invisibilidade da pesca tradicional

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  • 8/19/2019 Invisibilidade Da Pesca Tradicional

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    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    SUSTENTABILIDADE DOS TERRITÓRIOS PESQUEIROS TRADICIONAIS: riscos

     produzidos pela invisibilidade da pesca tradicional diante das políticas públicas.

    Autores:

    Miguel da Costa ACCIOLY

    Jussara Cristina RÊGO

    Kássia Aguiar Norberto RIOS

    Sue SAFIRA

    Carla Virgínia Hage FERRAZ

    PESCA E MEIO AMBIENTE

    Desde a antiguidade a pesca nos oceanos, lagos e rios tem se constituído numa das principais

    fontes de alimentos, emprego e outros benefícios econômicos para a humanidade. A

     produtividade do oceano principalmente sempre pareceu ilimitada. Com o desenvolvimento

    dinâmico da pesca e da aquicultura, e o aumento dos respectivos conhecimentos, a

    humanidade finalmente tomou consciência de que, apesar de renováveis, os recursosaquáticos vivos não são infinitos e requerem uma ordenação adequada, para que a pesca possa

    seguir contribuindo para o bem estar nutricional, econômico e social da crescente população

    do planeta (FAO, 2010). O esgotamento dos estoques pesqueiros tem repercussões negativas

     para a segurança alimentar e para o desenvolvimento econômico, além de reduzir o bem estar

    social em países de todo o mundo, especialmente naqueles que dependem do pescado como

     principal fonte de proteína animal e renda, como ocorre com os pescadores tradicionais nos

     países em desenvolvimento.Ao mesmo tempo, os estoques pesqueiros e a pesca têm sido prejudicados pela degradação e

     perda de habitats (SPEIGHT; HENDERSON, 2010). As mais ameaçadas são as áreas rasas

    costeiras, as quais respondem por cerca de 95% da produção pesqueira mundial (QUIÑONES;

    ALIAGA, 2004), constituindo-se assim nos habitats marinhos mais produtivos. Estas áreas

    têm sido especialmente danificadas apesar de sabidamente serem usadas pelos principais

    recursos pesqueiros como áreas de reprodução, criação e alimentação. Historicamente a causa

    mais importante de destruição de habitats aquáticos tem sido o lançamento de esgotos,

    seguido por outras fontes de poluição. Nas áreas tropicais são expressivas as perdas de

    manguezais, habitats fundamentais para a reprodução e desenvolvimento da maioria das

    Importância da pescaenquanto sistemasócio-cultural;tecnologia social.

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    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    espécies marinhas, pela ocupação, desmatamento, aterros e turismo. Além dessas ameaças

    destacam-se as construções costeiras, alterações da linha de costa e dos padrões de correntes e

    circulação marinhas, e ainda as construções de estruturas marítimas como plataformas de

     petróleo e portos, além da introdução de espécies não nativas. Uma série de estudos junto a

    algumas comunidades tradicionais de pesca na Bahia (SANTOS; SCHOMMER; ACCIOLY,

    2009) evidenciaram e exemplificam essa realidade. Segundo Diegues (2001), o território das

    sociedades tradicionais, diferentemente do das sociedades urbanas industriais, é descontínuo

    no tempo e no espaço o que tem levado as políticas públicas a considerá-los como usados por

    ninguém. Por este motivo, os licenciamentos das intervenções que prejudicam estes territórios

    não respeitam os usos tradicionais pré-existentes, levando a danos ambientais que prejudicam

    os estoques pesqueiros e retiram a sustentabilidade da pesca.Quando se trata de bens ambientais, devemos entrar no campo do direito ambiental que o

    compreende, não como uma função de um poder do sujeito, mas que o percebe como uma

     partição social, como a justa medida dos bens que existem para serem distribuídos segundo o

    melhor processo heurístico para fazê-lo (MOTA, 2009). É assim que os bens e serviços que

    garantem sustentabilidade da pesca e das comunidades pesqueiras tradicionais devem ser

    abordados pelo direito, não permitindo que estes se tornem externalidades produzidas pelas

    atividades de empreendimentos econômicos concentradores de capital, onerando de formainjusta e mesmo desumana, os pescadores tradicionais. Desta forma, deve-se pensar na

    elaboração de normas ambientais que garantam a sustentabilidade do ambiente e das

    comunidades tradicionais. Estas normas, de acordo com Pêcego (2009), para serem

    enquadradas como lei deve atender a quatro critérios: 1- apresentar conformidade com a lei

    natural; 2- ser estabelecida por autoridade política competente; 3- ser dirigida ao bem comum,

    e; 4- ser adaptada às circunstâncias de tempo e lugar. Quanto ao quarto critério, urge o

    estabelecimento de normas para mediarem os conflitos estabelecidos atualmente em torno dosrecursos naturais, considerados como bens e serviços ecossistêmicos, que garantem a

    atividade pesqueira, especialmente a tradicional. Quanto ao terceiro critério, reforça-se aqui a

    importância da atividade pesqueira tradicional para a manutenção das capacidades dos bens e

    serviços ecossistêmicos os quais também garantem outras atividades econômicas. Finalmente,

    e por todos os critérios, uma normatização ambiental para a pesca tradicional deve atender à

    garantia de bem estar para um grande contingente social, hoje à margem das políticas

     públicas.

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    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    GESTÃO DA SUSTENTABILIDADE DA PESCA TRADICIONAL

    Segundo Kuhn (2009), a classificação em pescadores amadores e pescadores profissionais

    adotada pelo Ministério da Pesca e Aquicultura, com base na Lei nº. 11.959, de 29 de junho

    de 2009, que dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da

    Aquicultura e da Pesca, regula as atividades pesqueiras e revoga a Lei nº. 7.679/88 e os

    dispositivos do Decreto-Lei nº. 221/67, não leva em conta as demais características dos

     pescadores artesanais, como a cultura, a tradição e a relação que os mesmo têm com a

    atividade da pesca, muitas vezes sua única fonte de renda e sobrevivência. Por esse motivo os

    mesmos “não se identificam apenas como um grupo profissional”. Nesse mesmo sentido de acordo com Rios (2012), observamos que a classificação oficial da

    atividade pesqueira no Brasil não abrange toda a diversidade de pescadores existentes na

    realidade do país. O que acaba prejudicando algumas categorias que são “esquecidas” e/ou

    incorporadas a outras que não condizem com sua prática e necessidades. Faz-se importante

    não levar em consideração apenas os aspectos socioeconômicos da atividade, sendo assim, a

     pesca tradicional é compreendida, em síntese, como uma profissão desenvolvida pelos

     pescadores artesanais, que traz consigo características particulares em seu desenvolvimento,seja na sua relação sociocultural com os pescadores e suas famílias ou na sua relação com a

    natureza (RIOS, 2012). Esta autora, ainda esclarece que, o pescador artesanal vive e se

    reproduz tendo como principal atividade a pesca, que através de sua comercialização

     possibilita a compra dos demais produtos necessários a sua sobrevivência. Mesmo este

    retirando parte de sua produção para o consumo próprio e de sua família, o mercado é o

     principal objetivo de sua produção.

    Acrescenta-se que a pesca artesanal é uma atividade de base familiar, que muitas vezesenvolve as mulheres e os filhos, seja na comercialização do pescado, onde em muitas

    comunidades a mulher é a responsável, seja na própria captura, no caso das marisqueiras. No

    entanto deve-se destacar a relação com a natureza desenvolvida por esses pescadores e

    marisqueiras, ou seja, a forma com que estes se apropriam da mesma, se organizam e

    desenvolvem suas atividades a qual é caracterizada por extremos laços de identidade, aonde

    são desenvolvidos valores simbólicos e materiais. O mar, a pescaria, torna-se uma extensão de

    sua vida, não se trata somente de um ambiente marítimo do qual os mesmos retiram o

     pescado, é um ambiente acima de tudo, respeitado por estes.

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    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

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    Aspectos da pesca tradicional: 1 - pesca de anzol; 2 - pesca de siris com armadilhas; 3 -marisqueiras na captura de bebe fumo (marisco ou berbigão); 4  –   pesca de ostras pormergulho, e; 5 –  crianças na captura do guaiamum.Fonte: 1 e 3 Kassia Rios, 2012; 2, 4 e 5 Carla Hage 2012.

    Portanto, percebe-se fortemente que essa atividade se sustenta toda nos bens e serviçosecossistêmicos oferecidos pelos territórios onde se desenvolvem a pesca tradicional, sendo os

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    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

     pescadores, por suas práticas, os principais responsáveis pela conservação desses bens há

    algumas gerações, e por isso, com total capacidade de continuar garantindo a sustentabilidade

    das sociedades pesqueiras para as futuras gerações.

    A gestão de acesso e uso dos recursos pesqueiros pode ser definida como sendo: “[...]um

    conjunto de regras formais ou informais, ou seja, criadas e adotadas por lei ou pelos costumes,

     para que o acesso e uso dos recursos pesqueiros sejam realizados de maneira a não

    comprometer os estoques e, ao mesmo tempo, gerar empregos e renda, e permitir que aspectos

    culturais e modos de vida das comunidades pesqueiras sejam transmitidos de geração em

    geração” (MARRUL FILHO, 2009). Assim, a gestão pesqueira deve levar em conta que o

    recurso pesqueiro é um bem ambiental e, portanto, constitucionalmente de uso comum,

    devendo-se garantir a sua defesa e conservação, para as presentes e futuras gerações.De acordo com a Organização das Nações Unidas para a agricultura e alimentação (FAO,

    2010) as experiências de gestão das atividades pesqueiras convencionais têm falhado e

    acarretado com isso perda de sustentabilidade tanto da produção pesqueira quanto das

    comunidades pesqueiras. Com base nessa compreensão, desde 1972, vários estudos foram

    desenvolvidos levando à proposição a partir de 1999 da gestão pesqueira a partir da

    abordagem ecossistêmica da pesca. Esta abordagem surgiu da convergência de dois

     paradigmas importantes: a conservação ambiental e a ordenação pesqueira (FAO, 2010). Aconservação se concentra na proteção do meio ambiente natural, enquanto a ordenação

     pesqueira tem como principal objetivo a produção sustentável de um recurso com o propósito

    de satisfazer as necessidades sociais e econômicas.

    Desta forma, apoiando-se no conceito de desenvolvimento sustentável a abordagem

    ecossistêmica da pesca se baseia na interdependência entre a saúde do ecossistema e o bem

    estar humano, a partir do maior entendimento recente das interações da ordenação dos

    espaços costeiros com as atividades de pesca e o ecossistema. A FAO considera que aabordagem ecossistêmica da pesca e aquicultura, como estratégia de desenvolvimento, impõe

    sustentabilidade técnica, ecológica, econômica e social do setor pesqueiro. Desta forma, é

    fundamental que o marco jurídico seja flexível e capaz de acolher distintas mudanças na base

    do conhecimento, em especial às que tratam dos sistemas biológicos, ecológicos e

    socioeconômicos, mas ao mesmo tempo, deve ser suficientemente robusto para garantir

    estabilidade.

    Apesar da pesca artesanal possuir grande importância na soberania alimentar do país  –  

    contribui com mais de 60% do pescado produzido  –  e ser responsável pela renda econômica

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    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    de inúmeras comunidades tradicionais pesqueiras, a mesma sempre vem sendo colocada em

    segundo plano pelos órgãos gestores do setor (RIOS, 2012).

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    Conflitos de uso de território pesqueiro: lancha de turismo em alta velocidade impactandotanto o manguezal quanto a atividade de pesca em embarcação tradicionalFonte: Carla Hage 2012. 

    COMUNIDADES TRADICIONAIS E MEIO AMBIENTE

    A utilização da categoria “Comunidades Tradicionais” ou “Povos Tradicionais” representa

    uma designação de grupos que apresentam uma forma cultural característica e que se

    reproduzem socialmente com base nas relações de apropriação dos recursos naturais. Tais

    comunidades possuem um corpo de conhecimentos que lhes permite uma prática produtiva

    específica e estreita adaptação ecológica ao território. Exemplos empíricos de populações

    tradicionais são: as comunidades caiçaras, os sitiantes e roceiros, comunidades quilombolas,

    comunidades ribeirinhas, os pescadores artesanais, os grupos extrativistas e indígenas”

    (DIEGUES; ARRUDA, 2001).

    Ainda apoiado nas afirmações de Diegues, temos que a essência da pesca artesanal está no

    conjunto de conhecimentos transmitidos de pai para filho, que integram os meios de produção

    dos pescadores, e que se constituem na compreensão do meio-ambiente, condições da marés,

    identificação dos pesqueiros e manejo dos instrumentos de pesca (DIEGUES, 1994). Este

    conhecimento representa uma gama de informações necessárias a sustentabilidade ecológica e

    econômica das práticas produtivas, conforme indica Mendes (2002), afirmando ainda que se

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    trata de um conhecimento relacionado à ecologia, comportamento e classificação das

    etnoespécies marinhas, à confecção e uso dos artefatos de pesca, às variáveis ambientais que

    interferem na pescaria e à localização exata dos pesqueiros. (MENDES, 2002) .

    Diegues (2000) pontua que a valorização do conhecimento e das práticas de manejo dessas

     populações deveria constituir uma das pilastras de um novo conservacionismo (...), entretanto,

    Mendes acrescenta que: “Para que isso aconteça, é preciso criar um relacionamento novo  –  

    um envolvimento  –   entre os cientistas e os povos tradicionais com seu conhecimento em

    relação às questões ambientais, partindo de que os dois conhecimentos  –   o científico e o

    tradicional  –   são igualmente importantes” (MENDES, 2002). Almeida  e Cunha (1999) se

    referem a uma possível prática conservacionista destas comunidades, sem que,

    necessariamente possuam esta rotulação, pois suas próprias regras culturais locais voltadas àutilização dos recursos naturais já definem a sustentabilidade da prática. E como afirma

    Saldanha (2005), se trata de uma forma de vida que ultrapassa qualquer consciência ou teoria

    conservacionista.

    De acordo com a Constituição Federal, Povos e Comunidades Tradicionais são grupos que

     possuem culturas diferentes da cultura predominante na sociedade e se reconhecem como tal.

    Tais grupos estão organizados de forma peculiar dentro de seu território, e dependem dos

    recursos naturais para sua manutenção, produção e reprodução social. Da mesma forma, umacomunidade pesqueira, que é caracteristicamente exploradora do meio ambiente aquático,

     pois faz desta atividade o seu sustento, é portadora de uma percepção deste meio ambiente,

    que cria as condições de possibilidade para a atividade exploratória e, portanto, para a

    sobrevivência da comunidade (RÊGO, 1994). Para além das práticas produtivas em seus

    aspectos físicos e materiais, as comunidades tem em seus territórios um significado concreto

    que envolve: “[...] as formas de relação de uma sociedade com seus ideais e representações,  

    como também traduz o comportamento de indivíduos e os sentimentos coletivos devinculação a uma organização espacial. Interessa-nos saber qual a relação de um grupo com o

    espaço, o que pressupõe uma análise de fatores materiais e não materiais, compreendendo que

    território é um produto da história da sociedade, e que, portanto, está em constante

    modificação, por ser resultado de um processo de apropriação de um grupo social e do quadro

    de funcionamento da sociedade, comportando, assim, ao mesmo tempo, uma dimensão

    material e cultural dadas historicamente” (RÊGO, 2006).

    Assim, compreende-se aqui um território como o espaço apropriado pelo grupo cultural, onde

    lhe é conferido um ordenamento característico, sendo as relações de produção, bem como as

    simbólicas e afetivas determinantes deste processo. Dentro desta perspectiva, comunidades

    ceito de

    unidades

    cionais

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    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

     pesqueiras podem ser classificadas como “[...] grupos humanos diferenciados sob o ponto de

    vista cultural, que reproduzem historicamente seu modo de vida, de forma mais ou menos

    isolada, com base na cooperação social e relações próprias com a natureza. Essa noção refere-

    se tanto a povos indígenas quanto a segmentos da população nacional, que desenvolveram

    modos particulares de existência, adaptados a nichos ecológicos [...].” (DIEGUES;

    ARRUDA, 2001).

    Com vistas ao reconhecimento e busca de políticas de apoio a estas comunidades, em 2004,

    foi criada a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades

    Tradicionais, subordinada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade, entre outras, de

    estabelecer e acompanhar a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável das

    Comunidades Tradicionais. O Decreto nº 6.040 de 07 de fevereiro de 2007, institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais - PNPCT,

    que tem como principal objetivo promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e

    Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus

    direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à

    sua identidade, suas formas de organização e suas instituições. Esta política conceitua:

    I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se

    reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam eusam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social,

    religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e

    transmitidos pela tradição;

    II - Territórios Tradicionais: os espaços necessários a reprodução cultural, social e econômica

    dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou

    temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas,

    respectivamente, o que dispõem os arts. 231 da Constituição e 68 do Ato das DisposiçõesConstitucionais Transitórias e demais regulamentações; e

    III - Desenvolvimento Sustentável: o uso equilibrado dos recursos naturais, voltado para a

    melhoria da qualidade de vida da presente geração, garantindo a mesma qualidade para as

    futuras gerações.

    Finalmente, e apesar de reconhecidas e instituídas as formas de apoio legal, podemos afirmar

    que tais comunidades, normalmente possuem um fraco poder político, tendo pouco acesso aos

    direitos adquiridos pelas legislações em vigor, que reconhecem, valorizam e determinam

    Políticas Públicas de apoio voltadas a elas, seguindo à margem da sociedade no que se refere

    a seus direitos ao território, emprego e renda dentre outros.

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    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    REGULAMENTAÇÃO DA PESCA TRADICIONAL

    Um marco indiscutível para as políticas públicas para a pesca no Brasil foi a criação do

    Ministério da Pesca e Aquicultura, no dia 29 de junho de 2009, dia de São Pedro, Padroeiro

    dos Pescadores, através da lei nº 11.958, conhecida como Lei da Pesca. Esta lei tem como

    objetivo promover o desenvolvimento sustentável da pesca e aquicultura, garantindo o uso

    sustentável, a preservação e conservação dos recursos pesqueiros. Além de claramente

    associar a atividade à conservação dos recursos pesqueiros, essa foi a primeira vez em que a

    organização da atividade pesqueira ficou sob a competência de um Ministério criado,exclusivamente, para a gestão da atividade. Diferentemente dos anos anteriores, que tal gestão

    ficou intercalando entre Ministérios da Marinha e da Agricultura e por fim, pelo Ministério do

    Meio Ambiente, que não eram exclusivos ao setor pesqueiro. A Lei da Pesca, sendo um

    marco histórico e uma vitória para o setor pesqueiro nacional, passou a considerar pescadores

    e aquicultores como produtores rurais, e reconheceu também, como trabalhadoras da pesca, as

    mulheres que desempenham atividades complementares a pesca artesanal, estabelecendo que

    as mulheres tenham direitos iguais aos pescadores (RIOS, 2012). Apesar desse avanço, umaexcessiva mudança de ministros ocorreu desde a criação do Ministério, cabendo destacar a

    falta de conhecimento sobre a atividade pesqueira no país por parte desses Ministros, uma vez

    que além de sua formação profissional ser em outras áreas, suas experiências profissionais

    também são em áreas alheias ao cargo que assumem. A indicação política aliada à falta de

    conhecimento da área e ao pouco tempo de execução do cargo traz dificuldades à estruturação

    do Ministério, assim como a sua efetiva atuação.

     Na história bastante recente do Brasil, essa classe alcançou conquistas muito importantes noque tange aos seus direitos. Pode-se citar como um grande exemplo, os direitos

     previdenciários. As Leis n°. 8212/91 e n°. 8.213/91, que regulam a Previdência Social, tratam

    os pescadores artesanais como “segurados especiais”, conferindo-lhes os mesmos direitos que

     possuem os empregados (“segurados urbanos”), empregados domésticos, trabalhadores

    avulsos, dentre outros. Assim, cabe aos pescadores artesanais, em face do labor que realizam,

    o percebimento de auxílio doença, pensão por morte, auxílio maternidade, aposentadoria e

    todos os outros benefícios previdenciários. Outro exemplo a ser citado, bastante significativo,

    é o seguro defeso, que corresponde a um benefício pago ao pescador que exerce a pesca de

    forma artesanal, individualmente ou em regime de economia familiar, no período de proibição

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    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    da pesca para determinadas espécies. O defeso é um período em que pescar é totalmente

     proibido, visando a respeitar a época de reprodução das espécies. Para que seja deferida a

    concessão desse benefício, o pescador artesanal tem que se enquadrar em alguns requisitos

    estabelecidos na Lei nº 10.779/03. Em concorde com uma portaria fixada pelo IBAMA, é

    garantido ao pescador artesanal receber o número de parcelas correspondentes ao número de

    meses que durar o defeso e cada parcela equivale a um salário mínimo. No entanto, algumas

     políticas públicas para a pesca surgiram em completa discrepância com a política ambiental e

    consequentemente com a sustentabilidade dos ecossistemas e da própria atividade (LIMA-

    JUNIOR et. al., 2012).

    UMA EXPERIÊNCIA PARA A VISIBILIZAÇÃO DA PESCA TRADICIONAL

    Se por um lado houve avanço na legislação no sentido de proteger os pescadores artesanais,

     por outro lado, surgiram também regulamentações vazias, que talvez cause a alguns sensação

    de avanço social, mas, na realidade, não sairão do papel e não beneficiarão realmente aqueles

    aos quais supostamente foram direcionadas. Um exemplo claro são o Decreto 4.895/03 e a

    Instrução Normativa Interministerial n°. 06/04, que regulamentam a cessão de águas públicas.Explique-se: de acordo com a já mencionada Lei da Pesca (Lei n°. 11.959/09), “aquicultor é a

     pessoa física ou jurídica (Associação, Cooperativa, Empresa) que, registrada e licenciada

     pelas autoridades competentes, exerce a aquicultura com fins comerciais”. Para exercer a

    aquicultura em águas e terrenos públicos, é necessário que o Estado conceda o direito de uso.

    São exatamente o Decreto 4.895/03 e a Instrução Normativa Interministerial nº. 06/04 que

    regulamentam essa cessão de águas de domínio da União para fins de aquicultura. Essas

    legislações determinam o procedimento a ser adotado por aqueles que desejarem obter essaautorização. São também essas normas que preveem a prioridade para populações

    tradicionais, na concessão do uso de espaços físicos de corpos d’água da União para fins de

    aquicultura.

    Ocorre que o procedimento para obtenção da cessão de águas públicas, na forma em que foi

     previsto, não é passível de realização por comunidades tradicionais, o que torna inaplicável a

     previsão legal de prioridade que elas têm. Isso porque, os formulários a serem

    necessariamente preenchidos para a solicitação da cessão de águas públicas não apresentam

    linguagem compreensiva e adequada às comunidades e povos tradicionais.

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    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    De maneira geral, o mencionado formulário apresenta falhas internas, como por exemplo, a

    mesma pergunta presente mais de uma vez. Ainda, sua linguagem técnica não se faz

    compreensível sem a atuação direta de profissionais de diversas áreas e alguns dos seus itens

    não são apropriados para a realidade dessas comunidades, como por exemplo, a previsão da

     produção em toneladas, que se aplica, sobretudo, a grandes empreendimentos, mas,

    ordinariamente, não a populações tradicionais. Ademais, o Decreto e a Instrução Normativa já

    mencionados, possuem outras previsões inadequadas para comunidades tradicionais, como

    alguns prazos que não se adequam aos seus ritmos de vida. Assim, nesse caso, embora exista

    uma legislação benéfica aos membros de comunidades tradicionais pesqueiras e marisqueiras,

    a mesma não se aplica na prática.

    Importante lembrar que a aquicultura se configura como uma atividade muito importante paraos pescadores artesanais, uma vez que estabelece uma renda complementar. Ademais, a

    conciliação das técnicas de cultivo com os períodos de defeso é uma alternativa muito

    interessante, tendo em vista que aproveita o conhecimento das populações tradicionais e

    colabora para a preservação do meio ambiente. Por tudo isso, vê-se a necessidade de se fazer

    algumas mudanças na Instrução para que se ajuste à realidade das comunidades e ainda pode-

    se dizer que todas essas questões demonstradas acabam por restringir o princípio

    constitucionalmente previsto de acesso à justiça, direito de todo cidadão.A cessão de Águas Públicas da União é uma concessão feita pela união a uma pessoa física ou

     jurídica para prática de aquicultura. Essa cessão é intransferível, não permitindo ao titular

     parcelar ou arrendar a referida área, e tem duração de no máximo 20 anos. Sendo assim, ter a

    Cessão de águas públicas da União é obrigatório para qualquer aquicultor que tenha cultivo

    em águas da união.

    Apesar de a cessão de águas ser exclusiva para a aqüicultura, verificamos que se for bem

    utilizada por comunidades tradicionais, pode ser um aliado para garantir os seus territórios pesqueiros, já que de acordo com a Instrução Normativa Interministerial No. 07 de 28 de abril

    de 2005, Art. 1° diz que: “não se deve haver usos conflitantes no corpo d’água”. Sendo assim,

    a pesca tradicional e os outros usos do corpo d’água local estão garantidos e suas áreas ou

    devem estar fora da concessão ou devem ser preservadas dentro da área licenciada,

    compatibilizando-os com o uso da aqüicultura. Para uma comunidade tradicional pesqueira

    essa é uma grande oportunidade de se fazer um zoneamento de toda a área de pesca e usos do

    corpo d´água, selecionando as áreas possíveis para cultivo e garantindo as outras áreas como

    áreas de pesca, impedindo que empresários estranhos à comunidade tradicional apropriem

    dela de forma conflitante.

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    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    Com base nessa ideia foi elaborada participativamente um projeto de solicitação de Cessão de

    Águas para produção de ostra pela comunidade tradicional pesqueira de Graciosa, município

    de Taperoá, Bahia.

    A comunidade de Graciosa é tradicionalmente de pescadores e marisqueiras e também

     possuem a tradição de desenvolver atividades de ostreicultura artesanal familiar. A pesca da

    ostra através de mergulho nos fundos rochosos, uma das atividades mais rentáveis que a

    comunidade explorava no passado, hoje está prejudicada pela construção de uma ponte sobre

    as principais áreas de pesca, como também pela colocação por um empresário local de alguns

    long-lines de cultivo de ostras sobre outros locais de pesca. Somando a isso, essa comunidade

    também foi o público alvo desse projeto por necessidades reais em legalizar seus cultivos e

     principalmente por já existir ameaças de pedidos de cessão na área da comunidade.Toda a elaboração deste projeto para a cessão foi desenvolvido pela comunidade de

    ostreicultores familiares interessada, com apoio da equipe da UFBA como parte do projeto

    Semeie Ostras juntamente com bolsistas de extensão (Proext/Mec e Pibiex/Ufba), uma

    descentralização do Ministério da Pesca para a Universidade Federal da Bahia com o objetivo

    de consolidar a atividade de ostreicultura familiar no estado. Desta forma esta equipe aplicou

    a ferramenta do mapeamento biorregional, respondendo os itens exigidos pela instrução

    normativa em mapas. Esta linguagem permite que a comunidade tenha a devida compreensãode todo o projeto por ela desenvolvido, o que será por sua vez o modelo para o

    desenvolvimento de outros projetos para a regularização em outras comunidades.

    Dessa forma, foi solicitada a cessão de uma ampla área para a implantação de cultivos para

    atender no mínimo 76 famílias da comunidade, a qual tem pouco mais de 200 famílias. Os

    locais onde serão colocadas as estruturas de cultivo não podem interferir com outras

    atividades tradicionais da comunidade como: pontos de mergulho para pesca, transporte

    através de lanchas, áreas de pesca com rede de fundo, tapesteiro, etc. Além desses fatores olocal tem que ter uma salinidade e uma profundidade adequada. Sendo assim, para calcular a

    área total a ser solicitada foram mapeados todos esses usos e gerando um mapa chamado “Os

    limites de Graciosa”, também foi feito um mapa da batimetria do estuário da Graciosa, que

     posteriormente juntos possibilitaram a geração um terceiro mapa que finalmente definiu-se a

    quantidade e disposição das estruturas de cultivos, titulado “Graciostra”. 

    Os mapas contêm o território de pesca da comunidade e, com a aceitação deles pelos

    ministérios, quando a cessão for concedida à comunidade, não só estará garantida a área de

     produção de ostra como também o território pesqueiro da comunidade de Graciosa terá sido

    reconhecida. Todo esse projeto de zoneamento através do mapeamento biorregional é muito

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    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    importante para a comunidade é o embrião de uma gestão participativa dos territórios

    garantindo o controle cidadão sobre a sustentabilidade da comunidade. Pretende-se com esse

     procedimento que possa se converter em exemplo para ser aplicado em outras comunidades

    tradicionais que desejem regularizar áreas de cultivo com impactos ambientais praticamente

    nulos, grande alcance social e compatibilização de usos tradicionais do espaço delimitando as

    suas áreas pesqueiras. 

    7 8

    Oficinas de elaboração do projeto de cessão comunitária: 7 - elaboração de mapas biorregionais respondendo aos quesitos da Instrução normativa, e 8 –  aprovação dos mapas.

    Fonte: 7 Carla Hage 2012; 8 Miguel Accioly 2012. 

    Esse exercício de regularização dos territórios pesqueiros junto com a solicitação de cessão de

    área preferencial para aquicultura por comunidade tradicional em águas da União evidencia a

    necessidade de regulamentar os territórios pesqueiros e também de melhorar os regulamentos

     para a solicitação da referida Cessão por comunidade tradicional. Regulamentações revestidas

    de especial enfoque ambiental.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS - POR UMA REGULAMENTAÇÃO PARA OS

    TERRITÓRIOS PESQUEIROS TRADICIONAIS

    A economia ecológica mostra que a “guerra contra a natureza” foi um grande equivoco criado

     pela revolução industrial (VIVIEN, 2011). A sustentabilidade vem exatamente em saber usar

    os processos ecológicos naturais para benefício social. As comunidades tradicionais

     pesqueiras podem realizar gestão ambiental dos recursos naturais dos quais tiram sua

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    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    manutenção pelo extrativismo pesqueiro, mas para isso precisam garantias de acesso e

    manutenção dos seus territórios pesqueiros.

    Pelo ponto de vista da moderna economia ecológica (VIVIEN, 2011), a definição de ambiente

    se nutre da construção social da sociedade e da construção social da natureza; a sociedade

    definindo-se em sua relação com a natureza e essa “natureza” sendo ela própria definida em

    relação à sociedade. Destas formas, mesmo tendo como base os princípios ecológicos as

    questões ambientais só podem ser entendidas nas suas relações políticas e sociais.

    Segundo Rios (2012), a construção dos territórios pesqueiros se dá a partir do uso e ocupação

    que os pescadores artesanais fazem do espaço para as diversas atividades desenvolvidas pela

    comunidade. Cabe destacar que esse território abrange tanto os espaços marítimos como

    terrestres. O acesso à terra, assim como à água é condição indispensável para reprodução dos pescadores artesanais, tanto pelo seu lado produtivo como pelas múltiplas relações existentes

    entre a comunidade e os mesmos. Apesar da existência atual do Ministério da Pesca e

    Aquicultura, a criação de políticas públicas continua a privilegiar a pesca industrial, a

    aquicultura e os grandes empreendimentos capitalistas, que por sua vez vem sendo inseridos

    nos territórios dos pescadores artesanais sem maiores intervenções ou manifestações do

    Ministério. Esse é o cenário brasileiro para inúmeras comunidades tradicionais pesqueiras,

     principalmente, após a expansão das atividades industriais no país. Os territórios terra e água passaram a ser vistos como espaços de interesse estratégico ao desenvolvimento do capital.

    Tais fatos fazem com que estes territórios estejam atualmente em um cenário de constantes

    ameaças e conflitos. Nesse sentido, torna-se cada vez mais necessária as ações, por parte do

    Estado brasileiro para a regularização destes territórios, pois somente com a segurança do

    direito sobre seus territórios, os pescadores artesanais poderão continuar a desenvolver suas

    atividades e reproduzir-se socialmente e culturalmente.

    A tragédia dos comuns, como descrita por Garrett Hardin (1968), tem campo fértil paraacontecer no ambiente pesqueiro sem regulamentação dos seus territórios tradicionais. Este

    risco se observa não apenas pela pesca desordenada a partir da perda das tradições das

    comunidades pressionadas pelo poder econômico sobre seus territórios, mas também pela

    apropriação irresponsável dos territórios pesqueiros para outros usos sem repercussões na

    sustentabilidade daquelas sociedades tradicionais cujo modo multiprodutivo empresta grande

    representação econômica na produção de alimentos. Assim tem acontecido com o

    licenciamento de estruturas turísticas predatórias, exploração de petróleo, indústrias

     poluidoras do meio aquático, expansão urbana costeira, entre outras. A tragédia dos comuns

    não pode ser combatida nos territórios pesqueiros pelos direitos à propriedade e apropriação

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    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

     privada, uma vez que não se pode confundir a tradicional propriedade comum ou comunitária

    com ausência de propriedade. Desta forma o colapso destas áreas produtivas deve ser

    combatido pela regulamentação dos territórios pesqueiros tradicionais, garantindo sua

    apropriação pelas comunidades que deles se sustentam a muitas gerações e que por sua gestão

    tradicional tem condições de garantir sua produtividade por muitas gerações mais.

    A regulamentação dos territórios pesqueiros é o elemento mais importante na gestão

    ambiental para garantir a manutenção do ambiente produtivo pesqueiro, o mesmo que garante

    a produção de alimentos além da qualidade de vida para toda a sociedade, além de preservar

    as belezas cênicas que agregam valor ao turismo responsável, e principalmente garante a

    sustentabilidade das inúmeras comunidades pesqueiras tradicionais espalhadas pelo país. Daí

    a grande importância da Campanha Nacional pela Regularização dos Territórios dasComunidades Tradicionais Pesqueiras, lançada em junho de 2012, em Brasília (DF), como

    forma de mobilização e luta pelo reconhecimento dos direitos das comunidades tradicionais

     pesqueiras sobre seus territórios. É urgente a regularização do acesso e do direito aos

    territórios pesqueiros, inclusive demarcando-os, como garantia de sustentabilidade ambiental

    e social nessas áreas tão importantes para toda a sociedade.

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    Texto no prelo: Coleção Direito Ambiental, Volume 3, Embrapa. Com previsão de publicação em 2016.

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