes es-
trateacutegias metodoloacutegicas Grosso modo trata-se de tentar harmonizar a utilizaccedilatildeo de aborda-
gens quantitativas e qualitativas com base na aplicaccedilatildeo de questionaacuterios de administraccedilatildeo
direta para os alunos da Escola Joatildeo Marques Miranda a realizaccedilatildeo de entrevistas temaacuteticas
com (ex) gestores (ex) professores e (ex) alunos que frequentam terreiros da regiatildeo e realiza-
ccedilatildeo de entrevistas em profundidade com lideranccedilas religiosas de terreiros situados no bairro
Satildeo Benedito e arredores da localidade a fim de recompor suas visotildees de mundo e histoacuterias de
vida Soma-se a isso a observaccedilatildeo e descriccedilatildeo dos debates e reaccedilotildees individuais e coletivas
frente agrave realizaccedilatildeo de oficinas Diligencia-se nesse uacuteltimo caso de explorar esses olhares a
fim de apreender as diferentes temporalidades em accedilatildeo agrave histoacuteria da constituiccedilatildeo da comuni-
dade e permanecircncias inscritas na proacutepria loacutegica de funcionamento da cultura escolar (a sensa-
ccedilatildeo que se tem eacute sempre de um avanccedilo muito precaacuterio nesse plano)
IV - Estrutura do trabalho
Ante o exposto o texto que segue apresenta a seguinte estrutura no primeiro A
cultura Afro-brasileira nos bancos escolares diversidade diferenccedila e Cultura Escolar pro-
blematizaratildeo as relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e diversidade no Brasil de uma perspectiva de meacutedia
duraccedilatildeo explorando com maior ecircnfase a diversidade de atores movimentos e accedilotildees puacuteblicas
que favoreceram a rediscussatildeo sobre o lugar na cultura afro-brasileira nos bancos escolares
No capiacutetulo seguinte Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais lutas movimentos e reformas poliacuteticas educa-
cionais haveraacute uma caracterizaccedilatildeo da legislaccedilatildeo concernente ao tema
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Adiante no terceiro capiacutetulo Da escola para os terreiros normas experiecircncias e
percepccedilotildees sobre as religiotildees afro-brasileiras caracteriza-se o estabelecimento escolar seleci-
onado como unidade empiacuterica e as percepccedilotildees de profissionais da educaccedilatildeo e estudantes sobre
as religiotildees de matriz africana No quarto capiacutetulo Da comunidade para a escola histoacuterias
percepccedilotildees e experiecircncias de um diaacutelogo possiacutevel voltam-se aos olhares histoacuterias e memoacuterias
a respeito do bairro e da escola destacando as histoacuterias dos terreiros como espaccedilo de memoacute-
ria ao passo em que exploramos a histoacuteria de vida de atores que vivem concretamente na
fronteira dessa relaccedilatildeo com o espaccedilo escolar mas de uma posiccedilatildeo mais externa Tambeacutem ha-
veraacute apresentaccedilatildeo de algumas das oficinas que realizamos a fim de extrair conclusotildees a res-
peito da distacircncia estranheza e do desconhecimento entre essas duas esferas de vida O foco
neste caso seraacute o de explorar as vantagens heuriacutesticas de uma aproximaccedilatildeo pedagogicamente
planejada cujo cerne seria voltado para o cultivo de valores e competecircncias essenciais para
reforccedilo das redes de solidariedade no contexto em pauta E por fim satildeo apresentadas as con-
clusotildees e referecircncias do trabalho
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CAPIacuteTULO 1 - A CULTURA AFRO-BRASILEIRA NOS BANCOS ESCOLARES
diversidade diferenccedila e Cultura Escolar
Deus abenccediloe a Aacutefrica
Deus abenccediloe a Aacutefrica
Que suas gloacuterias sejam exaltadas Ouccedila nossas preces
Deus nos abenccediloe porque somos seus filhos
Deus cuide de nossa naccedilatildeo
Acabe com nossos conflitos Nos proteja e proteja nossa naccedilatildeo
(Hino da Aacutefrica do Sul)
O objetivo principal desse capiacutetulo eacute problematizar como o tema da diversidade e
da diferenccedila vem sendo tratado no Brasil com ecircnfase sobre os debates iniciativas e movi-
mentos que recolocaram a questatildeo da Educaccedilatildeo para as relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais no centro da
agenda das discussotildees sobre as dimensotildees poliacuteticas do curriacuteculo e dos padrotildees de interaccedilatildeo no
espaccedilo escolar contemporaneamente Antes no entanto tecemos algumas consideraccedilotildees a
respeito do lugar e importacircncia da histoacuteria da Aacutefrica na histoacuteria da humanidade e de como ela
foi condenada e representada a ponto de se rogar benccedilotildees gloacuterias reconhecimento paz e
proteccedilatildeo como mostra a epiacutegrafe que abre este capiacutetulo Para tanto o texto se baseia funda-
mentalmente na bibliografia a respeito e seu ponto de partida se situa no interesse pedagoacutegico
de dar a conhecer ao leitor em que condiccedilotildees essa luta se transmuta em poliacuteticas educacionais
notadamente a partir da deacutecada de 1990
11 A contribuiccedilatildeo da Histoacuteria da Aacutefrica para a humanidade
Antes de explorarmos de que maneira paulatinamente o tema da educaccedilatildeo para as re-
laccedilotildees eacutetnico-raciais e da inclusatildeo da Histoacuteria Cultura e Religiosidade Africana e Afro-
brasileira foi entrando em pauta no Brasil valeria agrave pena tecer algumas consideraccedilotildees sobre
os desafios epistemoloacutegicos e praacuteticos que temos ao propor uma intervenccedilatildeo pedagoacutegica co-
mo a que estamos construindo Epistemoloacutegico por um lado pois como boa parte da biblio-
grafia pertinente sobre o tema jaacute evidenciou a Histoacuteria da Aacutefrica foi silenciada pela perspec-
tiva hegemocircnica da visatildeo etnocecircntrica produzida pelo ocidente Poreacutem nessa batalha aacuterdua
natildeo basta apenas exercer a capacidade criacutetica posto que devemos tambeacutem explicitar de que
maneira o continente seus povos e culturas influenciaram decisivamente outros povos con-
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formaram nossas identidades e promoveram a circulaccedilatildeo de saberes e percepccedilotildees de mundo
Trata-se de demonstrar como sua histoacuteria eacute parte da nossa a traveacutes de exemplos concretos
retirados do acircmago do esforccedilo criacutetico empreendido por intelectuais e historiadores dentro e
fora da Aacutefrica As consideraccedilotildees que seguem atendem a esse duplo objetivo
Pode-se comeccedilar pela tese fundamental do livro de Edward Said (2007) Orientalismo
a respeito de como o Ocidente inventou o Oriente como um misto indistinto de naccedilotildees hete-
rogecircneas rotuladas sob o signo do exotismo e inferioridade Dissipada por uma seacuterie de pro-
duccedilotildees artiacutesticas filosoacuteficas literaacuterias e ateacute mesmo cientiacuteficas essas representaccedilotildees imageacuteti-
cas sobre os designados orientais constituiu um poderoso discurso voltado precisamente para
os povos outrora colonizados garantindo primazia superioridade e normalidade ao homem
europeu ldquocivilizadordquo por oposiccedilatildeo aos outros Essa visatildeo criacutetica sobre o eurocentrismo eacute par-
ticularmente convergente com as criacuteticas realizadas por Jack Goody (2008) que rotula a rela-
ccedilatildeo entre a Europa e as outras naccedilotildees sob o signo do Roubo da Histoacuteria Roubo ou mesmo
apropriaccedilatildeo que tinha como finalidade demarcar uma suposta excepcionalidade do Ocidente
quanto agrave criaccedilatildeo de valores (igualdade democracia liberdade) instituiccedilotildees (universidades) e
sentimentos (amor individualismo) que nunca foram especificidades suas Quer dizer a im-
posiccedilatildeo de uma narrativa histoacuterica formulada a partir do ponto de vista europeu obliterou a
real histoacuteria do mundo na medida em que impuseram conceitos cronologia e silecircncios sobre
as contribuiccedilotildees de outras culturas para projetar a superioridade ocidental
Por esse vieacutes tais reflexotildees podem muito bem ser utilizadas para pensar como o olhar
europeu ao longo de seacuteculos produziu uma visatildeo distorcida sobre o negro e sobre a Aacutefrica
antes mesmo que o discurso racista se solidificasse no seacuteculo XIX Eacute o que demonstra o traba-
lho de Gislene Aparecida dos Santos (2002) que demonstrou como no imaginaacuterio europeu as
visotildees sobre o negro e a cor negra foram paulatinamente se deslocando do fasciacutenio ao repuacute-
dio
Satildeo fartos os exemplos de que o imaginaacuterio europeu da Idade Meacutedia ao Seacuteculo das
Luzes era repleto de visotildees sobre seres fantaacutesticos grotescos eou gigantes que povoariam as
terras mais longiacutenquas gerando ao mesmo tempo medo e fasciacutenio Embora jaacute houvesse a
ideia de que o branco seria superior ao negro e que a cor preta designasse uma marca do mal
ou um grande motivo de preocupaccedilatildeo ainda estava contida nessa percepccedilatildeo um misto de fas-
ciacutenio e medo O exotismo dos relatos de viajantes se deixa ainda permear pela admiraccedilatildeo da
diferenccedila e pela curiosidade daiacute por que eram descritos em diversos cronistas de maneira am-
biacutegua nunca inteiramente negativa Todavia esse estranhamento esse misto de fasciacutenio e
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repuacutedio se convertem em algo bem diferente quando a Aacutefrica se converteu em objeto de cobi-
ccedilas e fonte de imensas riquezas O racismo se apoiou portanto em estereoacutetipos e preconceitos
anteriores mas eacute filho direto do colonialismo moderno
Assim podemos dizer que ateacute o seacuteculo XIX havia em relaccedilatildeo aos povos da Aacutefrica um olhar exoacutetico (misto de fasciacutenio e de repulsa) e que foi exatamen-
te este olhar exoacutetico com tudo o que decorre dele que embora natildeo tenha
criado o racismo permitiu que o sentimento racista aflorasse A construccedilatildeo de um olhar exoacutetico sobre a Aacutefrica resvalou para o racismo no momento em
que se desejou retirar da populaccedilatildeo seu poder de participaccedilatildeo poliacutetica Natildeo eacute
agrave toa que o discurso racista surge no momento em que o continente africano aparece diante do olhar dos europeus como um territoacuterio de imensas riquezas
ainda preservadas ou em que nas colocircnias o processo de conquista da liber-
dade por parte dos ex-escravos seja efetivado (BARBOSA 2008 147)
Como demonstra Muryatan Barbosa (2008) esse olhar eurocecircntrico recorrente atra-
vessou diversas Filosofias da Histoacuteria englobando autores claacutessicos como Voltaire Vico He-
gel e Marx e inscreveu-se no proacuteprio nascedouro da historiografia moderna A concepccedilatildeo
evolucionista que realccedilava a excepcionalidade e superioridade europeia nos planos econocircmi-
co cultural religioso e racial permeou entatildeo as proacuteprias Ciecircncias Humanas e inscrevendo-se
como um dispositivo no acircmbito epistemoloacutegico Assim sendo o ponto de partida para a
emergecircncia de um conhecimento historiograacutefico sobre a Aacutefrica tem como primeira meta dar
uma resposta a esse discurso que silencia e oblitera a importacircncia africana
A mudanccedila nessa perspectiva comeccedilou a ocorrer somente entre os anos de 1950 e
1960 a reboque das lutas pela independecircncia que tiveram lugar nesses marcos (OLIVA
2003) Eacute a partir desse periacuteodo que comeccedila a haver uma revoluccedilatildeo nos estudos africanos no-
tadamente pelos investimentos de historiadores africanos Tratava-se em um primeiro mo-
mento de construir uma Histoacuteria que pudesse servir como instrumento de luta ideoloacutegica Eacute
dentro desse quadro que se pode compreender o empenho de historiadores como Cheijk Anta
Diop Djibril Tamsir Niane e Jean Vansina para recolocar empiacuterica e conceitualmente a His-
toacuteria Africana (BARBOSA 2008) Essa renovaccedilatildeo natildeo se deu somente no continente africa-
no vez que participou de uma reconstruccedilatildeo das proacuteprias ciecircncias humanas dos modelos his-
toriograacuteficos e dos interesses de pesquisa em diferentes naccedilotildees
Deste modo a renovaccedilatildeo dos estudos sobre Aacutefrica e o efeito propriamente descoloni-
zador da Histoacuteria suscitou a circulaccedilatildeo internacional de pesquisadores o incremento de redes
de pesquisa e a elaboraccedilatildeo de iniciativas de conjunto para reconstruccedilatildeo de uma histoacuteria afri-
cana de uma perspectiva mais estrutural Aleacutem das incontaacuteveis obras que surgem desde entatildeo
produzidas por intelectuais africanos ou estrangeiros destaca-se a produccedilatildeo de uma Histoacuteria
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Geral da Aacutefrica (HGA) promovida pela UNESCO e que hoje em dia estaacute disponiacutevel em diver-
sas liacutenguas
Trecircs motivos principais justificavam a criaccedilatildeo do projeto da HGA segundo
seus idealizadores Em primeiro lugar havia o perigo de que as fontes para a
histoacuteria da Aacutefrica se perdessem definitivamente tanto as fontes escritas quanto as orais Tal fato poderia ser revertido em parte com a coleta de fon-
tes e a organizaccedilatildeo dos arquivos em Aacutefrica os quais poderiam acomodar a
documentaccedilatildeo existente e aquela que ainda estava por investigar Mas isso
deveria ser feito rapidamente Em segundo lugar havia o desejo de que a HGA pudesse sintetizar o conhecimento sobre o continente ainda disperso e
mal distribuiacutedo no tempo e no espaccedilo Soacute assim se teria clareza das lacunas a
serem pesquisadas Por fim havia o desejo de que a HGA pudesse impulsio-nar uma escrita da histoacuteria que superasse os preconceitos colonialistas sobre
o continente contribuindo para mostrar as contribuiccedilotildees africanas para a ci-
vilizaccedilatildeo humana Algo visto como sumamente necessaacuterio agraves naccedilotildees africa-nas no periacuteodo poacutes-colonial que se instaurava em Aacutefrica (BARBOSA 2008
p 195)
Assim quando chegamos agrave deacutecada de 1980 e 1990 o que se deu foi agrave ampliaccedilatildeo desse
campo de estudos e sua consolidaccedilatildeo em niacutevel internacional Nesse processo surgiram novas
frentes de investigaccedilatildeo e jovens intelectuais tecircm explorado os canais abertos pelo adensamen-
to da produccedilatildeo intelectual nas redes de conexatildeo do Sul Global
[] um avanccedilo intelectual e institucional com a constituiccedilatildeo de novas aacutereas
de estudos historiograacuteficos africanos dentro e fora do continente Deste de-senvolvimento surgem novos especialistas na temaacutetica que se tornam figu-
ras influentes dentro do meio acadecircmico Isto tanto dentro da Aacutefrica como
B Barry A F Ajahi A Boahen B A Ogot V Mudimbe I A Akinjog-bin T Falola M Diouf E J Alagoa e outros quanto fora da Aacutefrica como
J Vansina J Thornton C Coquery-Vidrovitch P Lovejoy J Miller Y
Kopytoff A Costa e Silva K Asante M Bernal Carlos Lopes D Birmin-gham entre outros (SILVA 2010 p 35)
No Brasil natildeo foi diferente aonde vimos emergir diferentes centros de investigaccedilatildeo
desde a deacutecada de 1950 concentrando-se inicialmente em Satildeo Paulo Rio e principalmente
na Bahia Hoje em dia grupos de pesquisas centros e unidades acadecircmicas ampliaram-se con-
sideravelmente alimentando a produccedilatildeo de uma farta e crescente bibliografia sobre a Histoacuteria
Africana Afro-brasileira e ultrapassando em muito os domiacutenios disciplinares da Histoacuteria Eacute
justamente essa pulsante produccedilatildeo intelectual que estaacute na base do segundo movimento que
estamos tentando fazer em nosso trabalho qual seja o de apresentar uma visatildeo criacutetica mas ao
mesmo tempo equilibrada e justa sobre a Aacutefrica os africanos e a cultura afro-brasileira
Dessa maneira chegamos ao segundo eixo de argumentaccedilatildeo a respeito de como explo-
rar os aspectos positivos da contribuiccedilatildeo africana para a histoacuteria da humanidade A questatildeo de
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fundo pode ser colocada da seguinte maneira Para que serve a Histoacuteria da Aacutefrica Proposiccedilatildeo
essa que organizou um texto pequeno mas muito salutar da professora e doutora em Histoacuteria
Mocircnica Lima e Souza Vale agrave pena retomar alguns dos seus argumentos Obviamente como
em todo resto eacute somente pela compreensatildeo da maneira como foi escrita a histoacuteria o que re-
quer uma modificaccedilatildeo na forma como ela eacute ensinada nas escolas que se pode criar condiccedilotildees
para formulaccedilatildeo de uma perspectiva menos eurocecircntrica que decirc espaccedilo para outros atores
regiotildees povos e histoacuterias A bibliografia jaacute disponiacutevel nos apresenta no entanto alguns as-
pectos bastante sugestivos
A comeccedilar pelo dato de que as relaccedilotildees intensas com os Africanos e a Aacutefrica natildeo da-
tam dos primoacuterdios dos empreendimentos ultramarinos ocorridos no iniacutecio da era moderna
Mesmo tendo como marco o encadeamento cronoloacutegico que trabalhamos pode-se perceber
que desde a Antiguidade os africanos participam de intensas trocas comerciais de circulaccedilatildeo
de teacutecnicas e conhecimentos em torno do Mediterracircneo O fausto e a riqueza das sociedades
africanas foram protagonistas de grandes feitos na histoacuteria como o proacuteprio Egito que dura-
mente muito tempo foi concebido como branco Jaacute no iniacutecio do periacuteodo moderno o desloca-
mento forccedilado de grandes contingentes humanos atraveacutes dos navios negreiros e das novas
rotas atlacircnticas abertas fomentou a circulaccedilatildeo de pessoas mercadorias e ideias inscrevendo o
legado africano em diversos espaccedilos do globo Se a humanidade surgiu em Aacutefrica ela se refez
pelos contatos trocas e pelas resistecircncias lutas e rebeliotildees que protagonizaram em diferentes
regiotildees Como evidenciado na pesquisa de John Thornton (2004) a Aacutefrica exerceu papel cen-
tral no complexo intercontinental atlacircntico
Se ao longo do seacuteculo XX a regiatildeo foi atravessada por diversos conflitos decorrentes
das formas de dominaccedilatildeo instauradas que se prolongam ateacute hoje essas transformaccedilotildees inter-
nas natildeo foram decorrentes somente de particularidades Estatildeo plenamente integradas ao cenaacute-
rio internacional alterando de maneira significativa os conflitos ao longo do seacuteculo XX Tanto
no passado quanto na atualidade os problemas e desafios africanos dramatizam natildeo o seu
descolamento do restante da histoacuteria universal Eacute exatamente o contraacuterio
E se esses argumentos satildeo razoaacuteveis para explicar o interesse da Histoacuteria da Aacutefrica em
um cenaacuterio global muito maior eacute o significado dessa histoacuteria para o caso brasileiro afinal
nossa formaccedilatildeo nossa cultura nossa liacutengua foram fortemente influenciados pelos africanos
que para caacute foram deslocados E esse intercacircmbio marcado por relaccedilotildees violentas de domina-
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ccedilatildeo e resistecircncia natildeo foi somente simboacutelico Ele preencheu diversas dimensotildees da nossa rea-
lidade tornando-se tatildeo nossos que sequer conseguimos pensaacute-los como estranhos Assim
qualquer tentativa de eliminar a contribuiccedilatildeo dessa histoacuteria provoca uma espeacutecie de suiciacutedio
coletivo de nossas heranccedilas culturais de nossas bases identitaacuterias
Somos o paiacutes que por mais tempo e em maior quantidade recebeu africanos
escravizados da histoacuteria do mundo Os cativos trazidos da Aacutefrica que nada
podiam carregar aleacutem de sua memoacuteria e conhecimentos trouxeram para nos-so paiacutes aportes tecnoloacutegicos que vatildeo desde conhecimentos de agricultura
tropical a teacutecnicas de mineraccedilatildeo aleacutem de vaacuterios outros As heranccedilas africa-
nas estatildeo presentes em diferentes aspectos da vida social e cultural brasilei-ras ateacute hoje e conformam aspectos fundamentais da identidade nacional
Nos modos de celebrar na religiosidade na musicalidade no gosto e esteacutetica
brasileiros expressos nos modos de vestir e nas escolhas artiacutesticas ficam evidentes as matrizes culturais que nasceram do outro lado do Atlacircntico Ao
longo de nossa histoacuteria diversas vezes os fatores ligados a processos
e episoacutedios somente podem ser compreendidos se olharmos os dois lados do
oceano que nos une (SOUZA 2014 p 02)
Com efeito ver-se-aacute que essa foi em grande medida a orientaccedilatildeo principal dada agraves
oficinas ministradas junto ao corpo discente da escola selecionada como laboratoacuterio de inves-
tigaccedilatildeo e accedilatildeo nesta dissertaccedilatildeo Se tomarmos como ponto de partida a reflexatildeo criacutetica sobre
os vieses normativos e silenciadores do discurso tradicional eurocecircntrico o foco esteve mais
centrado em mostrar que eacute possiacutevel trabalhar com conteuacutedo da histoacuteria cultura e religiosidade
afro em sala de aula Na medida do possiacutevel procurou-se criar condiccedilotildees para que os estudan-
tes entendessem esse fenocircmeno como algo que se inscreve no cotidiano escolar e encontra-se
difundido socialmente em diversos discursos muito embora a praacutetica e a experiecircncia sejam
sempre mais abertas e fluiacutedas do que possa parecer Na sequecircncia entatildeo demonstra-se como
essas temaacuteticas ganharam espaccedilo no debate puacuteblico em seguida dar um mergulho nos univer-
sos que pretendemos aproximar neste trabalho
12 A cultura afro-brasileira e o espaccedilo escolar
O estudo de Vicentini (2009) nos mostra que o Brasil carrega caracteriacutesticas soci-
ais multieacutetnicas que se inscrevem na proacutepria histoacuteria da constituiccedilatildeo da naccedilatildeo Esse eacute ponto
chave o reconhecimento e respeito da diversidade eacutetnica que nos propotildee ter clareza dos fato-
res constitutivos do pertencimento a uma identidade social dos quais todos participamos A
luta contra a discriminaccedilatildeo eacute uma luta diaacuteria de muitos afro-brasileiros vale dizer que assu-
me tambeacutem a dimensatildeo de uma luta por reconhecimento social e por direitos humanos A luta
contra a rejeiccedilatildeo os preconceitos e intoleracircncias raciais participam desse modo de uma bata-
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lha muito mais ampla a favor do direito agrave diversidade cultural racial linguiacutestica eacutetnica que
se encontra na base da constituiccedilatildeo de nossa coletividade
Evidentemente dada agrave discussatildeo da temaacutetica na atualidade jaacute eacute possiacutevel notar di-
versos avanccedilos principalmente com relaccedilatildeo agrave abertura de espaccedilos de atuaccedilatildeo para a popula-
ccedilatildeo negra Poreacutem eacute preciso reconhecer que ainda persistem diversos obstaacuteculos sociais e ins-
titucionais os quais constituem barreiras para a ascensatildeo social de negros Como bem apon-
tou o antropoacutelogo Kabengele Munanga (2015) os problemas sociais e a condiccedilatildeo que a maio-
ria dos estudantes pobres tem faz com que os mesmos natildeo tenham um bom desenvolvimento
escolar na educaccedilatildeo baacutesica pois se torna difiacutecil o aluno se concentrar nos estudos sem ter se
alimentado direito e sem ter uma estrutura familiar decente
Natildeo se tem registro histoacuterico preciso do dia que o indiviacuteduo de pele negra pocircde
frequentar as escolas regulares no Brasil de forma oficial visto que isto apesar da aboliccedilatildeo
da escravatura satildeo praacuteticas regulamentadas pelos poderosos senhores de engenho que natildeo
permitiam o estudo dos alunos negros nas escolas de suas dependecircncias Contudo a sua per-
manecircncia e acesso nas instituiccedilotildees de ensino satildeo questotildees que necessitam de um debate soci-
al pois fazem diferenccedila a respeito da ascensatildeo social e melhoria de vida do indiviacuteduo e sua
comunidade (ALVES 2007)
Embora as desigualdades raciais natildeo se iniciem na escola nela encontra um terre-
no feacutertil para se reproduzir Eacute na escola enquanto loacutecus do saber formal que as crianccedilas e
adolescentes das classes populares passam a maior parte do tempo-aprendendo toda a histori-
ografia oficial que ressalta a figura do heroacutei bom belo e europeu em detrimento do patrimocirc-
nio cultural de outros povos especialmente do povo africano e indiacutegenas E esse modelo in-
fluencia fortemente na construccedilatildeo da identidade desses alunos causando distorccedilotildees imensas
na sua formaccedilatildeo e comprometendo as relaccedilotildees estabelecidas socialmente
A escola tem uma responsabilidade imensa na discussatildeo sobre educaccedilatildeo e diver-
sidade eacutetnico-cultural pois sua funccedilatildeo social eacute partilhar o conhecimento acumulado pela hu-
manidade com os seus alunos e isso significa partilhar os conhecimentos produzidos pelos
diversos povos que entraram na formaccedilatildeo do povo brasileiro (FRANCO 2008) A lei
1063903 representa uma importante ferramenta para a implementaccedilatildeo das poliacuteticas afirmati-
vas de combate ao racismo e pelas relaccedilotildees eacutetnico-raciais nas escolas contribuindo para que a
sociedade e sobretudo as instituiccedilotildees de ensino venham
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[] reconhecer a existecircncia do afrodescendente seus ancestrais (africanos)
sua trajetoacuteria na educaccedilatildeo brasileira na condiccedilatildeo de sujeitos e na construccedilatildeo da cultura e da sociedade A alteraccedilatildeo da LDB representou um ganho legal e
poliacutetico agora eacute preciso que ele se reflita no acircmbito do ensino e da aprendi-
zagem para que se tenha um resultado eficaz nos campos societaacuterio e educa-tivo (AacuteVILA 2010 p 10)
Como se vecirc a promulgaccedilatildeo da Lei 106392003 a 09 de janeiro de 2003 foi uma
conquista das lutas desenvolvidas pelo movimento negro organizado ao longo dos anos a Lei
busca reconhecer a existecircncia e portanto a histoacuteria do negro no Brasil seus ancestrais africa-
nos e suas contribuiccedilotildees para a educaccedilatildeo e a sociedade brasileira assim professores alunos e
corpo escolar no todo tem a obrigaccedilatildeo histoacuterica de falar de tais temaacuteticas e avanccedilar na cons-
truccedilatildeo de relaccedilotildees raciais mais igualitaacuterias Esse ensino envolve todas as disciplinas do curriacute-
culo escolar incluindo a disciplina de histoacuteria que passa a se tornar uma porta voz da igualda-
de racial
De maneira geral eacute ponto paciacutefico em meios cientiacuteficos que a raccedila natildeo eacute o fator
que determina a superioridade intelectual O que realmente eacute fator determinante eacute o acesso agrave
informaccedilatildeo a produccedilatildeo de conhecimento aos bens materiais tecnoloacutegicos e intelectuais pro-
duzidos na histoacuteria Enquanto a diferenccedila eacute natural a desigualdade constitui um produto intei-
ramente social que se combina agrave naturalizaccedilatildeo do preconceito dos estereoacutetipos e que atuam
como forma de justificar legitimar e consagrar a subordinaccedilatildeo de grupos e atores sociais O
estereoacutetipo eacute a praacutetica do preconceito Eacute a sua manifestaccedilatildeo comportamental O estereoacutetipo
objetiva justificar uma suposta inferioridade justificar a manutenccedilatildeo do status quo e legiti-
mar aceitar e justificar a dependecircncia a subordinaccedilatildeo e a desigualdade (MUNANGA 2005
p 65)
Silva (2010) revela que nos uacuteltimos 30 anos foram realizados accedilotildees que objetivam
a promoccedilatildeo da igualdade nas relaccedilotildees eacutetnico-raciais e que vem cada vez mais ganhando forccedila
no Brasil principalmente no contexto educativo pois atraveacutes das cotas alunos negros conse-
guem ingressar em cursos que antes apenas os mais ricos conseguiam cursar como medicina
engenharia direito Como esclarece o autor a maioria dos negros sempre teve vontade de
estudar ingressar nas escolas aprender novas liacutenguas mas sempre eram impedidos por forccedila
da rejeiccedilatildeo da elite dominante e por natildeo terem paracircmetros legais para se apoiarem Soma-se a
isso a dificuldade de conciliar a dedicaccedilatildeo aos estudos com as exigecircncias do trabalho e da
sobrevivecircncia cuja conciliaccedilatildeo eacute sempre complexa
38
A questatildeo eacute que a cultura afro-brasileira sempre foi tratada de forma marginaliza-
da Eacute precisamente contra a maneira seletiva com que a escola privilegiou determinadas for-
mas culturais em detrimento de outras consideradas inferiores e sem nenhum objetivo peda-
goacutegico ou enriquecedor aos conhecimentos dos alunos (ALVES 2007) que a luta a favor da
inclusatildeo da histoacuteria e cultura afro-brasileiras se defronta
Por esse vieacutes eacute o que demonstra o trabalho de Silva (2013) que expotildee o fato de
que ao longo da histoacuteria do Brasil a concepccedilatildeo de que as culturas natildeo brancas eram inferiores
no processo de escolarizaccedilatildeo se conectava a uma representaccedilatildeo negativa das camadas inferio-
res do estrato social onde se concentrou e ainda concentra a maior parte dos negros e descen-
dentes natildeo plenamente integrados a ordem capitalista no Brasil
Natildeo parece ser outra a razatildeo pela qual a Lei 106392003 representa uma espeacutecie
de diacutevida moral e eacutetica paga pelo estado brasileiro aos afro-brasileiros pois obrigar a inclusatildeo
da histoacuteria e cultura do negro nos curriacuteculos das escolas eacute uma decisatildeo justa e de paridade
Conhecer a histoacuteria e cultura afro-brasileira eacute fundamental para elevar o niacutevel de democratiza-
ccedilatildeo racial e isso natildeo se resume somente a identificar o negro no seu contexto mas sim em
valorizar a sua contribuiccedilatildeo e papel dentro da formaccedilatildeo sociocultural brasileira uma socieda-
de plurieacutetnica multicultural que ainda precisa avanccedilar em seus ideais democraacuteticos Nesse
sentido a lei 106392003 constitui uma ferramenta fundamental para fazer com que as pesso-
as repensem suas relaccedilotildees sociais eacutetnico-raciais procedimentos de ensino condiccedilotildees ofereci-
das para aprendizagem instruccedilotildees pedagoacutegicas coerentes e condizente com a realidade Desse
acircngulo o curriacuteculo ganha novos horizontes
Silva (2015) diz que se preocupar com a construccedilatildeo do curriacuteculo eacute uma questatildeo
social que precisa ser discutida publicamente visto que seus paracircmetros acabam por definir
qual tipo de sociedade se deseja atraveacutes da educaccedilatildeo Por essa vida ainda coloca-se em xe-
que algumas ldquoverdadesrdquo construiacutedas sobre a naturalidade e obviedade do curriacuteculo e passa-se
a ter uma visatildeo dele como um constructo social e poliacutetico Nesse sentido importa ressaltar
que toda sociedade deve se mobilizar para garantir o respeito independentemente de sua ori-
gem corraccedila ou religiatildeo As crianccedilas satildeo o futuro do Brasil eacute essencial que elas cresccedilam
absorvendo os significados de diferenccedila de igual de singularplural e que saibam que no
outro poderaacute haver umas dessas caracteriacutesticas mas que quando adulta teraacute o discernimento
de aceitar e respeitaacute-lo como ela eacute
39
Vicentini (2009) em seus estudos demonstra que as escolas brasileiras encontram
dificuldades em reconhecer que muitos de seus alunos natildeo se enquadram no perfil determina-
do atraveacutes de uma concepccedilatildeo universal de cultura Por essa razatildeo torna-se necessaacuterio uma
revisatildeo conceitual e estrutural das loacutegicas de produccedilatildeo do saber e do conhecimento no espaccedilo
escolar a fim de oportunizar a valorizaccedilatildeo da diversidade cultural que eacute intriacutenseca agrave nossa
cultura natildeo deixando de valorizar as manifestaccedilotildees culturais da minoria Assim se faz neces-
saacuterio a superaccedilatildeo de uma educaccedilatildeo escolar deslumbrada apenas pela cultura da elite abrindo
espaccedilo para uma escola multiintercultural Em nossa perspectiva isso deve ser o principal
objetivo dos curriacuteculos escolares a garantia de que todos possam se expressar dando vez e
voz agraves diferenccedilas culturais independentemente do niacutevel social de cada indiviacuteduo
Eacute prudente afirmar que atraveacutes da educaccedilatildeo eacute possiacutevel realizar muitas transforma-
ccedilotildees principalmente levar as pessoas a aceitar a diversidade natildeo ter medo do desconhecido
pois no contexto humano tende-se a rejeitar o que natildeo conhecemos para tanto se faz necessaacute-
rio conhecer para poder aceitar Em face disto Silva (2015) nos alerta para a necessidade da
luta pela igualdade pois do contraacuterio a propagaccedilatildeo desenfreada da discriminaccedilatildeo pode levar
agrave situaccedilatildeo limite de instauraccedilatildeo de um conflito civil sem precedentes Poreacutem natildeo basta ape-
nas discutir a diversidade eacutetnico-racial em nosso paiacutes satildeo necessaacuterias accedilotildees concretas para
que o Brasil supere a persistecircncia e profundidade do preconceito racial
Neste sentido a afirmaccedilatildeo da educaccedilatildeo brasileira deve passar pelo debate a re-
formulaccedilatildeo do nosso curriacuteculo sendo ele eacute um dos principais propulsores das accedilotildees pedagoacute-
gicas Em particular cabe reconhecer que o curriacuteculo em voga ainda carrega consigo forte
hegemonia da loacutegica eurocecircntrica a qual sempre privilegiou os saberes e modos de compre-
ensatildeo ocidental e com isso o homem branco cristatildeo de elite marginalizando outras dimen-
sotildees eacutetnicas humanas e socioculturais (OLIVA 2003) Como jaacute mencionado poreacutem aqui
natildeo se trata somente de uma revisatildeo das bases interpretativas de nossa proacutepria cultura e da
maneira como se inscrevem no cotidiano A luta pela revisatildeo do curriacuteculo tambeacutem encontra
direta relaccedilatildeo com a ampliaccedilatildeo do universo de possibilidades para a populaccedilatildeo negra dado
que a escola deteacutem um papel importante no sistema de reproduccedilatildeo das posiccedilotildees sociais na
contemporaneidade (ALVES 2007)
40
13 As lutas para afirmaccedilatildeo da Cultura Afro-Brasileira
Eacute inegaacutevel na sociedade brasileira de hoje que o preconceito racial persiste seja
promovido de maneira dissimulada e privada seja assumindo dimensotildees puacuteblicas eou coleti-
vas Sem duacutevida a permanecircncia dessas formas de preconceito e discriminaccedilatildeo e a proacutepria
ausecircncia de identificaccedilatildeo do negro com os conteuacutedos formas e saberes culturais valorizados
no espaccedilo escolar constituem aspectos importantes para entender como os negros satildeo leva-
dos inclusive a se auto excluiacuterem Trata-se aqui de um processo muito eficiente de inculca-
ccedilatildeo da inferioridade de estranhamento reforccedilo da submissatildeo que desde as primeiras etapas
da escolarizaccedilatildeo ateacute os momentos finais incluir-se nos padrotildees de interaccedilatildeo nos conteuacutedos e
nas instituiccedilotildees Isto adquire particular relevacircncia quando se aborda a histoacuteria do Brasil
Neste sentido Silva (2015) nos mostra que a grande maioria da sociedade brasi-
leira conhece somente a histoacuteria da Aacutefrica e do negro que os livros didaacuteticos abordam onde a
ecircnfase principal recai quase que exclusivamente quando o tema eacute escravidatildeo no periacuteodo colo-
nial e imperial chegando ateacute a aboliccedilatildeo da escravidatildeo Passando esse periacuteodo histoacuterico na
praacutetica quase natildeo se aborda ou natildeo se destaca nada a respeito da populaccedilatildeo afro-brasileira
nos livros e perioacutedicos didaacuteticos Quando muito a cultura negra eacute colocada como uma espeacutecie
de plano de fundo das manifestaccedilotildees culturais brasileiras e sua contribuiccedilatildeo subsumida a in-
corporaccedilotildees seletivas na comida expressotildees vestuaacuterio etc Tudo ocorre como se ainda fosse
necessaacuterio escrever a histoacuteria da populaccedilatildeo negra retirando-a do papel de coadjuvante e cap-
tando sua agecircncia capacidade de resistecircncia e luta
Na praacutetica o que se deseja destacar eacute que todas as pessoas satildeo capazes de produ-
zir algo relevante para a sociedade independentemente de sua cultura corraccedila ou credo reli-
gioso Forquin (1993) por exemplo diz que a cultura eacute o conjunto de caracteriacutesticas da ma-
neira como o sujeito vive em sociedade em um grupo em comunidade devendo estas ser
respeitadas por todos
Vicentini (2009) por outro lado define a identidade cultural como uma constru-
ccedilatildeo histoacuterica ininterrupta sendo formada e transformada de maneira continua em detrimento
as formas que somos representadas e ilustrados pelos sistemas culturais que compartilhamos
Quando esse sistema vai se multiplicando nossa ldquoidentidade culturalrdquo eacute confrontada por ou-
tras identidades possiacuteveis onde satildeo verificadas a multiplicidade de combinaccedilotildees com as
quais poderiacuteamos nos identificar e aderir
41
Dado que a nossa situaccedilatildeo se encontra longe da ideal o combate agraves muacuteltiplas
formas de racismo e discriminaccedilatildeo tendeu a assumir rumos diversos Desde o esforccedilo para a
elaboraccedilatildeo de instrumentos juriacutedicos que garantissem direitos aos negros passando pela de-
mocratizaccedilatildeo do sistema poliacutetico ateacute a abertura de vagas no mercado de trabalho e a amplia-
ccedilatildeo do aceso agrave educaccedilatildeo e agrave cultura Em grande medida essas modificaccedilotildees encontram-se as-
sociadas ao papel do movimento negro cujas conquistas em acircmbito puacuteblico natildeo se restringem
simplesmente a essa causa sendo tambeacutem importantes para outros movimentos representati-
vos de minorias
Andrews citado por Alves (2007) demonstra em suas pesquisas que embora o
preconceito seja exercitado predominantemente de maneira opaca e dissimulada mesclando-
se por vezes com outros marcadores sociais a populaccedilatildeo negra eacute consciente de que o pre-
conceito racial existe Em nossa cultura o racismo e discriminaccedilotildees satildeo correntes no cotidia-
no e orientado principalmente pela classificaccedilatildeo associada aos atributos fiacutesicos fenotiacutepicos
O problema eacute que no nosso caso o preconceito estaacute fundamentalmente nos carac-
teres fiacutesicos A discriminaccedilatildeo ldquoculturalrdquo vem a reboque da fiacutesica pois os racistas acham que
ldquotudo que vem de negro de pretordquo ou eacute inferior ou eacute maleacutefico (religiatildeo ritmos haacutebitos etc)
(BENTES Apud MUNANGA 2005 p175)
Nesse ponto talvez seja necessaacuterio esclarecer que em meios cientiacuteficos a tese da
hierarquia entre as raccedilas8 constitui um subproduto largamente questionado cujas bases de
legitimidade foram destruiacutedas desde meados do seacuteculo XX Ateacute entatildeo predominava a visatildeo
de que haveria uma escala evolutiva entre as diferentes raccedilas e nessa reparticcedilatildeo os povos
negros os africanos estariam em posiccedilotildees mais inferiores e atrasadas Hoje ao contraacuterio
sabe-se que raccedila e racismo natildeo constituem mais a base da compreensatildeo cientiacutefica sobre a hu-
manidade poreacutem a questatildeo aqui eacute que essa interpretaccedilatildeo se inscreveu no proacuteprio funciona-
mento das instituiccedilotildees e nas bases interpretativas e classificatoacuterias da realidade Dessa pers-
pectiva ao falar-se em raccedila e racismo natildeo entra em pauta a sua discussatildeo em termos bioloacutegi-
cos mas sociais que envolvem a necessidade de construccedilatildeo de projetos poliacuteticos de modifica-
ccedilatildeo da realidade de desmistificaccedilatildeo de formas de classificaccedilatildeo e etiquetagem dos atores e
8 Raccedila eacute uma construccedilatildeo poliacutetica e social Eacute a categoria discursiva em torno da qual se organiza um sistema de
poder socioeconocircmico de exploraccedilatildeo e exclusatildeo ndash ou seja ndash o racismo Todavia como praacutetica discursiva o
racismo possui uma loacutegica proacutepria Tenta justificar as diferenccedilas sociais e culturais que legitimam a exclusatildeo
racial em termos de distinccedilotildees geneacuteticas e bioloacutegicas isto eacute na natureza (GOMES 2012 p730)
42
consequentemente de criacutetica sobre os efeitos desse processo sobre a consciecircncia autoestima
da populaccedilatildeo negra estatisticamente majoritaacuteria no Brasil (ALVES 2007)
Em parte essa revisatildeo se inscreve na proacutepria histoacuteria das Ciecircncias Sociais no Bra-
sil onde intelectuais de diversas procedecircncias e inscritos tanto em instituiccedilotildees cientiacuteficas -
Neves (2006 apud Alves 2007) cita por exemplo os intelectuais posicionados no Instituto de
Pesquisas de Cultura Negra (IPCN) com sede no Rio de Janeiro a Sociedade de Intercacircmbio
Brasil Aacutefrica (SINBA) a Sociedade de Estudo de Cultura Negra no Brasil (SECNEB) O
Grupo de Estudos Andreacute Rebouccedilas (GEAR) entre outros ndash como tambeacutem em Grupos Cultu-
rais de diversos matizes (no estado da Bahia existia o Grupo de Cultura Afro-Brasileira o
Grupo de Teatro Palmares) tem desempenhado um papel importante para a valorizaccedilatildeo da
cultura afro-brasileira Como veremos a seguir essas lutas compotildeem um quadro ainda mais
amplo de engajamentos os quais recolocaram na ordem do dia o tema das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais no espaccedilo escolar sem os quais sequer teriacuteamos condiccedilotildees como as atuais de colocar o
tema das relaccedilotildees eacutetnico-raciais no espaccedilo escolar
43
CAPIacuteTULO 2 - RELACcedilOtildeES EacuteTNICO-RACIAIS lutas movimentos e reformas poliacuteti-
cas educacionais
Valeu Zumbi
O grito forte dos Palmares
Que correu terras ceacuteus e mares
Influenciando a Aboliccedilatildeo
Zumbi valeu
Hoje a Vila eacute Kizomba
Eacute batuque canto e danccedila
Jongo e Maracatu
Vem menininha pra danccedilar o Caxambu (bis)
Ocirc ocirc nega mina
Anastaacutecia natildeo se deixou escravizar
Ocirc ocirc Clementina
O pagode eacute o partido popular
Sacerdote ergue a taccedila
Convocando toda a massa
Nesse evento que com graccedila
Gente de todas as raccedilas
Numa mesma emoccedilatildeo
Esta Kizomba eacute nossa constituiccedilatildeo
Que magia
Reza ageum e Orixaacute
Tem a forccedila da Cultura
Tem a arte e a bravura
E um bom jogo de cintura
Faz valer seus ideais
E a beleza pura dos seus rituais
Vem a Lua de Luanda
Para iluminar a rua
Nossa sede eacute nossa sede
De que o Apartheid se destrua
(Rodolpho de Souza Jonas Rodrigues e Luiacutes Carlos da Vila 1988)
Muito embora distante de tornar realidade os movimentos de combate ao racismo as
frases de ordem o ativismo declarado de negros em todo paiacutes nas diferentes performances
intelectuais ou artiacutesticas contra a sociedade e seu sistema escravocrata velado foi que em
1988 ano que o Brasil comemorou o centenaacuterio da aboliccedilatildeo da escravatura a Unidos de Vila
Isabel9 levantou a Marquecircs de Sapucaiacute com o samba enredo ldquoKizomba a festa da raccedilardquo A
9 Grecircmio Recreativo Escola de Samba Unidos de Vila Isabel eacute uma das mais tradicionais escolas de samba da
cidade do Rio de Janeiro Foi campeatilde do Grupo Especial do Carnaval em 1988 2006 e 2013 Em seu brasatildeo haacute a
coroa da Princesa Isabel aonde figuram na parte de cima um resplendor com uma fita azul aonde se encontram
as iniciais da agremiaccedilatildeo (GRESUVI) e na parte de baixo se veem uma clave de sol um pandeiro e a pena de
Noel Rosa A Unidos de Vila Isabel foi fundada em 4 de abril de 1946 (Fonte wwwunidosdevilaisabelcombr)
44
composiccedilatildeo de Rodolpho de Souza Jonas Rodrigues e Luiacutes Carlos da Vila encantou a todos
numa simbiose de reafirmaccedilatildeo e pertencimento a cultura negra sendo decisiva para o tiacutetulo da
escola tornando-se ldquoinstantaneamente um claacutessico do carnaval brasileirordquo (SOUZA 2013
p 1)
Imagem 1- Desfile da Escola de Samba Unidos de Vila Isabel (1988)
Fonte httpwwwpedromigaocombrourodetolo2016011988-kizombaco-da-vila-isabel-e-quem-viu-viu
Acesso em 08 mar 2018
O Samba enredo marcado por um ritmo forte harmocircnico cadenciado envolvente e
convidativo bem proacuteximo das batidas dos atabaques de terreiros de candombleacutes e tantas ou-
tras manifestaccedilotildees da ancestralidade africana a muacutesica trazia uma poesia igualmente intensa
(SOUZA 2013) Jaacute Rezende destacou que a escola se apresentou ativamente transgressora
viva harmoniosa latente e sobretudo festiva agrave comunidade negra
[] posto que buscou desconstruir um dos mais caros mitos da histoacuteria ofici-al brasileira marcadamente ideologizada aquele que atribui agrave generosidade
da princesa Isabel todo o creacutedito e veneraccedilatildeo pelo fim da escravidatildeo no Bra-
sil acentuadamente transcritos nos livros didaacuteticos escolares e secularmente
transferidos para os curriacuteculos e propagada pelas escolas do paiacutes (REZEN-DE 2017 p 155)
Tomado como referecircncia para discutir as relaccedilotildees de Brasil e Aacutefrica num reencontro
que envolvia uma gama de acontecimentos atinentes agrave populaccedilatildeo negra que deram origem a
vaacuterios movimentos de reafirmaccedilatildeo da identidade africana pelo paiacutes Para tanto a referecircncia ao
enredo manifesto natildeo eacute destituiacuteda de relaccedilotildees com o que se discute neste trabalho A mensa-
45
gem que se tenta transmitir agrave populaccedilatildeo brasileira atraveacutes de estrofes e versos inscreve-se em
uma narrativa bem mais ampla de lutas formas de resistecircncia e tentativas de valorizaccedilatildeo do
legado e do patrimocircnio cultural afro-brasileiro Aliaacutes seria necessaacuterio recordar ainda que es-
taacutevamos aqui no ano de 1988 proacuteximos da comemoraccedilatildeo do centenaacuterio da aboliccedilatildeo da escra-
vatura o que constituiu uma oportunidade iacutempar para refletir sobre o processo de integraccedilatildeo
do negro na sociedade brasileira e sobre os efeitos das experiecircncias histoacutericas sobre o presen-
te
Com efeito a anaacutelise mais detalhada desse enredo permite por o manifesto uma dentre
outras formas de comunicar agrave sociedade brasileira sobre a importacircncia da cultura e da identi-
dade negra no paiacutes Isto eacute o que entra em questatildeo a partir de entatildeo satildeo as estrateacutegias adotadas
para ldquoevidenciar as inuacutemeras contribuiccedilotildees para a formaccedilatildeo da naccedilatildeo brasileira com seus
valores e patrimocircnios culturaisrdquo (SANTOS 2010 p 35)
Deste modo satildeo inegaacuteveis as reverberaccedilotildees que o ano de ldquo1988 trouxe [] sendo um
dos aportes para a refundaccedilatildeo do movimento negrordquo (RIOS 2012 p 44) Em boa medida a
ocasiatildeo foi tomada como oportunidade para operar uma criacutetica agraves narrativas consagradas so-
bre a naccedilatildeo e particularmente para demarcar um processo de reflexatildeo coletiva sobre o que
efetivamente deveria ser comemorado Por essa razatildeo o Movimento Negro organizou nesse
ano a marcha contra o racismo e a farsa da aboliccedilatildeo manifestaccedilatildeo que ocorreu no Rio de Ja-
neiro no dia 11 de Maio de 1988 centro da capital carioca
O centenaacuterio da Aboliccedilatildeo em 1988 entrou para a histoacuteria do movimento negro como o
segundo marco nacional da luta antirracista contemporacircneo a onda de manifestaccedilotildees que
questionou a data comemorativa de 13 (treze) de Maio possuiu maior alcance seja porque se
tratava de momento simboacutelico para a naccedilatildeo seja porque foi realizada nas proximidades da
campanha pela reforma constitucional Natildeo era para menos ldquotratava-se de uma oportunidade
poliacutetica francamente aberta para a consolidaccedilatildeo do movimento negro na cena poliacutetica nacio-
nalrdquo (RIOS 2012 p 51)
De acordo com Oliveira (2016) movimento negro refere-se aos diferentes coletivos de
pessoas organizadas na diaacutespora africana com vista criar experiecircncias de poder
Quando falamos em movimento negro nos referimos a coletivos de pessoas que se sentem comprometidos e se organizam nas vaacuterias partes do mundo
onde se deu a diaacutespora africana nas Ameacutericas na Aacutesia na Europa na Oce-
ania e na proacutepria Aacutefrica (na diaacutespora interna) para lutar e criar uma nova situaccedilatildeo de poder em que osas negrosas sejam reconhecidosas e respeita-
dosas como portadores de uma tradiccedilatildeo proacutepria com seus proacuteprios valores
46
civilizatoacuterios herdados dos seus antepassados E que sejam incluiacutedos natildeo
somente na base produtiva dessas sociedades mas tambeacutem na condiccedilatildeo de dirigentes do desenvolvimento social poliacutetico econocircmico e cultural em seus
paiacuteses (OLIVEIRA 2016 p 9 grifo nosso)
Em face disto muito ainda se discute a repercussatildeo que a marcha contra o racismo te-
ve para suscitar algumas discussotildees vez que destacaram para a sociedade brasileira o estado
precaacuterio e socialmente vulneraacutevel de parte da populaccedilatildeo negra
A partir de entatildeo a atuaccedilatildeo poliacutetica de negros parece ter adquirido novo focirclego levan-
tando questotildees natildeo apenas de redistribuiccedilatildeo socioeconocircmica como tambeacutem concernente agrave
bandeira das lutas por reconhecimento e direitos sociais poliacuteticos e civis Assim a combina-
ccedilatildeo dessas lutas foi capaz de produzir efeitos natildeo somente sobre o Estado como tambeacutem in-
terpelou ao proacuteprio movimento agrave esquerda e a populaccedilatildeo brasileira de um modo geral
Eacute na deacutecada de 80 no seacuteculo XX durante o processo de abertura poliacutetica e
redemocratizaccedilatildeo da sociedade que assistimos uma nova forma de atuaccedilatildeo
poliacutetica dos negros e negras brasileiros Estes passaram a atuar ativamente por meio dos novos movimentos sociais sobretudo os de caraacuteter identitaacuterio
trazendo outro conjunto de problematizaccedilatildeo e novas formas de atuaccedilatildeo e
reinvindicaccedilatildeo poliacutetica O Movimento Negro indaga a exclusividade do en-
foque sobre a classe social presente nas reivindicaccedilotildees e denuacutencias da luta dos movimentos sociais da eacutepoca As suas reivindicaccedilotildees assumem um caraacute-
ter muito mais profundo indagam o Estado a esquerda brasileira e os mo-
vimentos sociais sobre o seu posicionamento neutro e omisso diante da cen-tralidade da raccedila na formaccedilatildeo do paiacutes (GOMES 2010 p 2-3)
A tentativa de construccedilatildeo de uma visatildeo mais positiva da identidade negra requisitou
no entanto uma ampliaccedilatildeo do repertoacuterio de atuaccedilatildeo ateacute entatildeo empregado De uma militacircncia
que era mais artiacutestica intelectual cultural e ateacute mesmo microscoacutepica passamos para o quadro
da criaccedilatildeo de um efetivo grupo de pressatildeo que procurou sentar a mesa para elaboraccedilatildeo de
textos legais que dessem expressatildeo e garantias agraves lutas e bandeiras levantadas Foi assim por
exemplo no contexto de formulaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 quando o movimento
negro participou ativamente da discussatildeo de propostas apesar de que
[] natildeo incluiacuteram de fato as reivindicaccedilotildees desse movimento em prol da
educaccedilatildeo Os debates em torno da questatildeo racial realizados entre o Movi-
mento Negro e os parlamentares revelam um processo de esvaziamento do conteuacutedo poliacutetico das reivindicaccedilotildees (RODRIGUES apud GOMES 2011 p
5)
A despeito de que natildeo tenha havido um direcionamento concreto agraves diversas demandas
apresentadas pelo movimento essas iniciativas davam mostras da organicidade e fortaleciam
as condiccedilotildees de coalizatildeo interna bem como a identificaccedilatildeo de canais para encaminhamento
de demandas ao Estado
47
Outra demonstraccedilatildeo puacuteblica da capacidade de mobilizaccedilatildeo e organizaccedilatildeo do movi-
mento foi agrave comemoraccedilatildeo do tricentenaacuterio da morte de Negro Zumbi reunindo aproximada-
mente 30 mil pessoas nas ruas de Brasiacutelia
Bakke (2011) diz que
[] em 1995 por ocasiatildeo das comemoraccedilotildees dos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares os movimentos sociais negros realizaram uma marcha
a Marcha dos 300 anos de Zumbi dos Palmares ateacute Brasiacutelia onde entregaram
uma reivindicaccedilatildeo por poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees afirmativas ao entatildeo presi-
dente da repuacuteblica Fernando Henrique Cardoso Nessa comemoraccedilatildeo o pre-sidente fez um discurso no qual pela primeira vez o Estado brasileiro reco-
nhecia oficialmente a existecircncia do racismo mudando o posicionamento ateacute
entatildeo adotado sem grandes alteraccedilotildees dede a deacutecada de 1930 No ano se-guinte a luta dos movimentos sociais negros tambeacutem aparece na promulga-
ccedilatildeo da Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo (LDB) que reafirma a orienta-
ccedilatildeo de que os curriacuteculos escolares deveriam tratar da participaccedilatildeo dos negros
e indiacutegenas na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (BAKKE 2011 p 9)
Assim as poliacuteticas puacuteblicas afirmativas foram ganhando cena a niacutevel do Estado brasi-
leiro Na deacutecada de 90 do Seacutec XX o movimento negro realiza outra marcha e com frases de
efeitos ldquoReaja agrave violecircncia racialrdquo ldquoNegro tambeacutem quer poderrdquo ldquoPalmares Zumbi Assim
eu resistirdquo ldquoQueremos escola queremos empregordquo ldquoZumbi vive Racismo natildeordquo (RIOS
2012 p 56) a multidatildeo que movimentou Brasiacutelia no Dia 20 de Novembro de 1995 represen-
tava uma massa significativa da populaccedilatildeo brasileira que clamava por justiccedila social As rei-
vindicaccedilotildees concatenadas priorizam o acesso agrave educaccedilatildeo como forma de colaborar para a as-
censatildeo social do negro A partir da Marcha Zumbi dos Palmares as questotildees eacutetnico-raciais
brasileiras entraram em pauta em diferentes niacuteveis governamentais e sociais (DUARTE
2008 p 5)
Imagem 2 - Marcha Zumbi dos PalmaresBrasiacutelia 20 de novembro de 1995
Fonte httpwwwafropresscompostaspid=18405 Acesso em 08032019
48
O objetivo dessa marcha era apresentar ao governo brasileiro o reconhecimento
das injusticcedilas histoacutericas sofridas por esses brasileiros principalmente a falta de acesso agraves poliacute-
ticas afirmativas bem como a criaccedilatildeo de um nuacutecleo de debates que problematizassem ques-
totildees atinentes ao negro no paiacutes Em resposta o Presidente Fernando Henrique Cardoso
(19952003) criou o Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorizaccedilatildeo da Populaccedilatildeo Ne-
gra (GTI Populaccedilatildeo Negra) O movimento havia conseguido influenciar os rumos da luta con-
tra o racismo no paiacutes A data foi fundamental e abriu caminho para a formulaccedilatildeo posterior
das poliacuteticas de accedilotildees afirmativas no Brasil (GELEDEacuteS 2016) Por accedilotildees afirmativas deve-se
compreender que
[] satildeo medidas que buscam o fim de uma seacuterie de desigualdades que foram
sendo produzidas reproduzidas e acumuladas ao longo da histoacuteria humana bem como pretendem compensar as inuacutemeras perdas provocadas pela exclu-
satildeo social discriminaccedilatildeo e marginalizaccedilatildeo dentre outras accedilotildees oriundas do
julgamento por motivos raciais eacutetnicos religiosos de gecircnero Assim a in-
tenccedilatildeo das accedilotildees afirmativas gira em torno da busca por garantir igualdade de oportunidade e tratamento agraves minorias funcionando como primeiro passo
para a inclusatildeo destes nas esferas sociais das quais natildeo fazem parte (SE-
CAD MEC2006 p 26)
Eacute valido ressaltar por outro lado que mesmo em um contexto de marcada nega-
ccedilatildeo de direitos agrave populaccedilatildeo negra a militacircncia procurou sempre atuar em diferentes frentes de
mobilizaccedilatildeo Seja atraveacutes de jornais seja atraveacutes de iniciativas propriamente educacionais
progressivamente foi se constituindo um corpo de agentes dotados de competecircncias e saberes
cruciais para atuar de maneira eficiente junto ao Estado Em torno desse pensamento inuacuteme-
ras accedilotildees de mobilizaccedilatildeo foram realizadas com a finalidade de aproximar agrave populaccedilatildeo negra
para as negociaccedilotildees que tratariam de accedilotildees que levariam o negro para o centro das decisotildees
no uacuteltimo quartel do seacuteculo XX Por exemplo a imprensa brasileira foi intensamente utilizada
como instrumento de suas campanhas Aleacutem disso setores da Frente Negra Brasileira (FNB)
criaram salas de aula de alfabetizaccedilatildeo para os trabalhadores e trabalhadoras negras em diver-
sas localidades (GONCcedilALVES 2000)
[] Nesta trajetoacuteria destacam-se as experiecircncias do Movimento Negro Uni-
ficado (MNU) a partir do fim da deacutecada de 1970 - e seus desdobramentos com a poliacutetica antirracista nas deacutecadas de 1980 e 1990 com conquistas sin-
gulares nos espaccedilos puacuteblicos e privados - das frentes abertas pelo Movimen-
to de Mulheres Negras e do embate poliacutetico impulsionado pelas Comunida-
des Negras Quilombolas Ou seja no percurso trilhado pelo Movimento Ne-gro Brasileiro a educaccedilatildeo sempre foi tratada como instrumento de grande
valia para a promoccedilatildeo das demandas da populaccedilatildeo negra e o combate agraves de-
sigualdades sociais e raciais (SECADMEC 2006 p18 19)
49
Coerentemente com suas reivindicaccedilotildees e propostas histoacutericas que decorrem desde as
ldquomanifestaccedilotildees mais reservadas por conta do sistema ditatorial ateacute as primeiras manifestaccedilotildees
de ruas que ganharam bastante notoriedade com a redemocratizaccedilatildeo do paiacutesrdquo (RIOS 2012 p
52) a lutas empreendidas pelo Movimento Negro tecircm possibilitado ao Estado brasileiro pro-
mover poliacuteticas e programas para a populaccedilatildeo afro-brasileira e valorizar a histoacuteria e a cultura
do povo negro (GOMES 2010 SECADMEC 2006)
Outro componente importante dessa luta que deve ser mencionado diz respeito agrave III
Conferecircncia Mundial contra o racismo a discriminaccedilatildeo a xenofobia e formas correlatas de
intoleracircncia ocorrida em 2001 na cidade de Durban Aacutefrica do Sul De maneira geral somen-
te depois dessa conferecircncia que a adoccedilatildeo de poliacuteticas afirmativas entrou para a agenda poliacutetica
internacional Para o Brasil esse evento foi de grande importacircncia como destaca Munanga
(2015)
Depois da Conferecircncia de Durban o Brasil oficial engajou-se como natildeo se vira antes na busca dos caminhos para a execuccedilatildeo da Declaraccedilatildeo dessa Con-
ferecircncia da qual foi um dos paiacuteses signataacuterios A declaraccedilatildeo previa a imple-
mentaccedilatildeo das poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa inclusive as cotas em benefiacutecio
dos negros iacutendios e outras chamadas minorias As polecircmicas e controveacutersias a respeito dessas poliacuteticas satildeo indicadores das realidades de uma sociedade
que ainda vive entre o mito e os fatos ou melhor que confunde o mito e os
fatos ou seja onde o mito funciona como verdadeira realidade (MUNAN-GA 2015 p 137)
Com efeito a instituiccedilatildeo da Lei 1063903 que foi confirmada e ampliada pela lei
116452008 constituiacuteram demonstraccedilotildees concretas de compromisso do Estado Brasileiro com
a questatildeo muito embora sua implementaccedilatildeo ainda seja insuficiente como seraacute exposto mais
adiante Segue abaixo os objetivos da lei 1063903
Lei Nordm 106392003 Altera a Lei nordm 9394 de 20 de dezembro de 1996 que estabelece as diretri-
zes e bases da educaccedilatildeo nacional para incluir no curriacuteculo oficial da Rede de
Ensino a obrigatoriedade da temaacutetica ldquoHistoacuteria e Cultura Afro-Brasileirardquo E
daacute outras providecircncias O PRESIDENTE DA REPUacuteBLICA Faccedilo saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei
Art 1ordm - A Lei no 9394 de 20 de dezembro de 1996 passa a vigorar acres-
cida dos seguintes arts 26-A 79-A e 79-B Art 26-A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e
particulares torna-se obrigatoacuterio o ensino sobre Histoacuteria e Cultura Afro-
Brasileira sect 1ordm O conteuacutedo programaacutetico a que se refere o caput deste artigo incluiraacute o
estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dos Africanos a luta dos negros no Brasil a
cultura negra brasileira e o negro na formaccedilatildeo da sociedade nacional resga-
tando a contribuiccedilatildeo do povo negro nas aacutereas social econocircmica e poliacutetica pertinente agrave Histoacuteria do Brasil
50
sect 2ordm Os conteuacutedos referentes agrave Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira seratildeo mi-
nistrados no acircmbito de todo o curriacuteculo escolar em especial nas aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica e de Literatura e Histoacuteria Brasileira
sect ldquo3ordm - (Vetado)rdquo ldquoArt 79-A - (Vetado)rdquo ldquoArt 79-B - O calendaacuterio escolar
incluiraacute o dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciecircncia Negrardquo Art 2ordm - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicaccedilatildeo
(Brasiacutelia 9 de janeiro de 2003 182ordm da Independecircncia e 115ordm da Repuacuteblica
LUIZ INAacuteCIO LULA DA SILVA Cristoacutevan Ricardo Cavalcanti Buarque (BRASIL DOU 10 de jan de 2003)
Diante da publicaccedilatildeo de tal legislaccedilatildeo o Conselho Nacional de Educaccedilatildeo aprovou o
Parecer CNECP 32004 que institui as Diretrizes Curriculares para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees
Eacutetnico-Raciais e o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas a serem executa-
das pelos estabelecimentos de ensino de diferentes niacuteveis e modalidades cabendo aos siste-
mas de ensino orientar e promover a formaccedilatildeo de professores e professoras e supervisionar o
cumprimento das Diretrizes Curriculares Nacionais Pode-se compreender segundo esse do-
cumento que relaccedilotildees eacutetnico-raciais satildeo aquelas criadas por sujeitos de diferentes grupos par-
tindo de ideias conceitos e informaccedilotildees sobre as diferenccedilas raciais percebendo suas seme-
lhanccedilas criando desta forma um sentimento de pertencimento racial
Com efeito esse debate culminou em diversas propostas de implementaccedilatildeo de accedilotildees
para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais conforme suscitado pela Secretaria de Educa-
ccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SECADMEC) Estas propostas assumiriam o
rol de orientaccedilotildees para a implementaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais com abrangecircncia em to-
dos os niacuteveis de ensino nas instituiccedilotildees puacuteblicas e particulares do territoacuterio nacional Entre os
diferentes princiacutepios que presidiram a produccedilatildeo desses documentos vale destacar os seguin-
tes
Socializaccedilatildeo e visibilidade da cultura negro-africana
Formaccedilatildeo de professores com vistas agrave sensibilizaccedilatildeo e agrave construccedilatildeo de es-trateacutegias para melhor equacionar questotildees ligadas ao combate agraves discri-
minaccedilotildees racial de gecircnero e agrave homofobia
Construccedilatildeo de material didaacutetico-pedagoacutegico que contemple a diversidade
eacutetnico-racial na escola Valorizaccedilatildeo dos diversos saberes
Valorizaccedilatildeo das identidades presentes nas escolas sem deixar de lado esse
esforccedilo nos momentos de festas e comemoraccedilotildees (SECADMEC 2006 p 24)
Seja como for muito embora a Lei tenha vindo como um ajuste de contas ela natildeo teve
o dinamismo das lutas realizadas para sua implementaccedilatildeo No estado do Maranhatildeo por
exemplo que apresenta o terceiro maior percentual de residentes autodeclarados como negros
51
(perde apenas para o Paraacute e a Bahia) as poliacuteticas de afirmaccedilatildeo voltadas para a populaccedilatildeo
afrodescendentes ainda natildeo foram desenvolvidas tatildeo sistematicamente quanto se esperava
O Plano Estadual de Educaccedilatildeo (PEE) que eacute uma exigecircncia federal eacute pouco
conhecido pelos professores da rede estadual e embora traga um diagnoacutestico
realista com base nesses indicadores educacionais e destaque nas metas e estrateacutegias formas de reparar essa realidade natildeo eacute utilizado na praacutetica Esse
plano foi construiacutedo pelo Foacuterum Estadual de Educaccedilatildeo atraveacutes de vinte con-
ferecircncias intermunicipais e aprovadas no governo de Roseana Sarney atra-
veacutes da Lei nordm 10099 de 11 de junho de 2014 (SANTOS 2018 p)
Apesar disso o governo do Estado em conjunto com intelectuais autoridades e pes-
quisadores tem tentado implementar o Plano Estadual de Poliacutetica de Promoccedilatildeo da Igualdade
Eacutetnico-Racial (2006) bem como promovido conferecircncias com regularidade para debater so-
bre a promoccedilatildeo de iniciativas voltadas agrave populaccedilatildeo negra do Estado
Como em todo o resto no entanto se de um lado convivemos com avanccedilos significa-
tivos no plano legal a verdade concreta eacute que no plano do cotidiano escolar ainda convivemos
com uma inclusatildeo muito limitada a momentos estanques comemorativos e com teor folcloacuteri-
co estando muito aqueacutem de uma inserccedilatildeo interdisciplinar como preconizado pelo texto legal
Sob a perspectiva assumida neste trabalho a valorizaccedilatildeo do respeito agrave diferenccedila que estaacute na
base do multiculturalismo teve evidentes vitorias no campo das poliacuteticas puacuteblicas no Brasil e
na Ameacuterica Latina Ocorre que quando observamos o cotidiano das instituiccedilotildees e estudamos
as culturas escolares especiacuteficas percebemos que elas ainda reproduzem as formas escolares
hegemocircnicas que satildeo atravessadas por uma concepccedilatildeo que naturaliza a desigualdade as hie-
rarquias e as concepccedilotildees racializada da realidade
Nesse sentido
Espera-se que ao longo dos anos o caraacuteter emergencial dessa medida de
accedilatildeo afirmativa decirc lugar ao seu total enraizamento enquanto lei nacional a ponto de passar a fazer parte do imaginaacuterio pedagoacutegico e da poliacutetica educa-
cional brasileira e natildeo mais ser vista como uma legislaccedilatildeo especiacutefica Nesse
caso entendida como Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional a Lei nordm 1063903 poderaacute garantir aquilo que os defensores das accedilotildees afirmativas
pleiteiam ou melhor que as poliacuteticas universais brasileiras incluam e garan-
tam de forma expliacutecita o direito agrave diferenccedila (GOMES 2010 p 21)
Atento ao quadro sob observaccedilatildeo que combina deficiecircncias estruturais carecircncias de
materiais especializados obstaacuteculos decorrentes da proacutepria formaccedilatildeo dos professores e as
resistecircncias oriundas do acircmbito propriamente escolar ndash cada vez mais atravessado por uma
accedilatildeo ostensiva das igrejas evangeacutelicas notadamente ndash concebemos este trabalho como uma
52
singela contribuiccedilatildeo para melhoria desse quadro cuja razatildeo de ser deriva do engajamento do
autor desse trabalho como pessoa e profissional no espaccedilo em pauta
53
CAPIacuteTULO 3- DA ESCOLA PARA OS TERREIROS normas experiecircncias e percep-
ccedilotildees sobre as religiotildees afro-brasileiras
Este capiacutetulo assume uma dimensatildeo muito mais diagnoacutestica sobre o funcionamento da
cultura escolar em pauta A comeccedilar pelo fato de tentar discuti-la a partir da descriccedilatildeo dos
paracircmetros e normas que moldam o curriacuteculo com atenccedilatildeo particular aos significados e desa-
fios da implementaccedilatildeo da Lei 1063903 Ocorre que a exploraccedilatildeo dessa cultura escolar requi-
sita ainda que efetuemos uma caracterizaccedilatildeo mais detalhada do espaccedilo de anaacutelise da estrutura
do estabelecimento escolar e tambeacutem das percepccedilotildees que seus atores tecircm a respeito da inclu-
satildeo de temas relacionada agrave histoacuteria cultura e religiosidade africana e afro-brasileira no espaccedilo
escolar Neste caso recorremos tanto agrave aplicaccedilatildeo de questionaacuterios estruturados com alunos e
professores (disponiacuteveis nos anexos da dissertaccedilatildeo) como tambeacutem estabelecemos diaacutelogo
com docentes atuais e que jaacute passaram pela instituiccedilatildeo para entendermos como eles percebe
(ia)m a relaccedilatildeo entre a escola e os terreiros O tiacutetulo do capiacutetulo da escola para os terreiros
representa pois a tentativa de compreender como na escola em estudo para anaacutelise com a
proximidade geograacutefica e relacional com os diversos terreiros do entorno eacute pensada concebi-
da e que iniciativas foram executadas ao longo do processo
Como seraacute visto a despeito de haver resistecircncias e ateacute mesmo certo despreparo teacutecnico
os tracircnsitos de agentes os ajustes de loacutegicas e as negociaccedilotildees satildeo antigos o que levanta o
problema das ineacutercias educativas para coordenaccedilatildeo desse processo Por essa razatildeo na uacuteltima
parte do capiacutetulo exploramos a experiecircncia de realizaccedilatildeo de oficinas que ministramos na esco-
la e que estiveram na base da produccedilatildeo do material didaacutetico que acompanha a presente disser-
taccedilatildeo
31 As mutaccedilotildees no curriacuteculo e o desafio de implementaccedilatildeo da Lei 106392003
O papel fundamental da educaccedilatildeo no desenvolvimento das pessoas e das so-
ciedades amplia-se ainda mais no despertar do novo milecircnio e aponta para
a necessidade de se construir uma escola voltada para a formaccedilatildeo de cida-
datildeos Vivemos numa era marcada pela competiccedilatildeo e pela excelecircncia em que progressos cientiacuteficos e avanccedilos tecnoloacutegicos definem exigecircncias novas
para os jovens que ingressaratildeo no mundo do trabalho ldquoTal demanda impotildee
uma revisatildeo dos curriacuteculos que orientam o trabalho cotidianamente reali-zado pelos professores e especialistas em educaccedilatildeo do nosso paiacutesrdquo
(Paulo Renato Souza Ministro da Educaccedilatildeo e do Desporto PCNrsquos 1998
p 5)
54
As escolas brasileiras ao longo da sua construccedilatildeo vecircm debatendo sobre o curriacuteculo no
que se refere agrave distribuiccedilatildeo de conteuacutedos sobretudo com questotildees que englobam a temaacutetica
do respeito agraves diferenccedilas dentro do espaccedilo escolar Como pudemos demonstrar no capiacutetulo
anterior essa discussatildeo natildeo eacute recente e resulta em grande medida da atuaccedilatildeo importantiacutessi-
ma do movimento negro
Nessa perspectiva para manter uma estrutura de ensino minimamente aproximada das
verdadeiras aspiraccedilotildees da educaccedilatildeo as escolas devem se basear em propostas que orientem
efetivamente para o exerciacutecio da cidadania e estejam adaptadas agraves peculiaridades do contexto
em pauta conforme orientam os Paracircmetros Curriculares Nacionais que satildeo
[] diretrizes elaboradas com o objetivo principal de orientar os educadores por
meio da normatizaccedilatildeo de alguns fatores fundamentais concernentes a cada discipli-na [] no exerciacutecio da cidadania Embora natildeo sejam obrigatoacuterios os PCNrsquos ser-
vem como norteadores para professores coordenadores e diretores que podem
adaptaacute-los agraves peculiaridades locais [] para a transformaccedilatildeo de objetivos conteuacute-
dos e didaacutetica do ensino (BRASIL PCNrsquos 1998 p 11 grifo nosso)
Com o objetivo de apresentar instrumentos mencionamos os paracircmetros na visatildeo de
um professor da rede municipal de Ensino de Cururupu- MA Para o docente
Paracircmetros satildeo orientaccedilotildees para os professores seguirem na medida em que desenvolvem atividades em sala de aula com o objetivo de propiciar um en-
sino moderadamente eficaz apesar de que isso natildeo seja colocado em praacutetica
(Professor Edivaldo Rodrigues julho de 2018) 10
Conceitualmente os paracircmetros orientam praacuteticas de ensino das disciplinas e aborda-
gens de seus conteuacutedos com o objetivo de aprimorar habilidades e competecircncias no corpo
discente No que tange ao Ensino de Histoacuteria prescreve orientaccedilotildees para que a escola apren-
da a reconhecer e valorizar a ldquopluralidade do patrimocircnio sociocultural brasileirordquo e ao mes-
mo tempo conhecer tambeacutem os ldquoaspectos socioculturais de outros povos posicionando-se
contra qualquer discriminaccedilatildeo []rdquo (OLIVA 2009 p 145)
Desse modo esses documentos objetivam orientar o professor quanto agrave necessidade de
trabalhar a diversidade presente na escola os elementos que a formatam a pluralidade de sa-
beres existentes nos grupos Eacute interessante observar o descompasso entre aquilo que eacute apre-
sentado nos documentos legais geralmente trabalhados de maneira superficial ou para preen-
cher determinados rituais pedagoacutegicos (SANTOS 2015) e as formas praacuteticas de exerciacutecio nas
diferentes configuraccedilotildees escolares Quando se observa de maneira mais aproximada o cotidi-
ano escolar ainda tendo em vista o descompasso supramencionado o que se percebe eacute que
10 Edivaldo Rodrigues professor da Rede Municipal de Ensino de Cururupu trabalha com a disciplina Liacutengua
Portuguesa na Unidade Integrada Herculana Vieira I
55
mesmo naqueles casos em que haacute um esforccedilo para aplicaccedilatildeo de novas praacuteticas pedagoacutegicas
ocorrem vaacuterios problemas sejam eles oriundos da formaccedilatildeo da disposiccedilatildeo dos profissionais
ou ateacute mesmo do caraacuteter meramente pragmaacutetico e superficial como que essas diretrizes satildeo
implementadas
O professor eacute o principal agente de transmissatildeo dos conhecimentos dentro da sala de
aula dessa maneira merece atenccedilatildeo especial quanto a novos conteuacutedos a serem repassados
aos alunos No que se refere agrave Cultura Afro-Brasileira esse cuidado deve ser ainda maior
pois se torna essencial que o educador compreenda as implicaccedilotildees propriamente poliacuteticas que
perpassam o processo de ensino-aprendizagem Sem duacutevida essa decisatildeo estaacute no princiacutepio de
sua atuaccedilatildeo pedagoacutegica e tende a refletir-se sobre a maneira como a desigualdade e injusticcedila
social satildeo tratadas dentro da escola No cotidiano escolar eacute fundamental que a educaccedilatildeo seja
antirracista visando agrave erradicaccedilatildeo das discriminaccedilotildees dos preconceitos e de tratamentos dife-
renciados Ocorre que o espaccedilo escolar ainda continua repassando ideias e estereoacutetipos pre-
concebidos independente da forma de disseminaccedilatildeo (material didaacutetico e de apoio meio de
comunicaccedilatildeo corpo docente e discente dentre outros) Essas manifestaccedilotildees devem ser criti-
cadas com fervor e principalmente banidas do meio social dado que se conectam a manuten-
ccedilatildeo do preconceito e de comportamentos discriminatoacuterios que reforccedilam a desigualdade social
como menciona Cavalleiro (2001)
[] na educaccedilatildeo nem sempre os agentes estatildeo conscientes de que a manu-
tenccedilatildeo dos preconceitos seja um problema Dessa forma interiorizamos ati-
tudes e comportamentos discriminatoacuterios que passam a fazer parte do nosso
cotidiano mantendo eou disseminando as desigualdades sociais (CA-
VALLEIRO 2001 p 152)
A praacutetica pedagoacutegica nesse sentido precisa ser eminentemente poliacutetica e consciente
do seu papel central no combate ao racismo ao preconceito agrave discriminaccedilatildeo e agraves demais ma-
neiras de classificaccedilatildeo social negativa Sob nossa perspectiva o cotidiano escolar pode ser um
meio eficiente de dispersatildeo ou dissipaccedilatildeo de atos preconceituosos Portanto quando se assu-
me uma postura contraacuteria agrave desigualdade e segue-se rumo agrave visatildeo de paridade entre as pesso-
as compreende-se que a escola tambeacutem tem esse papel pois eacute um aparelho ideoloacutegico efici-
ente na formaccedilatildeo social (ALVES 2007)
Nesse sentido cabe a todos os integrantes da escola - professores apoio pedagoacutegico
diretores funcionaacuterios comunidade - colocarem em exerciacutecio as determinaccedilotildees da Lei ndeg
106392003 concernentes agrave Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africana Dessa maneira o
professor deve estar sempre atento aos conteuacutedos que devem ser ensinados sobre a cultura
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afro-brasileira precisando pesquisar e implementar o que determina os Paracircmetros Curricula-
res Nacionais Evidentemente isto se conecta a uma percepccedilatildeo renovada do curriacuteculo enten-
dido como meio para a construccedilatildeo de identidade e valorizaccedilatildeo da dignidade e diferenccedila
Segundo Antocircnio Flaacutevio Barbosa Moreira e Vera Maria Candau(2007)
[] O curriacuteculo representa assim um conjunto de praacuteticas que propiciam a produccedilatildeo a circulaccedilatildeo e o consumo de significados no espaccedilo social e que
contribuem intensamente para a construccedilatildeo de identidades sociais e cultu-
rais O curriacuteculo eacute por consequecircncia um dispositivo de grande efeito no
processo de construccedilatildeo da identidade do (a) estudante (CANDAU MO-REIRA 2006 p 28)
O curriacuteculo como criaccedilatildeo simboacutelica no fazer pedagoacutegico permeia as atividades de
criaccedilatildeo recriaccedilatildeo contestaccedilatildeo e transgressatildeo dos saberes possibilitando significados e nego-
ciaccedilotildees De acordo com Medeiros (2017 p 41) ldquoO curriacuteculo como hoje se apresenta remonta
em certa medida agraves deacutecadas de 1920 e 1930 periacuteodo de eminentes mudanccedilas culturais no
Brasil sobretudo transformaccedilotildees econocircmicas e poliacuteticas
Nesse cenaacuterio em que debates acalorados sobre a educaccedilatildeo ocorriam em diferentes
espaccedilos fortes influecircncias dos Estados Unidos e da Europa foram basilares para a construccedilatildeo
de pautas que debatessem o curriacuteculo como proposta passiacutevel de mudanccedilas Autores ligados
ao pragmatismo e a Escola Nova lanccedilaram propostas que debatiam sobre o curriacuteculo e os con-
teuacutedos como forma de pensar uma educaccedilatildeo mais acessiacutevel tanto em termos de acesso fiacutesi-
co como na redistribuiccedilatildeo de temas a serem trabalhados em sala de aula (PACHECO 2005)
Eacute vaacutelido ressaltar que as primeiras publicaccedilotildees no Brasil referentes ao curriacuteculo satildeo
realizadas entre as deacutecadas de 1950 e 1960 tendo autores como Joatildeo Roberto Moreira e Ma-
rina Couto Entre as deacutecadas de 1970 e 1980 surgem representantes no cenaacuterio nacional com
pensamento voltado para o tecnicismo e pensadores como Baacuterbara Freitag e Luiz Antocircnio
Cunha que apresentavam um pensamento criacutetico (MEDEIROS 2017) Soma-se a esse grupo
ainda um conjunto de outros intelectuais que defendiam uma construccedilatildeo do curriacuteculo atenta agrave
realidade escolar baseando-se na realidade social dos seus estudantes como visto nas pers-
pectivas pedagoacutegicas e propostas de teoacutericos da pedagogia como Paulo Freire (1996) e De-
merval Saviani (1999)
A despeito disso como demonstra Nilma Lino Gomes (2012) ao comentar sobre
a histoacuteria do curriacuteculo e da descolonizaccedilatildeo ainda eacute necessaacuterio lidar com um curriacuteculo ainda
formulado com base em padrotildees eurocecircntricos e a proacutepria formaccedilatildeo dos professores constitui
outro entrave para esse processo de superaccedilatildeo Como tambeacutem ressalta Aacutevila
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[] uma das razotildees que se constata eacute a organizaccedilatildeo curricular dos cursos de
formaccedilatildeo de docentes o que vimos satildeo curriacuteculos ainda muito teacutecnicos que natildeo favorecem nem preparam o professor para a valorizaccedilatildeo plural da cultu-
ra Os curriacuteculos estatildeo ligados e refletem o que preconizam as camadas do-
minantes da sociedade que congelam as identidades e reproduzem a desi-gualdade social (AacuteVILA 2010 p 46)
Nesse quadro sem duacutevida a implementaccedilatildeo da Lei ndeg 106392003 pode ser lida como
uma conquista concreta realizada ao longo de anos e por intermeacutedio de vaacuterios atores individu-
ais e coletivos para valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira em meios escolares De um ponto de
vista praacutetico contribui para ldquoconstruccedilatildeo e viabilizaccedilatildeo de novos acordos sociais por meio do
qual a valorizaccedilatildeo formal da cultura negra eacute reconhecida como uma das matrizes da sociedade
brasileirardquo (BAKKE 2011 p 62)
A Lei 106392003 reformula o curriacuteculo oficial pois eacute atraveacutes deste que satildeo escolhi-
das as propriedades do que ensinar ou natildeo nas escolas brasileiras O curriacuteculo educacional eacute
estruturalmente a manifestaccedilatildeo das poliacuteticas oficialmente aceitas em uma sociedade pois
condensa o estado das lutas poliacuteticas e sociais no formato de regras e conteuacutedos legitimados
Desnecessaacuterio dizer que os conteuacutedos e saberes consagrados celebram direta e tacitamente as
concepccedilotildees de mundo dos dominantes Na praacutetica a expectativa era de que essa lei consoli-
dasse o compromisso da escola e dos seus profissionais com a formaccedilatildeo para a cidadania for-
talecendo competecircncias para o respeito agrave diversidade e a valorizaccedilatildeo dos diferentes atores e
culturas que estiveram na base da formaccedilatildeo social do Brasil (SANCHEZ 2017)
Mesmo que exista uma vasta literatura acadecircmica no campo do pensamento social bra-
sileiro que ateste a influecircncia da cultura africana e a sua inestimaacutevel contribuiccedilatildeo para a for-
maccedilatildeo da sociedade brasileira ainda eacute fato que no cotidiano essa heranccedila ainda eacute rechaccedilada e
rejeitada com variaccedilotildees obviamente em cada configuraccedilatildeo territorial Eacute precisamente nesse
sentido que a obrigatoriedade de trabalhar com essa cultura adquire pleno sentido exigindo
que as instituiccedilotildees brasileiras de ensino baacutesico sejam compelidas a incluir no seu curriacuteculo o
ensino de Histoacuteria e da Cultura afro-brasileira e Africana como um tema transversal (ALVES
2007)
Esse contexto traz aspectos pertinentes com relaccedilatildeo agrave dignidade da pessoa humana
Poreacutem quando avaliada do acircngulo das suas condiccedilotildees de implementaccedilatildeo passamos a perce-
ber que ela ainda constitui um desafio concreto para a atuaccedilatildeo docente
As questotildees eacutetnico-raciais ao lado da Lei 1063903 suscitam na educaccedilatildeo
desafios e tensotildees na dimensatildeo cognitiva e subjetiva dos docentes e nos es-
paccedilos escolares Por outro lado a Lei natildeo eacute de faacutecil aplicaccedilatildeo pois trata de
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questotildees curriculares que satildeo conflitivas desconsideradas muitas vezes pois
questionam e desconstroem saberes histoacutericos considerados como verdades inabalaacuteveis (AacuteVILA 2010 p 69)
E isto por vaacuterios motivos Gentile apud Alves (2007) por exemplo revela que a des-
qualificaccedilatildeo da cultura africana eacute constantemente refletida em sala de aula pois a discrimina-
ccedilatildeo eacute tambeacutem percebida pelo fato que o segundo maior continente do mundo apresenta a
literatura africana apenas quando trata o tema ldquoescravidatildeordquo natildeo divulgando a riqueza literaacute-
ria e o conhecimento da capacidade intelectual do negro De maneira semelhante a importacircn-
cia do afrodescendente tambeacutem natildeo eacute explorada com toda a sua riqueza
Poreacutem como vimos anteriormente se as formas escolares hegemocircnicas se encontram
estruturalmente ligadas agrave reproduccedilatildeo dos padrotildees e formas culturais dominantes a reformula-
ccedilatildeo da produccedilatildeo do saber escolar com base na inclusatildeo dos elementos anteriormente tratados
como marginais natildeo deixa de suscitar resistecircncias mais ou menos conscientes em que pese os
inegaacuteveis avanccedilos institucionais E aqui talvez se encontre um dos principais dilemas do pro-
cesso em anaacutelise Enquanto por um lado constata-se uma seacuterie de avanccedilos ao niacutevel propria-
mente juriacutedico-poliacutetico o mesmo natildeo ocorre no padratildeo cotidiano de interaccedilotildees face a face
dentro do espaccedilo escolar Primeiramente porque a proacutepria configuraccedilatildeo do Estado brasileiro
parece ter sido orientada por criteacuterios racializados cuja inscriccedilatildeo nas instituiccedilotildees constitui um
dos principais entraves para a implementaccedilatildeo praacutetica da referida Lei (SANCHEZ 2017)
Nestes aspectos funda-se o desejo de uma consciecircncia histoacuterica e poliacutetica da aceitaccedilatildeo
da diversidade que nos leve agrave compreensatildeo e agrave aceitaccedilatildeo dos sujeitos integrantes e partiacutecipes
de nossa formaccedilatildeo social Como ressalta Borges (2010) grupos distintos eacutetnico-raciais que
satildeo dotados de cultura e histoacuterias diferentes devem ter o mesmo valor na conjuntura social
Neste sentido conveacutem apoiar as medidas que visem agrave preservaccedilatildeo dos seus princiacutepios identi-
taacuterios e que visem agrave garantia do respeito agrave proacutepria diversidade e ao conviacutevio muacutetuo Ou seja a
educaccedilatildeo escolar deve servir agrave tarefa puacuteblica de oportunizar aos diferentes atores sociais os
conhecimentos e as ferramentas para garantia de direitos oferecendo as condiccedilotildees para o efe-
tivo exerciacutecio da cidadania
Dada agrave importacircncia do saber escolar nesse cenaacuterio eacute fundamental que os professores
estejam aptos para dispor de estrateacutegias e propostas de aprendizado que levem o aluno a refle-
tir criticamente sobre seu contexto social que alicercem a responsabilidade com os princiacutepios
eacuteticos de respeito agrave diferenccedila e que agucem o senso criacutetico dos estudantes para quando neces-
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saacuterio discutirem contestarem em toacutepicos e questotildees que natildeo dizem somente respeito ao in-
diviacuteduo em particular como tambeacutem ao universo social mais amplamente considerado
Como enfatiza Alves (2007) as escolas devem cumprir de forma detalhada as poliacuteticas
educacionais instituiacutedas pelas leis em vigor principalmente as que reconhecem e dignificam a
diversidade eacutetnico-racial Assim constituem-se os paracircmetros institucionais e reforccedilam-se os
princiacutepios que moldam o respeito agrave diversidade cultural na educaccedilatildeo Sanchez (2017) por
outro lado faz uma anaacutelise histoacuterica das poliacuteticas e praacuteticas da educaccedilatildeo brasileira demons-
trando o quanto de avanccedilo ocorreu no sentido da criaccedilatildeo de formas de consciecircncia poliacutetica
cidadatilde muito embora assevere que com relaccedilatildeo aos menos favorecidos a sociedade com
todas as transformaccedilotildees que teve ainda natildeo foi capaz de superar a desigualdade racial
Eacute importante reconhecer que a Lei de ndeg 1063903 natildeo estabelece privileacutegios tam-
pouco prioridade mas tem como foco colocar de forma justa a histoacuteria do negro no Brasil
reconhecendo principalmente as injusticcedilas sofridas ao longo da histoacuteria e criminalizando os
atos de racismo Neste sentido as escolas devem se adequar a determinaccedilatildeo desta lei ampli-
ando seu curriacuteculo para proporcionar aos estudantes praacuteticas que contribuam para o reconhe-
cimento e o resgate histoacuterico cultural dos povos africanos no Brasil trazendo agrave tona os discur-
sos da diversidade raciais culturais sociais e econocircmicos existentes no nosso paiacutes (FERRAZ
2011)
Borges (2010) diz que a instauraccedilatildeo da Lei nordm 106392003 foi um momento impar na
histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira e de fundamental importacircncia para o ensino da diversidade
cultural nas escolas do nosso paiacutes jaacute que em seus aspectos mais amplos preza pela valoriza-
ccedilatildeo da diversidade cultural e histoacuterica do povo afrodescendente Jaacute estava mais do que na hora
do Estado brasileiro elaborar uma ferramenta para reparar os danos histoacutericos causados aos
negros no Brasil haacute mais de cinco seacuteculos como conclui
Para Ferraz (2011) o debate sobre a lei proporcionou um avanccedilo significativo nas rela-
ccedilotildees eacutetnico-socais no Brasil portanto abriu um leque de opccedilotildees de atuaccedilatildeo da afirmaccedilatildeo posi-
tiva das culturas no campo educacional o tema vem sendo proporcionalmente divulgado o
acesso agrave internet aos livros didaacuteticos a literatura figuras imagens e muitos exemplos do
povo negro que sem duacutevida tornou e torna as aulas mais reflexivas e ricas conceitualmente
Sabe-se que a Lei 106392003 eacute apenas mais uma arma na luta que se trava a deacutecadas que
vem sendo construiacutedas concomitantemente nas escolas brasileiras demonstrando a voz e a
forccedila dos grupos discriminados no cenaacuterio nacional
60
32 Descrevendo a instituiccedilatildeo escolar histoacuterias atores e experiecircncias
O municiacutepio de Cururupu compotildee uma das 217 unidades administrativas do Estado do
Maranhatildeo estando localizado no litoral ocidental a 465 km da capital Satildeo Luiacutes O local onde
hoje se encontra a sede do municiacutepio era originariamente habitado pelos iacutendios tupinambaacutes
cujo cacique do grupo era conhecido como Cabelo de Velha nome hoje dado a uma baiacutea proacute-
xima a sede (IBGE 2010) Seu povoamento teve iniacutecio por volta de 1816 a partir das entradas
chefiadas por Bento Maciel Parente que subjugou os iacutendios tupinambaacutes ali aldeados matando
o cacique Cabelo de Velha Os iacutendios sobreviventes deste massacre abandonaram a terra de-
vida agrave impossibilidade de conviacutevio com o homem branco A partir daiacute portugueses vindos de
Guimaratildees comeccedilaram a povoar a regiatildeo dando iniacutecio ao ciclo das grandes fazendas onde se
fabricavam farinha de mandioca accediluacutecar e aguardente usando engenhos a vapor (IBGE 2010)
Quanto agrave origem do nome nenhuma das explicaccedilotildees disponiacuteveis eacute aceita unanime-
mente Uma das versotildees diz que o nome se originou da junccedilatildeo do som da arma (pu) que ma-
tou o cacique Cabelo de Velha que os iacutendios chamavam de Cururu Cururu+PU dando o no-
me a cidade de Cururupu Outra versatildeo estaacute relacionada com uma fazenda existente agrave margem
esquerda do rio que banha a atual sede do municiacutepio cujo nome era ldquoFazenda Cururupurdquo
existe ainda uma terceira versatildeo que o nome originou-se devido a grande quantidade de sapos
conhecidos por sapos cururus segundo essa versatildeo o nome originou-se da uniatildeo do nome dos
sapos e dos sons do seu coaxar (IBGE 2010)
Atraveacutes da Lei Provincial nordm 13 de maio de 1835 foi entatildeo criada a freguesia de Curu-
rupu conhecida pelo 3ordm Distrito de Cabelo de Velha subordinada administrativamente a
Guimaratildees (COSTA 2014 p 23) Em 1842 outra Lei Provincial a de ndeg 120 de 03 de outu-
bro eleva a freguesia agrave categoria de vila conhecida como Cururupu desmembrando-se entatildeo
de Guimaratildees e conquistando sua autonomia administrativa A Lei Estadual nordm 893 de 09
marccedilo de 1920 eleva a vila a categoria de cidade Em divisatildeo administrativa referente ao ano
de 1933 o municiacutepio aparece constituiacutedo do distrito sede (CRUZ 2012)
Atualmente a sede do municiacutepio apresenta caracteriacutesticas de cidade histoacuterica contendo
um patrimocircnio arquitetocircnico avaliado como do tipo colonial A zona rural eacute composta por
pescadores artesanais O municiacutepio de Cururupu concentra hoje uma populaccedilatildeo estimada em
32652 mil habitantes (IBGE 2010) com 685 residente na sede e 315 na zona rural e nas
61
ilhas portanto 22270 na zona urbana e 10382 na zona rural sendo a maioria negra Os negros
que hoje povoam a cidade satildeo descendentes de povos que vieram do Daomeacute (Benin) para tra-
balharem na condiccedilatildeo de escravos nas antigas fazendas de mandioca accediluacutecar e aguardente
A cidade eacute banhada pelos rios Liconde e Cururupu tendo como principais atividades
econocircmicas a agricultura pesca e comeacutercio As religiotildees praticadas pelos cururupuenses satildeo
catolicismo protestantismo e religiotildees de matriz africana O municiacutepio conta atualmente com
26 (vinte e seis) bairros 51 (cinquenta e uma) escolas da rede municipal e 04 (quatro) da rede
estadual a saber Centro de Ensino Gervaacutesio Protaacutesio dos Santos situado agrave Rua Eurico Gaspar
Dutra nordm 141 Bairro Jacareacute Centro de Ensino Joana Batista Dias situado agrave Avenida Liberalino
Miranda nordm 134 Bairro Jacareacute Instituto Estadual de Educaccedilatildeo Ciecircncia e Tecnologia do Mara-
nhatildeo (IEMA) localizado agrave Rua Governador Antocircnio Dino MA-006 ndash Areia Branca e o Centro
de Ensino Joatildeo Marques Miranda localizado agrave Rua General Osoacuterio sn Bairro de Satildeo Benedi-
to onde concentramos a presente pesquisa Apresentamos abaixo a fachada desta escola
Imagem 3 Fachada do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda-Cururupu
Fonte Arquivo Pessoal
A Unidade Escolar Joatildeo Marques Miranda hoje Centro de Ensino Joatildeo Marques Mi-
randa funcionou por um periacuteodo em um preacutedio da prefeitura localizado no Bairro Areia
Branca depois passou a funcionar na Unidade Escolar Silvestre Fernandes desenvolvendo
suas atividades em dois turnos Teve como gestora geral Izaurina Fonseca Nesse intervalo
houve muitas mudanccedilas devido agrave escola natildeo possuir um preacutedio proacuteprio Em 08 de novembro
de 1984 o Conselho Estadual de Educaccedilatildeo do Maranhatildeo a eacutepoca do governo Joatildeo Castelo
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emitiu parecer da Cacircmara de Ensino de 1ordm Grau emitido com o processo nordm 95085 o CEE
reconheceu a escola como dependecircncia administrativa estadual
A partir de 1984 a escola passou a funcionar no atual endereccedilo localizado agrave Rua Ge-
neral Osoacuterio sn durante a administraccedilatildeo do prefeito Joseacute dos Santos Amado sendo que o
preacutedio era pertencente ao municiacutepio A pedido da diretora Floranilde Dias da Silva o preacutedio
foi cedido a Escola Joatildeo Marques Miranda em 1995
A escola na eacutepoca possuiacutea turmas de 1ordf a 4ordf seacuterie e Jardim de Infacircncia No iniacutecio dos
anos 2000 com a mudanccedila de responsabilidade do ensino fundamental para a rede municipal
a escola comeccedilou a trabalhar com o ensino de jovens e adultos com anexos nas praias de Ma-
racujatiua e Aquiles Lisboa Neste periacuteodo esteve na direccedilatildeo agrave professora Floranilde Dias da
Silva e Clara Maria Cunha e como coordenadora pedagoacutegica Deacuterika Sandriane da Silva Maia
licenciada em pedagogia pelo CEERSEMA especialista em Psicopedagogia pelo Instituto de
Ensino Superior Franciscano Paccedilo do Lumiar Atualmente a escola eacute dirigida pelas Professo-
ras Keyth Cristina Pestana Chaves e Gizelda de Faacutetima Reis Diniz ambas licenciadas em Le-
tras pela Universidade Estadual do Maranhatildeo (UEMA)
A escola recebeu este nome em homenagem a um dos primeiros intendentes de grande
prestiacutegio do municiacutepio de Cururupu e que foi tambeacutem um grande comerciante da regiatildeo na
exportaccedilatildeo de farinha e um dos primeiros donos do Siacutetio Satildeo Lourenccedilo Filho de Pedro Beleacutem
Miranda e Umberlina Marques Miranda Joatildeo Marques Miranda nasceu no dia 23 de outubro
de 1888 e faleceu em 1ordm de abril de 1954 na cidade de Cururupu
Imagem 4 - Joatildeo Marques Miranda
Fonte Arquivo Pessoal
63
No turno noturno em que a pesquisa foi aplicada os horaacuterios de aula iniciam agraves
19h00min horas e terminam agraves 22h30min perfazendo 5 horasaulas Os alunos matriculados
assim estatildeo distribuiacutedos turma 10027 alunos turma 10130 alunos turma 102 28 alunos
turma 20132 alunos e turma 20237 alunos As etapas funcionam da seguinte forma as tur-
mas do 1ordm ano estudam 50 da primeira e 50 da segunda seacuterie e a outra etapa eacute a 3ordf seacuterie
completa O Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda possui 42 funcionaacuterios entre efetivos e
contratados assim distribuiacutedos 01 Gestora Geral 01 Gestora Adjunta 01 secretaacuteria 02 assis-
tentes de serviccedilos gerais 05 vigilantes 03 apoio pedagoacutegico (reduccedilatildeo de carga horaacuteria) 02
agentes administrativos dos 22 professores uma professora estaacute aguardando aposentadoria e
outra estaacute de licenccedila para tratamento de sauacutede dos 41 funcionaacuterios 37 satildeo efetivos e 04 satildeo
em regime de contrato
3 3 Mapeando as avaliaccedilotildees dos discentes e docentes sobre religiotildees afro-brasileiras
Para apreender as diferentes concepccedilotildees e perspectivas de alunos e professores a res-
peito das religiotildees afro-brasileiras aplicamos dois questionaacuterios que a despeito de sua ade-
quaccedilatildeo aos diferentes puacuteblicos pesquisados convergiam em relaccedilatildeo a algumas variaacuteveis Para
os discentes os eixos principais concentraram-se sobre a relaccedilatildeo que os estudantes estabele-
ciam com a escola as percepccedilotildees sobre o ser negro e a cultura a maneira como a escola lida-
va com a temaacutetica da histoacuteria e cultura afro-brasileira Com relaccedilatildeo aos professores aleacutem da
natureza dos viacutenculos com o estabelecimento indagamos sobre como percebem o acolhimen-
to por parte da escola da temaacutetica religiotildees africanas quais as estrateacutegias pedagoacutegicas aciona-
das por eles e elas e suas percepccedilotildees a respeito do fenocircmeno religiatildeo no ambiente escolar Em
anexo apresentamos os dois questionaacuterios utilizados na pesquisa Assim embora possuam
especificidades ndash e natildeo poderia ser diferente dado que se trata de universos com caracteriacutesti-
cas e posiccedilotildees institucionais distintas ndash as respostas produzidas pela aplicaccedilatildeo desse questio-
naacuterio ajudam muito a compreender e a diagnosticar a extensatildeo e complexidade do desafio em
pauta
Importa assinalar que meu primeiro contato com a escola ocorreu antes da pesquisa e
de maneira bastante formal quando trabalhei como Gestor-adjunto da instituiccedilatildeo A proposta
de pesquisa resultou inclusive dessa inserccedilatildeo profissional anterior Nesta convivecircncia perce-
bi a proximidade como alunos e professores transitavam no mesmo espaccedilo com pais e matildees
de santo que demarcavam aquele espaccedilo com suas festividades no entanto essa proximidade
natildeo era explorada nas atividades pedagoacutegicas Tudo ocorria como se essas relaccedilotildees que exis-
64
tiam no cotidiano natildeo tivessem condiccedilotildees de assumir um formato pedagoacutegico reflexivamente
construiacutedo Mesmo entre agentes que transitavam entre esses diferentes espaccedilos
Quando a pesquisa teve efetiva inserccedilatildeo o primeiro passo dado foi agrave realizaccedilatildeo de
uma palestra com alunos e professores para a apresentaccedilatildeo do projeto e seus objetivos Ao
longo do encontro ao apresentar a proposta de discussatildeo perguntamos aos presentes basica-
mente profissionais da educaccedilatildeo e alunos a respeito do conhecimento deles sobre os terreiros
que existiam no entorno da escola obtendo respostas positivas em poucos casos Eacute difiacutecil de-
finir se essas respostas puacuteblicas implicavam em desconhecimento concreto ou se constituiacuteam
apenas uma maneira de natildeo explicitar relaccedilotildees mais proacuteximas como uma forma de gestatildeo da
identidade Por essa razatildeo optou-se tambeacutem pela aplicaccedilatildeo do questionaacuterio como uma medi-
da eficiente para contribuir com coleta das informaccedilotildees No que segue passa-se agrave exploraccedilatildeo
dos dados apresentados conforme as diferentes categorias implicadas nesta pesquisa
34 Entrando no mundo dos alunos
Inicialmente para conhecer a realidade da escola aplicamos o questionaacuterio para 90
(noventa) alunos O instrumento de pesquisa construiacutedo tinha como finalidade apreender o
entrelaccedilamento entre esses dois espaccedilos Escola e Terreiro como dito
Pode-se comeccedilar entatildeo pela composiccedilatildeo etaacuteria dos pesquisados Entre os 90 alunos
com informaccedilotildees disponiacuteveis 45 (quarenta e cinco por cento) encontravam-se na faixa etaacute-
ria de 18 a 24 anos 25 (vinte e cinco por cento) entre 26 e 30 anos 15 (quinze por cento)
representam discentes com idades entre 33 e 40 anos e 5 (cinco por cento) entre 45 e 49
anos Trata-se de uma composiccedilatildeo caracteriacutestica do niacutevel de ensino Da mesma forma quando
avaliamos as razotildees pelas quais os entrevistados datildeo continuidade aos estudos encontramos
motivaccedilotildees diversas tais como ldquoentrar no mercado de trabalhordquo especialmente no extrato
mais jovem por que haviam parado os estudos entre aqueles com faixa etaacuteria acima dos 30
anos onde tambeacutem se concentram aqueles que desejam apreender mais informaccedilotildees e que
enfrentam dificuldades para arranjar posiccedilotildees no mercado de trabalho Como esperado do
total pesquisado nada menos que 90 (noventa por cento) deles trabalhavam durante o dia
Quanto ao bairro onde residiam 30 (trinta por cento) dos alunos responderam que moravam
no Bairro de Satildeo Benedito e os demais 70 em bairros como Areia Branca Centro Faacutetima
Pitombeira Rodagem Vila Lieacutege e Vila Satildeo Francisco Ou seja a populaccedilatildeo estudantil vem
toda da mesma regiatildeo
65
Por outro lado por meio da aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios com as turmas procurou cap-
tar a visatildeo dos alunos a respeito de sua identidade Quando perguntados sobre seu pertenci-
mento eacutetnico-racial 91 se autodeclararam negros o que converge com a proacutepria caracteriza-
ccedilatildeo soacutecia demograacutefica do municiacutepio conforme jaacute explicitado Os motivos apresentados eram
variados Afirmaram por exemplo que se consideravam negros porque a famiacutelia eacute toda de
negros e por isso natildeo poderiam ser de outra raccedila porque os pais vinham de negros escravos
por isso suas peles seriam negras ou simplesmente porque diziam que sua pele era negra O
restante ou seja 9 (nove por cento) dos alunos disseram ser brancos Um deles inclusive
afirmou que apesar de sua pele natildeo ser muito clara considerava-se branco jaacute que em seu do-
cumento estava escrito pardo
Graacutefico 01- Vocecirc se considera negro
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Questionados se tinham conhecimento de quais religiotildees eram praticadas em
Cururupu 42 (quarenta e dois por cento) responderam que sim 18 ( dezoito por cento)
disseram natildeo saber 21 (vinte um por cento) natildeo responderam e 19 (dezenove por cento)
apresentou o nome das denominaccedilotildees religiosas praticadas em Cururupu Eacute provaacutevel que essa
questatildeo natildeo tenha sido plenamente compreendida vez que pressupunha a ideia de apresentar
uma visatildeo geral sobre as religiotildees da localidade natildeo apreendendo efetivamente quais
religiotildees eles conheciam
66
Graacutefico 02- Vocecirc tem conhecimento de quais religiotildees satildeo praticadas em Cururupu
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Essa distorccedilatildeo fica mais visiacutevel quando perguntamos aos alunos se eles jaacute tinham ou-
vido falar sobre as religiotildees afro-brasileiras Formulada dessa forma o questionaacuterio obteve as
seguintes respostas 28 (vinte e oito por cento) responderam que natildeo 53 (cinquenta e trecircs
por cento) dos alunos responderam que sim e 19 (dezenove por cento) optaram por natildeo res-
ponder agrave questatildeo Essas respostas nos fazem pensar em diversas questotildees A comeccedilar pelo
fato de que a despeito do conviacutevio com festividades realizadas nos terreiros proacuteximos agrave esco-
la ou mesmo em seus bairros de origem parece haver ainda certo estranhamento mais ou
menos consciente a depender do pertencimento religioso com relaccedilatildeo agraves religiotildees de matriz
africana no local E natildeo se trata apenas de uma percepccedilatildeo realizada no bojo da pesquisa O
receio de tocar no assunto ou de manifestar alguma forma de conhecimento tambeacutem jaacute foi
observado por uma das docentes da escola que leciona a disciplina de Histoacuteria o que ensejou
a organizaccedilatildeo de um projeto em 2016 cuja intenccedilatildeo era evidenciar como as religiotildees africanas
faziam parte do calendaacuterio do municiacutepio e a riqueza de suas liturgias A esse respeito a pro-
fessora esclarece como foi realizada essa experiecircncia e algumas das percepccedilotildees dos estudan-
tes que podem ajudar na explicaccedilatildeo dos resultados de nossa proacutepria pesquisa
O projeto foi de grande importacircncia para a escola houve uma participaccedilatildeo dos professores dos alunos eles apresentaram coisas interessantes vieram
na frente e falaram coisa que eles jaacute sabiam e coisas que eles pesquisaram
alguns alunos evangeacutelicos participaram e atribuiacuteram a falta de interesse so-bre religiatildeo de matriz de africana por que em sua maioria as atividades que
satildeo apresentadas eacute soacute de negros cantando e danccedilando e nunca falam da reli-
giatildeo (Geordilene Ramos 2018) 11
Destarte a despeito dessa accedilatildeo da professora de histoacuteria com as religiotildees de matriz
africana na escola ainda eacute preciso trabalhar aspectos da cosmovisatildeo sobre tais praacuteticas religio-
11 Professora de Histoacuteria do C E Joatildeo Marques Miranda em 12072018
67
sas e fazer relaccedilatildeo com suas origens africanas e afro-brasileiras de modo a demarcar tais fun-
damentos e ao mesmo tempo contribuir para seu reconhecimento
Graacutefico 03- Jaacute ouviu falar sobre religiatildeo afro-brasileira
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Com relaccedilatildeo agrave questatildeo de jaacute ter frequentado algum terreiro de religiatildeo de matriz afri-
cana na cidade 38 (trinta e oito por cento) dos alunos responderam que sim frequentam ou
jaacute frequentaram 53 (cinquenta e trecircs por cento) disseram que natildeo frequentam terreiros e 9
(nove por cento) natildeo responderam Falta encorajamento em assumir mesmo em um questio-
naacuterio o seu pertencimento religioso
Graacutefico 04- Frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana na cidade
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ressalta-se que muitos desses alunos que frequentam terreiros em sua maioria satildeo de
outros bairros Como alguns alunos comentavam na aplicaccedilatildeo do questionaacuterio havia tambeacutem
um pequeno grupo que falava dos respectivos pais de santos responsaacuteveis pelas casas que
foram frequentadas Nota-se neste sentido o afastamento total ou mesmo parcial desses alu-
nos em assumir sua participaccedilatildeo nestes eventos Soma-se a isso a existecircncia de percepccedilotildees
entre esses mesmos estudantes que resvalam na ideia de que as religiotildees afro-brasileiras natildeo
constituem formas legiacutetimas de exerciacutecio religioso como bem visiacutevel na seguinte passagem
68
Acho que natildeo eacute religiatildeo eles passam a noite danccedilando e bebendo e
penso que natildeo era para ser assim se fosse religiatildeo nas igrejas natildeo
vemos isto natildeo tem bebida eacute uma coisa muito seacuterio todo mundo sen-
tado quietinho ouvindo as coisas mas acredito que isto pode mudar
um dia vejo que eacute um entra e sai isto eacute o que eu acho (Ramos C A
aluno da 2ordf etapa do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda 2019)
12
Como visto existe uma percepccedilatildeo de que as religiotildees de matriz africanas natildeo devem
ser entendidas assim devido ao fato de os rituais serem envolvidos com danccedila e bebidas cha-
ma atenccedilatildeo o paracircmetro para tal avaliaccedilatildeo ldquonas igrejas natildeo vemos isto natildeo tem bebida eacute uma
coisa muito seacuteria todo mundo sentado e quietinho ouvindo as coisasrdquo
Questionados se conhecem algum terreiro de religiatildeo de matriz africana que esteja lo-
calizado proacuteximo ao Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda 7 (sete por cento) dos alunos
natildeo responderam enquanto 28 (vinte e oito por cento) responderam que natildeo conhecem ter-
reiros proacuteximos da escola e 65 (sessenta e cinco por cento) afirmam que sim que conhecem
as casas de culto proacuteximas
Graacutefico 05- Vocecirc conhece algum terreiro de religiatildeo de ma-
triz africana que fica localizada proacuteximo ao Centro de Ensi-
no Joatildeo Marques Miranda
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Tendecircncia semelhante foi encontrada na taxa de respostas para a questatildeo do conheci-
mento a respeito de algum pai ou matildee de santo que reside proacuteximo agrave escola Em resposta a
esta questatildeo 48 (quarenta e oito por cento) responderam que sim 44 (quarenta e quatro
por cento) natildeo responderam e 8 (oito por cento) responderam que natildeo conhecem Eacute mister
destacar que nos questionaacuterios recolhidos alguns alunos chegaram ateacute a mencionar os nomes
de alguns pais de santo Ou seja mais da metade do puacuteblico escolar considerado tem conhe-
12 Aluno da 2ordf etapa do C E Joatildeo Marques Miranda
69
cimento circula e provavelmente ateacute frequente um desses terreiros seja de maneira ocasional
quando da realizaccedilatildeo perioacutedica de festas seja de maneira regular poreacutem natildeo declarada
Graacutefico 06- Conhece algum pai ou matildee de santo que residem proacuteximo da escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Esse aspecto fica mais claro quando passamos agrave questatildeo da participaccedilatildeo em festas ou
festejos em terreiros de religiatildeo de matriz africana Conforme apreendido nos questionaacuterios
30 (trinta por cento) responderam que sim 28 (vinte e oito por cento) disseram nunca ter
participado desse tipo de festejo e notaacuteveis 42 (quarenta e dois por cento) natildeo responderam
Graacutefico 07 - Jaacute participou de algum festejo em terreiro de religiatildeo de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
No entanto tendo em vista o calendaacuterio festivo que ocorre no bairro ndash relativamente
pequeno ndash eacute de se supor que esses eventos acabam por marcar o compasso da proacutepria ambiecircn-
cia comunitaacuteria envolvendo parte da comunidade como em um dos relatos de estudantes que
recolhemos
Eu sempre vou a festejos no meu bairro que tem muito satildeo muito
animadas agraves festas e satildeo muitos dias todos tem lava-pratos que eacute
mais gostoso ainda na minha casa minha matildee eacute juiacuteza de uma festa
eu sempre que tem festejo quando saio da escola costumo encostar
70
nesses festejos [] eacute muito bom (C S B C13
E Joatildeo Marques Mi-
randa da 2ordf etapa do EJA em 17072018)
Infere-se que muitos desses alunos participam dos festejos dos festejos religiosos de
matriz africana na condiccedilatildeo de observadores ou mesmo para preencherem a falta de lazer
que existe no municiacutepio muito embora esses eventos aconteccedilam o ano todo haacute festejos afa-
mados que tomam a atenccedilatildeo da cidade e sobretudo dos alunos que estudam agrave noite por conta
do trajeto na volta para casa Em se tratando do C E Joatildeo Marques Miranda a proximidade eacute
mais recorrente neste sentido devido agrave existecircncia de trecircs afamados terreiros bem proacuteximos da
escola - terreiros esses cujo espaccedilo se confunde com o proacuteprio territoacuterio escolar como seraacute
visto mais adiante Para o momento basta dizer que haacute um terreiro em frente agrave escola situado
na Rua General Osoacuterio sobre o comando do Pai de Santo Daacuterio outro que fica na Rua Satildeo
Joseacute ao lado direito da escola e por fim um terceiro que fica localizado nos fundos do esta-
belecimento Nesse sentido o que nos intriga eacute justamente o fato de que embora existam ca-
sas tatildeo proacuteximas como elas se tornam tatildeo invisiacuteveis assim para alunos do proacuteprio bairro
Ocorre que quando questionados se achavam que as religiotildees de matriz africana e
afro-brasileiras sofriam discriminaccedilatildeo na escola 70 (setenta por cento) dos alunos respon-
deram que sim 8 (oito por cento) disseram que natildeo e 22 (vinte e dois por cento) natildeo res-
ponderam
Graacutefico 08 - Vocecirc acha que as religiotildees de matriz africana sofrem discriminaccedilatildeo na escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ou seja ao passo em que as declaraccedilotildees de pertencimento conhecimento ou de tracircnsi-
to parecem englobar formas de gestatildeo da proacutepria identidade entre os estudantes a ideia de que
essas religiotildees sofrem discriminaccedilatildeo o que remete ao sentimento de injusticcedila mostra-se bem
mais claro e expressivo A interpretaccedilatildeo que se pode desenvolver eacute de que estamos em um
13 Aluna da 2ordf etapa do EJA do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda (sede)
71
quadro no qual se compreende os efeitos da discriminaccedilatildeo mas em que as accedilotildees natildeo ganham
concretude e em que o silecircncio prepondera como se pode apreender no relato desta aluna
Acho que sofre muita discriminaccedilatildeo a escola natildeo leva muito a seacuterio
acha que porque nos terreiros eles danccedilam aquilo natildeo eacute seacuterio ai natildeo
leva com seriedade os pajeacutes na escola mesmo quando falam de pajeacute
as pessoas ficam meio caladas natildeo falam muita coisa quando o pro-
fessor pede opiniatildeo agrave maioria fica calada (A S Pinto CE Joatildeo
Marques Miranda 2ordf etapa EJA julho de 2018)14
Isto nos leva a questionar como deveria ser trabalhada a questatildeo dentro da sala de aula
com os alunos Por essa razatildeo foi questionado sobre como deveriam ser trabalhados os conte-
uacutedos sobre religiatildeo na escola 39 (trinta e nove por cento) respondeu que deveria ser traba-
lhado em forma de debates 5 (cinco por cento) em forma de projetos 44 (quarenta e qua-
tro por cento) natildeo responderam e 5 (cinco por cento) que era pra deixar como estaacute Eacute valido
destacar que no momento da devoluccedilatildeo do questionaacuterio alguns alunos disseram que a escola
deveria trabalhar mais esses assuntos pois como alegava uma delas - ldquoquase todo mundo usa
macumba mas ningueacutem gosta de falar por isso de acontecer certas coisasrdquo A fala da aluna
nos faz crer que alguns alunos tem interesse em debater sobre tais questotildees no entanto como
satildeo minoria acabam se restringindo por conta do proacuteprio sistema que natildeo apoia essa clientela
Por outro lado os alunos que demostram esse interesse satildeo em sua maioria praticantes de re-
ligiatildeo afro-brasileira que ainda natildeo assumem publicamente sua religiosidade no espaccedilo esco-
lar o que tudo indica a meu ver ser a tentativa de externar sua crenccedila
Graacutefico 09- Como vocecirc acha que deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ao analisar os questionaacuterios aplicados aos estudantes constatamos que possuem certo
conhecimento das religiotildees de matriz africana poreacutem estes se devem muito mais agraves experiecircn-
cias cotidianas e externas ao acircmbito da escola do que propriamente ao tratamento do tema
14 Aluna da 2ordf etapa do C E J Miranda
72
neste espaccedilo Outro aspecto importante a ser enunciado diz respeito ao fato de que em diver-
sas entrevistas realizadas com alunos foi possiacutevel reconhecer praticantes de religiotildees afro-
brasileiras que natildeo revelam seu pertencimento religioso por receio de comentaacuterios dos colegas
ou de sofrerem alguma forma de constrangimento Por outro lado essa realidade natildeo deixou
de ser notada pelos proacuteprios profissionais da educaccedilatildeo atuantes nesse espaccedilo ensejando desde
iniciativas mais esporaacutedicas como os projetos desenvolvidos em disciplinas especiacuteficas seja
um reforccedilo das atividades da Semana de Consciecircncia Negra em novembro ocasiatildeo em que
foram exibidos diversos filmes sobre religiatildeo e elaboradas atividades concernentes ao tema
Como relataram os professores essas iniciativas tiveram maior ecircnfase a partir do ano de 2016
ainda haacute muito por ser feito e a escola necessita da colaboraccedilatildeo de especialistas no tema
35 As religiotildees afro-brasileiras entre os docentes
Nas ocasiotildees em que realizava visitas perioacutedicas agrave escola foram identificadas infor-
maccedilotildees importantes a respeito de como os professores estatildeo abordando o tema das religiotildees
afro-brasileiras no espaccedilo escolar e como relacionam os coacutedigos legais agraves estrateacutegias pedagoacute-
gicas empregadas no dia a dia Importa ressaltar que os docentes foram muito soliacutecitos com
relaccedilatildeo agrave coleta de dados o que permitiu que a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios e a realizaccedilatildeo de
entrevistas transcorressem sem maiores percalccedilos e em clima de grande receptividade e entro-
samento Em boa medida os resultados a que chegamos denotam as potencialidades de uma
pesquisa realizada dentro de um meio conhecido mesmo que carregue consigo como contra-
partida o duro desafio do distanciamento
Seja como for a atividade foi aplicada entre os dias 26 de novembro e 08 de dezem-
bro precisamente no final do semestre quando a escola contava com baixa presenccedila de alu-
nos e os professores estavam mais agrave vontade e sem duacutevida com mais tempo Foi aplicado o
mesmo instrumento de pesquisa para 18 docentes distribuiacutedos entre efetivos e contratados
Nesse processo alguns professores relataram a importacircncia de tratar do assunto na escola
pois sabem que muitos alunos satildeo praticantes e precisam se sentir apoiados Apesar de o tema
natildeo vir sendo tratado assim tatildeo abertamente como foi possiacutevel constatar atraveacutes das respostas
dos estudantes os relatos dos docentes demarcam que regularmente acontecimentos e expe-
riecircncias relativas aos terreiros frequentados pelos primeiros irrompem em sala de aula nos
corredores e nas conversas informais De maneira convergente a diretora adjunta afirmou
total apoio agrave pesquisa pelo fato de a comunidade ser discriminada por conta da marginalidade
73
que acomete o bairro e que todo projeto que vier para fortalecer a comunicaccedilatildeo seraacute bem-
vindo
Resulta que quando passamos aos professores constatamos que suas trajetoacuterias tam-
beacutem satildeo marcadas por travessias Nesse segmento eacute importante destacar que entre os profes-
sores que participaram da pesquisa encontramos a professora Diquinha - como eacute carinhosa-
mente conhecida ndash e que aleacutem de ser a docente mais antiga da escola assume sua identidade
religiosa como umbandista apesar de que natildeo consiga mais danccedilar e de que suas obrigaccedilotildees
(carga) tenham sido transferidas para seu filho que tambeacutem eacute pai de santo e jaacute foi aluno da
escola Ante o exposto passamos na sequecircncia agrave exploraccedilatildeo do questionaacuterio dirigido aos pro-
fessores
O questionaacuterio trouxe como proposta conhecer como os professores definiam religiatildeo
e quando questionados acerca do assunto 72 (setenta e dois por cento) responderam que a
consideram como uma manifestaccedilatildeoexecuccedilatildeo da feacute enquanto que para 28 (vinte e oito por
cento) a religiatildeo remete a uma crenccedila cujos fundamentos encontram-se nos costumes e heran-
ccedilas familiares
Graacutefico 10- Como define religiatildeo
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Na sequecircncia procuramos saber se os docentes conheciam alguma religiatildeo de matriz
africana 61 (sessenta um por cento) responderam que conhecem algum tipo de religiatildeo
africana 39 (trinta e nove por cento) natildeo responderam Neste uacuteltimo caso alguns relataram
ter certo temor com relaccedilatildeo a esses temas preferindo natildeo se envolver diretamente
74
Graacutefico 11-Conhece alguma religiatildeo de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Quando perguntados acerca da participaccedilatildeo em cultos africanos 33 (trinta e trecircs por
cento) responderam que jaacute frequentaram ao passo que 67 (sessenta e sete por cento) natildeo
responderam Aqui encontramos novamente uma tendecircncia semelhante agrave identificada entre os
estudantes Como nos relatou uma das professoras em conversa particular em Cururupu a
maioria das pessoas vai agrave casa de pajeacute muitos natildeo admitem porque em alguns casos a pessoa
as vezes vai atraacutes de um conselho e orientaccedilatildeo espiritual e as pessoas jaacute pensam que eacute para
fazer feiticcedilo Encontramos aqui por conseguinte indiacutecios de proximidade que satildeo dissimula-
dos por questotildees referentes agrave gestatildeo das imagens puacuteblicas
Graacutefico 12- Jaacute participou de alguma atividade em cultos de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Por outro lado quando questionados se existe discriminaccedilatildeo aos cultos de matriz
africana 22 (vinte e dois por cento) disseram que natildeo e 78 responderam que sim que
existe discriminaccedilatildeo as religiotildees
75
Graacutefico 13- Considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cul-
tos de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
De maneira semelhante foi agrave manifestaccedilatildeo do professor de Histoacuteria do Centro de Ensi-
no Joatildeo Marques Miranda Robert do E Santo Freitas
Sim pois no Brasil Colonial foram rotuladas tais religiotildees pelo sim-
ples fato de serem de origem africana A accedilatildeo de movimentos pente-
costais os quais se valiam de mitos para demonizar e incitar a perse-
guiccedilatildeo a umbandistas e candomblecistas (Robert do E Santo Freitas
novembro de 2018)
Com relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito no espaccedilo escolar para
17 (dezessete por cento) dos que responderam ao questionaacuterio os cultos satildeo discriminados
enquanto para 83 (oitenta e trecircs e por cento) dos docentes as religiotildees de matriz africana
sofrem tratamento diferencial nas escolas Interessa notar aqui todavia que quando levados a
comentar sobre as manifestaccedilotildees concretas de discriminaccedilatildeo entre os alunos a postura docen-
te conduz a relativa atenuaccedilatildeo das mesmas visto que satildeo consideradas como meros comentaacute-
rios ldquoeles falam por falarrdquo ldquoeles dizem isso mas natildeo eacute pra levar a seacuteriordquo E aqui talvez se
encontre o componente mais preocupante visto que tal postura que se apresenta como orien-
tada pela tentativa de proteccedilatildeo aos estudantes no final das contas conduz a certa complacecircn-
ciaaquiescecircncia com o fenocircmeno da discriminaccedilatildeo resvalando em sua naturalizaccedilatildeo
Graacutefico 14- Nas escolas considera que os cultos africanos so-
frem discriminaccedilatildeo
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
76
Perguntados se a escola desenvolve atividades que falam das religiotildees praticadas
em Cururupu e como satildeo feitas essas abordagens 22 (vinte e dois por cento) responderam
que as abordagens satildeo feitas atraveacutes de projetos e 78 (setenta e oito por cento) disseram que
ainda natildeo participaram das discussotildees
Graacutefico 15- A escola desenvolve atividades que falam das denominaccedilotildees reli-
giosas praticadas em Cururupu Como satildeo feitas essas abordagens
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ainda a esse respeito a professora Josiane Ferreira afirma que
Que esses temas satildeo abordados atraveacutes de projetos pois acredita que eacute mais faacutecil men-cionar nas atividades que envolvem todos os alunos pois reuacutene um grupo maior de alu-
nos que participam das diferentes religiotildees os alunos se sentem mais seguros e as pesso-
as que em sala de aula criticam costumam natildeo fazer isso no meio de mais pessoas moti-vo pel0o qual acredito que traz mais resultado tanto para a escola quanto para os alu-
nos (Professora Josiane B Ferreira novembro de 2018)
Eacute provaacutevel que essa ausecircncia de discussotildees sobre as temaacuteticas fora de projetos ou
iniciativas parcelares se explique em funccedilatildeo tambeacutem do baixo conhecimento manifestado
pelos professores a respeito da Histoacuteria e Cultura Afro-brasileira e das proacuteprias exigecircncias
derivadas da Lei 106392003 Aliaacutes quando perguntados se tinham conhecimento sobre essa
diretriz legal nada menos que 89 (oitenta e nove por cento) informou sequer ter ouvido
falar da lei mas que ldquotinham interesse em conhecerrdquo Quer dizer quando dentro do universo
docente de um estabelecimento de ensino apenas 11 (onze por cento) da populaccedilatildeo pesqui-
sada conhece a Lei temos muitos motivos para acreditar que as chances de inclusatildeo dos te-
mas supramencionados encontram-se longe de ser realizada
77
Graacutefico 16- Tem conhecimento sobre a Lei 106392003 que trata do Ensino de Histoacuteria da Aacutefri-
ca e Cultura Afro-brasileira nas escolas
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Da mesma forma que natildeo conhecem a legislaccedilatildeo e a despeito dos incrementos de pro-
duccedilatildeo recente de materiais didaacuteticos - disponiacuteveis ateacute mesmo na internet vale dizer - 22
(vinte e dois por cento) afirmam ter pouco acesso e 78 (setenta e oito por cento) afirmaram
que natildeo tem acesso a qualquer material que fale de Aacutefrica
Graacutefico 17- Tem acesso a materiais sobre Aacutefrica e Cultura
Afro-brasileira nas escolas ou fora dela
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Sobre as datas alusivas agrave comunidade negra perguntamos aos professores como a escola
tem trabalhado esses temas obtendo os seguintes percentuais 28 (vinte e oito por cento)
disseram que datas como o dia da raccedila e da consciecircncia negra eacute trabalhado em forma de proje-
tos e 72 (setenta de dois por cento) disseram que trabalham em sala de aula temas que falam
da populaccedilatildeo negra mas que em geral esses assuntos satildeo mais voltados para os conteuacutedos dos
livros Natildeo haveria aqui portanto tratamento particular
78
Graacutefico 18- As datas alusivas agrave comunidade negra como a escola tecircm trabalhado os temas
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Quanto agrave administraccedilatildeo das discussotildees sobre religiatildeo de matriz africana nas ocasiotildees
em que esse tema surge em sala de aula 72 (setenta e dois por cento) responderam que tem
que respeitar e 28 (vinte e oito por cento) disseram que existe soacute um Deus
Graacutefico 19- Como tem administrado as discussotildees sobre religiatildeo
africana em sala de aula quando estas acontecem
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Tambeacutem foi questionado se escola e terreiros deveriam desenvolver atividades para
fortalecer laccedilos de proximidade 11 (onze por cento) disseram que natildeo deveriam realizar
atividades para fortalecer tais laccedilos enquanto 89 por cento responderam que as duas inst i-
tuiccedilotildees devem sim desenvolver maneiras de fortalecer a proximidade
Graacutefico 20- Vocecirc acha que a escola e os terreiros deveriam desenvolver atividades
que fortalecessem esses laccedilos de proximidade Por quecirc
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
79
A professora e religiosa de matriz africana Diquinha contribui dizendo
Que eacute um momento importante tanto escola quanto terreiro deve se aproximar
mais por conta da dificuldade que a escola tem para falar de religiatildeo africana e
nada melhor que os proacuteprios membros para explicar dividir suas experiecircncias na
tentativa de quebrar com o silecircncio e tirar a imagem negativa que a maioria dos
membros que frequentam a escola tem das religiotildees africanas acredito que isto eacute
possiacutevel desde que haja interesse de ambos mas para isso eacute necessaacuterio que seja
feito um trabalho se sensibilizaccedilatildeo antes na escola para receber essas pessoas
outro ponto importante nesse debate eacute aproximar os terreiros que ficam proacuteximo
sempre haacute eventos nestes terreiros e a escola nunca procurou fazer um trabalho
de pesquisa para que entendecircssemos essas origens garanto que na escola tem
alunos que frequentam essas festas e que podem contribuir muito para esse diaacutelo-
go (Professora Diquinha janeiro de 2019)
Ao serem questionados sobre o que achavam que deveria ser feito para que debates
sobre as religiotildees de matriz africana acontecessem na escola 11 (onze por cento) disseram
que deveriam trabalhar mais os conteuacutedos 22 (vinte e dois por cento) que deveria ser reali-
zado um trabalho de sensibilizaccedilatildeo na escola e 67 (sessenta e sete por cento) acharam que o
tema deveria ser tratado por meio de projetos O professor Robert Freitas diz que tambeacutem eacute
importante sensibilizar a famiacutelia para que juntamente com a escola possa trabalhar de manei-
ra complementar evitando defasagens muito grandes entre essas duas instacircncias
Graacutefico 21- O que vocecirc acha que deveria ser feito para
que debate acerca das religiotildees acontecesse na escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Quando questionados se conhecem pais e matildees de santo proacuteximo agrave escola 22 (vinte
e dois por cento) responderam que sim e 78 (setenta e oito por cento) disseram que natildeo tem
conhecimento disso
80
Graacutefico 22- Conhece pais e matildees de santo que residem proacuteximo da escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Aqui novamente encontramos uma tendecircncia semelhante ao padratildeo de respostas dos
estudantes demonstrando desconhecimento com relaccedilatildeo ao proacuteprio espaccedilo de inscriccedilatildeo do
estabelecimento escolar O que leva a crer que estamos em um quadro de forte descompasso
entre os saberes escolares as experiecircncias dos sujeitos que dele participam e a proacutepria histoacute-
ria memoacuteria e cultura do lugar
36 Experiecircncias e percepccedilotildees de docentes acerca da relaccedilatildeo entre escola e comunidade
Os resultados inquietantes dos questionaacuterios aplicados aos docentes - particularmente
com relaccedilatildeo ao grau de desconhecimento da lei e da carecircncia de materiais - deflagraram uma
seacuterie de lembranccedilas e questotildees Lembranccedilas em primeiro lugar do periacuteodo do conviacutevio con-
tinuo com a escola na condiccedilatildeo de diretor adjunto e das ausecircncias silecircncios e omissotildees que
perpassaram a minha proacutepria praacutetica profissional ao longo dessa passagem Inquieta sim
pensar que minhas respostas poderiam natildeo ter sido assim tatildeo diferentes daquelas que recolhi
dos entrevistados agora na condiccedilatildeo de pesquisador e com o olhar mais treinado e sensiacutevel a
essas questotildees Eacute talvez por essa mesma razatildeo por um certo sentimento de impotecircncia que
me impus como meta retornar ao estabelecimento escolar para saber se natildeo haviam experiecircn-
cias iniciativas e percepccedilotildees entre os docentes atuantes agora ou do passado que jaacute aponta-
vam para uma possibilidade de estreitamento concreto dos viacutenculos entre escola e terreiros
Os relatos colhidos e expostos a seguir reunidos em clima de entrevista aberta mas com foco
sobre as relaccedilotildees entre a escola e os terreiros locais como que reequilibram em certa medida
aquilo que a abordagem anterior natildeo permitiu captar muito embora o quadro como um todo
esteja longe de ser o ideal Na sequecircncia passo entatildeo agrave descriccedilatildeo de histoacuterias de professores e
suas percepccedilotildees como sujeitos atuantes e reflexivos nesse espaccedilo relacional expondo como
esse desafio tem atravessado a praacutetica e a experiecircncia de docentes ao longo de vaacuterias gera-
ccedilotildees
81
Professora aposentada da rede estadual e atualmente em atividade em uma escola par-
ticular do municiacutepio como apoio pedagoacutegico Floranilde Dias da Silva ou Flora como eacute co-
nhecida nasceu na ilha de Guajerutiua em 30 de julho de 1951 Professora normalista com
graduaccedilatildeo em pedagogia foi diretora do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda durante
treze anos (20022015) Quando comeccedilou atuar como diretora adjunta logo que veio da praia
para Cururupu a escola ainda funcionava com o jardim de infacircncia ainda na deacutecada de 1980
Ao perceber a necessidade do Bairro de Satildeo Benedito possuir uma escola de 5ordm ao 8ordm ano deu
iniacutecio ao processo para aquisiccedilatildeo das referidas seacuteries Apoacutes ter organizado as turmas do ensi-
no fundamental engajou-se para organizar turmas do Ensino Meacutedio obtendo ecircxito em pouco
espaccedilo de tempo Com esta nova proposta para o antigo Segundo Grau organizou anexos em
Guajerutiua Valha-me Deus Caccedilacueira Satildeo Lucas Maracujatiua e Areia Branca
Imagem 5- Professora Floranilde Dias da SilvaCururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
Quando rememora parte da histoacuteria da escola a professora Flora apresenta alguns fa-
tos curiosos que sempre aconteciam no estabelecimento notadamente os casos de possessotildees
frequentes de alunos por entidades Como relata nessas ocasiotildees sempre recorria aos Pais de
Santo Daacuterio Luiacutes Afonso Vicentinho e Faacutetima cujos terreiros situavam-se perto da escola a
fim de resolver o problema Nessas ocasiotildees informa sempre ter sido recebida com muita
atenccedilatildeo
Outro episoacutedio relatado entre as lembranccedilas da Profordf Flora foi quando proacuteximo aos
desfiles de independecircncia do Brasil ela se encontrava sozinha na escola e de repente ouviu
um som inexplicaacutevel que saia do armaacuterio Acreditou momentaneamente que se tratava de al-
gueacutem que tinha jogado uma pedra com bastante forccedila poreacutem ao dirigir-se para o moacutevel natildeo
encontrou o que supunha ter provocado o som Sua suspeita principal eacute de que esse e outros
82
acontecimentos relatados teriam sido obras dos encantados que habitam no local uma vez que
a escola foi construiacuteda precisamente em local que pertencia a eles anteriormente Isto eacute sua
visatildeo a respeito de acontecimentos inexplicaacuteveis na escola ou quanto a determinados desafios
a exemplo dos casos de possessatildeo resvala em uma percepccedilatildeo de que a escola mantem viacutencu-
los com o universo religioso afro
Ainda no periacuteodo da sua gestatildeo informa que por vaacuterias vezes a escola fez parceria
com o Grupo de Consciecircncia Negra de Cururupu (GCNC) nas datas referentes agrave populaccedilatildeo
negra quando ministravam palestras sobre os temas referentes agrave cultura afro-brasileira O
objetivo prioritaacuterio das conversas era sensibilizar os alunos com relaccedilatildeo agrave importacircncia da co-
munidade negra no municiacutepio e a valorizaccedilatildeo do pertencimento eacutetnico A professora Floranil-
de Silva acredita que ldquoquando se trata do envolvimento de escola e religiatildeo o que deve preva-
lecer eacute o respeito em primeiro em lugar uma vez que temos soacute um Deusrdquo (FLORANILDE
DIAS DA SILVA 2019)
Questionada sobre os terreiros que circundam a escola afirma que tinha consciecircncia
dessa proximidade contudo teve pouca relaccedilatildeo com essas casas de cultos Ocorre que sempre
que acontecia alguma coisa de espiacuterito com os alunos sempre recorria a um pai de santo proacute-
ximo e ele sempre vinha ajudar Quanto agrave escola
Acredito que a escola precisa aprimorar os conhecimentos sobre as
religiotildees como um todo principalmente sobre a religiatildeo negra para
que haja mais dedicaccedilatildeo ao trabalhar com as religiotildees africanas
muitos alunos e professores satildeo praticantes no entanto tem uma certa
vergonha em assumir que praticam esse tipo de culto principalmente
na escola onde a criacutetica ainda eacute maior com essas pessoas e tudo isto
por que a sociedade natildeo aceita essas coisas (Professora Floranilde
Dias da Silva entrevista coletada em 29 de janeiro de 2019)
Deacuterika Sandriane da Silva Maia trinta e nove anos pedagoga especialista em psi-
copedagogia supervisatildeo e planejamento educacional tambeacutem aceitou falar conosco a respeito
de sua experiecircncia na escola Natural de Guajerutiua povoado da regiatildeo foi coordenadora
pedagoacutegica dos anexos do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda nas ilhas e professora na
sede Orgulha-se de ter prestado assessoria pedagoacutegica quando desenvolveu vaacuterias atividades
para ampliar o leque de praacuteticas pedagoacutegicas da escola
83
Imagem 6- Professora Deacuterika Sandriane da Silva Maia Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
Indagada sobre religiatildeo a professora assume a identidade catoacutelica pois considera que
esta ldquoeacute a religiatildeo a ser seguidardquo mas afirma ser importante natildeo ldquodesmerecer as outras reli-
giotildeesrdquo Disse-nos ainda que algumas religiotildees protestantes ela admira outras natildeo Quando
questionada sobre as religiotildees africanas existentes em Cururupu afirma ser leiga no assunto
no entanto respeita o espaccedilo de cada uma e que agraves vezes ateacute visita esses cultos nas ocasiotildees
festivas Sobre o periacuteodo em que desempenhou atribuiccedilotildees como orientadora pedagoacutegica
afirma ter sempre buscado diaacutelogo com a comunidade escolar visando estreitamento dos la-
ccedilos poreacutem ressalta que foram poucos os projetos efetivamente executados
Ao falar do tema a professora afirma que haacute uma inseguranccedila na escolha do indiviacuteduo
quanto ao tipo de identidade religiosa que ele pode assumir no espaccedilo escolar Os conflitos
contiacutenuos e cotidianos criam obstaacuteculos para que o sujeito assuma sua feacute o que faz com que
muitos estudantes e ateacute mesmo professores passeiem por vaacuterias religiotildees natildeo se definindo em
nenhuma A professora Deacuterika Maia diz conhecer a Lei 106392003 contudo argumenta que
A maacute elaboraccedilatildeo do curriacuteculo nas propostas que tratam dos assuntos
atinentes a populaccedilatildeo negra mesmo com a obrigatoriedade os profes-
sores estatildeo muitos despreparados para lidar com o tema Quando Se-
cretaria de Educaccedilatildeo do municiacutepio de Cururupu levei o tema sobre a
Lei 1063903 para as escolas mas senti uma falta de interesse des-
conhecimento da Lei por alguns professores alguns ateacute jaacute tinham ou-
vido falar mas natildeo sabiam explicar como ia funcionar dentro da gra-
de curricular vejo que isto se daacute pela falta de formaccedilatildeo dos professo-
res que natildeo tiveram formaccedilotildees especificas sobre o tema por isso da
dificuldade em adotar a Lei mesmo diante da obrigatoriedade (Pro-
fessora Deacuterika Sandriane da Silva Maia entrevista coletada em 29 de
dezembro de 2018)
84
Outro fator que a professora destaca eacute que a sociedade natildeo estaacute preparada para lidar
efetivamente com questotildees religiosas e principalmente a respeito das religiotildees negras Acre-
dita ainda que muitos que ali se encontram natildeo sabem por que razotildees pertencem ou partici-
pam da mesma pois haacute carecircncia de esclarecimento para que de fato pudessem defender sua
escolha Reafirma que haacute uma rejeiccedilatildeo da sociedade com as religiotildees de matriz africana
O professor Eacutelcio Cadete da Silva nasceu dia 20 de agosto de 1984 eacute formado em His-
toacuteria pela Universidade Estadual do Maranhatildeo e professor da rede estadual de ensino Atual-
mente trabalha com comunidades quilombolas O professor nos relatou que cursou o ensino
fundamental na escola Joatildeo Marques Miranda e foi nessa eacutepoca que teve seu primeiro contato
com as entidades Lembra que houve vaacuterios casos de possessotildees na escola Como a escola
tinha (tem) dificuldade de lidar com estas questotildees comeccedilou a pesquisar as religiotildees de matriz
africana com foco no Bairro de Satildeo Benedito
Imagem 7- Eacutelcio Cadete Silva professor de Histoacuteria e Umbandista CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
Eacutelcio que se assume umbandista diz manter um diaacutelogo com os pais de santo do seu
entorno com o objetivo de manter uma relaccedilatildeo de proximidade com esses terreiros como for-
ma de discutir as relaccedilotildees de pertencimento Perguntado sobre religiatildeo ele relata que
A religiatildeo natildeo pode ser vista como cultura e sim como religiatildeo com
respeito de todos O terccedilo da missa eacute a guia do terreiro a banda de
muacutesica eacute os tambores a religiatildeo tem muita gente confundindo a reli-
giatildeo o capitalismo tem dificultado a fundamentaccedilatildeo nos cultos as
pessoas entram nos cultos e natildeo querem mais de aprofundar (EacuteLCIO
CADETE fevereiro 2019)
O professor enfatiza ainda o afastamento das verdadeiras tradiccedilotildees nos cultos afros
dado que em sua perspectiva muitas participam das celebraccedilotildees por motivos deturpados pois
85
vecirc-se ldquoos salotildees cheio de danccedilantes no entanto muitos ali estatildeo unicamente para se firmar
sem buscar a origemrdquo
Quanto agrave relaccedilatildeo dos terreiros com a escola ele afirma que
Os terreiros se mostram abertos para o debate no entanto a escola
natildeo sabe lidar com essas questotildees por exemplo quando fiz o primaacute-
rio no Joatildeo Marques tive possessotildees e a escola natildeo soube lidar com a
situaccedilatildeo houve uma eacutepoca que a escola estava com constantes movi-
mentos de entidades foi chamado um padre e um pastor para resolve-
rem o problema esses falaram ao puacuteblico sobre o problema foi cha-
mado o pai de santo Luiacutes soacute que este fazia as coisas soacute no escondido
quando na verdade deveria explicar o que estava acontecendo vemos
que esse contato da escola com os terreiros soacute acontece assim as es-
curas o que confirma o despreparo da escola Quando o pai de santo
usava um banho na escola tinha que dizer que era aacutegua benta esse
sincretismo de objeto natildeo deveria acontecer a escola deveria nesse
momento fazer uso da experiecircncia e aproximar esse debate (EacuteLCIO
CADETE fevereiro 2019)
Sobre a sua visatildeo a respeito de como a instituiccedilatildeo vecirc as casas de cultos proacuteximas da
escola e da relaccedilatildeo que esta deveria ter com as mesmas considera que deveria haver maior
aproximaccedilatildeo entre ambas sobretudo por que a experiecircncia que este encontro proporcionaria
na aprendizagem tanto de adeptos quanto da proacutepria escola seria de grande valia para o com-
bate contra o preconceito Nessa mesma perspectiva Eacutelcio mostrou-se bem enfaacutetico
A escola precisa ensinar a religiatildeo africana como religiatildeo e natildeo co-
mo manifestaccedilatildeo natildeo adianta a escola trabalhar as datas sobre a po-
pulaccedilatildeo negra e natildeo fazer um trabalho que enraiacuteze essas informa-
ccedilotildees a escola tem sim pessoas que frequentam os terreiros e isto tem
que ser levado em consideraccedilatildeo o que temos observado nas escolas eacute
que o descuido com essas questotildees tem aumentado agrave evasatildeo escolar
tudo por conta da escola natildeo daacute atenccedilatildeo a essa situaccedilatildeo os terreiros
tem sim interesse em trocar essas experiecircncias mas a sociedade por
natildeo estaacute preparada acaba influenciando no espaccedilo escolar enquanto
natildeo enraizar essas questotildees o preconceito continuaraacute a fazer pessoas
natildeo seguirem suas crenccedilas a seguir no que acreditam eu sou um-
bandista assumido e faccedilo o que estaacute ao meu alcance para contribuir
com o divulgaccedilatildeo da religiatildeo (EacuteLCIO CADETE fevereiro 2019)
Raimunda Nonata Setubal Chaves mais conhecida como Diquinha nascida em 1960
eacute pedagoga e foi professora durante 25 anos do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda Atu-
almente natildeo estaacute em sala de aula Umbandista assumida uma das frases principais que utiliza
como se fosse uma espeacutecie de bordatildeo eacute a seguinte ldquoDeus deixou o mundo completo de tudordquo
A professora nos relatou que sua relaccedilatildeo com a umbanda eacute uma relaccedilatildeo de muito respeito e
identidade Uma das professoras mais antigas da escola e tendo em vista seu pertencimento
86
religioso indaguei sobre como era agrave relaccedilatildeo da escola com a histoacuteria e cultura afro-brasileira
em sua eacutepoca antes e agora Ela nos descreveu haacute discriminaccedilatildeo e sempre haveraacute todavia
garante que muita coisa jaacute mudou sem explorar o elo entre as razotildees dessa permanecircncia e
sobretudo das mudanccedilas Como exemplo fez questatildeo de lembrar que agrave eacutepoca da professora
Floranilde organizou uma danccedila junina com seus alunos que no final de contas era um ritual
de pajeacute Danccedila muito requisitada naquele periacuteodo acredita que isso se dava pela curiosidade
que a populaccedilatildeo tinha a eacutepoca mas defende que esse foi um passo importante para abrir fissu-
ras no debate
Imagem 8- Professora Raimunda Nonata Setubal ChavesUmbandista Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
Sobre escola e religiatildeo africana a professora diz algo que parece ser agrave visatildeo da maioria
dos pais de santo quando relata que
Os terreiros estatildeo sempre abertos para receber quem quer que seja
preto branco pobre ricos a nossa religiatildeo eacute de partilha a escola
precisa abrir espaccedilo para que os debates ocorram temos muitos alu-
nos que sofrem de entidades mas natildeo sabem lidar quando isto acon-
tece na escola penso que esta realidade mudaraacute quando professores
de Sociologia Filosofia e Histoacuteria comeccedilarem a falar sobre estas
questotildees eacute preciso explicar que o mesmo Deus das outras religiotildees eacute
o mesmo dos terreiros eacute preciso respeitar o espaccedilo do outro a reli-
giatildeo do outro eu sempre que tenho uma oportunidade converso com
os alunos sobre o assunto as pessoas natildeo precisam se esconder Deus
deixou tudo certo no mundo Eu sou umbandista e me assumo em
qualquer lugar natildeo tenho como fugir ela me acompanha (RAI-
MUINDA NONATA S CHAVES fevereiro de 2019)
A uacuteltima de nossas entrevistadas eacute Maria Clara Cunha professora aposentada que
exerceu o magisteacuterio por 35 anos A nossa conversa com a pedagoga ocorreu de maneira bas-
87
tante descontraiacuteda e em clima de grande receptividade a exemplo dos demais entrevistados
Quando perguntada sobre seu envolvimento com a religiatildeo afro ela fez questatildeo de frisar que
natildeo teve ldquopai de santo como dizem nos cultos pois nasci feitardquo E acrescenta que ainda hoje
continua trabalhando de mesa branca mas que tambeacutem tem linha de caboclo15
Durante muito
tempo danccedilou com o pai de santo Vicentinho localizado no bairro do Armazeacutem o qual teria
sido em suas proacuteprias palavras um excelente meacutedium Sobre a escola fala que houve uma
eacutepoca que na escola estava acontecendo muitos casos de alunos incorporando espiacuteritos para
resolver a situaccedilatildeo chamaram os sacerdotes Daacuterio e Vicentinho para realizarem trabalhos de
seguranccedila16
na escola o que veio a amenizar mais a situaccedilatildeo
Perguntada a respeito de como ela lidou com o seu proacuteprio pertencimento religioso
dentro do espaccedilo escolar relatou que sempre se assumiu na escola que desde cedo danccedilava e
que natildeo tinha vergonha de ser umbandista Embora soubesse que muitos natildeo gostavam e ateacute
houvesse situaccedilotildees em que colegas e alunos manifestavam desaprovaccedilatildeo (o que nos foi rela-
tado com certo bom humor) considera que ldquoisto eacute um dom que Deus daacute para as pessoas e que
elas precisam cumprir com esta obrigaccedilatildeordquo A imagem que nos cede para utilizaccedilatildeo neste
trabalho apresentada na paacutegina seguinte expressaria assim parte dessa autoconsciecircncia
Imagem 9- Clara Maria Cunha Professora MeacutediumUmbandista Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal 2019
15 Na religiatildeo afro-brasileira muitas satildeos as formas como as entidades se manifestam dentre estas haacute a linha de
mesa branca Satildeo pais matildees de santos e iniciados que desenvolvem trabalhos espirituais neste caso especiacutefico
natildeo haacute a utilizaccedilatildeo de tambores os cantos satildeo executados as entidades que se manifestam nos toques tambeacutem
arreiam na sessatildeo de mesa branca e realizam seus trabalhos de cura neste sentido existem pais de santo que
trabalham nas duas linhas de encantaria 16 O trabalho de seguranccedila realizado por pais e matildees se santo eacute uma atividade que se desenvolve uma chamada
espiritual eacute feito um trabalho para que as entidades que se manifestam naquele local incorporando nas pessoas se
afastem ou ateacute mesmo a pessoa que incorpora fica protegida pela orientaccedilatildeo dos pais de santos atraveacutes de suas
linhas de encantados
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Procuramos saber da professora a respeito de como a escola enxergava os terreiros
que ficavam nas proximidades do estabelecimento e como ela concebia o papel da escola nes-
se contexto Sua resposta como que retoma o mesmo eixo argumentativo dos demais
A escola sabe abertamente que os casos de alunos que recebem enti-
dades existem que quando foi diretora adjunta sempre procurava
aproximar o debate entre os alunos mas as vezes as situaccedilotildees que al-
gumas pessoas natildeo compreendem acredito que a escola precisa fazer
um trabalho mais direcionado para as religiotildees comeccedilamos uma vez
a chamar dois pais de santo para explicar sobre o que acontecia na
escola mas soacute que isto foi a muito tempo precisamos entender uma
coisa ldquo noacutes somos galinha se Deus se ele chama um filho seu para
exercer uma funccedilatildeo ele tem que exercer ateacute mesmo na hora da morte
se Deus escolhe um filho tem que ir Deus daacute Deus tira assim mesmo
eacute com a religiatildeo (Clara Maria Cunha 2019)
A escola tem sua funccedilatildeo enquanto escola para ajudar esses alunos
agora agraves coisas soacute natildeo estatildeo melhores por que os umbandistas natildeo se
unem para fazer as coisas acontecerem talvez se tivesse mais uniatildeo a
situaccedilatildeo seria outra mas o importante eacute que estamos tentando fazer
alguma coisa por exemplo eu faccedilo minha parte explico como satildeo as
coisas e espero que entendam afinal cada um tem que seguir seu des-
tino o destino que Deus lhe deu (Clara Maria Cunha 2019)
Em siacutentese parece fato inconteste entre os docentes a importacircncia que deve ser dada
ao estreitamento de relaccedilotildees e de compreensotildees entre escolas e terreiros Outro aspecto que
fica evidenciado nos relatos eacute que na praacutetica a resistecircncia parece vir predominantemente da
cultura escolar visto que os terreiros e suas lideranccedilas sempre deram mostras praacuteticas de inte-
raccedilatildeo e abertura de vias de diaacutelogo A questatildeo se torna ainda mais intrigante quando se perce-
be que essas relaccedilotildees natildeo satildeo estreitadas mesmo que os proacuteprios docentes tambeacutem pertenccedilam
a religiotildees afro-brasileiras Quer dizer geralmente quando pensamos na questatildeo da inclusatildeo
dos temas relativos agrave histoacuteria e cultura afro-brasileira no espaccedilo escolar levantamos a questatildeo
do pertencimento religioso dos estudantes mas poucos satildeo os trabalhos que problematizam
como os professores lidam com sua proacutepria identidade religiosa nessas condiccedilotildees Embora
natildeo seja esta a questatildeo principal da presente pesquisa trata-se de um problema que requereria
anaacutelise mais cuidadosa uma vez que abre um insuspeitado espaccedilo para pensar as resistecircncias
oriundas da forma escolar hegemocircnica para inclusatildeo dessa temaacutetica
Tendo explorado como a comunidade escolar e seus agentes percebem as relaccedilotildees en-
tre escola e terreiro passaremos no capiacutetulo seguinte agrave exploraccedilatildeo da proacutepria dinacircmica comu-
89
nitaacuteria de onde retiramos algumas importantes liccedilotildees para aplicaccedilatildeo das oficinas pedagoacutegicas
que compuseram o produto final desta dissertaccedilatildeo
90
CAPIacuteTULO 4 ndash DA COMUNIDADE PARA A ESCOLA histoacuterias percepccedilotildees e experi-
ecircncias de um diaacutelogo possiacutevel
Meu Satildeo Benedito sua manga cheira
A cravos e rosas e flor de laranjeira
Meu Satildeo Benedito jaacute foi cozinheiro
E hoje eacute santo de Deus verdadeiro
Meu Satildeo Benedito estrela do norte
Guiai-me meu santo na vida e na
Morte
(Domiacutenio popular)
Talvez um dos fatos mais curiosos no decorrer da pesquisa foi agrave constataccedilatildeo de muitos
relatos de que alunos eram incorporados por encantados nos horaacuterios de aula Como vimos
nas entrevistas esses acontecimentos satildeo interpretados pelos docentes em funccedilatildeo do local
onde a escola foi construiacuteda Vaacuterios deles chegaram mesmo a explicar que como natildeo pediram
permissatildeo para construccedilatildeo da escola aos donos do local os ldquoencantadosrdquo as possessotildees ocor-
riam Outro fato importante relatado pelos docentes foi que sempre que ocorriam fatos dessa
natureza eles chamavam um pai de santo de um terreiro proacuteximo agrave escola para que assim o
problema pudesse ser resolvido Inclusive em uma dessas visitas para auxiliar alunos incor-
porados um pai de santo teria advertido quanto agrave necessidade de realizar um trabalho de des-
pacho para que este tipo de situaccedilatildeo parasse de acontecer Como seraacute visto no decorrer deste
mesmo capiacutetulo esses relatos tambeacutem satildeo muito comuns entre pais e matildees de santo que vi-
vem proacuteximos agrave escola
Para o momento eacute oportuno destacar o fato baacutesico que esteve no ponto de partida des-
te trabalho qual seja desde que tive a oportunidade de atuar profissionalmente na referida
escola sempre achei impressionante a quantidade de terreiros proacuteximos ao estabelecimento de
ensino sem que essa situaccedilatildeo produzisse efeitos sobre as iniciativas pedagoacutegicas em curso
voltadas para o diaacutelogo e integraccedilatildeo com a comunidade neste plano Obviamente devo incluir
nesse quadro as proacuteprias dificuldades que tive Essa dissertaccedilatildeo resulta justamente desse in-
cocircmodo e do sentimento de impotecircncia decorrente disso como tive a oportunidade de enfati-
zar paacuteginas atraacutes
91
Ocorre que observado com o olhar treinado pela passagem no mestrado em His-
toacuteria Ensino e Narrativas pude notar que essa disjunccedilatildeo entre escola e comunidade eacute bem
maior A impressatildeo que se tem eacute de que a escola constitui uma espeacutecie de forte contra as in-
cursotildees aberturas e janelas criadas pelo cotidiano mesmo da comunidade como se pode notar
ao observar a importacircncias das diversas festas populares que ocorrem no bairro Visto desta
perspectiva jaacute natildeo se trata aqui tatildeo somente das religiosidades afro-brasileiras como tambeacutem
da proacutepria dificuldade de incorporar ao espaccedilo escolar as temaacuteticas culturais e histoacutericas mais
amplas conectadas aos saberes e fazeres da cultura africana e afro-brasileira o que esteve no
princiacutepio do formato final de nossa proposta pedagoacutegica Em siacutentese a reflexatildeo sobre esse
quadro levou-me a tentar compreender como a instituiccedilatildeo escolar encontra-se em pleno des-
compasso com a integraccedilatildeo ao mundo cultural e histoacuterico das proacuteprias camadas populares e
suas diferentes representaccedilotildees
Enquanto no capiacutetulo anterior exploramos de maneira diagnoacutestica como a cultura es-
colar selecionada lida e percebe as relaccedilotildees entre escola e o legado da histoacuteria e cultura afro-
brasileiras neste trabalho pretendemos explorar parte da histoacuteria do bairro e dos terreiros
com foco sobre as casas localizadas proacuteximo agrave escola Para tanto apoacutes tecermos algumas con-
sideraccedilotildees a respeito das pesquisas realizadas nesse campo de estudos (baseando-nos princi-
palmente nos trabalhos regionais disponiacuteveis a respeito) passamos a uma breve incursatildeo so-
bre a dinacircmica do bairro e de suas festas populares as histoacuterias e memoacuterias dos terreiros e
lideranccedilas religiosas principais e suas visotildees sobre as relaccedilotildees entre terreiros e escolas Em
particular neste uacuteltimo eixo objetivamos saber dos Pais de Santo que aceitaram dar entrevis-
tas como eles observam o papel da escola naquela configuraccedilatildeo Por fim voltamo-nos para a
descriccedilatildeo das oficinas que realizamos na escola
Conveacutem esclarecer que se optamos por posicionar as oficinas neste capiacutetulo que
em tese seria mais voltado para o contexto externo da escola - o bairro seus terreiros e pesso-
as eacute porque concluiacutemos haver um potencial educativo notoacuterio no movimento que vai dos ter-
reiros para a escola Como visto ao longo das oficinas realizadas a sensaccedilatildeo que fica eacute de que
somente atraveacutes da realizaccedilatildeo de atividades planejadas didaticamente a partir do proacuteprio local
eacute que a instituiccedilatildeo escolar e seus profissionais poderatildeo avanccedilar no alcance de metas que jaacute
estatildeo claras muito embora encontrem diversas resistecircncias para sua efetivaccedilatildeo As oficinas
constituiacuteram pois uma ocasiatildeo para promoccedilatildeo do encontro desses dois mundos tatildeo proacuteximos
geograficamente contudo ao mesmo tempo tatildeo distantes em termos de reconhecimento
92
41 Perspectivas de investigaccedilatildeo sobre a histoacuteria e cultura afro-brasileiras no Maranhatildeo
Durante a uacuteltima deacutecada muita coisa mudou tambeacutem no acircmbito das religiotildees no Bra-
sil O censo de 2000 nos diz que o paiacutes estaacute hoje menos catoacutelico mais evangeacutelico e menos
afro-brasileiro Velhas tendecircncias foram confirmadas novas direccedilotildees vatildeo se impondo Religi-
otildees receacutem-criadas se enfrentam com as mais antigas velhas religiotildees assumem novas formas
e veiculam renovados conteuacutedos para enfrentar a concorrecircncia mais acirrada no mercado reli-
gioso (PRANDI 2003 p 16) Neste cenaacuterio de tracircnsito e novas denominaccedilotildees religiosas
ressaltamos a importacircncia de revisitar algumas concepccedilotildees sobre religiatildeo afro-brasileiras
Trata-se de um exerciacutecio importante natildeo apenas para municiar o trabalho com os aportes das
pesquisas realizadas sobre o tema como tambeacutem para fundamentar as intervenccedilotildees pedagoacutegi-
cas no cenaacuterio escolhido
Oriundas de formaccedilotildees sincreacuteticas no processo de escravizaccedilatildeo as religiotildees afro-
brasileiras mais antigas foram formadas no seacuteculo XIX (PRANDI 2000) Ao longo de todo
empreendimento colonizador o catolicismo era a religiatildeo do Estado participando ativamente
do processo de afirmaccedilatildeo do ethos europeu Nessa conjuntura as tradiccedilotildees religiosas africa-
nas eram vistas como formas religiosas demoniacuteacas devendo consequentemente ser extirpa-
das Para manter suas formas doutrinaacuterias originaacuterias os africanos trazidos para o novo mun-
do tiveram que adotar entatildeo estrateacutegias de sobrevivecircncia e adaptaccedilatildeo O sincretismo que se
pode identificar em diferentes festas religiosas populares e particularmente na maneira como
se combinam no universo afro-catoacutelico as relaccedilotildees entre santos e orixaacutes no Brasil e nas Ameacute-
ricas resultam concretamente dessas estrateacutegias (FERRETTI 1998) Obviamente aleacutem das
estrateacutegias de resistecircncia o que entra em pauta aqui tambeacutem eacute a recriaccedilatildeo de uma Aacutefrica sim-
boacutelica cuja forccedila e penetraccedilatildeo estende para muito aleacutem do acircmbito propriamente religioso
(PRANDI 2000)
Seja como for o fato eacute que as formas religiosas de origem africana firmaram espaccedilo
em solo brasileiro seja atraveacutes do candombleacute17
(PRANDI 2000) na Bahia do tambor de mi-
na18
do Maranhatildeo (FERRETI 1996) do xangocirc 19
de Pernambuco e do batuque20
do Rio Gran-
17 Candombleacute eacute uma religiatildeo afro-brasileira derivada de cultos tradicionais africanos na qual haacute crenccedila em um
Ser Supremo e culto dirigido a forccedilas da natureza personificadas nas formas ancestrais divinizados orixaacutes vo-
duns ou inquices dependendo da naccedilatildeo o estado da Bahia concentra um grande nuacutemero de terreiros de candom-
bleacute as casas satildeo dirigidas por babalorixaacutes e yalorixaacutes estes dirigentes possuem os conhecimentos do culto e sua
indicaccedilatildeo eacute feita pelos orixaacutes atraveacutes do jogo de buacutezios (PRANDI 2000 p 61) 18 Eacute a denominaccedilatildeo mais difundida das religiotildees afro-brasileiras no Estado do Maranhatildeo A pala-
vra tambor deriva da importacircncia do instrumento nos rituais de culto Mina deriva de negro-mina de Satildeo Jorge
93
de do Sul (PRANDI 2000 p 62) da Umbanda21
(FELINTO 2012) no Rio de Janeiro entre
outros Trata-se no entanto de uma histoacuteria de resistecircncia que ainda se prolonga no tempo
dado que os cultos ainda sofrem perseguiccedilotildees por todo paiacutes e natildeo satildeo poucos os exemplos
contemporacircneos concretos de intoleracircncia religiosa no Brasil Em grande medida isto se deve
agrave proacutepria maneira como essas religiotildees foram concebidas pelo discurso religioso dominante
Mesmo diante das praacuteticas de intoleracircncia Os cultos afro-brasileiros sobrevivem como
uma rede de resistecircncia e apoio agrave populaccedilatildeo afrodescendente Vale explicitar as denominaccedilotildees
mais populares no Brasil O candombleacute que se instalou no estado da Bahia se desenvolve em
forma de casas templos onde a maioria dos adeptos moram e desenvolvem cerimonias agraves enti-
dades Os deuses cultuados nesta praacutetica religiosa satildeo os Orixaacutes forccedilas da natureza que invo-
cados incorporam nos seus filhos e executam danccedilas sagradas Paramentados com suas vestes
rituais nos cultos eles executam tambeacutem processos de cura e conversas com os participantes
(FELINTO 2012) Os orixaacutes mais populares no Brasil satildeo Exuacute Ogum Iansatilde Oxum Oxoacutes-
si Ossaim Obalouaecirc Oxumereacute Iemanjaacute Xangocirc Nanatilde e Oxalaacute todos esses deuses possuem
caracteriacutesticas especificas cores ferramentas e liturgias que acompanham a danccedila ritual co-
mo teremos a oportunidade de destacar no produto desta dissertaccedilatildeo
O Tambor de Mina popularmente difundido no Maranhatildeo natildeo se diferencia em muito
do candombleacute Os cultos acontecem em invocaccedilatildeo aos Voduns e Caboclos que visitam os
terreiros incorporando nos iniciados O ritual inicia-se em liacutengua de acordo com a naccedilatildeo ao
qual pertencem Os Voduns assim como os orixaacutes satildeo forccedilas que simbolizam elementos da
natureza No Maranhatildeo haacute trecircs importantes casas que foram fundadas por mulheres africanas
da Mina denominaccedilatildeo dada aos escravos procedentes da ldquocosta situada a leste do Castelo de Satildeo Jorge da Minardquo no atual Repuacuteblica do Gana trazidos da regiatildeo das hoje Repuacuteblicas do Togo Benin e da Nigeacuteria que eram co-
nhecidos principalmente como negros mina-jejes e mina-nagocircs (FERRETI 1996 35) 19 Xangocirc de Pernambuco tambeacutem conhecido como Xangocirc do Recife eacute uma religiatildeo afro-brasileira O nome eacute dado em virtude da popularidade e importacircncia de Xangocirc nessa regiatildeo (PRANDI 2000 p 60) 20 Batuque eacute uma denominaccedilatildeo as religiotildees afro-brasileiras de culto aos orixaacutes encontrados principalmente no
estado do Rio Grande do Sul Brasil de onde se estendeu para os paiacuteses vizinhos tais como Uruguai e Argentina
O batuque eacute fruto de religiotildees dos povos da Costa da Guineacute do Benim e da Nigeacuteria com as na-
ccedilotildees Jecircje Ijexaacute Oyoacute Cabinda e Nagocirc Hoje o Batuque possui centenas de casas e inuacutemeros praticantes e adep-
tos (PRANDI 2000 p 62) 21A Umbanda eacute uma religiatildeo brasileira que sintetiza vaacuterios elementos das religiotildees africanas e cristatildes poreacutem sem
ser definida por eles Formada no iniacutecio do seacuteculo XX no sudeste do Brasil a partir da siacutentese com movimentos
religiosos como o Candombleacute o Catolicismo e o Espiritismo Eacute considerada uma religiatildeo brasileira por exce-
lecircncia com um sincretismo que combina o Catolicismo a tradiccedilatildeo dos orixaacutes africanos e os espiacuteritos de origem
indiacutegena (FELINTO 2012 p15)
94
e possuem grande longevidade a Casa das Minas22
(FERRETI 1996) que pertence ao tronco
Jecircje Nagocirc a Casa de Nagocirc23
(FERRETI 2009) que pratica ritos da cultura nagocirc e a Casa de
Fanti-ashanti24
com predominacircncia da Cultura Ashanti (FERRETTI 2000)
Igualmente como nas tradiccedilotildees religiosas em Aacutefrica estas casas trabalham na ideia de
hierarquia tendo na pessoa do pai e da matildee de santo os responsaacuteveis por conduzirem os cultos
Na Casa das Minas os Voduns satildeo representados sobre a noccedilatildeo de famiacutelias sob o comando de
seus chefes Os mais conhecidos satildeo Toacutei Zomadocircnu o dono da Casa das Minas famiacutelia de
Quevioccedilocirc famiacutelia de Toacutei Acoacutessi Sapataacute Odan Toacutei Dadarrocirc Toacutei Doccediluacute-Bogueccedilagajaacute Toacutei Be-
digaacute Nochegrave Sepazin e Toacutei Averequecircte (FERRETI 1996) A Casa de Nagocirc dedica-se aos cul-
tos dos orixaacutes nagocircs como Afrekete Ogum Iemanjaacute Logunedeacute Yewaacute aleacutem de contar tam-
beacutem com entidades caboclas chamadas de Gentis a exemplo de Dom Luiacutes Rei de Franccedila
Dom Joatildeo Dom Floriano Seu Zezinho de Amaramadatilde Rei da Turquia Seu Leacutegua Bogi Jo-
atildeo da Mata (FERRETI 2009) A Casa de Fanti- Ashanti eacute uma conhecida casa de culto no
Maranhatildeo que realiza toques de mina e baiatildeo (FERRETI 1991)
Outro forte aspecto da religiatildeo afro-brasileira eacute a Umbanda considerada como uma
crenccedila genuinamente brasileira A Umbanda tem seus fundamentos firmados com elementos
do candombleacute catolicismo e espiritismo combinando uma variedade de entidades que se ma-
nifestam nos terreiros em casos de iniciados (FELINTO 2012 p15) Os ritos satildeo diversifica-
dos na maneira como se desenvolvem Os cultos se apresentam com entidades das mais dife-
rentes naccedilotildees como iacutendios orixaacutes fidalgos e caboclos entre outros o que a torna uma mani-
festaccedilatildeo diversificada
22 Tambor de mina eacute uma religiatildeo de matriz africana organizada no Maranhatildeo na primeira metade do seacuteculo
XIX) FERRETI M 2009 p 2) A Casa das Minas ou Querebentatilde de Zomadocircnu localizada na Rua Satildeo Panta-
leatildeo atual Rua Senador Costa Rodrigues bairro da Madre de Deus em Satildeo Luiacutes eacute a mais antiga casa de religiatildeo
afro-brasileira do Maranhatildeo Foi provavelmente fundada em meados do seacuteculo XIX por negros jecircje oriundos do
sul de Benin (antigo Daomeacute) A memoacuteria oral transmitida entre as geraccedilotildees conta que a Casa das Minas foi fundada por Maria Jesuiacutena ndash que adorava Zomadocircnu e que teria passado pelo ritual para se tornar matildee ainda na
Aacutefrica (FERRETI 1996 p 39) 23A Casa de Nagocirc eacute uma casa de Tambor de Mina localizada no centro histoacuterico de Satildeo Luiacutes no estado
do Maranhatildeo Dedica-se ao culto dos orixaacutes nagocircs foi fundada agrave eacutepoca do Brasil Impeacuterio
por malungos africanos Dedica-se ao culto dos orixaacutes nagocircs possuindo hierarquia matriarcal uma de suas mais
importantes voduacutensis foi a Matildee Dudu por quem era conhecida Victorina Tobias Santos (1886-1988) filha de
Iemanjaacute e que muito contribuiu para o seu tombamento (FERRETI M 2009 p3) 24A Casa Fanti-Ashanti foi fundada em 1954 Os Fanti e os Ashanti eram povos da antiga Costa do Ouro atual
Repuacuteblica de Gana Eacute uma Casa de Mina e Candombleacute que manteacutem a tradiccedilatildeo desde sua fundaccedilatildeo Haacute tambeacutem
rituais ligados agrave pajelanccedila ao catolicismo popular (Espiacuterito Santo) (FERRETI M 2000 p5)
95
Em suma como bem destacado por Carlos Benedito Rodrigues da Silva (2015) essa eacute
uma histoacuteria de sincretismo que emerge a partir da proacutepria diaacutespora que perpassa as relaccedilotildees
assimeacutetricas entre colonizadores e colonizados mas que tambeacutem denota o movimento dinacirc-
mico de transgressatildeo adaptaccedilatildeo irreverecircncia que eacute protagonizado pelos negros e afrodescen-
dentes e que constroem novas relaccedilotildees com a religiosidade O que ldquoresulta portanto em no-
vos elementos interpretativos que datildeo conta da anaacutelise de um cenaacuterio social altamente plura-
lizado de reconstruccedilatildeo das tradiccedilotildees de redefiniccedilotildees de identidades de ressignificaccedilotildees da
vida cotidianardquo (SILVA 2015 p 161)
Deslocando um pouco o eixo de argumentaccedilatildeo anterior valeria agrave pena tecer algumas
consideraccedilotildees a respeito das pesquisas realizadas sobre religiatildeo e cultura popular no Mara-
nhatildeo Para tanto recorro principalmente ao trabalho de Ferretti (2015) um dos principais res-
ponsaacuteveis pelo incentivo ao estudo sobre as religiotildees de origem africana na regiatildeo Conforme
o autor diferentemente de outras regiotildees como a baiana no Maranhatildeo eacute basicamente a partir
da deacutecada de 1980 com os trabalhos do proacuteprio autor e da pesquisadora Mundicarmo Ferreti
que a temaacutetica comeccedila a ganhar destaque dentro da universidade Paulatinamente umas seacuteries
de alunos da graduaccedilatildeo e do mestrado comeccedilaram a redigir trabalhos sobre religiotildees de ori-
gem africana nos quadros do Grupo de Pesquisa Religiatildeo e Cultura Popular iniciado em 1992
no Departamento de Sociologia e Antropologia e em diversos programas de Poacutes-Graduaccedilatildeo
da Universidade Federal do Maranhatildeo Da mesma forma ganha destaque os trabalhos publi-
cados no Boletim da Comissatildeo Maranhense de Folclore (CMF) conformando aportes funda-
mentais para o estudo da temaacutetica em nosso meio (FERRETTI 2015) Deve-se dar destaque
tambeacutem agraves pesquisas que vecircm sendo realizado por Silva (2015) acerca das festas populares e
que tem tambeacutem enfatizado o quanto haacute um entrelaccedilamento de diferentes religiosidades e cul-
turas na populaccedilatildeo maranhense
42 Descrevendo o bairro Satildeo Benedito festas populares e tracircnsitos religiosos
O Bairro Satildeo Benedito faz divisa ao leste com os bairros de Cearaacute e Centro (Tra-
vessa Comandante Joseacute Santos) ao norte com os bairros Centro e Brasiacutelia (Rua Getuacutelio Var-
gas) ao oeste com o bairro Rodagem (Rua Joaquim Reis) ao sul faz divisa com o Rio Satildeo
Lourenccedilo (FUNASA 2019) Atualmente possui um conjunto arquitetocircnico de 1016 (mil e
dezesseis) preacutedios distribuiacutedos entre residecircncias preacutedios comerciais igrejas e terreiros de
cultos afros Apresentamos abaixo um mapa para permitir a visualizaccedilatildeo do periacutemetro do
96
bairro Atenccedilatildeo deve ser dada agrave posiccedilatildeo geograacutefica do Centro de Ensino Joatildeo Marques Mi-
randa posicionado no centro do bairro
Imagem 10- Mapa do Bairro de Satildeo Benedito
Fonte Google Maps 2019
Do ponto de vista da distribuiccedilatildeo dos estabelecimentos religiosos o bairro estaacute distri-
buiacutedo da seguinte maneira na Praccedila Siqueira Campos fica localizada a igreja de Satildeo Benedi-
to na Travessa Vilela de Abreu estaacute situado o Templo da Igreja Quadrangular e na Rua Joatildeo
Miranda o Templo da Assembleia de Deus e em todo bairro localizamos 18 (dezoito) terrei-
ros de religiatildeo de matriz africana e 09 (nove) quartos altares25
dos quais falaremos mais adi-
ante A populaccedilatildeo que reside no bairro gira em torno de 2439 (dois quatrocentos e trinta e
nove) habitantes (FUNASA 2019) e da mesma forma que para o restante do municiacutepio o
puacuteblico eacute majoritariamente negro
A histoacuteria do bairro possui uma relaccedilatildeo muito proacutexima com o aparecimento da ima-
gem de Satildeo Benedito Populares contam que ela foi encontrada sobre uma pedra onde foi edi-
ficado o primeiro barracatildeo para realizaccedilatildeo dos primeiros cultos local onde hoje estaacute construiacute-
do o santuaacuterio ainda conforme esses relatos a referida imagem possuiacutea algumas caracteriacutesti-
cas como mudar de local jorrar sangue ao ser perfurada tendo inclusive sido levada agrave Santa
25 Denominaccedilatildeo empregada para se referir a espaccedilos onde os pais matildees que ainda natildeo possuem barracatildeo exer-
cem suas atividades espirituais dentre estas trabalhos de consultas e curas e obrigaccedilotildees onde guardam seus
relicaacuterios para os filhos de santos eacute o espaccedilo onde iniciam sua aprendizagem ateacute assumirem postos de pais e
matildees de santo ( AHLET 2016 p 277) Haacute religiosos que preferem os quartos altares em vez de barracotildees afir-
mando ser muita responsabilidade assumir um terreiro Encontramos muitos casos na pesquisa como o Senhor
Sebastiatildeo Conde que afirma preferir seu quarto de segredo em virtude de ter outras profissotildees e natildeo poder se
dedicar aos cultos (BASTINHO 2019)
97
Seacute (RIBEIRO 2014) Esta compotildee inclusive parte das principais narrativas alimentadas em
torno do conhecido festejo ao Glorioso Satildeo Benedito
De maneira geral conforme o historiador Paulo Henrique Ribeiro (2014) o surgimen-
to dos primeiros cultos em homenagem ao santo remonta a meados do seacuteculo XIX Para tanto
destacou-se o papel da Irmandade negra de Satildeo Benedito a qual apesar de natildeo ser regula-
mentada seguia os mesmos padrotildees de irmandades registradas A notoriedade e longevidade
histoacuterica do festejo remonta portanto a esse contexto (COSTA 2014)
Quanto agrave construccedilatildeo das edificaccedilotildees Ribeiro (2014) afirma que a primeira igreja em
devoccedilatildeo ao santo foi construiacuteda em 1871 tendo sido reformada e ampliada em 1926 O tem-
plo que seguia os padrotildees com apenas uma torre sineira teve sua fachada alterada para o atual
modelo somente em 1986 permanecendo hoje com trecircs torres tendo sido chamado desde
entatildeo de Santuaacuterio de Satildeo Benedito (COSTA 2014)
O Bairro de Satildeo Benedito tem no festejo ao padroeiro um exemplo muito concreto dos
fortes tracircnsitos entre o sagrado e o profano na localidade O festejo acontece na primeira se-
mana de outubro em forma de novenaacuterio catoacutelico possuindo um seacuteculo e meio de festivida-
de Aleacutem das missas o festejo tambeacutem conta com uma seacuterie de outras atividades organizadas
por grupos de leigos Destaca-se nesse sentido as atividades de muacutesicas de orquestra agrave noite
e o tradicional leilatildeo que acontece ao teacutermino das missas Neste os objetos leiloados satildeo ori-
undos de promessas feitas por devotos que comprovam o recebimento de graccedilas alcanccediladas
por intermeacutedio do santo Aleacutem das festividades durante os dias de festejo haacute pagamentos de
promessas ofertas de presentes vigiacutelia Pungadas e rimas na roda de tambor tambeacutem satildeo or-
ganizadas recorrentemente
Agravequeles que jaacute estatildeo acostumados com o sincretismo dessas festas religiosas talvez
natildeo se torne assim tatildeo claro o quanto esses eventos mesclam siacutembolos culturais e identitaacuterios
distintos criando um acontecimento social bastante dinacircmico Esse ambiente de trocas e tracircn-
sitos religiosos torna comum ao longo do ciclo dos eventos na localidade agrave introduccedilatildeo do
tambor de crioula de ladainhas toque aos voduns homenagens a caboclos e procissotildees Essas
praacuteticas evidenciam a dinacircmica religiosa que eacute constitutiva do bairro de Satildeo Benedito com
seus templos catoacutelicos templos-terreiro e templos de matriz africana que de uma forma ou de
outra aglutinam a populaccedilatildeo que transitam nos campos da religiosidade popular cururupuense
Inferimos portanto que esses devotos em sua maioria antes mesmo de participarem
de atividades que aos olhos de muitos desconstruiria a imagem idealizada do bom devoto
participam religiosamente dos cultos de matriz catoacutelica demonstrando como o festejo cami-
98
nha com essa dinacircmica Os tambores que soam em homenagem ao santo traduzem ao mesmo
tempo uma troca nesses espaccedilos de religiosidades mas tambeacutem a permanecircncia de uma cultura
ancestral que vieram com os negros escravizados para esta terra isto evidencia que a ldquoassoci-
accedilatildeo entre sagrado e profano dentro da cultura negra permitiu que esses transladados e seus
descendentes cultivassem natildeo soacute uma cultura musical mas tambeacutem uma permanecircncia religio-
sa de sua terrardquo (CUTRIM 2016 p264)
Haacute exatos oitenta anos o cotidiano do bairro eacute animado por um coro de vozes sobretu-
do nos dias de festejo sendo a melodia mais executada O hino em louvor a Satildeo Benedito
guarda um fato curioso acerca de sua composiccedilatildeo Tendo sua primeira versatildeo composta no
ano de 1938 (MARLINA MIRANDA 2019)26
pelos cururupuense Manoel Miranda e Libera-
lino Miranda muacutesicos renomados na memoacuteria no bairro foi somente deacutecadas depois quando
da vinda da missatildeo canadense para Cururupu que o hino adquiriu o seu formato final devido
agrave colaboraccedilatildeo do Padre Joatildeo Fillion o qual inseriu duas estrofes na composiccedilatildeo Expomos
abaixo o hino em sua versatildeo mais atual ndash aquela que eacute entoada nas atividades regulares do
festejo
Haacute humildade privileacutegios de almas puras que os anjos cultivam nesta Val
quero tecirc-la como tu bem a tiveste sendo meu fanal
(Refratildeo)
Vecirc teus filhos na tormenta desta vida Benedito laacute no seu trono de luz roga a Deus uma benccedilatildeo bem fecunda ao paiacutes da santa cruz
Deus altiacutessimo no ceacuteu te resplandece povo humilde nesta terra te bendiz
manifesta-se em cantos de louvor gente bem feliz Glorifico nesta hora e para sempre o teu nome excelso em cada geraccedilatildeo
manso e puro como tu Satildeo Benedito quero ser cristatildeo
Tu que vives laacute perto do nosso Deus ensinai-nos a praticar o amor para que tambeacutem conquistemos os ceacuteus com todo ardor
Fortifica-nos em nossa caminhada para um Reino de verdade e de paz con-
fiantes esperamos tua ajuda que tudo nos faz (Manoel Miranda Liberalino
Miranda Joatildeo Fillion Marlina Miranda)
Com efeito caberia tambeacutem destacar a importacircncia de outro festival que tem lugar no
Bairro de Satildeo Benedito Trata-se do Festival de Carro de boi que eacute realizado no mecircs de no-
vembro exatamente no Dia Nacional da Consciecircncia Negra A histoacuteria do festival tem iniacutecio
no ano de 2011 por iniciativa da Associaccedilatildeo de Moradores de Rio de Pedra e o Instituto Ne-
gro Cosme Maria de Nazareacute que eacute uma das organizadoras narra que o festival tem uma his-
toacuteria bastante interessante
26 Marlina Miranda eacute uma professora aposentada que reside no bairro de Satildeo Benedito filho do muacutesico cururu-
puense Manoel Miranda eacute pesquisadora de cultura popular compositora e foliatilde eacute a guardiatilde dos antigos blocos de
mulheres haacute 16 anos comanda o Bloco de Mulheres ldquoCOMO ANTIGAMENTErdquo no carnaval de Cururupu
(MARLINA MIRANDA 2019)
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De acordo com a informante quando da visita de um pesquisador que estudava as co-
munidades quilombolas e que achou muito bonito o som que era emitido pelas rodas dos car-
ros de boi quando estas estavam em movimento este propocircs agrave comunidade que realizassem
alguma atividade para evidenciar aquele som e aquele haacutebito cultural Segundo argumento
aleacutem do som os carros de boi eram sinal de uma resistecircncia que mereceria ser celebrada em
um festival
Imagem 11- Festival do Carro de Boi na Praccedila Satildeo Benedito CururupuMA
Fontelthttpcururupumagovbrnoticiax-encontro-de-carro-de-bois-cortejo-
acontece- neste-domingo282 gt Acesso em 10 de mar 2019
Ainda conforme nossa informante logo no iniacutecio o evento foi realizado no bairro do
Armazeacutem (Praccedila Guarani) o que ela considera natildeo ter tido o objetivo esperado Jaacute no ano se-
guinte ele foi transferido para a Praccedila de Satildeo Benedito ganhando o status que tem hoje O
evento acontece em trecircs dias Uma semana antes da culminacircncia satildeo realizadas atividades de
Accedilatildeo Social Durante essa atividade os organizadores providenciam uma equipe de meacutedicos e
enfermeiros para realizar diferentes atividades como afericcedilatildeo da pressatildeo e testes laboratoriais
raacutepidos Aleacutem disso na abertura da festividade eacute realizada a missa dos quilombos Poreacutem
para Maria de Nazareacute essa missa acaba por natildeo ter o mesmo puacuteblico esperado das missas tra-
dicionais visto que parece haver resistecircncia por parte de uma parcela da comunidade que natildeo
aceitam a missa aos moldes como se apresentam Por fim encerra afirmando que
Pra noacutes comeccedilarmos essa missa tivemos que recorrer a Meridelma
que faz parte da igreja pra nos ajudar a organizar a missa na igreja
mas mesmo assim ainda tem resistecircncia de alguns membros Eles vatildeo
100
ter que se acostumar porque o santo eacute negro e a missa eacute pra negro
que eles queiram ou natildeo noacutes vamos resistir noacutes temos que mostrar
nossa cultura (MARIA DE NAZAREacute 2019)
Na programaccedilatildeo haacute uma noite cultural com demonstraccedilatildeo de manifestaccedilotildees afro e ao
final a realizaccedilatildeo do Concurso Beleza Negra Mirim No terceiro dia logo pela manhatilde eacute ofere-
cido um cafeacute da manhatilde partilhado em que as comunidades contribuem com uma iguaria da
sua produccedilatildeo Atualmente o cafeacute eacute servido em dois extremos da cidade um no bairro de Ro-
dagem no Siacutetio Pascoal e outro no bairro de Pitombeira A culminacircncia acontece com a saiacuteda
dos dois cortejos com os carros se encontrando no bairro Rodagem onde inicia o cortejo pelas
ruas de Cururupu guiadas por grupos de tambor de crioula
Nesse Festival o cortejo eacute composto da seguinte forma carro cantador carro original
com as seacutebias27
e carro ornamentado com elementos da roccedila Ao final do evento satildeo entregues
trofeacuteus e certificados aos participantes Ressalta-se que dentro do contexto histoacuterico dos feste-
jos realizados no bairro de Satildeo Benedito haacute uma participaccedilatildeo efetiva dos devotos cada um
com suas proacuteprias peculiaridades Outro aspecto a ser destacado aleacutem da forte presenccedila da
comunidade eacute que esses festejos conferem lugar especial agrave presenccedila dos siacutembolos negros
Quer dizer aleacutem de alimentarem devoccedilotildees e ofertarem diversatildeo aos seus fieacuteis e participantes
dando mostras do caraacuteter intrinsecamente sincreacutetico das festas populares eles tambeacutem const i-
tuem iniciativas que contribuem para a valorizaccedilatildeo da memoacuteria dos legados e valores associ-
ados agrave populaccedilatildeo negra e sua ancestralidade
Quer dizer seria questionaacutevel perceber nesses eventos somente o seu cunho festivo
propriamente dito Eacute notoacuteria a presenccedila da busca de atividades que reverenciem a resistecircncia
do povo negro ao longo da histoacuteria bem como o papel devotado dos envolvidos em trabalhar a
questatildeo poliacutetica como forma de evidenciar o papel do movimento negro Maria de Nazareacute ao
se referir sobre os caminhos que o Festival deve traccedilar argumenta que a pretensatildeo eacute que esses
movimentos cheguem agraves escolas fazendo parte do calendaacuterio como uma atividade que agrega
valores agrave comunidade e sobretudo resgata a ancestralidade da formaccedilatildeo do povo cururupuen-
se No tocante a isto percebemos a importacircncia dos festejos e das histoacuterias vivenciadas no
bairro como uma construccedilatildeo de identidades compartilhadas a partir das quais esses sujeitos
organizam formas de demarcar os espaccedilos como possiacuteveis de reaver as contribuiccedilotildees das po-
pulaccedilotildees ali envolvidas na formataccedilatildeo da sociedade cururupuense inserindo nisto a participa-
27 Trama de vara e cipoacute feita para colocar do lado da mesa do carro auxiliando na proteccedilatildeo dos materiais ali
alojados atualmente as seacutebias satildeo feitas de ripas com prego no Festival de Carro de Boi o criteacuterio satildeo seacutebias
artesanais feitas em material bruto
101
ccedilatildeo dos diferentes povos que contribuem para esta organizaccedilatildeo observamos nestes eventos
uma convivecircncia nas relaccedilotildees que aproximam os envolvidos numa construccedilatildeo de parcerias
43 Histoacuterias de terreiros terrenos de memoacuterias e de histoacuterias
A finalidade principal deste toacutepico eacute descrever e apresentar algumas das histoacuterias
de pais e matildees de santo que aceitou nos dar entrevistas e cujos terreiros situam-se em torno
do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda Essas entrevistas foram realizadas em tom de
bastante receptividade muito embora as respostas obtidas tenham sido bastante tiacutemidas Seja
como a despeito do caraacuteter conciso das respostas e daquilo que eacute suscetiacutevel de ser discutido
aqui ainda assim suas histoacuterias ajudam a compreender parte da histoacuteria do local e das rela-
ccedilotildees entre terreiros e escolas A compreensatildeo disso eacute tanto mais importante quanto se sabe
que a escola se encontra em uma situaccedilatildeo limiacutetrofe com diversos terreiros o que poderia fa-
vorecer uma aproximaccedilatildeo entre esses espaccedilos e seus processos educativos Abaixo segue um
mapa em que indicamos os terreiros que existem proacuteximos ao estabelecimento de ensino
Imagem 12- Terreiros do Bairro de Satildeo Benedito
Fonte Google Maps 2019
Apresentamos uma lista dos terreiros e dos quarto altares que circundam o Centro de
Ensino Joatildeo Marques Miranda e seus dirigentes Em boa medida satildeo esses espaccedilos e suas
atividades que dinamizam o calendaacuterio afro-religioso cururupuense
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01 Terreiro Pingo Drsquoaacutegua28
- Matildee de Santo Isabel Mineira (in memoriam)
Travessa Vilela de Abreu sn
02 Quarto altar- Pai de Santo Fracircncio Jacircnio Veras-Travessa Coelho Neto nordm
53
03 Terreiro Pai Joaquim de Angola- Pai de Santo Luiacutes Afonso-Travessa
Satildeo Joseacute nordm 01
04 Terreiro Santo Antonio-Matildee de Santo Maria Bebo Soeira 29
(in memori-
am) Rua Dr Laacutezaro Ramos snordm
05 Terreiro Santa Baacuterbara- Pai de Santo Edimir Mota- Rua Clodoaldo Ri-
beiro nordm- 39
06 Terreiro Santa Baacuterbara- Matildee de Santo Edina Pires- Rua Joatildeo Miranda
nordm 245
07 Quarto altar- Pai de Santo Deiran- Rua Joaquim Reis nordm 38
08 Terreiro Santa Luzia- Matildee de Santo Faacutetima Cordeiro-Travessa Satildeo Joseacute
nordm 207
09 Terreiro Santa Baacuterbara- Matildee de Santo Valdelina-Travessa Coelho Neto
nordm 74
10 Quarto altar- Pai de Santo Daacuterio-Rua General Osoacuterio nordm 250
11 Quarto altar- Pai de Santo Sebastiatildeo Conde- Travessa Satildeo Joseacute nordm 43
12 Terreiro Satildeo Sebastiatildeo - Pai de Santo Jorge de Abdias- Rua Celso Fari-
as nordm247
13 Terreiro Deus eacute quem Guia - Pai de Santo Joseacute Maria Ramos-Rua Joatildeo-
zinho Reis nordm316
14 Quarto altar- Iniciada Tereza Cadete Rua-Joaquim Reis nordm 33
28 O Terreio Pingo drsquoagua considerado o primeiro terreiro de Tambor de Mina em Cururupu fundado na deacutecada
de 1920 o terreiro era uma construccedilatildeo em forma de navio em homenagem ao seu guia Marinheiro nos dias de toque era iccedilada a bandeira nas cores azul e branco marcando o inicio das festividades em homenagem aos vo-
duns guias e caboclos da casa (FERRETI M 2015 p168) A menccedilatildeo ao Terreiro Pingo drsquoaacutegua se deu por conta
dos relatos que coletamos dos entrevistados a dirigente que faleceu na deacutecada de noventa faz parte do repertoacuterio
de memoacuterias do bairro portanto achamos importante a alusatildeo muito embora merecida independente dos relatos
pois acreditamos tratar-se de uma grande referecircncia para os cultos afro-cururupuense 29 Maria Bebo Soeira ou simplesmente Maria Bebinha foi uma importante e conhecida matildee de santo do bairro de
Satildeo Benedito seu terreiro era bem proacuteximo ao cemiteacuterio municipal Maria Bebinha era muito procurada por suas
praticas de cura os entrevistados a lembram com grande reverecircncia como uma das matildees de santo que contribui
para difusatildeo da religiatildeo na cidade Falecida em 2016 Maria de Bebinha eacute na memoacuteria da populaccedilatildeo local uma
grande referecircncia por sua enorme contribuiccedilatildeo acreditamos que se faz necessaacuterio uma alusatildeo ao legado que
ajudou a construir como Matildee de Santo isto em favor da religiatildeo afro-cururupuense
103
Para explorar parte dessa histoacuteria natildeo poderiacuteamos fazer isso sem recorrer agrave histoacuteria da
mais influente matildee de santo de Cururupu a qual teve uma geraccedilatildeo de filhos e filhas de santo
que ajudaram a difundir o culto no municiacutepio Na sua trajetoacuteria como matildee de santo em quase
68 anos de dedicaccedilatildeo a religiatildeo africana a fez ser considerada como a maior matildee de santo de
Cururupu como assim eacute relembrada pelos pais e matildees de santos as quais entrevistamos Era
devota de Santa Rosa de Lima e juntamente com a ajuda de filhos e colaboradores realizava
no mecircs de agosto uma festa em homenagem a Santa O Festejo acontecia em trecircs dias com
levantamento de mastro toque aos deuses e nele a devota recebia a entidade Rosinha filha
caccedilula de Rainha Rosa e da famiacutelia de Leacutegua Bogi (FERRETI M 2015 p169)
Sua ligaccedilatildeo com a santa se deu por ocasiatildeo de uma promessa feita Como relatado agrave
Mundicarmo Ferretti (2015) na conversa disse que se atendida andaria de joelho e levantaria
uma irmandade para festejaacute-la Para cumprir com a segunda parte da promessa trabalhou mui-
to (FERRETI M 2015 p 170) Apoacutes todo esse esforccedilo finalmente abriu deu terreiro e a par-
tir de entatildeo nunca mais parou com a devoccedilatildeo e os cultos as entidades Vale ressaltar que aleacutem
de mineira ela foi tambeacutem parteira realizando mais de 6000 mil partos No carnaval ela in-
centiva a um bloco chamado ldquoBaralhordquo em que as participantes usavam maacutescaras Em 1995
foi homenageada pelo Bloco Afro Omniraacute Isabel Mineira faleceu aos 90 anos deixando um
legado aos cultos africanos em Cururupu
Imagem 13- Matildee de Santo Isabel Mineira em toque de Mina CururupuMA
Fonte Arquivo da Famiacutelia
104
Fracircncio Jacircnio da Silva Veras eacute natural de Cururupu nascido em 11 de novembro de
1983 na ilha de Guajerutiua Atualmente eacute o Secretaacuterio de Cultura de Cururupu e ao longo de
sua gestatildeo tem desenvolvido trabalhos junto com os pais e matildees de santos do municiacutepio Jaacute
realizou vaacuterios eventos enfocando as religiotildees africanas Sua residecircncia estaacute localizada na
Travessa Coelho Neto nordm 53 bairro Satildeo Benedito Seu contato com as entidades comeccedilou
muito cedo quando ainda tinha trecircs anos de idade Nessa eacutepoca morava na ilha de Guajerutiua
Ele relata que sempre que passava por peacutes de cajueiro sentia uma energia que ateacute entatildeo natildeo
sabia explicar mas sentia alguma forma de atraccedilatildeo
O pai de santo narra que sua relaccedilatildeo vem de seu avocirc o senhor Olegaacuterio que era reno-
mado vidente da cidade A seu respeito conta que tinha uma notaacutevel habilidade para perceber
as mais diversas situaccedilotildees nas pessoas a exemplo de casos de doenccedila que precisam de trata-
mento antes mesmo da doenccedila se manifestar Sua famiacutelia era de maioria evangeacutelica por isso
encontrou dificuldades para solucionar suas possessotildees quando jovem Em nossa entrevista
ele narrou que sua avoacute o levava para os cultos evangeacutelicos mas ele natildeo gostava e entatildeo co-
meccedilava a puxar sua saia e chorar Neste intervalo passavam pelo anajaacute que o deixava de so-
breaviso por conta da energia que este transmitia sempre que passava por ele
Imagem 14- Pai de Santo Fracircncio Jacircnio da Silva Veras CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
Foi em Cururupu que frequentou o seu primeiro terreiro o de Faacutetima Cadete sendo
que sua primeira feitura foi realizada por ela Mesmo assim soacute teve seu trabalho definitivo aos
18 anos quando a matildee de santo Deusonete se propocircs a realizar seu trabalho sem cobrar nada
105
Como nos descreve tem como guia de frente Raio de Sol como contra guia Joseacute Toacuteia Tupi-
nambaacute caboclo farrista o marinheiro Mariano e a cabocla Mariana Com a vivecircncia atual-
mente tornou-se pai de santo com jaacute cinco filhos de santo preparados
Fracircncio frequentou a escola Joatildeo Marques Miranda tendo cursado o ensino fundamen-
tal menor nesse estabelecimento Desse periacuteodo relata inuacutemeros casos de possessatildeo que pre-
senciou na escola Sua explicaccedilatildeo semelhante agrave dos professores do estabelecimento ressalta
que essa frequecircncia se deu por conta da construccedilatildeo da escola sem que fosse solicitada a auto-
rizaccedilatildeo dos encantados que ali habitavam Quando perguntado sobre como a escola deveria
trabalhar as religiotildees de matriz africana o pai de santo foi bem enfaacutetico ao falar que
A religiatildeo que realmente predomina em Cururupu eacute a religiatildeo africa-
na as pessoas quando perguntada qual sua religiatildeo eles sempre res-
pondem catoacutelica no entanto todo catoacutelico tambeacutem frequenta os ter-
reiros muitos natildeo assume por vergonha a pessoa vai uma vez agrave igre-
ja e no terreiro vai mais de uma vez na semana os problemas espiri-
tuais satildeo resolvidos nos terreiros e natildeo e na igreja portanto satildeo mais
umbandista Com relaccedilatildeo agrave escola tanto os terreiros como a escola
deveriam orientar as pessoas a seguir a religiatildeo acredito que falta
comunicaccedilatildeo os pais de santo precisam mudar a maneira como apre-
sentam o ritual muitas vezes quando vamos a um terreiro para um
culto nos deparamos com sangue animais mortos isto atrapalha a
pessoa a se identificar na religiatildeo acredito que aleacutem da doutrina os
pais de santo deviam criar sua doutrina tambeacutem para repassar a seus
disciacutepulos como forma de que saibam divulgar a religiatildeo de maneira
correta e natildeo com essa visatildeo deturpada que se apresenta na cidade
Nos terreiros tambeacutem se ensina como ser boa pessoa como tratar os
outros isto que o que pretendo assim que levantar meu barracatildeo
(Fracircncio Jacircnio da Silva Veras Pai de Santo entrevista coletada em 25
de janeiro de 2019)
Luiacutes Afonso Silva Azevedo nasceu em Cururupu na Santa Casa de Misericoacuterdia em
fevereiro de 1965 eacute gecircmeo com seu irmatildeo Afonso Luiacutes que tambeacutem eacute pai de Santo no muni-
ciacutepio de Serrano do Maranhatildeo cidade que fica a 32 km de Cururupu Morou em Guajerutiua
por alguns anos ateacute mudar-se para o estado do Paraacute onde se fundamentou ainda mais nos pre-
ceitos da religiatildeo Seu contato com os encantados acorreu muito cedo dentro do ciacuterculo fami-
liar Como destaca seu viacutenculo com a mina se deu em parte porque havia uma tia proacutexima que
era mineira Sua matildee de Santo foi Sebastiana Chaves (Ceceacute) afamada vidente e curandeira de
Areia Branca quem o iniciou na linha de cura com o pai de Santo o senhor Jaime quem o que
introduziu no tambor de mina por isso se considera mineirocurador
106
Imagem 15ndash Pai de Santo Luiacutes Afonso Silva Azevedo Cururupu- MA
Fonte Arquivo pessoal
Seu terreiro fica localizado agrave Rua Satildeo Joseacute ndeg 01 Bairro de Satildeo Benedito a uma qua-
dra de escola Joatildeo Marques Miranda O nome de sua casa eacute uma homenagem a seu patratildeo Pai
Joaquim de Angola primeira entidade a baixar na sua cabeccedila Tem como guia o caboclo Cea-
rense contra guia Dona Jarina e como caboclo farrista Zeacute Raimundo O pai de santo relata
que por algumas vezes foi convocado pela professora Floranilde Silva ao Centro de Ensino
Joatildeo Marques Miranda para ajudaacute-la a resolver problemas de possessatildeo em alunos diz que
sempre que era solicitado ele estava disposto a atender pois sabia da espiritualidade presente
naquele local O terreiro do senhor Luiacutes Afonso realiza toques aos encantados e festejo ao
dono de sua cabeccedila Pai Joaquim de Angola aleacutem de ministrar consultas agraves pessoas que o pro-
curam em busca de conforto espiritual
Quando questionado sobre a discriminaccedilatildeo que passam as religiotildees de matriz africana
disse que
A cidade precisa fundar uma associaccedilatildeo de umbandista para que
possa nos orientar casos de discriminaccedilatildeo Isso tambeacutem se vecirc na es-
cola a meu ver a escola natildeo tem religiatildeo acho que todo mundo tem o
direito de escolher qual religiatildeo quer seguir mas que precisa de um
educador para explicar como funciona a religiatildeo de culto afro brasi-
leiro os pais de santo precisam se unir mais (Pai de Santo Luiacutes
Afonso Silva Azevedo entrevista coletada em 30 de janeiro de 2019)
Edmir Pires Mota por seu turno tem sessenta e cinco anos de idade e nasceu em 1953
no interior chamado Barracatildeo hoje municiacutepio de Serrano do Maranhatildeo Haacute trinta e sete anos
107
na religiatildeo afro se diz curador e mineiro Teve sua cabeccedila feita aos vinte e seis anos pelo seu
pai de santo Jaime Seu barracatildeo estaacute localizado na Travessa Clodoaldo bairro de Satildeo Bene-
dito nordm 39 bem proacuteximo ao cemiteacuterio municipal com o nome de Terreiro de Santa Baacuterbara
Imagem 16ndash Pai de Santo Edimir Pires Mota incorporado com o caboclo
Pequeninho em trabalho de cura CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
A trajetoacuteria de vida religiosa de Seu Edmir natildeo se difere da maioria dos pajeacutes que acei-
taram conversar conosco Antes de aceitar a sua obrigaccedilatildeo como mineiro sofreu com vaacuterios
tipos de doenccedilas Rejeitava ter esse dom tinha vergonha das pessoas Soacute aceitou quando fez
sua iniciaccedilatildeo e percebeu que tinha que aceitar os seus guias ldquoEu natildeo tive outra soluccedilatildeo taacute
veno E aiacute quando eles chegaram foi com tudo de uma vez natildeo teve como me livrarrdquo (SIL-
VA 2016) Mediante a sua narrativa Seu Edmir esclarece que ou aceitava ser pajeacute ou assumi-
ria as consequecircncias Negar seus guias seria sofrer na vida Assumindo ser pajeacute Seu Edmir se
firmou na terra e natildeo teve as perturbaccedilotildees que sofria antes de se iniciar Na cura seus guias
satildeo Piquinininho como chefe Dadinho como seu contra guia aleacutem desses dois recebe ainda
Caboclo Ubirajara Pinaguarema Joatildeo de Una
O calendaacuterio de festividades do terreiro eacute bem diversificado Seu Edmir Mota rea-
liza festa de aniversaacuterio para seu guia no mecircs de julho para Piquinininho e no mecircs de de-
zembro para Dadinho aleacutem das festas de obrigaccedilotildees para outras entidades A festa do mecircs de
108
dezembro aleacutem de ser uma festa de aniversaacuterio do caboclo Dadinho eacute destinada tambeacutem a
Nossa Senhora da Guia (SILVA 2016) Essa festa comeccedila no dia 2 e se estende ateacute 4 de de-
zembro com toque de caixa em homenagem ao Divino Espiacuterito Santo
Quando perguntado sobre a relaccedilatildeo entre o Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda e
os terreiros que ficam proacuteximos disse que constantemente recebe visitas de pessoas da escola
soacute que natildeo entram muito no assunto De maneira geral em suas proacuteprias palavras acredita
que as pessoas que estatildeo na escola ldquotem medo de tambor de mina muitos sabem que sofrem
de encantados mais evitam vir aos terreiros e que agraves vezes essa vergonha atrapalha a vida
da pessoa que taacute sofrendo e natildeo procura recursordquo
Com 83 anos e a 73 no Tambor de Mina Edna Pires inicia nossa conversa com uma
afirmaccedilatildeo que considera importante para registro ldquonasci na mina e vou morrer na mina des-
sa religiatildeo ningueacutem me tira fiel ateacute morrerrdquo Matildee Edna Pires nasceu a 20 de maio de 1936 e
comanda o Terreiro Santa Baacuterbara localizado no Bairro de Satildeo Benedito situado agrave Rua Joatildeo
Miranda nordm 245 Eacute o terreiro mais antigo em atividade no bairro ainda bastante luacutecida dona
Edna nos relatou que comeccedilou bobar como costuma dizer quando ainda tinha nove anos de
idade no povoado Bacabal ao vir para sede do municiacutepio foi iniciada no toque por Isabel Mi-
neira isto na deacutecada de 1940 Sobre essa experiecircncia ela relata que ajudava minha velha nos
trabalhos de cura e nos festejos que ela fazia ldquoAprendi muita coisa com ela a respeitar as
entidades por isso que ainda estou viva ateacute hojerdquo Na paacutegina seguinte temos uma imagem da
matildee de santo
Imagem 17 Matildee de Santo Edna Pires CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
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Matildee Edna ou simplesmente ldquoMaedinardquo como eacute carinhosamente chamada no bairro re-
alizava os festejos de Santa Baacuterbara no periacuteodo 02 a 06 de dezembro com ladainhas toques e
festa danccedilante enquanto seu filho que tambeacutem era mineiro era vivo Atualmente realiza ape-
nas toques de obrigaccedilatildeo Dona Eacutedna Pires diz que sempre eacute visitada por evangeacutelicos que ten-
tam convencecirc-la a entrar na crenccedila mas ela diz que a religiatildeo que ela segue ajuda muita gente
por isso natildeo teria razotildees para mudar Relata ainda que mesmo com a idade jaacute avanccedilada ainda
realiza trabalhos de cura em sua casa onde sempre recebe visitas de populares que precisam
de seus cuidados Entre os diversos terreiros do bairro o seu eacute o uacutenico registrado na Federa-
ccedilatildeo de Umbanda e Cultos Afro-brasileiros O terreiro estaacute localizado a uma quadra da escola
Joatildeo Marques Miranda
Quando perguntada se jaacute houve algum tipo de contato com a escola Dona Edna rela-
tou que certa vez foi convocada a ajudar uma pessoa que estava com problemas espirituais
mas que isto foi haacute muito tempo quando era soacute ela que tinha terreiro ali proacuteximo Agora jaacute
tem um monte de terreiros perto da escola conclui
O Terreiro de Santa Luzia eacute o mais proacuteximo da escola Joatildeo Marques Miranda locali-
zada na Travessa Satildeo Joseacute canto com o Centro de Ensino (Travessa Satildeo Joseacute nordm 207) Agrave fren-
te da casa de culto encontra-se Matildee Faacutetima das Graccedilas Cadete do caboclo Manezinho mineira
nascida em 1950
Imagem 18- Matildee de Santo Faacutetima das Graccedilas Cadete Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
110
Seu contato com os ldquoinvisiacuteveisrdquo como ela costuma dizer comeccedilou quando ainda tinha
quatorze anos Conforme nos conta sempre aconteciam coisas estranhas com ela nesse periacuteo-
do agraves vezes se deparava debaixo da cama e as pessoas a aconselhavam a procurar um pai de
santo e que deveria seguir seu dom mas sempre relutava ateacute que comeccedilou a ficar aleijada
Diz que apanhou muito baque ateacute desenvolver sua mediunidade Como prossegue em seu
relato Faacutetima jaacute preparou muitos filhos de santo
Sobre as relaccedilotildees entre terreiro e escola ela nos relatou que no tempo da professora Flo-
ranilde Silva sempre era procurada para aliviar incorporaccedilotildees de espiacuteritos na escola Pergun-
tada se aleacutem disso havia algum outro tipo de contato respondeu que soacute a procuravam quan-
do apareciam esses problemas Mas de maneira geral mesmo quando havia festejos promo-
vidos pelo barracatildeo que empregavam sonorizaccedilatildeo mecacircnica entrava-se em um acordo com a
direccedilatildeo dado as boas relaccedilotildees que mantinham
Joseacute Maria Ramos por seu turno se define como mineiro curador e ainda afirma que as
maiorias dos pais de santo de Cururupu assim o satildeo Nascido em 1954 desde os 15 anos de
idade informa ter comeccedilado o festejo ao santo que ateacute hoje eacute devoto Satildeo Sebastiatildeo Desde laacute
como enfatiza nunca mais parou com cinquenta e seis anos de feitura no santo
Imagem 19 ndash Pai de Santo Joseacute Maria Ramos Cururupu- MA
Fonte Arquivo Pessoal
111
Seu primeiro contato com as entidades foi quando ainda tinha cinco anos de idade
Nesse tempo desenvolveu sua espiritualidade indo procurar um pai de santo quando fez dez
anos Tem como guia de frente Tombasseacute de Oliveira Seus pais de santo foram Fernando do
Barreto e Margarida Mota Aleacutem dos festejos da casa o Terreiro Deus eacute quem Guia localiza-
do a Rua Joatildeozinho Reis nordm 316 realiza outros festejos como o de Santa Luzia Joseacute Maria
atualmente com sessenta e quatro anos se diz um pouco cansado da vida de curador no en-
tanto manteacutem as obrigaccedilotildees em dia Quando perguntado sobre religiatildeo de matriz africana e
escola o pai de santo afirma que
A escola deveria ensinar os alunos sobre as religiotildees mais tambeacutem
existe uma coisa que precisa ser esclarecida assim como a escola en-
sina vaacuterias coisas o aluno a diferenciar os praticantes da religiatildeo
tambeacutem precisam diferenciar quais as religiotildees africanas que existe
pra natildeo confundir e assim facilitar a conversa (Joseacute Maria Ramos
Pai de Santo entrevista coletada em 22 de janeiro de 2019)
A uacuteltima das entrevistadas que aceitou conversar conosco foi Tereza Cadete nascida a
19 de maio de 1955 Sua residecircncia fica localizada agrave Rua Joaquim Reis nordm 33 Bairro de Satildeo
Benedito Conta que teve iniacutecio com os encantados muito cedo mas que natildeo aceitava essa
condiccedilatildeo por causa disto ficou cega vindo ficar boa soacute quando se reatou com as entidades
Imagem 20- Iniciada Tereza CadeteCururupuMA
Fonte Arquivo pessoal
Tereza diz que apenas cumpre com as obrigaccedilotildees para sua entidade Obalouaecirc que rea-
liza no mecircs de dezembro com toque de tambor em sua casa Assim como muitos outros ela
112
possui um quarto-altar onde desenvolve suas atividades espirituais Quando perguntada como
se definia disse que apenas danccedila com seu pai de santo Edimir e que natildeo se considera propri-
amente uma matildee de santo e nem gostaria de ser pois sabe que eacute uma responsabilidade muita
grande Concluindo que natildeo se acha preparada enfatiza ldquoos pais de santo tem que cumprir
com os calendaacuterios de toquesrdquo Indagada quanto agrave religiatildeo e escola a Tereza disse que ldquoNa
escola os cultos sofrem muita discriminaccedilatildeo tanto de alunos como professoresrdquo Mencionou
por fim que no coleacutegio da baixa30
sempre acontece casos de incorporaccedilatildeo alegando a mesma
histoacuteria que o local tem dono por isso das constantes possessotildees nas pessoas
30 A denominaccedilatildeo ldquoescola da baixardquo tem relaccedilatildeo pela localidade do terreno que fica em uma parte baixa do bair-
ro de Satildeo Benedito antes da construccedilatildeo da escola havia naquele local uma lagoa com grande proporccedilotildees de aacutegua
por conta da chuva esse reservatoacuterio demorava algum tempo para secar Como o local fica localizado jaacute proacuteximo
do mangue ficou conhecido como escola da baixa
113
CAPIacuteTULO 5 - OFICINAS PEDAGOacuteGICAS E A HISTOacuteRIA E CULTURA AFRO-
BRASILEIRA
Para nossa pesquisa tatildeo importante quanto compreender parte da histoacuteria do local de
suas lideranccedilas e a perspectiva que tecircm sobre o papel da escola eacute pensar em propostas de
oficinas pedagoacutegicas para serem empregadas no estabelecimento de ensino em pauta Se esse
material segue em anexo gostaria nesse espaccedilo de descrever como foram realizadas essas
oficinas e como pude oferecer minha contribuiccedilatildeo para rediscussatildeo das relaccedilotildees entre esses
espaccedilos Na sequecircncia descrevo duas das oficinas que aplicamos junto aos estudantes e por
uacuteltimo uma das oficinas que realizamos com os professores O relato dessa experiencia eacute
tomado aqui para compreender algumas das nossas escolhas metodoloacutegicas na construccedilatildeo do
produto final
Comeccedilo pela Oficina de Histoacuteria da Aacutefrica aplicada no dia 07 de novembro de 2018
para alunos do 3ordm ano na disciplina Histoacuteria no Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda Par-
ticiparam dessa atividade 21 estudantes A oficina buscou compreender quais as visotildees que os
discentes possuiacuteam sobre a Aacutefrica Os relatos apresentados foram ao encontro das diversas
pesquisas que jaacute evidenciaram a visatildeo negativa sobre o continente africano ou simplesmente o
desconhecimento Em certa medida natildeo havia aqui muita surpresa visto que pelas respostas
dadas ao questionaacuterio esses mesmos estudantes sequer conseguem captar a forccedila e a impor-
tacircncia do legado cultural afro-brasileiro no contexto local Embora esse desconhecimento jaacute
pudesse ser previsiacutevel eacute preciso destacar tambeacutem o interesse e curiosidade que foi sendo des-
pertado ao longo da execuccedilatildeo da atividade
A dinacircmica adotada para apresentaccedilatildeo da temaacutetica foi agrave utilizaccedilatildeo de imagens das di-
versas representaccedilotildees sobre o continente africano Pretendeu-se suscitar nos alunos quais
imagens conseguiam identificar e relacionar com outras que jaacute haviam observados em outros
locais Na ocasiatildeo dois alunos externaram suas visotildees as quais merecem registro O primeiro
se identificou como filho de santo e que jaacute tinha ouvido algumas histoacuterias sobre a Aacutefrica con-
tadas verbalmente por sua matildee Lembrou-se de histoacuterias sobre como vieram para o Brasil das
lutas e desafios enfrentados A visatildeo do segundo no entanto era bem distinta Sempre tinha
ouvido falar da fome e miseacuteria e que seria um lugar amaldiccediloado por Deus
Agrave medida que apresentaacutevamos informaccedilotildees que mostravam a realidade africana de
uma oacutetica mais positiva sobretudo com foco na organizaccedilatildeo cultural e poliacutetica dos seus dife-
rentes povos percebia a reaccedilatildeo de total estranheza e ateacute mesmo de incompreensatildeo Tudo
ocorria como se aquela imagem da Aacutefrica como um espaccedilo geograacutefico diversificado comple-
114
xo e dinacircmico destoasse de qualquer coisa jaacute ouvida mesmo em se tratando dos mais propen-
sos a ter uma visatildeo positiva sobre o continente Vale lembrar que muitas das imagens apresen-
tadas foram retiradas de livros didaacuteticos o que foi concebido como um expediente para facili-
tar o acesso agraves informaccedilotildees A proposta em sequecircncia era perceber quais paiacuteses eles conheci-
am como pertencentes ao continente Ora natildeo fosse talvez a Copa do Mundo como lembrado
em tom de brincadeira por um dos estudantes para a maior parte deles a Aacutefrica era apenas um
paiacutes gigantesco
Nessas oficinas em certa medida era possiacutevel identificar como a escola vinha traba-
lhando o tema em sala Vaacuterios dos alunos comentaram que muito raramente os professores
das disciplinas desenvolviam conteuacutedos voltados para essa temaacutetica Perguntados se tinham
interesse em conhecer mais sobre o tema responderam que seria muito interessante uma vez
que satildeo conscientes de sua descendecircncia africana Com a aplicaccedilatildeo das atividades inferimos
que haacute um interesse dos alunos no entanto a escola possui pouco embasamento para trabalhar
com este tipo de conteuacutedo
Aplicamos uma atividade em equipes contendo imagens sobre o continente e pedimos
que escrevessem a impressatildeo que tinham a partir da oficina Dos relatos colhidos destaco
aqui o do estudante Leandro de Oliveira e Maria Monteiro que registrou o seguinte
O continente africano eacute o segundo maior do mundo e tambeacutem muito
rico apesar de muitos paiacuteses terem roubado ouro diamantes entre ou-
tras riquezas A cultura dos povos africanos eacute marcante atraveacutes de
cores fortes e muita alegria O continente africano foi muito explora-
do pelos europeus aleacutem disso foram castigados torturados e outros
mortos por natildeo aceitar aquela situaccedilatildeo de ser escravizado em seu
proacuteprio lugar onde nasceu e cresceu e tambeacutem eacute um paiacutes de muitas
diversidades cores etnias tribos e culturas (Leandro Oliveira e Ma-
ria Monteiro)
A segunda oficina foi Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira a Histoacuteria do Brasil africa-
no vidas para aleacutem dos tambores e da escravidatildeo realizada no dia 14 de dezembro de 2018
para alunos do 2ordm ano O objetivo da atividade era perceber como a cultura afro-brasileira se
formou ao longo da histoacuteria partindo desde o Brasil colonial ateacute os dias atuais e como estas
tradiccedilotildees africanas resistiram ao processo de perseguiccedilatildeo no contexto da cultura
A oficina foi ministrada pelo Professor Especialista Carlos Viana Pimentel (URCA)
Os encaminhamentos apontados levaram os alunos a reconhecer os aspectos pelo quais se deu
a escravizaccedilatildeo de povos africanos no Brasil e como os povos resistiram para manter vivas
suas tradiccedilotildees Logo na sequecircncia procuramos explorar quais as informaccedilotildees possuiacuteam acer-
115
ca das manifestaccedilotildees afro-brasileiras e como compreendiam essas atividades dentro do cenaacute-
rio afro cururupuense Na proporccedilatildeo em que as colocaccedilotildees iam sendo direcionadas os alunos
interagiam demonstrando um certo conhecimento acerca das manifestaccedilotildees e como haviam
conhecido essas praacuteticas Em certa medida essa inciativa mostrou-se mais eficiente para cap-
tar algumas percepccedilotildees mais refinadas dos estudantes quando comparado com os achados dos
questionaacuterios aplicados
Dessa maneira o que conseguimos captar foi que a maioria dos alunos jaacute participou ou
participam de alguma forma de atividades festivas ou mesmo como integrantes de cultos afro-
brasileiros Outro aspecto positivo acerca da atividade foi o fato de que os estudantes afirma-
ram ter obtido uma visatildeo mais ampla sobre as tradiccedilotildees afro-brasileiras e suas lutas Um dos
estudantes destacou por exemplo que esses temas eram parte da histoacuteria dos seus antepassa-
dos e que deveriam ter maior destaque dentro da escola Na condiccedilatildeo de ministradores da ofi-
cina tanto eu quanto o Prof Carlos Viana Pimentel avaliamos como muito positiva a ativida-
de muito embora tenhamos a contiacutenua sensaccedilatildeo de que embora a abordagem dessas temaacuteticas
seja bem recebida sua realizaccedilatildeo de maneira esporaacutedica e pontual encontra-se muito aqueacutem
do tipo de inserccedilatildeo que se pretende valorizar aqui
Enquanto as oficinas aplicadas aos estudantes tiveram essa tonalidade geral gostaria
de destacar a oficina destinada aos professores abordou os antecedentes que levaram a pro-
mulgaccedilatildeo da Lei 106392003 O foco dessa atividade era apresentar alguns elementos que
poderiam auxiliar na introduccedilatildeo da histoacuteria e da cultura afro-brasileira em sala de aula ofere-
cendo aos docentes os aportes que sentimos falta quando da aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios ex-
plorados no capiacutetulo 2
Iniciamos por discorrer sobre a resistecircncia negra desde o periacuteodo colonial com as rebe-
liotildees coordenadas por grandes quantidades de negros que natildeo aceitavam tal condiccedilatildeo Esses
movimentos abriram portas para que pudeacutessemos ver os aspectos negativos da escravidatildeo as
puniccedilotildees e castigos realizados e o lugar que essa instituiccedilatildeo tinha como estruturadora de nos-
sas relaccedilotildees de sociabilidade Na permanecircncia discorremos sobre como as formas de resis-
tecircncia adotadas por esses movimentos constituem exemplos concretos da agecircncia negra for-
necendo pela renovaccedilatildeo da historiografia os aportes para que tenhamos outra visatildeo sobre a
participaccedilatildeo poliacutetica dos negros
Na sequecircncia enfatizamos como no processo de formaccedilatildeo de nossa sociedade e iden-
tidade sociocultural as contribuiccedilotildees africanas e afro-brasileiras foram fundamentais para a
constituiccedilatildeo da naccedilatildeo e o quanto isso deveria ensejar um ensino pautado pela valorizaccedilatildeo da
116
diversidade Tratou-se em todos os momentos de enfatizar a riqueza eacutetnica do paiacutes e nossos
inegaacuteveis e indissoluacuteveis viacutenculos Particular importacircncia foi dada agrave descriccedilatildeo das histoacuterias de
vida de pais de santo que habitavam proacuteximos agrave escola e sobre a necessidade de desenvolver-
mos estrateacutegias de aproximaccedilatildeo pedagogicamente concebidas Tudo isso com o fito de refor-
ccedilar o papel da educaccedilatildeo e particularmente do trabalho realizado em sala de aula para o fomen-
to ao respeito toleracircncia e agrave convivecircncia paciacutefica entre as diferentes culturas que estatildeo na
base de nossa formaccedilatildeo
Quando passamos para a discussatildeo coletiva os professores apontaram para uma defi-
ciecircncia em suas formaccedilotildees acadecircmicas pois encontravam dificuldades para a inserccedilatildeo ade-
quada desses temas em sala de aula A carecircncia de materiais foi destacada como um dos prin-
cipais obstaacuteculos Da mesma forma de maneira um tanto quanto reticente pareceu-me haver
nas entrelinhas certo temor quanto ao debate desses temas em salas de aula notadamente pela
possibilidade de que viessem a ser acusados de proselitismo ou tatildeo somente de que desviavam
o assunto para temas natildeo pertinentes Se por um lado todos estatildeo convictos da importacircncia
desse tema o que constitui no final das contas uma resposta esquiva quanto a qualquer acusa-
ccedilatildeo de que natildeo valorizam esses temas a disposiccedilatildeo concreta para essa inserccedilatildeo (o que requisi-
taria a revisatildeo das posturas pedagoacutegicas o investimento em formaccedilatildeo e o desenvolvimento de
outras estrateacutegias para a sala de aula) natildeo se encontra na mesma medida Longe estamos de
responsabilizaacute-los sozinhos por essa inclusatildeo dado que compreendemos tambeacutem as dificul-
dades concretas de o fazer Eu mesmo num passado recente estava nessa mesma condiccedilatildeo
Poreacutem isto natildeo impede de constatarmos o caraacuteter meramente ornamental com que o discurso
sobre a diferenccedila eacute incorporado entre noacutes Desse acircngulo o descompasso natildeo eacute somente entre
o texto legal e a realidade das culturas escolar brasileiras ele se aloja tambeacutem na distinccedilatildeo
entre aquilo que eacute dito e reconhecido e aquilo que eacute efetivamente feito e realizado Sem qual-
quer pretensatildeo de resolver a essa questatildeo o produto que apresentamos constitui uma maneira
necessariamente limitada mas individual para contribuir para a diminuiccedilatildeo dessa distacircncia
117
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As atuais relaccedilotildees pelas quais passam escola e sociedade eacute objeto de estudo de vaacuterios
campos de conhecimento principalmente no que diz respeito ao conviacutevio dos diversos grupos
que formatam a escola com isto sua relaccedilatildeo com as praacuteticas culturais que ensejam esses ato-
res A escola eacute o espaccedilo onde se estreita relaccedilotildees mas tambeacutem eacute um ambiente de exclusatildeo no
entanto eacute no interior da instituiccedilatildeo que se percebe os meandros de como a escola pode contri-
buir para a aproximaccedilatildeo desses elementos neste aspecto
O cenaacuterio em que se desenvolvem essas relaccedilotildees de convivecircncia todavia tecircm afastado
debates que possam agregar as relaccedilotildees de pertencimento as diferentes crenccedilas que carregam
esses sujeitos e permeiam estes espaccedilos em diferentes estruturas para a qual se destinam as
escolhas religiosas sobretudo estudos que faccedilam repensar estudos sobre Aacutefrica e suas inuacuteme-
ras formas de compreender a religiatildeo neste vieacutes discorrer sobre sua contribuiccedilatildeo para a for-
maccedilatildeo da cultura afro-brasileira Eacute no bojo dos estudos sobre Aacutefrica que percebemos a relaccedilatildeo
intriacutenseca do povo africano com a religiatildeo e seus deuses
Os aspectos apresentados levaram a compreender que as instituiccedilotildees com suas diferen-
tes formas de conduzirem suas didaacuteticas nos leva a crer que este distanciamento tem ligaccedilotildees
diretas com a educaccedilatildeo adotada que privilegia determinadas setores da sociedade em detri-
mento de outros A escola eacute por natureza o espaccedilo onde deveria ocorrer essa socializaccedilatildeo de
saberes e nessas trocas o enraizamento do respeito agraves crenccedilas que ainda natildeo estatildeo inseridas
nos debates curriculares
Quanto agrave praacutetica do ensino nas escolas estas natildeo levam em conta o cotidiano dos alu-
nos tendo em vista maior aproveitamento das experiecircncias a que satildeo submetidos esses ele-
mentos a escola ainda trata os conteuacutedos claacutessicos como uacutenicos e intocaacuteveis A experiecircncia
vivida no movimento negro levou a perceber o distanciamento entre escola e terreiros de reli-
giatildeo de matriz africana isto fez com que despertasse o interesse em compreender as relaccedilotildees
que satildeo estabelecidas entre essas redes de ensino
No que diz respeito ao ensino de histoacuteria ainda prevalece uma praacutetica que trabalha de
maneira bastante verticalizada os conteuacutedos que tratam sobre religiatildeo privilegiando unica-
mente uma religiatildeo o que tem distanciado os grupos que praticam os cultos de matriz africana
que natildeo se sentem incluiacutedos no processo Os terreiros asseguram estarem abertos aos debates
para que haja uma aproximaccedilatildeo e com isto possam enraizar laccedilos que levem as dinacircmicas
desenvolvidas nos terreiros a fim de reverberar a laicidade no espaccedilo escolar
118
Partindo da experiecircncia no Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda escola que em
seu entorno concentra 14 terreiros de religiatildeo de matriz africana concomitante com debates no
movimento negro e disciplinas no mestrado Este trabalho se propocircs a analisar as abordagens
que professores alunos e sacerdotes possuem sobre a relaccedilatildeo terreiros e escolas como forma
de refletir sobre estrateacutegias teoacutericos-metodoloacutegicos que podem amenizar o distanciamento
existente nestas relaccedilotildees de convivecircncia nestes espaccedilos a fim de que os atores envolvidos pos-
sam dialogar na equidade dentro do ambiente escolar e com isso aproximar as experiecircncias do
que eacute aprendido no cotidiano dos discentes ao conhecimento repassado na escola como forma
de materializar um debate sobre religiatildeo
Para tanto acredita-se que a metodologia para alcanccedilar tal objetivo seja a implementa-
ccedilatildeo da Lei 106392003 que trata do Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-brasileira e Africana
nas escolas como forma de introduzir conteuacutedos que reverberem sobre esses temas auxiliando
no processo ensino-aprendizagem promovendo a mediaccedilatildeo neste processo
Assim foram elaboradas as oficinas ldquoDA ESCOLA PARA OS TERREIROSrdquo Ofici-
nas para trabalhar a Histoacuteria Cultura e Religiatildeo Afro-Brasileira no espaccedilo escolar que apre-
senta conteuacutedos referentes agraves manifestaccedilotildees culturais africanas afro-brasileira religiatildeo e mi-
tos Aleacutem das imagens demonstradas o material eacute constituiacutedo de propostas de oficinas para
que alunos possam exercitar informaccedilotildees jaacute adquiridas em outros espaccedilos ou mesmo na escola
sobre os temas apresentados
A proposta do material desenvolvido neste trabalho natildeo pretende em momento algum
sanar as lacunas existentes nas relaccedilotildees entre estas instituiccedilotildees de ensino mas pode ser uma
tentativa de promover debates concernentes ao tema em salas de aula na disciplina Histoacuteria
sobre a realidade dos aspectos que envolvem esse tema e com isto conduzir os alunos a pensa-
rem como professarem sua feacute no espaccedilo escolar
No mais objetiva inserir meacutetodos de como introduzir conceitos sobre religiatildeo de ma-
triz africana natildeo como simples exigecircncia ao ritual pedagoacutegico mas como uma forma de tratar
as vivecircncias desses sujeitos em trocas a serem aplicadas no cotidiano escolar incorporando um
comportamento mais edificado na praacutetica aos cultos afros
Por fim acredita-se que o ambiente escolar seja sim este espaccedilo de promoccedilatildeo da
equidade com base na educaccedilatildeo com seu caraacuteter formador de opiniotildees que busca acima de
tudo superar a subtraccedilatildeo dessas crenccedilas no curriacuteculo escolar e naturalizando essas praacuteticas
sem o efeito da dominaccedilatildeo mas sim privilegiando o respeito a diversidade religiosa ali exis-
tente
119
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127
APEcircNDICES
128
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHAtildeO
PROGRAMA DE POacuteS ndash GRADUACcedilAtildeO EM HISTOacuteRIA MESTRADO PROFISSIONAL
ndash PPGHIS
MESTRANDO JEcircIBEL MAacuteRCIO PIRES CARVALHO ndash e-mail dicarva-
lho36hotmailcom
QUESTIONAacuteRIO PARA OS ESTUDANTES
Prezado Estudante
Sob
re v
ocecirc e
a e
scola
Qual a sua idade ________
Vocecirc nasceu em que CidadeEstado _____________________________
Qual o seu sexo ( ) Masculino ( ) Feminino
Qual a sua cor _____________________________________
Vocecirc eacute ( ) Solteiro(a) ( ) Casado(a) ( ) Vive junto ( ) DivorciadoSeparado ( ) viuacutevo(a)
Vocecirc tem filho(s)( ) Sim ( ) Natildeo Em caso afirmativo quantos _______
Vocecirc trabalha( ) Sim ( ) Natildeo
Em caso afirmativo com que idade comeccedilou a trabalhar ________ E qual a sua profissatildeo ________________________
Vocecirc jaacute teve alguma reprovaccedilatildeo na escola ao longo de sua vida ( ) Sim ( ) Natildeo
Vocecirc gosta de vir pra escola( ) sim ( ) Sim mas depende da atividade ( ) Sim mas eacute muito cansativo ( ) Natildeo ( ) Natildeo ela se tornou muito difiacutecil ( ) Natildeo Se pudesse nem viria
Vocecirc se considera um bom estudante( ) Sim ( ) Natildeo
Por quecirc ___________________________________________________________________________
O que vocecirc quer ser Qual a profissatildeo que vocecirc planeja exercer no futuro
_________________________________________________________________________________
129
Sob
re s
eus
pais e
famiacutelia
Qual a escolaridade do seu pai
( ) nunca estudou ( )fundamental menor ( ) Fundamental maior ( ) Ensino Meacutedio ( ) Ensino superior
Qual a profissatildeoocupaccedilatildeo do seu pai __________________________
Qual a escolaridade da sua matildee
( ) nunca estudou ( )fundamental menor ( ) Fundamental maior ( ) Ensino Meacutedio ( ) Ensino superior
Qual a profissatildeoocupaccedilatildeo de sua matildee __________________________
Vocecirc(s) mora(m) em que bairro de Cururupu ____________________________________
Somando todas as rendas da sua famiacutelia vocecircs alcanccedilam
( ) Ateacute 1 salaacuterio miacutenimo ( ) de 2 a 3 salaacuterios miacutenimos ( ) de 3 a 6 salaacuterios
130
Sob
re s
er
negro
(a)
Vocecirc se considera negro (a) ( ) Sim ( ) Natildeo
Explique por que __________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
Em sua opiniatildeo existe alguma diferenccedila entre ser jovem negro(a) e ser jovem branco(a) para vocecirc
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
O que eacute bom em ser jovem e negro (a) em sua opiniatildeo
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
O que eacute ruim em ser jovem e negro (a) em sua opiniatildeo
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
Vocecirc jaacute vivenciou ou conhece algueacutem que sofreu preconceito racial ( ) Sim ( ) Natildeo
Em caso afirmativo onde ocorreu _______________________________________
Frente a uma situaccedilatildeo de racismo sofrida por algueacutem o que vocecirc faria
( ) Vocecirc tentar intervir ( ) Vocecirc se indigna mas fica calada ( ) Vocecirc natildeo se importa pois natildeo foi com vocecirc
( ) Natildeo sabe
Vocecirc jaacute presenciou algum conflito na escola devido a preconceitos ou questotildees raciais ( ) Sim ( ) Natildeo
O que o correu ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Vocecirc jaacute debateu esse tema (racismo preconceito discriminaccedilatildeo intoleracirccia) na escola
( )sempre ( ) de vez em quando ( ) raramente ( ) nunca
Vocecirc jaacute debateu sobre religiotildees afro-brasileiras na escola (candombleacute mina pajeacute umbanda tecircrecocirc etc)
( ) sempre ( ) de vez em quando ( ) raramente ( ) nunca
131
Esc
ola e
religiotildees
afr
o-bra
sileiras
Pra vocecirc o que eacute uma religiatildeo
Qual religiatildeo vocecirc se identifica
Vocecirc tem conhecimento de quais religiotildees satildeo praticadas em Cururupu
Pra vocecirc a escola valoriza a cultura e as religiotildees dos diversos grupos eacutetnico-raciais que compotildeem a sociedade brasileira
Como vocecirc acha que deveria que a escola deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo
Jaacute ouviu falar sobre religiotildees de matriz africana ou afro-brasileiras Quais
Frequentou ou frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana aqui na cidade Se sim em qual bairro
Vocecirc conhece algum terreiro de religiatildeo de matriz africana que se localiza proacuteximo ao Centro de Ensi-no Joatildeo Marques Miranda
Jaacute participou de algum festejo em terreiros de religiatildeo africana
A escola jaacute promoveu alguma atividade que estimulasse o diaacutelogo e a reflexatildeo sobre os terreiros da-qui
Vocecirc acha que a escola e terreiro deveriam desenvolver atividades que fortalecessem esses laccedilos Por quecirc
Vocecirc acha que as religiotildees de matriz africana sofrem discriminaccedilatildeo na escola
Vocecirc jaacute presenciou alguma praacutetica de discriminaccedilatildeo contra membros das religiotildees afros na escola Como se deu esse acontecimento
Conhece ou jaacute ouviu falar de algum pai ou matildee de santo que residem no entorno da escola
132
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHAtildeO
PROGRAMA DE POacuteS ndash GRADUACcedilAtildeO EM HISTOacuteRIA MESTRADO
PROFISSIONAL ndash PPGHIS
MESTRANDO JEcircIBEL MAacuteRCIO PIRES CARVALHO ndash e-mail di-
carvalho36hotmailcom (98) 98434-3856
QUESTIONAacuteRIO PARA PROFESSORES
Prezado Professor
O questionaacuterio que segue eacute parte da pesquisa de campo que estou realizando no Mestrado em
Histoacuteria da Universidade Estadual do Maranhatildeo-UEMA sob orientaccedilatildeo do professor Dr
Wheriston Silva Neacuteris Desde jaacute agradeccedilo sua colaboraccedilatildeo
Sob
re v
ocecirc e
a e
scola
Nome_______________________________Idade________________________________
Bairro_______________________________ Local de Nascimento___________________
Grau de instruccedilatildeo ( ) Magisteacuterio ( ) Superior
Aacuterea de formaccedilatildeo___________________________________________________________
Instituiccedilatildeo de formaccedilatildeo______________________________________________________
Ocupaccedilatildeo Profissional______________________________________________________
Disciplina que leciona na escola________________________________________________
A disciplina que leciona_____________________________________________________
Quantos anos trabalha como professor__________________________________________
Quanto tempo trabalha na escola_____________________________________________
Jaacute trabalhou com outra disciplina que natildeo fosse sua aacuterea de formaccedilatildeo_________________________ -
Qual sua cor___________
133
Sob
re r
eligiatildeo
Como define religiatildeo______________________________________________
Vocecirc tem alguma religiatildeo especiacutefica ( ) sim ( ) natildeo
Em caso afirmativo qual____________________________________________
Tendo uma religiatildeo especifica vocecirc participa das atividades_____________________
De quais atividades participa_______________________
Conhece algum tipo religiatildeo de matriz africana _____________________________
Jaacute participou de alguma atividade em cultos de religiatildeo de matriz africana______________
Vocecirc considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cultos de matriz africana em Cururupu
Considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cultos de matriz africana nas escolas Justifique
Nas escolas considera que os cultos africanos sofrem discriminaccedilatildeo________________________
134
Sob
re r
eligiatildeo
e p
raacutetica
pedagoacuteg
ica
A escola desenvolve atividades que falam das denominaccedilotildees religiosas praticadas em Cururupu
Como satildeo feitas essas abordagens
Haacute uma lei trata do Ensino de Aacutefrica e Cultura Afro-Brasileira tem conhecimento dessa Lei
Tem conhecimento sobre a Lei 106392003 Ensino de Aacutefrica e Cultura Afro-Brasileira se positivo
como conheceu a Lei caso natildeo conheccedila teria interesse em conhececirc-la
Tem acesso a materiais sobre Aacutefrica e Cultura Afro-Brasileira na escola ou fora dela
A data alusiva agrave comunidade negra como a escola tem trabalhado os temas sobre a populaccedilatildeo
negra
Como tem administrado as discussotildees sobre religiatildeo africana em sala de aula quando estas
acontecem
135
Esc
ola e
religiotildees
afr
o-bra
sileiras
Pra vocecirc a escola valoriza a cultura e as religiotildees dos diversos grupos eacutetnicos-raciais que compotildeem
a sociedade brasileira
Como vocecirc acha que a escola deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo no espaccedilo escolar
Frequentou ou frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana aqui na cidade Se sim
em qual bairro Como foi a experiecircncia
Jaacute participou de algum festejo em terreiros de religiatildeo de matriz africana
A escola jaacute promoveu alguma atividade que estimulasse o diaacutelogo e a reflexatildeo sobre os terreiros
daqui
Vocecirc acha que escola e terreiro deveriam desenvolver atividades que fortalecessem esses laccedilos
Por quecirc
Vocecirc jaacute presenciou alguma praacutetica de discriminaccedilatildeo contra membros das religiotildees afros na
escola Como se deu esse acontecimento
Conhece ou jaacute ouviu falar de algum pai ou matildee de santo que residem proacuteximo da escola qual
o nome
A escola jaacute fez alguma atividade com os terreiros proacuteximos da escola
O que acha que deveria ser feito para que debates mais contiacutenuos acontecessem na escola
sobre as religiotildees de matriz africana
136
137
138
Dedico este trabalho a minha matildee Mirtes
Pires Carvalho pela dedicaccedilatildeo a um anjo de pele preta que apareceu em
minha vida Joseacute Parece Nunes (in memori-
am) e a meu grande amor Jouberth Reis Sil-va (in memoriam)
AGRADECIMENTOS
Foi quando aprendi a fazer conta de subtraccedilatildeo para achar a idade que vi as maravi-
lhas que a educaccedilatildeo pode possibilitar a um indiviacuteduo Ainda nas seacuteries iniciais percebi que a
educaccedilatildeo poderia mudar minha vida Mais uma etapa se encerra houve muitas renuacutencias para
que pudesse realizar este trabalho Foram dois anos de muito aprendizado e um incansaacutevel
mundo de descobertas neste estaacutegio de minha formaccedilatildeo para tanto algumas pessoas foram
importantes para esta conquista
Assim comeccedilo agradecendo agrave minha matildee mulher dedicada e saacutebia com quem aprendi
que ldquoQuando se tem muito se come muito quando se tem pouco se come pouco quando natildeo
se tem nada natildeo se come nada mas natildeo se abaixa a cabeccedila e se vive com dignidaderdquo Ouvi
esta frase por anos em nossa educaccedilatildeo em meio aos insignificantes recursos inclusive de ali-
mentaccedilatildeo mas que me deu forccedila para seguir
Agradeccedilo tambeacutem a meu padrasto Joseacute Parece (in memoriam) que surgiu em minha
vida no dia e na hora certa para me oferecer o que mais me fazia falta comida Foi por isso
tambeacutem que cheguei aqui
Agraves minhas irmatildes Wiara Nunes pelo apoio nos momentos que mais precisei e pela de-
dicaccedilatildeo em cuidar da nossa matildee e agrave Hildna Adeacutelia pelo amor e apoio constante Agrave toda minha
famiacutelia meu muito obrigado
Aos amigos o grandessiacutessimo Nonato Macedo pela forccedila sem sua fidelidade e genero-
sidade natildeo teria conseguido chegar ateacute aqui obrigado quando agrave eacutepoca do seletivo do mestrado
no qual concorriacuteamos e com uma atitude digna dos grandes seres iluminados proferiu a frase
que marcou a minha vida ldquoJaacute estou de idade taacute aqui minhas apostilas estude passe e seja
mestre Vocecirc merecerdquo Nonato obrigado meu amigo Meu muito obrigado tambeacutem a Mozart
que quando eu trilhava o bairro inteiro com o intuito de economizar na passagem generosa-
mente dizia ldquoNatildeo faccedila mais isto para de andar quando precisar de dinheiro de passagem me
diz que te dourdquo Sou agradecido pelo acolhimento em sua casa A Valdenilton pela atenccedilatildeo e
zelo a mim prestada sempre que estou em Satildeo Luiacutes Todos vocecircs contribuiacuteram imensamente
para esse processo
Aos meus tios Israel Pires pela hospedagem carinho e conversas repletas de co-
nhecimentos ao Tio Milton Pires pela ajuda constante que me direciona Agrave outra pessoa
igualmente relevante para esse processo Regina Brito Costa grato pelos bilhetes de autoriza-
ccedilatildeo agrave eacutepoca da CNEC quando dos enormes atrasos nas mensalidades
Agrave Jorlidalva pelo apoio incondicional essa mulher com um coraccedilatildeo gigante que me
reergueu quando havia perdido o interesse pela profissatildeo
Agrave Marileide pela sensibilidade e apoio junto a Secretaria de Educaccedilatildeo de Serrano do
Maranhatildeo que permitiu que iniciasse o mestrado
Ao Secretaacuterio Carlos Pinheiro pela coragem em assumir o compromisso em permitir
que eu concluiacutesse o mestrado
ldquoAgraveS REISrdquo Ana Maria Alessandra Alexandro Rosana Tatiana Dilla Mayara
Mendes Ronald e a todos que formam essa famiacutelia esplecircndida da qual me orgulho de ter em
meu conviacutevio muito obrigado
A negra mais espetacular que conheci Juacutelia Reis (in memoriam) que me orgulho de
chamaacute-la de matildee pela generosidade respeito inteligecircncia carinho com que tratava o ser hu-
mano e por ter feito de sua vida e sua casa a filosofia ubuntu
Agrave minha pequena notaacutevel Tatiana Reis por me inspirar e possibilitar seu conviacutevio pe-
los livros emprestados que deram base agrave minha pesquisa e pelo apoio incondicional Faltam
palavras para externar o imenso carinho e admiraccedilatildeo que tenho por ti
Ao grande amor da minha vida que cedo partiu deixando um vazio imenso Jouberth
Reis Silva (in memoriam) pelo zelo e carinho que me dedicavas
Agradeccedilo agrave Alzenira Pestana pelo esforccedilo em providenciar meu diploma do Magisteacute-
rio para que eu pudesse entrar na Universidade
Ao meu grande amigo Joseacute Maria Marques pelo tratamento e por ter dividido comigo
a cena mais heroica de minha vida estudantil ao tempo da extinta CNEC quando com meses
de atraso e impossibilitados de entrar prendemos os braccedilos do porteiro para entrarmos e mos-
trarmos que com todo fardo das dificuldades financeiras queriacuteamos estudar fato que fomos
convidados a se retirar de sala e sermos aplaudidos pelos alunos Zeacute muito obrigado
Ao Professor Joseacute Francisco Pestana e a Izabel Nogueira pela quitaccedilatildeo das mensalida-
des muito obrigado
Ao Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda pelo acolhimento da minha pesquisa
Aos pais de santos pela atenccedilatildeo e consideraccedilatildeo em relatar suas histoacuterias e abrir suas
casas para as entrevistas
Agrave Mocircnica Picollo pela eficiente conduccedilatildeo do Programa e atenccedilatildeo a mim direcionada
Admiraccedilatildeo eacute o que melhor explica nossa relaccedilatildeo muito obrigado
Agraves professoras Ana Liacutevia Bomfim pela inspiraccedilatildeo como profissional pela frase que me
fez crer que tudo eacute possiacutevel ldquoNatildeo naturalize nada em sua vidardquo frase que veio como um man-
tra agrave Sandra Regina pelas aulas inspiradoras e cheias de sorrisos e Milena Galdez pelo espe-
taacuteculo de pessoa e pelas enormes contribuiccedilotildees que me que ajudaram a confirmar a possibili-
dade de debates entre as religiotildees muito obrigado
Agrave Diretora do Centro de Ensino Profordf Joana Batista Dias Josilene Conde Marina Bra-
ga pela compreensatildeo nas minhas ausecircncias Aos amigos Carlos Pimentel e Marcos Soares
pela ajuda na minha ausecircncia na escola do estado obrigado Ao Professor Noir Santos Pro-
fessor Jornandes e Alexandre Miranda Aos amigos Leandro Seacutergio Ederlon Mariano e An-
tonilson pela ajuda ao meu primo Leandro Lima pelo carinho Ao companheiro Joatildeo Barros
por ser sempre solicito a Osmilda Neovaldo Ana Isabel Aldo Guedes e a Raimunda e Neti-
nho Oliveira
Ao meu eterno Professor Luiacutes Claudio pelo incentivo e por matar minha fome nas ho-
ras que me faltavam muitiacutessimo obrigado
Ao grupo de jovem JAF onde muito aprendi e convivi com pessoas maravilhosas ao
grupo OMNIRAacute pelas oportunidades em mostrar meu lado artiacutestico
Aos meus colegas de mestrado foi uma experiecircncia que jamais irei esquecer a Renata
pela constante atenccedilatildeo Amanda Jeacutessica Mayara Adriana Jeferson Tereza Edilene Cirila
Gustavo Lara Drielle Diego Laiana Cleidiane MUITO OBRIGADO
Agradeccedilo imensamente ao Professor Wheriston Silva Neris pelo compromisso com a
pesquisa a atenccedilatildeo e zelo como me orientou sabendo das dificuldades que tinha a sua humil-
dade seu talento em conduzir minhas duacutevidas com muito respeito e humanidade sua orienta-
ccedilatildeo me mostrou que podemos ir bem longe quando somos bem conduzidos e foi isto que sua
intelectualidade me mostrou Quando o vi em Bacabal em 2014 palestrando foi quiacutemica agrave
primeira vista o destino me possibilitou que o tivesse como orientador sou muito grato por ter
dividido com vocecirc essa etapa da minha vida palavras satildeo poucas para externar o enorme ca-
rinho respeito admiraccedilatildeo e gratidatildeo que tenho Obrigado por tudo pelo universo que colo-
castes em minhas matildeos MUITO OBRIGADO
Quando o Sol
Se derramar em toda sua essecircncia
Desafiando o poder da ciecircncia
Pra combater o mal
E o mar
Com suas aacuteguas bravias
Levar consigo o poacute dos nossos dias
Vai ser um bom sinal
Os palaacutecios vatildeo desabar
Sob a forccedila de um temporal
E os ventos vatildeo sufocar o barulho infernal
Os homens vatildeo se rebelar
Dessa farsa descomunal
Vai voltar tudo ao seu lugar
Afinal
Vai resplandecer
Uma chuva de prata do ceacuteu vai descer la la la
O esplendor da mata vai renascer
E o ar de novo vai ser natural
Vai florir
Cada grande cidade o mato vai cobrir ocirc ocirc
Das ruiacutenas um novo povo vai surgir
E vai cantar afinal
As pragas e as ervas daninhas
As armas e os homens de mal
Vatildeo desaparecer nas cinzas de um carnaval
(Clara Nunes- As Forccedilas da Natureza)
RESUMO
O objetivo deste trabalho eacute discutir as relaccedilotildees entre instituiccedilotildees escolares e religiotildees afro-
brasileiras tomando como unidade empiacuterica de anaacutelise um contexto relacional representado
pelo Bairro de Satildeo Benedito localizado na periferia da cidade de Cururupu-Maranhatildeo Trata-
se aqui de colocar sob foco as interfaces cruzamentos de espaccedilos e diaacutelogos possiacuteveis entre o
Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda e os 14 terreiros existentes que circundam a escola
Metodologicamente a pesquisa busca combinar diferentes estrateacutegias tais como a aplicaccedilatildeo
de questionaacuterios e a realizaccedilatildeo de entrevistas temaacuteticas com (ex) gestores professores e dis-
centes e lideranccedilas religiosas de terreiros atuantes nesse mesmo bairro Em um momento no
qual o tratamento da questatildeo da diferenccedila e da cultura em meios educacionais tem entrado na
pauta do dia produzindo impactos e novos desafios para os profissionais do espaccedilo escolar
buscamos natildeo somente suscitar a criacutetica reflexiva sobre as formas de preconceito e estigmati-
zaccedilatildeo ainda em voga como tambeacutem explorar experimentalmente vias de diaacutelogos entre atores
tatildeo proacuteximos geograacutefica e simbolicamente mas ao mesmo tempo tatildeo distantes em termos de
conhecimento e reconhecimento Para tanto propusemos a realizaccedilatildeo de Oficinas como lugar
coletivo para aproximaccedilatildeo debate e diaacutelogo a partir do proacuteprio contexto em pauta entendido
enquanto meio para gerar novas praacuteticas para o ensino de Histoacuteria e a aquisiccedilatildeo de competecircn-
cias ciacutevicas importantes para a cidadania e respeito agrave diferenccedila A experiecircncia resultante da
execuccedilatildeo dessa proposta de intervenccedilatildeo pedagoacutegica foi condensada no produto apresentado
em anexo constituindo uma forma de contribuiccedilatildeo aplicada dessa dissertaccedilatildeo
Palavras-Chave Escola Religiotildees Afro-brasileiras Cultura Oficinas
ABSTRACT
The objective of this work is to discuss the relations between school institutions and Afro-
Brazilian religions taking as an empirical unit of analysis a relational context represented by
the District of Satildeo Benedito located in the outskirts of the city of Cururupu-Maranhatildeo The
focus here is on the interfaces crossings of spaces and possible dialogues between the Joatildeo
Marques Miranda Teaching Center and the 14 existing terreiros that surround the school
Methodologically the research seeks to combine different strategies such as the application
of questionnaires and thematic interviews with (ex) managers professors and students and
religious leaders from terreiros operating in the same neighborhood At a moment in which
the treatment of the issue of difference and culture in educational media has entered the agen-
da of the day producing impacts and new challenges for the professionals of the school space
we seek not only to provoke the reflexive criticism about the forms of preconception and
stigmatization still in vogue as well as tentatively exploring ways of dialogue between actors
so closely geographically and symbolically but at the same time so far apart in terms of
knowledge and recognition In order to do so we proposed the realization of workshops as a
collective place to approach debate and dialogue from the context in question understood as
a means to generate new practices for the teaching of History and the acquisition of important
civic competences for the citizenship and respect to the difference The experience resulting
from the implementation of this pedagogical intervention proposal was condensed into the
final product presented in the annex constituting a form of applied contribution of this disser-
tation
Keywords School Afro-Brazilian religions Culture Offices
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Imagem1- Desfile da Unidos de Vila Isabel44
Imagem 2- Marcha Zumbi dos Palmares47
Imagem 3- Fachada do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda61
Imagem 4- Joatildeo Marques Miranda62
Imagem 5- Profordf Floranilde Dias da Silva81
Imagem 6- Profordf Deacuterika Sandriane da Silva Maia83
Imagem 7- Profordm Eacutelcio Silva 84
Imagem 8- Profordf Raimunda Nonata86
Imagem 9- Matildee de Santo Maria Clara Cunha 87
Imagem 10- Mapa do Bairro de Satildeo Benedito96
Imagem 11- Festival de Carro de Boi99
Imagem 12- Terreiros do bairro de Satildeo Benedito101
Imagem 13- Isabel Mineira (in memoriam) 103
Imagem 14- Pai de Santo Fracircncio Jacircnio Silva Veras 104
Imagem 15- Pai de Santo Luiacutes Afonso Azevedo Silva106
Imagem 16- Pai de Santo Edimir107
Imagem 17- Matildee de Santo Edna Pires 108
Imagem 18- Matildee de Santo Faacutetima Cadete109
Imagem 19- Pai de Santo Joseacute Maria Ramos110
Imagem 20- Iniciada Tereza Cadete111
LISTA DE SIGLAS
CBPE- Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
CCE- Conselho Estadual de Educaccedilatildeo
CEERSEMA- Centro Ecumecircnico de Estudos Religiosos Superiores do Maranhatildeo
CMF- Comissatildeo Maranhense de Folclore
CNE- Conselho Nacional de Educaccedilatildeo
EJA- Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos
FNB- Frente Negra Brasileira
FUNASA ndash Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede
GCNC- Grupo de Consciecircncia Negra de Cururupu
GEAR- Grupo de Estudos Andreacute Rebouccedilas
GTI- Grupo de Trabalho Interministerial
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IPCN- Instituto de Pesquisas de Cultura Negra
JAF- Jovens Armas do Futuro
MEC-Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura
MNU- Movimento Negro Unificado
PCNrsquos- Paracircmetros Curriculares Nacionais
SECAD- Secretaria de Educaccedilatildeo a Distacircncia Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade
SECNEB- Sociedade de Estudos de Cultura Negra no Brasil
SINBA- Sociedade de Intercacircmbio Brasil Aacutefrica
UEMA- Universidade Estadual do Maranhatildeo
LISTA DE GRAacuteFICOS
Graacutefico 01- Vocecirc se considera negro65
Graacutefico 02- Vocecirc tem conhecimento de quais religiotildees satildeo praticadas em Cururupu66
Graacutefico 03- Jaacute ouviu falar sobre religiatildeo afro-brasileira67
Graacutefico 04- Frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana na cidade67
Graacutefico 05- Vocecirc conhece algum terreiro de religiatildeo de matriz africana que fica localizada proacuteximo ao
CEJMMiranda68
Graacutefico 06- Conhece algum pai ou matildee de santo que residem proacuteximo da escola69
Graacutefico 07- J aacute participou de algum festejo em terreiro de religiatildeo de matriz africana69
Graacutefico 08- Vocecirc acha que as religiotildees de matriz africana sofrem discriminaccedilatildeo na escola70
Graacutefico 09- Como vocecirc acha que a escola deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo71
Graacutefico 10- Como define religiatildeo73
Graacutefico 11- Conhece alguma religiatildeo de matriz africana74
Graacutefico 12- Jaacute participou de alguma atividade em cultos de matriz africana74
Graacutefico 13- Considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cultos de matriz africana75
Graacutefico 14- Nas escolas considera que os cultos africanos sofrem discriminaccedilatildeo75
Graacutefico 15- A escola desenvolve atividades que falam das denominaccedilotildees religiosas praticadas em
Cururupu Como satildeo feitas essas abordagens 76
Graacutefico 16- Tem conhecimento sobre a Lei 106392003 que trata do Ensino de Histoacuteria da Aacutefrica e
Cultura Afro-brasileira nas escolas77
Graacutefico 17- Tem acesso a materiais sobre Aacutefrica e Cultura Afro-brasileira nas escolas ou fora dela77
Graacutefico 18- As datas alusivas agrave comunidade negra como a escola tecircm trabalhado os temas78
Graacutefico 19- Como tem administrado as discussotildees sobre religiatildeo africana em sala de aula quando
estas acontecem 78
Graacutefico 20- Vocecirc acha que a escola e os terreiros deveriam desenvolver atividades que fortalecessem esses laccedilos Por quecirc78
Graacutefico 21- O que vocecirc acha que deveria ser feito para que debates acerca das religiotildees acontecessem
na escola 79
Graacutefico 22- Conhece pais e matildees de santo que residem proacuteximos da escola80
LISTA DOS TERREIROS
Terreiro 01- Pingo Drsquoaacutegua Matildee Isabel Mineira (in memoriam)
Terreiro 02- Quarto altar Pai Fracircncio Jacircnio Veras
Terreiro 03- Pai Joaquim de Angola Pai Luiacutes Afonso Azevedo
Terreiro 04- Santo Antocircnio Matildee Maria Bebo Soeira (in memoriam)
Terreiro 05- Santa Baacuterbara Pai Edimir Pires Mota
Terreiro 06- Santa Baacuterbara Matildee Edina Pires
Terreiro 07- Quarto altar Pai Deiran
Terreiro 08- Santa Luzia Matildee Faacutetima Cadete
Terreiro 09- Santa Baacuterbara Matildee Valdelina
Terreiro 10- Quarto altar Pai Daacuterio
Terreiro 11- Quarto altar Pai Sebastiatildeo Conde
Terreiro 12- Satildeo Sebastiatildeo Pai Jorge de Abdias
Terreiro 13- Deus eacute quem Guia Pai Joseacute Maria Ramos
Terreiro 14- Quarto altar Iniciada Tereza Cadete
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO18
I -Referenciais de anaacutelise-Antropologia da educaccedilatildeo-repensando a diferenccedila no espaccedilo
escolar 19
II-Formas escolares hegemonicas e culturas escolares
especiacuteficas23
III-Encaminhamentos da pesquisa escolha temaacutetica e a posiccedilatildeo do pesquisador 26
IV- Estrutura do trabalho 28
CAPIacuteTULO 1 - A CULTURA AFRO-BRASILEIRA NOS BANCOS ESCOLARES
Diversidade diferenccedila e Cultura Escolar30
11 A contribuiccedilatildeo da Histoacuteria da Aacutefrica para a humanidade 30
12 A cultura afro-brasileira e o espaccedilo escolar 35
13 As lutas para afirmaccedilatildeo da cultura Afro-Brasileira 40
CAPIacuteTULO 2- RELACcedilOtildeES EacuteTNICO-RACIAIS lutas movimentos e reformas poliacuteticas edu-
cacionais43
CAPIacuteTULO 3 -DA ESCOLA PARA OS TERREIROS Normas experiecircncias e percepccedilotildees sobre
as religiotildees afro-brasileiras53
31 As mutaccedilotildees no curriacuteculo e o desafio de implementaccedilatildeo da Lei 106392003 53
32 Descrevendo a instituiccedilatildeo escolar histoacuterias atores e experiecircncias 60
33 Mapeando as avaliaccedilotildees de discentes e docentes sobre religiotildees afro-brasileiras 63
34 Entrando no mundo dos alunos 64
35 As religiotildees afro-brasileiras entre os docentes 72
36 Experiecircncias e percepccedilotildees de docentes acerca da relaccedilatildeo entre escola e comunidade 80
CAPIacuteTULO 4 - DA COMUNIDADE PARA A ESCOLA histoacuterias percepccedilotildees e experiecircncias de
um diaacutelogo possiacutevel 90
41 Perspectiva de investigaccedilao sobre a histoacuteria e cultura afro-brasileira no
Maranhao92
42 Descrevendo o bairro Satildeo Benedito festas populares e tracircnsitos religiosos 95
43 Histoacuterias de terreiros terrenos de memoacuterias e de histoacuterias101
CAPIacuteTULO 5- OFICINAS PEDAGOacuteGICAS E A HISTOacuteRIA E CULTURA AFRO-
BRASILEIRA 113
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 117
REFEREcircNCIAS 119
APEcircNCICES127
18
INTRODUCcedilAtildeO
Cururupu eacute um municiacutepio localizado no Litoral Ocidental Maranhense composto
em sua maior parte por descendentes de africanos que vieram do antigo Daomeacute1 na Regiatildeo
Ocidental da Aacutefrica Conforme dados do uacuteltimo Censo do IBGE a populaccedilatildeo residente no
municiacutepio concentra-se predominantemente na religiatildeo Catoacutelica seguido de longe pelas de-
nominadas evangeacutelicas Ocorre que embora natildeo sejam apresentados registros de pertencentes
agraves religiotildees afro-brasileiras a cidade eacute conhecida no cenaacuterio estadual como terra de grandes
pais e matildees de santo Atualmente Cururupu possui uma grande quantidade de terreiros na
sede havendo bairros que contam com aproximadamente cinco a sete casas de cultos aos ori-
xaacutes voduns e caboclos2 De maneira geral esses terreiros estatildeo localizados em aacutereas afastadas
e perifeacutericas do municiacutepio para onde afluem os praticantes e admiradores nas muacuteltiplas oca-
siotildees e ciclos de cerimocircnias e festas aos santos Nessas ocasiotildees participam das muacuteltiplas
atividades ali desenvolvidas com a utilizaccedilatildeo de tambores danccedilas e muacutesicas que fazem parte
da liturgia empregada pelos sacerdotes e sacerdotisas para evocar as divindades
Neste cenaacuterio cabe destacar o Bairro Satildeo Benedito localizado justamente na peri-
feria do referido municiacutepio onde estaacute localizado o Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda
escola da rede estadual selecionada como laboratoacuterio para discutirmos sobre o processo de
integraccedilatildeo da Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africana no cotidiano escolar conforme
respalda a Lei 106392003 Levando em conta que a referida lei foi promulgada haacute uma deacute-
cada e meia o que esteve no ponto de partida deste trabalho foi o desejo de investigar como
uma instituiccedilatildeo escolar e seus atores rodeada por nada menos do que 09 (nove) terreiros3 e 05
quarto altar que lida justamente com o tema da diversidade eacutetnico-religiosa brasileira nota-
damente de matriz afro-brasileira
1 Paiacutes africano de onde vieram escravizados para trabalharem nas fazendas de mandioca accediluacutecar e aguardente de Cururupu Daomeacute eacute atualmente Benim 2 Em Cururupu as casas de cultos as entidades possuem grande quantidade de adeptos que ajudam na organiza-
ccedilatildeo dos festejos Essas comunidades organizadas nos terreiros respeitam um grau de ligaccedilatildeo entre serviccedilos pres-
tados pelo pai de santo ao assistente ou a um membro da famiacutelia deixando um laccedilo de gratidatildeo eacute comum famiacute-
lias inteiras frequentarem os terreiros nas mesmas condiccedilotildees de tarefas 3 Terreiro Pingo Drsquoaacutegua de Matildee Izabel Mineira (in memoriam) Terreiro Santa Baacuterbara do Pai Edmir Mota Ter-
reiro Santa Baacuterbara de Matildee Edna Pires Terreiro de Santa Luzia de Matildee Faacutetima Cadete Terreiro Satildeo Sebastiatildeo
de Pai Jorge de Abdias Terreiro Pai Joaquim de Angola de Pai Luiacutes Quarto-Altar de Pai Daacuterio Quarto-Altar de
Sebastiatildeo Conde Terreiro Santo Antonio de Matildee Maria Bebo Soeira (in memoriam) Quarto-Altar de Pai Dei-
ran Terreiro Deus me Guia de Pai Joseacute Maria Quarto-Altar de Tereza Cadete Quarto-Altar de Pai Fracircncio Ve-
ras Terreiro Santa Baacuterbara de Matildee Valdelina
19
Com efeito o objetivo da presente dissertaccedilatildeo foi analisar a pluralidade de olhares
sobre escolas e terreiros e suas intra e inter-relaccedilotildees tomando como unidade empiacuterica de anaacute-
lise um contexto relacional representado pelo Bairro de Satildeo Benedito localizado na periferia
da cidade de Cururupu- Maranhatildeo Objetivamente trata-se aqui de colocar sob foco as inter-
faces cruzamentos de espaccedilos e diaacutelogos possiacuteveis entre o Centro de Ensino Joatildeo Marques
Miranda e as casas de cultos existentes que circundam a escola Metodologicamente a pes-
quisa busca combinar diferentes estrateacutegias tais como a aplicaccedilatildeo de questionaacuterios de admi-
nistraccedilatildeo direta e a realizaccedilatildeo de entrevistas temaacuteticas com (ex) gestores professores alunos
e lideranccedilas religiosas de terreiros atuantes nesse mesmo bairro O tiacutetulo da presente disserta-
ccedilatildeo ldquoDos terreiros para a escola da escola para os terreirosrdquo claramente inspirado nos traba-
lhos da Antropologia da Educaccedilatildeo notadamente Stela Caputo (2012) e Rachel Rua Baptista
Bakke (2011) entre outros tenta expressar justamente o esforccedilo por problematizar os pontos
de vista de atores sociais que protagonizam as relaccedilotildees entre escola e comunidade em uma
conjuntura histoacuterico-social especiacutefica o que permite situar o foco da presente pesquisa sobre
as interfaces cruzamentos de espaccedilos e co-representaccedilotildees identitaacuterias resultantes de certo
estaacutegio de relaccedilotildees e incompreensotildees entre esses dois universos
I - Referenciais de anaacutelise- Antropologia e Educaccedilatildeo repensando a diferenccedila no espaccedilo
escolar
Dentro da perspectiva analiacutetica adotada neste estudo os principais referenciais pa-
ra discussatildeo sobre como a alteridade tem sido experienciada dentro da escola estatildeo baseados
nos trabalhos situados na fronteira entre Educaccedilatildeo e Antropologia Poreacutem eacute vaacutelido ressaltar
desde jaacute que natildeo se trata aqui exatamente de adentrar nas disputas de fronteiras entre essas
aacutereas mas de tentar situar-se dentro de um conjunto de um campo ainda bastante incipiente e
em processo de consolidaccedilatildeo (GUSMAtildeO 2009)
Eacute nesse sentido que vale agrave pena retomar alguns apontamentos de Amurabi Olivei-
ra (2017) a respeito das interfaces entre Antropologia e Educaccedilatildeo no Brasil O ponto de parti-
da do autor eacute a constataccedilatildeo de que embora se trate de um campo de pesquisas em processo de
consolidaccedilatildeo a introduccedilatildeo da antropologia nas praacuteticas pedagoacutegicas aleacutem de natildeo ser recente
tende a se tornar cada vez mais complexa com o passar do tempo Assim seja atraveacutes da in-
serccedilatildeo da disciplina de Introduccedilatildeo agrave Antropologia Pedagoacutegica no curriacuteculo de escolas nor-
mais antes mesmo da criaccedilatildeo dos primeiros cursos de Ciecircncias Sociais no Brasil seja pela
20
intervenccedilatildeo de antropoacutelogos reconhecidos na formulaccedilatildeo de poliacuteticas educacionais no Brasil ndash
a exemplo de Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro que participaram ativamente do Centro Brasi-
leiro de Pesquisas Educacionais - (CBPE) o que importa reter eacute que as interfaces entre Educa-
ccedilatildeo e Antropologia natildeo constituem aqui um fenocircmeno ineacutedito (OLIVEIRA 2017)
Contudo como explicita o mesmo autor aleacutem do processo de consolidaccedilatildeo insti-
tucional dessas duas aacutereas no Brasil ter reforccedilado o isolamento de ambas a partir da deacutecada de
1970 no caso especiacutefico da Antropologia parece pesar ldquoo fato de que as populaccedilotildees que pre-
dominantemente foram objeto de reflexatildeo por parte dessa ciecircncia soacute paulatinamente tiveram
amplo acesso ao sistema educacional formalrdquo (OLIVEIRA 2017) Dessa forma como des-
creve Neusa Gusmatildeo (2009) o caso eacute que se os estudos antropoloacutegicos sobre a educaccedilatildeo
ganham forccedila a participaccedilatildeo de antropoacutelogos em projetos educacionais e poliacuteticas educativas
tem sido uma constante no Brasil
Em certa medida isso ajuda a explicar o porquecirc da questatildeo da diferenccedila da cultu-
ra e das desigualdades vir sendo inserida na pauta do dia das poliacuteticas nacionais de educaccedilatildeo e
das poliacuteticas de diversidade ndash Leis 1063903 e 1164508 4e das accedilotildees afirmativas no ensino
superior produzindo impactos e novos desafios no espaccedilo escolar brasileiro
Seja como for o que importa destacar com isso eacute que na medida em que essas po-
liacuteticas educacionais colocam como foco central a questatildeo da relaccedilatildeo com a diferenccedila e a ques-
tatildeo da alteridade toca-se diretamente em princiacutepios antropoloacutegicos importantes e necessaacuterios
para uma atitude humanista e problematizadora do espaccedilo escolar Como parte das Ciecircncias
Humanas a Educaccedilatildeo e a Antropologia encontram no estudo do homem em suas diferentes
nuances costumes crenccedilas e haacutebitos a chave para desnaturalizar as visotildees etnocecircntricas para
enfatizar o relativismo a valorizaccedilatildeo da diversidade questotildees essas cada vez mais importan-
tes em nosso tempo e realidade Essa constitui uma das principais contribuiccedilotildees da Antropo-
logia concebida aqui nas palavras de Siqueira (2007) como
O estudo do homem buscando um enfoque totalizador que integre os aspec-
tos culturais e bioloacutegicos no presente e no passado focalizando as relaccedilotildees entre o homem e o meio entre o homem e a cultura e entre o homem com o
homem (SIQUEIRA 2007 p 17)
4 Lei 116452008 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Indiacutegena alterada pela
Lei nordm 9394 de 20 de dezembro de 1996 modificada pela Lei nordm 10639 de 9 de janeiro de 2003 que estabelece
as diretrizes e bases da educaccedilatildeo nacional para incluir no curriacuteculo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da
temaacutetica (DE PAULO 2015 p 69)
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Portanto a Antropologia estuda a diversidade cultural dos povos entrelaccedilando os as-
pectos que contribuiacuteram para a formaccedilatildeo das sociedades como ciecircncia preocupa-se com a
questatildeo das diferenccedilas e busca propor formas de intervenccedilatildeo sobre a realidade papel a que se
dirige qualquer conhecimento produzido a partir das relaccedilotildees entre os homens e o mundo so-
cial criado por eles Neste mundo social a que o autor faz inferecircncia satildeo fartamente observa-
dos os elementos que compotildee as culturas de cada sociedade bem como seus elementos cons-
tituintes
Neste sentido como cultura podemos entender todo tipo de manifestaccedilatildeo social mo-
dos haacutebitos comportamentos rituais crenccedilas mitos e outros aspectos sendo portanto fon-
tes de pesquisa para os estudiosos da antropologia Neste aspecto esta ciecircncia carrega em seu
repertoacuterio conceitual o encadeamento das accedilotildees que envolvem o comportamento humano
bem como sua maneira de desenvolvimento peculiar para a realizaccedilatildeo de atividades que en-
volvam o entendimento das massas em estudos auxiliando em eminentes intervenccedilotildees que
implicam numa compreensatildeo mais proacutexima da realidade bem como os apontamentos de vari-
aacuteveis Para isto
A antropologia como ciecircncia preocupa-se com a questatildeo das diferenccedilas e
busca propor formas de intervenccedilatildeo sobre a realidade papel a que se dirige
qualquer conhecimento produzido a partir das relaccedilotildees entre os homens e o
mundo social criado por eles (GUSMAtildeO 2009 p 54)
Dessa perspectiva a educaccedilatildeo eacute tomada aqui como uma praacutetica reflexiva que se enri-
quece pelas intersecccedilotildees com outras aacutereas do saber no caso a Antropologia Isto eacute se esti-
vermos em condiccedilotildees de entender que a educaccedilatildeo em seu sentido amplo de processo de inte-
graccedilatildeo dos indiviacuteduos agrave sociedade encontra-se no cerne do processo de transmissatildeo das he-
ranccedilas sociais e culturais entre as geraccedilotildees Em suma a educaccedilatildeo particularmente em suas
formas mais institucionais e formalizadas exerce papel central no processo de aprendizado do
ser social
Sobre a questatildeo da diferenccedila eacute vaacutelido ressaltar que as sociedades sobretudo as con-
temporacircneas satildeo compostas por diferentes grupos humanos que deteacutem interesses contrapos-
tos e identidades culturais em conflito Frente a esse quadro a Antropologia tem muito a con-
tribuir visto que oferece aberturas para pensar a relaccedilatildeo com a alteridade e a diferenccedila dado
que o proacuteprio espaccedilo escolar se encontra perpassado pela heterogeneidade Eacute precisamente
nesse sentido que vale acompanhar algumas consideraccedilotildees de Irene Aparecida Aacutevila (2010)
Nilma Lino Gomes (2012) e Vera Maria Ferratildeo Candau (2012) a respeito das dinacircmicas cul-
turais que atravessam e permeiam o espaccedilo escolar
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Segundo Irene Aacutevila (2010) eacute crucial repensar como a composiccedilatildeo social heterogecircnea
na sociedade brasileira se apresenta no espaccedilo escolar entendido como meio necessaacuterio para
trabalhar o direito agrave diferenccedila e agraves competecircncias ciacutevicas de respeito agrave pluralidade de ideias e
culturas
Reconhecer a diferenccedila que existe nos indiviacuteduos e nos grupos passa a ser percebida como direitos correlatos pois a convivecircncia em uma sociedade
democraacutetica depende da aceitaccedilatildeo da ideia de compormos uma totalidade
social heterogecircnea na qual natildeo deve ocorrer a exclusatildeo (AacuteVILA 2010 p
36)
Ao discutir sobre a heterogeneidade social e seus contrapontos a autora parte do pres-
suposto que a formaccedilatildeo brasileira eacute majoritariamente composta por diferentes matrizes eacutetnicas
(o iacutendio nativo o negro escravizado e o branco colonizador) que ao longo da Histoacuteria do Bra-
sil sempre estiveram em disputas pela manutenccedilatildeo de suas raiacutezes simboacutelicas Disputa essa
marcada por relaccedilotildees de poder Ocorre que demorou muito tempo para que surgissem propos-
tas e reformas poliacutetico-educacionais que afirmassem o discurso multiculturalista nos estabele-
cimentos de ensino (OLIVEIRA 2010) Bandeira poliacutetica recente ateacute entatildeo a heterogeneida-
de do social era negligenciada no curriacuteculo (GOMES 2012) produzindo uma escola pura-
mente eurocecircntrica segregacionista e recrudescedora das desigualdades sociais isto eacute ldquocrian-
do um ambiente onde as diferenccedilas natildeo satildeo privilegiadasrdquo (AacuteVILA 2010 p 40)
Neste sentido cabe agrave escola fazer o aluno compreender que ldquoa realidade social natildeo eacute
uma coisa dada e acabadardquo (BRANDAtildeO 1993 p 23) e que o respeito agrave diferenccedila constitui
parte importante de reforccedilo de uma moral e ciacutevica que garanta igualdade e liberdade a todos
Aqui ao tecermos essas consideraccedilotildees assumimos inevitavelmente uma posiccedilatildeo poliacutetica
Aliaacutes ldquoNo tocante a isto vale lembrar acerca da noccedilatildeo de cultura que sempre foi e eacute portan-
to uma noccedilatildeo que se define eminentemente como poliacuteticardquo (GUSMAtildeO 2009 p 53)
Para Nilma Lino Gomes por outro lado para equacionar a ausecircncia de um debate efe-
tivo sobre a diferenccedila e que reafirme a autoestima e as identidades dos diferentes atores no
espaccedilo escolar deve-se problematizar o proacuteprio sentido e finalidade da educaccedilatildeo Como asse-
vera na praacutetica natildeo se educa para alguma coisa educa-se porque a educaccedilatildeo eacute um direito e
como tal deve ser garantido de forma igualitaacuteria equacircnime e justa (GOMES 2012 p01)
Trata-se de uma perspectiva semelhante agravequela defendida por Vera Maria Candau para quem
[] a educaccedilatildeo escolar natildeo pode ser reduzida a um produto que se negocia na loacutegi-ca do mercado nem ter como referecircncia quase que exclusivamente a aquisiccedilatildeo de
determinados ldquoconteuacutedosrdquo por mais socialmente reconhecidos que sejam Deve ter
como horizonte a construccedilatildeo de uma cidadania participativa a formaccedilatildeo de sujeitos
23
de direito o desenvolvimento da vocaccedilatildeo humana de todas as pessoas nela impli-
cadas (CANDAU 2012 p721)
Agrave vista disso a perspectiva antropoloacutegica em que se inspira a presente pesquisa con-
tribui natildeo somente para compreender o espaccedilo escolar a partir de uma abordagem mais mi-
croscoacutepica como tambeacutem constitui ferramenta importante para trabalhar competecircncias para
uma vida ciacutevica responsaacutevel O qual exige que o trabalho com o relativismo cultural que eacute
intriacutenseco agrave aacuterea seja exercitado na maneira como abordamos as culturas os costumes e ex-
periecircncias dos diferentes grupos dentro do espaccedilo escolar Foi precisamente essa concepccedilatildeo
de fundo qual seja a de que a escola deve apostar no trabalho com as diferentes manifestaccedilotildees
culturais com a histoacuteria local que esteve no ponto de partida das intervenccedilotildees pedagoacutegicas
que realizamos
II- Formas escolares hegemocircnicas e culturas escolares especiacuteficas
A discussatildeo sobre a cultura escolar natildeo constitui exclusividade da Antropologia Nesse
sentido com a finalidade de produzir aportes para o nosso proacuteprio trabalho de pesquisa pro-
curamos explorar dentro do campo historiograacutefico as pesquisas e propostas de observaccedilatildeo que
mais se ajustassem ao objetivo principal do trabalho qual seja o de problematizar as relaccedilotildees
entre escola e terreiros a partir da maneira como lidam com a histoacuteria cultura e religiosidade
afro-brasileiras Foi dessa forma que chegamos a um conjunto teoacuterico que reuacutene trabalhos que
tomam as noccedilotildees de forma escolar e de cultura escolar como categorias de interpretaccedilatildeo Des-
taca-se aqui em particular os trabalhos de Dominique Julia (2001) Antonio Vinao Frago
(1995) Andreacute Chervel (1990) Vincent Lahire amp Thin (2001) Faria Filho (2000 2004) etc
Pode-se comeccedilar entatildeo pela noccedilatildeo de forma escolar (VINCENT LAHIRE amp THIN
2001) que designa agrave existecircncia em uma dada conjuntura histoacuterica de uma configuraccedilatildeo social
de conjunto que se encontra particularmente ligada a reproduccedilatildeo das relaccedilotildees de poder no
espaccedilo social mais amplo A forma escolar natildeo se confunde com a instituiccedilatildeo escolar e suas
diferentes culturas muito embora ela seja ldquotransversal em relaccedilatildeo agraves diversas instituiccedilotildees e
grupos sociaisrdquo (VINCENT LAHIRE amp THIN 2001 p 46) Como visto nossa forma esco-
lar eacute claramente marcada pela histoacuteria de sua constituiccedilatildeo no mundo ocidental pela maneira
com que produz conhecimentos e disciplina os corpos e os saberes e valores culturais que
consagra O que entra em pauta aqui eacute um modo de relaccedilatildeo com o saber e poder inscrito no
funcionamento estrutural da educaccedilatildeo escolarizada e que retraduz uma visatildeo da sociedade de
maneira hierarquizada desigual e o que nos toca mais particularmente racializada Isto que
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talvez exija considerarmos que a modificaccedilatildeo da forma com que a escola lida com a diferenccedila
e as culturas dependam natildeo somente de modificaccedilotildees toacutepicas em seu curriacuteculo da disponibi-
lidade de materiais para trabalhar conteuacutedos diversificados ou tatildeo somente do aprimoramento
da formaccedilatildeo dos seus profissionais Eacute provaacutevel que necessitemos de uma revisatildeo mais pro-
funda capaz de acompanhar a pluralidade das formas de compreensatildeo do mundo e as episte-
mologias diversas que foram silenciadas ao longo da histoacuteria
Eacute nessa perspectiva que vale a pena pensar na noccedilatildeo de cultura escolar como objeto de
anaacutelise histoacuterica particularmente porque lida com a possibilidade de constituir uma perspec-
tiva teoacuterico-metodoloacutegica atenta agraves diferentes manifestaccedilotildees das praacuteticas instauradas no inte-
rior das escolas transitando de alunos a professores de normas agraves teorias Ora uma vez cons-
tatada a existecircncia de formas escolares tradicionais e hegemocircnicas que perpassam a maneira
como o saber formalizado eacute transmitido em nossas instituiccedilotildees de ensino natildeo podemos dedu-
zir daiacute que todas as instituiccedilotildees atuam da mesma forma negando toda contribuiccedilatildeo e todas as
modificaccedilotildees microscoacutepicas realizadas pelos sujeitos que vatildeo modificando paulatinamente o
sistema como um todo Nesse sentido talvez fosse mais coerente considerar com Vrao Frago
(2001) a existecircncia de culturas escolares como nos diz
Sin embargo desde uma perspectiva histoacuterica parece maacutes fructiacutefero e inte-ressante hablar em plural de culturas escolares () No hay escuelas coleacute-
gios institutos de ensentildeanza secundaacuteria universidades o faculdades exacta-
mente iguales aunque puedan establecerse similitudes entre ellas Las dife-
rencias crecen cuando comparamos las culturas de instituciones que perte-nencen a distintos niveles educativos (FRAGO 2001 p 33)
Eacute importante ressaltar no entanto que a atenccedilatildeo agraves singularidades e a ampliaccedilatildeo do
campo da histoacuteria das instituiccedilotildees escolares o que limitaria a operacionalidade da tentativa de
abarcar de maneira generalista as formas de escolarizaccedilatildeo de um dado periacuteodo natildeo se tradu-
ziria pela tentativa de conferir agrave escola um grau de autonomia absoluta que lhe conferisse a
capacidade de formular uma cultura distinta da cultura vigente na qual estaria inserida Tam-
pouco se trataria de mascarar as caracteriacutesticas distintivas da cultura de uma sociedade consi-
derada em seu conjunto como poderia ser acusada Entenda-se portanto que a maneira como
ela eacute invocada nesta dissertaccedilatildeo indica que nas palavras de Antocircnio Candido (CANDIDO
apud SILVA 2006 p 210) ldquo[] a proacutepria vida interna da escola [] reelabora segundo a
sua dinacircmica interna as normas valores praacuteticas comunitaacuterias dando-lhes uma coloraccedilatildeo
nova mas nem por isso alheia ao encadeamento geral da sociedaderdquo
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Destarte estudar a cultura escolar remete portanto a tentativa de focalizar os proces-
sos e produtos das praacuteticas escolares isto eacute praacuteticas que permitem a transmissatildeo de conheci-
mentos e a imposiccedilatildeo de condutas circunscritas agrave escola Como assinala Dominique Julia
[] poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar e um conjunto de
praacuteticas que permitem a transmissatildeo desses conhecimentos e a incorporaccedilatildeo
desses comportamentos normas e praacuteticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as eacutepocas (finalidades religiosas sociopoliacuteticas ou
simplesmente de socializaccedilatildeo) (JULIA 2001 p10)
Nessa esteira a cultura escolar define conhecimentos e praacuteticas que podem mudar de
acordo com os contextos soacutecio-poliacuteticos A autora aponta ainda que os debates sobre o funci-
onamento real das finalidades atribuiacutedas agrave escola podem ser mais bem captados justamente
nos momentos de crises e conflitos ou seja em conjunturas instaacuteveis que deixam em relevo
as disputas representacionais em torno do papel funccedilatildeo e significado social da escola Por traacutes
dessa noccedilatildeo na realidade encontra-se todo um programa de investigaccedilatildeo que serviu de inspi-
raccedilatildeo para muitas das questotildees que nos fizemos na presente pesquisa a saber Quais os pro-
gramas normas e regras que circunscrevem ao mesmo tempo em que habilitam a atuaccedilatildeo e
produccedilatildeo de conhecimentos em sala de aula Como isso se realiza em um contexto histoacuterico
preciso Quais os padrotildees de interaccedilatildeo observados e as percepccedilotildees subjetivas dos seus atores
Eacute possiacutevel divisar por essa breve descriccedilatildeo dos conceitos acima como eles se ajustam
ao nosso tema de investigaccedilatildeo Primeiramente porque exigem repensar as proacuteprias bases de
nossa representaccedilatildeo a respeito da histoacuteria das sociedades e da nossa proacutepria histoacuteria sobre os
quais se assenta a produccedilatildeo do saber em sala de aula Aleacutem disso exige a coragem de pensar
questotildees que vem sendo cada vez mais problematizadas no espaccedilo puacuteblico como o lugar da
histoacuteria cultura e religiosidade afro-brasileira em um momento de franco ataque a essas ini-
ciativas Da mesma forma essas noccedilotildees nos levam a considerar que cada unidade de observa-
ccedilatildeo cada instituiccedilatildeo cada cultura escolar tem suas especificidades e peculiaridades e que essa
preocupaccedilatildeo diagnoacutestica mais geral necessita ser divisada a partir de uma discussatildeo mais lo-
cal particularizada Por fim eacute preciso conversar com os diferentes atores implicados para
apreender as histoacuterias memoacuterias e percepccedilotildees produzidas sobre si sobre os outros e sobre
esses temas No ponto de partida disso tudo se deixa antever um esforccedilo natildeo apenas intelectu-
al de descriccedilatildeo e diagnoacutestico da realidade mas tambeacutem a tentativa de constituir condiccedilotildees
para uma intervenccedilatildeo poliacutetica pedagoacutegica orientada pelos desafios locais
26
III- Encaminhamentos da pesquisa escolha temaacutetica e a posiccedilatildeo do pesquisador
Com efeito uma raacutepida pesquisa na internet permite constatar um significativo aumen-
to de interesse entre profissionais de diversos campos a respeito das condiccedilotildees de implemen-
taccedilatildeo do estudo da Histoacuteria e Cultura e Afro-brasileira e africana a partir da Lei Federal
106392003 Em nosso caso a opccedilatildeo por uma abordagem que destoa da tendecircncia esmaga-
dora nos recentes trabalhos de optar apenas pelo estudo das representaccedilotildees de professores e
alunos sobre as religiotildees afro-brasileiras condiccedilotildees de formaccedilatildeo entre outros para integrar agrave
anaacutelise as percepccedilotildees subjetivas de lideranccedilas de terreiros sobre si sua histoacuteria e de como a
escola se relaciona com as religiotildees de matriz africana (BAKKE 2011) decorre da aposta de
que pela via da problematizaccedilatildeo dessas percepccedilotildees muacutetuas poderiacuteamos avanccedilar tanto na supe-
raccedilatildeo dos preconceitos e formas de estigmatizaccedilatildeo ainda persistentes no espaccedilo escolar quan-
to colocar em diaacutelogo atores tatildeo proacuteximos geograacutefica e simbolicamente mas ao mesmo tempo
tatildeo distantes em niacutevel de conhecimento e reconhecimento
As razotildees para a escolha da temaacutetica satildeo muitas Do ponto de vista pessoal minha li-
gaccedilatildeo com religiatildeo de matriz africana se deu inicialmente pela convivecircncia muito cedo no
bairro onde durante muitos anos minha matildee foi assistente de duas conhecidas casas de cultos
afros Terreiro de Filomena e Vicentinho (um localizado no Bairro de Faacutetima e outro no Bair-
ro de Armazeacutem) Naquela ocasiatildeo por conta de problemas espirituais ela teve que pagar
promessas como forma de retribuir as graccedilas recebida dos santos das referidas casas Mais
tarde passei a frequentar toques aos voduns em vaacuterias casas de Cururupu o que aos poucos foi
me chamando atenccedilatildeo da maneira como externavam sua feacute e mais ainda como desenvolviam
sua dedicaccedilatildeo aos santos Com as constantes visitas e o interesse em me aprofundar nos fun-
damentos tornei-me em pouco tempo Assissi5 uma espeacutecie de ajudante nas tarefas que vari-
avam entre rezas ornamentos organizaccedilatildeo das festas Paralelamente data desse mesmo periacute-
odo minha inserccedilatildeo no grupo de jovens e mais tarde no movimento negro Na sequecircncia em
1994 o Bloco Afro Omniraacute6 inicia suas atividades na regiatildeo e logo em 1995 desenvolve
como tema Matildee Isabel quilombola de Zumbi A escolha temaacutetica se vinculava agraves comemo-
raccedilotildees a Zumbi e por ter sido Isabel Mineira7 (FERRETI M 2015 168) a primeira pessoa a
5 Nos cultos de Tambor de Mina os Assissis satildeo uma espeacutecie de assistente da casa colaboradores (FERRETI
1996 p) 6 Bloco Afro Omniraacute que em liacutengua yorubaacute significa liberdade organizado pelo grupo que leva o mesmo nome
fundado em 26 de outubro de 1995 O grupo desenvolve atividades de sensibilizaccedilatildeo a populaccedilatildeo negra do Curu-
rupu 7 Isabel Pinto da Silva- Isabel Mineira como era mais conhecida nasceu em novembro de 1903 faleceu aos 90
anos foi a primeira pessoa a abrir um terreiro de Mina em Cururupu era devota de Santa Rosa de Lima e reali-
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abrir um terreiro de Mina em Cururupu A partir de entatildeo sempre busquei aprofundar a com-
preensatildeo sobre os cultos de religiatildeo afro-brasileiros
Com relaccedilatildeo ao recorte empiacuterico este se justifica em funccedilatildeo de minha proacutepria experi-
ecircncia profissional na escola selecionada Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda oportuni-
dade na qual pude perceber a inexistecircncia das religiotildees afro-brasileiras no curriacuteculo escolar a
despeito da jaacute referida lei de ensino de histoacuteria e cultura africana e afro-brasileira e ateacute mesmo
das manifestaccedilotildees ocasionais desse legado no calendaacuterio escolar Talvez por exercer papel de
proeminecircncia na escola na condiccedilatildeo de Diretor-adjunto do C E Joatildeo Marques Miranda co-
mecei a perceber como reagiam alunos e professores quando se tratava de temas sobre religi-
otildees afro-brasileira e como se calavam diante de atitudes oriundas de sujeitos que seguiam
outros dogmas e como professores praticantes se escondiam atraacutes de discursos de negaccedilatildeo
por conta do curriacuteculo
Seria necessaacuterio reconhecer nesse sentido que o ponto de partida da pesquisa tambeacutem
assumiu uma dimensatildeo propriamente poliacutetica afinal dado que se trata de um contexto perifeacute-
rico de um bairro estigmatizado onde estaacute concentrada a maior quantidade de terreiros do
municiacutepio de Cururupu porque a escola natildeo abordava temas que seriam centrais agrave dinacircmica
comunitaacuteria E isso se mostrava ainda mais importante para mim devido ao fato observado
por Seacutergio Ferreti (1996) de que entre todos os municiacutepios do Brasil Cururupu se destaca por
cultuar os orixaacutes com os traccedilos de originalidade trazidos da Aacutefrica
Paralelamente a essas preocupaccedilotildees e na tentativa mesmo de instrumentalizar-me a
respeito do tema (as carecircncias formativas dos docentes e de acesso a materiais concernentes agrave
histoacuteria da Aacutefrica e da cultura afro-brasileira jaacute foram sobejamente expressos em diversos
trabalhos) fui percebendo a importacircncia de aprofundar minha compreensatildeo sobre diversos
aspectos a saber primeiramente a respeito dos aportes que a Antropologia e a Histoacuteria po-
dem trazer agrave aacuterea da educaccedilatildeo na medida em que essa relaccedilatildeo interdisciplinar tende a favore-
cer a constituiccedilatildeo de uma abordagem que coloque como central a maneira como escola trata a
questatildeo da diferenccedila cultural e da desigualdade social a partir de agentes histoacutericos sociais
especiacuteficos como jaacute mencionados em segundo lugar a necessidade de resgatar parte do esta-
do das discussotildees sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Brasil explorando as implicaccedilotildees e poten-
zava no mecircs de agosto uma festa em sua homenagem com trecircs noites de tambor Naquela festa recebia com
grande orgulho Rosinha filha caccedilula de Rainha Rosa e da famiacutelia de Leacutegua Bogi (FERRETI M 2015 168)
Seu barracatildeo era em forma de navio tambeacutem foi parteira e realizou 6003 partos foi tambeacutem uma grande foliatilde
do carnaval tinha um bloco chamado Baralho
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cialidades decorrentes das alteraccedilotildees no curriacuteculo hegemocircnico a partir da publicaccedilatildeo da lei
1063903
A esses fatores mais epistemoloacutegicos por assim dizer fui despertando tambeacutem inte-
resse por assumir um ponto de vista mais compreensivo a respeito do universo relacional sob
anaacutelise com a finalidade de dar voz agraves diferentes categorias de atores envolvidos profissionais
da educaccedilatildeo lideranccedilas de terreiros lideranccedilas comunitaacuterias estudantes Com essa perspect i-
va em mente adentrei no ambiente da escola de iniacutecio com observaccedilotildees do cotidiano esco-
lar sobretudo a eacutepoca dos festejos Conversei com professores sobre a temaacutetica aproveitando
para explanar a respeito das intenccedilotildees do projeto Nessa troca de experiecircncias identifiquei a
existecircncia de muitos receios hesitaccedilotildees e ateacute mesmo de resistecircncia com relaccedilatildeo ao tema da
histoacuteria cultura e religiosidade afro em sala de aula
A despeito da extensatildeo do universo empiacuterico e das dificuldades operacionais para tra-
tamento das informaccedilotildees a pesquisa foi realizada com base na combinaccedilatildeo de diferentes es-
trateacutegias metodoloacutegicas Grosso modo trata-se de tentar harmonizar a utilizaccedilatildeo de aborda-
gens quantitativas e qualitativas com base na aplicaccedilatildeo de questionaacuterios de administraccedilatildeo
direta para os alunos da Escola Joatildeo Marques Miranda a realizaccedilatildeo de entrevistas temaacuteticas
com (ex) gestores (ex) professores e (ex) alunos que frequentam terreiros da regiatildeo e realiza-
ccedilatildeo de entrevistas em profundidade com lideranccedilas religiosas de terreiros situados no bairro
Satildeo Benedito e arredores da localidade a fim de recompor suas visotildees de mundo e histoacuterias de
vida Soma-se a isso a observaccedilatildeo e descriccedilatildeo dos debates e reaccedilotildees individuais e coletivas
frente agrave realizaccedilatildeo de oficinas Diligencia-se nesse uacuteltimo caso de explorar esses olhares a
fim de apreender as diferentes temporalidades em accedilatildeo agrave histoacuteria da constituiccedilatildeo da comuni-
dade e permanecircncias inscritas na proacutepria loacutegica de funcionamento da cultura escolar (a sensa-
ccedilatildeo que se tem eacute sempre de um avanccedilo muito precaacuterio nesse plano)
IV - Estrutura do trabalho
Ante o exposto o texto que segue apresenta a seguinte estrutura no primeiro A
cultura Afro-brasileira nos bancos escolares diversidade diferenccedila e Cultura Escolar pro-
blematizaratildeo as relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e diversidade no Brasil de uma perspectiva de meacutedia
duraccedilatildeo explorando com maior ecircnfase a diversidade de atores movimentos e accedilotildees puacuteblicas
que favoreceram a rediscussatildeo sobre o lugar na cultura afro-brasileira nos bancos escolares
No capiacutetulo seguinte Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais lutas movimentos e reformas poliacuteticas educa-
cionais haveraacute uma caracterizaccedilatildeo da legislaccedilatildeo concernente ao tema
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Adiante no terceiro capiacutetulo Da escola para os terreiros normas experiecircncias e
percepccedilotildees sobre as religiotildees afro-brasileiras caracteriza-se o estabelecimento escolar seleci-
onado como unidade empiacuterica e as percepccedilotildees de profissionais da educaccedilatildeo e estudantes sobre
as religiotildees de matriz africana No quarto capiacutetulo Da comunidade para a escola histoacuterias
percepccedilotildees e experiecircncias de um diaacutelogo possiacutevel voltam-se aos olhares histoacuterias e memoacuterias
a respeito do bairro e da escola destacando as histoacuterias dos terreiros como espaccedilo de memoacute-
ria ao passo em que exploramos a histoacuteria de vida de atores que vivem concretamente na
fronteira dessa relaccedilatildeo com o espaccedilo escolar mas de uma posiccedilatildeo mais externa Tambeacutem ha-
veraacute apresentaccedilatildeo de algumas das oficinas que realizamos a fim de extrair conclusotildees a res-
peito da distacircncia estranheza e do desconhecimento entre essas duas esferas de vida O foco
neste caso seraacute o de explorar as vantagens heuriacutesticas de uma aproximaccedilatildeo pedagogicamente
planejada cujo cerne seria voltado para o cultivo de valores e competecircncias essenciais para
reforccedilo das redes de solidariedade no contexto em pauta E por fim satildeo apresentadas as con-
clusotildees e referecircncias do trabalho
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CAPIacuteTULO 1 - A CULTURA AFRO-BRASILEIRA NOS BANCOS ESCOLARES
diversidade diferenccedila e Cultura Escolar
Deus abenccediloe a Aacutefrica
Deus abenccediloe a Aacutefrica
Que suas gloacuterias sejam exaltadas Ouccedila nossas preces
Deus nos abenccediloe porque somos seus filhos
Deus cuide de nossa naccedilatildeo
Acabe com nossos conflitos Nos proteja e proteja nossa naccedilatildeo
(Hino da Aacutefrica do Sul)
O objetivo principal desse capiacutetulo eacute problematizar como o tema da diversidade e
da diferenccedila vem sendo tratado no Brasil com ecircnfase sobre os debates iniciativas e movi-
mentos que recolocaram a questatildeo da Educaccedilatildeo para as relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais no centro da
agenda das discussotildees sobre as dimensotildees poliacuteticas do curriacuteculo e dos padrotildees de interaccedilatildeo no
espaccedilo escolar contemporaneamente Antes no entanto tecemos algumas consideraccedilotildees a
respeito do lugar e importacircncia da histoacuteria da Aacutefrica na histoacuteria da humanidade e de como ela
foi condenada e representada a ponto de se rogar benccedilotildees gloacuterias reconhecimento paz e
proteccedilatildeo como mostra a epiacutegrafe que abre este capiacutetulo Para tanto o texto se baseia funda-
mentalmente na bibliografia a respeito e seu ponto de partida se situa no interesse pedagoacutegico
de dar a conhecer ao leitor em que condiccedilotildees essa luta se transmuta em poliacuteticas educacionais
notadamente a partir da deacutecada de 1990
11 A contribuiccedilatildeo da Histoacuteria da Aacutefrica para a humanidade
Antes de explorarmos de que maneira paulatinamente o tema da educaccedilatildeo para as re-
laccedilotildees eacutetnico-raciais e da inclusatildeo da Histoacuteria Cultura e Religiosidade Africana e Afro-
brasileira foi entrando em pauta no Brasil valeria agrave pena tecer algumas consideraccedilotildees sobre
os desafios epistemoloacutegicos e praacuteticos que temos ao propor uma intervenccedilatildeo pedagoacutegica co-
mo a que estamos construindo Epistemoloacutegico por um lado pois como boa parte da biblio-
grafia pertinente sobre o tema jaacute evidenciou a Histoacuteria da Aacutefrica foi silenciada pela perspec-
tiva hegemocircnica da visatildeo etnocecircntrica produzida pelo ocidente Poreacutem nessa batalha aacuterdua
natildeo basta apenas exercer a capacidade criacutetica posto que devemos tambeacutem explicitar de que
maneira o continente seus povos e culturas influenciaram decisivamente outros povos con-
31
formaram nossas identidades e promoveram a circulaccedilatildeo de saberes e percepccedilotildees de mundo
Trata-se de demonstrar como sua histoacuteria eacute parte da nossa a traveacutes de exemplos concretos
retirados do acircmago do esforccedilo criacutetico empreendido por intelectuais e historiadores dentro e
fora da Aacutefrica As consideraccedilotildees que seguem atendem a esse duplo objetivo
Pode-se comeccedilar pela tese fundamental do livro de Edward Said (2007) Orientalismo
a respeito de como o Ocidente inventou o Oriente como um misto indistinto de naccedilotildees hete-
rogecircneas rotuladas sob o signo do exotismo e inferioridade Dissipada por uma seacuterie de pro-
duccedilotildees artiacutesticas filosoacuteficas literaacuterias e ateacute mesmo cientiacuteficas essas representaccedilotildees imageacuteti-
cas sobre os designados orientais constituiu um poderoso discurso voltado precisamente para
os povos outrora colonizados garantindo primazia superioridade e normalidade ao homem
europeu ldquocivilizadordquo por oposiccedilatildeo aos outros Essa visatildeo criacutetica sobre o eurocentrismo eacute par-
ticularmente convergente com as criacuteticas realizadas por Jack Goody (2008) que rotula a rela-
ccedilatildeo entre a Europa e as outras naccedilotildees sob o signo do Roubo da Histoacuteria Roubo ou mesmo
apropriaccedilatildeo que tinha como finalidade demarcar uma suposta excepcionalidade do Ocidente
quanto agrave criaccedilatildeo de valores (igualdade democracia liberdade) instituiccedilotildees (universidades) e
sentimentos (amor individualismo) que nunca foram especificidades suas Quer dizer a im-
posiccedilatildeo de uma narrativa histoacuterica formulada a partir do ponto de vista europeu obliterou a
real histoacuteria do mundo na medida em que impuseram conceitos cronologia e silecircncios sobre
as contribuiccedilotildees de outras culturas para projetar a superioridade ocidental
Por esse vieacutes tais reflexotildees podem muito bem ser utilizadas para pensar como o olhar
europeu ao longo de seacuteculos produziu uma visatildeo distorcida sobre o negro e sobre a Aacutefrica
antes mesmo que o discurso racista se solidificasse no seacuteculo XIX Eacute o que demonstra o traba-
lho de Gislene Aparecida dos Santos (2002) que demonstrou como no imaginaacuterio europeu as
visotildees sobre o negro e a cor negra foram paulatinamente se deslocando do fasciacutenio ao repuacute-
dio
Satildeo fartos os exemplos de que o imaginaacuterio europeu da Idade Meacutedia ao Seacuteculo das
Luzes era repleto de visotildees sobre seres fantaacutesticos grotescos eou gigantes que povoariam as
terras mais longiacutenquas gerando ao mesmo tempo medo e fasciacutenio Embora jaacute houvesse a
ideia de que o branco seria superior ao negro e que a cor preta designasse uma marca do mal
ou um grande motivo de preocupaccedilatildeo ainda estava contida nessa percepccedilatildeo um misto de fas-
ciacutenio e medo O exotismo dos relatos de viajantes se deixa ainda permear pela admiraccedilatildeo da
diferenccedila e pela curiosidade daiacute por que eram descritos em diversos cronistas de maneira am-
biacutegua nunca inteiramente negativa Todavia esse estranhamento esse misto de fasciacutenio e
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repuacutedio se convertem em algo bem diferente quando a Aacutefrica se converteu em objeto de cobi-
ccedilas e fonte de imensas riquezas O racismo se apoiou portanto em estereoacutetipos e preconceitos
anteriores mas eacute filho direto do colonialismo moderno
Assim podemos dizer que ateacute o seacuteculo XIX havia em relaccedilatildeo aos povos da Aacutefrica um olhar exoacutetico (misto de fasciacutenio e de repulsa) e que foi exatamen-
te este olhar exoacutetico com tudo o que decorre dele que embora natildeo tenha
criado o racismo permitiu que o sentimento racista aflorasse A construccedilatildeo de um olhar exoacutetico sobre a Aacutefrica resvalou para o racismo no momento em
que se desejou retirar da populaccedilatildeo seu poder de participaccedilatildeo poliacutetica Natildeo eacute
agrave toa que o discurso racista surge no momento em que o continente africano aparece diante do olhar dos europeus como um territoacuterio de imensas riquezas
ainda preservadas ou em que nas colocircnias o processo de conquista da liber-
dade por parte dos ex-escravos seja efetivado (BARBOSA 2008 147)
Como demonstra Muryatan Barbosa (2008) esse olhar eurocecircntrico recorrente atra-
vessou diversas Filosofias da Histoacuteria englobando autores claacutessicos como Voltaire Vico He-
gel e Marx e inscreveu-se no proacuteprio nascedouro da historiografia moderna A concepccedilatildeo
evolucionista que realccedilava a excepcionalidade e superioridade europeia nos planos econocircmi-
co cultural religioso e racial permeou entatildeo as proacuteprias Ciecircncias Humanas e inscrevendo-se
como um dispositivo no acircmbito epistemoloacutegico Assim sendo o ponto de partida para a
emergecircncia de um conhecimento historiograacutefico sobre a Aacutefrica tem como primeira meta dar
uma resposta a esse discurso que silencia e oblitera a importacircncia africana
A mudanccedila nessa perspectiva comeccedilou a ocorrer somente entre os anos de 1950 e
1960 a reboque das lutas pela independecircncia que tiveram lugar nesses marcos (OLIVA
2003) Eacute a partir desse periacuteodo que comeccedila a haver uma revoluccedilatildeo nos estudos africanos no-
tadamente pelos investimentos de historiadores africanos Tratava-se em um primeiro mo-
mento de construir uma Histoacuteria que pudesse servir como instrumento de luta ideoloacutegica Eacute
dentro desse quadro que se pode compreender o empenho de historiadores como Cheijk Anta
Diop Djibril Tamsir Niane e Jean Vansina para recolocar empiacuterica e conceitualmente a His-
toacuteria Africana (BARBOSA 2008) Essa renovaccedilatildeo natildeo se deu somente no continente africa-
no vez que participou de uma reconstruccedilatildeo das proacuteprias ciecircncias humanas dos modelos his-
toriograacuteficos e dos interesses de pesquisa em diferentes naccedilotildees
Deste modo a renovaccedilatildeo dos estudos sobre Aacutefrica e o efeito propriamente descoloni-
zador da Histoacuteria suscitou a circulaccedilatildeo internacional de pesquisadores o incremento de redes
de pesquisa e a elaboraccedilatildeo de iniciativas de conjunto para reconstruccedilatildeo de uma histoacuteria afri-
cana de uma perspectiva mais estrutural Aleacutem das incontaacuteveis obras que surgem desde entatildeo
produzidas por intelectuais africanos ou estrangeiros destaca-se a produccedilatildeo de uma Histoacuteria
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Geral da Aacutefrica (HGA) promovida pela UNESCO e que hoje em dia estaacute disponiacutevel em diver-
sas liacutenguas
Trecircs motivos principais justificavam a criaccedilatildeo do projeto da HGA segundo
seus idealizadores Em primeiro lugar havia o perigo de que as fontes para a
histoacuteria da Aacutefrica se perdessem definitivamente tanto as fontes escritas quanto as orais Tal fato poderia ser revertido em parte com a coleta de fon-
tes e a organizaccedilatildeo dos arquivos em Aacutefrica os quais poderiam acomodar a
documentaccedilatildeo existente e aquela que ainda estava por investigar Mas isso
deveria ser feito rapidamente Em segundo lugar havia o desejo de que a HGA pudesse sintetizar o conhecimento sobre o continente ainda disperso e
mal distribuiacutedo no tempo e no espaccedilo Soacute assim se teria clareza das lacunas a
serem pesquisadas Por fim havia o desejo de que a HGA pudesse impulsio-nar uma escrita da histoacuteria que superasse os preconceitos colonialistas sobre
o continente contribuindo para mostrar as contribuiccedilotildees africanas para a ci-
vilizaccedilatildeo humana Algo visto como sumamente necessaacuterio agraves naccedilotildees africa-nas no periacuteodo poacutes-colonial que se instaurava em Aacutefrica (BARBOSA 2008
p 195)
Assim quando chegamos agrave deacutecada de 1980 e 1990 o que se deu foi agrave ampliaccedilatildeo desse
campo de estudos e sua consolidaccedilatildeo em niacutevel internacional Nesse processo surgiram novas
frentes de investigaccedilatildeo e jovens intelectuais tecircm explorado os canais abertos pelo adensamen-
to da produccedilatildeo intelectual nas redes de conexatildeo do Sul Global
[] um avanccedilo intelectual e institucional com a constituiccedilatildeo de novas aacutereas
de estudos historiograacuteficos africanos dentro e fora do continente Deste de-senvolvimento surgem novos especialistas na temaacutetica que se tornam figu-
ras influentes dentro do meio acadecircmico Isto tanto dentro da Aacutefrica como
B Barry A F Ajahi A Boahen B A Ogot V Mudimbe I A Akinjog-bin T Falola M Diouf E J Alagoa e outros quanto fora da Aacutefrica como
J Vansina J Thornton C Coquery-Vidrovitch P Lovejoy J Miller Y
Kopytoff A Costa e Silva K Asante M Bernal Carlos Lopes D Birmin-gham entre outros (SILVA 2010 p 35)
No Brasil natildeo foi diferente aonde vimos emergir diferentes centros de investigaccedilatildeo
desde a deacutecada de 1950 concentrando-se inicialmente em Satildeo Paulo Rio e principalmente
na Bahia Hoje em dia grupos de pesquisas centros e unidades acadecircmicas ampliaram-se con-
sideravelmente alimentando a produccedilatildeo de uma farta e crescente bibliografia sobre a Histoacuteria
Africana Afro-brasileira e ultrapassando em muito os domiacutenios disciplinares da Histoacuteria Eacute
justamente essa pulsante produccedilatildeo intelectual que estaacute na base do segundo movimento que
estamos tentando fazer em nosso trabalho qual seja o de apresentar uma visatildeo criacutetica mas ao
mesmo tempo equilibrada e justa sobre a Aacutefrica os africanos e a cultura afro-brasileira
Dessa maneira chegamos ao segundo eixo de argumentaccedilatildeo a respeito de como explo-
rar os aspectos positivos da contribuiccedilatildeo africana para a histoacuteria da humanidade A questatildeo de
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fundo pode ser colocada da seguinte maneira Para que serve a Histoacuteria da Aacutefrica Proposiccedilatildeo
essa que organizou um texto pequeno mas muito salutar da professora e doutora em Histoacuteria
Mocircnica Lima e Souza Vale agrave pena retomar alguns dos seus argumentos Obviamente como
em todo resto eacute somente pela compreensatildeo da maneira como foi escrita a histoacuteria o que re-
quer uma modificaccedilatildeo na forma como ela eacute ensinada nas escolas que se pode criar condiccedilotildees
para formulaccedilatildeo de uma perspectiva menos eurocecircntrica que decirc espaccedilo para outros atores
regiotildees povos e histoacuterias A bibliografia jaacute disponiacutevel nos apresenta no entanto alguns as-
pectos bastante sugestivos
A comeccedilar pelo dato de que as relaccedilotildees intensas com os Africanos e a Aacutefrica natildeo da-
tam dos primoacuterdios dos empreendimentos ultramarinos ocorridos no iniacutecio da era moderna
Mesmo tendo como marco o encadeamento cronoloacutegico que trabalhamos pode-se perceber
que desde a Antiguidade os africanos participam de intensas trocas comerciais de circulaccedilatildeo
de teacutecnicas e conhecimentos em torno do Mediterracircneo O fausto e a riqueza das sociedades
africanas foram protagonistas de grandes feitos na histoacuteria como o proacuteprio Egito que dura-
mente muito tempo foi concebido como branco Jaacute no iniacutecio do periacuteodo moderno o desloca-
mento forccedilado de grandes contingentes humanos atraveacutes dos navios negreiros e das novas
rotas atlacircnticas abertas fomentou a circulaccedilatildeo de pessoas mercadorias e ideias inscrevendo o
legado africano em diversos espaccedilos do globo Se a humanidade surgiu em Aacutefrica ela se refez
pelos contatos trocas e pelas resistecircncias lutas e rebeliotildees que protagonizaram em diferentes
regiotildees Como evidenciado na pesquisa de John Thornton (2004) a Aacutefrica exerceu papel cen-
tral no complexo intercontinental atlacircntico
Se ao longo do seacuteculo XX a regiatildeo foi atravessada por diversos conflitos decorrentes
das formas de dominaccedilatildeo instauradas que se prolongam ateacute hoje essas transformaccedilotildees inter-
nas natildeo foram decorrentes somente de particularidades Estatildeo plenamente integradas ao cenaacute-
rio internacional alterando de maneira significativa os conflitos ao longo do seacuteculo XX Tanto
no passado quanto na atualidade os problemas e desafios africanos dramatizam natildeo o seu
descolamento do restante da histoacuteria universal Eacute exatamente o contraacuterio
E se esses argumentos satildeo razoaacuteveis para explicar o interesse da Histoacuteria da Aacutefrica em
um cenaacuterio global muito maior eacute o significado dessa histoacuteria para o caso brasileiro afinal
nossa formaccedilatildeo nossa cultura nossa liacutengua foram fortemente influenciados pelos africanos
que para caacute foram deslocados E esse intercacircmbio marcado por relaccedilotildees violentas de domina-
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ccedilatildeo e resistecircncia natildeo foi somente simboacutelico Ele preencheu diversas dimensotildees da nossa rea-
lidade tornando-se tatildeo nossos que sequer conseguimos pensaacute-los como estranhos Assim
qualquer tentativa de eliminar a contribuiccedilatildeo dessa histoacuteria provoca uma espeacutecie de suiciacutedio
coletivo de nossas heranccedilas culturais de nossas bases identitaacuterias
Somos o paiacutes que por mais tempo e em maior quantidade recebeu africanos
escravizados da histoacuteria do mundo Os cativos trazidos da Aacutefrica que nada
podiam carregar aleacutem de sua memoacuteria e conhecimentos trouxeram para nos-so paiacutes aportes tecnoloacutegicos que vatildeo desde conhecimentos de agricultura
tropical a teacutecnicas de mineraccedilatildeo aleacutem de vaacuterios outros As heranccedilas africa-
nas estatildeo presentes em diferentes aspectos da vida social e cultural brasilei-ras ateacute hoje e conformam aspectos fundamentais da identidade nacional
Nos modos de celebrar na religiosidade na musicalidade no gosto e esteacutetica
brasileiros expressos nos modos de vestir e nas escolhas artiacutesticas ficam evidentes as matrizes culturais que nasceram do outro lado do Atlacircntico Ao
longo de nossa histoacuteria diversas vezes os fatores ligados a processos
e episoacutedios somente podem ser compreendidos se olharmos os dois lados do
oceano que nos une (SOUZA 2014 p 02)
Com efeito ver-se-aacute que essa foi em grande medida a orientaccedilatildeo principal dada agraves
oficinas ministradas junto ao corpo discente da escola selecionada como laboratoacuterio de inves-
tigaccedilatildeo e accedilatildeo nesta dissertaccedilatildeo Se tomarmos como ponto de partida a reflexatildeo criacutetica sobre
os vieses normativos e silenciadores do discurso tradicional eurocecircntrico o foco esteve mais
centrado em mostrar que eacute possiacutevel trabalhar com conteuacutedo da histoacuteria cultura e religiosidade
afro em sala de aula Na medida do possiacutevel procurou-se criar condiccedilotildees para que os estudan-
tes entendessem esse fenocircmeno como algo que se inscreve no cotidiano escolar e encontra-se
difundido socialmente em diversos discursos muito embora a praacutetica e a experiecircncia sejam
sempre mais abertas e fluiacutedas do que possa parecer Na sequecircncia entatildeo demonstra-se como
essas temaacuteticas ganharam espaccedilo no debate puacuteblico em seguida dar um mergulho nos univer-
sos que pretendemos aproximar neste trabalho
12 A cultura afro-brasileira e o espaccedilo escolar
O estudo de Vicentini (2009) nos mostra que o Brasil carrega caracteriacutesticas soci-
ais multieacutetnicas que se inscrevem na proacutepria histoacuteria da constituiccedilatildeo da naccedilatildeo Esse eacute ponto
chave o reconhecimento e respeito da diversidade eacutetnica que nos propotildee ter clareza dos fato-
res constitutivos do pertencimento a uma identidade social dos quais todos participamos A
luta contra a discriminaccedilatildeo eacute uma luta diaacuteria de muitos afro-brasileiros vale dizer que assu-
me tambeacutem a dimensatildeo de uma luta por reconhecimento social e por direitos humanos A luta
contra a rejeiccedilatildeo os preconceitos e intoleracircncias raciais participam desse modo de uma bata-
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lha muito mais ampla a favor do direito agrave diversidade cultural racial linguiacutestica eacutetnica que
se encontra na base da constituiccedilatildeo de nossa coletividade
Evidentemente dada agrave discussatildeo da temaacutetica na atualidade jaacute eacute possiacutevel notar di-
versos avanccedilos principalmente com relaccedilatildeo agrave abertura de espaccedilos de atuaccedilatildeo para a popula-
ccedilatildeo negra Poreacutem eacute preciso reconhecer que ainda persistem diversos obstaacuteculos sociais e ins-
titucionais os quais constituem barreiras para a ascensatildeo social de negros Como bem apon-
tou o antropoacutelogo Kabengele Munanga (2015) os problemas sociais e a condiccedilatildeo que a maio-
ria dos estudantes pobres tem faz com que os mesmos natildeo tenham um bom desenvolvimento
escolar na educaccedilatildeo baacutesica pois se torna difiacutecil o aluno se concentrar nos estudos sem ter se
alimentado direito e sem ter uma estrutura familiar decente
Natildeo se tem registro histoacuterico preciso do dia que o indiviacuteduo de pele negra pocircde
frequentar as escolas regulares no Brasil de forma oficial visto que isto apesar da aboliccedilatildeo
da escravatura satildeo praacuteticas regulamentadas pelos poderosos senhores de engenho que natildeo
permitiam o estudo dos alunos negros nas escolas de suas dependecircncias Contudo a sua per-
manecircncia e acesso nas instituiccedilotildees de ensino satildeo questotildees que necessitam de um debate soci-
al pois fazem diferenccedila a respeito da ascensatildeo social e melhoria de vida do indiviacuteduo e sua
comunidade (ALVES 2007)
Embora as desigualdades raciais natildeo se iniciem na escola nela encontra um terre-
no feacutertil para se reproduzir Eacute na escola enquanto loacutecus do saber formal que as crianccedilas e
adolescentes das classes populares passam a maior parte do tempo-aprendendo toda a histori-
ografia oficial que ressalta a figura do heroacutei bom belo e europeu em detrimento do patrimocirc-
nio cultural de outros povos especialmente do povo africano e indiacutegenas E esse modelo in-
fluencia fortemente na construccedilatildeo da identidade desses alunos causando distorccedilotildees imensas
na sua formaccedilatildeo e comprometendo as relaccedilotildees estabelecidas socialmente
A escola tem uma responsabilidade imensa na discussatildeo sobre educaccedilatildeo e diver-
sidade eacutetnico-cultural pois sua funccedilatildeo social eacute partilhar o conhecimento acumulado pela hu-
manidade com os seus alunos e isso significa partilhar os conhecimentos produzidos pelos
diversos povos que entraram na formaccedilatildeo do povo brasileiro (FRANCO 2008) A lei
1063903 representa uma importante ferramenta para a implementaccedilatildeo das poliacuteticas afirmati-
vas de combate ao racismo e pelas relaccedilotildees eacutetnico-raciais nas escolas contribuindo para que a
sociedade e sobretudo as instituiccedilotildees de ensino venham
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[] reconhecer a existecircncia do afrodescendente seus ancestrais (africanos)
sua trajetoacuteria na educaccedilatildeo brasileira na condiccedilatildeo de sujeitos e na construccedilatildeo da cultura e da sociedade A alteraccedilatildeo da LDB representou um ganho legal e
poliacutetico agora eacute preciso que ele se reflita no acircmbito do ensino e da aprendi-
zagem para que se tenha um resultado eficaz nos campos societaacuterio e educa-tivo (AacuteVILA 2010 p 10)
Como se vecirc a promulgaccedilatildeo da Lei 106392003 a 09 de janeiro de 2003 foi uma
conquista das lutas desenvolvidas pelo movimento negro organizado ao longo dos anos a Lei
busca reconhecer a existecircncia e portanto a histoacuteria do negro no Brasil seus ancestrais africa-
nos e suas contribuiccedilotildees para a educaccedilatildeo e a sociedade brasileira assim professores alunos e
corpo escolar no todo tem a obrigaccedilatildeo histoacuterica de falar de tais temaacuteticas e avanccedilar na cons-
truccedilatildeo de relaccedilotildees raciais mais igualitaacuterias Esse ensino envolve todas as disciplinas do curriacute-
culo escolar incluindo a disciplina de histoacuteria que passa a se tornar uma porta voz da igualda-
de racial
De maneira geral eacute ponto paciacutefico em meios cientiacuteficos que a raccedila natildeo eacute o fator
que determina a superioridade intelectual O que realmente eacute fator determinante eacute o acesso agrave
informaccedilatildeo a produccedilatildeo de conhecimento aos bens materiais tecnoloacutegicos e intelectuais pro-
duzidos na histoacuteria Enquanto a diferenccedila eacute natural a desigualdade constitui um produto intei-
ramente social que se combina agrave naturalizaccedilatildeo do preconceito dos estereoacutetipos e que atuam
como forma de justificar legitimar e consagrar a subordinaccedilatildeo de grupos e atores sociais O
estereoacutetipo eacute a praacutetica do preconceito Eacute a sua manifestaccedilatildeo comportamental O estereoacutetipo
objetiva justificar uma suposta inferioridade justificar a manutenccedilatildeo do status quo e legiti-
mar aceitar e justificar a dependecircncia a subordinaccedilatildeo e a desigualdade (MUNANGA 2005
p 65)
Silva (2010) revela que nos uacuteltimos 30 anos foram realizados accedilotildees que objetivam
a promoccedilatildeo da igualdade nas relaccedilotildees eacutetnico-raciais e que vem cada vez mais ganhando forccedila
no Brasil principalmente no contexto educativo pois atraveacutes das cotas alunos negros conse-
guem ingressar em cursos que antes apenas os mais ricos conseguiam cursar como medicina
engenharia direito Como esclarece o autor a maioria dos negros sempre teve vontade de
estudar ingressar nas escolas aprender novas liacutenguas mas sempre eram impedidos por forccedila
da rejeiccedilatildeo da elite dominante e por natildeo terem paracircmetros legais para se apoiarem Soma-se a
isso a dificuldade de conciliar a dedicaccedilatildeo aos estudos com as exigecircncias do trabalho e da
sobrevivecircncia cuja conciliaccedilatildeo eacute sempre complexa
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A questatildeo eacute que a cultura afro-brasileira sempre foi tratada de forma marginaliza-
da Eacute precisamente contra a maneira seletiva com que a escola privilegiou determinadas for-
mas culturais em detrimento de outras consideradas inferiores e sem nenhum objetivo peda-
goacutegico ou enriquecedor aos conhecimentos dos alunos (ALVES 2007) que a luta a favor da
inclusatildeo da histoacuteria e cultura afro-brasileiras se defronta
Por esse vieacutes eacute o que demonstra o trabalho de Silva (2013) que expotildee o fato de
que ao longo da histoacuteria do Brasil a concepccedilatildeo de que as culturas natildeo brancas eram inferiores
no processo de escolarizaccedilatildeo se conectava a uma representaccedilatildeo negativa das camadas inferio-
res do estrato social onde se concentrou e ainda concentra a maior parte dos negros e descen-
dentes natildeo plenamente integrados a ordem capitalista no Brasil
Natildeo parece ser outra a razatildeo pela qual a Lei 106392003 representa uma espeacutecie
de diacutevida moral e eacutetica paga pelo estado brasileiro aos afro-brasileiros pois obrigar a inclusatildeo
da histoacuteria e cultura do negro nos curriacuteculos das escolas eacute uma decisatildeo justa e de paridade
Conhecer a histoacuteria e cultura afro-brasileira eacute fundamental para elevar o niacutevel de democratiza-
ccedilatildeo racial e isso natildeo se resume somente a identificar o negro no seu contexto mas sim em
valorizar a sua contribuiccedilatildeo e papel dentro da formaccedilatildeo sociocultural brasileira uma socieda-
de plurieacutetnica multicultural que ainda precisa avanccedilar em seus ideais democraacuteticos Nesse
sentido a lei 106392003 constitui uma ferramenta fundamental para fazer com que as pesso-
as repensem suas relaccedilotildees sociais eacutetnico-raciais procedimentos de ensino condiccedilotildees ofereci-
das para aprendizagem instruccedilotildees pedagoacutegicas coerentes e condizente com a realidade Desse
acircngulo o curriacuteculo ganha novos horizontes
Silva (2015) diz que se preocupar com a construccedilatildeo do curriacuteculo eacute uma questatildeo
social que precisa ser discutida publicamente visto que seus paracircmetros acabam por definir
qual tipo de sociedade se deseja atraveacutes da educaccedilatildeo Por essa vida ainda coloca-se em xe-
que algumas ldquoverdadesrdquo construiacutedas sobre a naturalidade e obviedade do curriacuteculo e passa-se
a ter uma visatildeo dele como um constructo social e poliacutetico Nesse sentido importa ressaltar
que toda sociedade deve se mobilizar para garantir o respeito independentemente de sua ori-
gem corraccedila ou religiatildeo As crianccedilas satildeo o futuro do Brasil eacute essencial que elas cresccedilam
absorvendo os significados de diferenccedila de igual de singularplural e que saibam que no
outro poderaacute haver umas dessas caracteriacutesticas mas que quando adulta teraacute o discernimento
de aceitar e respeitaacute-lo como ela eacute
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Vicentini (2009) em seus estudos demonstra que as escolas brasileiras encontram
dificuldades em reconhecer que muitos de seus alunos natildeo se enquadram no perfil determina-
do atraveacutes de uma concepccedilatildeo universal de cultura Por essa razatildeo torna-se necessaacuterio uma
revisatildeo conceitual e estrutural das loacutegicas de produccedilatildeo do saber e do conhecimento no espaccedilo
escolar a fim de oportunizar a valorizaccedilatildeo da diversidade cultural que eacute intriacutenseca agrave nossa
cultura natildeo deixando de valorizar as manifestaccedilotildees culturais da minoria Assim se faz neces-
saacuterio a superaccedilatildeo de uma educaccedilatildeo escolar deslumbrada apenas pela cultura da elite abrindo
espaccedilo para uma escola multiintercultural Em nossa perspectiva isso deve ser o principal
objetivo dos curriacuteculos escolares a garantia de que todos possam se expressar dando vez e
voz agraves diferenccedilas culturais independentemente do niacutevel social de cada indiviacuteduo
Eacute prudente afirmar que atraveacutes da educaccedilatildeo eacute possiacutevel realizar muitas transforma-
ccedilotildees principalmente levar as pessoas a aceitar a diversidade natildeo ter medo do desconhecido
pois no contexto humano tende-se a rejeitar o que natildeo conhecemos para tanto se faz necessaacute-
rio conhecer para poder aceitar Em face disto Silva (2015) nos alerta para a necessidade da
luta pela igualdade pois do contraacuterio a propagaccedilatildeo desenfreada da discriminaccedilatildeo pode levar
agrave situaccedilatildeo limite de instauraccedilatildeo de um conflito civil sem precedentes Poreacutem natildeo basta ape-
nas discutir a diversidade eacutetnico-racial em nosso paiacutes satildeo necessaacuterias accedilotildees concretas para
que o Brasil supere a persistecircncia e profundidade do preconceito racial
Neste sentido a afirmaccedilatildeo da educaccedilatildeo brasileira deve passar pelo debate a re-
formulaccedilatildeo do nosso curriacuteculo sendo ele eacute um dos principais propulsores das accedilotildees pedagoacute-
gicas Em particular cabe reconhecer que o curriacuteculo em voga ainda carrega consigo forte
hegemonia da loacutegica eurocecircntrica a qual sempre privilegiou os saberes e modos de compre-
ensatildeo ocidental e com isso o homem branco cristatildeo de elite marginalizando outras dimen-
sotildees eacutetnicas humanas e socioculturais (OLIVA 2003) Como jaacute mencionado poreacutem aqui
natildeo se trata somente de uma revisatildeo das bases interpretativas de nossa proacutepria cultura e da
maneira como se inscrevem no cotidiano A luta pela revisatildeo do curriacuteculo tambeacutem encontra
direta relaccedilatildeo com a ampliaccedilatildeo do universo de possibilidades para a populaccedilatildeo negra dado
que a escola deteacutem um papel importante no sistema de reproduccedilatildeo das posiccedilotildees sociais na
contemporaneidade (ALVES 2007)
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13 As lutas para afirmaccedilatildeo da Cultura Afro-Brasileira
Eacute inegaacutevel na sociedade brasileira de hoje que o preconceito racial persiste seja
promovido de maneira dissimulada e privada seja assumindo dimensotildees puacuteblicas eou coleti-
vas Sem duacutevida a permanecircncia dessas formas de preconceito e discriminaccedilatildeo e a proacutepria
ausecircncia de identificaccedilatildeo do negro com os conteuacutedos formas e saberes culturais valorizados
no espaccedilo escolar constituem aspectos importantes para entender como os negros satildeo leva-
dos inclusive a se auto excluiacuterem Trata-se aqui de um processo muito eficiente de inculca-
ccedilatildeo da inferioridade de estranhamento reforccedilo da submissatildeo que desde as primeiras etapas
da escolarizaccedilatildeo ateacute os momentos finais incluir-se nos padrotildees de interaccedilatildeo nos conteuacutedos e
nas instituiccedilotildees Isto adquire particular relevacircncia quando se aborda a histoacuteria do Brasil
Neste sentido Silva (2015) nos mostra que a grande maioria da sociedade brasi-
leira conhece somente a histoacuteria da Aacutefrica e do negro que os livros didaacuteticos abordam onde a
ecircnfase principal recai quase que exclusivamente quando o tema eacute escravidatildeo no periacuteodo colo-
nial e imperial chegando ateacute a aboliccedilatildeo da escravidatildeo Passando esse periacuteodo histoacuterico na
praacutetica quase natildeo se aborda ou natildeo se destaca nada a respeito da populaccedilatildeo afro-brasileira
nos livros e perioacutedicos didaacuteticos Quando muito a cultura negra eacute colocada como uma espeacutecie
de plano de fundo das manifestaccedilotildees culturais brasileiras e sua contribuiccedilatildeo subsumida a in-
corporaccedilotildees seletivas na comida expressotildees vestuaacuterio etc Tudo ocorre como se ainda fosse
necessaacuterio escrever a histoacuteria da populaccedilatildeo negra retirando-a do papel de coadjuvante e cap-
tando sua agecircncia capacidade de resistecircncia e luta
Na praacutetica o que se deseja destacar eacute que todas as pessoas satildeo capazes de produ-
zir algo relevante para a sociedade independentemente de sua cultura corraccedila ou credo reli-
gioso Forquin (1993) por exemplo diz que a cultura eacute o conjunto de caracteriacutesticas da ma-
neira como o sujeito vive em sociedade em um grupo em comunidade devendo estas ser
respeitadas por todos
Vicentini (2009) por outro lado define a identidade cultural como uma constru-
ccedilatildeo histoacuterica ininterrupta sendo formada e transformada de maneira continua em detrimento
as formas que somos representadas e ilustrados pelos sistemas culturais que compartilhamos
Quando esse sistema vai se multiplicando nossa ldquoidentidade culturalrdquo eacute confrontada por ou-
tras identidades possiacuteveis onde satildeo verificadas a multiplicidade de combinaccedilotildees com as
quais poderiacuteamos nos identificar e aderir
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Dado que a nossa situaccedilatildeo se encontra longe da ideal o combate agraves muacuteltiplas
formas de racismo e discriminaccedilatildeo tendeu a assumir rumos diversos Desde o esforccedilo para a
elaboraccedilatildeo de instrumentos juriacutedicos que garantissem direitos aos negros passando pela de-
mocratizaccedilatildeo do sistema poliacutetico ateacute a abertura de vagas no mercado de trabalho e a amplia-
ccedilatildeo do aceso agrave educaccedilatildeo e agrave cultura Em grande medida essas modificaccedilotildees encontram-se as-
sociadas ao papel do movimento negro cujas conquistas em acircmbito puacuteblico natildeo se restringem
simplesmente a essa causa sendo tambeacutem importantes para outros movimentos representati-
vos de minorias
Andrews citado por Alves (2007) demonstra em suas pesquisas que embora o
preconceito seja exercitado predominantemente de maneira opaca e dissimulada mesclando-
se por vezes com outros marcadores sociais a populaccedilatildeo negra eacute consciente de que o pre-
conceito racial existe Em nossa cultura o racismo e discriminaccedilotildees satildeo correntes no cotidia-
no e orientado principalmente pela classificaccedilatildeo associada aos atributos fiacutesicos fenotiacutepicos
O problema eacute que no nosso caso o preconceito estaacute fundamentalmente nos carac-
teres fiacutesicos A discriminaccedilatildeo ldquoculturalrdquo vem a reboque da fiacutesica pois os racistas acham que
ldquotudo que vem de negro de pretordquo ou eacute inferior ou eacute maleacutefico (religiatildeo ritmos haacutebitos etc)
(BENTES Apud MUNANGA 2005 p175)
Nesse ponto talvez seja necessaacuterio esclarecer que em meios cientiacuteficos a tese da
hierarquia entre as raccedilas8 constitui um subproduto largamente questionado cujas bases de
legitimidade foram destruiacutedas desde meados do seacuteculo XX Ateacute entatildeo predominava a visatildeo
de que haveria uma escala evolutiva entre as diferentes raccedilas e nessa reparticcedilatildeo os povos
negros os africanos estariam em posiccedilotildees mais inferiores e atrasadas Hoje ao contraacuterio
sabe-se que raccedila e racismo natildeo constituem mais a base da compreensatildeo cientiacutefica sobre a hu-
manidade poreacutem a questatildeo aqui eacute que essa interpretaccedilatildeo se inscreveu no proacuteprio funciona-
mento das instituiccedilotildees e nas bases interpretativas e classificatoacuterias da realidade Dessa pers-
pectiva ao falar-se em raccedila e racismo natildeo entra em pauta a sua discussatildeo em termos bioloacutegi-
cos mas sociais que envolvem a necessidade de construccedilatildeo de projetos poliacuteticos de modifica-
ccedilatildeo da realidade de desmistificaccedilatildeo de formas de classificaccedilatildeo e etiquetagem dos atores e
8 Raccedila eacute uma construccedilatildeo poliacutetica e social Eacute a categoria discursiva em torno da qual se organiza um sistema de
poder socioeconocircmico de exploraccedilatildeo e exclusatildeo ndash ou seja ndash o racismo Todavia como praacutetica discursiva o
racismo possui uma loacutegica proacutepria Tenta justificar as diferenccedilas sociais e culturais que legitimam a exclusatildeo
racial em termos de distinccedilotildees geneacuteticas e bioloacutegicas isto eacute na natureza (GOMES 2012 p730)
42
consequentemente de criacutetica sobre os efeitos desse processo sobre a consciecircncia autoestima
da populaccedilatildeo negra estatisticamente majoritaacuteria no Brasil (ALVES 2007)
Em parte essa revisatildeo se inscreve na proacutepria histoacuteria das Ciecircncias Sociais no Bra-
sil onde intelectuais de diversas procedecircncias e inscritos tanto em instituiccedilotildees cientiacuteficas -
Neves (2006 apud Alves 2007) cita por exemplo os intelectuais posicionados no Instituto de
Pesquisas de Cultura Negra (IPCN) com sede no Rio de Janeiro a Sociedade de Intercacircmbio
Brasil Aacutefrica (SINBA) a Sociedade de Estudo de Cultura Negra no Brasil (SECNEB) O
Grupo de Estudos Andreacute Rebouccedilas (GEAR) entre outros ndash como tambeacutem em Grupos Cultu-
rais de diversos matizes (no estado da Bahia existia o Grupo de Cultura Afro-Brasileira o
Grupo de Teatro Palmares) tem desempenhado um papel importante para a valorizaccedilatildeo da
cultura afro-brasileira Como veremos a seguir essas lutas compotildeem um quadro ainda mais
amplo de engajamentos os quais recolocaram na ordem do dia o tema das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais no espaccedilo escolar sem os quais sequer teriacuteamos condiccedilotildees como as atuais de colocar o
tema das relaccedilotildees eacutetnico-raciais no espaccedilo escolar
43
CAPIacuteTULO 2 - RELACcedilOtildeES EacuteTNICO-RACIAIS lutas movimentos e reformas poliacuteti-
cas educacionais
Valeu Zumbi
O grito forte dos Palmares
Que correu terras ceacuteus e mares
Influenciando a Aboliccedilatildeo
Zumbi valeu
Hoje a Vila eacute Kizomba
Eacute batuque canto e danccedila
Jongo e Maracatu
Vem menininha pra danccedilar o Caxambu (bis)
Ocirc ocirc nega mina
Anastaacutecia natildeo se deixou escravizar
Ocirc ocirc Clementina
O pagode eacute o partido popular
Sacerdote ergue a taccedila
Convocando toda a massa
Nesse evento que com graccedila
Gente de todas as raccedilas
Numa mesma emoccedilatildeo
Esta Kizomba eacute nossa constituiccedilatildeo
Que magia
Reza ageum e Orixaacute
Tem a forccedila da Cultura
Tem a arte e a bravura
E um bom jogo de cintura
Faz valer seus ideais
E a beleza pura dos seus rituais
Vem a Lua de Luanda
Para iluminar a rua
Nossa sede eacute nossa sede
De que o Apartheid se destrua
(Rodolpho de Souza Jonas Rodrigues e Luiacutes Carlos da Vila 1988)
Muito embora distante de tornar realidade os movimentos de combate ao racismo as
frases de ordem o ativismo declarado de negros em todo paiacutes nas diferentes performances
intelectuais ou artiacutesticas contra a sociedade e seu sistema escravocrata velado foi que em
1988 ano que o Brasil comemorou o centenaacuterio da aboliccedilatildeo da escravatura a Unidos de Vila
Isabel9 levantou a Marquecircs de Sapucaiacute com o samba enredo ldquoKizomba a festa da raccedilardquo A
9 Grecircmio Recreativo Escola de Samba Unidos de Vila Isabel eacute uma das mais tradicionais escolas de samba da
cidade do Rio de Janeiro Foi campeatilde do Grupo Especial do Carnaval em 1988 2006 e 2013 Em seu brasatildeo haacute a
coroa da Princesa Isabel aonde figuram na parte de cima um resplendor com uma fita azul aonde se encontram
as iniciais da agremiaccedilatildeo (GRESUVI) e na parte de baixo se veem uma clave de sol um pandeiro e a pena de
Noel Rosa A Unidos de Vila Isabel foi fundada em 4 de abril de 1946 (Fonte wwwunidosdevilaisabelcombr)
44
composiccedilatildeo de Rodolpho de Souza Jonas Rodrigues e Luiacutes Carlos da Vila encantou a todos
numa simbiose de reafirmaccedilatildeo e pertencimento a cultura negra sendo decisiva para o tiacutetulo da
escola tornando-se ldquoinstantaneamente um claacutessico do carnaval brasileirordquo (SOUZA 2013
p 1)
Imagem 1- Desfile da Escola de Samba Unidos de Vila Isabel (1988)
Fonte httpwwwpedromigaocombrourodetolo2016011988-kizombaco-da-vila-isabel-e-quem-viu-viu
Acesso em 08 mar 2018
O Samba enredo marcado por um ritmo forte harmocircnico cadenciado envolvente e
convidativo bem proacuteximo das batidas dos atabaques de terreiros de candombleacutes e tantas ou-
tras manifestaccedilotildees da ancestralidade africana a muacutesica trazia uma poesia igualmente intensa
(SOUZA 2013) Jaacute Rezende destacou que a escola se apresentou ativamente transgressora
viva harmoniosa latente e sobretudo festiva agrave comunidade negra
[] posto que buscou desconstruir um dos mais caros mitos da histoacuteria ofici-al brasileira marcadamente ideologizada aquele que atribui agrave generosidade
da princesa Isabel todo o creacutedito e veneraccedilatildeo pelo fim da escravidatildeo no Bra-
sil acentuadamente transcritos nos livros didaacuteticos escolares e secularmente
transferidos para os curriacuteculos e propagada pelas escolas do paiacutes (REZEN-DE 2017 p 155)
Tomado como referecircncia para discutir as relaccedilotildees de Brasil e Aacutefrica num reencontro
que envolvia uma gama de acontecimentos atinentes agrave populaccedilatildeo negra que deram origem a
vaacuterios movimentos de reafirmaccedilatildeo da identidade africana pelo paiacutes Para tanto a referecircncia ao
enredo manifesto natildeo eacute destituiacuteda de relaccedilotildees com o que se discute neste trabalho A mensa-
45
gem que se tenta transmitir agrave populaccedilatildeo brasileira atraveacutes de estrofes e versos inscreve-se em
uma narrativa bem mais ampla de lutas formas de resistecircncia e tentativas de valorizaccedilatildeo do
legado e do patrimocircnio cultural afro-brasileiro Aliaacutes seria necessaacuterio recordar ainda que es-
taacutevamos aqui no ano de 1988 proacuteximos da comemoraccedilatildeo do centenaacuterio da aboliccedilatildeo da escra-
vatura o que constituiu uma oportunidade iacutempar para refletir sobre o processo de integraccedilatildeo
do negro na sociedade brasileira e sobre os efeitos das experiecircncias histoacutericas sobre o presen-
te
Com efeito a anaacutelise mais detalhada desse enredo permite por o manifesto uma dentre
outras formas de comunicar agrave sociedade brasileira sobre a importacircncia da cultura e da identi-
dade negra no paiacutes Isto eacute o que entra em questatildeo a partir de entatildeo satildeo as estrateacutegias adotadas
para ldquoevidenciar as inuacutemeras contribuiccedilotildees para a formaccedilatildeo da naccedilatildeo brasileira com seus
valores e patrimocircnios culturaisrdquo (SANTOS 2010 p 35)
Deste modo satildeo inegaacuteveis as reverberaccedilotildees que o ano de ldquo1988 trouxe [] sendo um
dos aportes para a refundaccedilatildeo do movimento negrordquo (RIOS 2012 p 44) Em boa medida a
ocasiatildeo foi tomada como oportunidade para operar uma criacutetica agraves narrativas consagradas so-
bre a naccedilatildeo e particularmente para demarcar um processo de reflexatildeo coletiva sobre o que
efetivamente deveria ser comemorado Por essa razatildeo o Movimento Negro organizou nesse
ano a marcha contra o racismo e a farsa da aboliccedilatildeo manifestaccedilatildeo que ocorreu no Rio de Ja-
neiro no dia 11 de Maio de 1988 centro da capital carioca
O centenaacuterio da Aboliccedilatildeo em 1988 entrou para a histoacuteria do movimento negro como o
segundo marco nacional da luta antirracista contemporacircneo a onda de manifestaccedilotildees que
questionou a data comemorativa de 13 (treze) de Maio possuiu maior alcance seja porque se
tratava de momento simboacutelico para a naccedilatildeo seja porque foi realizada nas proximidades da
campanha pela reforma constitucional Natildeo era para menos ldquotratava-se de uma oportunidade
poliacutetica francamente aberta para a consolidaccedilatildeo do movimento negro na cena poliacutetica nacio-
nalrdquo (RIOS 2012 p 51)
De acordo com Oliveira (2016) movimento negro refere-se aos diferentes coletivos de
pessoas organizadas na diaacutespora africana com vista criar experiecircncias de poder
Quando falamos em movimento negro nos referimos a coletivos de pessoas que se sentem comprometidos e se organizam nas vaacuterias partes do mundo
onde se deu a diaacutespora africana nas Ameacutericas na Aacutesia na Europa na Oce-
ania e na proacutepria Aacutefrica (na diaacutespora interna) para lutar e criar uma nova situaccedilatildeo de poder em que osas negrosas sejam reconhecidosas e respeita-
dosas como portadores de uma tradiccedilatildeo proacutepria com seus proacuteprios valores
46
civilizatoacuterios herdados dos seus antepassados E que sejam incluiacutedos natildeo
somente na base produtiva dessas sociedades mas tambeacutem na condiccedilatildeo de dirigentes do desenvolvimento social poliacutetico econocircmico e cultural em seus
paiacuteses (OLIVEIRA 2016 p 9 grifo nosso)
Em face disto muito ainda se discute a repercussatildeo que a marcha contra o racismo te-
ve para suscitar algumas discussotildees vez que destacaram para a sociedade brasileira o estado
precaacuterio e socialmente vulneraacutevel de parte da populaccedilatildeo negra
A partir de entatildeo a atuaccedilatildeo poliacutetica de negros parece ter adquirido novo focirclego levan-
tando questotildees natildeo apenas de redistribuiccedilatildeo socioeconocircmica como tambeacutem concernente agrave
bandeira das lutas por reconhecimento e direitos sociais poliacuteticos e civis Assim a combina-
ccedilatildeo dessas lutas foi capaz de produzir efeitos natildeo somente sobre o Estado como tambeacutem in-
terpelou ao proacuteprio movimento agrave esquerda e a populaccedilatildeo brasileira de um modo geral
Eacute na deacutecada de 80 no seacuteculo XX durante o processo de abertura poliacutetica e
redemocratizaccedilatildeo da sociedade que assistimos uma nova forma de atuaccedilatildeo
poliacutetica dos negros e negras brasileiros Estes passaram a atuar ativamente por meio dos novos movimentos sociais sobretudo os de caraacuteter identitaacuterio
trazendo outro conjunto de problematizaccedilatildeo e novas formas de atuaccedilatildeo e
reinvindicaccedilatildeo poliacutetica O Movimento Negro indaga a exclusividade do en-
foque sobre a classe social presente nas reivindicaccedilotildees e denuacutencias da luta dos movimentos sociais da eacutepoca As suas reivindicaccedilotildees assumem um caraacute-
ter muito mais profundo indagam o Estado a esquerda brasileira e os mo-
vimentos sociais sobre o seu posicionamento neutro e omisso diante da cen-tralidade da raccedila na formaccedilatildeo do paiacutes (GOMES 2010 p 2-3)
A tentativa de construccedilatildeo de uma visatildeo mais positiva da identidade negra requisitou
no entanto uma ampliaccedilatildeo do repertoacuterio de atuaccedilatildeo ateacute entatildeo empregado De uma militacircncia
que era mais artiacutestica intelectual cultural e ateacute mesmo microscoacutepica passamos para o quadro
da criaccedilatildeo de um efetivo grupo de pressatildeo que procurou sentar a mesa para elaboraccedilatildeo de
textos legais que dessem expressatildeo e garantias agraves lutas e bandeiras levantadas Foi assim por
exemplo no contexto de formulaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 quando o movimento
negro participou ativamente da discussatildeo de propostas apesar de que
[] natildeo incluiacuteram de fato as reivindicaccedilotildees desse movimento em prol da
educaccedilatildeo Os debates em torno da questatildeo racial realizados entre o Movi-
mento Negro e os parlamentares revelam um processo de esvaziamento do conteuacutedo poliacutetico das reivindicaccedilotildees (RODRIGUES apud GOMES 2011 p
5)
A despeito de que natildeo tenha havido um direcionamento concreto agraves diversas demandas
apresentadas pelo movimento essas iniciativas davam mostras da organicidade e fortaleciam
as condiccedilotildees de coalizatildeo interna bem como a identificaccedilatildeo de canais para encaminhamento
de demandas ao Estado
47
Outra demonstraccedilatildeo puacuteblica da capacidade de mobilizaccedilatildeo e organizaccedilatildeo do movi-
mento foi agrave comemoraccedilatildeo do tricentenaacuterio da morte de Negro Zumbi reunindo aproximada-
mente 30 mil pessoas nas ruas de Brasiacutelia
Bakke (2011) diz que
[] em 1995 por ocasiatildeo das comemoraccedilotildees dos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares os movimentos sociais negros realizaram uma marcha
a Marcha dos 300 anos de Zumbi dos Palmares ateacute Brasiacutelia onde entregaram
uma reivindicaccedilatildeo por poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees afirmativas ao entatildeo presi-
dente da repuacuteblica Fernando Henrique Cardoso Nessa comemoraccedilatildeo o pre-sidente fez um discurso no qual pela primeira vez o Estado brasileiro reco-
nhecia oficialmente a existecircncia do racismo mudando o posicionamento ateacute
entatildeo adotado sem grandes alteraccedilotildees dede a deacutecada de 1930 No ano se-guinte a luta dos movimentos sociais negros tambeacutem aparece na promulga-
ccedilatildeo da Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo (LDB) que reafirma a orienta-
ccedilatildeo de que os curriacuteculos escolares deveriam tratar da participaccedilatildeo dos negros
e indiacutegenas na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (BAKKE 2011 p 9)
Assim as poliacuteticas puacuteblicas afirmativas foram ganhando cena a niacutevel do Estado brasi-
leiro Na deacutecada de 90 do Seacutec XX o movimento negro realiza outra marcha e com frases de
efeitos ldquoReaja agrave violecircncia racialrdquo ldquoNegro tambeacutem quer poderrdquo ldquoPalmares Zumbi Assim
eu resistirdquo ldquoQueremos escola queremos empregordquo ldquoZumbi vive Racismo natildeordquo (RIOS
2012 p 56) a multidatildeo que movimentou Brasiacutelia no Dia 20 de Novembro de 1995 represen-
tava uma massa significativa da populaccedilatildeo brasileira que clamava por justiccedila social As rei-
vindicaccedilotildees concatenadas priorizam o acesso agrave educaccedilatildeo como forma de colaborar para a as-
censatildeo social do negro A partir da Marcha Zumbi dos Palmares as questotildees eacutetnico-raciais
brasileiras entraram em pauta em diferentes niacuteveis governamentais e sociais (DUARTE
2008 p 5)
Imagem 2 - Marcha Zumbi dos PalmaresBrasiacutelia 20 de novembro de 1995
Fonte httpwwwafropresscompostaspid=18405 Acesso em 08032019
48
O objetivo dessa marcha era apresentar ao governo brasileiro o reconhecimento
das injusticcedilas histoacutericas sofridas por esses brasileiros principalmente a falta de acesso agraves poliacute-
ticas afirmativas bem como a criaccedilatildeo de um nuacutecleo de debates que problematizassem ques-
totildees atinentes ao negro no paiacutes Em resposta o Presidente Fernando Henrique Cardoso
(19952003) criou o Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorizaccedilatildeo da Populaccedilatildeo Ne-
gra (GTI Populaccedilatildeo Negra) O movimento havia conseguido influenciar os rumos da luta con-
tra o racismo no paiacutes A data foi fundamental e abriu caminho para a formulaccedilatildeo posterior
das poliacuteticas de accedilotildees afirmativas no Brasil (GELEDEacuteS 2016) Por accedilotildees afirmativas deve-se
compreender que
[] satildeo medidas que buscam o fim de uma seacuterie de desigualdades que foram
sendo produzidas reproduzidas e acumuladas ao longo da histoacuteria humana bem como pretendem compensar as inuacutemeras perdas provocadas pela exclu-
satildeo social discriminaccedilatildeo e marginalizaccedilatildeo dentre outras accedilotildees oriundas do
julgamento por motivos raciais eacutetnicos religiosos de gecircnero Assim a in-
tenccedilatildeo das accedilotildees afirmativas gira em torno da busca por garantir igualdade de oportunidade e tratamento agraves minorias funcionando como primeiro passo
para a inclusatildeo destes nas esferas sociais das quais natildeo fazem parte (SE-
CAD MEC2006 p 26)
Eacute valido ressaltar por outro lado que mesmo em um contexto de marcada nega-
ccedilatildeo de direitos agrave populaccedilatildeo negra a militacircncia procurou sempre atuar em diferentes frentes de
mobilizaccedilatildeo Seja atraveacutes de jornais seja atraveacutes de iniciativas propriamente educacionais
progressivamente foi se constituindo um corpo de agentes dotados de competecircncias e saberes
cruciais para atuar de maneira eficiente junto ao Estado Em torno desse pensamento inuacuteme-
ras accedilotildees de mobilizaccedilatildeo foram realizadas com a finalidade de aproximar agrave populaccedilatildeo negra
para as negociaccedilotildees que tratariam de accedilotildees que levariam o negro para o centro das decisotildees
no uacuteltimo quartel do seacuteculo XX Por exemplo a imprensa brasileira foi intensamente utilizada
como instrumento de suas campanhas Aleacutem disso setores da Frente Negra Brasileira (FNB)
criaram salas de aula de alfabetizaccedilatildeo para os trabalhadores e trabalhadoras negras em diver-
sas localidades (GONCcedilALVES 2000)
[] Nesta trajetoacuteria destacam-se as experiecircncias do Movimento Negro Uni-
ficado (MNU) a partir do fim da deacutecada de 1970 - e seus desdobramentos com a poliacutetica antirracista nas deacutecadas de 1980 e 1990 com conquistas sin-
gulares nos espaccedilos puacuteblicos e privados - das frentes abertas pelo Movimen-
to de Mulheres Negras e do embate poliacutetico impulsionado pelas Comunida-
des Negras Quilombolas Ou seja no percurso trilhado pelo Movimento Ne-gro Brasileiro a educaccedilatildeo sempre foi tratada como instrumento de grande
valia para a promoccedilatildeo das demandas da populaccedilatildeo negra e o combate agraves de-
sigualdades sociais e raciais (SECADMEC 2006 p18 19)
49
Coerentemente com suas reivindicaccedilotildees e propostas histoacutericas que decorrem desde as
ldquomanifestaccedilotildees mais reservadas por conta do sistema ditatorial ateacute as primeiras manifestaccedilotildees
de ruas que ganharam bastante notoriedade com a redemocratizaccedilatildeo do paiacutesrdquo (RIOS 2012 p
52) a lutas empreendidas pelo Movimento Negro tecircm possibilitado ao Estado brasileiro pro-
mover poliacuteticas e programas para a populaccedilatildeo afro-brasileira e valorizar a histoacuteria e a cultura
do povo negro (GOMES 2010 SECADMEC 2006)
Outro componente importante dessa luta que deve ser mencionado diz respeito agrave III
Conferecircncia Mundial contra o racismo a discriminaccedilatildeo a xenofobia e formas correlatas de
intoleracircncia ocorrida em 2001 na cidade de Durban Aacutefrica do Sul De maneira geral somen-
te depois dessa conferecircncia que a adoccedilatildeo de poliacuteticas afirmativas entrou para a agenda poliacutetica
internacional Para o Brasil esse evento foi de grande importacircncia como destaca Munanga
(2015)
Depois da Conferecircncia de Durban o Brasil oficial engajou-se como natildeo se vira antes na busca dos caminhos para a execuccedilatildeo da Declaraccedilatildeo dessa Con-
ferecircncia da qual foi um dos paiacuteses signataacuterios A declaraccedilatildeo previa a imple-
mentaccedilatildeo das poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa inclusive as cotas em benefiacutecio
dos negros iacutendios e outras chamadas minorias As polecircmicas e controveacutersias a respeito dessas poliacuteticas satildeo indicadores das realidades de uma sociedade
que ainda vive entre o mito e os fatos ou melhor que confunde o mito e os
fatos ou seja onde o mito funciona como verdadeira realidade (MUNAN-GA 2015 p 137)
Com efeito a instituiccedilatildeo da Lei 1063903 que foi confirmada e ampliada pela lei
116452008 constituiacuteram demonstraccedilotildees concretas de compromisso do Estado Brasileiro com
a questatildeo muito embora sua implementaccedilatildeo ainda seja insuficiente como seraacute exposto mais
adiante Segue abaixo os objetivos da lei 1063903
Lei Nordm 106392003 Altera a Lei nordm 9394 de 20 de dezembro de 1996 que estabelece as diretri-
zes e bases da educaccedilatildeo nacional para incluir no curriacuteculo oficial da Rede de
Ensino a obrigatoriedade da temaacutetica ldquoHistoacuteria e Cultura Afro-Brasileirardquo E
daacute outras providecircncias O PRESIDENTE DA REPUacuteBLICA Faccedilo saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei
Art 1ordm - A Lei no 9394 de 20 de dezembro de 1996 passa a vigorar acres-
cida dos seguintes arts 26-A 79-A e 79-B Art 26-A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e
particulares torna-se obrigatoacuterio o ensino sobre Histoacuteria e Cultura Afro-
Brasileira sect 1ordm O conteuacutedo programaacutetico a que se refere o caput deste artigo incluiraacute o
estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dos Africanos a luta dos negros no Brasil a
cultura negra brasileira e o negro na formaccedilatildeo da sociedade nacional resga-
tando a contribuiccedilatildeo do povo negro nas aacutereas social econocircmica e poliacutetica pertinente agrave Histoacuteria do Brasil
50
sect 2ordm Os conteuacutedos referentes agrave Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira seratildeo mi-
nistrados no acircmbito de todo o curriacuteculo escolar em especial nas aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica e de Literatura e Histoacuteria Brasileira
sect ldquo3ordm - (Vetado)rdquo ldquoArt 79-A - (Vetado)rdquo ldquoArt 79-B - O calendaacuterio escolar
incluiraacute o dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciecircncia Negrardquo Art 2ordm - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicaccedilatildeo
(Brasiacutelia 9 de janeiro de 2003 182ordm da Independecircncia e 115ordm da Repuacuteblica
LUIZ INAacuteCIO LULA DA SILVA Cristoacutevan Ricardo Cavalcanti Buarque (BRASIL DOU 10 de jan de 2003)
Diante da publicaccedilatildeo de tal legislaccedilatildeo o Conselho Nacional de Educaccedilatildeo aprovou o
Parecer CNECP 32004 que institui as Diretrizes Curriculares para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees
Eacutetnico-Raciais e o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas a serem executa-
das pelos estabelecimentos de ensino de diferentes niacuteveis e modalidades cabendo aos siste-
mas de ensino orientar e promover a formaccedilatildeo de professores e professoras e supervisionar o
cumprimento das Diretrizes Curriculares Nacionais Pode-se compreender segundo esse do-
cumento que relaccedilotildees eacutetnico-raciais satildeo aquelas criadas por sujeitos de diferentes grupos par-
tindo de ideias conceitos e informaccedilotildees sobre as diferenccedilas raciais percebendo suas seme-
lhanccedilas criando desta forma um sentimento de pertencimento racial
Com efeito esse debate culminou em diversas propostas de implementaccedilatildeo de accedilotildees
para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais conforme suscitado pela Secretaria de Educa-
ccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SECADMEC) Estas propostas assumiriam o
rol de orientaccedilotildees para a implementaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais com abrangecircncia em to-
dos os niacuteveis de ensino nas instituiccedilotildees puacuteblicas e particulares do territoacuterio nacional Entre os
diferentes princiacutepios que presidiram a produccedilatildeo desses documentos vale destacar os seguin-
tes
Socializaccedilatildeo e visibilidade da cultura negro-africana
Formaccedilatildeo de professores com vistas agrave sensibilizaccedilatildeo e agrave construccedilatildeo de es-trateacutegias para melhor equacionar questotildees ligadas ao combate agraves discri-
minaccedilotildees racial de gecircnero e agrave homofobia
Construccedilatildeo de material didaacutetico-pedagoacutegico que contemple a diversidade
eacutetnico-racial na escola Valorizaccedilatildeo dos diversos saberes
Valorizaccedilatildeo das identidades presentes nas escolas sem deixar de lado esse
esforccedilo nos momentos de festas e comemoraccedilotildees (SECADMEC 2006 p 24)
Seja como for muito embora a Lei tenha vindo como um ajuste de contas ela natildeo teve
o dinamismo das lutas realizadas para sua implementaccedilatildeo No estado do Maranhatildeo por
exemplo que apresenta o terceiro maior percentual de residentes autodeclarados como negros
51
(perde apenas para o Paraacute e a Bahia) as poliacuteticas de afirmaccedilatildeo voltadas para a populaccedilatildeo
afrodescendentes ainda natildeo foram desenvolvidas tatildeo sistematicamente quanto se esperava
O Plano Estadual de Educaccedilatildeo (PEE) que eacute uma exigecircncia federal eacute pouco
conhecido pelos professores da rede estadual e embora traga um diagnoacutestico
realista com base nesses indicadores educacionais e destaque nas metas e estrateacutegias formas de reparar essa realidade natildeo eacute utilizado na praacutetica Esse
plano foi construiacutedo pelo Foacuterum Estadual de Educaccedilatildeo atraveacutes de vinte con-
ferecircncias intermunicipais e aprovadas no governo de Roseana Sarney atra-
veacutes da Lei nordm 10099 de 11 de junho de 2014 (SANTOS 2018 p)
Apesar disso o governo do Estado em conjunto com intelectuais autoridades e pes-
quisadores tem tentado implementar o Plano Estadual de Poliacutetica de Promoccedilatildeo da Igualdade
Eacutetnico-Racial (2006) bem como promovido conferecircncias com regularidade para debater so-
bre a promoccedilatildeo de iniciativas voltadas agrave populaccedilatildeo negra do Estado
Como em todo o resto no entanto se de um lado convivemos com avanccedilos significa-
tivos no plano legal a verdade concreta eacute que no plano do cotidiano escolar ainda convivemos
com uma inclusatildeo muito limitada a momentos estanques comemorativos e com teor folcloacuteri-
co estando muito aqueacutem de uma inserccedilatildeo interdisciplinar como preconizado pelo texto legal
Sob a perspectiva assumida neste trabalho a valorizaccedilatildeo do respeito agrave diferenccedila que estaacute na
base do multiculturalismo teve evidentes vitorias no campo das poliacuteticas puacuteblicas no Brasil e
na Ameacuterica Latina Ocorre que quando observamos o cotidiano das instituiccedilotildees e estudamos
as culturas escolares especiacuteficas percebemos que elas ainda reproduzem as formas escolares
hegemocircnicas que satildeo atravessadas por uma concepccedilatildeo que naturaliza a desigualdade as hie-
rarquias e as concepccedilotildees racializada da realidade
Nesse sentido
Espera-se que ao longo dos anos o caraacuteter emergencial dessa medida de
accedilatildeo afirmativa decirc lugar ao seu total enraizamento enquanto lei nacional a ponto de passar a fazer parte do imaginaacuterio pedagoacutegico e da poliacutetica educa-
cional brasileira e natildeo mais ser vista como uma legislaccedilatildeo especiacutefica Nesse
caso entendida como Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional a Lei nordm 1063903 poderaacute garantir aquilo que os defensores das accedilotildees afirmativas
pleiteiam ou melhor que as poliacuteticas universais brasileiras incluam e garan-
tam de forma expliacutecita o direito agrave diferenccedila (GOMES 2010 p 21)
Atento ao quadro sob observaccedilatildeo que combina deficiecircncias estruturais carecircncias de
materiais especializados obstaacuteculos decorrentes da proacutepria formaccedilatildeo dos professores e as
resistecircncias oriundas do acircmbito propriamente escolar ndash cada vez mais atravessado por uma
accedilatildeo ostensiva das igrejas evangeacutelicas notadamente ndash concebemos este trabalho como uma
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singela contribuiccedilatildeo para melhoria desse quadro cuja razatildeo de ser deriva do engajamento do
autor desse trabalho como pessoa e profissional no espaccedilo em pauta
53
CAPIacuteTULO 3- DA ESCOLA PARA OS TERREIROS normas experiecircncias e percep-
ccedilotildees sobre as religiotildees afro-brasileiras
Este capiacutetulo assume uma dimensatildeo muito mais diagnoacutestica sobre o funcionamento da
cultura escolar em pauta A comeccedilar pelo fato de tentar discuti-la a partir da descriccedilatildeo dos
paracircmetros e normas que moldam o curriacuteculo com atenccedilatildeo particular aos significados e desa-
fios da implementaccedilatildeo da Lei 1063903 Ocorre que a exploraccedilatildeo dessa cultura escolar requi-
sita ainda que efetuemos uma caracterizaccedilatildeo mais detalhada do espaccedilo de anaacutelise da estrutura
do estabelecimento escolar e tambeacutem das percepccedilotildees que seus atores tecircm a respeito da inclu-
satildeo de temas relacionada agrave histoacuteria cultura e religiosidade africana e afro-brasileira no espaccedilo
escolar Neste caso recorremos tanto agrave aplicaccedilatildeo de questionaacuterios estruturados com alunos e
professores (disponiacuteveis nos anexos da dissertaccedilatildeo) como tambeacutem estabelecemos diaacutelogo
com docentes atuais e que jaacute passaram pela instituiccedilatildeo para entendermos como eles percebe
(ia)m a relaccedilatildeo entre a escola e os terreiros O tiacutetulo do capiacutetulo da escola para os terreiros
representa pois a tentativa de compreender como na escola em estudo para anaacutelise com a
proximidade geograacutefica e relacional com os diversos terreiros do entorno eacute pensada concebi-
da e que iniciativas foram executadas ao longo do processo
Como seraacute visto a despeito de haver resistecircncias e ateacute mesmo certo despreparo teacutecnico
os tracircnsitos de agentes os ajustes de loacutegicas e as negociaccedilotildees satildeo antigos o que levanta o
problema das ineacutercias educativas para coordenaccedilatildeo desse processo Por essa razatildeo na uacuteltima
parte do capiacutetulo exploramos a experiecircncia de realizaccedilatildeo de oficinas que ministramos na esco-
la e que estiveram na base da produccedilatildeo do material didaacutetico que acompanha a presente disser-
taccedilatildeo
31 As mutaccedilotildees no curriacuteculo e o desafio de implementaccedilatildeo da Lei 106392003
O papel fundamental da educaccedilatildeo no desenvolvimento das pessoas e das so-
ciedades amplia-se ainda mais no despertar do novo milecircnio e aponta para
a necessidade de se construir uma escola voltada para a formaccedilatildeo de cida-
datildeos Vivemos numa era marcada pela competiccedilatildeo e pela excelecircncia em que progressos cientiacuteficos e avanccedilos tecnoloacutegicos definem exigecircncias novas
para os jovens que ingressaratildeo no mundo do trabalho ldquoTal demanda impotildee
uma revisatildeo dos curriacuteculos que orientam o trabalho cotidianamente reali-zado pelos professores e especialistas em educaccedilatildeo do nosso paiacutesrdquo
(Paulo Renato Souza Ministro da Educaccedilatildeo e do Desporto PCNrsquos 1998
p 5)
54
As escolas brasileiras ao longo da sua construccedilatildeo vecircm debatendo sobre o curriacuteculo no
que se refere agrave distribuiccedilatildeo de conteuacutedos sobretudo com questotildees que englobam a temaacutetica
do respeito agraves diferenccedilas dentro do espaccedilo escolar Como pudemos demonstrar no capiacutetulo
anterior essa discussatildeo natildeo eacute recente e resulta em grande medida da atuaccedilatildeo importantiacutessi-
ma do movimento negro
Nessa perspectiva para manter uma estrutura de ensino minimamente aproximada das
verdadeiras aspiraccedilotildees da educaccedilatildeo as escolas devem se basear em propostas que orientem
efetivamente para o exerciacutecio da cidadania e estejam adaptadas agraves peculiaridades do contexto
em pauta conforme orientam os Paracircmetros Curriculares Nacionais que satildeo
[] diretrizes elaboradas com o objetivo principal de orientar os educadores por
meio da normatizaccedilatildeo de alguns fatores fundamentais concernentes a cada discipli-na [] no exerciacutecio da cidadania Embora natildeo sejam obrigatoacuterios os PCNrsquos ser-
vem como norteadores para professores coordenadores e diretores que podem
adaptaacute-los agraves peculiaridades locais [] para a transformaccedilatildeo de objetivos conteuacute-
dos e didaacutetica do ensino (BRASIL PCNrsquos 1998 p 11 grifo nosso)
Com o objetivo de apresentar instrumentos mencionamos os paracircmetros na visatildeo de
um professor da rede municipal de Ensino de Cururupu- MA Para o docente
Paracircmetros satildeo orientaccedilotildees para os professores seguirem na medida em que desenvolvem atividades em sala de aula com o objetivo de propiciar um en-
sino moderadamente eficaz apesar de que isso natildeo seja colocado em praacutetica
(Professor Edivaldo Rodrigues julho de 2018) 10
Conceitualmente os paracircmetros orientam praacuteticas de ensino das disciplinas e aborda-
gens de seus conteuacutedos com o objetivo de aprimorar habilidades e competecircncias no corpo
discente No que tange ao Ensino de Histoacuteria prescreve orientaccedilotildees para que a escola apren-
da a reconhecer e valorizar a ldquopluralidade do patrimocircnio sociocultural brasileirordquo e ao mes-
mo tempo conhecer tambeacutem os ldquoaspectos socioculturais de outros povos posicionando-se
contra qualquer discriminaccedilatildeo []rdquo (OLIVA 2009 p 145)
Desse modo esses documentos objetivam orientar o professor quanto agrave necessidade de
trabalhar a diversidade presente na escola os elementos que a formatam a pluralidade de sa-
beres existentes nos grupos Eacute interessante observar o descompasso entre aquilo que eacute apre-
sentado nos documentos legais geralmente trabalhados de maneira superficial ou para preen-
cher determinados rituais pedagoacutegicos (SANTOS 2015) e as formas praacuteticas de exerciacutecio nas
diferentes configuraccedilotildees escolares Quando se observa de maneira mais aproximada o cotidi-
ano escolar ainda tendo em vista o descompasso supramencionado o que se percebe eacute que
10 Edivaldo Rodrigues professor da Rede Municipal de Ensino de Cururupu trabalha com a disciplina Liacutengua
Portuguesa na Unidade Integrada Herculana Vieira I
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mesmo naqueles casos em que haacute um esforccedilo para aplicaccedilatildeo de novas praacuteticas pedagoacutegicas
ocorrem vaacuterios problemas sejam eles oriundos da formaccedilatildeo da disposiccedilatildeo dos profissionais
ou ateacute mesmo do caraacuteter meramente pragmaacutetico e superficial como que essas diretrizes satildeo
implementadas
O professor eacute o principal agente de transmissatildeo dos conhecimentos dentro da sala de
aula dessa maneira merece atenccedilatildeo especial quanto a novos conteuacutedos a serem repassados
aos alunos No que se refere agrave Cultura Afro-Brasileira esse cuidado deve ser ainda maior
pois se torna essencial que o educador compreenda as implicaccedilotildees propriamente poliacuteticas que
perpassam o processo de ensino-aprendizagem Sem duacutevida essa decisatildeo estaacute no princiacutepio de
sua atuaccedilatildeo pedagoacutegica e tende a refletir-se sobre a maneira como a desigualdade e injusticcedila
social satildeo tratadas dentro da escola No cotidiano escolar eacute fundamental que a educaccedilatildeo seja
antirracista visando agrave erradicaccedilatildeo das discriminaccedilotildees dos preconceitos e de tratamentos dife-
renciados Ocorre que o espaccedilo escolar ainda continua repassando ideias e estereoacutetipos pre-
concebidos independente da forma de disseminaccedilatildeo (material didaacutetico e de apoio meio de
comunicaccedilatildeo corpo docente e discente dentre outros) Essas manifestaccedilotildees devem ser criti-
cadas com fervor e principalmente banidas do meio social dado que se conectam a manuten-
ccedilatildeo do preconceito e de comportamentos discriminatoacuterios que reforccedilam a desigualdade social
como menciona Cavalleiro (2001)
[] na educaccedilatildeo nem sempre os agentes estatildeo conscientes de que a manu-
tenccedilatildeo dos preconceitos seja um problema Dessa forma interiorizamos ati-
tudes e comportamentos discriminatoacuterios que passam a fazer parte do nosso
cotidiano mantendo eou disseminando as desigualdades sociais (CA-
VALLEIRO 2001 p 152)
A praacutetica pedagoacutegica nesse sentido precisa ser eminentemente poliacutetica e consciente
do seu papel central no combate ao racismo ao preconceito agrave discriminaccedilatildeo e agraves demais ma-
neiras de classificaccedilatildeo social negativa Sob nossa perspectiva o cotidiano escolar pode ser um
meio eficiente de dispersatildeo ou dissipaccedilatildeo de atos preconceituosos Portanto quando se assu-
me uma postura contraacuteria agrave desigualdade e segue-se rumo agrave visatildeo de paridade entre as pesso-
as compreende-se que a escola tambeacutem tem esse papel pois eacute um aparelho ideoloacutegico efici-
ente na formaccedilatildeo social (ALVES 2007)
Nesse sentido cabe a todos os integrantes da escola - professores apoio pedagoacutegico
diretores funcionaacuterios comunidade - colocarem em exerciacutecio as determinaccedilotildees da Lei ndeg
106392003 concernentes agrave Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africana Dessa maneira o
professor deve estar sempre atento aos conteuacutedos que devem ser ensinados sobre a cultura
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afro-brasileira precisando pesquisar e implementar o que determina os Paracircmetros Curricula-
res Nacionais Evidentemente isto se conecta a uma percepccedilatildeo renovada do curriacuteculo enten-
dido como meio para a construccedilatildeo de identidade e valorizaccedilatildeo da dignidade e diferenccedila
Segundo Antocircnio Flaacutevio Barbosa Moreira e Vera Maria Candau(2007)
[] O curriacuteculo representa assim um conjunto de praacuteticas que propiciam a produccedilatildeo a circulaccedilatildeo e o consumo de significados no espaccedilo social e que
contribuem intensamente para a construccedilatildeo de identidades sociais e cultu-
rais O curriacuteculo eacute por consequecircncia um dispositivo de grande efeito no
processo de construccedilatildeo da identidade do (a) estudante (CANDAU MO-REIRA 2006 p 28)
O curriacuteculo como criaccedilatildeo simboacutelica no fazer pedagoacutegico permeia as atividades de
criaccedilatildeo recriaccedilatildeo contestaccedilatildeo e transgressatildeo dos saberes possibilitando significados e nego-
ciaccedilotildees De acordo com Medeiros (2017 p 41) ldquoO curriacuteculo como hoje se apresenta remonta
em certa medida agraves deacutecadas de 1920 e 1930 periacuteodo de eminentes mudanccedilas culturais no
Brasil sobretudo transformaccedilotildees econocircmicas e poliacuteticas
Nesse cenaacuterio em que debates acalorados sobre a educaccedilatildeo ocorriam em diferentes
espaccedilos fortes influecircncias dos Estados Unidos e da Europa foram basilares para a construccedilatildeo
de pautas que debatessem o curriacuteculo como proposta passiacutevel de mudanccedilas Autores ligados
ao pragmatismo e a Escola Nova lanccedilaram propostas que debatiam sobre o curriacuteculo e os con-
teuacutedos como forma de pensar uma educaccedilatildeo mais acessiacutevel tanto em termos de acesso fiacutesi-
co como na redistribuiccedilatildeo de temas a serem trabalhados em sala de aula (PACHECO 2005)
Eacute vaacutelido ressaltar que as primeiras publicaccedilotildees no Brasil referentes ao curriacuteculo satildeo
realizadas entre as deacutecadas de 1950 e 1960 tendo autores como Joatildeo Roberto Moreira e Ma-
rina Couto Entre as deacutecadas de 1970 e 1980 surgem representantes no cenaacuterio nacional com
pensamento voltado para o tecnicismo e pensadores como Baacuterbara Freitag e Luiz Antocircnio
Cunha que apresentavam um pensamento criacutetico (MEDEIROS 2017) Soma-se a esse grupo
ainda um conjunto de outros intelectuais que defendiam uma construccedilatildeo do curriacuteculo atenta agrave
realidade escolar baseando-se na realidade social dos seus estudantes como visto nas pers-
pectivas pedagoacutegicas e propostas de teoacutericos da pedagogia como Paulo Freire (1996) e De-
merval Saviani (1999)
A despeito disso como demonstra Nilma Lino Gomes (2012) ao comentar sobre
a histoacuteria do curriacuteculo e da descolonizaccedilatildeo ainda eacute necessaacuterio lidar com um curriacuteculo ainda
formulado com base em padrotildees eurocecircntricos e a proacutepria formaccedilatildeo dos professores constitui
outro entrave para esse processo de superaccedilatildeo Como tambeacutem ressalta Aacutevila
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[] uma das razotildees que se constata eacute a organizaccedilatildeo curricular dos cursos de
formaccedilatildeo de docentes o que vimos satildeo curriacuteculos ainda muito teacutecnicos que natildeo favorecem nem preparam o professor para a valorizaccedilatildeo plural da cultu-
ra Os curriacuteculos estatildeo ligados e refletem o que preconizam as camadas do-
minantes da sociedade que congelam as identidades e reproduzem a desi-gualdade social (AacuteVILA 2010 p 46)
Nesse quadro sem duacutevida a implementaccedilatildeo da Lei ndeg 106392003 pode ser lida como
uma conquista concreta realizada ao longo de anos e por intermeacutedio de vaacuterios atores individu-
ais e coletivos para valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira em meios escolares De um ponto de
vista praacutetico contribui para ldquoconstruccedilatildeo e viabilizaccedilatildeo de novos acordos sociais por meio do
qual a valorizaccedilatildeo formal da cultura negra eacute reconhecida como uma das matrizes da sociedade
brasileirardquo (BAKKE 2011 p 62)
A Lei 106392003 reformula o curriacuteculo oficial pois eacute atraveacutes deste que satildeo escolhi-
das as propriedades do que ensinar ou natildeo nas escolas brasileiras O curriacuteculo educacional eacute
estruturalmente a manifestaccedilatildeo das poliacuteticas oficialmente aceitas em uma sociedade pois
condensa o estado das lutas poliacuteticas e sociais no formato de regras e conteuacutedos legitimados
Desnecessaacuterio dizer que os conteuacutedos e saberes consagrados celebram direta e tacitamente as
concepccedilotildees de mundo dos dominantes Na praacutetica a expectativa era de que essa lei consoli-
dasse o compromisso da escola e dos seus profissionais com a formaccedilatildeo para a cidadania for-
talecendo competecircncias para o respeito agrave diversidade e a valorizaccedilatildeo dos diferentes atores e
culturas que estiveram na base da formaccedilatildeo social do Brasil (SANCHEZ 2017)
Mesmo que exista uma vasta literatura acadecircmica no campo do pensamento social bra-
sileiro que ateste a influecircncia da cultura africana e a sua inestimaacutevel contribuiccedilatildeo para a for-
maccedilatildeo da sociedade brasileira ainda eacute fato que no cotidiano essa heranccedila ainda eacute rechaccedilada e
rejeitada com variaccedilotildees obviamente em cada configuraccedilatildeo territorial Eacute precisamente nesse
sentido que a obrigatoriedade de trabalhar com essa cultura adquire pleno sentido exigindo
que as instituiccedilotildees brasileiras de ensino baacutesico sejam compelidas a incluir no seu curriacuteculo o
ensino de Histoacuteria e da Cultura afro-brasileira e Africana como um tema transversal (ALVES
2007)
Esse contexto traz aspectos pertinentes com relaccedilatildeo agrave dignidade da pessoa humana
Poreacutem quando avaliada do acircngulo das suas condiccedilotildees de implementaccedilatildeo passamos a perce-
ber que ela ainda constitui um desafio concreto para a atuaccedilatildeo docente
As questotildees eacutetnico-raciais ao lado da Lei 1063903 suscitam na educaccedilatildeo
desafios e tensotildees na dimensatildeo cognitiva e subjetiva dos docentes e nos es-
paccedilos escolares Por outro lado a Lei natildeo eacute de faacutecil aplicaccedilatildeo pois trata de
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questotildees curriculares que satildeo conflitivas desconsideradas muitas vezes pois
questionam e desconstroem saberes histoacutericos considerados como verdades inabalaacuteveis (AacuteVILA 2010 p 69)
E isto por vaacuterios motivos Gentile apud Alves (2007) por exemplo revela que a des-
qualificaccedilatildeo da cultura africana eacute constantemente refletida em sala de aula pois a discrimina-
ccedilatildeo eacute tambeacutem percebida pelo fato que o segundo maior continente do mundo apresenta a
literatura africana apenas quando trata o tema ldquoescravidatildeordquo natildeo divulgando a riqueza literaacute-
ria e o conhecimento da capacidade intelectual do negro De maneira semelhante a importacircn-
cia do afrodescendente tambeacutem natildeo eacute explorada com toda a sua riqueza
Poreacutem como vimos anteriormente se as formas escolares hegemocircnicas se encontram
estruturalmente ligadas agrave reproduccedilatildeo dos padrotildees e formas culturais dominantes a reformula-
ccedilatildeo da produccedilatildeo do saber escolar com base na inclusatildeo dos elementos anteriormente tratados
como marginais natildeo deixa de suscitar resistecircncias mais ou menos conscientes em que pese os
inegaacuteveis avanccedilos institucionais E aqui talvez se encontre um dos principais dilemas do pro-
cesso em anaacutelise Enquanto por um lado constata-se uma seacuterie de avanccedilos ao niacutevel propria-
mente juriacutedico-poliacutetico o mesmo natildeo ocorre no padratildeo cotidiano de interaccedilotildees face a face
dentro do espaccedilo escolar Primeiramente porque a proacutepria configuraccedilatildeo do Estado brasileiro
parece ter sido orientada por criteacuterios racializados cuja inscriccedilatildeo nas instituiccedilotildees constitui um
dos principais entraves para a implementaccedilatildeo praacutetica da referida Lei (SANCHEZ 2017)
Nestes aspectos funda-se o desejo de uma consciecircncia histoacuterica e poliacutetica da aceitaccedilatildeo
da diversidade que nos leve agrave compreensatildeo e agrave aceitaccedilatildeo dos sujeitos integrantes e partiacutecipes
de nossa formaccedilatildeo social Como ressalta Borges (2010) grupos distintos eacutetnico-raciais que
satildeo dotados de cultura e histoacuterias diferentes devem ter o mesmo valor na conjuntura social
Neste sentido conveacutem apoiar as medidas que visem agrave preservaccedilatildeo dos seus princiacutepios identi-
taacuterios e que visem agrave garantia do respeito agrave proacutepria diversidade e ao conviacutevio muacutetuo Ou seja a
educaccedilatildeo escolar deve servir agrave tarefa puacuteblica de oportunizar aos diferentes atores sociais os
conhecimentos e as ferramentas para garantia de direitos oferecendo as condiccedilotildees para o efe-
tivo exerciacutecio da cidadania
Dada agrave importacircncia do saber escolar nesse cenaacuterio eacute fundamental que os professores
estejam aptos para dispor de estrateacutegias e propostas de aprendizado que levem o aluno a refle-
tir criticamente sobre seu contexto social que alicercem a responsabilidade com os princiacutepios
eacuteticos de respeito agrave diferenccedila e que agucem o senso criacutetico dos estudantes para quando neces-
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saacuterio discutirem contestarem em toacutepicos e questotildees que natildeo dizem somente respeito ao in-
diviacuteduo em particular como tambeacutem ao universo social mais amplamente considerado
Como enfatiza Alves (2007) as escolas devem cumprir de forma detalhada as poliacuteticas
educacionais instituiacutedas pelas leis em vigor principalmente as que reconhecem e dignificam a
diversidade eacutetnico-racial Assim constituem-se os paracircmetros institucionais e reforccedilam-se os
princiacutepios que moldam o respeito agrave diversidade cultural na educaccedilatildeo Sanchez (2017) por
outro lado faz uma anaacutelise histoacuterica das poliacuteticas e praacuteticas da educaccedilatildeo brasileira demons-
trando o quanto de avanccedilo ocorreu no sentido da criaccedilatildeo de formas de consciecircncia poliacutetica
cidadatilde muito embora assevere que com relaccedilatildeo aos menos favorecidos a sociedade com
todas as transformaccedilotildees que teve ainda natildeo foi capaz de superar a desigualdade racial
Eacute importante reconhecer que a Lei de ndeg 1063903 natildeo estabelece privileacutegios tam-
pouco prioridade mas tem como foco colocar de forma justa a histoacuteria do negro no Brasil
reconhecendo principalmente as injusticcedilas sofridas ao longo da histoacuteria e criminalizando os
atos de racismo Neste sentido as escolas devem se adequar a determinaccedilatildeo desta lei ampli-
ando seu curriacuteculo para proporcionar aos estudantes praacuteticas que contribuam para o reconhe-
cimento e o resgate histoacuterico cultural dos povos africanos no Brasil trazendo agrave tona os discur-
sos da diversidade raciais culturais sociais e econocircmicos existentes no nosso paiacutes (FERRAZ
2011)
Borges (2010) diz que a instauraccedilatildeo da Lei nordm 106392003 foi um momento impar na
histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira e de fundamental importacircncia para o ensino da diversidade
cultural nas escolas do nosso paiacutes jaacute que em seus aspectos mais amplos preza pela valoriza-
ccedilatildeo da diversidade cultural e histoacuterica do povo afrodescendente Jaacute estava mais do que na hora
do Estado brasileiro elaborar uma ferramenta para reparar os danos histoacutericos causados aos
negros no Brasil haacute mais de cinco seacuteculos como conclui
Para Ferraz (2011) o debate sobre a lei proporcionou um avanccedilo significativo nas rela-
ccedilotildees eacutetnico-socais no Brasil portanto abriu um leque de opccedilotildees de atuaccedilatildeo da afirmaccedilatildeo posi-
tiva das culturas no campo educacional o tema vem sendo proporcionalmente divulgado o
acesso agrave internet aos livros didaacuteticos a literatura figuras imagens e muitos exemplos do
povo negro que sem duacutevida tornou e torna as aulas mais reflexivas e ricas conceitualmente
Sabe-se que a Lei 106392003 eacute apenas mais uma arma na luta que se trava a deacutecadas que
vem sendo construiacutedas concomitantemente nas escolas brasileiras demonstrando a voz e a
forccedila dos grupos discriminados no cenaacuterio nacional
60
32 Descrevendo a instituiccedilatildeo escolar histoacuterias atores e experiecircncias
O municiacutepio de Cururupu compotildee uma das 217 unidades administrativas do Estado do
Maranhatildeo estando localizado no litoral ocidental a 465 km da capital Satildeo Luiacutes O local onde
hoje se encontra a sede do municiacutepio era originariamente habitado pelos iacutendios tupinambaacutes
cujo cacique do grupo era conhecido como Cabelo de Velha nome hoje dado a uma baiacutea proacute-
xima a sede (IBGE 2010) Seu povoamento teve iniacutecio por volta de 1816 a partir das entradas
chefiadas por Bento Maciel Parente que subjugou os iacutendios tupinambaacutes ali aldeados matando
o cacique Cabelo de Velha Os iacutendios sobreviventes deste massacre abandonaram a terra de-
vida agrave impossibilidade de conviacutevio com o homem branco A partir daiacute portugueses vindos de
Guimaratildees comeccedilaram a povoar a regiatildeo dando iniacutecio ao ciclo das grandes fazendas onde se
fabricavam farinha de mandioca accediluacutecar e aguardente usando engenhos a vapor (IBGE 2010)
Quanto agrave origem do nome nenhuma das explicaccedilotildees disponiacuteveis eacute aceita unanime-
mente Uma das versotildees diz que o nome se originou da junccedilatildeo do som da arma (pu) que ma-
tou o cacique Cabelo de Velha que os iacutendios chamavam de Cururu Cururu+PU dando o no-
me a cidade de Cururupu Outra versatildeo estaacute relacionada com uma fazenda existente agrave margem
esquerda do rio que banha a atual sede do municiacutepio cujo nome era ldquoFazenda Cururupurdquo
existe ainda uma terceira versatildeo que o nome originou-se devido a grande quantidade de sapos
conhecidos por sapos cururus segundo essa versatildeo o nome originou-se da uniatildeo do nome dos
sapos e dos sons do seu coaxar (IBGE 2010)
Atraveacutes da Lei Provincial nordm 13 de maio de 1835 foi entatildeo criada a freguesia de Curu-
rupu conhecida pelo 3ordm Distrito de Cabelo de Velha subordinada administrativamente a
Guimaratildees (COSTA 2014 p 23) Em 1842 outra Lei Provincial a de ndeg 120 de 03 de outu-
bro eleva a freguesia agrave categoria de vila conhecida como Cururupu desmembrando-se entatildeo
de Guimaratildees e conquistando sua autonomia administrativa A Lei Estadual nordm 893 de 09
marccedilo de 1920 eleva a vila a categoria de cidade Em divisatildeo administrativa referente ao ano
de 1933 o municiacutepio aparece constituiacutedo do distrito sede (CRUZ 2012)
Atualmente a sede do municiacutepio apresenta caracteriacutesticas de cidade histoacuterica contendo
um patrimocircnio arquitetocircnico avaliado como do tipo colonial A zona rural eacute composta por
pescadores artesanais O municiacutepio de Cururupu concentra hoje uma populaccedilatildeo estimada em
32652 mil habitantes (IBGE 2010) com 685 residente na sede e 315 na zona rural e nas
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ilhas portanto 22270 na zona urbana e 10382 na zona rural sendo a maioria negra Os negros
que hoje povoam a cidade satildeo descendentes de povos que vieram do Daomeacute (Benin) para tra-
balharem na condiccedilatildeo de escravos nas antigas fazendas de mandioca accediluacutecar e aguardente
A cidade eacute banhada pelos rios Liconde e Cururupu tendo como principais atividades
econocircmicas a agricultura pesca e comeacutercio As religiotildees praticadas pelos cururupuenses satildeo
catolicismo protestantismo e religiotildees de matriz africana O municiacutepio conta atualmente com
26 (vinte e seis) bairros 51 (cinquenta e uma) escolas da rede municipal e 04 (quatro) da rede
estadual a saber Centro de Ensino Gervaacutesio Protaacutesio dos Santos situado agrave Rua Eurico Gaspar
Dutra nordm 141 Bairro Jacareacute Centro de Ensino Joana Batista Dias situado agrave Avenida Liberalino
Miranda nordm 134 Bairro Jacareacute Instituto Estadual de Educaccedilatildeo Ciecircncia e Tecnologia do Mara-
nhatildeo (IEMA) localizado agrave Rua Governador Antocircnio Dino MA-006 ndash Areia Branca e o Centro
de Ensino Joatildeo Marques Miranda localizado agrave Rua General Osoacuterio sn Bairro de Satildeo Benedi-
to onde concentramos a presente pesquisa Apresentamos abaixo a fachada desta escola
Imagem 3 Fachada do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda-Cururupu
Fonte Arquivo Pessoal
A Unidade Escolar Joatildeo Marques Miranda hoje Centro de Ensino Joatildeo Marques Mi-
randa funcionou por um periacuteodo em um preacutedio da prefeitura localizado no Bairro Areia
Branca depois passou a funcionar na Unidade Escolar Silvestre Fernandes desenvolvendo
suas atividades em dois turnos Teve como gestora geral Izaurina Fonseca Nesse intervalo
houve muitas mudanccedilas devido agrave escola natildeo possuir um preacutedio proacuteprio Em 08 de novembro
de 1984 o Conselho Estadual de Educaccedilatildeo do Maranhatildeo a eacutepoca do governo Joatildeo Castelo
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emitiu parecer da Cacircmara de Ensino de 1ordm Grau emitido com o processo nordm 95085 o CEE
reconheceu a escola como dependecircncia administrativa estadual
A partir de 1984 a escola passou a funcionar no atual endereccedilo localizado agrave Rua Ge-
neral Osoacuterio sn durante a administraccedilatildeo do prefeito Joseacute dos Santos Amado sendo que o
preacutedio era pertencente ao municiacutepio A pedido da diretora Floranilde Dias da Silva o preacutedio
foi cedido a Escola Joatildeo Marques Miranda em 1995
A escola na eacutepoca possuiacutea turmas de 1ordf a 4ordf seacuterie e Jardim de Infacircncia No iniacutecio dos
anos 2000 com a mudanccedila de responsabilidade do ensino fundamental para a rede municipal
a escola comeccedilou a trabalhar com o ensino de jovens e adultos com anexos nas praias de Ma-
racujatiua e Aquiles Lisboa Neste periacuteodo esteve na direccedilatildeo agrave professora Floranilde Dias da
Silva e Clara Maria Cunha e como coordenadora pedagoacutegica Deacuterika Sandriane da Silva Maia
licenciada em pedagogia pelo CEERSEMA especialista em Psicopedagogia pelo Instituto de
Ensino Superior Franciscano Paccedilo do Lumiar Atualmente a escola eacute dirigida pelas Professo-
ras Keyth Cristina Pestana Chaves e Gizelda de Faacutetima Reis Diniz ambas licenciadas em Le-
tras pela Universidade Estadual do Maranhatildeo (UEMA)
A escola recebeu este nome em homenagem a um dos primeiros intendentes de grande
prestiacutegio do municiacutepio de Cururupu e que foi tambeacutem um grande comerciante da regiatildeo na
exportaccedilatildeo de farinha e um dos primeiros donos do Siacutetio Satildeo Lourenccedilo Filho de Pedro Beleacutem
Miranda e Umberlina Marques Miranda Joatildeo Marques Miranda nasceu no dia 23 de outubro
de 1888 e faleceu em 1ordm de abril de 1954 na cidade de Cururupu
Imagem 4 - Joatildeo Marques Miranda
Fonte Arquivo Pessoal
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No turno noturno em que a pesquisa foi aplicada os horaacuterios de aula iniciam agraves
19h00min horas e terminam agraves 22h30min perfazendo 5 horasaulas Os alunos matriculados
assim estatildeo distribuiacutedos turma 10027 alunos turma 10130 alunos turma 102 28 alunos
turma 20132 alunos e turma 20237 alunos As etapas funcionam da seguinte forma as tur-
mas do 1ordm ano estudam 50 da primeira e 50 da segunda seacuterie e a outra etapa eacute a 3ordf seacuterie
completa O Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda possui 42 funcionaacuterios entre efetivos e
contratados assim distribuiacutedos 01 Gestora Geral 01 Gestora Adjunta 01 secretaacuteria 02 assis-
tentes de serviccedilos gerais 05 vigilantes 03 apoio pedagoacutegico (reduccedilatildeo de carga horaacuteria) 02
agentes administrativos dos 22 professores uma professora estaacute aguardando aposentadoria e
outra estaacute de licenccedila para tratamento de sauacutede dos 41 funcionaacuterios 37 satildeo efetivos e 04 satildeo
em regime de contrato
3 3 Mapeando as avaliaccedilotildees dos discentes e docentes sobre religiotildees afro-brasileiras
Para apreender as diferentes concepccedilotildees e perspectivas de alunos e professores a res-
peito das religiotildees afro-brasileiras aplicamos dois questionaacuterios que a despeito de sua ade-
quaccedilatildeo aos diferentes puacuteblicos pesquisados convergiam em relaccedilatildeo a algumas variaacuteveis Para
os discentes os eixos principais concentraram-se sobre a relaccedilatildeo que os estudantes estabele-
ciam com a escola as percepccedilotildees sobre o ser negro e a cultura a maneira como a escola lida-
va com a temaacutetica da histoacuteria e cultura afro-brasileira Com relaccedilatildeo aos professores aleacutem da
natureza dos viacutenculos com o estabelecimento indagamos sobre como percebem o acolhimen-
to por parte da escola da temaacutetica religiotildees africanas quais as estrateacutegias pedagoacutegicas aciona-
das por eles e elas e suas percepccedilotildees a respeito do fenocircmeno religiatildeo no ambiente escolar Em
anexo apresentamos os dois questionaacuterios utilizados na pesquisa Assim embora possuam
especificidades ndash e natildeo poderia ser diferente dado que se trata de universos com caracteriacutesti-
cas e posiccedilotildees institucionais distintas ndash as respostas produzidas pela aplicaccedilatildeo desse questio-
naacuterio ajudam muito a compreender e a diagnosticar a extensatildeo e complexidade do desafio em
pauta
Importa assinalar que meu primeiro contato com a escola ocorreu antes da pesquisa e
de maneira bastante formal quando trabalhei como Gestor-adjunto da instituiccedilatildeo A proposta
de pesquisa resultou inclusive dessa inserccedilatildeo profissional anterior Nesta convivecircncia perce-
bi a proximidade como alunos e professores transitavam no mesmo espaccedilo com pais e matildees
de santo que demarcavam aquele espaccedilo com suas festividades no entanto essa proximidade
natildeo era explorada nas atividades pedagoacutegicas Tudo ocorria como se essas relaccedilotildees que exis-
64
tiam no cotidiano natildeo tivessem condiccedilotildees de assumir um formato pedagoacutegico reflexivamente
construiacutedo Mesmo entre agentes que transitavam entre esses diferentes espaccedilos
Quando a pesquisa teve efetiva inserccedilatildeo o primeiro passo dado foi agrave realizaccedilatildeo de
uma palestra com alunos e professores para a apresentaccedilatildeo do projeto e seus objetivos Ao
longo do encontro ao apresentar a proposta de discussatildeo perguntamos aos presentes basica-
mente profissionais da educaccedilatildeo e alunos a respeito do conhecimento deles sobre os terreiros
que existiam no entorno da escola obtendo respostas positivas em poucos casos Eacute difiacutecil de-
finir se essas respostas puacuteblicas implicavam em desconhecimento concreto ou se constituiacuteam
apenas uma maneira de natildeo explicitar relaccedilotildees mais proacuteximas como uma forma de gestatildeo da
identidade Por essa razatildeo optou-se tambeacutem pela aplicaccedilatildeo do questionaacuterio como uma medi-
da eficiente para contribuir com coleta das informaccedilotildees No que segue passa-se agrave exploraccedilatildeo
dos dados apresentados conforme as diferentes categorias implicadas nesta pesquisa
34 Entrando no mundo dos alunos
Inicialmente para conhecer a realidade da escola aplicamos o questionaacuterio para 90
(noventa) alunos O instrumento de pesquisa construiacutedo tinha como finalidade apreender o
entrelaccedilamento entre esses dois espaccedilos Escola e Terreiro como dito
Pode-se comeccedilar entatildeo pela composiccedilatildeo etaacuteria dos pesquisados Entre os 90 alunos
com informaccedilotildees disponiacuteveis 45 (quarenta e cinco por cento) encontravam-se na faixa etaacute-
ria de 18 a 24 anos 25 (vinte e cinco por cento) entre 26 e 30 anos 15 (quinze por cento)
representam discentes com idades entre 33 e 40 anos e 5 (cinco por cento) entre 45 e 49
anos Trata-se de uma composiccedilatildeo caracteriacutestica do niacutevel de ensino Da mesma forma quando
avaliamos as razotildees pelas quais os entrevistados datildeo continuidade aos estudos encontramos
motivaccedilotildees diversas tais como ldquoentrar no mercado de trabalhordquo especialmente no extrato
mais jovem por que haviam parado os estudos entre aqueles com faixa etaacuteria acima dos 30
anos onde tambeacutem se concentram aqueles que desejam apreender mais informaccedilotildees e que
enfrentam dificuldades para arranjar posiccedilotildees no mercado de trabalho Como esperado do
total pesquisado nada menos que 90 (noventa por cento) deles trabalhavam durante o dia
Quanto ao bairro onde residiam 30 (trinta por cento) dos alunos responderam que moravam
no Bairro de Satildeo Benedito e os demais 70 em bairros como Areia Branca Centro Faacutetima
Pitombeira Rodagem Vila Lieacutege e Vila Satildeo Francisco Ou seja a populaccedilatildeo estudantil vem
toda da mesma regiatildeo
65
Por outro lado por meio da aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios com as turmas procurou cap-
tar a visatildeo dos alunos a respeito de sua identidade Quando perguntados sobre seu pertenci-
mento eacutetnico-racial 91 se autodeclararam negros o que converge com a proacutepria caracteriza-
ccedilatildeo soacutecia demograacutefica do municiacutepio conforme jaacute explicitado Os motivos apresentados eram
variados Afirmaram por exemplo que se consideravam negros porque a famiacutelia eacute toda de
negros e por isso natildeo poderiam ser de outra raccedila porque os pais vinham de negros escravos
por isso suas peles seriam negras ou simplesmente porque diziam que sua pele era negra O
restante ou seja 9 (nove por cento) dos alunos disseram ser brancos Um deles inclusive
afirmou que apesar de sua pele natildeo ser muito clara considerava-se branco jaacute que em seu do-
cumento estava escrito pardo
Graacutefico 01- Vocecirc se considera negro
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Questionados se tinham conhecimento de quais religiotildees eram praticadas em
Cururupu 42 (quarenta e dois por cento) responderam que sim 18 ( dezoito por cento)
disseram natildeo saber 21 (vinte um por cento) natildeo responderam e 19 (dezenove por cento)
apresentou o nome das denominaccedilotildees religiosas praticadas em Cururupu Eacute provaacutevel que essa
questatildeo natildeo tenha sido plenamente compreendida vez que pressupunha a ideia de apresentar
uma visatildeo geral sobre as religiotildees da localidade natildeo apreendendo efetivamente quais
religiotildees eles conheciam
66
Graacutefico 02- Vocecirc tem conhecimento de quais religiotildees satildeo praticadas em Cururupu
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Essa distorccedilatildeo fica mais visiacutevel quando perguntamos aos alunos se eles jaacute tinham ou-
vido falar sobre as religiotildees afro-brasileiras Formulada dessa forma o questionaacuterio obteve as
seguintes respostas 28 (vinte e oito por cento) responderam que natildeo 53 (cinquenta e trecircs
por cento) dos alunos responderam que sim e 19 (dezenove por cento) optaram por natildeo res-
ponder agrave questatildeo Essas respostas nos fazem pensar em diversas questotildees A comeccedilar pelo
fato de que a despeito do conviacutevio com festividades realizadas nos terreiros proacuteximos agrave esco-
la ou mesmo em seus bairros de origem parece haver ainda certo estranhamento mais ou
menos consciente a depender do pertencimento religioso com relaccedilatildeo agraves religiotildees de matriz
africana no local E natildeo se trata apenas de uma percepccedilatildeo realizada no bojo da pesquisa O
receio de tocar no assunto ou de manifestar alguma forma de conhecimento tambeacutem jaacute foi
observado por uma das docentes da escola que leciona a disciplina de Histoacuteria o que ensejou
a organizaccedilatildeo de um projeto em 2016 cuja intenccedilatildeo era evidenciar como as religiotildees africanas
faziam parte do calendaacuterio do municiacutepio e a riqueza de suas liturgias A esse respeito a pro-
fessora esclarece como foi realizada essa experiecircncia e algumas das percepccedilotildees dos estudan-
tes que podem ajudar na explicaccedilatildeo dos resultados de nossa proacutepria pesquisa
O projeto foi de grande importacircncia para a escola houve uma participaccedilatildeo dos professores dos alunos eles apresentaram coisas interessantes vieram
na frente e falaram coisa que eles jaacute sabiam e coisas que eles pesquisaram
alguns alunos evangeacutelicos participaram e atribuiacuteram a falta de interesse so-bre religiatildeo de matriz de africana por que em sua maioria as atividades que
satildeo apresentadas eacute soacute de negros cantando e danccedilando e nunca falam da reli-
giatildeo (Geordilene Ramos 2018) 11
Destarte a despeito dessa accedilatildeo da professora de histoacuteria com as religiotildees de matriz
africana na escola ainda eacute preciso trabalhar aspectos da cosmovisatildeo sobre tais praacuteticas religio-
11 Professora de Histoacuteria do C E Joatildeo Marques Miranda em 12072018
67
sas e fazer relaccedilatildeo com suas origens africanas e afro-brasileiras de modo a demarcar tais fun-
damentos e ao mesmo tempo contribuir para seu reconhecimento
Graacutefico 03- Jaacute ouviu falar sobre religiatildeo afro-brasileira
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Com relaccedilatildeo agrave questatildeo de jaacute ter frequentado algum terreiro de religiatildeo de matriz afri-
cana na cidade 38 (trinta e oito por cento) dos alunos responderam que sim frequentam ou
jaacute frequentaram 53 (cinquenta e trecircs por cento) disseram que natildeo frequentam terreiros e 9
(nove por cento) natildeo responderam Falta encorajamento em assumir mesmo em um questio-
naacuterio o seu pertencimento religioso
Graacutefico 04- Frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana na cidade
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ressalta-se que muitos desses alunos que frequentam terreiros em sua maioria satildeo de
outros bairros Como alguns alunos comentavam na aplicaccedilatildeo do questionaacuterio havia tambeacutem
um pequeno grupo que falava dos respectivos pais de santos responsaacuteveis pelas casas que
foram frequentadas Nota-se neste sentido o afastamento total ou mesmo parcial desses alu-
nos em assumir sua participaccedilatildeo nestes eventos Soma-se a isso a existecircncia de percepccedilotildees
entre esses mesmos estudantes que resvalam na ideia de que as religiotildees afro-brasileiras natildeo
constituem formas legiacutetimas de exerciacutecio religioso como bem visiacutevel na seguinte passagem
68
Acho que natildeo eacute religiatildeo eles passam a noite danccedilando e bebendo e
penso que natildeo era para ser assim se fosse religiatildeo nas igrejas natildeo
vemos isto natildeo tem bebida eacute uma coisa muito seacuterio todo mundo sen-
tado quietinho ouvindo as coisas mas acredito que isto pode mudar
um dia vejo que eacute um entra e sai isto eacute o que eu acho (Ramos C A
aluno da 2ordf etapa do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda 2019)
12
Como visto existe uma percepccedilatildeo de que as religiotildees de matriz africanas natildeo devem
ser entendidas assim devido ao fato de os rituais serem envolvidos com danccedila e bebidas cha-
ma atenccedilatildeo o paracircmetro para tal avaliaccedilatildeo ldquonas igrejas natildeo vemos isto natildeo tem bebida eacute uma
coisa muito seacuteria todo mundo sentado e quietinho ouvindo as coisasrdquo
Questionados se conhecem algum terreiro de religiatildeo de matriz africana que esteja lo-
calizado proacuteximo ao Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda 7 (sete por cento) dos alunos
natildeo responderam enquanto 28 (vinte e oito por cento) responderam que natildeo conhecem ter-
reiros proacuteximos da escola e 65 (sessenta e cinco por cento) afirmam que sim que conhecem
as casas de culto proacuteximas
Graacutefico 05- Vocecirc conhece algum terreiro de religiatildeo de ma-
triz africana que fica localizada proacuteximo ao Centro de Ensi-
no Joatildeo Marques Miranda
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Tendecircncia semelhante foi encontrada na taxa de respostas para a questatildeo do conheci-
mento a respeito de algum pai ou matildee de santo que reside proacuteximo agrave escola Em resposta a
esta questatildeo 48 (quarenta e oito por cento) responderam que sim 44 (quarenta e quatro
por cento) natildeo responderam e 8 (oito por cento) responderam que natildeo conhecem Eacute mister
destacar que nos questionaacuterios recolhidos alguns alunos chegaram ateacute a mencionar os nomes
de alguns pais de santo Ou seja mais da metade do puacuteblico escolar considerado tem conhe-
12 Aluno da 2ordf etapa do C E Joatildeo Marques Miranda
69
cimento circula e provavelmente ateacute frequente um desses terreiros seja de maneira ocasional
quando da realizaccedilatildeo perioacutedica de festas seja de maneira regular poreacutem natildeo declarada
Graacutefico 06- Conhece algum pai ou matildee de santo que residem proacuteximo da escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Esse aspecto fica mais claro quando passamos agrave questatildeo da participaccedilatildeo em festas ou
festejos em terreiros de religiatildeo de matriz africana Conforme apreendido nos questionaacuterios
30 (trinta por cento) responderam que sim 28 (vinte e oito por cento) disseram nunca ter
participado desse tipo de festejo e notaacuteveis 42 (quarenta e dois por cento) natildeo responderam
Graacutefico 07 - Jaacute participou de algum festejo em terreiro de religiatildeo de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
No entanto tendo em vista o calendaacuterio festivo que ocorre no bairro ndash relativamente
pequeno ndash eacute de se supor que esses eventos acabam por marcar o compasso da proacutepria ambiecircn-
cia comunitaacuteria envolvendo parte da comunidade como em um dos relatos de estudantes que
recolhemos
Eu sempre vou a festejos no meu bairro que tem muito satildeo muito
animadas agraves festas e satildeo muitos dias todos tem lava-pratos que eacute
mais gostoso ainda na minha casa minha matildee eacute juiacuteza de uma festa
eu sempre que tem festejo quando saio da escola costumo encostar
70
nesses festejos [] eacute muito bom (C S B C13
E Joatildeo Marques Mi-
randa da 2ordf etapa do EJA em 17072018)
Infere-se que muitos desses alunos participam dos festejos dos festejos religiosos de
matriz africana na condiccedilatildeo de observadores ou mesmo para preencherem a falta de lazer
que existe no municiacutepio muito embora esses eventos aconteccedilam o ano todo haacute festejos afa-
mados que tomam a atenccedilatildeo da cidade e sobretudo dos alunos que estudam agrave noite por conta
do trajeto na volta para casa Em se tratando do C E Joatildeo Marques Miranda a proximidade eacute
mais recorrente neste sentido devido agrave existecircncia de trecircs afamados terreiros bem proacuteximos da
escola - terreiros esses cujo espaccedilo se confunde com o proacuteprio territoacuterio escolar como seraacute
visto mais adiante Para o momento basta dizer que haacute um terreiro em frente agrave escola situado
na Rua General Osoacuterio sobre o comando do Pai de Santo Daacuterio outro que fica na Rua Satildeo
Joseacute ao lado direito da escola e por fim um terceiro que fica localizado nos fundos do esta-
belecimento Nesse sentido o que nos intriga eacute justamente o fato de que embora existam ca-
sas tatildeo proacuteximas como elas se tornam tatildeo invisiacuteveis assim para alunos do proacuteprio bairro
Ocorre que quando questionados se achavam que as religiotildees de matriz africana e
afro-brasileiras sofriam discriminaccedilatildeo na escola 70 (setenta por cento) dos alunos respon-
deram que sim 8 (oito por cento) disseram que natildeo e 22 (vinte e dois por cento) natildeo res-
ponderam
Graacutefico 08 - Vocecirc acha que as religiotildees de matriz africana sofrem discriminaccedilatildeo na escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ou seja ao passo em que as declaraccedilotildees de pertencimento conhecimento ou de tracircnsi-
to parecem englobar formas de gestatildeo da proacutepria identidade entre os estudantes a ideia de que
essas religiotildees sofrem discriminaccedilatildeo o que remete ao sentimento de injusticcedila mostra-se bem
mais claro e expressivo A interpretaccedilatildeo que se pode desenvolver eacute de que estamos em um
13 Aluna da 2ordf etapa do EJA do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda (sede)
71
quadro no qual se compreende os efeitos da discriminaccedilatildeo mas em que as accedilotildees natildeo ganham
concretude e em que o silecircncio prepondera como se pode apreender no relato desta aluna
Acho que sofre muita discriminaccedilatildeo a escola natildeo leva muito a seacuterio
acha que porque nos terreiros eles danccedilam aquilo natildeo eacute seacuterio ai natildeo
leva com seriedade os pajeacutes na escola mesmo quando falam de pajeacute
as pessoas ficam meio caladas natildeo falam muita coisa quando o pro-
fessor pede opiniatildeo agrave maioria fica calada (A S Pinto CE Joatildeo
Marques Miranda 2ordf etapa EJA julho de 2018)14
Isto nos leva a questionar como deveria ser trabalhada a questatildeo dentro da sala de aula
com os alunos Por essa razatildeo foi questionado sobre como deveriam ser trabalhados os conte-
uacutedos sobre religiatildeo na escola 39 (trinta e nove por cento) respondeu que deveria ser traba-
lhado em forma de debates 5 (cinco por cento) em forma de projetos 44 (quarenta e qua-
tro por cento) natildeo responderam e 5 (cinco por cento) que era pra deixar como estaacute Eacute valido
destacar que no momento da devoluccedilatildeo do questionaacuterio alguns alunos disseram que a escola
deveria trabalhar mais esses assuntos pois como alegava uma delas - ldquoquase todo mundo usa
macumba mas ningueacutem gosta de falar por isso de acontecer certas coisasrdquo A fala da aluna
nos faz crer que alguns alunos tem interesse em debater sobre tais questotildees no entanto como
satildeo minoria acabam se restringindo por conta do proacuteprio sistema que natildeo apoia essa clientela
Por outro lado os alunos que demostram esse interesse satildeo em sua maioria praticantes de re-
ligiatildeo afro-brasileira que ainda natildeo assumem publicamente sua religiosidade no espaccedilo esco-
lar o que tudo indica a meu ver ser a tentativa de externar sua crenccedila
Graacutefico 09- Como vocecirc acha que deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ao analisar os questionaacuterios aplicados aos estudantes constatamos que possuem certo
conhecimento das religiotildees de matriz africana poreacutem estes se devem muito mais agraves experiecircn-
cias cotidianas e externas ao acircmbito da escola do que propriamente ao tratamento do tema
14 Aluna da 2ordf etapa do C E J Miranda
72
neste espaccedilo Outro aspecto importante a ser enunciado diz respeito ao fato de que em diver-
sas entrevistas realizadas com alunos foi possiacutevel reconhecer praticantes de religiotildees afro-
brasileiras que natildeo revelam seu pertencimento religioso por receio de comentaacuterios dos colegas
ou de sofrerem alguma forma de constrangimento Por outro lado essa realidade natildeo deixou
de ser notada pelos proacuteprios profissionais da educaccedilatildeo atuantes nesse espaccedilo ensejando desde
iniciativas mais esporaacutedicas como os projetos desenvolvidos em disciplinas especiacuteficas seja
um reforccedilo das atividades da Semana de Consciecircncia Negra em novembro ocasiatildeo em que
foram exibidos diversos filmes sobre religiatildeo e elaboradas atividades concernentes ao tema
Como relataram os professores essas iniciativas tiveram maior ecircnfase a partir do ano de 2016
ainda haacute muito por ser feito e a escola necessita da colaboraccedilatildeo de especialistas no tema
35 As religiotildees afro-brasileiras entre os docentes
Nas ocasiotildees em que realizava visitas perioacutedicas agrave escola foram identificadas infor-
maccedilotildees importantes a respeito de como os professores estatildeo abordando o tema das religiotildees
afro-brasileiras no espaccedilo escolar e como relacionam os coacutedigos legais agraves estrateacutegias pedagoacute-
gicas empregadas no dia a dia Importa ressaltar que os docentes foram muito soliacutecitos com
relaccedilatildeo agrave coleta de dados o que permitiu que a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios e a realizaccedilatildeo de
entrevistas transcorressem sem maiores percalccedilos e em clima de grande receptividade e entro-
samento Em boa medida os resultados a que chegamos denotam as potencialidades de uma
pesquisa realizada dentro de um meio conhecido mesmo que carregue consigo como contra-
partida o duro desafio do distanciamento
Seja como for a atividade foi aplicada entre os dias 26 de novembro e 08 de dezem-
bro precisamente no final do semestre quando a escola contava com baixa presenccedila de alu-
nos e os professores estavam mais agrave vontade e sem duacutevida com mais tempo Foi aplicado o
mesmo instrumento de pesquisa para 18 docentes distribuiacutedos entre efetivos e contratados
Nesse processo alguns professores relataram a importacircncia de tratar do assunto na escola
pois sabem que muitos alunos satildeo praticantes e precisam se sentir apoiados Apesar de o tema
natildeo vir sendo tratado assim tatildeo abertamente como foi possiacutevel constatar atraveacutes das respostas
dos estudantes os relatos dos docentes demarcam que regularmente acontecimentos e expe-
riecircncias relativas aos terreiros frequentados pelos primeiros irrompem em sala de aula nos
corredores e nas conversas informais De maneira convergente a diretora adjunta afirmou
total apoio agrave pesquisa pelo fato de a comunidade ser discriminada por conta da marginalidade
73
que acomete o bairro e que todo projeto que vier para fortalecer a comunicaccedilatildeo seraacute bem-
vindo
Resulta que quando passamos aos professores constatamos que suas trajetoacuterias tam-
beacutem satildeo marcadas por travessias Nesse segmento eacute importante destacar que entre os profes-
sores que participaram da pesquisa encontramos a professora Diquinha - como eacute carinhosa-
mente conhecida ndash e que aleacutem de ser a docente mais antiga da escola assume sua identidade
religiosa como umbandista apesar de que natildeo consiga mais danccedilar e de que suas obrigaccedilotildees
(carga) tenham sido transferidas para seu filho que tambeacutem eacute pai de santo e jaacute foi aluno da
escola Ante o exposto passamos na sequecircncia agrave exploraccedilatildeo do questionaacuterio dirigido aos pro-
fessores
O questionaacuterio trouxe como proposta conhecer como os professores definiam religiatildeo
e quando questionados acerca do assunto 72 (setenta e dois por cento) responderam que a
consideram como uma manifestaccedilatildeoexecuccedilatildeo da feacute enquanto que para 28 (vinte e oito por
cento) a religiatildeo remete a uma crenccedila cujos fundamentos encontram-se nos costumes e heran-
ccedilas familiares
Graacutefico 10- Como define religiatildeo
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Na sequecircncia procuramos saber se os docentes conheciam alguma religiatildeo de matriz
africana 61 (sessenta um por cento) responderam que conhecem algum tipo de religiatildeo
africana 39 (trinta e nove por cento) natildeo responderam Neste uacuteltimo caso alguns relataram
ter certo temor com relaccedilatildeo a esses temas preferindo natildeo se envolver diretamente
74
Graacutefico 11-Conhece alguma religiatildeo de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Quando perguntados acerca da participaccedilatildeo em cultos africanos 33 (trinta e trecircs por
cento) responderam que jaacute frequentaram ao passo que 67 (sessenta e sete por cento) natildeo
responderam Aqui encontramos novamente uma tendecircncia semelhante agrave identificada entre os
estudantes Como nos relatou uma das professoras em conversa particular em Cururupu a
maioria das pessoas vai agrave casa de pajeacute muitos natildeo admitem porque em alguns casos a pessoa
as vezes vai atraacutes de um conselho e orientaccedilatildeo espiritual e as pessoas jaacute pensam que eacute para
fazer feiticcedilo Encontramos aqui por conseguinte indiacutecios de proximidade que satildeo dissimula-
dos por questotildees referentes agrave gestatildeo das imagens puacuteblicas
Graacutefico 12- Jaacute participou de alguma atividade em cultos de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Por outro lado quando questionados se existe discriminaccedilatildeo aos cultos de matriz
africana 22 (vinte e dois por cento) disseram que natildeo e 78 responderam que sim que
existe discriminaccedilatildeo as religiotildees
75
Graacutefico 13- Considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cul-
tos de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
De maneira semelhante foi agrave manifestaccedilatildeo do professor de Histoacuteria do Centro de Ensi-
no Joatildeo Marques Miranda Robert do E Santo Freitas
Sim pois no Brasil Colonial foram rotuladas tais religiotildees pelo sim-
ples fato de serem de origem africana A accedilatildeo de movimentos pente-
costais os quais se valiam de mitos para demonizar e incitar a perse-
guiccedilatildeo a umbandistas e candomblecistas (Robert do E Santo Freitas
novembro de 2018)
Com relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito no espaccedilo escolar para
17 (dezessete por cento) dos que responderam ao questionaacuterio os cultos satildeo discriminados
enquanto para 83 (oitenta e trecircs e por cento) dos docentes as religiotildees de matriz africana
sofrem tratamento diferencial nas escolas Interessa notar aqui todavia que quando levados a
comentar sobre as manifestaccedilotildees concretas de discriminaccedilatildeo entre os alunos a postura docen-
te conduz a relativa atenuaccedilatildeo das mesmas visto que satildeo consideradas como meros comentaacute-
rios ldquoeles falam por falarrdquo ldquoeles dizem isso mas natildeo eacute pra levar a seacuteriordquo E aqui talvez se
encontre o componente mais preocupante visto que tal postura que se apresenta como orien-
tada pela tentativa de proteccedilatildeo aos estudantes no final das contas conduz a certa complacecircn-
ciaaquiescecircncia com o fenocircmeno da discriminaccedilatildeo resvalando em sua naturalizaccedilatildeo
Graacutefico 14- Nas escolas considera que os cultos africanos so-
frem discriminaccedilatildeo
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
76
Perguntados se a escola desenvolve atividades que falam das religiotildees praticadas
em Cururupu e como satildeo feitas essas abordagens 22 (vinte e dois por cento) responderam
que as abordagens satildeo feitas atraveacutes de projetos e 78 (setenta e oito por cento) disseram que
ainda natildeo participaram das discussotildees
Graacutefico 15- A escola desenvolve atividades que falam das denominaccedilotildees reli-
giosas praticadas em Cururupu Como satildeo feitas essas abordagens
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ainda a esse respeito a professora Josiane Ferreira afirma que
Que esses temas satildeo abordados atraveacutes de projetos pois acredita que eacute mais faacutecil men-cionar nas atividades que envolvem todos os alunos pois reuacutene um grupo maior de alu-
nos que participam das diferentes religiotildees os alunos se sentem mais seguros e as pesso-
as que em sala de aula criticam costumam natildeo fazer isso no meio de mais pessoas moti-vo pel0o qual acredito que traz mais resultado tanto para a escola quanto para os alu-
nos (Professora Josiane B Ferreira novembro de 2018)
Eacute provaacutevel que essa ausecircncia de discussotildees sobre as temaacuteticas fora de projetos ou
iniciativas parcelares se explique em funccedilatildeo tambeacutem do baixo conhecimento manifestado
pelos professores a respeito da Histoacuteria e Cultura Afro-brasileira e das proacuteprias exigecircncias
derivadas da Lei 106392003 Aliaacutes quando perguntados se tinham conhecimento sobre essa
diretriz legal nada menos que 89 (oitenta e nove por cento) informou sequer ter ouvido
falar da lei mas que ldquotinham interesse em conhecerrdquo Quer dizer quando dentro do universo
docente de um estabelecimento de ensino apenas 11 (onze por cento) da populaccedilatildeo pesqui-
sada conhece a Lei temos muitos motivos para acreditar que as chances de inclusatildeo dos te-
mas supramencionados encontram-se longe de ser realizada
77
Graacutefico 16- Tem conhecimento sobre a Lei 106392003 que trata do Ensino de Histoacuteria da Aacutefri-
ca e Cultura Afro-brasileira nas escolas
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Da mesma forma que natildeo conhecem a legislaccedilatildeo e a despeito dos incrementos de pro-
duccedilatildeo recente de materiais didaacuteticos - disponiacuteveis ateacute mesmo na internet vale dizer - 22
(vinte e dois por cento) afirmam ter pouco acesso e 78 (setenta e oito por cento) afirmaram
que natildeo tem acesso a qualquer material que fale de Aacutefrica
Graacutefico 17- Tem acesso a materiais sobre Aacutefrica e Cultura
Afro-brasileira nas escolas ou fora dela
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Sobre as datas alusivas agrave comunidade negra perguntamos aos professores como a escola
tem trabalhado esses temas obtendo os seguintes percentuais 28 (vinte e oito por cento)
disseram que datas como o dia da raccedila e da consciecircncia negra eacute trabalhado em forma de proje-
tos e 72 (setenta de dois por cento) disseram que trabalham em sala de aula temas que falam
da populaccedilatildeo negra mas que em geral esses assuntos satildeo mais voltados para os conteuacutedos dos
livros Natildeo haveria aqui portanto tratamento particular
78
Graacutefico 18- As datas alusivas agrave comunidade negra como a escola tecircm trabalhado os temas
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Quanto agrave administraccedilatildeo das discussotildees sobre religiatildeo de matriz africana nas ocasiotildees
em que esse tema surge em sala de aula 72 (setenta e dois por cento) responderam que tem
que respeitar e 28 (vinte e oito por cento) disseram que existe soacute um Deus
Graacutefico 19- Como tem administrado as discussotildees sobre religiatildeo
africana em sala de aula quando estas acontecem
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Tambeacutem foi questionado se escola e terreiros deveriam desenvolver atividades para
fortalecer laccedilos de proximidade 11 (onze por cento) disseram que natildeo deveriam realizar
atividades para fortalecer tais laccedilos enquanto 89 por cento responderam que as duas inst i-
tuiccedilotildees devem sim desenvolver maneiras de fortalecer a proximidade
Graacutefico 20- Vocecirc acha que a escola e os terreiros deveriam desenvolver atividades
que fortalecessem esses laccedilos de proximidade Por quecirc
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
79
A professora e religiosa de matriz africana Diquinha contribui dizendo
Que eacute um momento importante tanto escola quanto terreiro deve se aproximar
mais por conta da dificuldade que a escola tem para falar de religiatildeo africana e
nada melhor que os proacuteprios membros para explicar dividir suas experiecircncias na
tentativa de quebrar com o silecircncio e tirar a imagem negativa que a maioria dos
membros que frequentam a escola tem das religiotildees africanas acredito que isto eacute
possiacutevel desde que haja interesse de ambos mas para isso eacute necessaacuterio que seja
feito um trabalho se sensibilizaccedilatildeo antes na escola para receber essas pessoas
outro ponto importante nesse debate eacute aproximar os terreiros que ficam proacuteximo
sempre haacute eventos nestes terreiros e a escola nunca procurou fazer um trabalho
de pesquisa para que entendecircssemos essas origens garanto que na escola tem
alunos que frequentam essas festas e que podem contribuir muito para esse diaacutelo-
go (Professora Diquinha janeiro de 2019)
Ao serem questionados sobre o que achavam que deveria ser feito para que debates
sobre as religiotildees de matriz africana acontecessem na escola 11 (onze por cento) disseram
que deveriam trabalhar mais os conteuacutedos 22 (vinte e dois por cento) que deveria ser reali-
zado um trabalho de sensibilizaccedilatildeo na escola e 67 (sessenta e sete por cento) acharam que o
tema deveria ser tratado por meio de projetos O professor Robert Freitas diz que tambeacutem eacute
importante sensibilizar a famiacutelia para que juntamente com a escola possa trabalhar de manei-
ra complementar evitando defasagens muito grandes entre essas duas instacircncias
Graacutefico 21- O que vocecirc acha que deveria ser feito para
que debate acerca das religiotildees acontecesse na escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Quando questionados se conhecem pais e matildees de santo proacuteximo agrave escola 22 (vinte
e dois por cento) responderam que sim e 78 (setenta e oito por cento) disseram que natildeo tem
conhecimento disso
80
Graacutefico 22- Conhece pais e matildees de santo que residem proacuteximo da escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Aqui novamente encontramos uma tendecircncia semelhante ao padratildeo de respostas dos
estudantes demonstrando desconhecimento com relaccedilatildeo ao proacuteprio espaccedilo de inscriccedilatildeo do
estabelecimento escolar O que leva a crer que estamos em um quadro de forte descompasso
entre os saberes escolares as experiecircncias dos sujeitos que dele participam e a proacutepria histoacute-
ria memoacuteria e cultura do lugar
36 Experiecircncias e percepccedilotildees de docentes acerca da relaccedilatildeo entre escola e comunidade
Os resultados inquietantes dos questionaacuterios aplicados aos docentes - particularmente
com relaccedilatildeo ao grau de desconhecimento da lei e da carecircncia de materiais - deflagraram uma
seacuterie de lembranccedilas e questotildees Lembranccedilas em primeiro lugar do periacuteodo do conviacutevio con-
tinuo com a escola na condiccedilatildeo de diretor adjunto e das ausecircncias silecircncios e omissotildees que
perpassaram a minha proacutepria praacutetica profissional ao longo dessa passagem Inquieta sim
pensar que minhas respostas poderiam natildeo ter sido assim tatildeo diferentes daquelas que recolhi
dos entrevistados agora na condiccedilatildeo de pesquisador e com o olhar mais treinado e sensiacutevel a
essas questotildees Eacute talvez por essa mesma razatildeo por um certo sentimento de impotecircncia que
me impus como meta retornar ao estabelecimento escolar para saber se natildeo haviam experiecircn-
cias iniciativas e percepccedilotildees entre os docentes atuantes agora ou do passado que jaacute aponta-
vam para uma possibilidade de estreitamento concreto dos viacutenculos entre escola e terreiros
Os relatos colhidos e expostos a seguir reunidos em clima de entrevista aberta mas com foco
sobre as relaccedilotildees entre a escola e os terreiros locais como que reequilibram em certa medida
aquilo que a abordagem anterior natildeo permitiu captar muito embora o quadro como um todo
esteja longe de ser o ideal Na sequecircncia passo entatildeo agrave descriccedilatildeo de histoacuterias de professores e
suas percepccedilotildees como sujeitos atuantes e reflexivos nesse espaccedilo relacional expondo como
esse desafio tem atravessado a praacutetica e a experiecircncia de docentes ao longo de vaacuterias gera-
ccedilotildees
81
Professora aposentada da rede estadual e atualmente em atividade em uma escola par-
ticular do municiacutepio como apoio pedagoacutegico Floranilde Dias da Silva ou Flora como eacute co-
nhecida nasceu na ilha de Guajerutiua em 30 de julho de 1951 Professora normalista com
graduaccedilatildeo em pedagogia foi diretora do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda durante
treze anos (20022015) Quando comeccedilou atuar como diretora adjunta logo que veio da praia
para Cururupu a escola ainda funcionava com o jardim de infacircncia ainda na deacutecada de 1980
Ao perceber a necessidade do Bairro de Satildeo Benedito possuir uma escola de 5ordm ao 8ordm ano deu
iniacutecio ao processo para aquisiccedilatildeo das referidas seacuteries Apoacutes ter organizado as turmas do ensi-
no fundamental engajou-se para organizar turmas do Ensino Meacutedio obtendo ecircxito em pouco
espaccedilo de tempo Com esta nova proposta para o antigo Segundo Grau organizou anexos em
Guajerutiua Valha-me Deus Caccedilacueira Satildeo Lucas Maracujatiua e Areia Branca
Imagem 5- Professora Floranilde Dias da SilvaCururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
Quando rememora parte da histoacuteria da escola a professora Flora apresenta alguns fa-
tos curiosos que sempre aconteciam no estabelecimento notadamente os casos de possessotildees
frequentes de alunos por entidades Como relata nessas ocasiotildees sempre recorria aos Pais de
Santo Daacuterio Luiacutes Afonso Vicentinho e Faacutetima cujos terreiros situavam-se perto da escola a
fim de resolver o problema Nessas ocasiotildees informa sempre ter sido recebida com muita
atenccedilatildeo
Outro episoacutedio relatado entre as lembranccedilas da Profordf Flora foi quando proacuteximo aos
desfiles de independecircncia do Brasil ela se encontrava sozinha na escola e de repente ouviu
um som inexplicaacutevel que saia do armaacuterio Acreditou momentaneamente que se tratava de al-
gueacutem que tinha jogado uma pedra com bastante forccedila poreacutem ao dirigir-se para o moacutevel natildeo
encontrou o que supunha ter provocado o som Sua suspeita principal eacute de que esse e outros
82
acontecimentos relatados teriam sido obras dos encantados que habitam no local uma vez que
a escola foi construiacuteda precisamente em local que pertencia a eles anteriormente Isto eacute sua
visatildeo a respeito de acontecimentos inexplicaacuteveis na escola ou quanto a determinados desafios
a exemplo dos casos de possessatildeo resvala em uma percepccedilatildeo de que a escola mantem viacutencu-
los com o universo religioso afro
Ainda no periacuteodo da sua gestatildeo informa que por vaacuterias vezes a escola fez parceria
com o Grupo de Consciecircncia Negra de Cururupu (GCNC) nas datas referentes agrave populaccedilatildeo
negra quando ministravam palestras sobre os temas referentes agrave cultura afro-brasileira O
objetivo prioritaacuterio das conversas era sensibilizar os alunos com relaccedilatildeo agrave importacircncia da co-
munidade negra no municiacutepio e a valorizaccedilatildeo do pertencimento eacutetnico A professora Floranil-
de Silva acredita que ldquoquando se trata do envolvimento de escola e religiatildeo o que deve preva-
lecer eacute o respeito em primeiro em lugar uma vez que temos soacute um Deusrdquo (FLORANILDE
DIAS DA SILVA 2019)
Questionada sobre os terreiros que circundam a escola afirma que tinha consciecircncia
dessa proximidade contudo teve pouca relaccedilatildeo com essas casas de cultos Ocorre que sempre
que acontecia alguma coisa de espiacuterito com os alunos sempre recorria a um pai de santo proacute-
ximo e ele sempre vinha ajudar Quanto agrave escola
Acredito que a escola precisa aprimorar os conhecimentos sobre as
religiotildees como um todo principalmente sobre a religiatildeo negra para
que haja mais dedicaccedilatildeo ao trabalhar com as religiotildees africanas
muitos alunos e professores satildeo praticantes no entanto tem uma certa
vergonha em assumir que praticam esse tipo de culto principalmente
na escola onde a criacutetica ainda eacute maior com essas pessoas e tudo isto
por que a sociedade natildeo aceita essas coisas (Professora Floranilde
Dias da Silva entrevista coletada em 29 de janeiro de 2019)
Deacuterika Sandriane da Silva Maia trinta e nove anos pedagoga especialista em psi-
copedagogia supervisatildeo e planejamento educacional tambeacutem aceitou falar conosco a respeito
de sua experiecircncia na escola Natural de Guajerutiua povoado da regiatildeo foi coordenadora
pedagoacutegica dos anexos do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda nas ilhas e professora na
sede Orgulha-se de ter prestado assessoria pedagoacutegica quando desenvolveu vaacuterias atividades
para ampliar o leque de praacuteticas pedagoacutegicas da escola
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Imagem 6- Professora Deacuterika Sandriane da Silva Maia Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
Indagada sobre religiatildeo a professora assume a identidade catoacutelica pois considera que
esta ldquoeacute a religiatildeo a ser seguidardquo mas afirma ser importante natildeo ldquodesmerecer as outras reli-
giotildeesrdquo Disse-nos ainda que algumas religiotildees protestantes ela admira outras natildeo Quando
questionada sobre as religiotildees africanas existentes em Cururupu afirma ser leiga no assunto
no entanto respeita o espaccedilo de cada uma e que agraves vezes ateacute visita esses cultos nas ocasiotildees
festivas Sobre o periacuteodo em que desempenhou atribuiccedilotildees como orientadora pedagoacutegica
afirma ter sempre buscado diaacutelogo com a comunidade escolar visando estreitamento dos la-
ccedilos poreacutem ressalta que foram poucos os projetos efetivamente executados
Ao falar do tema a professora afirma que haacute uma inseguranccedila na escolha do indiviacuteduo
quanto ao tipo de identidade religiosa que ele pode assumir no espaccedilo escolar Os conflitos
contiacutenuos e cotidianos criam obstaacuteculos para que o sujeito assuma sua feacute o que faz com que
muitos estudantes e ateacute mesmo professores passeiem por vaacuterias religiotildees natildeo se definindo em
nenhuma A professora Deacuterika Maia diz conhecer a Lei 106392003 contudo argumenta que
A maacute elaboraccedilatildeo do curriacuteculo nas propostas que tratam dos assuntos
atinentes a populaccedilatildeo negra mesmo com a obrigatoriedade os profes-
sores estatildeo muitos despreparados para lidar com o tema Quando Se-
cretaria de Educaccedilatildeo do municiacutepio de Cururupu levei o tema sobre a
Lei 1063903 para as escolas mas senti uma falta de interesse des-
conhecimento da Lei por alguns professores alguns ateacute jaacute tinham ou-
vido falar mas natildeo sabiam explicar como ia funcionar dentro da gra-
de curricular vejo que isto se daacute pela falta de formaccedilatildeo dos professo-
res que natildeo tiveram formaccedilotildees especificas sobre o tema por isso da
dificuldade em adotar a Lei mesmo diante da obrigatoriedade (Pro-
fessora Deacuterika Sandriane da Silva Maia entrevista coletada em 29 de
dezembro de 2018)
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Outro fator que a professora destaca eacute que a sociedade natildeo estaacute preparada para lidar
efetivamente com questotildees religiosas e principalmente a respeito das religiotildees negras Acre-
dita ainda que muitos que ali se encontram natildeo sabem por que razotildees pertencem ou partici-
pam da mesma pois haacute carecircncia de esclarecimento para que de fato pudessem defender sua
escolha Reafirma que haacute uma rejeiccedilatildeo da sociedade com as religiotildees de matriz africana
O professor Eacutelcio Cadete da Silva nasceu dia 20 de agosto de 1984 eacute formado em His-
toacuteria pela Universidade Estadual do Maranhatildeo e professor da rede estadual de ensino Atual-
mente trabalha com comunidades quilombolas O professor nos relatou que cursou o ensino
fundamental na escola Joatildeo Marques Miranda e foi nessa eacutepoca que teve seu primeiro contato
com as entidades Lembra que houve vaacuterios casos de possessotildees na escola Como a escola
tinha (tem) dificuldade de lidar com estas questotildees comeccedilou a pesquisar as religiotildees de matriz
africana com foco no Bairro de Satildeo Benedito
Imagem 7- Eacutelcio Cadete Silva professor de Histoacuteria e Umbandista CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
Eacutelcio que se assume umbandista diz manter um diaacutelogo com os pais de santo do seu
entorno com o objetivo de manter uma relaccedilatildeo de proximidade com esses terreiros como for-
ma de discutir as relaccedilotildees de pertencimento Perguntado sobre religiatildeo ele relata que
A religiatildeo natildeo pode ser vista como cultura e sim como religiatildeo com
respeito de todos O terccedilo da missa eacute a guia do terreiro a banda de
muacutesica eacute os tambores a religiatildeo tem muita gente confundindo a reli-
giatildeo o capitalismo tem dificultado a fundamentaccedilatildeo nos cultos as
pessoas entram nos cultos e natildeo querem mais de aprofundar (EacuteLCIO
CADETE fevereiro 2019)
O professor enfatiza ainda o afastamento das verdadeiras tradiccedilotildees nos cultos afros
dado que em sua perspectiva muitas participam das celebraccedilotildees por motivos deturpados pois
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vecirc-se ldquoos salotildees cheio de danccedilantes no entanto muitos ali estatildeo unicamente para se firmar
sem buscar a origemrdquo
Quanto agrave relaccedilatildeo dos terreiros com a escola ele afirma que
Os terreiros se mostram abertos para o debate no entanto a escola
natildeo sabe lidar com essas questotildees por exemplo quando fiz o primaacute-
rio no Joatildeo Marques tive possessotildees e a escola natildeo soube lidar com a
situaccedilatildeo houve uma eacutepoca que a escola estava com constantes movi-
mentos de entidades foi chamado um padre e um pastor para resolve-
rem o problema esses falaram ao puacuteblico sobre o problema foi cha-
mado o pai de santo Luiacutes soacute que este fazia as coisas soacute no escondido
quando na verdade deveria explicar o que estava acontecendo vemos
que esse contato da escola com os terreiros soacute acontece assim as es-
curas o que confirma o despreparo da escola Quando o pai de santo
usava um banho na escola tinha que dizer que era aacutegua benta esse
sincretismo de objeto natildeo deveria acontecer a escola deveria nesse
momento fazer uso da experiecircncia e aproximar esse debate (EacuteLCIO
CADETE fevereiro 2019)
Sobre a sua visatildeo a respeito de como a instituiccedilatildeo vecirc as casas de cultos proacuteximas da
escola e da relaccedilatildeo que esta deveria ter com as mesmas considera que deveria haver maior
aproximaccedilatildeo entre ambas sobretudo por que a experiecircncia que este encontro proporcionaria
na aprendizagem tanto de adeptos quanto da proacutepria escola seria de grande valia para o com-
bate contra o preconceito Nessa mesma perspectiva Eacutelcio mostrou-se bem enfaacutetico
A escola precisa ensinar a religiatildeo africana como religiatildeo e natildeo co-
mo manifestaccedilatildeo natildeo adianta a escola trabalhar as datas sobre a po-
pulaccedilatildeo negra e natildeo fazer um trabalho que enraiacuteze essas informa-
ccedilotildees a escola tem sim pessoas que frequentam os terreiros e isto tem
que ser levado em consideraccedilatildeo o que temos observado nas escolas eacute
que o descuido com essas questotildees tem aumentado agrave evasatildeo escolar
tudo por conta da escola natildeo daacute atenccedilatildeo a essa situaccedilatildeo os terreiros
tem sim interesse em trocar essas experiecircncias mas a sociedade por
natildeo estaacute preparada acaba influenciando no espaccedilo escolar enquanto
natildeo enraizar essas questotildees o preconceito continuaraacute a fazer pessoas
natildeo seguirem suas crenccedilas a seguir no que acreditam eu sou um-
bandista assumido e faccedilo o que estaacute ao meu alcance para contribuir
com o divulgaccedilatildeo da religiatildeo (EacuteLCIO CADETE fevereiro 2019)
Raimunda Nonata Setubal Chaves mais conhecida como Diquinha nascida em 1960
eacute pedagoga e foi professora durante 25 anos do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda Atu-
almente natildeo estaacute em sala de aula Umbandista assumida uma das frases principais que utiliza
como se fosse uma espeacutecie de bordatildeo eacute a seguinte ldquoDeus deixou o mundo completo de tudordquo
A professora nos relatou que sua relaccedilatildeo com a umbanda eacute uma relaccedilatildeo de muito respeito e
identidade Uma das professoras mais antigas da escola e tendo em vista seu pertencimento
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religioso indaguei sobre como era agrave relaccedilatildeo da escola com a histoacuteria e cultura afro-brasileira
em sua eacutepoca antes e agora Ela nos descreveu haacute discriminaccedilatildeo e sempre haveraacute todavia
garante que muita coisa jaacute mudou sem explorar o elo entre as razotildees dessa permanecircncia e
sobretudo das mudanccedilas Como exemplo fez questatildeo de lembrar que agrave eacutepoca da professora
Floranilde organizou uma danccedila junina com seus alunos que no final de contas era um ritual
de pajeacute Danccedila muito requisitada naquele periacuteodo acredita que isso se dava pela curiosidade
que a populaccedilatildeo tinha a eacutepoca mas defende que esse foi um passo importante para abrir fissu-
ras no debate
Imagem 8- Professora Raimunda Nonata Setubal ChavesUmbandista Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
Sobre escola e religiatildeo africana a professora diz algo que parece ser agrave visatildeo da maioria
dos pais de santo quando relata que
Os terreiros estatildeo sempre abertos para receber quem quer que seja
preto branco pobre ricos a nossa religiatildeo eacute de partilha a escola
precisa abrir espaccedilo para que os debates ocorram temos muitos alu-
nos que sofrem de entidades mas natildeo sabem lidar quando isto acon-
tece na escola penso que esta realidade mudaraacute quando professores
de Sociologia Filosofia e Histoacuteria comeccedilarem a falar sobre estas
questotildees eacute preciso explicar que o mesmo Deus das outras religiotildees eacute
o mesmo dos terreiros eacute preciso respeitar o espaccedilo do outro a reli-
giatildeo do outro eu sempre que tenho uma oportunidade converso com
os alunos sobre o assunto as pessoas natildeo precisam se esconder Deus
deixou tudo certo no mundo Eu sou umbandista e me assumo em
qualquer lugar natildeo tenho como fugir ela me acompanha (RAI-
MUINDA NONATA S CHAVES fevereiro de 2019)
A uacuteltima de nossas entrevistadas eacute Maria Clara Cunha professora aposentada que
exerceu o magisteacuterio por 35 anos A nossa conversa com a pedagoga ocorreu de maneira bas-
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tante descontraiacuteda e em clima de grande receptividade a exemplo dos demais entrevistados
Quando perguntada sobre seu envolvimento com a religiatildeo afro ela fez questatildeo de frisar que
natildeo teve ldquopai de santo como dizem nos cultos pois nasci feitardquo E acrescenta que ainda hoje
continua trabalhando de mesa branca mas que tambeacutem tem linha de caboclo15
Durante muito
tempo danccedilou com o pai de santo Vicentinho localizado no bairro do Armazeacutem o qual teria
sido em suas proacuteprias palavras um excelente meacutedium Sobre a escola fala que houve uma
eacutepoca que na escola estava acontecendo muitos casos de alunos incorporando espiacuteritos para
resolver a situaccedilatildeo chamaram os sacerdotes Daacuterio e Vicentinho para realizarem trabalhos de
seguranccedila16
na escola o que veio a amenizar mais a situaccedilatildeo
Perguntada a respeito de como ela lidou com o seu proacuteprio pertencimento religioso
dentro do espaccedilo escolar relatou que sempre se assumiu na escola que desde cedo danccedilava e
que natildeo tinha vergonha de ser umbandista Embora soubesse que muitos natildeo gostavam e ateacute
houvesse situaccedilotildees em que colegas e alunos manifestavam desaprovaccedilatildeo (o que nos foi rela-
tado com certo bom humor) considera que ldquoisto eacute um dom que Deus daacute para as pessoas e que
elas precisam cumprir com esta obrigaccedilatildeordquo A imagem que nos cede para utilizaccedilatildeo neste
trabalho apresentada na paacutegina seguinte expressaria assim parte dessa autoconsciecircncia
Imagem 9- Clara Maria Cunha Professora MeacutediumUmbandista Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal 2019
15 Na religiatildeo afro-brasileira muitas satildeos as formas como as entidades se manifestam dentre estas haacute a linha de
mesa branca Satildeo pais matildees de santos e iniciados que desenvolvem trabalhos espirituais neste caso especiacutefico
natildeo haacute a utilizaccedilatildeo de tambores os cantos satildeo executados as entidades que se manifestam nos toques tambeacutem
arreiam na sessatildeo de mesa branca e realizam seus trabalhos de cura neste sentido existem pais de santo que
trabalham nas duas linhas de encantaria 16 O trabalho de seguranccedila realizado por pais e matildees se santo eacute uma atividade que se desenvolve uma chamada
espiritual eacute feito um trabalho para que as entidades que se manifestam naquele local incorporando nas pessoas se
afastem ou ateacute mesmo a pessoa que incorpora fica protegida pela orientaccedilatildeo dos pais de santos atraveacutes de suas
linhas de encantados
88
Procuramos saber da professora a respeito de como a escola enxergava os terreiros
que ficavam nas proximidades do estabelecimento e como ela concebia o papel da escola nes-
se contexto Sua resposta como que retoma o mesmo eixo argumentativo dos demais
A escola sabe abertamente que os casos de alunos que recebem enti-
dades existem que quando foi diretora adjunta sempre procurava
aproximar o debate entre os alunos mas as vezes as situaccedilotildees que al-
gumas pessoas natildeo compreendem acredito que a escola precisa fazer
um trabalho mais direcionado para as religiotildees comeccedilamos uma vez
a chamar dois pais de santo para explicar sobre o que acontecia na
escola mas soacute que isto foi a muito tempo precisamos entender uma
coisa ldquo noacutes somos galinha se Deus se ele chama um filho seu para
exercer uma funccedilatildeo ele tem que exercer ateacute mesmo na hora da morte
se Deus escolhe um filho tem que ir Deus daacute Deus tira assim mesmo
eacute com a religiatildeo (Clara Maria Cunha 2019)
A escola tem sua funccedilatildeo enquanto escola para ajudar esses alunos
agora agraves coisas soacute natildeo estatildeo melhores por que os umbandistas natildeo se
unem para fazer as coisas acontecerem talvez se tivesse mais uniatildeo a
situaccedilatildeo seria outra mas o importante eacute que estamos tentando fazer
alguma coisa por exemplo eu faccedilo minha parte explico como satildeo as
coisas e espero que entendam afinal cada um tem que seguir seu des-
tino o destino que Deus lhe deu (Clara Maria Cunha 2019)
Em siacutentese parece fato inconteste entre os docentes a importacircncia que deve ser dada
ao estreitamento de relaccedilotildees e de compreensotildees entre escolas e terreiros Outro aspecto que
fica evidenciado nos relatos eacute que na praacutetica a resistecircncia parece vir predominantemente da
cultura escolar visto que os terreiros e suas lideranccedilas sempre deram mostras praacuteticas de inte-
raccedilatildeo e abertura de vias de diaacutelogo A questatildeo se torna ainda mais intrigante quando se perce-
be que essas relaccedilotildees natildeo satildeo estreitadas mesmo que os proacuteprios docentes tambeacutem pertenccedilam
a religiotildees afro-brasileiras Quer dizer geralmente quando pensamos na questatildeo da inclusatildeo
dos temas relativos agrave histoacuteria e cultura afro-brasileira no espaccedilo escolar levantamos a questatildeo
do pertencimento religioso dos estudantes mas poucos satildeo os trabalhos que problematizam
como os professores lidam com sua proacutepria identidade religiosa nessas condiccedilotildees Embora
natildeo seja esta a questatildeo principal da presente pesquisa trata-se de um problema que requereria
anaacutelise mais cuidadosa uma vez que abre um insuspeitado espaccedilo para pensar as resistecircncias
oriundas da forma escolar hegemocircnica para inclusatildeo dessa temaacutetica
Tendo explorado como a comunidade escolar e seus agentes percebem as relaccedilotildees en-
tre escola e terreiro passaremos no capiacutetulo seguinte agrave exploraccedilatildeo da proacutepria dinacircmica comu-
89
nitaacuteria de onde retiramos algumas importantes liccedilotildees para aplicaccedilatildeo das oficinas pedagoacutegicas
que compuseram o produto final desta dissertaccedilatildeo
90
CAPIacuteTULO 4 ndash DA COMUNIDADE PARA A ESCOLA histoacuterias percepccedilotildees e experi-
ecircncias de um diaacutelogo possiacutevel
Meu Satildeo Benedito sua manga cheira
A cravos e rosas e flor de laranjeira
Meu Satildeo Benedito jaacute foi cozinheiro
E hoje eacute santo de Deus verdadeiro
Meu Satildeo Benedito estrela do norte
Guiai-me meu santo na vida e na
Morte
(Domiacutenio popular)
Talvez um dos fatos mais curiosos no decorrer da pesquisa foi agrave constataccedilatildeo de muitos
relatos de que alunos eram incorporados por encantados nos horaacuterios de aula Como vimos
nas entrevistas esses acontecimentos satildeo interpretados pelos docentes em funccedilatildeo do local
onde a escola foi construiacuteda Vaacuterios deles chegaram mesmo a explicar que como natildeo pediram
permissatildeo para construccedilatildeo da escola aos donos do local os ldquoencantadosrdquo as possessotildees ocor-
riam Outro fato importante relatado pelos docentes foi que sempre que ocorriam fatos dessa
natureza eles chamavam um pai de santo de um terreiro proacuteximo agrave escola para que assim o
problema pudesse ser resolvido Inclusive em uma dessas visitas para auxiliar alunos incor-
porados um pai de santo teria advertido quanto agrave necessidade de realizar um trabalho de des-
pacho para que este tipo de situaccedilatildeo parasse de acontecer Como seraacute visto no decorrer deste
mesmo capiacutetulo esses relatos tambeacutem satildeo muito comuns entre pais e matildees de santo que vi-
vem proacuteximos agrave escola
Para o momento eacute oportuno destacar o fato baacutesico que esteve no ponto de partida des-
te trabalho qual seja desde que tive a oportunidade de atuar profissionalmente na referida
escola sempre achei impressionante a quantidade de terreiros proacuteximos ao estabelecimento de
ensino sem que essa situaccedilatildeo produzisse efeitos sobre as iniciativas pedagoacutegicas em curso
voltadas para o diaacutelogo e integraccedilatildeo com a comunidade neste plano Obviamente devo incluir
nesse quadro as proacuteprias dificuldades que tive Essa dissertaccedilatildeo resulta justamente desse in-
cocircmodo e do sentimento de impotecircncia decorrente disso como tive a oportunidade de enfati-
zar paacuteginas atraacutes
91
Ocorre que observado com o olhar treinado pela passagem no mestrado em His-
toacuteria Ensino e Narrativas pude notar que essa disjunccedilatildeo entre escola e comunidade eacute bem
maior A impressatildeo que se tem eacute de que a escola constitui uma espeacutecie de forte contra as in-
cursotildees aberturas e janelas criadas pelo cotidiano mesmo da comunidade como se pode notar
ao observar a importacircncias das diversas festas populares que ocorrem no bairro Visto desta
perspectiva jaacute natildeo se trata aqui tatildeo somente das religiosidades afro-brasileiras como tambeacutem
da proacutepria dificuldade de incorporar ao espaccedilo escolar as temaacuteticas culturais e histoacutericas mais
amplas conectadas aos saberes e fazeres da cultura africana e afro-brasileira o que esteve no
princiacutepio do formato final de nossa proposta pedagoacutegica Em siacutentese a reflexatildeo sobre esse
quadro levou-me a tentar compreender como a instituiccedilatildeo escolar encontra-se em pleno des-
compasso com a integraccedilatildeo ao mundo cultural e histoacuterico das proacuteprias camadas populares e
suas diferentes representaccedilotildees
Enquanto no capiacutetulo anterior exploramos de maneira diagnoacutestica como a cultura es-
colar selecionada lida e percebe as relaccedilotildees entre escola e o legado da histoacuteria e cultura afro-
brasileiras neste trabalho pretendemos explorar parte da histoacuteria do bairro e dos terreiros
com foco sobre as casas localizadas proacuteximo agrave escola Para tanto apoacutes tecermos algumas con-
sideraccedilotildees a respeito das pesquisas realizadas nesse campo de estudos (baseando-nos princi-
palmente nos trabalhos regionais disponiacuteveis a respeito) passamos a uma breve incursatildeo so-
bre a dinacircmica do bairro e de suas festas populares as histoacuterias e memoacuterias dos terreiros e
lideranccedilas religiosas principais e suas visotildees sobre as relaccedilotildees entre terreiros e escolas Em
particular neste uacuteltimo eixo objetivamos saber dos Pais de Santo que aceitaram dar entrevis-
tas como eles observam o papel da escola naquela configuraccedilatildeo Por fim voltamo-nos para a
descriccedilatildeo das oficinas que realizamos na escola
Conveacutem esclarecer que se optamos por posicionar as oficinas neste capiacutetulo que
em tese seria mais voltado para o contexto externo da escola - o bairro seus terreiros e pesso-
as eacute porque concluiacutemos haver um potencial educativo notoacuterio no movimento que vai dos ter-
reiros para a escola Como visto ao longo das oficinas realizadas a sensaccedilatildeo que fica eacute de que
somente atraveacutes da realizaccedilatildeo de atividades planejadas didaticamente a partir do proacuteprio local
eacute que a instituiccedilatildeo escolar e seus profissionais poderatildeo avanccedilar no alcance de metas que jaacute
estatildeo claras muito embora encontrem diversas resistecircncias para sua efetivaccedilatildeo As oficinas
constituiacuteram pois uma ocasiatildeo para promoccedilatildeo do encontro desses dois mundos tatildeo proacuteximos
geograficamente contudo ao mesmo tempo tatildeo distantes em termos de reconhecimento
92
41 Perspectivas de investigaccedilatildeo sobre a histoacuteria e cultura afro-brasileiras no Maranhatildeo
Durante a uacuteltima deacutecada muita coisa mudou tambeacutem no acircmbito das religiotildees no Bra-
sil O censo de 2000 nos diz que o paiacutes estaacute hoje menos catoacutelico mais evangeacutelico e menos
afro-brasileiro Velhas tendecircncias foram confirmadas novas direccedilotildees vatildeo se impondo Religi-
otildees receacutem-criadas se enfrentam com as mais antigas velhas religiotildees assumem novas formas
e veiculam renovados conteuacutedos para enfrentar a concorrecircncia mais acirrada no mercado reli-
gioso (PRANDI 2003 p 16) Neste cenaacuterio de tracircnsito e novas denominaccedilotildees religiosas
ressaltamos a importacircncia de revisitar algumas concepccedilotildees sobre religiatildeo afro-brasileiras
Trata-se de um exerciacutecio importante natildeo apenas para municiar o trabalho com os aportes das
pesquisas realizadas sobre o tema como tambeacutem para fundamentar as intervenccedilotildees pedagoacutegi-
cas no cenaacuterio escolhido
Oriundas de formaccedilotildees sincreacuteticas no processo de escravizaccedilatildeo as religiotildees afro-
brasileiras mais antigas foram formadas no seacuteculo XIX (PRANDI 2000) Ao longo de todo
empreendimento colonizador o catolicismo era a religiatildeo do Estado participando ativamente
do processo de afirmaccedilatildeo do ethos europeu Nessa conjuntura as tradiccedilotildees religiosas africa-
nas eram vistas como formas religiosas demoniacuteacas devendo consequentemente ser extirpa-
das Para manter suas formas doutrinaacuterias originaacuterias os africanos trazidos para o novo mun-
do tiveram que adotar entatildeo estrateacutegias de sobrevivecircncia e adaptaccedilatildeo O sincretismo que se
pode identificar em diferentes festas religiosas populares e particularmente na maneira como
se combinam no universo afro-catoacutelico as relaccedilotildees entre santos e orixaacutes no Brasil e nas Ameacute-
ricas resultam concretamente dessas estrateacutegias (FERRETTI 1998) Obviamente aleacutem das
estrateacutegias de resistecircncia o que entra em pauta aqui tambeacutem eacute a recriaccedilatildeo de uma Aacutefrica sim-
boacutelica cuja forccedila e penetraccedilatildeo estende para muito aleacutem do acircmbito propriamente religioso
(PRANDI 2000)
Seja como for o fato eacute que as formas religiosas de origem africana firmaram espaccedilo
em solo brasileiro seja atraveacutes do candombleacute17
(PRANDI 2000) na Bahia do tambor de mi-
na18
do Maranhatildeo (FERRETI 1996) do xangocirc 19
de Pernambuco e do batuque20
do Rio Gran-
17 Candombleacute eacute uma religiatildeo afro-brasileira derivada de cultos tradicionais africanos na qual haacute crenccedila em um
Ser Supremo e culto dirigido a forccedilas da natureza personificadas nas formas ancestrais divinizados orixaacutes vo-
duns ou inquices dependendo da naccedilatildeo o estado da Bahia concentra um grande nuacutemero de terreiros de candom-
bleacute as casas satildeo dirigidas por babalorixaacutes e yalorixaacutes estes dirigentes possuem os conhecimentos do culto e sua
indicaccedilatildeo eacute feita pelos orixaacutes atraveacutes do jogo de buacutezios (PRANDI 2000 p 61) 18 Eacute a denominaccedilatildeo mais difundida das religiotildees afro-brasileiras no Estado do Maranhatildeo A pala-
vra tambor deriva da importacircncia do instrumento nos rituais de culto Mina deriva de negro-mina de Satildeo Jorge
93
de do Sul (PRANDI 2000 p 62) da Umbanda21
(FELINTO 2012) no Rio de Janeiro entre
outros Trata-se no entanto de uma histoacuteria de resistecircncia que ainda se prolonga no tempo
dado que os cultos ainda sofrem perseguiccedilotildees por todo paiacutes e natildeo satildeo poucos os exemplos
contemporacircneos concretos de intoleracircncia religiosa no Brasil Em grande medida isto se deve
agrave proacutepria maneira como essas religiotildees foram concebidas pelo discurso religioso dominante
Mesmo diante das praacuteticas de intoleracircncia Os cultos afro-brasileiros sobrevivem como
uma rede de resistecircncia e apoio agrave populaccedilatildeo afrodescendente Vale explicitar as denominaccedilotildees
mais populares no Brasil O candombleacute que se instalou no estado da Bahia se desenvolve em
forma de casas templos onde a maioria dos adeptos moram e desenvolvem cerimonias agraves enti-
dades Os deuses cultuados nesta praacutetica religiosa satildeo os Orixaacutes forccedilas da natureza que invo-
cados incorporam nos seus filhos e executam danccedilas sagradas Paramentados com suas vestes
rituais nos cultos eles executam tambeacutem processos de cura e conversas com os participantes
(FELINTO 2012) Os orixaacutes mais populares no Brasil satildeo Exuacute Ogum Iansatilde Oxum Oxoacutes-
si Ossaim Obalouaecirc Oxumereacute Iemanjaacute Xangocirc Nanatilde e Oxalaacute todos esses deuses possuem
caracteriacutesticas especificas cores ferramentas e liturgias que acompanham a danccedila ritual co-
mo teremos a oportunidade de destacar no produto desta dissertaccedilatildeo
O Tambor de Mina popularmente difundido no Maranhatildeo natildeo se diferencia em muito
do candombleacute Os cultos acontecem em invocaccedilatildeo aos Voduns e Caboclos que visitam os
terreiros incorporando nos iniciados O ritual inicia-se em liacutengua de acordo com a naccedilatildeo ao
qual pertencem Os Voduns assim como os orixaacutes satildeo forccedilas que simbolizam elementos da
natureza No Maranhatildeo haacute trecircs importantes casas que foram fundadas por mulheres africanas
da Mina denominaccedilatildeo dada aos escravos procedentes da ldquocosta situada a leste do Castelo de Satildeo Jorge da Minardquo no atual Repuacuteblica do Gana trazidos da regiatildeo das hoje Repuacuteblicas do Togo Benin e da Nigeacuteria que eram co-
nhecidos principalmente como negros mina-jejes e mina-nagocircs (FERRETI 1996 35) 19 Xangocirc de Pernambuco tambeacutem conhecido como Xangocirc do Recife eacute uma religiatildeo afro-brasileira O nome eacute dado em virtude da popularidade e importacircncia de Xangocirc nessa regiatildeo (PRANDI 2000 p 60) 20 Batuque eacute uma denominaccedilatildeo as religiotildees afro-brasileiras de culto aos orixaacutes encontrados principalmente no
estado do Rio Grande do Sul Brasil de onde se estendeu para os paiacuteses vizinhos tais como Uruguai e Argentina
O batuque eacute fruto de religiotildees dos povos da Costa da Guineacute do Benim e da Nigeacuteria com as na-
ccedilotildees Jecircje Ijexaacute Oyoacute Cabinda e Nagocirc Hoje o Batuque possui centenas de casas e inuacutemeros praticantes e adep-
tos (PRANDI 2000 p 62) 21A Umbanda eacute uma religiatildeo brasileira que sintetiza vaacuterios elementos das religiotildees africanas e cristatildes poreacutem sem
ser definida por eles Formada no iniacutecio do seacuteculo XX no sudeste do Brasil a partir da siacutentese com movimentos
religiosos como o Candombleacute o Catolicismo e o Espiritismo Eacute considerada uma religiatildeo brasileira por exce-
lecircncia com um sincretismo que combina o Catolicismo a tradiccedilatildeo dos orixaacutes africanos e os espiacuteritos de origem
indiacutegena (FELINTO 2012 p15)
94
e possuem grande longevidade a Casa das Minas22
(FERRETI 1996) que pertence ao tronco
Jecircje Nagocirc a Casa de Nagocirc23
(FERRETI 2009) que pratica ritos da cultura nagocirc e a Casa de
Fanti-ashanti24
com predominacircncia da Cultura Ashanti (FERRETTI 2000)
Igualmente como nas tradiccedilotildees religiosas em Aacutefrica estas casas trabalham na ideia de
hierarquia tendo na pessoa do pai e da matildee de santo os responsaacuteveis por conduzirem os cultos
Na Casa das Minas os Voduns satildeo representados sobre a noccedilatildeo de famiacutelias sob o comando de
seus chefes Os mais conhecidos satildeo Toacutei Zomadocircnu o dono da Casa das Minas famiacutelia de
Quevioccedilocirc famiacutelia de Toacutei Acoacutessi Sapataacute Odan Toacutei Dadarrocirc Toacutei Doccediluacute-Bogueccedilagajaacute Toacutei Be-
digaacute Nochegrave Sepazin e Toacutei Averequecircte (FERRETI 1996) A Casa de Nagocirc dedica-se aos cul-
tos dos orixaacutes nagocircs como Afrekete Ogum Iemanjaacute Logunedeacute Yewaacute aleacutem de contar tam-
beacutem com entidades caboclas chamadas de Gentis a exemplo de Dom Luiacutes Rei de Franccedila
Dom Joatildeo Dom Floriano Seu Zezinho de Amaramadatilde Rei da Turquia Seu Leacutegua Bogi Jo-
atildeo da Mata (FERRETI 2009) A Casa de Fanti- Ashanti eacute uma conhecida casa de culto no
Maranhatildeo que realiza toques de mina e baiatildeo (FERRETI 1991)
Outro forte aspecto da religiatildeo afro-brasileira eacute a Umbanda considerada como uma
crenccedila genuinamente brasileira A Umbanda tem seus fundamentos firmados com elementos
do candombleacute catolicismo e espiritismo combinando uma variedade de entidades que se ma-
nifestam nos terreiros em casos de iniciados (FELINTO 2012 p15) Os ritos satildeo diversifica-
dos na maneira como se desenvolvem Os cultos se apresentam com entidades das mais dife-
rentes naccedilotildees como iacutendios orixaacutes fidalgos e caboclos entre outros o que a torna uma mani-
festaccedilatildeo diversificada
22 Tambor de mina eacute uma religiatildeo de matriz africana organizada no Maranhatildeo na primeira metade do seacuteculo
XIX) FERRETI M 2009 p 2) A Casa das Minas ou Querebentatilde de Zomadocircnu localizada na Rua Satildeo Panta-
leatildeo atual Rua Senador Costa Rodrigues bairro da Madre de Deus em Satildeo Luiacutes eacute a mais antiga casa de religiatildeo
afro-brasileira do Maranhatildeo Foi provavelmente fundada em meados do seacuteculo XIX por negros jecircje oriundos do
sul de Benin (antigo Daomeacute) A memoacuteria oral transmitida entre as geraccedilotildees conta que a Casa das Minas foi fundada por Maria Jesuiacutena ndash que adorava Zomadocircnu e que teria passado pelo ritual para se tornar matildee ainda na
Aacutefrica (FERRETI 1996 p 39) 23A Casa de Nagocirc eacute uma casa de Tambor de Mina localizada no centro histoacuterico de Satildeo Luiacutes no estado
do Maranhatildeo Dedica-se ao culto dos orixaacutes nagocircs foi fundada agrave eacutepoca do Brasil Impeacuterio
por malungos africanos Dedica-se ao culto dos orixaacutes nagocircs possuindo hierarquia matriarcal uma de suas mais
importantes voduacutensis foi a Matildee Dudu por quem era conhecida Victorina Tobias Santos (1886-1988) filha de
Iemanjaacute e que muito contribuiu para o seu tombamento (FERRETI M 2009 p3) 24A Casa Fanti-Ashanti foi fundada em 1954 Os Fanti e os Ashanti eram povos da antiga Costa do Ouro atual
Repuacuteblica de Gana Eacute uma Casa de Mina e Candombleacute que manteacutem a tradiccedilatildeo desde sua fundaccedilatildeo Haacute tambeacutem
rituais ligados agrave pajelanccedila ao catolicismo popular (Espiacuterito Santo) (FERRETI M 2000 p5)
95
Em suma como bem destacado por Carlos Benedito Rodrigues da Silva (2015) essa eacute
uma histoacuteria de sincretismo que emerge a partir da proacutepria diaacutespora que perpassa as relaccedilotildees
assimeacutetricas entre colonizadores e colonizados mas que tambeacutem denota o movimento dinacirc-
mico de transgressatildeo adaptaccedilatildeo irreverecircncia que eacute protagonizado pelos negros e afrodescen-
dentes e que constroem novas relaccedilotildees com a religiosidade O que ldquoresulta portanto em no-
vos elementos interpretativos que datildeo conta da anaacutelise de um cenaacuterio social altamente plura-
lizado de reconstruccedilatildeo das tradiccedilotildees de redefiniccedilotildees de identidades de ressignificaccedilotildees da
vida cotidianardquo (SILVA 2015 p 161)
Deslocando um pouco o eixo de argumentaccedilatildeo anterior valeria agrave pena tecer algumas
consideraccedilotildees a respeito das pesquisas realizadas sobre religiatildeo e cultura popular no Mara-
nhatildeo Para tanto recorro principalmente ao trabalho de Ferretti (2015) um dos principais res-
ponsaacuteveis pelo incentivo ao estudo sobre as religiotildees de origem africana na regiatildeo Conforme
o autor diferentemente de outras regiotildees como a baiana no Maranhatildeo eacute basicamente a partir
da deacutecada de 1980 com os trabalhos do proacuteprio autor e da pesquisadora Mundicarmo Ferreti
que a temaacutetica comeccedila a ganhar destaque dentro da universidade Paulatinamente umas seacuteries
de alunos da graduaccedilatildeo e do mestrado comeccedilaram a redigir trabalhos sobre religiotildees de ori-
gem africana nos quadros do Grupo de Pesquisa Religiatildeo e Cultura Popular iniciado em 1992
no Departamento de Sociologia e Antropologia e em diversos programas de Poacutes-Graduaccedilatildeo
da Universidade Federal do Maranhatildeo Da mesma forma ganha destaque os trabalhos publi-
cados no Boletim da Comissatildeo Maranhense de Folclore (CMF) conformando aportes funda-
mentais para o estudo da temaacutetica em nosso meio (FERRETTI 2015) Deve-se dar destaque
tambeacutem agraves pesquisas que vecircm sendo realizado por Silva (2015) acerca das festas populares e
que tem tambeacutem enfatizado o quanto haacute um entrelaccedilamento de diferentes religiosidades e cul-
turas na populaccedilatildeo maranhense
42 Descrevendo o bairro Satildeo Benedito festas populares e tracircnsitos religiosos
O Bairro Satildeo Benedito faz divisa ao leste com os bairros de Cearaacute e Centro (Tra-
vessa Comandante Joseacute Santos) ao norte com os bairros Centro e Brasiacutelia (Rua Getuacutelio Var-
gas) ao oeste com o bairro Rodagem (Rua Joaquim Reis) ao sul faz divisa com o Rio Satildeo
Lourenccedilo (FUNASA 2019) Atualmente possui um conjunto arquitetocircnico de 1016 (mil e
dezesseis) preacutedios distribuiacutedos entre residecircncias preacutedios comerciais igrejas e terreiros de
cultos afros Apresentamos abaixo um mapa para permitir a visualizaccedilatildeo do periacutemetro do
96
bairro Atenccedilatildeo deve ser dada agrave posiccedilatildeo geograacutefica do Centro de Ensino Joatildeo Marques Mi-
randa posicionado no centro do bairro
Imagem 10- Mapa do Bairro de Satildeo Benedito
Fonte Google Maps 2019
Do ponto de vista da distribuiccedilatildeo dos estabelecimentos religiosos o bairro estaacute distri-
buiacutedo da seguinte maneira na Praccedila Siqueira Campos fica localizada a igreja de Satildeo Benedi-
to na Travessa Vilela de Abreu estaacute situado o Templo da Igreja Quadrangular e na Rua Joatildeo
Miranda o Templo da Assembleia de Deus e em todo bairro localizamos 18 (dezoito) terrei-
ros de religiatildeo de matriz africana e 09 (nove) quartos altares25
dos quais falaremos mais adi-
ante A populaccedilatildeo que reside no bairro gira em torno de 2439 (dois quatrocentos e trinta e
nove) habitantes (FUNASA 2019) e da mesma forma que para o restante do municiacutepio o
puacuteblico eacute majoritariamente negro
A histoacuteria do bairro possui uma relaccedilatildeo muito proacutexima com o aparecimento da ima-
gem de Satildeo Benedito Populares contam que ela foi encontrada sobre uma pedra onde foi edi-
ficado o primeiro barracatildeo para realizaccedilatildeo dos primeiros cultos local onde hoje estaacute construiacute-
do o santuaacuterio ainda conforme esses relatos a referida imagem possuiacutea algumas caracteriacutesti-
cas como mudar de local jorrar sangue ao ser perfurada tendo inclusive sido levada agrave Santa
25 Denominaccedilatildeo empregada para se referir a espaccedilos onde os pais matildees que ainda natildeo possuem barracatildeo exer-
cem suas atividades espirituais dentre estas trabalhos de consultas e curas e obrigaccedilotildees onde guardam seus
relicaacuterios para os filhos de santos eacute o espaccedilo onde iniciam sua aprendizagem ateacute assumirem postos de pais e
matildees de santo ( AHLET 2016 p 277) Haacute religiosos que preferem os quartos altares em vez de barracotildees afir-
mando ser muita responsabilidade assumir um terreiro Encontramos muitos casos na pesquisa como o Senhor
Sebastiatildeo Conde que afirma preferir seu quarto de segredo em virtude de ter outras profissotildees e natildeo poder se
dedicar aos cultos (BASTINHO 2019)
97
Seacute (RIBEIRO 2014) Esta compotildee inclusive parte das principais narrativas alimentadas em
torno do conhecido festejo ao Glorioso Satildeo Benedito
De maneira geral conforme o historiador Paulo Henrique Ribeiro (2014) o surgimen-
to dos primeiros cultos em homenagem ao santo remonta a meados do seacuteculo XIX Para tanto
destacou-se o papel da Irmandade negra de Satildeo Benedito a qual apesar de natildeo ser regula-
mentada seguia os mesmos padrotildees de irmandades registradas A notoriedade e longevidade
histoacuterica do festejo remonta portanto a esse contexto (COSTA 2014)
Quanto agrave construccedilatildeo das edificaccedilotildees Ribeiro (2014) afirma que a primeira igreja em
devoccedilatildeo ao santo foi construiacuteda em 1871 tendo sido reformada e ampliada em 1926 O tem-
plo que seguia os padrotildees com apenas uma torre sineira teve sua fachada alterada para o atual
modelo somente em 1986 permanecendo hoje com trecircs torres tendo sido chamado desde
entatildeo de Santuaacuterio de Satildeo Benedito (COSTA 2014)
O Bairro de Satildeo Benedito tem no festejo ao padroeiro um exemplo muito concreto dos
fortes tracircnsitos entre o sagrado e o profano na localidade O festejo acontece na primeira se-
mana de outubro em forma de novenaacuterio catoacutelico possuindo um seacuteculo e meio de festivida-
de Aleacutem das missas o festejo tambeacutem conta com uma seacuterie de outras atividades organizadas
por grupos de leigos Destaca-se nesse sentido as atividades de muacutesicas de orquestra agrave noite
e o tradicional leilatildeo que acontece ao teacutermino das missas Neste os objetos leiloados satildeo ori-
undos de promessas feitas por devotos que comprovam o recebimento de graccedilas alcanccediladas
por intermeacutedio do santo Aleacutem das festividades durante os dias de festejo haacute pagamentos de
promessas ofertas de presentes vigiacutelia Pungadas e rimas na roda de tambor tambeacutem satildeo or-
ganizadas recorrentemente
Agravequeles que jaacute estatildeo acostumados com o sincretismo dessas festas religiosas talvez
natildeo se torne assim tatildeo claro o quanto esses eventos mesclam siacutembolos culturais e identitaacuterios
distintos criando um acontecimento social bastante dinacircmico Esse ambiente de trocas e tracircn-
sitos religiosos torna comum ao longo do ciclo dos eventos na localidade agrave introduccedilatildeo do
tambor de crioula de ladainhas toque aos voduns homenagens a caboclos e procissotildees Essas
praacuteticas evidenciam a dinacircmica religiosa que eacute constitutiva do bairro de Satildeo Benedito com
seus templos catoacutelicos templos-terreiro e templos de matriz africana que de uma forma ou de
outra aglutinam a populaccedilatildeo que transitam nos campos da religiosidade popular cururupuense
Inferimos portanto que esses devotos em sua maioria antes mesmo de participarem
de atividades que aos olhos de muitos desconstruiria a imagem idealizada do bom devoto
participam religiosamente dos cultos de matriz catoacutelica demonstrando como o festejo cami-
98
nha com essa dinacircmica Os tambores que soam em homenagem ao santo traduzem ao mesmo
tempo uma troca nesses espaccedilos de religiosidades mas tambeacutem a permanecircncia de uma cultura
ancestral que vieram com os negros escravizados para esta terra isto evidencia que a ldquoassoci-
accedilatildeo entre sagrado e profano dentro da cultura negra permitiu que esses transladados e seus
descendentes cultivassem natildeo soacute uma cultura musical mas tambeacutem uma permanecircncia religio-
sa de sua terrardquo (CUTRIM 2016 p264)
Haacute exatos oitenta anos o cotidiano do bairro eacute animado por um coro de vozes sobretu-
do nos dias de festejo sendo a melodia mais executada O hino em louvor a Satildeo Benedito
guarda um fato curioso acerca de sua composiccedilatildeo Tendo sua primeira versatildeo composta no
ano de 1938 (MARLINA MIRANDA 2019)26
pelos cururupuense Manoel Miranda e Libera-
lino Miranda muacutesicos renomados na memoacuteria no bairro foi somente deacutecadas depois quando
da vinda da missatildeo canadense para Cururupu que o hino adquiriu o seu formato final devido
agrave colaboraccedilatildeo do Padre Joatildeo Fillion o qual inseriu duas estrofes na composiccedilatildeo Expomos
abaixo o hino em sua versatildeo mais atual ndash aquela que eacute entoada nas atividades regulares do
festejo
Haacute humildade privileacutegios de almas puras que os anjos cultivam nesta Val
quero tecirc-la como tu bem a tiveste sendo meu fanal
(Refratildeo)
Vecirc teus filhos na tormenta desta vida Benedito laacute no seu trono de luz roga a Deus uma benccedilatildeo bem fecunda ao paiacutes da santa cruz
Deus altiacutessimo no ceacuteu te resplandece povo humilde nesta terra te bendiz
manifesta-se em cantos de louvor gente bem feliz Glorifico nesta hora e para sempre o teu nome excelso em cada geraccedilatildeo
manso e puro como tu Satildeo Benedito quero ser cristatildeo
Tu que vives laacute perto do nosso Deus ensinai-nos a praticar o amor para que tambeacutem conquistemos os ceacuteus com todo ardor
Fortifica-nos em nossa caminhada para um Reino de verdade e de paz con-
fiantes esperamos tua ajuda que tudo nos faz (Manoel Miranda Liberalino
Miranda Joatildeo Fillion Marlina Miranda)
Com efeito caberia tambeacutem destacar a importacircncia de outro festival que tem lugar no
Bairro de Satildeo Benedito Trata-se do Festival de Carro de boi que eacute realizado no mecircs de no-
vembro exatamente no Dia Nacional da Consciecircncia Negra A histoacuteria do festival tem iniacutecio
no ano de 2011 por iniciativa da Associaccedilatildeo de Moradores de Rio de Pedra e o Instituto Ne-
gro Cosme Maria de Nazareacute que eacute uma das organizadoras narra que o festival tem uma his-
toacuteria bastante interessante
26 Marlina Miranda eacute uma professora aposentada que reside no bairro de Satildeo Benedito filho do muacutesico cururu-
puense Manoel Miranda eacute pesquisadora de cultura popular compositora e foliatilde eacute a guardiatilde dos antigos blocos de
mulheres haacute 16 anos comanda o Bloco de Mulheres ldquoCOMO ANTIGAMENTErdquo no carnaval de Cururupu
(MARLINA MIRANDA 2019)
99
De acordo com a informante quando da visita de um pesquisador que estudava as co-
munidades quilombolas e que achou muito bonito o som que era emitido pelas rodas dos car-
ros de boi quando estas estavam em movimento este propocircs agrave comunidade que realizassem
alguma atividade para evidenciar aquele som e aquele haacutebito cultural Segundo argumento
aleacutem do som os carros de boi eram sinal de uma resistecircncia que mereceria ser celebrada em
um festival
Imagem 11- Festival do Carro de Boi na Praccedila Satildeo Benedito CururupuMA
Fontelthttpcururupumagovbrnoticiax-encontro-de-carro-de-bois-cortejo-
acontece- neste-domingo282 gt Acesso em 10 de mar 2019
Ainda conforme nossa informante logo no iniacutecio o evento foi realizado no bairro do
Armazeacutem (Praccedila Guarani) o que ela considera natildeo ter tido o objetivo esperado Jaacute no ano se-
guinte ele foi transferido para a Praccedila de Satildeo Benedito ganhando o status que tem hoje O
evento acontece em trecircs dias Uma semana antes da culminacircncia satildeo realizadas atividades de
Accedilatildeo Social Durante essa atividade os organizadores providenciam uma equipe de meacutedicos e
enfermeiros para realizar diferentes atividades como afericcedilatildeo da pressatildeo e testes laboratoriais
raacutepidos Aleacutem disso na abertura da festividade eacute realizada a missa dos quilombos Poreacutem
para Maria de Nazareacute essa missa acaba por natildeo ter o mesmo puacuteblico esperado das missas tra-
dicionais visto que parece haver resistecircncia por parte de uma parcela da comunidade que natildeo
aceitam a missa aos moldes como se apresentam Por fim encerra afirmando que
Pra noacutes comeccedilarmos essa missa tivemos que recorrer a Meridelma
que faz parte da igreja pra nos ajudar a organizar a missa na igreja
mas mesmo assim ainda tem resistecircncia de alguns membros Eles vatildeo
100
ter que se acostumar porque o santo eacute negro e a missa eacute pra negro
que eles queiram ou natildeo noacutes vamos resistir noacutes temos que mostrar
nossa cultura (MARIA DE NAZAREacute 2019)
Na programaccedilatildeo haacute uma noite cultural com demonstraccedilatildeo de manifestaccedilotildees afro e ao
final a realizaccedilatildeo do Concurso Beleza Negra Mirim No terceiro dia logo pela manhatilde eacute ofere-
cido um cafeacute da manhatilde partilhado em que as comunidades contribuem com uma iguaria da
sua produccedilatildeo Atualmente o cafeacute eacute servido em dois extremos da cidade um no bairro de Ro-
dagem no Siacutetio Pascoal e outro no bairro de Pitombeira A culminacircncia acontece com a saiacuteda
dos dois cortejos com os carros se encontrando no bairro Rodagem onde inicia o cortejo pelas
ruas de Cururupu guiadas por grupos de tambor de crioula
Nesse Festival o cortejo eacute composto da seguinte forma carro cantador carro original
com as seacutebias27
e carro ornamentado com elementos da roccedila Ao final do evento satildeo entregues
trofeacuteus e certificados aos participantes Ressalta-se que dentro do contexto histoacuterico dos feste-
jos realizados no bairro de Satildeo Benedito haacute uma participaccedilatildeo efetiva dos devotos cada um
com suas proacuteprias peculiaridades Outro aspecto a ser destacado aleacutem da forte presenccedila da
comunidade eacute que esses festejos conferem lugar especial agrave presenccedila dos siacutembolos negros
Quer dizer aleacutem de alimentarem devoccedilotildees e ofertarem diversatildeo aos seus fieacuteis e participantes
dando mostras do caraacuteter intrinsecamente sincreacutetico das festas populares eles tambeacutem const i-
tuem iniciativas que contribuem para a valorizaccedilatildeo da memoacuteria dos legados e valores associ-
ados agrave populaccedilatildeo negra e sua ancestralidade
Quer dizer seria questionaacutevel perceber nesses eventos somente o seu cunho festivo
propriamente dito Eacute notoacuteria a presenccedila da busca de atividades que reverenciem a resistecircncia
do povo negro ao longo da histoacuteria bem como o papel devotado dos envolvidos em trabalhar a
questatildeo poliacutetica como forma de evidenciar o papel do movimento negro Maria de Nazareacute ao
se referir sobre os caminhos que o Festival deve traccedilar argumenta que a pretensatildeo eacute que esses
movimentos cheguem agraves escolas fazendo parte do calendaacuterio como uma atividade que agrega
valores agrave comunidade e sobretudo resgata a ancestralidade da formaccedilatildeo do povo cururupuen-
se No tocante a isto percebemos a importacircncia dos festejos e das histoacuterias vivenciadas no
bairro como uma construccedilatildeo de identidades compartilhadas a partir das quais esses sujeitos
organizam formas de demarcar os espaccedilos como possiacuteveis de reaver as contribuiccedilotildees das po-
pulaccedilotildees ali envolvidas na formataccedilatildeo da sociedade cururupuense inserindo nisto a participa-
27 Trama de vara e cipoacute feita para colocar do lado da mesa do carro auxiliando na proteccedilatildeo dos materiais ali
alojados atualmente as seacutebias satildeo feitas de ripas com prego no Festival de Carro de Boi o criteacuterio satildeo seacutebias
artesanais feitas em material bruto
101
ccedilatildeo dos diferentes povos que contribuem para esta organizaccedilatildeo observamos nestes eventos
uma convivecircncia nas relaccedilotildees que aproximam os envolvidos numa construccedilatildeo de parcerias
43 Histoacuterias de terreiros terrenos de memoacuterias e de histoacuterias
A finalidade principal deste toacutepico eacute descrever e apresentar algumas das histoacuterias
de pais e matildees de santo que aceitou nos dar entrevistas e cujos terreiros situam-se em torno
do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda Essas entrevistas foram realizadas em tom de
bastante receptividade muito embora as respostas obtidas tenham sido bastante tiacutemidas Seja
como a despeito do caraacuteter conciso das respostas e daquilo que eacute suscetiacutevel de ser discutido
aqui ainda assim suas histoacuterias ajudam a compreender parte da histoacuteria do local e das rela-
ccedilotildees entre terreiros e escolas A compreensatildeo disso eacute tanto mais importante quanto se sabe
que a escola se encontra em uma situaccedilatildeo limiacutetrofe com diversos terreiros o que poderia fa-
vorecer uma aproximaccedilatildeo entre esses espaccedilos e seus processos educativos Abaixo segue um
mapa em que indicamos os terreiros que existem proacuteximos ao estabelecimento de ensino
Imagem 12- Terreiros do Bairro de Satildeo Benedito
Fonte Google Maps 2019
Apresentamos uma lista dos terreiros e dos quarto altares que circundam o Centro de
Ensino Joatildeo Marques Miranda e seus dirigentes Em boa medida satildeo esses espaccedilos e suas
atividades que dinamizam o calendaacuterio afro-religioso cururupuense
102
01 Terreiro Pingo Drsquoaacutegua28
- Matildee de Santo Isabel Mineira (in memoriam)
Travessa Vilela de Abreu sn
02 Quarto altar- Pai de Santo Fracircncio Jacircnio Veras-Travessa Coelho Neto nordm
53
03 Terreiro Pai Joaquim de Angola- Pai de Santo Luiacutes Afonso-Travessa
Satildeo Joseacute nordm 01
04 Terreiro Santo Antonio-Matildee de Santo Maria Bebo Soeira 29
(in memori-
am) Rua Dr Laacutezaro Ramos snordm
05 Terreiro Santa Baacuterbara- Pai de Santo Edimir Mota- Rua Clodoaldo Ri-
beiro nordm- 39
06 Terreiro Santa Baacuterbara- Matildee de Santo Edina Pires- Rua Joatildeo Miranda
nordm 245
07 Quarto altar- Pai de Santo Deiran- Rua Joaquim Reis nordm 38
08 Terreiro Santa Luzia- Matildee de Santo Faacutetima Cordeiro-Travessa Satildeo Joseacute
nordm 207
09 Terreiro Santa Baacuterbara- Matildee de Santo Valdelina-Travessa Coelho Neto
nordm 74
10 Quarto altar- Pai de Santo Daacuterio-Rua General Osoacuterio nordm 250
11 Quarto altar- Pai de Santo Sebastiatildeo Conde- Travessa Satildeo Joseacute nordm 43
12 Terreiro Satildeo Sebastiatildeo - Pai de Santo Jorge de Abdias- Rua Celso Fari-
as nordm247
13 Terreiro Deus eacute quem Guia - Pai de Santo Joseacute Maria Ramos-Rua Joatildeo-
zinho Reis nordm316
14 Quarto altar- Iniciada Tereza Cadete Rua-Joaquim Reis nordm 33
28 O Terreio Pingo drsquoagua considerado o primeiro terreiro de Tambor de Mina em Cururupu fundado na deacutecada
de 1920 o terreiro era uma construccedilatildeo em forma de navio em homenagem ao seu guia Marinheiro nos dias de toque era iccedilada a bandeira nas cores azul e branco marcando o inicio das festividades em homenagem aos vo-
duns guias e caboclos da casa (FERRETI M 2015 p168) A menccedilatildeo ao Terreiro Pingo drsquoaacutegua se deu por conta
dos relatos que coletamos dos entrevistados a dirigente que faleceu na deacutecada de noventa faz parte do repertoacuterio
de memoacuterias do bairro portanto achamos importante a alusatildeo muito embora merecida independente dos relatos
pois acreditamos tratar-se de uma grande referecircncia para os cultos afro-cururupuense 29 Maria Bebo Soeira ou simplesmente Maria Bebinha foi uma importante e conhecida matildee de santo do bairro de
Satildeo Benedito seu terreiro era bem proacuteximo ao cemiteacuterio municipal Maria Bebinha era muito procurada por suas
praticas de cura os entrevistados a lembram com grande reverecircncia como uma das matildees de santo que contribui
para difusatildeo da religiatildeo na cidade Falecida em 2016 Maria de Bebinha eacute na memoacuteria da populaccedilatildeo local uma
grande referecircncia por sua enorme contribuiccedilatildeo acreditamos que se faz necessaacuterio uma alusatildeo ao legado que
ajudou a construir como Matildee de Santo isto em favor da religiatildeo afro-cururupuense
103
Para explorar parte dessa histoacuteria natildeo poderiacuteamos fazer isso sem recorrer agrave histoacuteria da
mais influente matildee de santo de Cururupu a qual teve uma geraccedilatildeo de filhos e filhas de santo
que ajudaram a difundir o culto no municiacutepio Na sua trajetoacuteria como matildee de santo em quase
68 anos de dedicaccedilatildeo a religiatildeo africana a fez ser considerada como a maior matildee de santo de
Cururupu como assim eacute relembrada pelos pais e matildees de santos as quais entrevistamos Era
devota de Santa Rosa de Lima e juntamente com a ajuda de filhos e colaboradores realizava
no mecircs de agosto uma festa em homenagem a Santa O Festejo acontecia em trecircs dias com
levantamento de mastro toque aos deuses e nele a devota recebia a entidade Rosinha filha
caccedilula de Rainha Rosa e da famiacutelia de Leacutegua Bogi (FERRETI M 2015 p169)
Sua ligaccedilatildeo com a santa se deu por ocasiatildeo de uma promessa feita Como relatado agrave
Mundicarmo Ferretti (2015) na conversa disse que se atendida andaria de joelho e levantaria
uma irmandade para festejaacute-la Para cumprir com a segunda parte da promessa trabalhou mui-
to (FERRETI M 2015 p 170) Apoacutes todo esse esforccedilo finalmente abriu deu terreiro e a par-
tir de entatildeo nunca mais parou com a devoccedilatildeo e os cultos as entidades Vale ressaltar que aleacutem
de mineira ela foi tambeacutem parteira realizando mais de 6000 mil partos No carnaval ela in-
centiva a um bloco chamado ldquoBaralhordquo em que as participantes usavam maacutescaras Em 1995
foi homenageada pelo Bloco Afro Omniraacute Isabel Mineira faleceu aos 90 anos deixando um
legado aos cultos africanos em Cururupu
Imagem 13- Matildee de Santo Isabel Mineira em toque de Mina CururupuMA
Fonte Arquivo da Famiacutelia
104
Fracircncio Jacircnio da Silva Veras eacute natural de Cururupu nascido em 11 de novembro de
1983 na ilha de Guajerutiua Atualmente eacute o Secretaacuterio de Cultura de Cururupu e ao longo de
sua gestatildeo tem desenvolvido trabalhos junto com os pais e matildees de santos do municiacutepio Jaacute
realizou vaacuterios eventos enfocando as religiotildees africanas Sua residecircncia estaacute localizada na
Travessa Coelho Neto nordm 53 bairro Satildeo Benedito Seu contato com as entidades comeccedilou
muito cedo quando ainda tinha trecircs anos de idade Nessa eacutepoca morava na ilha de Guajerutiua
Ele relata que sempre que passava por peacutes de cajueiro sentia uma energia que ateacute entatildeo natildeo
sabia explicar mas sentia alguma forma de atraccedilatildeo
O pai de santo narra que sua relaccedilatildeo vem de seu avocirc o senhor Olegaacuterio que era reno-
mado vidente da cidade A seu respeito conta que tinha uma notaacutevel habilidade para perceber
as mais diversas situaccedilotildees nas pessoas a exemplo de casos de doenccedila que precisam de trata-
mento antes mesmo da doenccedila se manifestar Sua famiacutelia era de maioria evangeacutelica por isso
encontrou dificuldades para solucionar suas possessotildees quando jovem Em nossa entrevista
ele narrou que sua avoacute o levava para os cultos evangeacutelicos mas ele natildeo gostava e entatildeo co-
meccedilava a puxar sua saia e chorar Neste intervalo passavam pelo anajaacute que o deixava de so-
breaviso por conta da energia que este transmitia sempre que passava por ele
Imagem 14- Pai de Santo Fracircncio Jacircnio da Silva Veras CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
Foi em Cururupu que frequentou o seu primeiro terreiro o de Faacutetima Cadete sendo
que sua primeira feitura foi realizada por ela Mesmo assim soacute teve seu trabalho definitivo aos
18 anos quando a matildee de santo Deusonete se propocircs a realizar seu trabalho sem cobrar nada
105
Como nos descreve tem como guia de frente Raio de Sol como contra guia Joseacute Toacuteia Tupi-
nambaacute caboclo farrista o marinheiro Mariano e a cabocla Mariana Com a vivecircncia atual-
mente tornou-se pai de santo com jaacute cinco filhos de santo preparados
Fracircncio frequentou a escola Joatildeo Marques Miranda tendo cursado o ensino fundamen-
tal menor nesse estabelecimento Desse periacuteodo relata inuacutemeros casos de possessatildeo que pre-
senciou na escola Sua explicaccedilatildeo semelhante agrave dos professores do estabelecimento ressalta
que essa frequecircncia se deu por conta da construccedilatildeo da escola sem que fosse solicitada a auto-
rizaccedilatildeo dos encantados que ali habitavam Quando perguntado sobre como a escola deveria
trabalhar as religiotildees de matriz africana o pai de santo foi bem enfaacutetico ao falar que
A religiatildeo que realmente predomina em Cururupu eacute a religiatildeo africa-
na as pessoas quando perguntada qual sua religiatildeo eles sempre res-
pondem catoacutelica no entanto todo catoacutelico tambeacutem frequenta os ter-
reiros muitos natildeo assume por vergonha a pessoa vai uma vez agrave igre-
ja e no terreiro vai mais de uma vez na semana os problemas espiri-
tuais satildeo resolvidos nos terreiros e natildeo e na igreja portanto satildeo mais
umbandista Com relaccedilatildeo agrave escola tanto os terreiros como a escola
deveriam orientar as pessoas a seguir a religiatildeo acredito que falta
comunicaccedilatildeo os pais de santo precisam mudar a maneira como apre-
sentam o ritual muitas vezes quando vamos a um terreiro para um
culto nos deparamos com sangue animais mortos isto atrapalha a
pessoa a se identificar na religiatildeo acredito que aleacutem da doutrina os
pais de santo deviam criar sua doutrina tambeacutem para repassar a seus
disciacutepulos como forma de que saibam divulgar a religiatildeo de maneira
correta e natildeo com essa visatildeo deturpada que se apresenta na cidade
Nos terreiros tambeacutem se ensina como ser boa pessoa como tratar os
outros isto que o que pretendo assim que levantar meu barracatildeo
(Fracircncio Jacircnio da Silva Veras Pai de Santo entrevista coletada em 25
de janeiro de 2019)
Luiacutes Afonso Silva Azevedo nasceu em Cururupu na Santa Casa de Misericoacuterdia em
fevereiro de 1965 eacute gecircmeo com seu irmatildeo Afonso Luiacutes que tambeacutem eacute pai de Santo no muni-
ciacutepio de Serrano do Maranhatildeo cidade que fica a 32 km de Cururupu Morou em Guajerutiua
por alguns anos ateacute mudar-se para o estado do Paraacute onde se fundamentou ainda mais nos pre-
ceitos da religiatildeo Seu contato com os encantados acorreu muito cedo dentro do ciacuterculo fami-
liar Como destaca seu viacutenculo com a mina se deu em parte porque havia uma tia proacutexima que
era mineira Sua matildee de Santo foi Sebastiana Chaves (Ceceacute) afamada vidente e curandeira de
Areia Branca quem o iniciou na linha de cura com o pai de Santo o senhor Jaime quem o que
introduziu no tambor de mina por isso se considera mineirocurador
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Imagem 15ndash Pai de Santo Luiacutes Afonso Silva Azevedo Cururupu- MA
Fonte Arquivo pessoal
Seu terreiro fica localizado agrave Rua Satildeo Joseacute ndeg 01 Bairro de Satildeo Benedito a uma qua-
dra de escola Joatildeo Marques Miranda O nome de sua casa eacute uma homenagem a seu patratildeo Pai
Joaquim de Angola primeira entidade a baixar na sua cabeccedila Tem como guia o caboclo Cea-
rense contra guia Dona Jarina e como caboclo farrista Zeacute Raimundo O pai de santo relata
que por algumas vezes foi convocado pela professora Floranilde Silva ao Centro de Ensino
Joatildeo Marques Miranda para ajudaacute-la a resolver problemas de possessatildeo em alunos diz que
sempre que era solicitado ele estava disposto a atender pois sabia da espiritualidade presente
naquele local O terreiro do senhor Luiacutes Afonso realiza toques aos encantados e festejo ao
dono de sua cabeccedila Pai Joaquim de Angola aleacutem de ministrar consultas agraves pessoas que o pro-
curam em busca de conforto espiritual
Quando questionado sobre a discriminaccedilatildeo que passam as religiotildees de matriz africana
disse que
A cidade precisa fundar uma associaccedilatildeo de umbandista para que
possa nos orientar casos de discriminaccedilatildeo Isso tambeacutem se vecirc na es-
cola a meu ver a escola natildeo tem religiatildeo acho que todo mundo tem o
direito de escolher qual religiatildeo quer seguir mas que precisa de um
educador para explicar como funciona a religiatildeo de culto afro brasi-
leiro os pais de santo precisam se unir mais (Pai de Santo Luiacutes
Afonso Silva Azevedo entrevista coletada em 30 de janeiro de 2019)
Edmir Pires Mota por seu turno tem sessenta e cinco anos de idade e nasceu em 1953
no interior chamado Barracatildeo hoje municiacutepio de Serrano do Maranhatildeo Haacute trinta e sete anos
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na religiatildeo afro se diz curador e mineiro Teve sua cabeccedila feita aos vinte e seis anos pelo seu
pai de santo Jaime Seu barracatildeo estaacute localizado na Travessa Clodoaldo bairro de Satildeo Bene-
dito nordm 39 bem proacuteximo ao cemiteacuterio municipal com o nome de Terreiro de Santa Baacuterbara
Imagem 16ndash Pai de Santo Edimir Pires Mota incorporado com o caboclo
Pequeninho em trabalho de cura CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
A trajetoacuteria de vida religiosa de Seu Edmir natildeo se difere da maioria dos pajeacutes que acei-
taram conversar conosco Antes de aceitar a sua obrigaccedilatildeo como mineiro sofreu com vaacuterios
tipos de doenccedilas Rejeitava ter esse dom tinha vergonha das pessoas Soacute aceitou quando fez
sua iniciaccedilatildeo e percebeu que tinha que aceitar os seus guias ldquoEu natildeo tive outra soluccedilatildeo taacute
veno E aiacute quando eles chegaram foi com tudo de uma vez natildeo teve como me livrarrdquo (SIL-
VA 2016) Mediante a sua narrativa Seu Edmir esclarece que ou aceitava ser pajeacute ou assumi-
ria as consequecircncias Negar seus guias seria sofrer na vida Assumindo ser pajeacute Seu Edmir se
firmou na terra e natildeo teve as perturbaccedilotildees que sofria antes de se iniciar Na cura seus guias
satildeo Piquinininho como chefe Dadinho como seu contra guia aleacutem desses dois recebe ainda
Caboclo Ubirajara Pinaguarema Joatildeo de Una
O calendaacuterio de festividades do terreiro eacute bem diversificado Seu Edmir Mota rea-
liza festa de aniversaacuterio para seu guia no mecircs de julho para Piquinininho e no mecircs de de-
zembro para Dadinho aleacutem das festas de obrigaccedilotildees para outras entidades A festa do mecircs de
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dezembro aleacutem de ser uma festa de aniversaacuterio do caboclo Dadinho eacute destinada tambeacutem a
Nossa Senhora da Guia (SILVA 2016) Essa festa comeccedila no dia 2 e se estende ateacute 4 de de-
zembro com toque de caixa em homenagem ao Divino Espiacuterito Santo
Quando perguntado sobre a relaccedilatildeo entre o Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda e
os terreiros que ficam proacuteximos disse que constantemente recebe visitas de pessoas da escola
soacute que natildeo entram muito no assunto De maneira geral em suas proacuteprias palavras acredita
que as pessoas que estatildeo na escola ldquotem medo de tambor de mina muitos sabem que sofrem
de encantados mais evitam vir aos terreiros e que agraves vezes essa vergonha atrapalha a vida
da pessoa que taacute sofrendo e natildeo procura recursordquo
Com 83 anos e a 73 no Tambor de Mina Edna Pires inicia nossa conversa com uma
afirmaccedilatildeo que considera importante para registro ldquonasci na mina e vou morrer na mina des-
sa religiatildeo ningueacutem me tira fiel ateacute morrerrdquo Matildee Edna Pires nasceu a 20 de maio de 1936 e
comanda o Terreiro Santa Baacuterbara localizado no Bairro de Satildeo Benedito situado agrave Rua Joatildeo
Miranda nordm 245 Eacute o terreiro mais antigo em atividade no bairro ainda bastante luacutecida dona
Edna nos relatou que comeccedilou bobar como costuma dizer quando ainda tinha nove anos de
idade no povoado Bacabal ao vir para sede do municiacutepio foi iniciada no toque por Isabel Mi-
neira isto na deacutecada de 1940 Sobre essa experiecircncia ela relata que ajudava minha velha nos
trabalhos de cura e nos festejos que ela fazia ldquoAprendi muita coisa com ela a respeitar as
entidades por isso que ainda estou viva ateacute hojerdquo Na paacutegina seguinte temos uma imagem da
matildee de santo
Imagem 17 Matildee de Santo Edna Pires CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
109
Matildee Edna ou simplesmente ldquoMaedinardquo como eacute carinhosamente chamada no bairro re-
alizava os festejos de Santa Baacuterbara no periacuteodo 02 a 06 de dezembro com ladainhas toques e
festa danccedilante enquanto seu filho que tambeacutem era mineiro era vivo Atualmente realiza ape-
nas toques de obrigaccedilatildeo Dona Eacutedna Pires diz que sempre eacute visitada por evangeacutelicos que ten-
tam convencecirc-la a entrar na crenccedila mas ela diz que a religiatildeo que ela segue ajuda muita gente
por isso natildeo teria razotildees para mudar Relata ainda que mesmo com a idade jaacute avanccedilada ainda
realiza trabalhos de cura em sua casa onde sempre recebe visitas de populares que precisam
de seus cuidados Entre os diversos terreiros do bairro o seu eacute o uacutenico registrado na Federa-
ccedilatildeo de Umbanda e Cultos Afro-brasileiros O terreiro estaacute localizado a uma quadra da escola
Joatildeo Marques Miranda
Quando perguntada se jaacute houve algum tipo de contato com a escola Dona Edna rela-
tou que certa vez foi convocada a ajudar uma pessoa que estava com problemas espirituais
mas que isto foi haacute muito tempo quando era soacute ela que tinha terreiro ali proacuteximo Agora jaacute
tem um monte de terreiros perto da escola conclui
O Terreiro de Santa Luzia eacute o mais proacuteximo da escola Joatildeo Marques Miranda locali-
zada na Travessa Satildeo Joseacute canto com o Centro de Ensino (Travessa Satildeo Joseacute nordm 207) Agrave fren-
te da casa de culto encontra-se Matildee Faacutetima das Graccedilas Cadete do caboclo Manezinho mineira
nascida em 1950
Imagem 18- Matildee de Santo Faacutetima das Graccedilas Cadete Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
110
Seu contato com os ldquoinvisiacuteveisrdquo como ela costuma dizer comeccedilou quando ainda tinha
quatorze anos Conforme nos conta sempre aconteciam coisas estranhas com ela nesse periacuteo-
do agraves vezes se deparava debaixo da cama e as pessoas a aconselhavam a procurar um pai de
santo e que deveria seguir seu dom mas sempre relutava ateacute que comeccedilou a ficar aleijada
Diz que apanhou muito baque ateacute desenvolver sua mediunidade Como prossegue em seu
relato Faacutetima jaacute preparou muitos filhos de santo
Sobre as relaccedilotildees entre terreiro e escola ela nos relatou que no tempo da professora Flo-
ranilde Silva sempre era procurada para aliviar incorporaccedilotildees de espiacuteritos na escola Pergun-
tada se aleacutem disso havia algum outro tipo de contato respondeu que soacute a procuravam quan-
do apareciam esses problemas Mas de maneira geral mesmo quando havia festejos promo-
vidos pelo barracatildeo que empregavam sonorizaccedilatildeo mecacircnica entrava-se em um acordo com a
direccedilatildeo dado as boas relaccedilotildees que mantinham
Joseacute Maria Ramos por seu turno se define como mineiro curador e ainda afirma que as
maiorias dos pais de santo de Cururupu assim o satildeo Nascido em 1954 desde os 15 anos de
idade informa ter comeccedilado o festejo ao santo que ateacute hoje eacute devoto Satildeo Sebastiatildeo Desde laacute
como enfatiza nunca mais parou com cinquenta e seis anos de feitura no santo
Imagem 19 ndash Pai de Santo Joseacute Maria Ramos Cururupu- MA
Fonte Arquivo Pessoal
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Seu primeiro contato com as entidades foi quando ainda tinha cinco anos de idade
Nesse tempo desenvolveu sua espiritualidade indo procurar um pai de santo quando fez dez
anos Tem como guia de frente Tombasseacute de Oliveira Seus pais de santo foram Fernando do
Barreto e Margarida Mota Aleacutem dos festejos da casa o Terreiro Deus eacute quem Guia localiza-
do a Rua Joatildeozinho Reis nordm 316 realiza outros festejos como o de Santa Luzia Joseacute Maria
atualmente com sessenta e quatro anos se diz um pouco cansado da vida de curador no en-
tanto manteacutem as obrigaccedilotildees em dia Quando perguntado sobre religiatildeo de matriz africana e
escola o pai de santo afirma que
A escola deveria ensinar os alunos sobre as religiotildees mais tambeacutem
existe uma coisa que precisa ser esclarecida assim como a escola en-
sina vaacuterias coisas o aluno a diferenciar os praticantes da religiatildeo
tambeacutem precisam diferenciar quais as religiotildees africanas que existe
pra natildeo confundir e assim facilitar a conversa (Joseacute Maria Ramos
Pai de Santo entrevista coletada em 22 de janeiro de 2019)
A uacuteltima das entrevistadas que aceitou conversar conosco foi Tereza Cadete nascida a
19 de maio de 1955 Sua residecircncia fica localizada agrave Rua Joaquim Reis nordm 33 Bairro de Satildeo
Benedito Conta que teve iniacutecio com os encantados muito cedo mas que natildeo aceitava essa
condiccedilatildeo por causa disto ficou cega vindo ficar boa soacute quando se reatou com as entidades
Imagem 20- Iniciada Tereza CadeteCururupuMA
Fonte Arquivo pessoal
Tereza diz que apenas cumpre com as obrigaccedilotildees para sua entidade Obalouaecirc que rea-
liza no mecircs de dezembro com toque de tambor em sua casa Assim como muitos outros ela
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possui um quarto-altar onde desenvolve suas atividades espirituais Quando perguntada como
se definia disse que apenas danccedila com seu pai de santo Edimir e que natildeo se considera propri-
amente uma matildee de santo e nem gostaria de ser pois sabe que eacute uma responsabilidade muita
grande Concluindo que natildeo se acha preparada enfatiza ldquoos pais de santo tem que cumprir
com os calendaacuterios de toquesrdquo Indagada quanto agrave religiatildeo e escola a Tereza disse que ldquoNa
escola os cultos sofrem muita discriminaccedilatildeo tanto de alunos como professoresrdquo Mencionou
por fim que no coleacutegio da baixa30
sempre acontece casos de incorporaccedilatildeo alegando a mesma
histoacuteria que o local tem dono por isso das constantes possessotildees nas pessoas
30 A denominaccedilatildeo ldquoescola da baixardquo tem relaccedilatildeo pela localidade do terreno que fica em uma parte baixa do bair-
ro de Satildeo Benedito antes da construccedilatildeo da escola havia naquele local uma lagoa com grande proporccedilotildees de aacutegua
por conta da chuva esse reservatoacuterio demorava algum tempo para secar Como o local fica localizado jaacute proacuteximo
do mangue ficou conhecido como escola da baixa
113
CAPIacuteTULO 5 - OFICINAS PEDAGOacuteGICAS E A HISTOacuteRIA E CULTURA AFRO-
BRASILEIRA
Para nossa pesquisa tatildeo importante quanto compreender parte da histoacuteria do local de
suas lideranccedilas e a perspectiva que tecircm sobre o papel da escola eacute pensar em propostas de
oficinas pedagoacutegicas para serem empregadas no estabelecimento de ensino em pauta Se esse
material segue em anexo gostaria nesse espaccedilo de descrever como foram realizadas essas
oficinas e como pude oferecer minha contribuiccedilatildeo para rediscussatildeo das relaccedilotildees entre esses
espaccedilos Na sequecircncia descrevo duas das oficinas que aplicamos junto aos estudantes e por
uacuteltimo uma das oficinas que realizamos com os professores O relato dessa experiencia eacute
tomado aqui para compreender algumas das nossas escolhas metodoloacutegicas na construccedilatildeo do
produto final
Comeccedilo pela Oficina de Histoacuteria da Aacutefrica aplicada no dia 07 de novembro de 2018
para alunos do 3ordm ano na disciplina Histoacuteria no Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda Par-
ticiparam dessa atividade 21 estudantes A oficina buscou compreender quais as visotildees que os
discentes possuiacuteam sobre a Aacutefrica Os relatos apresentados foram ao encontro das diversas
pesquisas que jaacute evidenciaram a visatildeo negativa sobre o continente africano ou simplesmente o
desconhecimento Em certa medida natildeo havia aqui muita surpresa visto que pelas respostas
dadas ao questionaacuterio esses mesmos estudantes sequer conseguem captar a forccedila e a impor-
tacircncia do legado cultural afro-brasileiro no contexto local Embora esse desconhecimento jaacute
pudesse ser previsiacutevel eacute preciso destacar tambeacutem o interesse e curiosidade que foi sendo des-
pertado ao longo da execuccedilatildeo da atividade
A dinacircmica adotada para apresentaccedilatildeo da temaacutetica foi agrave utilizaccedilatildeo de imagens das di-
versas representaccedilotildees sobre o continente africano Pretendeu-se suscitar nos alunos quais
imagens conseguiam identificar e relacionar com outras que jaacute haviam observados em outros
locais Na ocasiatildeo dois alunos externaram suas visotildees as quais merecem registro O primeiro
se identificou como filho de santo e que jaacute tinha ouvido algumas histoacuterias sobre a Aacutefrica con-
tadas verbalmente por sua matildee Lembrou-se de histoacuterias sobre como vieram para o Brasil das
lutas e desafios enfrentados A visatildeo do segundo no entanto era bem distinta Sempre tinha
ouvido falar da fome e miseacuteria e que seria um lugar amaldiccediloado por Deus
Agrave medida que apresentaacutevamos informaccedilotildees que mostravam a realidade africana de
uma oacutetica mais positiva sobretudo com foco na organizaccedilatildeo cultural e poliacutetica dos seus dife-
rentes povos percebia a reaccedilatildeo de total estranheza e ateacute mesmo de incompreensatildeo Tudo
ocorria como se aquela imagem da Aacutefrica como um espaccedilo geograacutefico diversificado comple-
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xo e dinacircmico destoasse de qualquer coisa jaacute ouvida mesmo em se tratando dos mais propen-
sos a ter uma visatildeo positiva sobre o continente Vale lembrar que muitas das imagens apresen-
tadas foram retiradas de livros didaacuteticos o que foi concebido como um expediente para facili-
tar o acesso agraves informaccedilotildees A proposta em sequecircncia era perceber quais paiacuteses eles conheci-
am como pertencentes ao continente Ora natildeo fosse talvez a Copa do Mundo como lembrado
em tom de brincadeira por um dos estudantes para a maior parte deles a Aacutefrica era apenas um
paiacutes gigantesco
Nessas oficinas em certa medida era possiacutevel identificar como a escola vinha traba-
lhando o tema em sala Vaacuterios dos alunos comentaram que muito raramente os professores
das disciplinas desenvolviam conteuacutedos voltados para essa temaacutetica Perguntados se tinham
interesse em conhecer mais sobre o tema responderam que seria muito interessante uma vez
que satildeo conscientes de sua descendecircncia africana Com a aplicaccedilatildeo das atividades inferimos
que haacute um interesse dos alunos no entanto a escola possui pouco embasamento para trabalhar
com este tipo de conteuacutedo
Aplicamos uma atividade em equipes contendo imagens sobre o continente e pedimos
que escrevessem a impressatildeo que tinham a partir da oficina Dos relatos colhidos destaco
aqui o do estudante Leandro de Oliveira e Maria Monteiro que registrou o seguinte
O continente africano eacute o segundo maior do mundo e tambeacutem muito
rico apesar de muitos paiacuteses terem roubado ouro diamantes entre ou-
tras riquezas A cultura dos povos africanos eacute marcante atraveacutes de
cores fortes e muita alegria O continente africano foi muito explora-
do pelos europeus aleacutem disso foram castigados torturados e outros
mortos por natildeo aceitar aquela situaccedilatildeo de ser escravizado em seu
proacuteprio lugar onde nasceu e cresceu e tambeacutem eacute um paiacutes de muitas
diversidades cores etnias tribos e culturas (Leandro Oliveira e Ma-
ria Monteiro)
A segunda oficina foi Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira a Histoacuteria do Brasil africa-
no vidas para aleacutem dos tambores e da escravidatildeo realizada no dia 14 de dezembro de 2018
para alunos do 2ordm ano O objetivo da atividade era perceber como a cultura afro-brasileira se
formou ao longo da histoacuteria partindo desde o Brasil colonial ateacute os dias atuais e como estas
tradiccedilotildees africanas resistiram ao processo de perseguiccedilatildeo no contexto da cultura
A oficina foi ministrada pelo Professor Especialista Carlos Viana Pimentel (URCA)
Os encaminhamentos apontados levaram os alunos a reconhecer os aspectos pelo quais se deu
a escravizaccedilatildeo de povos africanos no Brasil e como os povos resistiram para manter vivas
suas tradiccedilotildees Logo na sequecircncia procuramos explorar quais as informaccedilotildees possuiacuteam acer-
115
ca das manifestaccedilotildees afro-brasileiras e como compreendiam essas atividades dentro do cenaacute-
rio afro cururupuense Na proporccedilatildeo em que as colocaccedilotildees iam sendo direcionadas os alunos
interagiam demonstrando um certo conhecimento acerca das manifestaccedilotildees e como haviam
conhecido essas praacuteticas Em certa medida essa inciativa mostrou-se mais eficiente para cap-
tar algumas percepccedilotildees mais refinadas dos estudantes quando comparado com os achados dos
questionaacuterios aplicados
Dessa maneira o que conseguimos captar foi que a maioria dos alunos jaacute participou ou
participam de alguma forma de atividades festivas ou mesmo como integrantes de cultos afro-
brasileiros Outro aspecto positivo acerca da atividade foi o fato de que os estudantes afirma-
ram ter obtido uma visatildeo mais ampla sobre as tradiccedilotildees afro-brasileiras e suas lutas Um dos
estudantes destacou por exemplo que esses temas eram parte da histoacuteria dos seus antepassa-
dos e que deveriam ter maior destaque dentro da escola Na condiccedilatildeo de ministradores da ofi-
cina tanto eu quanto o Prof Carlos Viana Pimentel avaliamos como muito positiva a ativida-
de muito embora tenhamos a contiacutenua sensaccedilatildeo de que embora a abordagem dessas temaacuteticas
seja bem recebida sua realizaccedilatildeo de maneira esporaacutedica e pontual encontra-se muito aqueacutem
do tipo de inserccedilatildeo que se pretende valorizar aqui
Enquanto as oficinas aplicadas aos estudantes tiveram essa tonalidade geral gostaria
de destacar a oficina destinada aos professores abordou os antecedentes que levaram a pro-
mulgaccedilatildeo da Lei 106392003 O foco dessa atividade era apresentar alguns elementos que
poderiam auxiliar na introduccedilatildeo da histoacuteria e da cultura afro-brasileira em sala de aula ofere-
cendo aos docentes os aportes que sentimos falta quando da aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios ex-
plorados no capiacutetulo 2
Iniciamos por discorrer sobre a resistecircncia negra desde o periacuteodo colonial com as rebe-
liotildees coordenadas por grandes quantidades de negros que natildeo aceitavam tal condiccedilatildeo Esses
movimentos abriram portas para que pudeacutessemos ver os aspectos negativos da escravidatildeo as
puniccedilotildees e castigos realizados e o lugar que essa instituiccedilatildeo tinha como estruturadora de nos-
sas relaccedilotildees de sociabilidade Na permanecircncia discorremos sobre como as formas de resis-
tecircncia adotadas por esses movimentos constituem exemplos concretos da agecircncia negra for-
necendo pela renovaccedilatildeo da historiografia os aportes para que tenhamos outra visatildeo sobre a
participaccedilatildeo poliacutetica dos negros
Na sequecircncia enfatizamos como no processo de formaccedilatildeo de nossa sociedade e iden-
tidade sociocultural as contribuiccedilotildees africanas e afro-brasileiras foram fundamentais para a
constituiccedilatildeo da naccedilatildeo e o quanto isso deveria ensejar um ensino pautado pela valorizaccedilatildeo da
116
diversidade Tratou-se em todos os momentos de enfatizar a riqueza eacutetnica do paiacutes e nossos
inegaacuteveis e indissoluacuteveis viacutenculos Particular importacircncia foi dada agrave descriccedilatildeo das histoacuterias de
vida de pais de santo que habitavam proacuteximos agrave escola e sobre a necessidade de desenvolver-
mos estrateacutegias de aproximaccedilatildeo pedagogicamente concebidas Tudo isso com o fito de refor-
ccedilar o papel da educaccedilatildeo e particularmente do trabalho realizado em sala de aula para o fomen-
to ao respeito toleracircncia e agrave convivecircncia paciacutefica entre as diferentes culturas que estatildeo na
base de nossa formaccedilatildeo
Quando passamos para a discussatildeo coletiva os professores apontaram para uma defi-
ciecircncia em suas formaccedilotildees acadecircmicas pois encontravam dificuldades para a inserccedilatildeo ade-
quada desses temas em sala de aula A carecircncia de materiais foi destacada como um dos prin-
cipais obstaacuteculos Da mesma forma de maneira um tanto quanto reticente pareceu-me haver
nas entrelinhas certo temor quanto ao debate desses temas em salas de aula notadamente pela
possibilidade de que viessem a ser acusados de proselitismo ou tatildeo somente de que desviavam
o assunto para temas natildeo pertinentes Se por um lado todos estatildeo convictos da importacircncia
desse tema o que constitui no final das contas uma resposta esquiva quanto a qualquer acusa-
ccedilatildeo de que natildeo valorizam esses temas a disposiccedilatildeo concreta para essa inserccedilatildeo (o que requisi-
taria a revisatildeo das posturas pedagoacutegicas o investimento em formaccedilatildeo e o desenvolvimento de
outras estrateacutegias para a sala de aula) natildeo se encontra na mesma medida Longe estamos de
responsabilizaacute-los sozinhos por essa inclusatildeo dado que compreendemos tambeacutem as dificul-
dades concretas de o fazer Eu mesmo num passado recente estava nessa mesma condiccedilatildeo
Poreacutem isto natildeo impede de constatarmos o caraacuteter meramente ornamental com que o discurso
sobre a diferenccedila eacute incorporado entre noacutes Desse acircngulo o descompasso natildeo eacute somente entre
o texto legal e a realidade das culturas escolar brasileiras ele se aloja tambeacutem na distinccedilatildeo
entre aquilo que eacute dito e reconhecido e aquilo que eacute efetivamente feito e realizado Sem qual-
quer pretensatildeo de resolver a essa questatildeo o produto que apresentamos constitui uma maneira
necessariamente limitada mas individual para contribuir para a diminuiccedilatildeo dessa distacircncia
117
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As atuais relaccedilotildees pelas quais passam escola e sociedade eacute objeto de estudo de vaacuterios
campos de conhecimento principalmente no que diz respeito ao conviacutevio dos diversos grupos
que formatam a escola com isto sua relaccedilatildeo com as praacuteticas culturais que ensejam esses ato-
res A escola eacute o espaccedilo onde se estreita relaccedilotildees mas tambeacutem eacute um ambiente de exclusatildeo no
entanto eacute no interior da instituiccedilatildeo que se percebe os meandros de como a escola pode contri-
buir para a aproximaccedilatildeo desses elementos neste aspecto
O cenaacuterio em que se desenvolvem essas relaccedilotildees de convivecircncia todavia tecircm afastado
debates que possam agregar as relaccedilotildees de pertencimento as diferentes crenccedilas que carregam
esses sujeitos e permeiam estes espaccedilos em diferentes estruturas para a qual se destinam as
escolhas religiosas sobretudo estudos que faccedilam repensar estudos sobre Aacutefrica e suas inuacuteme-
ras formas de compreender a religiatildeo neste vieacutes discorrer sobre sua contribuiccedilatildeo para a for-
maccedilatildeo da cultura afro-brasileira Eacute no bojo dos estudos sobre Aacutefrica que percebemos a relaccedilatildeo
intriacutenseca do povo africano com a religiatildeo e seus deuses
Os aspectos apresentados levaram a compreender que as instituiccedilotildees com suas diferen-
tes formas de conduzirem suas didaacuteticas nos leva a crer que este distanciamento tem ligaccedilotildees
diretas com a educaccedilatildeo adotada que privilegia determinadas setores da sociedade em detri-
mento de outros A escola eacute por natureza o espaccedilo onde deveria ocorrer essa socializaccedilatildeo de
saberes e nessas trocas o enraizamento do respeito agraves crenccedilas que ainda natildeo estatildeo inseridas
nos debates curriculares
Quanto agrave praacutetica do ensino nas escolas estas natildeo levam em conta o cotidiano dos alu-
nos tendo em vista maior aproveitamento das experiecircncias a que satildeo submetidos esses ele-
mentos a escola ainda trata os conteuacutedos claacutessicos como uacutenicos e intocaacuteveis A experiecircncia
vivida no movimento negro levou a perceber o distanciamento entre escola e terreiros de reli-
giatildeo de matriz africana isto fez com que despertasse o interesse em compreender as relaccedilotildees
que satildeo estabelecidas entre essas redes de ensino
No que diz respeito ao ensino de histoacuteria ainda prevalece uma praacutetica que trabalha de
maneira bastante verticalizada os conteuacutedos que tratam sobre religiatildeo privilegiando unica-
mente uma religiatildeo o que tem distanciado os grupos que praticam os cultos de matriz africana
que natildeo se sentem incluiacutedos no processo Os terreiros asseguram estarem abertos aos debates
para que haja uma aproximaccedilatildeo e com isto possam enraizar laccedilos que levem as dinacircmicas
desenvolvidas nos terreiros a fim de reverberar a laicidade no espaccedilo escolar
118
Partindo da experiecircncia no Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda escola que em
seu entorno concentra 14 terreiros de religiatildeo de matriz africana concomitante com debates no
movimento negro e disciplinas no mestrado Este trabalho se propocircs a analisar as abordagens
que professores alunos e sacerdotes possuem sobre a relaccedilatildeo terreiros e escolas como forma
de refletir sobre estrateacutegias teoacutericos-metodoloacutegicos que podem amenizar o distanciamento
existente nestas relaccedilotildees de convivecircncia nestes espaccedilos a fim de que os atores envolvidos pos-
sam dialogar na equidade dentro do ambiente escolar e com isso aproximar as experiecircncias do
que eacute aprendido no cotidiano dos discentes ao conhecimento repassado na escola como forma
de materializar um debate sobre religiatildeo
Para tanto acredita-se que a metodologia para alcanccedilar tal objetivo seja a implementa-
ccedilatildeo da Lei 106392003 que trata do Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-brasileira e Africana
nas escolas como forma de introduzir conteuacutedos que reverberem sobre esses temas auxiliando
no processo ensino-aprendizagem promovendo a mediaccedilatildeo neste processo
Assim foram elaboradas as oficinas ldquoDA ESCOLA PARA OS TERREIROSrdquo Ofici-
nas para trabalhar a Histoacuteria Cultura e Religiatildeo Afro-Brasileira no espaccedilo escolar que apre-
senta conteuacutedos referentes agraves manifestaccedilotildees culturais africanas afro-brasileira religiatildeo e mi-
tos Aleacutem das imagens demonstradas o material eacute constituiacutedo de propostas de oficinas para
que alunos possam exercitar informaccedilotildees jaacute adquiridas em outros espaccedilos ou mesmo na escola
sobre os temas apresentados
A proposta do material desenvolvido neste trabalho natildeo pretende em momento algum
sanar as lacunas existentes nas relaccedilotildees entre estas instituiccedilotildees de ensino mas pode ser uma
tentativa de promover debates concernentes ao tema em salas de aula na disciplina Histoacuteria
sobre a realidade dos aspectos que envolvem esse tema e com isto conduzir os alunos a pensa-
rem como professarem sua feacute no espaccedilo escolar
No mais objetiva inserir meacutetodos de como introduzir conceitos sobre religiatildeo de ma-
triz africana natildeo como simples exigecircncia ao ritual pedagoacutegico mas como uma forma de tratar
as vivecircncias desses sujeitos em trocas a serem aplicadas no cotidiano escolar incorporando um
comportamento mais edificado na praacutetica aos cultos afros
Por fim acredita-se que o ambiente escolar seja sim este espaccedilo de promoccedilatildeo da
equidade com base na educaccedilatildeo com seu caraacuteter formador de opiniotildees que busca acima de
tudo superar a subtraccedilatildeo dessas crenccedilas no curriacuteculo escolar e naturalizando essas praacuteticas
sem o efeito da dominaccedilatildeo mas sim privilegiando o respeito a diversidade religiosa ali exis-
tente
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em 29 dezembro de 2017
127
APEcircNDICES
128
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHAtildeO
PROGRAMA DE POacuteS ndash GRADUACcedilAtildeO EM HISTOacuteRIA MESTRADO PROFISSIONAL
ndash PPGHIS
MESTRANDO JEcircIBEL MAacuteRCIO PIRES CARVALHO ndash e-mail dicarva-
lho36hotmailcom
QUESTIONAacuteRIO PARA OS ESTUDANTES
Prezado Estudante
Sob
re v
ocecirc e
a e
scola
Qual a sua idade ________
Vocecirc nasceu em que CidadeEstado _____________________________
Qual o seu sexo ( ) Masculino ( ) Feminino
Qual a sua cor _____________________________________
Vocecirc eacute ( ) Solteiro(a) ( ) Casado(a) ( ) Vive junto ( ) DivorciadoSeparado ( ) viuacutevo(a)
Vocecirc tem filho(s)( ) Sim ( ) Natildeo Em caso afirmativo quantos _______
Vocecirc trabalha( ) Sim ( ) Natildeo
Em caso afirmativo com que idade comeccedilou a trabalhar ________ E qual a sua profissatildeo ________________________
Vocecirc jaacute teve alguma reprovaccedilatildeo na escola ao longo de sua vida ( ) Sim ( ) Natildeo
Vocecirc gosta de vir pra escola( ) sim ( ) Sim mas depende da atividade ( ) Sim mas eacute muito cansativo ( ) Natildeo ( ) Natildeo ela se tornou muito difiacutecil ( ) Natildeo Se pudesse nem viria
Vocecirc se considera um bom estudante( ) Sim ( ) Natildeo
Por quecirc ___________________________________________________________________________
O que vocecirc quer ser Qual a profissatildeo que vocecirc planeja exercer no futuro
_________________________________________________________________________________
129
Sob
re s
eus
pais e
famiacutelia
Qual a escolaridade do seu pai
( ) nunca estudou ( )fundamental menor ( ) Fundamental maior ( ) Ensino Meacutedio ( ) Ensino superior
Qual a profissatildeoocupaccedilatildeo do seu pai __________________________
Qual a escolaridade da sua matildee
( ) nunca estudou ( )fundamental menor ( ) Fundamental maior ( ) Ensino Meacutedio ( ) Ensino superior
Qual a profissatildeoocupaccedilatildeo de sua matildee __________________________
Vocecirc(s) mora(m) em que bairro de Cururupu ____________________________________
Somando todas as rendas da sua famiacutelia vocecircs alcanccedilam
( ) Ateacute 1 salaacuterio miacutenimo ( ) de 2 a 3 salaacuterios miacutenimos ( ) de 3 a 6 salaacuterios
130
Sob
re s
er
negro
(a)
Vocecirc se considera negro (a) ( ) Sim ( ) Natildeo
Explique por que __________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
Em sua opiniatildeo existe alguma diferenccedila entre ser jovem negro(a) e ser jovem branco(a) para vocecirc
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
O que eacute bom em ser jovem e negro (a) em sua opiniatildeo
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
O que eacute ruim em ser jovem e negro (a) em sua opiniatildeo
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
Vocecirc jaacute vivenciou ou conhece algueacutem que sofreu preconceito racial ( ) Sim ( ) Natildeo
Em caso afirmativo onde ocorreu _______________________________________
Frente a uma situaccedilatildeo de racismo sofrida por algueacutem o que vocecirc faria
( ) Vocecirc tentar intervir ( ) Vocecirc se indigna mas fica calada ( ) Vocecirc natildeo se importa pois natildeo foi com vocecirc
( ) Natildeo sabe
Vocecirc jaacute presenciou algum conflito na escola devido a preconceitos ou questotildees raciais ( ) Sim ( ) Natildeo
O que o correu ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Vocecirc jaacute debateu esse tema (racismo preconceito discriminaccedilatildeo intoleracirccia) na escola
( )sempre ( ) de vez em quando ( ) raramente ( ) nunca
Vocecirc jaacute debateu sobre religiotildees afro-brasileiras na escola (candombleacute mina pajeacute umbanda tecircrecocirc etc)
( ) sempre ( ) de vez em quando ( ) raramente ( ) nunca
131
Esc
ola e
religiotildees
afr
o-bra
sileiras
Pra vocecirc o que eacute uma religiatildeo
Qual religiatildeo vocecirc se identifica
Vocecirc tem conhecimento de quais religiotildees satildeo praticadas em Cururupu
Pra vocecirc a escola valoriza a cultura e as religiotildees dos diversos grupos eacutetnico-raciais que compotildeem a sociedade brasileira
Como vocecirc acha que deveria que a escola deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo
Jaacute ouviu falar sobre religiotildees de matriz africana ou afro-brasileiras Quais
Frequentou ou frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana aqui na cidade Se sim em qual bairro
Vocecirc conhece algum terreiro de religiatildeo de matriz africana que se localiza proacuteximo ao Centro de Ensi-no Joatildeo Marques Miranda
Jaacute participou de algum festejo em terreiros de religiatildeo africana
A escola jaacute promoveu alguma atividade que estimulasse o diaacutelogo e a reflexatildeo sobre os terreiros da-qui
Vocecirc acha que a escola e terreiro deveriam desenvolver atividades que fortalecessem esses laccedilos Por quecirc
Vocecirc acha que as religiotildees de matriz africana sofrem discriminaccedilatildeo na escola
Vocecirc jaacute presenciou alguma praacutetica de discriminaccedilatildeo contra membros das religiotildees afros na escola Como se deu esse acontecimento
Conhece ou jaacute ouviu falar de algum pai ou matildee de santo que residem no entorno da escola
132
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHAtildeO
PROGRAMA DE POacuteS ndash GRADUACcedilAtildeO EM HISTOacuteRIA MESTRADO
PROFISSIONAL ndash PPGHIS
MESTRANDO JEcircIBEL MAacuteRCIO PIRES CARVALHO ndash e-mail di-
carvalho36hotmailcom (98) 98434-3856
QUESTIONAacuteRIO PARA PROFESSORES
Prezado Professor
O questionaacuterio que segue eacute parte da pesquisa de campo que estou realizando no Mestrado em
Histoacuteria da Universidade Estadual do Maranhatildeo-UEMA sob orientaccedilatildeo do professor Dr
Wheriston Silva Neacuteris Desde jaacute agradeccedilo sua colaboraccedilatildeo
Sob
re v
ocecirc e
a e
scola
Nome_______________________________Idade________________________________
Bairro_______________________________ Local de Nascimento___________________
Grau de instruccedilatildeo ( ) Magisteacuterio ( ) Superior
Aacuterea de formaccedilatildeo___________________________________________________________
Instituiccedilatildeo de formaccedilatildeo______________________________________________________
Ocupaccedilatildeo Profissional______________________________________________________
Disciplina que leciona na escola________________________________________________
A disciplina que leciona_____________________________________________________
Quantos anos trabalha como professor__________________________________________
Quanto tempo trabalha na escola_____________________________________________
Jaacute trabalhou com outra disciplina que natildeo fosse sua aacuterea de formaccedilatildeo_________________________ -
Qual sua cor___________
133
Sob
re r
eligiatildeo
Como define religiatildeo______________________________________________
Vocecirc tem alguma religiatildeo especiacutefica ( ) sim ( ) natildeo
Em caso afirmativo qual____________________________________________
Tendo uma religiatildeo especifica vocecirc participa das atividades_____________________
De quais atividades participa_______________________
Conhece algum tipo religiatildeo de matriz africana _____________________________
Jaacute participou de alguma atividade em cultos de religiatildeo de matriz africana______________
Vocecirc considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cultos de matriz africana em Cururupu
Considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cultos de matriz africana nas escolas Justifique
Nas escolas considera que os cultos africanos sofrem discriminaccedilatildeo________________________
134
Sob
re r
eligiatildeo
e p
raacutetica
pedagoacuteg
ica
A escola desenvolve atividades que falam das denominaccedilotildees religiosas praticadas em Cururupu
Como satildeo feitas essas abordagens
Haacute uma lei trata do Ensino de Aacutefrica e Cultura Afro-Brasileira tem conhecimento dessa Lei
Tem conhecimento sobre a Lei 106392003 Ensino de Aacutefrica e Cultura Afro-Brasileira se positivo
como conheceu a Lei caso natildeo conheccedila teria interesse em conhececirc-la
Tem acesso a materiais sobre Aacutefrica e Cultura Afro-Brasileira na escola ou fora dela
A data alusiva agrave comunidade negra como a escola tem trabalhado os temas sobre a populaccedilatildeo
negra
Como tem administrado as discussotildees sobre religiatildeo africana em sala de aula quando estas
acontecem
135
Esc
ola e
religiotildees
afr
o-bra
sileiras
Pra vocecirc a escola valoriza a cultura e as religiotildees dos diversos grupos eacutetnicos-raciais que compotildeem
a sociedade brasileira
Como vocecirc acha que a escola deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo no espaccedilo escolar
Frequentou ou frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana aqui na cidade Se sim
em qual bairro Como foi a experiecircncia
Jaacute participou de algum festejo em terreiros de religiatildeo de matriz africana
A escola jaacute promoveu alguma atividade que estimulasse o diaacutelogo e a reflexatildeo sobre os terreiros
daqui
Vocecirc acha que escola e terreiro deveriam desenvolver atividades que fortalecessem esses laccedilos
Por quecirc
Vocecirc jaacute presenciou alguma praacutetica de discriminaccedilatildeo contra membros das religiotildees afros na
escola Como se deu esse acontecimento
Conhece ou jaacute ouviu falar de algum pai ou matildee de santo que residem proacuteximo da escola qual
o nome
A escola jaacute fez alguma atividade com os terreiros proacuteximos da escola
O que acha que deveria ser feito para que debates mais contiacutenuos acontecessem na escola
sobre as religiotildees de matriz africana
136
137
138
AGRADECIMENTOS
Foi quando aprendi a fazer conta de subtraccedilatildeo para achar a idade que vi as maravi-
lhas que a educaccedilatildeo pode possibilitar a um indiviacuteduo Ainda nas seacuteries iniciais percebi que a
educaccedilatildeo poderia mudar minha vida Mais uma etapa se encerra houve muitas renuacutencias para
que pudesse realizar este trabalho Foram dois anos de muito aprendizado e um incansaacutevel
mundo de descobertas neste estaacutegio de minha formaccedilatildeo para tanto algumas pessoas foram
importantes para esta conquista
Assim comeccedilo agradecendo agrave minha matildee mulher dedicada e saacutebia com quem aprendi
que ldquoQuando se tem muito se come muito quando se tem pouco se come pouco quando natildeo
se tem nada natildeo se come nada mas natildeo se abaixa a cabeccedila e se vive com dignidaderdquo Ouvi
esta frase por anos em nossa educaccedilatildeo em meio aos insignificantes recursos inclusive de ali-
mentaccedilatildeo mas que me deu forccedila para seguir
Agradeccedilo tambeacutem a meu padrasto Joseacute Parece (in memoriam) que surgiu em minha
vida no dia e na hora certa para me oferecer o que mais me fazia falta comida Foi por isso
tambeacutem que cheguei aqui
Agraves minhas irmatildes Wiara Nunes pelo apoio nos momentos que mais precisei e pela de-
dicaccedilatildeo em cuidar da nossa matildee e agrave Hildna Adeacutelia pelo amor e apoio constante Agrave toda minha
famiacutelia meu muito obrigado
Aos amigos o grandessiacutessimo Nonato Macedo pela forccedila sem sua fidelidade e genero-
sidade natildeo teria conseguido chegar ateacute aqui obrigado quando agrave eacutepoca do seletivo do mestrado
no qual concorriacuteamos e com uma atitude digna dos grandes seres iluminados proferiu a frase
que marcou a minha vida ldquoJaacute estou de idade taacute aqui minhas apostilas estude passe e seja
mestre Vocecirc merecerdquo Nonato obrigado meu amigo Meu muito obrigado tambeacutem a Mozart
que quando eu trilhava o bairro inteiro com o intuito de economizar na passagem generosa-
mente dizia ldquoNatildeo faccedila mais isto para de andar quando precisar de dinheiro de passagem me
diz que te dourdquo Sou agradecido pelo acolhimento em sua casa A Valdenilton pela atenccedilatildeo e
zelo a mim prestada sempre que estou em Satildeo Luiacutes Todos vocecircs contribuiacuteram imensamente
para esse processo
Aos meus tios Israel Pires pela hospedagem carinho e conversas repletas de co-
nhecimentos ao Tio Milton Pires pela ajuda constante que me direciona Agrave outra pessoa
igualmente relevante para esse processo Regina Brito Costa grato pelos bilhetes de autoriza-
ccedilatildeo agrave eacutepoca da CNEC quando dos enormes atrasos nas mensalidades
Agrave Jorlidalva pelo apoio incondicional essa mulher com um coraccedilatildeo gigante que me
reergueu quando havia perdido o interesse pela profissatildeo
Agrave Marileide pela sensibilidade e apoio junto a Secretaria de Educaccedilatildeo de Serrano do
Maranhatildeo que permitiu que iniciasse o mestrado
Ao Secretaacuterio Carlos Pinheiro pela coragem em assumir o compromisso em permitir
que eu concluiacutesse o mestrado
ldquoAgraveS REISrdquo Ana Maria Alessandra Alexandro Rosana Tatiana Dilla Mayara
Mendes Ronald e a todos que formam essa famiacutelia esplecircndida da qual me orgulho de ter em
meu conviacutevio muito obrigado
A negra mais espetacular que conheci Juacutelia Reis (in memoriam) que me orgulho de
chamaacute-la de matildee pela generosidade respeito inteligecircncia carinho com que tratava o ser hu-
mano e por ter feito de sua vida e sua casa a filosofia ubuntu
Agrave minha pequena notaacutevel Tatiana Reis por me inspirar e possibilitar seu conviacutevio pe-
los livros emprestados que deram base agrave minha pesquisa e pelo apoio incondicional Faltam
palavras para externar o imenso carinho e admiraccedilatildeo que tenho por ti
Ao grande amor da minha vida que cedo partiu deixando um vazio imenso Jouberth
Reis Silva (in memoriam) pelo zelo e carinho que me dedicavas
Agradeccedilo agrave Alzenira Pestana pelo esforccedilo em providenciar meu diploma do Magisteacute-
rio para que eu pudesse entrar na Universidade
Ao meu grande amigo Joseacute Maria Marques pelo tratamento e por ter dividido comigo
a cena mais heroica de minha vida estudantil ao tempo da extinta CNEC quando com meses
de atraso e impossibilitados de entrar prendemos os braccedilos do porteiro para entrarmos e mos-
trarmos que com todo fardo das dificuldades financeiras queriacuteamos estudar fato que fomos
convidados a se retirar de sala e sermos aplaudidos pelos alunos Zeacute muito obrigado
Ao Professor Joseacute Francisco Pestana e a Izabel Nogueira pela quitaccedilatildeo das mensalida-
des muito obrigado
Ao Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda pelo acolhimento da minha pesquisa
Aos pais de santos pela atenccedilatildeo e consideraccedilatildeo em relatar suas histoacuterias e abrir suas
casas para as entrevistas
Agrave Mocircnica Picollo pela eficiente conduccedilatildeo do Programa e atenccedilatildeo a mim direcionada
Admiraccedilatildeo eacute o que melhor explica nossa relaccedilatildeo muito obrigado
Agraves professoras Ana Liacutevia Bomfim pela inspiraccedilatildeo como profissional pela frase que me
fez crer que tudo eacute possiacutevel ldquoNatildeo naturalize nada em sua vidardquo frase que veio como um man-
tra agrave Sandra Regina pelas aulas inspiradoras e cheias de sorrisos e Milena Galdez pelo espe-
taacuteculo de pessoa e pelas enormes contribuiccedilotildees que me que ajudaram a confirmar a possibili-
dade de debates entre as religiotildees muito obrigado
Agrave Diretora do Centro de Ensino Profordf Joana Batista Dias Josilene Conde Marina Bra-
ga pela compreensatildeo nas minhas ausecircncias Aos amigos Carlos Pimentel e Marcos Soares
pela ajuda na minha ausecircncia na escola do estado obrigado Ao Professor Noir Santos Pro-
fessor Jornandes e Alexandre Miranda Aos amigos Leandro Seacutergio Ederlon Mariano e An-
tonilson pela ajuda ao meu primo Leandro Lima pelo carinho Ao companheiro Joatildeo Barros
por ser sempre solicito a Osmilda Neovaldo Ana Isabel Aldo Guedes e a Raimunda e Neti-
nho Oliveira
Ao meu eterno Professor Luiacutes Claudio pelo incentivo e por matar minha fome nas ho-
ras que me faltavam muitiacutessimo obrigado
Ao grupo de jovem JAF onde muito aprendi e convivi com pessoas maravilhosas ao
grupo OMNIRAacute pelas oportunidades em mostrar meu lado artiacutestico
Aos meus colegas de mestrado foi uma experiecircncia que jamais irei esquecer a Renata
pela constante atenccedilatildeo Amanda Jeacutessica Mayara Adriana Jeferson Tereza Edilene Cirila
Gustavo Lara Drielle Diego Laiana Cleidiane MUITO OBRIGADO
Agradeccedilo imensamente ao Professor Wheriston Silva Neris pelo compromisso com a
pesquisa a atenccedilatildeo e zelo como me orientou sabendo das dificuldades que tinha a sua humil-
dade seu talento em conduzir minhas duacutevidas com muito respeito e humanidade sua orienta-
ccedilatildeo me mostrou que podemos ir bem longe quando somos bem conduzidos e foi isto que sua
intelectualidade me mostrou Quando o vi em Bacabal em 2014 palestrando foi quiacutemica agrave
primeira vista o destino me possibilitou que o tivesse como orientador sou muito grato por ter
dividido com vocecirc essa etapa da minha vida palavras satildeo poucas para externar o enorme ca-
rinho respeito admiraccedilatildeo e gratidatildeo que tenho Obrigado por tudo pelo universo que colo-
castes em minhas matildeos MUITO OBRIGADO
Quando o Sol
Se derramar em toda sua essecircncia
Desafiando o poder da ciecircncia
Pra combater o mal
E o mar
Com suas aacuteguas bravias
Levar consigo o poacute dos nossos dias
Vai ser um bom sinal
Os palaacutecios vatildeo desabar
Sob a forccedila de um temporal
E os ventos vatildeo sufocar o barulho infernal
Os homens vatildeo se rebelar
Dessa farsa descomunal
Vai voltar tudo ao seu lugar
Afinal
Vai resplandecer
Uma chuva de prata do ceacuteu vai descer la la la
O esplendor da mata vai renascer
E o ar de novo vai ser natural
Vai florir
Cada grande cidade o mato vai cobrir ocirc ocirc
Das ruiacutenas um novo povo vai surgir
E vai cantar afinal
As pragas e as ervas daninhas
As armas e os homens de mal
Vatildeo desaparecer nas cinzas de um carnaval
(Clara Nunes- As Forccedilas da Natureza)
RESUMO
O objetivo deste trabalho eacute discutir as relaccedilotildees entre instituiccedilotildees escolares e religiotildees afro-
brasileiras tomando como unidade empiacuterica de anaacutelise um contexto relacional representado
pelo Bairro de Satildeo Benedito localizado na periferia da cidade de Cururupu-Maranhatildeo Trata-
se aqui de colocar sob foco as interfaces cruzamentos de espaccedilos e diaacutelogos possiacuteveis entre o
Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda e os 14 terreiros existentes que circundam a escola
Metodologicamente a pesquisa busca combinar diferentes estrateacutegias tais como a aplicaccedilatildeo
de questionaacuterios e a realizaccedilatildeo de entrevistas temaacuteticas com (ex) gestores professores e dis-
centes e lideranccedilas religiosas de terreiros atuantes nesse mesmo bairro Em um momento no
qual o tratamento da questatildeo da diferenccedila e da cultura em meios educacionais tem entrado na
pauta do dia produzindo impactos e novos desafios para os profissionais do espaccedilo escolar
buscamos natildeo somente suscitar a criacutetica reflexiva sobre as formas de preconceito e estigmati-
zaccedilatildeo ainda em voga como tambeacutem explorar experimentalmente vias de diaacutelogos entre atores
tatildeo proacuteximos geograacutefica e simbolicamente mas ao mesmo tempo tatildeo distantes em termos de
conhecimento e reconhecimento Para tanto propusemos a realizaccedilatildeo de Oficinas como lugar
coletivo para aproximaccedilatildeo debate e diaacutelogo a partir do proacuteprio contexto em pauta entendido
enquanto meio para gerar novas praacuteticas para o ensino de Histoacuteria e a aquisiccedilatildeo de competecircn-
cias ciacutevicas importantes para a cidadania e respeito agrave diferenccedila A experiecircncia resultante da
execuccedilatildeo dessa proposta de intervenccedilatildeo pedagoacutegica foi condensada no produto apresentado
em anexo constituindo uma forma de contribuiccedilatildeo aplicada dessa dissertaccedilatildeo
Palavras-Chave Escola Religiotildees Afro-brasileiras Cultura Oficinas
ABSTRACT
The objective of this work is to discuss the relations between school institutions and Afro-
Brazilian religions taking as an empirical unit of analysis a relational context represented by
the District of Satildeo Benedito located in the outskirts of the city of Cururupu-Maranhatildeo The
focus here is on the interfaces crossings of spaces and possible dialogues between the Joatildeo
Marques Miranda Teaching Center and the 14 existing terreiros that surround the school
Methodologically the research seeks to combine different strategies such as the application
of questionnaires and thematic interviews with (ex) managers professors and students and
religious leaders from terreiros operating in the same neighborhood At a moment in which
the treatment of the issue of difference and culture in educational media has entered the agen-
da of the day producing impacts and new challenges for the professionals of the school space
we seek not only to provoke the reflexive criticism about the forms of preconception and
stigmatization still in vogue as well as tentatively exploring ways of dialogue between actors
so closely geographically and symbolically but at the same time so far apart in terms of
knowledge and recognition In order to do so we proposed the realization of workshops as a
collective place to approach debate and dialogue from the context in question understood as
a means to generate new practices for the teaching of History and the acquisition of important
civic competences for the citizenship and respect to the difference The experience resulting
from the implementation of this pedagogical intervention proposal was condensed into the
final product presented in the annex constituting a form of applied contribution of this disser-
tation
Keywords School Afro-Brazilian religions Culture Offices
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Imagem1- Desfile da Unidos de Vila Isabel44
Imagem 2- Marcha Zumbi dos Palmares47
Imagem 3- Fachada do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda61
Imagem 4- Joatildeo Marques Miranda62
Imagem 5- Profordf Floranilde Dias da Silva81
Imagem 6- Profordf Deacuterika Sandriane da Silva Maia83
Imagem 7- Profordm Eacutelcio Silva 84
Imagem 8- Profordf Raimunda Nonata86
Imagem 9- Matildee de Santo Maria Clara Cunha 87
Imagem 10- Mapa do Bairro de Satildeo Benedito96
Imagem 11- Festival de Carro de Boi99
Imagem 12- Terreiros do bairro de Satildeo Benedito101
Imagem 13- Isabel Mineira (in memoriam) 103
Imagem 14- Pai de Santo Fracircncio Jacircnio Silva Veras 104
Imagem 15- Pai de Santo Luiacutes Afonso Azevedo Silva106
Imagem 16- Pai de Santo Edimir107
Imagem 17- Matildee de Santo Edna Pires 108
Imagem 18- Matildee de Santo Faacutetima Cadete109
Imagem 19- Pai de Santo Joseacute Maria Ramos110
Imagem 20- Iniciada Tereza Cadete111
LISTA DE SIGLAS
CBPE- Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
CCE- Conselho Estadual de Educaccedilatildeo
CEERSEMA- Centro Ecumecircnico de Estudos Religiosos Superiores do Maranhatildeo
CMF- Comissatildeo Maranhense de Folclore
CNE- Conselho Nacional de Educaccedilatildeo
EJA- Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos
FNB- Frente Negra Brasileira
FUNASA ndash Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede
GCNC- Grupo de Consciecircncia Negra de Cururupu
GEAR- Grupo de Estudos Andreacute Rebouccedilas
GTI- Grupo de Trabalho Interministerial
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IPCN- Instituto de Pesquisas de Cultura Negra
JAF- Jovens Armas do Futuro
MEC-Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura
MNU- Movimento Negro Unificado
PCNrsquos- Paracircmetros Curriculares Nacionais
SECAD- Secretaria de Educaccedilatildeo a Distacircncia Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade
SECNEB- Sociedade de Estudos de Cultura Negra no Brasil
SINBA- Sociedade de Intercacircmbio Brasil Aacutefrica
UEMA- Universidade Estadual do Maranhatildeo
LISTA DE GRAacuteFICOS
Graacutefico 01- Vocecirc se considera negro65
Graacutefico 02- Vocecirc tem conhecimento de quais religiotildees satildeo praticadas em Cururupu66
Graacutefico 03- Jaacute ouviu falar sobre religiatildeo afro-brasileira67
Graacutefico 04- Frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana na cidade67
Graacutefico 05- Vocecirc conhece algum terreiro de religiatildeo de matriz africana que fica localizada proacuteximo ao
CEJMMiranda68
Graacutefico 06- Conhece algum pai ou matildee de santo que residem proacuteximo da escola69
Graacutefico 07- J aacute participou de algum festejo em terreiro de religiatildeo de matriz africana69
Graacutefico 08- Vocecirc acha que as religiotildees de matriz africana sofrem discriminaccedilatildeo na escola70
Graacutefico 09- Como vocecirc acha que a escola deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo71
Graacutefico 10- Como define religiatildeo73
Graacutefico 11- Conhece alguma religiatildeo de matriz africana74
Graacutefico 12- Jaacute participou de alguma atividade em cultos de matriz africana74
Graacutefico 13- Considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cultos de matriz africana75
Graacutefico 14- Nas escolas considera que os cultos africanos sofrem discriminaccedilatildeo75
Graacutefico 15- A escola desenvolve atividades que falam das denominaccedilotildees religiosas praticadas em
Cururupu Como satildeo feitas essas abordagens 76
Graacutefico 16- Tem conhecimento sobre a Lei 106392003 que trata do Ensino de Histoacuteria da Aacutefrica e
Cultura Afro-brasileira nas escolas77
Graacutefico 17- Tem acesso a materiais sobre Aacutefrica e Cultura Afro-brasileira nas escolas ou fora dela77
Graacutefico 18- As datas alusivas agrave comunidade negra como a escola tecircm trabalhado os temas78
Graacutefico 19- Como tem administrado as discussotildees sobre religiatildeo africana em sala de aula quando
estas acontecem 78
Graacutefico 20- Vocecirc acha que a escola e os terreiros deveriam desenvolver atividades que fortalecessem esses laccedilos Por quecirc78
Graacutefico 21- O que vocecirc acha que deveria ser feito para que debates acerca das religiotildees acontecessem
na escola 79
Graacutefico 22- Conhece pais e matildees de santo que residem proacuteximos da escola80
LISTA DOS TERREIROS
Terreiro 01- Pingo Drsquoaacutegua Matildee Isabel Mineira (in memoriam)
Terreiro 02- Quarto altar Pai Fracircncio Jacircnio Veras
Terreiro 03- Pai Joaquim de Angola Pai Luiacutes Afonso Azevedo
Terreiro 04- Santo Antocircnio Matildee Maria Bebo Soeira (in memoriam)
Terreiro 05- Santa Baacuterbara Pai Edimir Pires Mota
Terreiro 06- Santa Baacuterbara Matildee Edina Pires
Terreiro 07- Quarto altar Pai Deiran
Terreiro 08- Santa Luzia Matildee Faacutetima Cadete
Terreiro 09- Santa Baacuterbara Matildee Valdelina
Terreiro 10- Quarto altar Pai Daacuterio
Terreiro 11- Quarto altar Pai Sebastiatildeo Conde
Terreiro 12- Satildeo Sebastiatildeo Pai Jorge de Abdias
Terreiro 13- Deus eacute quem Guia Pai Joseacute Maria Ramos
Terreiro 14- Quarto altar Iniciada Tereza Cadete
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO18
I -Referenciais de anaacutelise-Antropologia da educaccedilatildeo-repensando a diferenccedila no espaccedilo
escolar 19
II-Formas escolares hegemonicas e culturas escolares
especiacuteficas23
III-Encaminhamentos da pesquisa escolha temaacutetica e a posiccedilatildeo do pesquisador 26
IV- Estrutura do trabalho 28
CAPIacuteTULO 1 - A CULTURA AFRO-BRASILEIRA NOS BANCOS ESCOLARES
Diversidade diferenccedila e Cultura Escolar30
11 A contribuiccedilatildeo da Histoacuteria da Aacutefrica para a humanidade 30
12 A cultura afro-brasileira e o espaccedilo escolar 35
13 As lutas para afirmaccedilatildeo da cultura Afro-Brasileira 40
CAPIacuteTULO 2- RELACcedilOtildeES EacuteTNICO-RACIAIS lutas movimentos e reformas poliacuteticas edu-
cacionais43
CAPIacuteTULO 3 -DA ESCOLA PARA OS TERREIROS Normas experiecircncias e percepccedilotildees sobre
as religiotildees afro-brasileiras53
31 As mutaccedilotildees no curriacuteculo e o desafio de implementaccedilatildeo da Lei 106392003 53
32 Descrevendo a instituiccedilatildeo escolar histoacuterias atores e experiecircncias 60
33 Mapeando as avaliaccedilotildees de discentes e docentes sobre religiotildees afro-brasileiras 63
34 Entrando no mundo dos alunos 64
35 As religiotildees afro-brasileiras entre os docentes 72
36 Experiecircncias e percepccedilotildees de docentes acerca da relaccedilatildeo entre escola e comunidade 80
CAPIacuteTULO 4 - DA COMUNIDADE PARA A ESCOLA histoacuterias percepccedilotildees e experiecircncias de
um diaacutelogo possiacutevel 90
41 Perspectiva de investigaccedilao sobre a histoacuteria e cultura afro-brasileira no
Maranhao92
42 Descrevendo o bairro Satildeo Benedito festas populares e tracircnsitos religiosos 95
43 Histoacuterias de terreiros terrenos de memoacuterias e de histoacuterias101
CAPIacuteTULO 5- OFICINAS PEDAGOacuteGICAS E A HISTOacuteRIA E CULTURA AFRO-
BRASILEIRA 113
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 117
REFEREcircNCIAS 119
APEcircNCICES127
18
INTRODUCcedilAtildeO
Cururupu eacute um municiacutepio localizado no Litoral Ocidental Maranhense composto
em sua maior parte por descendentes de africanos que vieram do antigo Daomeacute1 na Regiatildeo
Ocidental da Aacutefrica Conforme dados do uacuteltimo Censo do IBGE a populaccedilatildeo residente no
municiacutepio concentra-se predominantemente na religiatildeo Catoacutelica seguido de longe pelas de-
nominadas evangeacutelicas Ocorre que embora natildeo sejam apresentados registros de pertencentes
agraves religiotildees afro-brasileiras a cidade eacute conhecida no cenaacuterio estadual como terra de grandes
pais e matildees de santo Atualmente Cururupu possui uma grande quantidade de terreiros na
sede havendo bairros que contam com aproximadamente cinco a sete casas de cultos aos ori-
xaacutes voduns e caboclos2 De maneira geral esses terreiros estatildeo localizados em aacutereas afastadas
e perifeacutericas do municiacutepio para onde afluem os praticantes e admiradores nas muacuteltiplas oca-
siotildees e ciclos de cerimocircnias e festas aos santos Nessas ocasiotildees participam das muacuteltiplas
atividades ali desenvolvidas com a utilizaccedilatildeo de tambores danccedilas e muacutesicas que fazem parte
da liturgia empregada pelos sacerdotes e sacerdotisas para evocar as divindades
Neste cenaacuterio cabe destacar o Bairro Satildeo Benedito localizado justamente na peri-
feria do referido municiacutepio onde estaacute localizado o Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda
escola da rede estadual selecionada como laboratoacuterio para discutirmos sobre o processo de
integraccedilatildeo da Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africana no cotidiano escolar conforme
respalda a Lei 106392003 Levando em conta que a referida lei foi promulgada haacute uma deacute-
cada e meia o que esteve no ponto de partida deste trabalho foi o desejo de investigar como
uma instituiccedilatildeo escolar e seus atores rodeada por nada menos do que 09 (nove) terreiros3 e 05
quarto altar que lida justamente com o tema da diversidade eacutetnico-religiosa brasileira nota-
damente de matriz afro-brasileira
1 Paiacutes africano de onde vieram escravizados para trabalharem nas fazendas de mandioca accediluacutecar e aguardente de Cururupu Daomeacute eacute atualmente Benim 2 Em Cururupu as casas de cultos as entidades possuem grande quantidade de adeptos que ajudam na organiza-
ccedilatildeo dos festejos Essas comunidades organizadas nos terreiros respeitam um grau de ligaccedilatildeo entre serviccedilos pres-
tados pelo pai de santo ao assistente ou a um membro da famiacutelia deixando um laccedilo de gratidatildeo eacute comum famiacute-
lias inteiras frequentarem os terreiros nas mesmas condiccedilotildees de tarefas 3 Terreiro Pingo Drsquoaacutegua de Matildee Izabel Mineira (in memoriam) Terreiro Santa Baacuterbara do Pai Edmir Mota Ter-
reiro Santa Baacuterbara de Matildee Edna Pires Terreiro de Santa Luzia de Matildee Faacutetima Cadete Terreiro Satildeo Sebastiatildeo
de Pai Jorge de Abdias Terreiro Pai Joaquim de Angola de Pai Luiacutes Quarto-Altar de Pai Daacuterio Quarto-Altar de
Sebastiatildeo Conde Terreiro Santo Antonio de Matildee Maria Bebo Soeira (in memoriam) Quarto-Altar de Pai Dei-
ran Terreiro Deus me Guia de Pai Joseacute Maria Quarto-Altar de Tereza Cadete Quarto-Altar de Pai Fracircncio Ve-
ras Terreiro Santa Baacuterbara de Matildee Valdelina
19
Com efeito o objetivo da presente dissertaccedilatildeo foi analisar a pluralidade de olhares
sobre escolas e terreiros e suas intra e inter-relaccedilotildees tomando como unidade empiacuterica de anaacute-
lise um contexto relacional representado pelo Bairro de Satildeo Benedito localizado na periferia
da cidade de Cururupu- Maranhatildeo Objetivamente trata-se aqui de colocar sob foco as inter-
faces cruzamentos de espaccedilos e diaacutelogos possiacuteveis entre o Centro de Ensino Joatildeo Marques
Miranda e as casas de cultos existentes que circundam a escola Metodologicamente a pes-
quisa busca combinar diferentes estrateacutegias tais como a aplicaccedilatildeo de questionaacuterios de admi-
nistraccedilatildeo direta e a realizaccedilatildeo de entrevistas temaacuteticas com (ex) gestores professores alunos
e lideranccedilas religiosas de terreiros atuantes nesse mesmo bairro O tiacutetulo da presente disserta-
ccedilatildeo ldquoDos terreiros para a escola da escola para os terreirosrdquo claramente inspirado nos traba-
lhos da Antropologia da Educaccedilatildeo notadamente Stela Caputo (2012) e Rachel Rua Baptista
Bakke (2011) entre outros tenta expressar justamente o esforccedilo por problematizar os pontos
de vista de atores sociais que protagonizam as relaccedilotildees entre escola e comunidade em uma
conjuntura histoacuterico-social especiacutefica o que permite situar o foco da presente pesquisa sobre
as interfaces cruzamentos de espaccedilos e co-representaccedilotildees identitaacuterias resultantes de certo
estaacutegio de relaccedilotildees e incompreensotildees entre esses dois universos
I - Referenciais de anaacutelise- Antropologia e Educaccedilatildeo repensando a diferenccedila no espaccedilo
escolar
Dentro da perspectiva analiacutetica adotada neste estudo os principais referenciais pa-
ra discussatildeo sobre como a alteridade tem sido experienciada dentro da escola estatildeo baseados
nos trabalhos situados na fronteira entre Educaccedilatildeo e Antropologia Poreacutem eacute vaacutelido ressaltar
desde jaacute que natildeo se trata aqui exatamente de adentrar nas disputas de fronteiras entre essas
aacutereas mas de tentar situar-se dentro de um conjunto de um campo ainda bastante incipiente e
em processo de consolidaccedilatildeo (GUSMAtildeO 2009)
Eacute nesse sentido que vale agrave pena retomar alguns apontamentos de Amurabi Olivei-
ra (2017) a respeito das interfaces entre Antropologia e Educaccedilatildeo no Brasil O ponto de parti-
da do autor eacute a constataccedilatildeo de que embora se trate de um campo de pesquisas em processo de
consolidaccedilatildeo a introduccedilatildeo da antropologia nas praacuteticas pedagoacutegicas aleacutem de natildeo ser recente
tende a se tornar cada vez mais complexa com o passar do tempo Assim seja atraveacutes da in-
serccedilatildeo da disciplina de Introduccedilatildeo agrave Antropologia Pedagoacutegica no curriacuteculo de escolas nor-
mais antes mesmo da criaccedilatildeo dos primeiros cursos de Ciecircncias Sociais no Brasil seja pela
20
intervenccedilatildeo de antropoacutelogos reconhecidos na formulaccedilatildeo de poliacuteticas educacionais no Brasil ndash
a exemplo de Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro que participaram ativamente do Centro Brasi-
leiro de Pesquisas Educacionais - (CBPE) o que importa reter eacute que as interfaces entre Educa-
ccedilatildeo e Antropologia natildeo constituem aqui um fenocircmeno ineacutedito (OLIVEIRA 2017)
Contudo como explicita o mesmo autor aleacutem do processo de consolidaccedilatildeo insti-
tucional dessas duas aacutereas no Brasil ter reforccedilado o isolamento de ambas a partir da deacutecada de
1970 no caso especiacutefico da Antropologia parece pesar ldquoo fato de que as populaccedilotildees que pre-
dominantemente foram objeto de reflexatildeo por parte dessa ciecircncia soacute paulatinamente tiveram
amplo acesso ao sistema educacional formalrdquo (OLIVEIRA 2017) Dessa forma como des-
creve Neusa Gusmatildeo (2009) o caso eacute que se os estudos antropoloacutegicos sobre a educaccedilatildeo
ganham forccedila a participaccedilatildeo de antropoacutelogos em projetos educacionais e poliacuteticas educativas
tem sido uma constante no Brasil
Em certa medida isso ajuda a explicar o porquecirc da questatildeo da diferenccedila da cultu-
ra e das desigualdades vir sendo inserida na pauta do dia das poliacuteticas nacionais de educaccedilatildeo e
das poliacuteticas de diversidade ndash Leis 1063903 e 1164508 4e das accedilotildees afirmativas no ensino
superior produzindo impactos e novos desafios no espaccedilo escolar brasileiro
Seja como for o que importa destacar com isso eacute que na medida em que essas po-
liacuteticas educacionais colocam como foco central a questatildeo da relaccedilatildeo com a diferenccedila e a ques-
tatildeo da alteridade toca-se diretamente em princiacutepios antropoloacutegicos importantes e necessaacuterios
para uma atitude humanista e problematizadora do espaccedilo escolar Como parte das Ciecircncias
Humanas a Educaccedilatildeo e a Antropologia encontram no estudo do homem em suas diferentes
nuances costumes crenccedilas e haacutebitos a chave para desnaturalizar as visotildees etnocecircntricas para
enfatizar o relativismo a valorizaccedilatildeo da diversidade questotildees essas cada vez mais importan-
tes em nosso tempo e realidade Essa constitui uma das principais contribuiccedilotildees da Antropo-
logia concebida aqui nas palavras de Siqueira (2007) como
O estudo do homem buscando um enfoque totalizador que integre os aspec-
tos culturais e bioloacutegicos no presente e no passado focalizando as relaccedilotildees entre o homem e o meio entre o homem e a cultura e entre o homem com o
homem (SIQUEIRA 2007 p 17)
4 Lei 116452008 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Indiacutegena alterada pela
Lei nordm 9394 de 20 de dezembro de 1996 modificada pela Lei nordm 10639 de 9 de janeiro de 2003 que estabelece
as diretrizes e bases da educaccedilatildeo nacional para incluir no curriacuteculo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da
temaacutetica (DE PAULO 2015 p 69)
21
Portanto a Antropologia estuda a diversidade cultural dos povos entrelaccedilando os as-
pectos que contribuiacuteram para a formaccedilatildeo das sociedades como ciecircncia preocupa-se com a
questatildeo das diferenccedilas e busca propor formas de intervenccedilatildeo sobre a realidade papel a que se
dirige qualquer conhecimento produzido a partir das relaccedilotildees entre os homens e o mundo so-
cial criado por eles Neste mundo social a que o autor faz inferecircncia satildeo fartamente observa-
dos os elementos que compotildee as culturas de cada sociedade bem como seus elementos cons-
tituintes
Neste sentido como cultura podemos entender todo tipo de manifestaccedilatildeo social mo-
dos haacutebitos comportamentos rituais crenccedilas mitos e outros aspectos sendo portanto fon-
tes de pesquisa para os estudiosos da antropologia Neste aspecto esta ciecircncia carrega em seu
repertoacuterio conceitual o encadeamento das accedilotildees que envolvem o comportamento humano
bem como sua maneira de desenvolvimento peculiar para a realizaccedilatildeo de atividades que en-
volvam o entendimento das massas em estudos auxiliando em eminentes intervenccedilotildees que
implicam numa compreensatildeo mais proacutexima da realidade bem como os apontamentos de vari-
aacuteveis Para isto
A antropologia como ciecircncia preocupa-se com a questatildeo das diferenccedilas e
busca propor formas de intervenccedilatildeo sobre a realidade papel a que se dirige
qualquer conhecimento produzido a partir das relaccedilotildees entre os homens e o
mundo social criado por eles (GUSMAtildeO 2009 p 54)
Dessa perspectiva a educaccedilatildeo eacute tomada aqui como uma praacutetica reflexiva que se enri-
quece pelas intersecccedilotildees com outras aacutereas do saber no caso a Antropologia Isto eacute se esti-
vermos em condiccedilotildees de entender que a educaccedilatildeo em seu sentido amplo de processo de inte-
graccedilatildeo dos indiviacuteduos agrave sociedade encontra-se no cerne do processo de transmissatildeo das he-
ranccedilas sociais e culturais entre as geraccedilotildees Em suma a educaccedilatildeo particularmente em suas
formas mais institucionais e formalizadas exerce papel central no processo de aprendizado do
ser social
Sobre a questatildeo da diferenccedila eacute vaacutelido ressaltar que as sociedades sobretudo as con-
temporacircneas satildeo compostas por diferentes grupos humanos que deteacutem interesses contrapos-
tos e identidades culturais em conflito Frente a esse quadro a Antropologia tem muito a con-
tribuir visto que oferece aberturas para pensar a relaccedilatildeo com a alteridade e a diferenccedila dado
que o proacuteprio espaccedilo escolar se encontra perpassado pela heterogeneidade Eacute precisamente
nesse sentido que vale acompanhar algumas consideraccedilotildees de Irene Aparecida Aacutevila (2010)
Nilma Lino Gomes (2012) e Vera Maria Ferratildeo Candau (2012) a respeito das dinacircmicas cul-
turais que atravessam e permeiam o espaccedilo escolar
22
Segundo Irene Aacutevila (2010) eacute crucial repensar como a composiccedilatildeo social heterogecircnea
na sociedade brasileira se apresenta no espaccedilo escolar entendido como meio necessaacuterio para
trabalhar o direito agrave diferenccedila e agraves competecircncias ciacutevicas de respeito agrave pluralidade de ideias e
culturas
Reconhecer a diferenccedila que existe nos indiviacuteduos e nos grupos passa a ser percebida como direitos correlatos pois a convivecircncia em uma sociedade
democraacutetica depende da aceitaccedilatildeo da ideia de compormos uma totalidade
social heterogecircnea na qual natildeo deve ocorrer a exclusatildeo (AacuteVILA 2010 p
36)
Ao discutir sobre a heterogeneidade social e seus contrapontos a autora parte do pres-
suposto que a formaccedilatildeo brasileira eacute majoritariamente composta por diferentes matrizes eacutetnicas
(o iacutendio nativo o negro escravizado e o branco colonizador) que ao longo da Histoacuteria do Bra-
sil sempre estiveram em disputas pela manutenccedilatildeo de suas raiacutezes simboacutelicas Disputa essa
marcada por relaccedilotildees de poder Ocorre que demorou muito tempo para que surgissem propos-
tas e reformas poliacutetico-educacionais que afirmassem o discurso multiculturalista nos estabele-
cimentos de ensino (OLIVEIRA 2010) Bandeira poliacutetica recente ateacute entatildeo a heterogeneida-
de do social era negligenciada no curriacuteculo (GOMES 2012) produzindo uma escola pura-
mente eurocecircntrica segregacionista e recrudescedora das desigualdades sociais isto eacute ldquocrian-
do um ambiente onde as diferenccedilas natildeo satildeo privilegiadasrdquo (AacuteVILA 2010 p 40)
Neste sentido cabe agrave escola fazer o aluno compreender que ldquoa realidade social natildeo eacute
uma coisa dada e acabadardquo (BRANDAtildeO 1993 p 23) e que o respeito agrave diferenccedila constitui
parte importante de reforccedilo de uma moral e ciacutevica que garanta igualdade e liberdade a todos
Aqui ao tecermos essas consideraccedilotildees assumimos inevitavelmente uma posiccedilatildeo poliacutetica
Aliaacutes ldquoNo tocante a isto vale lembrar acerca da noccedilatildeo de cultura que sempre foi e eacute portan-
to uma noccedilatildeo que se define eminentemente como poliacuteticardquo (GUSMAtildeO 2009 p 53)
Para Nilma Lino Gomes por outro lado para equacionar a ausecircncia de um debate efe-
tivo sobre a diferenccedila e que reafirme a autoestima e as identidades dos diferentes atores no
espaccedilo escolar deve-se problematizar o proacuteprio sentido e finalidade da educaccedilatildeo Como asse-
vera na praacutetica natildeo se educa para alguma coisa educa-se porque a educaccedilatildeo eacute um direito e
como tal deve ser garantido de forma igualitaacuteria equacircnime e justa (GOMES 2012 p01)
Trata-se de uma perspectiva semelhante agravequela defendida por Vera Maria Candau para quem
[] a educaccedilatildeo escolar natildeo pode ser reduzida a um produto que se negocia na loacutegi-ca do mercado nem ter como referecircncia quase que exclusivamente a aquisiccedilatildeo de
determinados ldquoconteuacutedosrdquo por mais socialmente reconhecidos que sejam Deve ter
como horizonte a construccedilatildeo de uma cidadania participativa a formaccedilatildeo de sujeitos
23
de direito o desenvolvimento da vocaccedilatildeo humana de todas as pessoas nela impli-
cadas (CANDAU 2012 p721)
Agrave vista disso a perspectiva antropoloacutegica em que se inspira a presente pesquisa con-
tribui natildeo somente para compreender o espaccedilo escolar a partir de uma abordagem mais mi-
croscoacutepica como tambeacutem constitui ferramenta importante para trabalhar competecircncias para
uma vida ciacutevica responsaacutevel O qual exige que o trabalho com o relativismo cultural que eacute
intriacutenseco agrave aacuterea seja exercitado na maneira como abordamos as culturas os costumes e ex-
periecircncias dos diferentes grupos dentro do espaccedilo escolar Foi precisamente essa concepccedilatildeo
de fundo qual seja a de que a escola deve apostar no trabalho com as diferentes manifestaccedilotildees
culturais com a histoacuteria local que esteve no ponto de partida das intervenccedilotildees pedagoacutegicas
que realizamos
II- Formas escolares hegemocircnicas e culturas escolares especiacuteficas
A discussatildeo sobre a cultura escolar natildeo constitui exclusividade da Antropologia Nesse
sentido com a finalidade de produzir aportes para o nosso proacuteprio trabalho de pesquisa pro-
curamos explorar dentro do campo historiograacutefico as pesquisas e propostas de observaccedilatildeo que
mais se ajustassem ao objetivo principal do trabalho qual seja o de problematizar as relaccedilotildees
entre escola e terreiros a partir da maneira como lidam com a histoacuteria cultura e religiosidade
afro-brasileiras Foi dessa forma que chegamos a um conjunto teoacuterico que reuacutene trabalhos que
tomam as noccedilotildees de forma escolar e de cultura escolar como categorias de interpretaccedilatildeo Des-
taca-se aqui em particular os trabalhos de Dominique Julia (2001) Antonio Vinao Frago
(1995) Andreacute Chervel (1990) Vincent Lahire amp Thin (2001) Faria Filho (2000 2004) etc
Pode-se comeccedilar entatildeo pela noccedilatildeo de forma escolar (VINCENT LAHIRE amp THIN
2001) que designa agrave existecircncia em uma dada conjuntura histoacuterica de uma configuraccedilatildeo social
de conjunto que se encontra particularmente ligada a reproduccedilatildeo das relaccedilotildees de poder no
espaccedilo social mais amplo A forma escolar natildeo se confunde com a instituiccedilatildeo escolar e suas
diferentes culturas muito embora ela seja ldquotransversal em relaccedilatildeo agraves diversas instituiccedilotildees e
grupos sociaisrdquo (VINCENT LAHIRE amp THIN 2001 p 46) Como visto nossa forma esco-
lar eacute claramente marcada pela histoacuteria de sua constituiccedilatildeo no mundo ocidental pela maneira
com que produz conhecimentos e disciplina os corpos e os saberes e valores culturais que
consagra O que entra em pauta aqui eacute um modo de relaccedilatildeo com o saber e poder inscrito no
funcionamento estrutural da educaccedilatildeo escolarizada e que retraduz uma visatildeo da sociedade de
maneira hierarquizada desigual e o que nos toca mais particularmente racializada Isto que
24
talvez exija considerarmos que a modificaccedilatildeo da forma com que a escola lida com a diferenccedila
e as culturas dependam natildeo somente de modificaccedilotildees toacutepicas em seu curriacuteculo da disponibi-
lidade de materiais para trabalhar conteuacutedos diversificados ou tatildeo somente do aprimoramento
da formaccedilatildeo dos seus profissionais Eacute provaacutevel que necessitemos de uma revisatildeo mais pro-
funda capaz de acompanhar a pluralidade das formas de compreensatildeo do mundo e as episte-
mologias diversas que foram silenciadas ao longo da histoacuteria
Eacute nessa perspectiva que vale a pena pensar na noccedilatildeo de cultura escolar como objeto de
anaacutelise histoacuterica particularmente porque lida com a possibilidade de constituir uma perspec-
tiva teoacuterico-metodoloacutegica atenta agraves diferentes manifestaccedilotildees das praacuteticas instauradas no inte-
rior das escolas transitando de alunos a professores de normas agraves teorias Ora uma vez cons-
tatada a existecircncia de formas escolares tradicionais e hegemocircnicas que perpassam a maneira
como o saber formalizado eacute transmitido em nossas instituiccedilotildees de ensino natildeo podemos dedu-
zir daiacute que todas as instituiccedilotildees atuam da mesma forma negando toda contribuiccedilatildeo e todas as
modificaccedilotildees microscoacutepicas realizadas pelos sujeitos que vatildeo modificando paulatinamente o
sistema como um todo Nesse sentido talvez fosse mais coerente considerar com Vrao Frago
(2001) a existecircncia de culturas escolares como nos diz
Sin embargo desde uma perspectiva histoacuterica parece maacutes fructiacutefero e inte-ressante hablar em plural de culturas escolares () No hay escuelas coleacute-
gios institutos de ensentildeanza secundaacuteria universidades o faculdades exacta-
mente iguales aunque puedan establecerse similitudes entre ellas Las dife-
rencias crecen cuando comparamos las culturas de instituciones que perte-nencen a distintos niveles educativos (FRAGO 2001 p 33)
Eacute importante ressaltar no entanto que a atenccedilatildeo agraves singularidades e a ampliaccedilatildeo do
campo da histoacuteria das instituiccedilotildees escolares o que limitaria a operacionalidade da tentativa de
abarcar de maneira generalista as formas de escolarizaccedilatildeo de um dado periacuteodo natildeo se tradu-
ziria pela tentativa de conferir agrave escola um grau de autonomia absoluta que lhe conferisse a
capacidade de formular uma cultura distinta da cultura vigente na qual estaria inserida Tam-
pouco se trataria de mascarar as caracteriacutesticas distintivas da cultura de uma sociedade consi-
derada em seu conjunto como poderia ser acusada Entenda-se portanto que a maneira como
ela eacute invocada nesta dissertaccedilatildeo indica que nas palavras de Antocircnio Candido (CANDIDO
apud SILVA 2006 p 210) ldquo[] a proacutepria vida interna da escola [] reelabora segundo a
sua dinacircmica interna as normas valores praacuteticas comunitaacuterias dando-lhes uma coloraccedilatildeo
nova mas nem por isso alheia ao encadeamento geral da sociedaderdquo
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Destarte estudar a cultura escolar remete portanto a tentativa de focalizar os proces-
sos e produtos das praacuteticas escolares isto eacute praacuteticas que permitem a transmissatildeo de conheci-
mentos e a imposiccedilatildeo de condutas circunscritas agrave escola Como assinala Dominique Julia
[] poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar e um conjunto de
praacuteticas que permitem a transmissatildeo desses conhecimentos e a incorporaccedilatildeo
desses comportamentos normas e praacuteticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as eacutepocas (finalidades religiosas sociopoliacuteticas ou
simplesmente de socializaccedilatildeo) (JULIA 2001 p10)
Nessa esteira a cultura escolar define conhecimentos e praacuteticas que podem mudar de
acordo com os contextos soacutecio-poliacuteticos A autora aponta ainda que os debates sobre o funci-
onamento real das finalidades atribuiacutedas agrave escola podem ser mais bem captados justamente
nos momentos de crises e conflitos ou seja em conjunturas instaacuteveis que deixam em relevo
as disputas representacionais em torno do papel funccedilatildeo e significado social da escola Por traacutes
dessa noccedilatildeo na realidade encontra-se todo um programa de investigaccedilatildeo que serviu de inspi-
raccedilatildeo para muitas das questotildees que nos fizemos na presente pesquisa a saber Quais os pro-
gramas normas e regras que circunscrevem ao mesmo tempo em que habilitam a atuaccedilatildeo e
produccedilatildeo de conhecimentos em sala de aula Como isso se realiza em um contexto histoacuterico
preciso Quais os padrotildees de interaccedilatildeo observados e as percepccedilotildees subjetivas dos seus atores
Eacute possiacutevel divisar por essa breve descriccedilatildeo dos conceitos acima como eles se ajustam
ao nosso tema de investigaccedilatildeo Primeiramente porque exigem repensar as proacuteprias bases de
nossa representaccedilatildeo a respeito da histoacuteria das sociedades e da nossa proacutepria histoacuteria sobre os
quais se assenta a produccedilatildeo do saber em sala de aula Aleacutem disso exige a coragem de pensar
questotildees que vem sendo cada vez mais problematizadas no espaccedilo puacuteblico como o lugar da
histoacuteria cultura e religiosidade afro-brasileira em um momento de franco ataque a essas ini-
ciativas Da mesma forma essas noccedilotildees nos levam a considerar que cada unidade de observa-
ccedilatildeo cada instituiccedilatildeo cada cultura escolar tem suas especificidades e peculiaridades e que essa
preocupaccedilatildeo diagnoacutestica mais geral necessita ser divisada a partir de uma discussatildeo mais lo-
cal particularizada Por fim eacute preciso conversar com os diferentes atores implicados para
apreender as histoacuterias memoacuterias e percepccedilotildees produzidas sobre si sobre os outros e sobre
esses temas No ponto de partida disso tudo se deixa antever um esforccedilo natildeo apenas intelectu-
al de descriccedilatildeo e diagnoacutestico da realidade mas tambeacutem a tentativa de constituir condiccedilotildees
para uma intervenccedilatildeo poliacutetica pedagoacutegica orientada pelos desafios locais
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III- Encaminhamentos da pesquisa escolha temaacutetica e a posiccedilatildeo do pesquisador
Com efeito uma raacutepida pesquisa na internet permite constatar um significativo aumen-
to de interesse entre profissionais de diversos campos a respeito das condiccedilotildees de implemen-
taccedilatildeo do estudo da Histoacuteria e Cultura e Afro-brasileira e africana a partir da Lei Federal
106392003 Em nosso caso a opccedilatildeo por uma abordagem que destoa da tendecircncia esmaga-
dora nos recentes trabalhos de optar apenas pelo estudo das representaccedilotildees de professores e
alunos sobre as religiotildees afro-brasileiras condiccedilotildees de formaccedilatildeo entre outros para integrar agrave
anaacutelise as percepccedilotildees subjetivas de lideranccedilas de terreiros sobre si sua histoacuteria e de como a
escola se relaciona com as religiotildees de matriz africana (BAKKE 2011) decorre da aposta de
que pela via da problematizaccedilatildeo dessas percepccedilotildees muacutetuas poderiacuteamos avanccedilar tanto na supe-
raccedilatildeo dos preconceitos e formas de estigmatizaccedilatildeo ainda persistentes no espaccedilo escolar quan-
to colocar em diaacutelogo atores tatildeo proacuteximos geograacutefica e simbolicamente mas ao mesmo tempo
tatildeo distantes em niacutevel de conhecimento e reconhecimento
As razotildees para a escolha da temaacutetica satildeo muitas Do ponto de vista pessoal minha li-
gaccedilatildeo com religiatildeo de matriz africana se deu inicialmente pela convivecircncia muito cedo no
bairro onde durante muitos anos minha matildee foi assistente de duas conhecidas casas de cultos
afros Terreiro de Filomena e Vicentinho (um localizado no Bairro de Faacutetima e outro no Bair-
ro de Armazeacutem) Naquela ocasiatildeo por conta de problemas espirituais ela teve que pagar
promessas como forma de retribuir as graccedilas recebida dos santos das referidas casas Mais
tarde passei a frequentar toques aos voduns em vaacuterias casas de Cururupu o que aos poucos foi
me chamando atenccedilatildeo da maneira como externavam sua feacute e mais ainda como desenvolviam
sua dedicaccedilatildeo aos santos Com as constantes visitas e o interesse em me aprofundar nos fun-
damentos tornei-me em pouco tempo Assissi5 uma espeacutecie de ajudante nas tarefas que vari-
avam entre rezas ornamentos organizaccedilatildeo das festas Paralelamente data desse mesmo periacute-
odo minha inserccedilatildeo no grupo de jovens e mais tarde no movimento negro Na sequecircncia em
1994 o Bloco Afro Omniraacute6 inicia suas atividades na regiatildeo e logo em 1995 desenvolve
como tema Matildee Isabel quilombola de Zumbi A escolha temaacutetica se vinculava agraves comemo-
raccedilotildees a Zumbi e por ter sido Isabel Mineira7 (FERRETI M 2015 168) a primeira pessoa a
5 Nos cultos de Tambor de Mina os Assissis satildeo uma espeacutecie de assistente da casa colaboradores (FERRETI
1996 p) 6 Bloco Afro Omniraacute que em liacutengua yorubaacute significa liberdade organizado pelo grupo que leva o mesmo nome
fundado em 26 de outubro de 1995 O grupo desenvolve atividades de sensibilizaccedilatildeo a populaccedilatildeo negra do Curu-
rupu 7 Isabel Pinto da Silva- Isabel Mineira como era mais conhecida nasceu em novembro de 1903 faleceu aos 90
anos foi a primeira pessoa a abrir um terreiro de Mina em Cururupu era devota de Santa Rosa de Lima e reali-
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abrir um terreiro de Mina em Cururupu A partir de entatildeo sempre busquei aprofundar a com-
preensatildeo sobre os cultos de religiatildeo afro-brasileiros
Com relaccedilatildeo ao recorte empiacuterico este se justifica em funccedilatildeo de minha proacutepria experi-
ecircncia profissional na escola selecionada Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda oportuni-
dade na qual pude perceber a inexistecircncia das religiotildees afro-brasileiras no curriacuteculo escolar a
despeito da jaacute referida lei de ensino de histoacuteria e cultura africana e afro-brasileira e ateacute mesmo
das manifestaccedilotildees ocasionais desse legado no calendaacuterio escolar Talvez por exercer papel de
proeminecircncia na escola na condiccedilatildeo de Diretor-adjunto do C E Joatildeo Marques Miranda co-
mecei a perceber como reagiam alunos e professores quando se tratava de temas sobre religi-
otildees afro-brasileira e como se calavam diante de atitudes oriundas de sujeitos que seguiam
outros dogmas e como professores praticantes se escondiam atraacutes de discursos de negaccedilatildeo
por conta do curriacuteculo
Seria necessaacuterio reconhecer nesse sentido que o ponto de partida da pesquisa tambeacutem
assumiu uma dimensatildeo propriamente poliacutetica afinal dado que se trata de um contexto perifeacute-
rico de um bairro estigmatizado onde estaacute concentrada a maior quantidade de terreiros do
municiacutepio de Cururupu porque a escola natildeo abordava temas que seriam centrais agrave dinacircmica
comunitaacuteria E isso se mostrava ainda mais importante para mim devido ao fato observado
por Seacutergio Ferreti (1996) de que entre todos os municiacutepios do Brasil Cururupu se destaca por
cultuar os orixaacutes com os traccedilos de originalidade trazidos da Aacutefrica
Paralelamente a essas preocupaccedilotildees e na tentativa mesmo de instrumentalizar-me a
respeito do tema (as carecircncias formativas dos docentes e de acesso a materiais concernentes agrave
histoacuteria da Aacutefrica e da cultura afro-brasileira jaacute foram sobejamente expressos em diversos
trabalhos) fui percebendo a importacircncia de aprofundar minha compreensatildeo sobre diversos
aspectos a saber primeiramente a respeito dos aportes que a Antropologia e a Histoacuteria po-
dem trazer agrave aacuterea da educaccedilatildeo na medida em que essa relaccedilatildeo interdisciplinar tende a favore-
cer a constituiccedilatildeo de uma abordagem que coloque como central a maneira como escola trata a
questatildeo da diferenccedila cultural e da desigualdade social a partir de agentes histoacutericos sociais
especiacuteficos como jaacute mencionados em segundo lugar a necessidade de resgatar parte do esta-
do das discussotildees sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Brasil explorando as implicaccedilotildees e poten-
zava no mecircs de agosto uma festa em sua homenagem com trecircs noites de tambor Naquela festa recebia com
grande orgulho Rosinha filha caccedilula de Rainha Rosa e da famiacutelia de Leacutegua Bogi (FERRETI M 2015 168)
Seu barracatildeo era em forma de navio tambeacutem foi parteira e realizou 6003 partos foi tambeacutem uma grande foliatilde
do carnaval tinha um bloco chamado Baralho
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cialidades decorrentes das alteraccedilotildees no curriacuteculo hegemocircnico a partir da publicaccedilatildeo da lei
1063903
A esses fatores mais epistemoloacutegicos por assim dizer fui despertando tambeacutem inte-
resse por assumir um ponto de vista mais compreensivo a respeito do universo relacional sob
anaacutelise com a finalidade de dar voz agraves diferentes categorias de atores envolvidos profissionais
da educaccedilatildeo lideranccedilas de terreiros lideranccedilas comunitaacuterias estudantes Com essa perspect i-
va em mente adentrei no ambiente da escola de iniacutecio com observaccedilotildees do cotidiano esco-
lar sobretudo a eacutepoca dos festejos Conversei com professores sobre a temaacutetica aproveitando
para explanar a respeito das intenccedilotildees do projeto Nessa troca de experiecircncias identifiquei a
existecircncia de muitos receios hesitaccedilotildees e ateacute mesmo de resistecircncia com relaccedilatildeo ao tema da
histoacuteria cultura e religiosidade afro em sala de aula
A despeito da extensatildeo do universo empiacuterico e das dificuldades operacionais para tra-
tamento das informaccedilotildees a pesquisa foi realizada com base na combinaccedilatildeo de diferentes es-
trateacutegias metodoloacutegicas Grosso modo trata-se de tentar harmonizar a utilizaccedilatildeo de aborda-
gens quantitativas e qualitativas com base na aplicaccedilatildeo de questionaacuterios de administraccedilatildeo
direta para os alunos da Escola Joatildeo Marques Miranda a realizaccedilatildeo de entrevistas temaacuteticas
com (ex) gestores (ex) professores e (ex) alunos que frequentam terreiros da regiatildeo e realiza-
ccedilatildeo de entrevistas em profundidade com lideranccedilas religiosas de terreiros situados no bairro
Satildeo Benedito e arredores da localidade a fim de recompor suas visotildees de mundo e histoacuterias de
vida Soma-se a isso a observaccedilatildeo e descriccedilatildeo dos debates e reaccedilotildees individuais e coletivas
frente agrave realizaccedilatildeo de oficinas Diligencia-se nesse uacuteltimo caso de explorar esses olhares a
fim de apreender as diferentes temporalidades em accedilatildeo agrave histoacuteria da constituiccedilatildeo da comuni-
dade e permanecircncias inscritas na proacutepria loacutegica de funcionamento da cultura escolar (a sensa-
ccedilatildeo que se tem eacute sempre de um avanccedilo muito precaacuterio nesse plano)
IV - Estrutura do trabalho
Ante o exposto o texto que segue apresenta a seguinte estrutura no primeiro A
cultura Afro-brasileira nos bancos escolares diversidade diferenccedila e Cultura Escolar pro-
blematizaratildeo as relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e diversidade no Brasil de uma perspectiva de meacutedia
duraccedilatildeo explorando com maior ecircnfase a diversidade de atores movimentos e accedilotildees puacuteblicas
que favoreceram a rediscussatildeo sobre o lugar na cultura afro-brasileira nos bancos escolares
No capiacutetulo seguinte Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais lutas movimentos e reformas poliacuteticas educa-
cionais haveraacute uma caracterizaccedilatildeo da legislaccedilatildeo concernente ao tema
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Adiante no terceiro capiacutetulo Da escola para os terreiros normas experiecircncias e
percepccedilotildees sobre as religiotildees afro-brasileiras caracteriza-se o estabelecimento escolar seleci-
onado como unidade empiacuterica e as percepccedilotildees de profissionais da educaccedilatildeo e estudantes sobre
as religiotildees de matriz africana No quarto capiacutetulo Da comunidade para a escola histoacuterias
percepccedilotildees e experiecircncias de um diaacutelogo possiacutevel voltam-se aos olhares histoacuterias e memoacuterias
a respeito do bairro e da escola destacando as histoacuterias dos terreiros como espaccedilo de memoacute-
ria ao passo em que exploramos a histoacuteria de vida de atores que vivem concretamente na
fronteira dessa relaccedilatildeo com o espaccedilo escolar mas de uma posiccedilatildeo mais externa Tambeacutem ha-
veraacute apresentaccedilatildeo de algumas das oficinas que realizamos a fim de extrair conclusotildees a res-
peito da distacircncia estranheza e do desconhecimento entre essas duas esferas de vida O foco
neste caso seraacute o de explorar as vantagens heuriacutesticas de uma aproximaccedilatildeo pedagogicamente
planejada cujo cerne seria voltado para o cultivo de valores e competecircncias essenciais para
reforccedilo das redes de solidariedade no contexto em pauta E por fim satildeo apresentadas as con-
clusotildees e referecircncias do trabalho
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CAPIacuteTULO 1 - A CULTURA AFRO-BRASILEIRA NOS BANCOS ESCOLARES
diversidade diferenccedila e Cultura Escolar
Deus abenccediloe a Aacutefrica
Deus abenccediloe a Aacutefrica
Que suas gloacuterias sejam exaltadas Ouccedila nossas preces
Deus nos abenccediloe porque somos seus filhos
Deus cuide de nossa naccedilatildeo
Acabe com nossos conflitos Nos proteja e proteja nossa naccedilatildeo
(Hino da Aacutefrica do Sul)
O objetivo principal desse capiacutetulo eacute problematizar como o tema da diversidade e
da diferenccedila vem sendo tratado no Brasil com ecircnfase sobre os debates iniciativas e movi-
mentos que recolocaram a questatildeo da Educaccedilatildeo para as relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais no centro da
agenda das discussotildees sobre as dimensotildees poliacuteticas do curriacuteculo e dos padrotildees de interaccedilatildeo no
espaccedilo escolar contemporaneamente Antes no entanto tecemos algumas consideraccedilotildees a
respeito do lugar e importacircncia da histoacuteria da Aacutefrica na histoacuteria da humanidade e de como ela
foi condenada e representada a ponto de se rogar benccedilotildees gloacuterias reconhecimento paz e
proteccedilatildeo como mostra a epiacutegrafe que abre este capiacutetulo Para tanto o texto se baseia funda-
mentalmente na bibliografia a respeito e seu ponto de partida se situa no interesse pedagoacutegico
de dar a conhecer ao leitor em que condiccedilotildees essa luta se transmuta em poliacuteticas educacionais
notadamente a partir da deacutecada de 1990
11 A contribuiccedilatildeo da Histoacuteria da Aacutefrica para a humanidade
Antes de explorarmos de que maneira paulatinamente o tema da educaccedilatildeo para as re-
laccedilotildees eacutetnico-raciais e da inclusatildeo da Histoacuteria Cultura e Religiosidade Africana e Afro-
brasileira foi entrando em pauta no Brasil valeria agrave pena tecer algumas consideraccedilotildees sobre
os desafios epistemoloacutegicos e praacuteticos que temos ao propor uma intervenccedilatildeo pedagoacutegica co-
mo a que estamos construindo Epistemoloacutegico por um lado pois como boa parte da biblio-
grafia pertinente sobre o tema jaacute evidenciou a Histoacuteria da Aacutefrica foi silenciada pela perspec-
tiva hegemocircnica da visatildeo etnocecircntrica produzida pelo ocidente Poreacutem nessa batalha aacuterdua
natildeo basta apenas exercer a capacidade criacutetica posto que devemos tambeacutem explicitar de que
maneira o continente seus povos e culturas influenciaram decisivamente outros povos con-
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formaram nossas identidades e promoveram a circulaccedilatildeo de saberes e percepccedilotildees de mundo
Trata-se de demonstrar como sua histoacuteria eacute parte da nossa a traveacutes de exemplos concretos
retirados do acircmago do esforccedilo criacutetico empreendido por intelectuais e historiadores dentro e
fora da Aacutefrica As consideraccedilotildees que seguem atendem a esse duplo objetivo
Pode-se comeccedilar pela tese fundamental do livro de Edward Said (2007) Orientalismo
a respeito de como o Ocidente inventou o Oriente como um misto indistinto de naccedilotildees hete-
rogecircneas rotuladas sob o signo do exotismo e inferioridade Dissipada por uma seacuterie de pro-
duccedilotildees artiacutesticas filosoacuteficas literaacuterias e ateacute mesmo cientiacuteficas essas representaccedilotildees imageacuteti-
cas sobre os designados orientais constituiu um poderoso discurso voltado precisamente para
os povos outrora colonizados garantindo primazia superioridade e normalidade ao homem
europeu ldquocivilizadordquo por oposiccedilatildeo aos outros Essa visatildeo criacutetica sobre o eurocentrismo eacute par-
ticularmente convergente com as criacuteticas realizadas por Jack Goody (2008) que rotula a rela-
ccedilatildeo entre a Europa e as outras naccedilotildees sob o signo do Roubo da Histoacuteria Roubo ou mesmo
apropriaccedilatildeo que tinha como finalidade demarcar uma suposta excepcionalidade do Ocidente
quanto agrave criaccedilatildeo de valores (igualdade democracia liberdade) instituiccedilotildees (universidades) e
sentimentos (amor individualismo) que nunca foram especificidades suas Quer dizer a im-
posiccedilatildeo de uma narrativa histoacuterica formulada a partir do ponto de vista europeu obliterou a
real histoacuteria do mundo na medida em que impuseram conceitos cronologia e silecircncios sobre
as contribuiccedilotildees de outras culturas para projetar a superioridade ocidental
Por esse vieacutes tais reflexotildees podem muito bem ser utilizadas para pensar como o olhar
europeu ao longo de seacuteculos produziu uma visatildeo distorcida sobre o negro e sobre a Aacutefrica
antes mesmo que o discurso racista se solidificasse no seacuteculo XIX Eacute o que demonstra o traba-
lho de Gislene Aparecida dos Santos (2002) que demonstrou como no imaginaacuterio europeu as
visotildees sobre o negro e a cor negra foram paulatinamente se deslocando do fasciacutenio ao repuacute-
dio
Satildeo fartos os exemplos de que o imaginaacuterio europeu da Idade Meacutedia ao Seacuteculo das
Luzes era repleto de visotildees sobre seres fantaacutesticos grotescos eou gigantes que povoariam as
terras mais longiacutenquas gerando ao mesmo tempo medo e fasciacutenio Embora jaacute houvesse a
ideia de que o branco seria superior ao negro e que a cor preta designasse uma marca do mal
ou um grande motivo de preocupaccedilatildeo ainda estava contida nessa percepccedilatildeo um misto de fas-
ciacutenio e medo O exotismo dos relatos de viajantes se deixa ainda permear pela admiraccedilatildeo da
diferenccedila e pela curiosidade daiacute por que eram descritos em diversos cronistas de maneira am-
biacutegua nunca inteiramente negativa Todavia esse estranhamento esse misto de fasciacutenio e
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repuacutedio se convertem em algo bem diferente quando a Aacutefrica se converteu em objeto de cobi-
ccedilas e fonte de imensas riquezas O racismo se apoiou portanto em estereoacutetipos e preconceitos
anteriores mas eacute filho direto do colonialismo moderno
Assim podemos dizer que ateacute o seacuteculo XIX havia em relaccedilatildeo aos povos da Aacutefrica um olhar exoacutetico (misto de fasciacutenio e de repulsa) e que foi exatamen-
te este olhar exoacutetico com tudo o que decorre dele que embora natildeo tenha
criado o racismo permitiu que o sentimento racista aflorasse A construccedilatildeo de um olhar exoacutetico sobre a Aacutefrica resvalou para o racismo no momento em
que se desejou retirar da populaccedilatildeo seu poder de participaccedilatildeo poliacutetica Natildeo eacute
agrave toa que o discurso racista surge no momento em que o continente africano aparece diante do olhar dos europeus como um territoacuterio de imensas riquezas
ainda preservadas ou em que nas colocircnias o processo de conquista da liber-
dade por parte dos ex-escravos seja efetivado (BARBOSA 2008 147)
Como demonstra Muryatan Barbosa (2008) esse olhar eurocecircntrico recorrente atra-
vessou diversas Filosofias da Histoacuteria englobando autores claacutessicos como Voltaire Vico He-
gel e Marx e inscreveu-se no proacuteprio nascedouro da historiografia moderna A concepccedilatildeo
evolucionista que realccedilava a excepcionalidade e superioridade europeia nos planos econocircmi-
co cultural religioso e racial permeou entatildeo as proacuteprias Ciecircncias Humanas e inscrevendo-se
como um dispositivo no acircmbito epistemoloacutegico Assim sendo o ponto de partida para a
emergecircncia de um conhecimento historiograacutefico sobre a Aacutefrica tem como primeira meta dar
uma resposta a esse discurso que silencia e oblitera a importacircncia africana
A mudanccedila nessa perspectiva comeccedilou a ocorrer somente entre os anos de 1950 e
1960 a reboque das lutas pela independecircncia que tiveram lugar nesses marcos (OLIVA
2003) Eacute a partir desse periacuteodo que comeccedila a haver uma revoluccedilatildeo nos estudos africanos no-
tadamente pelos investimentos de historiadores africanos Tratava-se em um primeiro mo-
mento de construir uma Histoacuteria que pudesse servir como instrumento de luta ideoloacutegica Eacute
dentro desse quadro que se pode compreender o empenho de historiadores como Cheijk Anta
Diop Djibril Tamsir Niane e Jean Vansina para recolocar empiacuterica e conceitualmente a His-
toacuteria Africana (BARBOSA 2008) Essa renovaccedilatildeo natildeo se deu somente no continente africa-
no vez que participou de uma reconstruccedilatildeo das proacuteprias ciecircncias humanas dos modelos his-
toriograacuteficos e dos interesses de pesquisa em diferentes naccedilotildees
Deste modo a renovaccedilatildeo dos estudos sobre Aacutefrica e o efeito propriamente descoloni-
zador da Histoacuteria suscitou a circulaccedilatildeo internacional de pesquisadores o incremento de redes
de pesquisa e a elaboraccedilatildeo de iniciativas de conjunto para reconstruccedilatildeo de uma histoacuteria afri-
cana de uma perspectiva mais estrutural Aleacutem das incontaacuteveis obras que surgem desde entatildeo
produzidas por intelectuais africanos ou estrangeiros destaca-se a produccedilatildeo de uma Histoacuteria
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Geral da Aacutefrica (HGA) promovida pela UNESCO e que hoje em dia estaacute disponiacutevel em diver-
sas liacutenguas
Trecircs motivos principais justificavam a criaccedilatildeo do projeto da HGA segundo
seus idealizadores Em primeiro lugar havia o perigo de que as fontes para a
histoacuteria da Aacutefrica se perdessem definitivamente tanto as fontes escritas quanto as orais Tal fato poderia ser revertido em parte com a coleta de fon-
tes e a organizaccedilatildeo dos arquivos em Aacutefrica os quais poderiam acomodar a
documentaccedilatildeo existente e aquela que ainda estava por investigar Mas isso
deveria ser feito rapidamente Em segundo lugar havia o desejo de que a HGA pudesse sintetizar o conhecimento sobre o continente ainda disperso e
mal distribuiacutedo no tempo e no espaccedilo Soacute assim se teria clareza das lacunas a
serem pesquisadas Por fim havia o desejo de que a HGA pudesse impulsio-nar uma escrita da histoacuteria que superasse os preconceitos colonialistas sobre
o continente contribuindo para mostrar as contribuiccedilotildees africanas para a ci-
vilizaccedilatildeo humana Algo visto como sumamente necessaacuterio agraves naccedilotildees africa-nas no periacuteodo poacutes-colonial que se instaurava em Aacutefrica (BARBOSA 2008
p 195)
Assim quando chegamos agrave deacutecada de 1980 e 1990 o que se deu foi agrave ampliaccedilatildeo desse
campo de estudos e sua consolidaccedilatildeo em niacutevel internacional Nesse processo surgiram novas
frentes de investigaccedilatildeo e jovens intelectuais tecircm explorado os canais abertos pelo adensamen-
to da produccedilatildeo intelectual nas redes de conexatildeo do Sul Global
[] um avanccedilo intelectual e institucional com a constituiccedilatildeo de novas aacutereas
de estudos historiograacuteficos africanos dentro e fora do continente Deste de-senvolvimento surgem novos especialistas na temaacutetica que se tornam figu-
ras influentes dentro do meio acadecircmico Isto tanto dentro da Aacutefrica como
B Barry A F Ajahi A Boahen B A Ogot V Mudimbe I A Akinjog-bin T Falola M Diouf E J Alagoa e outros quanto fora da Aacutefrica como
J Vansina J Thornton C Coquery-Vidrovitch P Lovejoy J Miller Y
Kopytoff A Costa e Silva K Asante M Bernal Carlos Lopes D Birmin-gham entre outros (SILVA 2010 p 35)
No Brasil natildeo foi diferente aonde vimos emergir diferentes centros de investigaccedilatildeo
desde a deacutecada de 1950 concentrando-se inicialmente em Satildeo Paulo Rio e principalmente
na Bahia Hoje em dia grupos de pesquisas centros e unidades acadecircmicas ampliaram-se con-
sideravelmente alimentando a produccedilatildeo de uma farta e crescente bibliografia sobre a Histoacuteria
Africana Afro-brasileira e ultrapassando em muito os domiacutenios disciplinares da Histoacuteria Eacute
justamente essa pulsante produccedilatildeo intelectual que estaacute na base do segundo movimento que
estamos tentando fazer em nosso trabalho qual seja o de apresentar uma visatildeo criacutetica mas ao
mesmo tempo equilibrada e justa sobre a Aacutefrica os africanos e a cultura afro-brasileira
Dessa maneira chegamos ao segundo eixo de argumentaccedilatildeo a respeito de como explo-
rar os aspectos positivos da contribuiccedilatildeo africana para a histoacuteria da humanidade A questatildeo de
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fundo pode ser colocada da seguinte maneira Para que serve a Histoacuteria da Aacutefrica Proposiccedilatildeo
essa que organizou um texto pequeno mas muito salutar da professora e doutora em Histoacuteria
Mocircnica Lima e Souza Vale agrave pena retomar alguns dos seus argumentos Obviamente como
em todo resto eacute somente pela compreensatildeo da maneira como foi escrita a histoacuteria o que re-
quer uma modificaccedilatildeo na forma como ela eacute ensinada nas escolas que se pode criar condiccedilotildees
para formulaccedilatildeo de uma perspectiva menos eurocecircntrica que decirc espaccedilo para outros atores
regiotildees povos e histoacuterias A bibliografia jaacute disponiacutevel nos apresenta no entanto alguns as-
pectos bastante sugestivos
A comeccedilar pelo dato de que as relaccedilotildees intensas com os Africanos e a Aacutefrica natildeo da-
tam dos primoacuterdios dos empreendimentos ultramarinos ocorridos no iniacutecio da era moderna
Mesmo tendo como marco o encadeamento cronoloacutegico que trabalhamos pode-se perceber
que desde a Antiguidade os africanos participam de intensas trocas comerciais de circulaccedilatildeo
de teacutecnicas e conhecimentos em torno do Mediterracircneo O fausto e a riqueza das sociedades
africanas foram protagonistas de grandes feitos na histoacuteria como o proacuteprio Egito que dura-
mente muito tempo foi concebido como branco Jaacute no iniacutecio do periacuteodo moderno o desloca-
mento forccedilado de grandes contingentes humanos atraveacutes dos navios negreiros e das novas
rotas atlacircnticas abertas fomentou a circulaccedilatildeo de pessoas mercadorias e ideias inscrevendo o
legado africano em diversos espaccedilos do globo Se a humanidade surgiu em Aacutefrica ela se refez
pelos contatos trocas e pelas resistecircncias lutas e rebeliotildees que protagonizaram em diferentes
regiotildees Como evidenciado na pesquisa de John Thornton (2004) a Aacutefrica exerceu papel cen-
tral no complexo intercontinental atlacircntico
Se ao longo do seacuteculo XX a regiatildeo foi atravessada por diversos conflitos decorrentes
das formas de dominaccedilatildeo instauradas que se prolongam ateacute hoje essas transformaccedilotildees inter-
nas natildeo foram decorrentes somente de particularidades Estatildeo plenamente integradas ao cenaacute-
rio internacional alterando de maneira significativa os conflitos ao longo do seacuteculo XX Tanto
no passado quanto na atualidade os problemas e desafios africanos dramatizam natildeo o seu
descolamento do restante da histoacuteria universal Eacute exatamente o contraacuterio
E se esses argumentos satildeo razoaacuteveis para explicar o interesse da Histoacuteria da Aacutefrica em
um cenaacuterio global muito maior eacute o significado dessa histoacuteria para o caso brasileiro afinal
nossa formaccedilatildeo nossa cultura nossa liacutengua foram fortemente influenciados pelos africanos
que para caacute foram deslocados E esse intercacircmbio marcado por relaccedilotildees violentas de domina-
35
ccedilatildeo e resistecircncia natildeo foi somente simboacutelico Ele preencheu diversas dimensotildees da nossa rea-
lidade tornando-se tatildeo nossos que sequer conseguimos pensaacute-los como estranhos Assim
qualquer tentativa de eliminar a contribuiccedilatildeo dessa histoacuteria provoca uma espeacutecie de suiciacutedio
coletivo de nossas heranccedilas culturais de nossas bases identitaacuterias
Somos o paiacutes que por mais tempo e em maior quantidade recebeu africanos
escravizados da histoacuteria do mundo Os cativos trazidos da Aacutefrica que nada
podiam carregar aleacutem de sua memoacuteria e conhecimentos trouxeram para nos-so paiacutes aportes tecnoloacutegicos que vatildeo desde conhecimentos de agricultura
tropical a teacutecnicas de mineraccedilatildeo aleacutem de vaacuterios outros As heranccedilas africa-
nas estatildeo presentes em diferentes aspectos da vida social e cultural brasilei-ras ateacute hoje e conformam aspectos fundamentais da identidade nacional
Nos modos de celebrar na religiosidade na musicalidade no gosto e esteacutetica
brasileiros expressos nos modos de vestir e nas escolhas artiacutesticas ficam evidentes as matrizes culturais que nasceram do outro lado do Atlacircntico Ao
longo de nossa histoacuteria diversas vezes os fatores ligados a processos
e episoacutedios somente podem ser compreendidos se olharmos os dois lados do
oceano que nos une (SOUZA 2014 p 02)
Com efeito ver-se-aacute que essa foi em grande medida a orientaccedilatildeo principal dada agraves
oficinas ministradas junto ao corpo discente da escola selecionada como laboratoacuterio de inves-
tigaccedilatildeo e accedilatildeo nesta dissertaccedilatildeo Se tomarmos como ponto de partida a reflexatildeo criacutetica sobre
os vieses normativos e silenciadores do discurso tradicional eurocecircntrico o foco esteve mais
centrado em mostrar que eacute possiacutevel trabalhar com conteuacutedo da histoacuteria cultura e religiosidade
afro em sala de aula Na medida do possiacutevel procurou-se criar condiccedilotildees para que os estudan-
tes entendessem esse fenocircmeno como algo que se inscreve no cotidiano escolar e encontra-se
difundido socialmente em diversos discursos muito embora a praacutetica e a experiecircncia sejam
sempre mais abertas e fluiacutedas do que possa parecer Na sequecircncia entatildeo demonstra-se como
essas temaacuteticas ganharam espaccedilo no debate puacuteblico em seguida dar um mergulho nos univer-
sos que pretendemos aproximar neste trabalho
12 A cultura afro-brasileira e o espaccedilo escolar
O estudo de Vicentini (2009) nos mostra que o Brasil carrega caracteriacutesticas soci-
ais multieacutetnicas que se inscrevem na proacutepria histoacuteria da constituiccedilatildeo da naccedilatildeo Esse eacute ponto
chave o reconhecimento e respeito da diversidade eacutetnica que nos propotildee ter clareza dos fato-
res constitutivos do pertencimento a uma identidade social dos quais todos participamos A
luta contra a discriminaccedilatildeo eacute uma luta diaacuteria de muitos afro-brasileiros vale dizer que assu-
me tambeacutem a dimensatildeo de uma luta por reconhecimento social e por direitos humanos A luta
contra a rejeiccedilatildeo os preconceitos e intoleracircncias raciais participam desse modo de uma bata-
36
lha muito mais ampla a favor do direito agrave diversidade cultural racial linguiacutestica eacutetnica que
se encontra na base da constituiccedilatildeo de nossa coletividade
Evidentemente dada agrave discussatildeo da temaacutetica na atualidade jaacute eacute possiacutevel notar di-
versos avanccedilos principalmente com relaccedilatildeo agrave abertura de espaccedilos de atuaccedilatildeo para a popula-
ccedilatildeo negra Poreacutem eacute preciso reconhecer que ainda persistem diversos obstaacuteculos sociais e ins-
titucionais os quais constituem barreiras para a ascensatildeo social de negros Como bem apon-
tou o antropoacutelogo Kabengele Munanga (2015) os problemas sociais e a condiccedilatildeo que a maio-
ria dos estudantes pobres tem faz com que os mesmos natildeo tenham um bom desenvolvimento
escolar na educaccedilatildeo baacutesica pois se torna difiacutecil o aluno se concentrar nos estudos sem ter se
alimentado direito e sem ter uma estrutura familiar decente
Natildeo se tem registro histoacuterico preciso do dia que o indiviacuteduo de pele negra pocircde
frequentar as escolas regulares no Brasil de forma oficial visto que isto apesar da aboliccedilatildeo
da escravatura satildeo praacuteticas regulamentadas pelos poderosos senhores de engenho que natildeo
permitiam o estudo dos alunos negros nas escolas de suas dependecircncias Contudo a sua per-
manecircncia e acesso nas instituiccedilotildees de ensino satildeo questotildees que necessitam de um debate soci-
al pois fazem diferenccedila a respeito da ascensatildeo social e melhoria de vida do indiviacuteduo e sua
comunidade (ALVES 2007)
Embora as desigualdades raciais natildeo se iniciem na escola nela encontra um terre-
no feacutertil para se reproduzir Eacute na escola enquanto loacutecus do saber formal que as crianccedilas e
adolescentes das classes populares passam a maior parte do tempo-aprendendo toda a histori-
ografia oficial que ressalta a figura do heroacutei bom belo e europeu em detrimento do patrimocirc-
nio cultural de outros povos especialmente do povo africano e indiacutegenas E esse modelo in-
fluencia fortemente na construccedilatildeo da identidade desses alunos causando distorccedilotildees imensas
na sua formaccedilatildeo e comprometendo as relaccedilotildees estabelecidas socialmente
A escola tem uma responsabilidade imensa na discussatildeo sobre educaccedilatildeo e diver-
sidade eacutetnico-cultural pois sua funccedilatildeo social eacute partilhar o conhecimento acumulado pela hu-
manidade com os seus alunos e isso significa partilhar os conhecimentos produzidos pelos
diversos povos que entraram na formaccedilatildeo do povo brasileiro (FRANCO 2008) A lei
1063903 representa uma importante ferramenta para a implementaccedilatildeo das poliacuteticas afirmati-
vas de combate ao racismo e pelas relaccedilotildees eacutetnico-raciais nas escolas contribuindo para que a
sociedade e sobretudo as instituiccedilotildees de ensino venham
37
[] reconhecer a existecircncia do afrodescendente seus ancestrais (africanos)
sua trajetoacuteria na educaccedilatildeo brasileira na condiccedilatildeo de sujeitos e na construccedilatildeo da cultura e da sociedade A alteraccedilatildeo da LDB representou um ganho legal e
poliacutetico agora eacute preciso que ele se reflita no acircmbito do ensino e da aprendi-
zagem para que se tenha um resultado eficaz nos campos societaacuterio e educa-tivo (AacuteVILA 2010 p 10)
Como se vecirc a promulgaccedilatildeo da Lei 106392003 a 09 de janeiro de 2003 foi uma
conquista das lutas desenvolvidas pelo movimento negro organizado ao longo dos anos a Lei
busca reconhecer a existecircncia e portanto a histoacuteria do negro no Brasil seus ancestrais africa-
nos e suas contribuiccedilotildees para a educaccedilatildeo e a sociedade brasileira assim professores alunos e
corpo escolar no todo tem a obrigaccedilatildeo histoacuterica de falar de tais temaacuteticas e avanccedilar na cons-
truccedilatildeo de relaccedilotildees raciais mais igualitaacuterias Esse ensino envolve todas as disciplinas do curriacute-
culo escolar incluindo a disciplina de histoacuteria que passa a se tornar uma porta voz da igualda-
de racial
De maneira geral eacute ponto paciacutefico em meios cientiacuteficos que a raccedila natildeo eacute o fator
que determina a superioridade intelectual O que realmente eacute fator determinante eacute o acesso agrave
informaccedilatildeo a produccedilatildeo de conhecimento aos bens materiais tecnoloacutegicos e intelectuais pro-
duzidos na histoacuteria Enquanto a diferenccedila eacute natural a desigualdade constitui um produto intei-
ramente social que se combina agrave naturalizaccedilatildeo do preconceito dos estereoacutetipos e que atuam
como forma de justificar legitimar e consagrar a subordinaccedilatildeo de grupos e atores sociais O
estereoacutetipo eacute a praacutetica do preconceito Eacute a sua manifestaccedilatildeo comportamental O estereoacutetipo
objetiva justificar uma suposta inferioridade justificar a manutenccedilatildeo do status quo e legiti-
mar aceitar e justificar a dependecircncia a subordinaccedilatildeo e a desigualdade (MUNANGA 2005
p 65)
Silva (2010) revela que nos uacuteltimos 30 anos foram realizados accedilotildees que objetivam
a promoccedilatildeo da igualdade nas relaccedilotildees eacutetnico-raciais e que vem cada vez mais ganhando forccedila
no Brasil principalmente no contexto educativo pois atraveacutes das cotas alunos negros conse-
guem ingressar em cursos que antes apenas os mais ricos conseguiam cursar como medicina
engenharia direito Como esclarece o autor a maioria dos negros sempre teve vontade de
estudar ingressar nas escolas aprender novas liacutenguas mas sempre eram impedidos por forccedila
da rejeiccedilatildeo da elite dominante e por natildeo terem paracircmetros legais para se apoiarem Soma-se a
isso a dificuldade de conciliar a dedicaccedilatildeo aos estudos com as exigecircncias do trabalho e da
sobrevivecircncia cuja conciliaccedilatildeo eacute sempre complexa
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A questatildeo eacute que a cultura afro-brasileira sempre foi tratada de forma marginaliza-
da Eacute precisamente contra a maneira seletiva com que a escola privilegiou determinadas for-
mas culturais em detrimento de outras consideradas inferiores e sem nenhum objetivo peda-
goacutegico ou enriquecedor aos conhecimentos dos alunos (ALVES 2007) que a luta a favor da
inclusatildeo da histoacuteria e cultura afro-brasileiras se defronta
Por esse vieacutes eacute o que demonstra o trabalho de Silva (2013) que expotildee o fato de
que ao longo da histoacuteria do Brasil a concepccedilatildeo de que as culturas natildeo brancas eram inferiores
no processo de escolarizaccedilatildeo se conectava a uma representaccedilatildeo negativa das camadas inferio-
res do estrato social onde se concentrou e ainda concentra a maior parte dos negros e descen-
dentes natildeo plenamente integrados a ordem capitalista no Brasil
Natildeo parece ser outra a razatildeo pela qual a Lei 106392003 representa uma espeacutecie
de diacutevida moral e eacutetica paga pelo estado brasileiro aos afro-brasileiros pois obrigar a inclusatildeo
da histoacuteria e cultura do negro nos curriacuteculos das escolas eacute uma decisatildeo justa e de paridade
Conhecer a histoacuteria e cultura afro-brasileira eacute fundamental para elevar o niacutevel de democratiza-
ccedilatildeo racial e isso natildeo se resume somente a identificar o negro no seu contexto mas sim em
valorizar a sua contribuiccedilatildeo e papel dentro da formaccedilatildeo sociocultural brasileira uma socieda-
de plurieacutetnica multicultural que ainda precisa avanccedilar em seus ideais democraacuteticos Nesse
sentido a lei 106392003 constitui uma ferramenta fundamental para fazer com que as pesso-
as repensem suas relaccedilotildees sociais eacutetnico-raciais procedimentos de ensino condiccedilotildees ofereci-
das para aprendizagem instruccedilotildees pedagoacutegicas coerentes e condizente com a realidade Desse
acircngulo o curriacuteculo ganha novos horizontes
Silva (2015) diz que se preocupar com a construccedilatildeo do curriacuteculo eacute uma questatildeo
social que precisa ser discutida publicamente visto que seus paracircmetros acabam por definir
qual tipo de sociedade se deseja atraveacutes da educaccedilatildeo Por essa vida ainda coloca-se em xe-
que algumas ldquoverdadesrdquo construiacutedas sobre a naturalidade e obviedade do curriacuteculo e passa-se
a ter uma visatildeo dele como um constructo social e poliacutetico Nesse sentido importa ressaltar
que toda sociedade deve se mobilizar para garantir o respeito independentemente de sua ori-
gem corraccedila ou religiatildeo As crianccedilas satildeo o futuro do Brasil eacute essencial que elas cresccedilam
absorvendo os significados de diferenccedila de igual de singularplural e que saibam que no
outro poderaacute haver umas dessas caracteriacutesticas mas que quando adulta teraacute o discernimento
de aceitar e respeitaacute-lo como ela eacute
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Vicentini (2009) em seus estudos demonstra que as escolas brasileiras encontram
dificuldades em reconhecer que muitos de seus alunos natildeo se enquadram no perfil determina-
do atraveacutes de uma concepccedilatildeo universal de cultura Por essa razatildeo torna-se necessaacuterio uma
revisatildeo conceitual e estrutural das loacutegicas de produccedilatildeo do saber e do conhecimento no espaccedilo
escolar a fim de oportunizar a valorizaccedilatildeo da diversidade cultural que eacute intriacutenseca agrave nossa
cultura natildeo deixando de valorizar as manifestaccedilotildees culturais da minoria Assim se faz neces-
saacuterio a superaccedilatildeo de uma educaccedilatildeo escolar deslumbrada apenas pela cultura da elite abrindo
espaccedilo para uma escola multiintercultural Em nossa perspectiva isso deve ser o principal
objetivo dos curriacuteculos escolares a garantia de que todos possam se expressar dando vez e
voz agraves diferenccedilas culturais independentemente do niacutevel social de cada indiviacuteduo
Eacute prudente afirmar que atraveacutes da educaccedilatildeo eacute possiacutevel realizar muitas transforma-
ccedilotildees principalmente levar as pessoas a aceitar a diversidade natildeo ter medo do desconhecido
pois no contexto humano tende-se a rejeitar o que natildeo conhecemos para tanto se faz necessaacute-
rio conhecer para poder aceitar Em face disto Silva (2015) nos alerta para a necessidade da
luta pela igualdade pois do contraacuterio a propagaccedilatildeo desenfreada da discriminaccedilatildeo pode levar
agrave situaccedilatildeo limite de instauraccedilatildeo de um conflito civil sem precedentes Poreacutem natildeo basta ape-
nas discutir a diversidade eacutetnico-racial em nosso paiacutes satildeo necessaacuterias accedilotildees concretas para
que o Brasil supere a persistecircncia e profundidade do preconceito racial
Neste sentido a afirmaccedilatildeo da educaccedilatildeo brasileira deve passar pelo debate a re-
formulaccedilatildeo do nosso curriacuteculo sendo ele eacute um dos principais propulsores das accedilotildees pedagoacute-
gicas Em particular cabe reconhecer que o curriacuteculo em voga ainda carrega consigo forte
hegemonia da loacutegica eurocecircntrica a qual sempre privilegiou os saberes e modos de compre-
ensatildeo ocidental e com isso o homem branco cristatildeo de elite marginalizando outras dimen-
sotildees eacutetnicas humanas e socioculturais (OLIVA 2003) Como jaacute mencionado poreacutem aqui
natildeo se trata somente de uma revisatildeo das bases interpretativas de nossa proacutepria cultura e da
maneira como se inscrevem no cotidiano A luta pela revisatildeo do curriacuteculo tambeacutem encontra
direta relaccedilatildeo com a ampliaccedilatildeo do universo de possibilidades para a populaccedilatildeo negra dado
que a escola deteacutem um papel importante no sistema de reproduccedilatildeo das posiccedilotildees sociais na
contemporaneidade (ALVES 2007)
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13 As lutas para afirmaccedilatildeo da Cultura Afro-Brasileira
Eacute inegaacutevel na sociedade brasileira de hoje que o preconceito racial persiste seja
promovido de maneira dissimulada e privada seja assumindo dimensotildees puacuteblicas eou coleti-
vas Sem duacutevida a permanecircncia dessas formas de preconceito e discriminaccedilatildeo e a proacutepria
ausecircncia de identificaccedilatildeo do negro com os conteuacutedos formas e saberes culturais valorizados
no espaccedilo escolar constituem aspectos importantes para entender como os negros satildeo leva-
dos inclusive a se auto excluiacuterem Trata-se aqui de um processo muito eficiente de inculca-
ccedilatildeo da inferioridade de estranhamento reforccedilo da submissatildeo que desde as primeiras etapas
da escolarizaccedilatildeo ateacute os momentos finais incluir-se nos padrotildees de interaccedilatildeo nos conteuacutedos e
nas instituiccedilotildees Isto adquire particular relevacircncia quando se aborda a histoacuteria do Brasil
Neste sentido Silva (2015) nos mostra que a grande maioria da sociedade brasi-
leira conhece somente a histoacuteria da Aacutefrica e do negro que os livros didaacuteticos abordam onde a
ecircnfase principal recai quase que exclusivamente quando o tema eacute escravidatildeo no periacuteodo colo-
nial e imperial chegando ateacute a aboliccedilatildeo da escravidatildeo Passando esse periacuteodo histoacuterico na
praacutetica quase natildeo se aborda ou natildeo se destaca nada a respeito da populaccedilatildeo afro-brasileira
nos livros e perioacutedicos didaacuteticos Quando muito a cultura negra eacute colocada como uma espeacutecie
de plano de fundo das manifestaccedilotildees culturais brasileiras e sua contribuiccedilatildeo subsumida a in-
corporaccedilotildees seletivas na comida expressotildees vestuaacuterio etc Tudo ocorre como se ainda fosse
necessaacuterio escrever a histoacuteria da populaccedilatildeo negra retirando-a do papel de coadjuvante e cap-
tando sua agecircncia capacidade de resistecircncia e luta
Na praacutetica o que se deseja destacar eacute que todas as pessoas satildeo capazes de produ-
zir algo relevante para a sociedade independentemente de sua cultura corraccedila ou credo reli-
gioso Forquin (1993) por exemplo diz que a cultura eacute o conjunto de caracteriacutesticas da ma-
neira como o sujeito vive em sociedade em um grupo em comunidade devendo estas ser
respeitadas por todos
Vicentini (2009) por outro lado define a identidade cultural como uma constru-
ccedilatildeo histoacuterica ininterrupta sendo formada e transformada de maneira continua em detrimento
as formas que somos representadas e ilustrados pelos sistemas culturais que compartilhamos
Quando esse sistema vai se multiplicando nossa ldquoidentidade culturalrdquo eacute confrontada por ou-
tras identidades possiacuteveis onde satildeo verificadas a multiplicidade de combinaccedilotildees com as
quais poderiacuteamos nos identificar e aderir
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Dado que a nossa situaccedilatildeo se encontra longe da ideal o combate agraves muacuteltiplas
formas de racismo e discriminaccedilatildeo tendeu a assumir rumos diversos Desde o esforccedilo para a
elaboraccedilatildeo de instrumentos juriacutedicos que garantissem direitos aos negros passando pela de-
mocratizaccedilatildeo do sistema poliacutetico ateacute a abertura de vagas no mercado de trabalho e a amplia-
ccedilatildeo do aceso agrave educaccedilatildeo e agrave cultura Em grande medida essas modificaccedilotildees encontram-se as-
sociadas ao papel do movimento negro cujas conquistas em acircmbito puacuteblico natildeo se restringem
simplesmente a essa causa sendo tambeacutem importantes para outros movimentos representati-
vos de minorias
Andrews citado por Alves (2007) demonstra em suas pesquisas que embora o
preconceito seja exercitado predominantemente de maneira opaca e dissimulada mesclando-
se por vezes com outros marcadores sociais a populaccedilatildeo negra eacute consciente de que o pre-
conceito racial existe Em nossa cultura o racismo e discriminaccedilotildees satildeo correntes no cotidia-
no e orientado principalmente pela classificaccedilatildeo associada aos atributos fiacutesicos fenotiacutepicos
O problema eacute que no nosso caso o preconceito estaacute fundamentalmente nos carac-
teres fiacutesicos A discriminaccedilatildeo ldquoculturalrdquo vem a reboque da fiacutesica pois os racistas acham que
ldquotudo que vem de negro de pretordquo ou eacute inferior ou eacute maleacutefico (religiatildeo ritmos haacutebitos etc)
(BENTES Apud MUNANGA 2005 p175)
Nesse ponto talvez seja necessaacuterio esclarecer que em meios cientiacuteficos a tese da
hierarquia entre as raccedilas8 constitui um subproduto largamente questionado cujas bases de
legitimidade foram destruiacutedas desde meados do seacuteculo XX Ateacute entatildeo predominava a visatildeo
de que haveria uma escala evolutiva entre as diferentes raccedilas e nessa reparticcedilatildeo os povos
negros os africanos estariam em posiccedilotildees mais inferiores e atrasadas Hoje ao contraacuterio
sabe-se que raccedila e racismo natildeo constituem mais a base da compreensatildeo cientiacutefica sobre a hu-
manidade poreacutem a questatildeo aqui eacute que essa interpretaccedilatildeo se inscreveu no proacuteprio funciona-
mento das instituiccedilotildees e nas bases interpretativas e classificatoacuterias da realidade Dessa pers-
pectiva ao falar-se em raccedila e racismo natildeo entra em pauta a sua discussatildeo em termos bioloacutegi-
cos mas sociais que envolvem a necessidade de construccedilatildeo de projetos poliacuteticos de modifica-
ccedilatildeo da realidade de desmistificaccedilatildeo de formas de classificaccedilatildeo e etiquetagem dos atores e
8 Raccedila eacute uma construccedilatildeo poliacutetica e social Eacute a categoria discursiva em torno da qual se organiza um sistema de
poder socioeconocircmico de exploraccedilatildeo e exclusatildeo ndash ou seja ndash o racismo Todavia como praacutetica discursiva o
racismo possui uma loacutegica proacutepria Tenta justificar as diferenccedilas sociais e culturais que legitimam a exclusatildeo
racial em termos de distinccedilotildees geneacuteticas e bioloacutegicas isto eacute na natureza (GOMES 2012 p730)
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consequentemente de criacutetica sobre os efeitos desse processo sobre a consciecircncia autoestima
da populaccedilatildeo negra estatisticamente majoritaacuteria no Brasil (ALVES 2007)
Em parte essa revisatildeo se inscreve na proacutepria histoacuteria das Ciecircncias Sociais no Bra-
sil onde intelectuais de diversas procedecircncias e inscritos tanto em instituiccedilotildees cientiacuteficas -
Neves (2006 apud Alves 2007) cita por exemplo os intelectuais posicionados no Instituto de
Pesquisas de Cultura Negra (IPCN) com sede no Rio de Janeiro a Sociedade de Intercacircmbio
Brasil Aacutefrica (SINBA) a Sociedade de Estudo de Cultura Negra no Brasil (SECNEB) O
Grupo de Estudos Andreacute Rebouccedilas (GEAR) entre outros ndash como tambeacutem em Grupos Cultu-
rais de diversos matizes (no estado da Bahia existia o Grupo de Cultura Afro-Brasileira o
Grupo de Teatro Palmares) tem desempenhado um papel importante para a valorizaccedilatildeo da
cultura afro-brasileira Como veremos a seguir essas lutas compotildeem um quadro ainda mais
amplo de engajamentos os quais recolocaram na ordem do dia o tema das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais no espaccedilo escolar sem os quais sequer teriacuteamos condiccedilotildees como as atuais de colocar o
tema das relaccedilotildees eacutetnico-raciais no espaccedilo escolar
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CAPIacuteTULO 2 - RELACcedilOtildeES EacuteTNICO-RACIAIS lutas movimentos e reformas poliacuteti-
cas educacionais
Valeu Zumbi
O grito forte dos Palmares
Que correu terras ceacuteus e mares
Influenciando a Aboliccedilatildeo
Zumbi valeu
Hoje a Vila eacute Kizomba
Eacute batuque canto e danccedila
Jongo e Maracatu
Vem menininha pra danccedilar o Caxambu (bis)
Ocirc ocirc nega mina
Anastaacutecia natildeo se deixou escravizar
Ocirc ocirc Clementina
O pagode eacute o partido popular
Sacerdote ergue a taccedila
Convocando toda a massa
Nesse evento que com graccedila
Gente de todas as raccedilas
Numa mesma emoccedilatildeo
Esta Kizomba eacute nossa constituiccedilatildeo
Que magia
Reza ageum e Orixaacute
Tem a forccedila da Cultura
Tem a arte e a bravura
E um bom jogo de cintura
Faz valer seus ideais
E a beleza pura dos seus rituais
Vem a Lua de Luanda
Para iluminar a rua
Nossa sede eacute nossa sede
De que o Apartheid se destrua
(Rodolpho de Souza Jonas Rodrigues e Luiacutes Carlos da Vila 1988)
Muito embora distante de tornar realidade os movimentos de combate ao racismo as
frases de ordem o ativismo declarado de negros em todo paiacutes nas diferentes performances
intelectuais ou artiacutesticas contra a sociedade e seu sistema escravocrata velado foi que em
1988 ano que o Brasil comemorou o centenaacuterio da aboliccedilatildeo da escravatura a Unidos de Vila
Isabel9 levantou a Marquecircs de Sapucaiacute com o samba enredo ldquoKizomba a festa da raccedilardquo A
9 Grecircmio Recreativo Escola de Samba Unidos de Vila Isabel eacute uma das mais tradicionais escolas de samba da
cidade do Rio de Janeiro Foi campeatilde do Grupo Especial do Carnaval em 1988 2006 e 2013 Em seu brasatildeo haacute a
coroa da Princesa Isabel aonde figuram na parte de cima um resplendor com uma fita azul aonde se encontram
as iniciais da agremiaccedilatildeo (GRESUVI) e na parte de baixo se veem uma clave de sol um pandeiro e a pena de
Noel Rosa A Unidos de Vila Isabel foi fundada em 4 de abril de 1946 (Fonte wwwunidosdevilaisabelcombr)
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composiccedilatildeo de Rodolpho de Souza Jonas Rodrigues e Luiacutes Carlos da Vila encantou a todos
numa simbiose de reafirmaccedilatildeo e pertencimento a cultura negra sendo decisiva para o tiacutetulo da
escola tornando-se ldquoinstantaneamente um claacutessico do carnaval brasileirordquo (SOUZA 2013
p 1)
Imagem 1- Desfile da Escola de Samba Unidos de Vila Isabel (1988)
Fonte httpwwwpedromigaocombrourodetolo2016011988-kizombaco-da-vila-isabel-e-quem-viu-viu
Acesso em 08 mar 2018
O Samba enredo marcado por um ritmo forte harmocircnico cadenciado envolvente e
convidativo bem proacuteximo das batidas dos atabaques de terreiros de candombleacutes e tantas ou-
tras manifestaccedilotildees da ancestralidade africana a muacutesica trazia uma poesia igualmente intensa
(SOUZA 2013) Jaacute Rezende destacou que a escola se apresentou ativamente transgressora
viva harmoniosa latente e sobretudo festiva agrave comunidade negra
[] posto que buscou desconstruir um dos mais caros mitos da histoacuteria ofici-al brasileira marcadamente ideologizada aquele que atribui agrave generosidade
da princesa Isabel todo o creacutedito e veneraccedilatildeo pelo fim da escravidatildeo no Bra-
sil acentuadamente transcritos nos livros didaacuteticos escolares e secularmente
transferidos para os curriacuteculos e propagada pelas escolas do paiacutes (REZEN-DE 2017 p 155)
Tomado como referecircncia para discutir as relaccedilotildees de Brasil e Aacutefrica num reencontro
que envolvia uma gama de acontecimentos atinentes agrave populaccedilatildeo negra que deram origem a
vaacuterios movimentos de reafirmaccedilatildeo da identidade africana pelo paiacutes Para tanto a referecircncia ao
enredo manifesto natildeo eacute destituiacuteda de relaccedilotildees com o que se discute neste trabalho A mensa-
45
gem que se tenta transmitir agrave populaccedilatildeo brasileira atraveacutes de estrofes e versos inscreve-se em
uma narrativa bem mais ampla de lutas formas de resistecircncia e tentativas de valorizaccedilatildeo do
legado e do patrimocircnio cultural afro-brasileiro Aliaacutes seria necessaacuterio recordar ainda que es-
taacutevamos aqui no ano de 1988 proacuteximos da comemoraccedilatildeo do centenaacuterio da aboliccedilatildeo da escra-
vatura o que constituiu uma oportunidade iacutempar para refletir sobre o processo de integraccedilatildeo
do negro na sociedade brasileira e sobre os efeitos das experiecircncias histoacutericas sobre o presen-
te
Com efeito a anaacutelise mais detalhada desse enredo permite por o manifesto uma dentre
outras formas de comunicar agrave sociedade brasileira sobre a importacircncia da cultura e da identi-
dade negra no paiacutes Isto eacute o que entra em questatildeo a partir de entatildeo satildeo as estrateacutegias adotadas
para ldquoevidenciar as inuacutemeras contribuiccedilotildees para a formaccedilatildeo da naccedilatildeo brasileira com seus
valores e patrimocircnios culturaisrdquo (SANTOS 2010 p 35)
Deste modo satildeo inegaacuteveis as reverberaccedilotildees que o ano de ldquo1988 trouxe [] sendo um
dos aportes para a refundaccedilatildeo do movimento negrordquo (RIOS 2012 p 44) Em boa medida a
ocasiatildeo foi tomada como oportunidade para operar uma criacutetica agraves narrativas consagradas so-
bre a naccedilatildeo e particularmente para demarcar um processo de reflexatildeo coletiva sobre o que
efetivamente deveria ser comemorado Por essa razatildeo o Movimento Negro organizou nesse
ano a marcha contra o racismo e a farsa da aboliccedilatildeo manifestaccedilatildeo que ocorreu no Rio de Ja-
neiro no dia 11 de Maio de 1988 centro da capital carioca
O centenaacuterio da Aboliccedilatildeo em 1988 entrou para a histoacuteria do movimento negro como o
segundo marco nacional da luta antirracista contemporacircneo a onda de manifestaccedilotildees que
questionou a data comemorativa de 13 (treze) de Maio possuiu maior alcance seja porque se
tratava de momento simboacutelico para a naccedilatildeo seja porque foi realizada nas proximidades da
campanha pela reforma constitucional Natildeo era para menos ldquotratava-se de uma oportunidade
poliacutetica francamente aberta para a consolidaccedilatildeo do movimento negro na cena poliacutetica nacio-
nalrdquo (RIOS 2012 p 51)
De acordo com Oliveira (2016) movimento negro refere-se aos diferentes coletivos de
pessoas organizadas na diaacutespora africana com vista criar experiecircncias de poder
Quando falamos em movimento negro nos referimos a coletivos de pessoas que se sentem comprometidos e se organizam nas vaacuterias partes do mundo
onde se deu a diaacutespora africana nas Ameacutericas na Aacutesia na Europa na Oce-
ania e na proacutepria Aacutefrica (na diaacutespora interna) para lutar e criar uma nova situaccedilatildeo de poder em que osas negrosas sejam reconhecidosas e respeita-
dosas como portadores de uma tradiccedilatildeo proacutepria com seus proacuteprios valores
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civilizatoacuterios herdados dos seus antepassados E que sejam incluiacutedos natildeo
somente na base produtiva dessas sociedades mas tambeacutem na condiccedilatildeo de dirigentes do desenvolvimento social poliacutetico econocircmico e cultural em seus
paiacuteses (OLIVEIRA 2016 p 9 grifo nosso)
Em face disto muito ainda se discute a repercussatildeo que a marcha contra o racismo te-
ve para suscitar algumas discussotildees vez que destacaram para a sociedade brasileira o estado
precaacuterio e socialmente vulneraacutevel de parte da populaccedilatildeo negra
A partir de entatildeo a atuaccedilatildeo poliacutetica de negros parece ter adquirido novo focirclego levan-
tando questotildees natildeo apenas de redistribuiccedilatildeo socioeconocircmica como tambeacutem concernente agrave
bandeira das lutas por reconhecimento e direitos sociais poliacuteticos e civis Assim a combina-
ccedilatildeo dessas lutas foi capaz de produzir efeitos natildeo somente sobre o Estado como tambeacutem in-
terpelou ao proacuteprio movimento agrave esquerda e a populaccedilatildeo brasileira de um modo geral
Eacute na deacutecada de 80 no seacuteculo XX durante o processo de abertura poliacutetica e
redemocratizaccedilatildeo da sociedade que assistimos uma nova forma de atuaccedilatildeo
poliacutetica dos negros e negras brasileiros Estes passaram a atuar ativamente por meio dos novos movimentos sociais sobretudo os de caraacuteter identitaacuterio
trazendo outro conjunto de problematizaccedilatildeo e novas formas de atuaccedilatildeo e
reinvindicaccedilatildeo poliacutetica O Movimento Negro indaga a exclusividade do en-
foque sobre a classe social presente nas reivindicaccedilotildees e denuacutencias da luta dos movimentos sociais da eacutepoca As suas reivindicaccedilotildees assumem um caraacute-
ter muito mais profundo indagam o Estado a esquerda brasileira e os mo-
vimentos sociais sobre o seu posicionamento neutro e omisso diante da cen-tralidade da raccedila na formaccedilatildeo do paiacutes (GOMES 2010 p 2-3)
A tentativa de construccedilatildeo de uma visatildeo mais positiva da identidade negra requisitou
no entanto uma ampliaccedilatildeo do repertoacuterio de atuaccedilatildeo ateacute entatildeo empregado De uma militacircncia
que era mais artiacutestica intelectual cultural e ateacute mesmo microscoacutepica passamos para o quadro
da criaccedilatildeo de um efetivo grupo de pressatildeo que procurou sentar a mesa para elaboraccedilatildeo de
textos legais que dessem expressatildeo e garantias agraves lutas e bandeiras levantadas Foi assim por
exemplo no contexto de formulaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 quando o movimento
negro participou ativamente da discussatildeo de propostas apesar de que
[] natildeo incluiacuteram de fato as reivindicaccedilotildees desse movimento em prol da
educaccedilatildeo Os debates em torno da questatildeo racial realizados entre o Movi-
mento Negro e os parlamentares revelam um processo de esvaziamento do conteuacutedo poliacutetico das reivindicaccedilotildees (RODRIGUES apud GOMES 2011 p
5)
A despeito de que natildeo tenha havido um direcionamento concreto agraves diversas demandas
apresentadas pelo movimento essas iniciativas davam mostras da organicidade e fortaleciam
as condiccedilotildees de coalizatildeo interna bem como a identificaccedilatildeo de canais para encaminhamento
de demandas ao Estado
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Outra demonstraccedilatildeo puacuteblica da capacidade de mobilizaccedilatildeo e organizaccedilatildeo do movi-
mento foi agrave comemoraccedilatildeo do tricentenaacuterio da morte de Negro Zumbi reunindo aproximada-
mente 30 mil pessoas nas ruas de Brasiacutelia
Bakke (2011) diz que
[] em 1995 por ocasiatildeo das comemoraccedilotildees dos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares os movimentos sociais negros realizaram uma marcha
a Marcha dos 300 anos de Zumbi dos Palmares ateacute Brasiacutelia onde entregaram
uma reivindicaccedilatildeo por poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees afirmativas ao entatildeo presi-
dente da repuacuteblica Fernando Henrique Cardoso Nessa comemoraccedilatildeo o pre-sidente fez um discurso no qual pela primeira vez o Estado brasileiro reco-
nhecia oficialmente a existecircncia do racismo mudando o posicionamento ateacute
entatildeo adotado sem grandes alteraccedilotildees dede a deacutecada de 1930 No ano se-guinte a luta dos movimentos sociais negros tambeacutem aparece na promulga-
ccedilatildeo da Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo (LDB) que reafirma a orienta-
ccedilatildeo de que os curriacuteculos escolares deveriam tratar da participaccedilatildeo dos negros
e indiacutegenas na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (BAKKE 2011 p 9)
Assim as poliacuteticas puacuteblicas afirmativas foram ganhando cena a niacutevel do Estado brasi-
leiro Na deacutecada de 90 do Seacutec XX o movimento negro realiza outra marcha e com frases de
efeitos ldquoReaja agrave violecircncia racialrdquo ldquoNegro tambeacutem quer poderrdquo ldquoPalmares Zumbi Assim
eu resistirdquo ldquoQueremos escola queremos empregordquo ldquoZumbi vive Racismo natildeordquo (RIOS
2012 p 56) a multidatildeo que movimentou Brasiacutelia no Dia 20 de Novembro de 1995 represen-
tava uma massa significativa da populaccedilatildeo brasileira que clamava por justiccedila social As rei-
vindicaccedilotildees concatenadas priorizam o acesso agrave educaccedilatildeo como forma de colaborar para a as-
censatildeo social do negro A partir da Marcha Zumbi dos Palmares as questotildees eacutetnico-raciais
brasileiras entraram em pauta em diferentes niacuteveis governamentais e sociais (DUARTE
2008 p 5)
Imagem 2 - Marcha Zumbi dos PalmaresBrasiacutelia 20 de novembro de 1995
Fonte httpwwwafropresscompostaspid=18405 Acesso em 08032019
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O objetivo dessa marcha era apresentar ao governo brasileiro o reconhecimento
das injusticcedilas histoacutericas sofridas por esses brasileiros principalmente a falta de acesso agraves poliacute-
ticas afirmativas bem como a criaccedilatildeo de um nuacutecleo de debates que problematizassem ques-
totildees atinentes ao negro no paiacutes Em resposta o Presidente Fernando Henrique Cardoso
(19952003) criou o Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorizaccedilatildeo da Populaccedilatildeo Ne-
gra (GTI Populaccedilatildeo Negra) O movimento havia conseguido influenciar os rumos da luta con-
tra o racismo no paiacutes A data foi fundamental e abriu caminho para a formulaccedilatildeo posterior
das poliacuteticas de accedilotildees afirmativas no Brasil (GELEDEacuteS 2016) Por accedilotildees afirmativas deve-se
compreender que
[] satildeo medidas que buscam o fim de uma seacuterie de desigualdades que foram
sendo produzidas reproduzidas e acumuladas ao longo da histoacuteria humana bem como pretendem compensar as inuacutemeras perdas provocadas pela exclu-
satildeo social discriminaccedilatildeo e marginalizaccedilatildeo dentre outras accedilotildees oriundas do
julgamento por motivos raciais eacutetnicos religiosos de gecircnero Assim a in-
tenccedilatildeo das accedilotildees afirmativas gira em torno da busca por garantir igualdade de oportunidade e tratamento agraves minorias funcionando como primeiro passo
para a inclusatildeo destes nas esferas sociais das quais natildeo fazem parte (SE-
CAD MEC2006 p 26)
Eacute valido ressaltar por outro lado que mesmo em um contexto de marcada nega-
ccedilatildeo de direitos agrave populaccedilatildeo negra a militacircncia procurou sempre atuar em diferentes frentes de
mobilizaccedilatildeo Seja atraveacutes de jornais seja atraveacutes de iniciativas propriamente educacionais
progressivamente foi se constituindo um corpo de agentes dotados de competecircncias e saberes
cruciais para atuar de maneira eficiente junto ao Estado Em torno desse pensamento inuacuteme-
ras accedilotildees de mobilizaccedilatildeo foram realizadas com a finalidade de aproximar agrave populaccedilatildeo negra
para as negociaccedilotildees que tratariam de accedilotildees que levariam o negro para o centro das decisotildees
no uacuteltimo quartel do seacuteculo XX Por exemplo a imprensa brasileira foi intensamente utilizada
como instrumento de suas campanhas Aleacutem disso setores da Frente Negra Brasileira (FNB)
criaram salas de aula de alfabetizaccedilatildeo para os trabalhadores e trabalhadoras negras em diver-
sas localidades (GONCcedilALVES 2000)
[] Nesta trajetoacuteria destacam-se as experiecircncias do Movimento Negro Uni-
ficado (MNU) a partir do fim da deacutecada de 1970 - e seus desdobramentos com a poliacutetica antirracista nas deacutecadas de 1980 e 1990 com conquistas sin-
gulares nos espaccedilos puacuteblicos e privados - das frentes abertas pelo Movimen-
to de Mulheres Negras e do embate poliacutetico impulsionado pelas Comunida-
des Negras Quilombolas Ou seja no percurso trilhado pelo Movimento Ne-gro Brasileiro a educaccedilatildeo sempre foi tratada como instrumento de grande
valia para a promoccedilatildeo das demandas da populaccedilatildeo negra e o combate agraves de-
sigualdades sociais e raciais (SECADMEC 2006 p18 19)
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Coerentemente com suas reivindicaccedilotildees e propostas histoacutericas que decorrem desde as
ldquomanifestaccedilotildees mais reservadas por conta do sistema ditatorial ateacute as primeiras manifestaccedilotildees
de ruas que ganharam bastante notoriedade com a redemocratizaccedilatildeo do paiacutesrdquo (RIOS 2012 p
52) a lutas empreendidas pelo Movimento Negro tecircm possibilitado ao Estado brasileiro pro-
mover poliacuteticas e programas para a populaccedilatildeo afro-brasileira e valorizar a histoacuteria e a cultura
do povo negro (GOMES 2010 SECADMEC 2006)
Outro componente importante dessa luta que deve ser mencionado diz respeito agrave III
Conferecircncia Mundial contra o racismo a discriminaccedilatildeo a xenofobia e formas correlatas de
intoleracircncia ocorrida em 2001 na cidade de Durban Aacutefrica do Sul De maneira geral somen-
te depois dessa conferecircncia que a adoccedilatildeo de poliacuteticas afirmativas entrou para a agenda poliacutetica
internacional Para o Brasil esse evento foi de grande importacircncia como destaca Munanga
(2015)
Depois da Conferecircncia de Durban o Brasil oficial engajou-se como natildeo se vira antes na busca dos caminhos para a execuccedilatildeo da Declaraccedilatildeo dessa Con-
ferecircncia da qual foi um dos paiacuteses signataacuterios A declaraccedilatildeo previa a imple-
mentaccedilatildeo das poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa inclusive as cotas em benefiacutecio
dos negros iacutendios e outras chamadas minorias As polecircmicas e controveacutersias a respeito dessas poliacuteticas satildeo indicadores das realidades de uma sociedade
que ainda vive entre o mito e os fatos ou melhor que confunde o mito e os
fatos ou seja onde o mito funciona como verdadeira realidade (MUNAN-GA 2015 p 137)
Com efeito a instituiccedilatildeo da Lei 1063903 que foi confirmada e ampliada pela lei
116452008 constituiacuteram demonstraccedilotildees concretas de compromisso do Estado Brasileiro com
a questatildeo muito embora sua implementaccedilatildeo ainda seja insuficiente como seraacute exposto mais
adiante Segue abaixo os objetivos da lei 1063903
Lei Nordm 106392003 Altera a Lei nordm 9394 de 20 de dezembro de 1996 que estabelece as diretri-
zes e bases da educaccedilatildeo nacional para incluir no curriacuteculo oficial da Rede de
Ensino a obrigatoriedade da temaacutetica ldquoHistoacuteria e Cultura Afro-Brasileirardquo E
daacute outras providecircncias O PRESIDENTE DA REPUacuteBLICA Faccedilo saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei
Art 1ordm - A Lei no 9394 de 20 de dezembro de 1996 passa a vigorar acres-
cida dos seguintes arts 26-A 79-A e 79-B Art 26-A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e
particulares torna-se obrigatoacuterio o ensino sobre Histoacuteria e Cultura Afro-
Brasileira sect 1ordm O conteuacutedo programaacutetico a que se refere o caput deste artigo incluiraacute o
estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dos Africanos a luta dos negros no Brasil a
cultura negra brasileira e o negro na formaccedilatildeo da sociedade nacional resga-
tando a contribuiccedilatildeo do povo negro nas aacutereas social econocircmica e poliacutetica pertinente agrave Histoacuteria do Brasil
50
sect 2ordm Os conteuacutedos referentes agrave Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira seratildeo mi-
nistrados no acircmbito de todo o curriacuteculo escolar em especial nas aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica e de Literatura e Histoacuteria Brasileira
sect ldquo3ordm - (Vetado)rdquo ldquoArt 79-A - (Vetado)rdquo ldquoArt 79-B - O calendaacuterio escolar
incluiraacute o dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciecircncia Negrardquo Art 2ordm - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicaccedilatildeo
(Brasiacutelia 9 de janeiro de 2003 182ordm da Independecircncia e 115ordm da Repuacuteblica
LUIZ INAacuteCIO LULA DA SILVA Cristoacutevan Ricardo Cavalcanti Buarque (BRASIL DOU 10 de jan de 2003)
Diante da publicaccedilatildeo de tal legislaccedilatildeo o Conselho Nacional de Educaccedilatildeo aprovou o
Parecer CNECP 32004 que institui as Diretrizes Curriculares para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees
Eacutetnico-Raciais e o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas a serem executa-
das pelos estabelecimentos de ensino de diferentes niacuteveis e modalidades cabendo aos siste-
mas de ensino orientar e promover a formaccedilatildeo de professores e professoras e supervisionar o
cumprimento das Diretrizes Curriculares Nacionais Pode-se compreender segundo esse do-
cumento que relaccedilotildees eacutetnico-raciais satildeo aquelas criadas por sujeitos de diferentes grupos par-
tindo de ideias conceitos e informaccedilotildees sobre as diferenccedilas raciais percebendo suas seme-
lhanccedilas criando desta forma um sentimento de pertencimento racial
Com efeito esse debate culminou em diversas propostas de implementaccedilatildeo de accedilotildees
para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais conforme suscitado pela Secretaria de Educa-
ccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SECADMEC) Estas propostas assumiriam o
rol de orientaccedilotildees para a implementaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais com abrangecircncia em to-
dos os niacuteveis de ensino nas instituiccedilotildees puacuteblicas e particulares do territoacuterio nacional Entre os
diferentes princiacutepios que presidiram a produccedilatildeo desses documentos vale destacar os seguin-
tes
Socializaccedilatildeo e visibilidade da cultura negro-africana
Formaccedilatildeo de professores com vistas agrave sensibilizaccedilatildeo e agrave construccedilatildeo de es-trateacutegias para melhor equacionar questotildees ligadas ao combate agraves discri-
minaccedilotildees racial de gecircnero e agrave homofobia
Construccedilatildeo de material didaacutetico-pedagoacutegico que contemple a diversidade
eacutetnico-racial na escola Valorizaccedilatildeo dos diversos saberes
Valorizaccedilatildeo das identidades presentes nas escolas sem deixar de lado esse
esforccedilo nos momentos de festas e comemoraccedilotildees (SECADMEC 2006 p 24)
Seja como for muito embora a Lei tenha vindo como um ajuste de contas ela natildeo teve
o dinamismo das lutas realizadas para sua implementaccedilatildeo No estado do Maranhatildeo por
exemplo que apresenta o terceiro maior percentual de residentes autodeclarados como negros
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(perde apenas para o Paraacute e a Bahia) as poliacuteticas de afirmaccedilatildeo voltadas para a populaccedilatildeo
afrodescendentes ainda natildeo foram desenvolvidas tatildeo sistematicamente quanto se esperava
O Plano Estadual de Educaccedilatildeo (PEE) que eacute uma exigecircncia federal eacute pouco
conhecido pelos professores da rede estadual e embora traga um diagnoacutestico
realista com base nesses indicadores educacionais e destaque nas metas e estrateacutegias formas de reparar essa realidade natildeo eacute utilizado na praacutetica Esse
plano foi construiacutedo pelo Foacuterum Estadual de Educaccedilatildeo atraveacutes de vinte con-
ferecircncias intermunicipais e aprovadas no governo de Roseana Sarney atra-
veacutes da Lei nordm 10099 de 11 de junho de 2014 (SANTOS 2018 p)
Apesar disso o governo do Estado em conjunto com intelectuais autoridades e pes-
quisadores tem tentado implementar o Plano Estadual de Poliacutetica de Promoccedilatildeo da Igualdade
Eacutetnico-Racial (2006) bem como promovido conferecircncias com regularidade para debater so-
bre a promoccedilatildeo de iniciativas voltadas agrave populaccedilatildeo negra do Estado
Como em todo o resto no entanto se de um lado convivemos com avanccedilos significa-
tivos no plano legal a verdade concreta eacute que no plano do cotidiano escolar ainda convivemos
com uma inclusatildeo muito limitada a momentos estanques comemorativos e com teor folcloacuteri-
co estando muito aqueacutem de uma inserccedilatildeo interdisciplinar como preconizado pelo texto legal
Sob a perspectiva assumida neste trabalho a valorizaccedilatildeo do respeito agrave diferenccedila que estaacute na
base do multiculturalismo teve evidentes vitorias no campo das poliacuteticas puacuteblicas no Brasil e
na Ameacuterica Latina Ocorre que quando observamos o cotidiano das instituiccedilotildees e estudamos
as culturas escolares especiacuteficas percebemos que elas ainda reproduzem as formas escolares
hegemocircnicas que satildeo atravessadas por uma concepccedilatildeo que naturaliza a desigualdade as hie-
rarquias e as concepccedilotildees racializada da realidade
Nesse sentido
Espera-se que ao longo dos anos o caraacuteter emergencial dessa medida de
accedilatildeo afirmativa decirc lugar ao seu total enraizamento enquanto lei nacional a ponto de passar a fazer parte do imaginaacuterio pedagoacutegico e da poliacutetica educa-
cional brasileira e natildeo mais ser vista como uma legislaccedilatildeo especiacutefica Nesse
caso entendida como Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional a Lei nordm 1063903 poderaacute garantir aquilo que os defensores das accedilotildees afirmativas
pleiteiam ou melhor que as poliacuteticas universais brasileiras incluam e garan-
tam de forma expliacutecita o direito agrave diferenccedila (GOMES 2010 p 21)
Atento ao quadro sob observaccedilatildeo que combina deficiecircncias estruturais carecircncias de
materiais especializados obstaacuteculos decorrentes da proacutepria formaccedilatildeo dos professores e as
resistecircncias oriundas do acircmbito propriamente escolar ndash cada vez mais atravessado por uma
accedilatildeo ostensiva das igrejas evangeacutelicas notadamente ndash concebemos este trabalho como uma
52
singela contribuiccedilatildeo para melhoria desse quadro cuja razatildeo de ser deriva do engajamento do
autor desse trabalho como pessoa e profissional no espaccedilo em pauta
53
CAPIacuteTULO 3- DA ESCOLA PARA OS TERREIROS normas experiecircncias e percep-
ccedilotildees sobre as religiotildees afro-brasileiras
Este capiacutetulo assume uma dimensatildeo muito mais diagnoacutestica sobre o funcionamento da
cultura escolar em pauta A comeccedilar pelo fato de tentar discuti-la a partir da descriccedilatildeo dos
paracircmetros e normas que moldam o curriacuteculo com atenccedilatildeo particular aos significados e desa-
fios da implementaccedilatildeo da Lei 1063903 Ocorre que a exploraccedilatildeo dessa cultura escolar requi-
sita ainda que efetuemos uma caracterizaccedilatildeo mais detalhada do espaccedilo de anaacutelise da estrutura
do estabelecimento escolar e tambeacutem das percepccedilotildees que seus atores tecircm a respeito da inclu-
satildeo de temas relacionada agrave histoacuteria cultura e religiosidade africana e afro-brasileira no espaccedilo
escolar Neste caso recorremos tanto agrave aplicaccedilatildeo de questionaacuterios estruturados com alunos e
professores (disponiacuteveis nos anexos da dissertaccedilatildeo) como tambeacutem estabelecemos diaacutelogo
com docentes atuais e que jaacute passaram pela instituiccedilatildeo para entendermos como eles percebe
(ia)m a relaccedilatildeo entre a escola e os terreiros O tiacutetulo do capiacutetulo da escola para os terreiros
representa pois a tentativa de compreender como na escola em estudo para anaacutelise com a
proximidade geograacutefica e relacional com os diversos terreiros do entorno eacute pensada concebi-
da e que iniciativas foram executadas ao longo do processo
Como seraacute visto a despeito de haver resistecircncias e ateacute mesmo certo despreparo teacutecnico
os tracircnsitos de agentes os ajustes de loacutegicas e as negociaccedilotildees satildeo antigos o que levanta o
problema das ineacutercias educativas para coordenaccedilatildeo desse processo Por essa razatildeo na uacuteltima
parte do capiacutetulo exploramos a experiecircncia de realizaccedilatildeo de oficinas que ministramos na esco-
la e que estiveram na base da produccedilatildeo do material didaacutetico que acompanha a presente disser-
taccedilatildeo
31 As mutaccedilotildees no curriacuteculo e o desafio de implementaccedilatildeo da Lei 106392003
O papel fundamental da educaccedilatildeo no desenvolvimento das pessoas e das so-
ciedades amplia-se ainda mais no despertar do novo milecircnio e aponta para
a necessidade de se construir uma escola voltada para a formaccedilatildeo de cida-
datildeos Vivemos numa era marcada pela competiccedilatildeo e pela excelecircncia em que progressos cientiacuteficos e avanccedilos tecnoloacutegicos definem exigecircncias novas
para os jovens que ingressaratildeo no mundo do trabalho ldquoTal demanda impotildee
uma revisatildeo dos curriacuteculos que orientam o trabalho cotidianamente reali-zado pelos professores e especialistas em educaccedilatildeo do nosso paiacutesrdquo
(Paulo Renato Souza Ministro da Educaccedilatildeo e do Desporto PCNrsquos 1998
p 5)
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As escolas brasileiras ao longo da sua construccedilatildeo vecircm debatendo sobre o curriacuteculo no
que se refere agrave distribuiccedilatildeo de conteuacutedos sobretudo com questotildees que englobam a temaacutetica
do respeito agraves diferenccedilas dentro do espaccedilo escolar Como pudemos demonstrar no capiacutetulo
anterior essa discussatildeo natildeo eacute recente e resulta em grande medida da atuaccedilatildeo importantiacutessi-
ma do movimento negro
Nessa perspectiva para manter uma estrutura de ensino minimamente aproximada das
verdadeiras aspiraccedilotildees da educaccedilatildeo as escolas devem se basear em propostas que orientem
efetivamente para o exerciacutecio da cidadania e estejam adaptadas agraves peculiaridades do contexto
em pauta conforme orientam os Paracircmetros Curriculares Nacionais que satildeo
[] diretrizes elaboradas com o objetivo principal de orientar os educadores por
meio da normatizaccedilatildeo de alguns fatores fundamentais concernentes a cada discipli-na [] no exerciacutecio da cidadania Embora natildeo sejam obrigatoacuterios os PCNrsquos ser-
vem como norteadores para professores coordenadores e diretores que podem
adaptaacute-los agraves peculiaridades locais [] para a transformaccedilatildeo de objetivos conteuacute-
dos e didaacutetica do ensino (BRASIL PCNrsquos 1998 p 11 grifo nosso)
Com o objetivo de apresentar instrumentos mencionamos os paracircmetros na visatildeo de
um professor da rede municipal de Ensino de Cururupu- MA Para o docente
Paracircmetros satildeo orientaccedilotildees para os professores seguirem na medida em que desenvolvem atividades em sala de aula com o objetivo de propiciar um en-
sino moderadamente eficaz apesar de que isso natildeo seja colocado em praacutetica
(Professor Edivaldo Rodrigues julho de 2018) 10
Conceitualmente os paracircmetros orientam praacuteticas de ensino das disciplinas e aborda-
gens de seus conteuacutedos com o objetivo de aprimorar habilidades e competecircncias no corpo
discente No que tange ao Ensino de Histoacuteria prescreve orientaccedilotildees para que a escola apren-
da a reconhecer e valorizar a ldquopluralidade do patrimocircnio sociocultural brasileirordquo e ao mes-
mo tempo conhecer tambeacutem os ldquoaspectos socioculturais de outros povos posicionando-se
contra qualquer discriminaccedilatildeo []rdquo (OLIVA 2009 p 145)
Desse modo esses documentos objetivam orientar o professor quanto agrave necessidade de
trabalhar a diversidade presente na escola os elementos que a formatam a pluralidade de sa-
beres existentes nos grupos Eacute interessante observar o descompasso entre aquilo que eacute apre-
sentado nos documentos legais geralmente trabalhados de maneira superficial ou para preen-
cher determinados rituais pedagoacutegicos (SANTOS 2015) e as formas praacuteticas de exerciacutecio nas
diferentes configuraccedilotildees escolares Quando se observa de maneira mais aproximada o cotidi-
ano escolar ainda tendo em vista o descompasso supramencionado o que se percebe eacute que
10 Edivaldo Rodrigues professor da Rede Municipal de Ensino de Cururupu trabalha com a disciplina Liacutengua
Portuguesa na Unidade Integrada Herculana Vieira I
55
mesmo naqueles casos em que haacute um esforccedilo para aplicaccedilatildeo de novas praacuteticas pedagoacutegicas
ocorrem vaacuterios problemas sejam eles oriundos da formaccedilatildeo da disposiccedilatildeo dos profissionais
ou ateacute mesmo do caraacuteter meramente pragmaacutetico e superficial como que essas diretrizes satildeo
implementadas
O professor eacute o principal agente de transmissatildeo dos conhecimentos dentro da sala de
aula dessa maneira merece atenccedilatildeo especial quanto a novos conteuacutedos a serem repassados
aos alunos No que se refere agrave Cultura Afro-Brasileira esse cuidado deve ser ainda maior
pois se torna essencial que o educador compreenda as implicaccedilotildees propriamente poliacuteticas que
perpassam o processo de ensino-aprendizagem Sem duacutevida essa decisatildeo estaacute no princiacutepio de
sua atuaccedilatildeo pedagoacutegica e tende a refletir-se sobre a maneira como a desigualdade e injusticcedila
social satildeo tratadas dentro da escola No cotidiano escolar eacute fundamental que a educaccedilatildeo seja
antirracista visando agrave erradicaccedilatildeo das discriminaccedilotildees dos preconceitos e de tratamentos dife-
renciados Ocorre que o espaccedilo escolar ainda continua repassando ideias e estereoacutetipos pre-
concebidos independente da forma de disseminaccedilatildeo (material didaacutetico e de apoio meio de
comunicaccedilatildeo corpo docente e discente dentre outros) Essas manifestaccedilotildees devem ser criti-
cadas com fervor e principalmente banidas do meio social dado que se conectam a manuten-
ccedilatildeo do preconceito e de comportamentos discriminatoacuterios que reforccedilam a desigualdade social
como menciona Cavalleiro (2001)
[] na educaccedilatildeo nem sempre os agentes estatildeo conscientes de que a manu-
tenccedilatildeo dos preconceitos seja um problema Dessa forma interiorizamos ati-
tudes e comportamentos discriminatoacuterios que passam a fazer parte do nosso
cotidiano mantendo eou disseminando as desigualdades sociais (CA-
VALLEIRO 2001 p 152)
A praacutetica pedagoacutegica nesse sentido precisa ser eminentemente poliacutetica e consciente
do seu papel central no combate ao racismo ao preconceito agrave discriminaccedilatildeo e agraves demais ma-
neiras de classificaccedilatildeo social negativa Sob nossa perspectiva o cotidiano escolar pode ser um
meio eficiente de dispersatildeo ou dissipaccedilatildeo de atos preconceituosos Portanto quando se assu-
me uma postura contraacuteria agrave desigualdade e segue-se rumo agrave visatildeo de paridade entre as pesso-
as compreende-se que a escola tambeacutem tem esse papel pois eacute um aparelho ideoloacutegico efici-
ente na formaccedilatildeo social (ALVES 2007)
Nesse sentido cabe a todos os integrantes da escola - professores apoio pedagoacutegico
diretores funcionaacuterios comunidade - colocarem em exerciacutecio as determinaccedilotildees da Lei ndeg
106392003 concernentes agrave Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africana Dessa maneira o
professor deve estar sempre atento aos conteuacutedos que devem ser ensinados sobre a cultura
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afro-brasileira precisando pesquisar e implementar o que determina os Paracircmetros Curricula-
res Nacionais Evidentemente isto se conecta a uma percepccedilatildeo renovada do curriacuteculo enten-
dido como meio para a construccedilatildeo de identidade e valorizaccedilatildeo da dignidade e diferenccedila
Segundo Antocircnio Flaacutevio Barbosa Moreira e Vera Maria Candau(2007)
[] O curriacuteculo representa assim um conjunto de praacuteticas que propiciam a produccedilatildeo a circulaccedilatildeo e o consumo de significados no espaccedilo social e que
contribuem intensamente para a construccedilatildeo de identidades sociais e cultu-
rais O curriacuteculo eacute por consequecircncia um dispositivo de grande efeito no
processo de construccedilatildeo da identidade do (a) estudante (CANDAU MO-REIRA 2006 p 28)
O curriacuteculo como criaccedilatildeo simboacutelica no fazer pedagoacutegico permeia as atividades de
criaccedilatildeo recriaccedilatildeo contestaccedilatildeo e transgressatildeo dos saberes possibilitando significados e nego-
ciaccedilotildees De acordo com Medeiros (2017 p 41) ldquoO curriacuteculo como hoje se apresenta remonta
em certa medida agraves deacutecadas de 1920 e 1930 periacuteodo de eminentes mudanccedilas culturais no
Brasil sobretudo transformaccedilotildees econocircmicas e poliacuteticas
Nesse cenaacuterio em que debates acalorados sobre a educaccedilatildeo ocorriam em diferentes
espaccedilos fortes influecircncias dos Estados Unidos e da Europa foram basilares para a construccedilatildeo
de pautas que debatessem o curriacuteculo como proposta passiacutevel de mudanccedilas Autores ligados
ao pragmatismo e a Escola Nova lanccedilaram propostas que debatiam sobre o curriacuteculo e os con-
teuacutedos como forma de pensar uma educaccedilatildeo mais acessiacutevel tanto em termos de acesso fiacutesi-
co como na redistribuiccedilatildeo de temas a serem trabalhados em sala de aula (PACHECO 2005)
Eacute vaacutelido ressaltar que as primeiras publicaccedilotildees no Brasil referentes ao curriacuteculo satildeo
realizadas entre as deacutecadas de 1950 e 1960 tendo autores como Joatildeo Roberto Moreira e Ma-
rina Couto Entre as deacutecadas de 1970 e 1980 surgem representantes no cenaacuterio nacional com
pensamento voltado para o tecnicismo e pensadores como Baacuterbara Freitag e Luiz Antocircnio
Cunha que apresentavam um pensamento criacutetico (MEDEIROS 2017) Soma-se a esse grupo
ainda um conjunto de outros intelectuais que defendiam uma construccedilatildeo do curriacuteculo atenta agrave
realidade escolar baseando-se na realidade social dos seus estudantes como visto nas pers-
pectivas pedagoacutegicas e propostas de teoacutericos da pedagogia como Paulo Freire (1996) e De-
merval Saviani (1999)
A despeito disso como demonstra Nilma Lino Gomes (2012) ao comentar sobre
a histoacuteria do curriacuteculo e da descolonizaccedilatildeo ainda eacute necessaacuterio lidar com um curriacuteculo ainda
formulado com base em padrotildees eurocecircntricos e a proacutepria formaccedilatildeo dos professores constitui
outro entrave para esse processo de superaccedilatildeo Como tambeacutem ressalta Aacutevila
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[] uma das razotildees que se constata eacute a organizaccedilatildeo curricular dos cursos de
formaccedilatildeo de docentes o que vimos satildeo curriacuteculos ainda muito teacutecnicos que natildeo favorecem nem preparam o professor para a valorizaccedilatildeo plural da cultu-
ra Os curriacuteculos estatildeo ligados e refletem o que preconizam as camadas do-
minantes da sociedade que congelam as identidades e reproduzem a desi-gualdade social (AacuteVILA 2010 p 46)
Nesse quadro sem duacutevida a implementaccedilatildeo da Lei ndeg 106392003 pode ser lida como
uma conquista concreta realizada ao longo de anos e por intermeacutedio de vaacuterios atores individu-
ais e coletivos para valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira em meios escolares De um ponto de
vista praacutetico contribui para ldquoconstruccedilatildeo e viabilizaccedilatildeo de novos acordos sociais por meio do
qual a valorizaccedilatildeo formal da cultura negra eacute reconhecida como uma das matrizes da sociedade
brasileirardquo (BAKKE 2011 p 62)
A Lei 106392003 reformula o curriacuteculo oficial pois eacute atraveacutes deste que satildeo escolhi-
das as propriedades do que ensinar ou natildeo nas escolas brasileiras O curriacuteculo educacional eacute
estruturalmente a manifestaccedilatildeo das poliacuteticas oficialmente aceitas em uma sociedade pois
condensa o estado das lutas poliacuteticas e sociais no formato de regras e conteuacutedos legitimados
Desnecessaacuterio dizer que os conteuacutedos e saberes consagrados celebram direta e tacitamente as
concepccedilotildees de mundo dos dominantes Na praacutetica a expectativa era de que essa lei consoli-
dasse o compromisso da escola e dos seus profissionais com a formaccedilatildeo para a cidadania for-
talecendo competecircncias para o respeito agrave diversidade e a valorizaccedilatildeo dos diferentes atores e
culturas que estiveram na base da formaccedilatildeo social do Brasil (SANCHEZ 2017)
Mesmo que exista uma vasta literatura acadecircmica no campo do pensamento social bra-
sileiro que ateste a influecircncia da cultura africana e a sua inestimaacutevel contribuiccedilatildeo para a for-
maccedilatildeo da sociedade brasileira ainda eacute fato que no cotidiano essa heranccedila ainda eacute rechaccedilada e
rejeitada com variaccedilotildees obviamente em cada configuraccedilatildeo territorial Eacute precisamente nesse
sentido que a obrigatoriedade de trabalhar com essa cultura adquire pleno sentido exigindo
que as instituiccedilotildees brasileiras de ensino baacutesico sejam compelidas a incluir no seu curriacuteculo o
ensino de Histoacuteria e da Cultura afro-brasileira e Africana como um tema transversal (ALVES
2007)
Esse contexto traz aspectos pertinentes com relaccedilatildeo agrave dignidade da pessoa humana
Poreacutem quando avaliada do acircngulo das suas condiccedilotildees de implementaccedilatildeo passamos a perce-
ber que ela ainda constitui um desafio concreto para a atuaccedilatildeo docente
As questotildees eacutetnico-raciais ao lado da Lei 1063903 suscitam na educaccedilatildeo
desafios e tensotildees na dimensatildeo cognitiva e subjetiva dos docentes e nos es-
paccedilos escolares Por outro lado a Lei natildeo eacute de faacutecil aplicaccedilatildeo pois trata de
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questotildees curriculares que satildeo conflitivas desconsideradas muitas vezes pois
questionam e desconstroem saberes histoacutericos considerados como verdades inabalaacuteveis (AacuteVILA 2010 p 69)
E isto por vaacuterios motivos Gentile apud Alves (2007) por exemplo revela que a des-
qualificaccedilatildeo da cultura africana eacute constantemente refletida em sala de aula pois a discrimina-
ccedilatildeo eacute tambeacutem percebida pelo fato que o segundo maior continente do mundo apresenta a
literatura africana apenas quando trata o tema ldquoescravidatildeordquo natildeo divulgando a riqueza literaacute-
ria e o conhecimento da capacidade intelectual do negro De maneira semelhante a importacircn-
cia do afrodescendente tambeacutem natildeo eacute explorada com toda a sua riqueza
Poreacutem como vimos anteriormente se as formas escolares hegemocircnicas se encontram
estruturalmente ligadas agrave reproduccedilatildeo dos padrotildees e formas culturais dominantes a reformula-
ccedilatildeo da produccedilatildeo do saber escolar com base na inclusatildeo dos elementos anteriormente tratados
como marginais natildeo deixa de suscitar resistecircncias mais ou menos conscientes em que pese os
inegaacuteveis avanccedilos institucionais E aqui talvez se encontre um dos principais dilemas do pro-
cesso em anaacutelise Enquanto por um lado constata-se uma seacuterie de avanccedilos ao niacutevel propria-
mente juriacutedico-poliacutetico o mesmo natildeo ocorre no padratildeo cotidiano de interaccedilotildees face a face
dentro do espaccedilo escolar Primeiramente porque a proacutepria configuraccedilatildeo do Estado brasileiro
parece ter sido orientada por criteacuterios racializados cuja inscriccedilatildeo nas instituiccedilotildees constitui um
dos principais entraves para a implementaccedilatildeo praacutetica da referida Lei (SANCHEZ 2017)
Nestes aspectos funda-se o desejo de uma consciecircncia histoacuterica e poliacutetica da aceitaccedilatildeo
da diversidade que nos leve agrave compreensatildeo e agrave aceitaccedilatildeo dos sujeitos integrantes e partiacutecipes
de nossa formaccedilatildeo social Como ressalta Borges (2010) grupos distintos eacutetnico-raciais que
satildeo dotados de cultura e histoacuterias diferentes devem ter o mesmo valor na conjuntura social
Neste sentido conveacutem apoiar as medidas que visem agrave preservaccedilatildeo dos seus princiacutepios identi-
taacuterios e que visem agrave garantia do respeito agrave proacutepria diversidade e ao conviacutevio muacutetuo Ou seja a
educaccedilatildeo escolar deve servir agrave tarefa puacuteblica de oportunizar aos diferentes atores sociais os
conhecimentos e as ferramentas para garantia de direitos oferecendo as condiccedilotildees para o efe-
tivo exerciacutecio da cidadania
Dada agrave importacircncia do saber escolar nesse cenaacuterio eacute fundamental que os professores
estejam aptos para dispor de estrateacutegias e propostas de aprendizado que levem o aluno a refle-
tir criticamente sobre seu contexto social que alicercem a responsabilidade com os princiacutepios
eacuteticos de respeito agrave diferenccedila e que agucem o senso criacutetico dos estudantes para quando neces-
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saacuterio discutirem contestarem em toacutepicos e questotildees que natildeo dizem somente respeito ao in-
diviacuteduo em particular como tambeacutem ao universo social mais amplamente considerado
Como enfatiza Alves (2007) as escolas devem cumprir de forma detalhada as poliacuteticas
educacionais instituiacutedas pelas leis em vigor principalmente as que reconhecem e dignificam a
diversidade eacutetnico-racial Assim constituem-se os paracircmetros institucionais e reforccedilam-se os
princiacutepios que moldam o respeito agrave diversidade cultural na educaccedilatildeo Sanchez (2017) por
outro lado faz uma anaacutelise histoacuterica das poliacuteticas e praacuteticas da educaccedilatildeo brasileira demons-
trando o quanto de avanccedilo ocorreu no sentido da criaccedilatildeo de formas de consciecircncia poliacutetica
cidadatilde muito embora assevere que com relaccedilatildeo aos menos favorecidos a sociedade com
todas as transformaccedilotildees que teve ainda natildeo foi capaz de superar a desigualdade racial
Eacute importante reconhecer que a Lei de ndeg 1063903 natildeo estabelece privileacutegios tam-
pouco prioridade mas tem como foco colocar de forma justa a histoacuteria do negro no Brasil
reconhecendo principalmente as injusticcedilas sofridas ao longo da histoacuteria e criminalizando os
atos de racismo Neste sentido as escolas devem se adequar a determinaccedilatildeo desta lei ampli-
ando seu curriacuteculo para proporcionar aos estudantes praacuteticas que contribuam para o reconhe-
cimento e o resgate histoacuterico cultural dos povos africanos no Brasil trazendo agrave tona os discur-
sos da diversidade raciais culturais sociais e econocircmicos existentes no nosso paiacutes (FERRAZ
2011)
Borges (2010) diz que a instauraccedilatildeo da Lei nordm 106392003 foi um momento impar na
histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira e de fundamental importacircncia para o ensino da diversidade
cultural nas escolas do nosso paiacutes jaacute que em seus aspectos mais amplos preza pela valoriza-
ccedilatildeo da diversidade cultural e histoacuterica do povo afrodescendente Jaacute estava mais do que na hora
do Estado brasileiro elaborar uma ferramenta para reparar os danos histoacutericos causados aos
negros no Brasil haacute mais de cinco seacuteculos como conclui
Para Ferraz (2011) o debate sobre a lei proporcionou um avanccedilo significativo nas rela-
ccedilotildees eacutetnico-socais no Brasil portanto abriu um leque de opccedilotildees de atuaccedilatildeo da afirmaccedilatildeo posi-
tiva das culturas no campo educacional o tema vem sendo proporcionalmente divulgado o
acesso agrave internet aos livros didaacuteticos a literatura figuras imagens e muitos exemplos do
povo negro que sem duacutevida tornou e torna as aulas mais reflexivas e ricas conceitualmente
Sabe-se que a Lei 106392003 eacute apenas mais uma arma na luta que se trava a deacutecadas que
vem sendo construiacutedas concomitantemente nas escolas brasileiras demonstrando a voz e a
forccedila dos grupos discriminados no cenaacuterio nacional
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32 Descrevendo a instituiccedilatildeo escolar histoacuterias atores e experiecircncias
O municiacutepio de Cururupu compotildee uma das 217 unidades administrativas do Estado do
Maranhatildeo estando localizado no litoral ocidental a 465 km da capital Satildeo Luiacutes O local onde
hoje se encontra a sede do municiacutepio era originariamente habitado pelos iacutendios tupinambaacutes
cujo cacique do grupo era conhecido como Cabelo de Velha nome hoje dado a uma baiacutea proacute-
xima a sede (IBGE 2010) Seu povoamento teve iniacutecio por volta de 1816 a partir das entradas
chefiadas por Bento Maciel Parente que subjugou os iacutendios tupinambaacutes ali aldeados matando
o cacique Cabelo de Velha Os iacutendios sobreviventes deste massacre abandonaram a terra de-
vida agrave impossibilidade de conviacutevio com o homem branco A partir daiacute portugueses vindos de
Guimaratildees comeccedilaram a povoar a regiatildeo dando iniacutecio ao ciclo das grandes fazendas onde se
fabricavam farinha de mandioca accediluacutecar e aguardente usando engenhos a vapor (IBGE 2010)
Quanto agrave origem do nome nenhuma das explicaccedilotildees disponiacuteveis eacute aceita unanime-
mente Uma das versotildees diz que o nome se originou da junccedilatildeo do som da arma (pu) que ma-
tou o cacique Cabelo de Velha que os iacutendios chamavam de Cururu Cururu+PU dando o no-
me a cidade de Cururupu Outra versatildeo estaacute relacionada com uma fazenda existente agrave margem
esquerda do rio que banha a atual sede do municiacutepio cujo nome era ldquoFazenda Cururupurdquo
existe ainda uma terceira versatildeo que o nome originou-se devido a grande quantidade de sapos
conhecidos por sapos cururus segundo essa versatildeo o nome originou-se da uniatildeo do nome dos
sapos e dos sons do seu coaxar (IBGE 2010)
Atraveacutes da Lei Provincial nordm 13 de maio de 1835 foi entatildeo criada a freguesia de Curu-
rupu conhecida pelo 3ordm Distrito de Cabelo de Velha subordinada administrativamente a
Guimaratildees (COSTA 2014 p 23) Em 1842 outra Lei Provincial a de ndeg 120 de 03 de outu-
bro eleva a freguesia agrave categoria de vila conhecida como Cururupu desmembrando-se entatildeo
de Guimaratildees e conquistando sua autonomia administrativa A Lei Estadual nordm 893 de 09
marccedilo de 1920 eleva a vila a categoria de cidade Em divisatildeo administrativa referente ao ano
de 1933 o municiacutepio aparece constituiacutedo do distrito sede (CRUZ 2012)
Atualmente a sede do municiacutepio apresenta caracteriacutesticas de cidade histoacuterica contendo
um patrimocircnio arquitetocircnico avaliado como do tipo colonial A zona rural eacute composta por
pescadores artesanais O municiacutepio de Cururupu concentra hoje uma populaccedilatildeo estimada em
32652 mil habitantes (IBGE 2010) com 685 residente na sede e 315 na zona rural e nas
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ilhas portanto 22270 na zona urbana e 10382 na zona rural sendo a maioria negra Os negros
que hoje povoam a cidade satildeo descendentes de povos que vieram do Daomeacute (Benin) para tra-
balharem na condiccedilatildeo de escravos nas antigas fazendas de mandioca accediluacutecar e aguardente
A cidade eacute banhada pelos rios Liconde e Cururupu tendo como principais atividades
econocircmicas a agricultura pesca e comeacutercio As religiotildees praticadas pelos cururupuenses satildeo
catolicismo protestantismo e religiotildees de matriz africana O municiacutepio conta atualmente com
26 (vinte e seis) bairros 51 (cinquenta e uma) escolas da rede municipal e 04 (quatro) da rede
estadual a saber Centro de Ensino Gervaacutesio Protaacutesio dos Santos situado agrave Rua Eurico Gaspar
Dutra nordm 141 Bairro Jacareacute Centro de Ensino Joana Batista Dias situado agrave Avenida Liberalino
Miranda nordm 134 Bairro Jacareacute Instituto Estadual de Educaccedilatildeo Ciecircncia e Tecnologia do Mara-
nhatildeo (IEMA) localizado agrave Rua Governador Antocircnio Dino MA-006 ndash Areia Branca e o Centro
de Ensino Joatildeo Marques Miranda localizado agrave Rua General Osoacuterio sn Bairro de Satildeo Benedi-
to onde concentramos a presente pesquisa Apresentamos abaixo a fachada desta escola
Imagem 3 Fachada do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda-Cururupu
Fonte Arquivo Pessoal
A Unidade Escolar Joatildeo Marques Miranda hoje Centro de Ensino Joatildeo Marques Mi-
randa funcionou por um periacuteodo em um preacutedio da prefeitura localizado no Bairro Areia
Branca depois passou a funcionar na Unidade Escolar Silvestre Fernandes desenvolvendo
suas atividades em dois turnos Teve como gestora geral Izaurina Fonseca Nesse intervalo
houve muitas mudanccedilas devido agrave escola natildeo possuir um preacutedio proacuteprio Em 08 de novembro
de 1984 o Conselho Estadual de Educaccedilatildeo do Maranhatildeo a eacutepoca do governo Joatildeo Castelo
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emitiu parecer da Cacircmara de Ensino de 1ordm Grau emitido com o processo nordm 95085 o CEE
reconheceu a escola como dependecircncia administrativa estadual
A partir de 1984 a escola passou a funcionar no atual endereccedilo localizado agrave Rua Ge-
neral Osoacuterio sn durante a administraccedilatildeo do prefeito Joseacute dos Santos Amado sendo que o
preacutedio era pertencente ao municiacutepio A pedido da diretora Floranilde Dias da Silva o preacutedio
foi cedido a Escola Joatildeo Marques Miranda em 1995
A escola na eacutepoca possuiacutea turmas de 1ordf a 4ordf seacuterie e Jardim de Infacircncia No iniacutecio dos
anos 2000 com a mudanccedila de responsabilidade do ensino fundamental para a rede municipal
a escola comeccedilou a trabalhar com o ensino de jovens e adultos com anexos nas praias de Ma-
racujatiua e Aquiles Lisboa Neste periacuteodo esteve na direccedilatildeo agrave professora Floranilde Dias da
Silva e Clara Maria Cunha e como coordenadora pedagoacutegica Deacuterika Sandriane da Silva Maia
licenciada em pedagogia pelo CEERSEMA especialista em Psicopedagogia pelo Instituto de
Ensino Superior Franciscano Paccedilo do Lumiar Atualmente a escola eacute dirigida pelas Professo-
ras Keyth Cristina Pestana Chaves e Gizelda de Faacutetima Reis Diniz ambas licenciadas em Le-
tras pela Universidade Estadual do Maranhatildeo (UEMA)
A escola recebeu este nome em homenagem a um dos primeiros intendentes de grande
prestiacutegio do municiacutepio de Cururupu e que foi tambeacutem um grande comerciante da regiatildeo na
exportaccedilatildeo de farinha e um dos primeiros donos do Siacutetio Satildeo Lourenccedilo Filho de Pedro Beleacutem
Miranda e Umberlina Marques Miranda Joatildeo Marques Miranda nasceu no dia 23 de outubro
de 1888 e faleceu em 1ordm de abril de 1954 na cidade de Cururupu
Imagem 4 - Joatildeo Marques Miranda
Fonte Arquivo Pessoal
63
No turno noturno em que a pesquisa foi aplicada os horaacuterios de aula iniciam agraves
19h00min horas e terminam agraves 22h30min perfazendo 5 horasaulas Os alunos matriculados
assim estatildeo distribuiacutedos turma 10027 alunos turma 10130 alunos turma 102 28 alunos
turma 20132 alunos e turma 20237 alunos As etapas funcionam da seguinte forma as tur-
mas do 1ordm ano estudam 50 da primeira e 50 da segunda seacuterie e a outra etapa eacute a 3ordf seacuterie
completa O Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda possui 42 funcionaacuterios entre efetivos e
contratados assim distribuiacutedos 01 Gestora Geral 01 Gestora Adjunta 01 secretaacuteria 02 assis-
tentes de serviccedilos gerais 05 vigilantes 03 apoio pedagoacutegico (reduccedilatildeo de carga horaacuteria) 02
agentes administrativos dos 22 professores uma professora estaacute aguardando aposentadoria e
outra estaacute de licenccedila para tratamento de sauacutede dos 41 funcionaacuterios 37 satildeo efetivos e 04 satildeo
em regime de contrato
3 3 Mapeando as avaliaccedilotildees dos discentes e docentes sobre religiotildees afro-brasileiras
Para apreender as diferentes concepccedilotildees e perspectivas de alunos e professores a res-
peito das religiotildees afro-brasileiras aplicamos dois questionaacuterios que a despeito de sua ade-
quaccedilatildeo aos diferentes puacuteblicos pesquisados convergiam em relaccedilatildeo a algumas variaacuteveis Para
os discentes os eixos principais concentraram-se sobre a relaccedilatildeo que os estudantes estabele-
ciam com a escola as percepccedilotildees sobre o ser negro e a cultura a maneira como a escola lida-
va com a temaacutetica da histoacuteria e cultura afro-brasileira Com relaccedilatildeo aos professores aleacutem da
natureza dos viacutenculos com o estabelecimento indagamos sobre como percebem o acolhimen-
to por parte da escola da temaacutetica religiotildees africanas quais as estrateacutegias pedagoacutegicas aciona-
das por eles e elas e suas percepccedilotildees a respeito do fenocircmeno religiatildeo no ambiente escolar Em
anexo apresentamos os dois questionaacuterios utilizados na pesquisa Assim embora possuam
especificidades ndash e natildeo poderia ser diferente dado que se trata de universos com caracteriacutesti-
cas e posiccedilotildees institucionais distintas ndash as respostas produzidas pela aplicaccedilatildeo desse questio-
naacuterio ajudam muito a compreender e a diagnosticar a extensatildeo e complexidade do desafio em
pauta
Importa assinalar que meu primeiro contato com a escola ocorreu antes da pesquisa e
de maneira bastante formal quando trabalhei como Gestor-adjunto da instituiccedilatildeo A proposta
de pesquisa resultou inclusive dessa inserccedilatildeo profissional anterior Nesta convivecircncia perce-
bi a proximidade como alunos e professores transitavam no mesmo espaccedilo com pais e matildees
de santo que demarcavam aquele espaccedilo com suas festividades no entanto essa proximidade
natildeo era explorada nas atividades pedagoacutegicas Tudo ocorria como se essas relaccedilotildees que exis-
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tiam no cotidiano natildeo tivessem condiccedilotildees de assumir um formato pedagoacutegico reflexivamente
construiacutedo Mesmo entre agentes que transitavam entre esses diferentes espaccedilos
Quando a pesquisa teve efetiva inserccedilatildeo o primeiro passo dado foi agrave realizaccedilatildeo de
uma palestra com alunos e professores para a apresentaccedilatildeo do projeto e seus objetivos Ao
longo do encontro ao apresentar a proposta de discussatildeo perguntamos aos presentes basica-
mente profissionais da educaccedilatildeo e alunos a respeito do conhecimento deles sobre os terreiros
que existiam no entorno da escola obtendo respostas positivas em poucos casos Eacute difiacutecil de-
finir se essas respostas puacuteblicas implicavam em desconhecimento concreto ou se constituiacuteam
apenas uma maneira de natildeo explicitar relaccedilotildees mais proacuteximas como uma forma de gestatildeo da
identidade Por essa razatildeo optou-se tambeacutem pela aplicaccedilatildeo do questionaacuterio como uma medi-
da eficiente para contribuir com coleta das informaccedilotildees No que segue passa-se agrave exploraccedilatildeo
dos dados apresentados conforme as diferentes categorias implicadas nesta pesquisa
34 Entrando no mundo dos alunos
Inicialmente para conhecer a realidade da escola aplicamos o questionaacuterio para 90
(noventa) alunos O instrumento de pesquisa construiacutedo tinha como finalidade apreender o
entrelaccedilamento entre esses dois espaccedilos Escola e Terreiro como dito
Pode-se comeccedilar entatildeo pela composiccedilatildeo etaacuteria dos pesquisados Entre os 90 alunos
com informaccedilotildees disponiacuteveis 45 (quarenta e cinco por cento) encontravam-se na faixa etaacute-
ria de 18 a 24 anos 25 (vinte e cinco por cento) entre 26 e 30 anos 15 (quinze por cento)
representam discentes com idades entre 33 e 40 anos e 5 (cinco por cento) entre 45 e 49
anos Trata-se de uma composiccedilatildeo caracteriacutestica do niacutevel de ensino Da mesma forma quando
avaliamos as razotildees pelas quais os entrevistados datildeo continuidade aos estudos encontramos
motivaccedilotildees diversas tais como ldquoentrar no mercado de trabalhordquo especialmente no extrato
mais jovem por que haviam parado os estudos entre aqueles com faixa etaacuteria acima dos 30
anos onde tambeacutem se concentram aqueles que desejam apreender mais informaccedilotildees e que
enfrentam dificuldades para arranjar posiccedilotildees no mercado de trabalho Como esperado do
total pesquisado nada menos que 90 (noventa por cento) deles trabalhavam durante o dia
Quanto ao bairro onde residiam 30 (trinta por cento) dos alunos responderam que moravam
no Bairro de Satildeo Benedito e os demais 70 em bairros como Areia Branca Centro Faacutetima
Pitombeira Rodagem Vila Lieacutege e Vila Satildeo Francisco Ou seja a populaccedilatildeo estudantil vem
toda da mesma regiatildeo
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Por outro lado por meio da aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios com as turmas procurou cap-
tar a visatildeo dos alunos a respeito de sua identidade Quando perguntados sobre seu pertenci-
mento eacutetnico-racial 91 se autodeclararam negros o que converge com a proacutepria caracteriza-
ccedilatildeo soacutecia demograacutefica do municiacutepio conforme jaacute explicitado Os motivos apresentados eram
variados Afirmaram por exemplo que se consideravam negros porque a famiacutelia eacute toda de
negros e por isso natildeo poderiam ser de outra raccedila porque os pais vinham de negros escravos
por isso suas peles seriam negras ou simplesmente porque diziam que sua pele era negra O
restante ou seja 9 (nove por cento) dos alunos disseram ser brancos Um deles inclusive
afirmou que apesar de sua pele natildeo ser muito clara considerava-se branco jaacute que em seu do-
cumento estava escrito pardo
Graacutefico 01- Vocecirc se considera negro
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Questionados se tinham conhecimento de quais religiotildees eram praticadas em
Cururupu 42 (quarenta e dois por cento) responderam que sim 18 ( dezoito por cento)
disseram natildeo saber 21 (vinte um por cento) natildeo responderam e 19 (dezenove por cento)
apresentou o nome das denominaccedilotildees religiosas praticadas em Cururupu Eacute provaacutevel que essa
questatildeo natildeo tenha sido plenamente compreendida vez que pressupunha a ideia de apresentar
uma visatildeo geral sobre as religiotildees da localidade natildeo apreendendo efetivamente quais
religiotildees eles conheciam
66
Graacutefico 02- Vocecirc tem conhecimento de quais religiotildees satildeo praticadas em Cururupu
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Essa distorccedilatildeo fica mais visiacutevel quando perguntamos aos alunos se eles jaacute tinham ou-
vido falar sobre as religiotildees afro-brasileiras Formulada dessa forma o questionaacuterio obteve as
seguintes respostas 28 (vinte e oito por cento) responderam que natildeo 53 (cinquenta e trecircs
por cento) dos alunos responderam que sim e 19 (dezenove por cento) optaram por natildeo res-
ponder agrave questatildeo Essas respostas nos fazem pensar em diversas questotildees A comeccedilar pelo
fato de que a despeito do conviacutevio com festividades realizadas nos terreiros proacuteximos agrave esco-
la ou mesmo em seus bairros de origem parece haver ainda certo estranhamento mais ou
menos consciente a depender do pertencimento religioso com relaccedilatildeo agraves religiotildees de matriz
africana no local E natildeo se trata apenas de uma percepccedilatildeo realizada no bojo da pesquisa O
receio de tocar no assunto ou de manifestar alguma forma de conhecimento tambeacutem jaacute foi
observado por uma das docentes da escola que leciona a disciplina de Histoacuteria o que ensejou
a organizaccedilatildeo de um projeto em 2016 cuja intenccedilatildeo era evidenciar como as religiotildees africanas
faziam parte do calendaacuterio do municiacutepio e a riqueza de suas liturgias A esse respeito a pro-
fessora esclarece como foi realizada essa experiecircncia e algumas das percepccedilotildees dos estudan-
tes que podem ajudar na explicaccedilatildeo dos resultados de nossa proacutepria pesquisa
O projeto foi de grande importacircncia para a escola houve uma participaccedilatildeo dos professores dos alunos eles apresentaram coisas interessantes vieram
na frente e falaram coisa que eles jaacute sabiam e coisas que eles pesquisaram
alguns alunos evangeacutelicos participaram e atribuiacuteram a falta de interesse so-bre religiatildeo de matriz de africana por que em sua maioria as atividades que
satildeo apresentadas eacute soacute de negros cantando e danccedilando e nunca falam da reli-
giatildeo (Geordilene Ramos 2018) 11
Destarte a despeito dessa accedilatildeo da professora de histoacuteria com as religiotildees de matriz
africana na escola ainda eacute preciso trabalhar aspectos da cosmovisatildeo sobre tais praacuteticas religio-
11 Professora de Histoacuteria do C E Joatildeo Marques Miranda em 12072018
67
sas e fazer relaccedilatildeo com suas origens africanas e afro-brasileiras de modo a demarcar tais fun-
damentos e ao mesmo tempo contribuir para seu reconhecimento
Graacutefico 03- Jaacute ouviu falar sobre religiatildeo afro-brasileira
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Com relaccedilatildeo agrave questatildeo de jaacute ter frequentado algum terreiro de religiatildeo de matriz afri-
cana na cidade 38 (trinta e oito por cento) dos alunos responderam que sim frequentam ou
jaacute frequentaram 53 (cinquenta e trecircs por cento) disseram que natildeo frequentam terreiros e 9
(nove por cento) natildeo responderam Falta encorajamento em assumir mesmo em um questio-
naacuterio o seu pertencimento religioso
Graacutefico 04- Frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana na cidade
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ressalta-se que muitos desses alunos que frequentam terreiros em sua maioria satildeo de
outros bairros Como alguns alunos comentavam na aplicaccedilatildeo do questionaacuterio havia tambeacutem
um pequeno grupo que falava dos respectivos pais de santos responsaacuteveis pelas casas que
foram frequentadas Nota-se neste sentido o afastamento total ou mesmo parcial desses alu-
nos em assumir sua participaccedilatildeo nestes eventos Soma-se a isso a existecircncia de percepccedilotildees
entre esses mesmos estudantes que resvalam na ideia de que as religiotildees afro-brasileiras natildeo
constituem formas legiacutetimas de exerciacutecio religioso como bem visiacutevel na seguinte passagem
68
Acho que natildeo eacute religiatildeo eles passam a noite danccedilando e bebendo e
penso que natildeo era para ser assim se fosse religiatildeo nas igrejas natildeo
vemos isto natildeo tem bebida eacute uma coisa muito seacuterio todo mundo sen-
tado quietinho ouvindo as coisas mas acredito que isto pode mudar
um dia vejo que eacute um entra e sai isto eacute o que eu acho (Ramos C A
aluno da 2ordf etapa do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda 2019)
12
Como visto existe uma percepccedilatildeo de que as religiotildees de matriz africanas natildeo devem
ser entendidas assim devido ao fato de os rituais serem envolvidos com danccedila e bebidas cha-
ma atenccedilatildeo o paracircmetro para tal avaliaccedilatildeo ldquonas igrejas natildeo vemos isto natildeo tem bebida eacute uma
coisa muito seacuteria todo mundo sentado e quietinho ouvindo as coisasrdquo
Questionados se conhecem algum terreiro de religiatildeo de matriz africana que esteja lo-
calizado proacuteximo ao Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda 7 (sete por cento) dos alunos
natildeo responderam enquanto 28 (vinte e oito por cento) responderam que natildeo conhecem ter-
reiros proacuteximos da escola e 65 (sessenta e cinco por cento) afirmam que sim que conhecem
as casas de culto proacuteximas
Graacutefico 05- Vocecirc conhece algum terreiro de religiatildeo de ma-
triz africana que fica localizada proacuteximo ao Centro de Ensi-
no Joatildeo Marques Miranda
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Tendecircncia semelhante foi encontrada na taxa de respostas para a questatildeo do conheci-
mento a respeito de algum pai ou matildee de santo que reside proacuteximo agrave escola Em resposta a
esta questatildeo 48 (quarenta e oito por cento) responderam que sim 44 (quarenta e quatro
por cento) natildeo responderam e 8 (oito por cento) responderam que natildeo conhecem Eacute mister
destacar que nos questionaacuterios recolhidos alguns alunos chegaram ateacute a mencionar os nomes
de alguns pais de santo Ou seja mais da metade do puacuteblico escolar considerado tem conhe-
12 Aluno da 2ordf etapa do C E Joatildeo Marques Miranda
69
cimento circula e provavelmente ateacute frequente um desses terreiros seja de maneira ocasional
quando da realizaccedilatildeo perioacutedica de festas seja de maneira regular poreacutem natildeo declarada
Graacutefico 06- Conhece algum pai ou matildee de santo que residem proacuteximo da escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Esse aspecto fica mais claro quando passamos agrave questatildeo da participaccedilatildeo em festas ou
festejos em terreiros de religiatildeo de matriz africana Conforme apreendido nos questionaacuterios
30 (trinta por cento) responderam que sim 28 (vinte e oito por cento) disseram nunca ter
participado desse tipo de festejo e notaacuteveis 42 (quarenta e dois por cento) natildeo responderam
Graacutefico 07 - Jaacute participou de algum festejo em terreiro de religiatildeo de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
No entanto tendo em vista o calendaacuterio festivo que ocorre no bairro ndash relativamente
pequeno ndash eacute de se supor que esses eventos acabam por marcar o compasso da proacutepria ambiecircn-
cia comunitaacuteria envolvendo parte da comunidade como em um dos relatos de estudantes que
recolhemos
Eu sempre vou a festejos no meu bairro que tem muito satildeo muito
animadas agraves festas e satildeo muitos dias todos tem lava-pratos que eacute
mais gostoso ainda na minha casa minha matildee eacute juiacuteza de uma festa
eu sempre que tem festejo quando saio da escola costumo encostar
70
nesses festejos [] eacute muito bom (C S B C13
E Joatildeo Marques Mi-
randa da 2ordf etapa do EJA em 17072018)
Infere-se que muitos desses alunos participam dos festejos dos festejos religiosos de
matriz africana na condiccedilatildeo de observadores ou mesmo para preencherem a falta de lazer
que existe no municiacutepio muito embora esses eventos aconteccedilam o ano todo haacute festejos afa-
mados que tomam a atenccedilatildeo da cidade e sobretudo dos alunos que estudam agrave noite por conta
do trajeto na volta para casa Em se tratando do C E Joatildeo Marques Miranda a proximidade eacute
mais recorrente neste sentido devido agrave existecircncia de trecircs afamados terreiros bem proacuteximos da
escola - terreiros esses cujo espaccedilo se confunde com o proacuteprio territoacuterio escolar como seraacute
visto mais adiante Para o momento basta dizer que haacute um terreiro em frente agrave escola situado
na Rua General Osoacuterio sobre o comando do Pai de Santo Daacuterio outro que fica na Rua Satildeo
Joseacute ao lado direito da escola e por fim um terceiro que fica localizado nos fundos do esta-
belecimento Nesse sentido o que nos intriga eacute justamente o fato de que embora existam ca-
sas tatildeo proacuteximas como elas se tornam tatildeo invisiacuteveis assim para alunos do proacuteprio bairro
Ocorre que quando questionados se achavam que as religiotildees de matriz africana e
afro-brasileiras sofriam discriminaccedilatildeo na escola 70 (setenta por cento) dos alunos respon-
deram que sim 8 (oito por cento) disseram que natildeo e 22 (vinte e dois por cento) natildeo res-
ponderam
Graacutefico 08 - Vocecirc acha que as religiotildees de matriz africana sofrem discriminaccedilatildeo na escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ou seja ao passo em que as declaraccedilotildees de pertencimento conhecimento ou de tracircnsi-
to parecem englobar formas de gestatildeo da proacutepria identidade entre os estudantes a ideia de que
essas religiotildees sofrem discriminaccedilatildeo o que remete ao sentimento de injusticcedila mostra-se bem
mais claro e expressivo A interpretaccedilatildeo que se pode desenvolver eacute de que estamos em um
13 Aluna da 2ordf etapa do EJA do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda (sede)
71
quadro no qual se compreende os efeitos da discriminaccedilatildeo mas em que as accedilotildees natildeo ganham
concretude e em que o silecircncio prepondera como se pode apreender no relato desta aluna
Acho que sofre muita discriminaccedilatildeo a escola natildeo leva muito a seacuterio
acha que porque nos terreiros eles danccedilam aquilo natildeo eacute seacuterio ai natildeo
leva com seriedade os pajeacutes na escola mesmo quando falam de pajeacute
as pessoas ficam meio caladas natildeo falam muita coisa quando o pro-
fessor pede opiniatildeo agrave maioria fica calada (A S Pinto CE Joatildeo
Marques Miranda 2ordf etapa EJA julho de 2018)14
Isto nos leva a questionar como deveria ser trabalhada a questatildeo dentro da sala de aula
com os alunos Por essa razatildeo foi questionado sobre como deveriam ser trabalhados os conte-
uacutedos sobre religiatildeo na escola 39 (trinta e nove por cento) respondeu que deveria ser traba-
lhado em forma de debates 5 (cinco por cento) em forma de projetos 44 (quarenta e qua-
tro por cento) natildeo responderam e 5 (cinco por cento) que era pra deixar como estaacute Eacute valido
destacar que no momento da devoluccedilatildeo do questionaacuterio alguns alunos disseram que a escola
deveria trabalhar mais esses assuntos pois como alegava uma delas - ldquoquase todo mundo usa
macumba mas ningueacutem gosta de falar por isso de acontecer certas coisasrdquo A fala da aluna
nos faz crer que alguns alunos tem interesse em debater sobre tais questotildees no entanto como
satildeo minoria acabam se restringindo por conta do proacuteprio sistema que natildeo apoia essa clientela
Por outro lado os alunos que demostram esse interesse satildeo em sua maioria praticantes de re-
ligiatildeo afro-brasileira que ainda natildeo assumem publicamente sua religiosidade no espaccedilo esco-
lar o que tudo indica a meu ver ser a tentativa de externar sua crenccedila
Graacutefico 09- Como vocecirc acha que deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ao analisar os questionaacuterios aplicados aos estudantes constatamos que possuem certo
conhecimento das religiotildees de matriz africana poreacutem estes se devem muito mais agraves experiecircn-
cias cotidianas e externas ao acircmbito da escola do que propriamente ao tratamento do tema
14 Aluna da 2ordf etapa do C E J Miranda
72
neste espaccedilo Outro aspecto importante a ser enunciado diz respeito ao fato de que em diver-
sas entrevistas realizadas com alunos foi possiacutevel reconhecer praticantes de religiotildees afro-
brasileiras que natildeo revelam seu pertencimento religioso por receio de comentaacuterios dos colegas
ou de sofrerem alguma forma de constrangimento Por outro lado essa realidade natildeo deixou
de ser notada pelos proacuteprios profissionais da educaccedilatildeo atuantes nesse espaccedilo ensejando desde
iniciativas mais esporaacutedicas como os projetos desenvolvidos em disciplinas especiacuteficas seja
um reforccedilo das atividades da Semana de Consciecircncia Negra em novembro ocasiatildeo em que
foram exibidos diversos filmes sobre religiatildeo e elaboradas atividades concernentes ao tema
Como relataram os professores essas iniciativas tiveram maior ecircnfase a partir do ano de 2016
ainda haacute muito por ser feito e a escola necessita da colaboraccedilatildeo de especialistas no tema
35 As religiotildees afro-brasileiras entre os docentes
Nas ocasiotildees em que realizava visitas perioacutedicas agrave escola foram identificadas infor-
maccedilotildees importantes a respeito de como os professores estatildeo abordando o tema das religiotildees
afro-brasileiras no espaccedilo escolar e como relacionam os coacutedigos legais agraves estrateacutegias pedagoacute-
gicas empregadas no dia a dia Importa ressaltar que os docentes foram muito soliacutecitos com
relaccedilatildeo agrave coleta de dados o que permitiu que a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios e a realizaccedilatildeo de
entrevistas transcorressem sem maiores percalccedilos e em clima de grande receptividade e entro-
samento Em boa medida os resultados a que chegamos denotam as potencialidades de uma
pesquisa realizada dentro de um meio conhecido mesmo que carregue consigo como contra-
partida o duro desafio do distanciamento
Seja como for a atividade foi aplicada entre os dias 26 de novembro e 08 de dezem-
bro precisamente no final do semestre quando a escola contava com baixa presenccedila de alu-
nos e os professores estavam mais agrave vontade e sem duacutevida com mais tempo Foi aplicado o
mesmo instrumento de pesquisa para 18 docentes distribuiacutedos entre efetivos e contratados
Nesse processo alguns professores relataram a importacircncia de tratar do assunto na escola
pois sabem que muitos alunos satildeo praticantes e precisam se sentir apoiados Apesar de o tema
natildeo vir sendo tratado assim tatildeo abertamente como foi possiacutevel constatar atraveacutes das respostas
dos estudantes os relatos dos docentes demarcam que regularmente acontecimentos e expe-
riecircncias relativas aos terreiros frequentados pelos primeiros irrompem em sala de aula nos
corredores e nas conversas informais De maneira convergente a diretora adjunta afirmou
total apoio agrave pesquisa pelo fato de a comunidade ser discriminada por conta da marginalidade
73
que acomete o bairro e que todo projeto que vier para fortalecer a comunicaccedilatildeo seraacute bem-
vindo
Resulta que quando passamos aos professores constatamos que suas trajetoacuterias tam-
beacutem satildeo marcadas por travessias Nesse segmento eacute importante destacar que entre os profes-
sores que participaram da pesquisa encontramos a professora Diquinha - como eacute carinhosa-
mente conhecida ndash e que aleacutem de ser a docente mais antiga da escola assume sua identidade
religiosa como umbandista apesar de que natildeo consiga mais danccedilar e de que suas obrigaccedilotildees
(carga) tenham sido transferidas para seu filho que tambeacutem eacute pai de santo e jaacute foi aluno da
escola Ante o exposto passamos na sequecircncia agrave exploraccedilatildeo do questionaacuterio dirigido aos pro-
fessores
O questionaacuterio trouxe como proposta conhecer como os professores definiam religiatildeo
e quando questionados acerca do assunto 72 (setenta e dois por cento) responderam que a
consideram como uma manifestaccedilatildeoexecuccedilatildeo da feacute enquanto que para 28 (vinte e oito por
cento) a religiatildeo remete a uma crenccedila cujos fundamentos encontram-se nos costumes e heran-
ccedilas familiares
Graacutefico 10- Como define religiatildeo
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Na sequecircncia procuramos saber se os docentes conheciam alguma religiatildeo de matriz
africana 61 (sessenta um por cento) responderam que conhecem algum tipo de religiatildeo
africana 39 (trinta e nove por cento) natildeo responderam Neste uacuteltimo caso alguns relataram
ter certo temor com relaccedilatildeo a esses temas preferindo natildeo se envolver diretamente
74
Graacutefico 11-Conhece alguma religiatildeo de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Quando perguntados acerca da participaccedilatildeo em cultos africanos 33 (trinta e trecircs por
cento) responderam que jaacute frequentaram ao passo que 67 (sessenta e sete por cento) natildeo
responderam Aqui encontramos novamente uma tendecircncia semelhante agrave identificada entre os
estudantes Como nos relatou uma das professoras em conversa particular em Cururupu a
maioria das pessoas vai agrave casa de pajeacute muitos natildeo admitem porque em alguns casos a pessoa
as vezes vai atraacutes de um conselho e orientaccedilatildeo espiritual e as pessoas jaacute pensam que eacute para
fazer feiticcedilo Encontramos aqui por conseguinte indiacutecios de proximidade que satildeo dissimula-
dos por questotildees referentes agrave gestatildeo das imagens puacuteblicas
Graacutefico 12- Jaacute participou de alguma atividade em cultos de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Por outro lado quando questionados se existe discriminaccedilatildeo aos cultos de matriz
africana 22 (vinte e dois por cento) disseram que natildeo e 78 responderam que sim que
existe discriminaccedilatildeo as religiotildees
75
Graacutefico 13- Considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cul-
tos de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
De maneira semelhante foi agrave manifestaccedilatildeo do professor de Histoacuteria do Centro de Ensi-
no Joatildeo Marques Miranda Robert do E Santo Freitas
Sim pois no Brasil Colonial foram rotuladas tais religiotildees pelo sim-
ples fato de serem de origem africana A accedilatildeo de movimentos pente-
costais os quais se valiam de mitos para demonizar e incitar a perse-
guiccedilatildeo a umbandistas e candomblecistas (Robert do E Santo Freitas
novembro de 2018)
Com relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito no espaccedilo escolar para
17 (dezessete por cento) dos que responderam ao questionaacuterio os cultos satildeo discriminados
enquanto para 83 (oitenta e trecircs e por cento) dos docentes as religiotildees de matriz africana
sofrem tratamento diferencial nas escolas Interessa notar aqui todavia que quando levados a
comentar sobre as manifestaccedilotildees concretas de discriminaccedilatildeo entre os alunos a postura docen-
te conduz a relativa atenuaccedilatildeo das mesmas visto que satildeo consideradas como meros comentaacute-
rios ldquoeles falam por falarrdquo ldquoeles dizem isso mas natildeo eacute pra levar a seacuteriordquo E aqui talvez se
encontre o componente mais preocupante visto que tal postura que se apresenta como orien-
tada pela tentativa de proteccedilatildeo aos estudantes no final das contas conduz a certa complacecircn-
ciaaquiescecircncia com o fenocircmeno da discriminaccedilatildeo resvalando em sua naturalizaccedilatildeo
Graacutefico 14- Nas escolas considera que os cultos africanos so-
frem discriminaccedilatildeo
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
76
Perguntados se a escola desenvolve atividades que falam das religiotildees praticadas
em Cururupu e como satildeo feitas essas abordagens 22 (vinte e dois por cento) responderam
que as abordagens satildeo feitas atraveacutes de projetos e 78 (setenta e oito por cento) disseram que
ainda natildeo participaram das discussotildees
Graacutefico 15- A escola desenvolve atividades que falam das denominaccedilotildees reli-
giosas praticadas em Cururupu Como satildeo feitas essas abordagens
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ainda a esse respeito a professora Josiane Ferreira afirma que
Que esses temas satildeo abordados atraveacutes de projetos pois acredita que eacute mais faacutecil men-cionar nas atividades que envolvem todos os alunos pois reuacutene um grupo maior de alu-
nos que participam das diferentes religiotildees os alunos se sentem mais seguros e as pesso-
as que em sala de aula criticam costumam natildeo fazer isso no meio de mais pessoas moti-vo pel0o qual acredito que traz mais resultado tanto para a escola quanto para os alu-
nos (Professora Josiane B Ferreira novembro de 2018)
Eacute provaacutevel que essa ausecircncia de discussotildees sobre as temaacuteticas fora de projetos ou
iniciativas parcelares se explique em funccedilatildeo tambeacutem do baixo conhecimento manifestado
pelos professores a respeito da Histoacuteria e Cultura Afro-brasileira e das proacuteprias exigecircncias
derivadas da Lei 106392003 Aliaacutes quando perguntados se tinham conhecimento sobre essa
diretriz legal nada menos que 89 (oitenta e nove por cento) informou sequer ter ouvido
falar da lei mas que ldquotinham interesse em conhecerrdquo Quer dizer quando dentro do universo
docente de um estabelecimento de ensino apenas 11 (onze por cento) da populaccedilatildeo pesqui-
sada conhece a Lei temos muitos motivos para acreditar que as chances de inclusatildeo dos te-
mas supramencionados encontram-se longe de ser realizada
77
Graacutefico 16- Tem conhecimento sobre a Lei 106392003 que trata do Ensino de Histoacuteria da Aacutefri-
ca e Cultura Afro-brasileira nas escolas
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Da mesma forma que natildeo conhecem a legislaccedilatildeo e a despeito dos incrementos de pro-
duccedilatildeo recente de materiais didaacuteticos - disponiacuteveis ateacute mesmo na internet vale dizer - 22
(vinte e dois por cento) afirmam ter pouco acesso e 78 (setenta e oito por cento) afirmaram
que natildeo tem acesso a qualquer material que fale de Aacutefrica
Graacutefico 17- Tem acesso a materiais sobre Aacutefrica e Cultura
Afro-brasileira nas escolas ou fora dela
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Sobre as datas alusivas agrave comunidade negra perguntamos aos professores como a escola
tem trabalhado esses temas obtendo os seguintes percentuais 28 (vinte e oito por cento)
disseram que datas como o dia da raccedila e da consciecircncia negra eacute trabalhado em forma de proje-
tos e 72 (setenta de dois por cento) disseram que trabalham em sala de aula temas que falam
da populaccedilatildeo negra mas que em geral esses assuntos satildeo mais voltados para os conteuacutedos dos
livros Natildeo haveria aqui portanto tratamento particular
78
Graacutefico 18- As datas alusivas agrave comunidade negra como a escola tecircm trabalhado os temas
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Quanto agrave administraccedilatildeo das discussotildees sobre religiatildeo de matriz africana nas ocasiotildees
em que esse tema surge em sala de aula 72 (setenta e dois por cento) responderam que tem
que respeitar e 28 (vinte e oito por cento) disseram que existe soacute um Deus
Graacutefico 19- Como tem administrado as discussotildees sobre religiatildeo
africana em sala de aula quando estas acontecem
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Tambeacutem foi questionado se escola e terreiros deveriam desenvolver atividades para
fortalecer laccedilos de proximidade 11 (onze por cento) disseram que natildeo deveriam realizar
atividades para fortalecer tais laccedilos enquanto 89 por cento responderam que as duas inst i-
tuiccedilotildees devem sim desenvolver maneiras de fortalecer a proximidade
Graacutefico 20- Vocecirc acha que a escola e os terreiros deveriam desenvolver atividades
que fortalecessem esses laccedilos de proximidade Por quecirc
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
79
A professora e religiosa de matriz africana Diquinha contribui dizendo
Que eacute um momento importante tanto escola quanto terreiro deve se aproximar
mais por conta da dificuldade que a escola tem para falar de religiatildeo africana e
nada melhor que os proacuteprios membros para explicar dividir suas experiecircncias na
tentativa de quebrar com o silecircncio e tirar a imagem negativa que a maioria dos
membros que frequentam a escola tem das religiotildees africanas acredito que isto eacute
possiacutevel desde que haja interesse de ambos mas para isso eacute necessaacuterio que seja
feito um trabalho se sensibilizaccedilatildeo antes na escola para receber essas pessoas
outro ponto importante nesse debate eacute aproximar os terreiros que ficam proacuteximo
sempre haacute eventos nestes terreiros e a escola nunca procurou fazer um trabalho
de pesquisa para que entendecircssemos essas origens garanto que na escola tem
alunos que frequentam essas festas e que podem contribuir muito para esse diaacutelo-
go (Professora Diquinha janeiro de 2019)
Ao serem questionados sobre o que achavam que deveria ser feito para que debates
sobre as religiotildees de matriz africana acontecessem na escola 11 (onze por cento) disseram
que deveriam trabalhar mais os conteuacutedos 22 (vinte e dois por cento) que deveria ser reali-
zado um trabalho de sensibilizaccedilatildeo na escola e 67 (sessenta e sete por cento) acharam que o
tema deveria ser tratado por meio de projetos O professor Robert Freitas diz que tambeacutem eacute
importante sensibilizar a famiacutelia para que juntamente com a escola possa trabalhar de manei-
ra complementar evitando defasagens muito grandes entre essas duas instacircncias
Graacutefico 21- O que vocecirc acha que deveria ser feito para
que debate acerca das religiotildees acontecesse na escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Quando questionados se conhecem pais e matildees de santo proacuteximo agrave escola 22 (vinte
e dois por cento) responderam que sim e 78 (setenta e oito por cento) disseram que natildeo tem
conhecimento disso
80
Graacutefico 22- Conhece pais e matildees de santo que residem proacuteximo da escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Aqui novamente encontramos uma tendecircncia semelhante ao padratildeo de respostas dos
estudantes demonstrando desconhecimento com relaccedilatildeo ao proacuteprio espaccedilo de inscriccedilatildeo do
estabelecimento escolar O que leva a crer que estamos em um quadro de forte descompasso
entre os saberes escolares as experiecircncias dos sujeitos que dele participam e a proacutepria histoacute-
ria memoacuteria e cultura do lugar
36 Experiecircncias e percepccedilotildees de docentes acerca da relaccedilatildeo entre escola e comunidade
Os resultados inquietantes dos questionaacuterios aplicados aos docentes - particularmente
com relaccedilatildeo ao grau de desconhecimento da lei e da carecircncia de materiais - deflagraram uma
seacuterie de lembranccedilas e questotildees Lembranccedilas em primeiro lugar do periacuteodo do conviacutevio con-
tinuo com a escola na condiccedilatildeo de diretor adjunto e das ausecircncias silecircncios e omissotildees que
perpassaram a minha proacutepria praacutetica profissional ao longo dessa passagem Inquieta sim
pensar que minhas respostas poderiam natildeo ter sido assim tatildeo diferentes daquelas que recolhi
dos entrevistados agora na condiccedilatildeo de pesquisador e com o olhar mais treinado e sensiacutevel a
essas questotildees Eacute talvez por essa mesma razatildeo por um certo sentimento de impotecircncia que
me impus como meta retornar ao estabelecimento escolar para saber se natildeo haviam experiecircn-
cias iniciativas e percepccedilotildees entre os docentes atuantes agora ou do passado que jaacute aponta-
vam para uma possibilidade de estreitamento concreto dos viacutenculos entre escola e terreiros
Os relatos colhidos e expostos a seguir reunidos em clima de entrevista aberta mas com foco
sobre as relaccedilotildees entre a escola e os terreiros locais como que reequilibram em certa medida
aquilo que a abordagem anterior natildeo permitiu captar muito embora o quadro como um todo
esteja longe de ser o ideal Na sequecircncia passo entatildeo agrave descriccedilatildeo de histoacuterias de professores e
suas percepccedilotildees como sujeitos atuantes e reflexivos nesse espaccedilo relacional expondo como
esse desafio tem atravessado a praacutetica e a experiecircncia de docentes ao longo de vaacuterias gera-
ccedilotildees
81
Professora aposentada da rede estadual e atualmente em atividade em uma escola par-
ticular do municiacutepio como apoio pedagoacutegico Floranilde Dias da Silva ou Flora como eacute co-
nhecida nasceu na ilha de Guajerutiua em 30 de julho de 1951 Professora normalista com
graduaccedilatildeo em pedagogia foi diretora do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda durante
treze anos (20022015) Quando comeccedilou atuar como diretora adjunta logo que veio da praia
para Cururupu a escola ainda funcionava com o jardim de infacircncia ainda na deacutecada de 1980
Ao perceber a necessidade do Bairro de Satildeo Benedito possuir uma escola de 5ordm ao 8ordm ano deu
iniacutecio ao processo para aquisiccedilatildeo das referidas seacuteries Apoacutes ter organizado as turmas do ensi-
no fundamental engajou-se para organizar turmas do Ensino Meacutedio obtendo ecircxito em pouco
espaccedilo de tempo Com esta nova proposta para o antigo Segundo Grau organizou anexos em
Guajerutiua Valha-me Deus Caccedilacueira Satildeo Lucas Maracujatiua e Areia Branca
Imagem 5- Professora Floranilde Dias da SilvaCururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
Quando rememora parte da histoacuteria da escola a professora Flora apresenta alguns fa-
tos curiosos que sempre aconteciam no estabelecimento notadamente os casos de possessotildees
frequentes de alunos por entidades Como relata nessas ocasiotildees sempre recorria aos Pais de
Santo Daacuterio Luiacutes Afonso Vicentinho e Faacutetima cujos terreiros situavam-se perto da escola a
fim de resolver o problema Nessas ocasiotildees informa sempre ter sido recebida com muita
atenccedilatildeo
Outro episoacutedio relatado entre as lembranccedilas da Profordf Flora foi quando proacuteximo aos
desfiles de independecircncia do Brasil ela se encontrava sozinha na escola e de repente ouviu
um som inexplicaacutevel que saia do armaacuterio Acreditou momentaneamente que se tratava de al-
gueacutem que tinha jogado uma pedra com bastante forccedila poreacutem ao dirigir-se para o moacutevel natildeo
encontrou o que supunha ter provocado o som Sua suspeita principal eacute de que esse e outros
82
acontecimentos relatados teriam sido obras dos encantados que habitam no local uma vez que
a escola foi construiacuteda precisamente em local que pertencia a eles anteriormente Isto eacute sua
visatildeo a respeito de acontecimentos inexplicaacuteveis na escola ou quanto a determinados desafios
a exemplo dos casos de possessatildeo resvala em uma percepccedilatildeo de que a escola mantem viacutencu-
los com o universo religioso afro
Ainda no periacuteodo da sua gestatildeo informa que por vaacuterias vezes a escola fez parceria
com o Grupo de Consciecircncia Negra de Cururupu (GCNC) nas datas referentes agrave populaccedilatildeo
negra quando ministravam palestras sobre os temas referentes agrave cultura afro-brasileira O
objetivo prioritaacuterio das conversas era sensibilizar os alunos com relaccedilatildeo agrave importacircncia da co-
munidade negra no municiacutepio e a valorizaccedilatildeo do pertencimento eacutetnico A professora Floranil-
de Silva acredita que ldquoquando se trata do envolvimento de escola e religiatildeo o que deve preva-
lecer eacute o respeito em primeiro em lugar uma vez que temos soacute um Deusrdquo (FLORANILDE
DIAS DA SILVA 2019)
Questionada sobre os terreiros que circundam a escola afirma que tinha consciecircncia
dessa proximidade contudo teve pouca relaccedilatildeo com essas casas de cultos Ocorre que sempre
que acontecia alguma coisa de espiacuterito com os alunos sempre recorria a um pai de santo proacute-
ximo e ele sempre vinha ajudar Quanto agrave escola
Acredito que a escola precisa aprimorar os conhecimentos sobre as
religiotildees como um todo principalmente sobre a religiatildeo negra para
que haja mais dedicaccedilatildeo ao trabalhar com as religiotildees africanas
muitos alunos e professores satildeo praticantes no entanto tem uma certa
vergonha em assumir que praticam esse tipo de culto principalmente
na escola onde a criacutetica ainda eacute maior com essas pessoas e tudo isto
por que a sociedade natildeo aceita essas coisas (Professora Floranilde
Dias da Silva entrevista coletada em 29 de janeiro de 2019)
Deacuterika Sandriane da Silva Maia trinta e nove anos pedagoga especialista em psi-
copedagogia supervisatildeo e planejamento educacional tambeacutem aceitou falar conosco a respeito
de sua experiecircncia na escola Natural de Guajerutiua povoado da regiatildeo foi coordenadora
pedagoacutegica dos anexos do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda nas ilhas e professora na
sede Orgulha-se de ter prestado assessoria pedagoacutegica quando desenvolveu vaacuterias atividades
para ampliar o leque de praacuteticas pedagoacutegicas da escola
83
Imagem 6- Professora Deacuterika Sandriane da Silva Maia Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
Indagada sobre religiatildeo a professora assume a identidade catoacutelica pois considera que
esta ldquoeacute a religiatildeo a ser seguidardquo mas afirma ser importante natildeo ldquodesmerecer as outras reli-
giotildeesrdquo Disse-nos ainda que algumas religiotildees protestantes ela admira outras natildeo Quando
questionada sobre as religiotildees africanas existentes em Cururupu afirma ser leiga no assunto
no entanto respeita o espaccedilo de cada uma e que agraves vezes ateacute visita esses cultos nas ocasiotildees
festivas Sobre o periacuteodo em que desempenhou atribuiccedilotildees como orientadora pedagoacutegica
afirma ter sempre buscado diaacutelogo com a comunidade escolar visando estreitamento dos la-
ccedilos poreacutem ressalta que foram poucos os projetos efetivamente executados
Ao falar do tema a professora afirma que haacute uma inseguranccedila na escolha do indiviacuteduo
quanto ao tipo de identidade religiosa que ele pode assumir no espaccedilo escolar Os conflitos
contiacutenuos e cotidianos criam obstaacuteculos para que o sujeito assuma sua feacute o que faz com que
muitos estudantes e ateacute mesmo professores passeiem por vaacuterias religiotildees natildeo se definindo em
nenhuma A professora Deacuterika Maia diz conhecer a Lei 106392003 contudo argumenta que
A maacute elaboraccedilatildeo do curriacuteculo nas propostas que tratam dos assuntos
atinentes a populaccedilatildeo negra mesmo com a obrigatoriedade os profes-
sores estatildeo muitos despreparados para lidar com o tema Quando Se-
cretaria de Educaccedilatildeo do municiacutepio de Cururupu levei o tema sobre a
Lei 1063903 para as escolas mas senti uma falta de interesse des-
conhecimento da Lei por alguns professores alguns ateacute jaacute tinham ou-
vido falar mas natildeo sabiam explicar como ia funcionar dentro da gra-
de curricular vejo que isto se daacute pela falta de formaccedilatildeo dos professo-
res que natildeo tiveram formaccedilotildees especificas sobre o tema por isso da
dificuldade em adotar a Lei mesmo diante da obrigatoriedade (Pro-
fessora Deacuterika Sandriane da Silva Maia entrevista coletada em 29 de
dezembro de 2018)
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Outro fator que a professora destaca eacute que a sociedade natildeo estaacute preparada para lidar
efetivamente com questotildees religiosas e principalmente a respeito das religiotildees negras Acre-
dita ainda que muitos que ali se encontram natildeo sabem por que razotildees pertencem ou partici-
pam da mesma pois haacute carecircncia de esclarecimento para que de fato pudessem defender sua
escolha Reafirma que haacute uma rejeiccedilatildeo da sociedade com as religiotildees de matriz africana
O professor Eacutelcio Cadete da Silva nasceu dia 20 de agosto de 1984 eacute formado em His-
toacuteria pela Universidade Estadual do Maranhatildeo e professor da rede estadual de ensino Atual-
mente trabalha com comunidades quilombolas O professor nos relatou que cursou o ensino
fundamental na escola Joatildeo Marques Miranda e foi nessa eacutepoca que teve seu primeiro contato
com as entidades Lembra que houve vaacuterios casos de possessotildees na escola Como a escola
tinha (tem) dificuldade de lidar com estas questotildees comeccedilou a pesquisar as religiotildees de matriz
africana com foco no Bairro de Satildeo Benedito
Imagem 7- Eacutelcio Cadete Silva professor de Histoacuteria e Umbandista CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
Eacutelcio que se assume umbandista diz manter um diaacutelogo com os pais de santo do seu
entorno com o objetivo de manter uma relaccedilatildeo de proximidade com esses terreiros como for-
ma de discutir as relaccedilotildees de pertencimento Perguntado sobre religiatildeo ele relata que
A religiatildeo natildeo pode ser vista como cultura e sim como religiatildeo com
respeito de todos O terccedilo da missa eacute a guia do terreiro a banda de
muacutesica eacute os tambores a religiatildeo tem muita gente confundindo a reli-
giatildeo o capitalismo tem dificultado a fundamentaccedilatildeo nos cultos as
pessoas entram nos cultos e natildeo querem mais de aprofundar (EacuteLCIO
CADETE fevereiro 2019)
O professor enfatiza ainda o afastamento das verdadeiras tradiccedilotildees nos cultos afros
dado que em sua perspectiva muitas participam das celebraccedilotildees por motivos deturpados pois
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vecirc-se ldquoos salotildees cheio de danccedilantes no entanto muitos ali estatildeo unicamente para se firmar
sem buscar a origemrdquo
Quanto agrave relaccedilatildeo dos terreiros com a escola ele afirma que
Os terreiros se mostram abertos para o debate no entanto a escola
natildeo sabe lidar com essas questotildees por exemplo quando fiz o primaacute-
rio no Joatildeo Marques tive possessotildees e a escola natildeo soube lidar com a
situaccedilatildeo houve uma eacutepoca que a escola estava com constantes movi-
mentos de entidades foi chamado um padre e um pastor para resolve-
rem o problema esses falaram ao puacuteblico sobre o problema foi cha-
mado o pai de santo Luiacutes soacute que este fazia as coisas soacute no escondido
quando na verdade deveria explicar o que estava acontecendo vemos
que esse contato da escola com os terreiros soacute acontece assim as es-
curas o que confirma o despreparo da escola Quando o pai de santo
usava um banho na escola tinha que dizer que era aacutegua benta esse
sincretismo de objeto natildeo deveria acontecer a escola deveria nesse
momento fazer uso da experiecircncia e aproximar esse debate (EacuteLCIO
CADETE fevereiro 2019)
Sobre a sua visatildeo a respeito de como a instituiccedilatildeo vecirc as casas de cultos proacuteximas da
escola e da relaccedilatildeo que esta deveria ter com as mesmas considera que deveria haver maior
aproximaccedilatildeo entre ambas sobretudo por que a experiecircncia que este encontro proporcionaria
na aprendizagem tanto de adeptos quanto da proacutepria escola seria de grande valia para o com-
bate contra o preconceito Nessa mesma perspectiva Eacutelcio mostrou-se bem enfaacutetico
A escola precisa ensinar a religiatildeo africana como religiatildeo e natildeo co-
mo manifestaccedilatildeo natildeo adianta a escola trabalhar as datas sobre a po-
pulaccedilatildeo negra e natildeo fazer um trabalho que enraiacuteze essas informa-
ccedilotildees a escola tem sim pessoas que frequentam os terreiros e isto tem
que ser levado em consideraccedilatildeo o que temos observado nas escolas eacute
que o descuido com essas questotildees tem aumentado agrave evasatildeo escolar
tudo por conta da escola natildeo daacute atenccedilatildeo a essa situaccedilatildeo os terreiros
tem sim interesse em trocar essas experiecircncias mas a sociedade por
natildeo estaacute preparada acaba influenciando no espaccedilo escolar enquanto
natildeo enraizar essas questotildees o preconceito continuaraacute a fazer pessoas
natildeo seguirem suas crenccedilas a seguir no que acreditam eu sou um-
bandista assumido e faccedilo o que estaacute ao meu alcance para contribuir
com o divulgaccedilatildeo da religiatildeo (EacuteLCIO CADETE fevereiro 2019)
Raimunda Nonata Setubal Chaves mais conhecida como Diquinha nascida em 1960
eacute pedagoga e foi professora durante 25 anos do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda Atu-
almente natildeo estaacute em sala de aula Umbandista assumida uma das frases principais que utiliza
como se fosse uma espeacutecie de bordatildeo eacute a seguinte ldquoDeus deixou o mundo completo de tudordquo
A professora nos relatou que sua relaccedilatildeo com a umbanda eacute uma relaccedilatildeo de muito respeito e
identidade Uma das professoras mais antigas da escola e tendo em vista seu pertencimento
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religioso indaguei sobre como era agrave relaccedilatildeo da escola com a histoacuteria e cultura afro-brasileira
em sua eacutepoca antes e agora Ela nos descreveu haacute discriminaccedilatildeo e sempre haveraacute todavia
garante que muita coisa jaacute mudou sem explorar o elo entre as razotildees dessa permanecircncia e
sobretudo das mudanccedilas Como exemplo fez questatildeo de lembrar que agrave eacutepoca da professora
Floranilde organizou uma danccedila junina com seus alunos que no final de contas era um ritual
de pajeacute Danccedila muito requisitada naquele periacuteodo acredita que isso se dava pela curiosidade
que a populaccedilatildeo tinha a eacutepoca mas defende que esse foi um passo importante para abrir fissu-
ras no debate
Imagem 8- Professora Raimunda Nonata Setubal ChavesUmbandista Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
Sobre escola e religiatildeo africana a professora diz algo que parece ser agrave visatildeo da maioria
dos pais de santo quando relata que
Os terreiros estatildeo sempre abertos para receber quem quer que seja
preto branco pobre ricos a nossa religiatildeo eacute de partilha a escola
precisa abrir espaccedilo para que os debates ocorram temos muitos alu-
nos que sofrem de entidades mas natildeo sabem lidar quando isto acon-
tece na escola penso que esta realidade mudaraacute quando professores
de Sociologia Filosofia e Histoacuteria comeccedilarem a falar sobre estas
questotildees eacute preciso explicar que o mesmo Deus das outras religiotildees eacute
o mesmo dos terreiros eacute preciso respeitar o espaccedilo do outro a reli-
giatildeo do outro eu sempre que tenho uma oportunidade converso com
os alunos sobre o assunto as pessoas natildeo precisam se esconder Deus
deixou tudo certo no mundo Eu sou umbandista e me assumo em
qualquer lugar natildeo tenho como fugir ela me acompanha (RAI-
MUINDA NONATA S CHAVES fevereiro de 2019)
A uacuteltima de nossas entrevistadas eacute Maria Clara Cunha professora aposentada que
exerceu o magisteacuterio por 35 anos A nossa conversa com a pedagoga ocorreu de maneira bas-
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tante descontraiacuteda e em clima de grande receptividade a exemplo dos demais entrevistados
Quando perguntada sobre seu envolvimento com a religiatildeo afro ela fez questatildeo de frisar que
natildeo teve ldquopai de santo como dizem nos cultos pois nasci feitardquo E acrescenta que ainda hoje
continua trabalhando de mesa branca mas que tambeacutem tem linha de caboclo15
Durante muito
tempo danccedilou com o pai de santo Vicentinho localizado no bairro do Armazeacutem o qual teria
sido em suas proacuteprias palavras um excelente meacutedium Sobre a escola fala que houve uma
eacutepoca que na escola estava acontecendo muitos casos de alunos incorporando espiacuteritos para
resolver a situaccedilatildeo chamaram os sacerdotes Daacuterio e Vicentinho para realizarem trabalhos de
seguranccedila16
na escola o que veio a amenizar mais a situaccedilatildeo
Perguntada a respeito de como ela lidou com o seu proacuteprio pertencimento religioso
dentro do espaccedilo escolar relatou que sempre se assumiu na escola que desde cedo danccedilava e
que natildeo tinha vergonha de ser umbandista Embora soubesse que muitos natildeo gostavam e ateacute
houvesse situaccedilotildees em que colegas e alunos manifestavam desaprovaccedilatildeo (o que nos foi rela-
tado com certo bom humor) considera que ldquoisto eacute um dom que Deus daacute para as pessoas e que
elas precisam cumprir com esta obrigaccedilatildeordquo A imagem que nos cede para utilizaccedilatildeo neste
trabalho apresentada na paacutegina seguinte expressaria assim parte dessa autoconsciecircncia
Imagem 9- Clara Maria Cunha Professora MeacutediumUmbandista Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal 2019
15 Na religiatildeo afro-brasileira muitas satildeos as formas como as entidades se manifestam dentre estas haacute a linha de
mesa branca Satildeo pais matildees de santos e iniciados que desenvolvem trabalhos espirituais neste caso especiacutefico
natildeo haacute a utilizaccedilatildeo de tambores os cantos satildeo executados as entidades que se manifestam nos toques tambeacutem
arreiam na sessatildeo de mesa branca e realizam seus trabalhos de cura neste sentido existem pais de santo que
trabalham nas duas linhas de encantaria 16 O trabalho de seguranccedila realizado por pais e matildees se santo eacute uma atividade que se desenvolve uma chamada
espiritual eacute feito um trabalho para que as entidades que se manifestam naquele local incorporando nas pessoas se
afastem ou ateacute mesmo a pessoa que incorpora fica protegida pela orientaccedilatildeo dos pais de santos atraveacutes de suas
linhas de encantados
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Procuramos saber da professora a respeito de como a escola enxergava os terreiros
que ficavam nas proximidades do estabelecimento e como ela concebia o papel da escola nes-
se contexto Sua resposta como que retoma o mesmo eixo argumentativo dos demais
A escola sabe abertamente que os casos de alunos que recebem enti-
dades existem que quando foi diretora adjunta sempre procurava
aproximar o debate entre os alunos mas as vezes as situaccedilotildees que al-
gumas pessoas natildeo compreendem acredito que a escola precisa fazer
um trabalho mais direcionado para as religiotildees comeccedilamos uma vez
a chamar dois pais de santo para explicar sobre o que acontecia na
escola mas soacute que isto foi a muito tempo precisamos entender uma
coisa ldquo noacutes somos galinha se Deus se ele chama um filho seu para
exercer uma funccedilatildeo ele tem que exercer ateacute mesmo na hora da morte
se Deus escolhe um filho tem que ir Deus daacute Deus tira assim mesmo
eacute com a religiatildeo (Clara Maria Cunha 2019)
A escola tem sua funccedilatildeo enquanto escola para ajudar esses alunos
agora agraves coisas soacute natildeo estatildeo melhores por que os umbandistas natildeo se
unem para fazer as coisas acontecerem talvez se tivesse mais uniatildeo a
situaccedilatildeo seria outra mas o importante eacute que estamos tentando fazer
alguma coisa por exemplo eu faccedilo minha parte explico como satildeo as
coisas e espero que entendam afinal cada um tem que seguir seu des-
tino o destino que Deus lhe deu (Clara Maria Cunha 2019)
Em siacutentese parece fato inconteste entre os docentes a importacircncia que deve ser dada
ao estreitamento de relaccedilotildees e de compreensotildees entre escolas e terreiros Outro aspecto que
fica evidenciado nos relatos eacute que na praacutetica a resistecircncia parece vir predominantemente da
cultura escolar visto que os terreiros e suas lideranccedilas sempre deram mostras praacuteticas de inte-
raccedilatildeo e abertura de vias de diaacutelogo A questatildeo se torna ainda mais intrigante quando se perce-
be que essas relaccedilotildees natildeo satildeo estreitadas mesmo que os proacuteprios docentes tambeacutem pertenccedilam
a religiotildees afro-brasileiras Quer dizer geralmente quando pensamos na questatildeo da inclusatildeo
dos temas relativos agrave histoacuteria e cultura afro-brasileira no espaccedilo escolar levantamos a questatildeo
do pertencimento religioso dos estudantes mas poucos satildeo os trabalhos que problematizam
como os professores lidam com sua proacutepria identidade religiosa nessas condiccedilotildees Embora
natildeo seja esta a questatildeo principal da presente pesquisa trata-se de um problema que requereria
anaacutelise mais cuidadosa uma vez que abre um insuspeitado espaccedilo para pensar as resistecircncias
oriundas da forma escolar hegemocircnica para inclusatildeo dessa temaacutetica
Tendo explorado como a comunidade escolar e seus agentes percebem as relaccedilotildees en-
tre escola e terreiro passaremos no capiacutetulo seguinte agrave exploraccedilatildeo da proacutepria dinacircmica comu-
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nitaacuteria de onde retiramos algumas importantes liccedilotildees para aplicaccedilatildeo das oficinas pedagoacutegicas
que compuseram o produto final desta dissertaccedilatildeo
90
CAPIacuteTULO 4 ndash DA COMUNIDADE PARA A ESCOLA histoacuterias percepccedilotildees e experi-
ecircncias de um diaacutelogo possiacutevel
Meu Satildeo Benedito sua manga cheira
A cravos e rosas e flor de laranjeira
Meu Satildeo Benedito jaacute foi cozinheiro
E hoje eacute santo de Deus verdadeiro
Meu Satildeo Benedito estrela do norte
Guiai-me meu santo na vida e na
Morte
(Domiacutenio popular)
Talvez um dos fatos mais curiosos no decorrer da pesquisa foi agrave constataccedilatildeo de muitos
relatos de que alunos eram incorporados por encantados nos horaacuterios de aula Como vimos
nas entrevistas esses acontecimentos satildeo interpretados pelos docentes em funccedilatildeo do local
onde a escola foi construiacuteda Vaacuterios deles chegaram mesmo a explicar que como natildeo pediram
permissatildeo para construccedilatildeo da escola aos donos do local os ldquoencantadosrdquo as possessotildees ocor-
riam Outro fato importante relatado pelos docentes foi que sempre que ocorriam fatos dessa
natureza eles chamavam um pai de santo de um terreiro proacuteximo agrave escola para que assim o
problema pudesse ser resolvido Inclusive em uma dessas visitas para auxiliar alunos incor-
porados um pai de santo teria advertido quanto agrave necessidade de realizar um trabalho de des-
pacho para que este tipo de situaccedilatildeo parasse de acontecer Como seraacute visto no decorrer deste
mesmo capiacutetulo esses relatos tambeacutem satildeo muito comuns entre pais e matildees de santo que vi-
vem proacuteximos agrave escola
Para o momento eacute oportuno destacar o fato baacutesico que esteve no ponto de partida des-
te trabalho qual seja desde que tive a oportunidade de atuar profissionalmente na referida
escola sempre achei impressionante a quantidade de terreiros proacuteximos ao estabelecimento de
ensino sem que essa situaccedilatildeo produzisse efeitos sobre as iniciativas pedagoacutegicas em curso
voltadas para o diaacutelogo e integraccedilatildeo com a comunidade neste plano Obviamente devo incluir
nesse quadro as proacuteprias dificuldades que tive Essa dissertaccedilatildeo resulta justamente desse in-
cocircmodo e do sentimento de impotecircncia decorrente disso como tive a oportunidade de enfati-
zar paacuteginas atraacutes
91
Ocorre que observado com o olhar treinado pela passagem no mestrado em His-
toacuteria Ensino e Narrativas pude notar que essa disjunccedilatildeo entre escola e comunidade eacute bem
maior A impressatildeo que se tem eacute de que a escola constitui uma espeacutecie de forte contra as in-
cursotildees aberturas e janelas criadas pelo cotidiano mesmo da comunidade como se pode notar
ao observar a importacircncias das diversas festas populares que ocorrem no bairro Visto desta
perspectiva jaacute natildeo se trata aqui tatildeo somente das religiosidades afro-brasileiras como tambeacutem
da proacutepria dificuldade de incorporar ao espaccedilo escolar as temaacuteticas culturais e histoacutericas mais
amplas conectadas aos saberes e fazeres da cultura africana e afro-brasileira o que esteve no
princiacutepio do formato final de nossa proposta pedagoacutegica Em siacutentese a reflexatildeo sobre esse
quadro levou-me a tentar compreender como a instituiccedilatildeo escolar encontra-se em pleno des-
compasso com a integraccedilatildeo ao mundo cultural e histoacuterico das proacuteprias camadas populares e
suas diferentes representaccedilotildees
Enquanto no capiacutetulo anterior exploramos de maneira diagnoacutestica como a cultura es-
colar selecionada lida e percebe as relaccedilotildees entre escola e o legado da histoacuteria e cultura afro-
brasileiras neste trabalho pretendemos explorar parte da histoacuteria do bairro e dos terreiros
com foco sobre as casas localizadas proacuteximo agrave escola Para tanto apoacutes tecermos algumas con-
sideraccedilotildees a respeito das pesquisas realizadas nesse campo de estudos (baseando-nos princi-
palmente nos trabalhos regionais disponiacuteveis a respeito) passamos a uma breve incursatildeo so-
bre a dinacircmica do bairro e de suas festas populares as histoacuterias e memoacuterias dos terreiros e
lideranccedilas religiosas principais e suas visotildees sobre as relaccedilotildees entre terreiros e escolas Em
particular neste uacuteltimo eixo objetivamos saber dos Pais de Santo que aceitaram dar entrevis-
tas como eles observam o papel da escola naquela configuraccedilatildeo Por fim voltamo-nos para a
descriccedilatildeo das oficinas que realizamos na escola
Conveacutem esclarecer que se optamos por posicionar as oficinas neste capiacutetulo que
em tese seria mais voltado para o contexto externo da escola - o bairro seus terreiros e pesso-
as eacute porque concluiacutemos haver um potencial educativo notoacuterio no movimento que vai dos ter-
reiros para a escola Como visto ao longo das oficinas realizadas a sensaccedilatildeo que fica eacute de que
somente atraveacutes da realizaccedilatildeo de atividades planejadas didaticamente a partir do proacuteprio local
eacute que a instituiccedilatildeo escolar e seus profissionais poderatildeo avanccedilar no alcance de metas que jaacute
estatildeo claras muito embora encontrem diversas resistecircncias para sua efetivaccedilatildeo As oficinas
constituiacuteram pois uma ocasiatildeo para promoccedilatildeo do encontro desses dois mundos tatildeo proacuteximos
geograficamente contudo ao mesmo tempo tatildeo distantes em termos de reconhecimento
92
41 Perspectivas de investigaccedilatildeo sobre a histoacuteria e cultura afro-brasileiras no Maranhatildeo
Durante a uacuteltima deacutecada muita coisa mudou tambeacutem no acircmbito das religiotildees no Bra-
sil O censo de 2000 nos diz que o paiacutes estaacute hoje menos catoacutelico mais evangeacutelico e menos
afro-brasileiro Velhas tendecircncias foram confirmadas novas direccedilotildees vatildeo se impondo Religi-
otildees receacutem-criadas se enfrentam com as mais antigas velhas religiotildees assumem novas formas
e veiculam renovados conteuacutedos para enfrentar a concorrecircncia mais acirrada no mercado reli-
gioso (PRANDI 2003 p 16) Neste cenaacuterio de tracircnsito e novas denominaccedilotildees religiosas
ressaltamos a importacircncia de revisitar algumas concepccedilotildees sobre religiatildeo afro-brasileiras
Trata-se de um exerciacutecio importante natildeo apenas para municiar o trabalho com os aportes das
pesquisas realizadas sobre o tema como tambeacutem para fundamentar as intervenccedilotildees pedagoacutegi-
cas no cenaacuterio escolhido
Oriundas de formaccedilotildees sincreacuteticas no processo de escravizaccedilatildeo as religiotildees afro-
brasileiras mais antigas foram formadas no seacuteculo XIX (PRANDI 2000) Ao longo de todo
empreendimento colonizador o catolicismo era a religiatildeo do Estado participando ativamente
do processo de afirmaccedilatildeo do ethos europeu Nessa conjuntura as tradiccedilotildees religiosas africa-
nas eram vistas como formas religiosas demoniacuteacas devendo consequentemente ser extirpa-
das Para manter suas formas doutrinaacuterias originaacuterias os africanos trazidos para o novo mun-
do tiveram que adotar entatildeo estrateacutegias de sobrevivecircncia e adaptaccedilatildeo O sincretismo que se
pode identificar em diferentes festas religiosas populares e particularmente na maneira como
se combinam no universo afro-catoacutelico as relaccedilotildees entre santos e orixaacutes no Brasil e nas Ameacute-
ricas resultam concretamente dessas estrateacutegias (FERRETTI 1998) Obviamente aleacutem das
estrateacutegias de resistecircncia o que entra em pauta aqui tambeacutem eacute a recriaccedilatildeo de uma Aacutefrica sim-
boacutelica cuja forccedila e penetraccedilatildeo estende para muito aleacutem do acircmbito propriamente religioso
(PRANDI 2000)
Seja como for o fato eacute que as formas religiosas de origem africana firmaram espaccedilo
em solo brasileiro seja atraveacutes do candombleacute17
(PRANDI 2000) na Bahia do tambor de mi-
na18
do Maranhatildeo (FERRETI 1996) do xangocirc 19
de Pernambuco e do batuque20
do Rio Gran-
17 Candombleacute eacute uma religiatildeo afro-brasileira derivada de cultos tradicionais africanos na qual haacute crenccedila em um
Ser Supremo e culto dirigido a forccedilas da natureza personificadas nas formas ancestrais divinizados orixaacutes vo-
duns ou inquices dependendo da naccedilatildeo o estado da Bahia concentra um grande nuacutemero de terreiros de candom-
bleacute as casas satildeo dirigidas por babalorixaacutes e yalorixaacutes estes dirigentes possuem os conhecimentos do culto e sua
indicaccedilatildeo eacute feita pelos orixaacutes atraveacutes do jogo de buacutezios (PRANDI 2000 p 61) 18 Eacute a denominaccedilatildeo mais difundida das religiotildees afro-brasileiras no Estado do Maranhatildeo A pala-
vra tambor deriva da importacircncia do instrumento nos rituais de culto Mina deriva de negro-mina de Satildeo Jorge
93
de do Sul (PRANDI 2000 p 62) da Umbanda21
(FELINTO 2012) no Rio de Janeiro entre
outros Trata-se no entanto de uma histoacuteria de resistecircncia que ainda se prolonga no tempo
dado que os cultos ainda sofrem perseguiccedilotildees por todo paiacutes e natildeo satildeo poucos os exemplos
contemporacircneos concretos de intoleracircncia religiosa no Brasil Em grande medida isto se deve
agrave proacutepria maneira como essas religiotildees foram concebidas pelo discurso religioso dominante
Mesmo diante das praacuteticas de intoleracircncia Os cultos afro-brasileiros sobrevivem como
uma rede de resistecircncia e apoio agrave populaccedilatildeo afrodescendente Vale explicitar as denominaccedilotildees
mais populares no Brasil O candombleacute que se instalou no estado da Bahia se desenvolve em
forma de casas templos onde a maioria dos adeptos moram e desenvolvem cerimonias agraves enti-
dades Os deuses cultuados nesta praacutetica religiosa satildeo os Orixaacutes forccedilas da natureza que invo-
cados incorporam nos seus filhos e executam danccedilas sagradas Paramentados com suas vestes
rituais nos cultos eles executam tambeacutem processos de cura e conversas com os participantes
(FELINTO 2012) Os orixaacutes mais populares no Brasil satildeo Exuacute Ogum Iansatilde Oxum Oxoacutes-
si Ossaim Obalouaecirc Oxumereacute Iemanjaacute Xangocirc Nanatilde e Oxalaacute todos esses deuses possuem
caracteriacutesticas especificas cores ferramentas e liturgias que acompanham a danccedila ritual co-
mo teremos a oportunidade de destacar no produto desta dissertaccedilatildeo
O Tambor de Mina popularmente difundido no Maranhatildeo natildeo se diferencia em muito
do candombleacute Os cultos acontecem em invocaccedilatildeo aos Voduns e Caboclos que visitam os
terreiros incorporando nos iniciados O ritual inicia-se em liacutengua de acordo com a naccedilatildeo ao
qual pertencem Os Voduns assim como os orixaacutes satildeo forccedilas que simbolizam elementos da
natureza No Maranhatildeo haacute trecircs importantes casas que foram fundadas por mulheres africanas
da Mina denominaccedilatildeo dada aos escravos procedentes da ldquocosta situada a leste do Castelo de Satildeo Jorge da Minardquo no atual Repuacuteblica do Gana trazidos da regiatildeo das hoje Repuacuteblicas do Togo Benin e da Nigeacuteria que eram co-
nhecidos principalmente como negros mina-jejes e mina-nagocircs (FERRETI 1996 35) 19 Xangocirc de Pernambuco tambeacutem conhecido como Xangocirc do Recife eacute uma religiatildeo afro-brasileira O nome eacute dado em virtude da popularidade e importacircncia de Xangocirc nessa regiatildeo (PRANDI 2000 p 60) 20 Batuque eacute uma denominaccedilatildeo as religiotildees afro-brasileiras de culto aos orixaacutes encontrados principalmente no
estado do Rio Grande do Sul Brasil de onde se estendeu para os paiacuteses vizinhos tais como Uruguai e Argentina
O batuque eacute fruto de religiotildees dos povos da Costa da Guineacute do Benim e da Nigeacuteria com as na-
ccedilotildees Jecircje Ijexaacute Oyoacute Cabinda e Nagocirc Hoje o Batuque possui centenas de casas e inuacutemeros praticantes e adep-
tos (PRANDI 2000 p 62) 21A Umbanda eacute uma religiatildeo brasileira que sintetiza vaacuterios elementos das religiotildees africanas e cristatildes poreacutem sem
ser definida por eles Formada no iniacutecio do seacuteculo XX no sudeste do Brasil a partir da siacutentese com movimentos
religiosos como o Candombleacute o Catolicismo e o Espiritismo Eacute considerada uma religiatildeo brasileira por exce-
lecircncia com um sincretismo que combina o Catolicismo a tradiccedilatildeo dos orixaacutes africanos e os espiacuteritos de origem
indiacutegena (FELINTO 2012 p15)
94
e possuem grande longevidade a Casa das Minas22
(FERRETI 1996) que pertence ao tronco
Jecircje Nagocirc a Casa de Nagocirc23
(FERRETI 2009) que pratica ritos da cultura nagocirc e a Casa de
Fanti-ashanti24
com predominacircncia da Cultura Ashanti (FERRETTI 2000)
Igualmente como nas tradiccedilotildees religiosas em Aacutefrica estas casas trabalham na ideia de
hierarquia tendo na pessoa do pai e da matildee de santo os responsaacuteveis por conduzirem os cultos
Na Casa das Minas os Voduns satildeo representados sobre a noccedilatildeo de famiacutelias sob o comando de
seus chefes Os mais conhecidos satildeo Toacutei Zomadocircnu o dono da Casa das Minas famiacutelia de
Quevioccedilocirc famiacutelia de Toacutei Acoacutessi Sapataacute Odan Toacutei Dadarrocirc Toacutei Doccediluacute-Bogueccedilagajaacute Toacutei Be-
digaacute Nochegrave Sepazin e Toacutei Averequecircte (FERRETI 1996) A Casa de Nagocirc dedica-se aos cul-
tos dos orixaacutes nagocircs como Afrekete Ogum Iemanjaacute Logunedeacute Yewaacute aleacutem de contar tam-
beacutem com entidades caboclas chamadas de Gentis a exemplo de Dom Luiacutes Rei de Franccedila
Dom Joatildeo Dom Floriano Seu Zezinho de Amaramadatilde Rei da Turquia Seu Leacutegua Bogi Jo-
atildeo da Mata (FERRETI 2009) A Casa de Fanti- Ashanti eacute uma conhecida casa de culto no
Maranhatildeo que realiza toques de mina e baiatildeo (FERRETI 1991)
Outro forte aspecto da religiatildeo afro-brasileira eacute a Umbanda considerada como uma
crenccedila genuinamente brasileira A Umbanda tem seus fundamentos firmados com elementos
do candombleacute catolicismo e espiritismo combinando uma variedade de entidades que se ma-
nifestam nos terreiros em casos de iniciados (FELINTO 2012 p15) Os ritos satildeo diversifica-
dos na maneira como se desenvolvem Os cultos se apresentam com entidades das mais dife-
rentes naccedilotildees como iacutendios orixaacutes fidalgos e caboclos entre outros o que a torna uma mani-
festaccedilatildeo diversificada
22 Tambor de mina eacute uma religiatildeo de matriz africana organizada no Maranhatildeo na primeira metade do seacuteculo
XIX) FERRETI M 2009 p 2) A Casa das Minas ou Querebentatilde de Zomadocircnu localizada na Rua Satildeo Panta-
leatildeo atual Rua Senador Costa Rodrigues bairro da Madre de Deus em Satildeo Luiacutes eacute a mais antiga casa de religiatildeo
afro-brasileira do Maranhatildeo Foi provavelmente fundada em meados do seacuteculo XIX por negros jecircje oriundos do
sul de Benin (antigo Daomeacute) A memoacuteria oral transmitida entre as geraccedilotildees conta que a Casa das Minas foi fundada por Maria Jesuiacutena ndash que adorava Zomadocircnu e que teria passado pelo ritual para se tornar matildee ainda na
Aacutefrica (FERRETI 1996 p 39) 23A Casa de Nagocirc eacute uma casa de Tambor de Mina localizada no centro histoacuterico de Satildeo Luiacutes no estado
do Maranhatildeo Dedica-se ao culto dos orixaacutes nagocircs foi fundada agrave eacutepoca do Brasil Impeacuterio
por malungos africanos Dedica-se ao culto dos orixaacutes nagocircs possuindo hierarquia matriarcal uma de suas mais
importantes voduacutensis foi a Matildee Dudu por quem era conhecida Victorina Tobias Santos (1886-1988) filha de
Iemanjaacute e que muito contribuiu para o seu tombamento (FERRETI M 2009 p3) 24A Casa Fanti-Ashanti foi fundada em 1954 Os Fanti e os Ashanti eram povos da antiga Costa do Ouro atual
Repuacuteblica de Gana Eacute uma Casa de Mina e Candombleacute que manteacutem a tradiccedilatildeo desde sua fundaccedilatildeo Haacute tambeacutem
rituais ligados agrave pajelanccedila ao catolicismo popular (Espiacuterito Santo) (FERRETI M 2000 p5)
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Em suma como bem destacado por Carlos Benedito Rodrigues da Silva (2015) essa eacute
uma histoacuteria de sincretismo que emerge a partir da proacutepria diaacutespora que perpassa as relaccedilotildees
assimeacutetricas entre colonizadores e colonizados mas que tambeacutem denota o movimento dinacirc-
mico de transgressatildeo adaptaccedilatildeo irreverecircncia que eacute protagonizado pelos negros e afrodescen-
dentes e que constroem novas relaccedilotildees com a religiosidade O que ldquoresulta portanto em no-
vos elementos interpretativos que datildeo conta da anaacutelise de um cenaacuterio social altamente plura-
lizado de reconstruccedilatildeo das tradiccedilotildees de redefiniccedilotildees de identidades de ressignificaccedilotildees da
vida cotidianardquo (SILVA 2015 p 161)
Deslocando um pouco o eixo de argumentaccedilatildeo anterior valeria agrave pena tecer algumas
consideraccedilotildees a respeito das pesquisas realizadas sobre religiatildeo e cultura popular no Mara-
nhatildeo Para tanto recorro principalmente ao trabalho de Ferretti (2015) um dos principais res-
ponsaacuteveis pelo incentivo ao estudo sobre as religiotildees de origem africana na regiatildeo Conforme
o autor diferentemente de outras regiotildees como a baiana no Maranhatildeo eacute basicamente a partir
da deacutecada de 1980 com os trabalhos do proacuteprio autor e da pesquisadora Mundicarmo Ferreti
que a temaacutetica comeccedila a ganhar destaque dentro da universidade Paulatinamente umas seacuteries
de alunos da graduaccedilatildeo e do mestrado comeccedilaram a redigir trabalhos sobre religiotildees de ori-
gem africana nos quadros do Grupo de Pesquisa Religiatildeo e Cultura Popular iniciado em 1992
no Departamento de Sociologia e Antropologia e em diversos programas de Poacutes-Graduaccedilatildeo
da Universidade Federal do Maranhatildeo Da mesma forma ganha destaque os trabalhos publi-
cados no Boletim da Comissatildeo Maranhense de Folclore (CMF) conformando aportes funda-
mentais para o estudo da temaacutetica em nosso meio (FERRETTI 2015) Deve-se dar destaque
tambeacutem agraves pesquisas que vecircm sendo realizado por Silva (2015) acerca das festas populares e
que tem tambeacutem enfatizado o quanto haacute um entrelaccedilamento de diferentes religiosidades e cul-
turas na populaccedilatildeo maranhense
42 Descrevendo o bairro Satildeo Benedito festas populares e tracircnsitos religiosos
O Bairro Satildeo Benedito faz divisa ao leste com os bairros de Cearaacute e Centro (Tra-
vessa Comandante Joseacute Santos) ao norte com os bairros Centro e Brasiacutelia (Rua Getuacutelio Var-
gas) ao oeste com o bairro Rodagem (Rua Joaquim Reis) ao sul faz divisa com o Rio Satildeo
Lourenccedilo (FUNASA 2019) Atualmente possui um conjunto arquitetocircnico de 1016 (mil e
dezesseis) preacutedios distribuiacutedos entre residecircncias preacutedios comerciais igrejas e terreiros de
cultos afros Apresentamos abaixo um mapa para permitir a visualizaccedilatildeo do periacutemetro do
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bairro Atenccedilatildeo deve ser dada agrave posiccedilatildeo geograacutefica do Centro de Ensino Joatildeo Marques Mi-
randa posicionado no centro do bairro
Imagem 10- Mapa do Bairro de Satildeo Benedito
Fonte Google Maps 2019
Do ponto de vista da distribuiccedilatildeo dos estabelecimentos religiosos o bairro estaacute distri-
buiacutedo da seguinte maneira na Praccedila Siqueira Campos fica localizada a igreja de Satildeo Benedi-
to na Travessa Vilela de Abreu estaacute situado o Templo da Igreja Quadrangular e na Rua Joatildeo
Miranda o Templo da Assembleia de Deus e em todo bairro localizamos 18 (dezoito) terrei-
ros de religiatildeo de matriz africana e 09 (nove) quartos altares25
dos quais falaremos mais adi-
ante A populaccedilatildeo que reside no bairro gira em torno de 2439 (dois quatrocentos e trinta e
nove) habitantes (FUNASA 2019) e da mesma forma que para o restante do municiacutepio o
puacuteblico eacute majoritariamente negro
A histoacuteria do bairro possui uma relaccedilatildeo muito proacutexima com o aparecimento da ima-
gem de Satildeo Benedito Populares contam que ela foi encontrada sobre uma pedra onde foi edi-
ficado o primeiro barracatildeo para realizaccedilatildeo dos primeiros cultos local onde hoje estaacute construiacute-
do o santuaacuterio ainda conforme esses relatos a referida imagem possuiacutea algumas caracteriacutesti-
cas como mudar de local jorrar sangue ao ser perfurada tendo inclusive sido levada agrave Santa
25 Denominaccedilatildeo empregada para se referir a espaccedilos onde os pais matildees que ainda natildeo possuem barracatildeo exer-
cem suas atividades espirituais dentre estas trabalhos de consultas e curas e obrigaccedilotildees onde guardam seus
relicaacuterios para os filhos de santos eacute o espaccedilo onde iniciam sua aprendizagem ateacute assumirem postos de pais e
matildees de santo ( AHLET 2016 p 277) Haacute religiosos que preferem os quartos altares em vez de barracotildees afir-
mando ser muita responsabilidade assumir um terreiro Encontramos muitos casos na pesquisa como o Senhor
Sebastiatildeo Conde que afirma preferir seu quarto de segredo em virtude de ter outras profissotildees e natildeo poder se
dedicar aos cultos (BASTINHO 2019)
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Seacute (RIBEIRO 2014) Esta compotildee inclusive parte das principais narrativas alimentadas em
torno do conhecido festejo ao Glorioso Satildeo Benedito
De maneira geral conforme o historiador Paulo Henrique Ribeiro (2014) o surgimen-
to dos primeiros cultos em homenagem ao santo remonta a meados do seacuteculo XIX Para tanto
destacou-se o papel da Irmandade negra de Satildeo Benedito a qual apesar de natildeo ser regula-
mentada seguia os mesmos padrotildees de irmandades registradas A notoriedade e longevidade
histoacuterica do festejo remonta portanto a esse contexto (COSTA 2014)
Quanto agrave construccedilatildeo das edificaccedilotildees Ribeiro (2014) afirma que a primeira igreja em
devoccedilatildeo ao santo foi construiacuteda em 1871 tendo sido reformada e ampliada em 1926 O tem-
plo que seguia os padrotildees com apenas uma torre sineira teve sua fachada alterada para o atual
modelo somente em 1986 permanecendo hoje com trecircs torres tendo sido chamado desde
entatildeo de Santuaacuterio de Satildeo Benedito (COSTA 2014)
O Bairro de Satildeo Benedito tem no festejo ao padroeiro um exemplo muito concreto dos
fortes tracircnsitos entre o sagrado e o profano na localidade O festejo acontece na primeira se-
mana de outubro em forma de novenaacuterio catoacutelico possuindo um seacuteculo e meio de festivida-
de Aleacutem das missas o festejo tambeacutem conta com uma seacuterie de outras atividades organizadas
por grupos de leigos Destaca-se nesse sentido as atividades de muacutesicas de orquestra agrave noite
e o tradicional leilatildeo que acontece ao teacutermino das missas Neste os objetos leiloados satildeo ori-
undos de promessas feitas por devotos que comprovam o recebimento de graccedilas alcanccediladas
por intermeacutedio do santo Aleacutem das festividades durante os dias de festejo haacute pagamentos de
promessas ofertas de presentes vigiacutelia Pungadas e rimas na roda de tambor tambeacutem satildeo or-
ganizadas recorrentemente
Agravequeles que jaacute estatildeo acostumados com o sincretismo dessas festas religiosas talvez
natildeo se torne assim tatildeo claro o quanto esses eventos mesclam siacutembolos culturais e identitaacuterios
distintos criando um acontecimento social bastante dinacircmico Esse ambiente de trocas e tracircn-
sitos religiosos torna comum ao longo do ciclo dos eventos na localidade agrave introduccedilatildeo do
tambor de crioula de ladainhas toque aos voduns homenagens a caboclos e procissotildees Essas
praacuteticas evidenciam a dinacircmica religiosa que eacute constitutiva do bairro de Satildeo Benedito com
seus templos catoacutelicos templos-terreiro e templos de matriz africana que de uma forma ou de
outra aglutinam a populaccedilatildeo que transitam nos campos da religiosidade popular cururupuense
Inferimos portanto que esses devotos em sua maioria antes mesmo de participarem
de atividades que aos olhos de muitos desconstruiria a imagem idealizada do bom devoto
participam religiosamente dos cultos de matriz catoacutelica demonstrando como o festejo cami-
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nha com essa dinacircmica Os tambores que soam em homenagem ao santo traduzem ao mesmo
tempo uma troca nesses espaccedilos de religiosidades mas tambeacutem a permanecircncia de uma cultura
ancestral que vieram com os negros escravizados para esta terra isto evidencia que a ldquoassoci-
accedilatildeo entre sagrado e profano dentro da cultura negra permitiu que esses transladados e seus
descendentes cultivassem natildeo soacute uma cultura musical mas tambeacutem uma permanecircncia religio-
sa de sua terrardquo (CUTRIM 2016 p264)
Haacute exatos oitenta anos o cotidiano do bairro eacute animado por um coro de vozes sobretu-
do nos dias de festejo sendo a melodia mais executada O hino em louvor a Satildeo Benedito
guarda um fato curioso acerca de sua composiccedilatildeo Tendo sua primeira versatildeo composta no
ano de 1938 (MARLINA MIRANDA 2019)26
pelos cururupuense Manoel Miranda e Libera-
lino Miranda muacutesicos renomados na memoacuteria no bairro foi somente deacutecadas depois quando
da vinda da missatildeo canadense para Cururupu que o hino adquiriu o seu formato final devido
agrave colaboraccedilatildeo do Padre Joatildeo Fillion o qual inseriu duas estrofes na composiccedilatildeo Expomos
abaixo o hino em sua versatildeo mais atual ndash aquela que eacute entoada nas atividades regulares do
festejo
Haacute humildade privileacutegios de almas puras que os anjos cultivam nesta Val
quero tecirc-la como tu bem a tiveste sendo meu fanal
(Refratildeo)
Vecirc teus filhos na tormenta desta vida Benedito laacute no seu trono de luz roga a Deus uma benccedilatildeo bem fecunda ao paiacutes da santa cruz
Deus altiacutessimo no ceacuteu te resplandece povo humilde nesta terra te bendiz
manifesta-se em cantos de louvor gente bem feliz Glorifico nesta hora e para sempre o teu nome excelso em cada geraccedilatildeo
manso e puro como tu Satildeo Benedito quero ser cristatildeo
Tu que vives laacute perto do nosso Deus ensinai-nos a praticar o amor para que tambeacutem conquistemos os ceacuteus com todo ardor
Fortifica-nos em nossa caminhada para um Reino de verdade e de paz con-
fiantes esperamos tua ajuda que tudo nos faz (Manoel Miranda Liberalino
Miranda Joatildeo Fillion Marlina Miranda)
Com efeito caberia tambeacutem destacar a importacircncia de outro festival que tem lugar no
Bairro de Satildeo Benedito Trata-se do Festival de Carro de boi que eacute realizado no mecircs de no-
vembro exatamente no Dia Nacional da Consciecircncia Negra A histoacuteria do festival tem iniacutecio
no ano de 2011 por iniciativa da Associaccedilatildeo de Moradores de Rio de Pedra e o Instituto Ne-
gro Cosme Maria de Nazareacute que eacute uma das organizadoras narra que o festival tem uma his-
toacuteria bastante interessante
26 Marlina Miranda eacute uma professora aposentada que reside no bairro de Satildeo Benedito filho do muacutesico cururu-
puense Manoel Miranda eacute pesquisadora de cultura popular compositora e foliatilde eacute a guardiatilde dos antigos blocos de
mulheres haacute 16 anos comanda o Bloco de Mulheres ldquoCOMO ANTIGAMENTErdquo no carnaval de Cururupu
(MARLINA MIRANDA 2019)
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De acordo com a informante quando da visita de um pesquisador que estudava as co-
munidades quilombolas e que achou muito bonito o som que era emitido pelas rodas dos car-
ros de boi quando estas estavam em movimento este propocircs agrave comunidade que realizassem
alguma atividade para evidenciar aquele som e aquele haacutebito cultural Segundo argumento
aleacutem do som os carros de boi eram sinal de uma resistecircncia que mereceria ser celebrada em
um festival
Imagem 11- Festival do Carro de Boi na Praccedila Satildeo Benedito CururupuMA
Fontelthttpcururupumagovbrnoticiax-encontro-de-carro-de-bois-cortejo-
acontece- neste-domingo282 gt Acesso em 10 de mar 2019
Ainda conforme nossa informante logo no iniacutecio o evento foi realizado no bairro do
Armazeacutem (Praccedila Guarani) o que ela considera natildeo ter tido o objetivo esperado Jaacute no ano se-
guinte ele foi transferido para a Praccedila de Satildeo Benedito ganhando o status que tem hoje O
evento acontece em trecircs dias Uma semana antes da culminacircncia satildeo realizadas atividades de
Accedilatildeo Social Durante essa atividade os organizadores providenciam uma equipe de meacutedicos e
enfermeiros para realizar diferentes atividades como afericcedilatildeo da pressatildeo e testes laboratoriais
raacutepidos Aleacutem disso na abertura da festividade eacute realizada a missa dos quilombos Poreacutem
para Maria de Nazareacute essa missa acaba por natildeo ter o mesmo puacuteblico esperado das missas tra-
dicionais visto que parece haver resistecircncia por parte de uma parcela da comunidade que natildeo
aceitam a missa aos moldes como se apresentam Por fim encerra afirmando que
Pra noacutes comeccedilarmos essa missa tivemos que recorrer a Meridelma
que faz parte da igreja pra nos ajudar a organizar a missa na igreja
mas mesmo assim ainda tem resistecircncia de alguns membros Eles vatildeo
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ter que se acostumar porque o santo eacute negro e a missa eacute pra negro
que eles queiram ou natildeo noacutes vamos resistir noacutes temos que mostrar
nossa cultura (MARIA DE NAZAREacute 2019)
Na programaccedilatildeo haacute uma noite cultural com demonstraccedilatildeo de manifestaccedilotildees afro e ao
final a realizaccedilatildeo do Concurso Beleza Negra Mirim No terceiro dia logo pela manhatilde eacute ofere-
cido um cafeacute da manhatilde partilhado em que as comunidades contribuem com uma iguaria da
sua produccedilatildeo Atualmente o cafeacute eacute servido em dois extremos da cidade um no bairro de Ro-
dagem no Siacutetio Pascoal e outro no bairro de Pitombeira A culminacircncia acontece com a saiacuteda
dos dois cortejos com os carros se encontrando no bairro Rodagem onde inicia o cortejo pelas
ruas de Cururupu guiadas por grupos de tambor de crioula
Nesse Festival o cortejo eacute composto da seguinte forma carro cantador carro original
com as seacutebias27
e carro ornamentado com elementos da roccedila Ao final do evento satildeo entregues
trofeacuteus e certificados aos participantes Ressalta-se que dentro do contexto histoacuterico dos feste-
jos realizados no bairro de Satildeo Benedito haacute uma participaccedilatildeo efetiva dos devotos cada um
com suas proacuteprias peculiaridades Outro aspecto a ser destacado aleacutem da forte presenccedila da
comunidade eacute que esses festejos conferem lugar especial agrave presenccedila dos siacutembolos negros
Quer dizer aleacutem de alimentarem devoccedilotildees e ofertarem diversatildeo aos seus fieacuteis e participantes
dando mostras do caraacuteter intrinsecamente sincreacutetico das festas populares eles tambeacutem const i-
tuem iniciativas que contribuem para a valorizaccedilatildeo da memoacuteria dos legados e valores associ-
ados agrave populaccedilatildeo negra e sua ancestralidade
Quer dizer seria questionaacutevel perceber nesses eventos somente o seu cunho festivo
propriamente dito Eacute notoacuteria a presenccedila da busca de atividades que reverenciem a resistecircncia
do povo negro ao longo da histoacuteria bem como o papel devotado dos envolvidos em trabalhar a
questatildeo poliacutetica como forma de evidenciar o papel do movimento negro Maria de Nazareacute ao
se referir sobre os caminhos que o Festival deve traccedilar argumenta que a pretensatildeo eacute que esses
movimentos cheguem agraves escolas fazendo parte do calendaacuterio como uma atividade que agrega
valores agrave comunidade e sobretudo resgata a ancestralidade da formaccedilatildeo do povo cururupuen-
se No tocante a isto percebemos a importacircncia dos festejos e das histoacuterias vivenciadas no
bairro como uma construccedilatildeo de identidades compartilhadas a partir das quais esses sujeitos
organizam formas de demarcar os espaccedilos como possiacuteveis de reaver as contribuiccedilotildees das po-
pulaccedilotildees ali envolvidas na formataccedilatildeo da sociedade cururupuense inserindo nisto a participa-
27 Trama de vara e cipoacute feita para colocar do lado da mesa do carro auxiliando na proteccedilatildeo dos materiais ali
alojados atualmente as seacutebias satildeo feitas de ripas com prego no Festival de Carro de Boi o criteacuterio satildeo seacutebias
artesanais feitas em material bruto
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ccedilatildeo dos diferentes povos que contribuem para esta organizaccedilatildeo observamos nestes eventos
uma convivecircncia nas relaccedilotildees que aproximam os envolvidos numa construccedilatildeo de parcerias
43 Histoacuterias de terreiros terrenos de memoacuterias e de histoacuterias
A finalidade principal deste toacutepico eacute descrever e apresentar algumas das histoacuterias
de pais e matildees de santo que aceitou nos dar entrevistas e cujos terreiros situam-se em torno
do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda Essas entrevistas foram realizadas em tom de
bastante receptividade muito embora as respostas obtidas tenham sido bastante tiacutemidas Seja
como a despeito do caraacuteter conciso das respostas e daquilo que eacute suscetiacutevel de ser discutido
aqui ainda assim suas histoacuterias ajudam a compreender parte da histoacuteria do local e das rela-
ccedilotildees entre terreiros e escolas A compreensatildeo disso eacute tanto mais importante quanto se sabe
que a escola se encontra em uma situaccedilatildeo limiacutetrofe com diversos terreiros o que poderia fa-
vorecer uma aproximaccedilatildeo entre esses espaccedilos e seus processos educativos Abaixo segue um
mapa em que indicamos os terreiros que existem proacuteximos ao estabelecimento de ensino
Imagem 12- Terreiros do Bairro de Satildeo Benedito
Fonte Google Maps 2019
Apresentamos uma lista dos terreiros e dos quarto altares que circundam o Centro de
Ensino Joatildeo Marques Miranda e seus dirigentes Em boa medida satildeo esses espaccedilos e suas
atividades que dinamizam o calendaacuterio afro-religioso cururupuense
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01 Terreiro Pingo Drsquoaacutegua28
- Matildee de Santo Isabel Mineira (in memoriam)
Travessa Vilela de Abreu sn
02 Quarto altar- Pai de Santo Fracircncio Jacircnio Veras-Travessa Coelho Neto nordm
53
03 Terreiro Pai Joaquim de Angola- Pai de Santo Luiacutes Afonso-Travessa
Satildeo Joseacute nordm 01
04 Terreiro Santo Antonio-Matildee de Santo Maria Bebo Soeira 29
(in memori-
am) Rua Dr Laacutezaro Ramos snordm
05 Terreiro Santa Baacuterbara- Pai de Santo Edimir Mota- Rua Clodoaldo Ri-
beiro nordm- 39
06 Terreiro Santa Baacuterbara- Matildee de Santo Edina Pires- Rua Joatildeo Miranda
nordm 245
07 Quarto altar- Pai de Santo Deiran- Rua Joaquim Reis nordm 38
08 Terreiro Santa Luzia- Matildee de Santo Faacutetima Cordeiro-Travessa Satildeo Joseacute
nordm 207
09 Terreiro Santa Baacuterbara- Matildee de Santo Valdelina-Travessa Coelho Neto
nordm 74
10 Quarto altar- Pai de Santo Daacuterio-Rua General Osoacuterio nordm 250
11 Quarto altar- Pai de Santo Sebastiatildeo Conde- Travessa Satildeo Joseacute nordm 43
12 Terreiro Satildeo Sebastiatildeo - Pai de Santo Jorge de Abdias- Rua Celso Fari-
as nordm247
13 Terreiro Deus eacute quem Guia - Pai de Santo Joseacute Maria Ramos-Rua Joatildeo-
zinho Reis nordm316
14 Quarto altar- Iniciada Tereza Cadete Rua-Joaquim Reis nordm 33
28 O Terreio Pingo drsquoagua considerado o primeiro terreiro de Tambor de Mina em Cururupu fundado na deacutecada
de 1920 o terreiro era uma construccedilatildeo em forma de navio em homenagem ao seu guia Marinheiro nos dias de toque era iccedilada a bandeira nas cores azul e branco marcando o inicio das festividades em homenagem aos vo-
duns guias e caboclos da casa (FERRETI M 2015 p168) A menccedilatildeo ao Terreiro Pingo drsquoaacutegua se deu por conta
dos relatos que coletamos dos entrevistados a dirigente que faleceu na deacutecada de noventa faz parte do repertoacuterio
de memoacuterias do bairro portanto achamos importante a alusatildeo muito embora merecida independente dos relatos
pois acreditamos tratar-se de uma grande referecircncia para os cultos afro-cururupuense 29 Maria Bebo Soeira ou simplesmente Maria Bebinha foi uma importante e conhecida matildee de santo do bairro de
Satildeo Benedito seu terreiro era bem proacuteximo ao cemiteacuterio municipal Maria Bebinha era muito procurada por suas
praticas de cura os entrevistados a lembram com grande reverecircncia como uma das matildees de santo que contribui
para difusatildeo da religiatildeo na cidade Falecida em 2016 Maria de Bebinha eacute na memoacuteria da populaccedilatildeo local uma
grande referecircncia por sua enorme contribuiccedilatildeo acreditamos que se faz necessaacuterio uma alusatildeo ao legado que
ajudou a construir como Matildee de Santo isto em favor da religiatildeo afro-cururupuense
103
Para explorar parte dessa histoacuteria natildeo poderiacuteamos fazer isso sem recorrer agrave histoacuteria da
mais influente matildee de santo de Cururupu a qual teve uma geraccedilatildeo de filhos e filhas de santo
que ajudaram a difundir o culto no municiacutepio Na sua trajetoacuteria como matildee de santo em quase
68 anos de dedicaccedilatildeo a religiatildeo africana a fez ser considerada como a maior matildee de santo de
Cururupu como assim eacute relembrada pelos pais e matildees de santos as quais entrevistamos Era
devota de Santa Rosa de Lima e juntamente com a ajuda de filhos e colaboradores realizava
no mecircs de agosto uma festa em homenagem a Santa O Festejo acontecia em trecircs dias com
levantamento de mastro toque aos deuses e nele a devota recebia a entidade Rosinha filha
caccedilula de Rainha Rosa e da famiacutelia de Leacutegua Bogi (FERRETI M 2015 p169)
Sua ligaccedilatildeo com a santa se deu por ocasiatildeo de uma promessa feita Como relatado agrave
Mundicarmo Ferretti (2015) na conversa disse que se atendida andaria de joelho e levantaria
uma irmandade para festejaacute-la Para cumprir com a segunda parte da promessa trabalhou mui-
to (FERRETI M 2015 p 170) Apoacutes todo esse esforccedilo finalmente abriu deu terreiro e a par-
tir de entatildeo nunca mais parou com a devoccedilatildeo e os cultos as entidades Vale ressaltar que aleacutem
de mineira ela foi tambeacutem parteira realizando mais de 6000 mil partos No carnaval ela in-
centiva a um bloco chamado ldquoBaralhordquo em que as participantes usavam maacutescaras Em 1995
foi homenageada pelo Bloco Afro Omniraacute Isabel Mineira faleceu aos 90 anos deixando um
legado aos cultos africanos em Cururupu
Imagem 13- Matildee de Santo Isabel Mineira em toque de Mina CururupuMA
Fonte Arquivo da Famiacutelia
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Fracircncio Jacircnio da Silva Veras eacute natural de Cururupu nascido em 11 de novembro de
1983 na ilha de Guajerutiua Atualmente eacute o Secretaacuterio de Cultura de Cururupu e ao longo de
sua gestatildeo tem desenvolvido trabalhos junto com os pais e matildees de santos do municiacutepio Jaacute
realizou vaacuterios eventos enfocando as religiotildees africanas Sua residecircncia estaacute localizada na
Travessa Coelho Neto nordm 53 bairro Satildeo Benedito Seu contato com as entidades comeccedilou
muito cedo quando ainda tinha trecircs anos de idade Nessa eacutepoca morava na ilha de Guajerutiua
Ele relata que sempre que passava por peacutes de cajueiro sentia uma energia que ateacute entatildeo natildeo
sabia explicar mas sentia alguma forma de atraccedilatildeo
O pai de santo narra que sua relaccedilatildeo vem de seu avocirc o senhor Olegaacuterio que era reno-
mado vidente da cidade A seu respeito conta que tinha uma notaacutevel habilidade para perceber
as mais diversas situaccedilotildees nas pessoas a exemplo de casos de doenccedila que precisam de trata-
mento antes mesmo da doenccedila se manifestar Sua famiacutelia era de maioria evangeacutelica por isso
encontrou dificuldades para solucionar suas possessotildees quando jovem Em nossa entrevista
ele narrou que sua avoacute o levava para os cultos evangeacutelicos mas ele natildeo gostava e entatildeo co-
meccedilava a puxar sua saia e chorar Neste intervalo passavam pelo anajaacute que o deixava de so-
breaviso por conta da energia que este transmitia sempre que passava por ele
Imagem 14- Pai de Santo Fracircncio Jacircnio da Silva Veras CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
Foi em Cururupu que frequentou o seu primeiro terreiro o de Faacutetima Cadete sendo
que sua primeira feitura foi realizada por ela Mesmo assim soacute teve seu trabalho definitivo aos
18 anos quando a matildee de santo Deusonete se propocircs a realizar seu trabalho sem cobrar nada
105
Como nos descreve tem como guia de frente Raio de Sol como contra guia Joseacute Toacuteia Tupi-
nambaacute caboclo farrista o marinheiro Mariano e a cabocla Mariana Com a vivecircncia atual-
mente tornou-se pai de santo com jaacute cinco filhos de santo preparados
Fracircncio frequentou a escola Joatildeo Marques Miranda tendo cursado o ensino fundamen-
tal menor nesse estabelecimento Desse periacuteodo relata inuacutemeros casos de possessatildeo que pre-
senciou na escola Sua explicaccedilatildeo semelhante agrave dos professores do estabelecimento ressalta
que essa frequecircncia se deu por conta da construccedilatildeo da escola sem que fosse solicitada a auto-
rizaccedilatildeo dos encantados que ali habitavam Quando perguntado sobre como a escola deveria
trabalhar as religiotildees de matriz africana o pai de santo foi bem enfaacutetico ao falar que
A religiatildeo que realmente predomina em Cururupu eacute a religiatildeo africa-
na as pessoas quando perguntada qual sua religiatildeo eles sempre res-
pondem catoacutelica no entanto todo catoacutelico tambeacutem frequenta os ter-
reiros muitos natildeo assume por vergonha a pessoa vai uma vez agrave igre-
ja e no terreiro vai mais de uma vez na semana os problemas espiri-
tuais satildeo resolvidos nos terreiros e natildeo e na igreja portanto satildeo mais
umbandista Com relaccedilatildeo agrave escola tanto os terreiros como a escola
deveriam orientar as pessoas a seguir a religiatildeo acredito que falta
comunicaccedilatildeo os pais de santo precisam mudar a maneira como apre-
sentam o ritual muitas vezes quando vamos a um terreiro para um
culto nos deparamos com sangue animais mortos isto atrapalha a
pessoa a se identificar na religiatildeo acredito que aleacutem da doutrina os
pais de santo deviam criar sua doutrina tambeacutem para repassar a seus
disciacutepulos como forma de que saibam divulgar a religiatildeo de maneira
correta e natildeo com essa visatildeo deturpada que se apresenta na cidade
Nos terreiros tambeacutem se ensina como ser boa pessoa como tratar os
outros isto que o que pretendo assim que levantar meu barracatildeo
(Fracircncio Jacircnio da Silva Veras Pai de Santo entrevista coletada em 25
de janeiro de 2019)
Luiacutes Afonso Silva Azevedo nasceu em Cururupu na Santa Casa de Misericoacuterdia em
fevereiro de 1965 eacute gecircmeo com seu irmatildeo Afonso Luiacutes que tambeacutem eacute pai de Santo no muni-
ciacutepio de Serrano do Maranhatildeo cidade que fica a 32 km de Cururupu Morou em Guajerutiua
por alguns anos ateacute mudar-se para o estado do Paraacute onde se fundamentou ainda mais nos pre-
ceitos da religiatildeo Seu contato com os encantados acorreu muito cedo dentro do ciacuterculo fami-
liar Como destaca seu viacutenculo com a mina se deu em parte porque havia uma tia proacutexima que
era mineira Sua matildee de Santo foi Sebastiana Chaves (Ceceacute) afamada vidente e curandeira de
Areia Branca quem o iniciou na linha de cura com o pai de Santo o senhor Jaime quem o que
introduziu no tambor de mina por isso se considera mineirocurador
106
Imagem 15ndash Pai de Santo Luiacutes Afonso Silva Azevedo Cururupu- MA
Fonte Arquivo pessoal
Seu terreiro fica localizado agrave Rua Satildeo Joseacute ndeg 01 Bairro de Satildeo Benedito a uma qua-
dra de escola Joatildeo Marques Miranda O nome de sua casa eacute uma homenagem a seu patratildeo Pai
Joaquim de Angola primeira entidade a baixar na sua cabeccedila Tem como guia o caboclo Cea-
rense contra guia Dona Jarina e como caboclo farrista Zeacute Raimundo O pai de santo relata
que por algumas vezes foi convocado pela professora Floranilde Silva ao Centro de Ensino
Joatildeo Marques Miranda para ajudaacute-la a resolver problemas de possessatildeo em alunos diz que
sempre que era solicitado ele estava disposto a atender pois sabia da espiritualidade presente
naquele local O terreiro do senhor Luiacutes Afonso realiza toques aos encantados e festejo ao
dono de sua cabeccedila Pai Joaquim de Angola aleacutem de ministrar consultas agraves pessoas que o pro-
curam em busca de conforto espiritual
Quando questionado sobre a discriminaccedilatildeo que passam as religiotildees de matriz africana
disse que
A cidade precisa fundar uma associaccedilatildeo de umbandista para que
possa nos orientar casos de discriminaccedilatildeo Isso tambeacutem se vecirc na es-
cola a meu ver a escola natildeo tem religiatildeo acho que todo mundo tem o
direito de escolher qual religiatildeo quer seguir mas que precisa de um
educador para explicar como funciona a religiatildeo de culto afro brasi-
leiro os pais de santo precisam se unir mais (Pai de Santo Luiacutes
Afonso Silva Azevedo entrevista coletada em 30 de janeiro de 2019)
Edmir Pires Mota por seu turno tem sessenta e cinco anos de idade e nasceu em 1953
no interior chamado Barracatildeo hoje municiacutepio de Serrano do Maranhatildeo Haacute trinta e sete anos
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na religiatildeo afro se diz curador e mineiro Teve sua cabeccedila feita aos vinte e seis anos pelo seu
pai de santo Jaime Seu barracatildeo estaacute localizado na Travessa Clodoaldo bairro de Satildeo Bene-
dito nordm 39 bem proacuteximo ao cemiteacuterio municipal com o nome de Terreiro de Santa Baacuterbara
Imagem 16ndash Pai de Santo Edimir Pires Mota incorporado com o caboclo
Pequeninho em trabalho de cura CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
A trajetoacuteria de vida religiosa de Seu Edmir natildeo se difere da maioria dos pajeacutes que acei-
taram conversar conosco Antes de aceitar a sua obrigaccedilatildeo como mineiro sofreu com vaacuterios
tipos de doenccedilas Rejeitava ter esse dom tinha vergonha das pessoas Soacute aceitou quando fez
sua iniciaccedilatildeo e percebeu que tinha que aceitar os seus guias ldquoEu natildeo tive outra soluccedilatildeo taacute
veno E aiacute quando eles chegaram foi com tudo de uma vez natildeo teve como me livrarrdquo (SIL-
VA 2016) Mediante a sua narrativa Seu Edmir esclarece que ou aceitava ser pajeacute ou assumi-
ria as consequecircncias Negar seus guias seria sofrer na vida Assumindo ser pajeacute Seu Edmir se
firmou na terra e natildeo teve as perturbaccedilotildees que sofria antes de se iniciar Na cura seus guias
satildeo Piquinininho como chefe Dadinho como seu contra guia aleacutem desses dois recebe ainda
Caboclo Ubirajara Pinaguarema Joatildeo de Una
O calendaacuterio de festividades do terreiro eacute bem diversificado Seu Edmir Mota rea-
liza festa de aniversaacuterio para seu guia no mecircs de julho para Piquinininho e no mecircs de de-
zembro para Dadinho aleacutem das festas de obrigaccedilotildees para outras entidades A festa do mecircs de
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dezembro aleacutem de ser uma festa de aniversaacuterio do caboclo Dadinho eacute destinada tambeacutem a
Nossa Senhora da Guia (SILVA 2016) Essa festa comeccedila no dia 2 e se estende ateacute 4 de de-
zembro com toque de caixa em homenagem ao Divino Espiacuterito Santo
Quando perguntado sobre a relaccedilatildeo entre o Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda e
os terreiros que ficam proacuteximos disse que constantemente recebe visitas de pessoas da escola
soacute que natildeo entram muito no assunto De maneira geral em suas proacuteprias palavras acredita
que as pessoas que estatildeo na escola ldquotem medo de tambor de mina muitos sabem que sofrem
de encantados mais evitam vir aos terreiros e que agraves vezes essa vergonha atrapalha a vida
da pessoa que taacute sofrendo e natildeo procura recursordquo
Com 83 anos e a 73 no Tambor de Mina Edna Pires inicia nossa conversa com uma
afirmaccedilatildeo que considera importante para registro ldquonasci na mina e vou morrer na mina des-
sa religiatildeo ningueacutem me tira fiel ateacute morrerrdquo Matildee Edna Pires nasceu a 20 de maio de 1936 e
comanda o Terreiro Santa Baacuterbara localizado no Bairro de Satildeo Benedito situado agrave Rua Joatildeo
Miranda nordm 245 Eacute o terreiro mais antigo em atividade no bairro ainda bastante luacutecida dona
Edna nos relatou que comeccedilou bobar como costuma dizer quando ainda tinha nove anos de
idade no povoado Bacabal ao vir para sede do municiacutepio foi iniciada no toque por Isabel Mi-
neira isto na deacutecada de 1940 Sobre essa experiecircncia ela relata que ajudava minha velha nos
trabalhos de cura e nos festejos que ela fazia ldquoAprendi muita coisa com ela a respeitar as
entidades por isso que ainda estou viva ateacute hojerdquo Na paacutegina seguinte temos uma imagem da
matildee de santo
Imagem 17 Matildee de Santo Edna Pires CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
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Matildee Edna ou simplesmente ldquoMaedinardquo como eacute carinhosamente chamada no bairro re-
alizava os festejos de Santa Baacuterbara no periacuteodo 02 a 06 de dezembro com ladainhas toques e
festa danccedilante enquanto seu filho que tambeacutem era mineiro era vivo Atualmente realiza ape-
nas toques de obrigaccedilatildeo Dona Eacutedna Pires diz que sempre eacute visitada por evangeacutelicos que ten-
tam convencecirc-la a entrar na crenccedila mas ela diz que a religiatildeo que ela segue ajuda muita gente
por isso natildeo teria razotildees para mudar Relata ainda que mesmo com a idade jaacute avanccedilada ainda
realiza trabalhos de cura em sua casa onde sempre recebe visitas de populares que precisam
de seus cuidados Entre os diversos terreiros do bairro o seu eacute o uacutenico registrado na Federa-
ccedilatildeo de Umbanda e Cultos Afro-brasileiros O terreiro estaacute localizado a uma quadra da escola
Joatildeo Marques Miranda
Quando perguntada se jaacute houve algum tipo de contato com a escola Dona Edna rela-
tou que certa vez foi convocada a ajudar uma pessoa que estava com problemas espirituais
mas que isto foi haacute muito tempo quando era soacute ela que tinha terreiro ali proacuteximo Agora jaacute
tem um monte de terreiros perto da escola conclui
O Terreiro de Santa Luzia eacute o mais proacuteximo da escola Joatildeo Marques Miranda locali-
zada na Travessa Satildeo Joseacute canto com o Centro de Ensino (Travessa Satildeo Joseacute nordm 207) Agrave fren-
te da casa de culto encontra-se Matildee Faacutetima das Graccedilas Cadete do caboclo Manezinho mineira
nascida em 1950
Imagem 18- Matildee de Santo Faacutetima das Graccedilas Cadete Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
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Seu contato com os ldquoinvisiacuteveisrdquo como ela costuma dizer comeccedilou quando ainda tinha
quatorze anos Conforme nos conta sempre aconteciam coisas estranhas com ela nesse periacuteo-
do agraves vezes se deparava debaixo da cama e as pessoas a aconselhavam a procurar um pai de
santo e que deveria seguir seu dom mas sempre relutava ateacute que comeccedilou a ficar aleijada
Diz que apanhou muito baque ateacute desenvolver sua mediunidade Como prossegue em seu
relato Faacutetima jaacute preparou muitos filhos de santo
Sobre as relaccedilotildees entre terreiro e escola ela nos relatou que no tempo da professora Flo-
ranilde Silva sempre era procurada para aliviar incorporaccedilotildees de espiacuteritos na escola Pergun-
tada se aleacutem disso havia algum outro tipo de contato respondeu que soacute a procuravam quan-
do apareciam esses problemas Mas de maneira geral mesmo quando havia festejos promo-
vidos pelo barracatildeo que empregavam sonorizaccedilatildeo mecacircnica entrava-se em um acordo com a
direccedilatildeo dado as boas relaccedilotildees que mantinham
Joseacute Maria Ramos por seu turno se define como mineiro curador e ainda afirma que as
maiorias dos pais de santo de Cururupu assim o satildeo Nascido em 1954 desde os 15 anos de
idade informa ter comeccedilado o festejo ao santo que ateacute hoje eacute devoto Satildeo Sebastiatildeo Desde laacute
como enfatiza nunca mais parou com cinquenta e seis anos de feitura no santo
Imagem 19 ndash Pai de Santo Joseacute Maria Ramos Cururupu- MA
Fonte Arquivo Pessoal
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Seu primeiro contato com as entidades foi quando ainda tinha cinco anos de idade
Nesse tempo desenvolveu sua espiritualidade indo procurar um pai de santo quando fez dez
anos Tem como guia de frente Tombasseacute de Oliveira Seus pais de santo foram Fernando do
Barreto e Margarida Mota Aleacutem dos festejos da casa o Terreiro Deus eacute quem Guia localiza-
do a Rua Joatildeozinho Reis nordm 316 realiza outros festejos como o de Santa Luzia Joseacute Maria
atualmente com sessenta e quatro anos se diz um pouco cansado da vida de curador no en-
tanto manteacutem as obrigaccedilotildees em dia Quando perguntado sobre religiatildeo de matriz africana e
escola o pai de santo afirma que
A escola deveria ensinar os alunos sobre as religiotildees mais tambeacutem
existe uma coisa que precisa ser esclarecida assim como a escola en-
sina vaacuterias coisas o aluno a diferenciar os praticantes da religiatildeo
tambeacutem precisam diferenciar quais as religiotildees africanas que existe
pra natildeo confundir e assim facilitar a conversa (Joseacute Maria Ramos
Pai de Santo entrevista coletada em 22 de janeiro de 2019)
A uacuteltima das entrevistadas que aceitou conversar conosco foi Tereza Cadete nascida a
19 de maio de 1955 Sua residecircncia fica localizada agrave Rua Joaquim Reis nordm 33 Bairro de Satildeo
Benedito Conta que teve iniacutecio com os encantados muito cedo mas que natildeo aceitava essa
condiccedilatildeo por causa disto ficou cega vindo ficar boa soacute quando se reatou com as entidades
Imagem 20- Iniciada Tereza CadeteCururupuMA
Fonte Arquivo pessoal
Tereza diz que apenas cumpre com as obrigaccedilotildees para sua entidade Obalouaecirc que rea-
liza no mecircs de dezembro com toque de tambor em sua casa Assim como muitos outros ela
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possui um quarto-altar onde desenvolve suas atividades espirituais Quando perguntada como
se definia disse que apenas danccedila com seu pai de santo Edimir e que natildeo se considera propri-
amente uma matildee de santo e nem gostaria de ser pois sabe que eacute uma responsabilidade muita
grande Concluindo que natildeo se acha preparada enfatiza ldquoos pais de santo tem que cumprir
com os calendaacuterios de toquesrdquo Indagada quanto agrave religiatildeo e escola a Tereza disse que ldquoNa
escola os cultos sofrem muita discriminaccedilatildeo tanto de alunos como professoresrdquo Mencionou
por fim que no coleacutegio da baixa30
sempre acontece casos de incorporaccedilatildeo alegando a mesma
histoacuteria que o local tem dono por isso das constantes possessotildees nas pessoas
30 A denominaccedilatildeo ldquoescola da baixardquo tem relaccedilatildeo pela localidade do terreno que fica em uma parte baixa do bair-
ro de Satildeo Benedito antes da construccedilatildeo da escola havia naquele local uma lagoa com grande proporccedilotildees de aacutegua
por conta da chuva esse reservatoacuterio demorava algum tempo para secar Como o local fica localizado jaacute proacuteximo
do mangue ficou conhecido como escola da baixa
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CAPIacuteTULO 5 - OFICINAS PEDAGOacuteGICAS E A HISTOacuteRIA E CULTURA AFRO-
BRASILEIRA
Para nossa pesquisa tatildeo importante quanto compreender parte da histoacuteria do local de
suas lideranccedilas e a perspectiva que tecircm sobre o papel da escola eacute pensar em propostas de
oficinas pedagoacutegicas para serem empregadas no estabelecimento de ensino em pauta Se esse
material segue em anexo gostaria nesse espaccedilo de descrever como foram realizadas essas
oficinas e como pude oferecer minha contribuiccedilatildeo para rediscussatildeo das relaccedilotildees entre esses
espaccedilos Na sequecircncia descrevo duas das oficinas que aplicamos junto aos estudantes e por
uacuteltimo uma das oficinas que realizamos com os professores O relato dessa experiencia eacute
tomado aqui para compreender algumas das nossas escolhas metodoloacutegicas na construccedilatildeo do
produto final
Comeccedilo pela Oficina de Histoacuteria da Aacutefrica aplicada no dia 07 de novembro de 2018
para alunos do 3ordm ano na disciplina Histoacuteria no Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda Par-
ticiparam dessa atividade 21 estudantes A oficina buscou compreender quais as visotildees que os
discentes possuiacuteam sobre a Aacutefrica Os relatos apresentados foram ao encontro das diversas
pesquisas que jaacute evidenciaram a visatildeo negativa sobre o continente africano ou simplesmente o
desconhecimento Em certa medida natildeo havia aqui muita surpresa visto que pelas respostas
dadas ao questionaacuterio esses mesmos estudantes sequer conseguem captar a forccedila e a impor-
tacircncia do legado cultural afro-brasileiro no contexto local Embora esse desconhecimento jaacute
pudesse ser previsiacutevel eacute preciso destacar tambeacutem o interesse e curiosidade que foi sendo des-
pertado ao longo da execuccedilatildeo da atividade
A dinacircmica adotada para apresentaccedilatildeo da temaacutetica foi agrave utilizaccedilatildeo de imagens das di-
versas representaccedilotildees sobre o continente africano Pretendeu-se suscitar nos alunos quais
imagens conseguiam identificar e relacionar com outras que jaacute haviam observados em outros
locais Na ocasiatildeo dois alunos externaram suas visotildees as quais merecem registro O primeiro
se identificou como filho de santo e que jaacute tinha ouvido algumas histoacuterias sobre a Aacutefrica con-
tadas verbalmente por sua matildee Lembrou-se de histoacuterias sobre como vieram para o Brasil das
lutas e desafios enfrentados A visatildeo do segundo no entanto era bem distinta Sempre tinha
ouvido falar da fome e miseacuteria e que seria um lugar amaldiccediloado por Deus
Agrave medida que apresentaacutevamos informaccedilotildees que mostravam a realidade africana de
uma oacutetica mais positiva sobretudo com foco na organizaccedilatildeo cultural e poliacutetica dos seus dife-
rentes povos percebia a reaccedilatildeo de total estranheza e ateacute mesmo de incompreensatildeo Tudo
ocorria como se aquela imagem da Aacutefrica como um espaccedilo geograacutefico diversificado comple-
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xo e dinacircmico destoasse de qualquer coisa jaacute ouvida mesmo em se tratando dos mais propen-
sos a ter uma visatildeo positiva sobre o continente Vale lembrar que muitas das imagens apresen-
tadas foram retiradas de livros didaacuteticos o que foi concebido como um expediente para facili-
tar o acesso agraves informaccedilotildees A proposta em sequecircncia era perceber quais paiacuteses eles conheci-
am como pertencentes ao continente Ora natildeo fosse talvez a Copa do Mundo como lembrado
em tom de brincadeira por um dos estudantes para a maior parte deles a Aacutefrica era apenas um
paiacutes gigantesco
Nessas oficinas em certa medida era possiacutevel identificar como a escola vinha traba-
lhando o tema em sala Vaacuterios dos alunos comentaram que muito raramente os professores
das disciplinas desenvolviam conteuacutedos voltados para essa temaacutetica Perguntados se tinham
interesse em conhecer mais sobre o tema responderam que seria muito interessante uma vez
que satildeo conscientes de sua descendecircncia africana Com a aplicaccedilatildeo das atividades inferimos
que haacute um interesse dos alunos no entanto a escola possui pouco embasamento para trabalhar
com este tipo de conteuacutedo
Aplicamos uma atividade em equipes contendo imagens sobre o continente e pedimos
que escrevessem a impressatildeo que tinham a partir da oficina Dos relatos colhidos destaco
aqui o do estudante Leandro de Oliveira e Maria Monteiro que registrou o seguinte
O continente africano eacute o segundo maior do mundo e tambeacutem muito
rico apesar de muitos paiacuteses terem roubado ouro diamantes entre ou-
tras riquezas A cultura dos povos africanos eacute marcante atraveacutes de
cores fortes e muita alegria O continente africano foi muito explora-
do pelos europeus aleacutem disso foram castigados torturados e outros
mortos por natildeo aceitar aquela situaccedilatildeo de ser escravizado em seu
proacuteprio lugar onde nasceu e cresceu e tambeacutem eacute um paiacutes de muitas
diversidades cores etnias tribos e culturas (Leandro Oliveira e Ma-
ria Monteiro)
A segunda oficina foi Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira a Histoacuteria do Brasil africa-
no vidas para aleacutem dos tambores e da escravidatildeo realizada no dia 14 de dezembro de 2018
para alunos do 2ordm ano O objetivo da atividade era perceber como a cultura afro-brasileira se
formou ao longo da histoacuteria partindo desde o Brasil colonial ateacute os dias atuais e como estas
tradiccedilotildees africanas resistiram ao processo de perseguiccedilatildeo no contexto da cultura
A oficina foi ministrada pelo Professor Especialista Carlos Viana Pimentel (URCA)
Os encaminhamentos apontados levaram os alunos a reconhecer os aspectos pelo quais se deu
a escravizaccedilatildeo de povos africanos no Brasil e como os povos resistiram para manter vivas
suas tradiccedilotildees Logo na sequecircncia procuramos explorar quais as informaccedilotildees possuiacuteam acer-
115
ca das manifestaccedilotildees afro-brasileiras e como compreendiam essas atividades dentro do cenaacute-
rio afro cururupuense Na proporccedilatildeo em que as colocaccedilotildees iam sendo direcionadas os alunos
interagiam demonstrando um certo conhecimento acerca das manifestaccedilotildees e como haviam
conhecido essas praacuteticas Em certa medida essa inciativa mostrou-se mais eficiente para cap-
tar algumas percepccedilotildees mais refinadas dos estudantes quando comparado com os achados dos
questionaacuterios aplicados
Dessa maneira o que conseguimos captar foi que a maioria dos alunos jaacute participou ou
participam de alguma forma de atividades festivas ou mesmo como integrantes de cultos afro-
brasileiros Outro aspecto positivo acerca da atividade foi o fato de que os estudantes afirma-
ram ter obtido uma visatildeo mais ampla sobre as tradiccedilotildees afro-brasileiras e suas lutas Um dos
estudantes destacou por exemplo que esses temas eram parte da histoacuteria dos seus antepassa-
dos e que deveriam ter maior destaque dentro da escola Na condiccedilatildeo de ministradores da ofi-
cina tanto eu quanto o Prof Carlos Viana Pimentel avaliamos como muito positiva a ativida-
de muito embora tenhamos a contiacutenua sensaccedilatildeo de que embora a abordagem dessas temaacuteticas
seja bem recebida sua realizaccedilatildeo de maneira esporaacutedica e pontual encontra-se muito aqueacutem
do tipo de inserccedilatildeo que se pretende valorizar aqui
Enquanto as oficinas aplicadas aos estudantes tiveram essa tonalidade geral gostaria
de destacar a oficina destinada aos professores abordou os antecedentes que levaram a pro-
mulgaccedilatildeo da Lei 106392003 O foco dessa atividade era apresentar alguns elementos que
poderiam auxiliar na introduccedilatildeo da histoacuteria e da cultura afro-brasileira em sala de aula ofere-
cendo aos docentes os aportes que sentimos falta quando da aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios ex-
plorados no capiacutetulo 2
Iniciamos por discorrer sobre a resistecircncia negra desde o periacuteodo colonial com as rebe-
liotildees coordenadas por grandes quantidades de negros que natildeo aceitavam tal condiccedilatildeo Esses
movimentos abriram portas para que pudeacutessemos ver os aspectos negativos da escravidatildeo as
puniccedilotildees e castigos realizados e o lugar que essa instituiccedilatildeo tinha como estruturadora de nos-
sas relaccedilotildees de sociabilidade Na permanecircncia discorremos sobre como as formas de resis-
tecircncia adotadas por esses movimentos constituem exemplos concretos da agecircncia negra for-
necendo pela renovaccedilatildeo da historiografia os aportes para que tenhamos outra visatildeo sobre a
participaccedilatildeo poliacutetica dos negros
Na sequecircncia enfatizamos como no processo de formaccedilatildeo de nossa sociedade e iden-
tidade sociocultural as contribuiccedilotildees africanas e afro-brasileiras foram fundamentais para a
constituiccedilatildeo da naccedilatildeo e o quanto isso deveria ensejar um ensino pautado pela valorizaccedilatildeo da
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diversidade Tratou-se em todos os momentos de enfatizar a riqueza eacutetnica do paiacutes e nossos
inegaacuteveis e indissoluacuteveis viacutenculos Particular importacircncia foi dada agrave descriccedilatildeo das histoacuterias de
vida de pais de santo que habitavam proacuteximos agrave escola e sobre a necessidade de desenvolver-
mos estrateacutegias de aproximaccedilatildeo pedagogicamente concebidas Tudo isso com o fito de refor-
ccedilar o papel da educaccedilatildeo e particularmente do trabalho realizado em sala de aula para o fomen-
to ao respeito toleracircncia e agrave convivecircncia paciacutefica entre as diferentes culturas que estatildeo na
base de nossa formaccedilatildeo
Quando passamos para a discussatildeo coletiva os professores apontaram para uma defi-
ciecircncia em suas formaccedilotildees acadecircmicas pois encontravam dificuldades para a inserccedilatildeo ade-
quada desses temas em sala de aula A carecircncia de materiais foi destacada como um dos prin-
cipais obstaacuteculos Da mesma forma de maneira um tanto quanto reticente pareceu-me haver
nas entrelinhas certo temor quanto ao debate desses temas em salas de aula notadamente pela
possibilidade de que viessem a ser acusados de proselitismo ou tatildeo somente de que desviavam
o assunto para temas natildeo pertinentes Se por um lado todos estatildeo convictos da importacircncia
desse tema o que constitui no final das contas uma resposta esquiva quanto a qualquer acusa-
ccedilatildeo de que natildeo valorizam esses temas a disposiccedilatildeo concreta para essa inserccedilatildeo (o que requisi-
taria a revisatildeo das posturas pedagoacutegicas o investimento em formaccedilatildeo e o desenvolvimento de
outras estrateacutegias para a sala de aula) natildeo se encontra na mesma medida Longe estamos de
responsabilizaacute-los sozinhos por essa inclusatildeo dado que compreendemos tambeacutem as dificul-
dades concretas de o fazer Eu mesmo num passado recente estava nessa mesma condiccedilatildeo
Poreacutem isto natildeo impede de constatarmos o caraacuteter meramente ornamental com que o discurso
sobre a diferenccedila eacute incorporado entre noacutes Desse acircngulo o descompasso natildeo eacute somente entre
o texto legal e a realidade das culturas escolar brasileiras ele se aloja tambeacutem na distinccedilatildeo
entre aquilo que eacute dito e reconhecido e aquilo que eacute efetivamente feito e realizado Sem qual-
quer pretensatildeo de resolver a essa questatildeo o produto que apresentamos constitui uma maneira
necessariamente limitada mas individual para contribuir para a diminuiccedilatildeo dessa distacircncia
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6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As atuais relaccedilotildees pelas quais passam escola e sociedade eacute objeto de estudo de vaacuterios
campos de conhecimento principalmente no que diz respeito ao conviacutevio dos diversos grupos
que formatam a escola com isto sua relaccedilatildeo com as praacuteticas culturais que ensejam esses ato-
res A escola eacute o espaccedilo onde se estreita relaccedilotildees mas tambeacutem eacute um ambiente de exclusatildeo no
entanto eacute no interior da instituiccedilatildeo que se percebe os meandros de como a escola pode contri-
buir para a aproximaccedilatildeo desses elementos neste aspecto
O cenaacuterio em que se desenvolvem essas relaccedilotildees de convivecircncia todavia tecircm afastado
debates que possam agregar as relaccedilotildees de pertencimento as diferentes crenccedilas que carregam
esses sujeitos e permeiam estes espaccedilos em diferentes estruturas para a qual se destinam as
escolhas religiosas sobretudo estudos que faccedilam repensar estudos sobre Aacutefrica e suas inuacuteme-
ras formas de compreender a religiatildeo neste vieacutes discorrer sobre sua contribuiccedilatildeo para a for-
maccedilatildeo da cultura afro-brasileira Eacute no bojo dos estudos sobre Aacutefrica que percebemos a relaccedilatildeo
intriacutenseca do povo africano com a religiatildeo e seus deuses
Os aspectos apresentados levaram a compreender que as instituiccedilotildees com suas diferen-
tes formas de conduzirem suas didaacuteticas nos leva a crer que este distanciamento tem ligaccedilotildees
diretas com a educaccedilatildeo adotada que privilegia determinadas setores da sociedade em detri-
mento de outros A escola eacute por natureza o espaccedilo onde deveria ocorrer essa socializaccedilatildeo de
saberes e nessas trocas o enraizamento do respeito agraves crenccedilas que ainda natildeo estatildeo inseridas
nos debates curriculares
Quanto agrave praacutetica do ensino nas escolas estas natildeo levam em conta o cotidiano dos alu-
nos tendo em vista maior aproveitamento das experiecircncias a que satildeo submetidos esses ele-
mentos a escola ainda trata os conteuacutedos claacutessicos como uacutenicos e intocaacuteveis A experiecircncia
vivida no movimento negro levou a perceber o distanciamento entre escola e terreiros de reli-
giatildeo de matriz africana isto fez com que despertasse o interesse em compreender as relaccedilotildees
que satildeo estabelecidas entre essas redes de ensino
No que diz respeito ao ensino de histoacuteria ainda prevalece uma praacutetica que trabalha de
maneira bastante verticalizada os conteuacutedos que tratam sobre religiatildeo privilegiando unica-
mente uma religiatildeo o que tem distanciado os grupos que praticam os cultos de matriz africana
que natildeo se sentem incluiacutedos no processo Os terreiros asseguram estarem abertos aos debates
para que haja uma aproximaccedilatildeo e com isto possam enraizar laccedilos que levem as dinacircmicas
desenvolvidas nos terreiros a fim de reverberar a laicidade no espaccedilo escolar
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Partindo da experiecircncia no Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda escola que em
seu entorno concentra 14 terreiros de religiatildeo de matriz africana concomitante com debates no
movimento negro e disciplinas no mestrado Este trabalho se propocircs a analisar as abordagens
que professores alunos e sacerdotes possuem sobre a relaccedilatildeo terreiros e escolas como forma
de refletir sobre estrateacutegias teoacutericos-metodoloacutegicos que podem amenizar o distanciamento
existente nestas relaccedilotildees de convivecircncia nestes espaccedilos a fim de que os atores envolvidos pos-
sam dialogar na equidade dentro do ambiente escolar e com isso aproximar as experiecircncias do
que eacute aprendido no cotidiano dos discentes ao conhecimento repassado na escola como forma
de materializar um debate sobre religiatildeo
Para tanto acredita-se que a metodologia para alcanccedilar tal objetivo seja a implementa-
ccedilatildeo da Lei 106392003 que trata do Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-brasileira e Africana
nas escolas como forma de introduzir conteuacutedos que reverberem sobre esses temas auxiliando
no processo ensino-aprendizagem promovendo a mediaccedilatildeo neste processo
Assim foram elaboradas as oficinas ldquoDA ESCOLA PARA OS TERREIROSrdquo Ofici-
nas para trabalhar a Histoacuteria Cultura e Religiatildeo Afro-Brasileira no espaccedilo escolar que apre-
senta conteuacutedos referentes agraves manifestaccedilotildees culturais africanas afro-brasileira religiatildeo e mi-
tos Aleacutem das imagens demonstradas o material eacute constituiacutedo de propostas de oficinas para
que alunos possam exercitar informaccedilotildees jaacute adquiridas em outros espaccedilos ou mesmo na escola
sobre os temas apresentados
A proposta do material desenvolvido neste trabalho natildeo pretende em momento algum
sanar as lacunas existentes nas relaccedilotildees entre estas instituiccedilotildees de ensino mas pode ser uma
tentativa de promover debates concernentes ao tema em salas de aula na disciplina Histoacuteria
sobre a realidade dos aspectos que envolvem esse tema e com isto conduzir os alunos a pensa-
rem como professarem sua feacute no espaccedilo escolar
No mais objetiva inserir meacutetodos de como introduzir conceitos sobre religiatildeo de ma-
triz africana natildeo como simples exigecircncia ao ritual pedagoacutegico mas como uma forma de tratar
as vivecircncias desses sujeitos em trocas a serem aplicadas no cotidiano escolar incorporando um
comportamento mais edificado na praacutetica aos cultos afros
Por fim acredita-se que o ambiente escolar seja sim este espaccedilo de promoccedilatildeo da
equidade com base na educaccedilatildeo com seu caraacuteter formador de opiniotildees que busca acima de
tudo superar a subtraccedilatildeo dessas crenccedilas no curriacuteculo escolar e naturalizando essas praacuteticas
sem o efeito da dominaccedilatildeo mas sim privilegiando o respeito a diversidade religiosa ali exis-
tente
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ndash PPGHIS
MESTRANDO JEcircIBEL MAacuteRCIO PIRES CARVALHO ndash e-mail dicarva-
lho36hotmailcom
QUESTIONAacuteRIO PARA OS ESTUDANTES
Prezado Estudante
Sob
re v
ocecirc e
a e
scola
Qual a sua idade ________
Vocecirc nasceu em que CidadeEstado _____________________________
Qual o seu sexo ( ) Masculino ( ) Feminino
Qual a sua cor _____________________________________
Vocecirc eacute ( ) Solteiro(a) ( ) Casado(a) ( ) Vive junto ( ) DivorciadoSeparado ( ) viuacutevo(a)
Vocecirc tem filho(s)( ) Sim ( ) Natildeo Em caso afirmativo quantos _______
Vocecirc trabalha( ) Sim ( ) Natildeo
Em caso afirmativo com que idade comeccedilou a trabalhar ________ E qual a sua profissatildeo ________________________
Vocecirc jaacute teve alguma reprovaccedilatildeo na escola ao longo de sua vida ( ) Sim ( ) Natildeo
Vocecirc gosta de vir pra escola( ) sim ( ) Sim mas depende da atividade ( ) Sim mas eacute muito cansativo ( ) Natildeo ( ) Natildeo ela se tornou muito difiacutecil ( ) Natildeo Se pudesse nem viria
Vocecirc se considera um bom estudante( ) Sim ( ) Natildeo
Por quecirc ___________________________________________________________________________
O que vocecirc quer ser Qual a profissatildeo que vocecirc planeja exercer no futuro
_________________________________________________________________________________
129
Sob
re s
eus
pais e
famiacutelia
Qual a escolaridade do seu pai
( ) nunca estudou ( )fundamental menor ( ) Fundamental maior ( ) Ensino Meacutedio ( ) Ensino superior
Qual a profissatildeoocupaccedilatildeo do seu pai __________________________
Qual a escolaridade da sua matildee
( ) nunca estudou ( )fundamental menor ( ) Fundamental maior ( ) Ensino Meacutedio ( ) Ensino superior
Qual a profissatildeoocupaccedilatildeo de sua matildee __________________________
Vocecirc(s) mora(m) em que bairro de Cururupu ____________________________________
Somando todas as rendas da sua famiacutelia vocecircs alcanccedilam
( ) Ateacute 1 salaacuterio miacutenimo ( ) de 2 a 3 salaacuterios miacutenimos ( ) de 3 a 6 salaacuterios
130
Sob
re s
er
negro
(a)
Vocecirc se considera negro (a) ( ) Sim ( ) Natildeo
Explique por que __________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
Em sua opiniatildeo existe alguma diferenccedila entre ser jovem negro(a) e ser jovem branco(a) para vocecirc
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
O que eacute bom em ser jovem e negro (a) em sua opiniatildeo
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
O que eacute ruim em ser jovem e negro (a) em sua opiniatildeo
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
Vocecirc jaacute vivenciou ou conhece algueacutem que sofreu preconceito racial ( ) Sim ( ) Natildeo
Em caso afirmativo onde ocorreu _______________________________________
Frente a uma situaccedilatildeo de racismo sofrida por algueacutem o que vocecirc faria
( ) Vocecirc tentar intervir ( ) Vocecirc se indigna mas fica calada ( ) Vocecirc natildeo se importa pois natildeo foi com vocecirc
( ) Natildeo sabe
Vocecirc jaacute presenciou algum conflito na escola devido a preconceitos ou questotildees raciais ( ) Sim ( ) Natildeo
O que o correu ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Vocecirc jaacute debateu esse tema (racismo preconceito discriminaccedilatildeo intoleracirccia) na escola
( )sempre ( ) de vez em quando ( ) raramente ( ) nunca
Vocecirc jaacute debateu sobre religiotildees afro-brasileiras na escola (candombleacute mina pajeacute umbanda tecircrecocirc etc)
( ) sempre ( ) de vez em quando ( ) raramente ( ) nunca
131
Esc
ola e
religiotildees
afr
o-bra
sileiras
Pra vocecirc o que eacute uma religiatildeo
Qual religiatildeo vocecirc se identifica
Vocecirc tem conhecimento de quais religiotildees satildeo praticadas em Cururupu
Pra vocecirc a escola valoriza a cultura e as religiotildees dos diversos grupos eacutetnico-raciais que compotildeem a sociedade brasileira
Como vocecirc acha que deveria que a escola deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo
Jaacute ouviu falar sobre religiotildees de matriz africana ou afro-brasileiras Quais
Frequentou ou frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana aqui na cidade Se sim em qual bairro
Vocecirc conhece algum terreiro de religiatildeo de matriz africana que se localiza proacuteximo ao Centro de Ensi-no Joatildeo Marques Miranda
Jaacute participou de algum festejo em terreiros de religiatildeo africana
A escola jaacute promoveu alguma atividade que estimulasse o diaacutelogo e a reflexatildeo sobre os terreiros da-qui
Vocecirc acha que a escola e terreiro deveriam desenvolver atividades que fortalecessem esses laccedilos Por quecirc
Vocecirc acha que as religiotildees de matriz africana sofrem discriminaccedilatildeo na escola
Vocecirc jaacute presenciou alguma praacutetica de discriminaccedilatildeo contra membros das religiotildees afros na escola Como se deu esse acontecimento
Conhece ou jaacute ouviu falar de algum pai ou matildee de santo que residem no entorno da escola
132
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHAtildeO
PROGRAMA DE POacuteS ndash GRADUACcedilAtildeO EM HISTOacuteRIA MESTRADO
PROFISSIONAL ndash PPGHIS
MESTRANDO JEcircIBEL MAacuteRCIO PIRES CARVALHO ndash e-mail di-
carvalho36hotmailcom (98) 98434-3856
QUESTIONAacuteRIO PARA PROFESSORES
Prezado Professor
O questionaacuterio que segue eacute parte da pesquisa de campo que estou realizando no Mestrado em
Histoacuteria da Universidade Estadual do Maranhatildeo-UEMA sob orientaccedilatildeo do professor Dr
Wheriston Silva Neacuteris Desde jaacute agradeccedilo sua colaboraccedilatildeo
Sob
re v
ocecirc e
a e
scola
Nome_______________________________Idade________________________________
Bairro_______________________________ Local de Nascimento___________________
Grau de instruccedilatildeo ( ) Magisteacuterio ( ) Superior
Aacuterea de formaccedilatildeo___________________________________________________________
Instituiccedilatildeo de formaccedilatildeo______________________________________________________
Ocupaccedilatildeo Profissional______________________________________________________
Disciplina que leciona na escola________________________________________________
A disciplina que leciona_____________________________________________________
Quantos anos trabalha como professor__________________________________________
Quanto tempo trabalha na escola_____________________________________________
Jaacute trabalhou com outra disciplina que natildeo fosse sua aacuterea de formaccedilatildeo_________________________ -
Qual sua cor___________
133
Sob
re r
eligiatildeo
Como define religiatildeo______________________________________________
Vocecirc tem alguma religiatildeo especiacutefica ( ) sim ( ) natildeo
Em caso afirmativo qual____________________________________________
Tendo uma religiatildeo especifica vocecirc participa das atividades_____________________
De quais atividades participa_______________________
Conhece algum tipo religiatildeo de matriz africana _____________________________
Jaacute participou de alguma atividade em cultos de religiatildeo de matriz africana______________
Vocecirc considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cultos de matriz africana em Cururupu
Considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cultos de matriz africana nas escolas Justifique
Nas escolas considera que os cultos africanos sofrem discriminaccedilatildeo________________________
134
Sob
re r
eligiatildeo
e p
raacutetica
pedagoacuteg
ica
A escola desenvolve atividades que falam das denominaccedilotildees religiosas praticadas em Cururupu
Como satildeo feitas essas abordagens
Haacute uma lei trata do Ensino de Aacutefrica e Cultura Afro-Brasileira tem conhecimento dessa Lei
Tem conhecimento sobre a Lei 106392003 Ensino de Aacutefrica e Cultura Afro-Brasileira se positivo
como conheceu a Lei caso natildeo conheccedila teria interesse em conhececirc-la
Tem acesso a materiais sobre Aacutefrica e Cultura Afro-Brasileira na escola ou fora dela
A data alusiva agrave comunidade negra como a escola tem trabalhado os temas sobre a populaccedilatildeo
negra
Como tem administrado as discussotildees sobre religiatildeo africana em sala de aula quando estas
acontecem
135
Esc
ola e
religiotildees
afr
o-bra
sileiras
Pra vocecirc a escola valoriza a cultura e as religiotildees dos diversos grupos eacutetnicos-raciais que compotildeem
a sociedade brasileira
Como vocecirc acha que a escola deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo no espaccedilo escolar
Frequentou ou frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana aqui na cidade Se sim
em qual bairro Como foi a experiecircncia
Jaacute participou de algum festejo em terreiros de religiatildeo de matriz africana
A escola jaacute promoveu alguma atividade que estimulasse o diaacutelogo e a reflexatildeo sobre os terreiros
daqui
Vocecirc acha que escola e terreiro deveriam desenvolver atividades que fortalecessem esses laccedilos
Por quecirc
Vocecirc jaacute presenciou alguma praacutetica de discriminaccedilatildeo contra membros das religiotildees afros na
escola Como se deu esse acontecimento
Conhece ou jaacute ouviu falar de algum pai ou matildee de santo que residem proacuteximo da escola qual
o nome
A escola jaacute fez alguma atividade com os terreiros proacuteximos da escola
O que acha que deveria ser feito para que debates mais contiacutenuos acontecessem na escola
sobre as religiotildees de matriz africana
136
137
138
Agrave Jorlidalva pelo apoio incondicional essa mulher com um coraccedilatildeo gigante que me
reergueu quando havia perdido o interesse pela profissatildeo
Agrave Marileide pela sensibilidade e apoio junto a Secretaria de Educaccedilatildeo de Serrano do
Maranhatildeo que permitiu que iniciasse o mestrado
Ao Secretaacuterio Carlos Pinheiro pela coragem em assumir o compromisso em permitir
que eu concluiacutesse o mestrado
ldquoAgraveS REISrdquo Ana Maria Alessandra Alexandro Rosana Tatiana Dilla Mayara
Mendes Ronald e a todos que formam essa famiacutelia esplecircndida da qual me orgulho de ter em
meu conviacutevio muito obrigado
A negra mais espetacular que conheci Juacutelia Reis (in memoriam) que me orgulho de
chamaacute-la de matildee pela generosidade respeito inteligecircncia carinho com que tratava o ser hu-
mano e por ter feito de sua vida e sua casa a filosofia ubuntu
Agrave minha pequena notaacutevel Tatiana Reis por me inspirar e possibilitar seu conviacutevio pe-
los livros emprestados que deram base agrave minha pesquisa e pelo apoio incondicional Faltam
palavras para externar o imenso carinho e admiraccedilatildeo que tenho por ti
Ao grande amor da minha vida que cedo partiu deixando um vazio imenso Jouberth
Reis Silva (in memoriam) pelo zelo e carinho que me dedicavas
Agradeccedilo agrave Alzenira Pestana pelo esforccedilo em providenciar meu diploma do Magisteacute-
rio para que eu pudesse entrar na Universidade
Ao meu grande amigo Joseacute Maria Marques pelo tratamento e por ter dividido comigo
a cena mais heroica de minha vida estudantil ao tempo da extinta CNEC quando com meses
de atraso e impossibilitados de entrar prendemos os braccedilos do porteiro para entrarmos e mos-
trarmos que com todo fardo das dificuldades financeiras queriacuteamos estudar fato que fomos
convidados a se retirar de sala e sermos aplaudidos pelos alunos Zeacute muito obrigado
Ao Professor Joseacute Francisco Pestana e a Izabel Nogueira pela quitaccedilatildeo das mensalida-
des muito obrigado
Ao Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda pelo acolhimento da minha pesquisa
Aos pais de santos pela atenccedilatildeo e consideraccedilatildeo em relatar suas histoacuterias e abrir suas
casas para as entrevistas
Agrave Mocircnica Picollo pela eficiente conduccedilatildeo do Programa e atenccedilatildeo a mim direcionada
Admiraccedilatildeo eacute o que melhor explica nossa relaccedilatildeo muito obrigado
Agraves professoras Ana Liacutevia Bomfim pela inspiraccedilatildeo como profissional pela frase que me
fez crer que tudo eacute possiacutevel ldquoNatildeo naturalize nada em sua vidardquo frase que veio como um man-
tra agrave Sandra Regina pelas aulas inspiradoras e cheias de sorrisos e Milena Galdez pelo espe-
taacuteculo de pessoa e pelas enormes contribuiccedilotildees que me que ajudaram a confirmar a possibili-
dade de debates entre as religiotildees muito obrigado
Agrave Diretora do Centro de Ensino Profordf Joana Batista Dias Josilene Conde Marina Bra-
ga pela compreensatildeo nas minhas ausecircncias Aos amigos Carlos Pimentel e Marcos Soares
pela ajuda na minha ausecircncia na escola do estado obrigado Ao Professor Noir Santos Pro-
fessor Jornandes e Alexandre Miranda Aos amigos Leandro Seacutergio Ederlon Mariano e An-
tonilson pela ajuda ao meu primo Leandro Lima pelo carinho Ao companheiro Joatildeo Barros
por ser sempre solicito a Osmilda Neovaldo Ana Isabel Aldo Guedes e a Raimunda e Neti-
nho Oliveira
Ao meu eterno Professor Luiacutes Claudio pelo incentivo e por matar minha fome nas ho-
ras que me faltavam muitiacutessimo obrigado
Ao grupo de jovem JAF onde muito aprendi e convivi com pessoas maravilhosas ao
grupo OMNIRAacute pelas oportunidades em mostrar meu lado artiacutestico
Aos meus colegas de mestrado foi uma experiecircncia que jamais irei esquecer a Renata
pela constante atenccedilatildeo Amanda Jeacutessica Mayara Adriana Jeferson Tereza Edilene Cirila
Gustavo Lara Drielle Diego Laiana Cleidiane MUITO OBRIGADO
Agradeccedilo imensamente ao Professor Wheriston Silva Neris pelo compromisso com a
pesquisa a atenccedilatildeo e zelo como me orientou sabendo das dificuldades que tinha a sua humil-
dade seu talento em conduzir minhas duacutevidas com muito respeito e humanidade sua orienta-
ccedilatildeo me mostrou que podemos ir bem longe quando somos bem conduzidos e foi isto que sua
intelectualidade me mostrou Quando o vi em Bacabal em 2014 palestrando foi quiacutemica agrave
primeira vista o destino me possibilitou que o tivesse como orientador sou muito grato por ter
dividido com vocecirc essa etapa da minha vida palavras satildeo poucas para externar o enorme ca-
rinho respeito admiraccedilatildeo e gratidatildeo que tenho Obrigado por tudo pelo universo que colo-
castes em minhas matildeos MUITO OBRIGADO
Quando o Sol
Se derramar em toda sua essecircncia
Desafiando o poder da ciecircncia
Pra combater o mal
E o mar
Com suas aacuteguas bravias
Levar consigo o poacute dos nossos dias
Vai ser um bom sinal
Os palaacutecios vatildeo desabar
Sob a forccedila de um temporal
E os ventos vatildeo sufocar o barulho infernal
Os homens vatildeo se rebelar
Dessa farsa descomunal
Vai voltar tudo ao seu lugar
Afinal
Vai resplandecer
Uma chuva de prata do ceacuteu vai descer la la la
O esplendor da mata vai renascer
E o ar de novo vai ser natural
Vai florir
Cada grande cidade o mato vai cobrir ocirc ocirc
Das ruiacutenas um novo povo vai surgir
E vai cantar afinal
As pragas e as ervas daninhas
As armas e os homens de mal
Vatildeo desaparecer nas cinzas de um carnaval
(Clara Nunes- As Forccedilas da Natureza)
RESUMO
O objetivo deste trabalho eacute discutir as relaccedilotildees entre instituiccedilotildees escolares e religiotildees afro-
brasileiras tomando como unidade empiacuterica de anaacutelise um contexto relacional representado
pelo Bairro de Satildeo Benedito localizado na periferia da cidade de Cururupu-Maranhatildeo Trata-
se aqui de colocar sob foco as interfaces cruzamentos de espaccedilos e diaacutelogos possiacuteveis entre o
Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda e os 14 terreiros existentes que circundam a escola
Metodologicamente a pesquisa busca combinar diferentes estrateacutegias tais como a aplicaccedilatildeo
de questionaacuterios e a realizaccedilatildeo de entrevistas temaacuteticas com (ex) gestores professores e dis-
centes e lideranccedilas religiosas de terreiros atuantes nesse mesmo bairro Em um momento no
qual o tratamento da questatildeo da diferenccedila e da cultura em meios educacionais tem entrado na
pauta do dia produzindo impactos e novos desafios para os profissionais do espaccedilo escolar
buscamos natildeo somente suscitar a criacutetica reflexiva sobre as formas de preconceito e estigmati-
zaccedilatildeo ainda em voga como tambeacutem explorar experimentalmente vias de diaacutelogos entre atores
tatildeo proacuteximos geograacutefica e simbolicamente mas ao mesmo tempo tatildeo distantes em termos de
conhecimento e reconhecimento Para tanto propusemos a realizaccedilatildeo de Oficinas como lugar
coletivo para aproximaccedilatildeo debate e diaacutelogo a partir do proacuteprio contexto em pauta entendido
enquanto meio para gerar novas praacuteticas para o ensino de Histoacuteria e a aquisiccedilatildeo de competecircn-
cias ciacutevicas importantes para a cidadania e respeito agrave diferenccedila A experiecircncia resultante da
execuccedilatildeo dessa proposta de intervenccedilatildeo pedagoacutegica foi condensada no produto apresentado
em anexo constituindo uma forma de contribuiccedilatildeo aplicada dessa dissertaccedilatildeo
Palavras-Chave Escola Religiotildees Afro-brasileiras Cultura Oficinas
ABSTRACT
The objective of this work is to discuss the relations between school institutions and Afro-
Brazilian religions taking as an empirical unit of analysis a relational context represented by
the District of Satildeo Benedito located in the outskirts of the city of Cururupu-Maranhatildeo The
focus here is on the interfaces crossings of spaces and possible dialogues between the Joatildeo
Marques Miranda Teaching Center and the 14 existing terreiros that surround the school
Methodologically the research seeks to combine different strategies such as the application
of questionnaires and thematic interviews with (ex) managers professors and students and
religious leaders from terreiros operating in the same neighborhood At a moment in which
the treatment of the issue of difference and culture in educational media has entered the agen-
da of the day producing impacts and new challenges for the professionals of the school space
we seek not only to provoke the reflexive criticism about the forms of preconception and
stigmatization still in vogue as well as tentatively exploring ways of dialogue between actors
so closely geographically and symbolically but at the same time so far apart in terms of
knowledge and recognition In order to do so we proposed the realization of workshops as a
collective place to approach debate and dialogue from the context in question understood as
a means to generate new practices for the teaching of History and the acquisition of important
civic competences for the citizenship and respect to the difference The experience resulting
from the implementation of this pedagogical intervention proposal was condensed into the
final product presented in the annex constituting a form of applied contribution of this disser-
tation
Keywords School Afro-Brazilian religions Culture Offices
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
Imagem1- Desfile da Unidos de Vila Isabel44
Imagem 2- Marcha Zumbi dos Palmares47
Imagem 3- Fachada do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda61
Imagem 4- Joatildeo Marques Miranda62
Imagem 5- Profordf Floranilde Dias da Silva81
Imagem 6- Profordf Deacuterika Sandriane da Silva Maia83
Imagem 7- Profordm Eacutelcio Silva 84
Imagem 8- Profordf Raimunda Nonata86
Imagem 9- Matildee de Santo Maria Clara Cunha 87
Imagem 10- Mapa do Bairro de Satildeo Benedito96
Imagem 11- Festival de Carro de Boi99
Imagem 12- Terreiros do bairro de Satildeo Benedito101
Imagem 13- Isabel Mineira (in memoriam) 103
Imagem 14- Pai de Santo Fracircncio Jacircnio Silva Veras 104
Imagem 15- Pai de Santo Luiacutes Afonso Azevedo Silva106
Imagem 16- Pai de Santo Edimir107
Imagem 17- Matildee de Santo Edna Pires 108
Imagem 18- Matildee de Santo Faacutetima Cadete109
Imagem 19- Pai de Santo Joseacute Maria Ramos110
Imagem 20- Iniciada Tereza Cadete111
LISTA DE SIGLAS
CBPE- Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
CCE- Conselho Estadual de Educaccedilatildeo
CEERSEMA- Centro Ecumecircnico de Estudos Religiosos Superiores do Maranhatildeo
CMF- Comissatildeo Maranhense de Folclore
CNE- Conselho Nacional de Educaccedilatildeo
EJA- Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos
FNB- Frente Negra Brasileira
FUNASA ndash Fundaccedilatildeo Nacional de Sauacutede
GCNC- Grupo de Consciecircncia Negra de Cururupu
GEAR- Grupo de Estudos Andreacute Rebouccedilas
GTI- Grupo de Trabalho Interministerial
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IPCN- Instituto de Pesquisas de Cultura Negra
JAF- Jovens Armas do Futuro
MEC-Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e Cultura
MNU- Movimento Negro Unificado
PCNrsquos- Paracircmetros Curriculares Nacionais
SECAD- Secretaria de Educaccedilatildeo a Distacircncia Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade
SECNEB- Sociedade de Estudos de Cultura Negra no Brasil
SINBA- Sociedade de Intercacircmbio Brasil Aacutefrica
UEMA- Universidade Estadual do Maranhatildeo
LISTA DE GRAacuteFICOS
Graacutefico 01- Vocecirc se considera negro65
Graacutefico 02- Vocecirc tem conhecimento de quais religiotildees satildeo praticadas em Cururupu66
Graacutefico 03- Jaacute ouviu falar sobre religiatildeo afro-brasileira67
Graacutefico 04- Frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana na cidade67
Graacutefico 05- Vocecirc conhece algum terreiro de religiatildeo de matriz africana que fica localizada proacuteximo ao
CEJMMiranda68
Graacutefico 06- Conhece algum pai ou matildee de santo que residem proacuteximo da escola69
Graacutefico 07- J aacute participou de algum festejo em terreiro de religiatildeo de matriz africana69
Graacutefico 08- Vocecirc acha que as religiotildees de matriz africana sofrem discriminaccedilatildeo na escola70
Graacutefico 09- Como vocecirc acha que a escola deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo71
Graacutefico 10- Como define religiatildeo73
Graacutefico 11- Conhece alguma religiatildeo de matriz africana74
Graacutefico 12- Jaacute participou de alguma atividade em cultos de matriz africana74
Graacutefico 13- Considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cultos de matriz africana75
Graacutefico 14- Nas escolas considera que os cultos africanos sofrem discriminaccedilatildeo75
Graacutefico 15- A escola desenvolve atividades que falam das denominaccedilotildees religiosas praticadas em
Cururupu Como satildeo feitas essas abordagens 76
Graacutefico 16- Tem conhecimento sobre a Lei 106392003 que trata do Ensino de Histoacuteria da Aacutefrica e
Cultura Afro-brasileira nas escolas77
Graacutefico 17- Tem acesso a materiais sobre Aacutefrica e Cultura Afro-brasileira nas escolas ou fora dela77
Graacutefico 18- As datas alusivas agrave comunidade negra como a escola tecircm trabalhado os temas78
Graacutefico 19- Como tem administrado as discussotildees sobre religiatildeo africana em sala de aula quando
estas acontecem 78
Graacutefico 20- Vocecirc acha que a escola e os terreiros deveriam desenvolver atividades que fortalecessem esses laccedilos Por quecirc78
Graacutefico 21- O que vocecirc acha que deveria ser feito para que debates acerca das religiotildees acontecessem
na escola 79
Graacutefico 22- Conhece pais e matildees de santo que residem proacuteximos da escola80
LISTA DOS TERREIROS
Terreiro 01- Pingo Drsquoaacutegua Matildee Isabel Mineira (in memoriam)
Terreiro 02- Quarto altar Pai Fracircncio Jacircnio Veras
Terreiro 03- Pai Joaquim de Angola Pai Luiacutes Afonso Azevedo
Terreiro 04- Santo Antocircnio Matildee Maria Bebo Soeira (in memoriam)
Terreiro 05- Santa Baacuterbara Pai Edimir Pires Mota
Terreiro 06- Santa Baacuterbara Matildee Edina Pires
Terreiro 07- Quarto altar Pai Deiran
Terreiro 08- Santa Luzia Matildee Faacutetima Cadete
Terreiro 09- Santa Baacuterbara Matildee Valdelina
Terreiro 10- Quarto altar Pai Daacuterio
Terreiro 11- Quarto altar Pai Sebastiatildeo Conde
Terreiro 12- Satildeo Sebastiatildeo Pai Jorge de Abdias
Terreiro 13- Deus eacute quem Guia Pai Joseacute Maria Ramos
Terreiro 14- Quarto altar Iniciada Tereza Cadete
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO18
I -Referenciais de anaacutelise-Antropologia da educaccedilatildeo-repensando a diferenccedila no espaccedilo
escolar 19
II-Formas escolares hegemonicas e culturas escolares
especiacuteficas23
III-Encaminhamentos da pesquisa escolha temaacutetica e a posiccedilatildeo do pesquisador 26
IV- Estrutura do trabalho 28
CAPIacuteTULO 1 - A CULTURA AFRO-BRASILEIRA NOS BANCOS ESCOLARES
Diversidade diferenccedila e Cultura Escolar30
11 A contribuiccedilatildeo da Histoacuteria da Aacutefrica para a humanidade 30
12 A cultura afro-brasileira e o espaccedilo escolar 35
13 As lutas para afirmaccedilatildeo da cultura Afro-Brasileira 40
CAPIacuteTULO 2- RELACcedilOtildeES EacuteTNICO-RACIAIS lutas movimentos e reformas poliacuteticas edu-
cacionais43
CAPIacuteTULO 3 -DA ESCOLA PARA OS TERREIROS Normas experiecircncias e percepccedilotildees sobre
as religiotildees afro-brasileiras53
31 As mutaccedilotildees no curriacuteculo e o desafio de implementaccedilatildeo da Lei 106392003 53
32 Descrevendo a instituiccedilatildeo escolar histoacuterias atores e experiecircncias 60
33 Mapeando as avaliaccedilotildees de discentes e docentes sobre religiotildees afro-brasileiras 63
34 Entrando no mundo dos alunos 64
35 As religiotildees afro-brasileiras entre os docentes 72
36 Experiecircncias e percepccedilotildees de docentes acerca da relaccedilatildeo entre escola e comunidade 80
CAPIacuteTULO 4 - DA COMUNIDADE PARA A ESCOLA histoacuterias percepccedilotildees e experiecircncias de
um diaacutelogo possiacutevel 90
41 Perspectiva de investigaccedilao sobre a histoacuteria e cultura afro-brasileira no
Maranhao92
42 Descrevendo o bairro Satildeo Benedito festas populares e tracircnsitos religiosos 95
43 Histoacuterias de terreiros terrenos de memoacuterias e de histoacuterias101
CAPIacuteTULO 5- OFICINAS PEDAGOacuteGICAS E A HISTOacuteRIA E CULTURA AFRO-
BRASILEIRA 113
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 117
REFEREcircNCIAS 119
APEcircNCICES127
18
INTRODUCcedilAtildeO
Cururupu eacute um municiacutepio localizado no Litoral Ocidental Maranhense composto
em sua maior parte por descendentes de africanos que vieram do antigo Daomeacute1 na Regiatildeo
Ocidental da Aacutefrica Conforme dados do uacuteltimo Censo do IBGE a populaccedilatildeo residente no
municiacutepio concentra-se predominantemente na religiatildeo Catoacutelica seguido de longe pelas de-
nominadas evangeacutelicas Ocorre que embora natildeo sejam apresentados registros de pertencentes
agraves religiotildees afro-brasileiras a cidade eacute conhecida no cenaacuterio estadual como terra de grandes
pais e matildees de santo Atualmente Cururupu possui uma grande quantidade de terreiros na
sede havendo bairros que contam com aproximadamente cinco a sete casas de cultos aos ori-
xaacutes voduns e caboclos2 De maneira geral esses terreiros estatildeo localizados em aacutereas afastadas
e perifeacutericas do municiacutepio para onde afluem os praticantes e admiradores nas muacuteltiplas oca-
siotildees e ciclos de cerimocircnias e festas aos santos Nessas ocasiotildees participam das muacuteltiplas
atividades ali desenvolvidas com a utilizaccedilatildeo de tambores danccedilas e muacutesicas que fazem parte
da liturgia empregada pelos sacerdotes e sacerdotisas para evocar as divindades
Neste cenaacuterio cabe destacar o Bairro Satildeo Benedito localizado justamente na peri-
feria do referido municiacutepio onde estaacute localizado o Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda
escola da rede estadual selecionada como laboratoacuterio para discutirmos sobre o processo de
integraccedilatildeo da Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africana no cotidiano escolar conforme
respalda a Lei 106392003 Levando em conta que a referida lei foi promulgada haacute uma deacute-
cada e meia o que esteve no ponto de partida deste trabalho foi o desejo de investigar como
uma instituiccedilatildeo escolar e seus atores rodeada por nada menos do que 09 (nove) terreiros3 e 05
quarto altar que lida justamente com o tema da diversidade eacutetnico-religiosa brasileira nota-
damente de matriz afro-brasileira
1 Paiacutes africano de onde vieram escravizados para trabalharem nas fazendas de mandioca accediluacutecar e aguardente de Cururupu Daomeacute eacute atualmente Benim 2 Em Cururupu as casas de cultos as entidades possuem grande quantidade de adeptos que ajudam na organiza-
ccedilatildeo dos festejos Essas comunidades organizadas nos terreiros respeitam um grau de ligaccedilatildeo entre serviccedilos pres-
tados pelo pai de santo ao assistente ou a um membro da famiacutelia deixando um laccedilo de gratidatildeo eacute comum famiacute-
lias inteiras frequentarem os terreiros nas mesmas condiccedilotildees de tarefas 3 Terreiro Pingo Drsquoaacutegua de Matildee Izabel Mineira (in memoriam) Terreiro Santa Baacuterbara do Pai Edmir Mota Ter-
reiro Santa Baacuterbara de Matildee Edna Pires Terreiro de Santa Luzia de Matildee Faacutetima Cadete Terreiro Satildeo Sebastiatildeo
de Pai Jorge de Abdias Terreiro Pai Joaquim de Angola de Pai Luiacutes Quarto-Altar de Pai Daacuterio Quarto-Altar de
Sebastiatildeo Conde Terreiro Santo Antonio de Matildee Maria Bebo Soeira (in memoriam) Quarto-Altar de Pai Dei-
ran Terreiro Deus me Guia de Pai Joseacute Maria Quarto-Altar de Tereza Cadete Quarto-Altar de Pai Fracircncio Ve-
ras Terreiro Santa Baacuterbara de Matildee Valdelina
19
Com efeito o objetivo da presente dissertaccedilatildeo foi analisar a pluralidade de olhares
sobre escolas e terreiros e suas intra e inter-relaccedilotildees tomando como unidade empiacuterica de anaacute-
lise um contexto relacional representado pelo Bairro de Satildeo Benedito localizado na periferia
da cidade de Cururupu- Maranhatildeo Objetivamente trata-se aqui de colocar sob foco as inter-
faces cruzamentos de espaccedilos e diaacutelogos possiacuteveis entre o Centro de Ensino Joatildeo Marques
Miranda e as casas de cultos existentes que circundam a escola Metodologicamente a pes-
quisa busca combinar diferentes estrateacutegias tais como a aplicaccedilatildeo de questionaacuterios de admi-
nistraccedilatildeo direta e a realizaccedilatildeo de entrevistas temaacuteticas com (ex) gestores professores alunos
e lideranccedilas religiosas de terreiros atuantes nesse mesmo bairro O tiacutetulo da presente disserta-
ccedilatildeo ldquoDos terreiros para a escola da escola para os terreirosrdquo claramente inspirado nos traba-
lhos da Antropologia da Educaccedilatildeo notadamente Stela Caputo (2012) e Rachel Rua Baptista
Bakke (2011) entre outros tenta expressar justamente o esforccedilo por problematizar os pontos
de vista de atores sociais que protagonizam as relaccedilotildees entre escola e comunidade em uma
conjuntura histoacuterico-social especiacutefica o que permite situar o foco da presente pesquisa sobre
as interfaces cruzamentos de espaccedilos e co-representaccedilotildees identitaacuterias resultantes de certo
estaacutegio de relaccedilotildees e incompreensotildees entre esses dois universos
I - Referenciais de anaacutelise- Antropologia e Educaccedilatildeo repensando a diferenccedila no espaccedilo
escolar
Dentro da perspectiva analiacutetica adotada neste estudo os principais referenciais pa-
ra discussatildeo sobre como a alteridade tem sido experienciada dentro da escola estatildeo baseados
nos trabalhos situados na fronteira entre Educaccedilatildeo e Antropologia Poreacutem eacute vaacutelido ressaltar
desde jaacute que natildeo se trata aqui exatamente de adentrar nas disputas de fronteiras entre essas
aacutereas mas de tentar situar-se dentro de um conjunto de um campo ainda bastante incipiente e
em processo de consolidaccedilatildeo (GUSMAtildeO 2009)
Eacute nesse sentido que vale agrave pena retomar alguns apontamentos de Amurabi Olivei-
ra (2017) a respeito das interfaces entre Antropologia e Educaccedilatildeo no Brasil O ponto de parti-
da do autor eacute a constataccedilatildeo de que embora se trate de um campo de pesquisas em processo de
consolidaccedilatildeo a introduccedilatildeo da antropologia nas praacuteticas pedagoacutegicas aleacutem de natildeo ser recente
tende a se tornar cada vez mais complexa com o passar do tempo Assim seja atraveacutes da in-
serccedilatildeo da disciplina de Introduccedilatildeo agrave Antropologia Pedagoacutegica no curriacuteculo de escolas nor-
mais antes mesmo da criaccedilatildeo dos primeiros cursos de Ciecircncias Sociais no Brasil seja pela
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intervenccedilatildeo de antropoacutelogos reconhecidos na formulaccedilatildeo de poliacuteticas educacionais no Brasil ndash
a exemplo de Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro que participaram ativamente do Centro Brasi-
leiro de Pesquisas Educacionais - (CBPE) o que importa reter eacute que as interfaces entre Educa-
ccedilatildeo e Antropologia natildeo constituem aqui um fenocircmeno ineacutedito (OLIVEIRA 2017)
Contudo como explicita o mesmo autor aleacutem do processo de consolidaccedilatildeo insti-
tucional dessas duas aacutereas no Brasil ter reforccedilado o isolamento de ambas a partir da deacutecada de
1970 no caso especiacutefico da Antropologia parece pesar ldquoo fato de que as populaccedilotildees que pre-
dominantemente foram objeto de reflexatildeo por parte dessa ciecircncia soacute paulatinamente tiveram
amplo acesso ao sistema educacional formalrdquo (OLIVEIRA 2017) Dessa forma como des-
creve Neusa Gusmatildeo (2009) o caso eacute que se os estudos antropoloacutegicos sobre a educaccedilatildeo
ganham forccedila a participaccedilatildeo de antropoacutelogos em projetos educacionais e poliacuteticas educativas
tem sido uma constante no Brasil
Em certa medida isso ajuda a explicar o porquecirc da questatildeo da diferenccedila da cultu-
ra e das desigualdades vir sendo inserida na pauta do dia das poliacuteticas nacionais de educaccedilatildeo e
das poliacuteticas de diversidade ndash Leis 1063903 e 1164508 4e das accedilotildees afirmativas no ensino
superior produzindo impactos e novos desafios no espaccedilo escolar brasileiro
Seja como for o que importa destacar com isso eacute que na medida em que essas po-
liacuteticas educacionais colocam como foco central a questatildeo da relaccedilatildeo com a diferenccedila e a ques-
tatildeo da alteridade toca-se diretamente em princiacutepios antropoloacutegicos importantes e necessaacuterios
para uma atitude humanista e problematizadora do espaccedilo escolar Como parte das Ciecircncias
Humanas a Educaccedilatildeo e a Antropologia encontram no estudo do homem em suas diferentes
nuances costumes crenccedilas e haacutebitos a chave para desnaturalizar as visotildees etnocecircntricas para
enfatizar o relativismo a valorizaccedilatildeo da diversidade questotildees essas cada vez mais importan-
tes em nosso tempo e realidade Essa constitui uma das principais contribuiccedilotildees da Antropo-
logia concebida aqui nas palavras de Siqueira (2007) como
O estudo do homem buscando um enfoque totalizador que integre os aspec-
tos culturais e bioloacutegicos no presente e no passado focalizando as relaccedilotildees entre o homem e o meio entre o homem e a cultura e entre o homem com o
homem (SIQUEIRA 2007 p 17)
4 Lei 116452008 que torna obrigatoacuterio o ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Indiacutegena alterada pela
Lei nordm 9394 de 20 de dezembro de 1996 modificada pela Lei nordm 10639 de 9 de janeiro de 2003 que estabelece
as diretrizes e bases da educaccedilatildeo nacional para incluir no curriacuteculo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da
temaacutetica (DE PAULO 2015 p 69)
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Portanto a Antropologia estuda a diversidade cultural dos povos entrelaccedilando os as-
pectos que contribuiacuteram para a formaccedilatildeo das sociedades como ciecircncia preocupa-se com a
questatildeo das diferenccedilas e busca propor formas de intervenccedilatildeo sobre a realidade papel a que se
dirige qualquer conhecimento produzido a partir das relaccedilotildees entre os homens e o mundo so-
cial criado por eles Neste mundo social a que o autor faz inferecircncia satildeo fartamente observa-
dos os elementos que compotildee as culturas de cada sociedade bem como seus elementos cons-
tituintes
Neste sentido como cultura podemos entender todo tipo de manifestaccedilatildeo social mo-
dos haacutebitos comportamentos rituais crenccedilas mitos e outros aspectos sendo portanto fon-
tes de pesquisa para os estudiosos da antropologia Neste aspecto esta ciecircncia carrega em seu
repertoacuterio conceitual o encadeamento das accedilotildees que envolvem o comportamento humano
bem como sua maneira de desenvolvimento peculiar para a realizaccedilatildeo de atividades que en-
volvam o entendimento das massas em estudos auxiliando em eminentes intervenccedilotildees que
implicam numa compreensatildeo mais proacutexima da realidade bem como os apontamentos de vari-
aacuteveis Para isto
A antropologia como ciecircncia preocupa-se com a questatildeo das diferenccedilas e
busca propor formas de intervenccedilatildeo sobre a realidade papel a que se dirige
qualquer conhecimento produzido a partir das relaccedilotildees entre os homens e o
mundo social criado por eles (GUSMAtildeO 2009 p 54)
Dessa perspectiva a educaccedilatildeo eacute tomada aqui como uma praacutetica reflexiva que se enri-
quece pelas intersecccedilotildees com outras aacutereas do saber no caso a Antropologia Isto eacute se esti-
vermos em condiccedilotildees de entender que a educaccedilatildeo em seu sentido amplo de processo de inte-
graccedilatildeo dos indiviacuteduos agrave sociedade encontra-se no cerne do processo de transmissatildeo das he-
ranccedilas sociais e culturais entre as geraccedilotildees Em suma a educaccedilatildeo particularmente em suas
formas mais institucionais e formalizadas exerce papel central no processo de aprendizado do
ser social
Sobre a questatildeo da diferenccedila eacute vaacutelido ressaltar que as sociedades sobretudo as con-
temporacircneas satildeo compostas por diferentes grupos humanos que deteacutem interesses contrapos-
tos e identidades culturais em conflito Frente a esse quadro a Antropologia tem muito a con-
tribuir visto que oferece aberturas para pensar a relaccedilatildeo com a alteridade e a diferenccedila dado
que o proacuteprio espaccedilo escolar se encontra perpassado pela heterogeneidade Eacute precisamente
nesse sentido que vale acompanhar algumas consideraccedilotildees de Irene Aparecida Aacutevila (2010)
Nilma Lino Gomes (2012) e Vera Maria Ferratildeo Candau (2012) a respeito das dinacircmicas cul-
turais que atravessam e permeiam o espaccedilo escolar
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Segundo Irene Aacutevila (2010) eacute crucial repensar como a composiccedilatildeo social heterogecircnea
na sociedade brasileira se apresenta no espaccedilo escolar entendido como meio necessaacuterio para
trabalhar o direito agrave diferenccedila e agraves competecircncias ciacutevicas de respeito agrave pluralidade de ideias e
culturas
Reconhecer a diferenccedila que existe nos indiviacuteduos e nos grupos passa a ser percebida como direitos correlatos pois a convivecircncia em uma sociedade
democraacutetica depende da aceitaccedilatildeo da ideia de compormos uma totalidade
social heterogecircnea na qual natildeo deve ocorrer a exclusatildeo (AacuteVILA 2010 p
36)
Ao discutir sobre a heterogeneidade social e seus contrapontos a autora parte do pres-
suposto que a formaccedilatildeo brasileira eacute majoritariamente composta por diferentes matrizes eacutetnicas
(o iacutendio nativo o negro escravizado e o branco colonizador) que ao longo da Histoacuteria do Bra-
sil sempre estiveram em disputas pela manutenccedilatildeo de suas raiacutezes simboacutelicas Disputa essa
marcada por relaccedilotildees de poder Ocorre que demorou muito tempo para que surgissem propos-
tas e reformas poliacutetico-educacionais que afirmassem o discurso multiculturalista nos estabele-
cimentos de ensino (OLIVEIRA 2010) Bandeira poliacutetica recente ateacute entatildeo a heterogeneida-
de do social era negligenciada no curriacuteculo (GOMES 2012) produzindo uma escola pura-
mente eurocecircntrica segregacionista e recrudescedora das desigualdades sociais isto eacute ldquocrian-
do um ambiente onde as diferenccedilas natildeo satildeo privilegiadasrdquo (AacuteVILA 2010 p 40)
Neste sentido cabe agrave escola fazer o aluno compreender que ldquoa realidade social natildeo eacute
uma coisa dada e acabadardquo (BRANDAtildeO 1993 p 23) e que o respeito agrave diferenccedila constitui
parte importante de reforccedilo de uma moral e ciacutevica que garanta igualdade e liberdade a todos
Aqui ao tecermos essas consideraccedilotildees assumimos inevitavelmente uma posiccedilatildeo poliacutetica
Aliaacutes ldquoNo tocante a isto vale lembrar acerca da noccedilatildeo de cultura que sempre foi e eacute portan-
to uma noccedilatildeo que se define eminentemente como poliacuteticardquo (GUSMAtildeO 2009 p 53)
Para Nilma Lino Gomes por outro lado para equacionar a ausecircncia de um debate efe-
tivo sobre a diferenccedila e que reafirme a autoestima e as identidades dos diferentes atores no
espaccedilo escolar deve-se problematizar o proacuteprio sentido e finalidade da educaccedilatildeo Como asse-
vera na praacutetica natildeo se educa para alguma coisa educa-se porque a educaccedilatildeo eacute um direito e
como tal deve ser garantido de forma igualitaacuteria equacircnime e justa (GOMES 2012 p01)
Trata-se de uma perspectiva semelhante agravequela defendida por Vera Maria Candau para quem
[] a educaccedilatildeo escolar natildeo pode ser reduzida a um produto que se negocia na loacutegi-ca do mercado nem ter como referecircncia quase que exclusivamente a aquisiccedilatildeo de
determinados ldquoconteuacutedosrdquo por mais socialmente reconhecidos que sejam Deve ter
como horizonte a construccedilatildeo de uma cidadania participativa a formaccedilatildeo de sujeitos
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de direito o desenvolvimento da vocaccedilatildeo humana de todas as pessoas nela impli-
cadas (CANDAU 2012 p721)
Agrave vista disso a perspectiva antropoloacutegica em que se inspira a presente pesquisa con-
tribui natildeo somente para compreender o espaccedilo escolar a partir de uma abordagem mais mi-
croscoacutepica como tambeacutem constitui ferramenta importante para trabalhar competecircncias para
uma vida ciacutevica responsaacutevel O qual exige que o trabalho com o relativismo cultural que eacute
intriacutenseco agrave aacuterea seja exercitado na maneira como abordamos as culturas os costumes e ex-
periecircncias dos diferentes grupos dentro do espaccedilo escolar Foi precisamente essa concepccedilatildeo
de fundo qual seja a de que a escola deve apostar no trabalho com as diferentes manifestaccedilotildees
culturais com a histoacuteria local que esteve no ponto de partida das intervenccedilotildees pedagoacutegicas
que realizamos
II- Formas escolares hegemocircnicas e culturas escolares especiacuteficas
A discussatildeo sobre a cultura escolar natildeo constitui exclusividade da Antropologia Nesse
sentido com a finalidade de produzir aportes para o nosso proacuteprio trabalho de pesquisa pro-
curamos explorar dentro do campo historiograacutefico as pesquisas e propostas de observaccedilatildeo que
mais se ajustassem ao objetivo principal do trabalho qual seja o de problematizar as relaccedilotildees
entre escola e terreiros a partir da maneira como lidam com a histoacuteria cultura e religiosidade
afro-brasileiras Foi dessa forma que chegamos a um conjunto teoacuterico que reuacutene trabalhos que
tomam as noccedilotildees de forma escolar e de cultura escolar como categorias de interpretaccedilatildeo Des-
taca-se aqui em particular os trabalhos de Dominique Julia (2001) Antonio Vinao Frago
(1995) Andreacute Chervel (1990) Vincent Lahire amp Thin (2001) Faria Filho (2000 2004) etc
Pode-se comeccedilar entatildeo pela noccedilatildeo de forma escolar (VINCENT LAHIRE amp THIN
2001) que designa agrave existecircncia em uma dada conjuntura histoacuterica de uma configuraccedilatildeo social
de conjunto que se encontra particularmente ligada a reproduccedilatildeo das relaccedilotildees de poder no
espaccedilo social mais amplo A forma escolar natildeo se confunde com a instituiccedilatildeo escolar e suas
diferentes culturas muito embora ela seja ldquotransversal em relaccedilatildeo agraves diversas instituiccedilotildees e
grupos sociaisrdquo (VINCENT LAHIRE amp THIN 2001 p 46) Como visto nossa forma esco-
lar eacute claramente marcada pela histoacuteria de sua constituiccedilatildeo no mundo ocidental pela maneira
com que produz conhecimentos e disciplina os corpos e os saberes e valores culturais que
consagra O que entra em pauta aqui eacute um modo de relaccedilatildeo com o saber e poder inscrito no
funcionamento estrutural da educaccedilatildeo escolarizada e que retraduz uma visatildeo da sociedade de
maneira hierarquizada desigual e o que nos toca mais particularmente racializada Isto que
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talvez exija considerarmos que a modificaccedilatildeo da forma com que a escola lida com a diferenccedila
e as culturas dependam natildeo somente de modificaccedilotildees toacutepicas em seu curriacuteculo da disponibi-
lidade de materiais para trabalhar conteuacutedos diversificados ou tatildeo somente do aprimoramento
da formaccedilatildeo dos seus profissionais Eacute provaacutevel que necessitemos de uma revisatildeo mais pro-
funda capaz de acompanhar a pluralidade das formas de compreensatildeo do mundo e as episte-
mologias diversas que foram silenciadas ao longo da histoacuteria
Eacute nessa perspectiva que vale a pena pensar na noccedilatildeo de cultura escolar como objeto de
anaacutelise histoacuterica particularmente porque lida com a possibilidade de constituir uma perspec-
tiva teoacuterico-metodoloacutegica atenta agraves diferentes manifestaccedilotildees das praacuteticas instauradas no inte-
rior das escolas transitando de alunos a professores de normas agraves teorias Ora uma vez cons-
tatada a existecircncia de formas escolares tradicionais e hegemocircnicas que perpassam a maneira
como o saber formalizado eacute transmitido em nossas instituiccedilotildees de ensino natildeo podemos dedu-
zir daiacute que todas as instituiccedilotildees atuam da mesma forma negando toda contribuiccedilatildeo e todas as
modificaccedilotildees microscoacutepicas realizadas pelos sujeitos que vatildeo modificando paulatinamente o
sistema como um todo Nesse sentido talvez fosse mais coerente considerar com Vrao Frago
(2001) a existecircncia de culturas escolares como nos diz
Sin embargo desde uma perspectiva histoacuterica parece maacutes fructiacutefero e inte-ressante hablar em plural de culturas escolares () No hay escuelas coleacute-
gios institutos de ensentildeanza secundaacuteria universidades o faculdades exacta-
mente iguales aunque puedan establecerse similitudes entre ellas Las dife-
rencias crecen cuando comparamos las culturas de instituciones que perte-nencen a distintos niveles educativos (FRAGO 2001 p 33)
Eacute importante ressaltar no entanto que a atenccedilatildeo agraves singularidades e a ampliaccedilatildeo do
campo da histoacuteria das instituiccedilotildees escolares o que limitaria a operacionalidade da tentativa de
abarcar de maneira generalista as formas de escolarizaccedilatildeo de um dado periacuteodo natildeo se tradu-
ziria pela tentativa de conferir agrave escola um grau de autonomia absoluta que lhe conferisse a
capacidade de formular uma cultura distinta da cultura vigente na qual estaria inserida Tam-
pouco se trataria de mascarar as caracteriacutesticas distintivas da cultura de uma sociedade consi-
derada em seu conjunto como poderia ser acusada Entenda-se portanto que a maneira como
ela eacute invocada nesta dissertaccedilatildeo indica que nas palavras de Antocircnio Candido (CANDIDO
apud SILVA 2006 p 210) ldquo[] a proacutepria vida interna da escola [] reelabora segundo a
sua dinacircmica interna as normas valores praacuteticas comunitaacuterias dando-lhes uma coloraccedilatildeo
nova mas nem por isso alheia ao encadeamento geral da sociedaderdquo
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Destarte estudar a cultura escolar remete portanto a tentativa de focalizar os proces-
sos e produtos das praacuteticas escolares isto eacute praacuteticas que permitem a transmissatildeo de conheci-
mentos e a imposiccedilatildeo de condutas circunscritas agrave escola Como assinala Dominique Julia
[] poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar e um conjunto de
praacuteticas que permitem a transmissatildeo desses conhecimentos e a incorporaccedilatildeo
desses comportamentos normas e praacuteticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as eacutepocas (finalidades religiosas sociopoliacuteticas ou
simplesmente de socializaccedilatildeo) (JULIA 2001 p10)
Nessa esteira a cultura escolar define conhecimentos e praacuteticas que podem mudar de
acordo com os contextos soacutecio-poliacuteticos A autora aponta ainda que os debates sobre o funci-
onamento real das finalidades atribuiacutedas agrave escola podem ser mais bem captados justamente
nos momentos de crises e conflitos ou seja em conjunturas instaacuteveis que deixam em relevo
as disputas representacionais em torno do papel funccedilatildeo e significado social da escola Por traacutes
dessa noccedilatildeo na realidade encontra-se todo um programa de investigaccedilatildeo que serviu de inspi-
raccedilatildeo para muitas das questotildees que nos fizemos na presente pesquisa a saber Quais os pro-
gramas normas e regras que circunscrevem ao mesmo tempo em que habilitam a atuaccedilatildeo e
produccedilatildeo de conhecimentos em sala de aula Como isso se realiza em um contexto histoacuterico
preciso Quais os padrotildees de interaccedilatildeo observados e as percepccedilotildees subjetivas dos seus atores
Eacute possiacutevel divisar por essa breve descriccedilatildeo dos conceitos acima como eles se ajustam
ao nosso tema de investigaccedilatildeo Primeiramente porque exigem repensar as proacuteprias bases de
nossa representaccedilatildeo a respeito da histoacuteria das sociedades e da nossa proacutepria histoacuteria sobre os
quais se assenta a produccedilatildeo do saber em sala de aula Aleacutem disso exige a coragem de pensar
questotildees que vem sendo cada vez mais problematizadas no espaccedilo puacuteblico como o lugar da
histoacuteria cultura e religiosidade afro-brasileira em um momento de franco ataque a essas ini-
ciativas Da mesma forma essas noccedilotildees nos levam a considerar que cada unidade de observa-
ccedilatildeo cada instituiccedilatildeo cada cultura escolar tem suas especificidades e peculiaridades e que essa
preocupaccedilatildeo diagnoacutestica mais geral necessita ser divisada a partir de uma discussatildeo mais lo-
cal particularizada Por fim eacute preciso conversar com os diferentes atores implicados para
apreender as histoacuterias memoacuterias e percepccedilotildees produzidas sobre si sobre os outros e sobre
esses temas No ponto de partida disso tudo se deixa antever um esforccedilo natildeo apenas intelectu-
al de descriccedilatildeo e diagnoacutestico da realidade mas tambeacutem a tentativa de constituir condiccedilotildees
para uma intervenccedilatildeo poliacutetica pedagoacutegica orientada pelos desafios locais
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III- Encaminhamentos da pesquisa escolha temaacutetica e a posiccedilatildeo do pesquisador
Com efeito uma raacutepida pesquisa na internet permite constatar um significativo aumen-
to de interesse entre profissionais de diversos campos a respeito das condiccedilotildees de implemen-
taccedilatildeo do estudo da Histoacuteria e Cultura e Afro-brasileira e africana a partir da Lei Federal
106392003 Em nosso caso a opccedilatildeo por uma abordagem que destoa da tendecircncia esmaga-
dora nos recentes trabalhos de optar apenas pelo estudo das representaccedilotildees de professores e
alunos sobre as religiotildees afro-brasileiras condiccedilotildees de formaccedilatildeo entre outros para integrar agrave
anaacutelise as percepccedilotildees subjetivas de lideranccedilas de terreiros sobre si sua histoacuteria e de como a
escola se relaciona com as religiotildees de matriz africana (BAKKE 2011) decorre da aposta de
que pela via da problematizaccedilatildeo dessas percepccedilotildees muacutetuas poderiacuteamos avanccedilar tanto na supe-
raccedilatildeo dos preconceitos e formas de estigmatizaccedilatildeo ainda persistentes no espaccedilo escolar quan-
to colocar em diaacutelogo atores tatildeo proacuteximos geograacutefica e simbolicamente mas ao mesmo tempo
tatildeo distantes em niacutevel de conhecimento e reconhecimento
As razotildees para a escolha da temaacutetica satildeo muitas Do ponto de vista pessoal minha li-
gaccedilatildeo com religiatildeo de matriz africana se deu inicialmente pela convivecircncia muito cedo no
bairro onde durante muitos anos minha matildee foi assistente de duas conhecidas casas de cultos
afros Terreiro de Filomena e Vicentinho (um localizado no Bairro de Faacutetima e outro no Bair-
ro de Armazeacutem) Naquela ocasiatildeo por conta de problemas espirituais ela teve que pagar
promessas como forma de retribuir as graccedilas recebida dos santos das referidas casas Mais
tarde passei a frequentar toques aos voduns em vaacuterias casas de Cururupu o que aos poucos foi
me chamando atenccedilatildeo da maneira como externavam sua feacute e mais ainda como desenvolviam
sua dedicaccedilatildeo aos santos Com as constantes visitas e o interesse em me aprofundar nos fun-
damentos tornei-me em pouco tempo Assissi5 uma espeacutecie de ajudante nas tarefas que vari-
avam entre rezas ornamentos organizaccedilatildeo das festas Paralelamente data desse mesmo periacute-
odo minha inserccedilatildeo no grupo de jovens e mais tarde no movimento negro Na sequecircncia em
1994 o Bloco Afro Omniraacute6 inicia suas atividades na regiatildeo e logo em 1995 desenvolve
como tema Matildee Isabel quilombola de Zumbi A escolha temaacutetica se vinculava agraves comemo-
raccedilotildees a Zumbi e por ter sido Isabel Mineira7 (FERRETI M 2015 168) a primeira pessoa a
5 Nos cultos de Tambor de Mina os Assissis satildeo uma espeacutecie de assistente da casa colaboradores (FERRETI
1996 p) 6 Bloco Afro Omniraacute que em liacutengua yorubaacute significa liberdade organizado pelo grupo que leva o mesmo nome
fundado em 26 de outubro de 1995 O grupo desenvolve atividades de sensibilizaccedilatildeo a populaccedilatildeo negra do Curu-
rupu 7 Isabel Pinto da Silva- Isabel Mineira como era mais conhecida nasceu em novembro de 1903 faleceu aos 90
anos foi a primeira pessoa a abrir um terreiro de Mina em Cururupu era devota de Santa Rosa de Lima e reali-
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abrir um terreiro de Mina em Cururupu A partir de entatildeo sempre busquei aprofundar a com-
preensatildeo sobre os cultos de religiatildeo afro-brasileiros
Com relaccedilatildeo ao recorte empiacuterico este se justifica em funccedilatildeo de minha proacutepria experi-
ecircncia profissional na escola selecionada Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda oportuni-
dade na qual pude perceber a inexistecircncia das religiotildees afro-brasileiras no curriacuteculo escolar a
despeito da jaacute referida lei de ensino de histoacuteria e cultura africana e afro-brasileira e ateacute mesmo
das manifestaccedilotildees ocasionais desse legado no calendaacuterio escolar Talvez por exercer papel de
proeminecircncia na escola na condiccedilatildeo de Diretor-adjunto do C E Joatildeo Marques Miranda co-
mecei a perceber como reagiam alunos e professores quando se tratava de temas sobre religi-
otildees afro-brasileira e como se calavam diante de atitudes oriundas de sujeitos que seguiam
outros dogmas e como professores praticantes se escondiam atraacutes de discursos de negaccedilatildeo
por conta do curriacuteculo
Seria necessaacuterio reconhecer nesse sentido que o ponto de partida da pesquisa tambeacutem
assumiu uma dimensatildeo propriamente poliacutetica afinal dado que se trata de um contexto perifeacute-
rico de um bairro estigmatizado onde estaacute concentrada a maior quantidade de terreiros do
municiacutepio de Cururupu porque a escola natildeo abordava temas que seriam centrais agrave dinacircmica
comunitaacuteria E isso se mostrava ainda mais importante para mim devido ao fato observado
por Seacutergio Ferreti (1996) de que entre todos os municiacutepios do Brasil Cururupu se destaca por
cultuar os orixaacutes com os traccedilos de originalidade trazidos da Aacutefrica
Paralelamente a essas preocupaccedilotildees e na tentativa mesmo de instrumentalizar-me a
respeito do tema (as carecircncias formativas dos docentes e de acesso a materiais concernentes agrave
histoacuteria da Aacutefrica e da cultura afro-brasileira jaacute foram sobejamente expressos em diversos
trabalhos) fui percebendo a importacircncia de aprofundar minha compreensatildeo sobre diversos
aspectos a saber primeiramente a respeito dos aportes que a Antropologia e a Histoacuteria po-
dem trazer agrave aacuterea da educaccedilatildeo na medida em que essa relaccedilatildeo interdisciplinar tende a favore-
cer a constituiccedilatildeo de uma abordagem que coloque como central a maneira como escola trata a
questatildeo da diferenccedila cultural e da desigualdade social a partir de agentes histoacutericos sociais
especiacuteficos como jaacute mencionados em segundo lugar a necessidade de resgatar parte do esta-
do das discussotildees sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais no Brasil explorando as implicaccedilotildees e poten-
zava no mecircs de agosto uma festa em sua homenagem com trecircs noites de tambor Naquela festa recebia com
grande orgulho Rosinha filha caccedilula de Rainha Rosa e da famiacutelia de Leacutegua Bogi (FERRETI M 2015 168)
Seu barracatildeo era em forma de navio tambeacutem foi parteira e realizou 6003 partos foi tambeacutem uma grande foliatilde
do carnaval tinha um bloco chamado Baralho
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cialidades decorrentes das alteraccedilotildees no curriacuteculo hegemocircnico a partir da publicaccedilatildeo da lei
1063903
A esses fatores mais epistemoloacutegicos por assim dizer fui despertando tambeacutem inte-
resse por assumir um ponto de vista mais compreensivo a respeito do universo relacional sob
anaacutelise com a finalidade de dar voz agraves diferentes categorias de atores envolvidos profissionais
da educaccedilatildeo lideranccedilas de terreiros lideranccedilas comunitaacuterias estudantes Com essa perspect i-
va em mente adentrei no ambiente da escola de iniacutecio com observaccedilotildees do cotidiano esco-
lar sobretudo a eacutepoca dos festejos Conversei com professores sobre a temaacutetica aproveitando
para explanar a respeito das intenccedilotildees do projeto Nessa troca de experiecircncias identifiquei a
existecircncia de muitos receios hesitaccedilotildees e ateacute mesmo de resistecircncia com relaccedilatildeo ao tema da
histoacuteria cultura e religiosidade afro em sala de aula
A despeito da extensatildeo do universo empiacuterico e das dificuldades operacionais para tra-
tamento das informaccedilotildees a pesquisa foi realizada com base na combinaccedilatildeo de diferentes es-
trateacutegias metodoloacutegicas Grosso modo trata-se de tentar harmonizar a utilizaccedilatildeo de aborda-
gens quantitativas e qualitativas com base na aplicaccedilatildeo de questionaacuterios de administraccedilatildeo
direta para os alunos da Escola Joatildeo Marques Miranda a realizaccedilatildeo de entrevistas temaacuteticas
com (ex) gestores (ex) professores e (ex) alunos que frequentam terreiros da regiatildeo e realiza-
ccedilatildeo de entrevistas em profundidade com lideranccedilas religiosas de terreiros situados no bairro
Satildeo Benedito e arredores da localidade a fim de recompor suas visotildees de mundo e histoacuterias de
vida Soma-se a isso a observaccedilatildeo e descriccedilatildeo dos debates e reaccedilotildees individuais e coletivas
frente agrave realizaccedilatildeo de oficinas Diligencia-se nesse uacuteltimo caso de explorar esses olhares a
fim de apreender as diferentes temporalidades em accedilatildeo agrave histoacuteria da constituiccedilatildeo da comuni-
dade e permanecircncias inscritas na proacutepria loacutegica de funcionamento da cultura escolar (a sensa-
ccedilatildeo que se tem eacute sempre de um avanccedilo muito precaacuterio nesse plano)
IV - Estrutura do trabalho
Ante o exposto o texto que segue apresenta a seguinte estrutura no primeiro A
cultura Afro-brasileira nos bancos escolares diversidade diferenccedila e Cultura Escolar pro-
blematizaratildeo as relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e diversidade no Brasil de uma perspectiva de meacutedia
duraccedilatildeo explorando com maior ecircnfase a diversidade de atores movimentos e accedilotildees puacuteblicas
que favoreceram a rediscussatildeo sobre o lugar na cultura afro-brasileira nos bancos escolares
No capiacutetulo seguinte Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais lutas movimentos e reformas poliacuteticas educa-
cionais haveraacute uma caracterizaccedilatildeo da legislaccedilatildeo concernente ao tema
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Adiante no terceiro capiacutetulo Da escola para os terreiros normas experiecircncias e
percepccedilotildees sobre as religiotildees afro-brasileiras caracteriza-se o estabelecimento escolar seleci-
onado como unidade empiacuterica e as percepccedilotildees de profissionais da educaccedilatildeo e estudantes sobre
as religiotildees de matriz africana No quarto capiacutetulo Da comunidade para a escola histoacuterias
percepccedilotildees e experiecircncias de um diaacutelogo possiacutevel voltam-se aos olhares histoacuterias e memoacuterias
a respeito do bairro e da escola destacando as histoacuterias dos terreiros como espaccedilo de memoacute-
ria ao passo em que exploramos a histoacuteria de vida de atores que vivem concretamente na
fronteira dessa relaccedilatildeo com o espaccedilo escolar mas de uma posiccedilatildeo mais externa Tambeacutem ha-
veraacute apresentaccedilatildeo de algumas das oficinas que realizamos a fim de extrair conclusotildees a res-
peito da distacircncia estranheza e do desconhecimento entre essas duas esferas de vida O foco
neste caso seraacute o de explorar as vantagens heuriacutesticas de uma aproximaccedilatildeo pedagogicamente
planejada cujo cerne seria voltado para o cultivo de valores e competecircncias essenciais para
reforccedilo das redes de solidariedade no contexto em pauta E por fim satildeo apresentadas as con-
clusotildees e referecircncias do trabalho
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CAPIacuteTULO 1 - A CULTURA AFRO-BRASILEIRA NOS BANCOS ESCOLARES
diversidade diferenccedila e Cultura Escolar
Deus abenccediloe a Aacutefrica
Deus abenccediloe a Aacutefrica
Que suas gloacuterias sejam exaltadas Ouccedila nossas preces
Deus nos abenccediloe porque somos seus filhos
Deus cuide de nossa naccedilatildeo
Acabe com nossos conflitos Nos proteja e proteja nossa naccedilatildeo
(Hino da Aacutefrica do Sul)
O objetivo principal desse capiacutetulo eacute problematizar como o tema da diversidade e
da diferenccedila vem sendo tratado no Brasil com ecircnfase sobre os debates iniciativas e movi-
mentos que recolocaram a questatildeo da Educaccedilatildeo para as relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais no centro da
agenda das discussotildees sobre as dimensotildees poliacuteticas do curriacuteculo e dos padrotildees de interaccedilatildeo no
espaccedilo escolar contemporaneamente Antes no entanto tecemos algumas consideraccedilotildees a
respeito do lugar e importacircncia da histoacuteria da Aacutefrica na histoacuteria da humanidade e de como ela
foi condenada e representada a ponto de se rogar benccedilotildees gloacuterias reconhecimento paz e
proteccedilatildeo como mostra a epiacutegrafe que abre este capiacutetulo Para tanto o texto se baseia funda-
mentalmente na bibliografia a respeito e seu ponto de partida se situa no interesse pedagoacutegico
de dar a conhecer ao leitor em que condiccedilotildees essa luta se transmuta em poliacuteticas educacionais
notadamente a partir da deacutecada de 1990
11 A contribuiccedilatildeo da Histoacuteria da Aacutefrica para a humanidade
Antes de explorarmos de que maneira paulatinamente o tema da educaccedilatildeo para as re-
laccedilotildees eacutetnico-raciais e da inclusatildeo da Histoacuteria Cultura e Religiosidade Africana e Afro-
brasileira foi entrando em pauta no Brasil valeria agrave pena tecer algumas consideraccedilotildees sobre
os desafios epistemoloacutegicos e praacuteticos que temos ao propor uma intervenccedilatildeo pedagoacutegica co-
mo a que estamos construindo Epistemoloacutegico por um lado pois como boa parte da biblio-
grafia pertinente sobre o tema jaacute evidenciou a Histoacuteria da Aacutefrica foi silenciada pela perspec-
tiva hegemocircnica da visatildeo etnocecircntrica produzida pelo ocidente Poreacutem nessa batalha aacuterdua
natildeo basta apenas exercer a capacidade criacutetica posto que devemos tambeacutem explicitar de que
maneira o continente seus povos e culturas influenciaram decisivamente outros povos con-
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formaram nossas identidades e promoveram a circulaccedilatildeo de saberes e percepccedilotildees de mundo
Trata-se de demonstrar como sua histoacuteria eacute parte da nossa a traveacutes de exemplos concretos
retirados do acircmago do esforccedilo criacutetico empreendido por intelectuais e historiadores dentro e
fora da Aacutefrica As consideraccedilotildees que seguem atendem a esse duplo objetivo
Pode-se comeccedilar pela tese fundamental do livro de Edward Said (2007) Orientalismo
a respeito de como o Ocidente inventou o Oriente como um misto indistinto de naccedilotildees hete-
rogecircneas rotuladas sob o signo do exotismo e inferioridade Dissipada por uma seacuterie de pro-
duccedilotildees artiacutesticas filosoacuteficas literaacuterias e ateacute mesmo cientiacuteficas essas representaccedilotildees imageacuteti-
cas sobre os designados orientais constituiu um poderoso discurso voltado precisamente para
os povos outrora colonizados garantindo primazia superioridade e normalidade ao homem
europeu ldquocivilizadordquo por oposiccedilatildeo aos outros Essa visatildeo criacutetica sobre o eurocentrismo eacute par-
ticularmente convergente com as criacuteticas realizadas por Jack Goody (2008) que rotula a rela-
ccedilatildeo entre a Europa e as outras naccedilotildees sob o signo do Roubo da Histoacuteria Roubo ou mesmo
apropriaccedilatildeo que tinha como finalidade demarcar uma suposta excepcionalidade do Ocidente
quanto agrave criaccedilatildeo de valores (igualdade democracia liberdade) instituiccedilotildees (universidades) e
sentimentos (amor individualismo) que nunca foram especificidades suas Quer dizer a im-
posiccedilatildeo de uma narrativa histoacuterica formulada a partir do ponto de vista europeu obliterou a
real histoacuteria do mundo na medida em que impuseram conceitos cronologia e silecircncios sobre
as contribuiccedilotildees de outras culturas para projetar a superioridade ocidental
Por esse vieacutes tais reflexotildees podem muito bem ser utilizadas para pensar como o olhar
europeu ao longo de seacuteculos produziu uma visatildeo distorcida sobre o negro e sobre a Aacutefrica
antes mesmo que o discurso racista se solidificasse no seacuteculo XIX Eacute o que demonstra o traba-
lho de Gislene Aparecida dos Santos (2002) que demonstrou como no imaginaacuterio europeu as
visotildees sobre o negro e a cor negra foram paulatinamente se deslocando do fasciacutenio ao repuacute-
dio
Satildeo fartos os exemplos de que o imaginaacuterio europeu da Idade Meacutedia ao Seacuteculo das
Luzes era repleto de visotildees sobre seres fantaacutesticos grotescos eou gigantes que povoariam as
terras mais longiacutenquas gerando ao mesmo tempo medo e fasciacutenio Embora jaacute houvesse a
ideia de que o branco seria superior ao negro e que a cor preta designasse uma marca do mal
ou um grande motivo de preocupaccedilatildeo ainda estava contida nessa percepccedilatildeo um misto de fas-
ciacutenio e medo O exotismo dos relatos de viajantes se deixa ainda permear pela admiraccedilatildeo da
diferenccedila e pela curiosidade daiacute por que eram descritos em diversos cronistas de maneira am-
biacutegua nunca inteiramente negativa Todavia esse estranhamento esse misto de fasciacutenio e
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repuacutedio se convertem em algo bem diferente quando a Aacutefrica se converteu em objeto de cobi-
ccedilas e fonte de imensas riquezas O racismo se apoiou portanto em estereoacutetipos e preconceitos
anteriores mas eacute filho direto do colonialismo moderno
Assim podemos dizer que ateacute o seacuteculo XIX havia em relaccedilatildeo aos povos da Aacutefrica um olhar exoacutetico (misto de fasciacutenio e de repulsa) e que foi exatamen-
te este olhar exoacutetico com tudo o que decorre dele que embora natildeo tenha
criado o racismo permitiu que o sentimento racista aflorasse A construccedilatildeo de um olhar exoacutetico sobre a Aacutefrica resvalou para o racismo no momento em
que se desejou retirar da populaccedilatildeo seu poder de participaccedilatildeo poliacutetica Natildeo eacute
agrave toa que o discurso racista surge no momento em que o continente africano aparece diante do olhar dos europeus como um territoacuterio de imensas riquezas
ainda preservadas ou em que nas colocircnias o processo de conquista da liber-
dade por parte dos ex-escravos seja efetivado (BARBOSA 2008 147)
Como demonstra Muryatan Barbosa (2008) esse olhar eurocecircntrico recorrente atra-
vessou diversas Filosofias da Histoacuteria englobando autores claacutessicos como Voltaire Vico He-
gel e Marx e inscreveu-se no proacuteprio nascedouro da historiografia moderna A concepccedilatildeo
evolucionista que realccedilava a excepcionalidade e superioridade europeia nos planos econocircmi-
co cultural religioso e racial permeou entatildeo as proacuteprias Ciecircncias Humanas e inscrevendo-se
como um dispositivo no acircmbito epistemoloacutegico Assim sendo o ponto de partida para a
emergecircncia de um conhecimento historiograacutefico sobre a Aacutefrica tem como primeira meta dar
uma resposta a esse discurso que silencia e oblitera a importacircncia africana
A mudanccedila nessa perspectiva comeccedilou a ocorrer somente entre os anos de 1950 e
1960 a reboque das lutas pela independecircncia que tiveram lugar nesses marcos (OLIVA
2003) Eacute a partir desse periacuteodo que comeccedila a haver uma revoluccedilatildeo nos estudos africanos no-
tadamente pelos investimentos de historiadores africanos Tratava-se em um primeiro mo-
mento de construir uma Histoacuteria que pudesse servir como instrumento de luta ideoloacutegica Eacute
dentro desse quadro que se pode compreender o empenho de historiadores como Cheijk Anta
Diop Djibril Tamsir Niane e Jean Vansina para recolocar empiacuterica e conceitualmente a His-
toacuteria Africana (BARBOSA 2008) Essa renovaccedilatildeo natildeo se deu somente no continente africa-
no vez que participou de uma reconstruccedilatildeo das proacuteprias ciecircncias humanas dos modelos his-
toriograacuteficos e dos interesses de pesquisa em diferentes naccedilotildees
Deste modo a renovaccedilatildeo dos estudos sobre Aacutefrica e o efeito propriamente descoloni-
zador da Histoacuteria suscitou a circulaccedilatildeo internacional de pesquisadores o incremento de redes
de pesquisa e a elaboraccedilatildeo de iniciativas de conjunto para reconstruccedilatildeo de uma histoacuteria afri-
cana de uma perspectiva mais estrutural Aleacutem das incontaacuteveis obras que surgem desde entatildeo
produzidas por intelectuais africanos ou estrangeiros destaca-se a produccedilatildeo de uma Histoacuteria
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Geral da Aacutefrica (HGA) promovida pela UNESCO e que hoje em dia estaacute disponiacutevel em diver-
sas liacutenguas
Trecircs motivos principais justificavam a criaccedilatildeo do projeto da HGA segundo
seus idealizadores Em primeiro lugar havia o perigo de que as fontes para a
histoacuteria da Aacutefrica se perdessem definitivamente tanto as fontes escritas quanto as orais Tal fato poderia ser revertido em parte com a coleta de fon-
tes e a organizaccedilatildeo dos arquivos em Aacutefrica os quais poderiam acomodar a
documentaccedilatildeo existente e aquela que ainda estava por investigar Mas isso
deveria ser feito rapidamente Em segundo lugar havia o desejo de que a HGA pudesse sintetizar o conhecimento sobre o continente ainda disperso e
mal distribuiacutedo no tempo e no espaccedilo Soacute assim se teria clareza das lacunas a
serem pesquisadas Por fim havia o desejo de que a HGA pudesse impulsio-nar uma escrita da histoacuteria que superasse os preconceitos colonialistas sobre
o continente contribuindo para mostrar as contribuiccedilotildees africanas para a ci-
vilizaccedilatildeo humana Algo visto como sumamente necessaacuterio agraves naccedilotildees africa-nas no periacuteodo poacutes-colonial que se instaurava em Aacutefrica (BARBOSA 2008
p 195)
Assim quando chegamos agrave deacutecada de 1980 e 1990 o que se deu foi agrave ampliaccedilatildeo desse
campo de estudos e sua consolidaccedilatildeo em niacutevel internacional Nesse processo surgiram novas
frentes de investigaccedilatildeo e jovens intelectuais tecircm explorado os canais abertos pelo adensamen-
to da produccedilatildeo intelectual nas redes de conexatildeo do Sul Global
[] um avanccedilo intelectual e institucional com a constituiccedilatildeo de novas aacutereas
de estudos historiograacuteficos africanos dentro e fora do continente Deste de-senvolvimento surgem novos especialistas na temaacutetica que se tornam figu-
ras influentes dentro do meio acadecircmico Isto tanto dentro da Aacutefrica como
B Barry A F Ajahi A Boahen B A Ogot V Mudimbe I A Akinjog-bin T Falola M Diouf E J Alagoa e outros quanto fora da Aacutefrica como
J Vansina J Thornton C Coquery-Vidrovitch P Lovejoy J Miller Y
Kopytoff A Costa e Silva K Asante M Bernal Carlos Lopes D Birmin-gham entre outros (SILVA 2010 p 35)
No Brasil natildeo foi diferente aonde vimos emergir diferentes centros de investigaccedilatildeo
desde a deacutecada de 1950 concentrando-se inicialmente em Satildeo Paulo Rio e principalmente
na Bahia Hoje em dia grupos de pesquisas centros e unidades acadecircmicas ampliaram-se con-
sideravelmente alimentando a produccedilatildeo de uma farta e crescente bibliografia sobre a Histoacuteria
Africana Afro-brasileira e ultrapassando em muito os domiacutenios disciplinares da Histoacuteria Eacute
justamente essa pulsante produccedilatildeo intelectual que estaacute na base do segundo movimento que
estamos tentando fazer em nosso trabalho qual seja o de apresentar uma visatildeo criacutetica mas ao
mesmo tempo equilibrada e justa sobre a Aacutefrica os africanos e a cultura afro-brasileira
Dessa maneira chegamos ao segundo eixo de argumentaccedilatildeo a respeito de como explo-
rar os aspectos positivos da contribuiccedilatildeo africana para a histoacuteria da humanidade A questatildeo de
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fundo pode ser colocada da seguinte maneira Para que serve a Histoacuteria da Aacutefrica Proposiccedilatildeo
essa que organizou um texto pequeno mas muito salutar da professora e doutora em Histoacuteria
Mocircnica Lima e Souza Vale agrave pena retomar alguns dos seus argumentos Obviamente como
em todo resto eacute somente pela compreensatildeo da maneira como foi escrita a histoacuteria o que re-
quer uma modificaccedilatildeo na forma como ela eacute ensinada nas escolas que se pode criar condiccedilotildees
para formulaccedilatildeo de uma perspectiva menos eurocecircntrica que decirc espaccedilo para outros atores
regiotildees povos e histoacuterias A bibliografia jaacute disponiacutevel nos apresenta no entanto alguns as-
pectos bastante sugestivos
A comeccedilar pelo dato de que as relaccedilotildees intensas com os Africanos e a Aacutefrica natildeo da-
tam dos primoacuterdios dos empreendimentos ultramarinos ocorridos no iniacutecio da era moderna
Mesmo tendo como marco o encadeamento cronoloacutegico que trabalhamos pode-se perceber
que desde a Antiguidade os africanos participam de intensas trocas comerciais de circulaccedilatildeo
de teacutecnicas e conhecimentos em torno do Mediterracircneo O fausto e a riqueza das sociedades
africanas foram protagonistas de grandes feitos na histoacuteria como o proacuteprio Egito que dura-
mente muito tempo foi concebido como branco Jaacute no iniacutecio do periacuteodo moderno o desloca-
mento forccedilado de grandes contingentes humanos atraveacutes dos navios negreiros e das novas
rotas atlacircnticas abertas fomentou a circulaccedilatildeo de pessoas mercadorias e ideias inscrevendo o
legado africano em diversos espaccedilos do globo Se a humanidade surgiu em Aacutefrica ela se refez
pelos contatos trocas e pelas resistecircncias lutas e rebeliotildees que protagonizaram em diferentes
regiotildees Como evidenciado na pesquisa de John Thornton (2004) a Aacutefrica exerceu papel cen-
tral no complexo intercontinental atlacircntico
Se ao longo do seacuteculo XX a regiatildeo foi atravessada por diversos conflitos decorrentes
das formas de dominaccedilatildeo instauradas que se prolongam ateacute hoje essas transformaccedilotildees inter-
nas natildeo foram decorrentes somente de particularidades Estatildeo plenamente integradas ao cenaacute-
rio internacional alterando de maneira significativa os conflitos ao longo do seacuteculo XX Tanto
no passado quanto na atualidade os problemas e desafios africanos dramatizam natildeo o seu
descolamento do restante da histoacuteria universal Eacute exatamente o contraacuterio
E se esses argumentos satildeo razoaacuteveis para explicar o interesse da Histoacuteria da Aacutefrica em
um cenaacuterio global muito maior eacute o significado dessa histoacuteria para o caso brasileiro afinal
nossa formaccedilatildeo nossa cultura nossa liacutengua foram fortemente influenciados pelos africanos
que para caacute foram deslocados E esse intercacircmbio marcado por relaccedilotildees violentas de domina-
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ccedilatildeo e resistecircncia natildeo foi somente simboacutelico Ele preencheu diversas dimensotildees da nossa rea-
lidade tornando-se tatildeo nossos que sequer conseguimos pensaacute-los como estranhos Assim
qualquer tentativa de eliminar a contribuiccedilatildeo dessa histoacuteria provoca uma espeacutecie de suiciacutedio
coletivo de nossas heranccedilas culturais de nossas bases identitaacuterias
Somos o paiacutes que por mais tempo e em maior quantidade recebeu africanos
escravizados da histoacuteria do mundo Os cativos trazidos da Aacutefrica que nada
podiam carregar aleacutem de sua memoacuteria e conhecimentos trouxeram para nos-so paiacutes aportes tecnoloacutegicos que vatildeo desde conhecimentos de agricultura
tropical a teacutecnicas de mineraccedilatildeo aleacutem de vaacuterios outros As heranccedilas africa-
nas estatildeo presentes em diferentes aspectos da vida social e cultural brasilei-ras ateacute hoje e conformam aspectos fundamentais da identidade nacional
Nos modos de celebrar na religiosidade na musicalidade no gosto e esteacutetica
brasileiros expressos nos modos de vestir e nas escolhas artiacutesticas ficam evidentes as matrizes culturais que nasceram do outro lado do Atlacircntico Ao
longo de nossa histoacuteria diversas vezes os fatores ligados a processos
e episoacutedios somente podem ser compreendidos se olharmos os dois lados do
oceano que nos une (SOUZA 2014 p 02)
Com efeito ver-se-aacute que essa foi em grande medida a orientaccedilatildeo principal dada agraves
oficinas ministradas junto ao corpo discente da escola selecionada como laboratoacuterio de inves-
tigaccedilatildeo e accedilatildeo nesta dissertaccedilatildeo Se tomarmos como ponto de partida a reflexatildeo criacutetica sobre
os vieses normativos e silenciadores do discurso tradicional eurocecircntrico o foco esteve mais
centrado em mostrar que eacute possiacutevel trabalhar com conteuacutedo da histoacuteria cultura e religiosidade
afro em sala de aula Na medida do possiacutevel procurou-se criar condiccedilotildees para que os estudan-
tes entendessem esse fenocircmeno como algo que se inscreve no cotidiano escolar e encontra-se
difundido socialmente em diversos discursos muito embora a praacutetica e a experiecircncia sejam
sempre mais abertas e fluiacutedas do que possa parecer Na sequecircncia entatildeo demonstra-se como
essas temaacuteticas ganharam espaccedilo no debate puacuteblico em seguida dar um mergulho nos univer-
sos que pretendemos aproximar neste trabalho
12 A cultura afro-brasileira e o espaccedilo escolar
O estudo de Vicentini (2009) nos mostra que o Brasil carrega caracteriacutesticas soci-
ais multieacutetnicas que se inscrevem na proacutepria histoacuteria da constituiccedilatildeo da naccedilatildeo Esse eacute ponto
chave o reconhecimento e respeito da diversidade eacutetnica que nos propotildee ter clareza dos fato-
res constitutivos do pertencimento a uma identidade social dos quais todos participamos A
luta contra a discriminaccedilatildeo eacute uma luta diaacuteria de muitos afro-brasileiros vale dizer que assu-
me tambeacutem a dimensatildeo de uma luta por reconhecimento social e por direitos humanos A luta
contra a rejeiccedilatildeo os preconceitos e intoleracircncias raciais participam desse modo de uma bata-
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lha muito mais ampla a favor do direito agrave diversidade cultural racial linguiacutestica eacutetnica que
se encontra na base da constituiccedilatildeo de nossa coletividade
Evidentemente dada agrave discussatildeo da temaacutetica na atualidade jaacute eacute possiacutevel notar di-
versos avanccedilos principalmente com relaccedilatildeo agrave abertura de espaccedilos de atuaccedilatildeo para a popula-
ccedilatildeo negra Poreacutem eacute preciso reconhecer que ainda persistem diversos obstaacuteculos sociais e ins-
titucionais os quais constituem barreiras para a ascensatildeo social de negros Como bem apon-
tou o antropoacutelogo Kabengele Munanga (2015) os problemas sociais e a condiccedilatildeo que a maio-
ria dos estudantes pobres tem faz com que os mesmos natildeo tenham um bom desenvolvimento
escolar na educaccedilatildeo baacutesica pois se torna difiacutecil o aluno se concentrar nos estudos sem ter se
alimentado direito e sem ter uma estrutura familiar decente
Natildeo se tem registro histoacuterico preciso do dia que o indiviacuteduo de pele negra pocircde
frequentar as escolas regulares no Brasil de forma oficial visto que isto apesar da aboliccedilatildeo
da escravatura satildeo praacuteticas regulamentadas pelos poderosos senhores de engenho que natildeo
permitiam o estudo dos alunos negros nas escolas de suas dependecircncias Contudo a sua per-
manecircncia e acesso nas instituiccedilotildees de ensino satildeo questotildees que necessitam de um debate soci-
al pois fazem diferenccedila a respeito da ascensatildeo social e melhoria de vida do indiviacuteduo e sua
comunidade (ALVES 2007)
Embora as desigualdades raciais natildeo se iniciem na escola nela encontra um terre-
no feacutertil para se reproduzir Eacute na escola enquanto loacutecus do saber formal que as crianccedilas e
adolescentes das classes populares passam a maior parte do tempo-aprendendo toda a histori-
ografia oficial que ressalta a figura do heroacutei bom belo e europeu em detrimento do patrimocirc-
nio cultural de outros povos especialmente do povo africano e indiacutegenas E esse modelo in-
fluencia fortemente na construccedilatildeo da identidade desses alunos causando distorccedilotildees imensas
na sua formaccedilatildeo e comprometendo as relaccedilotildees estabelecidas socialmente
A escola tem uma responsabilidade imensa na discussatildeo sobre educaccedilatildeo e diver-
sidade eacutetnico-cultural pois sua funccedilatildeo social eacute partilhar o conhecimento acumulado pela hu-
manidade com os seus alunos e isso significa partilhar os conhecimentos produzidos pelos
diversos povos que entraram na formaccedilatildeo do povo brasileiro (FRANCO 2008) A lei
1063903 representa uma importante ferramenta para a implementaccedilatildeo das poliacuteticas afirmati-
vas de combate ao racismo e pelas relaccedilotildees eacutetnico-raciais nas escolas contribuindo para que a
sociedade e sobretudo as instituiccedilotildees de ensino venham
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[] reconhecer a existecircncia do afrodescendente seus ancestrais (africanos)
sua trajetoacuteria na educaccedilatildeo brasileira na condiccedilatildeo de sujeitos e na construccedilatildeo da cultura e da sociedade A alteraccedilatildeo da LDB representou um ganho legal e
poliacutetico agora eacute preciso que ele se reflita no acircmbito do ensino e da aprendi-
zagem para que se tenha um resultado eficaz nos campos societaacuterio e educa-tivo (AacuteVILA 2010 p 10)
Como se vecirc a promulgaccedilatildeo da Lei 106392003 a 09 de janeiro de 2003 foi uma
conquista das lutas desenvolvidas pelo movimento negro organizado ao longo dos anos a Lei
busca reconhecer a existecircncia e portanto a histoacuteria do negro no Brasil seus ancestrais africa-
nos e suas contribuiccedilotildees para a educaccedilatildeo e a sociedade brasileira assim professores alunos e
corpo escolar no todo tem a obrigaccedilatildeo histoacuterica de falar de tais temaacuteticas e avanccedilar na cons-
truccedilatildeo de relaccedilotildees raciais mais igualitaacuterias Esse ensino envolve todas as disciplinas do curriacute-
culo escolar incluindo a disciplina de histoacuteria que passa a se tornar uma porta voz da igualda-
de racial
De maneira geral eacute ponto paciacutefico em meios cientiacuteficos que a raccedila natildeo eacute o fator
que determina a superioridade intelectual O que realmente eacute fator determinante eacute o acesso agrave
informaccedilatildeo a produccedilatildeo de conhecimento aos bens materiais tecnoloacutegicos e intelectuais pro-
duzidos na histoacuteria Enquanto a diferenccedila eacute natural a desigualdade constitui um produto intei-
ramente social que se combina agrave naturalizaccedilatildeo do preconceito dos estereoacutetipos e que atuam
como forma de justificar legitimar e consagrar a subordinaccedilatildeo de grupos e atores sociais O
estereoacutetipo eacute a praacutetica do preconceito Eacute a sua manifestaccedilatildeo comportamental O estereoacutetipo
objetiva justificar uma suposta inferioridade justificar a manutenccedilatildeo do status quo e legiti-
mar aceitar e justificar a dependecircncia a subordinaccedilatildeo e a desigualdade (MUNANGA 2005
p 65)
Silva (2010) revela que nos uacuteltimos 30 anos foram realizados accedilotildees que objetivam
a promoccedilatildeo da igualdade nas relaccedilotildees eacutetnico-raciais e que vem cada vez mais ganhando forccedila
no Brasil principalmente no contexto educativo pois atraveacutes das cotas alunos negros conse-
guem ingressar em cursos que antes apenas os mais ricos conseguiam cursar como medicina
engenharia direito Como esclarece o autor a maioria dos negros sempre teve vontade de
estudar ingressar nas escolas aprender novas liacutenguas mas sempre eram impedidos por forccedila
da rejeiccedilatildeo da elite dominante e por natildeo terem paracircmetros legais para se apoiarem Soma-se a
isso a dificuldade de conciliar a dedicaccedilatildeo aos estudos com as exigecircncias do trabalho e da
sobrevivecircncia cuja conciliaccedilatildeo eacute sempre complexa
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A questatildeo eacute que a cultura afro-brasileira sempre foi tratada de forma marginaliza-
da Eacute precisamente contra a maneira seletiva com que a escola privilegiou determinadas for-
mas culturais em detrimento de outras consideradas inferiores e sem nenhum objetivo peda-
goacutegico ou enriquecedor aos conhecimentos dos alunos (ALVES 2007) que a luta a favor da
inclusatildeo da histoacuteria e cultura afro-brasileiras se defronta
Por esse vieacutes eacute o que demonstra o trabalho de Silva (2013) que expotildee o fato de
que ao longo da histoacuteria do Brasil a concepccedilatildeo de que as culturas natildeo brancas eram inferiores
no processo de escolarizaccedilatildeo se conectava a uma representaccedilatildeo negativa das camadas inferio-
res do estrato social onde se concentrou e ainda concentra a maior parte dos negros e descen-
dentes natildeo plenamente integrados a ordem capitalista no Brasil
Natildeo parece ser outra a razatildeo pela qual a Lei 106392003 representa uma espeacutecie
de diacutevida moral e eacutetica paga pelo estado brasileiro aos afro-brasileiros pois obrigar a inclusatildeo
da histoacuteria e cultura do negro nos curriacuteculos das escolas eacute uma decisatildeo justa e de paridade
Conhecer a histoacuteria e cultura afro-brasileira eacute fundamental para elevar o niacutevel de democratiza-
ccedilatildeo racial e isso natildeo se resume somente a identificar o negro no seu contexto mas sim em
valorizar a sua contribuiccedilatildeo e papel dentro da formaccedilatildeo sociocultural brasileira uma socieda-
de plurieacutetnica multicultural que ainda precisa avanccedilar em seus ideais democraacuteticos Nesse
sentido a lei 106392003 constitui uma ferramenta fundamental para fazer com que as pesso-
as repensem suas relaccedilotildees sociais eacutetnico-raciais procedimentos de ensino condiccedilotildees ofereci-
das para aprendizagem instruccedilotildees pedagoacutegicas coerentes e condizente com a realidade Desse
acircngulo o curriacuteculo ganha novos horizontes
Silva (2015) diz que se preocupar com a construccedilatildeo do curriacuteculo eacute uma questatildeo
social que precisa ser discutida publicamente visto que seus paracircmetros acabam por definir
qual tipo de sociedade se deseja atraveacutes da educaccedilatildeo Por essa vida ainda coloca-se em xe-
que algumas ldquoverdadesrdquo construiacutedas sobre a naturalidade e obviedade do curriacuteculo e passa-se
a ter uma visatildeo dele como um constructo social e poliacutetico Nesse sentido importa ressaltar
que toda sociedade deve se mobilizar para garantir o respeito independentemente de sua ori-
gem corraccedila ou religiatildeo As crianccedilas satildeo o futuro do Brasil eacute essencial que elas cresccedilam
absorvendo os significados de diferenccedila de igual de singularplural e que saibam que no
outro poderaacute haver umas dessas caracteriacutesticas mas que quando adulta teraacute o discernimento
de aceitar e respeitaacute-lo como ela eacute
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Vicentini (2009) em seus estudos demonstra que as escolas brasileiras encontram
dificuldades em reconhecer que muitos de seus alunos natildeo se enquadram no perfil determina-
do atraveacutes de uma concepccedilatildeo universal de cultura Por essa razatildeo torna-se necessaacuterio uma
revisatildeo conceitual e estrutural das loacutegicas de produccedilatildeo do saber e do conhecimento no espaccedilo
escolar a fim de oportunizar a valorizaccedilatildeo da diversidade cultural que eacute intriacutenseca agrave nossa
cultura natildeo deixando de valorizar as manifestaccedilotildees culturais da minoria Assim se faz neces-
saacuterio a superaccedilatildeo de uma educaccedilatildeo escolar deslumbrada apenas pela cultura da elite abrindo
espaccedilo para uma escola multiintercultural Em nossa perspectiva isso deve ser o principal
objetivo dos curriacuteculos escolares a garantia de que todos possam se expressar dando vez e
voz agraves diferenccedilas culturais independentemente do niacutevel social de cada indiviacuteduo
Eacute prudente afirmar que atraveacutes da educaccedilatildeo eacute possiacutevel realizar muitas transforma-
ccedilotildees principalmente levar as pessoas a aceitar a diversidade natildeo ter medo do desconhecido
pois no contexto humano tende-se a rejeitar o que natildeo conhecemos para tanto se faz necessaacute-
rio conhecer para poder aceitar Em face disto Silva (2015) nos alerta para a necessidade da
luta pela igualdade pois do contraacuterio a propagaccedilatildeo desenfreada da discriminaccedilatildeo pode levar
agrave situaccedilatildeo limite de instauraccedilatildeo de um conflito civil sem precedentes Poreacutem natildeo basta ape-
nas discutir a diversidade eacutetnico-racial em nosso paiacutes satildeo necessaacuterias accedilotildees concretas para
que o Brasil supere a persistecircncia e profundidade do preconceito racial
Neste sentido a afirmaccedilatildeo da educaccedilatildeo brasileira deve passar pelo debate a re-
formulaccedilatildeo do nosso curriacuteculo sendo ele eacute um dos principais propulsores das accedilotildees pedagoacute-
gicas Em particular cabe reconhecer que o curriacuteculo em voga ainda carrega consigo forte
hegemonia da loacutegica eurocecircntrica a qual sempre privilegiou os saberes e modos de compre-
ensatildeo ocidental e com isso o homem branco cristatildeo de elite marginalizando outras dimen-
sotildees eacutetnicas humanas e socioculturais (OLIVA 2003) Como jaacute mencionado poreacutem aqui
natildeo se trata somente de uma revisatildeo das bases interpretativas de nossa proacutepria cultura e da
maneira como se inscrevem no cotidiano A luta pela revisatildeo do curriacuteculo tambeacutem encontra
direta relaccedilatildeo com a ampliaccedilatildeo do universo de possibilidades para a populaccedilatildeo negra dado
que a escola deteacutem um papel importante no sistema de reproduccedilatildeo das posiccedilotildees sociais na
contemporaneidade (ALVES 2007)
40
13 As lutas para afirmaccedilatildeo da Cultura Afro-Brasileira
Eacute inegaacutevel na sociedade brasileira de hoje que o preconceito racial persiste seja
promovido de maneira dissimulada e privada seja assumindo dimensotildees puacuteblicas eou coleti-
vas Sem duacutevida a permanecircncia dessas formas de preconceito e discriminaccedilatildeo e a proacutepria
ausecircncia de identificaccedilatildeo do negro com os conteuacutedos formas e saberes culturais valorizados
no espaccedilo escolar constituem aspectos importantes para entender como os negros satildeo leva-
dos inclusive a se auto excluiacuterem Trata-se aqui de um processo muito eficiente de inculca-
ccedilatildeo da inferioridade de estranhamento reforccedilo da submissatildeo que desde as primeiras etapas
da escolarizaccedilatildeo ateacute os momentos finais incluir-se nos padrotildees de interaccedilatildeo nos conteuacutedos e
nas instituiccedilotildees Isto adquire particular relevacircncia quando se aborda a histoacuteria do Brasil
Neste sentido Silva (2015) nos mostra que a grande maioria da sociedade brasi-
leira conhece somente a histoacuteria da Aacutefrica e do negro que os livros didaacuteticos abordam onde a
ecircnfase principal recai quase que exclusivamente quando o tema eacute escravidatildeo no periacuteodo colo-
nial e imperial chegando ateacute a aboliccedilatildeo da escravidatildeo Passando esse periacuteodo histoacuterico na
praacutetica quase natildeo se aborda ou natildeo se destaca nada a respeito da populaccedilatildeo afro-brasileira
nos livros e perioacutedicos didaacuteticos Quando muito a cultura negra eacute colocada como uma espeacutecie
de plano de fundo das manifestaccedilotildees culturais brasileiras e sua contribuiccedilatildeo subsumida a in-
corporaccedilotildees seletivas na comida expressotildees vestuaacuterio etc Tudo ocorre como se ainda fosse
necessaacuterio escrever a histoacuteria da populaccedilatildeo negra retirando-a do papel de coadjuvante e cap-
tando sua agecircncia capacidade de resistecircncia e luta
Na praacutetica o que se deseja destacar eacute que todas as pessoas satildeo capazes de produ-
zir algo relevante para a sociedade independentemente de sua cultura corraccedila ou credo reli-
gioso Forquin (1993) por exemplo diz que a cultura eacute o conjunto de caracteriacutesticas da ma-
neira como o sujeito vive em sociedade em um grupo em comunidade devendo estas ser
respeitadas por todos
Vicentini (2009) por outro lado define a identidade cultural como uma constru-
ccedilatildeo histoacuterica ininterrupta sendo formada e transformada de maneira continua em detrimento
as formas que somos representadas e ilustrados pelos sistemas culturais que compartilhamos
Quando esse sistema vai se multiplicando nossa ldquoidentidade culturalrdquo eacute confrontada por ou-
tras identidades possiacuteveis onde satildeo verificadas a multiplicidade de combinaccedilotildees com as
quais poderiacuteamos nos identificar e aderir
41
Dado que a nossa situaccedilatildeo se encontra longe da ideal o combate agraves muacuteltiplas
formas de racismo e discriminaccedilatildeo tendeu a assumir rumos diversos Desde o esforccedilo para a
elaboraccedilatildeo de instrumentos juriacutedicos que garantissem direitos aos negros passando pela de-
mocratizaccedilatildeo do sistema poliacutetico ateacute a abertura de vagas no mercado de trabalho e a amplia-
ccedilatildeo do aceso agrave educaccedilatildeo e agrave cultura Em grande medida essas modificaccedilotildees encontram-se as-
sociadas ao papel do movimento negro cujas conquistas em acircmbito puacuteblico natildeo se restringem
simplesmente a essa causa sendo tambeacutem importantes para outros movimentos representati-
vos de minorias
Andrews citado por Alves (2007) demonstra em suas pesquisas que embora o
preconceito seja exercitado predominantemente de maneira opaca e dissimulada mesclando-
se por vezes com outros marcadores sociais a populaccedilatildeo negra eacute consciente de que o pre-
conceito racial existe Em nossa cultura o racismo e discriminaccedilotildees satildeo correntes no cotidia-
no e orientado principalmente pela classificaccedilatildeo associada aos atributos fiacutesicos fenotiacutepicos
O problema eacute que no nosso caso o preconceito estaacute fundamentalmente nos carac-
teres fiacutesicos A discriminaccedilatildeo ldquoculturalrdquo vem a reboque da fiacutesica pois os racistas acham que
ldquotudo que vem de negro de pretordquo ou eacute inferior ou eacute maleacutefico (religiatildeo ritmos haacutebitos etc)
(BENTES Apud MUNANGA 2005 p175)
Nesse ponto talvez seja necessaacuterio esclarecer que em meios cientiacuteficos a tese da
hierarquia entre as raccedilas8 constitui um subproduto largamente questionado cujas bases de
legitimidade foram destruiacutedas desde meados do seacuteculo XX Ateacute entatildeo predominava a visatildeo
de que haveria uma escala evolutiva entre as diferentes raccedilas e nessa reparticcedilatildeo os povos
negros os africanos estariam em posiccedilotildees mais inferiores e atrasadas Hoje ao contraacuterio
sabe-se que raccedila e racismo natildeo constituem mais a base da compreensatildeo cientiacutefica sobre a hu-
manidade poreacutem a questatildeo aqui eacute que essa interpretaccedilatildeo se inscreveu no proacuteprio funciona-
mento das instituiccedilotildees e nas bases interpretativas e classificatoacuterias da realidade Dessa pers-
pectiva ao falar-se em raccedila e racismo natildeo entra em pauta a sua discussatildeo em termos bioloacutegi-
cos mas sociais que envolvem a necessidade de construccedilatildeo de projetos poliacuteticos de modifica-
ccedilatildeo da realidade de desmistificaccedilatildeo de formas de classificaccedilatildeo e etiquetagem dos atores e
8 Raccedila eacute uma construccedilatildeo poliacutetica e social Eacute a categoria discursiva em torno da qual se organiza um sistema de
poder socioeconocircmico de exploraccedilatildeo e exclusatildeo ndash ou seja ndash o racismo Todavia como praacutetica discursiva o
racismo possui uma loacutegica proacutepria Tenta justificar as diferenccedilas sociais e culturais que legitimam a exclusatildeo
racial em termos de distinccedilotildees geneacuteticas e bioloacutegicas isto eacute na natureza (GOMES 2012 p730)
42
consequentemente de criacutetica sobre os efeitos desse processo sobre a consciecircncia autoestima
da populaccedilatildeo negra estatisticamente majoritaacuteria no Brasil (ALVES 2007)
Em parte essa revisatildeo se inscreve na proacutepria histoacuteria das Ciecircncias Sociais no Bra-
sil onde intelectuais de diversas procedecircncias e inscritos tanto em instituiccedilotildees cientiacuteficas -
Neves (2006 apud Alves 2007) cita por exemplo os intelectuais posicionados no Instituto de
Pesquisas de Cultura Negra (IPCN) com sede no Rio de Janeiro a Sociedade de Intercacircmbio
Brasil Aacutefrica (SINBA) a Sociedade de Estudo de Cultura Negra no Brasil (SECNEB) O
Grupo de Estudos Andreacute Rebouccedilas (GEAR) entre outros ndash como tambeacutem em Grupos Cultu-
rais de diversos matizes (no estado da Bahia existia o Grupo de Cultura Afro-Brasileira o
Grupo de Teatro Palmares) tem desempenhado um papel importante para a valorizaccedilatildeo da
cultura afro-brasileira Como veremos a seguir essas lutas compotildeem um quadro ainda mais
amplo de engajamentos os quais recolocaram na ordem do dia o tema das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais no espaccedilo escolar sem os quais sequer teriacuteamos condiccedilotildees como as atuais de colocar o
tema das relaccedilotildees eacutetnico-raciais no espaccedilo escolar
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CAPIacuteTULO 2 - RELACcedilOtildeES EacuteTNICO-RACIAIS lutas movimentos e reformas poliacuteti-
cas educacionais
Valeu Zumbi
O grito forte dos Palmares
Que correu terras ceacuteus e mares
Influenciando a Aboliccedilatildeo
Zumbi valeu
Hoje a Vila eacute Kizomba
Eacute batuque canto e danccedila
Jongo e Maracatu
Vem menininha pra danccedilar o Caxambu (bis)
Ocirc ocirc nega mina
Anastaacutecia natildeo se deixou escravizar
Ocirc ocirc Clementina
O pagode eacute o partido popular
Sacerdote ergue a taccedila
Convocando toda a massa
Nesse evento que com graccedila
Gente de todas as raccedilas
Numa mesma emoccedilatildeo
Esta Kizomba eacute nossa constituiccedilatildeo
Que magia
Reza ageum e Orixaacute
Tem a forccedila da Cultura
Tem a arte e a bravura
E um bom jogo de cintura
Faz valer seus ideais
E a beleza pura dos seus rituais
Vem a Lua de Luanda
Para iluminar a rua
Nossa sede eacute nossa sede
De que o Apartheid se destrua
(Rodolpho de Souza Jonas Rodrigues e Luiacutes Carlos da Vila 1988)
Muito embora distante de tornar realidade os movimentos de combate ao racismo as
frases de ordem o ativismo declarado de negros em todo paiacutes nas diferentes performances
intelectuais ou artiacutesticas contra a sociedade e seu sistema escravocrata velado foi que em
1988 ano que o Brasil comemorou o centenaacuterio da aboliccedilatildeo da escravatura a Unidos de Vila
Isabel9 levantou a Marquecircs de Sapucaiacute com o samba enredo ldquoKizomba a festa da raccedilardquo A
9 Grecircmio Recreativo Escola de Samba Unidos de Vila Isabel eacute uma das mais tradicionais escolas de samba da
cidade do Rio de Janeiro Foi campeatilde do Grupo Especial do Carnaval em 1988 2006 e 2013 Em seu brasatildeo haacute a
coroa da Princesa Isabel aonde figuram na parte de cima um resplendor com uma fita azul aonde se encontram
as iniciais da agremiaccedilatildeo (GRESUVI) e na parte de baixo se veem uma clave de sol um pandeiro e a pena de
Noel Rosa A Unidos de Vila Isabel foi fundada em 4 de abril de 1946 (Fonte wwwunidosdevilaisabelcombr)
44
composiccedilatildeo de Rodolpho de Souza Jonas Rodrigues e Luiacutes Carlos da Vila encantou a todos
numa simbiose de reafirmaccedilatildeo e pertencimento a cultura negra sendo decisiva para o tiacutetulo da
escola tornando-se ldquoinstantaneamente um claacutessico do carnaval brasileirordquo (SOUZA 2013
p 1)
Imagem 1- Desfile da Escola de Samba Unidos de Vila Isabel (1988)
Fonte httpwwwpedromigaocombrourodetolo2016011988-kizombaco-da-vila-isabel-e-quem-viu-viu
Acesso em 08 mar 2018
O Samba enredo marcado por um ritmo forte harmocircnico cadenciado envolvente e
convidativo bem proacuteximo das batidas dos atabaques de terreiros de candombleacutes e tantas ou-
tras manifestaccedilotildees da ancestralidade africana a muacutesica trazia uma poesia igualmente intensa
(SOUZA 2013) Jaacute Rezende destacou que a escola se apresentou ativamente transgressora
viva harmoniosa latente e sobretudo festiva agrave comunidade negra
[] posto que buscou desconstruir um dos mais caros mitos da histoacuteria ofici-al brasileira marcadamente ideologizada aquele que atribui agrave generosidade
da princesa Isabel todo o creacutedito e veneraccedilatildeo pelo fim da escravidatildeo no Bra-
sil acentuadamente transcritos nos livros didaacuteticos escolares e secularmente
transferidos para os curriacuteculos e propagada pelas escolas do paiacutes (REZEN-DE 2017 p 155)
Tomado como referecircncia para discutir as relaccedilotildees de Brasil e Aacutefrica num reencontro
que envolvia uma gama de acontecimentos atinentes agrave populaccedilatildeo negra que deram origem a
vaacuterios movimentos de reafirmaccedilatildeo da identidade africana pelo paiacutes Para tanto a referecircncia ao
enredo manifesto natildeo eacute destituiacuteda de relaccedilotildees com o que se discute neste trabalho A mensa-
45
gem que se tenta transmitir agrave populaccedilatildeo brasileira atraveacutes de estrofes e versos inscreve-se em
uma narrativa bem mais ampla de lutas formas de resistecircncia e tentativas de valorizaccedilatildeo do
legado e do patrimocircnio cultural afro-brasileiro Aliaacutes seria necessaacuterio recordar ainda que es-
taacutevamos aqui no ano de 1988 proacuteximos da comemoraccedilatildeo do centenaacuterio da aboliccedilatildeo da escra-
vatura o que constituiu uma oportunidade iacutempar para refletir sobre o processo de integraccedilatildeo
do negro na sociedade brasileira e sobre os efeitos das experiecircncias histoacutericas sobre o presen-
te
Com efeito a anaacutelise mais detalhada desse enredo permite por o manifesto uma dentre
outras formas de comunicar agrave sociedade brasileira sobre a importacircncia da cultura e da identi-
dade negra no paiacutes Isto eacute o que entra em questatildeo a partir de entatildeo satildeo as estrateacutegias adotadas
para ldquoevidenciar as inuacutemeras contribuiccedilotildees para a formaccedilatildeo da naccedilatildeo brasileira com seus
valores e patrimocircnios culturaisrdquo (SANTOS 2010 p 35)
Deste modo satildeo inegaacuteveis as reverberaccedilotildees que o ano de ldquo1988 trouxe [] sendo um
dos aportes para a refundaccedilatildeo do movimento negrordquo (RIOS 2012 p 44) Em boa medida a
ocasiatildeo foi tomada como oportunidade para operar uma criacutetica agraves narrativas consagradas so-
bre a naccedilatildeo e particularmente para demarcar um processo de reflexatildeo coletiva sobre o que
efetivamente deveria ser comemorado Por essa razatildeo o Movimento Negro organizou nesse
ano a marcha contra o racismo e a farsa da aboliccedilatildeo manifestaccedilatildeo que ocorreu no Rio de Ja-
neiro no dia 11 de Maio de 1988 centro da capital carioca
O centenaacuterio da Aboliccedilatildeo em 1988 entrou para a histoacuteria do movimento negro como o
segundo marco nacional da luta antirracista contemporacircneo a onda de manifestaccedilotildees que
questionou a data comemorativa de 13 (treze) de Maio possuiu maior alcance seja porque se
tratava de momento simboacutelico para a naccedilatildeo seja porque foi realizada nas proximidades da
campanha pela reforma constitucional Natildeo era para menos ldquotratava-se de uma oportunidade
poliacutetica francamente aberta para a consolidaccedilatildeo do movimento negro na cena poliacutetica nacio-
nalrdquo (RIOS 2012 p 51)
De acordo com Oliveira (2016) movimento negro refere-se aos diferentes coletivos de
pessoas organizadas na diaacutespora africana com vista criar experiecircncias de poder
Quando falamos em movimento negro nos referimos a coletivos de pessoas que se sentem comprometidos e se organizam nas vaacuterias partes do mundo
onde se deu a diaacutespora africana nas Ameacutericas na Aacutesia na Europa na Oce-
ania e na proacutepria Aacutefrica (na diaacutespora interna) para lutar e criar uma nova situaccedilatildeo de poder em que osas negrosas sejam reconhecidosas e respeita-
dosas como portadores de uma tradiccedilatildeo proacutepria com seus proacuteprios valores
46
civilizatoacuterios herdados dos seus antepassados E que sejam incluiacutedos natildeo
somente na base produtiva dessas sociedades mas tambeacutem na condiccedilatildeo de dirigentes do desenvolvimento social poliacutetico econocircmico e cultural em seus
paiacuteses (OLIVEIRA 2016 p 9 grifo nosso)
Em face disto muito ainda se discute a repercussatildeo que a marcha contra o racismo te-
ve para suscitar algumas discussotildees vez que destacaram para a sociedade brasileira o estado
precaacuterio e socialmente vulneraacutevel de parte da populaccedilatildeo negra
A partir de entatildeo a atuaccedilatildeo poliacutetica de negros parece ter adquirido novo focirclego levan-
tando questotildees natildeo apenas de redistribuiccedilatildeo socioeconocircmica como tambeacutem concernente agrave
bandeira das lutas por reconhecimento e direitos sociais poliacuteticos e civis Assim a combina-
ccedilatildeo dessas lutas foi capaz de produzir efeitos natildeo somente sobre o Estado como tambeacutem in-
terpelou ao proacuteprio movimento agrave esquerda e a populaccedilatildeo brasileira de um modo geral
Eacute na deacutecada de 80 no seacuteculo XX durante o processo de abertura poliacutetica e
redemocratizaccedilatildeo da sociedade que assistimos uma nova forma de atuaccedilatildeo
poliacutetica dos negros e negras brasileiros Estes passaram a atuar ativamente por meio dos novos movimentos sociais sobretudo os de caraacuteter identitaacuterio
trazendo outro conjunto de problematizaccedilatildeo e novas formas de atuaccedilatildeo e
reinvindicaccedilatildeo poliacutetica O Movimento Negro indaga a exclusividade do en-
foque sobre a classe social presente nas reivindicaccedilotildees e denuacutencias da luta dos movimentos sociais da eacutepoca As suas reivindicaccedilotildees assumem um caraacute-
ter muito mais profundo indagam o Estado a esquerda brasileira e os mo-
vimentos sociais sobre o seu posicionamento neutro e omisso diante da cen-tralidade da raccedila na formaccedilatildeo do paiacutes (GOMES 2010 p 2-3)
A tentativa de construccedilatildeo de uma visatildeo mais positiva da identidade negra requisitou
no entanto uma ampliaccedilatildeo do repertoacuterio de atuaccedilatildeo ateacute entatildeo empregado De uma militacircncia
que era mais artiacutestica intelectual cultural e ateacute mesmo microscoacutepica passamos para o quadro
da criaccedilatildeo de um efetivo grupo de pressatildeo que procurou sentar a mesa para elaboraccedilatildeo de
textos legais que dessem expressatildeo e garantias agraves lutas e bandeiras levantadas Foi assim por
exemplo no contexto de formulaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 quando o movimento
negro participou ativamente da discussatildeo de propostas apesar de que
[] natildeo incluiacuteram de fato as reivindicaccedilotildees desse movimento em prol da
educaccedilatildeo Os debates em torno da questatildeo racial realizados entre o Movi-
mento Negro e os parlamentares revelam um processo de esvaziamento do conteuacutedo poliacutetico das reivindicaccedilotildees (RODRIGUES apud GOMES 2011 p
5)
A despeito de que natildeo tenha havido um direcionamento concreto agraves diversas demandas
apresentadas pelo movimento essas iniciativas davam mostras da organicidade e fortaleciam
as condiccedilotildees de coalizatildeo interna bem como a identificaccedilatildeo de canais para encaminhamento
de demandas ao Estado
47
Outra demonstraccedilatildeo puacuteblica da capacidade de mobilizaccedilatildeo e organizaccedilatildeo do movi-
mento foi agrave comemoraccedilatildeo do tricentenaacuterio da morte de Negro Zumbi reunindo aproximada-
mente 30 mil pessoas nas ruas de Brasiacutelia
Bakke (2011) diz que
[] em 1995 por ocasiatildeo das comemoraccedilotildees dos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares os movimentos sociais negros realizaram uma marcha
a Marcha dos 300 anos de Zumbi dos Palmares ateacute Brasiacutelia onde entregaram
uma reivindicaccedilatildeo por poliacuteticas puacuteblicas de accedilotildees afirmativas ao entatildeo presi-
dente da repuacuteblica Fernando Henrique Cardoso Nessa comemoraccedilatildeo o pre-sidente fez um discurso no qual pela primeira vez o Estado brasileiro reco-
nhecia oficialmente a existecircncia do racismo mudando o posicionamento ateacute
entatildeo adotado sem grandes alteraccedilotildees dede a deacutecada de 1930 No ano se-guinte a luta dos movimentos sociais negros tambeacutem aparece na promulga-
ccedilatildeo da Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo (LDB) que reafirma a orienta-
ccedilatildeo de que os curriacuteculos escolares deveriam tratar da participaccedilatildeo dos negros
e indiacutegenas na formaccedilatildeo da sociedade brasileira (BAKKE 2011 p 9)
Assim as poliacuteticas puacuteblicas afirmativas foram ganhando cena a niacutevel do Estado brasi-
leiro Na deacutecada de 90 do Seacutec XX o movimento negro realiza outra marcha e com frases de
efeitos ldquoReaja agrave violecircncia racialrdquo ldquoNegro tambeacutem quer poderrdquo ldquoPalmares Zumbi Assim
eu resistirdquo ldquoQueremos escola queremos empregordquo ldquoZumbi vive Racismo natildeordquo (RIOS
2012 p 56) a multidatildeo que movimentou Brasiacutelia no Dia 20 de Novembro de 1995 represen-
tava uma massa significativa da populaccedilatildeo brasileira que clamava por justiccedila social As rei-
vindicaccedilotildees concatenadas priorizam o acesso agrave educaccedilatildeo como forma de colaborar para a as-
censatildeo social do negro A partir da Marcha Zumbi dos Palmares as questotildees eacutetnico-raciais
brasileiras entraram em pauta em diferentes niacuteveis governamentais e sociais (DUARTE
2008 p 5)
Imagem 2 - Marcha Zumbi dos PalmaresBrasiacutelia 20 de novembro de 1995
Fonte httpwwwafropresscompostaspid=18405 Acesso em 08032019
48
O objetivo dessa marcha era apresentar ao governo brasileiro o reconhecimento
das injusticcedilas histoacutericas sofridas por esses brasileiros principalmente a falta de acesso agraves poliacute-
ticas afirmativas bem como a criaccedilatildeo de um nuacutecleo de debates que problematizassem ques-
totildees atinentes ao negro no paiacutes Em resposta o Presidente Fernando Henrique Cardoso
(19952003) criou o Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorizaccedilatildeo da Populaccedilatildeo Ne-
gra (GTI Populaccedilatildeo Negra) O movimento havia conseguido influenciar os rumos da luta con-
tra o racismo no paiacutes A data foi fundamental e abriu caminho para a formulaccedilatildeo posterior
das poliacuteticas de accedilotildees afirmativas no Brasil (GELEDEacuteS 2016) Por accedilotildees afirmativas deve-se
compreender que
[] satildeo medidas que buscam o fim de uma seacuterie de desigualdades que foram
sendo produzidas reproduzidas e acumuladas ao longo da histoacuteria humana bem como pretendem compensar as inuacutemeras perdas provocadas pela exclu-
satildeo social discriminaccedilatildeo e marginalizaccedilatildeo dentre outras accedilotildees oriundas do
julgamento por motivos raciais eacutetnicos religiosos de gecircnero Assim a in-
tenccedilatildeo das accedilotildees afirmativas gira em torno da busca por garantir igualdade de oportunidade e tratamento agraves minorias funcionando como primeiro passo
para a inclusatildeo destes nas esferas sociais das quais natildeo fazem parte (SE-
CAD MEC2006 p 26)
Eacute valido ressaltar por outro lado que mesmo em um contexto de marcada nega-
ccedilatildeo de direitos agrave populaccedilatildeo negra a militacircncia procurou sempre atuar em diferentes frentes de
mobilizaccedilatildeo Seja atraveacutes de jornais seja atraveacutes de iniciativas propriamente educacionais
progressivamente foi se constituindo um corpo de agentes dotados de competecircncias e saberes
cruciais para atuar de maneira eficiente junto ao Estado Em torno desse pensamento inuacuteme-
ras accedilotildees de mobilizaccedilatildeo foram realizadas com a finalidade de aproximar agrave populaccedilatildeo negra
para as negociaccedilotildees que tratariam de accedilotildees que levariam o negro para o centro das decisotildees
no uacuteltimo quartel do seacuteculo XX Por exemplo a imprensa brasileira foi intensamente utilizada
como instrumento de suas campanhas Aleacutem disso setores da Frente Negra Brasileira (FNB)
criaram salas de aula de alfabetizaccedilatildeo para os trabalhadores e trabalhadoras negras em diver-
sas localidades (GONCcedilALVES 2000)
[] Nesta trajetoacuteria destacam-se as experiecircncias do Movimento Negro Uni-
ficado (MNU) a partir do fim da deacutecada de 1970 - e seus desdobramentos com a poliacutetica antirracista nas deacutecadas de 1980 e 1990 com conquistas sin-
gulares nos espaccedilos puacuteblicos e privados - das frentes abertas pelo Movimen-
to de Mulheres Negras e do embate poliacutetico impulsionado pelas Comunida-
des Negras Quilombolas Ou seja no percurso trilhado pelo Movimento Ne-gro Brasileiro a educaccedilatildeo sempre foi tratada como instrumento de grande
valia para a promoccedilatildeo das demandas da populaccedilatildeo negra e o combate agraves de-
sigualdades sociais e raciais (SECADMEC 2006 p18 19)
49
Coerentemente com suas reivindicaccedilotildees e propostas histoacutericas que decorrem desde as
ldquomanifestaccedilotildees mais reservadas por conta do sistema ditatorial ateacute as primeiras manifestaccedilotildees
de ruas que ganharam bastante notoriedade com a redemocratizaccedilatildeo do paiacutesrdquo (RIOS 2012 p
52) a lutas empreendidas pelo Movimento Negro tecircm possibilitado ao Estado brasileiro pro-
mover poliacuteticas e programas para a populaccedilatildeo afro-brasileira e valorizar a histoacuteria e a cultura
do povo negro (GOMES 2010 SECADMEC 2006)
Outro componente importante dessa luta que deve ser mencionado diz respeito agrave III
Conferecircncia Mundial contra o racismo a discriminaccedilatildeo a xenofobia e formas correlatas de
intoleracircncia ocorrida em 2001 na cidade de Durban Aacutefrica do Sul De maneira geral somen-
te depois dessa conferecircncia que a adoccedilatildeo de poliacuteticas afirmativas entrou para a agenda poliacutetica
internacional Para o Brasil esse evento foi de grande importacircncia como destaca Munanga
(2015)
Depois da Conferecircncia de Durban o Brasil oficial engajou-se como natildeo se vira antes na busca dos caminhos para a execuccedilatildeo da Declaraccedilatildeo dessa Con-
ferecircncia da qual foi um dos paiacuteses signataacuterios A declaraccedilatildeo previa a imple-
mentaccedilatildeo das poliacuteticas de accedilatildeo afirmativa inclusive as cotas em benefiacutecio
dos negros iacutendios e outras chamadas minorias As polecircmicas e controveacutersias a respeito dessas poliacuteticas satildeo indicadores das realidades de uma sociedade
que ainda vive entre o mito e os fatos ou melhor que confunde o mito e os
fatos ou seja onde o mito funciona como verdadeira realidade (MUNAN-GA 2015 p 137)
Com efeito a instituiccedilatildeo da Lei 1063903 que foi confirmada e ampliada pela lei
116452008 constituiacuteram demonstraccedilotildees concretas de compromisso do Estado Brasileiro com
a questatildeo muito embora sua implementaccedilatildeo ainda seja insuficiente como seraacute exposto mais
adiante Segue abaixo os objetivos da lei 1063903
Lei Nordm 106392003 Altera a Lei nordm 9394 de 20 de dezembro de 1996 que estabelece as diretri-
zes e bases da educaccedilatildeo nacional para incluir no curriacuteculo oficial da Rede de
Ensino a obrigatoriedade da temaacutetica ldquoHistoacuteria e Cultura Afro-Brasileirardquo E
daacute outras providecircncias O PRESIDENTE DA REPUacuteBLICA Faccedilo saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei
Art 1ordm - A Lei no 9394 de 20 de dezembro de 1996 passa a vigorar acres-
cida dos seguintes arts 26-A 79-A e 79-B Art 26-A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e
particulares torna-se obrigatoacuterio o ensino sobre Histoacuteria e Cultura Afro-
Brasileira sect 1ordm O conteuacutedo programaacutetico a que se refere o caput deste artigo incluiraacute o
estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dos Africanos a luta dos negros no Brasil a
cultura negra brasileira e o negro na formaccedilatildeo da sociedade nacional resga-
tando a contribuiccedilatildeo do povo negro nas aacutereas social econocircmica e poliacutetica pertinente agrave Histoacuteria do Brasil
50
sect 2ordm Os conteuacutedos referentes agrave Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira seratildeo mi-
nistrados no acircmbito de todo o curriacuteculo escolar em especial nas aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica e de Literatura e Histoacuteria Brasileira
sect ldquo3ordm - (Vetado)rdquo ldquoArt 79-A - (Vetado)rdquo ldquoArt 79-B - O calendaacuterio escolar
incluiraacute o dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciecircncia Negrardquo Art 2ordm - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicaccedilatildeo
(Brasiacutelia 9 de janeiro de 2003 182ordm da Independecircncia e 115ordm da Repuacuteblica
LUIZ INAacuteCIO LULA DA SILVA Cristoacutevan Ricardo Cavalcanti Buarque (BRASIL DOU 10 de jan de 2003)
Diante da publicaccedilatildeo de tal legislaccedilatildeo o Conselho Nacional de Educaccedilatildeo aprovou o
Parecer CNECP 32004 que institui as Diretrizes Curriculares para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees
Eacutetnico-Raciais e o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas a serem executa-
das pelos estabelecimentos de ensino de diferentes niacuteveis e modalidades cabendo aos siste-
mas de ensino orientar e promover a formaccedilatildeo de professores e professoras e supervisionar o
cumprimento das Diretrizes Curriculares Nacionais Pode-se compreender segundo esse do-
cumento que relaccedilotildees eacutetnico-raciais satildeo aquelas criadas por sujeitos de diferentes grupos par-
tindo de ideias conceitos e informaccedilotildees sobre as diferenccedilas raciais percebendo suas seme-
lhanccedilas criando desta forma um sentimento de pertencimento racial
Com efeito esse debate culminou em diversas propostas de implementaccedilatildeo de accedilotildees
para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais conforme suscitado pela Secretaria de Educa-
ccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SECADMEC) Estas propostas assumiriam o
rol de orientaccedilotildees para a implementaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais com abrangecircncia em to-
dos os niacuteveis de ensino nas instituiccedilotildees puacuteblicas e particulares do territoacuterio nacional Entre os
diferentes princiacutepios que presidiram a produccedilatildeo desses documentos vale destacar os seguin-
tes
Socializaccedilatildeo e visibilidade da cultura negro-africana
Formaccedilatildeo de professores com vistas agrave sensibilizaccedilatildeo e agrave construccedilatildeo de es-trateacutegias para melhor equacionar questotildees ligadas ao combate agraves discri-
minaccedilotildees racial de gecircnero e agrave homofobia
Construccedilatildeo de material didaacutetico-pedagoacutegico que contemple a diversidade
eacutetnico-racial na escola Valorizaccedilatildeo dos diversos saberes
Valorizaccedilatildeo das identidades presentes nas escolas sem deixar de lado esse
esforccedilo nos momentos de festas e comemoraccedilotildees (SECADMEC 2006 p 24)
Seja como for muito embora a Lei tenha vindo como um ajuste de contas ela natildeo teve
o dinamismo das lutas realizadas para sua implementaccedilatildeo No estado do Maranhatildeo por
exemplo que apresenta o terceiro maior percentual de residentes autodeclarados como negros
51
(perde apenas para o Paraacute e a Bahia) as poliacuteticas de afirmaccedilatildeo voltadas para a populaccedilatildeo
afrodescendentes ainda natildeo foram desenvolvidas tatildeo sistematicamente quanto se esperava
O Plano Estadual de Educaccedilatildeo (PEE) que eacute uma exigecircncia federal eacute pouco
conhecido pelos professores da rede estadual e embora traga um diagnoacutestico
realista com base nesses indicadores educacionais e destaque nas metas e estrateacutegias formas de reparar essa realidade natildeo eacute utilizado na praacutetica Esse
plano foi construiacutedo pelo Foacuterum Estadual de Educaccedilatildeo atraveacutes de vinte con-
ferecircncias intermunicipais e aprovadas no governo de Roseana Sarney atra-
veacutes da Lei nordm 10099 de 11 de junho de 2014 (SANTOS 2018 p)
Apesar disso o governo do Estado em conjunto com intelectuais autoridades e pes-
quisadores tem tentado implementar o Plano Estadual de Poliacutetica de Promoccedilatildeo da Igualdade
Eacutetnico-Racial (2006) bem como promovido conferecircncias com regularidade para debater so-
bre a promoccedilatildeo de iniciativas voltadas agrave populaccedilatildeo negra do Estado
Como em todo o resto no entanto se de um lado convivemos com avanccedilos significa-
tivos no plano legal a verdade concreta eacute que no plano do cotidiano escolar ainda convivemos
com uma inclusatildeo muito limitada a momentos estanques comemorativos e com teor folcloacuteri-
co estando muito aqueacutem de uma inserccedilatildeo interdisciplinar como preconizado pelo texto legal
Sob a perspectiva assumida neste trabalho a valorizaccedilatildeo do respeito agrave diferenccedila que estaacute na
base do multiculturalismo teve evidentes vitorias no campo das poliacuteticas puacuteblicas no Brasil e
na Ameacuterica Latina Ocorre que quando observamos o cotidiano das instituiccedilotildees e estudamos
as culturas escolares especiacuteficas percebemos que elas ainda reproduzem as formas escolares
hegemocircnicas que satildeo atravessadas por uma concepccedilatildeo que naturaliza a desigualdade as hie-
rarquias e as concepccedilotildees racializada da realidade
Nesse sentido
Espera-se que ao longo dos anos o caraacuteter emergencial dessa medida de
accedilatildeo afirmativa decirc lugar ao seu total enraizamento enquanto lei nacional a ponto de passar a fazer parte do imaginaacuterio pedagoacutegico e da poliacutetica educa-
cional brasileira e natildeo mais ser vista como uma legislaccedilatildeo especiacutefica Nesse
caso entendida como Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional a Lei nordm 1063903 poderaacute garantir aquilo que os defensores das accedilotildees afirmativas
pleiteiam ou melhor que as poliacuteticas universais brasileiras incluam e garan-
tam de forma expliacutecita o direito agrave diferenccedila (GOMES 2010 p 21)
Atento ao quadro sob observaccedilatildeo que combina deficiecircncias estruturais carecircncias de
materiais especializados obstaacuteculos decorrentes da proacutepria formaccedilatildeo dos professores e as
resistecircncias oriundas do acircmbito propriamente escolar ndash cada vez mais atravessado por uma
accedilatildeo ostensiva das igrejas evangeacutelicas notadamente ndash concebemos este trabalho como uma
52
singela contribuiccedilatildeo para melhoria desse quadro cuja razatildeo de ser deriva do engajamento do
autor desse trabalho como pessoa e profissional no espaccedilo em pauta
53
CAPIacuteTULO 3- DA ESCOLA PARA OS TERREIROS normas experiecircncias e percep-
ccedilotildees sobre as religiotildees afro-brasileiras
Este capiacutetulo assume uma dimensatildeo muito mais diagnoacutestica sobre o funcionamento da
cultura escolar em pauta A comeccedilar pelo fato de tentar discuti-la a partir da descriccedilatildeo dos
paracircmetros e normas que moldam o curriacuteculo com atenccedilatildeo particular aos significados e desa-
fios da implementaccedilatildeo da Lei 1063903 Ocorre que a exploraccedilatildeo dessa cultura escolar requi-
sita ainda que efetuemos uma caracterizaccedilatildeo mais detalhada do espaccedilo de anaacutelise da estrutura
do estabelecimento escolar e tambeacutem das percepccedilotildees que seus atores tecircm a respeito da inclu-
satildeo de temas relacionada agrave histoacuteria cultura e religiosidade africana e afro-brasileira no espaccedilo
escolar Neste caso recorremos tanto agrave aplicaccedilatildeo de questionaacuterios estruturados com alunos e
professores (disponiacuteveis nos anexos da dissertaccedilatildeo) como tambeacutem estabelecemos diaacutelogo
com docentes atuais e que jaacute passaram pela instituiccedilatildeo para entendermos como eles percebe
(ia)m a relaccedilatildeo entre a escola e os terreiros O tiacutetulo do capiacutetulo da escola para os terreiros
representa pois a tentativa de compreender como na escola em estudo para anaacutelise com a
proximidade geograacutefica e relacional com os diversos terreiros do entorno eacute pensada concebi-
da e que iniciativas foram executadas ao longo do processo
Como seraacute visto a despeito de haver resistecircncias e ateacute mesmo certo despreparo teacutecnico
os tracircnsitos de agentes os ajustes de loacutegicas e as negociaccedilotildees satildeo antigos o que levanta o
problema das ineacutercias educativas para coordenaccedilatildeo desse processo Por essa razatildeo na uacuteltima
parte do capiacutetulo exploramos a experiecircncia de realizaccedilatildeo de oficinas que ministramos na esco-
la e que estiveram na base da produccedilatildeo do material didaacutetico que acompanha a presente disser-
taccedilatildeo
31 As mutaccedilotildees no curriacuteculo e o desafio de implementaccedilatildeo da Lei 106392003
O papel fundamental da educaccedilatildeo no desenvolvimento das pessoas e das so-
ciedades amplia-se ainda mais no despertar do novo milecircnio e aponta para
a necessidade de se construir uma escola voltada para a formaccedilatildeo de cida-
datildeos Vivemos numa era marcada pela competiccedilatildeo e pela excelecircncia em que progressos cientiacuteficos e avanccedilos tecnoloacutegicos definem exigecircncias novas
para os jovens que ingressaratildeo no mundo do trabalho ldquoTal demanda impotildee
uma revisatildeo dos curriacuteculos que orientam o trabalho cotidianamente reali-zado pelos professores e especialistas em educaccedilatildeo do nosso paiacutesrdquo
(Paulo Renato Souza Ministro da Educaccedilatildeo e do Desporto PCNrsquos 1998
p 5)
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As escolas brasileiras ao longo da sua construccedilatildeo vecircm debatendo sobre o curriacuteculo no
que se refere agrave distribuiccedilatildeo de conteuacutedos sobretudo com questotildees que englobam a temaacutetica
do respeito agraves diferenccedilas dentro do espaccedilo escolar Como pudemos demonstrar no capiacutetulo
anterior essa discussatildeo natildeo eacute recente e resulta em grande medida da atuaccedilatildeo importantiacutessi-
ma do movimento negro
Nessa perspectiva para manter uma estrutura de ensino minimamente aproximada das
verdadeiras aspiraccedilotildees da educaccedilatildeo as escolas devem se basear em propostas que orientem
efetivamente para o exerciacutecio da cidadania e estejam adaptadas agraves peculiaridades do contexto
em pauta conforme orientam os Paracircmetros Curriculares Nacionais que satildeo
[] diretrizes elaboradas com o objetivo principal de orientar os educadores por
meio da normatizaccedilatildeo de alguns fatores fundamentais concernentes a cada discipli-na [] no exerciacutecio da cidadania Embora natildeo sejam obrigatoacuterios os PCNrsquos ser-
vem como norteadores para professores coordenadores e diretores que podem
adaptaacute-los agraves peculiaridades locais [] para a transformaccedilatildeo de objetivos conteuacute-
dos e didaacutetica do ensino (BRASIL PCNrsquos 1998 p 11 grifo nosso)
Com o objetivo de apresentar instrumentos mencionamos os paracircmetros na visatildeo de
um professor da rede municipal de Ensino de Cururupu- MA Para o docente
Paracircmetros satildeo orientaccedilotildees para os professores seguirem na medida em que desenvolvem atividades em sala de aula com o objetivo de propiciar um en-
sino moderadamente eficaz apesar de que isso natildeo seja colocado em praacutetica
(Professor Edivaldo Rodrigues julho de 2018) 10
Conceitualmente os paracircmetros orientam praacuteticas de ensino das disciplinas e aborda-
gens de seus conteuacutedos com o objetivo de aprimorar habilidades e competecircncias no corpo
discente No que tange ao Ensino de Histoacuteria prescreve orientaccedilotildees para que a escola apren-
da a reconhecer e valorizar a ldquopluralidade do patrimocircnio sociocultural brasileirordquo e ao mes-
mo tempo conhecer tambeacutem os ldquoaspectos socioculturais de outros povos posicionando-se
contra qualquer discriminaccedilatildeo []rdquo (OLIVA 2009 p 145)
Desse modo esses documentos objetivam orientar o professor quanto agrave necessidade de
trabalhar a diversidade presente na escola os elementos que a formatam a pluralidade de sa-
beres existentes nos grupos Eacute interessante observar o descompasso entre aquilo que eacute apre-
sentado nos documentos legais geralmente trabalhados de maneira superficial ou para preen-
cher determinados rituais pedagoacutegicos (SANTOS 2015) e as formas praacuteticas de exerciacutecio nas
diferentes configuraccedilotildees escolares Quando se observa de maneira mais aproximada o cotidi-
ano escolar ainda tendo em vista o descompasso supramencionado o que se percebe eacute que
10 Edivaldo Rodrigues professor da Rede Municipal de Ensino de Cururupu trabalha com a disciplina Liacutengua
Portuguesa na Unidade Integrada Herculana Vieira I
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mesmo naqueles casos em que haacute um esforccedilo para aplicaccedilatildeo de novas praacuteticas pedagoacutegicas
ocorrem vaacuterios problemas sejam eles oriundos da formaccedilatildeo da disposiccedilatildeo dos profissionais
ou ateacute mesmo do caraacuteter meramente pragmaacutetico e superficial como que essas diretrizes satildeo
implementadas
O professor eacute o principal agente de transmissatildeo dos conhecimentos dentro da sala de
aula dessa maneira merece atenccedilatildeo especial quanto a novos conteuacutedos a serem repassados
aos alunos No que se refere agrave Cultura Afro-Brasileira esse cuidado deve ser ainda maior
pois se torna essencial que o educador compreenda as implicaccedilotildees propriamente poliacuteticas que
perpassam o processo de ensino-aprendizagem Sem duacutevida essa decisatildeo estaacute no princiacutepio de
sua atuaccedilatildeo pedagoacutegica e tende a refletir-se sobre a maneira como a desigualdade e injusticcedila
social satildeo tratadas dentro da escola No cotidiano escolar eacute fundamental que a educaccedilatildeo seja
antirracista visando agrave erradicaccedilatildeo das discriminaccedilotildees dos preconceitos e de tratamentos dife-
renciados Ocorre que o espaccedilo escolar ainda continua repassando ideias e estereoacutetipos pre-
concebidos independente da forma de disseminaccedilatildeo (material didaacutetico e de apoio meio de
comunicaccedilatildeo corpo docente e discente dentre outros) Essas manifestaccedilotildees devem ser criti-
cadas com fervor e principalmente banidas do meio social dado que se conectam a manuten-
ccedilatildeo do preconceito e de comportamentos discriminatoacuterios que reforccedilam a desigualdade social
como menciona Cavalleiro (2001)
[] na educaccedilatildeo nem sempre os agentes estatildeo conscientes de que a manu-
tenccedilatildeo dos preconceitos seja um problema Dessa forma interiorizamos ati-
tudes e comportamentos discriminatoacuterios que passam a fazer parte do nosso
cotidiano mantendo eou disseminando as desigualdades sociais (CA-
VALLEIRO 2001 p 152)
A praacutetica pedagoacutegica nesse sentido precisa ser eminentemente poliacutetica e consciente
do seu papel central no combate ao racismo ao preconceito agrave discriminaccedilatildeo e agraves demais ma-
neiras de classificaccedilatildeo social negativa Sob nossa perspectiva o cotidiano escolar pode ser um
meio eficiente de dispersatildeo ou dissipaccedilatildeo de atos preconceituosos Portanto quando se assu-
me uma postura contraacuteria agrave desigualdade e segue-se rumo agrave visatildeo de paridade entre as pesso-
as compreende-se que a escola tambeacutem tem esse papel pois eacute um aparelho ideoloacutegico efici-
ente na formaccedilatildeo social (ALVES 2007)
Nesse sentido cabe a todos os integrantes da escola - professores apoio pedagoacutegico
diretores funcionaacuterios comunidade - colocarem em exerciacutecio as determinaccedilotildees da Lei ndeg
106392003 concernentes agrave Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africana Dessa maneira o
professor deve estar sempre atento aos conteuacutedos que devem ser ensinados sobre a cultura
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afro-brasileira precisando pesquisar e implementar o que determina os Paracircmetros Curricula-
res Nacionais Evidentemente isto se conecta a uma percepccedilatildeo renovada do curriacuteculo enten-
dido como meio para a construccedilatildeo de identidade e valorizaccedilatildeo da dignidade e diferenccedila
Segundo Antocircnio Flaacutevio Barbosa Moreira e Vera Maria Candau(2007)
[] O curriacuteculo representa assim um conjunto de praacuteticas que propiciam a produccedilatildeo a circulaccedilatildeo e o consumo de significados no espaccedilo social e que
contribuem intensamente para a construccedilatildeo de identidades sociais e cultu-
rais O curriacuteculo eacute por consequecircncia um dispositivo de grande efeito no
processo de construccedilatildeo da identidade do (a) estudante (CANDAU MO-REIRA 2006 p 28)
O curriacuteculo como criaccedilatildeo simboacutelica no fazer pedagoacutegico permeia as atividades de
criaccedilatildeo recriaccedilatildeo contestaccedilatildeo e transgressatildeo dos saberes possibilitando significados e nego-
ciaccedilotildees De acordo com Medeiros (2017 p 41) ldquoO curriacuteculo como hoje se apresenta remonta
em certa medida agraves deacutecadas de 1920 e 1930 periacuteodo de eminentes mudanccedilas culturais no
Brasil sobretudo transformaccedilotildees econocircmicas e poliacuteticas
Nesse cenaacuterio em que debates acalorados sobre a educaccedilatildeo ocorriam em diferentes
espaccedilos fortes influecircncias dos Estados Unidos e da Europa foram basilares para a construccedilatildeo
de pautas que debatessem o curriacuteculo como proposta passiacutevel de mudanccedilas Autores ligados
ao pragmatismo e a Escola Nova lanccedilaram propostas que debatiam sobre o curriacuteculo e os con-
teuacutedos como forma de pensar uma educaccedilatildeo mais acessiacutevel tanto em termos de acesso fiacutesi-
co como na redistribuiccedilatildeo de temas a serem trabalhados em sala de aula (PACHECO 2005)
Eacute vaacutelido ressaltar que as primeiras publicaccedilotildees no Brasil referentes ao curriacuteculo satildeo
realizadas entre as deacutecadas de 1950 e 1960 tendo autores como Joatildeo Roberto Moreira e Ma-
rina Couto Entre as deacutecadas de 1970 e 1980 surgem representantes no cenaacuterio nacional com
pensamento voltado para o tecnicismo e pensadores como Baacuterbara Freitag e Luiz Antocircnio
Cunha que apresentavam um pensamento criacutetico (MEDEIROS 2017) Soma-se a esse grupo
ainda um conjunto de outros intelectuais que defendiam uma construccedilatildeo do curriacuteculo atenta agrave
realidade escolar baseando-se na realidade social dos seus estudantes como visto nas pers-
pectivas pedagoacutegicas e propostas de teoacutericos da pedagogia como Paulo Freire (1996) e De-
merval Saviani (1999)
A despeito disso como demonstra Nilma Lino Gomes (2012) ao comentar sobre
a histoacuteria do curriacuteculo e da descolonizaccedilatildeo ainda eacute necessaacuterio lidar com um curriacuteculo ainda
formulado com base em padrotildees eurocecircntricos e a proacutepria formaccedilatildeo dos professores constitui
outro entrave para esse processo de superaccedilatildeo Como tambeacutem ressalta Aacutevila
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[] uma das razotildees que se constata eacute a organizaccedilatildeo curricular dos cursos de
formaccedilatildeo de docentes o que vimos satildeo curriacuteculos ainda muito teacutecnicos que natildeo favorecem nem preparam o professor para a valorizaccedilatildeo plural da cultu-
ra Os curriacuteculos estatildeo ligados e refletem o que preconizam as camadas do-
minantes da sociedade que congelam as identidades e reproduzem a desi-gualdade social (AacuteVILA 2010 p 46)
Nesse quadro sem duacutevida a implementaccedilatildeo da Lei ndeg 106392003 pode ser lida como
uma conquista concreta realizada ao longo de anos e por intermeacutedio de vaacuterios atores individu-
ais e coletivos para valorizaccedilatildeo da cultura afro-brasileira em meios escolares De um ponto de
vista praacutetico contribui para ldquoconstruccedilatildeo e viabilizaccedilatildeo de novos acordos sociais por meio do
qual a valorizaccedilatildeo formal da cultura negra eacute reconhecida como uma das matrizes da sociedade
brasileirardquo (BAKKE 2011 p 62)
A Lei 106392003 reformula o curriacuteculo oficial pois eacute atraveacutes deste que satildeo escolhi-
das as propriedades do que ensinar ou natildeo nas escolas brasileiras O curriacuteculo educacional eacute
estruturalmente a manifestaccedilatildeo das poliacuteticas oficialmente aceitas em uma sociedade pois
condensa o estado das lutas poliacuteticas e sociais no formato de regras e conteuacutedos legitimados
Desnecessaacuterio dizer que os conteuacutedos e saberes consagrados celebram direta e tacitamente as
concepccedilotildees de mundo dos dominantes Na praacutetica a expectativa era de que essa lei consoli-
dasse o compromisso da escola e dos seus profissionais com a formaccedilatildeo para a cidadania for-
talecendo competecircncias para o respeito agrave diversidade e a valorizaccedilatildeo dos diferentes atores e
culturas que estiveram na base da formaccedilatildeo social do Brasil (SANCHEZ 2017)
Mesmo que exista uma vasta literatura acadecircmica no campo do pensamento social bra-
sileiro que ateste a influecircncia da cultura africana e a sua inestimaacutevel contribuiccedilatildeo para a for-
maccedilatildeo da sociedade brasileira ainda eacute fato que no cotidiano essa heranccedila ainda eacute rechaccedilada e
rejeitada com variaccedilotildees obviamente em cada configuraccedilatildeo territorial Eacute precisamente nesse
sentido que a obrigatoriedade de trabalhar com essa cultura adquire pleno sentido exigindo
que as instituiccedilotildees brasileiras de ensino baacutesico sejam compelidas a incluir no seu curriacuteculo o
ensino de Histoacuteria e da Cultura afro-brasileira e Africana como um tema transversal (ALVES
2007)
Esse contexto traz aspectos pertinentes com relaccedilatildeo agrave dignidade da pessoa humana
Poreacutem quando avaliada do acircngulo das suas condiccedilotildees de implementaccedilatildeo passamos a perce-
ber que ela ainda constitui um desafio concreto para a atuaccedilatildeo docente
As questotildees eacutetnico-raciais ao lado da Lei 1063903 suscitam na educaccedilatildeo
desafios e tensotildees na dimensatildeo cognitiva e subjetiva dos docentes e nos es-
paccedilos escolares Por outro lado a Lei natildeo eacute de faacutecil aplicaccedilatildeo pois trata de
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questotildees curriculares que satildeo conflitivas desconsideradas muitas vezes pois
questionam e desconstroem saberes histoacutericos considerados como verdades inabalaacuteveis (AacuteVILA 2010 p 69)
E isto por vaacuterios motivos Gentile apud Alves (2007) por exemplo revela que a des-
qualificaccedilatildeo da cultura africana eacute constantemente refletida em sala de aula pois a discrimina-
ccedilatildeo eacute tambeacutem percebida pelo fato que o segundo maior continente do mundo apresenta a
literatura africana apenas quando trata o tema ldquoescravidatildeordquo natildeo divulgando a riqueza literaacute-
ria e o conhecimento da capacidade intelectual do negro De maneira semelhante a importacircn-
cia do afrodescendente tambeacutem natildeo eacute explorada com toda a sua riqueza
Poreacutem como vimos anteriormente se as formas escolares hegemocircnicas se encontram
estruturalmente ligadas agrave reproduccedilatildeo dos padrotildees e formas culturais dominantes a reformula-
ccedilatildeo da produccedilatildeo do saber escolar com base na inclusatildeo dos elementos anteriormente tratados
como marginais natildeo deixa de suscitar resistecircncias mais ou menos conscientes em que pese os
inegaacuteveis avanccedilos institucionais E aqui talvez se encontre um dos principais dilemas do pro-
cesso em anaacutelise Enquanto por um lado constata-se uma seacuterie de avanccedilos ao niacutevel propria-
mente juriacutedico-poliacutetico o mesmo natildeo ocorre no padratildeo cotidiano de interaccedilotildees face a face
dentro do espaccedilo escolar Primeiramente porque a proacutepria configuraccedilatildeo do Estado brasileiro
parece ter sido orientada por criteacuterios racializados cuja inscriccedilatildeo nas instituiccedilotildees constitui um
dos principais entraves para a implementaccedilatildeo praacutetica da referida Lei (SANCHEZ 2017)
Nestes aspectos funda-se o desejo de uma consciecircncia histoacuterica e poliacutetica da aceitaccedilatildeo
da diversidade que nos leve agrave compreensatildeo e agrave aceitaccedilatildeo dos sujeitos integrantes e partiacutecipes
de nossa formaccedilatildeo social Como ressalta Borges (2010) grupos distintos eacutetnico-raciais que
satildeo dotados de cultura e histoacuterias diferentes devem ter o mesmo valor na conjuntura social
Neste sentido conveacutem apoiar as medidas que visem agrave preservaccedilatildeo dos seus princiacutepios identi-
taacuterios e que visem agrave garantia do respeito agrave proacutepria diversidade e ao conviacutevio muacutetuo Ou seja a
educaccedilatildeo escolar deve servir agrave tarefa puacuteblica de oportunizar aos diferentes atores sociais os
conhecimentos e as ferramentas para garantia de direitos oferecendo as condiccedilotildees para o efe-
tivo exerciacutecio da cidadania
Dada agrave importacircncia do saber escolar nesse cenaacuterio eacute fundamental que os professores
estejam aptos para dispor de estrateacutegias e propostas de aprendizado que levem o aluno a refle-
tir criticamente sobre seu contexto social que alicercem a responsabilidade com os princiacutepios
eacuteticos de respeito agrave diferenccedila e que agucem o senso criacutetico dos estudantes para quando neces-
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saacuterio discutirem contestarem em toacutepicos e questotildees que natildeo dizem somente respeito ao in-
diviacuteduo em particular como tambeacutem ao universo social mais amplamente considerado
Como enfatiza Alves (2007) as escolas devem cumprir de forma detalhada as poliacuteticas
educacionais instituiacutedas pelas leis em vigor principalmente as que reconhecem e dignificam a
diversidade eacutetnico-racial Assim constituem-se os paracircmetros institucionais e reforccedilam-se os
princiacutepios que moldam o respeito agrave diversidade cultural na educaccedilatildeo Sanchez (2017) por
outro lado faz uma anaacutelise histoacuterica das poliacuteticas e praacuteticas da educaccedilatildeo brasileira demons-
trando o quanto de avanccedilo ocorreu no sentido da criaccedilatildeo de formas de consciecircncia poliacutetica
cidadatilde muito embora assevere que com relaccedilatildeo aos menos favorecidos a sociedade com
todas as transformaccedilotildees que teve ainda natildeo foi capaz de superar a desigualdade racial
Eacute importante reconhecer que a Lei de ndeg 1063903 natildeo estabelece privileacutegios tam-
pouco prioridade mas tem como foco colocar de forma justa a histoacuteria do negro no Brasil
reconhecendo principalmente as injusticcedilas sofridas ao longo da histoacuteria e criminalizando os
atos de racismo Neste sentido as escolas devem se adequar a determinaccedilatildeo desta lei ampli-
ando seu curriacuteculo para proporcionar aos estudantes praacuteticas que contribuam para o reconhe-
cimento e o resgate histoacuterico cultural dos povos africanos no Brasil trazendo agrave tona os discur-
sos da diversidade raciais culturais sociais e econocircmicos existentes no nosso paiacutes (FERRAZ
2011)
Borges (2010) diz que a instauraccedilatildeo da Lei nordm 106392003 foi um momento impar na
histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira e de fundamental importacircncia para o ensino da diversidade
cultural nas escolas do nosso paiacutes jaacute que em seus aspectos mais amplos preza pela valoriza-
ccedilatildeo da diversidade cultural e histoacuterica do povo afrodescendente Jaacute estava mais do que na hora
do Estado brasileiro elaborar uma ferramenta para reparar os danos histoacutericos causados aos
negros no Brasil haacute mais de cinco seacuteculos como conclui
Para Ferraz (2011) o debate sobre a lei proporcionou um avanccedilo significativo nas rela-
ccedilotildees eacutetnico-socais no Brasil portanto abriu um leque de opccedilotildees de atuaccedilatildeo da afirmaccedilatildeo posi-
tiva das culturas no campo educacional o tema vem sendo proporcionalmente divulgado o
acesso agrave internet aos livros didaacuteticos a literatura figuras imagens e muitos exemplos do
povo negro que sem duacutevida tornou e torna as aulas mais reflexivas e ricas conceitualmente
Sabe-se que a Lei 106392003 eacute apenas mais uma arma na luta que se trava a deacutecadas que
vem sendo construiacutedas concomitantemente nas escolas brasileiras demonstrando a voz e a
forccedila dos grupos discriminados no cenaacuterio nacional
60
32 Descrevendo a instituiccedilatildeo escolar histoacuterias atores e experiecircncias
O municiacutepio de Cururupu compotildee uma das 217 unidades administrativas do Estado do
Maranhatildeo estando localizado no litoral ocidental a 465 km da capital Satildeo Luiacutes O local onde
hoje se encontra a sede do municiacutepio era originariamente habitado pelos iacutendios tupinambaacutes
cujo cacique do grupo era conhecido como Cabelo de Velha nome hoje dado a uma baiacutea proacute-
xima a sede (IBGE 2010) Seu povoamento teve iniacutecio por volta de 1816 a partir das entradas
chefiadas por Bento Maciel Parente que subjugou os iacutendios tupinambaacutes ali aldeados matando
o cacique Cabelo de Velha Os iacutendios sobreviventes deste massacre abandonaram a terra de-
vida agrave impossibilidade de conviacutevio com o homem branco A partir daiacute portugueses vindos de
Guimaratildees comeccedilaram a povoar a regiatildeo dando iniacutecio ao ciclo das grandes fazendas onde se
fabricavam farinha de mandioca accediluacutecar e aguardente usando engenhos a vapor (IBGE 2010)
Quanto agrave origem do nome nenhuma das explicaccedilotildees disponiacuteveis eacute aceita unanime-
mente Uma das versotildees diz que o nome se originou da junccedilatildeo do som da arma (pu) que ma-
tou o cacique Cabelo de Velha que os iacutendios chamavam de Cururu Cururu+PU dando o no-
me a cidade de Cururupu Outra versatildeo estaacute relacionada com uma fazenda existente agrave margem
esquerda do rio que banha a atual sede do municiacutepio cujo nome era ldquoFazenda Cururupurdquo
existe ainda uma terceira versatildeo que o nome originou-se devido a grande quantidade de sapos
conhecidos por sapos cururus segundo essa versatildeo o nome originou-se da uniatildeo do nome dos
sapos e dos sons do seu coaxar (IBGE 2010)
Atraveacutes da Lei Provincial nordm 13 de maio de 1835 foi entatildeo criada a freguesia de Curu-
rupu conhecida pelo 3ordm Distrito de Cabelo de Velha subordinada administrativamente a
Guimaratildees (COSTA 2014 p 23) Em 1842 outra Lei Provincial a de ndeg 120 de 03 de outu-
bro eleva a freguesia agrave categoria de vila conhecida como Cururupu desmembrando-se entatildeo
de Guimaratildees e conquistando sua autonomia administrativa A Lei Estadual nordm 893 de 09
marccedilo de 1920 eleva a vila a categoria de cidade Em divisatildeo administrativa referente ao ano
de 1933 o municiacutepio aparece constituiacutedo do distrito sede (CRUZ 2012)
Atualmente a sede do municiacutepio apresenta caracteriacutesticas de cidade histoacuterica contendo
um patrimocircnio arquitetocircnico avaliado como do tipo colonial A zona rural eacute composta por
pescadores artesanais O municiacutepio de Cururupu concentra hoje uma populaccedilatildeo estimada em
32652 mil habitantes (IBGE 2010) com 685 residente na sede e 315 na zona rural e nas
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ilhas portanto 22270 na zona urbana e 10382 na zona rural sendo a maioria negra Os negros
que hoje povoam a cidade satildeo descendentes de povos que vieram do Daomeacute (Benin) para tra-
balharem na condiccedilatildeo de escravos nas antigas fazendas de mandioca accediluacutecar e aguardente
A cidade eacute banhada pelos rios Liconde e Cururupu tendo como principais atividades
econocircmicas a agricultura pesca e comeacutercio As religiotildees praticadas pelos cururupuenses satildeo
catolicismo protestantismo e religiotildees de matriz africana O municiacutepio conta atualmente com
26 (vinte e seis) bairros 51 (cinquenta e uma) escolas da rede municipal e 04 (quatro) da rede
estadual a saber Centro de Ensino Gervaacutesio Protaacutesio dos Santos situado agrave Rua Eurico Gaspar
Dutra nordm 141 Bairro Jacareacute Centro de Ensino Joana Batista Dias situado agrave Avenida Liberalino
Miranda nordm 134 Bairro Jacareacute Instituto Estadual de Educaccedilatildeo Ciecircncia e Tecnologia do Mara-
nhatildeo (IEMA) localizado agrave Rua Governador Antocircnio Dino MA-006 ndash Areia Branca e o Centro
de Ensino Joatildeo Marques Miranda localizado agrave Rua General Osoacuterio sn Bairro de Satildeo Benedi-
to onde concentramos a presente pesquisa Apresentamos abaixo a fachada desta escola
Imagem 3 Fachada do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda-Cururupu
Fonte Arquivo Pessoal
A Unidade Escolar Joatildeo Marques Miranda hoje Centro de Ensino Joatildeo Marques Mi-
randa funcionou por um periacuteodo em um preacutedio da prefeitura localizado no Bairro Areia
Branca depois passou a funcionar na Unidade Escolar Silvestre Fernandes desenvolvendo
suas atividades em dois turnos Teve como gestora geral Izaurina Fonseca Nesse intervalo
houve muitas mudanccedilas devido agrave escola natildeo possuir um preacutedio proacuteprio Em 08 de novembro
de 1984 o Conselho Estadual de Educaccedilatildeo do Maranhatildeo a eacutepoca do governo Joatildeo Castelo
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emitiu parecer da Cacircmara de Ensino de 1ordm Grau emitido com o processo nordm 95085 o CEE
reconheceu a escola como dependecircncia administrativa estadual
A partir de 1984 a escola passou a funcionar no atual endereccedilo localizado agrave Rua Ge-
neral Osoacuterio sn durante a administraccedilatildeo do prefeito Joseacute dos Santos Amado sendo que o
preacutedio era pertencente ao municiacutepio A pedido da diretora Floranilde Dias da Silva o preacutedio
foi cedido a Escola Joatildeo Marques Miranda em 1995
A escola na eacutepoca possuiacutea turmas de 1ordf a 4ordf seacuterie e Jardim de Infacircncia No iniacutecio dos
anos 2000 com a mudanccedila de responsabilidade do ensino fundamental para a rede municipal
a escola comeccedilou a trabalhar com o ensino de jovens e adultos com anexos nas praias de Ma-
racujatiua e Aquiles Lisboa Neste periacuteodo esteve na direccedilatildeo agrave professora Floranilde Dias da
Silva e Clara Maria Cunha e como coordenadora pedagoacutegica Deacuterika Sandriane da Silva Maia
licenciada em pedagogia pelo CEERSEMA especialista em Psicopedagogia pelo Instituto de
Ensino Superior Franciscano Paccedilo do Lumiar Atualmente a escola eacute dirigida pelas Professo-
ras Keyth Cristina Pestana Chaves e Gizelda de Faacutetima Reis Diniz ambas licenciadas em Le-
tras pela Universidade Estadual do Maranhatildeo (UEMA)
A escola recebeu este nome em homenagem a um dos primeiros intendentes de grande
prestiacutegio do municiacutepio de Cururupu e que foi tambeacutem um grande comerciante da regiatildeo na
exportaccedilatildeo de farinha e um dos primeiros donos do Siacutetio Satildeo Lourenccedilo Filho de Pedro Beleacutem
Miranda e Umberlina Marques Miranda Joatildeo Marques Miranda nasceu no dia 23 de outubro
de 1888 e faleceu em 1ordm de abril de 1954 na cidade de Cururupu
Imagem 4 - Joatildeo Marques Miranda
Fonte Arquivo Pessoal
63
No turno noturno em que a pesquisa foi aplicada os horaacuterios de aula iniciam agraves
19h00min horas e terminam agraves 22h30min perfazendo 5 horasaulas Os alunos matriculados
assim estatildeo distribuiacutedos turma 10027 alunos turma 10130 alunos turma 102 28 alunos
turma 20132 alunos e turma 20237 alunos As etapas funcionam da seguinte forma as tur-
mas do 1ordm ano estudam 50 da primeira e 50 da segunda seacuterie e a outra etapa eacute a 3ordf seacuterie
completa O Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda possui 42 funcionaacuterios entre efetivos e
contratados assim distribuiacutedos 01 Gestora Geral 01 Gestora Adjunta 01 secretaacuteria 02 assis-
tentes de serviccedilos gerais 05 vigilantes 03 apoio pedagoacutegico (reduccedilatildeo de carga horaacuteria) 02
agentes administrativos dos 22 professores uma professora estaacute aguardando aposentadoria e
outra estaacute de licenccedila para tratamento de sauacutede dos 41 funcionaacuterios 37 satildeo efetivos e 04 satildeo
em regime de contrato
3 3 Mapeando as avaliaccedilotildees dos discentes e docentes sobre religiotildees afro-brasileiras
Para apreender as diferentes concepccedilotildees e perspectivas de alunos e professores a res-
peito das religiotildees afro-brasileiras aplicamos dois questionaacuterios que a despeito de sua ade-
quaccedilatildeo aos diferentes puacuteblicos pesquisados convergiam em relaccedilatildeo a algumas variaacuteveis Para
os discentes os eixos principais concentraram-se sobre a relaccedilatildeo que os estudantes estabele-
ciam com a escola as percepccedilotildees sobre o ser negro e a cultura a maneira como a escola lida-
va com a temaacutetica da histoacuteria e cultura afro-brasileira Com relaccedilatildeo aos professores aleacutem da
natureza dos viacutenculos com o estabelecimento indagamos sobre como percebem o acolhimen-
to por parte da escola da temaacutetica religiotildees africanas quais as estrateacutegias pedagoacutegicas aciona-
das por eles e elas e suas percepccedilotildees a respeito do fenocircmeno religiatildeo no ambiente escolar Em
anexo apresentamos os dois questionaacuterios utilizados na pesquisa Assim embora possuam
especificidades ndash e natildeo poderia ser diferente dado que se trata de universos com caracteriacutesti-
cas e posiccedilotildees institucionais distintas ndash as respostas produzidas pela aplicaccedilatildeo desse questio-
naacuterio ajudam muito a compreender e a diagnosticar a extensatildeo e complexidade do desafio em
pauta
Importa assinalar que meu primeiro contato com a escola ocorreu antes da pesquisa e
de maneira bastante formal quando trabalhei como Gestor-adjunto da instituiccedilatildeo A proposta
de pesquisa resultou inclusive dessa inserccedilatildeo profissional anterior Nesta convivecircncia perce-
bi a proximidade como alunos e professores transitavam no mesmo espaccedilo com pais e matildees
de santo que demarcavam aquele espaccedilo com suas festividades no entanto essa proximidade
natildeo era explorada nas atividades pedagoacutegicas Tudo ocorria como se essas relaccedilotildees que exis-
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tiam no cotidiano natildeo tivessem condiccedilotildees de assumir um formato pedagoacutegico reflexivamente
construiacutedo Mesmo entre agentes que transitavam entre esses diferentes espaccedilos
Quando a pesquisa teve efetiva inserccedilatildeo o primeiro passo dado foi agrave realizaccedilatildeo de
uma palestra com alunos e professores para a apresentaccedilatildeo do projeto e seus objetivos Ao
longo do encontro ao apresentar a proposta de discussatildeo perguntamos aos presentes basica-
mente profissionais da educaccedilatildeo e alunos a respeito do conhecimento deles sobre os terreiros
que existiam no entorno da escola obtendo respostas positivas em poucos casos Eacute difiacutecil de-
finir se essas respostas puacuteblicas implicavam em desconhecimento concreto ou se constituiacuteam
apenas uma maneira de natildeo explicitar relaccedilotildees mais proacuteximas como uma forma de gestatildeo da
identidade Por essa razatildeo optou-se tambeacutem pela aplicaccedilatildeo do questionaacuterio como uma medi-
da eficiente para contribuir com coleta das informaccedilotildees No que segue passa-se agrave exploraccedilatildeo
dos dados apresentados conforme as diferentes categorias implicadas nesta pesquisa
34 Entrando no mundo dos alunos
Inicialmente para conhecer a realidade da escola aplicamos o questionaacuterio para 90
(noventa) alunos O instrumento de pesquisa construiacutedo tinha como finalidade apreender o
entrelaccedilamento entre esses dois espaccedilos Escola e Terreiro como dito
Pode-se comeccedilar entatildeo pela composiccedilatildeo etaacuteria dos pesquisados Entre os 90 alunos
com informaccedilotildees disponiacuteveis 45 (quarenta e cinco por cento) encontravam-se na faixa etaacute-
ria de 18 a 24 anos 25 (vinte e cinco por cento) entre 26 e 30 anos 15 (quinze por cento)
representam discentes com idades entre 33 e 40 anos e 5 (cinco por cento) entre 45 e 49
anos Trata-se de uma composiccedilatildeo caracteriacutestica do niacutevel de ensino Da mesma forma quando
avaliamos as razotildees pelas quais os entrevistados datildeo continuidade aos estudos encontramos
motivaccedilotildees diversas tais como ldquoentrar no mercado de trabalhordquo especialmente no extrato
mais jovem por que haviam parado os estudos entre aqueles com faixa etaacuteria acima dos 30
anos onde tambeacutem se concentram aqueles que desejam apreender mais informaccedilotildees e que
enfrentam dificuldades para arranjar posiccedilotildees no mercado de trabalho Como esperado do
total pesquisado nada menos que 90 (noventa por cento) deles trabalhavam durante o dia
Quanto ao bairro onde residiam 30 (trinta por cento) dos alunos responderam que moravam
no Bairro de Satildeo Benedito e os demais 70 em bairros como Areia Branca Centro Faacutetima
Pitombeira Rodagem Vila Lieacutege e Vila Satildeo Francisco Ou seja a populaccedilatildeo estudantil vem
toda da mesma regiatildeo
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Por outro lado por meio da aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios com as turmas procurou cap-
tar a visatildeo dos alunos a respeito de sua identidade Quando perguntados sobre seu pertenci-
mento eacutetnico-racial 91 se autodeclararam negros o que converge com a proacutepria caracteriza-
ccedilatildeo soacutecia demograacutefica do municiacutepio conforme jaacute explicitado Os motivos apresentados eram
variados Afirmaram por exemplo que se consideravam negros porque a famiacutelia eacute toda de
negros e por isso natildeo poderiam ser de outra raccedila porque os pais vinham de negros escravos
por isso suas peles seriam negras ou simplesmente porque diziam que sua pele era negra O
restante ou seja 9 (nove por cento) dos alunos disseram ser brancos Um deles inclusive
afirmou que apesar de sua pele natildeo ser muito clara considerava-se branco jaacute que em seu do-
cumento estava escrito pardo
Graacutefico 01- Vocecirc se considera negro
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Questionados se tinham conhecimento de quais religiotildees eram praticadas em
Cururupu 42 (quarenta e dois por cento) responderam que sim 18 ( dezoito por cento)
disseram natildeo saber 21 (vinte um por cento) natildeo responderam e 19 (dezenove por cento)
apresentou o nome das denominaccedilotildees religiosas praticadas em Cururupu Eacute provaacutevel que essa
questatildeo natildeo tenha sido plenamente compreendida vez que pressupunha a ideia de apresentar
uma visatildeo geral sobre as religiotildees da localidade natildeo apreendendo efetivamente quais
religiotildees eles conheciam
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Graacutefico 02- Vocecirc tem conhecimento de quais religiotildees satildeo praticadas em Cururupu
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Essa distorccedilatildeo fica mais visiacutevel quando perguntamos aos alunos se eles jaacute tinham ou-
vido falar sobre as religiotildees afro-brasileiras Formulada dessa forma o questionaacuterio obteve as
seguintes respostas 28 (vinte e oito por cento) responderam que natildeo 53 (cinquenta e trecircs
por cento) dos alunos responderam que sim e 19 (dezenove por cento) optaram por natildeo res-
ponder agrave questatildeo Essas respostas nos fazem pensar em diversas questotildees A comeccedilar pelo
fato de que a despeito do conviacutevio com festividades realizadas nos terreiros proacuteximos agrave esco-
la ou mesmo em seus bairros de origem parece haver ainda certo estranhamento mais ou
menos consciente a depender do pertencimento religioso com relaccedilatildeo agraves religiotildees de matriz
africana no local E natildeo se trata apenas de uma percepccedilatildeo realizada no bojo da pesquisa O
receio de tocar no assunto ou de manifestar alguma forma de conhecimento tambeacutem jaacute foi
observado por uma das docentes da escola que leciona a disciplina de Histoacuteria o que ensejou
a organizaccedilatildeo de um projeto em 2016 cuja intenccedilatildeo era evidenciar como as religiotildees africanas
faziam parte do calendaacuterio do municiacutepio e a riqueza de suas liturgias A esse respeito a pro-
fessora esclarece como foi realizada essa experiecircncia e algumas das percepccedilotildees dos estudan-
tes que podem ajudar na explicaccedilatildeo dos resultados de nossa proacutepria pesquisa
O projeto foi de grande importacircncia para a escola houve uma participaccedilatildeo dos professores dos alunos eles apresentaram coisas interessantes vieram
na frente e falaram coisa que eles jaacute sabiam e coisas que eles pesquisaram
alguns alunos evangeacutelicos participaram e atribuiacuteram a falta de interesse so-bre religiatildeo de matriz de africana por que em sua maioria as atividades que
satildeo apresentadas eacute soacute de negros cantando e danccedilando e nunca falam da reli-
giatildeo (Geordilene Ramos 2018) 11
Destarte a despeito dessa accedilatildeo da professora de histoacuteria com as religiotildees de matriz
africana na escola ainda eacute preciso trabalhar aspectos da cosmovisatildeo sobre tais praacuteticas religio-
11 Professora de Histoacuteria do C E Joatildeo Marques Miranda em 12072018
67
sas e fazer relaccedilatildeo com suas origens africanas e afro-brasileiras de modo a demarcar tais fun-
damentos e ao mesmo tempo contribuir para seu reconhecimento
Graacutefico 03- Jaacute ouviu falar sobre religiatildeo afro-brasileira
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Com relaccedilatildeo agrave questatildeo de jaacute ter frequentado algum terreiro de religiatildeo de matriz afri-
cana na cidade 38 (trinta e oito por cento) dos alunos responderam que sim frequentam ou
jaacute frequentaram 53 (cinquenta e trecircs por cento) disseram que natildeo frequentam terreiros e 9
(nove por cento) natildeo responderam Falta encorajamento em assumir mesmo em um questio-
naacuterio o seu pertencimento religioso
Graacutefico 04- Frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana na cidade
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ressalta-se que muitos desses alunos que frequentam terreiros em sua maioria satildeo de
outros bairros Como alguns alunos comentavam na aplicaccedilatildeo do questionaacuterio havia tambeacutem
um pequeno grupo que falava dos respectivos pais de santos responsaacuteveis pelas casas que
foram frequentadas Nota-se neste sentido o afastamento total ou mesmo parcial desses alu-
nos em assumir sua participaccedilatildeo nestes eventos Soma-se a isso a existecircncia de percepccedilotildees
entre esses mesmos estudantes que resvalam na ideia de que as religiotildees afro-brasileiras natildeo
constituem formas legiacutetimas de exerciacutecio religioso como bem visiacutevel na seguinte passagem
68
Acho que natildeo eacute religiatildeo eles passam a noite danccedilando e bebendo e
penso que natildeo era para ser assim se fosse religiatildeo nas igrejas natildeo
vemos isto natildeo tem bebida eacute uma coisa muito seacuterio todo mundo sen-
tado quietinho ouvindo as coisas mas acredito que isto pode mudar
um dia vejo que eacute um entra e sai isto eacute o que eu acho (Ramos C A
aluno da 2ordf etapa do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda 2019)
12
Como visto existe uma percepccedilatildeo de que as religiotildees de matriz africanas natildeo devem
ser entendidas assim devido ao fato de os rituais serem envolvidos com danccedila e bebidas cha-
ma atenccedilatildeo o paracircmetro para tal avaliaccedilatildeo ldquonas igrejas natildeo vemos isto natildeo tem bebida eacute uma
coisa muito seacuteria todo mundo sentado e quietinho ouvindo as coisasrdquo
Questionados se conhecem algum terreiro de religiatildeo de matriz africana que esteja lo-
calizado proacuteximo ao Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda 7 (sete por cento) dos alunos
natildeo responderam enquanto 28 (vinte e oito por cento) responderam que natildeo conhecem ter-
reiros proacuteximos da escola e 65 (sessenta e cinco por cento) afirmam que sim que conhecem
as casas de culto proacuteximas
Graacutefico 05- Vocecirc conhece algum terreiro de religiatildeo de ma-
triz africana que fica localizada proacuteximo ao Centro de Ensi-
no Joatildeo Marques Miranda
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Tendecircncia semelhante foi encontrada na taxa de respostas para a questatildeo do conheci-
mento a respeito de algum pai ou matildee de santo que reside proacuteximo agrave escola Em resposta a
esta questatildeo 48 (quarenta e oito por cento) responderam que sim 44 (quarenta e quatro
por cento) natildeo responderam e 8 (oito por cento) responderam que natildeo conhecem Eacute mister
destacar que nos questionaacuterios recolhidos alguns alunos chegaram ateacute a mencionar os nomes
de alguns pais de santo Ou seja mais da metade do puacuteblico escolar considerado tem conhe-
12 Aluno da 2ordf etapa do C E Joatildeo Marques Miranda
69
cimento circula e provavelmente ateacute frequente um desses terreiros seja de maneira ocasional
quando da realizaccedilatildeo perioacutedica de festas seja de maneira regular poreacutem natildeo declarada
Graacutefico 06- Conhece algum pai ou matildee de santo que residem proacuteximo da escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Esse aspecto fica mais claro quando passamos agrave questatildeo da participaccedilatildeo em festas ou
festejos em terreiros de religiatildeo de matriz africana Conforme apreendido nos questionaacuterios
30 (trinta por cento) responderam que sim 28 (vinte e oito por cento) disseram nunca ter
participado desse tipo de festejo e notaacuteveis 42 (quarenta e dois por cento) natildeo responderam
Graacutefico 07 - Jaacute participou de algum festejo em terreiro de religiatildeo de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
No entanto tendo em vista o calendaacuterio festivo que ocorre no bairro ndash relativamente
pequeno ndash eacute de se supor que esses eventos acabam por marcar o compasso da proacutepria ambiecircn-
cia comunitaacuteria envolvendo parte da comunidade como em um dos relatos de estudantes que
recolhemos
Eu sempre vou a festejos no meu bairro que tem muito satildeo muito
animadas agraves festas e satildeo muitos dias todos tem lava-pratos que eacute
mais gostoso ainda na minha casa minha matildee eacute juiacuteza de uma festa
eu sempre que tem festejo quando saio da escola costumo encostar
70
nesses festejos [] eacute muito bom (C S B C13
E Joatildeo Marques Mi-
randa da 2ordf etapa do EJA em 17072018)
Infere-se que muitos desses alunos participam dos festejos dos festejos religiosos de
matriz africana na condiccedilatildeo de observadores ou mesmo para preencherem a falta de lazer
que existe no municiacutepio muito embora esses eventos aconteccedilam o ano todo haacute festejos afa-
mados que tomam a atenccedilatildeo da cidade e sobretudo dos alunos que estudam agrave noite por conta
do trajeto na volta para casa Em se tratando do C E Joatildeo Marques Miranda a proximidade eacute
mais recorrente neste sentido devido agrave existecircncia de trecircs afamados terreiros bem proacuteximos da
escola - terreiros esses cujo espaccedilo se confunde com o proacuteprio territoacuterio escolar como seraacute
visto mais adiante Para o momento basta dizer que haacute um terreiro em frente agrave escola situado
na Rua General Osoacuterio sobre o comando do Pai de Santo Daacuterio outro que fica na Rua Satildeo
Joseacute ao lado direito da escola e por fim um terceiro que fica localizado nos fundos do esta-
belecimento Nesse sentido o que nos intriga eacute justamente o fato de que embora existam ca-
sas tatildeo proacuteximas como elas se tornam tatildeo invisiacuteveis assim para alunos do proacuteprio bairro
Ocorre que quando questionados se achavam que as religiotildees de matriz africana e
afro-brasileiras sofriam discriminaccedilatildeo na escola 70 (setenta por cento) dos alunos respon-
deram que sim 8 (oito por cento) disseram que natildeo e 22 (vinte e dois por cento) natildeo res-
ponderam
Graacutefico 08 - Vocecirc acha que as religiotildees de matriz africana sofrem discriminaccedilatildeo na escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ou seja ao passo em que as declaraccedilotildees de pertencimento conhecimento ou de tracircnsi-
to parecem englobar formas de gestatildeo da proacutepria identidade entre os estudantes a ideia de que
essas religiotildees sofrem discriminaccedilatildeo o que remete ao sentimento de injusticcedila mostra-se bem
mais claro e expressivo A interpretaccedilatildeo que se pode desenvolver eacute de que estamos em um
13 Aluna da 2ordf etapa do EJA do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda (sede)
71
quadro no qual se compreende os efeitos da discriminaccedilatildeo mas em que as accedilotildees natildeo ganham
concretude e em que o silecircncio prepondera como se pode apreender no relato desta aluna
Acho que sofre muita discriminaccedilatildeo a escola natildeo leva muito a seacuterio
acha que porque nos terreiros eles danccedilam aquilo natildeo eacute seacuterio ai natildeo
leva com seriedade os pajeacutes na escola mesmo quando falam de pajeacute
as pessoas ficam meio caladas natildeo falam muita coisa quando o pro-
fessor pede opiniatildeo agrave maioria fica calada (A S Pinto CE Joatildeo
Marques Miranda 2ordf etapa EJA julho de 2018)14
Isto nos leva a questionar como deveria ser trabalhada a questatildeo dentro da sala de aula
com os alunos Por essa razatildeo foi questionado sobre como deveriam ser trabalhados os conte-
uacutedos sobre religiatildeo na escola 39 (trinta e nove por cento) respondeu que deveria ser traba-
lhado em forma de debates 5 (cinco por cento) em forma de projetos 44 (quarenta e qua-
tro por cento) natildeo responderam e 5 (cinco por cento) que era pra deixar como estaacute Eacute valido
destacar que no momento da devoluccedilatildeo do questionaacuterio alguns alunos disseram que a escola
deveria trabalhar mais esses assuntos pois como alegava uma delas - ldquoquase todo mundo usa
macumba mas ningueacutem gosta de falar por isso de acontecer certas coisasrdquo A fala da aluna
nos faz crer que alguns alunos tem interesse em debater sobre tais questotildees no entanto como
satildeo minoria acabam se restringindo por conta do proacuteprio sistema que natildeo apoia essa clientela
Por outro lado os alunos que demostram esse interesse satildeo em sua maioria praticantes de re-
ligiatildeo afro-brasileira que ainda natildeo assumem publicamente sua religiosidade no espaccedilo esco-
lar o que tudo indica a meu ver ser a tentativa de externar sua crenccedila
Graacutefico 09- Como vocecirc acha que deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ao analisar os questionaacuterios aplicados aos estudantes constatamos que possuem certo
conhecimento das religiotildees de matriz africana poreacutem estes se devem muito mais agraves experiecircn-
cias cotidianas e externas ao acircmbito da escola do que propriamente ao tratamento do tema
14 Aluna da 2ordf etapa do C E J Miranda
72
neste espaccedilo Outro aspecto importante a ser enunciado diz respeito ao fato de que em diver-
sas entrevistas realizadas com alunos foi possiacutevel reconhecer praticantes de religiotildees afro-
brasileiras que natildeo revelam seu pertencimento religioso por receio de comentaacuterios dos colegas
ou de sofrerem alguma forma de constrangimento Por outro lado essa realidade natildeo deixou
de ser notada pelos proacuteprios profissionais da educaccedilatildeo atuantes nesse espaccedilo ensejando desde
iniciativas mais esporaacutedicas como os projetos desenvolvidos em disciplinas especiacuteficas seja
um reforccedilo das atividades da Semana de Consciecircncia Negra em novembro ocasiatildeo em que
foram exibidos diversos filmes sobre religiatildeo e elaboradas atividades concernentes ao tema
Como relataram os professores essas iniciativas tiveram maior ecircnfase a partir do ano de 2016
ainda haacute muito por ser feito e a escola necessita da colaboraccedilatildeo de especialistas no tema
35 As religiotildees afro-brasileiras entre os docentes
Nas ocasiotildees em que realizava visitas perioacutedicas agrave escola foram identificadas infor-
maccedilotildees importantes a respeito de como os professores estatildeo abordando o tema das religiotildees
afro-brasileiras no espaccedilo escolar e como relacionam os coacutedigos legais agraves estrateacutegias pedagoacute-
gicas empregadas no dia a dia Importa ressaltar que os docentes foram muito soliacutecitos com
relaccedilatildeo agrave coleta de dados o que permitiu que a aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios e a realizaccedilatildeo de
entrevistas transcorressem sem maiores percalccedilos e em clima de grande receptividade e entro-
samento Em boa medida os resultados a que chegamos denotam as potencialidades de uma
pesquisa realizada dentro de um meio conhecido mesmo que carregue consigo como contra-
partida o duro desafio do distanciamento
Seja como for a atividade foi aplicada entre os dias 26 de novembro e 08 de dezem-
bro precisamente no final do semestre quando a escola contava com baixa presenccedila de alu-
nos e os professores estavam mais agrave vontade e sem duacutevida com mais tempo Foi aplicado o
mesmo instrumento de pesquisa para 18 docentes distribuiacutedos entre efetivos e contratados
Nesse processo alguns professores relataram a importacircncia de tratar do assunto na escola
pois sabem que muitos alunos satildeo praticantes e precisam se sentir apoiados Apesar de o tema
natildeo vir sendo tratado assim tatildeo abertamente como foi possiacutevel constatar atraveacutes das respostas
dos estudantes os relatos dos docentes demarcam que regularmente acontecimentos e expe-
riecircncias relativas aos terreiros frequentados pelos primeiros irrompem em sala de aula nos
corredores e nas conversas informais De maneira convergente a diretora adjunta afirmou
total apoio agrave pesquisa pelo fato de a comunidade ser discriminada por conta da marginalidade
73
que acomete o bairro e que todo projeto que vier para fortalecer a comunicaccedilatildeo seraacute bem-
vindo
Resulta que quando passamos aos professores constatamos que suas trajetoacuterias tam-
beacutem satildeo marcadas por travessias Nesse segmento eacute importante destacar que entre os profes-
sores que participaram da pesquisa encontramos a professora Diquinha - como eacute carinhosa-
mente conhecida ndash e que aleacutem de ser a docente mais antiga da escola assume sua identidade
religiosa como umbandista apesar de que natildeo consiga mais danccedilar e de que suas obrigaccedilotildees
(carga) tenham sido transferidas para seu filho que tambeacutem eacute pai de santo e jaacute foi aluno da
escola Ante o exposto passamos na sequecircncia agrave exploraccedilatildeo do questionaacuterio dirigido aos pro-
fessores
O questionaacuterio trouxe como proposta conhecer como os professores definiam religiatildeo
e quando questionados acerca do assunto 72 (setenta e dois por cento) responderam que a
consideram como uma manifestaccedilatildeoexecuccedilatildeo da feacute enquanto que para 28 (vinte e oito por
cento) a religiatildeo remete a uma crenccedila cujos fundamentos encontram-se nos costumes e heran-
ccedilas familiares
Graacutefico 10- Como define religiatildeo
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Na sequecircncia procuramos saber se os docentes conheciam alguma religiatildeo de matriz
africana 61 (sessenta um por cento) responderam que conhecem algum tipo de religiatildeo
africana 39 (trinta e nove por cento) natildeo responderam Neste uacuteltimo caso alguns relataram
ter certo temor com relaccedilatildeo a esses temas preferindo natildeo se envolver diretamente
74
Graacutefico 11-Conhece alguma religiatildeo de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Quando perguntados acerca da participaccedilatildeo em cultos africanos 33 (trinta e trecircs por
cento) responderam que jaacute frequentaram ao passo que 67 (sessenta e sete por cento) natildeo
responderam Aqui encontramos novamente uma tendecircncia semelhante agrave identificada entre os
estudantes Como nos relatou uma das professoras em conversa particular em Cururupu a
maioria das pessoas vai agrave casa de pajeacute muitos natildeo admitem porque em alguns casos a pessoa
as vezes vai atraacutes de um conselho e orientaccedilatildeo espiritual e as pessoas jaacute pensam que eacute para
fazer feiticcedilo Encontramos aqui por conseguinte indiacutecios de proximidade que satildeo dissimula-
dos por questotildees referentes agrave gestatildeo das imagens puacuteblicas
Graacutefico 12- Jaacute participou de alguma atividade em cultos de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Por outro lado quando questionados se existe discriminaccedilatildeo aos cultos de matriz
africana 22 (vinte e dois por cento) disseram que natildeo e 78 responderam que sim que
existe discriminaccedilatildeo as religiotildees
75
Graacutefico 13- Considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cul-
tos de matriz africana
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
De maneira semelhante foi agrave manifestaccedilatildeo do professor de Histoacuteria do Centro de Ensi-
no Joatildeo Marques Miranda Robert do E Santo Freitas
Sim pois no Brasil Colonial foram rotuladas tais religiotildees pelo sim-
ples fato de serem de origem africana A accedilatildeo de movimentos pente-
costais os quais se valiam de mitos para demonizar e incitar a perse-
guiccedilatildeo a umbandistas e candomblecistas (Robert do E Santo Freitas
novembro de 2018)
Com relaccedilatildeo agraves manifestaccedilotildees de discriminaccedilatildeo e preconceito no espaccedilo escolar para
17 (dezessete por cento) dos que responderam ao questionaacuterio os cultos satildeo discriminados
enquanto para 83 (oitenta e trecircs e por cento) dos docentes as religiotildees de matriz africana
sofrem tratamento diferencial nas escolas Interessa notar aqui todavia que quando levados a
comentar sobre as manifestaccedilotildees concretas de discriminaccedilatildeo entre os alunos a postura docen-
te conduz a relativa atenuaccedilatildeo das mesmas visto que satildeo consideradas como meros comentaacute-
rios ldquoeles falam por falarrdquo ldquoeles dizem isso mas natildeo eacute pra levar a seacuteriordquo E aqui talvez se
encontre o componente mais preocupante visto que tal postura que se apresenta como orien-
tada pela tentativa de proteccedilatildeo aos estudantes no final das contas conduz a certa complacecircn-
ciaaquiescecircncia com o fenocircmeno da discriminaccedilatildeo resvalando em sua naturalizaccedilatildeo
Graacutefico 14- Nas escolas considera que os cultos africanos so-
frem discriminaccedilatildeo
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
76
Perguntados se a escola desenvolve atividades que falam das religiotildees praticadas
em Cururupu e como satildeo feitas essas abordagens 22 (vinte e dois por cento) responderam
que as abordagens satildeo feitas atraveacutes de projetos e 78 (setenta e oito por cento) disseram que
ainda natildeo participaram das discussotildees
Graacutefico 15- A escola desenvolve atividades que falam das denominaccedilotildees reli-
giosas praticadas em Cururupu Como satildeo feitas essas abordagens
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Ainda a esse respeito a professora Josiane Ferreira afirma que
Que esses temas satildeo abordados atraveacutes de projetos pois acredita que eacute mais faacutecil men-cionar nas atividades que envolvem todos os alunos pois reuacutene um grupo maior de alu-
nos que participam das diferentes religiotildees os alunos se sentem mais seguros e as pesso-
as que em sala de aula criticam costumam natildeo fazer isso no meio de mais pessoas moti-vo pel0o qual acredito que traz mais resultado tanto para a escola quanto para os alu-
nos (Professora Josiane B Ferreira novembro de 2018)
Eacute provaacutevel que essa ausecircncia de discussotildees sobre as temaacuteticas fora de projetos ou
iniciativas parcelares se explique em funccedilatildeo tambeacutem do baixo conhecimento manifestado
pelos professores a respeito da Histoacuteria e Cultura Afro-brasileira e das proacuteprias exigecircncias
derivadas da Lei 106392003 Aliaacutes quando perguntados se tinham conhecimento sobre essa
diretriz legal nada menos que 89 (oitenta e nove por cento) informou sequer ter ouvido
falar da lei mas que ldquotinham interesse em conhecerrdquo Quer dizer quando dentro do universo
docente de um estabelecimento de ensino apenas 11 (onze por cento) da populaccedilatildeo pesqui-
sada conhece a Lei temos muitos motivos para acreditar que as chances de inclusatildeo dos te-
mas supramencionados encontram-se longe de ser realizada
77
Graacutefico 16- Tem conhecimento sobre a Lei 106392003 que trata do Ensino de Histoacuteria da Aacutefri-
ca e Cultura Afro-brasileira nas escolas
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Da mesma forma que natildeo conhecem a legislaccedilatildeo e a despeito dos incrementos de pro-
duccedilatildeo recente de materiais didaacuteticos - disponiacuteveis ateacute mesmo na internet vale dizer - 22
(vinte e dois por cento) afirmam ter pouco acesso e 78 (setenta e oito por cento) afirmaram
que natildeo tem acesso a qualquer material que fale de Aacutefrica
Graacutefico 17- Tem acesso a materiais sobre Aacutefrica e Cultura
Afro-brasileira nas escolas ou fora dela
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Sobre as datas alusivas agrave comunidade negra perguntamos aos professores como a escola
tem trabalhado esses temas obtendo os seguintes percentuais 28 (vinte e oito por cento)
disseram que datas como o dia da raccedila e da consciecircncia negra eacute trabalhado em forma de proje-
tos e 72 (setenta de dois por cento) disseram que trabalham em sala de aula temas que falam
da populaccedilatildeo negra mas que em geral esses assuntos satildeo mais voltados para os conteuacutedos dos
livros Natildeo haveria aqui portanto tratamento particular
78
Graacutefico 18- As datas alusivas agrave comunidade negra como a escola tecircm trabalhado os temas
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Quanto agrave administraccedilatildeo das discussotildees sobre religiatildeo de matriz africana nas ocasiotildees
em que esse tema surge em sala de aula 72 (setenta e dois por cento) responderam que tem
que respeitar e 28 (vinte e oito por cento) disseram que existe soacute um Deus
Graacutefico 19- Como tem administrado as discussotildees sobre religiatildeo
africana em sala de aula quando estas acontecem
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Tambeacutem foi questionado se escola e terreiros deveriam desenvolver atividades para
fortalecer laccedilos de proximidade 11 (onze por cento) disseram que natildeo deveriam realizar
atividades para fortalecer tais laccedilos enquanto 89 por cento responderam que as duas inst i-
tuiccedilotildees devem sim desenvolver maneiras de fortalecer a proximidade
Graacutefico 20- Vocecirc acha que a escola e os terreiros deveriam desenvolver atividades
que fortalecessem esses laccedilos de proximidade Por quecirc
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
79
A professora e religiosa de matriz africana Diquinha contribui dizendo
Que eacute um momento importante tanto escola quanto terreiro deve se aproximar
mais por conta da dificuldade que a escola tem para falar de religiatildeo africana e
nada melhor que os proacuteprios membros para explicar dividir suas experiecircncias na
tentativa de quebrar com o silecircncio e tirar a imagem negativa que a maioria dos
membros que frequentam a escola tem das religiotildees africanas acredito que isto eacute
possiacutevel desde que haja interesse de ambos mas para isso eacute necessaacuterio que seja
feito um trabalho se sensibilizaccedilatildeo antes na escola para receber essas pessoas
outro ponto importante nesse debate eacute aproximar os terreiros que ficam proacuteximo
sempre haacute eventos nestes terreiros e a escola nunca procurou fazer um trabalho
de pesquisa para que entendecircssemos essas origens garanto que na escola tem
alunos que frequentam essas festas e que podem contribuir muito para esse diaacutelo-
go (Professora Diquinha janeiro de 2019)
Ao serem questionados sobre o que achavam que deveria ser feito para que debates
sobre as religiotildees de matriz africana acontecessem na escola 11 (onze por cento) disseram
que deveriam trabalhar mais os conteuacutedos 22 (vinte e dois por cento) que deveria ser reali-
zado um trabalho de sensibilizaccedilatildeo na escola e 67 (sessenta e sete por cento) acharam que o
tema deveria ser tratado por meio de projetos O professor Robert Freitas diz que tambeacutem eacute
importante sensibilizar a famiacutelia para que juntamente com a escola possa trabalhar de manei-
ra complementar evitando defasagens muito grandes entre essas duas instacircncias
Graacutefico 21- O que vocecirc acha que deveria ser feito para
que debate acerca das religiotildees acontecesse na escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Quando questionados se conhecem pais e matildees de santo proacuteximo agrave escola 22 (vinte
e dois por cento) responderam que sim e 78 (setenta e oito por cento) disseram que natildeo tem
conhecimento disso
80
Graacutefico 22- Conhece pais e matildees de santo que residem proacuteximo da escola
Fonte Elaboraccedilatildeo proacutepria 2019
Aqui novamente encontramos uma tendecircncia semelhante ao padratildeo de respostas dos
estudantes demonstrando desconhecimento com relaccedilatildeo ao proacuteprio espaccedilo de inscriccedilatildeo do
estabelecimento escolar O que leva a crer que estamos em um quadro de forte descompasso
entre os saberes escolares as experiecircncias dos sujeitos que dele participam e a proacutepria histoacute-
ria memoacuteria e cultura do lugar
36 Experiecircncias e percepccedilotildees de docentes acerca da relaccedilatildeo entre escola e comunidade
Os resultados inquietantes dos questionaacuterios aplicados aos docentes - particularmente
com relaccedilatildeo ao grau de desconhecimento da lei e da carecircncia de materiais - deflagraram uma
seacuterie de lembranccedilas e questotildees Lembranccedilas em primeiro lugar do periacuteodo do conviacutevio con-
tinuo com a escola na condiccedilatildeo de diretor adjunto e das ausecircncias silecircncios e omissotildees que
perpassaram a minha proacutepria praacutetica profissional ao longo dessa passagem Inquieta sim
pensar que minhas respostas poderiam natildeo ter sido assim tatildeo diferentes daquelas que recolhi
dos entrevistados agora na condiccedilatildeo de pesquisador e com o olhar mais treinado e sensiacutevel a
essas questotildees Eacute talvez por essa mesma razatildeo por um certo sentimento de impotecircncia que
me impus como meta retornar ao estabelecimento escolar para saber se natildeo haviam experiecircn-
cias iniciativas e percepccedilotildees entre os docentes atuantes agora ou do passado que jaacute aponta-
vam para uma possibilidade de estreitamento concreto dos viacutenculos entre escola e terreiros
Os relatos colhidos e expostos a seguir reunidos em clima de entrevista aberta mas com foco
sobre as relaccedilotildees entre a escola e os terreiros locais como que reequilibram em certa medida
aquilo que a abordagem anterior natildeo permitiu captar muito embora o quadro como um todo
esteja longe de ser o ideal Na sequecircncia passo entatildeo agrave descriccedilatildeo de histoacuterias de professores e
suas percepccedilotildees como sujeitos atuantes e reflexivos nesse espaccedilo relacional expondo como
esse desafio tem atravessado a praacutetica e a experiecircncia de docentes ao longo de vaacuterias gera-
ccedilotildees
81
Professora aposentada da rede estadual e atualmente em atividade em uma escola par-
ticular do municiacutepio como apoio pedagoacutegico Floranilde Dias da Silva ou Flora como eacute co-
nhecida nasceu na ilha de Guajerutiua em 30 de julho de 1951 Professora normalista com
graduaccedilatildeo em pedagogia foi diretora do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda durante
treze anos (20022015) Quando comeccedilou atuar como diretora adjunta logo que veio da praia
para Cururupu a escola ainda funcionava com o jardim de infacircncia ainda na deacutecada de 1980
Ao perceber a necessidade do Bairro de Satildeo Benedito possuir uma escola de 5ordm ao 8ordm ano deu
iniacutecio ao processo para aquisiccedilatildeo das referidas seacuteries Apoacutes ter organizado as turmas do ensi-
no fundamental engajou-se para organizar turmas do Ensino Meacutedio obtendo ecircxito em pouco
espaccedilo de tempo Com esta nova proposta para o antigo Segundo Grau organizou anexos em
Guajerutiua Valha-me Deus Caccedilacueira Satildeo Lucas Maracujatiua e Areia Branca
Imagem 5- Professora Floranilde Dias da SilvaCururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
Quando rememora parte da histoacuteria da escola a professora Flora apresenta alguns fa-
tos curiosos que sempre aconteciam no estabelecimento notadamente os casos de possessotildees
frequentes de alunos por entidades Como relata nessas ocasiotildees sempre recorria aos Pais de
Santo Daacuterio Luiacutes Afonso Vicentinho e Faacutetima cujos terreiros situavam-se perto da escola a
fim de resolver o problema Nessas ocasiotildees informa sempre ter sido recebida com muita
atenccedilatildeo
Outro episoacutedio relatado entre as lembranccedilas da Profordf Flora foi quando proacuteximo aos
desfiles de independecircncia do Brasil ela se encontrava sozinha na escola e de repente ouviu
um som inexplicaacutevel que saia do armaacuterio Acreditou momentaneamente que se tratava de al-
gueacutem que tinha jogado uma pedra com bastante forccedila poreacutem ao dirigir-se para o moacutevel natildeo
encontrou o que supunha ter provocado o som Sua suspeita principal eacute de que esse e outros
82
acontecimentos relatados teriam sido obras dos encantados que habitam no local uma vez que
a escola foi construiacuteda precisamente em local que pertencia a eles anteriormente Isto eacute sua
visatildeo a respeito de acontecimentos inexplicaacuteveis na escola ou quanto a determinados desafios
a exemplo dos casos de possessatildeo resvala em uma percepccedilatildeo de que a escola mantem viacutencu-
los com o universo religioso afro
Ainda no periacuteodo da sua gestatildeo informa que por vaacuterias vezes a escola fez parceria
com o Grupo de Consciecircncia Negra de Cururupu (GCNC) nas datas referentes agrave populaccedilatildeo
negra quando ministravam palestras sobre os temas referentes agrave cultura afro-brasileira O
objetivo prioritaacuterio das conversas era sensibilizar os alunos com relaccedilatildeo agrave importacircncia da co-
munidade negra no municiacutepio e a valorizaccedilatildeo do pertencimento eacutetnico A professora Floranil-
de Silva acredita que ldquoquando se trata do envolvimento de escola e religiatildeo o que deve preva-
lecer eacute o respeito em primeiro em lugar uma vez que temos soacute um Deusrdquo (FLORANILDE
DIAS DA SILVA 2019)
Questionada sobre os terreiros que circundam a escola afirma que tinha consciecircncia
dessa proximidade contudo teve pouca relaccedilatildeo com essas casas de cultos Ocorre que sempre
que acontecia alguma coisa de espiacuterito com os alunos sempre recorria a um pai de santo proacute-
ximo e ele sempre vinha ajudar Quanto agrave escola
Acredito que a escola precisa aprimorar os conhecimentos sobre as
religiotildees como um todo principalmente sobre a religiatildeo negra para
que haja mais dedicaccedilatildeo ao trabalhar com as religiotildees africanas
muitos alunos e professores satildeo praticantes no entanto tem uma certa
vergonha em assumir que praticam esse tipo de culto principalmente
na escola onde a criacutetica ainda eacute maior com essas pessoas e tudo isto
por que a sociedade natildeo aceita essas coisas (Professora Floranilde
Dias da Silva entrevista coletada em 29 de janeiro de 2019)
Deacuterika Sandriane da Silva Maia trinta e nove anos pedagoga especialista em psi-
copedagogia supervisatildeo e planejamento educacional tambeacutem aceitou falar conosco a respeito
de sua experiecircncia na escola Natural de Guajerutiua povoado da regiatildeo foi coordenadora
pedagoacutegica dos anexos do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda nas ilhas e professora na
sede Orgulha-se de ter prestado assessoria pedagoacutegica quando desenvolveu vaacuterias atividades
para ampliar o leque de praacuteticas pedagoacutegicas da escola
83
Imagem 6- Professora Deacuterika Sandriane da Silva Maia Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
Indagada sobre religiatildeo a professora assume a identidade catoacutelica pois considera que
esta ldquoeacute a religiatildeo a ser seguidardquo mas afirma ser importante natildeo ldquodesmerecer as outras reli-
giotildeesrdquo Disse-nos ainda que algumas religiotildees protestantes ela admira outras natildeo Quando
questionada sobre as religiotildees africanas existentes em Cururupu afirma ser leiga no assunto
no entanto respeita o espaccedilo de cada uma e que agraves vezes ateacute visita esses cultos nas ocasiotildees
festivas Sobre o periacuteodo em que desempenhou atribuiccedilotildees como orientadora pedagoacutegica
afirma ter sempre buscado diaacutelogo com a comunidade escolar visando estreitamento dos la-
ccedilos poreacutem ressalta que foram poucos os projetos efetivamente executados
Ao falar do tema a professora afirma que haacute uma inseguranccedila na escolha do indiviacuteduo
quanto ao tipo de identidade religiosa que ele pode assumir no espaccedilo escolar Os conflitos
contiacutenuos e cotidianos criam obstaacuteculos para que o sujeito assuma sua feacute o que faz com que
muitos estudantes e ateacute mesmo professores passeiem por vaacuterias religiotildees natildeo se definindo em
nenhuma A professora Deacuterika Maia diz conhecer a Lei 106392003 contudo argumenta que
A maacute elaboraccedilatildeo do curriacuteculo nas propostas que tratam dos assuntos
atinentes a populaccedilatildeo negra mesmo com a obrigatoriedade os profes-
sores estatildeo muitos despreparados para lidar com o tema Quando Se-
cretaria de Educaccedilatildeo do municiacutepio de Cururupu levei o tema sobre a
Lei 1063903 para as escolas mas senti uma falta de interesse des-
conhecimento da Lei por alguns professores alguns ateacute jaacute tinham ou-
vido falar mas natildeo sabiam explicar como ia funcionar dentro da gra-
de curricular vejo que isto se daacute pela falta de formaccedilatildeo dos professo-
res que natildeo tiveram formaccedilotildees especificas sobre o tema por isso da
dificuldade em adotar a Lei mesmo diante da obrigatoriedade (Pro-
fessora Deacuterika Sandriane da Silva Maia entrevista coletada em 29 de
dezembro de 2018)
84
Outro fator que a professora destaca eacute que a sociedade natildeo estaacute preparada para lidar
efetivamente com questotildees religiosas e principalmente a respeito das religiotildees negras Acre-
dita ainda que muitos que ali se encontram natildeo sabem por que razotildees pertencem ou partici-
pam da mesma pois haacute carecircncia de esclarecimento para que de fato pudessem defender sua
escolha Reafirma que haacute uma rejeiccedilatildeo da sociedade com as religiotildees de matriz africana
O professor Eacutelcio Cadete da Silva nasceu dia 20 de agosto de 1984 eacute formado em His-
toacuteria pela Universidade Estadual do Maranhatildeo e professor da rede estadual de ensino Atual-
mente trabalha com comunidades quilombolas O professor nos relatou que cursou o ensino
fundamental na escola Joatildeo Marques Miranda e foi nessa eacutepoca que teve seu primeiro contato
com as entidades Lembra que houve vaacuterios casos de possessotildees na escola Como a escola
tinha (tem) dificuldade de lidar com estas questotildees comeccedilou a pesquisar as religiotildees de matriz
africana com foco no Bairro de Satildeo Benedito
Imagem 7- Eacutelcio Cadete Silva professor de Histoacuteria e Umbandista CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
Eacutelcio que se assume umbandista diz manter um diaacutelogo com os pais de santo do seu
entorno com o objetivo de manter uma relaccedilatildeo de proximidade com esses terreiros como for-
ma de discutir as relaccedilotildees de pertencimento Perguntado sobre religiatildeo ele relata que
A religiatildeo natildeo pode ser vista como cultura e sim como religiatildeo com
respeito de todos O terccedilo da missa eacute a guia do terreiro a banda de
muacutesica eacute os tambores a religiatildeo tem muita gente confundindo a reli-
giatildeo o capitalismo tem dificultado a fundamentaccedilatildeo nos cultos as
pessoas entram nos cultos e natildeo querem mais de aprofundar (EacuteLCIO
CADETE fevereiro 2019)
O professor enfatiza ainda o afastamento das verdadeiras tradiccedilotildees nos cultos afros
dado que em sua perspectiva muitas participam das celebraccedilotildees por motivos deturpados pois
85
vecirc-se ldquoos salotildees cheio de danccedilantes no entanto muitos ali estatildeo unicamente para se firmar
sem buscar a origemrdquo
Quanto agrave relaccedilatildeo dos terreiros com a escola ele afirma que
Os terreiros se mostram abertos para o debate no entanto a escola
natildeo sabe lidar com essas questotildees por exemplo quando fiz o primaacute-
rio no Joatildeo Marques tive possessotildees e a escola natildeo soube lidar com a
situaccedilatildeo houve uma eacutepoca que a escola estava com constantes movi-
mentos de entidades foi chamado um padre e um pastor para resolve-
rem o problema esses falaram ao puacuteblico sobre o problema foi cha-
mado o pai de santo Luiacutes soacute que este fazia as coisas soacute no escondido
quando na verdade deveria explicar o que estava acontecendo vemos
que esse contato da escola com os terreiros soacute acontece assim as es-
curas o que confirma o despreparo da escola Quando o pai de santo
usava um banho na escola tinha que dizer que era aacutegua benta esse
sincretismo de objeto natildeo deveria acontecer a escola deveria nesse
momento fazer uso da experiecircncia e aproximar esse debate (EacuteLCIO
CADETE fevereiro 2019)
Sobre a sua visatildeo a respeito de como a instituiccedilatildeo vecirc as casas de cultos proacuteximas da
escola e da relaccedilatildeo que esta deveria ter com as mesmas considera que deveria haver maior
aproximaccedilatildeo entre ambas sobretudo por que a experiecircncia que este encontro proporcionaria
na aprendizagem tanto de adeptos quanto da proacutepria escola seria de grande valia para o com-
bate contra o preconceito Nessa mesma perspectiva Eacutelcio mostrou-se bem enfaacutetico
A escola precisa ensinar a religiatildeo africana como religiatildeo e natildeo co-
mo manifestaccedilatildeo natildeo adianta a escola trabalhar as datas sobre a po-
pulaccedilatildeo negra e natildeo fazer um trabalho que enraiacuteze essas informa-
ccedilotildees a escola tem sim pessoas que frequentam os terreiros e isto tem
que ser levado em consideraccedilatildeo o que temos observado nas escolas eacute
que o descuido com essas questotildees tem aumentado agrave evasatildeo escolar
tudo por conta da escola natildeo daacute atenccedilatildeo a essa situaccedilatildeo os terreiros
tem sim interesse em trocar essas experiecircncias mas a sociedade por
natildeo estaacute preparada acaba influenciando no espaccedilo escolar enquanto
natildeo enraizar essas questotildees o preconceito continuaraacute a fazer pessoas
natildeo seguirem suas crenccedilas a seguir no que acreditam eu sou um-
bandista assumido e faccedilo o que estaacute ao meu alcance para contribuir
com o divulgaccedilatildeo da religiatildeo (EacuteLCIO CADETE fevereiro 2019)
Raimunda Nonata Setubal Chaves mais conhecida como Diquinha nascida em 1960
eacute pedagoga e foi professora durante 25 anos do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda Atu-
almente natildeo estaacute em sala de aula Umbandista assumida uma das frases principais que utiliza
como se fosse uma espeacutecie de bordatildeo eacute a seguinte ldquoDeus deixou o mundo completo de tudordquo
A professora nos relatou que sua relaccedilatildeo com a umbanda eacute uma relaccedilatildeo de muito respeito e
identidade Uma das professoras mais antigas da escola e tendo em vista seu pertencimento
86
religioso indaguei sobre como era agrave relaccedilatildeo da escola com a histoacuteria e cultura afro-brasileira
em sua eacutepoca antes e agora Ela nos descreveu haacute discriminaccedilatildeo e sempre haveraacute todavia
garante que muita coisa jaacute mudou sem explorar o elo entre as razotildees dessa permanecircncia e
sobretudo das mudanccedilas Como exemplo fez questatildeo de lembrar que agrave eacutepoca da professora
Floranilde organizou uma danccedila junina com seus alunos que no final de contas era um ritual
de pajeacute Danccedila muito requisitada naquele periacuteodo acredita que isso se dava pela curiosidade
que a populaccedilatildeo tinha a eacutepoca mas defende que esse foi um passo importante para abrir fissu-
ras no debate
Imagem 8- Professora Raimunda Nonata Setubal ChavesUmbandista Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
Sobre escola e religiatildeo africana a professora diz algo que parece ser agrave visatildeo da maioria
dos pais de santo quando relata que
Os terreiros estatildeo sempre abertos para receber quem quer que seja
preto branco pobre ricos a nossa religiatildeo eacute de partilha a escola
precisa abrir espaccedilo para que os debates ocorram temos muitos alu-
nos que sofrem de entidades mas natildeo sabem lidar quando isto acon-
tece na escola penso que esta realidade mudaraacute quando professores
de Sociologia Filosofia e Histoacuteria comeccedilarem a falar sobre estas
questotildees eacute preciso explicar que o mesmo Deus das outras religiotildees eacute
o mesmo dos terreiros eacute preciso respeitar o espaccedilo do outro a reli-
giatildeo do outro eu sempre que tenho uma oportunidade converso com
os alunos sobre o assunto as pessoas natildeo precisam se esconder Deus
deixou tudo certo no mundo Eu sou umbandista e me assumo em
qualquer lugar natildeo tenho como fugir ela me acompanha (RAI-
MUINDA NONATA S CHAVES fevereiro de 2019)
A uacuteltima de nossas entrevistadas eacute Maria Clara Cunha professora aposentada que
exerceu o magisteacuterio por 35 anos A nossa conversa com a pedagoga ocorreu de maneira bas-
87
tante descontraiacuteda e em clima de grande receptividade a exemplo dos demais entrevistados
Quando perguntada sobre seu envolvimento com a religiatildeo afro ela fez questatildeo de frisar que
natildeo teve ldquopai de santo como dizem nos cultos pois nasci feitardquo E acrescenta que ainda hoje
continua trabalhando de mesa branca mas que tambeacutem tem linha de caboclo15
Durante muito
tempo danccedilou com o pai de santo Vicentinho localizado no bairro do Armazeacutem o qual teria
sido em suas proacuteprias palavras um excelente meacutedium Sobre a escola fala que houve uma
eacutepoca que na escola estava acontecendo muitos casos de alunos incorporando espiacuteritos para
resolver a situaccedilatildeo chamaram os sacerdotes Daacuterio e Vicentinho para realizarem trabalhos de
seguranccedila16
na escola o que veio a amenizar mais a situaccedilatildeo
Perguntada a respeito de como ela lidou com o seu proacuteprio pertencimento religioso
dentro do espaccedilo escolar relatou que sempre se assumiu na escola que desde cedo danccedilava e
que natildeo tinha vergonha de ser umbandista Embora soubesse que muitos natildeo gostavam e ateacute
houvesse situaccedilotildees em que colegas e alunos manifestavam desaprovaccedilatildeo (o que nos foi rela-
tado com certo bom humor) considera que ldquoisto eacute um dom que Deus daacute para as pessoas e que
elas precisam cumprir com esta obrigaccedilatildeordquo A imagem que nos cede para utilizaccedilatildeo neste
trabalho apresentada na paacutegina seguinte expressaria assim parte dessa autoconsciecircncia
Imagem 9- Clara Maria Cunha Professora MeacutediumUmbandista Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal 2019
15 Na religiatildeo afro-brasileira muitas satildeos as formas como as entidades se manifestam dentre estas haacute a linha de
mesa branca Satildeo pais matildees de santos e iniciados que desenvolvem trabalhos espirituais neste caso especiacutefico
natildeo haacute a utilizaccedilatildeo de tambores os cantos satildeo executados as entidades que se manifestam nos toques tambeacutem
arreiam na sessatildeo de mesa branca e realizam seus trabalhos de cura neste sentido existem pais de santo que
trabalham nas duas linhas de encantaria 16 O trabalho de seguranccedila realizado por pais e matildees se santo eacute uma atividade que se desenvolve uma chamada
espiritual eacute feito um trabalho para que as entidades que se manifestam naquele local incorporando nas pessoas se
afastem ou ateacute mesmo a pessoa que incorpora fica protegida pela orientaccedilatildeo dos pais de santos atraveacutes de suas
linhas de encantados
88
Procuramos saber da professora a respeito de como a escola enxergava os terreiros
que ficavam nas proximidades do estabelecimento e como ela concebia o papel da escola nes-
se contexto Sua resposta como que retoma o mesmo eixo argumentativo dos demais
A escola sabe abertamente que os casos de alunos que recebem enti-
dades existem que quando foi diretora adjunta sempre procurava
aproximar o debate entre os alunos mas as vezes as situaccedilotildees que al-
gumas pessoas natildeo compreendem acredito que a escola precisa fazer
um trabalho mais direcionado para as religiotildees comeccedilamos uma vez
a chamar dois pais de santo para explicar sobre o que acontecia na
escola mas soacute que isto foi a muito tempo precisamos entender uma
coisa ldquo noacutes somos galinha se Deus se ele chama um filho seu para
exercer uma funccedilatildeo ele tem que exercer ateacute mesmo na hora da morte
se Deus escolhe um filho tem que ir Deus daacute Deus tira assim mesmo
eacute com a religiatildeo (Clara Maria Cunha 2019)
A escola tem sua funccedilatildeo enquanto escola para ajudar esses alunos
agora agraves coisas soacute natildeo estatildeo melhores por que os umbandistas natildeo se
unem para fazer as coisas acontecerem talvez se tivesse mais uniatildeo a
situaccedilatildeo seria outra mas o importante eacute que estamos tentando fazer
alguma coisa por exemplo eu faccedilo minha parte explico como satildeo as
coisas e espero que entendam afinal cada um tem que seguir seu des-
tino o destino que Deus lhe deu (Clara Maria Cunha 2019)
Em siacutentese parece fato inconteste entre os docentes a importacircncia que deve ser dada
ao estreitamento de relaccedilotildees e de compreensotildees entre escolas e terreiros Outro aspecto que
fica evidenciado nos relatos eacute que na praacutetica a resistecircncia parece vir predominantemente da
cultura escolar visto que os terreiros e suas lideranccedilas sempre deram mostras praacuteticas de inte-
raccedilatildeo e abertura de vias de diaacutelogo A questatildeo se torna ainda mais intrigante quando se perce-
be que essas relaccedilotildees natildeo satildeo estreitadas mesmo que os proacuteprios docentes tambeacutem pertenccedilam
a religiotildees afro-brasileiras Quer dizer geralmente quando pensamos na questatildeo da inclusatildeo
dos temas relativos agrave histoacuteria e cultura afro-brasileira no espaccedilo escolar levantamos a questatildeo
do pertencimento religioso dos estudantes mas poucos satildeo os trabalhos que problematizam
como os professores lidam com sua proacutepria identidade religiosa nessas condiccedilotildees Embora
natildeo seja esta a questatildeo principal da presente pesquisa trata-se de um problema que requereria
anaacutelise mais cuidadosa uma vez que abre um insuspeitado espaccedilo para pensar as resistecircncias
oriundas da forma escolar hegemocircnica para inclusatildeo dessa temaacutetica
Tendo explorado como a comunidade escolar e seus agentes percebem as relaccedilotildees en-
tre escola e terreiro passaremos no capiacutetulo seguinte agrave exploraccedilatildeo da proacutepria dinacircmica comu-
89
nitaacuteria de onde retiramos algumas importantes liccedilotildees para aplicaccedilatildeo das oficinas pedagoacutegicas
que compuseram o produto final desta dissertaccedilatildeo
90
CAPIacuteTULO 4 ndash DA COMUNIDADE PARA A ESCOLA histoacuterias percepccedilotildees e experi-
ecircncias de um diaacutelogo possiacutevel
Meu Satildeo Benedito sua manga cheira
A cravos e rosas e flor de laranjeira
Meu Satildeo Benedito jaacute foi cozinheiro
E hoje eacute santo de Deus verdadeiro
Meu Satildeo Benedito estrela do norte
Guiai-me meu santo na vida e na
Morte
(Domiacutenio popular)
Talvez um dos fatos mais curiosos no decorrer da pesquisa foi agrave constataccedilatildeo de muitos
relatos de que alunos eram incorporados por encantados nos horaacuterios de aula Como vimos
nas entrevistas esses acontecimentos satildeo interpretados pelos docentes em funccedilatildeo do local
onde a escola foi construiacuteda Vaacuterios deles chegaram mesmo a explicar que como natildeo pediram
permissatildeo para construccedilatildeo da escola aos donos do local os ldquoencantadosrdquo as possessotildees ocor-
riam Outro fato importante relatado pelos docentes foi que sempre que ocorriam fatos dessa
natureza eles chamavam um pai de santo de um terreiro proacuteximo agrave escola para que assim o
problema pudesse ser resolvido Inclusive em uma dessas visitas para auxiliar alunos incor-
porados um pai de santo teria advertido quanto agrave necessidade de realizar um trabalho de des-
pacho para que este tipo de situaccedilatildeo parasse de acontecer Como seraacute visto no decorrer deste
mesmo capiacutetulo esses relatos tambeacutem satildeo muito comuns entre pais e matildees de santo que vi-
vem proacuteximos agrave escola
Para o momento eacute oportuno destacar o fato baacutesico que esteve no ponto de partida des-
te trabalho qual seja desde que tive a oportunidade de atuar profissionalmente na referida
escola sempre achei impressionante a quantidade de terreiros proacuteximos ao estabelecimento de
ensino sem que essa situaccedilatildeo produzisse efeitos sobre as iniciativas pedagoacutegicas em curso
voltadas para o diaacutelogo e integraccedilatildeo com a comunidade neste plano Obviamente devo incluir
nesse quadro as proacuteprias dificuldades que tive Essa dissertaccedilatildeo resulta justamente desse in-
cocircmodo e do sentimento de impotecircncia decorrente disso como tive a oportunidade de enfati-
zar paacuteginas atraacutes
91
Ocorre que observado com o olhar treinado pela passagem no mestrado em His-
toacuteria Ensino e Narrativas pude notar que essa disjunccedilatildeo entre escola e comunidade eacute bem
maior A impressatildeo que se tem eacute de que a escola constitui uma espeacutecie de forte contra as in-
cursotildees aberturas e janelas criadas pelo cotidiano mesmo da comunidade como se pode notar
ao observar a importacircncias das diversas festas populares que ocorrem no bairro Visto desta
perspectiva jaacute natildeo se trata aqui tatildeo somente das religiosidades afro-brasileiras como tambeacutem
da proacutepria dificuldade de incorporar ao espaccedilo escolar as temaacuteticas culturais e histoacutericas mais
amplas conectadas aos saberes e fazeres da cultura africana e afro-brasileira o que esteve no
princiacutepio do formato final de nossa proposta pedagoacutegica Em siacutentese a reflexatildeo sobre esse
quadro levou-me a tentar compreender como a instituiccedilatildeo escolar encontra-se em pleno des-
compasso com a integraccedilatildeo ao mundo cultural e histoacuterico das proacuteprias camadas populares e
suas diferentes representaccedilotildees
Enquanto no capiacutetulo anterior exploramos de maneira diagnoacutestica como a cultura es-
colar selecionada lida e percebe as relaccedilotildees entre escola e o legado da histoacuteria e cultura afro-
brasileiras neste trabalho pretendemos explorar parte da histoacuteria do bairro e dos terreiros
com foco sobre as casas localizadas proacuteximo agrave escola Para tanto apoacutes tecermos algumas con-
sideraccedilotildees a respeito das pesquisas realizadas nesse campo de estudos (baseando-nos princi-
palmente nos trabalhos regionais disponiacuteveis a respeito) passamos a uma breve incursatildeo so-
bre a dinacircmica do bairro e de suas festas populares as histoacuterias e memoacuterias dos terreiros e
lideranccedilas religiosas principais e suas visotildees sobre as relaccedilotildees entre terreiros e escolas Em
particular neste uacuteltimo eixo objetivamos saber dos Pais de Santo que aceitaram dar entrevis-
tas como eles observam o papel da escola naquela configuraccedilatildeo Por fim voltamo-nos para a
descriccedilatildeo das oficinas que realizamos na escola
Conveacutem esclarecer que se optamos por posicionar as oficinas neste capiacutetulo que
em tese seria mais voltado para o contexto externo da escola - o bairro seus terreiros e pesso-
as eacute porque concluiacutemos haver um potencial educativo notoacuterio no movimento que vai dos ter-
reiros para a escola Como visto ao longo das oficinas realizadas a sensaccedilatildeo que fica eacute de que
somente atraveacutes da realizaccedilatildeo de atividades planejadas didaticamente a partir do proacuteprio local
eacute que a instituiccedilatildeo escolar e seus profissionais poderatildeo avanccedilar no alcance de metas que jaacute
estatildeo claras muito embora encontrem diversas resistecircncias para sua efetivaccedilatildeo As oficinas
constituiacuteram pois uma ocasiatildeo para promoccedilatildeo do encontro desses dois mundos tatildeo proacuteximos
geograficamente contudo ao mesmo tempo tatildeo distantes em termos de reconhecimento
92
41 Perspectivas de investigaccedilatildeo sobre a histoacuteria e cultura afro-brasileiras no Maranhatildeo
Durante a uacuteltima deacutecada muita coisa mudou tambeacutem no acircmbito das religiotildees no Bra-
sil O censo de 2000 nos diz que o paiacutes estaacute hoje menos catoacutelico mais evangeacutelico e menos
afro-brasileiro Velhas tendecircncias foram confirmadas novas direccedilotildees vatildeo se impondo Religi-
otildees receacutem-criadas se enfrentam com as mais antigas velhas religiotildees assumem novas formas
e veiculam renovados conteuacutedos para enfrentar a concorrecircncia mais acirrada no mercado reli-
gioso (PRANDI 2003 p 16) Neste cenaacuterio de tracircnsito e novas denominaccedilotildees religiosas
ressaltamos a importacircncia de revisitar algumas concepccedilotildees sobre religiatildeo afro-brasileiras
Trata-se de um exerciacutecio importante natildeo apenas para municiar o trabalho com os aportes das
pesquisas realizadas sobre o tema como tambeacutem para fundamentar as intervenccedilotildees pedagoacutegi-
cas no cenaacuterio escolhido
Oriundas de formaccedilotildees sincreacuteticas no processo de escravizaccedilatildeo as religiotildees afro-
brasileiras mais antigas foram formadas no seacuteculo XIX (PRANDI 2000) Ao longo de todo
empreendimento colonizador o catolicismo era a religiatildeo do Estado participando ativamente
do processo de afirmaccedilatildeo do ethos europeu Nessa conjuntura as tradiccedilotildees religiosas africa-
nas eram vistas como formas religiosas demoniacuteacas devendo consequentemente ser extirpa-
das Para manter suas formas doutrinaacuterias originaacuterias os africanos trazidos para o novo mun-
do tiveram que adotar entatildeo estrateacutegias de sobrevivecircncia e adaptaccedilatildeo O sincretismo que se
pode identificar em diferentes festas religiosas populares e particularmente na maneira como
se combinam no universo afro-catoacutelico as relaccedilotildees entre santos e orixaacutes no Brasil e nas Ameacute-
ricas resultam concretamente dessas estrateacutegias (FERRETTI 1998) Obviamente aleacutem das
estrateacutegias de resistecircncia o que entra em pauta aqui tambeacutem eacute a recriaccedilatildeo de uma Aacutefrica sim-
boacutelica cuja forccedila e penetraccedilatildeo estende para muito aleacutem do acircmbito propriamente religioso
(PRANDI 2000)
Seja como for o fato eacute que as formas religiosas de origem africana firmaram espaccedilo
em solo brasileiro seja atraveacutes do candombleacute17
(PRANDI 2000) na Bahia do tambor de mi-
na18
do Maranhatildeo (FERRETI 1996) do xangocirc 19
de Pernambuco e do batuque20
do Rio Gran-
17 Candombleacute eacute uma religiatildeo afro-brasileira derivada de cultos tradicionais africanos na qual haacute crenccedila em um
Ser Supremo e culto dirigido a forccedilas da natureza personificadas nas formas ancestrais divinizados orixaacutes vo-
duns ou inquices dependendo da naccedilatildeo o estado da Bahia concentra um grande nuacutemero de terreiros de candom-
bleacute as casas satildeo dirigidas por babalorixaacutes e yalorixaacutes estes dirigentes possuem os conhecimentos do culto e sua
indicaccedilatildeo eacute feita pelos orixaacutes atraveacutes do jogo de buacutezios (PRANDI 2000 p 61) 18 Eacute a denominaccedilatildeo mais difundida das religiotildees afro-brasileiras no Estado do Maranhatildeo A pala-
vra tambor deriva da importacircncia do instrumento nos rituais de culto Mina deriva de negro-mina de Satildeo Jorge
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de do Sul (PRANDI 2000 p 62) da Umbanda21
(FELINTO 2012) no Rio de Janeiro entre
outros Trata-se no entanto de uma histoacuteria de resistecircncia que ainda se prolonga no tempo
dado que os cultos ainda sofrem perseguiccedilotildees por todo paiacutes e natildeo satildeo poucos os exemplos
contemporacircneos concretos de intoleracircncia religiosa no Brasil Em grande medida isto se deve
agrave proacutepria maneira como essas religiotildees foram concebidas pelo discurso religioso dominante
Mesmo diante das praacuteticas de intoleracircncia Os cultos afro-brasileiros sobrevivem como
uma rede de resistecircncia e apoio agrave populaccedilatildeo afrodescendente Vale explicitar as denominaccedilotildees
mais populares no Brasil O candombleacute que se instalou no estado da Bahia se desenvolve em
forma de casas templos onde a maioria dos adeptos moram e desenvolvem cerimonias agraves enti-
dades Os deuses cultuados nesta praacutetica religiosa satildeo os Orixaacutes forccedilas da natureza que invo-
cados incorporam nos seus filhos e executam danccedilas sagradas Paramentados com suas vestes
rituais nos cultos eles executam tambeacutem processos de cura e conversas com os participantes
(FELINTO 2012) Os orixaacutes mais populares no Brasil satildeo Exuacute Ogum Iansatilde Oxum Oxoacutes-
si Ossaim Obalouaecirc Oxumereacute Iemanjaacute Xangocirc Nanatilde e Oxalaacute todos esses deuses possuem
caracteriacutesticas especificas cores ferramentas e liturgias que acompanham a danccedila ritual co-
mo teremos a oportunidade de destacar no produto desta dissertaccedilatildeo
O Tambor de Mina popularmente difundido no Maranhatildeo natildeo se diferencia em muito
do candombleacute Os cultos acontecem em invocaccedilatildeo aos Voduns e Caboclos que visitam os
terreiros incorporando nos iniciados O ritual inicia-se em liacutengua de acordo com a naccedilatildeo ao
qual pertencem Os Voduns assim como os orixaacutes satildeo forccedilas que simbolizam elementos da
natureza No Maranhatildeo haacute trecircs importantes casas que foram fundadas por mulheres africanas
da Mina denominaccedilatildeo dada aos escravos procedentes da ldquocosta situada a leste do Castelo de Satildeo Jorge da Minardquo no atual Repuacuteblica do Gana trazidos da regiatildeo das hoje Repuacuteblicas do Togo Benin e da Nigeacuteria que eram co-
nhecidos principalmente como negros mina-jejes e mina-nagocircs (FERRETI 1996 35) 19 Xangocirc de Pernambuco tambeacutem conhecido como Xangocirc do Recife eacute uma religiatildeo afro-brasileira O nome eacute dado em virtude da popularidade e importacircncia de Xangocirc nessa regiatildeo (PRANDI 2000 p 60) 20 Batuque eacute uma denominaccedilatildeo as religiotildees afro-brasileiras de culto aos orixaacutes encontrados principalmente no
estado do Rio Grande do Sul Brasil de onde se estendeu para os paiacuteses vizinhos tais como Uruguai e Argentina
O batuque eacute fruto de religiotildees dos povos da Costa da Guineacute do Benim e da Nigeacuteria com as na-
ccedilotildees Jecircje Ijexaacute Oyoacute Cabinda e Nagocirc Hoje o Batuque possui centenas de casas e inuacutemeros praticantes e adep-
tos (PRANDI 2000 p 62) 21A Umbanda eacute uma religiatildeo brasileira que sintetiza vaacuterios elementos das religiotildees africanas e cristatildes poreacutem sem
ser definida por eles Formada no iniacutecio do seacuteculo XX no sudeste do Brasil a partir da siacutentese com movimentos
religiosos como o Candombleacute o Catolicismo e o Espiritismo Eacute considerada uma religiatildeo brasileira por exce-
lecircncia com um sincretismo que combina o Catolicismo a tradiccedilatildeo dos orixaacutes africanos e os espiacuteritos de origem
indiacutegena (FELINTO 2012 p15)
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e possuem grande longevidade a Casa das Minas22
(FERRETI 1996) que pertence ao tronco
Jecircje Nagocirc a Casa de Nagocirc23
(FERRETI 2009) que pratica ritos da cultura nagocirc e a Casa de
Fanti-ashanti24
com predominacircncia da Cultura Ashanti (FERRETTI 2000)
Igualmente como nas tradiccedilotildees religiosas em Aacutefrica estas casas trabalham na ideia de
hierarquia tendo na pessoa do pai e da matildee de santo os responsaacuteveis por conduzirem os cultos
Na Casa das Minas os Voduns satildeo representados sobre a noccedilatildeo de famiacutelias sob o comando de
seus chefes Os mais conhecidos satildeo Toacutei Zomadocircnu o dono da Casa das Minas famiacutelia de
Quevioccedilocirc famiacutelia de Toacutei Acoacutessi Sapataacute Odan Toacutei Dadarrocirc Toacutei Doccediluacute-Bogueccedilagajaacute Toacutei Be-
digaacute Nochegrave Sepazin e Toacutei Averequecircte (FERRETI 1996) A Casa de Nagocirc dedica-se aos cul-
tos dos orixaacutes nagocircs como Afrekete Ogum Iemanjaacute Logunedeacute Yewaacute aleacutem de contar tam-
beacutem com entidades caboclas chamadas de Gentis a exemplo de Dom Luiacutes Rei de Franccedila
Dom Joatildeo Dom Floriano Seu Zezinho de Amaramadatilde Rei da Turquia Seu Leacutegua Bogi Jo-
atildeo da Mata (FERRETI 2009) A Casa de Fanti- Ashanti eacute uma conhecida casa de culto no
Maranhatildeo que realiza toques de mina e baiatildeo (FERRETI 1991)
Outro forte aspecto da religiatildeo afro-brasileira eacute a Umbanda considerada como uma
crenccedila genuinamente brasileira A Umbanda tem seus fundamentos firmados com elementos
do candombleacute catolicismo e espiritismo combinando uma variedade de entidades que se ma-
nifestam nos terreiros em casos de iniciados (FELINTO 2012 p15) Os ritos satildeo diversifica-
dos na maneira como se desenvolvem Os cultos se apresentam com entidades das mais dife-
rentes naccedilotildees como iacutendios orixaacutes fidalgos e caboclos entre outros o que a torna uma mani-
festaccedilatildeo diversificada
22 Tambor de mina eacute uma religiatildeo de matriz africana organizada no Maranhatildeo na primeira metade do seacuteculo
XIX) FERRETI M 2009 p 2) A Casa das Minas ou Querebentatilde de Zomadocircnu localizada na Rua Satildeo Panta-
leatildeo atual Rua Senador Costa Rodrigues bairro da Madre de Deus em Satildeo Luiacutes eacute a mais antiga casa de religiatildeo
afro-brasileira do Maranhatildeo Foi provavelmente fundada em meados do seacuteculo XIX por negros jecircje oriundos do
sul de Benin (antigo Daomeacute) A memoacuteria oral transmitida entre as geraccedilotildees conta que a Casa das Minas foi fundada por Maria Jesuiacutena ndash que adorava Zomadocircnu e que teria passado pelo ritual para se tornar matildee ainda na
Aacutefrica (FERRETI 1996 p 39) 23A Casa de Nagocirc eacute uma casa de Tambor de Mina localizada no centro histoacuterico de Satildeo Luiacutes no estado
do Maranhatildeo Dedica-se ao culto dos orixaacutes nagocircs foi fundada agrave eacutepoca do Brasil Impeacuterio
por malungos africanos Dedica-se ao culto dos orixaacutes nagocircs possuindo hierarquia matriarcal uma de suas mais
importantes voduacutensis foi a Matildee Dudu por quem era conhecida Victorina Tobias Santos (1886-1988) filha de
Iemanjaacute e que muito contribuiu para o seu tombamento (FERRETI M 2009 p3) 24A Casa Fanti-Ashanti foi fundada em 1954 Os Fanti e os Ashanti eram povos da antiga Costa do Ouro atual
Repuacuteblica de Gana Eacute uma Casa de Mina e Candombleacute que manteacutem a tradiccedilatildeo desde sua fundaccedilatildeo Haacute tambeacutem
rituais ligados agrave pajelanccedila ao catolicismo popular (Espiacuterito Santo) (FERRETI M 2000 p5)
95
Em suma como bem destacado por Carlos Benedito Rodrigues da Silva (2015) essa eacute
uma histoacuteria de sincretismo que emerge a partir da proacutepria diaacutespora que perpassa as relaccedilotildees
assimeacutetricas entre colonizadores e colonizados mas que tambeacutem denota o movimento dinacirc-
mico de transgressatildeo adaptaccedilatildeo irreverecircncia que eacute protagonizado pelos negros e afrodescen-
dentes e que constroem novas relaccedilotildees com a religiosidade O que ldquoresulta portanto em no-
vos elementos interpretativos que datildeo conta da anaacutelise de um cenaacuterio social altamente plura-
lizado de reconstruccedilatildeo das tradiccedilotildees de redefiniccedilotildees de identidades de ressignificaccedilotildees da
vida cotidianardquo (SILVA 2015 p 161)
Deslocando um pouco o eixo de argumentaccedilatildeo anterior valeria agrave pena tecer algumas
consideraccedilotildees a respeito das pesquisas realizadas sobre religiatildeo e cultura popular no Mara-
nhatildeo Para tanto recorro principalmente ao trabalho de Ferretti (2015) um dos principais res-
ponsaacuteveis pelo incentivo ao estudo sobre as religiotildees de origem africana na regiatildeo Conforme
o autor diferentemente de outras regiotildees como a baiana no Maranhatildeo eacute basicamente a partir
da deacutecada de 1980 com os trabalhos do proacuteprio autor e da pesquisadora Mundicarmo Ferreti
que a temaacutetica comeccedila a ganhar destaque dentro da universidade Paulatinamente umas seacuteries
de alunos da graduaccedilatildeo e do mestrado comeccedilaram a redigir trabalhos sobre religiotildees de ori-
gem africana nos quadros do Grupo de Pesquisa Religiatildeo e Cultura Popular iniciado em 1992
no Departamento de Sociologia e Antropologia e em diversos programas de Poacutes-Graduaccedilatildeo
da Universidade Federal do Maranhatildeo Da mesma forma ganha destaque os trabalhos publi-
cados no Boletim da Comissatildeo Maranhense de Folclore (CMF) conformando aportes funda-
mentais para o estudo da temaacutetica em nosso meio (FERRETTI 2015) Deve-se dar destaque
tambeacutem agraves pesquisas que vecircm sendo realizado por Silva (2015) acerca das festas populares e
que tem tambeacutem enfatizado o quanto haacute um entrelaccedilamento de diferentes religiosidades e cul-
turas na populaccedilatildeo maranhense
42 Descrevendo o bairro Satildeo Benedito festas populares e tracircnsitos religiosos
O Bairro Satildeo Benedito faz divisa ao leste com os bairros de Cearaacute e Centro (Tra-
vessa Comandante Joseacute Santos) ao norte com os bairros Centro e Brasiacutelia (Rua Getuacutelio Var-
gas) ao oeste com o bairro Rodagem (Rua Joaquim Reis) ao sul faz divisa com o Rio Satildeo
Lourenccedilo (FUNASA 2019) Atualmente possui um conjunto arquitetocircnico de 1016 (mil e
dezesseis) preacutedios distribuiacutedos entre residecircncias preacutedios comerciais igrejas e terreiros de
cultos afros Apresentamos abaixo um mapa para permitir a visualizaccedilatildeo do periacutemetro do
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bairro Atenccedilatildeo deve ser dada agrave posiccedilatildeo geograacutefica do Centro de Ensino Joatildeo Marques Mi-
randa posicionado no centro do bairro
Imagem 10- Mapa do Bairro de Satildeo Benedito
Fonte Google Maps 2019
Do ponto de vista da distribuiccedilatildeo dos estabelecimentos religiosos o bairro estaacute distri-
buiacutedo da seguinte maneira na Praccedila Siqueira Campos fica localizada a igreja de Satildeo Benedi-
to na Travessa Vilela de Abreu estaacute situado o Templo da Igreja Quadrangular e na Rua Joatildeo
Miranda o Templo da Assembleia de Deus e em todo bairro localizamos 18 (dezoito) terrei-
ros de religiatildeo de matriz africana e 09 (nove) quartos altares25
dos quais falaremos mais adi-
ante A populaccedilatildeo que reside no bairro gira em torno de 2439 (dois quatrocentos e trinta e
nove) habitantes (FUNASA 2019) e da mesma forma que para o restante do municiacutepio o
puacuteblico eacute majoritariamente negro
A histoacuteria do bairro possui uma relaccedilatildeo muito proacutexima com o aparecimento da ima-
gem de Satildeo Benedito Populares contam que ela foi encontrada sobre uma pedra onde foi edi-
ficado o primeiro barracatildeo para realizaccedilatildeo dos primeiros cultos local onde hoje estaacute construiacute-
do o santuaacuterio ainda conforme esses relatos a referida imagem possuiacutea algumas caracteriacutesti-
cas como mudar de local jorrar sangue ao ser perfurada tendo inclusive sido levada agrave Santa
25 Denominaccedilatildeo empregada para se referir a espaccedilos onde os pais matildees que ainda natildeo possuem barracatildeo exer-
cem suas atividades espirituais dentre estas trabalhos de consultas e curas e obrigaccedilotildees onde guardam seus
relicaacuterios para os filhos de santos eacute o espaccedilo onde iniciam sua aprendizagem ateacute assumirem postos de pais e
matildees de santo ( AHLET 2016 p 277) Haacute religiosos que preferem os quartos altares em vez de barracotildees afir-
mando ser muita responsabilidade assumir um terreiro Encontramos muitos casos na pesquisa como o Senhor
Sebastiatildeo Conde que afirma preferir seu quarto de segredo em virtude de ter outras profissotildees e natildeo poder se
dedicar aos cultos (BASTINHO 2019)
97
Seacute (RIBEIRO 2014) Esta compotildee inclusive parte das principais narrativas alimentadas em
torno do conhecido festejo ao Glorioso Satildeo Benedito
De maneira geral conforme o historiador Paulo Henrique Ribeiro (2014) o surgimen-
to dos primeiros cultos em homenagem ao santo remonta a meados do seacuteculo XIX Para tanto
destacou-se o papel da Irmandade negra de Satildeo Benedito a qual apesar de natildeo ser regula-
mentada seguia os mesmos padrotildees de irmandades registradas A notoriedade e longevidade
histoacuterica do festejo remonta portanto a esse contexto (COSTA 2014)
Quanto agrave construccedilatildeo das edificaccedilotildees Ribeiro (2014) afirma que a primeira igreja em
devoccedilatildeo ao santo foi construiacuteda em 1871 tendo sido reformada e ampliada em 1926 O tem-
plo que seguia os padrotildees com apenas uma torre sineira teve sua fachada alterada para o atual
modelo somente em 1986 permanecendo hoje com trecircs torres tendo sido chamado desde
entatildeo de Santuaacuterio de Satildeo Benedito (COSTA 2014)
O Bairro de Satildeo Benedito tem no festejo ao padroeiro um exemplo muito concreto dos
fortes tracircnsitos entre o sagrado e o profano na localidade O festejo acontece na primeira se-
mana de outubro em forma de novenaacuterio catoacutelico possuindo um seacuteculo e meio de festivida-
de Aleacutem das missas o festejo tambeacutem conta com uma seacuterie de outras atividades organizadas
por grupos de leigos Destaca-se nesse sentido as atividades de muacutesicas de orquestra agrave noite
e o tradicional leilatildeo que acontece ao teacutermino das missas Neste os objetos leiloados satildeo ori-
undos de promessas feitas por devotos que comprovam o recebimento de graccedilas alcanccediladas
por intermeacutedio do santo Aleacutem das festividades durante os dias de festejo haacute pagamentos de
promessas ofertas de presentes vigiacutelia Pungadas e rimas na roda de tambor tambeacutem satildeo or-
ganizadas recorrentemente
Agravequeles que jaacute estatildeo acostumados com o sincretismo dessas festas religiosas talvez
natildeo se torne assim tatildeo claro o quanto esses eventos mesclam siacutembolos culturais e identitaacuterios
distintos criando um acontecimento social bastante dinacircmico Esse ambiente de trocas e tracircn-
sitos religiosos torna comum ao longo do ciclo dos eventos na localidade agrave introduccedilatildeo do
tambor de crioula de ladainhas toque aos voduns homenagens a caboclos e procissotildees Essas
praacuteticas evidenciam a dinacircmica religiosa que eacute constitutiva do bairro de Satildeo Benedito com
seus templos catoacutelicos templos-terreiro e templos de matriz africana que de uma forma ou de
outra aglutinam a populaccedilatildeo que transitam nos campos da religiosidade popular cururupuense
Inferimos portanto que esses devotos em sua maioria antes mesmo de participarem
de atividades que aos olhos de muitos desconstruiria a imagem idealizada do bom devoto
participam religiosamente dos cultos de matriz catoacutelica demonstrando como o festejo cami-
98
nha com essa dinacircmica Os tambores que soam em homenagem ao santo traduzem ao mesmo
tempo uma troca nesses espaccedilos de religiosidades mas tambeacutem a permanecircncia de uma cultura
ancestral que vieram com os negros escravizados para esta terra isto evidencia que a ldquoassoci-
accedilatildeo entre sagrado e profano dentro da cultura negra permitiu que esses transladados e seus
descendentes cultivassem natildeo soacute uma cultura musical mas tambeacutem uma permanecircncia religio-
sa de sua terrardquo (CUTRIM 2016 p264)
Haacute exatos oitenta anos o cotidiano do bairro eacute animado por um coro de vozes sobretu-
do nos dias de festejo sendo a melodia mais executada O hino em louvor a Satildeo Benedito
guarda um fato curioso acerca de sua composiccedilatildeo Tendo sua primeira versatildeo composta no
ano de 1938 (MARLINA MIRANDA 2019)26
pelos cururupuense Manoel Miranda e Libera-
lino Miranda muacutesicos renomados na memoacuteria no bairro foi somente deacutecadas depois quando
da vinda da missatildeo canadense para Cururupu que o hino adquiriu o seu formato final devido
agrave colaboraccedilatildeo do Padre Joatildeo Fillion o qual inseriu duas estrofes na composiccedilatildeo Expomos
abaixo o hino em sua versatildeo mais atual ndash aquela que eacute entoada nas atividades regulares do
festejo
Haacute humildade privileacutegios de almas puras que os anjos cultivam nesta Val
quero tecirc-la como tu bem a tiveste sendo meu fanal
(Refratildeo)
Vecirc teus filhos na tormenta desta vida Benedito laacute no seu trono de luz roga a Deus uma benccedilatildeo bem fecunda ao paiacutes da santa cruz
Deus altiacutessimo no ceacuteu te resplandece povo humilde nesta terra te bendiz
manifesta-se em cantos de louvor gente bem feliz Glorifico nesta hora e para sempre o teu nome excelso em cada geraccedilatildeo
manso e puro como tu Satildeo Benedito quero ser cristatildeo
Tu que vives laacute perto do nosso Deus ensinai-nos a praticar o amor para que tambeacutem conquistemos os ceacuteus com todo ardor
Fortifica-nos em nossa caminhada para um Reino de verdade e de paz con-
fiantes esperamos tua ajuda que tudo nos faz (Manoel Miranda Liberalino
Miranda Joatildeo Fillion Marlina Miranda)
Com efeito caberia tambeacutem destacar a importacircncia de outro festival que tem lugar no
Bairro de Satildeo Benedito Trata-se do Festival de Carro de boi que eacute realizado no mecircs de no-
vembro exatamente no Dia Nacional da Consciecircncia Negra A histoacuteria do festival tem iniacutecio
no ano de 2011 por iniciativa da Associaccedilatildeo de Moradores de Rio de Pedra e o Instituto Ne-
gro Cosme Maria de Nazareacute que eacute uma das organizadoras narra que o festival tem uma his-
toacuteria bastante interessante
26 Marlina Miranda eacute uma professora aposentada que reside no bairro de Satildeo Benedito filho do muacutesico cururu-
puense Manoel Miranda eacute pesquisadora de cultura popular compositora e foliatilde eacute a guardiatilde dos antigos blocos de
mulheres haacute 16 anos comanda o Bloco de Mulheres ldquoCOMO ANTIGAMENTErdquo no carnaval de Cururupu
(MARLINA MIRANDA 2019)
99
De acordo com a informante quando da visita de um pesquisador que estudava as co-
munidades quilombolas e que achou muito bonito o som que era emitido pelas rodas dos car-
ros de boi quando estas estavam em movimento este propocircs agrave comunidade que realizassem
alguma atividade para evidenciar aquele som e aquele haacutebito cultural Segundo argumento
aleacutem do som os carros de boi eram sinal de uma resistecircncia que mereceria ser celebrada em
um festival
Imagem 11- Festival do Carro de Boi na Praccedila Satildeo Benedito CururupuMA
Fontelthttpcururupumagovbrnoticiax-encontro-de-carro-de-bois-cortejo-
acontece- neste-domingo282 gt Acesso em 10 de mar 2019
Ainda conforme nossa informante logo no iniacutecio o evento foi realizado no bairro do
Armazeacutem (Praccedila Guarani) o que ela considera natildeo ter tido o objetivo esperado Jaacute no ano se-
guinte ele foi transferido para a Praccedila de Satildeo Benedito ganhando o status que tem hoje O
evento acontece em trecircs dias Uma semana antes da culminacircncia satildeo realizadas atividades de
Accedilatildeo Social Durante essa atividade os organizadores providenciam uma equipe de meacutedicos e
enfermeiros para realizar diferentes atividades como afericcedilatildeo da pressatildeo e testes laboratoriais
raacutepidos Aleacutem disso na abertura da festividade eacute realizada a missa dos quilombos Poreacutem
para Maria de Nazareacute essa missa acaba por natildeo ter o mesmo puacuteblico esperado das missas tra-
dicionais visto que parece haver resistecircncia por parte de uma parcela da comunidade que natildeo
aceitam a missa aos moldes como se apresentam Por fim encerra afirmando que
Pra noacutes comeccedilarmos essa missa tivemos que recorrer a Meridelma
que faz parte da igreja pra nos ajudar a organizar a missa na igreja
mas mesmo assim ainda tem resistecircncia de alguns membros Eles vatildeo
100
ter que se acostumar porque o santo eacute negro e a missa eacute pra negro
que eles queiram ou natildeo noacutes vamos resistir noacutes temos que mostrar
nossa cultura (MARIA DE NAZAREacute 2019)
Na programaccedilatildeo haacute uma noite cultural com demonstraccedilatildeo de manifestaccedilotildees afro e ao
final a realizaccedilatildeo do Concurso Beleza Negra Mirim No terceiro dia logo pela manhatilde eacute ofere-
cido um cafeacute da manhatilde partilhado em que as comunidades contribuem com uma iguaria da
sua produccedilatildeo Atualmente o cafeacute eacute servido em dois extremos da cidade um no bairro de Ro-
dagem no Siacutetio Pascoal e outro no bairro de Pitombeira A culminacircncia acontece com a saiacuteda
dos dois cortejos com os carros se encontrando no bairro Rodagem onde inicia o cortejo pelas
ruas de Cururupu guiadas por grupos de tambor de crioula
Nesse Festival o cortejo eacute composto da seguinte forma carro cantador carro original
com as seacutebias27
e carro ornamentado com elementos da roccedila Ao final do evento satildeo entregues
trofeacuteus e certificados aos participantes Ressalta-se que dentro do contexto histoacuterico dos feste-
jos realizados no bairro de Satildeo Benedito haacute uma participaccedilatildeo efetiva dos devotos cada um
com suas proacuteprias peculiaridades Outro aspecto a ser destacado aleacutem da forte presenccedila da
comunidade eacute que esses festejos conferem lugar especial agrave presenccedila dos siacutembolos negros
Quer dizer aleacutem de alimentarem devoccedilotildees e ofertarem diversatildeo aos seus fieacuteis e participantes
dando mostras do caraacuteter intrinsecamente sincreacutetico das festas populares eles tambeacutem const i-
tuem iniciativas que contribuem para a valorizaccedilatildeo da memoacuteria dos legados e valores associ-
ados agrave populaccedilatildeo negra e sua ancestralidade
Quer dizer seria questionaacutevel perceber nesses eventos somente o seu cunho festivo
propriamente dito Eacute notoacuteria a presenccedila da busca de atividades que reverenciem a resistecircncia
do povo negro ao longo da histoacuteria bem como o papel devotado dos envolvidos em trabalhar a
questatildeo poliacutetica como forma de evidenciar o papel do movimento negro Maria de Nazareacute ao
se referir sobre os caminhos que o Festival deve traccedilar argumenta que a pretensatildeo eacute que esses
movimentos cheguem agraves escolas fazendo parte do calendaacuterio como uma atividade que agrega
valores agrave comunidade e sobretudo resgata a ancestralidade da formaccedilatildeo do povo cururupuen-
se No tocante a isto percebemos a importacircncia dos festejos e das histoacuterias vivenciadas no
bairro como uma construccedilatildeo de identidades compartilhadas a partir das quais esses sujeitos
organizam formas de demarcar os espaccedilos como possiacuteveis de reaver as contribuiccedilotildees das po-
pulaccedilotildees ali envolvidas na formataccedilatildeo da sociedade cururupuense inserindo nisto a participa-
27 Trama de vara e cipoacute feita para colocar do lado da mesa do carro auxiliando na proteccedilatildeo dos materiais ali
alojados atualmente as seacutebias satildeo feitas de ripas com prego no Festival de Carro de Boi o criteacuterio satildeo seacutebias
artesanais feitas em material bruto
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ccedilatildeo dos diferentes povos que contribuem para esta organizaccedilatildeo observamos nestes eventos
uma convivecircncia nas relaccedilotildees que aproximam os envolvidos numa construccedilatildeo de parcerias
43 Histoacuterias de terreiros terrenos de memoacuterias e de histoacuterias
A finalidade principal deste toacutepico eacute descrever e apresentar algumas das histoacuterias
de pais e matildees de santo que aceitou nos dar entrevistas e cujos terreiros situam-se em torno
do Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda Essas entrevistas foram realizadas em tom de
bastante receptividade muito embora as respostas obtidas tenham sido bastante tiacutemidas Seja
como a despeito do caraacuteter conciso das respostas e daquilo que eacute suscetiacutevel de ser discutido
aqui ainda assim suas histoacuterias ajudam a compreender parte da histoacuteria do local e das rela-
ccedilotildees entre terreiros e escolas A compreensatildeo disso eacute tanto mais importante quanto se sabe
que a escola se encontra em uma situaccedilatildeo limiacutetrofe com diversos terreiros o que poderia fa-
vorecer uma aproximaccedilatildeo entre esses espaccedilos e seus processos educativos Abaixo segue um
mapa em que indicamos os terreiros que existem proacuteximos ao estabelecimento de ensino
Imagem 12- Terreiros do Bairro de Satildeo Benedito
Fonte Google Maps 2019
Apresentamos uma lista dos terreiros e dos quarto altares que circundam o Centro de
Ensino Joatildeo Marques Miranda e seus dirigentes Em boa medida satildeo esses espaccedilos e suas
atividades que dinamizam o calendaacuterio afro-religioso cururupuense
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01 Terreiro Pingo Drsquoaacutegua28
- Matildee de Santo Isabel Mineira (in memoriam)
Travessa Vilela de Abreu sn
02 Quarto altar- Pai de Santo Fracircncio Jacircnio Veras-Travessa Coelho Neto nordm
53
03 Terreiro Pai Joaquim de Angola- Pai de Santo Luiacutes Afonso-Travessa
Satildeo Joseacute nordm 01
04 Terreiro Santo Antonio-Matildee de Santo Maria Bebo Soeira 29
(in memori-
am) Rua Dr Laacutezaro Ramos snordm
05 Terreiro Santa Baacuterbara- Pai de Santo Edimir Mota- Rua Clodoaldo Ri-
beiro nordm- 39
06 Terreiro Santa Baacuterbara- Matildee de Santo Edina Pires- Rua Joatildeo Miranda
nordm 245
07 Quarto altar- Pai de Santo Deiran- Rua Joaquim Reis nordm 38
08 Terreiro Santa Luzia- Matildee de Santo Faacutetima Cordeiro-Travessa Satildeo Joseacute
nordm 207
09 Terreiro Santa Baacuterbara- Matildee de Santo Valdelina-Travessa Coelho Neto
nordm 74
10 Quarto altar- Pai de Santo Daacuterio-Rua General Osoacuterio nordm 250
11 Quarto altar- Pai de Santo Sebastiatildeo Conde- Travessa Satildeo Joseacute nordm 43
12 Terreiro Satildeo Sebastiatildeo - Pai de Santo Jorge de Abdias- Rua Celso Fari-
as nordm247
13 Terreiro Deus eacute quem Guia - Pai de Santo Joseacute Maria Ramos-Rua Joatildeo-
zinho Reis nordm316
14 Quarto altar- Iniciada Tereza Cadete Rua-Joaquim Reis nordm 33
28 O Terreio Pingo drsquoagua considerado o primeiro terreiro de Tambor de Mina em Cururupu fundado na deacutecada
de 1920 o terreiro era uma construccedilatildeo em forma de navio em homenagem ao seu guia Marinheiro nos dias de toque era iccedilada a bandeira nas cores azul e branco marcando o inicio das festividades em homenagem aos vo-
duns guias e caboclos da casa (FERRETI M 2015 p168) A menccedilatildeo ao Terreiro Pingo drsquoaacutegua se deu por conta
dos relatos que coletamos dos entrevistados a dirigente que faleceu na deacutecada de noventa faz parte do repertoacuterio
de memoacuterias do bairro portanto achamos importante a alusatildeo muito embora merecida independente dos relatos
pois acreditamos tratar-se de uma grande referecircncia para os cultos afro-cururupuense 29 Maria Bebo Soeira ou simplesmente Maria Bebinha foi uma importante e conhecida matildee de santo do bairro de
Satildeo Benedito seu terreiro era bem proacuteximo ao cemiteacuterio municipal Maria Bebinha era muito procurada por suas
praticas de cura os entrevistados a lembram com grande reverecircncia como uma das matildees de santo que contribui
para difusatildeo da religiatildeo na cidade Falecida em 2016 Maria de Bebinha eacute na memoacuteria da populaccedilatildeo local uma
grande referecircncia por sua enorme contribuiccedilatildeo acreditamos que se faz necessaacuterio uma alusatildeo ao legado que
ajudou a construir como Matildee de Santo isto em favor da religiatildeo afro-cururupuense
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Para explorar parte dessa histoacuteria natildeo poderiacuteamos fazer isso sem recorrer agrave histoacuteria da
mais influente matildee de santo de Cururupu a qual teve uma geraccedilatildeo de filhos e filhas de santo
que ajudaram a difundir o culto no municiacutepio Na sua trajetoacuteria como matildee de santo em quase
68 anos de dedicaccedilatildeo a religiatildeo africana a fez ser considerada como a maior matildee de santo de
Cururupu como assim eacute relembrada pelos pais e matildees de santos as quais entrevistamos Era
devota de Santa Rosa de Lima e juntamente com a ajuda de filhos e colaboradores realizava
no mecircs de agosto uma festa em homenagem a Santa O Festejo acontecia em trecircs dias com
levantamento de mastro toque aos deuses e nele a devota recebia a entidade Rosinha filha
caccedilula de Rainha Rosa e da famiacutelia de Leacutegua Bogi (FERRETI M 2015 p169)
Sua ligaccedilatildeo com a santa se deu por ocasiatildeo de uma promessa feita Como relatado agrave
Mundicarmo Ferretti (2015) na conversa disse que se atendida andaria de joelho e levantaria
uma irmandade para festejaacute-la Para cumprir com a segunda parte da promessa trabalhou mui-
to (FERRETI M 2015 p 170) Apoacutes todo esse esforccedilo finalmente abriu deu terreiro e a par-
tir de entatildeo nunca mais parou com a devoccedilatildeo e os cultos as entidades Vale ressaltar que aleacutem
de mineira ela foi tambeacutem parteira realizando mais de 6000 mil partos No carnaval ela in-
centiva a um bloco chamado ldquoBaralhordquo em que as participantes usavam maacutescaras Em 1995
foi homenageada pelo Bloco Afro Omniraacute Isabel Mineira faleceu aos 90 anos deixando um
legado aos cultos africanos em Cururupu
Imagem 13- Matildee de Santo Isabel Mineira em toque de Mina CururupuMA
Fonte Arquivo da Famiacutelia
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Fracircncio Jacircnio da Silva Veras eacute natural de Cururupu nascido em 11 de novembro de
1983 na ilha de Guajerutiua Atualmente eacute o Secretaacuterio de Cultura de Cururupu e ao longo de
sua gestatildeo tem desenvolvido trabalhos junto com os pais e matildees de santos do municiacutepio Jaacute
realizou vaacuterios eventos enfocando as religiotildees africanas Sua residecircncia estaacute localizada na
Travessa Coelho Neto nordm 53 bairro Satildeo Benedito Seu contato com as entidades comeccedilou
muito cedo quando ainda tinha trecircs anos de idade Nessa eacutepoca morava na ilha de Guajerutiua
Ele relata que sempre que passava por peacutes de cajueiro sentia uma energia que ateacute entatildeo natildeo
sabia explicar mas sentia alguma forma de atraccedilatildeo
O pai de santo narra que sua relaccedilatildeo vem de seu avocirc o senhor Olegaacuterio que era reno-
mado vidente da cidade A seu respeito conta que tinha uma notaacutevel habilidade para perceber
as mais diversas situaccedilotildees nas pessoas a exemplo de casos de doenccedila que precisam de trata-
mento antes mesmo da doenccedila se manifestar Sua famiacutelia era de maioria evangeacutelica por isso
encontrou dificuldades para solucionar suas possessotildees quando jovem Em nossa entrevista
ele narrou que sua avoacute o levava para os cultos evangeacutelicos mas ele natildeo gostava e entatildeo co-
meccedilava a puxar sua saia e chorar Neste intervalo passavam pelo anajaacute que o deixava de so-
breaviso por conta da energia que este transmitia sempre que passava por ele
Imagem 14- Pai de Santo Fracircncio Jacircnio da Silva Veras CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
Foi em Cururupu que frequentou o seu primeiro terreiro o de Faacutetima Cadete sendo
que sua primeira feitura foi realizada por ela Mesmo assim soacute teve seu trabalho definitivo aos
18 anos quando a matildee de santo Deusonete se propocircs a realizar seu trabalho sem cobrar nada
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Como nos descreve tem como guia de frente Raio de Sol como contra guia Joseacute Toacuteia Tupi-
nambaacute caboclo farrista o marinheiro Mariano e a cabocla Mariana Com a vivecircncia atual-
mente tornou-se pai de santo com jaacute cinco filhos de santo preparados
Fracircncio frequentou a escola Joatildeo Marques Miranda tendo cursado o ensino fundamen-
tal menor nesse estabelecimento Desse periacuteodo relata inuacutemeros casos de possessatildeo que pre-
senciou na escola Sua explicaccedilatildeo semelhante agrave dos professores do estabelecimento ressalta
que essa frequecircncia se deu por conta da construccedilatildeo da escola sem que fosse solicitada a auto-
rizaccedilatildeo dos encantados que ali habitavam Quando perguntado sobre como a escola deveria
trabalhar as religiotildees de matriz africana o pai de santo foi bem enfaacutetico ao falar que
A religiatildeo que realmente predomina em Cururupu eacute a religiatildeo africa-
na as pessoas quando perguntada qual sua religiatildeo eles sempre res-
pondem catoacutelica no entanto todo catoacutelico tambeacutem frequenta os ter-
reiros muitos natildeo assume por vergonha a pessoa vai uma vez agrave igre-
ja e no terreiro vai mais de uma vez na semana os problemas espiri-
tuais satildeo resolvidos nos terreiros e natildeo e na igreja portanto satildeo mais
umbandista Com relaccedilatildeo agrave escola tanto os terreiros como a escola
deveriam orientar as pessoas a seguir a religiatildeo acredito que falta
comunicaccedilatildeo os pais de santo precisam mudar a maneira como apre-
sentam o ritual muitas vezes quando vamos a um terreiro para um
culto nos deparamos com sangue animais mortos isto atrapalha a
pessoa a se identificar na religiatildeo acredito que aleacutem da doutrina os
pais de santo deviam criar sua doutrina tambeacutem para repassar a seus
disciacutepulos como forma de que saibam divulgar a religiatildeo de maneira
correta e natildeo com essa visatildeo deturpada que se apresenta na cidade
Nos terreiros tambeacutem se ensina como ser boa pessoa como tratar os
outros isto que o que pretendo assim que levantar meu barracatildeo
(Fracircncio Jacircnio da Silva Veras Pai de Santo entrevista coletada em 25
de janeiro de 2019)
Luiacutes Afonso Silva Azevedo nasceu em Cururupu na Santa Casa de Misericoacuterdia em
fevereiro de 1965 eacute gecircmeo com seu irmatildeo Afonso Luiacutes que tambeacutem eacute pai de Santo no muni-
ciacutepio de Serrano do Maranhatildeo cidade que fica a 32 km de Cururupu Morou em Guajerutiua
por alguns anos ateacute mudar-se para o estado do Paraacute onde se fundamentou ainda mais nos pre-
ceitos da religiatildeo Seu contato com os encantados acorreu muito cedo dentro do ciacuterculo fami-
liar Como destaca seu viacutenculo com a mina se deu em parte porque havia uma tia proacutexima que
era mineira Sua matildee de Santo foi Sebastiana Chaves (Ceceacute) afamada vidente e curandeira de
Areia Branca quem o iniciou na linha de cura com o pai de Santo o senhor Jaime quem o que
introduziu no tambor de mina por isso se considera mineirocurador
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Imagem 15ndash Pai de Santo Luiacutes Afonso Silva Azevedo Cururupu- MA
Fonte Arquivo pessoal
Seu terreiro fica localizado agrave Rua Satildeo Joseacute ndeg 01 Bairro de Satildeo Benedito a uma qua-
dra de escola Joatildeo Marques Miranda O nome de sua casa eacute uma homenagem a seu patratildeo Pai
Joaquim de Angola primeira entidade a baixar na sua cabeccedila Tem como guia o caboclo Cea-
rense contra guia Dona Jarina e como caboclo farrista Zeacute Raimundo O pai de santo relata
que por algumas vezes foi convocado pela professora Floranilde Silva ao Centro de Ensino
Joatildeo Marques Miranda para ajudaacute-la a resolver problemas de possessatildeo em alunos diz que
sempre que era solicitado ele estava disposto a atender pois sabia da espiritualidade presente
naquele local O terreiro do senhor Luiacutes Afonso realiza toques aos encantados e festejo ao
dono de sua cabeccedila Pai Joaquim de Angola aleacutem de ministrar consultas agraves pessoas que o pro-
curam em busca de conforto espiritual
Quando questionado sobre a discriminaccedilatildeo que passam as religiotildees de matriz africana
disse que
A cidade precisa fundar uma associaccedilatildeo de umbandista para que
possa nos orientar casos de discriminaccedilatildeo Isso tambeacutem se vecirc na es-
cola a meu ver a escola natildeo tem religiatildeo acho que todo mundo tem o
direito de escolher qual religiatildeo quer seguir mas que precisa de um
educador para explicar como funciona a religiatildeo de culto afro brasi-
leiro os pais de santo precisam se unir mais (Pai de Santo Luiacutes
Afonso Silva Azevedo entrevista coletada em 30 de janeiro de 2019)
Edmir Pires Mota por seu turno tem sessenta e cinco anos de idade e nasceu em 1953
no interior chamado Barracatildeo hoje municiacutepio de Serrano do Maranhatildeo Haacute trinta e sete anos
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na religiatildeo afro se diz curador e mineiro Teve sua cabeccedila feita aos vinte e seis anos pelo seu
pai de santo Jaime Seu barracatildeo estaacute localizado na Travessa Clodoaldo bairro de Satildeo Bene-
dito nordm 39 bem proacuteximo ao cemiteacuterio municipal com o nome de Terreiro de Santa Baacuterbara
Imagem 16ndash Pai de Santo Edimir Pires Mota incorporado com o caboclo
Pequeninho em trabalho de cura CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
A trajetoacuteria de vida religiosa de Seu Edmir natildeo se difere da maioria dos pajeacutes que acei-
taram conversar conosco Antes de aceitar a sua obrigaccedilatildeo como mineiro sofreu com vaacuterios
tipos de doenccedilas Rejeitava ter esse dom tinha vergonha das pessoas Soacute aceitou quando fez
sua iniciaccedilatildeo e percebeu que tinha que aceitar os seus guias ldquoEu natildeo tive outra soluccedilatildeo taacute
veno E aiacute quando eles chegaram foi com tudo de uma vez natildeo teve como me livrarrdquo (SIL-
VA 2016) Mediante a sua narrativa Seu Edmir esclarece que ou aceitava ser pajeacute ou assumi-
ria as consequecircncias Negar seus guias seria sofrer na vida Assumindo ser pajeacute Seu Edmir se
firmou na terra e natildeo teve as perturbaccedilotildees que sofria antes de se iniciar Na cura seus guias
satildeo Piquinininho como chefe Dadinho como seu contra guia aleacutem desses dois recebe ainda
Caboclo Ubirajara Pinaguarema Joatildeo de Una
O calendaacuterio de festividades do terreiro eacute bem diversificado Seu Edmir Mota rea-
liza festa de aniversaacuterio para seu guia no mecircs de julho para Piquinininho e no mecircs de de-
zembro para Dadinho aleacutem das festas de obrigaccedilotildees para outras entidades A festa do mecircs de
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dezembro aleacutem de ser uma festa de aniversaacuterio do caboclo Dadinho eacute destinada tambeacutem a
Nossa Senhora da Guia (SILVA 2016) Essa festa comeccedila no dia 2 e se estende ateacute 4 de de-
zembro com toque de caixa em homenagem ao Divino Espiacuterito Santo
Quando perguntado sobre a relaccedilatildeo entre o Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda e
os terreiros que ficam proacuteximos disse que constantemente recebe visitas de pessoas da escola
soacute que natildeo entram muito no assunto De maneira geral em suas proacuteprias palavras acredita
que as pessoas que estatildeo na escola ldquotem medo de tambor de mina muitos sabem que sofrem
de encantados mais evitam vir aos terreiros e que agraves vezes essa vergonha atrapalha a vida
da pessoa que taacute sofrendo e natildeo procura recursordquo
Com 83 anos e a 73 no Tambor de Mina Edna Pires inicia nossa conversa com uma
afirmaccedilatildeo que considera importante para registro ldquonasci na mina e vou morrer na mina des-
sa religiatildeo ningueacutem me tira fiel ateacute morrerrdquo Matildee Edna Pires nasceu a 20 de maio de 1936 e
comanda o Terreiro Santa Baacuterbara localizado no Bairro de Satildeo Benedito situado agrave Rua Joatildeo
Miranda nordm 245 Eacute o terreiro mais antigo em atividade no bairro ainda bastante luacutecida dona
Edna nos relatou que comeccedilou bobar como costuma dizer quando ainda tinha nove anos de
idade no povoado Bacabal ao vir para sede do municiacutepio foi iniciada no toque por Isabel Mi-
neira isto na deacutecada de 1940 Sobre essa experiecircncia ela relata que ajudava minha velha nos
trabalhos de cura e nos festejos que ela fazia ldquoAprendi muita coisa com ela a respeitar as
entidades por isso que ainda estou viva ateacute hojerdquo Na paacutegina seguinte temos uma imagem da
matildee de santo
Imagem 17 Matildee de Santo Edna Pires CururupuMA
Fonte Arquivo Pessoal
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Matildee Edna ou simplesmente ldquoMaedinardquo como eacute carinhosamente chamada no bairro re-
alizava os festejos de Santa Baacuterbara no periacuteodo 02 a 06 de dezembro com ladainhas toques e
festa danccedilante enquanto seu filho que tambeacutem era mineiro era vivo Atualmente realiza ape-
nas toques de obrigaccedilatildeo Dona Eacutedna Pires diz que sempre eacute visitada por evangeacutelicos que ten-
tam convencecirc-la a entrar na crenccedila mas ela diz que a religiatildeo que ela segue ajuda muita gente
por isso natildeo teria razotildees para mudar Relata ainda que mesmo com a idade jaacute avanccedilada ainda
realiza trabalhos de cura em sua casa onde sempre recebe visitas de populares que precisam
de seus cuidados Entre os diversos terreiros do bairro o seu eacute o uacutenico registrado na Federa-
ccedilatildeo de Umbanda e Cultos Afro-brasileiros O terreiro estaacute localizado a uma quadra da escola
Joatildeo Marques Miranda
Quando perguntada se jaacute houve algum tipo de contato com a escola Dona Edna rela-
tou que certa vez foi convocada a ajudar uma pessoa que estava com problemas espirituais
mas que isto foi haacute muito tempo quando era soacute ela que tinha terreiro ali proacuteximo Agora jaacute
tem um monte de terreiros perto da escola conclui
O Terreiro de Santa Luzia eacute o mais proacuteximo da escola Joatildeo Marques Miranda locali-
zada na Travessa Satildeo Joseacute canto com o Centro de Ensino (Travessa Satildeo Joseacute nordm 207) Agrave fren-
te da casa de culto encontra-se Matildee Faacutetima das Graccedilas Cadete do caboclo Manezinho mineira
nascida em 1950
Imagem 18- Matildee de Santo Faacutetima das Graccedilas Cadete Cururupu-MA
Fonte Arquivo Pessoal
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Seu contato com os ldquoinvisiacuteveisrdquo como ela costuma dizer comeccedilou quando ainda tinha
quatorze anos Conforme nos conta sempre aconteciam coisas estranhas com ela nesse periacuteo-
do agraves vezes se deparava debaixo da cama e as pessoas a aconselhavam a procurar um pai de
santo e que deveria seguir seu dom mas sempre relutava ateacute que comeccedilou a ficar aleijada
Diz que apanhou muito baque ateacute desenvolver sua mediunidade Como prossegue em seu
relato Faacutetima jaacute preparou muitos filhos de santo
Sobre as relaccedilotildees entre terreiro e escola ela nos relatou que no tempo da professora Flo-
ranilde Silva sempre era procurada para aliviar incorporaccedilotildees de espiacuteritos na escola Pergun-
tada se aleacutem disso havia algum outro tipo de contato respondeu que soacute a procuravam quan-
do apareciam esses problemas Mas de maneira geral mesmo quando havia festejos promo-
vidos pelo barracatildeo que empregavam sonorizaccedilatildeo mecacircnica entrava-se em um acordo com a
direccedilatildeo dado as boas relaccedilotildees que mantinham
Joseacute Maria Ramos por seu turno se define como mineiro curador e ainda afirma que as
maiorias dos pais de santo de Cururupu assim o satildeo Nascido em 1954 desde os 15 anos de
idade informa ter comeccedilado o festejo ao santo que ateacute hoje eacute devoto Satildeo Sebastiatildeo Desde laacute
como enfatiza nunca mais parou com cinquenta e seis anos de feitura no santo
Imagem 19 ndash Pai de Santo Joseacute Maria Ramos Cururupu- MA
Fonte Arquivo Pessoal
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Seu primeiro contato com as entidades foi quando ainda tinha cinco anos de idade
Nesse tempo desenvolveu sua espiritualidade indo procurar um pai de santo quando fez dez
anos Tem como guia de frente Tombasseacute de Oliveira Seus pais de santo foram Fernando do
Barreto e Margarida Mota Aleacutem dos festejos da casa o Terreiro Deus eacute quem Guia localiza-
do a Rua Joatildeozinho Reis nordm 316 realiza outros festejos como o de Santa Luzia Joseacute Maria
atualmente com sessenta e quatro anos se diz um pouco cansado da vida de curador no en-
tanto manteacutem as obrigaccedilotildees em dia Quando perguntado sobre religiatildeo de matriz africana e
escola o pai de santo afirma que
A escola deveria ensinar os alunos sobre as religiotildees mais tambeacutem
existe uma coisa que precisa ser esclarecida assim como a escola en-
sina vaacuterias coisas o aluno a diferenciar os praticantes da religiatildeo
tambeacutem precisam diferenciar quais as religiotildees africanas que existe
pra natildeo confundir e assim facilitar a conversa (Joseacute Maria Ramos
Pai de Santo entrevista coletada em 22 de janeiro de 2019)
A uacuteltima das entrevistadas que aceitou conversar conosco foi Tereza Cadete nascida a
19 de maio de 1955 Sua residecircncia fica localizada agrave Rua Joaquim Reis nordm 33 Bairro de Satildeo
Benedito Conta que teve iniacutecio com os encantados muito cedo mas que natildeo aceitava essa
condiccedilatildeo por causa disto ficou cega vindo ficar boa soacute quando se reatou com as entidades
Imagem 20- Iniciada Tereza CadeteCururupuMA
Fonte Arquivo pessoal
Tereza diz que apenas cumpre com as obrigaccedilotildees para sua entidade Obalouaecirc que rea-
liza no mecircs de dezembro com toque de tambor em sua casa Assim como muitos outros ela
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possui um quarto-altar onde desenvolve suas atividades espirituais Quando perguntada como
se definia disse que apenas danccedila com seu pai de santo Edimir e que natildeo se considera propri-
amente uma matildee de santo e nem gostaria de ser pois sabe que eacute uma responsabilidade muita
grande Concluindo que natildeo se acha preparada enfatiza ldquoos pais de santo tem que cumprir
com os calendaacuterios de toquesrdquo Indagada quanto agrave religiatildeo e escola a Tereza disse que ldquoNa
escola os cultos sofrem muita discriminaccedilatildeo tanto de alunos como professoresrdquo Mencionou
por fim que no coleacutegio da baixa30
sempre acontece casos de incorporaccedilatildeo alegando a mesma
histoacuteria que o local tem dono por isso das constantes possessotildees nas pessoas
30 A denominaccedilatildeo ldquoescola da baixardquo tem relaccedilatildeo pela localidade do terreno que fica em uma parte baixa do bair-
ro de Satildeo Benedito antes da construccedilatildeo da escola havia naquele local uma lagoa com grande proporccedilotildees de aacutegua
por conta da chuva esse reservatoacuterio demorava algum tempo para secar Como o local fica localizado jaacute proacuteximo
do mangue ficou conhecido como escola da baixa
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CAPIacuteTULO 5 - OFICINAS PEDAGOacuteGICAS E A HISTOacuteRIA E CULTURA AFRO-
BRASILEIRA
Para nossa pesquisa tatildeo importante quanto compreender parte da histoacuteria do local de
suas lideranccedilas e a perspectiva que tecircm sobre o papel da escola eacute pensar em propostas de
oficinas pedagoacutegicas para serem empregadas no estabelecimento de ensino em pauta Se esse
material segue em anexo gostaria nesse espaccedilo de descrever como foram realizadas essas
oficinas e como pude oferecer minha contribuiccedilatildeo para rediscussatildeo das relaccedilotildees entre esses
espaccedilos Na sequecircncia descrevo duas das oficinas que aplicamos junto aos estudantes e por
uacuteltimo uma das oficinas que realizamos com os professores O relato dessa experiencia eacute
tomado aqui para compreender algumas das nossas escolhas metodoloacutegicas na construccedilatildeo do
produto final
Comeccedilo pela Oficina de Histoacuteria da Aacutefrica aplicada no dia 07 de novembro de 2018
para alunos do 3ordm ano na disciplina Histoacuteria no Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda Par-
ticiparam dessa atividade 21 estudantes A oficina buscou compreender quais as visotildees que os
discentes possuiacuteam sobre a Aacutefrica Os relatos apresentados foram ao encontro das diversas
pesquisas que jaacute evidenciaram a visatildeo negativa sobre o continente africano ou simplesmente o
desconhecimento Em certa medida natildeo havia aqui muita surpresa visto que pelas respostas
dadas ao questionaacuterio esses mesmos estudantes sequer conseguem captar a forccedila e a impor-
tacircncia do legado cultural afro-brasileiro no contexto local Embora esse desconhecimento jaacute
pudesse ser previsiacutevel eacute preciso destacar tambeacutem o interesse e curiosidade que foi sendo des-
pertado ao longo da execuccedilatildeo da atividade
A dinacircmica adotada para apresentaccedilatildeo da temaacutetica foi agrave utilizaccedilatildeo de imagens das di-
versas representaccedilotildees sobre o continente africano Pretendeu-se suscitar nos alunos quais
imagens conseguiam identificar e relacionar com outras que jaacute haviam observados em outros
locais Na ocasiatildeo dois alunos externaram suas visotildees as quais merecem registro O primeiro
se identificou como filho de santo e que jaacute tinha ouvido algumas histoacuterias sobre a Aacutefrica con-
tadas verbalmente por sua matildee Lembrou-se de histoacuterias sobre como vieram para o Brasil das
lutas e desafios enfrentados A visatildeo do segundo no entanto era bem distinta Sempre tinha
ouvido falar da fome e miseacuteria e que seria um lugar amaldiccediloado por Deus
Agrave medida que apresentaacutevamos informaccedilotildees que mostravam a realidade africana de
uma oacutetica mais positiva sobretudo com foco na organizaccedilatildeo cultural e poliacutetica dos seus dife-
rentes povos percebia a reaccedilatildeo de total estranheza e ateacute mesmo de incompreensatildeo Tudo
ocorria como se aquela imagem da Aacutefrica como um espaccedilo geograacutefico diversificado comple-
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xo e dinacircmico destoasse de qualquer coisa jaacute ouvida mesmo em se tratando dos mais propen-
sos a ter uma visatildeo positiva sobre o continente Vale lembrar que muitas das imagens apresen-
tadas foram retiradas de livros didaacuteticos o que foi concebido como um expediente para facili-
tar o acesso agraves informaccedilotildees A proposta em sequecircncia era perceber quais paiacuteses eles conheci-
am como pertencentes ao continente Ora natildeo fosse talvez a Copa do Mundo como lembrado
em tom de brincadeira por um dos estudantes para a maior parte deles a Aacutefrica era apenas um
paiacutes gigantesco
Nessas oficinas em certa medida era possiacutevel identificar como a escola vinha traba-
lhando o tema em sala Vaacuterios dos alunos comentaram que muito raramente os professores
das disciplinas desenvolviam conteuacutedos voltados para essa temaacutetica Perguntados se tinham
interesse em conhecer mais sobre o tema responderam que seria muito interessante uma vez
que satildeo conscientes de sua descendecircncia africana Com a aplicaccedilatildeo das atividades inferimos
que haacute um interesse dos alunos no entanto a escola possui pouco embasamento para trabalhar
com este tipo de conteuacutedo
Aplicamos uma atividade em equipes contendo imagens sobre o continente e pedimos
que escrevessem a impressatildeo que tinham a partir da oficina Dos relatos colhidos destaco
aqui o do estudante Leandro de Oliveira e Maria Monteiro que registrou o seguinte
O continente africano eacute o segundo maior do mundo e tambeacutem muito
rico apesar de muitos paiacuteses terem roubado ouro diamantes entre ou-
tras riquezas A cultura dos povos africanos eacute marcante atraveacutes de
cores fortes e muita alegria O continente africano foi muito explora-
do pelos europeus aleacutem disso foram castigados torturados e outros
mortos por natildeo aceitar aquela situaccedilatildeo de ser escravizado em seu
proacuteprio lugar onde nasceu e cresceu e tambeacutem eacute um paiacutes de muitas
diversidades cores etnias tribos e culturas (Leandro Oliveira e Ma-
ria Monteiro)
A segunda oficina foi Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira a Histoacuteria do Brasil africa-
no vidas para aleacutem dos tambores e da escravidatildeo realizada no dia 14 de dezembro de 2018
para alunos do 2ordm ano O objetivo da atividade era perceber como a cultura afro-brasileira se
formou ao longo da histoacuteria partindo desde o Brasil colonial ateacute os dias atuais e como estas
tradiccedilotildees africanas resistiram ao processo de perseguiccedilatildeo no contexto da cultura
A oficina foi ministrada pelo Professor Especialista Carlos Viana Pimentel (URCA)
Os encaminhamentos apontados levaram os alunos a reconhecer os aspectos pelo quais se deu
a escravizaccedilatildeo de povos africanos no Brasil e como os povos resistiram para manter vivas
suas tradiccedilotildees Logo na sequecircncia procuramos explorar quais as informaccedilotildees possuiacuteam acer-
115
ca das manifestaccedilotildees afro-brasileiras e como compreendiam essas atividades dentro do cenaacute-
rio afro cururupuense Na proporccedilatildeo em que as colocaccedilotildees iam sendo direcionadas os alunos
interagiam demonstrando um certo conhecimento acerca das manifestaccedilotildees e como haviam
conhecido essas praacuteticas Em certa medida essa inciativa mostrou-se mais eficiente para cap-
tar algumas percepccedilotildees mais refinadas dos estudantes quando comparado com os achados dos
questionaacuterios aplicados
Dessa maneira o que conseguimos captar foi que a maioria dos alunos jaacute participou ou
participam de alguma forma de atividades festivas ou mesmo como integrantes de cultos afro-
brasileiros Outro aspecto positivo acerca da atividade foi o fato de que os estudantes afirma-
ram ter obtido uma visatildeo mais ampla sobre as tradiccedilotildees afro-brasileiras e suas lutas Um dos
estudantes destacou por exemplo que esses temas eram parte da histoacuteria dos seus antepassa-
dos e que deveriam ter maior destaque dentro da escola Na condiccedilatildeo de ministradores da ofi-
cina tanto eu quanto o Prof Carlos Viana Pimentel avaliamos como muito positiva a ativida-
de muito embora tenhamos a contiacutenua sensaccedilatildeo de que embora a abordagem dessas temaacuteticas
seja bem recebida sua realizaccedilatildeo de maneira esporaacutedica e pontual encontra-se muito aqueacutem
do tipo de inserccedilatildeo que se pretende valorizar aqui
Enquanto as oficinas aplicadas aos estudantes tiveram essa tonalidade geral gostaria
de destacar a oficina destinada aos professores abordou os antecedentes que levaram a pro-
mulgaccedilatildeo da Lei 106392003 O foco dessa atividade era apresentar alguns elementos que
poderiam auxiliar na introduccedilatildeo da histoacuteria e da cultura afro-brasileira em sala de aula ofere-
cendo aos docentes os aportes que sentimos falta quando da aplicaccedilatildeo dos questionaacuterios ex-
plorados no capiacutetulo 2
Iniciamos por discorrer sobre a resistecircncia negra desde o periacuteodo colonial com as rebe-
liotildees coordenadas por grandes quantidades de negros que natildeo aceitavam tal condiccedilatildeo Esses
movimentos abriram portas para que pudeacutessemos ver os aspectos negativos da escravidatildeo as
puniccedilotildees e castigos realizados e o lugar que essa instituiccedilatildeo tinha como estruturadora de nos-
sas relaccedilotildees de sociabilidade Na permanecircncia discorremos sobre como as formas de resis-
tecircncia adotadas por esses movimentos constituem exemplos concretos da agecircncia negra for-
necendo pela renovaccedilatildeo da historiografia os aportes para que tenhamos outra visatildeo sobre a
participaccedilatildeo poliacutetica dos negros
Na sequecircncia enfatizamos como no processo de formaccedilatildeo de nossa sociedade e iden-
tidade sociocultural as contribuiccedilotildees africanas e afro-brasileiras foram fundamentais para a
constituiccedilatildeo da naccedilatildeo e o quanto isso deveria ensejar um ensino pautado pela valorizaccedilatildeo da
116
diversidade Tratou-se em todos os momentos de enfatizar a riqueza eacutetnica do paiacutes e nossos
inegaacuteveis e indissoluacuteveis viacutenculos Particular importacircncia foi dada agrave descriccedilatildeo das histoacuterias de
vida de pais de santo que habitavam proacuteximos agrave escola e sobre a necessidade de desenvolver-
mos estrateacutegias de aproximaccedilatildeo pedagogicamente concebidas Tudo isso com o fito de refor-
ccedilar o papel da educaccedilatildeo e particularmente do trabalho realizado em sala de aula para o fomen-
to ao respeito toleracircncia e agrave convivecircncia paciacutefica entre as diferentes culturas que estatildeo na
base de nossa formaccedilatildeo
Quando passamos para a discussatildeo coletiva os professores apontaram para uma defi-
ciecircncia em suas formaccedilotildees acadecircmicas pois encontravam dificuldades para a inserccedilatildeo ade-
quada desses temas em sala de aula A carecircncia de materiais foi destacada como um dos prin-
cipais obstaacuteculos Da mesma forma de maneira um tanto quanto reticente pareceu-me haver
nas entrelinhas certo temor quanto ao debate desses temas em salas de aula notadamente pela
possibilidade de que viessem a ser acusados de proselitismo ou tatildeo somente de que desviavam
o assunto para temas natildeo pertinentes Se por um lado todos estatildeo convictos da importacircncia
desse tema o que constitui no final das contas uma resposta esquiva quanto a qualquer acusa-
ccedilatildeo de que natildeo valorizam esses temas a disposiccedilatildeo concreta para essa inserccedilatildeo (o que requisi-
taria a revisatildeo das posturas pedagoacutegicas o investimento em formaccedilatildeo e o desenvolvimento de
outras estrateacutegias para a sala de aula) natildeo se encontra na mesma medida Longe estamos de
responsabilizaacute-los sozinhos por essa inclusatildeo dado que compreendemos tambeacutem as dificul-
dades concretas de o fazer Eu mesmo num passado recente estava nessa mesma condiccedilatildeo
Poreacutem isto natildeo impede de constatarmos o caraacuteter meramente ornamental com que o discurso
sobre a diferenccedila eacute incorporado entre noacutes Desse acircngulo o descompasso natildeo eacute somente entre
o texto legal e a realidade das culturas escolar brasileiras ele se aloja tambeacutem na distinccedilatildeo
entre aquilo que eacute dito e reconhecido e aquilo que eacute efetivamente feito e realizado Sem qual-
quer pretensatildeo de resolver a essa questatildeo o produto que apresentamos constitui uma maneira
necessariamente limitada mas individual para contribuir para a diminuiccedilatildeo dessa distacircncia
117
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
As atuais relaccedilotildees pelas quais passam escola e sociedade eacute objeto de estudo de vaacuterios
campos de conhecimento principalmente no que diz respeito ao conviacutevio dos diversos grupos
que formatam a escola com isto sua relaccedilatildeo com as praacuteticas culturais que ensejam esses ato-
res A escola eacute o espaccedilo onde se estreita relaccedilotildees mas tambeacutem eacute um ambiente de exclusatildeo no
entanto eacute no interior da instituiccedilatildeo que se percebe os meandros de como a escola pode contri-
buir para a aproximaccedilatildeo desses elementos neste aspecto
O cenaacuterio em que se desenvolvem essas relaccedilotildees de convivecircncia todavia tecircm afastado
debates que possam agregar as relaccedilotildees de pertencimento as diferentes crenccedilas que carregam
esses sujeitos e permeiam estes espaccedilos em diferentes estruturas para a qual se destinam as
escolhas religiosas sobretudo estudos que faccedilam repensar estudos sobre Aacutefrica e suas inuacuteme-
ras formas de compreender a religiatildeo neste vieacutes discorrer sobre sua contribuiccedilatildeo para a for-
maccedilatildeo da cultura afro-brasileira Eacute no bojo dos estudos sobre Aacutefrica que percebemos a relaccedilatildeo
intriacutenseca do povo africano com a religiatildeo e seus deuses
Os aspectos apresentados levaram a compreender que as instituiccedilotildees com suas diferen-
tes formas de conduzirem suas didaacuteticas nos leva a crer que este distanciamento tem ligaccedilotildees
diretas com a educaccedilatildeo adotada que privilegia determinadas setores da sociedade em detri-
mento de outros A escola eacute por natureza o espaccedilo onde deveria ocorrer essa socializaccedilatildeo de
saberes e nessas trocas o enraizamento do respeito agraves crenccedilas que ainda natildeo estatildeo inseridas
nos debates curriculares
Quanto agrave praacutetica do ensino nas escolas estas natildeo levam em conta o cotidiano dos alu-
nos tendo em vista maior aproveitamento das experiecircncias a que satildeo submetidos esses ele-
mentos a escola ainda trata os conteuacutedos claacutessicos como uacutenicos e intocaacuteveis A experiecircncia
vivida no movimento negro levou a perceber o distanciamento entre escola e terreiros de reli-
giatildeo de matriz africana isto fez com que despertasse o interesse em compreender as relaccedilotildees
que satildeo estabelecidas entre essas redes de ensino
No que diz respeito ao ensino de histoacuteria ainda prevalece uma praacutetica que trabalha de
maneira bastante verticalizada os conteuacutedos que tratam sobre religiatildeo privilegiando unica-
mente uma religiatildeo o que tem distanciado os grupos que praticam os cultos de matriz africana
que natildeo se sentem incluiacutedos no processo Os terreiros asseguram estarem abertos aos debates
para que haja uma aproximaccedilatildeo e com isto possam enraizar laccedilos que levem as dinacircmicas
desenvolvidas nos terreiros a fim de reverberar a laicidade no espaccedilo escolar
118
Partindo da experiecircncia no Centro de Ensino Joatildeo Marques Miranda escola que em
seu entorno concentra 14 terreiros de religiatildeo de matriz africana concomitante com debates no
movimento negro e disciplinas no mestrado Este trabalho se propocircs a analisar as abordagens
que professores alunos e sacerdotes possuem sobre a relaccedilatildeo terreiros e escolas como forma
de refletir sobre estrateacutegias teoacutericos-metodoloacutegicos que podem amenizar o distanciamento
existente nestas relaccedilotildees de convivecircncia nestes espaccedilos a fim de que os atores envolvidos pos-
sam dialogar na equidade dentro do ambiente escolar e com isso aproximar as experiecircncias do
que eacute aprendido no cotidiano dos discentes ao conhecimento repassado na escola como forma
de materializar um debate sobre religiatildeo
Para tanto acredita-se que a metodologia para alcanccedilar tal objetivo seja a implementa-
ccedilatildeo da Lei 106392003 que trata do Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-brasileira e Africana
nas escolas como forma de introduzir conteuacutedos que reverberem sobre esses temas auxiliando
no processo ensino-aprendizagem promovendo a mediaccedilatildeo neste processo
Assim foram elaboradas as oficinas ldquoDA ESCOLA PARA OS TERREIROSrdquo Ofici-
nas para trabalhar a Histoacuteria Cultura e Religiatildeo Afro-Brasileira no espaccedilo escolar que apre-
senta conteuacutedos referentes agraves manifestaccedilotildees culturais africanas afro-brasileira religiatildeo e mi-
tos Aleacutem das imagens demonstradas o material eacute constituiacutedo de propostas de oficinas para
que alunos possam exercitar informaccedilotildees jaacute adquiridas em outros espaccedilos ou mesmo na escola
sobre os temas apresentados
A proposta do material desenvolvido neste trabalho natildeo pretende em momento algum
sanar as lacunas existentes nas relaccedilotildees entre estas instituiccedilotildees de ensino mas pode ser uma
tentativa de promover debates concernentes ao tema em salas de aula na disciplina Histoacuteria
sobre a realidade dos aspectos que envolvem esse tema e com isto conduzir os alunos a pensa-
rem como professarem sua feacute no espaccedilo escolar
No mais objetiva inserir meacutetodos de como introduzir conceitos sobre religiatildeo de ma-
triz africana natildeo como simples exigecircncia ao ritual pedagoacutegico mas como uma forma de tratar
as vivecircncias desses sujeitos em trocas a serem aplicadas no cotidiano escolar incorporando um
comportamento mais edificado na praacutetica aos cultos afros
Por fim acredita-se que o ambiente escolar seja sim este espaccedilo de promoccedilatildeo da
equidade com base na educaccedilatildeo com seu caraacuteter formador de opiniotildees que busca acima de
tudo superar a subtraccedilatildeo dessas crenccedilas no curriacuteculo escolar e naturalizando essas praacuteticas
sem o efeito da dominaccedilatildeo mas sim privilegiando o respeito a diversidade religiosa ali exis-
tente
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127
APEcircNDICES
128
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHAtildeO
PROGRAMA DE POacuteS ndash GRADUACcedilAtildeO EM HISTOacuteRIA MESTRADO PROFISSIONAL
ndash PPGHIS
MESTRANDO JEcircIBEL MAacuteRCIO PIRES CARVALHO ndash e-mail dicarva-
lho36hotmailcom
QUESTIONAacuteRIO PARA OS ESTUDANTES
Prezado Estudante
Sob
re v
ocecirc e
a e
scola
Qual a sua idade ________
Vocecirc nasceu em que CidadeEstado _____________________________
Qual o seu sexo ( ) Masculino ( ) Feminino
Qual a sua cor _____________________________________
Vocecirc eacute ( ) Solteiro(a) ( ) Casado(a) ( ) Vive junto ( ) DivorciadoSeparado ( ) viuacutevo(a)
Vocecirc tem filho(s)( ) Sim ( ) Natildeo Em caso afirmativo quantos _______
Vocecirc trabalha( ) Sim ( ) Natildeo
Em caso afirmativo com que idade comeccedilou a trabalhar ________ E qual a sua profissatildeo ________________________
Vocecirc jaacute teve alguma reprovaccedilatildeo na escola ao longo de sua vida ( ) Sim ( ) Natildeo
Vocecirc gosta de vir pra escola( ) sim ( ) Sim mas depende da atividade ( ) Sim mas eacute muito cansativo ( ) Natildeo ( ) Natildeo ela se tornou muito difiacutecil ( ) Natildeo Se pudesse nem viria
Vocecirc se considera um bom estudante( ) Sim ( ) Natildeo
Por quecirc ___________________________________________________________________________
O que vocecirc quer ser Qual a profissatildeo que vocecirc planeja exercer no futuro
_________________________________________________________________________________
129
Sob
re s
eus
pais e
famiacutelia
Qual a escolaridade do seu pai
( ) nunca estudou ( )fundamental menor ( ) Fundamental maior ( ) Ensino Meacutedio ( ) Ensino superior
Qual a profissatildeoocupaccedilatildeo do seu pai __________________________
Qual a escolaridade da sua matildee
( ) nunca estudou ( )fundamental menor ( ) Fundamental maior ( ) Ensino Meacutedio ( ) Ensino superior
Qual a profissatildeoocupaccedilatildeo de sua matildee __________________________
Vocecirc(s) mora(m) em que bairro de Cururupu ____________________________________
Somando todas as rendas da sua famiacutelia vocecircs alcanccedilam
( ) Ateacute 1 salaacuterio miacutenimo ( ) de 2 a 3 salaacuterios miacutenimos ( ) de 3 a 6 salaacuterios
130
Sob
re s
er
negro
(a)
Vocecirc se considera negro (a) ( ) Sim ( ) Natildeo
Explique por que __________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
Em sua opiniatildeo existe alguma diferenccedila entre ser jovem negro(a) e ser jovem branco(a) para vocecirc
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
O que eacute bom em ser jovem e negro (a) em sua opiniatildeo
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
O que eacute ruim em ser jovem e negro (a) em sua opiniatildeo
________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________
Vocecirc jaacute vivenciou ou conhece algueacutem que sofreu preconceito racial ( ) Sim ( ) Natildeo
Em caso afirmativo onde ocorreu _______________________________________
Frente a uma situaccedilatildeo de racismo sofrida por algueacutem o que vocecirc faria
( ) Vocecirc tentar intervir ( ) Vocecirc se indigna mas fica calada ( ) Vocecirc natildeo se importa pois natildeo foi com vocecirc
( ) Natildeo sabe
Vocecirc jaacute presenciou algum conflito na escola devido a preconceitos ou questotildees raciais ( ) Sim ( ) Natildeo
O que o correu ___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Vocecirc jaacute debateu esse tema (racismo preconceito discriminaccedilatildeo intoleracirccia) na escola
( )sempre ( ) de vez em quando ( ) raramente ( ) nunca
Vocecirc jaacute debateu sobre religiotildees afro-brasileiras na escola (candombleacute mina pajeacute umbanda tecircrecocirc etc)
( ) sempre ( ) de vez em quando ( ) raramente ( ) nunca
131
Esc
ola e
religiotildees
afr
o-bra
sileiras
Pra vocecirc o que eacute uma religiatildeo
Qual religiatildeo vocecirc se identifica
Vocecirc tem conhecimento de quais religiotildees satildeo praticadas em Cururupu
Pra vocecirc a escola valoriza a cultura e as religiotildees dos diversos grupos eacutetnico-raciais que compotildeem a sociedade brasileira
Como vocecirc acha que deveria que a escola deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo
Jaacute ouviu falar sobre religiotildees de matriz africana ou afro-brasileiras Quais
Frequentou ou frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana aqui na cidade Se sim em qual bairro
Vocecirc conhece algum terreiro de religiatildeo de matriz africana que se localiza proacuteximo ao Centro de Ensi-no Joatildeo Marques Miranda
Jaacute participou de algum festejo em terreiros de religiatildeo africana
A escola jaacute promoveu alguma atividade que estimulasse o diaacutelogo e a reflexatildeo sobre os terreiros da-qui
Vocecirc acha que a escola e terreiro deveriam desenvolver atividades que fortalecessem esses laccedilos Por quecirc
Vocecirc acha que as religiotildees de matriz africana sofrem discriminaccedilatildeo na escola
Vocecirc jaacute presenciou alguma praacutetica de discriminaccedilatildeo contra membros das religiotildees afros na escola Como se deu esse acontecimento
Conhece ou jaacute ouviu falar de algum pai ou matildee de santo que residem no entorno da escola
132
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHAtildeO
PROGRAMA DE POacuteS ndash GRADUACcedilAtildeO EM HISTOacuteRIA MESTRADO
PROFISSIONAL ndash PPGHIS
MESTRANDO JEcircIBEL MAacuteRCIO PIRES CARVALHO ndash e-mail di-
carvalho36hotmailcom (98) 98434-3856
QUESTIONAacuteRIO PARA PROFESSORES
Prezado Professor
O questionaacuterio que segue eacute parte da pesquisa de campo que estou realizando no Mestrado em
Histoacuteria da Universidade Estadual do Maranhatildeo-UEMA sob orientaccedilatildeo do professor Dr
Wheriston Silva Neacuteris Desde jaacute agradeccedilo sua colaboraccedilatildeo
Sob
re v
ocecirc e
a e
scola
Nome_______________________________Idade________________________________
Bairro_______________________________ Local de Nascimento___________________
Grau de instruccedilatildeo ( ) Magisteacuterio ( ) Superior
Aacuterea de formaccedilatildeo___________________________________________________________
Instituiccedilatildeo de formaccedilatildeo______________________________________________________
Ocupaccedilatildeo Profissional______________________________________________________
Disciplina que leciona na escola________________________________________________
A disciplina que leciona_____________________________________________________
Quantos anos trabalha como professor__________________________________________
Quanto tempo trabalha na escola_____________________________________________
Jaacute trabalhou com outra disciplina que natildeo fosse sua aacuterea de formaccedilatildeo_________________________ -
Qual sua cor___________
133
Sob
re r
eligiatildeo
Como define religiatildeo______________________________________________
Vocecirc tem alguma religiatildeo especiacutefica ( ) sim ( ) natildeo
Em caso afirmativo qual____________________________________________
Tendo uma religiatildeo especifica vocecirc participa das atividades_____________________
De quais atividades participa_______________________
Conhece algum tipo religiatildeo de matriz africana _____________________________
Jaacute participou de alguma atividade em cultos de religiatildeo de matriz africana______________
Vocecirc considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cultos de matriz africana em Cururupu
Considera que haacute discriminaccedilatildeo com relaccedilatildeo aos cultos de matriz africana nas escolas Justifique
Nas escolas considera que os cultos africanos sofrem discriminaccedilatildeo________________________
134
Sob
re r
eligiatildeo
e p
raacutetica
pedagoacuteg
ica
A escola desenvolve atividades que falam das denominaccedilotildees religiosas praticadas em Cururupu
Como satildeo feitas essas abordagens
Haacute uma lei trata do Ensino de Aacutefrica e Cultura Afro-Brasileira tem conhecimento dessa Lei
Tem conhecimento sobre a Lei 106392003 Ensino de Aacutefrica e Cultura Afro-Brasileira se positivo
como conheceu a Lei caso natildeo conheccedila teria interesse em conhececirc-la
Tem acesso a materiais sobre Aacutefrica e Cultura Afro-Brasileira na escola ou fora dela
A data alusiva agrave comunidade negra como a escola tem trabalhado os temas sobre a populaccedilatildeo
negra
Como tem administrado as discussotildees sobre religiatildeo africana em sala de aula quando estas
acontecem
135
Esc
ola e
religiotildees
afr
o-bra
sileiras
Pra vocecirc a escola valoriza a cultura e as religiotildees dos diversos grupos eacutetnicos-raciais que compotildeem
a sociedade brasileira
Como vocecirc acha que a escola deveria trabalhar os conteuacutedos sobre religiatildeo no espaccedilo escolar
Frequentou ou frequenta algum terreiro de religiatildeo de matriz africana aqui na cidade Se sim
em qual bairro Como foi a experiecircncia
Jaacute participou de algum festejo em terreiros de religiatildeo de matriz africana
A escola jaacute promoveu alguma atividade que estimulasse o diaacutelogo e a reflexatildeo sobre os terreiros
daqui
Vocecirc acha que escola e terreiro deveriam desenvolver atividades que fortalecessem esses laccedilos
Por quecirc
Vocecirc jaacute presenciou alguma praacutetica de discriminaccedilatildeo contra membros das religiotildees afros na
escola Como se deu esse acontecimento
Conhece ou jaacute ouviu falar de algum pai ou matildee de santo que residem proacuteximo da escola qual
o nome
A escola jaacute fez alguma atividade com os terreiros proacuteximos da escola
O que acha que deveria ser feito para que debates mais contiacutenuos acontecessem na escola
sobre as religiotildees de matriz africana
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