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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X INTERVENÇÃO COM CRIANÇAS NA ESCOLA: UMA PROPOSTA DE SUBVERSÃO DOS ESTEREÓTIPOS DE GÊNERO ATRAVÉS DE PRODUÇÕES MIDIÁTICAS Andressa Botton 1 Marlene Neves Strey 2 Resumo: A presente pesquisa de doutorado foi impulsionada por discussões provocadas no evento anterior, no simpósio sobre gênero, infância e produções midiáticas. Propôs-se uma intervenção psicoeducativa com meninas e meninos do primeiro ano do ensino fundamental de uma escola pública, trabalhando com livros infantis e produções das crianças que abordam as temáticas: igualdade de gênero, empoderamento feminino e respeito à diversidade sexual. Após dez encontros com as crianças para a “Hora do Conto” seguidas de produções lúdico-reflexivas sobre a história e entrevistas semiestruturadas com os profissionais, percebeu-se a relevância de trabalhar sobre as questões de gênero na escola e suprir as lacunas sobre a temática que existem. Notou-se que, quando há espaço, as crianças são receptivas à intervenção e produzem discursos e comportamentos que subvertem as normas tradicionais de gênero. Porém, a iniciativa é maior quando os personagens da história não parecem merecedores de um final tradicional, como o clássico “felizes para sempre”, podendo ser cogitado do casal heterossexual não ficar junto no final. Além disso, há inúmeros discursos no ambiente escolar que reforçam e incentivam os ensinamentos estereotipados sobre as questões de gênero. Assim, percebeu-se a necessidade de intervenções como essa serem realizadas de forma constante dentro da escola sem priorizar um público específico, abrangendo todo o ambiente e seus atores (crianças, profissionais e familiares) de forma integral. Palavras-chave: Gênero, Infância, Escola, Produções midiáticas para crianças, Livros infantis. Para acompanharmos essa leitura, é relevante entendermos o conceito de gênero para além do binário (masculino e feminino, atrelado às diferenças biológicas) e das construções sociais baseadas no que sempre se esperou de homens e mulheres, indicando o que era adequado para cada sexo. Essa compreensão, perpetuada por séculos, culminou em desigualdade sexual e relações de poder que delegaram a inferioridade ao sexo feminino (SCOTT, 1995; STREY, 2009). Sendo meninas e mulheres consideradas inferiores, temos problemas sociais permanentes, como: violência contra as mulheres e salários e acesso à educação desiguais para esse público, em comparação com os homens, por exemplo (IBGE, 2014). Com esses exemplos já percebemos, enquanto pesquisadoras, a necessidade de criarmos estratégias de intervenção para pensarmos e propormos mudanças. Assim, escolhemos a escola como esse espaço de produção, por entendermos a importância de trabalharmos com essas temáticas 1 Psicóloga. Mestre em Psicologia. Desenvolve atividades como psicóloga na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e como doutoranda no programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), no Grupo de Pesquisa Relações de Gênero. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Email: [email protected] 2 Psicóloga. Mestre, Doutora e Pós-Doutora em Psicologia. Professora titular no curso de Psicologia da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, desenvolvendo atividades na graduação e na pós-graduação. Pesquisadora CNPq. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Relações de Gênero, da PUCRS. Coordenadora da série Gênero e Contemporaneidade, editada pela EDIPUCRS. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Email: [email protected]

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

INTERVENÇÃO COM CRIANÇAS NA ESCOLA: UMA PROPOSTA DE SUBVERSÃO

DOS ESTEREÓTIPOS DE GÊNERO ATRAVÉS DE PRODUÇÕES MIDIÁTICAS

Andressa Botton1

Marlene Neves Strey2

Resumo: A presente pesquisa de doutorado foi impulsionada por discussões provocadas no evento anterior, no

simpósio sobre gênero, infância e produções midiáticas. Propôs-se uma intervenção psicoeducativa com meninas e

meninos do primeiro ano do ensino fundamental de uma escola pública, trabalhando com livros infantis e produções das

crianças que abordam as temáticas: igualdade de gênero, empoderamento feminino e respeito à diversidade sexual.

Após dez encontros com as crianças para a “Hora do Conto” seguidas de produções lúdico-reflexivas sobre a história e

entrevistas semiestruturadas com os profissionais, percebeu-se a relevância de trabalhar sobre as questões de gênero na

escola e suprir as lacunas sobre a temática que existem. Notou-se que, quando há espaço, as crianças são receptivas à

intervenção e produzem discursos e comportamentos que subvertem as normas tradicionais de gênero. Porém, a

iniciativa é maior quando os personagens da história não parecem merecedores de um final tradicional, como o clássico

“felizes para sempre”, podendo ser cogitado do casal heterossexual não ficar junto no final. Além disso, há inúmeros

discursos no ambiente escolar que reforçam e incentivam os ensinamentos estereotipados sobre as questões de gênero.

Assim, percebeu-se a necessidade de intervenções como essa serem realizadas de forma constante dentro da escola sem

priorizar um público específico, abrangendo todo o ambiente e seus atores (crianças, profissionais e familiares) de

forma integral.

Palavras-chave: Gênero, Infância, Escola, Produções midiáticas para crianças, Livros infantis.

Para acompanharmos essa leitura, é relevante entendermos o conceito de gênero para além

do binário (masculino e feminino, atrelado às diferenças biológicas) e das construções sociais

baseadas no que sempre se esperou de homens e mulheres, indicando o que era adequado para cada

sexo. Essa compreensão, perpetuada por séculos, culminou em desigualdade sexual e relações de

poder que delegaram a inferioridade ao sexo feminino (SCOTT, 1995; STREY, 2009). Sendo

meninas e mulheres consideradas inferiores, temos problemas sociais permanentes, como: violência

contra as mulheres e salários e acesso à educação desiguais para esse público, em comparação com

os homens, por exemplo (IBGE, 2014).

Com esses exemplos já percebemos, enquanto pesquisadoras, a necessidade de criarmos

estratégias de intervenção para pensarmos e propormos mudanças. Assim, escolhemos a escola

como esse espaço de produção, por entendermos a importância de trabalharmos com essas temáticas

1 Psicóloga. Mestre em Psicologia. Desenvolve atividades como psicóloga na Universidade Federal do Rio Grande do

Sul (UFRGS) e como doutoranda no programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do

Rio Grande do Sul (PUCRS), no Grupo de Pesquisa Relações de Gênero. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.

Email: [email protected] 2 Psicóloga. Mestre, Doutora e Pós-Doutora em Psicologia. Professora titular no curso de Psicologia da Escola de

Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, desenvolvendo atividades na graduação e na

pós-graduação. Pesquisadora CNPq. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Relações de Gênero, da PUCRS.

Coordenadora da série Gênero e Contemporaneidade, editada pela EDIPUCRS. Porto Alegre, Rio Grande do Sul,

Brasil. Email: [email protected]

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desde a tenra infância, pretendendo que as crianças já possam crescer com as compreensões sobre

gênero – e toda a sua diversidade de expressão – que se tenta (enquanto sociedade contemporânea

que subverte muitos estereótipos) difundir entre os adultos.

Além disso, sabemos que as escolas podem ser reprodutoras de violências, opressões e

desigualdades tal qual fora dos seus muros e, assim, causar imenso sofrimento às minorias

envolvidas em episódios de agressão e desrespeito (SPM, 2013). Nesse sentido, pensando em

formas de trabalhar e prevenir essas questões, propusemos uma intervenção psicoeducativa para ser

realizada no contexto escolar, intitulada “Falando sobre gênero”, explicada a seguir.

Método

Organizamos a intervenção em dez encontros, com o objetivo de trabalhar sobre relações de

gênero e temáticas como: a igualdade de gênero, o empoderamento de meninas e mulheres e o

respeito à diversidade sexual. A coleta foi feita com crianças do primeiro ano do ensino

fundamental, com idades entre 6 e 7 anos, de uma escola pública de uma cidade de médio porte do

interior do Rio Grande do Sul. A turma era composta de 22 alunos, sendo 11 meninos e 11 meninas

e, do total, 3 eram considerados incluídos, com diagnósticos de autismo, paralisia cerebral e

mielomeningocele (fazendo uso de cadeira de rodas). Nesses encontros, foi realizada a “Hora do

Conto”, com a leitura de seis livros infantis3 que abordavam as temáticas citadas e aberto o espaço

para produções lúdico-reflexivas das crianças, sobre as histórias.

Nos dois encontros iniciais e nos dois finais não houve leitura de livros, mas a realização de

outras atividades para aquecimento e encerramento dos grupos. Além disso, em momentos

diferentes, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com quatro profissionais dessa escola: a

professora da turma, uma educadora especial e outras duas professoras que ministravam aulas para

a educação infantil. Como complementação, foram realizadas as anotações no Diário de Campo.

Para realização desta pesquisa, respeitamos as orientações éticas firmadas na Resolução

466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Os profissionais da escola tiveram explicações sobre a

preservação da sua identidade e a da escola sempre que houver a publicação dos resultados, sendo

3 Os livros escolhidos, após análise documental, através do métodos de análise semiótica de imagens paradas (PENN,

2004) e análise de discurso (GILL, 2004), foram: O grande e maravilhoso livros das famílias, de Mary Hoffman;

Menina não entra, de Telma Guimarães Castro Andrade; A menina e o menino que brincavam de ser..., de Tina Xavier;

A pior princesa do mundo, de Anna Kemp; Príncipe Cinderelo, de Babette Cole e A princesa sabichona, de Babette

Cole. Os livros estão citados na mesma ordem em que foram lidos para as crianças.

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convidados a manifestarem sua concordância com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE). Já a participação das crianças foi autorizada por seus pais, mães, ou

responsáveis através da assinatura do TCLE, sendo complementado pela assinatura das crianças no

Termo de Assentimento, em que concordaram em participar da pesquisa.

Os encontros com as crianças foram gravados com duas câmeras de vídeo e transcritos na

integra, assim como as entrevistas com os profissionais, que foram gravadas com gravador de áudio

e, após o fim do doutorado, todos esses dados serão apagados. Para realizar a análise de todos esses

dados, foi utilizada a Análise de Discurso (GILL, 2004). Cabe lembrar que um corpus de pesquisa

sempre estará contextualizado, pois foi construído em um contexto definido social e historicamente

e poderá ser analisado de acordo com a perspectiva teórica que o/a pesquisador/a desejar, como, no

caso desta pesquisa, dos estudos de gênero feministas.

O que nos diz essa escola sobre gênero?

O trabalho em sala de aula trouxe descobertas interessantes. A seguir, relatamos alguns

fragmentos e reflexões das atividades feitas em sala de aula, complementando com alguns trechos

das entrevistas com as profissionais e excertos das anotações no Diário de Campo. Esclarecemos

que os nomes utilizados são fictícios, para preservar a identidade dos participantes. Salientamos que

as crianças se dirigiam a mim como “professora”, ou “profe”, sendo que, quando há a necessidade

de diferenciar-me da professora da turma, essa também aparece com um nome fictício: professora

Paula.

Logo no primeiro dia de encontro, tivemos a impressão que o trabalho com as crianças seria

proveitoso, o que se confirmou ao longo das dez semanas de trabalho. As crianças vibraram com a

proposta apresentada, mostrando que o trabalho através dos livros infantis era uma ferramenta

viável por ser algo que já fazia parte do seu cotidiano e era tratado com prioridade e adoração, pois

a turma já tinha instituído uma “Hora do Conto” em sua rotina semanal. Julgamos importante

destacar que a professora que dava as aulas para essa turma tem formação em Ciências Sociais e,

em função disso, tem conhecimento das questões de gênero, bem como nos comentou que tinha a

prática de introduzir questionamentos e/ou práticas pedagógicas para desconstruir os conhecimentos

tradicionais, por exemplo, problematizando quando uma questão patriarcal, sexista ou de

desigualdade de gênero em geral, vinha à tona.

A atividade do primeiro dia consistiu em começar com a apresentação de cada um/uma e da

proposta de trabalho e a solicitação de que eles fizessem um desenho que representasse o Dia das

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Crianças, pois o encontro foi realizado um dia antes desse dia comemorativo. Antes do início da

atividade de desenhar, as crianças já problematizaram, por conta própria, alguns estereótipos de

gênero, como a preferência da cor rosa pelos meninos e o uso de adereços ditos femininos. Quando

fui distribuir as folhas, em que eles podiam escolher entre cinco cores (amarela, azul, branca, rosa e

verde), surgiu esse diálogo:

Adriano diz: ô profe, pode me dar qualquer cor, menos rosa. Eu: Menos rosa? Porque?

Adriano: porque eu não gosto de rosa. Antônio: Eu também não. Giovane: eu gosto de rosa.

Vitória: só menina gosta de vermelho e rosa. Professora Paula: nããããão. Giovane: ah, eu gosto.

Eu: tu gosta? Giovane: eu tenho camisa rosa. Fernanda: o meu irmão é menino e usa rosa. Eu:

legal né, porque todas as cores são bonitas. Giovane: ô profe, sabia que o meu irmão usa brinco?

Eu: ah, que legal. E tu gosta? Giovane: sim, eu quero usar. Eu: tu pode né, porque os meninos

podem usar brinco. Giovane: as meninas também. Eu: as meninas também, todo mundo que quer,

pode usar brinco. Giovane: só que algumas não gostam. Eu: é, tem gente que não gosta né.

Porque será? Giovane: não sei.

Nessa passagem notamos que a diversidade das cores suscitou a clássica ideia de rosa para

as meninas e azul para os meninos e que dois meninos pareceram se posicionar a favor, tendo esse

estereótipo claramente verbalizado por Vitória. Entretanto, com a intervenção da professora Paula,

abriu-se espaço para manifestações importantes de dois alunos: Giovane e Fernanda. Assim,

notamos a relevância de intervir em todas as manifestações tradicionais em relação aos estereótipos

de gênero que surjam, desconstruindo o binarismo que é ligado ao gênero masculino e feminino.

Buss-Simão (2013) e Reis e Santos (2011) informam que, nos dias atuais, ainda é comum

escutarmos de familiares e professores/as afirmações baseadas em construções sociais que estão

ligadas ao sexo e que impõem determinados limites às crianças, como estranhar que um menino

escolha objetos da cor rosa, ou pratique outras transgressões, como chorar – e demonstrar suas

naturais inseguranças e medos –, brincar com bonecas, ser caprichoso, ou demonstrar emoção e

meiguice. Afirmam que as masculinidades são mais vigiadas (para que não se aproximem do que é

visto como feminino) do que o contrário, em que há maior tolerância com as meninas permitindo

que elas transitem no polo visto como oposto. E revela que é preciso bastante força e coragem para

que os meninos façam tais movimentos contra o naturalizado, como no caso de Giovane e das

afirmações que ele faz, felizmente apoiado pela colega Fernanda e pela professora Paula.

Na entrevista da professora Carolina, notamos uma forma que ela achou de trabalhar essa

preferência pelas cores com uma turma do quinto ano, mostrando que se o/a professor/a está atento

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às questões de gênero e busca uma forma de desconstruí-las, é possível fazer isso no cotidiano. Com

atitudes relativamente simples, mas extremamente importantes, percebemos a relevância do

educador ter conhecimento de tudo que incide sobre as questões de gênero e formas de

problematizá-las e de romper com o instituído.

“Até eu fiz várias propostas de trabalhar com dobradura. Então pegava a folha de ofício

rosa, dobrava os quadrados e dava pra todo mundo rosa. Até que um dia um me perguntou: ‘Mas é

rosa?’. E eu disse: ‘Mas vai deixar de ser um saci porque é rosa?’. Ele: ‘Não!’. Eu: ‘Ah, então tá!’.

Então, tudo isso eu fui desconstruindo: ‘Ah, a árvore tem que ser verde’. ‘Não, a árvore é tua. A da

natureza é verde, mas a tua pode ser amarela, pode ser verde, pode ser preta. É tu que tá fazendo, é

a tua árvore. Mas se tu olhar ali fora tu vai ver que ela é verde’. Então, ao longo do tempo eu acho

que essa questão da cor passou. No início quando eu comecei a trabalhar com dobradura, eu fiz

isso: peguei as folhas e fui perguntando, que cor tu quer? Amarelo, verde e azul pros guris e

amarela e rosa pras gurias (referindo-se às escolhas feitas pelas crianças). Amarela estava no

intermediário. Aí começou a acabar as folhas rosas e ficar algumas meninas sem rosa. Daí eu

pensei assim: ‘então eu vou trabalhar só com uma cor’. Aí um dia ficou todo mundo com a azul, no

outro todo mundo com a verde. Então, quer dizer, eu fui trabalhando isso... Agora não tem mais

isso. Se tu chegar e perguntar, talvez, por preferência particular, talvez algumas escolham rosa.

Mas eu tenho meninas que escolhem azul. Tem meninas que escolhem verde. Não sei se tem

meninos que escolhem rosa. Isso eu não reparei, nunca reparei (Professora Carolina).

Nesse sentido, podemos considerar que o fato de a menina usar o rosa, e o menino usar a cor

azul está além da preferência pessoal, pois pode ser considerada uma questão eminentemente social.

Nós aprendemos, desde muito cedo e ao longo de toda a vida, que são essas duas cores principais

que identificam – e diferenciam – meninos e meninas. São como marcas identitárias que legitimam

o que é ser homem, ou ser mulher, quando se fala nas cores em relação ao sexo biológico

(XAVIER-FILHA, 2011).

Outro dado que chamou a atenção foi em um dos encontros em que foi feita a leitura do

livro “A pior princesa do mundo”. Nesse livro de Anna Kemp, a personagem principal Soninha

foge dos padrões dos contos de fadas tradicionais. É uma princesa que não se submete às regras

impostas pelo príncipe após o seu casamento. Cansada do marasmo da vida no castelo, ela faz

amizade com um dragão e os dois traçam um plano para escapar dali e, juntos, vão viver muitas

aventuras pelo mundo. Foi o quarto livro lido, no sexto encontro e estavam presentes 11 crianças, 5

meninas e 6 meninos.

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Durante a leitura, as crianças não simpatizaram com o príncipe, tecendo comentários como:

Giovane: “ele está lutando contra um coelhinho?” Juliana: “Coitadinho do coelhinho!” Antônio:

“Não acredito que ele está lutando com um coelhinho”. Também apostaram que uma ideia genial

para a princesa era: Giovane: “quer ficar com o dragão”. Antônio: “Ficar com o dragão, ir

embora e fugir (...) podia fugir pelas tranças”. Foram mais diretos ao tecerem adjetivos

depreciativos sobre o príncipe: Giovane: “a princesa vai dizer que ele é um chato”. Marcelo:

“esse príncipe é muito chato”. Giovane: “esse príncipe é muito feio”.

Quando o dragão cospe fogo e queima o príncipe, as crianças que se manifestam,

demonstram empatia. Questionamo-nos empatia com quem: com a princesa? Com o dragão? Talvez

com os dois, mas um discurso infantil vem em forma de lição – Marcelo: “isso é pro príncipe

aprender, porque ele é muito teimoso. Ele não devia casar com ninguém, do jeito chato que é”.

Antônio: “ele é um babaca”. Dizem isso ao mesmo tempo em que vibravam, riam e se divertiam

com a história, bastante desinibidos.

A história foi lida até a página 23 e, então, pediu-se que eles desenhassem um final que

imaginavam para o livro. Fomos surpreendidas com o número de alunos que não representaram um

final clássico de “felizes para sempre”, sendo apenas uma aluna que imaginou esse final, enquanto

um menino e uma menina desenharam que os três personagens ficaram felizes juntos. Dois meninos

desenharam finais de solidão para os três personagens, um deles culminando na extinção total da

vida (em função da queda de um meteoro). Já seis alunos, três meninos e três meninas, desenharam

finais em que o dragão e a princesa terminam juntos, restando o isolamento, a solidão, ou diferentes

tipos de violência para com o príncipe.

Não temos certeza qual o motivo dessas produções que subvertem as questões tradicionais

dos contos de fadas e, também, de gênero. Se estão vinculadas à postura não aprovada do príncipe

de ser “chato”, “feio”, teimoso”; se à capa do livro que já mostrava a princesa voando nas costas do

dragão; se à compreensão de que aquele espaço que era proporcionado nas aulas podia ser

entendido como passível de transgressão; se tudo isso junto; ou se outros motivos que não

captamos. Mas foi muito recompensador ver as crianças produzindo um final diferente do que nos é

ensinado costumeiramente como certo e única possibilidade. Foi a concretização em desenho e

palavras da não-aceitação do sexismo e do machismo desse príncipe, criando, no lúdico,

ferramentas de empoderamento para que essa princesa saísse do seu cativeiro “encantado”.

É possível percebermos que, independente da razão que leva à subversão infantil, ela ocorre

quando é dado um espaço livre para isso, e quando o assunto é trazido da forma menos

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estereotipada que se consegue, no momento. Moreno (1999) nos alerta que, quando trabalhamos

com crianças e não intervimos de forma inovadora, é como se apoiássemos o sistema vigente –

existência de machismo, sexismo, patriarcado e outros conceitos que tratam sobre as relações de

poder ligadas ao gênero, que expõe as mulheres como inferiores, passivas, não capazes.

Outro ponto dos encontros que chamou a atenção foi quando ocorreu a leitura do livro “O

grande e maravilhoso livro das famílias”, de Mary Hoffman. O livro traz um relato de diferentes

arranjos familiares, mostrando sua moradia, formas de trabalho e organização, seus costumes, lazer,

etc. Os relacionamentos são diversos, incluindo famílias grandes e pequenas, heterossexuais,

homossexuais, monoparentais, formadas através de laços consangüíneos ou adotivos, etc. Além

disso, são mostradas outras formas de diversidade incluindo as diferenças físicas de cada um/uma,

suas necessidades e características culturais, étnico-raciais, etc, através de uma linguagem que

busca desconstruir os estereótipos de gênero tradicionais.

Diferentemente dos outros encontros, as crianças reclamaram desse livro, expressando

opiniões como: Frederico: “vai demorar?”, Pedro: “esse livro tem bastante páginas!”. Ao

terminar, Frederico diz: “Ufaaaa”. E quando no fim do livro, eu fiz a seguinte pergunta: “esse

livro, mostra muitas famílias que vivem de jeitos bem diferentes. Será que alguma dessas famílias é

parecida com a sua?” As crianças responderam em coro: “Nãããão”. Ao mesmo tempo em que

muitas se identificaram ao longo da história, sempre colocando suas impressões e exemplos

familiares ao longo da leitura, essas verbalizações de desagrado chamaram a atenção. Nos fizeram

pensar, após fazermos as entrevistas com as professoras, se o assunto das famílias não foi trazido de

forma precipitada (no terceiro encontro e primeiro dia de Hora do Conto). Pois, embora tenha se

falado da diversidade nas famílias, há uma opinião unânime das professoras sobre o descaso e o

distanciamento das famílias com os seus/suas alunos/as.

“Tu não vê mais a família na escola diariamente, né. Antigamente eram os pais que vinham

trazer, buscar, ou os avós, sempre alguém, então tinha uma proximidade maior (...). Hoje não. Se

torna muito impessoal. E de um modo geral as famílias não tem disponibilidade para os filhos”

(Profa Joice).

“É bem, bem complicado. A família não tem mais aquela... ela não busca mais a escola. De

uns anos pra cá, de 2 anos pra cá tá ficando pior ainda. (...) eles não se ligam: não assinam

bilhete, muitas vezes não ajudam na formação. É bem complicado. De uns anos pra cá, né. Se

modificou muito isso. As famílias também se modificaram muito” (Profa Cristina).

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“Não tem família na escola. Eu fiz duas reuniões de pais aqui, vieram 5 pais. Eu tenho 20

alunos. Vieram pegar os pareceres dos filhos: cinco! Os outros não sabem como é que estão e,

provavelmente, no final do ano, se surpreendam, né. Nas outras escolas que eu passei, não era

diferente. Os pais não são presentes” (Profa Carolina).

“Eu percebo que a gente tem que estar sempre implorando pra família dar a resposta e o

acompanhamento necessário. (...) Eu tenho pais que, estamos em dezembro, que até hoje nunca

vieram, que eu não conheço. (...) A própria questão do tema de casa. Muitas crianças não fazem

tema de casa. (...) Então é papel da família isso aí, porque tem o tema, mas primeiro ano eles

precisam de alguém junto e aí eu percebo que os pais não estão nem aí” (Profa Paula).

Assim, talvez o desagrado com o livro infantil seja reflexo do desagrado real que vivem em

suas famílias de origem, ou do desagrado com que suas famílias são percebidas pela escola. Em

conversas informais com a professora Paula, ela trouxe exemplos de forma crítica e negativa de

como percebe a relação da família com as crianças de hoje: a mãe de um aluno que vive reclusa em

casa em função de câncer no rosto e deformidades, não participando da vida do filho fora do

domicílio; um aluno que foi enviado para a casa da avó pela segunda vez, pois sua mãe foi embora

para outra cidade morar com o padrasto, que é violento; não aceitação do diagnóstico do filho e

negligência do tratamento e acompanhamento necessário fora da escola; intenção do pai e da mãe

de promover uma carreira de modelo à filha deixando as responsabilidades escolares em segundo

plano; falta de cuidado com a alimentação da filha diabética, entre outras situações (exemplos

extraídos do Diário de Campo, de diferentes dias da pesquisa).

Dessa forma, percebemos que a realidade das famílias atuais são extremamente diversas,

como já sabemos e como buscou apresentar o livro trabalhado com as crianças. Entretanto, a

diversidade na configuração, nos papéis de cada membro, nos fatores econômicos e sociais talvez

não represente tanta, ou toda a similitude com as famílias de muitas dessas crianças. E, embora

tenha sido dado o espaço para que cada criança contasse sobre sua família, talvez essa reação

defensiva tenha surgido de antemão por, no dia a dia, elas não sentirem seus grupos familiares

contemplados no “discurso da normalidade” tão presente na escola e nas professoras, como vimos

acima.

Podemos pensar, com base nas produções lúdico-reflexivas das crianças nesse dia (e de

nenhuma criança ter mostrado algum ponto delicado, de negligência ou descuido em suas falas) que

há um hiato entre a forma com que as crianças veem a sua família, e a forma como a escola as

percebe e as recebe. Xavier-Filha (2012) alerta para esse discurso social de que a família nuclear é a

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correta e a desejável, impedindo, a cada família, as particularidades ao exercer o convívio, o

cuidado e a educação dos filhos e filhas.

É preciso entendermos que, se está tão claro que os tempos mudaram, o discurso da família

normativa como a ideal também precisa mudar. Sem desconsiderar a necessidade de cuidado, afeto

e educação que é importante que as famílias tenham em suas relações, não se pode julgar que a falta

de presença dos responsáveis na escola seja “simplesmente” descuido e negligência. Podemos

pensar – e pensar, também, estratégias para intervenção e ampliação dessas ideias taxativas – que a

escola, nesse aspecto, não está sabendo lidar com as diversas existências familiares, com o

diferente.

Um último exemplo dos encontros que gostaríamos de relatar refere-se às atividades lúdico-

reflexivas sobre o livro “Príncipe Cinderelo. Em uma releitura da história de Cinderela, esse livro

conta sobre um príncipe que não obedecia aos padrões esperados da realeza, tendo que ter a ajuda

de sua fada-madrinha para poder realizar o desejo de ir à discoteca, como seus irmãos. As mágicas

da fadinha não deram muito certo e Cinderelo acabou passando por momentos inesperados e

desastrosos, até encontrar a princesa Belarrica e ela entender que ele a salvou de perigos iminentes e

tentar uma aproximação. Cinderelo saiu correndo, muito tímido, perdendo a calça na corrida. A

princesa apaixona-se por ele e ordena que reúnam-se todos os homens para provar a calça, até que

ele veste e a roupa lhe serve perfeitamente, e ela o pede em casamento, culminando em um final

feliz que propõe a quebra de alguns estereótipos de gênero tradicionais.

Como atividade, as crianças precisaram imaginar um final para a história – que foi lida até a

página 26 – e construir um texto coletivo, sendo o final real lido depois para eles/elas. A narrativa

criada pelas crianças termina da seguinte forma: “A lagartixa (personagem do livro que figurava no

momento em que os homens do reino provavam a calça) não conseguiu colocar a calça porque ela

era muito pequena, e a calça era maior. Tanta gente para colocar, muito difícil de achar. Mas ela

conseguiu achar o príncipe e colocar a calça nele. E então eles se casaram, com aliança, flores e

festa de casamento e bolo. A princesa levou para sua casa, depois de pedir ele em casamento.

Depois eles se mudaram e foram para outra casa, uma mansão na Rússia. E ela estava grávida e

teve filhos e filhas e daí eles saíram e foram comer cachorro-quente, batata frita e refrigerante. E

os filhos nasceram e foram para o hospital e cresceram e viraram adultos. E eles viveram felizes

para sempre” (texto coletivo criado pelas crianças).

Esse final criado também propõe algumas quebras de estereótipos, como a princesa

Belarrica ativa na busca pelo seu príncipe e pedindo Cinderelo em casamento, bem como contempla

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uma linguagem não sexista ao referirem-se aos filhos e filhas. Ao mesmo tempo, citam o casamento

e outros elementos tradicionais dessa festividade e não dispensam o conhecido “viveram felizes

para sempre”. As crianças, mais uma vez, se aproximam do final real da história, que traz elementos

clássicos dos contos de fadas, bem como elementos de subversão importantes. Percebemos que

estamos todos imersos na contemporaneidade, em que diferentes possibilidades em relação às

questões de gênero são possíveis e coexistem. E essas crianças são frutos do seu tempo, mostrando

que não ficam engessadas em estereótipos, sempre que lhes é dada a oportunidade de criação.

É preciso – com urgência – criarmos espaços para intervenção e produção livre nos

contextos infantis, pois já compreendemos que:

os modos possíveis de as crianças construírem e assumirem gênero não decorrem na

inerência biológica concreta, ou de uma inerência social abstrata, mas do confronto e jogo

em ações situadas, as quais são múltiplas, complexas, contraditórias e dinâmicas. Por serem

dicotômicas e contraditórias, por vezes, as crianças se tornam resistentes e desafiam com

ações inovadoras e contestadoras a imposição de estereótipos e elementos sociais e

culturais, outras vezes, atualizam, reforçam ou reproduzem os preceitos e estereótipos de

separação de gênero da sociedade mais ampla (BUSS-SIMÃO, 2013, p. 194-195).

Algumas considerações preliminares da pesquisa

Nessa pesquisa, percebemos que falar sobre gênero com as crianças não é uma novidade,

pois elas próprias trazem essas questões. O que pode ser inovador – e precisamos trabalhar para isso

– é que a linguagem e as produções sejam viabilizadas através do lúdico e de espaços livres para

produção, com interferências apenas quando há a necessidade de problematizar o que é tradicional

ou estereotipado. Observamos, ainda, que as crianças são receptivas a essas temáticas, conseguindo,

habilmente subverter o que está socialmente construído, enquanto grupo, ou pequenos grupos

dentro do todo.

Um dado que chamou a atenção e serve para criação de pedagogias e estratégias de

intervenção foi a adoração e identificação das crianças com histórias de princesas e príncipes, e bem

menos com livros que traziam crianças (humanos) como seus personagens. Assim, preceitos e

ensinamentos feministas podem estar – e os livros e as produções infantis mostraram como – nos

discursos de diferentes contos de fadas, que possamos (re)criar para os/as pequenos/as.

Notamos elementos coexistentes nas expressões infantis, como um elemento tradicional em

relação ao gênero, junto ou bem próximo cronologicamente de uma ideia de subversão ao que está

instituído. As crianças, como já refletimos ao longo do texto, são reflexo da nossa sociedade, em

que a diversidade e as diferenças coexistem. E é a existência do que queremos combater que faz

com que nosso trabalho faça sentido, por isso o tradicional ainda nos é imprescindível.

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Como pesquisa e experiência de vida, os encontros com essas crianças foram fundamentais

para o meu aprendizado nessa temática que, há alguns anos, venho me debruçando. Essa turma, que

desde o primeiro dia percebi como unida e acolhedora do diferente, me ensinou, por exemplo, que

para eles não havia barreiras com os colegas considerados incluídos e, assim, me deram indícios

que o trabalho sobre a diversidade (não só a de gênero) seria extremamente prazeroso.

Reconheço que, por obra do acaso, acabei trabalhando com uma turma que tinha uma

professora que já abordava de maneira pedagógica e bastante válida a igualdade de gênero e o

respeito entre eles/elas de toda a ordem. E isso só reforça minha convicção de que é preciso que as

propostas feitas em uma escola, com o objetivo de conseguir mudanças efetivas sobre algum

fenômeno, sejam constantes e envolvam todo a comunidade escolar: alunos/as, professores/as,

funcionários/as, familiares e a comunidade que tenha alguma relação com a instituição.

Julgo que, um avanço fruto desse pequeno trabalho, foi a adoção, pela professora Paula, dos

livros infantis lidos por mim na Hora do Conto para os seus alunos do primeiro ano, deste ano.

Pensamos que a intervenção foi considerada por ela, e por nós, válida e promotora de alguma

mudança e, entendemos que pode ser utilizada em outros espaços ou adaptada a outras realidades e

idades, através de modificações e aprimoramentos no método.

Referências

BRASIL. Resolução do Conselho Nacional de Saúde 466/12. 12 de dezembro 2012. Disponível em:

http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf. Acesso em: 07 dez. 2014.

BUSS-SIMÃO, Márcia. Relações sociais de gênero na perspectiva de crianças pequenas na

creche. Cadernos de pesquisa, n 148, v 43, jan/abr, 2013. p. 176-197. Disponível em:

http://www.scielo.br/pdf/cp/v43n148/09.pdf. Acesso em: 06 jun. 2017.

GILL, Rosalind. Análise de discurso. In: BAUER, Martin W. GASKELL, George. Pesquisa

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resultados do censo demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2014. Disponível em: <

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MORENO, Montserrat. Como se ensina a ser menina: o sexismo na escola. São Paulo: Ed.

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PENN, Gema. Análise semiótica de imagens paradas. In: BAUER, Martin W. GASKELL, George.

Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 3ª Ed. Petrópolis: Ed. Vozes,

2004. p. 319-342.

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SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre,

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STREY, Marlene Neves. Gênero. In: JACQUES, Maria da Graça Correia; STREY, Marlene Neves;

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XAVIER-FILHA, Constantina. Família, Famílias... representações e práticas discursivas. In:

_____. Sexualidades, gênero e diferenças na educação das crianças. Campo Grande: Ed. UFMS,

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ANDRADE, Telma Guimarães Castro. Menina não entra. São Paulo: Editora do Brasil, 2006.

COLLE, Babette. A princesa sabichona. Trad. Monica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

COLLE, Babette. Príncipe Cinderelo. São Paulo: Martins Editora, 2002.

HOFFMAN, Mary; ASQUITH, Ros. O grande e maravilhoso livro das famílias. Trad. Isa

Mesquita. São Paulo: Edições SM, 2010.

KEMP, Anna. A pior princesa do mundo. Trad. Marília Garcia. 2ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2015.

XAVIER, Tina. A menina e o menino que brincavam de ser... Campo Grande: Ed UFMS, 2009.

INTERVENTION WITH CHILDREN AT SCHOOL: A PROPOSITION ON GENDER

STEREOTYPE SUBVERSION THROUGH MEDIA PRODUCTIONS

Abstract: This doctorate research was driven by discussions from the previous event, at the gender,

childhood and media productions symposium. We proposed a psychoeducational intervention with

boys and girls from an elementary, public school with children’s books, and children’s outputs

which approached the themes: gender equality, feminine empowerment, and respect to sexual

diversity. After ten meetings with the children for the “Storytelling Time” followed by ludic-

reflexive productions about the stories told, and semi-structured interview with professionals, we

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perceived the relevance of working with gender issues at school and fulfill the ongoing gaps on the

theme. We noted that, when provided with space, children were receptive to the intervention and

produced discourses and behaviors that upend the traditional gender ground rules. Nevertheless, the

initiative was greater when the stories characters did not seem deserving of a traditional ending, as

the classic “and lived happily ever after”, being possible to consider the heterosexual couple not to

end together. Besides this, there were countless discourses in the school environment which

reinforced and encouraged the stereotyped teaching about gender issues. Therefore, we perceived

the need of interventions as this one to be performed continuously at schools without prioritizing a

specific public, comprehending all environment and its actors (children, professionals, and family)

completely.

Keywords: Childhood, School, Media Productions for Children, Children’s Books.