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Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015
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INVENTÁRIO DE FONTES DOCUMENTAIS SOBRE A HISTÓRIA DO ENSINO PRIMÁRIO RURAL EM CIANORTE-PR: PERCURSOS DE UMA
INVESTIGAÇÃO
LIMA, Rosangela de1
SCHELBAUER, Analete Regina2
Introdução
Este artigo objetiva apresentar os percursos de uma investigação pautada em
fontes documentais – textuais e iconográficas – sobre a história do ensino primário rural
em Cianorte-PR entre as décadas de 1950 e 1990.
No Brasil, muitos pesquisadores comprometidos com o campo da História e
Historiografia da Educação têm conferido atenção aos processos educacionais, com
investigações sobre a institucionalização da escola primária. Entre os temas abordados,
encontram-se a cultura escolar, a formação de professores, a expansão da escola
primária, as condições para o ensino, entre outros.
Conhecer a realidade educacional do país por meio de documentos históricos,
produzidos, veiculados e apropriados no interior da escola, tem se apresentado como
uma forma de escrever a história da educação mais acurada da realidade, sem
generalizações (NUNES, 1996). Saviani (2007) reafirma a importância de estudos
regionais sobre o processo de escolarização primária, marcando a necessidade de
construir conhecimentos que possam servir de base para estudos comparados da história
da educação brasileira.
Ao revisitar as produções historiográficas sobre o assunto, percebe-se que
muitos esforços foram empreendidos neste sentido. Destacamos como resultados de
pesquisas: Cultura material escolar: a escola e seus artefatos (MA, SP, PR, SC e RS,
1870-1925), organizada por Castro (2011); Escola primária na primeira república
(1889-1930): subsídios para uma história comparada, organizada por Araújo, Souza e
Nunes Pinto (2012); Reformas educacionais: as manifestações da Escola Nova no 1 Mestre em Educação – PPE UEM. 2 Doutora em Educação – PPE UEM (orientadora).
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Brasil (1920 a 1946), organizada por Miguel, Vidal e Araújo (2011); Grupos Escolares:
cultura escolar primária e escolarização da infância no Brasil (1893-1971), organizada
por Vidal (2006); Alicerces da pátria: história da escola primária no Estado de São
Paulo (1890-1976), de Souza (2009); Educação Rural em perspectiva internacional:
instituições, práticas e formação de professores, organizada por Werle (2007);
Contribuição à pesquisa de ensino técnico no Estado de São Paulo: inventário de fontes
documentais organizada por Moraes e Alves (2002); Currículos, práticas e cotidiano
escolar: a importância dos arquivos escolares para a produção de conhecimento em
História da Educação, de Gatti Jr. e Pessanha (2010). Estas publicações evidenciam a
ausência de informações na historiografia da educação brasileira e a importância que os
arquivos têm como instrumentos de memória e de história institucional.
Com relação à educação rural, cujo tema nos mobilizou para a pesquisa,
concordamos com Schelbauer (2014) quando afirma que a historiografia da educação
paranaense carece de investigações que aprofundem a pesquisa no âmbito da
escolarização primária no meio rural.
No cenário nacional, a educação rural é um tema ainda não explorado
suficientemente. As publicações na área, como o Dossiê Representações, práticas e
políticas de escolarização da infância na zona rural, organizado por Souza e Ávila
(2014), o livro Educação Rural em perspectiva internacional: instituições, práticas e
formação de professores, organizado por Werle (2007), e o artigo Estudos sobre
educação rural no Brasil: estado da arte e perspectivas, de Damasceno e Beserra
(2004), afirmam a necessidade de investimento em pesquisas regionais sobre o assunto.
Quanto à preocupação com a educação rural no campo das pesquisas, Ávila (2013, p.
175) conclui que “[...] essa modalidade de ensino não tem assegurado o seu lugar na
história da educação brasileira, assumindo, na melhor das hipóteses, um lugar
secundário nas pesquisas historiográficas”.
Seguindo nesta direção, o estudo se voltou à investigação desta modalidade de
ensino, a qual esteve presente no Município de Cianorte, situado ao norte do Estado do
Paraná, entre as décadas de 1950 e 1990. O recorte investigativo, com início na década
de 1950, justifica-se pela fundação do Patrimônio de Cianorte no ano de 1953, sua
elevação a município em 1955 e a criação das primeiras escolas rurais em 1956; a
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década de 1990 marca o intenso fechamento dessas unidades escolares com o processo
de nucleação e, em seguida, a extinção das escolas rurais.
No decorrer da pesquisa, enfrentamos o desafio de “garimpar” documentos e
localizar as fontes históricas que pudessem dar suporte à investigação. Encontrá-las,
sistematizá-las e organizá-las, de modo a ser possível sua análise, foram ações que nos
conduziram às descobertas, caminhos e procedimentos singulares, os quais
socializaremos a seguir.
Procedimentos teórico-metodológicos
Os documentos textuais e iconográficos que fazem parte dos acervos existentes
sobre o ensino primário rural de Cianorte nos conduziram a caminhos ímpares para o
tratamento e análise das fontes.
Nossa abordagem fundamentou-se na Nova História Cultural. A perspectiva de
análise, construída com base nesta concepção, permitiu-nos considerar que o trabalho se
consubstancia em uma representação da história do ensino primário rural neste
município, sendo que outros olhares podem ser lançados sobre o objeto em questão e
outros diálogos podem ser estabelecidos com as fontes existentes.
Amparadas em Chartier (1990), consideramos que a apropriação do conteúdo
dos documentos é singular ao historiador que os analisa. Assim,
[...] essa historicidade exige em primeiro lugar que o “consumo” cultural ou intelectual seja ele próprio tomado como uma produção, que evidentemente não fabrica nenhum objecto, mas constitui representações que nunca são idênticas às que o produtor, o autor ou o artista investiram na sua obra (CHARTIER, 1990, p. 59).
Neste sentido, entendemos que este referencial amplia o conceito de fonte,
permitindo trabalhar com os dados disponíveis. Luchese (2014, p. 148) nos lembra que
“[...] a noção de documentos, ampliada pela Nova História, possibilita que qualquer
indício de uma época possa ser utilizado, para além dos documentos ditos oficiais”.
Chartier (1990, p. 16-17) fortalece este pressuposto ao afirmar que “[...] a história
cultural, tal como a entendemos, tem por principal objecto identificar o modo como em
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diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada,
dada a ler. Uma tarefa deste tipo supõe vários caminhos”.
No processo de investigação, o manuseio das fontes nos conduziu a
problematizações, questionamentos e hipóteses, os quais tentamos responder nos
aproximando do seu contexto de produção e analisando os pontos em que os
documentos apresentavam sincronias e contradições. Este processo permitiu que
identificássemos as intercorrências e regularidades dos fazeres pedagógico e
administrativo escolares.
Como procedimentos metodológicos, adotamos a pesquisa bibliográfica e
documental, haja vista o entendimento de que a história não se faz com mera descrição
de dados. “No atravessamento dos documentos, perceber as recorrências, os indícios
como formas de pensar a educação e as múltiplas relações sócio-político-econômicas,
que produzem os discursos” (LUCHESE, 2014, p.151) é tarefa fundamental ao
exercício da pesquisa e, para tanto, as devidas relações com as produções
historiográficas existentes devem ser estabelecidas.
Neste caminho, concomitantemente, analisamos as normas e finalidades que
regulam a escola, presentes nos documentos oficiais. Sobre este procedimento, Julia
(2001, p. 19) reitera que “os textos normativos devem sempre nos reenviar às práticas”,
por isso procuramos estabelecer diálogo entre os documentos, o contexto histórico, a
historiografia, a Legislação Educacional, as Mensagens e Relatórios de Governo e
Secretários do Estado do Paraná e as produções memorialísticas que remetem à
configuração do Município de Cianorte a fim de compreender os direcionamentos para
o funcionamento das escolas rurais no contexto de colonização e expansão de Cianorte.
A existência de certos tipos de fontes nos permitiu identificar suas características
e organizá-las em séries, de acordo com as considerações de Dominique Julia (2001).
Este procedimento favoreceu a reflexão a respeito das normas, registros escolares, as
características das escolas rurais quanto ao espaço físico, as condições disponíveis para
o ensino e a organização e funcionamento dessas instituições.
No decorrer desse processo, descobrimos o nosso jeito de escrever, analisar,
comparar, refletir. Porque, de acordo com Luchese (2014, p. 151), “[...] na análise do
corpus construído, o pesquisador cria formas mais adequadas para o seu objeto e
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problema de pesquisa, de percepção de recorrências, regularidades e irregularidades.
Mas não há um modo único de fazê-lo”.
Ante muitos caminhos a seguir, pautamos-nos nos registros e formas dos
documentos, os quais deram suporte à organização de um inventário de fontes. Nosso
objetivo foi mapear e descrever os documentos históricos, propiciando o conhecimento
dos diversos tipos de documentos existentes bem como sua localização.
Como conhecido na historiografia, muitas instituições não sabem o que fazer
com os seus documentos (WERLE, 2004) e, por conseguinte, acabam não sendo
tratados adequadamente. Quanto à existência desses documentos, Belloto (2002, p. 10-
11) afirma que
Documentos existem, independentemente de sua organização, de suas possibilidades de acesso, de sua dimensão, de seu estado físico, ou da extensão, profundidade ou densidade da informação contida nos documentos que o compõem. Podem ser amontoados disformes e ininteligíveis, o que os arquivistas denominam “massa documental acumulada” [...]. Se bem ou se mal organizados, cumprem bem ou menos bem o seu papel de dar o necessário suporte de atos dispositivos e de provas e de circulação da informação, que uma entidade necessita no dia-a-dia de sua atuação.
A afirmação de Belloto (2002) nos remete à importância que os arquivos têm,
mesmo estando dispersos ou guardados informalmente nas instituições. Em Cianorte,
foi confirmada a preservação de muitos documentos, porém desprovidos de organização
e manutenção adequadas às normas de arquivo.
Mediante a proposta de organização dos documentos, fomos encontrando e
desvelando fontes sobre o ensino primário rural durante o processo de pesquisa. Os
questionamentos e problematizações surgiam à medida que tínhamos contato com os
arquivos, uma vez que, para organizá-los, seria necessário manuseá-los e, dessa forma,
conhecê-los.
A intervenção nos arquivos foi para nós uma tarefa desafiadora. Compartilhamos
com Rodrigues (2012) e Magalhães (2004) a ideia de que, muitas vezes, o pesquisador
necessita criar formas que viabilizem a investigação no campo da História da Educação.
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Com certeza, não é excessivo destacar, a Escrita da História da Educação é realizada com base nos vestígios que conseguimos localizar. Catalogá-los, organizá-los e dar-lhes uma forma passível de análise é o desafio enfrentado pelos pesquisadores comprometidos com a produção no campo da História da Educação [...] (RODRIGUES, 2012, p. 20).
Como já experienciado por muitos pesquisadores deste campo de pesquisa, em
Cianorte, chegar aos arquivos sobre a escolarização primária rural não foi uma tarefa
fácil. Mas, com o compromisso de escrever a respeito desta história, iniciamos as
atividades do processo de investigação. Em reunião com o Grupo de Pesquisa “História
da Educação, Intelectuais e Instituições Escolares”, a pesquisadora Andressa Lariani
Paiva Gonçalves, orientada pela Professora Doutora Analete Regina Schelbauer,
apresentou alguns dados sobre sua pesquisa intitulada História e memória: fontes
documentais da escolarização primária no Município de Cianorte. Ficamos surpresas
com o volume documental encontrado acerca da escolarização primária no município
referentes ao período de 1953 a 1971. Entre os dados apresentados, estava a informação
de que havia Livros Ata de Exames Finais sobre a escolarização primária rural na
Prefeitura do Município.
Considerando o conhecimento desta documentação preservada, iniciamos a
busca por maiores informações e outros documentos referentes às escolas rurais de
Cianorte. Nossa primeira ação foi entrar em contato com a Secretaria Municipal de
Educação, que nos encaminhou para a Divisão de Documentação Escolar, cujo setor se
responsabiliza pela organização e funcionamento das escolas municipais e mantém a
guarda de muitos documentos. Neste primeiro momento, encontramos apenas os
documentos já catalogados por Gonçalves (2012).
Não desistimos e continuamos à procura de outras fontes. Nessa busca,
conversas informais com ex-alunos e com profissionais que atuaram nas escolas rurais
fizeram parte do trabalho, as quais avivaram neles as lembranças daquele tempo. Assim,
com a expectativa a respeito da existência de mais documentos, iniciamos um processo
de conquista e de convencimento daqueles que mantinham sua guarda. Tarefa árdua e
que necessitou de um tempo para que uma relação de confiança se estabelecesse entre
“pesquisados” e pesquisadora. Tal processo nos concedeu grata satisfação ao
conseguirmos ter acesso a inúmeros documentos.
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Num segundo momento, ainda na sede da Prefeitura, encontramos muitos álbuns
com fotografias e recortes de jornais antigos que remetem à história do município,
dentre eles algumas imagens sobre a educação municipal, no setor denominado
Secretaria de Assessoria de Comunicação Social. Tais registros nos oportunizaram uma
reflexão a respeito de alguns eventos relacionados às escolas rurais, produzidos pela
administração.
Posteriormente, com a autorização da Secretaria Municipal de Educação – SME,
visitamos a Escola Municipal Castro Alves, antiga Escola Rural Municipal Castro Alves
e última unidade escolar rural que esteve em funcionamento no município até o ano de
1999. Neste local, encontramos grande volume documental preservado, tendo em vista
que esta instituição mantém sob sua responsabilidade a documentação das escolas rurais
desativadas na extensão de Cianorte.
À procura de outros vestígios, seguimos para o Núcleo Regional de Educação de
Cianorte – NRE. Encontramos arquivos escolares antigos de instituições extintas em
Cianorte e região, os quais não foram selecionados para a pesquisa por não adentrarem
ao nosso recorte investigativo.
A princípio, o objetivo era levantar a documentação existente ou, de certa forma,
descobri-la. No entanto, diante de um número expressivo de documentos, porém
dispersos, nossa primeira tarefa passou a ser a sua catalogação a fim de identificar quais
tipos de documentos faziam parte dos acervos localizados na Divisão de Documentação
Escolar e na Escola Municipal Castro Alves.
A presença de tais documentos, as condições dos arquivos, as múltiplas formas
de registros textuais e a iconografia existente nos impulsionavam para uma organização
que ultrapassasse a simples catalogação. Dessa forma, o compromisso com a
investigação, o trabalho de formação e a necessidade de organizar um instrumento de
pesquisa que permitisse a visualização dos acervos nos conduziram ao mapeamento e
descrição dos materiais encontrados.
A intenção passou a ser de organizá-los para assegurar o sentido e a relevância
dos arquivos, tanto para a pesquisa educacional quanto para a preservação do
patrimônio histórico escolar que os documentos representam. Ousamos nomear este
trabalho de “Inventário de Fontes”. O Dicionário de Terminologia Arquivística o define
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como “[...] instrumento de pesquisa em que a descrição exaustiva ou sumária de um
fundo3 ou de uma ou mais de suas sub-divisões (sic) toma por unidade a série,
respeitada ou não a ordem de classificação” (1996, p. 45, apud VENDRAMETO, 2002,
p. 44). Tal definição se aplicava aos nossos objetivos.
Tanto a classificação como a descrição dos documentos fazem parte da
construção de um inventário, sendo esta última fundamental, uma vez que “[...] somente
a descrição arquivística garante a compreensão ampla do conteúdo de um acervo,
possibilitando tanto o conhecimento como a localização dos documentos que o
integram” (LOPEZ, 2002, p. 12).
Nosso “Inventário de Fontes”, tal como foi organizado, permitiu-nos estabelecer
relações com o contexto histórico de produção e veiculação dos documentos nos
sentidos micro (Cianorte), meso (Região Norte) e macro (Paraná-Brasil). Em outras
palavras, trabalhamos com as fontes disponíveis sob a perspectiva de que a história
institucional não se faz apenas pela descrição dos documentos, mas de acordo com a
trajetória histórica que envolve as instituições, sua criação, seus objetivos e sua relação
com as comunidades micro e macro sociais. Magalhães (2004, p. 134) assim caracteriza
tal processo:
A relação entre as instituições educativas e a comunidade envolvente estrutura-se numa abordagem cruzada dos planos macro, meso ou micro-histórico, por uma dialética de convergência/divergência/ convergência e de uma reconceitualização espaciotemporal: o nacional/universal, o regional, o local. É nesse redimensionamento que as abordagens de tipo meso permitem representar com rigor e atualidade a instituição educativa como totalidade, em permanente relação e desenvolvimento.
Assim, descrever os documentos e situá-los em seu contexto foi uma
preocupação e uma necessidade durante a pesquisa, já que é “[...] impossível falar de
história das instituições educativas sem situá-las na região que estão inseridas e, ante a
3 Fundo de arquivo refere-se a um “[...] conjunto de documentos, de qualquer formato ou suporte, produzidos organicamente e/ou reunidos e utilizados por uma pessoa física, família ou organismo no exercício das atividades e funções deste produtor” (LOPEZ, 2002, p. 51).
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outras escolas, situá-las no contexto socioeconômico da época” (WERLE, 2004, p. 32).
Além disso, lembra Belloto (2002, p. 9) que
[...] os documentos de arquivo são testemunhos inequívocos da vida de uma instituição. [...] Estão na raiz de todos os atos de causa, efeito e resultados do para quê, do como, do porquê, do quando e do quanto, sob todos os pontos de vista, do ser e do existir dessa entidade.
Portanto, é preciso estabelecer relações entre “[...] o nacional/universal, o
regional, o local” (MAGALHÃES, 2004, p. 134), visto que construir nexos entre a
instituição, seus documentos e o contexto a que estão vinculados nos permite reconstruir
uma narrativa que almeja abarcar a totalidade da instituição estudada. Em nosso caso, o
inventário apresentado como instrumento para a pesquisa tentou concatenar-se no
diálogo entre o contexto, os documentos da época, a memória do município e a
historiografia produzida na área.
Tal organização pressupôs manter viva a memória/história institucional e servir
de base para outras pesquisas, fundamentada em autores como Belloto, (2002), Lopez
(2002), Vendrameto (2002), Magalhães (2004), Vidal e Zaia (2002), Moraes (2002),
Moraes e Alves (2002), Bacellar (2014), Gatti Júnior e Pessanha (2010), entre outros,
que nos deram suporte para enriquecer e justificar nossa proposta. Cumpre destacar que
o sentido do trabalho realizado foi mapear e descrever a documentação existente a fim
de dar suporte tanto a esta como para outras pesquisas, sem a pretensão de inventariá-
los tal como pressupõe a arquivística.
A cada etapa do contato, fomos organizando e encontrando mais e mais
documentos. Com a intenção de sistematizá-los, identificamos, etiquetamos e
acomodamos os documentos em caixas de arquivo, preservando a organização original,
de acordo com a orientação de manter a ordem em que os documentos se encontram
(BACELLAR, 2014). Quanto a estes procedimentos, Magalhães (2004, p. 136)
considera que “[...] a inexistência de um arquivo organizado, a dispersão da
documentação por vários espaços e a precariedade das condições de conservação
desafiam o historiador, mediante um protocolo, a intervir na construção do arquivo”.
Neste processo, Magalhães (2004) chama a atenção sobre alguns riscos a serem
evitados para que “[...] o arquivo a construir e organizar seja uma representação
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orgânico-funcional da instituição” (MAGALHÃES, 2004, p. 136). Para tanto, salienta a
necessidade de envolver a participação de representantes da instituição e de um
arquivista, o que conseguimos realizar em parte, porque, diante da impossibilidade de
termos um arquivista nos auxiliando, trabalhamos com a participação de uma
representante da instituição.
Desta forma, organizamos, ao todo, 179 novas caixas de arquivo com os
documentos históricos que se encontravam dispersos e catalogamos 2.044 exemplares
que estavam em 67 caixas na Divisão de Documentação Escolar. Com relação aos
arquivos localizados na Escola Municipal Castro Alves, catalogamos os documentos
apresentados. Com base na documentação presente nestes acervos, construímos o
inventário de fontes sobre a história do ensino primário rural em Cianorte-PR (LIMA,
2015), o que nos levou à tessitura narrativa de nossa pesquisa.
Considerações finais
Neste artigo, intencionamos apresentar os percursos de nossa investigação sobre
a história do ensino primário rural em Cianorte. Muitos documentos deram suporte à
pesquisa.Neste texto, demonstramos a forma como tratamos as fontes e o processo de
construção de nossas reflexões.
A pesquisa documental tem trazido contribuições significativas para o campo da
História da Educação, possibilitando análises mais profícuas para a compreensão dos
processos educacionais. Muitos pesquisadores, estimulados pela localização de fontes
históricas para a escrita da história da educação brasileira, ressaltam a importância da
sistematização de arquivos escolares como instrumentos de pesquisa. Neste sentido,
expressam a relevância de investigações regionais sobre o processo de escolarização
primária que possam servir de base para estudos comparados da história da educação
brasileira.
Em Cianorte, localizamos um número expressivo de fontes documentais –
textuais e iconográficas – sobre a história do ensino primário rural. No entanto, a
dispersão e a ausência de sistematização dos acervos nos conduziram à intervenção nos
arquivos, consubstanciando-os em um inventário de fontes.
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Foi muito enriquecedor e gratificante viver este processo. Além dos objetivos
acadêmicos que permearam a pesquisa, procuramos envolver os funcionários das
instituições com relação à importância, organização e preservação desses documentos,
que representam o patrimônio histórico escolar do município. As atividades de
organização dos arquivos e a construção do inventário de fontes resultaram em
satisfação ao observarmos que os funcionários procuraram dar continuidade ao trabalho
desenvolvido. Assim, os documentos mais recentes da educação municipal têm tido o
seu lugar na preocupação daqueles que os manuseiam.
Ao retomarmos nossas descobertas para escrevermos este artigo e, agora, para
finalizá-lo, consideramos que esta trajetória foi construída com base no que as fontes
nos ofereceram e no que pudemos retirar delas. Assim, afirmamos que foi um processo
singular de envolvimento e de distanciamento dos documentos para que a pesquisa se
desenvolvesse. É necessário ressaltar, entretanto, que não há um caminho a seguir, o
pesquisador constrói o seu caminho diante do arsenal que consegue localizar, catalogar,
organizar. Nunes (1996, p. 67) nos lembra que “[...] a descoberta desses modos de
construção pode ser feita através de vários itinerários e com outras fontes, impressas ou
não”, descobri-los, porém, não é uma tarefa simples.
Referências
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Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015
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