jardim do lago.doc
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Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Jornalismo
Fernanda Borba
Letícia Fagundes
João Guilherme Pimentel
Reportagem Jardim do Lago
Jornalismo Investigativo
Professora Luciana Kraemer
São Leopoldo – RS
2012
Ruas de lazer: uma solução para um problema
Quem nunca ouviu a frase “vamos dar uma volta no brique e tomar
um chimarrão?”. Pois é, há mais de 30 anos, o Brique da Redenção, é
considerado um dos principais pontos turísticos de Porto Alegre. A
tradicional feira que ocorre todo domingo, das 9h às 18h, fica localizada em
uma Rua de Lazer. Ou seja, a Avenida José Bonifácio, junto ao Parque da
Redenção, tem uma de suas vias de acesso bloqueada para carros e motos.
Com isso, os frequentadores podem apreciar arte, cultura e fazer compras
tranquilamente. Até porque, atualmente nas grandes metrópoles, cada vez
mais o concreto toma conta dos espaços livres, eliminando as áreas verdes
disponíveis para o lazer da população.
E na segunda maior cidade gaúcha não é diferente, sendo o município
com a quarta maior população do Estado, em torno de 330mil pessoas,
além de ser a 67ª cidade do Brasil com mais habitantes, as opções de lazer
que Canoas oferece aos seus habitantes não é suficiente para atender toda
a população. O município conta com mais de 100 praças e alguns parques.
Entre os principais centros de lazer do município, estão: Parque Municipal
Getúlio Vargas (Capão do Corvo), Parque Esportivo Eduardo Gomes
(Parcão) e Centro Olímpico Municipal. No interior do Parque Getúlio Vargas
tem o Jardim Zoológico Municipal de
Canoas (Minizoo) que é ao lado do
Jardim do Lago, dentro do bairro
Marechal Rondon, zona nobre da
cidade.
No entanto, recentemente os
canoenses encontram restrições em
seu lazer. O Jardim do Lago que era um dos parques mais frequentados aos
finais de semana e feriados, está sob uma medida municipal, que é o
Decreto 213/2012.
Histórico da problemática
Há cerca de 10 anos, pessoas
frequentam as praças do Residencial
Jardim do Lago, pois o local oferece
gramado limpo, sombra, ruas
pavimentadas e um ambiente tranquilo
para o lazer. Entretanto, a circulação
(aos finais de semana e feriados)
aumentou gradativamente nos últimos seis anos, trazendo visitantes de
cidade vizinhas, como Sapucaia, Gravataí e Esteio.
O volume crescente de usuários ocasionou situações desagradáveis
aos moradores, como som alto vindo dos carros, sujeira, consumo de droga,
vandalismo e lentidão no tráfego. Isso se tornou um problema para quem
mora na região, visto que a mobilidade e o sossego foram prejudicados.
Para controlar a situação, a Prefeitura de Canoas expediu um
documento solicitado por um seleto grupo de moradores do residencial. Em
junho de 2012, foi publicado o decreto nº 213, que define o bloqueio de
automóveis e motos nas ruas do residencial, aos domingos e feriados, das
13h às 19h. Entretanto, desde a sua publicação, esta medida, emitida pelo
prefeito, Jairo Jorge, divide opiniões entre os frequentadores e moradores,
pois alguns são a favor e outros contrários.
Ruas de Lazer em Canoas
A Lei Municipal nº 3094 que
define as ruas de lazer foi criada em
junho de 1991. No entanto, para que a
prefeitura viabilize tais locais, é
necessário que uma associação de
moradores, de um determinado bairro,
se reúna e entregue um ofício junto à
prefeitura para então iniciar o processo da rua de lazer solicitada.
As ruas de lazer do Jardim do Lago são o único espaço deste tipo na
cidade de Canoas. A criação se efetivou para solucionar um problema, que
era a superlotação do local. No entanto, essas ruas de lazer não atendem a
legislação nacional que prevê atividades pedagógicas e lúdicas. Um
problema foi solucionado, mas outro foi criado: a superlotação e a baderna
acabaram, porém a acessibilidade da população, no geral, foi prejudicada
com o decreto.
O decreto na prática
Com casas que atingem facilmente o valor de um milhão de reais e
altas taxas de IPTU para a região, o Residencial tem suas ruas bloqueadas a
cada final de semana e feriados. Agentes de trânsito fiscalizam os dois
principais acessos ao residencial. Com isso, apenas as placas dos carros
previamente cadastrados pela Associação de Moradores do Jardim do Lago
têm livre acesso ao local.
A publicitária Adriana Ceresér, moradora a seis anos do residencial
Jardim do Lago, explicou que a maioria dos moradores não foram
informados sobre a medida adotada pela prefeitura. “Ficamos sabendo que
as ruas do residencial teriam acesso restrito a veículos por meio do jornal
da cidade”, afirma a publicitária. Adriana ainda disse que foi multada por
um guarda de trânsito que faz a fiscalização das vias por não ter a
credencial para o seu veículo. “A Associação de Moradores não pode emitir
uma credencial para os moradores, pois não é um órgão oficial. Por isso,
não vou fazer a credencial”, finalizou.
Por outro lado, o presidente da
Associação de Moradores do Jardim do
Lago, Luiz Faviero, afirma que antes
do decreto o residencial, aos
domingos, era uma zona de conflito,
pois os frequentadores faziam a maior
bagunça, até pega de carro e moto
havia. “A única solução foi
transformar as vias do Jardim do Lago em ruas de lazer. Pois, não tínhamos
paz nos domingos”, explica o presidente. Além disso, Faviero ressalta que a
Associação de Moradores jamais quis fazer do Jardim do Lago um
condomínio fechado. “A Prefeitura de Canoas, em parceria com a Brigada
Militar, realizou mais de 200 blitzes no Jardim do Lago antes de tomar essa
atitude drástica”, explicou.
Não é o que diz a advogada e moradora do residencial, Ana Wolton.
Segundo Ana, a ideia inicial, desde a criação do loteamento, era ser um
condomínio fechado. Entretanto, a falta de planejamento urbano da época,
fez com que o condomínio se transformasse em residencial, ou seja, com
vias abertas. “Era para termos cancela de entrada, guaritas e tudo mais,
como todo condomínio fechado. Porém, foram vendendo os terrenos sem
organização e virou num residencial aberto”, explica Ana Wolton.
A advogada se queixa falando sobre a situação que acometia as
praças ao entorno de sua casa: “há uns dez anos, as pessoas começaram a
frequentar o Jardim do Lago para passear, mas nos últimos sete anos a
confusão só aumentou. Todo final de semana era um caos. Ninguém saía e
ninguém entrava nas casas aqui do bairro. Tudo por causa da superlotação
de pessoas nas ruas.” Ana ainda contou que teve um dia em que teve de
abandonar seu carro no meio da rua, pois não havia jeito de chegar a sua
garagem.
Frequentadores e habitantes têm opiniões divididas no caso, afinal há
situações em que o lazer prejudicava o descanso de alguns moradores. A
realidade é que, após a emissão do decreto 213, o Jardim do Lago passou a
ser uma incógnita para os cidadãos que costumavam comparecer nos finais
de semana e feriados. De certa forma, o documento privatiza um espaço
público nos dias em que é mais procurado para o lazer.
A discussão se torna ainda mais polêmica, uma vez que a validade do
decreto está vencida desde outubro de 2012. Mesmo com o prazo
expirado, o documento ainda segue em vigência, bem como a alocação de
seus recursos financeiros. Agentes de trânsito ainda trabalham
normalmente no bloqueio das ruas do residencial, utilizando de viaturas,
motos e cavaletes da prefeitura canoense.
Ao ser questionado sobre o assunto, o enfermeiro Carlos Souza acha
que a situação piorou depois da emissão do Decreto. Ele mora em uma das
casas do residencial, pois há cinco anos é responsável pelos cuidados de
uma idosa. Com isso, Carlos acompanhou como expectador o antes e
depois do decreto. “Pelo fato do acesso ser restrito aos moradores a
circulação de pessoas caiu. Acredito que isto tudo foi uma ação de
barganha entre um grupo de moradores e o prefeito. Sabemos que não
existe mais aquele congestionamento de carro com som alto, isto é
indiscutível. Mas ao mesmo tempo, acho que muita gente que não tinha
nada a ver com a história saiu perdendo”, explica o enfermeiro. Ainda
assim, ele conta que certo domingo, ao voltar de táxi com a idosa foi
barrado por azuizinhos na entrada do residencial. Ele justificou que se
tratava de uma moradora de idade, mas mesmo assim tiveram que
desembarcar e seguirem a pé.
O que disse a Prefeitura e a Câmara de Vereadores
A prefeitura de Canoas, por meio de sua Assessoria de Imprensa,
respondeu aos questionamentos via e-mail se valendo de uma matéria que
foi veiculada no site do órgão em julho deste ano.
Já a Câmara de Vereadores de Canoas foi contatada para justificar a
emissão do Decreto 213. Porém, informou que, nestes últimos 21 anos, não
receberam nenhum tipo de solicitação para a criação de rua de lazer. Além
disso, o gabinete da presidência da Câmara de Vereadores de Canoas, não
deu retorno aos questionamentos feitos pela reportagem.
Enquanto isso, os moradores do residencial desfrutam da
tranquilidade e segurança do bairro nos finais de semana com recurso
público, e os cidadãos enfrentam problemas de acessibilidade para usufruir
do Jardim do Lago. Em Canoas, existem outras opções de lazer, mas que
não atendem a demanda da população. De qualquer forma, o decreto não
foi a melhor maneira para solucionar o problema, pois resolveu a vida de
alguns e complicou a de outros. Com isso, a gestão pública do município
deveria articular diferentes meios para sanar este problema, evitando
desequilíbrios.