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1 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE LETRAS MESTRADO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM “SORRIA, VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO” PUBLICIDADES DE DENTIFRÍCIOS PARA CRIANÇAS NA LINHA DO TEMPO ETHOS MASCULINO E FEMININO ROVANE JORGE DE OLIVEIRA GUIMARÃES NITERÓI 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE LETRAS

MESTRADO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

“SORRIA, VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO”

PUBLICIDADES DE DENTIFRÍCIOS PARA CRIANÇAS

NA LINHA DO TEMPO – ETHOS MASCULINO E FEMININO

ROVANE JORGE DE OLIVEIRA GUIMARÃES

NITERÓI

2014

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ROVANE JORGE DE OLIVEIRA GUIMARÃES

“SORRIA, VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO”

PUBLICIDADES DE DENTIFRÍCIOS PARA CRIANÇAS

NA LINHA DO TEMPO – ETHOS MASCULINO E FEMININO

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-

graduação em Estudos da Linguagem da

Universidade Federal Fluminense, como requisito

parcial para a obtenção do Grau de Mestre. Área de

Concentração: Linguística. Linha de pesquisa:

Teorias do texto, do discurso e da interação.

Orientadora: Profa. Dra. Rosane Santos Mauro Monnerat

Niterói

2014

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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

G963 Guimarães, Rovane Jorge de Oliveira.

“Sorria, você está sendo filmado” : publicidades de dentifrícios

para crianças na linha do tempo - ethos masculino e feminino / Rovane

Jorge de Oliveira Guimarães. – 2014.

231 f.

Orientadora: Rosane Santos Mauro Monnerat.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense,

Instituto de Letras, 2014.

Bibliografia: f. 225-228.

1. Publicidade. 2. Dentifrício. 3. Gênero. I. Monnerat, Rosane

Santos Mauro. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de

Letras. III. Título.

CDD 659.1

1. 371.010981

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ROVANE JORGE DE OLIVEIRA GUIMARÃES

“SORRIA, VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO”

PUBLICIDADES DE DENTIFRÍCIOS PARA CRIANÇAS

NA LINHA DO TEMPO – ETHOS MASCULINO E FEMININO

Dissertação apresentada ao curso de Pós-

graduação em estudos da Linguagem da

Universidade Federal Fluminense, como requisito

parcial para a obtenção do Grau de Mestre. Área de

concentração: Linguística.

Aprovada em 19 de janeiro de 2014.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________

Profa. Dra. Rosane Santos Mauro Monnerat – orientadora

Universidade Federal Fluminense – UFF

____________________________________________________

Prof. Dr. Adriano Oliveira Santos

Faculdades Integradas Campo-Grandenses (FIC-FEUC)

_____________________________________________________

Profa. Dra. Ilana da Silva Rebello Viegas

Universidade Federal fluminense – UFF

_____________________________________________________

Profa. Dra. Magda Bahia Schlee (suplente)

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ

______________________________________________________

Norimar Pasini Mesquita Júdice (suplente)

Universidade Federal fluminense – UFF

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Do ponto de vista da ciência da linguagem, o texto

pode ser definido como uma sequência

linguística empírica atestada, produzida no quadro

de uma prática social por um ou diversos

enunciadores.

(Rastier, François)

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RESUMO

Esta pesquisa apresenta como foco investigativo a análise das embalagens de

dentifrícios para crianças, elaboradas em períodos distintos: as atuais, entre os anos de

2013/2014, e as antigas, entre as décadas de 1920/1970. Tomamos como

fundamentação teórica a Teoria Semiolinguística, que situa o sujeito no tempo e no

espaço, para que o contrato de comunicação alcance o seu êxito. Investigamos as

estratégias utilizadas na publicidade pelo sujeito anunciante, no intuito de capturar o

público alvo para seus domínios. Analisamos, também, como esse publicista constrói a

noção de ethos (masculino e feminino), por meio de representações sociais e

discursivas, utilizando tanto os elementos internos do texto quanto os extralinguísticos.

Por fim, examinamos como são construídos os modos de dizer na publicidade, que

utiliza a linguagem verbal e a não verbal somadas aos implícitos para a elaboração e a

interpretação do discurso, por meio de um enunciado sedutor e envolvente.

Palavras-chave: Publicidade. Dentifrício. Ethos masculino e feminino.

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ABSTRACT

This research presents as an investigative focus the analysis of toothpaste packing for

children, prepared in different periods: the current, between the years 2013/2014, and

the old, between the decades of 1920/1970. We take as theoretical foundation

Semiolinguistics Theory that places the person in time and space, so that the

communication contract reachs its success. We investigated the strategies used in

advertising by advertiser person in order to capture the target audience for his

domains. We also analyzed, the way advertisings build the notion of ethos (male and

female), through social and discursive representations, using either the internal

elements of the text or the extralinguistic ones. Finally, we examine how the ways of

saying in advertisings are built, using verbal and non-verbal language added to

implicit for the preparation and interpretation of speech, through a seductive and

compelling statement.

Keywords: Advertising. Toothpaste. Ethos male and female

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Aos meus pais,

Rovane (in memoriam) e Leiza,

que construíram a minha base emocional e cultural.

E aos meus grandes incentivadores,

Claudia, minha esposa, e Miguel, meu filho.

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AGRADECIMENTOS

À minha querida e incansável orientadora Rosane Monnerat, pelas maravilhosas

manhãs, tardes e noites de orientação e pela sua dedicação ao magistério, que

simboliza a arte do saber pelas letras.

Muito obrigado.

Aos queridos professores da Banca, Adriano Oliveira Santos e Ilana Rebello

Viegas, que contribuíram fortemente para o progresso da minha pesquisa.

Às professoras Magda Bahia Schlee e Norimar Pasini Mesquita Júdice, pela

atenção e pela disponibilidade de participarem como suplentes de minha Banca.

Ao renomado fundador da Teoria Semiolinguística do discurso, Patrick Charaudeau,

pelas contribuições linguísticas acerca de minha pesquisa.

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SINOPSE

Análise das embalagens de dentifrícios para

crianças na linha do tempo, com suporte teórico

baseado na Teoria Semiolinguística do Discurso.

Observação desse ato de linguagem composto

pelos sujeitos sociais e discursivos, ligados à

semiotização do mundo. Comprovação da presença

do ethos discursivo, assim como de estereótipos e

de arquétipos nas peças publicitárias e a

investigação da linguagem verbal e não verbal

junto aos implícitos.

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LISTA DE SIGLAS

EUc – Eu-comunicante

EUe – Eu-enunciador

TUd – Tu-destinatário

TUi – Tu-interpretante

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Publicidade de Belvita (2013)............................................................ 69

FIGURA 2 – Publicidade de Belvita (2014) ........................................................ 70

FIGURA 3 – Publicidade da moto Next ............................................................. 71

FIGURA 4 – Publicidade das Casas Bahia ........................................................... 77

FIGURA 5 – Publicidade do Pruden Shopping....................................................... 78

FIGURA 6 – Publicidade do Governo .................................................................. 80

FIGURA 7 – Publicidade do dentifrício Ultra Actin kids (princesas)........................117

FIGURA 8 – Publicidade do dentifrício Ultra Action Kids (super-heróis)................128

FIGURA 9 – Publicidade do dentifrício Ultra Action Kids (fadas)..........................140

FIGURA 10 – Publicidade do dentifrício Bitufo (Ben 10)......................................152

FIGURA 11 – Publicidade do dentifrício Ultra action Kids (Minnie).......................161

FIGURA 12 – Publicidade do dentifrício Ultra Action Kids (Mickey).....................169

FIGURA 13 – Publicidade do dentifrício Colgate com gardol................................. 178

FIGURA 14 – Publicidade do dentifrício sorriso de saúde .....................................186

FIGURA 15 – Publicidade do dentifrício Colgate ...................................................194

FIGURA 16 – Publicidade do dentifrício Kolynos .................................................201

FIGURA 17 – Publicidade do dentifrício Eucalol ..................................................208

FIGURA 18 - Publicidade do dentifrício Odol........................................................215

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Relação contratual.............................................................................24

QUADRO 2 - Circuito interno/externo dos sujeitos............................................. 24

QUADRO 3 – Imaginários sociodiscursivos/Gênese do saber.....................................51

QUADRO 4 – Esquematização ................................................................................. 61

QUADRO 5 – Processamento textual .............................................................. 62

QUADRO 6 – Ato de linguagem 1 ................................................................. 73

QUADRO 7 – Simbologia das cores ............................................................ 89/90

QUADRO 8 – Máximas conversacionais ........................................................ 92

QUADRO 9 – Esquema geral das inferências................................................... 98

QUADRO 10 – Ato de linguagem 2................................................................. 104

QUADRO 11 – Contrato de comunicação........................................................ 105

QUADRO 12 – Sujeito do ato de linguagem ................................................. 106

QUADRO 13 – Identidade social/discursiva..................................................... 107

QUADRO 14 – Semiotização do mundo.......................................................... 108

QUADRO 15 – Ethos ..................................................................................... 109

QUADRO 16 – Representações sociais..............................................................110

QUADRO 17 – Imaginários sociais.................................................................. 111

QUADRO 18 – Ideologias............................................................................... 112

QUADRO 19 – Texto (relações internas/externas)............................................113

QUADRO 20 – Publicidade – linguagem verbal............................................... 114

QUADRO 21 – Publicidade – linguagem não verbal........................................115

QUADRO 22 – Implícitos...............................................................................116

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................ .15

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................... 18

2.1 Teoria Semiolinguística ................................................................................... 18

2.1.1 Ato de linguagem e contrato de comunicação ................................. 18

2.1.2 Sujeitos de linguagem ...................................................................... 22

2.1.3 Identidade social/Identidade discursiva (Estratégias de captação:

credibilidade e legitimidade) .................................................................... 25

2.1.4 A semiotização do mundo ................................................................ 30

2.2 Ethos discursivo .............................................................................................. 33

2.3 Representações sociais e Imaginários sociodiscursivos ................................. 42

2.4 Estereótipos e arquétipos ................................................................................. 52

2.5 Gêneros textuais ............................................................................................ 58

2.6 Publicidade....................................................................................................... 68

2.6.1 Linguagem verbal: valores e significâncias ................................... 68

2.6.2 Linguagem não verbal .................................................................... 81

2.7 Implícitos ........................................................................................................ 91

3. METODOLOGIA...........................................................................................102

3.1 Constituição do corpus....................................................................................102

3.2 Procedimentos de análise................................................................................102

4. ANÁLISE DO CORPUS ................................................................................117

5. CONCLUSÕES ............................................................................................ 223

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................ 225

ANEXO

História dos dentifrícios e sua ação sobre a cavidade oral .................................. 229

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1 - INTRODUÇÃO

Esta pesquisa apresenta como foco investigativo o discurso da publicidade contido

no suporte de dentifrícios para crianças, no que diz respeito tanto aos meios

linguístico-discursivos quanto aos meios icônicos, de representação linguageira.

Segundo Charaudeau (2012, p.24):

A finalidade do ato de linguagem (tanto para o sujeito

enunciador quanto para o sujeito interpretante) não deve ser

buscada apenas em sua configuração verbal, mas, num jogo

que um dado sujeito vai estabelecer entre esta e seu sentido

implícito. Tal jogo depende da relação dos protagonistas entre

si e da relação dos mesmos com as circunstâncias de discurso

que os reúnem.

Percebemos, então, que o dito envolto por pressupostos e por subentendidos será

recebido pelo sujeito interlocutor, levando em consideração os sentidos provocados

tanto pelo dito quanto pelo não dito, já que esses sentidos serão construídos a partir do

contexto situacional em que os atores comunicativos estiverem inseridos.

Há uma expectativa interenunciativa no processo de comunicação tanto do sujeito

que produz quanto daquele que recebe a mensagem. No caso das propagandas, esta

ideia fica mais clara ainda, pois o objetivo deste gênero é persuadir o outro pelo

convencimento. Assim, fica explícita a noção de expectativa múltipla, pois os

jogadores do processo discursivo apresentam vontades próprias de acordo com seus

objetivos.

A construção enunciativa dos sujeitos do discurso e as estratégias empregadas para

o funcionamento do contrato de comunicação predispõem à representação do ethos

discursivo, que é investigado, nesta pesquisa, pela análise das embalagens de

dentifrícios para crianças. A hipótese criada é a de que a construção do ethos do

produto (marca) está fortemente ligada aos processos icônicos encontrados no

acondicionamento desta mercadoria, colaborando para a representação da imagem

feminina contraposta à masculina (nas embalagens atuais), enquanto nas embalagens

antigas, a questão da imagem e do gênero (masculino/feminino) não está bem definida.

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Tomamos como fundamentação teórica da pesquisa a Teoria Semiolinguística de

Análise do Discurso, criada por Patrick Charaudeau. O autor considera o ato de

linguagem como um evento interenunciativo, que gera sentidos a partir de saberes

supostos que circulam entre os protagonistas da linguagem. Utilizaremos, também,

fundamentos de outras vertentes teóricas, como Dominique Maingueneau, Ruth

Amossy, Denise Jodelet, entre outros.

Apresentamos como justificativa da pesquisa o interesse em adequar os estudos

linguísticos aos contextos situacionais referentes à prática odontológica, visto que

ambos ambientes pertencem ao universo do investigador. Assim, a pesquisa colabora

não apenas para a ciência da linguagem, mas também para vertentes que,

supostamente, estariam distantes do universo linguageiro.

Selecionamos como corpus as embalagens dos dentifrícios de duas épocas

distintas: seis embalagens antigas correspondentes às décadas de

1920/1930/1940/1950/1960/1970 do século passado e seis da atualidade (2013/2014).

Vale ressaltar que, nas décadas entre 1920 e 1970, analisaremos as peças publicitárias

e não apenas as embalagens, visto a ausência de elementos simbólicos nesses suportes.

Consideramos pertinente a distância temporal entre as épocas selecionadas para que as

diferenças entre as embalagens sejam mais evidenciadas.

Assim, por meio das embalagens de dentifrícios para crianças analisaremos o

funcionamento da articulação das linguagens verbal e não verbal, além das relações

entre língua, discurso e imagem e, sobretudo, as diferenças entre linguagem verbal e

não verbal nos recortes temporais selecionados.

Apresentamos como objetivos gerais a investigação dos papéis dos sujeitos

interagentes do discurso, analisando os possíveis processos interpretativos, que surgem

no ponto de encontro dos processos de produção e de interpretação; a observação do

contrato de comunicação entre os sujeitos, percebendo quais estratégias estão sendo

empregadas no processo, e a identificação das diferenças/semelhanças em relação à

linguagem verbal e não verbal nos espaços temporais selecionados.

Com relação aos objetivos específicos, tentaremos investigar como o sujeito

comunicante utiliza o discurso publicitário, para promover o poder de convencimento

sobre o sujeito interpretante; observar as estratégias empregadas na publicidade que

fazem parte do contrato de comunicação entre o sujeito anunciante e o sujeito

consumidor; identificar, nas embalagens de dentifrícios para crianças, quais elementos

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explícitos e implícitos colaboram para o poder de persuasão do sujeito anunciante e

também averiguar a presença, ou não, de estereótipos/arquétipos na construção do

ethos feminino/masculino nessas embalagens de dentifrícios para crianças.

Acreditamos, como hipótese de nossa pesquisa, que o ethos seja construído, nas

publicidades atuais, para que possa ser compartilhado duplamente, seduzindo tanto o

adulto quanto a criança, já que o sujeito consumidor é representado por ambos, isto é,

tanto pelo adulto (que compra o produto) quanto pela criança (que usa o produto),

visto que tanto um quanto o outro precisam compartilhar o imaginário discursivo

construído pelo sujeito comunicante (anunciante).

Supomos, ainda, que a construção dos imaginários discursivos na publicidade

fortalece as representações do ethos feminino/masculino, formando estereótipos

relacionados à questão de gêneros e que as publicidades antigas, isto é, das décadas de

1920/1930/1940/1950/1960/1970 do século passado, apresentam como público alvo os

adultos, que são aqueles que irão comprar o produto, sem a tentativa de sedução do

público infantil. Acreditamos, também, que o público infantil, atualmente, tenha

influência e/ou poder de decisão na compra do produto (o que não ocorria no passado).

Essa dissertação apresenta a fundamentação teórica assim distribuída: a parte

relativa à Semiolinguística, no tópico 2.1, a parte relativa ao Ethos, às Representações

sociais e Imaginários sociodiscursivos e, ainda, aos Estereótipos e Arquétipos,

respectivamente, aos tópicos 2.2, 2.3 e 2.4. Na sequência, os tópicos 2.5, 2.6 e 2.7

dizem respeito, respectivamente, às noções de Gêneros textuais, Publicidade e

Implícitos.

Na Metodologia, apresentam-se a constituição do corpus e os procedimentos de

análise. Segue-se a Análise do corpus e, por fim, as conclusões, Referências

bibliográficas e Anexo.

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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A pesquisa apresenta como base da fundamentação teórica a Teoria

Semiolinguística, fundada por Patrick Charaudeau, que situa o discurso em um lugar

dinâmico de representações, tendo a participação de sujeitos históricos e sociais em

interação, por meio de um contrato de comunicação.

2.1 Teoria Semiolinguística

Ao iniciarmos nossa pesquisa acerca da teoria que dá suporte a este trabalho,

consideramos pertinente conceituar o termo semiolinguística. Semio a partir de

semiosis, que remete à construção de sentidos, por meio de uma relação forma-sentido

(em diferentes sistemas semiológicos), por um sujeito intencional, com um projeto de

influência social, num determinado quadro de ação; e linguística, que destaca a

matéria principal da forma em questão, as línguas naturais (Charaudeau, 2005, p.13).

A Teoria Semiolinguística se ancora, basicamente, no binômio Ato de

linguagem/Contrato de comunicação.

2.1.1 Ato de linguagem e Contrato de comunicação

A Teoria Semiolinguística considera o ato de linguagem com duplo valor: explícito

e implícito, sendo ambos indissociáveis. Essa interação é o que constitui o ato de

linguagem em sua totalidade discursiva. Devemos entender que o que está posto não

deve ser analisado isoladamente e sim em conjunto com o que está implícito, pois o

paradigma de um signo não pode ser observado apenas pelo que está explicitado.

Charaudeau (2012, p.25) apresenta como exemplo o enunciado Fecha a porta. O

autor comenta:

Poderíamos, então, imaginar sem dificuldades que o sujeito

falante, no mesmo instante em que enuncia “Fecha a porta”,

comunica ao seu interlocutor que “está com frio” (1), ou que

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“quer confiar-lhe um segredo” (2), ou que “os barulhos do

corredor estão incomodando” (3) (...) Consideremos “Fecha a

porta” como uma totalidade discursiva, o que nos permitirá

verificar o que está semanticamente em questão para a

compreensão de porta em cada uma das intenções supostas:

- no caso (1), porta é entendida como “meio de impedir a

passagem de frio para o interior”;

- no caso (2), porta é entendida como “meio de impedir a

passagem da fala para o exterior”;

- no caso (3), porta é entendida como “meio de impedir a

passagem do barulho para o interior”.

A partir deste exemplo, o autor fortalece seus dizeres, corroborando a ideia de que

o sentido não se constitui, primeiro, de forma explícita, seguido de um implícito

suplementar, e sim, concomitantemente. Deste modo, o sentido é construído dentro de

um contexto, que precisa ser analisado de forma ampla, para que o ato de linguagem

seja realmente efetivado.

Podemos perceber, então, que a Teoria Semiolinguística trabalha com reflexões

sobre os usos da linguagem, que podem fazer parte tanto do universo cotidiano quanto

de construções mais elaboradas. O importante é saber que todas as construções

enunciativas, nessa teoria, devem estar embutidas no social, isto é, nas crenças,

normas, ideologias e história da sociedade.

Uma das características da Semiolinguística é a retomada do “sujeito intencional”

no processo enunciativo, diferentemente da chamada AD francesa (Pêcheux), que

apresenta o “sujeito assujeitado” em seus discursos. Este sujeito intencional está

inserido em um discurso em movimento, nunca estático, pois está sempre originando

novos dizeres. Assim, a partir dessas considerações, podemos concluir que o ato de

linguagem jamais será “puro”, pois estará sempre se “alimentando” ou dando origem a

outros.

Percebemos que, no processo enunciativo, um mesmo discurso pode ser encenado

por diversos sujeitos, trazendo sentidos completamente diferentes uns dos outros.

Podemos citar, como exemplo, o caso de uma jovem de 18 anos, que chega à casa e

fala para os pais que está grávida. Se essa jovem for brasileira e casada, a notícia será

bem recebida, inclusive, a família poderá comemorar com um brinde, porém, se essa

jovem for solteira, no Afeganistão, a reação será totalmente negativa.

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Desse modo, notamos que o ato de linguagem só terá efeito de sentidos se forem

analisadas a parte linguística, ligada ao mundo das palavras e a outra parte,

extralinguística, na qual devem ser observados os parceiros envolvidos e a situação

comunicativa.

O ato de linguagem deve ser entendido como representações discursivas que são

construídas a partir das vontades do sujeito enunciador. Entendemos que o termo mise-

en-scène, muito utilizado na Teoria Semiolinguística, está incorporado nestas

máscaras discursivas que exteriorizam dizeres de acordo com os objetivos desejados.

Podemos citar, como exemplo, os discursos políticos, que são construídos visando à

conquista do poder.

Percebemos que a expressão atos de linguagem é utilizada, na Teoria, para se

referir aos processos enunciativos. Podemos considerar que o autor alarga o termo

enunciado, considerando que o processo de comunicação é mais do que um eu que

fala para um tu, em determinada hora e lugar. Há uma visada de influência junto a

uma intencionalidade, que confere ao termo a condição de existência situacional,

pouco percebida no termo enunciado.

Todo ato de linguagem está inserido em um contrato de comunicação, firmado

entre os parceiros do jogo discursivo. Originário do domínio jurídico, o conceito de

contrato de comunicação ocupa posição central na Teoria Semiolinguística de Análise

do Discurso. Segundo Charaudeau; Maingueneau (2006, p.32), o contrato de

comunicação define-se como “o conjunto das condições nas quais se realiza qualquer

ato de comunicação (qualquer que seja a sua forma, oral, escrita, monolocutiva ou

interlocutiva)”. Nesse contrato de comunicação que se instaura entre os sujeitos em

interação, há sempre uma intencionalidade condicionada não só a um espaço de

restrições, dado, por exemplo, pelos rituais linguageiros que regulam as práticas

sociais num dado espaço e tempo, como também e, ao mesmo tempo, a um espaço de

estratégias, configurado pelas escolhas de que os sujeitos dispõem para dar conta de

seu projeto de fala. Qualquer parceria apresenta esse contrato. No caso da propaganda,

por exemplo, um sujeito expõe um produto, tentando despertar o desejo de compra no

outro. Há um poder de convencimento que o sujeito anunciante tenta criar sobre o

sujeito interpretante.

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A Teoria Semiolinguística apresenta três componentes do contrato de

comunicação: o comunicacional, o psicossocial e o intencional. Exemplificaremos tais

componentes por meio do produto analisado nesta pesquisa: as embalagens de

dentifrícios para crianças, supondo que há uma propaganda em uma revista sobre o

produto referido. Para determinarmos o componente comunicacional, temos que saber

quais são os sujeitos de linguagem envolvidos no processo comunicativo. O sujeito

interpretante, no caso o consumidor, não tem contato com o sujeito anunciante. Sendo

assim, o canal que faz a ligação entre eles é a página impressa da revista (componente

comunicacional).

Consideramos o componente psicossocial do ato de linguagem algo subjetivo, pois

dependerá de como nosso psíquico reage diante de um ato de linguagem desse tipo.

Devemos perceber qual é a nossa relação com o objeto veiculado na propaganda, isto

é, qual é o nosso sentimento no momento de adquirir a mercadoria. Deste modo,

notamos que razões extralinguísticas estarão presentes no processo de identificação do

componente psicossocial, pois o contexto histórico e social dos sujeitos, como idade,

sexo, escolaridade, entre outros, será de grande importância para o êxito do contrato de

comunicação.

O componente intencional está voltado para os consumidores do produto. Por um

lado, há sujeitos que já consomem o produto; por outro, há aqueles que precisam ser

seduzidos para começarem a consumi-lo. Percebemos, nesta relação, uma intenção e

um apelo muito forte que o sujeito anunciante produz para conquistar esses dois tipos

de consumidores. Ressaltamos que os sujeitos que aceitam o produto, compartilham e

afiançam a credibilidade do imaginário discursivo encontrado na publicidade.

O contrato de comunicação deve responder, então, as seguintes questões:

- O ato de linguagem é composto por sujeitos. Quem são eles e que papéis eles

assumem no discurso?

- Por que os sujeitos comunicante/enunciador1 estão presentes em determinado ato de

comunicação?

- O sujeito comunicante interfere de que forma na construção dos dizeres do sujeito

enunciador?

1 A seguir, trataremos dos sujeitos do ato de linguagem.

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- A interação comunicativa ocorre com que meios, em que ambiente, usando qual

canal de transmissão?

- Nas estratégias discursivas, como dizer isso ou aquilo?

Por meio destes questionamentos, podemos entender a relação entre o ato de

linguagem e o contrato de comunicação. Percebemos, com isso, que a Teoria

Semiolinguística nos oferece a possibilidade de investigarmos os componentes desse

contrato, independente do corpus analisado, pois estudar os fatos linguageiros

significa mergulhar no social.

Assim, analisamos o discurso, não por uma linguística ingênua, mas por

significações psicossociais encontradas nos atos de linguagem. Percebemos, com isso,

a relevância de aprofundarmos nossas investigações sobre os sujeitos de linguagem,

que são os constituintes dialógicos do processo de comunicação.

2.1.2 Sujeitos de linguagem

A Teoria Semiolinguística apresenta o ato de linguagem como uma encenação

discursiva, por meio de ações interenunciativas geradas pelas circunstâncias do

discurso. Precisamos entender o ato de linguagem como um evento de produção ou de

interpretação, que depende dos saberes circundantes entre os sujeitos interagentes do

discurso. Assim, o ato de linguagem não deve ser resultante da simples produção de

uma mensagem que um Emissor envia a um Receptor, visto que a linguagem não é

transparente. Por isso, nas circunstâncias do discurso, o ato de linguagem depende dos

saberes supostos que circulam entre os protagonistas das enunciações discursivas.

Na Teoria Semiolinguística, o sujeito produtor do ato de linguagem é designado

por EU; enquanto o sujeito-interlocutor desse ato é designado por TU. Segundo

Charaudeau (2012, p.44):

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23

O TU não é um simples receptor de mensagem, mas sim um

sujeito que constrói uma interpretação em função do ponto de

vista que tem sobre as circunstâncias de discurso e, portanto,

sobre o EU (interpretar é sempre instaurar um processo para

apuraras intenções do EU).

Correlativamente esse TU interpretante (TU’) não é o mesmo

que o TU destinatário (TU) ao qual se dirige o EU. Como

consequência, o TU’, ao fazer sua interpretação, reflete o EU

com uma imagem (EU’) diferente daquela que o EU

acreditava (queria?) ter.

Em outras palavras, o EU dirige-se a um TU destinatário que

o EU acredita (deseja) ser adequado ao seu propósito

linguageiro (a “aposta” contida no ato de linguagem). No

entanto, ao descobrir que o TU interpretante (TU’) não

corresponde ao que havia imaginado (fabricado), acaba por

descobrir-se como um outro EU (EU’), sujeito falante

suposto (fabricado) pelo TU interpretante (TU’) (...) Esse

desdobramento do lugar do EU nos leva a dizer que apenas o

sujeito percebido (construído) pelo TUi é esse EU’ que

chamaremos a partir daqui de sujeito Enunciador (designado

por EUe). A esse EUe se opõe o EU produtor de fala que

designaremos por EUc (EU comunicante).

Assim, o ato de linguagem deve ser visto como um encontro dialético entre os

processos de Produção, criado por um EU comunicante e dirigido a um TU

destinatário; e o processo de Interpretação, criado por um TU interpretante, que

constrói uma imagem EU’ enunciador do locutor. Percebemos, com isso, que o ato de

linguagem está inserido em um processo interenunciativo entre quatro sujeitos,

composto por dois universos discursivos diferentes em um encontro “imaginário”.

Esse encontro dialético entre os sujeitos interagentes do discurso é construído por

meio de uma mise-en-scène discursiva formada entre os sujeitos de ação EU e TU.

Vale ressaltar, que o EUc é responsável pela produção do evento comunicativo, que se

dirige a um TU destinatário; enquanto o TUi é responsável pelo processo de

interpretação, construindo uma imagem do EU do locutor, conforme o esquema:

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Devemos levar em conta, então, que os sujeitos do ato de linguagem se articulam

em dois circuitos de produção: um circuito externo (EUc e TUi), que simboliza o lugar

do fazer dos sujeitos psicossociais e um circuito interno (EUe e TUd), representando o

lugar de organização do dizer dos seres da fala, conforme o esquema:

Circuito interno/externo dos sujeitos do Ato de linguagem

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25

Notamos, com isso, que, no ato de linguagem, o TU destinatário é considerado um

interlocutor ideal, adequado ao ato de enunciação e fabricado pelo EU comunicante. Já

o TU interpretante escapa aos domínios do EU, pois age fora do ato de enunciação

produzido pelo EU, construindo interpretações em função de suas experiências

pessoais. Assim, esse TU interpretante, ao criar uma imagem acerca da

intencionalidade do EU comunicante, cria um outro EU enunciador.

Percebemos, então, que os sujeitos construídos na Teoria Semiolinguística do

Discurso atuam dentro de um ato de linguagem que combina o fazer, como lugar da

instância situacional; e o dizer, lugar da instância discursiva, indissociáveis um do

outro. Há uma expectativa no ato de linguagem referente à encenação do dizer, que

depende de um conjunto de estratégias discursivas que consideram as determinações

situacionais.

Assim, podemos entender que os sujeitos interagentes do discurso estão inseridos

no ato de linguagem, envolto por uma encenação linguageira, por meio de estratégias

discursivas que formam um jogo enunciativo entre o dizer, no ato de fala, e a relação

contratual do fazer. Consideramos esta encenação fundamental para que o processo

comunicativo seja concretizado, pois a investigação do discurso dependerá da

averiguação de quem e de como participam os atores discursivos neste processo

interacional. Estes atores discursivos, em interação, que são responsáveis por

“significar o mundo”, apresentam-se na mise-en-scène discursiva de acordo com sua

dupla identidade.

2.1.3Identidade social / Identidade discursiva: estratégias de “credibilidade” e de

“captação”

A construção das identidades, no ato de comunicação, está ligada aos meios de

representações linguageiras, que funcionam na tentativa de provocar, nos parceiros do

discurso, uma visão única acerca do sujeito, no que diz respeito aos seus traços

sociodiscursivos.

O termo identidade é oriundo do latim identitas, representando o conjunto de

características e de traços próprios de um indivíduo, formando uma consciência de si,

diferenciando-o do outro. Devemos considerar, também, que o meio social exerce

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forte influência sobre a conformação da especificidade do sujeito, ao construir sua

imagem identitária.

No ato de comunicação, os sujeitos interagentes do processo enunciativo precisam

situar o seu discurso para que este não se torne secundário em relação à língua e sim o

inverso, ou seja, o discurso precisa ser o fundador da língua. O êxito do contrato de

comunicação baseia-se nesta premissa, pois a Teoria Semiolinguística apresenta, em

seu conteúdo, a ideia de que o funcionamento do discurso acontece por meio da

língua, envolta pelos sujeitos que a constituem, por suas identidades discursivas e

sociais.

O sujeito constrói a sua identidade pela tomada de consciência de si, por meio de

seu posicionamento no aqui e no agora, de conhecimentos de mundo, crenças e ações.

Assim, ao perceber que o sujeito é o que o outro não é, cria-se a consciência

identitária, por meio da percepção da existência do outro, constituindo-se o princípio

da alteridade.

Devemos entender que a relação sociointerativa entre os sujeitos discursivos ocorre

por meio de reconhecimento do outro e de diferenciação para com o outro, visto que as

intenções e as finalidades dependem da intencionalidade de cada sujeito envolvido no

processo enunciativo. Há um processo de atração pelo outro, no momento em que é

percebida a existência de um TU tão diferente do EU, que torna este EU incompleto,

inacabado. Por outro lado, há um processo de rejeição, visto que as diferenças do TU

podem ser consideradas ameaças para o EU, supondo ser este TU mais perfeito ou

superior ao EU.

Quando percebemos esse julgamento de valor e quando este se generaliza, ocorre a

formação de estereótipos, criados como defesa do EU contra as diferenças do outro.

Assim, o EU atinge o TU, não pelo que o TU representa e sim pelo que o EU não

possui. Com isso, notamos a importância do TU para a construção da identidade do

EU, inclusive, as próprias diferenças do TU são fundamentais para a construção do

sujeito, no que diz respeito à sua identidade.

A construção da identidade resulta do entrelaçamento de traços constitutivos do

sujeito, que corroboram a imagem que o indivíduo projeta de si. A identidade social é

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aquela construída por meio do que é esperado pela coletividade, tendo o sujeito a

função de exercer direitos e deveres impostos pela sociedade; já a identidade

discursiva é aquela construída pelo sujeito por meio de seus comportamentos e de seus

atos de linguagem. Segundo Charaudeau (2006 b, p.344)1 :

(...) A identidade social não explica a totalidade da

significação do discurso, pois seu possível efeito de

influência não está inteiramente dado por antecipação; por

outro lado, é certo que o discurso não é apenas linguagem,

sua significação depende também da identidade social de

quem fala. A identidade social necessita ser reiterada,

reforçada, recriada, ou, ao contrário, ocultada pelo

comportamento linguageiro do sujeito falante, e a identidade

discursiva, para se construir, necessita de uma base de

identidade social. Postulamos, pois, que existe uma diferença

entre estes dois tipos de identidade, e que é pela sua

combinação que se constrói o poder de influência do sujeito

falante (Tradução de material de aula).

É importante percebermos que a identidade social constrói a legitimidade do

sujeito, pois o autoriza a agir desta ou daquela maneira, em nome de um valor aceito

por todos. Podemos considerar a identidade social por meio de inúmeras condições,

que representam os saberes reconhecidos institucionalmente, pela performance do

sujeito, por filiação, por atribuição e por ter vivido o acontecimento.

Assim, a identidade social é determinada pela situação de comunicação, pois o

sujeito constrói o seu discurso e age perante as circunstâncias por meio do que lhe é

atribuído socialmente, corroborando seus traços psicossociais, enquanto a identidade

discursiva depende de um duplo espaço de estratégias: de “credibilidade” e de

“captação”.

________________________________________________________________________

1 (...) l’identité sociale n’est pas le tout de la signification du discours, l’effet possible d’influence de

celui-ci n’étant pas que langage, sa signification dependant, pour une part, de l’identité sociale de celui

qui parle. L’identité sociale a besoin d’être confortée, renforcée, recréée ou, au contraire, occultée par

le comportement langagier du sujet parlant, et l’identité discursive, pour se construire, a besoin d’un

socle d’identité sociale. On posera donc qu’existe une différence entre ces deux types d’identité, et que

c’est du fait de leur combinasion que se construit le pouvoir d’influence du sujet parlant.

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Segundo Charaudeau (2006 b, p.346)2 :

A credibilidade está ligada à necessidade, para o sujeito

falante, de que se acredite nele, tanto no valor de verdade de

suas asserções, quanto no que ele pensa realmente, ou seja,

em sua sinceridade. O sujeito falante deve, pois, defender

uma imagem de si mesmo (um “ethos”) que lhe permita,

estrategicamente, responder à questão: “como fazer para ser

levado a sério?”

Assim, nesse sentido, com relação à credibilidade, várias atitudes discursivas

podem fazer parte do repertório discursivo do sujeito, tais como: atitude de

neutralidade: aquela na qual o sujeito apaga qualquer vestígio de julgamento ou

avaliação pessoal, como, por exemplo, o discurso testemunhal; atitude de

distanciamento: aquela na qual o sujeito analisa o fato controladamente, como, por

exemplo, demonstrar uma tese e atitude de engajamento: aquela na qual o sujeito toma

uma posição acerca do que é discursado, como, por exemplo: uma militância política.

Com isso, notamos que tais atitudes discursivas são construídas por meio de

posições sociocomunicativas, que dependem de aspectos situacionais, construindo o

modo do sujeito se colocar no discurso.

Já as estratégias de captação estão ligadas aos meios de convencimento utilizados

pelo sujeito enunciador para promover, no sujeito destinatário, a adesão aos seus

dizeres. Na Teoria Semiolinguística, é preciso que o outro compartilhe do que é dito,

ocorrendo, na troca comunicativa, o “fazer crer” (pelo enunciador), resultando em um

“dever crer” (pelo destinatário).

Esse poder de convencimento pode ser construído por meio de diferentes atitudes

discursivas, como, por exemplo, a atitude polêmica: questionando as ideias do

adversário, tentando eliminar as possíveis objeções do seu interlocutor; a atitude de

________________________________________________________________________

2 Un enjeu de crédibilité qui repose sur le besoin pour le sujet parlant d’être cru, soit par rapport à la

vérite de son propos, soit par rapport à ce qu’il pense réellement , c’est-à-dire sa sincérité. Le sujet

parlant doit donc défendre une image de lui-même (um <<ethos>> ) qui l’entraîne stratégiquement à

répondre à la question: “comment puis-je être pris au sérieux?”.

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sedução: construindo uma imagem de si como benfeitor para seu interlocutor e a

atitude de dramatização: compartilhando fatos da vida, envolvendo o interlocutor por

meio de metáforas que o façam sentir certas emoções.

Desse modo, a identidade discursiva se constrói por meio das escolhas que o

sujeito faz para causar a aderência aos seus dizeres, porém, levando em conta os

constituintes da identidade social. A Teoria Semiolinguística propõe uma reflexão

acerca das identidades por meio do modelo comunicacional de análise do discurso. Tal

modelo é definido em torno de competências e de estratégias.

Como competências podem-se citar a competência comunicacional, que representa

a aptidão em reconhecer a estruturação e as restrições da situação comunicativa

(identidade social e aquilo que justifica seu direito à palavra); a competência

semântica, que representa a aptidão em organizar seus diferentes tipos de saberes (suas

referências); a competência discursiva, que representa a aptidão em organizar as

possibilidades enunciativas, narrativas e argumentativas do discurso e a competência

semiolinguística, que representa a aptidão em combinar formas, em função das

restrições da língua, e em relação com as restrições do quadro situacional.

Já como estratégias citam-se as estratégias discursivas, que estão intrinsecamente

ligadas ao contrato de comunicação, por meio de manobras para lidar com as

restrições situacionais e as instruções de organização discursiva e formal. Estas

estratégias são múltiplas, mas podem ser agrupadas em três espaços, cada um

correspondendo a um tipo de condição para a mise-en-scène discursiva. Esses espaços

correspondem às estratégias de legitimação, que representam a necessidade de

legitimar a posição do sujeito e de seus dizeres pela autoridade que seu status lhe

confere; às estratégias de credibilidade, que tentam fazer crer ao interlocutor que o

discurso proferido é “digno de fé” e às estratégias de captação, que procuram a

adesão absoluta ao que é posto pelo sujeito enunciador.

Podemos, então, perceber que o pleno funcionamento do ato de comunicação

precisa tanto da identidade social quanto da identidade discursiva dos participantes do

jogo cênico discursivo, pois a atividade linguageira é formada pelos traços identitários

dos sujeitos interagentes do discurso, isto é, a constituição dos processos

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interenunciativos depende tanto dos aspectos psicossociais quanto dos aspectos

discursivos.

Segundo Charaudeau (2006 b, p.353)3, a identidade é vista:

Como uma máscara que seria mostrada ao outro (e a si

mesmo), mas uma máscara que, se for tirada, deixa ver uma

outra máscara, depois outra, e outra ainda... Talvez não

sejamos nada mais do que uma sucessão de máscaras. Mas na

impossibilidade de se resolver este enigma, manteremos a

distinção entre identidade psicossocial e identidade

discursiva, por permitir compreender como se processa este

jogo social de substituição de máscaras.

Deste modo, consideramos pertinente o estudo das identidades e das representações

sociais e discursivas que as constituem, pois todo ato de linguagem é construído por

meio de especificidades identitárias embutidas no contrato de comunicação e realizado

no espaço de semiotização do mundo.

2.1.4 A semiotização do mundo

Na Semiolinguística, há um duplo processo de construção de sentidos: o processo

de transformação, tendo a participação de um sujeito falante, que age no “mundo a

significar”, dando-lhe nova forma, modificando-o por meio da linguagem, formando,

assim, um “mundo significado”, marcando a maneira de se pensar a realidade; e o

processo de transação, tendo o sujeito destinatário a função de interagir com esse

“mundo significado”, por meio de instâncias de produção e de interpretação. O

“mundo significado” torna-se um objeto de troca com o sujeito destinatário, sendo

esse processo de transação anterior ao de transformação, já que há certa subordinação

____________________________________________

3 Comme um masque qui serait donné à voir à l’autre (et à soi-même), mais un masque qui, si on le

retire, laisse voir um autre masque, puis un autre masque et un autre encore,... Peut-être que nous ne

sommes qu’une succession de masques. Mais faute de pouvoir résoudre cette énigme, on maintiendra

que la distinction entre identité psychosociale et identité discursive permet de comprendre comment se

joue ce jeu social de substitution de masques.

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das operações de transformação aos princípios do processo de transação.

O processo de transformação apresenta quatro categorias linguísticas, que

definiremos como:

- identificação, isto é, a construção da “identidade nominal” (substantivos)

- qualificação, ou seja, a construção da “identidade descritiva” (adjetivos)

- ação, chamada por Charaudeau de “identidade narrativa” (verbos)

- causação, visto que os fatos do mundo são explicados por “relações de causalidade”

(modalização)

O processo de transação, que corrobora a ideia de que cada escolha linguística resulta

em encenações discursivas diferentes, apresenta quatro princípios, que são:

- princípio de alteridade ou de interação, que estabelece a troca comunicativa entre

os parceiros da linguagem, que têm em comum saberes compartilhados e

desempenham papéis particulares (tanto o sujeito comunicante quanto o sujeito

interpretante), resultando em uma condição de legitimidade, isto é, o eu enunciador

precisa reconhecer a legitimidade de seu parceiro, para começar a dialogar, a partir

dessas identidades.

- princípio de pertinência, que exige que os atos de linguagem sejam apropriados a seu

contexto e à sua finalidade, criando uma condição de credibilidade aos dizeres.

- princípio de influência, que tem como finalidade capturar o outro no ato de

linguagem, visando a atingir o parceiro por uma finalidade intencional.

- princípio de regulação, que corresponde às estratégias empregadas no quadro

situacional, regulando o jogo de influências, por meio daquilo que os parceiros sabem

acerca do ato de linguagem de que participam.

Charaudeau ( 2005, p.16) afirma que:

Postular a dependência do processo de transformação para com o

processo de transação equivale a marcar uma mudança de

orientação nos estudos sobre a linguagem, buscando-se conhecer o

sentido comunicativo (seu valor semântico-discursivo) dos fatos de

linguagem.

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Podemos perceber, então, que o sentido comunicativo no ato de linguagem é

construído por meio de relações intrínsecas entre o processo de transformação e o

processo de transação, mobilizando diferentes operações, resultando no êxito da

atividade enunciativa instauradas pelos sujeitos do ato de linguagem. Esses sujeitos,

via de regras, apresentam-se por meio de imagens que constroem de si próprios, o que

faz emergir o conceito de ethos.

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33

2.2 Ethos discursivo

Antes de traçarmos considerações acerca do ethos, pathos e logos discursivo,

devido a uma questão de hierarquia temporal, abordaremos a trilogia aristotélica, que

corresponde aos meios utilizados por Aristóteles para a obtenção da persuasão na

Retórica. Segundo Maingueneau (2008, p.12):

Toda vez que se recorre a essa noção de ethos, costuma-se

fazer um longo caminho até a retórica antiga, mas

precisamente à Retórica de Aristóteles, primeiro autor em que

encontramos uma elaboração conceitual ou, pelo menos, cuja

concepção chegou até nós.

Aristóteles relacionou o ethos com o caráter do orador e com a imagem de

credibilidade discursiva criada por meio de seus dizeres; atribuiu ao pathos o discurso

que apela às emoções do auditório e associou o logos ao impacto causado no auditório

por meio da qualidade dos argumentos apresentados no discurso.

O ethos aristotélico é a argumentação centrada no sujeito orador, que utiliza o

discurso na tentativa de persuadir o auditório. Assim, o caráter do orador o torna digno

de confiança, aumentando as possibilidades de seduzir o outro. Desse modo, o orador

atingirá seu objetivo, que é conseguir a aderência do auditório ao seu discurso, por

meio de suas virtudes morais.

O pathos aristotélico é baseado no estado emocional do auditório, pois o orador

formulará seu discurso na tentativa de provocar sentimentos no outro, contribuindo

para a adesão a seus dizeres. O poder de convencimento é centrado no auditório, já

que o orador se apoia nas emoções do outro, para conseguir sua adesão, ou seja, há

uma tentativa de criar um discurso que empolgue os ouvintes, mobilizando seus

sentimentos.

O logos aristotélico é a argumentação centrada na tese e nos argumentos, devendo

ser lógica, clara e compreensível. O discurso precisa ter coesão e coerência textuais,

para provocar a adesão dos ouvintes, objetivando uma visão lógica da enunciação.

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Podemos entender que há uma disposição, por parte do orador, de criar uma

credibilidade capaz de convencer o público acerca do que foi posto, construindo uma

imagem de virtuosidade regida pela razão, induzindo o auditório a agir sabiamente, de

acordo com seus propósitos e seus objetivos. Há também uma tentativa de criar uma

imagem de complacência com os inferiores, tentando trazer para si a figura de sujeito

benevolente.

Não podemos deixar de mencionar, também, que o orador ao construir o seu

discurso, na tentativa de relacioná-lo ao seu caráter e ao seu tipo social, estará, de certa

forma, convencendo o seu auditório por meio da dimensão social embutida na

construção de sua imagem. Assim, a apresentação de si no discurso estará

intrinsecamente ligada a questões sociais.

Percebemos que, na Retórica Aristotélica, não é a imagem real do sujeito

enunciador que realmente está em jogo e sim a imagem criada no intuito de convencer

o público acerca daquilo que é apresentado. Com isso, percebemos que a retórica de

Aristóteles está ligada ao que é persuasivo para um tipo de indivíduos, tentando causar

boa impressão pela imagem de si.

Segundo Amossy (2005, p.10), “Os antigos designavam pelo termo ethos a

construção de uma imagem de si destinada a garantir o sucesso do empreendimento

oratório”. Observamos, assim, que a Retórica Aristotélica constrói o caráter moral do

orador por meio da imagem e do estilo desse sujeito, fornecendo recursos que

corroboram a arte de persuasão inserida no discurso.

Deste modo, o objetivo do processo enunciativo é a obtenção da confiança do

auditório, isto é, do convencimento dos sujeitos envolvidos no discurso sobre o que

está sendo posto, e dessa forma, o ethos, visto como o caráter que o orador deve

parecer ter, torna-se peça fundamental na Retórica. Aristóteles utiliza termos como

inventio, que diz respeito à própria criação; dispositio, visto como o encadeamento das

partes do discurso e elocutio, entendido como a verbalização do pensamento, com a

finalidade de persuadir pelo convencimento.

O estilo discursivo empregado pelo sujeito da enunciação, ou seja, um modo

próprio de dizer está diretamente ligado à orientação normativa vista em Aristóteles. O

que muitos linguistas preconizam, atualmente, como a questão do que é adequado ou

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inadequado para este ou aquele auditório, já era pensado por Aristóteles como objeto,

hoje, da estilística. Desta forma, o ethos pode ser visto como fundamento da noção de

estilo, visto que há uma construção da imagem do sujeito enunciador por meio de seus

dizeres. Segundo Maingueneau (1997, p.45):

Não basta falar de “lugares” ou de “deixis”, a descrição dos aparelhos não

deve levar a esquecer que o discurso é inseparável daquilo que poderíamos

designar muito grosseiramente de uma “voz”. Esta era, aliás, uma dimensão

bem conhecida da retórica antiga que entendia por éthe as propriedades que

os oradores se conferiam implicitamente, através de sua maneira de dizer:

não o que diziam a propósito deles mesmos, mas o que revelavam pelo

próprio modo de se expressarem. Aristóteles distinguia desta forma

phrônesis (ter o aspecto de pessoa ponderada), aretê (assumir a atitude de

um homem de fala franca, que diz a verdade crua), eunóia (oferecer uma

imagem agradável de si mesmo). A eficácia destes éthe se origina no fato

de que eles atravessam, carregam o conjunto da enunciação sem jamais

explicitarem sua função.

Notamos, assim, que Aristóteles definiu três aspectos que inspiraram a confiança

no orador. São eles: o bom-senso, a prudência e a sabedoria prática, isto é, a

manifestação de opiniões competentes e razoáveis (phrônesis); a virtude, ou seja,

qualidades distintivas do homem como: coragem, justiça e sinceridade, apresentando-

se como sujeito simples e franco ao expor suas ideias (aretê) e a benevolência e a

solidariedade, mostrando simpatia pelo auditório (eunóia). Assim, é feita uma

descrição do ethos do sujeito enunciador.

Percebemos, então, que o orador que se apresenta como sujeito sensato é aquele

que se utiliza de phrónesis e constrói sua argumentação muito mais com os recursos

do logos (discursivos) do que com os do pathos ou do ethos; o que se apresenta como

desbocado e franco, que se vale de areté, constrói sua argumentação muito mais com

os recursos do ethos; e aquele que se apresenta solidário com seu enunciatário, isto é,

o que usa eunóia, constrói sua argumentação com base mais no pathos.

Averiguamos, ainda, a existência de um ethos que é gerado na mente do receptor

da enunciação, antes mesmo da materialização do discurso. Assim, percebemos a

existência de um ethos prévio, que afeta a forma de construção do discurso, pois toda

coerência embutida nos processos enunciativos será construída por meio de

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imposições de condutas discursivas, formadas por papéis sociais construídos

previamente.

Deste modo, o sujeito enunciativo, ao pronunciar seus dizeres, já constrói uma

imagem com o intuito de suprir um conjunto de expectativas projetadas sobre si e

sobre seus próprios dizeres. Observamos, então, que o caráter do orador não

necessariamente será construído apenas pelo discurso, visto que o ethos pode surgir

como resultado de imagens prévias ligadas ao social e a estereótipos impostos pelo

sistema, obrigando o sujeito a cumprir determinados rituais, transformando esse

sujeito naquilo que já é esperado. Criamos, então, uma imagem não pelo discurso

propriamente dito e sim por aquilo que o auditório esperava encontrar. É como se o

caráter do enunciador estivesse pré-dado, independente do discurso proferido. Neste

sentido, podemos inferir que o sujeito da enunciação é induzido a tomar determinadas

atitudes impostas implicitamente pelo auditório, como um coro de vozes.

Há obrigações sociodiscursivas que precisam ser atendidas no processo de

enunciação. Sabemos que há um enquadre na enunciação discursiva que precisa ser

respeitado. Logo, o sujeito, ao utilizar a palavra em seu discurso, deve respeitar

determinadas condições de produção de dizeres, pois o orador não pode e nem deve

pronunciar qualquer coisa em qualquer circunstância.

Desta forma, é estabelecido o ethos prévio, que surge por meio de forças sociais,

pois todo discurso, do mais simples ao mais complexo, está preso a regras,

constrangimentos e repressões, que interferem na elaboração dos processos

enunciativos. Assim, o caráter do orador já está moldado, faltando apenas o conteúdo

discursivo para materializá-lo.

É importante ressaltarmos que o termo ethos significa personagem, que se origina

de “persona”, ou seja, traços e identidade particular do sujeito. Tendo em vista tais

denominações, percebemos que há um interesse, por parte do locutor da enunciação,

em construir uma imagem de si, promovendo o seu caráter, para persuadir seu

alocutário acerca do que é posto. Assim, essa apresentação de si na interação verbal

corresponde, então, à definição do termo ethos. Segundo Maingueneau (2008, p.17):

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37

- O ethos é uma noção discursiva, ele se constrói através do discurso,

não é uma “imagem” do exterior a sua fala;

- O ethos é fundamentalmente um processo interativo de influência sobre

o outro;

- É uma noção fundamentalmente híbrida (sócio discursiva), um

comportamento socialmente avaliado, porque não pode ser apreendido fora

de uma situação de comunicação precisa, integrada ela mesma numa

determinada conjuntura sócio histórica.

Com isso, o receptor do processo enunciativo estará sujeito aos mecanismos de

adesão ao discurso. O locutor possui um poder de convencimento sobre o alocutário,

poder esse que é construído por meio de um processo dialógico comunicativo. Já

Roland Barthes apud (Maingueneau,2008, p. 98) assim define o ethos:

São os traços de caráter que o orador deve mostrar ao auditório (pouco

importa sua sinceridade) para causar boa impressão: são os ares que assume

ao se apresentar. (...) O orador enuncia uma informação, e ao mesmo tempo

diz: eu sou isto e não sou aquilo.

Percebemos, então, que esse orador participa ativamente da construção do ethos e é

chamado de “fiador” por Maingueneau. Assim, o “fiador” apresenta um caráter e uma

corporalidade atribuídos pelo receptor, oriundos de representações sociais, sobre as

quais se apoia a enunciação.

Desta forma, podemos associar o ethos a questões argumentativas, visto que tal

noção possibilita a adesão dos sujeitos a determinado posicionamento. Segundo

Maingueneau (2008, p.64):

Enquanto a retórica ligou estreitamente o ethos à oralidade, em

vez de reservá-lo à eloquência judiciária ou mesmo à oralidade,

pode-se propor que qualquer texto escrito, mesmo se ele o nega, tem

uma “vocalidade” específica que permite relacioná-la a uma

caracterização do corpo do enunciador (e não, bem entendido, ao

corpo do locutor extradiscursivo), a um “fiador” que por meio de seu

tom, atesta o que é dito (o termo ‘tom” tem a vantagem de valer

tanto para o escrito quanto para o oral).

Notamos, por conseguinte, que o ethos remete à figura de um “fiador” que, por

meio de sua fala, elabora uma identidade de acordo com um mundo criado. Há uma

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adesão do leitor, por meio de uma maneira de dizer, que remete a uma maneira de ser,

construída pela enunciação, identificada pelo movimento de um corpo investido de

valores históricos e sociais.

Assim, devemos perceber que o locutor, por seu estilo, crenças, competências

linguísticas e outros fatores, sempre efetua em seu discurso uma apresentação de si.

Percebemos, muitas vezes, que essas representações acontecem sem que os

participantes do processo comunicativo percebam.

No caso do discurso publicitário, observamos que o sujeito anunciante da

propaganda investe na construção de um ethos tentando seduzir o outro, criando uma

imagem compartilhada, incluindo-se e incluindo o outro no domínio discursivo, para

conseguir sua confiança.

Notamos que a imagem do produto é criada para aproximá-lo do receptor da

enunciação discursiva, na tentativa de mobilizar a atividade do sujeito destinatário.

Deste modo, o objetivo da publicidade pode alcançar o seu êxito, isto é, provocar uma

adesão ao que foi posto e, consequentemente, atingir sua finalidade, que é a venda do

produto.

Com isso, o público consumidor participa desse jogo discursivo, pois a persuasão,

provavelmente, será efetivada à medida que o ethos construído na propaganda pelo

sujeito anunciante estiver o mais próximo possível da imagem compartilhada por

aqueles que são o alvo da publicidade.

Observamos, então, a construção do imaginário discursivo que simboliza a ideia

de que aquele grupo representado na propaganda usufrui do produto referido. Deste

modo, o sujeito destinatário se sente incluso naquele grupo, tendo a impressão de que

é um dos seus que ali está, sentindo-se confortável em aderir a tal produto.

Notamos, também, que o sujeito anunciante deve ter precaução no momento da

construção do ethos, na propaganda, pois o ethos visado não é necessariamente o ethos

produzido. Muitas vezes, a imagem construída pode transmitir uma significação não

prevista pelo sujeito anunciante. Deste modo, os efeitos de sentidos são alterados,

prejudicando o objetivo da publicidade, que é a concretização do poder de

convencimento sobre o outro.

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Percebemos, desta forma, que o discurso publicitário articula-se com a noção de

ethos, pois o receptor da mensagem é convidado, tanto pelo texto verbal quanto pelas

imagens contidas no produto, a participar deste jogo cênico discursivo, no qual atuam

a persuasão, a sedução e a concretização das vontades, tanto do sujeito anunciante

quanto do sujeito consumidor.

É importante notarmos que alguns discursos publicitários trabalham com a questão

do ethos híbrido. Esta categoria do ethos define cenas de enunciação, nas quais os

sujeitos sociais criam sentidos que, supostamente, não seriam possíveis, devido a

hipóteses de associações situacionais improváveis.

Maingueneau (2008, p.25) exemplifica essa categoria de ethos com um folheto

propagandístico destinado à promoção de um festival cultural organizado pela

associação Culture à la ferme. Neste folheto, imagens da natureza estão

acompanhadas de um texto que mescla fragmentos que parecem sair do prospecto de

uma exposição de arte; e outros, que apresentam um léxico camponês acentuado.

Fora do contexto, o receptor da mensagem não criaria um sentido lógico nessa

propaganda e a consideraria sem fundamento, pois a relação entre texto escrito e

imagem é bem distanciada. No entanto, se entrar no contexto situacional desta

publicidade, que se refere a um festival cultural ocorrido dentro de uma fazenda,

notará que a enunciação discursiva contida na propaganda apresenta coerência.

Assim, percebemos que a noção de ethos deve ultrapassar o limite da simples

decodificação dos discursos enunciativos, pois o sujeito interpretante adere ao que está

posto, devido a sua participação naquele mundo configurado pela enunciação. Deste

modo, podemos concluir que o ethos é construído por meio de construções discursivas,

e que, nessa relação entre os sujeitos interagentes do discurso, revela-se a

personalidade do enunciador.

Entendemos, então, que, na propaganda, o sujeito anunciante constrói uma

imagem de si, que é veiculada no produto, tentando se aproximar, ao máximo, do

receptor da enunciação discursiva. Assim, a publicidade utiliza esses recursos na

tentativa de seduzir o consumidor, porém de forma sutil, sem denotar qualquer

vestígio de persuasão e convencimento.

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Podemos, portanto, associar o ethos ao modo de o sujeito se apresentar ao mundo

por meio da enunciação. A identidade do sujeito enunciador é construída a partir de

sua posição subjetiva acerca de si e da tematização do mundo. Com isso, fica

registrado o seu estilo e, consequentemente, a noção de ethos, a partir de seu ponto de

vista.

Dessa forma, o sujeito será construído por meio de seus enunciados e pelo lugar

que ocupa no mundo, visto que a Teoria Semiolinguística prioriza o discurso embutido

no social. Assim, a legitimação de seus dizeres estará ligada à construção de sua

imagem por meio de um corpo e um caráter representativo desse enunciador. Com

isso, o estilo definidor do ethos produzirá efeitos de individualidade criados no ato de

dizer.

Devemos, assim, considerar o ethos como declarador do caráter do sujeito

enunciador, funcionando como peça acusativa e reveladora de determinadas

deliberações criadas no processo enunciativo. Dentro dessa percepção, o discurso

proferido pelo sujeito enunciador precisa ser interpretado para que se firme a

constatação da imagem criada desse ser discursivo. Essa interpretação linguageira, na

qual se compreende o mundo e os sujeitos pertencentes a ele, é entendida por mimese.

Deste modo, podemos conceituar a mimese como a maneira pela qual o mundo é

entendido discursivamente, por meio do ato de enunciar, juntamente com a imagem do

enunciador. Assim, o ethos confirma-se como representação e mimese, pois o discurso

é pronunciado por meio de um sistema de representações, visto que a decodificação do

signo linguístico não funciona de modo estanque e sim, por meio da capacidade

humana de simbolizar os enunciados. Tais símbolos, então, são construídos por meio

do sujeito que se posiciona no enunciado.

O auditório, então, produzirá uma imagem do enunciador ligada à assinatura desse

sujeito em seus pronunciamentos, posicionando-o no aqui e no agora do ato de

enunciar. Podemos, assim, considerar o estilo do autor do discurso como fator

primordial de reconhecimento do ethos.

Nesse sentido, consideramos relevante para a questão do ethos a participação ativa

tanto do enunciador quanto do destinatário, para que, no jogo discursivo, seja

observado como se constrói a imagem do enunciador, isto é, do ator da enunciação. O

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interessante, nesta investigação, é a percepção de que o ethos (caráter) do sujeito

enunciador influenciará o ato de persuasão quando a maneira de dizer no discurso

inspirar confiança no destinatário.

Tornamos pertinente corroborar a ideia de que o ethos explicita-se nas marcas da

enunciação deixadas no enunciado, isto é, na maneira como é organizado o discurso.

Há uma apreensão do sujeito pelo discurso, pois o que constrói o caráter do

enunciador não é o que é dito, e sim o como é dito. Tais marcas são consideradas

estratégias de apresentação de si.

Assim, o enunciador tenta causar boa impressão mediante o modo de construção

do discurso, com a finalidade de convencer o outro, ganhando sua confiança.

Notamos, com isso, que o ethos não é dito no enunciado, e sim mostrado no ato de

enunciação. Segundo Ducrot apud (Maingueneau, 2008, p.59):

Não se trata de afirmações elogiosas que o orador pode fazer a

respeito de sua pessoa no conteúdo do seu discurso, afirmações que

correm o risco, ao contrário, de chocar o auditório, mas da aparência

que lhe conferem a cadência, a entonação, calorosa ou severa, a

escolha das palavras, dos argumentos...Em minha terminologia, direi

que o ethos está associado a L, o locutor enquanto tal: é na medida

em que é fonte da enunciação em que ele se vê revestido de certos

caracteres que, em consequência, tornam essa enunciação aceitável

ou refutável (Ducrot, 1984:201).

Percebemos, então, que o ethos é distinto das reais qualidades do enunciador, visto

que é o modo de dizer que constitui a imagem do orador, e não o que foi dito ou não

dito por ele. Notamos, também, que o ethos pode ser visto como caracterizador de

identidade, pois o locutor orienta o seu discurso de forma a criar certa identidade por

meio do processo enunciativo. Por sua vez, a construção de identidades se inscreve no

âmbito das representações sociais e dos imaginários sociodiscursivos que regulam as

interações sociais.

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2.3 Representações sociais e imaginários sociodiscursivos

Todo discurso é pronunciado por um sujeito histórico, que apresenta um propósito

para construir seus dizeres. Podemos entender tal propósito como o tema da

enunciação, elaborado por meio das circunstâncias do discurso e pela finalidade do ato

comunicativo. O conhecimento que o indivíduo acredita ter da realidade e os

julgamentos que dela se fazem são responsáveis pelo processo de intencionalidade

discursiva, pois o que está posto na superfície textual e, ainda, o que faz parte dos

pressupostos ou subentendidos no ato de comunicação resultam dos conceitos e das

ideias que se constroem do mundo.

Há uma necessidade de troca entre os sujeitos interagentes do discurso, pois é

preciso que haja uma relação entre si e o outro para o alcance do êxito comunicativo,

visto que o conhecimento que temos do mundo precisa ser compartilhado com o outro

e somado aos valores determinados pela sociedade. Devemos entender que tanto a fala

quanto a escrita não são espontâneas, pois temos em mente um projeto discursivo que

precisa ser exteriorizado. A expressão “falar sem pensar”, muito utilizada naqueles

momentos de ira ou de desentendimentos, não deve ser considerada, pois as intenções

do que se quer dizer já estão instauradas na mente do indivíduo.

Dessa forma, o projeto cognitivo da enunciação representará a fase inicial do ato

comunicativo, antes mesmo da exteriorização dos dizeres (tanto orais quanto escritos).

Assim, podemos entender que o que é proposto na enunciação já está preestabelecido

na mente do sujeito, na tentativa de influenciar o outro.

Segundo Charaudeau (2006 a, p.187):

Os conhecimentos que temos do mundo, assim como os

julgamentos que dele fazemos, são múltiplos e variados. Por

isso, é necessário decompô-los, ordená-los e classificá-los

para que se possa apreendê-los conceitualmente. É a isso que

se dedica o espírito humano conforme o tipo de sociedade na

qual se vive. Cada sociedade determina os objetos de

conhecimento, classifica-os de certa maneira em domínios de

experiências, atribui-lhes valores.

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Com isso, notamos que há um posicionamento do sujeito discursivo construído no

ato de comunicação, que corrobora a ideia de que todo ato linguageiro passa por um

viés argumentativo. Assim, consideramos que enunciar significa colocar em prática

aquilo que se pensa do mundo e dos seres que nos cercam. Essa subjetivação

instaurada no processo de comunicação está intrinsecamente ligada à sociedade, pois

cada grupo social compartilha determinados pensamentos e crenças de acordo com o

que é posto como verdade.

A questão situacional é de suma importância para que haja a interação entre os

sujeitos de linguagem, pois o enunciador deve considerar o campo temático, que pode

ser definido como uma abordagem discursiva própria de determinado contexto e que

impede que uma situação comunicativa seja confundida com outra.

Significar a realidade pelo discurso é uma necessidade humana, que, muitas vezes,

pode causar certa frustração ao sujeito, pois nem sempre o homem consegue, por meio

de palavras, expressar o que realmente pretende colocar no discurso. Sabemos que o

sujeito é dominado por um mundo que se coloca diante dele, repleto de representações

simbólicas que precisam ser decodificadas de acordo com a vivência de cada um dos

indivíduos deste mundo a significar. Logo, o sujeito constrói esse sistema de

representações, que gera sentidos sobre si e sobre a realidade que o cerca, tornando-se,

ao mesmo tempo, sujeito e objeto de sua própria experiência humana.

Devemos entender, então, que as crenças sociais partilhadas pela coletividade são

articulações resultantes de impressões do mundo construídas por determinados grupos

sociais que corroboram conceitos e ideais construídos por meio de representações

simbólicas e culturais. Percebemos, pois, que, as representações sociais surgem como

simbolizações cognitivo-discursivas, responsáveis pelos saberes que o sujeito constrói

acerca do que acredita como real com o objetivo de adaptação ao seu meio e de

comunicação com o outro. Segundo Jodelet (2001, p.21):

(...) as representações sociais são fenômenos complexos

sempre ativados e em ação na vida real. Em sua riqueza como

fenômeno, descobrimos diversos elementos (alguns, às vezes,

estudados de modo isolado): informativos, cognitivos,

ideológicos, normativos, crenças, valores, atitudes, opiniões,

imagens etc. Contudo, estes elementos são organizados

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sempre sob a aparência de um saber que diz algo sobre o

estado da realidade.

Atribuir valores e conceitos ao mundo dentro de um universo composto por

práticas sociais, por meio de trocas comunicativas é a forma encontrada pelos sujeitos

da enunciação para manter contato com os objetos que os cercam. Essa relação

referencial, que constitui o indivíduo como ser social, apoia-se sobre os

conhecimentos adquiridos e sobre os julgamentos herdados por esse sujeito, que se

constrói, segundo Charaudeau (2006 a), por uma tripla dimensão: cognitiva

(organização mental da percepção), simbólica (interpretação do real) e ideológica

(atribuição de valores que desempenham o papel de normas societárias).

Assim, as representações sociais influem sobre a constituição do sujeito

participante do ato de comunicação, pois se cria um elo, que parte de normas sociais

preestabelecidas, criando representações necessariamente partilhadas. Notamos, com

isso, a presença de um processo interacional e simbólico entre os sujeitos interagentes

do discurso, construído por meio de interpretações do real.

Segundo Charaudeau (2006 a, p.195):

As representações têm por função “interpretar a realidade

que nos cerca, por um lado mantendo com ela relações de

simbolização; por outro, atribuindo-lhe significações”. Elas

são constituídas pelo “conjunto de crenças, dos

conhecimentos e das opiniões produzidos e partilhados pelos

indivíduos de um mesmo grupo a respeito de um dado objeto

social”.

Desse modo, percebemos que as representações sociais constituem saberes

oriundos de experiências que o sujeito adquire ao longo do tempo, na tentativa de

subjetivar signos simbólicos presentes no mundo a significar. Por conseguinte, as

representações sociais são construídas, por meio de relações referenciais que

envolvem os sujeitos interagentes do discurso inseridos no processo comunicacional.

Logo, o sujeito elabora seu discurso na tentativa de objetivar o mundo que o cerca,

atribuindo valores e formulando conceitos, mediante discursos que engendram

saberes. Entendemos, portanto, que tais saberes contribuem para a construção de

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sistemas de pensamento, que, segundo Charaudeau (2006 a) podem ser reagrupados

em dois grupos: saberes de conhecimento e saberes de crença.

As representações sociais simbolizam os saberes de conhecimento e os saberes de

crença de um determinado grupo social, interferindo nas maneiras de construção e do

dizer do discurso. Dessa forma, tais representações são criadas por meio de processos

cognitivos instaurados no inconsciente coletivo, corroborando a instauração das

crenças sociais, tomando como verdade conceitos e suposições acerca do que está

embutido na sociedade.

Os saberes de conhecimento estão ligados ao propósito de se estabelecer uma

verdade acerca dos fenômenos do mundo, por meio de uma verificação provada da

realidade (saberes científicos) ou experimentada (saberes de experiência). Os saberes

de conhecimento podem, então, ser entendidos como algo exterior ao homem, visto

que são construídos além da subjetividade do sujeito.

Os saberes científicos são construídos por meio de procedimentos de

experimentação, observação e cálculo, podendo ser utilizados instrumentos de

visualização, como, por exemplo, microscópios; sistemas de medida ou de cálculo,

como, por exemplo, estatística; e procedimentos de figuração codificada, como, por

exemplo, cartografia. Ressaltamos, ainda, que os saberes científicos escapam à

singularidade do sujeito, visto que, nesse processo, os modos de raciocínio podem ser

utilizados pela coletividade. Já os saberes de experiência não apresentam garantias de

sua comprovação, partindo de explicações de conhecimento de mundo socialmente

partilhado.

Os saberes de crença, que tendem a explicar o mundo por apreciações, são

construídos por meio de julgamentos subjetivos sobre os fatos do mundo. Há uma

avaliação acerca dos acontecimentos que o sujeito constrói, por meio de juízo de

crenças, posicionando-o em relação ao mundo. Tais considerações não podem ser

verificadas, mas são construídas por adesão, por meio de saberes de revelação e

saberes de opinião.

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Os saberes de revelação podem ser representados pelas doutrinas e ideologias, que

não podem ser verificadas, tendo o sujeito a possibilidade de aceitar os fatos do

mundo, mesmo contraditórios aos saberes de conhecimento.

Já os saberes de opinião são construídos pelo sujeito, por meio de seus julgamentos

e de suas opiniões. Ressaltamos que tais saberes envolvem tanto o plano pessoal, visto

que são formulados por um sujeito que possui suas considerações acerca do mundo,

quanto o plano social, visto que o indivíduo pode criar seus conceitos por meio de

compartilhamento de ideias circulantes na sociedade.

Os saberes de opinião podem ser divididos em: opinião comum composta por

julgamento generalizado partilhado socialmente (provérbios e enunciados de valor

geral); opinião relativa composta por posicionamento positivo ou negativo de um

sujeito ou de um grupo, e a opinião coletiva formada pelas considerações de um

determinado grupo sobre outro, na tentativa de construção de um valor identitário.

O ato linguageiro, por conseguinte, envolve um sistema coletivo e cognitivo de

construções mentais, que situam o sujeito no mundo significado, atribuindo valores e

conceitos formados por meio de esferas sociais. Assim, o discurso se instaura no eixo

das trocas comunicativas, tendo o sujeito intencionalidades formadas pela intrínseca

relação entre o sistema de símbolos, a coletividade e sua inscrição e identificação no

mundo.

Esse ordenamento de saberes é resultante de sistemas de pensamento construídos

na tentativa de explicar o mundo e os sujeitos. Os saberes de conhecimento e os

saberes de crença são responsáveis por tais sistemas, colaborando para a distinção de

formas discursivas como as teorias, as doutrinas e as ideologias.

As teorias estão ligadas aos saberes científicos, que são comprovados por um

conjunto de proposições centradas em um núcleo de certezas baseados em conceitos,

raciocínios e instrumentos metodológicos. Assim, as teorias podem ser entendidas

como um conjunto de ideias sistematizadas, que dão base a uma filosofia ou a uma

ciência.

As doutrinas estão ligadas ao saber de conhecimento e ao saber de crença, pois

se referem a um saber de opinião “disfarçado” em saber de conhecimento. Podemos

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considerar as doutrinas como modelo de pensamento e de comportamento para os

sujeitos que vivem em sociedade. São discursos que recusam a crítica e não sofrem

contestações, pois afirmam a dimensão transcendental do ser.

As ideologias estão ligadas ao sistema de valores afetivos e normativos, que definem

as aspirações humanas organizadas em um discurso de racionalização. Vale

ressaltarmos, que, quando uma ideologia se endurece, baseando-se em valores

irredutíveis, ela se torna uma doutrina; quando fluida, permanece um simples sistema

de crenças. Segundo Charaudeau (2006 a, p.203):

À medida que esses saberes, enquanto representações

sociais, constroem o real como universo de significação,

segundo o princípio de coerência, falaremos de

“imaginários”. E tendo em vista que estes são identificados

por enunciados linguageiros produzidos de diferentes formas,

mas semanticamente reagrupáveis, nós chamaremos

de”imaginários discursivos”. Enfim, considerando que

circulam no interior de um grupo social, instituindo-se em

normas de referência por seus membros, falaremos de

“imaginários sociodiscursivos”.

Dessa forma, podemos inferir que as representações sociais estão intrinsecamente

ligadas aos meios sociodiscursivos, colaborando para a organização dos saberes, por

meio de ideias e de valores formulados pelos sujeitos de linguagem. Assim, podemos

entender que o imaginário pode ser visto como uma imagem criada para interpretar a

realidade. O sujeito interpreta a realidade tendo como base as experiências vividas e as

relações mantidas com o outro para construir significações acerca do mundo

observável.

Vale ressaltar que os imaginários, muitas vezes, são utilizados pelo senso comum

para caracterizar algum tipo de fantasia, inclusive, o termo é definido, no dicionário

Aulete da língua portuguesa (GEIGER (Org.), 2011) como: “aquilo que existe

somente na imaginação”. O importante é percebermos que o termo na Análise do

Discurso, apresenta um teor sociohistórico, que ultrapassa a ideia de fantasia

imaginária acerca do mundo e das coisas. Segundo Charaudeau (2007, p.52)

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Na história, por exemplo, diz-se, às vezes, que esta disciplina

tem a intenção de reestabelecer a verdade contra a

imaginação, as fantasias e os estereótipos. Este sentido,

pejorativo em relação a certas disciplinas, é talvez um

resquício do pensamento de século XVIII que, distinguia uma

cultura da sabedoria e uma cultura popular fortemente

influenciada por histórias do diabo e de bruxaria. Parece,

portanto, que se está no mesmo caso do estereótipo e, assim,

seria preciso rejeitar essa noção pelas mesmas razões. Mas,

aqui, pode-se desviar pelo viés do emprego deste termo como

substantivo porque é em seu emprego adjetival que ele toma

esses valores de invenção fora da realidade. Em troca em seu

emprego substantivo ele recupera uma noção que se inscreve

numa tradição filosófica e psicológica para ser finalmente

recuperado e reconceptualizado pela antropologia social.1

Desse modo, percebemos que tanto o termo imaginário quanto o termo estereótipo

apresentam construções preestabelecidas que precisam ser reestruturadas, visto a

evidente presença do alicerce sociocultural desses elementos constitutivos das ciências

sociais. Assim, a partir da ideia que construímos acerca dos imaginários, podemos

perceber que o conceito de imaginário social remete ao universo de significações

constitutivas da identidade de um grupo, pois a soma das relações que os sujeitos

estabelecem entre si constrói valores e imaginários partilhados. Há uma visão do

mundo social construída por intermédio de uma dupla interação: do sujeito com o

sujeito e do sujeito com o mundo.

Notamos a construção de imaginários envoltos por formas discursivas diversas

como discursos racionalizados que circulam nas instituições com fins identitários;

discursos que circulam na sociedade de maneira inconsciente, nos julgamentos

implícitos dos enunciados e discursos submersos no inconsciente coletivo, por

implicações tecidas na história. O termo imaginário sociodiscursivo está ligado ao

quadro teórico da Análise do Discurso, que, segundo Charaudeau (2006 a, p.206):

___________________________________________________________________

1 En histoire, par exemple, on entend dire parfois que cette discipline a vocation à rétablir la vérité

contre l'imaginaire, les fantasmes et lês estéréotypes. Ce cens, finalement péjoratif au regard de

certaines disciplines, est peut-être un reste de la pensée du XVIII siécle qui distinguait une culture

sayante et une culture populaire fortement influencée par les histoires de diable et de sorcellerie (...) II

semble donc que l’on se trouve dans le même cas que le stéréotype, et donc Il faudrait rejeter cette

notion pour les mêmes raisons. Mais ici, on peut s’en sortir par le biais de l’enploi de ce terme comme

substantif, car c’est dans son emploi adjectival qu’il prend ces valeurs d’invention hors de la réalité. En

revanche, dans son emploi substantif, Il recouvre une notion qui s’inscrit dans une tradition

philosophique et psychologique pour être finalement récupérée et reconceptualisée par l’anthropologie

sociale.

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Efetivamente, para desempenhar plenamente seu papel

de espelho identitário, esses imaginários fragmentados,

instáveis e essencializados têm necessidade de ser

materializados. Isso acontece de diferentes maneiras: nos

tipos de comportamentos (os ritos sociais da vida cotidiana),

nas atividades coletivas (aglomerações, manifestações,

cerimônias) que têm por efeito dar corpo aos imaginários; na

produção de objetos manufaturados e de tecnologias que dão

ao grupo o sentimento de possuir e dominar o mundo (a

televisão e a internet dão a impressão de dominar o espaço e

o tempo); na construção de objetos emblemáticos que,

erigidos como símbolos, “objetualizam” e exibem até a

exaltação e, às vezes, até mesmo o fetichismo, os valores

identitários aos quais os membros do grupo aderem por

assunção mais ou menos voluntária (as bandeiras, as

insígnias, os slogans, como a foice e o martelo, a cruz

gamada, o “Black is beautiful” etc.).

Assim, percebemos que os grupos sociais constroem sentidos materializados no

discurso, formando imaginários sociodiscursivos, que testemunham identidades

coletivas indicativas da percepção dos sujeitos e dos grupos acerca dos acontecimentos

e do mundo.

Na Teoria Semiolinguística do Discurso, observa-se a forte relação entre as

construções discursivas e os imaginários sociais, que são formados por três tipos de

memórias: uma memória dos discursos, uma memória das situações de comunicação e

uma memória de formas.

A memória dos discursos está ligada ao conhecimento de mundo do sujeito

discursivo, à medida que experiencia uma série de fatos. Há uma constituição de

saberes, por meio de crenças e de valores sobre o mundo significado, construindo

representações cognitivas acerca da historicidade dos acontecimentos que nos cercam.

Constrói-se uma identidade coletiva formada por conceitos e ideias compartilhadas por

um grupo pertencente à sociedade. Há um armazenamento de conhecimentos comuns

entre os sujeitos discursivos, fragmentando a sociedade em comunidades discursivas,

agrupando-os, por meio de posicionamentos, ideais e valores compartilhados.

A memória das situações de comunicação está ligada às condições psicossociais de

realização, nas quais se estabelece o contrato de comunicação entre os sujeitos

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interagentes do discurso. Desse modo, as constantes de comunicação são partilhadas

pelos sujeitos discursivos inseridos em uma comunidade comunicacional.

A memória das formas está ligada às maneiras de dizer. Assim, o que se torna

relevante no discurso não é o que está posto e sim como é proferida a enunciação. A

atividade linguageira é analisada pelos usos linguísticos, tanto pelos símbolos verbais,

quanto pelos icônicos ou gestuais. Há uma rotina nos processos comunicacionais, que

está marcada nos diversos modos de enunciação, simbolizando o modo do sujeito se

expressar, representado pelas comunidades semiológicas.

Desse modo, percebemos o texto como um discurso, por meio de representações

sociais, estabelecendo uma relação, que segundo Procópio (2008, p.28):

É possível notar que os imaginários sociodiscursivos são

construídos pelos diversos tipos de saber encontrados na

sociedade. Estes tipos de saber fundamentam os discursos

circulantes e servem como argumentos para a criação dos

imaginários. A organização dos diferentes tipos de saber

pode ser compreendida pelo diagrama abaixo (fig.1),

adaptado do modelo proposto por Charaudeau (2007):

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Imaginários sociodiscursivos/Gênese do saber

(Quadro 3)

É preciso, então, entendermos que essas representações simbólicas são construções

de leituras do mundo, por meio de lacunas acerca das coisas e dos seres sob a

influência do meio social. Os estereótipos, que serão investigados a seguir, estão

ligados aos processos de formulação de ideias, conceitos e imagens em função de um

modelo cultural preexistente, constituindo os lugares comuns dos sujeitos e do mundo.

Assim, a representação do outro e de si estará fortemente fundamentada na interação

entre o homem e a sociedade.

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2.4 Estereótipos e arquétipos

Há determinados léxicos que funcionam no sistema linguístico como elementos

cristalizados, pois significam por meio de representações simbólicas repetidas e

comuns a uma determinada comunidade linguageira. Termos como lugar comum,

frase feita, estereótipo e clichê se instauram, na mente dos sujeitos, como expressões

pejorativas. Sabemos, pois, que tais termos nem sempre remetem a algo negativo.

Segundo Amossy (2004, p.10):

(...) as ciências sociais abordam o estereótipo como

representação coletiva cristalizada, transformando-o em um

objeto de estudo empírico. Esta noção contribui para a análise

das relações entre os grupos sociais e os indivíduos que o

formam. Em sua conotação negativa, entra em jogo uma

reflexão sobre o preconceito; e em sua conotação positiva, o

estereótipo se relaciona com a construção de uma identidade

e de uma cognição social.1

Os estereótipos estão ligados aos aspectos sociais, ultrapassando a questão de

sentido comum e de mera opinião acerca de algo ou de alguém. Vale ressaltar que os

termos clichê e estereótipo são oriundos do francês cliché (1809) e stéréotype (1797),

este último veio do grego stereos (sólido) e type (tipo), para designar a placa metálica

que servia para a impressão de textos e livros nas oficinas gráficas, isto é, termos

ligados à repetição de algo, dando uma ideia de cópia (Amossy, 2004).

O termo estereótipo, atualmente, é empregado nas relações para definir uma ideia

preconcebida acerca de uma determinada característica de um grupo, podendo ser

visto como uma generalização excessiva ou indevida de um comportamento ou de uma

atitude de um grupo social ou étnico. Já o termo clichê, que podia remeter, também, ao

_____________________________________________________________________

1 (...) las ciências sociales, que abordaron el estereotipo como representación colectiva cristalizada,

transformándolo em um objeto de estúdio empírico. Esta noción contribuyó al análisis de las relaciones

entre los grupos sociales y los indivíduos que los conforman. Em su connotación negativa, entra en

juego en la reflexión sobre el prejuício; en su connotación positiva, se relaciona com la construcción de

la identidad y la cognición social.

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negativo que os fotógrafos utilizavam para a reprodução de fotos em grande escala,

atualmente, por extensão semântica, é utilizado para designar frases feitas repetidas

em livros ou em pensamentos.

O clichê não deve ser entendido apenas como uma fórmula superficial, mas,

também, como uma expressão cristalizada, repetida sempre da mesma forma, que

representa a materialidade de uma frase, diferente da expressão “lugar comum”, que

representa a trivialidade de uma ideia, com origem na retórica aristotélica, com o

objetivo de formar argumentos de alcance geral.

Outro termo relevante acerca das representações sociais é poncifs, criado antes do

termo clichê, com a finalidade de denominar a trivialidade das palavras e dos

conteúdos de caráter convencional. A origem do termo está nas artes gráficas, no que

diz respeito à folha de papel que era colocada sobre um desenho, delineando-o e,

assim, por meio de sua forma, esse desenho delineado era colocado sobre uma tela

para reproduzir a tal imagem. Já outra expressão, também oriunda do francês, que

aparece com uma acepção pejorativa e preconceituosa é a de “ideia comum” (idée

reçue). Segundo Amossy; Pierrot (2004, p.28):

Que é que define as ideias comuns? A sua relação com a

opinião, assim como o seu modo de afirmar. Elas definem

julgamentos, crenças, formas de fazer e de dizer, e uma

formulação que se apresenta como uma constatação da

evidência e uma afirmação categórica: “Relógio: um relógio

só é bom se vier da Suíça. 2

A expressão ideia comum apresenta um juízo de valor que espelha evidências

básicas da sociedade. Há uma generalização da tradição de forma coletiva, inserida em

um discurso, cujo sujeito fala o que pensa. Com isso, há uma relação com a ordem

estabelecida e com as opiniões consagradas, que podem tornar o dito naquilo em que

se crê facilmente.

_____________________________________________________________________

2 Qué es lo que define a las idées recues? Su relación com la opinión, asi como su modo de afirmar.

Definen juzgamientos, creencias, formas de hacer y de decir, em uma formulación que se presenta como

uma constatación de evidencia y una afirmación categórica: “Reloj: Um reloj sólo es bueno si viene de

Suiza”.

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Já o termo arquétipo, segundo o Novíssimo Aulete, Dicionário Contemporâneo da

Língua Portuguesa (2011, p.148), é definido como: “Modelo, padrão de algo (objeto,

produto, qualidade, comportamento, etc.). Na filosofia platônica é a ideia originária

que serve como modelo para a origem e princípio explicativo para os objetos

sensíveis; já na psicanálise junguiana, modelo de pensamento comum a toda

humanidade, composto de símbolos ou imagens que constituem uma espécie de

inconsciente coletivo, tendo o termo sua origem no grego arkhétypon e no francês

archétype.

Todos os termos apresentados possuem um viés social, construído por meio de

representações simbólicas, elaboradas a partir de visões de mundo. Vale ressaltar que

tais posições, muitas vezes, são formuladas com base em determinadas ciências,

recebendo tratamentos distintos, de acordo com o ponto de vista adotado.

Os estereótipos, por exemplo, na Psicologia Social, são analisados por meio de suas

funções e de seus efeitos sociais, gerados por imagens pré-concebidas e que se

cristalizam na sociedade; na Sociologia, são vistos como uma imagem mental coletiva,

agindo nas formas de pensar do sujeito, que interage com outros indivíduos ou grupos

sociais; na ciência da Linguagem, estão ligados aos conceitos preestabelecidos, que

podem apresentar discursos preconceituosos, por uma constatação previamente

estabelecida.

Entendemos, neste trabalho, estereótipos como representações sociais

institucionalizadas, criados com base na repetição, com o objetivo de não parecerem

formas de discurso, e sim formas da realidade. Há uma tentativa de transformar uma

realidade complexa em algo simples, banal. Segundo Férres (1998, p.136):

... os estereótipos assemelham-se aos processos de sedução,

porque jogam com a percepção seletiva: selecionam

intencionalmente uma dimensão isolada da realidade (no caso

dos estereótipos, normalmente negativa), polarizando a

atenção do receptor sobre esta dimensão, com a intenção de

que o receptor realize um processo de globalização,

transferindo a parte negativa para o todo. Pretendem, então,

que a dimensão negativa se transforme, para o receptor, em

uma representação da realidade completa.

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Assim, os estereótipos são instaurados na percepção dos sujeitos, constituindo uma

identificação sociocultural e uma forma de conhecimento partilhado, que surge por

meio de uma consciência coletiva. Notamos a identificação dos traços culturais da

sociedade, os quais podem ser marcados por noções ligadas aos gêneros, à etnia, à

classe social, aos crédulos religiosos, entre outras.

A questão identitária, no que se refere aos gêneros (masculino/feminino), por

exemplo, está intrinsecamente ligada aos meios simbólicos de representação dos

estereótipos e dos arquétipos, visto que ambos situam suas construções, no âmbito

social, para a caracterização dos sujeitos. Há um padrão preestabelecido no

imaginário, que se instaura na mente do indivíduo ou de uma comunidade,

corroborando uma ideia preconcebida de um modelo compartilhado socialmente.

Notamos que a identidade de gênero do sujeito é construída por meio de uma

imagem representada por um modelo simbólico, muitas vezes, ligado ao inconsciente

coletivo, resultante de hábitos de julgamento ou falsas generalizações. Assim, o

sentido de masculinidade/feminilidade torna-se resultante de expectativas geradas pelo

senso comum, formando tipos que extrapolam a autoimagem do indivíduo.

Podemos considerar os arquétipos como símbolos do inconsciente coletivo, que

constroem uma imagem social de algo ou de alguém, na tentativa de parecer real,

porém com certa ilusão naquilo que está sendo observado e analisado. Há um

compartilhamento de ideias, no imaginário individual ou entre grupos sociais, que

servem de modelo para a estruturação constitutiva do sujeito. Com isso, os indivíduos

elaboram conceitos e ideias, com base nos preceitos morais, intelectuais e emocionais

para definir o outro, na sociedade.

O arquétipo pode ser visto como um modelo de caracterização do pensamento,

sendo, essencialmente, um conteúdo inconsciente, que pode se modificar, assumindo

novas formas, por meio de percepções de mudanças no mundo. Assim, podemos

caracterizá-lo como um esquema mental, que forma estruturas imagéticas. Há uma

construção na memória, que cria imagens de enredos de sonhos, de lendas ou de

mitos.

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No que se refere aos arquétipos ligados aos gêneros: masculino/feminino, notamos

que as imagens arquetípicas femininas, por exemplo, podem estar associadas à

imagem da mãe e da mulher pura e ingênua, enquanto as imagens arquetípicas

masculinas, por exemplo, podem estar associadas ao pai, aquele responsável pelas

regras da estrutura familiar patriarcal. Segundo Monnerat (2008, p.96):

A imagem do “Guerreiro” parece ser uma imagem masculina

primordialmente baseada na anatomia do homem, assim

como a da “Grande Mãe” parece ser uma imagem feminina

essencialmente baseada na anatomia da mulher, o que não

quer dizer que os homens não possam ser carinhosos e que as

mulheres não possam ser guerreiras e isso porque os

arquétipos transcendem os gêneros: homens e mulheres têm

ambos os instintos carinhosos e instintos guerreiros, podendo

haver homens mais carinhosos e protetores do que algumas

mulheres e mulheres mais agressivas e belicosas que alguns

homens.

Nesse sentido, as construções mentais acerca dos arquétipos ligados aos gêneros

são elaboradas por meio desses modelos ou padrões preestabelecidos, evidenciando os

imaginários que circulam na sociedade. Com isso, se generaliza o que é pautado nos

domínios sociais, fortalecendo o que é compartilhado pela comunidade.

Esses perfis construídos acerca dos gêneros apresentam, simbolicamente,

superfícies estereotipadas de representações imaginárias partilhadas. Segundo Amossy

(2005, p.125):

De fato, a ideia prévia que se faz do locutor e a imagem de si

que ele constrói em seu discurso não podem ser totalmente

singulares. Para serem reconhecidas pelo auditório, para

parecerem legítimas, é preciso que sejam assumidas em uma

doxa, isto é, que se indexem em representações partilhadas. É

preciso que sejam relacionadas a modelos culturais

pregnantes, mesmo se se tratar de modelos contestatórios.

O estereótipo, então, é criado por meio da doxa, isto é, do pensamento do real

construído por uma representação cultural preexistente. Assim, corroboramos a ideia

de que há um esquema coletivo cristalizado, elaborado pelos membros da sociedade,

que, muitas vezes, definem o estereótipo em termos de atribuição de predicados, como

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por exemplo, a dona de casa, que é, tradicionalmente, vista como uma mulher

prendada, sem renda financeira, boa cozinheira, entre outros.

Percebemos, desse modo, que tanto os estereótipos quanto os demais meios de

identificação sociocultural são construídos de acordo com sua época, podendo,

inclusive, sofrer mudanças. Assim, a não estaticidade dos estereótipos fica

comprovada, por meio de conceituações e de generalizações temporais, criadas por

membros de uma comunidade, que elaboram imagens a partir de uma consciência

coletiva.

Os estereótipos justificam a conduta de um grupo social que o estabelece ou que o

apoia e podem ser vistos tanto como um discurso verdadeiro quanto como um discurso

falso. Verdadeiro, à medida que costuma basear-se em aspectos parcialmente

verídicos, apresentando vestígios de realidade, e falso, à medida que todo discurso

generalizado denota uma realidade, geralmente, complexa. Segundo Ferrés (1998,

p.137):

O estereótipo pretende, antes de mais nada, facilitar uma

interpretação cômoda e reconfortante de uma realidade que,

geralmente, apresenta-se ameaçadora. A realidade resiste ao

controle, à análise. O estereótipo é um mecanismo de defesa

diante da ameaça de uma realidade complexa, ambígua,

contraditória.

Desse modo, o estereótipo passa a incorporar o pensamento do sujeito, por meio de

uma representação reducionista da realidade, visto que apresenta como um dos

objetivos facilitar a interpretação do real. Sabemos que há um esforço para o

enfrentamento da verdade e que, por meio dos estereótipos, o sujeito cria uma imagem

cômoda para aquilo que, supostamente, o perturba. Há uma organização da realidade,

porém sob um viés conservador petrificado, pois o sujeito constrói o seu discurso

diante da ameaça de uma realidade complexa, na tentativa de controle do real, por

meio de simbolizações cristalizadas e deformadas acerca do mundo.

E para se expressar no mundo, o sujeito recorre a textos – simples ou complexos –

valendo-se sempre de um gênero textual determinado.

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2.5 Gêneros textuais

O conceito de gêneros do discurso, proposto por Bakhtin (2000), remete ao que,

hoje, tratamos por gêneros textuais. O autor trouxe à cena discursiva o fato de a língua

manifestar-se em forma de enunciados, tanto orais quanto escritos, refletindo as

condições específicas e as finalidades de cada uma dessas possibilidades discursivas.

Tais enunciados são marcados pelo conteúdo temático, pelo seu estilo verbal

construído por meio de recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais e pela sua

construção composicional, constituindo uma variedade infinita de representações

linguísticas.

Bakhtin (2000, p.281) aborda a heterogeneidade dos gêneros do discurso levando

em consideração a diferença essencial existente entre o gênero de discurso primário e

o gênero de discurso secundário. Segundo o autor:

Os gêneros secundários do discurso – o romance, o teatro, o

discurso científico, o discurso ideológico, etc. – aparecem em

circunstâncias de uma comunicação cultural, mais complexa

e relativamente mais evoluída, principalmente escrita:

artística, científica, sociopolítica. Durante o processo de sua

formação, esses gêneros secundários absorvem e transmutam

os gêneros primários (simples) de todas as espécies, que se

constituíram em circunstâncias de uma comunicação verbal

espontânea.

Desse modo, percebemos que a natureza do enunciado deve ser definida por uma

análise dos gêneros das esferas da atividade humana. Com isso, estaremos

investigando a variedade do discurso, fortalecendo o vínculo existente entre a língua, a

história e o social. Ressaltamos, ainda, que os gêneros do discurso funcionam por meio

da relação existente entre um locutor, que emite a mensagem, e um receptor, que a

recebe. O importante é notarmos que esse receptor nunca é passivo, pois ele adota,

para com o discurso, uma atitude ativa, concordando ou discordando, adaptando ou

completando o discurso, estando em interação constante durante o processo

enunciativo.

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Outro fator relevante para a compreensão textual é a forma estável do gênero do

discurso, visto que todos os nossos enunciados dispõem de uma forma padrão e

relativamente estável de estruturação de um todo. Segundo Bakhtin (2000, p.301):

A comunicação verbal na vida cotidiana não deixa de dispor

de gêneros criativos. Esses gêneros do discurso nos são dados

quase como nos é dada a língua materna, que dominamos

com facilidade antes mesmo que lhe estudemos a gramática.

A língua materna – a composição do seu léxico e sua

estrutura gramatical -, não a aprendemos nos dicionários e

nas gramáticas, nós a adquirimos mediante enunciados

concretos que ouvimos e reproduzimos durante a

comunicação verbal viva que se efetua com os indivíduos que

nos rodeiam.

Assim, as formas da língua são assimiladas somente nas formas assumidas pelo

enunciado. Com isso, os gêneros do discurso introduzem-se em nossa experiência, por

meio de enunciados estruturados.

Observamos, então, que o sistema linguístico dispõe de inúmeras estratégias para

expressar o ato de enunciar, colaborando para a formação dos gêneros do discurso.

Esses recursos especializados da língua precisam estar de acordo com as situações de

uso para a obtenção do êxito do processo comunicativo, visto que os gêneros do

discurso são construídos dentro de um contexto situacional, relacionando-se com o

todo do enunciado.

É importante ressaltarmos que toda interação social mediada pela linguagem verbal

se faz por meio de textos. Desse modo, antes de traçarmos algumas considerações

acerca dos gêneros textuais, consideramos relevante apresentar o conceito de texto,

segundo Koch (2008, p.27):

Poder-se-ia, assim, conceituar o texto como uma

manifestação verbal constituída de elementos linguísticos

selecionados e ordenados pelos co-enunciadores, durante a

atividade verbal, de modo a permitir-lhes, na interação, não

apenas a depreensão de conteúdos semânticos, em

decorrência da ativação de processos e estratégias de ordem

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cognitiva, como também a interação (ou atuação) de acordo

com práticas socioculturais.

O texto não significa, apenas, o que está posto ou o que não está dito pelo sujeito

enunciador, pois simboliza algo muito mais amplo, englobando tanto os aspectos

sociocomunicativos quanto os conhecimentos culturalmente partilhados entre os

sujeitos interagentes discursivos. Assim, a decodificação dos signos linguísticos torna-

se o início do processo, partindo dele para dimensões significativas mais amplas, até

se atingir o processo de interpretação textual.

Deste modo, o texto é visto como resultado da atividade verbal, construído no

intuito de alcançar um fim social, por meio de construções linguísticas comunicativas.

Assim, o jogo de atuação linguageira se instaura no ato de comunicação, contribuindo

para a formação de sentidos. Com isso, a capacidade de significar do texto ocorre pela

atuação conjunta de fatores de ordem situacional, cognitiva, sociocultural e

interacional. Segundo Marcuschi (2008, p.72):

O texto é o resultado de uma ação linguística cujas fronteiras

são em geral definidas por seus vínculos com o mundo no

qual ele surge e funciona. Esse fenômeno não é apenas uma

extensão da frase, mas uma entidade teoricamente nova. (...)

O texto pode ser tido como um tecido estruturado, uma

entidade significativa, uma entidade de comunicação e um

artefato sociohistórico. De certo modo, pode-se afirmar que o

texto é uma (re)construção do mundo e não uma simples

refração ou reflexo.

Assim, o texto será entendido como um evento comunicativo, no qual convergem

ações linguísticas, sociais e cognitivas, em constante interação com a sociedade. Com

isso, haverá uma ancoragem do texto no contexto situacional, produzindo determinado

discurso ligado, também, às relações semânticas entre os elementos encontrados no

interior do próprio texto, conforme se pode observar no esquema a seguir:

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(Quadro 4)

Podemos observar, portanto, a textualidade e a sua inserção situacional e

sociocultural, por meio tanto das relações ditas cotextuais, isto é, daquelas que

ocorrem entre os próprios elementos internos do texto, quanto das relações

contextuais, ou seja, daquelas que se estabelecem entre o texto e a sua situacionalidade

ou a sua inserção cultural, social, histórica e cognitiva.

Segundo Azeredo (2000, p.39):

(...) o texto é um produto da atividade discursiva. Em um

texto circulam, interagem e se integram informações várias,

explícitas ou implícitas, evidentes por si mesmas ou

dependentes de interpretação. Por isso, um texto é

necessariamente fruto de uma construção de sentido em que

cooperam quem o enuncia e quem o recebe. (...) Uma ordem,

um pedido, uma exclamação, um anúncio, um aviso, um

comentário, uma descrição, uma narração são textos. (...) Seja

como for, nenhum texto é integralmente autônomo como

unidade de sentido; o que há são graus de comprometimento

e aderência do texto relativamente aos múltiplos fatores que

envolvem a produção deles. As interjeições ocupam o ponto

mais alto dessa escala – aderência máxima à situação de

comunicação - já o grau mais reduzido de aderência

caracteriza os textos consagrados como monumentos

literários.

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Assim, o texto é entendido como uma prática da comunicação linguística oral ou

escrita, constituindo um acontecimento protagonizado por sujeitos discursivos, numa

dada situação, incluindo o momento histórico e o espaço social.

Segundo a Linguística Textual, o jogo de linguagem, que levará os parceiros da

comunicação a identificar um texto como tal será construído pela soma de estratégias

mobilizadoras dos diversos sistemas de conhecimento. São elas: estratégias

cognitivas, estratégias sociointeracionais e estratégias textuais. Observaremos tais

estratégias de processamento textual, no esquema abaixo:

(Quadro 5)

As estratégias cognitivas são aquelas construídas pelo conhecimento geral que

possuímos sobre a compreensão do discurso, consistindo em estratégias de uso do

conhecimento, dependendo, em cada situação, dos objetivos do usuário da língua, do

conhecimento disponível a partir do texto e do contexto e de suas crenças e opiniões,

no intuito de gerar sentidos. As estratégias de ordem cognitiva são elaboradas por

construções mentais acerca tanto do que está explícito quanto do que está implícito no

texto, criando, por parte dos interlocutores, inferências que geram informações

semânticas, levando em conta o texto e o contexto.

As estratégias sociointeracionais são aquelas socioculturalmente determinadas,

manifestando-se por meio de eufemismos, rodeios, marcadores de atenuação, graus de

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polidez, conflitos, mal entendidos, entre outros. Todos os aspectos da situação

comunicativa relativos aos participantes do discurso estão sujeitos à negociação,

resultando em uma construção social da realidade.

As estratégias textuais englobam estratégias de organização da informação,

estratégias de formulação, estratégias de referenciação e estratégias de

balanceamento (calibragem) entre explícito e implícito.

As estratégias de organização da informação são aquelas com base nos elementos

dados e nos elementos novos e nas estratégias de articulação tema/rema.

As estratégias de formulação são compostas por estratégias de inserção e por

estratégias de reformulação. As estratégias de inserção são representadas por

explicações, justificativas, ilustrações ou comentários, que apresentam, muitas vezes, a

função de melhor organizar o mundo textual, enquanto as estratégias de reformulação

podem ser retóricas ou saneadoras. A reformulação retórica realiza-se por repetições

e parafraseamentos, reforçando a argumentação, podendo, inclusive, estar ligada à

desaceleração do ritmo da fala, auxiliando na sua compreensão; e a reformulação

saneadora ocorre sob forma de correções ou reparos, solucionando dificuldades

encontradas pelos sujeitos interagentes do discurso.

As estratégias de referenciação apresentam a função de reativação de referentes,

por meio de recursos de ordem gramatical ou lexical, como sinônimos, hiperônimos,

entre outros.

As estratégias de balanceamento do explícito/implícito são construídas por meio

de sinalizações textuais obtidas na situação comunicativa por conhecimentos prévios,

conhecimentos intertextuais, entre outros.

Assim, as estratégias ligadas aos sistemas de conhecimento e aos processos de

construção de textos são realizadas no intuito de promover o processamento textual,

objetivando a produção de sentidos. Com isso, o texto é construído na intenção de

responder a certos objetivos, de acordo com a necessidade comunicativa dos sujeitos

do discurso, constituindo os gêneros textuais.

O termo gênero, na antiguidade, estava ligado aos gêneros literários, mas,

atualmente, tal expressão não se vincula, apenas, à literatura. Devemos perceber o

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gênero textual como um discurso específico, oral ou escrito, independente de ser ou

não literário. O gênero representa um processo comunicativo com características

específicas de acordo com a situação comunicativa.

Aristóteles (apud Marcuschi, 2008) na Idade Média, elaborou uma teoria sobre os

gêneros e sobre a natureza do discurso. O filósofo associou três gêneros de discurso

retórico a três tipos de julgamento: o discurso deliberativo, que servia para

aconselhar/desaconselhar, voltando-se para o futuro; o discurso judiciário, que servia

para acusar/defender, voltando-se para o passado e o discurso demonstrativo, que

servia para elogio/censura, voltando-se para o presente.

Atualmente, temos uma noção de gênero diferente da de Aristóteles, pois por meio

do discurso e da língua podemos responder a questões socioculturais construídas

pelo/no discurso. A língua passa a ser analisada no cotidiano, como parte interagente

comunicacional de nossa sociedade.

Podemos considerar que os gêneros textuais simbolizam uma categoria cultural do

mundo a significar e a partir das práticas comunicativas do cotidiano, o mundo se

torna significado pelas suas representações linguageiras. Assim, por meio de um

esquema cognitivo, o sujeito constrói um enquadre que precisa responder as suas

necessidades comunicacionais, visto que os gêneros estão ligados ao contexto e à

situacionalidade.

Os gêneros devem ser considerados como uma forma de ação social, construídos

por meio de uma estrutura textual organizada retoricamente, tornando-se fatos sociais

aceitos como verdades pela comunidade. Assim, a constituição interna dos gêneros

ocorrerá devido a estratégias convencionais para atingir determinados objetivos.

Apesar de uma estrutura “definida”, os gêneros apresentam uma fluidez

corporificada na linguagem, já que se constituem por meio de formas cognitivas e

culturais de ação social. Com isso, a comunicação verbal, que só é possível por algum

gênero textual, é realizada por meio de um enquadre de representações dinâmicas, cujo

limite se torna fluido.

A apropriação dos gêneros textuais está intrinsecamente ligada à socialização nas

práticas de atividades comunicativas, pois o sujeito interagente do discurso legitima os

seus dizeres, situados em uma relação social e histórica por meio da textualidade e das

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circunstâncias do discurso como fonte da produção de sentidos. Para melhor

entendimento do tema, Marcuschi (2008, p.155) assim definiu o termo:

Os gêneros textuais são os textos que encontramos em

nossa vida diária e que apresentam padrões

sociocomunicativos característicos definidos por

composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos

concretamente realizados na integração de forças históricas,

sociais, institucionais e técnicas (...) Alguns exemplos de

gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial

(...) Como tal, os gêneros são formas textuais escritas ou orais

bastante estáveis, histórica e socialmente situadas.

Os gêneros podem, então, ser definidos como toda e qualquer atividade humana

relacionada ao uso da língua, por meio de enunciados que apresentam um

envolvimento social. É importante conceituar, também, os termos tipo textual e

domínio discursivo, visto que ambos estão ligados aos gêneros textuais.

Há uma diferença entre gênero e tipo textual. Este é definido pela natureza

linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações

lógicas e estilos). Segundo Marcuschi (2008, p.154), os tipos textuais estão inclusos

nas categorias: narração, argumentação, exposição, descrição e injunção.

Já o domínio discursivo, que origina vários gêneros textuais, corresponde às

instâncias discursivas da esfera da atividade humana, constituindo práticas discursivas,

nas quais podemos identificar um conjunto de gêneros, como, por exemplo, o discurso

político, o discurso jornalístico, entre outros.

O estudo dos gêneros está, portanto, intrinsecamente ligado ao funcionamento da

língua e às atividades sociais e culturais, vistos como modelos não estanques,

constituídos de formas sociais e dinâmicas de representações linguageiras. Assim,

podemos definir os gêneros como entidades comunicativas construídas por aspectos

relativos a funções, propósitos, ações e conteúdos.

Segundo Marcuschi (2008, p.162):

Os gêneros são atividades discursivas socialmente

estabilizadas que se prestam aos mais variados tipos de

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controle social e até mesmo ao exercício de poder. Pode-se,

pois, dizer que os gêneros textuais são nossa forma de

inserção, ação e controle social no dia a dia (...) desde que

nos constituímos como seres sociais, nos achamos envolvidos

numa máquina sociodiscursiva. E um dos instrumentos mais

poderosos dessa máquina são os gêneros textuais, sendo que

de seu domínio e manipulação depende boa parte da forma de

nossa inserção social e de nosso poder social.

Constata-se, deste modo, a forte relação entre os gêneros textuais e o sistema de

controle social, corroborando o fato de a língua não ser, apenas, um sistema de

comunicação nem um simples meio simbólico para expressar ideias, tornando-se um

processo de integração social. Além disso, os gêneros se interpenetram para

constituírem novos gêneros e esta intergenericidade (Marcuschi, 2008, p.163) é

construída no intuito de um gênero assumir a função de outro, evidenciando a

plasticidade e a dinamicidade dos gêneros.

É importante diferenciar a intergenericidade, que está ligada às funções e às formas

de gêneros diversos da heterogeneidade tipológica, que se refere ao fato de um gênero

realizar sequências de vários tipos textuais, como por exemplo, uma carta pessoal, que

contém uma narração, uma argumentação e uma descrição. Dessa forma, a

constituição dos gêneros ocorre por meio das necessidades situacionais dos processos

comunicativos, envolvendo aspectos sociais e culturais da história discursiva

contextual.

Outro aspecto relevante acerca dos gêneros textuais é a questão do suporte, isto é, o

modo de manifestação material dos discursos, que não deve ser considerado, apenas,

como um instrumento para transportar uma mensagem, mas também como um

modificador do gênero discursivo. Nesse sentido, por meio do tipo de suporte, o

gênero assumirá novas características definidas pelo modo de circulação da

mensagem, pelo seu modo de utilização e pelo modo como ele se estabiliza para ser

transportado eficazmente. Segundo Marcuschi (2008, p.174):

(...) entendemos aqui como suporte de um gênero um locus

físico ou virtual com formato específico que serve de base ou

ambiente de fixação do gênero materializado como texto.

Pode-se dizer que suporte de um gênero é uma superfície

física em formato específico que suporta, fixa e mostra um

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texto (...) o suporte firma ou apresenta o texto para que se

torne acessível de certo modo. O suporte não deve ser

confundido com o contexto nem com a situação, nem com o

canal em si, nem com a natureza do serviço prestado.

Contudo, o suporte não deixa de operar como um tipo de

contexto pelo seu papel de seletividade.

O suporte pode ser definido por meio de alguns aspectos: o suporte é um lugar

(físico ou virtual); o suporte tem formato específico e o suporte serve para fixar e

mostrar o texto. Marcuschi (2008, p.177) classificou o suporte em duas categorias

distintas: os suportes convencionais, que são aqueles elaborados tendo em vista a sua

função de portarem ou fixarem textos, como livros, jornais, revistas, televisão,

telefone, entre outros; e os suportes incidentais, que são aqueles que apresentam uma

possibilidade ilimitada de realizações na relação com os textos escritos, como

embalagens, roupas, corpo humano, calçadas, paredes, muros, entre outros. Já os

correios, e-mail, mala direta, internet, homepage e site são considerados, pelo autor,

como exemplos de serviços em função da atividade comunicativa, não devendo ser

situados entre os suportes textuais, sejam os convencionais, sejam os incidentais.

Suportes, tipos textuais e gêneros textuais são conceitos fundamentais em qualquer

análise linguística. Os gêneros textuais são construídos, por meio do uso da língua,

inseridos em ato enunciativo, na tentativa de responder a questões de natureza

sociocultural, nas mais diversas formas de expressões comunicacionais.

No próximo tópico, discutiremos questões relativas ao discurso publicitário.

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68

2.6 Publicidade

Antes de iniciarmos o capítulo acerca da publicidade, é necessário que saibamos

que existe uma diferença entre os termos publicidade e propaganda. Sandmann (2012,

p.9) diz que, o termo propaganda, do latim propagare, expressa a ideia de necessidade

de propagar algo e o termo publicidade, do latim publicus, expressa o fato de tornar

pública uma ideia.

O termo propaganda é mais abrangente, pois significa a propagação de ideias, nas

questões éticas e morais; enquanto o termo publicidade é mais leve e sedutor, pois é

utilizado para a venda de produtos e de serviços, explorando o universo dos desejos

(Monnerat, 2003, p.14).

2.6.1 Linguagem verbal: valores e significâncias

Em nossos estudos, entendemos o termo publicidade como algo ligado à

mensagem comercial, enquanto o termo propaganda, mais geral, está relacionado a

mensagens política, religiosa, institucional e comercial. Essa pesquisa terá como foco

a publicidade, que envolve o universo dos desejos, da sedução. Há uma manipulação

disfarçada para envolver o receptor, sem deixar transparecer as verdadeiras intenções

do anunciante. Segundo Vestergaard/Schroder (2000, p. 47):

A primeira tarefa do publicitário, portanto, é conseguir que o

anúncio seja notado. Uma vez captada a atenção do leitor, o

anúncio deve mantê-la e convencê-lo de que o tema daquele

anúncio específico é do interesse dele. Além disso, o anúncio

tem de convencer o leitor de que o produto vai satisfazer

alguma necessidade – ou criar uma necessidade que até então

não fora sentida. Por fim, não basta que o cliente em

potencial chegue a sentir a necessidade do produto: o anúncio

deve convencê-lo de que aquela marca anunciada tem certas

qualidades que a tornam superior às similares.

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Assim, a linguagem publicitária cria um mundo perfeito e ideal, na tentativa de

convencer o outro acerca do que é pretendido comercializar. Devemos perceber que o

sujeito anunciante cria esse universo como não pertencente ao mundo dos sonhos, pois

se fosse dessa maneira, o sujeito receptor não acreditaria na possibilidade de

compartilhar tal cenário. A seguir, mostraremos dois anúncios publicitários sobre o

alimento integral com cereais Belvita, que exemplifica a ideia desse mundo perfeito e

ideal. Vale observar que tal campanha – protagonizada por artistas – se desenvolveu

em dois momentos. No primeiro, Grazi Massafera e Cauã Reymond estavam juntos;

no segundo, após a separação do casal, a protagonista é apenas a Grazi.

Publicidade de Belvita (2013)

(Figura 1)

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70

Publicidade de Belvita 2014

(Figura 2)

Podemos afirmar que a publicidade eficiente é aquela que encontra algo de

extraordinário para falar de coisas banais, pois o objetivo é tornar algo familiar, e ao

mesmo tempo, diferenciá-lo, destacando-o do comum. Devemos utilizar uma

linguagem própria, que se aproxima do receptor da enunciação discursiva, na tentativa

de seduzi-lo e de persuadi-lo, sobrepondo-se, inclusive, à própria informação. Segundo

Carvalho (1996, p.17):

O discurso publicitário é um dos instrumentos de controle social e, para

bem realizar essa função, simula igualitarismo, remove da estrutura de

superfície os indicadores de autoridade e poder, substituindo-os pela

imagem da sedução. (...) A palavra deixa de ser meramente informativa, e é

escolhida em função de sua força persuasiva, clara ou dissimulada. Seu

poder não é simplesmente o de vender tal ou qual marca, mas integrar o

receptor à sociedade de consumo.

Percebemos, então, a importância dos dizeres no contexto da publicidade. O

consumo pressupõe que o homem gira em torno das coisas, e a ideia de que possuir

objetos significa o alcance da felicidade é o foco da publicidade, que sugere que o

êxito e o bem-estar estão ligados à aquisição dos produtos comercializados. Há um

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convencimento sobre o receptor, tanto consciente quanto inconsciente, que gira em

torno da estrutura publicitária, marcada pela argumentação icônico-linguística.

A seguir, temos a publicidade da moto Next 250, que utiliza a figura feminina para

persuadir o futuro comprador da mercadoria, por meio da ambiguidade polissêmica,

contextualmente situada e, por isso mesmo, gerando um efeito malicioso de sentido.

Publicidade da moto Next

2013/2014

(Figura 3)

Na publicidade, o sujeito anunciador cria um laço de afetividade com o sujeito

consumidor, como se fossem grandes amigos. Essa interação entre os sujeitos

participantes do discurso é o gatilho para o desencadeamento da persuasão.

Observamos, então, que a integração do sujeito na sociedade de consumo é o grande

objetivo da publicidade, pois a simples aquisição do produto não o faz interagir no

mundo que o cerca.

Segundo Monnerat (2003, p.43): “Persuadir não é sinônimo de enganar; é o

resultado de certa organização do discurso que o constitui como verdadeiro para o

receptor.” Podemos inferir, com isso, que a publicidade contribui para o jogo cênico

discursivo, tendo a conivência dos sujeitos interagentes do discurso, isto é, tanto do

sujeito anunciante quanto do sujeito consumidor.

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Assim, para que a publicidade alcance o seu êxito, isto é, a criação de uma

organização que objetive lucros, a partir das necessidades e dos desejos do sujeito

consumidor, é necessário que a relação entre os sujeitos interagentes desse evento

comunicativo seja firmada de tal forma, que satisfaça ambas as partes.

Hoje em dia, o sujeito consumidor está muito mais exigente com relação à

qualidade dos produtos comercializados. Assim, as empresas estão atentas a estas

mudanças para atender aos clientes, tentando liderar as vendas no mercado comercial

competitivo.

Outro fator relevante para que a relação entre anunciante e consumidor gere bons

resultados é a identificação do tipo de consumidor real e usuário do produto. Peter

(2009, p.4) averiguou que até 2008, havia uma tentativa, por parte do sujeito

anunciante, de compreender os seus clientes, no entanto, sem informações detalhadas

acerca desse consumidor.

A partir de 2009, com a tecnologia da informação, o uso dos computadores

tornou-se o principal aliado das empresas, para que estas identificassem o real público-

alvo de seus produtos, os efeitos de marketing sobre ele e as possíveis mudanças no

plano publicitário, quando necessárias.

A internet passou, então, a fazer parte das estratégias da publicidade, pois o

marketing digital ampliou o acesso às informações sobre produtos e serviços. Deste

modo, o próprio local de compra de produtos foi alterado. O que antes era adquirido

apenas em lojas físicas, agora, pode ser feito via comércio eletrônico, ampliando as

possibilidades de compras pelo consumidor.

A Associação Americana de Marketing (apud Peter, 2009, p.6) define

comportamento consumidor como a “interação dinâmica entre afeto e cognição,

comportamento e ambiente por meio da qual os seres humanos conduzem na vida

atitudes relacionadas à troca”. Assim, tornamos pertinente a definição do ato de

linguagem como um processo enunciativo, envolvendo sujeitos entrepostos em

situações de existência situacional.

O processo de comunicação, na Teoria Semiolinguística, é mais do que um eu que

fala para um tu, em determinada hora e local. No evento publicitário, percebemos que

o sujeito consumidor está envolvido com pensamentos, sentimentos e suas ações no

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processo de consumo. Outros fatores também fazem parte da construção do sujeito

consumidor, como: comentários alheios, propagandas, preços, embalagens, aparência

do produto, entre outros, que influenciam a decisão de escolha pelo produto

comercializado.

Assim, essa interação entre o sujeito anunciante e o sujeito consumidor, que

acredita na felicidade plena por meio de aquisição de produtos de desejos, constitui o

contrato de comunicação da publicidade. A seguir, o esquema ato de linguagem

aplicado ao discurso da publicidade:

Ato de linguagem 1

(Quadro 6)

O sujeito comunicante, que representa o EUc publicista, precisa conhecer o

público-alvo de seus produtos, isto é, o “tu” da publicidade. Assim, consideramos

imprescindível o conhecimento dos sujeitos interagentes do discurso, para que o

contrato de comunicação alcance seu objetivo, isto é, seu funcionamento pleno.

Citamos como exemplo o caso da multinacional Kimberly-Clark Corporation, que,

ao lançar a linha Huggies de produtos para bebês, notou a queda considerável das

loções e das toalhas umedecidas de sua linha de produtos para banho. A técnica inicial

para melhor conhecimento de seus consumidores, que é a discussão em grupo (focus

groups), não foi capaz de detectar o problema com os referidos produtos.

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A empresa, então, investiu em uma nova abordagem por meio da instalação de

uma câmera embutida nos óculos dos consumidores, para identificar a maneira de

utilização do produto, da perspectiva do consumidor. Embora os consumidores

tivessem dito que a troca de fraldas dos bebês era feita na cama, a verdade é que a

troca realizava-se na cama, no chão e em cima da máquina de lavar. Assim, como

tinham de segurar a criança com uma das mãos, ficava difícil utilizar os produtos que

exigiam ambas as mãos para manuseá-los Dessa forma, a empresa redefiniu as

embalagens das toalhas umedecidas e das loções, acrescentando, no dispositivo de

abertura dos produtos, um botão de pressão que exige apenas o uso de uma das mãos.

Percebe-se, então, a relevância de se conhecer o sujeito consumidor e a maneira

como o produto é utilizado por esse sujeito. Notamos, no exemplo dado, que a

embalagem não é vista apenas como um mero atrativo ligado à aparência do produto, e

sim, também, como fator primordial de funcionalidade. Desta forma, ressaltamos que

o publicista precisa investigar a fundo o cotidiano dos consumidores, para que consiga

criar mecanismos de sedução e convencimento camuflados sobre os mesmos, de

maneira coerente e funcional.

Outro exemplo significativo acerca do comportamento do consumidor, que

interfere na elaboração do contrato de comunicação entre parceiros da publicidade, foi

a estratégia empregada pela empresa Thomson Eletronics, que procurou investigar

com que frequência as pessoas se sentam para ouvir um CD, em contraposição a ouvir

música ambiente. A empresa objetivava a criação de novos produtos eletrônicos neste

setor. A técnica empregada consistia no seguinte: toda vez que os consumidores

recebiam uma mensagem pelo celular, deveriam anotar o que estavam fazendo, em

que local se encontravam, se havia música no local, que tipo de música, se esta era

para escolha própria ou era para o ambiente, e qual era o seu estado de espírito no

momento. Investigavam o que as pessoas faziam quando estavam em casa e, também,

a localização do aparelho de som e como organizavam sua coletânea de música.

Desse modo, a empresa conseguiu criar estratégias publicitárias de convencimento

e sedução sobre o público-alvo, considerando o ato de linguagem como fato

linguageiro atravessado pelo social. Assim, a publicidade é investigada por meio de

significações psicossociais, situadas nos atos de linguagem.

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Podemos citar, também, o exemplo de caçadores de tendências que trabalham com

marcas de mochilas, roupas e sapatos para jovens em Nova York. Esses profissionais

frequentam as escolas e prestam atenção nas conversas dos jovens nos intervalos das

aulas, observando preferências, modos de fala, estilo de roupas, entre outras

características.

O caçador de tendência da marca Eastpak, escutando a conversa entre duas alunas

de 14 anos da Escola Norman Thomas, em Manhattan, observou que o assunto girava

em torno da cantora Lauryn Hill, das roupas da grife Old Navy e da série de filmes

Friends. O pesquisador também considerou curioso o fato de as meninas misturarem

frases em espanhol em suas conversas (como gíria), apesar de serem americanas.

Considerou relevante o fato de possuírem 8 mochilas diferentes da marca Janspot, para

combinar com vários tipos de roupas. Assim, a empresa obteve informações reais

sobre o público-alvo de seus produtos, para, então, formular estratégias que

possibilitassem a interação comunicativa entre os sujeitos do discurso publicitário.

Mais um exemplo curioso é a exibição dos filmes nos cinemas. Nos Estados

Unidos, normalmente, pré-estreias são exibidas para grupos de frequentadores de

cinemas, acompanhados por psiquiatras. O público assiste ao filme, respondendo as

perguntas dos profissionais, que observam a linguagem corporal e as respostas dadas

pelos entrevistados. A multinacional Miramax, responsável pelos filmes da Disney, de

acordo com as sugestões dos psiquiatras, alterou as pausas das falas das personagens,

para que as pessoas captassem melhor as mensagens não entendidas, inclusive,

modificando, também, várias palavras usadas na pré-estreia, como o que aconteceu

com o filme Marido Ideal (1999), de cuja descrição foi retirada a palavra comédia,

pois reduzia o público a um grupo que gostava, apenas, desse tipo de enredo.

Deste modo, percebemos como alguns dos princípios da Teoria Semiolinguística

do Discurso são empregados nos atos de linguagem da publicidade, pois os usos

linguageiros desse universo situacional estão embutidos no social, isto é, nas crenças,

nas ideologias e na história da sociedade.

Notamos, ainda, que a publicidade tem como objetivo não apenas a venda do

produto, simplesmente, mas também promover uma adesão do consumidor a um nome

ou a uma imagem. É preciso que haja uma receptividade duradoura junto ao público,

havendo uma impressão geralmente favorável daquilo que está sendo comercializado.

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Há uma imagem criada na publicidade que precisa ser compartilhada pelo

consumidor, fazendo-o sujeito ativo nesta relação firmada entre ambos. Deste modo,

há um enaltecimento da marca pela relação criada entre mercadoria e público,

atingindo um dos objetivos da publicidade, que é a sedução pelo convencimento da

necessidade de aquisição do produto.

A venda de bens e serviços negociáveis é realizada por meio de divulgação de

informações fornecidas pelas empresas, construindo uma imagem positiva por meio do

uso da linguagem utilizada nesse evento comunicativo. É de suma importância que a

linguagem aplicada na publicidade seja a mais próxima possível do público alvo, para

que a adesão ao que foi posto se concretize, por meio de uma persuasão camuflada e

sedutora.

Podemos citar, por exemplo, os anúncios de exibição colocados em destaque em

jornais e revistas. Tais anúncios procuram captar a atenção do leitor que, a princípio,

não estaria interessado em nenhum anúncio específico. Já os anúncios classificados

são lidos apenas por pessoas interessadas em certo produto ou serviço. Percebemos,

também, que os anúncios classificados, apesar de visarem à promoção de vendas, não

precisam utilizar elementos de persuasão, aproximando-se bastante da mera notícia.

Deste modo, a linguagem é construída sem o intuito de precisar convencer os

prováveis compradores a ler o anúncio, pois tal ação já é esperada de quem compra um

classificado.

É interessante notarmos que o consumo, nos dias atuais, deixou de ser uma mera

ação de satisfação das necessidades básicas, para tornar-se um ato de ostentação e

riqueza. Obter marcas famosas, produtos importados, bens de consumo, que elevam o

status do sujeito, tornaram-se prioridades na sociedade capitalista na qual vivemos,

tendo a linguagem publicitária um local de destaque nesta relação entre anunciante e

consumidor. Segundo Baudrillard (apud Pinto, 1997, p. 10):

A partir do momento em que a linguagem, em vez de ser

veículo de sentido, se carrega de conotações de pertença e se

transforma em léxico de grupo, em patrimônio de classe ou

de casta (...); a partir do momento em que a linguagem, de

meio de permuta, se transforma em material de troca, para

uso interno do grupo ou da classe- enquanto a sua função

real, por detrás da mensagem, muda para função de

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conivência e de reconhecimento; a partir do momento em

que, em vez de fazer circular o sentido, começa ela própria a

circular como santo-e-senha, no interior do processo de

tautologia do grupo (o grupo fala-se a si mesmo), transforma-

se em objeto de consumo e em feitiço.

Assim, a linguagem que consumimos na publicidade nos comunica algo

afetivamente, transformando nossos desejos em possíveis realidades. Há um feitiço

gerado por meio de palavras que seduzem ou devem seduzir, por meio de processos

discursivos inseridos em um jogo cênico criativo e encantador. Notamos, com isso,

que as fórmulas de encantar o público são pesquisadas minuciosamente pelo sujeito

anunciante, que procura, neste jogo manipulador, criar um laço de afetividade com o

sujeito destinatário/interpretante. A seguir, duas publicidades: uma representando o

Dia das mães, das Casas Bahia e outra, representando o Dia dos pais, do Pruden

shopping. Ambas utilizam a afetividade como persuasão sobre o futuro cliente.

Publicidade das Casas Bahia

2013/2014 (Figura 4)

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Publicidade do Pruden Shopping

2011

(Figura 5)

É importante percebermos que o produto se comunica com o sujeito consumidor,

criando tais laços afetivos construídos pela linguagem empregada. O sujeito

anunciante cria um ambiente favorável aos sonhos, porém construído por meio de

estudos sociológicos acerca do público alvo. Assim, a publicidade acaba ditando

regras e padrões sociais, na tentativa de inserir o consumidor nesta norma, visando

apenas a interesses comerciais.

A criatividade presente na publicidade pode seduzir o sujeito destinatário de tal

forma que este tem a impressão de que o sujeito anunciante pensou nele durante a

elaboração da mensagem publicitária. Quando isso acontece, a interação entre os

sujeitos da enunciação concretizou seu objetivo, que é a aprovação e a cumplicidade

do sujeito consumidor perante o evento comunicativo.

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Há uma identidade criada nos produtos que causa uma aproximação do público

com a marca veiculada, pois o sujeito anunciante constrói a capacidade de comunicar

do produto, por meio de simbolizações semióticas que geram intimidade entre marca e

consumidor. O produto ganha, então, essa identidade, por meio de qualidades

simbólicas construídas pelo sujeito anunciante.

Assim, pode-se ter a ideia de que o objeto comercializado apresenta uma

linguagem própria, específica e que, a partir do momento em que o produto passa a

valer pela imagem de si projetada na publicidade, a linguagem deixa de pertencer

apenas ao produto, transformando-se também na linguagem humana. Segundo Pinto

(1997, p.25):

Assim, o êxito ou o fracasso de um produto não se medem

tanto pela qualidade ou falta de qualidade do mesmo, mas,

sobretudo, pela sua capacidade de se encaixar no universo de

valores do consumidor e trazer os seus desejos à luz do dia,

assumindo-se como a possibilidade de satisfação destes.

Desta forma, percebemos a relevância da linguagem sedutora construída na

publicidade. Criar uma compatibilidade e uma empatia entre o mundo dos sonhos

verossímeis da publicidade e a realidade social do consumidor é o principal objetivo

do sujeito anunciante. Muitas vezes, a qualidade do produto e sua confiabilidade ficam

em segundo plano. Mostraremos, a seguir, um exemplo do mundo dos sonhos

verossímeis, por meio da publicidade do governo acerca do Programa Minha casa

minha vida, tendo a Presidenta Dilma Rousseff como garota propaganda:

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Publicidade do Governo

2014

(Figura 6)

Nesse caso, o apelo à emotividade do sujeito consumidor é muito maior do que a

própria especificidade do produto, visto que o que seduz não é a descrição física do

que se quer comercializar, mas sim a adesão ao produto por meio da emoção. O sujeito

anunciante não cria um anúncio publicitário partindo do produto, isto é, da

caracterização do mesmo, pois o seu ponto de partida está na posição sociocultural em

que o sujeito consumidor se encontra, criando estratégias que aproximem o sujeito

destinatário daquilo que se quer promover.

A partir dessas considerações, podemos entender o evento publicitário como uma

atividade claramente manipuladora, induzindo os sujeitos interagentes do processo

comunicativo a cumprirem regras de atuação social. Os anunciantes estão muito mais

preocupados com o posicionamento social dos consumidores do que com a simples

divulgação dos produtos comercializados.

A linguagem verbal une-se à linguagem imagética, compondo a identidade do

produto ou da marca, veiculando sua personalidade para que seja definida a estratégia

comunicativa adequada ao evento publicitário. A chamada de atenção para aquilo que

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se pretende comercializar é fundamental para o sucesso da publicidade, por meio de

mecanismos linguísticos que desempenham um papel crucial neste processo de

persuasão camuflada.

Ressaltamos que a linguagem da publicidade apresenta uma forte relação com a

ideologia, visto que, até certo ponto, ela manifesta o modo de ver o mundo de uma

sociedade no tempo e no espaço. Segundo Fiorin (apud Sandmann, 2012, p.34):

Ideologia (...) é uma visão de mundo e há tantas visões de

mundo numa dada formação social quantas forem as classes

sociais (sendo que) cada uma das visões de mundo apresenta-

se num discurso próprio.

Percebemos, então, que a linguagem da publicidade simboliza a expressão da

ideologia dominante, procurando satisfazer as aspirações humanas, com o objetivo de

vender uma ideia. Deste modo, o anunciante cria um discurso que enaltece

determinados valores aceitos pela classe dominante.

A imagem do produto exerce, portanto, um forte poder de sedução e de

convencimento sobre o consumidor, por meio de representações do ethos, criando um

elo entre o sujeito anunciante, que deseja vender o produto, e o sujeito destinatário,

que almeja adquirir um bem de consumo autenticado pela classe dominante.

2.6.2 Linguagem não verbal

A linguagem verbal e a não verbal fazem parte do nosso cotidiano, no intuito de

significarem dizeres que objetivam a concretude do ato de comunicação. Dispomos da

linguagem para construir sentidos, visto que a textura comunicativa, isto é, as relações

cotextuais (entre os elementos internos do texto) e as relações contextuais (entre os

elementos internos do texto e a situacionalidade) são elaboradas, muitas vezes, pela

relação intrínseca entre os elementos verbais e não verbais.

Segundo Aguiar (2004, p.11):

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(...) a palavra comunicação deriva do latim communicare,

cujo significado seria “tornar comum”, “partilhar”, “repartir”,

“associar”, “trocar opiniões”, “conferenciar”. Portanto,

historicamente, comunicação implica participação, interação

entre dois ou mais elementos, troca de mensagens entre eles,

um emitindo informações, outro recebendo e reagindo. Para

que a comunicação exista, portanto, deve haver mais de um

polo; sem o outro não há partilha de sentimentos e ideias ou

de comandos e respostas.

Para haver comunicação é necessário que os sujeitos interagentes do discurso

apresentem uma base estrutural comunicativa compartilhada, ou seja, é preciso que

haja uma relação dialógica, por meio de ideias e de temas de interesse comum. Devem

ser criadas relações com alguém ou com coisas do mundo para que o ato de

comunicação se instaure no universo das ideias transmitidas pelos signos linguísticos

por meio de um código preestabelecido pelos parceiros do discurso.

Há um processo de troca de pensamentos entre os indivíduos que interagem entre

si, possibilitando a construção de sentidos acerca do que é posto. Notamos, então, no

ato comunicativo, a instauração do processo social de interação, por meio de troca de

experiências significativas, promovendo um intercâmbio entre os membros da

sociedade.

Toda experiência vivida pelo sujeito é registrada e armazenada no plano cognitivo,

auxiliando o processo de comunicação humana à medida que se tenha necessidade de

construir sentidos no ato comunicativo. O indivíduo recorre à sua bagagem cultural,

emocional e cognitiva toda vez que precisa formular sentidos acerca do que é posto,

funcionando como agente do processo de comunicação.

Os signos verbais e não verbais são criados com o objetivo de significar sentidos

para um grupo pertencente à determinada sociedade. Tais sinais variam de acordo com

as crenças e com os aspectos culturais que cada comunidade linguística toma para si.

Segundo Aguiar (2004, p.25):

Verbais ou não verbais, criamos sinais que têm significado

especial para o grupo humano do qual fazemos parte. A

variedade de línguas faladas no mundo é um exemplo bem

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evidente do fenômeno, mas existem outros. O significado que

atribuímos às cores é um deles: se para nós, ocidentais, o

vermelho pode significar poder (e o manto do papa é dessa

cor), para algumas culturas africanas, ele está ligado ao luto,

pois evoca luta, sangue, morte.

Desse modo, observamos que as estruturas de pensamento das comunidades

humanas variam segundo suas experiências históricas, por meio de significações

próprias e que são moldadas pela bagagem cultural construída ao longo do tempo. Os

diversos códigos existentes, no sistema linguístico, foram elaborados no intuito de

favorecer interpretações acerca da comunicação, para gerar um melhor entendimento

entre os sujeitos discursivos.

Os recursos linguísticos utilizados para favorecer a construção de sentidos

dividiram-se, portanto, em dois grupos: o verbal e o não verbal. O grupo verbal,

formado por meio de uma linguagem articulada, é instaurado na própria língua,

enquanto o grupo não verbal é formado por meio de imagens sensoriais, visuais,

auditivas, cinestésicas, olfativas e gustativas.

A linguagem não verbal constitui-se de representações simbólicas de gestos,

músicas, cores e formas, fundadas nas vivências do mundo interior. O cérebro

humano, por meio do hemisfério direito, atua na interpretação dos signos, sendo o

responsável pelas associações feitas por meio de imagens, figuras, mitos, paisagens,

cores e fenômenos da natureza. Desse modo, há uma geração de sentidos, que

conectam o ser humano com as coisas do mundo e com os sujeitos que o cercam.

A linguagem não verbal está presente em várias situações do cotidiano, como a

publicidade, que utiliza metáforas, imagens e símbolos para promover o

convencimento sobre o outro. Segundo Aguiar (2004, p.35):

Há um outro tipo de comunicação humana que também

trabalha com as potencialidades do hemisfério direito: a

propaganda. Na linguagem publicitária temos rimas,

aliterações, jogos de sons, ambiguidades e toda sorte de

condensações de significado. Textos verbais e não verbais

transmitem mensagens de duplo sentido que nos induzem a

acreditar que, se usarmos determinado produto, vamos vencer

na vida e ser felizes. Os dois sentidos (usar um creme dental e

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encontrar a pessoa amada, por exemplo) não tem nada em

comum, porém a forma acoplada em que aparecem nos induz

a essa interpretação.

O discurso da publicidade perpassa, portanto, a simples decodificação dos signos

linguísticos para atuar em esferas mais subjetivas de formas expressivas com jogos de

palavras e sentidos subentendidos. O hemisfério direito está ligado, então, às formas

linguísticas voltadas para a área emocional do cérebro, que procura desvendar os

sentidos gerados pelas construções imagéticas e pelos seus pressupostos.

Assim, a escolha dos signos e sua distribuição para a construção dos sentidos é

fundamental no processo de elaboração da linguagem tanto verbal quanto não verbal.

Vale ressaltar que todo discurso é marcado por intenções comunicativas e construído

por meio de visões de mundo.

À medida que o signo gera sentidos por meio de representações do mundo e de

construções sociais, ele remete a algo fora de si para alcançar significações mais

amplas e subjetivas. Há uma produção social inserida na consciência dos sujeitos

interagentes do discurso, que extrapola a estrutura do que é posto para alcançar voos

interpretativos mais amplos e subjetivos.

A imagem, que apresenta elementos visuais em simultaneidade, segundo James J.

Gibson ( apud Neiva Junior, 1986), apresenta as seguintes propriedades: extensão na

distância, modelação em profundidade, verticalidade, estabilidade, ilimitabilidade, cor,

sombra, textura, integração por superfície, bordas, formas e interespaços e, por fim,

pluralidade de coisas que possuem significados e sentidos, que nos conectam com o

mundo.

Dentre as propriedades encontradas nas imagens, o espaço cromático está, cada vez

mais, ocupando uma posição de destaque nas diversas situações comunicativas, pois as

figuras e as ilustrações colaboram, fortemente, para a riqueza das mensagens. Assim, a

comunicação imagética atrai a atenção do receptor do discurso, possibilitando maior

entendimento acerca do que é apresentado.

Nesse sentido, pode-se que a percepção do mundo visível é altamente complexa e

que requer um estudo minucioso de seus componentes. A representação da imagem é

construída de forma cautelosa pelos sujeitos interagentes discursivos, pois cada

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elemento constitutivo desse universo é criado no intuito de gerar sentidos específicos

e, ao mesmo tempo, múltiplos.

A imagem publicitária, por exemplo, não apresenta apenas, como objetivo, a venda

do produto, pois há algo que extrapola a simples comercialização da mercadoria.

Notamos que o que está exposto visualmente nos coloca frente ao universo dos desejos

simbolizados pelo que é compartilhado na sociedade. O conteúdo imagético, muitas

vezes, se sobrepõe ao conteúdo verbal, significando muito mais do que as palavras.

Na publicidade, quase não há anúncios sem figuração, visto a importância desse

tipo de linguagem para gerar o poder de convencimento sobre o outro. Os próprios

elementos textuais, muitas vezes, são constituídos de imagens para melhor fixação

pelos receptores da mensagem.

Segundo Neiva Junior (1986, p.69):

O objetivo da imagem publicitária seria simplesmente vender

um produto? Certamente seriam insensatos os volumosos

gastos de produção e veiculação de anúncios se não houvesse

retorno de capital, mas, ao mesmo tempo, a imagem

publicitária enuncia uma afirmação de natureza sociológica: a

publicidade ilustra algo mais do que um produto; torna

visíveis ideias tidas como consensuais pela coletividade; sua

eficácia dependerá do reconhecimento que receber. A

imagem publicitária é sustentada por uma forte mitologia que

nos é comum: assim, ser visível simplesmente exprime a

verdade das representações. O slogan oraliza máximas que a

coletividade vive piamente como verdadeiras.

O conteúdo imagético, que funciona como um elo entre o mundo dos objetos e o

mundo social, corrobora as representações sociais embutidas no discurso publicitário.

Desse modo, essa imagem simboliza uma anunciação de trocas econômicas e reflete,

como um espelho, o comportamento dos sujeitos e suas atuações na sociedade.

Podemos considerar as cores com uma das propriedades de suma importância para

o processo de construção de sentidos das imagens. Assim, formulamos ideias por

meios simbólicos referentes à tonalidade dos objetos imagéticos. Segundo Pastoureau

(1997, p.66):

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A palavra cor tornou-se, em francês moderno, uma palavra

extremamente valorizadora. Isso não se passava nem no

francês antigo nem no francês médio, que a associavam

frequentemente à ideia de invólucro, de fardo, de disfarce, de

artifício e de embuste (etimologicamente, a palavra latina

color pode ser relacionada com a família do verbo celare, que

significa esconder). Hoje em dia, a palavra cor utiliza-se em

todos os contextos, designa múltiplos objetos, é “posta em

todos os pratos”. É uma palavra que, tal como aquilo que

designa, seduz, atrai, faz vender.

As cores simbolizam representações de mundo, por meio de processos cognitivos

instaurados no cérebro dos sujeitos. Podemos considerar a cor como um produto

cultural gerador de sentidos instaurados em nossa memória, tornando-se um artifício

de sedução e de convencimento sobre o outro. Imagens de colorido exuberante

apresentam uma força apelativa sobre o receptor, pois geram fascínio e chamam a

atenção pela beleza e pelo encanto de suas nuances.

Na cultura ocidental, por exemplo, a cor amarela é vista de diferentes formas,

como: cor da luz, do calor (cor das férias), da prosperidade, da riqueza (cor do ouro),

da alegria, da energia (cor das crianças), da doença (cor de enxofre, da acidez), da

loucura (associada ao verde), da mentira, da traição (cor de Judas), do declínio, da

melancolia e do outono. Segundo Guimarães (2000, p.29):

... o amarelo é a cor de maior luminosidade, enquanto o

violeta é a cor de menor luminosidade, ou seja, o amarelo é a

cor menos “bloqueada” e que, portanto, provoca maior

participação do receptor e também maior atenção. De todas

as cores, o amarelo é a de maior retenção mnemônica, ou

seja, de forma geral, é a cor que mais contribui para a fixação

da informação na nossa memória. Observe-se que o amarelo

assume, na sua simbologia contemporânea, a representação

da atenção e do alerta, sendo por isso usado nos códigos de

trânsito (dada também sua boa visibilidade de contraste

quando combinado com o preto) e até mesmo como cor dos

caracteres da escrita televisual, como cotações de moedas, da

bolsa de valores etc.

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Notamos, então, a importância da cor amarela para a percepção da informação

luminosa, pois a transmissão de sentidos por meio de aspectos cromáticos se torna

mais eficaz à medida que a cor se fixa com mais intensidade no cérebro do sujeito.

O Dicionário das Cores, de Michel Pastoureau (1997), apresenta uma ampla visão

acerca da história e da antropologia das cores, que são averiguadas como

representação social, na sociedade ocidental contemporânea. Desse modo, nossa

pesquisa se baseará na significação das cores apresentada nesse dicionário e vista pela

cultura ocidental, sabendo-se que, no Oriente, as cores podem apresentar significações

diferentes.

A cor azul, preferida de mais de metade da população ocidental, é vista como a cor

do infinito, do longínquo, do sonho (cor do céu, do horizonte), da fidelidade, do amor,

da fé (cor da Virgem Maria), do frio, da frescura, da água (cor das geleiras), do mundo

real e aristocrático (cor do Manto de consagração), e, também, é considerada um

subpreto (cor de jeans, do azul marinho).

A cor branca é vista como a cor da pureza, da castidade, da virgindade, da

inocência (vestes eclesiásticas, das virgens), da higiene, da limpeza, do frio, do que é

estéril (cor da neve), da simplicidade, da discrição, da paz (cor da neutralidade), da

sabedoria, da velhice (cor dos velhos sábios, dos cabelos brancos), da aristocracia, da

monarquia (cor do rei, do colarinho branco), da ausência de cor (cor dos fantasmas, da

oposição entre preto/branco), do divino (cor dos anjos, do paraíso).

A cor preta é vista como a cor da morte (cor das trevas, do luto), do pecado, da

desonestidade (cor da sujeira, da poeira), da tristeza, da solidão, da melancolia (cor do

sombrio, das ideias negras), da renúncia, da religião (cor dos corvos), da elegância, da

modernidade (cor dos objetos de luxo, da gravata preta), da autoridade (cor das vestes

dos juízes).

A cor verde é vista como a cor do destino, da fortuna, do dinheiro, da esperança (

cor do dólar, dos panos de jogos de cartas), da natureza, da saúde (cor dos vegetais, da

clorofila, das cruzes verdes das farmácias, na França; enquanto na Itália, são

vermelhas), da juventude, da libertinagem (cor da transgressão), da permissão, da

liberdade (cor da autorização do semáforo), do estranho (cor dos marcianos), do ácido

(cor do veneno).

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A cor vermelha é vista como a cor da beleza, a mais linda das cores (cor viva,

objeto de beleza), do signo, do sinal, da marca (cor dos preços de saldo, na

publicidade; da correção de provas), do perigo, da proibição (a luz vermelha dos

semáforos), do amor, do erotismo (cor das prostitutas, casa da luz vermelha), da

criatividade (cor que mexe e que atrai), da alegria, da infância (cor lúdica, dos

brinquedos vermelhos), do luxo, da festa (cor imperial), do sangue (A Cruz Vermelha,

cor do sangue de Cristo, da menstruação), do fogo (cor dos bombeiros, das chamas do

inferno), do materialismo (cor do comunismo).

Observa-se, como já dito, que os sentidos gerados por meio das cores estão ligados

aos aspectos culturais da sociedade. Há uma influência da cultura na percepção visual

das cores. Segundo Guimarães (2000, p.100):

Sabemos, por exemplo, que o preto é a cor do luto e da

tristeza na maioria das culturas ocidentais, enquanto na China

o luto se representa em branco. Nesse caso, a noção de cor é a

mesma, o preto como cor negativa e o branco como positiva;

o que modifica seu uso é a percepção da morte naquela

cultura, entendida como elevação espiritual, e do nascimento,

quase um castigo. Há também o caso dos esquimós, que tem

nomes diferentes para vários tons de branco, numa relação

muito mais forte do que a que temos com os diversos nomes

de verdes ...

Assim, cada cultura produz e analisa imagens cromáticas de acordo com suas

crenças, simbologias e conceitos acerca das coisas e do mundo. Podemos construir

argumentações atribuindo sentidos ao texto cromático, pois as cores nos ajudam a

compreender melhor o universo comunicativo. Há uma intencionalidade no uso de

cores com o objetivo de gerar sentidos, visto que os produtores dos discursos visuais

conhecem o potencial informativo desse tipo de texto cromático.A seguir, para melhor

entendimento acerca das cores e de seus sentidos, recorremos ao quadro referente às

cores, proposto por Santos (2013, p.79):

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Simbologia das cores

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(SANTOS, 2013, P.79)

(Quadro 7)

Percebemos, então, que a linguagem não verbal, por meio das imagens cromáticas

desempenha funções específicas direcionando o sentido das informações. Há uma

atribuição de significados construídos autonomamente pelas cores ou por integração

com outros recursos visuais, como formas, figuras, sons, entre outros. Assim, o

funcionamento da linguagem se estabelece com a utilização da cor, como recurso não

verbal, altamente significativo para o processo de formação de sentidos.

Importante considerar, também, para a construção do sentido o papel do não dito na

comunicação. É o que veremos no tópico a seguir.

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2.7 Implícitos

O conteúdo textual apresenta uma base informativa em sua superfície, que

colabora para a geração de sentidos, porém a interpretação total de um texto não se faz

apenas com o que está posto, visto que a matéria implícita complementa o sentido e,

muitas vezes, é a responsável pela compreensão/interpretação da mensagem. O não

dito contém uma carga semântica de suma importância para o processo comunicativo,

sendo, inclusive, um dos fatores para a instauração da coerência textual.

O processo de produção e de compreensão/interpretação textual está ligado ao

estabelecimento da coerência do texto, a qual se manifesta por diversos fatores, como:

conhecimento e uso de elementos linguísticos, conhecimento de mundo e fatores

pragmáticos e interacionais. Esses fatores estão ligados a determinados princípios

norteadores da ação interpretativa, tornando-se o conjunto de mecanismos utilizados

para o processamento textual.

A interpretação de um texto, por meio de seus implícitos, está ligada ao fator de

textualidade da aceitabilidade, isto é, o texto precisa ser útil e relevante para o

leitor/ouvinte cooperar com os objetivos do produtor textual. Assim, construímos

sentidos por meio de relações textuais, cognitivas e interpessoais, interagindo com o

texto e com os possíveis participantes do processo comunicacional.

Há, então, uma relação entre locutor e interlocutor, por meio de um contrato de

cooperação. Vale ressaltar, nesse momento, um conceito bem interessante: o Princípio

da Cooperação ou Princípio Cooperativo, elaborado por H. Paul Grice, filósofo

inglês, que desenvolveu teorias sobre linguagem e comunicação. Segundo Grice apud

Monnerat;Viegas (2012, p.48), os sujeitos discursivos, no ato de comunicação,

efetuam esforços cooperativos, com o objetivo de tornarem a comunicação efetiva.

São estabelecidas normas conversacionais que devem ser respeitadas e que são

denominadas máximas conversacionais, isto é, estratégias criadas pelo emissor das

mensagens para alcançar a aceitabilidade do receptor. São elas: a máxima da

quantidade, a máxima da qualidade, a máxima da relação e a máxima de modo. A

seguir, apresenta-se um quadro explicativo sobre tais máximas.

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Máximas conversacionais

(Quadro 8)

No ato comunicativo, o enunciador pode desrespeitar alguma ou algumas dessas

máximas, cabendo, então, ao leitor/ouvinte interpretar esse deslize linguístico do

sujeito locutor. Tal deslize é chamado por Grice de implicatura conversacional. Vale

ressaltar que essa infração conversacional é vista pelo receptor da mensagem como

algo intencional, realizada com algum propósito significativo. Com isso, muitos

implícitos podem ser observados, por meio da análise dessa implicatura

conversacional.

O conteúdo implícito (pressupostos e inferências) é tão importante para a

interpretação do sentido das mensagens quanto aquele que está explicitado na

superfície textual.

Segundo Platão e Fiorin (1998, p.244):

O subentendido difere do pressuposto num aspecto

importante: o pressuposto é um dado posto como indiscutível

para o falante e para o ouvinte, não é para ser contestado; o

subentendido é de responsabilidade do ouvinte, pois o

falante, ao subentender, esconde-se por trás do sentido literal

das palavras e pode dizer que não estava querendo dizer o

que o ouvinte depreendeu.

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Os pressupostos, então, estão inscritos na língua, isto é, são determinados por meio

de elementos linguísticos encontrados no texto e são tidos como sentenças

verdadeiras; enquanto as inferências (ou subentendidos) são construídas por meio de

interpretações acerca do que está posto e são tidas como sentenças tanto falsas quanto

verdadeiras. Exemplo: “Maria escovou os dentes vagarosamente”. Podemos pressupor,

por meio do advérbio “vagarosamente”, que Maria levou um tempo para escovar os

dentes e podemos inferir ou subentender que Maria estava com algum problema

dentário e por isso escovou seus dentes com mais atenção e com mais cuidado

(podendo ser esse ou não o motivo).

No caso dos pressupostos, há vários vocábulos que têm o poder de promover a

pressuposição, como: verbos que indicam mudança, continuidade ou término.

Exemplo: “Pedro deixou de sair nos finais de semana para estudar” (pressuposto:

Pedro saía nos finais de semana); advérbios com sentido próprio. Exemplo:

“Felizmente, Maria perdeu alguns quilos” (pressuposto: o emissor achou boa a notícia

do emagrecimento de Maria); orações subordinadas adjetivas restritivas. Exemplo:

“Pessoas que dormem cedo acordam bem dispostas” (pressuposto: as pessoas que não

dormem cedo podem acordar indispostas); ou explicativas. Exemplo: “As mulheres,

que são sensíveis, choram com facilidade” (pressuposto: todas as mulheres são

sensíveis); entre outros.

Segundo Monnerat;Viegas (2012, p.204):

As marcas que introduzem os pressupostos são os

marcadores de pressuposição, isto é, indicadores linguísticos

que ativam pressupostos. São marcadores de pressuposição:

certos conectores circunstanciais (já que, desde que, visto que

etc.); verbos que indicam mudança ou permanência de estado

(continuar, começar a, tornar-se, permanecer, etc.); verbos

implicativos (conseguir etc.); expressões iterativas (de novo,

novamente etc.); verbos iterativos (repetir, recomeçar etc.);

expressões temporais (depois de, antes de etc.); certas

conjunções (mas, entretanto, a despeito de, apesar de, etc.);

orações adjetivas etc.

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Há um preenchimento de lacunas (gaps), no mundo textual, que é realizado pelos

implícitos, na tentativa de elucidar problemas de continuidade de sentidos. No ato

comunicativo, portanto, o receptor da mensagem procura captar, por meio do que é

posto literalmente, o que se pretendia enunciar. A decodificação dos implícitos tem

como objetivo estabelecer relações entre ideias contidas no discurso para melhor

entendimento do texto. Assim, essas conexões funcionam como pontes de ligação

entre as partes constitutivas do discurso.

Nas inferências (ou subentendidos), elaboram-se ideias deduzidas, que apresentam

maior abstração. As inferências ocorrem na mente do leitor e são desenvolvidas no

momento ou no término da leitura do texto. Exemplos: “Está muito frio aqui dentro”

(inferências ou subentendido: o locutor quer que desligue o ar refrigerado); “A minha

mala está pesada” (inferência ou subentendido: o locutor quer a ajuda de alguém para

carregar sua mala) e “O suco está quente” (inferência ou subentendido: o locutor quer

que coloquem gelo em sua bebida).

Segundo Charaudeau (2012, p.44):

Quando definimos as circunstâncias do discurso, vimos que o

ato de linguagem, como evento de produção ou de

interpretação, depende “dos saberes supostos que circulam

entre os protagonistas da linguagem”. Estes saberes são

correlativos à dupla dimensão explícito/implícito do

fenômeno linguageiro.

Desse modo, percebemos uma junção entre os componentes explícitos/implícitos,

que gera a construção de sentidos sobre o discurso, visto que a informação se dará por

completo, caso o receptor considere tanto o que está posto quanto o que está nas

entrelinhas discursivas.

Dell’Isola (2001, p.44) conceitua inferência como

uma operação mental em que o leitor constrói novas

proposições a partir de outras já dadas. Não ocorre apenas

quando o leitor estabelece elos lexicais, organiza redes

conceituais no interior do texto, mas também quando o leitor

busca, extratexto, informações e conhecimentos adquiridos

pela experiência de vida, com os quais preenche os “vazios”

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textuais. O leitor traz para o texto um universo individual que

interfere na sua leitura, uma vez que extrai inferências

determinadas por contextos psicológico, social, cultural,

situacional, dentre outros.

Os indícios, por conseguinte, levam-nos a inferir sobre determinados fatos, que

expressam possibilidades acerca do que é posto. Com isso, essas deduções pelo

raciocínio expressam opiniões sobre algo, por meio de considerações possíveis e

prováveis. Vale ressaltar que o grau de probabilidade das inferências (ou

subentendidos) varia com as circunstâncias.

As inferências atuam fortemente na construção do universo discursivo, por meio

do conhecimento de mundo e do conhecimento compartilhado entre os sujeitos

discursivos, visto que a informação nem sempre ocorre na superfície textual. Assim,

que parte da mensagem, em muitos casos, só pode ser decodificada por meio de

suposições justificadas que auxiliam o receptor da mensagem no processo de

construção dos sentidos.

Segundo Charolles (apud Koch e Travaglia, 2011, p.71), as inferências podem ser

classificadas em diferentes tipos: substanciais, inalienáveis ou necessárias, aquelas

que são obrigatoriamente feitas. Exemplo: “Maria tem uma BMW” (inferência: Maria

tem um carro); convidadas ou possíveis, aquelas que podem ou não ser feitas.

Exemplo: “Maria tem um carro” (inferência: Maria tem carteira de motorista);

contextuais, aquelas que variam de acordo com o contexto. Exemplo: “Você sabia que

a Maria está fazendo dieta?” (pode ser uma indireta para o receptor também fazer

dieta) e retroativas ou para trás, aquelas que são feitas a partir de algo dito

posteriormente. Exemplo: “Maria está acabada” (ela envelheceu - acabada = feia ou

ela dançou a noite inteira – acabada = cansada).

Segundo Koch e Travaglia (2011, p.73):

Sempre se podem fazer muitas inferências a partir de

elementos de um texto. Como limitar essas inferências apenas

às necessárias e/ou relevantes à interpretação autorizada pelo

texto e desejada pelo seu produtor? De acordo com Brown e

Yule (1983), um problema que se levanta para toda tentativa

de incorporar o conhecimento do mundo ao processo de

compreensão do texto é encontrar um meio de limitar a

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incorporação de dados desse conhecimento ao estritamente

relevante, na interação.

Ao fazermos inferências, é preciso, portanto, cautela e cuidados para não extrapolar

o sentido do texto. Ainda, conforme os autores, devemos observar alguns meios para

limitar as inferências, tais como: o contexto linguístico (cotexto), o contexto

situacional, a cooperação retórica, a força ilocucionária do enunciado e a tarefa do

ouvinte e, por fim, a focalização textual.

Marcuschi (apud Dell’Isola ,2001, p.78) propôs a classificação das inferências em

três grupos: as inferências lógicas, as inferências analógico-semânticas e as

inferências pragmático-culturais.

As inferências lógicas são aquelas feitas em situações do cotidiano e são divididas

em: inferência dedutiva, que é elaborada por meio de enunciados mais gerais,

validando a ideia exposta, isto é, se a premissa e o raciocínio forem verdadeiros, a

conclusão nunca poderá ser falsa. Exemplo: A lei assegura o direito da criança a

estudar. Paulo tem oito anos. Portanto, Paulo tem direito ao estudo; inferência

indutiva, que apresenta uma conclusão compatível com a premissa, em virtude de

certos conteúdos relacionados a pontos de vista quantitativos. Vale ressaltar, que nesse

caso, as premissas podem não sustentar a conclusão. Exemplo: Muitos prefeitos são

ladrões. Paulo é prefeito (Paulo é ladrão – podendo não ser); e a inferência

condicional, que é gerada de enunciados hipotéticos. Exemplo: Ao abrir a geladeira, a

luz interna se acenderá. A luz não acendeu, logo deve estar queimada.

As inferências análogo-semânticas são aquelas que abrangem um grande número

de ocorrências, sendo divididas em: inferência por identificação referencial, que

especifica os antecedentes, como pronomes, ações ou eventos. Exemplo: Carlos

comprou um livro. Ele esteve no shopping hoje; inferência por generalização, que é

construída por meio de generalizações de propriedades, de características ou de

qualidades, podendo conduzir a erros. Exemplo: Conheço três atrizes que são muito

doidas. Portanto, as atrizes são doidas; inferência por associação, que acontece

quando o sujeito relaciona um fato a outro. Exemplo: Maria está apaixonada e deixou

os estudos. A paixão afasta os estudos; inferência por analogia, que ocorre pela

presença de um pressuposto de caráter hipotético, que torna a conclusão apenas

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provável ou verossímil. Exemplo: Experimentos em macacos para cura de alguma

doença humana causam efeitos colaterais. O leitor/ouvinte por analogia (entre a

fisiologia de homens e macacos) acredita que os humanos também terão efeitos

colaterais; inferência por composição e decomposição, que é gerada das partes do

discurso para a sua totalidade (composição) ou do todo para as partes (decomposição).

Exemplo: A mãe vestiu o bebê (vestiu as roupas no bebê). A mãe colocou as roupas no

bebê (vestiu).

As inferências pragmático-culturais são aquelas construídas por meio de

conhecimentos pessoais, de crenças e de ideologias dos sujeitos e são divididas em:

inferência conversacional, que ocorre nas manifestações orais. Exemplo: as

entonações, a postura, os gestos, o olhar, entre outros; inferência experiencial, que

ocorre por meio da experiência do sujeito. Exemplo: A polícia chegou. Do ponto de

vista de minha experiência, eu concluo que algo aconteceu, pois a polícia é

responsável pela segurança pública; inferência avaliativa, que é construída por meio

de julgamentos formados pelas crenças, valores e conhecimento de mundo do receptor

do texto. Exemplo: a nudez, que pode ser vista de diferentes formas pelos indivíduos,

como algo natural ou como algo imoral, e por fim, inferência cognitivo-cultural, que é

aquela marcada pela interferência cultural do indivíduo, isto é, pela maneira de viver e

de ver a vida. Exemplo: cada pessoa constrói um sentido sobre o tema religião.

Para melhor visualização do desmembramento de cada grupo, mostraremos a seguir

o quadro referente ao Esquema Geral das Inferências:

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Esquema geral das inferências

(Quadro 9)

Nesse sentido, é possível perceber o universo de possibilidades acerca da

construção das inferências como informações semânticas não explicitamente

estabelecidas no texto, desde que em um contexto de discurso estabelecido. Assim, o

contexto é de suma importância para a extração das inferências. Dell’Isola (2001,

p.91) considera cinco tipos de contexto para promover uma boa interação entre os

sujeitos discursivos. São os contextos cultural, situacional, instrumental, verbal e

pessoal.

O contexto cultural é formado por convenções culturais, que influenciam o

conhecimento acerca do mundo e das coisas e, consequentemente, inferências

diferentes são produzidas de acordo com essas convenções; o contexto situacional é

formado por circunstâncias que cercam o texto, como instruções, objetivos da leitura e

ilustrações; o contexto instrumental está ligado às formas pelas quais o texto pode ser

recebido pelo sujeito, como a leitura e a audição, que representam dois veículos

distintos de captação textual; o contexto verbal, representado pelo conteúdo linguístico

discursivo, apresenta propriedades linguísticas particulares, tais como: referência

pronominal, vinculação léxica e marcadores discursivos, entre outros; e por fim, o

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contexto pessoal, responsável por conhecimento, por atitudes e por fatores emocionais

do leitor/ouvinte.

Os conteúdos implícitos são importantes na “economia da comunicação”, evitando

a veiculação de informações desnecessárias. Quando tentamos desvendar os segredos

do texto por meio dos implícitos, procuramos estabelecer hipóteses que precisam ser

justificadas, pois o leitor precisa colocar em prática uma experiência imaginária para

construir sentidos sobre o não dito. A descrição semântica pelo que não está posto

baseia-se em uma hipótese formulada por conhecimentos de mundo e,

consequentemente, pela bagagem cultural construída pelo sujeito ao longo de sua vida.

Com relação aos subentendidos, segundo Garcia (2006, p.303):

... há inferências extremamente prováveis e inferências

extremamente improváveis (...) É o maior ou menor grau de

probabilidade que condiciona o nosso comportamento diário

e o nosso juízo em face das coisas e pessoas. Se o céu está

carregado de nuvens densas que obscurecem o sol, é provável

que chova; levo o guarda-chuva. Se o professor, durante

anos, nunca faltou a uma aula, deixou de comparecer hoje, é

provável que esteja doente, vamos visitá-lo ao telefonar-lhe

(...) Não obstante: pode não chover, o professor pode estar

viajando...

Percebemos, com isso, que o comportamento sobre determinados indícios é

realizado por meio de inferências, e não por fatos ponderáveis e mensuráveis. Os

indícios são argumentos persuasivos do discurso, sem apresentar um grau de certeza

sobre o que pode ser deduzido. De qualquer forma, a interpretação semântica dos

elementos implícitos torna-se fundamental para o processo de formação de sentidos,

pois sabemos que nem tudo está marcado linguisticamente.

O leitor/ouvinte, ao decodificar os implícitos, deve notar que o sentido construído

por meio de seus saberes decorre de uma multiplicidade de fatores, que colaboram

para o bom entendimento do texto, tais como saberes linguísticos, discursivos,

cognitivos, culturais e interacionais.

Os elementos linguísticos encontrados na superfície textual, por exemplo, atuam

como pistas para a elaboração dos pressupostos, colaborando para a construção de

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sentidos e para a ativação cognitiva das informações armazenadas na memória. O

modo de organização dos elementos linguísticos e sua estruturação sintática e lexical

permitem ao leitor/ouvinte captar a orientação argumentativa do texto, possibilitando

detectar os possíveis implícitos, por meio da base textual.

A intimidade com as letras e a abrangência de conhecimentos acerca dos diversos

escritos e dos falares também auxiliam o receptor da mensagem a entender e a

interpretar com mais facilidade o texto. Quanto maior o conhecimento do léxico e o

entendimento sobre as diversas situações de uso da língua, maior será a capacidade de

percepção dos implícitos textuais. O leitor/ouvinte precisa entender a necessidade de

tornar-se, segundo Bechara (1999, p.38), um “poliglota da própria língua”, isto é, de

saber utilizar o seu discurso de acordo com o contexto e com a situacionalidade.

Essa percepção de se colocar diante das diversas situações comunicativas faz parte

do conhecimento de mundo adquirido pelo sujeito, com base em suas experiências de

vida. A vivência cultural, discursiva e emocional faz parte desse processo de

interpretação textual, colaborando, também, para o indivíduo detectar os implícitos no

texto. Assim, armazenamos tais conhecimentos em blocos, que se denominam

modelos cognitivos. Segundo Koch e Travaglia (2009, p.72):

Existem diversos tipos de modelos cognitivos, entre os

quais podemos citar: a) os frames- conjuntos de

conhecimentos armazenados na memória sob um certo

“rótulo”, sem que haja qualquer ordenação entre eles; ex.:

Carnaval (confete, serpentina, desfile, escola de samba,

fantasia, baile, mulatas, etc.), Natal, viagem de turismo; b) os

esquemas- conjuntos de conhecimentos armazenados em

sequência temporal ou causal; ex.: como pôr um aparelho em

funcionamento, um dia na vida de um cidadão comum; c) os

planos- conjunto de conhecimentos sobre como agir para

atingir determinado objetivo; por exemplo, como vencer uma

partida de xadrez; d) os scripts- conjuntos de conhecimentos

sobre modos de agir altamente estereotipados em dada

cultura, inclusive em termos de linguagem; por exemplo, os

rituais religiosos (batismo, casamento, missa), as fórmulas de

cortesia, as praxes jurídicas; e) as superestruturas ou

esquemas textuais- conjunto de conhecimentos sobre os

diversos tipos de textos, que vão sendo adquiridos à

proporção que temos contato com esses tipos e fazemos

comparações entre eles.

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Desse modo, o leitor/ouvinte constrói sentidos, por meio de informações captadas

em suas experiências, na tentativa de construir determinadas possibilidades

interpretativas. Com isso, produtor e leitor/ouvinte participam ativamente do processo

de criação textual, visto que, ao decifrar implícitos tanto por meio de pressupostos

quanto por meio de inferências (ou subentendidos), ambos se tornam sujeitos

participantes do universo linguístico textual.

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3. METODOLOGIA

Apresentaremos os métodos e os procedimentos adotados para o desenvolvimento

da pesquisa. Consideramos de suma importância que as técnicas empregadas sejam

descritas detalhadamente, para que os dados coletados, durante a análise do corpus,

sejam qualificados adequadamente.

3.1 Constituição do corpus

O corpus da pesquisa é composto por doze embalagens de dentifrícios, sendo

analisadas seis embalagens antigas, entre as décadas de 1920 e 1970, retiradas do site

https://www.google.com.br/search?q=imagens+antigas+de+cremes+dentais+infantis,

acessado no dia 06 de junho de 2013 e seis embalagens atuais, entre 2013 e 2014 (três

destinadas às meninas e três destinadas aos meninos), retiradas do site

https://www.google.com.br/search?q=imagens+de+cremes+dentais+infantis, acessado,

também, no dia 06 de junho de 2013 . O espaço temporal foi estipulado de acordo com

a necessidade de observarmos as diferenças constitutivas das embalagens em épocas

distintas.

3.2 Procedimentos de análise

Analisaremos as imagens contidas nas embalagens dos dentifrícios de acordo com

a teoria Semiolinguística, cujas representações discursivas extrapolam a estrutura da

língua. Observamos os papéis sociais dos sujeitos interagentes do discurso,

evidenciando os contornos da linguagem, marcados por posições extralinguísticas.

A análise está voltada para o sistema semiológico imagético, criado por um sujeito

intencional que visa o uso estratégico da língua. Os conteúdos não verbais encontrados

na publicidade serão analisados, observando: posição dos elementos, cor, brilho e foco

das imagens, intencionalidade, aspectos explícitos e implícitos. Os textos verbais

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também serão analisados, sendo observados: tamanho da fonte, posicionamento, cor e

forma das letras e intenções.

A publicidade deve ser analisada na sua totalidade, isto é, tanto a parte verbal

quanto a não verbal devem ser investigadas como um todo significativo. Vale ressaltar

que a imagem não apresenta apenas uma configuração, pois além da reprodução do

real, puramente denotativa, há outra simbólica, altamente conotativa.

Devemos, também, ao analisar um corpus na publicidade, observar todos os

aspectos referentes ao produto, tanto explícitos quanto implícitos, pois o conjunto

dessas informações contribuirá para a formulação dos sentidos pretendidos pelo sujeito

anunciante.

As embalagens de dentifrícios para crianças serão avaliadas de acordo com vários

aspectos da Teoria Semiolinguística, tais como o ato de linguagem, o contrato de

comunicação, os sujeitos de linguagem, a identidade social/identidade discursiva e a

semiotização do mundo. Investigaremos, também, o ethos, as representações sociais,

os imaginários sociais, as ideologias, as relações internas e externas do texto, a

linguagem verbal e não verbal da publicidade e a presença dos implícitos.

A seguir, os quadros que “mapearam” processo de análise do corpus.

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Ato de linguagem 2

(Quadro 10)

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105

Contrato de comunicação

(Quadro 11)

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Sujeitos do ato de linguagem

(Quadro 12)

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Identidade social/discursiva

(Quadro 13)

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Semiotização do mundo

(Quadro 14)

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Ethos

(Quadro 15)

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Representações sociais

(Quadro 16)

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Imaginários sociais

(Quadro 17)

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Ideologias

(Quadro 18)

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Texto (relações internas/externas)

(Quadro 19)

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Publicidade – linguagem verbal

(Quadro 20)

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Publicidade – linguagem não verbal

(Quadro 21)

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Implícitos

(Quadro 22)

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117

4.ANÁLISE DO CORPUS

Após a fundamentação teórica da pesquisa, iniciaremos a análise das embalagens

de dentifrícios para crianças.

ANÁLISE 1

- Embalagem atual

- Ano de veiculação: 2013/2014

- Marca: Ultra Action Kids

- Tema: As princesas (Cinderela, Branca de Neve e Ariel)

A embalagem com a imagem das princesas Cinderela, Branca de Neve e Ariel

simboliza um ato de linguagem envolto por representações linguageiras que constroem

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significados supostamente inocentes acerca do universo infantil feminino. Notamos

que há uma intencionalidade do sujeito publicista em construir um universo feminino

com base nas feições e no comportamento singelo e afetivo das personagens, que

fazem parte dos sonhos e dos desejos das meninas.

Tudo o que está exposto na superfície da embalagem parece apenas enaltecer a

questão do belo, por meio de uma mise-en-scène construída com base no que é aceito e

valorizado pela sociedade, como aspectos ligados ao tipo físico, ao modo de vestir e de

se comportar diante do mundo e da sociedade. Percebemos, pois, que o sentido da

mensagem extrapola o que está posto e que o sujeito intencional deseja, por meio

dessa embalagem, seduzir, convencer e, até mesmo, persuadir o futuro consumidor a

adquirir o produto, sabendo que o apelo afetivo sobre as personagens Cinderela,

Branca de Neve e Ariel é extremamente forte e atraente.

As máscaras discursivas construídas por meio das princesas e do que elas

representam na mente das meninas exteriorizam e refletem o que socialmente é

partilhado. Fragilidade, delicadeza e feminilidade estão instauradas nas entrelinhas

textuais, complementando, por meio dos implícitos, essa mensagem publicitária.

O contrato de comunicação, então, é firmado entre os parceiros do discurso, visto a

relação construída entre aquele que oferece o produto e aquele que pretende consumi-

lo. Para que o contrato de comunicação alcance êxito, três componentes precisam ser

devidamente averiguados. São eles: o componente comunicacional, o componente

psicossocial e o componente intencional.

O componente comunicacional dependerá do contexto no qual os sujeitos estarão

inseridos e, consequentemente, de como eles entraram em contato com as embalagens,

como por meio de revistas, de outdoors, de contato direto em supermercados, entre

outros. Assim, o canal que faz a ligação entre os sujeitos desse ato de comunicação se

estabelecerá.

O componente psicossocial dependerá de como o consumidor dos dentifrícios se

relacionará com o produto. Em relação a essa mercadoria, cuja embalagem é

fortemente fator determinante para sua aquisição, o sujeito, no caso a menina ou a sua

mãe (visto que as mulheres são as consumidoras mais assíduas dos produtos de

higiene pessoal) deverão criar um laço de identificação com as princesas, para que a

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compra se efetue. Pensemos, por exemplo, na hipótese de um menino se identificar

com o mundo das princesas e queira consumir produtos com esse tema. Será que a

mãe o estimularia a consumi-los? Pouco provável.

O componente intencional está ligado ao apelo que o sujeito anunciante faz para

conseguir a permanência dos que já adquirem o dentifrício e, também, para conseguir

a adesão daqueles que ainda não o utilizam. Desse modo, a embalagem, ao retratar

imagens de três princesas de épocas distintas, já que a Branca de Neve e a Cinderela

existem há mais tempo do que a Ariel, englobará uma parcela maior de possibilidade

de adesões.

Vale ressaltar que os sujeitos envolvidos nessa relação contratual participam de um

duplo circuito: externo e interno. O circuito externo, isto é, aquele composto por

parceiros exteriores ao discurso, compreende seres reais, com identidade psicossocial

(seres do fazer, da ação). Tais sujeitos são representados por um EU comunicante e

por um TU interpretante, enquanto o circuito interno, ou seja, aquele composto por

protagonistas pertencentes ao discurso, compreende seres do imaginário, da palavra

(seres do dizer, da fala). Tais sujeitos são representados por um EU enunciador e por

um TU destinatário.

Nas embalagens de dentifrícios para crianças, o EU comunicante é representado

pelo publicista, responsável pela produção do evento comunicativo, que se dirige a um

TU destinatário, que é o consumidor idealizado, ou seja, aquele que o EU acredita ser

adequado ao seu propósito comunicativo. Já o TU interpretante, responsável pelo

processo de interpretação, constrói uma imagem do EU locutor, que por sua vez, acaba

descobrindo-se um outro ser (EU enunciador).

Assim, fica estabelecida a relação sociointerativa entre os sujeitos do discurso,

resultando na construção de identidades que fortalecem a imagem do sujeito

linguageiro. A identidade social criada pelo publicista, por meio da imagem das

princesas Cinderela, Branca de Neve e Ariel está ligada ao que é esperado pela

coletividade. Desse modo, o público-alvo (as meninas e suas mães) se sentirá atraído

pela representatividade das princesas, como mulheres de caráter, íntegras e de moral

inabalável.

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120

Consumir o dentifrício, que apresenta as princesas em sua embalagem, é colocar a

menina no mesmo patamar dessas representantes do bem, pois o que é atribuído

socialmente às mulheres está intrinsecamente ligado ao universo da pureza, da

sobriedade e da postura perante a vida. Estar em contato diário com a imagem das

princesas, por meio do dentifrício, significa corroborar os traços psicossociais do

gênero feminino.

Há uma influência sobre o gênero feminino ligada à legitimidade imposta pela

figura das princesas, pois elas representam saberes reconhecidos institucionalmente,

como mulheres delicadas, frágeis e que precisam de um príncipe encantado para fazê-

las felizes. A mãe, ao adquirir o dentifrício com a embalagem das princesas, está

legitimando a si e à própria filha, por meio de valores e de significados construídos no

mundo.

O publicista, ao criar as embalagens com a imagem das princesas, está se

posicionando no aqui e no agora, por meio de suas crenças e de seus valores acerca do

mundo e das coisas. Assim, a sua identidade fica registrada no ato de comunicação,

configurando intenções e finalidades discursivas.

Outro fator relevante na construção das representações linguageiras é a questão da

identidade discursiva, que necessita de estratégias de credibilidade e de captação.

Quanto à credibilidade, o publicista tem o objetivo de criar um produto que atraia o

consumidor e que o faça adquiri-lo constantemente. Construir uma embalagem que

leve o outro a mergulhar no mundo dos sonhos e a compartilhar de tal universo pode

representar a possibilidade de ser acreditado e de ganhar a confiança do consumidor,

por meio de uma suposta sinceridade, que cative o outro.

É como se o publicista dissesse: “Olha, eu gosto tanto das princesas quanto você.

Que tal comprar meu produto para ficar mais perto delas?” Desse modo, o publicista

defende uma imagem de si, na tentativa de ganhar credibilidade perante o público

alvo. Com isso, percebemos uma atitude de engajamento, visto a posição que o sujeito

toma acerca da imagem veiculada na embalagem.

Nas estratégias de captação, o publicista planeja táticas para promover a adesão aos

seus dizeres. A imagem das princesas é compartilhada e aceita entre as meninas, que

fantasiam um mundo encantado cor de rosa composto por príncipes, castelos e

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carruagens. O publicista, por meio do universo dos sonhos e da sedução contido nas

embalagens de dentifrícios para crianças, cria a possibilidade do “fazer crer”,

resultando em um “dever crer”. Há uma tentativa de convencimento sobre o público

alvo, por meio de uma atitude de sedução, que traz o outro para si e,

consequentemente, para a concretização do seu objetivo, que é a aquisição e o uso

constante do produto.

Percebemos, então, que essas estratégias funcionam com o objetivo de criar adesão

ao que é posto. Desse modo, torna-se necessário o compartilhamento de ideias para

que o ato comunicativo se concretize. A construção de sentidos de uma mensagem é

elaborada a partir de um mundo a significar, que se transforma em um mundo

significado.

Na embalagem analisada, percebemos esse processo de transformação, por

exemplo, na forte presença da identidade descritiva, isto é, dos adjetivos. Ao qualificar

o flúor como “morango mágico”, o publicista cria um universo lúdico e encantado

sobre um componente do dentifrício, que teoricamente não atrairia nenhuma criança

(qualificação). Notamos, também, a presença da identidade nominal, ou seja, da

identificação pelo uso de substantivos, como a logomarca “Disney”, que impõe uma

credibilidade àquilo que está sendo representado (identificação). Assim, a maneira de

se pensar o mundo fica registrada na embalagem do produto.

O sentido também se estabelece pela relação criada entre o receptor e o mundo

significado. Nesse processo de transação, por exemplo, o publicista precisa conhecer o

público alvo para saber de que maneira ele irá encenar o discurso para promover a

interação. Desse modo, no caso dos dentifrícios, a mensagem deve despertar nas

meninas uma condição de legitimidade. É preciso que a presença da Cinderela, da

Branca de Neve e da Ariel, na embalagem, seja justificada para que as meninas

estabeleçam essa troca comunicativa (princípio da alteridade).

O processo de transação também envolve outro aspecto: o publicista utiliza a

imagem das princesas para capturar o público alvo, pois há uma finalidade intencional

nessa relação. Há uma tentativa incessante de buscar uma adesão sedutora, que

aproxime as meninas da figura das princesas, como um atrativo para o consumo do

dentifrício (princípio da influência).

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Notamos, pois, que a imagem criada pelo publicista reflete o seu modo de pensar o

mundo. Com isso, ele cria uma imagem de si no discurso. Ao escolher as princesas

Cinderela, Branca de Neve e Ariel como representantes legítimas da embalagem do

dentifrício, define-se o caráter do publicista, na tentativa de construir uma

credibilidade acerca daquilo que está veiculando. Percebemos, novamente, uma

intencionalidade persuasiva sobre o público alvo. O mundo encantado e dos sonhos

torna o anunciante digno de confiança, na procura de envolver as meninas, por meio

de suas virtudes morais.

A escolha das princesas para representar a figura do ethos não foi aleatória, visto o

investimento nesse tema, garantindo o sucesso do empreendimento discursivo. Para

isso, o publicista elabora as embalagens de dentifrícios para crianças pesquisando

minuciosamente temas que possam seduzir e envolver o público alvo, como o das

princesas, que possuem um forte apelo afetivo. Assim, entra em cena o termo inventio,

que diz respeito à própria criação. A escolha das personagens, das cores, do léxico,

enfim, toda a elaboração da imagem verbal e não verbal faz parte da criação da

embalagem, como suporte para o discurso.

A inventio deve vir acompanhada pelo modo de encadeamento das partes do

discurso (dispositivo), como, por exemplo, a construção de sentidos entre a parte

verbal e não verbal. As princesas nos remetem a um mundo infantil de sonhos e de

fantasias, logo, o texto escrito deve conter elementos simbólicos que também façam

essas associações. A própria escolha da marca do dentifrício Ultra Action Kids , que

tem o termo Action escrito na cor rosa, remete a algo para meninas. No momento em

que o publicista cria essa estrutura sobre a embalagem dos dentifrícios e a coloca em

prática, isto é, verbaliza o seu pensamento, na tentativa de convencer o público alvo

(elocutio), completa-se a forma de construção do ethos, por meio da máscara

discursiva elaborada no discurso.

Essa construção do ethos está ligada ao modo simples e franco do publicista expor

suas ideias (aretê). Ao registrar, na embalagem, que o produto apresenta baixa

abrasividade (mesmo que isso seja exposto em letras pequenas e que possa vir a ser

uma obrigatoriedade do Ministério da saúde), cria-se uma imagem de credibilidade,

demonstrando sinceridade e honestidade.

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Outra questão de suma importância para a publicidade é a noção de pathos, isto é, a

tentativa de provocar sentimentos no outro. A escolha de três princesas, ao invés de

uma, aumenta a possibilidade de atingir o estado emocional do público alvo. Assim, a

menina que se encanta pela Branca de Neve, mesmo que não conheça a Cinderela ou a

Ariel, será afetada emocionalmente, empolgando-se para adquirir o produto. O

publicista, com isso, demonstra simpatia e interesse pelo público alvo (eunoia),

aumentando as possibilidades de adesão aos seus dizeres.

A publicidade precisa conter uma argumentação lógica da mensagem (logos). Ao

inserir a expressão gel dental com flúor ativo, na embalagem, ele está validando e

reforçando o efeito que o flúor provoca nos elementos dentários, após o seu uso.

Utilizar o termo ativo nessa expressão fortalece o dito de forma clara e compreensível.

Desse modo, o publicista se apresenta como um sujeito sensato, prudente e com uma

sabedoria prática (phrônesis).

Há, portanto, um posicionamento do publicista, por meio de um viés

argumentativo. Assim, ele cria a embalagem de dentifrício para crianças, a partir do

que pensa do mundo e das coisas que o cercam. O universo das princesas está

instaurado em sua mente como algo exclusivo das meninas, pois esse conhecimento é

partilhado socialmente entre os indivíduos. Ele utiliza o suporte como significação da

realidade, por meio de representações simbólicas, formadas por crenças sociais

partilhadas pela coletividade.

Há uma tentativa de explicar o mundo, por meio de julgamentos subjetivos e juízo

de crenças, posicionando o sujeito em relação ao mundo (saberes de crença). O

publicista elaborou a embalagem com a imagem das princesas, por meio de saberes de

opinião mais ligados ao plano social do que ao plano pessoal, pois sua preocupação

maior é atingir o outro, por meio de compartilhamento de ideias circulantes

socialmente.

Associar a imagem das princesas ao universo feminino transforma valores afetivos

em ideias cristalizadas, por meio de construções preestabelecidas. Desde cedo, os pais,

por questões sociais, constroem uma visão de mundo com valores e com imaginários

partilhados. A publicidade, então, segue essa linha, por meio da memória dos

discursos, que está ligada à construção de crenças e de valores acerca do mundo.

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Reconhecer que a imagem das princesas causa uma aceitabilidade por parte dos

pais e uma simpatia por parte das meninas faz o publicista investir no tema, pois as

condições psicossociais de comunicação (memória das situações) e as maneiras de

dizer o discurso (memória das formas) contribuem fortemente para o poder de

convencimento sobre o público alvo, como, por exemplo, o modo como as princesas

estão vestidas, maquiadas, ou ainda, a definição do sabor do flúor com a expressão

morango mágico. Assim, podemos perceber a forte relação entre a publicidade e os

imaginários sociais, que são construídos por meio de significações identitárias de um

grupo social.

O publicista, ao corroborar a ideia das princesas no imaginário social das meninas,

estará colaborando para a identificação dessas personagens como representações

coletivas cristalizadas, já que remetem a construções preconcebidas, por meio de seus

efeitos sociais. Desse modo, essa imagem fica representada por um modelo simbólico,

resultante de julgamentos ou falsas generalizações. Acreditar que só as meninas

podem se encantar com o universo das princesas, ou que só as meninas podem gostar

da cor rosa é estereotipar um grupo social, fortalecendo o preconceito e as ideias

compartilhadas socialmente.

A embalagem de dentifrício com a imagem de Cinderela, Branca de Neve e Ariel

constrói uma visão totalmente estereotipada da mulher, pois a imagem das princesas

remete à de mulher frágil, submissa e que precisa de um príncipe encantado para o

alcance da felicidade. Percebemos, ainda, na embalagem com o tema princesas, a

presença do clichê, que é visto como uma expressão cristalizada, repetida sempre da

mesma forma. A expressão baixa abrasividade está, na maioria das vezes, presente

nos suportes de dentifrícios. Assim, convencionou-se que o aviso do possível desgaste

que o dentifrício pode causar no elemento dentário é representado por essa expressão.

A imagem das princesas também pode representar símbolos de padrão do

inconsciente coletivo, isto é, os arquétipos, pois pode ser associada à imagem da

mulher bela, pura, ingênua, meiga e carinhosa. Desse modo, a mulher é vista como um

modelo padrão de comportamento e de conduta perante a sociedade.

Percebemos, então, que os sentidos de uma mensagem se completam a partir do

momento em que estabelecemos relações tanto entre os elementos internos (relações

cotextuais) quanto entre os elementos internos e o contexto (relações contextuais).

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Notamos que a imagem das princesas (linguagem não verbal) está em sintonia com o

que é posto linguisticamente (linguagem verbal). Por se tratar de um produto voltado

para crianças, normalmente, são escolhidos termos que seduzem e que chamam a

atenção, como a expressão morango mágico, criada para definir o sabor do flúor. Há

uma harmonia, inclusive, entre as princesas, no que diz respeito ao posicionamento na

embalagem: os elementos internos apresentam uma sintonia semântica (relações

cotextuais).

Nas relações contextuais, as princesas, por serem belas e maravilhosas, representam

com maestria os dentifrícios para meninas, pois a utilização contínua dos cremes

dentais, além de saudável, também contribui esteticamente para a boa aparência do

indivíduo. Essas relações que envolvem a situacionalidade (relações contextuais) são

de suma importância para que se tenha uma visão do momento histórico e social de

uma comunidade. O publicista, ao colocar a imagem das princesas no suporte de

dentifrícios para meninas, indica a visão de mundo que se tem e que parâmetros de

comportamento estão sendo validados no aqui e no agora.

Percebemos, pois, que o publicista utiliza todos esses artifícios, no intuito de

convencer o público alvo a aderir ao produto. As princesas representam um mundo

perfeito e ideal, onde os sonhos e as fantasias se concretizam. A linguagem da

publicidade age, na maioria das vezes, no plano conotativo, como na expressão

morango mágico, citada anteriormente. Notamos que o adjetivo mágico não se refere,

apenas, ao morango (sabor do flúor), e sim ao contexto publicitário, que envolve as

princesas, o feitiço, o encanto, a sedução, a afetividade, a felicidade e, por fim, a

interação que a linguagem publicitária almeja alcançar.

Percebemos, ainda, na parte verbal da embalagem, que a escrita da marca do

produto Ultra Action Kids apresenta dois destaques: o primeiro é o termo Action com

letras maiores, caracterizando a função do produto, que é agir, eficazmente, sobre os

elementos dentários. O segundo destaque é o termo Kids , escrito com letras menores,

direcionando o produto para o público alvo desejado, isto é, as crianças.

Outra tática empregada na publicidade é a tentativa de não transmitir ao público

informações que possam denegrir a imagem do produto. Assim, a informação Baixa

Abrasividade está posta com letras pequenas, pois o sujeito anunciante acredita que,

mesmo a abrasividade sendo baixa, pode levar o consumidor a acreditar que o produto

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irá danificar o esmalte do elemento dentário. Sabemos, contudo, por estudos recentes,

que o esmalte dos elementos dentários sofrerá desgaste devido à ação dos dentifrícios

se estes apresentarem alta abrasividade associada à interação com as cerdas da escova

e à força extrema aplicada durante a escovação.

A linguagem não verbal da embalagem é altamente significativa, pois a

publicidade, cada vem mais, recorre a esse tipo de expressão para veicular suas

mensagens. As princesas estão posicionadas em semicírculo e a posição dos rostos e

dos corpos denotam feminilidade e leveza de movimentos. Notamos, também, que a

Branca de Neve está na posição central, entre as outras duas, provavelmente, por ser a

que está mais tempo no imaginário popular, e, daí o destaque. A logomarca da Disney

e a indicação do sabor estão posicionadas em um ponto que corta uma parte da

imagem de Ariel, a mais nova na memória do público, e talvez, por isso mesmo, tenha

parte de sua imagem afetada.

O plano de fundo apresenta um sombreado em forma de castelo, que completa o

cenário desse conteúdo imagético. Os vestidos e os acessórios, como tiaras, brincos,

presilha e gargantilha são os mesmos usados em outros gêneros textuais, como filmes

e desenhos. As princesas usam maquiagem, como batons e blushes e possuem cabelos

com colorações diferentes entre si, como loiro, negro e rosa. Enfim, uma infinidade de

possibilidades de comercialização de produtos pode ser criada a partir das imagens

construídas pelas personagens.

Um dos principais artifícios utilizados pela publicidade, no que diz respeito à

linguagem não verbal, é a questão das cores. Percebemos a predominância do rosa, cor

que para muitos está ligada ao gênero feminino. O publicista, então, por um

compartilhamento de ideias, utilizou essa cor para atrair a atenção das meninas. Mais

uma vez, a questão dos estereótipos entra em cena, fortalecendo representações sociais

partilhadas culturalmente. O rosa pode significar romantismo, ternura, ingenuidade,

beleza, suavidade, pureza, fragilidade e delicadeza, sendo a cor das emoções, dos

afetos, da compreensão, do companheirismo e do romance. Os vestidos da Cinderela e

da Ariel são de cor azul, que pode significar sonho, calma, amor fiel e pureza. O termo

Kids da marca Ultra Action Kids está com a cor amarela, em destaque, o que pode

significar prosperidade, riqueza e alegria. Enfim, devemos considerar, na publicidade,

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as cores como símbolos de representações de mundo, tornando-se um artifício de

adesão ao que é posto.

Assim, construímos sentidos, por meio de representações simbólicas e cognitivas,

pois nem tudo está explicitado na superfície textual. Na embalagem das princesas, por

exemplo, podemos criar inferências (ou subentendidos) acerca do que está posto. Vale

ressaltar, que as inferências são aquelas construídas na mente do receptor,

correspondendo, ou não, à realidade. O publicista, ao utilizar a expressão morango

mágico para nomear o sabor do flúor, pode ter empregado o termo mágico para

mostrar às crianças que esse flúor não causa enjoo ou vômitos, visto o número de

casos com tal ocorrência. Outra inferência: a Cinderela, a Branca de Neve e a Ariel,

possivelmente, foram escolhidas como representantes das princesas, por serem, talvez,

as mais conhecidas e queridas entre as meninas. Vale ressaltar que as duas inferências

citadas são denominadas inferências convidadas ou possíveis, isto é, aquelas que

podem ou não ser feitas.

Com isso, notamos que a construção e o entendimento do universo discursivo são

formados pelo que está além da superfície textual. Aspectos sociocomunicativos e

conhecimentos culturalmente partilhados fazem parte desse processo interacional,

ampliando a possibilidade de formação de sentidos. Assim, ações linguísticas, sociais

e cognitivas são realizadas no intuito de promover uma constante interação

comunicacional.

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ANÁLISE 2

- Embalagem atual

- Ano de veiculação: 2013/2014

- Marca: Ultra Action Kids

- Tema: Os super-heróis (Capitão América, Homem de Ferro e Incrível Hulk)

A embalagem com a imagem dos super-heróis Capitão América, Homem de Ferro

e Incrível Hulk constrói um ato de linguagem que simboliza o que é esperado no

universo infantil masculino. O publicista destaca características comportamentais

ligadas aos meninos, como força, bravura e valentia, resultando em seres viris,

destemidos e com determinação.

Há um entrelaçamento de ideias construídas, por meio da mise-en-scène do

discurso, pois podemos perceber que o publicista cria uma atmosfera de poder,

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utilizando máscaras discursivas altamente significativas. O Capitão América, o

Homem de Ferro e o Incrível Hulk são personagens que remetem à masculinidade e à

virilidade, pois são seres heroicos e valentes das histórias para crianças,

especificamente, para meninos. Os três personagens foram elaborados pelos seus

criadores para simbolizarem a força do homem, acompanhada de atributos como

ousadia e como coragem.

O Capitão América é o alter ego de Steve Rogers, um personagem de HQ da

Editora Marvel Comics, ligada à Disney Corporation. Esse personagem está ligado ao

patriotismo norte-americano e é considerado o maior lutador do mundo, que combate

os vilões. O super-herói recebeu um soro durante um experimento para a criação de

soldados com poderes excepcionais e adquiriu capacidades além do normal, como:

força, agilidade, velocidade, reflexo, resistência e capacidade de aprendizado rápido.

O Homem de Ferro também é um personagem de HQ da Editora Marvel Comics e

sua identidade verdadeira é a do empresário e bilionário Anthony Edward Stark. Na

guerra, estilhaços de uma bomba atingiram seu coração. Como o personagem também

era cientista, seus inimigos o capturaram e em troca de sua cura, eles exigiram que

Anthony criasse uma arma poderosa. O bilionário aceitou, porém, ao invés de criar a

arma, produziu um reator, que, acoplado à armadura, mantinha-o vivo. Assim, com os

poderes de sua armadura, Anthony passou a atuar como super-herói, combatendo os

inimigos dos EUA, tendo como poderes: força, velocidade sobre-humana e visão com

a mesma precisão de um satélite.

O Hulk é o alter ego do Dr. Robert Bruce Bunner, um cientista atingido por raios

gama, durante uma experiência. Ressaltamos que o personagem apresentava uma cor

acinzentada, porém a gráfica não conseguiu produzir a cor desejada, transformando

Hulk no “Gigante Esmeralda”. Outro fato interessante é que, no começo, a

transformação de Bunner em Hulk só acontecia à noite, como a maldição dos

lobisomens, porém os criadores de Hulk, Jack Kirby e Stan Lee, concluíram que seria

melhor que Hulk surgisse toda vez que Bunner ficasse irritado, despertando em si o

seu lado selvagem. Seus poderes são: força física sobre-humana, vigor exacerbado,

resistência contra ataques místicos, resistência mental e regeneração celular

espontânea.

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Percebemos, com isso, que o ato de linguagem está inserido em um duplo valor:

explícito e implícito. O valor explícito está ligado ao que está posto na superfície

textual, como, por exemplo, as informações verbais contidas na embalagem: marca do

produto, informações sobre a presença de dois tubos, sobre a baixa abrasividade e

sobre o sabor uva do flúor ativo; e as informações não verbais, como, por exemplo, a

imagem do Capitão América, do Homem de Ferro e do Incrível Hulk e as cores

contidas na embalagem.

Por outro lado, todas essas informações também perpassam por valores implícitos,

pois o que é posto na superfície textual, na maioria das vezes, só faz sentido se

acoplado ao que está nas entrelinhas. Assim, na linguagem verbal da embalagem, a

posição das letras, as suas cores, o formato e a escolha lexical, por exemplo, são

fatores elaborados minuciosamente pelo publicista, no intuito de promover

determinados sentidos e convencimento sobre o público alvo.

Na linguagem não verbal, recurso altamente rico na construção de sentidos, a

imagem do Capitão América, do Homem de Ferro e do Incrível Hulk é construída pelo

publicista para provocar, no público alvo, sentidos gerados pela própria história acerca

da construção dos personagens, citada anteriormente. Notamos, então, que o sentido

provocado pela embalagem é construído pela articulação de explícitos com implícitos.

Vale ressaltar que o contexto é de suma importância para que se faça a

interpretação de um enunciado. O publicista precisa construir uma embalagem

extremamente sedutora para cativar o público alvo, visto a importância desse recurso

para a aderência ao produto. O menino precisa se identificar com a imagem construída

na embalagem para querer adquirir o produto. Devemos lembrar que o ato de

escovação dental nem sempre é realizado de forma prazerosa pela criança,

necessitando de um artifício para atrair o público alvo. Logo, o conteúdo imagético

contribui para a aderência ao produto, pois o menino se identificará com os super-

heróis e, consequentemente, com o produto, isto é, com o dentifrício analisado.

Esse contrato de comunicação firmado entre o publicista e o público alvo constrói-

se a partir de alguns componentes, como o comunicacional, o psicossocial e o

intencional. Exemplificando, supomos que um menino esteja indo à escola e se depara

com um outdoor veiculando uma publicidade acerca do dentifrício Ultra Action Kids,

com a imagem dos super-heróis Capitão América, Homem de Ferro e Incrível Hulk.

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Assim, o componente comunicacional, isto é, o outdoor, torna-se o responsável pela

ponte de ligação entre o publicista, que veicula a mensagem e o público alvo, que é o

receptor da mensagem. Esse componente é fundamental para que o público alvo tenha

contato com o produto e saiba da sua existência, para poder, quem sabe, adquiri-lo.

É preciso, também, que o menino se identifique com a imagem veiculada no

produto, pois há uma necessidade de identificação com o que está posto, para que haja

a aderência ao produto. Desse modo, a imagem dos super-heróis Capitão América,

Homem de Ferro e Incrível Hulk, por meio do que simbolizam, aproxima-se do

menino como uma metáfora do que é viril e potente. O menino, ao se identificar com o

Capitão América, sabendo-se que este é o maior lutador do mundo e que possui

capacidades além do normal, associará o universo masculino à força e à bravura. Esse

garoto se sentirá convidado a participar desse mundo encantado, construído com a

premissa estereotipada de que “homem não chora”. O mesmo acontecerá em relação à

aproximação desse público alvo com os personagens Homem de Ferro e Incrível Hulk.

Os próprios nomes dos personagens já remetem à potência e à virtude: o Homem de

Ferro não é simplesmente um homem, ele é de ferro (metal duro e resistente),

enquanto o Hulk é incrível, pois apresenta qualidades extraordinárias, como força

física e vigor fora do comum. Assim, o componente psicossocial se estabelece, visto a

relação firmada entre o público alvo e o produto comercializado.

Já o componente intencional está ligado aos modos de convencimento construídos

pelo publicista sobre o público alvo. O Capitão América, o Homem de Ferro e o

Incrível Hulk são personagens altamente significativos no que diz respeito à

masculinidade. A potência física e moral desses heróis é incontestável e influencia

diretamente o menino, que ainda está em processo inicial de formação de caráter e de

conceitos sobre a vida e sobre as coisas do mundo.

Essa encenação discursiva, gerada pelas circunstâncias do discurso, constitui um

ato de linguagem envolto por instâncias de produção e de interpretação enunciativa.

Assim, os sujeitos de linguagem interagem nesse encontro dialético, formado entre o

publicista (EU comunicante), produtor do evento comunicativo, que se dirige a um

consumidor idealizado (TU destinatário), estabelecendo o processo de produção;

enquanto o responsável pelo processo de interpretação (TU interpretante) constrói uma

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imagem do EU locutor, que acaba descobrindo-se um outro ser (EU enunciador),

estabelecendo o processo de interpretação.

Há, pois, uma relação contratual entre o circuito interno, do dizer (EUe/TUd) e o

circuito externo, do fazer (EUc/TUi), constituindo os dois circuitos responsáveis pela

encenação linguageira do ato comunicativo. Vale ressaltar que tal relação dependerá

dos saberes circundantes entre os sujeitos interagentes do discurso, que constroem suas

identidades discursivas e sociais, por meio de suas crenças e de suas ações sobre o

mundo.

O publicista, ao criar as embalagens com a imagem do Capitão América, do

Homem de Ferro e do Incrível Hulk, projeta o que é esperado socialmente, isto é, os

traços constitutivos do sujeito, partilhados pela coletividade, que são instaurados e

firmados com base nos direitos e nos deveres impostos pela sociedade (identidade

social). Os meninos devem portar modos de proceder, que se assemelham aos daqueles

próprios dos homens, apresentando qualidades ligadas ao comportamento masculino,

como aquele que vence desafios, é corajoso, forte e batalhador.

A imagem dos super-heróis legitima o sujeito a agir desta ou daquela forma, em

nome de um valor aceito socialmente. Assim, o publicista “autoriza” os meninos a se

relacionarem com um mundo de fantasias construído por homens destemidos, valentes

e audazes, que enfrentam circunstâncias de risco com senso moral intenso diante dos

perigos da vida.

As representações linguageiras, no que se referem à identidade dos sujeitos, são,

também, constituídas por meio de estratégias de credibilidade e de captação

(identidade discursiva). A publicidade utiliza bastante as estratégias de credibilidade,

pois o objetivo do publicista é criar táticas de convencimento sobre seus dizeres. Ele

tenta se aproximar ao máximo do público alvo, por meio de ideias compartilhadas para

criar uma intimidade com seu interlocutor.

Há uma tentativa de se fazer acreditar na sinceridade do sujeito falante, no caso, o

publicista, por meio da imagem do Capitão América, do Homem de Ferro e do Incrível

Hulk. O menino e sua mãe, esta última responsável pelo ato de compra de produtos de

higiene, vivem em um mundo onde o homem precisa reforçar seus atributos viris para

ser aceito socialmente. Adquirir o dentifrício com a imagem dos super-heróis significa

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instaurar uma atitude de engajamento sobre o que está posto, já que o publicista se

posiciona sobre o seu modo de pensar e de agir.

Outra estratégia utilizada na publicidade para promover a adesão aos dizeres

construídos é a de captação. O publicista cria uma identidade máscula e viril para

capturar o público alvo para si e, consequentemente, para a aquisição do produto. A

imagem dos super-heróis em posições de combate, a informação de que a embalagem

possui dois tubos de dentifrícios e a presença de flúor ativo com o sabor uva são

estratégias criadas no intuito de convencer o outro, por meio de uma atitude de

sedução.

Há um “fazer crer” pelo publicista, que deve resultar em um “dever crer” pelo

público alvo, por meio de uma atitude de sedução, que envolve e encanta o outro. A

imagem dos super-heróis e sua representatividade no mundo significado constroem

sentidos que corroboram a possibilidade de adesão aos dizeres. Tais sentidos

provocados pelo/no discurso são construídos por meio do processo de transformação,

que marca a maneira de se pensar a realidade e que apresenta categorias linguísticas

exemplificadas na embalagem, como a identificação ou identidade nominal encontrada

na informação pack com 2 tubos, porque descreve o produto por meio de substantivos;

no termo kids encontrado na marca, que indica a que público se refere (crianças); na

informação movie Avengers Assemble, que indica o filme “Os Vingadores” , no qual

estão presentes os três personagens apresentados na embalagem (vale ressaltar a

esperteza do publicista em divulgar o gênero filme, utilizando a embalagem como

componente comunicacional do discurso) e, por fim, a expressão gel dental em que o

substantivo gel identifica o produto.

Outra categoria linguística encontrada na embalagem é a qualificação ou a

identidade descritiva, representada pelo adjetivo “ativo” na expressão flúor ativo, que

dá ênfase ao papel do flúor na cavidade oral e o adjetivo “baixa”, na expressão baixa

abrasividade, escrita em letras menores, na parte inferior da embalagem, evitando um

destaque, visto o interesse de não avivar informações que podem denegrir o produto e

dental no sintagma gel dental, em que se caracteriza o tipo de gel, por meio do

adjetivo dental.

Já o processo de transação, também de suma importância para a semiotização do

discurso, representa a interação que o público alvo realiza com o mundo significado,

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visto na embalagem por meio de alguns princípios, como o princípio de alteridade, isto

é, o publicista precisa criar uma relação com a imagem criada e, consequentemente,

com o público alvo, para que este se identifique com o produto; o princípio da

pertinência, que está ligado às condições de credibilidade aos dizeres, como tornar o

ato de escovação lúdico, ao selecionar a imagem de super-heróis para a embalagem

dos dentifrícios, visto a necessidade de tornar o ato de escovação dental prazeroso e

divertido; o princípio da influência, que tem como objetivo capturar o outro no ato de

linguagem, como a proposta de comercializar dois tubos de dentifrícios em apenas

uma embalagem e, por fim, o princípio da regulação, que são as estratégias do quadro

situacional, como o componente comunicacional acerca do filme “Os vingadores”,

veiculado na embalagem como estratégia da publicidade, visto o contato direto e

prolongado que as crianças têm com os dentifrícios, por ser um ato diário e com isso,

podendo as informações contidas nele serem assimiladas com mais facilidade pelo

público alvo.

Todos esses artifícios criados pelo publicista para o convencimento sobre seus

dizeres colaboram para a construção do ethos, que representa a imagem de si no

discurso. Desse modo a imagem dos super-heróis constrói a figura do publicista e o

auxilia no poder de credibilidade discursiva. O publicista cria uma máscara discursiva,

na tentativa de se passar por um sujeito simples e franco (aretê), como ao tentar

associar sua imagem à dos super-heróis, como um sujeito corajoso, justo e sincero.

Essa tentativa de obtenção da confiança do público alvo é construída por meio de

estratégias discursivas, como a noção de inventio, que representa o estado de criação

do discurso, como a seleção dos super-heróis para compor a embalagem, a seleção

lexical, a escolha do sabor do flúor e a ideia de incluir dois tubos de dentifrícios, ao

invés de um, o que, inclusive, resultou na alteração do formato da embalagem. Outra

noção importante é a de dispositivo, vista como a disposição sequencial das partes do

discurso, como a informação pack com 2 tubos vir acompanhada de uma parte não

verbal explicativa; e também a de elocutio, vista como a verbalização do pensamento,

como a posição de combate em que os super-heróis aparecem na embalagem,

escolhida pelo publicista para afirmar a ideia de força e de bravura, no intuito de

promover o convencimento sobre seus dizeres.

Vale ressaltar que a publicidade também perpassa a noção de pathos e de logos.

Quanto ao pathos, que tem um apelo às emoções desencadeadoras no receptor da

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mensagem, no caso o público alvo, o publicista tenta seduzir, encantar e até mesmo

persuadir de forma camuflada o outro, no intuito de provocar sentimentos no seu

interlocutor, pois ele tem o objetivo de passar uma imagem solidária e simpática para

o receptor (eunóia). Assim, a escolha dos super-heróis, inclusive, a informação de que

há um filme sobre esses personagens, desperta nos meninos um sentimento de

empolgação que contribui para a adesão aos dizeres. Já o logos, que é o argumento

centrado na tese, isto é, aquele que objetiva uma visão lógica da enunciação, está

representado na embalagem, por meio das informações gel dental com flúor ativo e

baixa abrasividade, pois são enunciados claros e compreensíveis, criando uma

imagem do publicista de bom-senso e de prudência (phrônesis).

O publicista, então, constrói-se com um sujeito histórico e possuidor de

intencionalidades, por meio de conhecimentos partilhados de mundo. A escolha dos

super-heróis Capitão América, Homem de Ferro e Incrível Hulk para encabeçar uma

publicidade acerca de dentifrícios não foi aleatória. O ser humano procura sentidos e

cria julgamentos sobre as coisas do mundo a todo instante e cada sociedade atribui

valores aos objetos de conhecimento, por meio de suas experiências. Essa tentativa de

subjetivar signos simbólicos, por meio de valores e de conceitos, constitui as

representações sociais, que podem ser reagrupadas em dois grupos: saberes de

conhecimento e saberes de crença.

O publicista, ao associar a imagem dos super-heróis à dos meninos, tenta

estabelecer uma verdade acerca das coisas do mundo, por meio de saberes de

conhecimento. Tais saberes são construídos mediante explicações de conhecimento de

mundo socialmente partilhado (saberes de experiência). Os super-heróis são

personagens instaurados na mente dos meninos, que cultuam e admiram esses sujeitos

pela força, pela bravura e pela coragem. Isso é compartilhado pela sociedade e é aceito

pela maioria das pessoas.

Os saberes de crença, isto é, aqueles construídos por meio de juízos de valor,

também fazem parte das representações sociais e funcionam por meio de apreciações

acerca dos fatos do mundo. Crer nos super-heróis como personagens admirados apenas

pelos meninos é criar juízo de crenças, que podem estar associadas aos saberes de

opinião. No caso das imagens dos super-heróis, tais saberes estão ligados ao plano

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social, visto a necessidade de compartilharem ideias que circulam entre os sujeitos

históricos e culturais.

A representação simbólica dos super-heróis está ligada à possibilidade de se

interpretar a realidade. O publicista, então, aproveita essa possibilidade de significar o

mundo e materializa esses imaginários sociodiscursivos para gerar sentidos acerca do

que é partilhado culturalmente. Assim, a seleção do Capitão América, do Homem de

Ferro e do Incrível Hulk, para compor a embalagem de dentifrícios para meninos, está

associada a determinadas memórias. São elas: a memória dos discursos, que estabelece

representações acerca da historicidade dos fatos do mundo; a memória das situações,

que está ligada às condições psicossociais, visto o fato de o produto estar associado às

questões de higiene pessoal e de estética, e a memória das formas, que está ligada às

maneiras de dizer, como o modo de os super-heróis estarem posicionados na

embalagem: todos em posição de ataque e de combate para corroborar os traços

masculinos de força e de poder.

À medida que se ultrapassa a questão do sentido comum e da mera opinião acerca

das coisas do mundo para definir uma ideia, um comportamento ou uma atitude

preconcebida e generalizada, o sujeito instaura a questão do estereótipo no discurso.

Acreditar que o Capitão América, o Homem de Ferro e o Incrível Hulk são

personagens destinados estritamente ao público infantil masculino, ou ainda, que a cor

azul não pode fazer parte do universo feminino é estereotipar conceitos e ideias pré-

concebidos e cristalizados na sociedade.

Desde cedo, os meninos escutam dos pais as seguintes sentenças: “Homem não

chora”, “Homem tem que ser forte”, “Homem não gosta de rosa”, “Homem não faz

ballet”, “Homem fala grosso”, “Homem não pode ser delicado”, entre outras formas

de discurso institucionalizadas e baseadas na repetição e na convenção. Com isso,

percebemos o estereótipo com uma dimensão isolada e, normalmente, negativa da

realidade.

As ideologias também perpassam outras representações, como os arquétipos, os

clichês e as ideias comuns. Quanto aos arquétipos, definidos como modelo padrão,

observamos que, na imagem dos super-heróis, o homem é visto como um ser forte,

destemido, corajoso e com um caráter acima de qualquer suspeita. Desse modo, o

menino, desde pequeno, é preparado pelos pais a se comportar dessa maneira “viril” e

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“máscula”, de acordo com o arquétipo do guerreiro (Monnerat, 2008) não restando

outra alternativa a não ser a de se tornar um adulto com ideias altamente

estereotipadas. Já o clichê, que representa uma expressão cristalizada, pode ser

exemplificado, na embalagem, pelas expressões gel dental com flúor ativo (como se o

flúor sem o adjetivo ativo não causasse tanto efeito nos elementos dentários, sendo,

assim, necessário o termo ativo acompanhando-o) e baixa abrasividade, também

cristalizada e sempre presente nas embalagens de dentifrícios; enquanto a ideia

comum, isto é, aquela que apresenta um juízo de valor, pode ser representada pela

seguinte afirmação: “Todo super-herói é másculo e viril” (não sendo possível a

existência de um super-herói frágil, meigo, delicado e carinhoso).

Percebemos, pois, que o “querer dizer” do publicista, no ato de comunicação,

envolve tanto as relações internas, isto é, entre os componentes internos do texto

(relações cotextuais) quanto as relações socioculturais e situacionais específicas, ou

seja, entre os componentes internos do texto e o seu contexto (relações contextuais).

Nas relações cotextuais, observamos que o posicionamento espacial dos super-

heróis está em harmonia, visto suas posições frontais com posturas de ataque e a

própria cor diferenciada entre eles (Capitão América-Azul, Homem de Ferro-vermelha

e Incrível Hulk-verde) para causar uma diferenciação e, consequentemente, um

destaque; a informação pack com 2 tubos, acompanhada da imagem explicativa (vale

ressaltar que essa informação justifica o formato diferenciado dessa embalagem); cada

termo da marca do produto Ultra Action Kids escrito com formatos, cores e tamanhos

diferentes; o sabor uva do flúor na cor roxa semelhante à cor da fruta e a informação

acerca do filme Avengers Assemble (Os vingadores) ao lado da imagem dos próprios

personagens da história.

Nas relações contextuais, notamos que a escolha dos super-heróis para compor a

embalagem está ligada à representatividade que esses personagens possuem no mundo

significado. Seres poderosos, em posição de comando, com alta competência para a

dominação e o controle; homens dinâmicos, firmes e valentes, com grande capacidade

de dominação e personagens de autoridade e de prestígio, com forte poder e influência

sobre o outro. Com isso, aumentam as possibilidades de adesão ao produto, visto o

compartilhamento de ideias e, consequentemente, a importância do suporte para a sua

aquisição.

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Assim, percebemos que a publicidade envolve o universo dos desejos, da sedução,

sem deixar transparecer as verdadeiras intenções do publicista. Na parte verbal, por

exemplo, o destaque da marca do produto Ultra Action Kids, tanto pelas cores

(vermelha e amarela) quanto pela posição e tamanho das letras (posição superior com

letras grandes) não foi por acaso e sim proposital. A informação na parte superior

direita da embalagem, com a explicação imagética sobre a presença de dois tubos está

em destaque, pois o receptor inicia sua análise visual de cima para baixo. Desse modo,

inversamente, a informação sobre a baixa abrasividade do produto, que não deve ter

destaque por ser uma informação que pode afetar negativamente o consumidor, visto

que a abrasividade é uma possibilidade negativa do produto, está posicionada na parte

inferior direita da embalagem e com letras pequenas e brancas, para não chamar tanto

a atenção do receptor.

Na parte não verbal, podemos observar que os três super-heróis estão dispostos em

planos diferentes, inseridos em um cenário de fundo azul. Notamos que todos estão

praticando algum tipo de ação. Ressaltamos que a publicidade utiliza esse tipo de

artifício, pois construindo uma ideia de movimento, o publicista terá maiores

possibilidades de envolver o público alvo.

É interessante perceber que os três personagens estão em posição de combate: o

Capitão América, com seu escudo, o Homem de Ferro, com sua armadura vermelha,

produzindo raios luminosos na altura do peito e na mão, e Hulk, com os braços

levantados, evidenciando a força de seus músculos. Assim, percebemos que é nítido o

apelo do sujeito anunciante para causar o convencimento por meio de enunciações

discursivas compartilhadas.

Outro fator relevante para o processo de análise do conteúdo imagético é a questão

das cores. Percebemos que o fundo azul da embalagem, além de dar pistas acerca do

público alvo (meninos) também remete o consumidor ao mundo dos sonhos, visto o

sentido de infinito e de lugar longínquo que a cor propaga. O vermelho encontrado na

informação sobre a presença de dois tubos de dentifrícios na embalagem ao invés de

um significa um alerta, pois como simboliza correção, é como se o publicista dissesse:

“Olha, essa embalagem contêm dois tubos, e não apenas um como é habitual” e, dessa

forma, o público alvo fica ciente do que está sendo comercializado e mais interessado

no produto, já que atendendo ao “móbil econômico” (MONNERAT, 2003), gastará

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menos e levará mais; a cor verde do Incrível Hulk, junto ao seu semblante bravo,

transmite ira, visto a cor verde remeter, quando negativamente, à raiva e, por fim, a cor

branca na informação baixa abrasividade , que não apresenta muito destaque (por isso

mesmo a sua escolha para essa informação) por ser uma cor neutra (ausência de cor).

Notamos que o sentido interpretativo de um ato de comunicação é construído,

também, pela matéria implícita contida no discurso. As inferências (ou subentendidos)

são elaboradas na mente do receptor, podendo, ou não, serem verdadeiras; enquanto os

dados postos são construídos por meio do que está explícito na superfície textual e são

tidos como indiscutíveis.

Com relação às inferências (ou subentendidos), podemos exemplificá-las por meio

da imagem do Capitão América. O personagem tem a letra A escrita em seu capacete.

Podemos inferir que essa letra A está representando a América e que seu escudo,

devido às cores (vermelha e branca), também representa os Estados Unidos da

América. Vale ressaltar que essa inferência é tida como contextual, pois o receptor

precisa saber em que contexto o personagem do Capitão América está inserido, isto é,

quem é o personagem e o que ele representa, os seus objetivos, os seus propósitos, etc.

(mesmo sabendo que o próprio nome do personagem já é uma grande pista sobre ele).

O publicista, então, por meio de todas as estratégias citadas nessa análise, pretende

captar a atenção do público alvo, na tentativa de convencê-lo de que a marca Ultra

Action Kids tem qualidades que a tornam superior às outras. Assim, cria-se um mundo

perfeito e ideal, tanto pelo conteúdo verbal quanto pelo conteúdo não verbal, por meio

de um discurso sedutor, no intuito de integrar o público alvo na sociedade de consumo.

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ANÁLISE 3

- Embalagem atual

- Ano de veiculação: 2013/2014

Marca: Ultra Action Kids

Tema: As fadas (Sininho, Rosetta e Silvermist)

A embalagem com a imagem das fadas Sininho, Rosetta e Silvermist constitui um

ato de linguagem que sugere reflexão ao seu interlocutor acerca do uso linguageiro,

pois a amplitude de uma análise engloba tanto o que está exposto na superfície textual

quanto o que está submerso nas profundezas enunciativas. O publicista utiliza um

universo encantado e mágico para seduzir as meninas, por meio de construções

enunciativas embutidas no social, visto a intrínseca relação desse tema com o que

circula nas crenças e nas normas da sociedade.

A fada é um ser mitológico e incorporou-se à cultura ocidental a partir dos “contos

de fadas”. Esse termo vem do latim fatum, que significa fado, destino, atuando de

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forma mágica na vida das pessoas. Elas apresentam asas de libélulas nas costas e

realizam encantamentos por meio de uma varinha de condão. As fadas podem ser

retratadas como seres de estatura “normal”, como a fada de Cinderela ou como seres

de estatura diminuta, como a fada Sininho, companheira de Peter Pan e são

consideradas personagens com a capacidade de mudar sua aparência e serem visíveis,

ou não, para os humanos.

A publicidade está inscrita dentro de um contexto que tem o sujeito intencional

como seu principal aliado, pois o objetivo principal desse gênero textual é a tentativa

de convencimento sobre o outro. Assim, a seleção imagética das fadas para representar

os dentifrícios para crianças, especificamente para meninas, tem a finalidade de

aproximar o produto de seu público alvo, por meio de um discurso envolvente e

encantador.

A fada Sininho ou Tilin-Tim, que na forma original era chamada de Tinker Bell, foi

criada pelo autor escocês James Matthew Barrie para ser personagem de sua peça

teatral Peter and Wendy (1904). Nessa peça, Tinker Bell era apenas uma luzinha que

percorria os cenários com barulho de sinos. Desde 1930, Walt Disney pesquisava

como seria a sua Sininho perfeita, que passou de variações da fada Azul de “Pinóquio”

até as bailarinas do pintor francês Edgar Degas. Em 2008, a Disney Toon Studios

lançou o filme Tinker Bell, protagonizado pela personagem com características físicas

humanas: cabelos loiros, olhos claros e que usa um vestido verde, feito a partir de uma

folha (aparência mantida igual à do filme Peter Pan, em 1953, e que nessa época,

ainda, ficava muda na frente dos humanos). Tinker Bell apresenta como

características, a travessura e a irritação, por se tratar de uma personagem arisca, mas a

Disney a deixou mais doce e menos temperamental, sendo a leal acompanhante de

Peter Pan, por quem tem um amor platônico e, por isso, tem o sonho de ser do

tamanho do ser humano para poder abraçar o seu amado.

Tinker Bell tem duas amigas: a fada Rosetta, que é ruiva, considerada a fada do

jardim, gentil, educada, charmosa, espirituosa, encantadora e com um raciocínio

rápido. A sua personalidade é doce, porém com uma pitada de atrevimento e está

sempre pronta para partilhar bons conselhos. Ela é a “princesinha cor de rosa” e vive

em um chalé formado por botões de rosa e é famosa por ter um encantador sotaque.

Seu passatempo preferido é fazer tratamentos de beleza e assegurar que está sempre

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bela. Adora rosas e detesta falta de educação e falta de higiene; e a fada Silvermist,

que é morena com aparência asiática, sendo a fada da água e que está sempre olhando

para o lado positivo da vida. É simpática e está pronta para atender aos amigos em

apuros, sendo uma fada muito emotiva, pois ouve mais o coração do que a própria

razão (sendo, às vezes, considerada meio ingênua ou, até, boba). Tem uma alma

tranquila e está, sempre, ansiosa para agradar e fazer novas amizades. Essa fada gosta

de colocar gotas de orvalho estrategicamente sobre as folhas a cada manhã.

O publicista, então, ao escolher as fadas para representar a embalagem de

dentifrícios para meninas está utilizando o universo dos sonhos e das fantasias. As

fadas são seres de luz e representam o desabrochar das flores e a alegria clara e

cintilante da representação do belo. Elas simbolizam a alegria, as festas, as músicas, as

brincadeiras e os risos e estão sempre bem dispostas e prontas para ajudar os

necessitados.

Percebemos, pois, que o publicista cria uma máscara, por meio da mise en scène

discursiva, tendo as fadas como pano de fundo para representar um estado de euforia e

de entusiasmo pela vida. Há uma exteriorização dos dizeres de acordo com os

objetivos do sujeito anunciante, que constrói o seu discurso visando à captura do outro

para seus domínios.

Há uma intencionalidade nesse contrato de comunicação firmado entre os parceiros

do discurso, visto a relação de interesse entre aquele que deseja comercializar o

produto e aquele que deseja adquiri-lo. Esse contrato necessita de três componentes

para que o ato comunicativo alcance êxito: o comunicacional, o psicossocial e o

intencional. Vamos supor que uma menina passe a conhecer a marca de dentifrício

Ultra Action kids com a embalagem das fadas ao assistir a uma propaganda na

televisão. Assim, o veículo televisão passa a ser o componente comunicacional desse

ato de linguagem, pois é a ponte que liga o produto ao público alvo.

O componente psicossocial está ligado às nossas emoções no que diz respeito à

aquisição do produto. A menina, por exemplo, que coleciona produtos com imagens

de fadas, ao se deparar com a embalagem com essa imagem, devido à sua pouca idade

e à sua ingenuidade, entrará em um estado de euforia e de animação para obter o

produto. Desse modo, a mãe, normalmente responsável pela compra desse tipo de

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produto, aproveitará a situação e fará do ato de escovação dental algo prazeroso,

utilizando as fadas para seduzir sua filha.

O componente intencional está voltado para a questão da intencionalidade do

publicista sobre seus reais objetivos. Ele precisa seduzir e cativar o público alvo

utilizando os recursos próprios de cada situação comunicativa. Se pensarmos na

embalagem de dentifrícios como um recurso altamente manipulador, no que diz

respeito à possibilidade de aquisição do produto, o sujeito anunciante criará estratégias

para a captação do outro, como, por exemplo, colocar a fada Sininho em um plano

mais frontal em relação às outras, por ser, provavelmente, uma das mais conhecidas

fadas (por fazer parte das histórias de Peter Pan) ou por ser uma das que estão mais

tempo no universo das histórias infantis.

O contrato de comunicação, então, estabelece-se, visto a relação firmada entre os

sujeitos discursivos. Vale ressaltar que há um desdobramento do lugar do EU, pois

existe uma aposta contida no ato de linguagem. O publicista (EU comunicante), nessa

relação contratual, produz a embalagem de dentifrício, no intuito de atingir às meninas

(TU destinatário), consumidoras que ele acredita serem adequadas ao seu propósito

comunicativo. No entanto, essas meninas vão interpretar o sentido do que está posto

na embalagem pelo ponto de vista delas (TU interpretante), que constroem uma

imagem desse publicista, que acaba por descobrir-se um outro ser (EU enunciador),

fabricado por esse TU interpretante.

Essa manobra linguageira acontece por meio da língua, envolta pelos sujeitos que a

constituem, tendo como base referencial suas identidades sociais e discursivas. O

publicista investiu na imagem das fadas Sininho, Rosetta e Silvermist para compor as

embalagens de dentifrícios para meninas por meio do que é acreditável e esperado pela

coletividade. O que é apropriado à natureza das ideias coletivas voltadas às meninas?

Gostar de fadas, ser doce, meiga e encantadora constituem características e traços

próprios do universo feminino, por meio de crenças e de influências sociais, que

autorizam o sujeito a agir e a pensar de determinada forma.

Com isso, instaurar na mente do sujeito que o universo das fadas faz parte da

identidade feminina é criar uma credibilidade nos dizeres do publicista. A identidade

social, que é construída por meio dos traços psicossociais do indivíduo, junto à

identidade discursiva, que é formada por estratégias sociocomunicativas, como a

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credibilidade e a captação, constroem a identidade global do sujeito, no ato de

comunicação, por meio de representações linguageiras. A publicidade é elaborada na

tentativa de conquista da confiança do outro, por uma atitude de engajamento. É

preciso fazer o outro pensar da seguinte forma: “Eu acreditei nele porque ele tem

credibilidade para mim.”

Para alcançar seus objetivos, o publicista envolve o público alvo, por meio de uma

atitude de sedução, pois a publicidade é criada no intuito de capturar o outro,

utilizando artifícios, valendo-se de encantos e de promessas. É necessário construir um

fascínio naquilo que se quer comercializar para que o outro se sinta convidado a

participar desse universo de consumo. Assim, as representações sociais e discursivas

corroboram as especificidades identitárias instauradas no ato de comunicação.

A imagem das fadas constrói, portanto, sentidos que fortalecem o que é esperado

socialmente. Tais sentidos são gerados por um duplo processo: de transformação e de

transação. O processo de transformação, construído por meio da linguagem, é

composto por quatro categorias linguísticas: a identificação, isto é, a identidade

nominal como o substantivo gel na expressão gel dental com flúor, a logomarca

Disney Fadas, ou ainda, o termo Kids, para se referir a que tipo de público o produto é

destinado. Todos esses exemplos representam os termos substantivos contidos na

embalagem. Já a qualificação, ou seja, a identidade descritiva, é representada pelo

termo ativo, na expressão flúor ativo, no termo baixa, na expressão Baixa

abrasividade, na caracterização dental com flúor ou ainda, no termo mágico, na

expressão morango mágico. Todos esses termos representam os adjetivos e as

expressões adjetivas contidos na embalagem. Os outros processos, como a ação, isto é,

a identidade narrativa, marcada pelos verbos e a causação, que constitui as relações de

causalidade não se encontram expressos nessa embalagem.

No processo de transação, encontram-se quatro princípios: o princípio de

alteridade, que significa a relação criada entre o publicista e o público alvo para que

haja a identificação com o produto. Desse modo, as fadas Sininho, Rosetta e

Silvermist representam o universo mágico das meninas, que se identificam com essas

representações, por meio de saberes compartilhados; o princípio de pertinência, que

favorece a obtenção da finalidade discursiva, como a presença de flores e da cor verde,

que remetem à floresta, no intuito de completar o quadro bucólico da imagem das

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fadas, na tentativa de seduzir e de convencer o público alvo; o princípio de influência,

que está ligado à captura do outro para si, representado, por exemplo, no fato de a fada

Sininho estar posicionada em um plano mais frontal, com uma visibilidade maior do

que as outras fadas, provavelmente, como já dissemos, por ser a mais conhecida do

público; e, por fim, o princípio de regulação, que está associado ao quadro situacional

regulador do jogo de influências entre os sujeitos discursivos, como, por exemplo, a

escolha do sabor morango do flúor, que atrai o público alvo, pois sabemos que um

aroma agradável no dentifrício é um artifício usado pelas indústrias farmacêuticas

como estratégia para a aquisição do produto.

Assim, a imagem do produto se constitui pelo que as fadas Sininho, Rosetta e

Silvermist representam no universo feminino infantil. Dessa forma, o caráter do

publicista fica registrado na embalagem dos dentifrícios junto à imagem de

credibilidade discursiva por meio do que é posto (ethos). Sabemos que a publicidade

apresenta uma linguagem que tenta persuadir o outro de forma camuflada. Assim, há

uma tentativa de criar uma boa impressão pela imagem de si no discurso.

As fadas, em geral, são consideradas espíritos que circulam sobre as florestas e

sobre as montanhas e representam o universo místico e mágico das histórias infantis.

O publicista, valendo-se do alto poder de sedução e de encanto que as fadas

apresentam, transfere esses atributos para a imagem veiculada nas embalagens de

dentifrício e, consequentemente, para si, compartilhando com as meninas essas ideias

e esses conceitos.

Com isso, há o estabelecimento do ethos do publicista, voltado para a valorização

desta marca e formado por meio do seu caráter e da credibilidade de seus dizeres. O

sujeito anunciante utiliza suas virtudes morais para conseguir a confiança do público

alvo. Assim, a imagem das fadas Sininho, Rosetta e Silvermist constrói o tipo social

que esse sujeito quer parecer ter. Ganhar a confiabilidade das meninas só será possível

se o discurso da publicidade estiver o mais próximo possível delas e da realidade que

as cerca.

Aristóteles utilizou, na Retórica, termos como inventio, dispositio e elocutio com a

finalidade de persuadir o outro pelo convencimento. O termo Inventio, que está

associado à criação do discurso, pode ser representado, nessa publicidade, pelas

escolhas lexicais (como a do adjetivo mágico para qualificar o sabor morango do

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flúor), a escolha das fadas (uma loira, uma morena e a outra ruiva) para compor o

conteúdo imagético da embalagem, a cor verde para simbolizar as florestas e, ainda, a

posição e o tamanho das letras de acordo com os objetivos pretendidos.

O termo dispositio, visto como o encadeamento das partes do discurso, pode ser

representado, por exemplo, pelo conteúdo não verbal da embalagem. Percebemos que

as fadas ocupam posições diferenciadas (com destaque para a fada Sininho), com uma

harmonia na posição dos braços, que denota feminilidade e leveza de expressão. A

tonalidade das cores dos cabelos (amarelo, vermelho e preto) e, também, dos vestidos

(verde, rosa e azul) cria uma homogeneidade visual causada pela própria heterogenia

das personagens. O publicista investiga cada detalhe do produto e observa se as partes

de um todo estão em harmonia entre si.

O termo elocutio, visto como a verbalização do pensamento, está ligado ao fato de

a publicidade ser construída com o objetivo de persuadir pelo convencimento. Assim,

o publicista precisa por em prática tudo aquilo que imaginou, por meio de um discurso

sedutor e cativante. Colocar a logomarca Disney Fadas com o fundo verde, no intuito

de parecer uma folha, ou ainda, essa logomarca estar posicionada cortando uma

pequena parte das fadas Rosetta e Silvermist, porém deixando a fada Sininho livre de

imagens sobrepostas foi um artifício criado pelo sujeito anunciante para valorizar a

imagem da companheira de Peter Pan.

Percebemos, então, que essa noção discursiva é construída por meio dos traços

particulares centrados no sujeito, que tenta se apresentar como um ser virtuoso, com

senso de justiça e de sinceridade ao expor suas ideias (aretê).

Outras noções importantes para que haja o poder de convencimento sobre o outro

são: o pathos e o logos. Desencadear emoções no receptor (pathos) é uma estratégia

bastante utilizada na publicidade. Promover o convencimento sobre a aquisição de

bens de consumo é o objetivo do publicista, que procura seduzir o outro, por meio de

seus dizeres. Ao selecionar as fadas Sininho, Rosetta e Silvermist para compor as

embalagens de dentifrícios, o publicista aposta na representatividade dessas

personagens para convencer o outro. A beleza das fadas e a capacidade de realizar

encantamentos tornam esses seres especiais e, por isso, capazes de provocar

sentimentos nas meninas.

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O logos, que está ligado ao argumento claro e compreensível, é visto na embalagem

por meio de suas informações: o termo Kids contido na marca Ultra Action Kids para

indicar o público alvo; a presença da expressão flúor ativo para fortalecer a eficácia

do dentifrício e, ainda, a logomarca Disney fadas, que, apoiando-se na credibilidade da

marca Disney, especifica a natureza dos seres expostos na embalagem (caso alguém

não reconheça tais personagens). Desse modo, o publicista constrói informações

competentes, por meio do bom-senso e da sabedoria prática (phrônesis).

Percebemos, com isso, que o sujeito anunciante elabora a publicidade com a

intenção de aderência ao seu discurso. Para que isso ocorra, é preciso que haja um

compartilhamento de ideias para que o ato comunicativo estabeleça uma troca entre os

sujeitos discursivos. O conhecimento de mundo e o julgamento que se faz das coisas

que nele acontecem precisam ser partilhados entre aqueles que atuam no jogo cênico

discursivo, pois é necessário que os sujeitos repartam crenças e valores para que a

comunicação se estabeleça eficazmente.

As representações sociais são fenômenos presentes no cotidiano e simbolizam

pensamentos, crenças e valores acerca das coisas do mundo, por meio de saberes de

conhecimento e de saberes de crença. Há uma visão além da subjetividade do sujeito

(saberes de conhecimento), por uma verificação experimentada da realidade (saberes

de experiência). Essa visão perpassa os “achismos” do mundo e se estabelece no que

acontece na vida e nas situações do cotidiano.

Desse modo, o publicista encontra nas fadas, por meio do que acontece no mundo,

uma representação social das meninas, simbolizada pelo universo de magia, de

encanto e de sedução. Há um lado esotérico e místico que encanta as garotas, que

procuram se identificar com os contos de fadas, tendo a beleza, a pureza e a

ingenuidade como aspectos categoriais do mundo feminino.

Os saberes de crença, que são construídos por julgamentos subjetivos, podem gerar

estereótipos acerca dos fatos do mundo, pois estabelecer conceitos e acreditar

piamente em determinadas ideias compartilhadas socialmente é generalizar

possibilidades acerca das situações. Acreditar que as fadas Sininho, Rosetta e

Silvermist encantam e seduzem apenas as meninas é criar juízo de valores sociais, ou

seja, é construir saberes de opinião, ligados ao plano social, por meio de ideias e de

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conceitos cristalizados. Com isso, estabelece-se uma opinião coletiva acerca do real

que, muitas vezes, extrapola a noção de coerência e de razão sobre as situações.

Os imaginários sociais são formados por três tipos de memórias: dos discursos, das

situações de comunicação e das formas. A memória dos discursos, formada por

posicionamentos e valores compartilhados, visto na embalagem por meio da imagem

das fadas, marca historicamente o momento que estamos atravessando. Se é de comum

acordo entre os sujeitos discursivos que essas personagens estão instauradas no

universo feminino infantil é porque socialmente as crenças e os valores estabelecidos

culturalmente vão ao encontro ao que elas simbolizam. Ter poderes mágicos e

conseguir realizar desejos são encantamentos extremamente sedutores capazes de

causar fascínios entre as meninas, que também se encantam com a beleza e a vaidade

das fadas. Estar sempre bela, com uma silhueta elegante, cabelos bem arrumados são

características atribuídas às mulheres, que, desde cedo, são preparadas para assumirem

esse tipo feminino estereotipado.

A memória das situações de comunicação, associada às condições psicossociais,

pode ser vista pela ligação que o publicista faz entre o encantamento das fadas e o ato

de escovação dental. É como se um coro de voz dissesse: “Olhem, escovem os dentes

com o dentifrício Ultra Action Kids com a embalagem das fadas, que vocês, meninas,

ficarão tão belas e formosas quanto elas. Não se esqueçam de que as fadas são seres

mágicos e que elas conseguem realizar todos seus desejos.” Desse modo, cria-se um

elo entre o que circula socialmente e o que é desejado pelo sujeito anunciante.

A memória das formas, ligada às maneiras de dizer, está representada pelo modo

como os sentidos se produzem. Adjetivar, por exemplo, o morango (sabor do flúor)

como mágico e posicionar tal informação no meio das fadas é fortalecer esse discurso;

colocar a logomarca Disney Fadas abaixo das fadas Rosetta e Silvermist é corroborar

a identidade das mesmas e, ainda, escolher a cor verde para colorir a embalagem é

situar as fadas nas florestas e nos campos. Enfim, a forma com que é construída a

embalagem gera sentidos causados intencionalmente pelo publicista.

Os imaginários sociais, quando construídos por meio de ideias e de crenças

cristalizadas, remetem aos estereótipos, vistos como uma generalização excessiva ou

indevida de algo ou de alguém. Transpor a questão do belo e da delicadeza apenas

para o universo feminino é cristalizar conceitos e estereotipar ideias pré-concebidas

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socialmente. As fadas Sininho, Rosetta e Silvermist foram selecionadas

intencionalmente para funcionarem como uma dimensão isolada da realidade, isto é,

elas devem representar a marca Ultra Action Kids apenas para o universo feminino

infantil, tornando-se seres altamente estereotipados, excluindo os meninos desse ato

comunicativo.

Os arquétipos e os clichês também fazem parte dos processos ideológicos

discursivos. A imagem das fadas remete à imagem da mulher como encantadora, bela,

esperta e vaidosa (arquétipo). Vale ressaltar que a questão étnica também perpassa as

representações sociais. Walt Disney escolheu como modelo de beleza a Sininho, uma

fada branca, loira, com os olhos claros. A fada Rosetta também é branca, com os

cabelos ruivos e a Silvermist é branca, com os cabelos negros e com os olhos puxados.

E a fada negra? Por curiosidade, a Disney só tem uma fada negra, a Iridessa, a fada

que fornece luz aos vaga-lumes. É interessante perceber que o publicista não pensou

em representar a população negra na embalagem, por meio de uma fada negra. Se

pensarmos que no Brasil a grande parte da população é negra, porque ele colocou uma

fada oriental? Observa-se, então, que o preconceito pode estar contido na questão das

ideologias e das representações sociais, estabelecendo conceitos e definindo padrões

estéticos. Já os clichês, expressões cristalizadas, podem ser vistos na expressão gel

dental com flúor ativo ou na informação baixa abrasividade, pois são repetidas sempre

da mesma forma, representando a materialidade de um enunciado.

Observamos que o publicista dispõe de estratégias para gerar sentidos de acordo

com suas necessidades comunicativas. Esses recursos são criados tanto por meio das

relações internas do texto (relações cotextuais) quanto por meio dos componentes

internos em interação com o contexto (relações contextuais).

Nas relações cotextuais, notamos uma harmonia no posicionamento das fadas,

inclusive, na própria coloração dos cabelos e no tom dos vestidos; a logomarca Disney

Fadas escrita em uma folha de coloração verde, combinando com o fundo colorido

com verde mais claro; as letras da marca Ultra Action Kids e da logomarca Disney

Fadas escritas com formatos diferentes para gerar um destaque, e a escolha do termo

mágico na informação morango mágico, que se associa à imagem das fadas.

Nas relações contextuais, a seleção das fadas Sininho, Rosetta e Silvermist, por

serem seres mágicos, envoltos por encantamentos e por magias, está associada ao fato

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de essas personagens despertarem o encantamento nas meninas. Assim, percebemos

que a mensagem publicitária contida nessa embalagem é resultado tanto das suas

relações internas quanto das relações do texto com o mundo.

O sujeito anunciante elabora a embalagem de dentifrício no intuito de chamar a

atenção do público alvo. Depois, ele tenta capturar esse público para, então,

transformá-lo em consumidor constante. O universo das fadas precisa ser transmitido

como perfeito e ideal, removendo da superfície os indicadores de autoridade e de

poder. Mostrar as fadas como belas e encantadoras faz parte da intencionalidade do

publicista, que tenta elaborar uma imagem sedutora, sem transparecer suas reais

intenções.

As feições das fadas e a leveza de movimentos com os braços criam um laço de

afetividade com o público alvo, que se sente atraído e encantado pelas personagens.

Essa interação é fundamental para que ocorra esse elo afetivo entre o produto e as

meninas. A fada Sininho está em destaque, com suas asas de libélula e vestido feito de

folhas, apresentando uma aparência encantadora e irresistível. A fada Rosetta, também

considerada a fada jardineira, usa um vestido que, poeticamente, é uma rosa de cabeça

para baixo; enquanto a fada Silvermist, a fada das águas, usa um vestido feito da flor

copo-de-leite. Percebemos, inclusive, que há uma predominância, na embalagem, da

cor verde, que remete à natureza e à ecologia.

Na parte verbal, podemos notar o destaque para a marca do produto Ultra Action

Kids (pela posição, tamanho das letras, cores e formatos diferenciados); o termo baixa

abrasividade, no canto inferior direito do produto, para não chamar tanto a atenção,

visto a abrasividade poder gerar uma ideia negativa do produto; a expressão gel dental

com flúor ativo, na posição superior direita da embalagem, pois é um dado que o

publicista acredita ser relevante; a expressão morango mágico, na tentativa de associar

o termo mágico com o universo das fadas e a logomarca Disney Fadas próxima à

Rosetta e à Silvermist, podendo ser uma contribuição para a identificação das mesmas,

que, como já dissemos, podem não ser tão conhecidas do público quanto a fada

Sininho, a companheira do Peter Pan.

Assim, percebemos que o conteúdo textual, para ser bem interpretado, apresenta os

postos, que são os dados encontrados em sua superfície; e os implícitos, construídos

pelos pressupostos, tidos como sentenças verdadeiras e pelos subentendidos (ou

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inferências), que são ideias deduzidas, com maior abstração, podendo ou não ser

premissas verdadeiras. Podemos exemplificar as inferências por meio do nome das

personagens: a fada Sininho tem esse nome porque, ao ser criada, era apenas uma

luzinha que percorria o teatro com barulho de sino; a fada Rosetta tem esse nome

porque ela é a fada dos jardins (rosa) e a fada Silvermist (névoa de prata) tem esse

nome porque ela é a fada das águas e gosta de colocar gotas de orvalho sobre as folhas

a cada manhã. Vale ressaltar que essas inferências são tidas como contextuais, aquelas

que dependem do conhecimento do contexto para serem feitas.

Percebemos, então, que o publicista utiliza todos esses recursos para conseguir a

adesão do público alvo aos seus dizeres. São construídas várias estratégias discursivas

e sociointeracionais com o propósito de capturar o outro para seu domínio, utilizando

uma linguagem sedutora, emotiva e que aproxime o futuro consumidor do produto

comercializado.

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ANÁLISE 4

- Embalagem atual

- Ano de veiculação: 2013/2014

- Marca: Bitufo

- Tema: Ben 10

A embalagem com a imagem do super-herói Ben 10 representa um ato de

linguagem envolto por simbologias que remetem ao universo infantil masculino. O

sujeito anunciante selecionou um personagem que é corajoso, destemido e capaz de

enfrentar qualquer desafio na luta do bem contra o mal.

Esse desenho animado norte-americano, criado por Man of Action, grupo formado

por Duncan Rouleau, Joe Casey, Joe Kelly e Steve T. Seagle, é produzido pelo

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Cartoon Network Studios e retrata a vida de Benjamin Kirby Tennyson, personagem

central da história, um garoto com dez anos de idade (Ben 10), que, durante uma

viagem de férias com seu avô Max e sua prima Gwen, resolve dar uma volta sozinho

para se acalmar, pois havia brigado com sua prima.

De repente, Ben observa um objeto caindo do céu e percebe que é uma esfera de

metal com uma espécie de relógio dentro. Ao segurar tal esfera, essa espécie de

relógio gruda em seu pulso. Na verdade, esse objeto que está em seu poder é um

aparelho muito especial e poderoso denominado Omnitrix, que ajuda Ben a combater o

mal e a lutar contra criaturas alienígenas dispostas a atacar o planeta Terra para

recuperar o tal dispositivo.

Ao acionar o botão do poderoso aparelho, Ben 10 se transforma em outros seres,

como o Insectoide, alienígena que tem uma habilidade invejável para voos; Quatro

Braços, alienígena com uma força fenomenal para esmagar, lançar ou destruir algo;

XLR 8, alienígena com a aparência de um dinossauro com a capacidade de correr em

paredes e em superfícies irregulares, como lama, gelo e água; Diamante, alienígena

que tem um corpo cristalino e é mais resistente do que os próprios diamantes, capaz de

cortar quase tudo o que vê pela frente; Besta, alienígena com habilidades atléticas e

sobre-humanas com apurados olfato, audição e paladar; Massa Cinzenta, alienígena

com 13 cm de altura, capaz de entrar em espaços apertados e que possui uma dose

extra de inteligência; Aquático, alienígena nadador, capaz de transformar suas pernas

em uma grande cauda com nadadeiras e, também, apresenta mandíbulas fortes com o

poder de dar mordidas devastadoras; Ultra T (Ultra Tech), uma máquina viva com

pele de metal líquido, que transforma o dispositivo em algo mais potente ainda;

Chama, alienígena que vive no sol, capaz de disparar rajadas de fogo pelas mãos e

pela boca e, também, capaz de apagar um incêndio com a mesma rapidez que começa

um e, por fim, Fantasmático, ser sombrio capaz de atravessar paredes e de ficar

invisível e, que, também, apresenta uma aparência assustadora, impressionando o

próprio Ben 10, no momento de transformação.

Desse modo, percebemos que o universo infantil masculino está representado por

meio da figura do Ben 10, um menino “normal”, que encontra um objeto com poderes

sobrenaturais e que, a partir disso, torna-se um super-herói valente, bravo, audacioso e

muito determinado. Assim, os meninos constroem um elo entre o personagem e aquilo

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que é acreditável socialmente como aspectos próprios da identidade masculina, como

seres fortes, imbatíveis e destemidos.

Há uma interação construída por meio do que é posto na embalagem e do que está

implícito na enunciação. A totalidade discursiva dessa mensagem contida na

embalagem só alcançará a sua concretude se todos os aspectos referentes ao não dito,

como, por exemplo, os implícitos ligados ao social, forem bem interpretados. O

publicista pretende criar sentidos e laços entre o público alvo pelo que a imagem de

Ben 10 representa no imaginário infantil masculino e não apenas pela beleza imagética

da embalagem.

Todo ato comunicativo apresenta um sujeito intencional, no caso o publicista, que

elabora seu discurso com a finalidade de atingir determinados objetivos. No caso da

publicidade, há um interesse comum, que é atingir o outro pela sedução e pelo

convencimento camuflado. O sujeito consumidor utiliza o Ben 10 para criar um laço

de afetividade com os meninos, na tentativa de ganhar a confiança deles, por meio de

uma mise en scène discursiva. Há uma performance, no ato linguageiro, que acontece

por meio das máscaras discursivas utilizadas pelo publicista, na tentativa de capturar o

outro para seus domínios.

Esse contrato de comunicação se estabelece por meio de alguns componentes

encontrados na situação comunicativa, tais como: o componente comunicacional, que

é responsável pela ligação entre produto e consumidor e que pode ser representado,

por exemplo, pela propagandista que atua nos supermercados e que faz a divulgação

do produto; o componente psicossocial, que é altamente subjetivo e que diz respeito ao

estado psíquico diante do ato de linguagem. Exemplo: um menino, que é fã dos

desenhos do Ben 10 se sentirá mais atraído pela embalagem do que outro que não é e,

for fim, o componente intencional, que está ligado à tentativa de conquista do público

alvo, que pode ser identificado pela escolha da figura do Ben 10 para representar os

meninos, visto tal personagem remeter a qualidades como força, valentia, coragem e

bravura.

Esse ato de linguagem, que funciona como uma encenação discursiva, é composto

por um circuito interno, formado por um EU enunciador e um TU destinatário,

protagonistas pertencentes ao discurso (seres do dizer) e por um circuito externo,

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formado por um EU comunicante e um TU interpretante, parceiros exteriores ao

discurso com identidade psicossocial (seres do fazer).

Assim, o publicista faz uma aposta no ato de comunicação, por meio de fatos e de

crenças que ele acredita estarem circulando socialmente. Com isso, o sujeito

anunciante constrói possibilidades de identidade em seu proveito, no intuito de

capturar o outro para seus domínios. Imaginar um consumidor ideal é “apostar fichas”

em conceitos e em ideias que ele acredita estarem partilhados socialmente, pois, caso

contrário, a publicidade não atingiria o outro. O Ben 10 representa o heroísmo, a

fortaleza e o vigor, que estão embutidos no imaginário dos meninos, simbolizando

atributos ligados à virilidade e à masculinidade.

Desse modo, a legitimidade do sujeito é construída pela identidade social, pois o

indivíduo age de acordo com o que é aceito e compartilhado na sociedade. Ele pensa

da seguinte forma: “Se o caráter do homem está ancorado na sua virilidade e na sua

macheza, eu serei viril e macho.” Desse modo, o menino “precisa” se espelhar e se

identificar com o Ben 10 e não com as princesas ou com as fadas, pois não é o que a

sociedade espera dele. Observamos, com isso, um aprisionamento identitário, pois o

sujeito atuará no mundo em nome de um valor aceito por todos.

Fica estabelecida, então, a identidade social, colaborando para a formação de traços

psicossociais formados pelo “consentimento” de um grupo social. A imagem do Ben

10, estampada na embalagem de dentifrícios para meninos, reforça a questão do

estereótipo, pois generaliza os gostos e as atitudes de um determinado grupo social,

obrigando-o a se comportar desta ou daquela forma, em nome de um único ponto de

vista, que pode ser retrógrado e ultrapassado.

Já a identidade discursiva é construída por meio de estratégias de credibilidade e de

captação. O publicista precisa conquistar a confiança do público alvo ao criar uma

credulidade sobre seus dizeres. Utilizar uma publicidade com personagens que estejam

ligados ao universo masculino infantil, como um menino de 10 anos, com poderes

além do normal, é criar uma situação de fidedignidade sobre a marca do produto.

Desse modo, o sujeito anunciante cria uma atitude de engajamento sobre seus

“sinceros” dizeres, por meio de um posicionamento acerca do que é dito no discurso

(estratégias de credibilidade).

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O discurso publicitário é elaborado no intuito de o publicista transmitir uma

imagem de benfeitor para o público alvo. Dessa forma, cria-se um discurso de

sedução, altamente envolvente, capaz de capturar o outro, por meio de um

compartilhamento de ideias, nessa interação comunicativa. Assim, ao selecionar a

imagem do Ben 10 com os braços para frente, sugerindo uma posição de combate, o

sujeito anunciante fortalece a imagem viril e corajosa destinada aos meninos, na

tentativa de criar uma imagem de sedução, valendo-se de encantos e de fascínio

(estratégias de captação).

Assim, os sentidos são construídos pelas maneiras de dizer o discurso. O Ben 10 é

um personagem que mexe fortemente com o imaginário masculino infantil, visto a

capacidade do personagem de se transformar em dez diferentes espécies alienígenas.

Dessa forma, o menino, ao se deparar com a imagem de Benjamin (Ben 10), constrói

significados a partir dos significantes expressos ligados aos alienígenas e,

consequentemente, aos poderes que cada um apresenta em sua composição.

Esse processo de semiotização é elaborado pelas maneiras de se pensar o real

(processo de transformação), compostas pelas seguintes categorias linguísticas:

identidade nominal, representada pela sigla CN (Cartoon Network), empresa norte-

americana responsável por entretenimentos, o substantivo creme na expressão creme

dental com flúor e cálcio, o logotipo Ben 10, criado desde a primeira temporada da

série, a marca Bitufo (termos substantivos); e pela identidade narrativa, representada

pelo verbo colecionar, na expressão colecione os super-heróis (verbos). Já a

qualificação (adjetivo) é representada pela caracterização dental com flúor e cálcio e,

por fim, a causação não está representada nessa imagem.

Outro processo de suma importância para que o sentido do ato de linguagem se

estabeleça é o de transação, que compreende alguns princípios, como o princípio de

alteridade, que é construído, na publicidade, com a finalidade de criar relações afins

entre o produto e o público alvo, como a figura do Ben 10, ligada à magia e ao

encanto, visto a possibilidade de o personagem adquirir novas formas e, também,

associada à força e à bravura, já que o objetivo do personagem é lutar contra o crime e

contra os alienígenas do mal; princípio de pertinência, ligado ao contexto e à sua

finalidade, como a posição de combate assumida pelo personagem, inclusive, com um

destaque para o Omnitrix, elemento central, que transforma o usuário em uma série de

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seres alienígenas, na tentativa de seduzir o público alvo; princípio de influência, que o

publicista utiliza para trazer o outro para seus domínios, como a proposta de colocar

imagens dos alienígenas (tipo figurinhas) na lateral da embalagem para conquistar e

para seduzir os meninos, e o princípio de regulação, que corresponde ao entendimento

dos parceiros acerca do ato linguageiro, como diferenciar a composição do dentifrício

ao afirmar que o creme dental além do flúor, também, apresenta cálcio, visto a

preocupação dos pais em oferecer um produto eficaz ligado à saúde bucal de seus

filhos.

Vale ressaltar que o conteúdo imagético, na publicidade, é um recurso altamente

envolvente e sedutor, que revela a tentativa do publicista em criar traços de caráter

sobre os dizeres veiculados na publicidade (ethos). Esse processo de convencimento

sobre o outro fez parte da Retórica Aristotélica, que utilizou termos como inventio,

dispositivo e elocutio, para tal finalidade. A criação do discurso (inventio) pode ser

representada pela criatividade do publicista em veicular figurinhas na parte lateral da

embalagem para serem colecionadas pelo público alvo; o encadeamento das partes do

discurso (dispositio) pode ser representado pela escolha do fundo verde da embalagem

para acompanhar a calça verde, os raios verdes do Omnitrix e o termo Ben, também,

na cor verde, no logotipo Ben 10, na tentativa de criar uma homogeneidade na

percepção visual da embalagem; e a verbalização do pensamento (elocutio) pode ser

representada pela colocação do verbo colecionar no imperativo afirmativo, marca do

comportamento alocutivo, na informação colecione os super-heróis, que pode denotar

uma ordem, um pedido ou uma sugestão.

Sabemos, também, que essa noção de ethos está ligada à construção da imagem do

sujeito como um ser sincero e virtuoso (aretê), diferente de outras noções, como a de

pathos e a de logos. A solidariedade e o excesso de boa vontade (eunóia) podem se

articular ao pathos, que se baseia no estado emocional do outro; enquanto o bom-senso

(phrônesis) pode se relacionar ao logos, que se baseia no discurso claro e lógico.

Desse modo, o anunciante tenta criar uma publicidade, por meio dessas propriedades

implícitas instauradas nos modos de dizer, na tentativa de seduzir o público alvo pelo

convencimento e pela persuasão camuflada.

Essa intencionalidade discursiva é construída de acordo com a circunstância e a

finalidade do discurso. Sabemos que a compra e a utilização de dentifrícios é algo

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comum e corriqueiro para a maioria da população. Com isso, o publicista tenta criar

estratégias sedutoras para cativar o público alvo. A mãe, normalmente a responsável

pela compra desse tipo de produto, também se utiliza dessas estratégias para

convencer o filho a escovar os dentes. Ela pode dizer: “Filho, vamos escovar os dentes

para depois recortarmos as figurinhas contidas na embalagem”, ou, ainda, “Filho,

vamos, sempre, comprar esse dentifrício para colecionarmos as figurinhas”, atingindo,

assim, a intenção do publicista em conseguir a captura do público alvo para seus

domínios.

Vale ressaltar, mais uma vez, que as figurinhas contidas na embalagem apresentam

a imagem do Ben 10 nas formas alienígenas, que simbolizam a força, a coragem e a

bravura do personagem. Desse modo, estabelecem-se as representações sociais ligadas

à questão do gênero masculino, que são construídas por meio de conhecimentos

compartilhados do mundo e de julgamentos prévios. O menino, desde cedo, é

colocado diante de um mundo, onde a virilidade está representada por ações e por

comportamentos que precisam ser próprios do homem, isto é, há uma “receita”, como

a de fazer bolo, que ensina ao menino ser macho e viril.

Encontramos, então, nessas representações, elementos ideológicos elaborados por

crenças e por valores construídos por opiniões e atitudes partilhadas na sociedade.

Criar um desenho que tem como protagonista um menino de apenas 10 anos e atribuir

forças sobrenaturais a esse garoto é fortalecer valores e conceitos cristalizados

socialmente, que levam à uma interpretação unívoca da realidade.

Há uma construção de sistemas de pensamento que faz o sujeito estabelecer

conceitos acerca das coisas da vida. O Ben 10 é um personagem que foge do padrão

dos super-heróis existentes, pois é um menino de 10 anos e não um homem, como a

maioria dos outros. O publicista, então, estabelece uma relação entre o que o Ben 10

representa e o que o menino precisa representar. O sujeito anunciante, provavelmente,

acredita que o menino se identificará mais com o Ben 10, que, também, é um garoto,

do que com outro super-herói de faixa etária adulta.

Percebemos, com isso, que o ato de linguagem é construído por meio de atribuição

de valores e de conceitos fundamentados nas esferas sociais. Assim, as construções

discursivas apresentam forte relação com os imaginários sociais e são formadas por

três tipos de memórias: memória dos discursos, ligada ao conhecimento de mundo

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com base nas experiências vividas, como acreditar que o Ben 10 só possa agradar aos

meninos; memória das situações de comunicação, ligada à realização psicossocial do

ato de linguagem, como oferecer uma outra utilidade para a embalagem que,

supostamente, só serviria para acomodar o tubo dental, como montar um jogo de

memória ou recortar as figurinhas para colecionar, na tentativa de convencer a criança

de que o ato de escovação, também, pode ser um momento lúdico e de brincadeira e,

por fim, memória das formas, ligadas às maneiras de dizer, como a informação creme

dental com flúor e cálcio expressa de forma simples e clara.

Notamos, assim, que essas representações sociais podem conduzir a simbolizações

coletivas cristalizadas, que resultam, normalmente, em conotações negativas de um

mundo preconceituoso (estereótipo). Sugerir que determinada publicidade é destinada

exclusivamente aos meninos ou às meninas é tornar o mundo unívoco e é, também,

fortalecer a questão do preconceito, por meio de uma generalização excessiva acerca

do gênero (masculino/feminino).

Definir algo ou alguém, tendo como referência um modelo padrão (arquétipo) é

simbolizar o mundo por meio de um inconsciente coletivo que, na maioria das vezes,

estigmatiza modos e comportamentos não aceitos socialmente. Há um juízo de valor

exacerbado, que gera imagens pré-concebidas e cristalizadas na sociedade.

Desse modo, cria-se um discurso por meio de estratégias altamente intencionais e

que são elaboradas por meio de relações cotextuais, isto é, relações internas do texto e,

também, por relações contextuais, ou seja, relações entre os componentes internos e o

contexto.

Nas relações cotextuais, observamos uma harmonia na cor verde do fundo da

embalagem, combinando com os olhos do Ben 10, com a sua calça, com os raios

luminosos que saltam de seu dispositivo Omnitrix e com o logotipo (todos verdes,

também); a imagem do Ben 10 acompanhada do logotipo (talvez, para a identificação

do personagem) e a informação colecione os super-heróis acompanhada,

seguidamente, das figurinhas para serem recortadas.

Nas relações contextuais, podemos citar a seleção do Ben 10 para estampar a

embalagem do produto, visto a necessidade de associar a marca a um personagem que

está veiculado ao universo infantil masculino. A publicidade deve criar uma imagem

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sedutora e que envolva o público alvo, fazendo com que ocorra uma identificação

entre os sujeitos participantes desse ato de comunicação. É interessante percebermos

que esse personagem foi criado por uma franquia de desenhos animados norte-

americana denominada Man of Action (homens em ação) e, que, pelo próprio nome, já

denota o tipo de composição de seus personagens. Na parte verbal, há um destaque no

tamanho das letras na marca Bitufo (com o fundo na cor vermelha para realçar a

informação), no logotipo Ben 10 e no sabor tutti frutti, com o objetivo de chamar a

atenção do provável consumidor.

Assim, todas essas estratégias utilizadas na publicidade são elaboradas no intuito de

criar um laço de afetividade e de identificação com o outro. Transformar uma simples

aquisição de um dentifrício para uso diário em algo especial é o objetivo do publicista,

que tentará elaborar estratégias de encantamento para capturar o público alvo. Veicular

imagens sedutoras e criar um mundo dos sonhos perfeito e ideal promovem a interação

entre os sujeitos discursivos pela afetividade, gerando a satisfação e a felicidade do

consumidor.

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ANÁLISE 5

- Embalagem atual

- Ano de veiculação: 2013/2014

- Marca: Ultra Action Kids

Tema: Minnie

A embalagem com a imagem da Minnie, personagem da Disney pertencente ao

universo do Mickey, seu namorado, constitui um ato linguageiro de interpretações

baseado na relação forma-sentido e que é instaurado por meio de um sujeito

intencional, no caso, o publicista, que cria um universo sedutor para as meninas.

A publicidade, normalmente, é criada tanto por meio de valores explícitos quanto

por meio de valores implícitos, ambos indissociáveis e igualmente relevantes para o

processo de construção de sentidos. Há uma comunicação com o receptor da

mensagem, isto é, com o público alvo, na tentativa de interagir e de criar um laço

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afetivo que encante e que afete tal público, objetivando o consumo da mercadoria e a

fidelidade do cliente à marca.

A Minnie é uma personagem altamente sedutora, criada em 1928 por Walt Disney

e que tem como nome original Minerva Mouse, porém, todos a conhecem por Minnie.

Teve a sua primeira aparição em janeiro de 1930, nos EUA, na história em quadrinhos

Lost on a Desert Island (Perdido em uma ilha deserta). Minnie é o par romântico de

Mickey, ratinho símbolo do mundo encantado de Walt Disney, e tem duas amigas: a

Clarabela, uma vaquinha simpática, atraente e amiga do Pateta, e a Margarida, uma

patinha doce e meiga, namorada do Pato Donald.

Esse universo encantado exerce uma influência social sobre aqueles que participam

e que compartilham dessas ideias, constituindo um ato de linguagem envolto pelo

posto e pelas entrelinhas discursivas. O sujeito anunciante, ao escolher a Minnie como

personagem central dessa publicidade, está, intencionalmente, “alimentando” a ideia

de que a delicadeza, a doçura e a meiguice fazem parte do universo das meninas, na

tentativa de associar essa embalagem ao público infantil feminino.

O sujeito anunciante cria a publicidade de modo a associar a parte linguística com o

universo extralinguístico, na tentativa de provocar sentimentos e sensações no outro,

por meio de máscaras discursivas, instauradas no ato de comunicação. Essa mise-en-

scène discursiva é muito utilizada pelos publicistas, que se valem desse recurso para

seduzir o público alvo e para trazê-lo para junto de si.

A Minnie “funciona” como a “Primeira-dama” das histórias infantis, visto a

importância do Mickey Mouse no mundo de Walt Disney. Desse modo, percebemos

que o sujeito anunciante objetiva uma visada de influência junto a uma

intencionalidade, que coloca a Minnie como chamariz para o público alvo, no caso, as

meninas.

Assim, quando se estabelece essa relação interacional entre os sujeitos discursivos,

cria-se um contrato de comunicação, que é composto por três componentes: o

comunicacional, que liga o produto ao público alvo, como, por exemplo, a publicidade

acerca dos dentifrícios postada na internet. Desse modo, o computador será uma

ferramenta do componente comunicacional, pois terá feito a ponte entre o produto e o

público alvo. O segundo componente é o psicossocial, que está ligado ao sentimento,

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no momento de aquisição do produto. Por exemplo, se uma menina faz aniversário

com o tema Minnie, poderá se identificar e se encantar com essa embalagem; e, por

fim, o intencional, que está voltado para o público alvo. Por exemplo, a seleção da

vestimenta da Minnie composta por um vestido rosa de bolinhas brancas

acompanhado de um laço de cabelo da mesma cor, sendo a mesma de vários episódios

da série A casa do Mickey Mouse, provavelmente, poderá fixar a imagem da ratinha,

na mente do público alvo, ou ainda, divulgar a série infantil.

Percebemos, com isso, estar a relevância da encenação discursiva pautada na

relação entre os sujeitos participantes desse jogo cênico. Se por um lado, há aquele que

quer divulgar e comercializar o produto (publicista), por outro, há aquele que quer ou

precisa ser seduzido para adquirir algo (público alvo). As circunstâncias do discurso

precisam ser averiguadas, no contrato de comunicação, para que se consiga o êxito

comunicativo. Assim, o publicista precisa criar uma embalagem de dentifrícios para

meninas que apresente imagens ligadas ao universo delas, de acordo com o senso

comum, no intuito de promover uma adesão aos seus dizeres.

A Minnie é companheira, dócil e tem um carisma muito forte, provavelmente por

ser a grande confidente e amada do Mickey. Ela é divertida, animada e está sempre

disposta a colaborar com os amigos, nos momentos difíceis. Desse modo, aproximar

esse universo lúdico da Minnie do ato de escovação é uma estratégia utilizada pelo

sujeito anunciante, na tentativa de seduzir as meninas e de tornar a escovação dental

algo prazeroso e agradável, visto a rejeição de algumas crianças em praticar tal ação.

Percebemos, então, que o ato de linguagem necessita dos saberes supostos que

circulam entre os sujeitos discursivos, para que o encontro dialético entre os processos

de produção e de interpretação se estabeleça. Há um circuito externo, constituído de

parceiros exteriores ao discurso, formado por seres reais com identidade psicossocial e

um circuito interno, constituído de parceiros pertencentes ao discurso, formado por

seres do imaginário, da palavra, criando expectativas referentes à encenação

discursiva.

O ato de linguagem, por meio de seus participantes, instaura posicionamentos, isto

é, pontos de vista acerca das coisas do mundo, situando o sujeito no aqui e no agora. O

publicista utiliza a imagem da Minnie para corroborar o que circula socialmente. A

menina, para ganhar credibilidade e ser aceita pelos membros de uma comunidade,

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acredita que deva ser meiga, simpática, alegre, carinhosa e companheira. A Minnie

preenche todos esses requisitos e ainda é bem sucedida emocionalmente, pois se

relaciona com o protagonista dos personagens de Walt Disney, o Mickey Mouse. Qual

menina não gostaria de namorar o líder da escola ou o garoto mais popular da rua onde

mora? Qual garota não gostaria de ser apontada na rua como a namorada “do cara”? A

Minnie carrega esse “troféu” por onde passa e não se importa de ser vista dessa forma.

Há uma relação sociointerativa entre o sujeito anunciante e o público alvo, formada

por construções identitárias, que fortalecem a imagem que os sujeitos projetam de si,

como a identidade social e a identidade discursiva. A identidade social legitima o

sujeito a agir desta ou daquela forma, em nome de um valor institucionalizado, como

se o vestido, o laço de cabelo e o carro da Minnie na cor rosa “autorizassem” as

meninas a usarem roupas e objetos com essa cor; enquanto a identidade discursiva é

construída por meio de estratégias de credibilidade, como a informação Baixa

abrasividade contida na embalagem, denotando valor de verdade e,

consequentemente, confiabilidade (atitude de engajamento); e estratégias de captação,

como o sorriso da Minnie e sua posição de braços abertos como um pedido de abraço,

na tentativa de conquistar o outro (atitude de sedução).

Percebemos, com isso, que o processo de construção de sentidos está ligado aos

modos de dizer. O sujeito estabelece relações com o outro, no ato de comunicação, de

acordo com o que está posto linguisticamente e com o que tais dizeres representam

socialmente. A semiotização do mundo está ligada aos processos de transformação e

de transação. O processo de transformação, que converte o mundo a significar em um

mundo significado, por meio da linguagem, apresenta quatro categorias linguísticas,

que são: identificação (substantivos), como a logomarca Disney, a marca Ultra Action

Kids, o substantivo casa ( a casa do Mickey Mouse) e o substantivo Gel da expressão

Gel dental com flúor ativo; qualificação (adjetivos), como a expressão caracterizadora

dental com flúor ativo; ação (verbos) e causação (modalizadores) não foram

encontrados na embalagem.

O processo de transação apresenta quatro princípios, que são: alteridade

(interação), como a escolha da cor rosa para colorir grande parte da embalagem, visto

ser destinada, pelo senso comum, ao público feminino; pertinência (ato apropriado ao

contexto), como o figurino usado pela Minnie ser o mesmo que ela usa nos episódios

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A casa do Mickey Mouse; influência (captura do outro), como o semblante alegre da

personagem, que procura contagiar o receptor e, por fim, regulação (ligado ao quadro

situacional), como oferecer uma imagem envolvente e sedutora na embalagem para

tornar o ato de escovação algo lúdico e prazeroso.

Com isso, o discurso se instaura no ato de comunicação, por meio das maneiras de

dizer do publicista, que constrói uma imagem sedutora, na tentativa de convencer e de

persuadir o público alvo. O objetivo do sujeito anunciante, nessa publicidade, é ganhar

a confiabilidade das meninas, que “precisam” criar laços afetivos para se identificarem

com o produto. Elaborar uma embalagem com a Minnie e com o seu mundo encantado

cor-de-rosa é tentar aproximar esse universo do caráter e do tipo social do sujeito

anunciante (ethos), pouco importando se essa imagem do anunciante/produto é real ou

não.

Essa tentativa de ganhar a confiança do outro pelo discurso existe desde a Retórica

Aristotélica, que utilizava recursos estratégicos, como inventio, ligado à criação do ato

comunicativo, visto, nessa imagem, pela escolha da natureza como pano de fundo, que

completa o cenário; dispositio, que representa a ligação entre as partes do discurso,

como o recurso à cor rosa, nessa imagem, estar presente no vestido, no laço, no carro

da Minnie, no termo Action da marca Ultra Action Kids e no fundo da logomarca

Disney; e, por fim, elocutio, que representa a verbalização do pensamento, visto, por

exemplo, na forma colorida das letras da informação A casa do Mickey Mouse.

Assim, o ethos construído pelo sujeito anunciante, que procura elaborar a imagem

do produto de maneira simples e franca, como a informação Baixa abrasividade

contida nessa embalagem, denota sinceridade por parte do publicista (aretê). Para

conseguir a captação do público alvo para seus domínios, o anunciante precisa,

também, despertar sentimentos que liguem o futuro consumidor à marca (pathos),

denotando afeto e estima em relação ao outro (eunóia), como o olhar meigo e

cativante da Minnie e seus braços abertos como se quisesse dar um abraço no receptor

da mensagem. Outra noção extremamente relevante para o processo de convencimento

sobre o outro é a de logos, argumentação clara e compreensível, como o sujeito que

apresenta prudência e competência em seus dizeres (phrônesis), visto na embalagem

na informação Gel dental com flúor ativo.

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Desse modo, o sujeito anunciante cria um discurso que atinge o outro pelos modos

de dizer. Há um propósito comunicativo, no ato de linguagem, que está ligado à

intencionalidade discursiva e que é construído por meio de ideias circulantes no

mundo. Relacionar a imagem da Minnie com o universo das meninas é ratificar o que

está compartilhado socialmente. Associar a cor rosa ao gênero feminino é cristalizar

considerações e conceitos acerca das coisas do mundo, por meio de crenças sociais

aceitas pela coletividade.

O pensamento humano funciona por meio de sistemas cognitivos pautados em

saberes, construídos com base nas ideias e nas crenças acerca do mundo. Assim, a

construção do dizer estará ligada ao social, pois a historicidade do sujeito e a sua visão

de mundo contribuirão fortemente para o seu modo de agir na vida real. Tais saberes

podem ser agrupados da seguinte forma: saberes de conhecimento e saberes de crença.

Podemos exemplificar os saberes de conhecimento, nessa embalagem, pela escolha

da Minnie e de seus trajes cor-de-rosa, pelo publicista, que acredita, por conhecimento

de mundo compartilhado, que tal imagem seduzirá o público infantil feminino (saberes

de experiência); enquanto os saberes de crença estão ligados aos julgamentos

subjetivos, construídos por juízos de valor, como o fato de o sujeito anunciante, nessa

embalagem, utilizar um lugar ligado à natureza como pano de fundo com o objetivo de

seduzir pela suposta beleza da imagem (saberes de opinião).

Tais representações podem funcionar como cristalizações coletivas e sociais e,

desse modo, estarão instauradas no campo dos estereótipos, vistos como uma

generalização excessiva ou indevida, normalmente negativa, acerca das coisas do

mundo. Caso o publicista acredite piamente que a imagem da Minnie só agrade e

seduza as meninas, esse pensamento pode contribuir para estereotipar esse grupo

social.

Podemos, também, considerar os arquétipos, as ideias comuns e os clichês como

elementos de representações simbólicas e sociais. Os arquétipos, vistos como modelos

padrões construídos pelo inconsciente coletivo, representam as meninas como seres

dóceis e meigos, distanciando as mesmas de temas ligados à ação e à aventura; as

ideias comuns, associadas aos modos de afirmar, apresentam um juízo de valor, como

o destaque para a logomarca Disney, no canto superior direito da embalagem,

denotando uma ideia de que, por estampar a marca Disney, o produto já ganha

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credibilidade (argumento de autoridade); e, por fim, os clichês, vistos como expressões

representadas sempre iguais, como a expressão Baixa abrasividade, exposta, sempre

da mesma forma, nas embalagens.

Percebemos que essas estratégias utilizadas pelo sujeito anunciante contribuem

para o êxito desse evento comunicativo, visto a constante interação entre aspectos

linguísticos e cognitivos com a sociedade. As relações contextuais ( o vínculo interno

entre os elementos constitutivos do discurso) podem ser observadas, por exemplo, na

escolha da cor rosa com bolinhas brancas do vestido e do laço da Minnie, causando

uma harmonia no visual da personagem. Já as relações contextuais ( o vínculo entre o

texto e contexto) podem ser observadas na informação A casa do Mickey Mouse, que

remete ao seriado de desenho animado da Disney.

Assim, o sujeito anunciante cria um discurso sedutor, que penetra no mundo dos

sonhos e da fantasia. A maneira de construção da imagem, tanto dos aspectos verbais

quanto dos aspectos não verbais é elaborada minuciosamente pelo publicista, que

procura embutir a possibilidade de felicidade e de concretização dos sonhos para o

público alvo.

Percebemos, por exemplo, que o termo Disney, já citado anteriormente, está posto

na parte superior direita da embalagem, ou seja, em posição de destaque, visto ser uma

marca forte no mercado de entretenimento e, que, consequentemente, funciona como

um argumento de autoridade; que a marca do produto Ultra Action Kids apresenta

formatos e cores diferentes, no intuito de criar um destaque; que a informação Baixa

abrasividade, com letras pequenas e na parte inferior direita da embalagem, é

construída dessa maneira para evitar destaque, visto a abrasividade poder gerar um

sentido negativo no produto e que a informação A casa do Mickey Mouse está posta

com letras grandes e coloridas, provavelmente, no intuito de promover o seriado de

desenho animado com o mesmo nome.

Notamos, ainda, que a imagem da Minnie está posta com um semblante feliz e com

os braços abertos (como quem pedisse um abraço, já dito anteriormente, ou como

quem estivesse apresentando o dentifrício Ultra Action Kids e também o seriado

infantil A casa do Mickey Mouse), no intuito de seduzir e capturar o receptor da

mensagem; que há no pano de fundo: celeiro, árvores, vegetação e céu azul, podendo

estar se referindo à morada do Mickey (no seriado) e, por fim, que há um destaque na

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cor rosa do laço, do vestido e do carro da Minnie, visto, como já citado também, a

importância dessa cor para o universo feminino, simbolizando romantismo, ternura,

beleza, ingenuidade, fragilidade, enfim, características compartilhadas socialmente e

que são atribuídas, pelo senso comum, ao gênero feminino.

Percebemos, assim, que o material explícito na mensagem atingirá seu objetivo

máximo, isto é, a interpretação adequada, se analisado concomitantemente com o

material implícito (pressupostos e inferências). Vale ressaltar que o pressuposto é um

dado posto na mensagem como indiscutível e incontestável; enquanto a inferência

(subentendido) pode ser questionada, como, por exemplo, a informação de que o carro

rosa pertence à Minnie (inferência possível).

Assim, o discurso da publicidade é construído, por meio de estratégias e de

recursos tanto linguísticos quanto icônicos. O sujeito anunciante, por meio de uma

afetividade intencional, tentará seduzir e capturar o público alvo para seus domínios de

forma camuflada e eficaz.

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ANÁLISE 6

- Embalagem atual

- Ano de veiculação: 2013/2014

- Marca: Ultra Action Kids

- Tema: Mickey Mouse

A publicidade tem como aspecto linguageiro o ato comunicativo envolto por

sujeitos históricos e sociais em interação, resultando em um contrato firmado entre tais

membros inseridos na sociedade. A embalagem com a imagem do Mickey representa

uma construção de sentidos elaborada por um sujeito intencional, que instaura uma

relação forma-sentido acerca de um projeto que liga o social ao linguístico.

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Há um valor explícito que precisa ser investigado junto a um valor implícito, pois

ambos constituem o ato linguageiro em sua totalidade discursiva. O publicista constrói

o seu discurso por meio de uma mise-en-scène, no intuito de criar uma performance

que encante e que seduza o outro.

Michael Mickey Mouse (nome original), mais conhecido como o ratinho Mickey,

é o símbolo de Walt Disney Company, criado pelo próprio Walt Disney, em 1928, e,

também, pelo desenhista Ub Iwerks. A alteração do nome ocorreu pelo fato de Lillian,

esposa de Walt Disney, considerar o nome Michael muito formal para o personagem.

É interessante pontuarmos que o personagem, no início, era politicamente incorreto,

pois ingeria bebidas alcoólicas e fumava cigarros, porém com sua popularidade, Walt

Disney resolveu torná-lo sem vícios (em 1930).

Vale ressaltar que Walt Disney teve um carinho especial pelo personagem, pois

resolveu usar a própria voz para dublá-lo. O Mickey fez tanto sucesso que passou de

um simples personagem das histórias infantis para se tornar o símbolo do Walt Disney

World, conhecido mundialmente. É importante considerarmos, também, que o Mickey

foi o responsável pela ascensão profissional de Walt Disney, visto o declínio

financeiro que o empresário estava vivendo. Desse modo, ele fez do ratinho o seu

amuleto, inclusive, rebatendo e negando as considerações de seus sócios, que queriam

“matar” o personagem, pois eles acreditavam que o Mickey seria um futuro fracasso

dos desenhos infantis.

O personagem se tornou tão importante nos Estados Unidos que a Lei dos Direitos

Autorais (domínio público) foi alterada e ampliada por mais vinte anos (antes, durava

setenta anos e, depois, passou a durar noventa anos). Walt Disney Company entrou

com esse pedido na justiça para aumentar o prazo dos direitos autorais sobre o

Mickey, que passou do ano de 1998 para o ano de 2018. Vale lembrar que essa Lei de

prorrogação do copyright ganhou o apelido de Lei Mickey.

O Mickey foi criado no curta-metragem mudo de animação Plane Crazy (o maluco

do avião), primeiro filme de desenho animado mudo de Walt Disney, em 1928, porém

sua primeira aparição foi no desenho sonoro Steamboat Willie (o barco a vapor de

Willie), apresentado no Colony Theatre, em Manhattan, Nova York, também em 1928.

Isso ocorreu devido ao fato de o som ter surgido nas telas dos cinemas nesse período,

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no meio da elaboração do filme mudo. Desse modo, os produtores criaram,

rapidamente, um desenho sonoro com o personagem Mickey para marcar a sua estreia.

Percebemos, assim, a força do personagem na construção de sentidos, pois sua

trajetória de sucesso é percebida, até hoje, na sua representatividade, no mundo de

Walt Disney. Desse modo, o publicista, ao construir a embalagem com a imagem do

Mickey, estará comunicando ao seu interlocutor que a marca Ultra Action Kids

apresenta tantas qualidades quanto as do ratinho da Disney. O Mickey é o simpático

namorado da Minnie, o amigo inseparável do Pato Donald, do Pluto, da Margarida, do

Pateta e do Coronel Cintra, e tio dedicado do Chiquinho e do Francisquinho. O

ratinho, também, combate o mal, sendo inimigo do Bafo de Onça, do Mancha Negra e

do Ranulfo.

Desse modo, percebemos que há uma intencionalidade, por parte do sujeito

anunciante, que utiliza uma imagem altamente rica, no que diz respeito aos sentidos

gerados, para conseguir a adesão do consumidor aos seus domínios. A imagem do

Mickey não constrói um único sentido, pois há um discurso em movimento, nunca

estático, que elabora dizeres e sentidos, por meio das representações sociais e

discursivas, embutidas no ato comunicativo.

Percebemos, com isso, que se instaura no processo comunicativo o contrato de

comunicação, representado por três componentes: o comunicacional, o psicossocial e o

intencional. O componente comunicacional é aquele que liga o produto ao

consumidor; enquanto o componente psicossocial é aquele que depende da reação

emocional da criança diante da aquisição do produto, como, por exemplo, uma criança

que, tendo todos os vídeos da série A casa do Mickey Mouse, se sentirá muito mais

atraída por essa embalagem do que aquela que não assiste aos desenhos com esse

personagem. Já o componente intencional, ligado aos consumidores do produto, pode

ser representado, por exemplo, pelo fato de o Mickey estar trajando suas vestimentas

originais, como calça vermelha com dois botões brancos e luvas brancas, no intuito de

fixar a imagem do ratinho na mente das crianças.

Notamos, assim, que o ato de linguagem se torna uma encenação discursiva, pois

os sujeitos interagentes do discurso atuam nesse processo interacional, por meio de

processos enunciativos de produção (criado por um EU comunicante e dirigido a um

TU destinatário) e de interpretação textuais (criado por um TU interpretante, que

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constrói uma imagem do EU enunciador para o locutor). O sujeito anunciante elabora

a publicidade, por meio das circunstâncias do discurso, envolto por saberes que

circulam entre aqueles que participam desse jogo cênico linguageiro.

Esse processo interenunciativo é construído por meio de uma mise en scène

discursiva composta por sujeitos de ação EU e TU. Desse modo, estabelece-se a

relação contratual no circuito interno, composto por um EU enunciador, que se

relaciona com um TU destinatário (seres do dizer); e um circuito externo, composto

por um EU comunicante, que se relaciona com um TU interpretante (seres do fazer).

Com isso, cria-se um processo constitutivo identitário, que apresenta forte relação

com as questões discursivas e sociais. O sujeito anunciante cria uma imagem do

dentifrício, por meio do que é posto tanto pela linguagem verbal, quanto pela

linguagem imagética. A identidade social é construída por meio de direitos e de

deveres que o sujeito deve exercer em nome do que é esperado pela coletividade

(traços psicossociais). Há, com isso, um efeito de influência sobre o outro, que,

construirá sentidos não só pela identidade social, mas também, pela identidade

discursiva, que se constrói pelas escolhas que o sujeito faz para conseguir a adesão do

outro, no que diz respeito aos seus dizeres.

A identidade social legitima o sujeito a agir desta ou daquela forma, como, por

exemplo, na questão ligada às cores. Desde a gestação, os pais, antes de saberem o

sexo do bebê, constroem o mundo infantil com outras cores, excluindo o azul ou o

rosa, que marcam o gênero masculino/feminino, respectivamente. Percebemos, com

isso, que, desde cedo, a criança é sugestionada, de início, pelos pais e, depois, pela

sociedade, a se identificar com determinadas imposições críveis socialmente. Há um

compartilhamento de ideias que diferenciam a criança e a colocam de lado, caso ela

não aceite determinados ideais construídos pela coletividade.

A identidade discursiva é construída por meio de um duplo espaço de estratégias, a

de credibilidade e a de captação. Nas estratégias de credibilidade, o sujeito anunciante

tenta criar um discurso que passe sinceridade e que construa uma imagem da marca do

produto com valor de verdade. É como se ele pensasse: “O que devo fazer para

levarem meu produto a sério?”

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O sujeito anunciante precisa, então, dispor de estratégias de credibilidade para

conseguir a confiança de seus dizeres, que é verificada, nessa publicidade, por uma

atitude de engajamento, como por exemplo, Baja Abrasividad (ressaltando que a

expressão se encontra em espanhol por se tratar de um produto que é exportado para

vários países), que passa uma imagem de credulidade acerca do produto.

Outra estratégia de suma importância no processo de construção da identidade

discursiva é a estratégia de captação, que visa ao convencimento sobre o sujeito

destinatário. O publicista utiliza determinados artifícios para conseguir a adesão do

público alvo aos seus dizeres, como, por exemplo, a informação Gel dental com flúor

activo (gel dental com flúor ativo), na tentativa de seduzir (atitude de sedução) e de

capturar o outro pela presença do flúor no dentifrício, denotando a eficácia e a boa

qualidade do produto.

Desse modo, os sentidos são construídos pela semiotização do mundo, que situa o

sujeito mediante as circunstâncias do discurso. O ato comunicativo, para ser bem

interpretado, precisa ser pautado nos processos de transformação e de transação. O

processo de transformação, que marca a maneira de se pensar a realidade por meio da

linguagem, é composto por quatro categorias linguísticas, que são: identificação

(substantivos), como, por exemplo, os termos Gel, flúor, Action, Abrasividad, Disney e

Bubble gum (chiclete); qualificação (adjetivos), como, por exemplo, os termos dental,

Activo (ativo) e Baja (baixa); já a ação (verbos) e a causação (elementos

modalizadores) não foram encontrados na embalagem.

O processo de transação, que está ligado às instâncias de produção e de

interpretação, vinculadas à interação entre o sujeito destinatário e o “mundo

significado”, apresenta quatro princípios, que são: princípio de alteridade, ligado à

interação entre os sujeitos discursivos, por meio de saberes compartilhados

socialmente, como acreditar que a cor azul da embalagem possa remeter ao universo

masculino; princípio de pertinência, ato apropriado à sua finalidade, como a escolha de

um personagem das histórias infantis para estampar a embalagem de um dentifrício

para crianças; princípio de influência, responsável pela captura do outro, por meio de

uma intencionalidade, como o sorriso cativante do ratinho; e, por fim, o princípio de

regulação, ligado às estratégias que regulam o jogo de influências, como a tentativa de

criar um ambiente lúdico associado ao ato de escovação dental, visto nas bolinhas

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brancas, no fundo da embalagem, e nas estrelas amarelas, próximas à luva do Mickey,

denotando uma magia e um encanto sedutor na imagem.

Assim, o sujeito anunciante cria uma imagem de si e, consequentemente, do

produto, no intuito de oferecer uma credibilidade discursiva, por meio do que é

proferido no discurso. Desse modo, instaura-se, no ato comunicativo, a noção de

ethos, que representa a imagem que o publicista elabora para o produto. Há uma

tentativa, por parte do publicista, de elaborar uma publicidade que torne o produto

digno de confiança, com o objetivo de seduzir o público alvo. Notamos que a

publicidade deve parecer franca, isto é, quanto mais o discurso parecer sincero,

maiores serão as possibilidades de adesão aos dizeres (aretê), como a informação Baja

abrasividad (baixa abrasividade), que denota um discurso verdadeiro e,

consequentemente, natural e autêntico.

Desse modo, as maneiras de dizer instauradas no discurso contribuirão fortemente

para a imagem de credibilidade e de confiabilidade do produto. Aristóteles, em sua

Retórica, considerou relevante a utilização de termos essenciais para o processo de

construção da imagem do sujeito orador, como inventio, ligado à criação do discurso,

como o fundo da embalagem, que contem bolinhas brancas, denotando sonhos e

fantasias; dispositio, isto é, o encadeamento das partes discursivas, como a posição do

Mickey, que parece estar em movimento com os braços e, que, com isso, pode fazer

uma ligação com a marca Ultra Action Kids (que tem o termo ação em sua

composição); e por fim, elocutio, entendido como a verbalização do pensamento,

como expressar o sabor Bubble Gum (chiclete) dentro de uma imagem com formato de

estrela, visto o produto ser destinado ao público infantil.

Percebemos, então, que as formas de enunciar o discurso influenciam bastante o

sujeito consumidor, no momento de aquisição do produto. Vale ressaltar que essas

formas são construídas, também, com base em termos significativos, no que diz

respeito à construção de sentidos, como o pathos, ligado ao estado emocional que se

pretende despertar no outro, articulado à tentativa de construir uma imagem agradável

de si (eunóia), visto, por exemplo, no semblante feliz do Mickey e, ainda, o logos,

ligado ao argumento claro e compreensível, demonstrado por um discurso ponderado

(phrônesis), visto, por exemplo, na informação Gel Dental com Flúor Activo.

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Notamos, assim, que a publicidade é construída pela relação que o sujeito

anunciante cria com o público alvo. As circunstâncias e a finalidade do discurso

contribuem fortemente para as representações sociais instauradas no ato comunicativo.

Há saberes que precisam ser compartilhados para que o jogo discursivo se estabeleça

entre os atores sociais, como saberes de conhecimento, que, na publicidade, são

construídos por meio de explicações baseadas em experiências acerca do mundo

socialmente partilhado (saberes de experiência) e, também, saberes de crença, que, na

publicidade, são construídos por meio de julgamentos subjetivos acerca do mundo,

como, por exemplo, uma opinião relativa acerca do Mickey, considerando o

personagem inocente (opinião totalmente subjetiva).

As representações sociais podem, muitas vezes, funcionar como elementos

cristalizados socialmente. Como o Mickey faz par romântico com a Minnie, é muito

comum que o público infantil se divida, na questão relacionada ao gênero

(masculino/feminino), tendo os meninos uma identificação com o Mickey e as

meninas, com a Minnie. As crianças, normalmente, no dia a dia, fazem esse tipo de

separação, como, na escola, onde elas se dividem em grupos: de um lado, os meninos

e de outro, as meninas. Vale ressaltar que, se algo foge dessa maneira de se pensar, é

muito comum o grupo desprezar aquele que não se enquadra no que é compartilhado

socialmente, praticando bullying movido a preconceitos e criando juízos de valor

sobre atos e comportamentos alheios.

Os estereótipos, vistos como uma ideia preconcebida acerca de um grupo social,

são representações cristalizadas acerca de uma dimensão isolada da realidade, como,

por exemplo, acreditar que o Mickey e a cor azul só agradem aos meninos. Outra

representação também posta, nessa embalagem, é a noção de clichê, vista como uma

expressão cristalizada, repetida sempre da mesma forma, como a expressão Baja

Abrasividad (baixa abrasividade), colocada, nas embalagens de dentifrícios, sempre do

mesmo jeito, como vimos nas análises anteriores.

Percebemos que o discurso funciona por meio das relações criadas pelos elementos

internos do discurso, isto é, entre os elementos linguísticos (relações cotextuais),

como, por exemplo, as informações Gel Dental com Flúor Activo e Baixa

Abrasividad, que correspondem à composição química do produto, estarem postas

com as letras do mesmo tamanho e da mesma cor; e, também, pelas relações criadas

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entre os elementos internos e o contexto (relações contextuais), como, por exemplo, a

marca Disney posta em destaque, separadamente, no lado esquerdo inferior da

embalagem, visto o argumento de autoridade que a marca apresenta pela sua

representatividade no mundo de entretenimento mundial, como um selo de qualidade

do produto.

Assim, a publicidade constrói sentidos pelas maneiras de dizer e de mostrar o

discurso, pois o sujeito anunciante criará estratégias para promover o convencimento

sobre o público alvo. Encantar os meninos pelo que o Mickey representa é instaurar

sentidos embutidos no mundo dos sonhos infantis, por meio de uma afetividade e de

uma felicidade criadas, intencionalmente, para gerar a interação entre os sujeitos

discursivos no ato comunicativo.

Outro recurso altamente eficiente no que diz respeito aos meios de persuasão e de

convencimento sobre o outro é a questão das cores. Percebemos que a embalagem

investigada apresenta, predominantemente, a cor azul, pois se crê pelo senso comum,

que essa cor faz parte do universo masculino. Dificilmente, um menino iria adquirir

um produto na cor rosa, ou ainda, com a Minnie estampada na embalagem do

dentifrício, pois o menino e sua mãe estariam “fugindo” do que é aceito e permitido

socialmente. Notamos, também, um destaque na marca do produto Ultra Action Kids

escrita com as cores vermelha (cor chamativa que, inclusive, é utilizada em correção

de provas) e amarela (cor que remete à prosperidade e à riqueza, inclusive, muito

utilizada na publicidade). Desse modo, o publicista utiliza o universo das cores

baseado no que elas podem representar culturalmente, no intuito de capturar o público

alvo para seus domínios.

Assim, o texto publicitário é construído pelo sujeito anunciante, que procura

instaurar no discurso aspectos que vão além da superfície textual. Criar uma

publicidade sedutora envolve tanto o que está explicitado na superfície textual quanto

o que é elaborado implicitamente. Vale ressaltar que os implícitos apresentam duas

categorias distintas: os pressupostos, tidos como sentenças verdadeiras e verificados

linguisticamente no discurso; e as inferências (ou subentendidos), que são ideias

deduzidas, não comprovadas linguisticamente, como, por exemplo, supor que o sujeito

anunciante posicionou o Mickey com uma ideia de movimento, como se ele estivesse

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dançando ou, ainda, como se ele estivesse contando uma luta que teve e de que se saiu

vitorioso.

Notamos, então, que o discurso publicitário é altamente rico, no que diz respeito

aos modos de elaboração e de interpretação discursiva. O publicista constrói um

universo dos sonhos e de fantasias, na tentativa de seduzir o consumidor, por meio de

estratégias que envolvem tanto os aspectos linguísticos quanto o que está ligado ao

conhecimento de mundo. Dessa forma, cria-se um elo entre o sujeito anunciante e o

público alvo, promovendo a interação e o possível êxito do ato comunicativo.

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ANÁLISE 7

- Embalagem antiga

- Ano de veiculação: década de 1970

- Marca: Colgate

Tema: A pasta de dente “Colgate com gardol”

ANOS 70

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As embalagens de dentifrícios da década de 1970, geralmente, serviam apenas

como suporte para o creme dental, pois parece que os publicistas pela peça publicitária

ainda não as utilizavam como veículo imagético, na tentativa de seduzir o público alvo

pelas representações construídas em sua superfície. Desse modo, os métodos de

divulgação e, consequentemente, de chamar o outro para seus domínios eram feitos

por meio de publicidades veiculadas em revistas, radio e televisão, sendo que a

embalagem do dentifrício integrava-se ao todo da mensagem publicitária.

Assim, o ato de comunicação se instaura no discurso, que é construído por um

sujeito intencional, que atua em um projeto de influência social. Nesse sentido, a

publicidade, para alcançar o êxito comunicativo, é construída e analisada por meio de

um duplo valor: explícito e implícito. É importante pontuarmos que esses valores são

fundamentais, no que diz respeito aos meios de construção de sentidos, pois a

amplitude de significâncias acerca do ato comunicativo é a responsável pela efetiva

realização do ato linguageiro.

O sujeito anunciante utiliza, nessa publicidade, a imagem de um menino que,

supostamente, está achando prazeroso o ato de escovação dental devido ao gosto

saboroso que o dentifrício possui. Percebemos tal fato por meio de linguagem

corporal: olhos arregalados e língua para fora da boca e, também, pelos dizeres

contidos na publicidade: “Mamãe compra porque combate as cáries. Eu uso porque é

gostoso!” Com isso, notamos uma mise en scène discursiva, criada pelo publicista, no

intuito de seduzir e de capturar o público alvo para seus domínios. Assim, fica

estabelecido o contrato de comunicação entre os parceiros ativos discursivos, que

constroem a totalidade discursiva do ato comunicativo tanto pelo que está posto

quanto pelo que pode estar contido nas entrelinhas do discurso.

Há uma intencionalidade por parte do sujeito anunciante, que constrói seus dizeres

por meio de um discurso em constante movimento, na tentativa de atingir a afetividade

do outro. Essa estratégia comunicativa é realizada por meio do mundo das palavras,

isto é, dos elementos internos constitutivos do discurso e, também, por meio do que

extrapola os limites do texto, ou seja, os aspectos extralinguísticos. Percebemos, com

isso, que a construção de sentidos de um texto, principalmente o publicitário, é

realizada de forma ampla, porém, sempre coerente. Dessa maneira, o contrato de

comunicação se firma nesse jogo cênico-discursivo, tendo a participação de um sujeito

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anunciante (que expõe o produto) e, também, de um sujeito consumidor (que precisa

se identificar com o produto).

Como sabemos, o contrato de comunicação apresenta três componentes: o

comunicacional, o psicossocial e o intencional. O componente comunicacional (elo

entre o produto e o consumidor) está representado, nessa publicidade, pelo meio

impresso que divulgou o produto, provavelmente, uma revista; o componente

psicossocial (relação afetiva com o objeto) pode ser explicado por meio da satisfação

que o garoto parece estar sentindo e que visa a contaminar futuros possíveis

compradores; e, por fim, o componente intencional (voltado para o público alvo),

como a escolha de um menino para estampar a publicidade acerca de um dentifrício

destinado a toda família com a intenção de capturar, em especial, as crianças para

tornarem-se consumidores do produto.

Dessa forma, notamos que o contrato de comunicação firmado entre os sujeitos

discursivos é instaurado por meio de uma encenação discursiva. Há um

entrecruzamento de sujeitos, que estão em interação constantemente e que

“funcionam” por meio de ações interenunciativas. As circunstâncias do discurso, bem

como a sua finalidade são as responsáveis pelo posicionamento de tais sujeitos no aqui

e no agora, influenciando nos processos de produção e de interpretação textual.

Há um circuito interno, formado por um EU enunciador que se dirige a um TU

destinatário (protagonistas do dizer pertencentes ao discurso) e, também, um circuito

externo, formado por um EU comunicante que se dirige a um TU interpretante via TU

destinatário (parceiros do fazer, exteriores ao discurso e que possuem identidade

psicossocial). Desse modo, o processo interacional se estabelece, por meio de um

encontro dialético entre os processos de produção e de interpretação textual.

Com isso, a construção das identidades ocorre tanto por meio dos traços

psicossociais dos sujeitos ativos, quanto por meio das escolhas linguísticas que esses

sujeitos empregam em seus dizeres. As embalagens de dentifrícios, na década de 1970,

não funcionavam como recursos de veiculação do ethos (masculino/feminino), pois os

cremes dentais eram destinados a toda a família, incluindo adultos e crianças.

Vale ressaltar que a criança, até a década de 1970, não tinha muita ingerência na

vida social e familiar. Os produtos de higiene pessoal, como os dentifrícios, por

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exemplo, eram adquiridos pelos pais sem a menor opinião da criança. As empresas

ligadas a esses tipos de produtos não fabricavam dentifrícios específicos para o

público infantil, porém, havia uma necessidade de “mostrar” que os cremes dentais,

também, poderiam ser utilizados pelas crianças.

Assim, o sujeito anunciante elaborava publicidades envolvendo meninos e meninas

sem, ainda, a pretensão de dividir esse público em gênero (masculino e feminino).

Desse modo, mesmo sendo um menino que protagonizasse uma publicidade de

dentifrícios, estes serviriam, também, às meninas e vice-versa. O importante, nesse

momento, era incluir as crianças na formação de possíveis consumidores, aumentando,

com isso, o público alvo.

A partir desse quadro histórico, percebemos que os sujeitos anunciantes estavam

preocupados em firmar a construção de identidades acerca dos produtos

comercializados. Sabemos, pois, que o funcionamento do ato comunicativo está ligado

aos meios constitutivos dos sujeitos interagentes, por suas identidades sociais e

discursivas.

A identidade social está associada à legitimação do sujeito, que atua no mundo,

tendo a conivência e a aceitação da sociedade. Se pensarmos nas grandes

transformações ocorridas no Brasil, nos anos 70, notaremos que a questão identitária

estará fortemente presente na constituição do sujeito. Os pais das crianças da década

de 1970, por terem vindo de um período repressor e violento (ditadura militar),

poderiam dar mais liberdade de expressão aos seus filhos, deixando-os mais à vontade

para expressar suas ideias.

Percebemos, também, que, com o fim da ditadura, as diretrizes educacionais

passaram por transformações. As políticas públicas conferiram uma maior autonomia

às escolas em suas propostas pedagógicas. As famílias, também, modificaram a sua

estrutura, pois, com o aumento das separações entre os casais e a crescente entrada da

mulher no mercado de trabalho, foram favorecidos novos padrões de comportamento e

relacionamento familiar, atribuindo aos jovens direito à palavra.

Desse modo, o sujeito anunciante cria uma publicidade baseada nos traços

psicossociais da criança da década de 1970 (identidade social), como, por exemplo,

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selecionar a imagem de um menino com as feições de um garoto falante, vivo e

esperto.

A identidade discursiva diz respeito às estratégias de credibilidade, como por

exemplo, nessa publicidade, a informação Colgate com Gardol, no intuito de ganhar a

confiança do público alvo. Vale ressaltar que a Colgate, líder no mercado, fez um

sucesso instantâneo ao criar um dentifrício com uma substância anti-cárie (gardol).

Esse elemento químico pode ser comparado, hoje, ao flúor, tão divulgado e presente

nos dentifrícios. A partir desse sucesso, a Kolynos, vice líder no mercado, entrou na

competição e criou o dentifrício Kolynos com clorofila e, depois, a Signal criou Signal

com hexaclorofenol, competindo com as líderes no mercado.

O público alvo desses dentifrícios, por mais que não soubesse a real eficácia dessas

substâncias na cavidade oral, sentia-se seguro nesse “algo a mais” e passou a “obrigar”

as demais marcas a acrescentarem competitivamente um “componente x”, denotando a

credibilidade do produto.

Outra estratégia de suma importância, no que diz respeito à identidade discursiva, é

a de captação, que busca a captura do outro para a aquisição do produto. Essa

estratégia se confirma nessa publicidade, por exemplo, na escolha de uma criança para

protagonizar um comercial de creme dental já destinado a toda a família. É como se o

publicista dissesse: “O creme dental Colgate com gardol, também, pode e deve ser

utilizado pelas crianças.”

Notamos, então, que o processo de construção de sentidos está ligado à questão de

intencionalidades do sujeito anunciante, que cria um discurso que seduz o público

alvo. Há um “mundo a significar”, que é modificado perante as circunstâncias do

discurso e a sua finalidade, transformando-se em um “mundo significado” (processo

de transformação) e, também, é necessário que o sujeito destinatário, por meio de

instâncias de produção e de interpretação, interaja com esse “mundo significado” para

que ocorra a troca comunicativa entre os sujeitos dialógicos discursivos (processo de

transação).

Vale ressaltar que o processo de transformação é realizado por meio de elementos

linguísticos encontrados no texto. A publicidade analisada apresenta, em seus

constituintes internos, a expressão Colgate com gardol e, também, as orações:

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“Mamãe compra porque combate as cáries.”/”Eu uso porque é gostoso!”. Esse

processo é composto por quatro categorias linguísticas, que são: a identificação

(substantivos), como, por exemplo, os termos Colgate, gardol, mamãe, cáries; a

qualificação (adjetivos), como, por exemplo, o termo gostoso; a ação (verbos), como,

por exemplo, os termos compra, combate e uso; e, por fim, a causação (conectores e

modalizadores), como, por exemplo, o termo porque, relacionando causa à

consequência (Mamãe compra porque combate as cáries/Eu uso porque é gostoso).

O processo de transação apresenta quatro princípios, que são: princípio de

alteridade, que tem como objetivo a legitimidade do interlocutor, por meio de uma

interação comunicativa, como, por exemplo, no fato de explicitar a mãe como

compradora do produto; princípio de pertinência, que visa ao ato de linguagem

apropriado ao contexto, como, já dito anteriormente, a escolha de um menino para a

publicidade, no intuito de incluir ou de reforçar a ideia da criança também utilizar o

creme dental; princípio de influência, que tem como o objetivo a captura do outro,

como a imagem de um menino, com jeito vivo e brincalhão para seduzir o desejado

consumidor; e, por fim, princípio de regulação, ligado ao quadro situacional, como,

por exemplo, tentar influenciar o outro com a ideia de que o ato de escovação dental é

prazeroso, por meio do dizer “Eu uso porque é gostoso” e, também, pelo jeito

engraçado do menino.

Dessa forma, estabelece-se a questão do ethos, isto é, da imagem de credibilidade

discursiva gerada pelos modos de dizer. O discurso entre aspas proferido pelo menino

nos indica a reprodução fiel e direta do que foi dito: “Mamãe compra porque combate

as cáries. Eu uso porque é gostoso.” Esse menino, então, constrói um dizer que nos

remete a uma franqueza ao expor suas ideias (aretê), pois ele e a mãe pensam de

forma diferente, em relação ao uso do dentifrício. O ethos da mãe é construído como

uma mulher cuidadosa e preocupada com a saúde oral do seu filho, enquanto o ethos

do menino é construído como um garoto descompromissado com a saúde, como é

comum nessa faixa etária, no que diz respeito aos dentes e que se importa, apenas,

com prazer do gosto agradável do creme dental.

Notamos, também, que o ethos está ligado a termos como: inventio, que diz

respeito à criação do discurso, como a escolha de um menino “descolado” para

protagonizar a publicidade; dispositio, que se refere ao encadeamento das partes

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discursivas, como associar a imagem do menino saboreando o creme dental ao seu

dizer “Eu uso porque é gostoso.” ; e, elocutio, que está ligado à verbalização do

pensamento, como a escolha de duas orações subordinadas adverbiais causais para

construir tanto a imagem da mãe, quanto a do menino, na tentativa de criar um

paralelismo estrutural.

Outras noções, também, devem ser consideradas na construção do discurso, como a

de pathos, ligada ao estado emocional do outro, como caracterizar o menino, já dito

anteriormente, como um ser brincalhão, na tentativa de construir uma imagem

agradável de si para afetar o outro (eunóia); e, também, a de logos, associada ao

discurso claro e compreensível, como na oração: “Mamãe compra porque combate as

cáries”, denotando a opinião competente da mãe acerca do dentifrício (imagem da

mãe) (phrônesis).

Percebemos, com isso, que a construção do discurso apresenta forte relação com as

circunstâncias e com a finalidade do ato comunicativo. O conhecimento de mundo e os

julgamentos que o sujeito faz acerca de atitudes e de maneiras de se pensar a realidade

estão ligados aos processos de intencionalidade discursiva, denotando as maneiras de

dizer o discurso. Essas representações sociais são elaboradas por saberes de

conhecimento e por saberes de crença. Os saberes de conhecimento são construídos

além da subjetividade do sujeito e, logo, exteriores ao homem, como acreditar que o

componente químico gardol, associado ao creme dental, trará benefícios ao elemento

dentário (saberes científicos); enquanto os saberes de crença são construídos por

julgamentos subjetivos acerca do mundo, como, por exemplo, o menino achar o gosto

do dentifrício agradável (saberes de opinião relativa).

Notamos, então, que podem ser criados pensamentos cristalizados acerca de

atitudes ou de um grupo social, instaurando-se a noção de estereótipo, no ato

comunicativo. Essa generalização excessiva pode ser exemplificada, nessa

publicidade, pelo fato de se construir a imagem da criança como um ser divertido,

engraçado, espirituoso, gozador e que não se preocupa com questões mais sérias,

como a saúde bucal (Eu uso porque é gostoso). Já a imagem da mãe está ligada ao

arquétipo da mãe, que funciona como modelo padrão de comportamento. A mãe é

vista como MÃE-zelosa e cuidadosa, sempre preocupada com a saúde dos filhos

(Mamãe compra porque combate as cáries).

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Assim, o sujeito anunciante elabora a publicidade, que é construída por meio de

estratégias altamente significativas, no intuito de seduzir o público alvo. Outro fator de

suma importância para que se consigam os efeitos de persuasão camuflada sobre o

outro é o de textualização. A coesão e a coerência textuais precisam estar presentes no

discurso para que haja a interação comunicativa entre os sujeitos discursivos.

As relações cotextuais, isto é, entre os elementos internos do texto, podem ser

vistas, por exemplo, na articulação entre o que está dito verbalmente e a expressão

facial do menino. Construir a ideia de um garoto que tem atitude e opinião formada

precisa estar de acordo com sua imagem para que o ato comunicativo alcance o seu

êxito. Já as relações contextuais, ou seja, entre o texto e o contexto, podem ser vistas,

por exemplo, na aparência descontraída do menino, que está de acordo com a imagem

das crianças da década de 1970, criadas mais livres pelos pais.

Vale ressaltar que o sujeito anunciante, nessa época, utilizava bastante o conteúdo

verbal em suas publicidades. Se compararmos com as publicidades atuais, que

exploram demasiadamente, o conteúdo imagético, notaremos essa diferença, que tenta

causar a persuasão pelas palavras ao invés de pela imagem, simplesmente. Outra

questão, também, importante para o processo de construção de sentidos é a das cores.

Utilizar a cor vermelha para destacar a marca do produto Colgate com gardol é um

artifício altamente significativo, visto o grande poder da cor em chamar a atenção,

além de ser a mesma cor da embalagem do dentifrício.

Notamos, então, que o publicista utiliza artifícios para conseguir capturar o público

alvo para seus domínios. Há uma intencionalidade posta no discurso tanto pelo que

está explícito na superfície textual quanto pelo que está nas entrelinhas discursivas.

Vale ressaltar que os implícitos se dividem em duas categorias distintas: os

pressupostos, inscritos na língua e tidos como sentenças verdadeiras; e os

subentendidos, construídos por meio de interpretações que podem ou não serem

verdadeiras, como, por exemplo, acreditar que o sabor do dentifrício é adocicado (eu

uso porque é gostoso).

Assim, o sujeito anunciante cria a publicidade, que é elaborada, na tentativa de

criar laços afetivos entre os sujeitos discursivos. Tornar o ato de escovação lúdico e

prazeroso é a meta do publicista, que tenta transformar uma simples ação em algo

interessante e encantador.

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ANÁLISE 8

- Embalagem antiga

- Ano de veiculação: década de 1960

- Marca: Sorriso de saúde

- Tema: mãe, filho e a saúde bucal

ANOS 60

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O discurso empregado na publicidade reflete aspectos da sociedade formada por

sujeitos históricos e culturais. Percebemos, então, que o ato de comunicação situa o

processo enunciativo em um lugar dinâmico de representações, que constroem a

imagem do indivíduo de acordo com suas incursões situacionais e temporais.

Nessa publicidade, há um interesse, por parte do sujeito anunciante, em construir

uma imagem sedutora de um menino com o sorriso belo e saudável, no intuito de

cativar e de capturar o público alvo para seus domínios. Vale ressaltar que a

publicidade construída na década de 1960 acerca de dentifrícios parece não veicular

imagens em suas embalagens, tendo os meios impressos como uma das opções de

divulgação do produto.

Esse período representou a fase crítica da ditadura militar, que abarcou um grande

número de sujeitos com atitudes ufanistas, principalmente, nas publicidades da época.

O ufanismo, termo usado no Brasil em alusão à obra Porque me ufano do Meu País do

conde Afonso Celso, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, provém do

espanhol e significa a vanglória de um grupo que arroga a si méritos extraordinários.

Assim, o governo militar brasileiro criou campanhas ufanistas para atrair a população,

com slogans do tipo: “Brasil, ame-o ou deixe-o”, ou, “Ninguém segura este país”, ou,

ainda, “Quem não vive para servir o Brasil, não serve para viver no Brasil.” Desse

modo, o governo federal (comandado pelos militares) tornou-se o maior anunciante do

país.

Na peça publicitária em análise, o ato de linguagem é construído por um sujeito

intencional, por meio de um valor explícito junto a um valor implícito. Se

observarmos a informação contida na publicidade Remova o “amarelo” dos dentes,

em um primeiro momento, poderíamos pensar que, implicitamente, associando o

“amarelo” (que além de estar em negrito, também está entre aspas) à bandeira do

Brasil e, consequentemente, ao país, esse enunciado estaria contra os princípios

ufanistas da época. Sabemos, inclusive, que muitos intelectuais, escritores, jornalistas,

entre outros profissionais de esquerda, considerados inimigos do regime, encontraram,

na publicidade, um meio de expressarem suas ideias, devido ao fato de a censura à

publicidade ser muito mais branda do que a exercida sobre os órgãos de imprensa.

Vale ressaltar que os censores estavam preocupados em controlar o meio artístico,

visto como ambiente de vândalos e de rebeldes, que poderiam promover a desordem

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no país. Com isso, a publicidade foi, até certo ponto, esquecida pelos censores,

tornando-se, então, uma válvula de escape para a propagação de ideias de forma

camuflada, por aqueles que lutavam contra o regime militar.

Desse modo, o sujeito anunciante ao enunciar Remova o “amarelo” dos dentes, por

meio de uma mise en scène (máscara discursiva), além de divulgar a eficácia do

dentifrício, poderia estar, também, fazendo uma crítica ao governo da época, que

buscava, excessivamente, a adesão do povo ao patriotismo desmedido da ditadura

militar.

Percebemos, também, que as publicidades mais antigas acerca dos dentifrícios

apresentam um conteúdo verbal mais presente em sua superfície, quando comparadas

às mais atuais. Assim, o conteúdo verbal e o não verbal completam o sentido da

publicidade, por meio do que está exposto na superfície e, também, pelo que pode ser

inferido, por meio das entrelinhas do discurso.

A publicidade, então, é construída por uma relação forma-sentido, que é

intencionalmente elaborada pelo sujeito anunciante com o objetivo de promover a

adesão sobre o que é posto. Assim, estabelece-se o contrato de comunicação, firmado

entre os parceiros discursivos, que estão inseridos em uma atmosfera social, por meio

de crenças e de normas impostas culturalmente.

Vale ressaltar que essa publicidade parece demonstrar mais um desconforto com a

situação política do país (visto os dizeres Remova o “amarelo” dos dentes) do que a

divulgação do próprio dentifrício, pois a própria marca do creme dental não está

explícita na embalagem (visto a imagem da mãe segurando o tubo, o que dificulta a

leitura do que está posto na superfície da embalagem). Podemos inferir, então, que a

marca do dentifrício pode ser Sorriso de saúde, devido ao fato de essa expressão estar

em destaque (negrito) na publicidade e, também, de a marca sorriso fazer parte dos

produtos Colgate/Palmoline, destinados aos itens de higiene pessoal. Notamos,

inclusive, que as publicidades atuais de dentifrícios utilizam a embalagem como fonte

de divulgação, diferentemente das antigas (como essa), que propagam o seu produto

em anúncios publicitários, pois os fabricantes de cremes dentais, dessa época,

utilizavam as embalagens, apenas, como suporte.

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Outra questão importante é que as publicidades atuais são construídas no intuito de

agradar tanto ao adulto quanto ao público infantil (sujeito interpretante duplo);

enquanto as publicidades antigas são construídas no intuito de atingir o sujeito

interpretante adulto, no caso dessa publicidade, a mãe. A figura da criança é vista,

apenas, como referência para reforçar a atitude zelosa da mãe.

Dessa forma, esse ato de linguagem é construído no intuito de causar um efeito de

sentido tanto pelo mundo das palavras quanto pelo mundo extralinguístico, pois todo

discurso precisa estar ligado aos aspectos sociais, visto a importância da historicidade

dos sujeitos interagentes discursivos. Com isso, a condição de existência situacional

(como, por exemplo, a publicidade ser construída no período da ditadura militar)

confere ao enunciado uma amplitude de sentidos relevante para o êxito do contrato de

comunicação.

Três componentes fazem parte do contrato de comunicação: o comunicacional, o

psicossocial e o intencional. O componente comunicacional, que liga o produto

comercializado ao futuro consumidor, é identificado por meio dos sujeitos envolvidos

no processo comunicativo. Supomos, por exemplo, que essa publicidade é veiculada

em jornal ou revista. Assim, o futuro consumidor, por meio do componente

comunicacional, tem contato com a mercadoria, para, então, ter a possibilidade de ser

seduzido pelo anunciante; já o componente psicossocial está ligado à relação afetiva

entre produto e consumidor, como, por exemplo, o dizer Remova o “amarelo” dos

dentes atrair mais os sujeitos de esquerda do que os ligados ao governo (caso o

interlocutor entenda essas entrelinhas discursivas); e, por fim, o componente

intencional, que visa a atrair o consumidor para a aquisição do produto, como a

imagem da mãe afetiva e preocupada com a saúde oral do filho, na tentativa de causar

emoção sobre o que está posto.

Percebemos, com isso, que há uma encenação discursiva entre os sujeitos

interagentes do ato comunicativo, que depende das circunstâncias do discurso para que

os sentidos gerados estejam de acordo não só com o que foi proferido, mas também

com o que é esperado. Desse modo, há uma relação contratual firmada entre os

sujeitos do discurso baseada no processo de produção, via EU comunicante, que se

dirige a um TU destinatário, e um processo de interpretação, via TU interpretante, que

constrói uma imagem EU’ enunciador, do locutor.

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Assim, observamos que há uma construção de identidades, por meio de traços

sociodiscursivos, que situam o sujeito no tempo e no espaço. A identidade social é

aquela ligada ao exercício dos direitos e dos deveres impostos pela sociedade, como,

por exemplo, a figura da mãe, tida arquetipicamente como zelosa e responsável pela

saúde dos filhos, o que é visto, nessa publicidade, por meio dos dizeres Ensine seu

filho a conservar o SORRISO DE SAÚDE que alegra você! Assim, esse conselho de

mãe para mãe funciona como um argumento de autoridade, pois a opinião materna

tende a validar a idoneidade do produto.

A identidade discursiva é aquela ligada às estratégias de credibilidade, como o

posicionamento da mãe, que utiliza verbos no imperativo afirmativo (ensine/remova),

denotando voz e autoridade para ganhar a confiança do outro (atitude de

engajamento). Outra estratégia de suma importância no processo de construção da

identidade discursiva é a de captação, como a sugestão de coloração branca dos

elementos dentários do menino, ocorrendo, na troca comunicativa, um “fazer crer”

pelo sujeito anunciante, resultando em um “dever crer” pelo consumidor (atitude de

sedução).

O publicista utiliza diversos meios de convencimento para induzir o público alvo a

construir sentidos, como o processo de transformação, que apresenta as seguintes

categorias linguísticas: identificação (identidade nominal), como, por exemplo, os

termos filho, sorriso e dentes; qualificação (identidade descritiva), como, por exemplo,

o termo amarelo (adjetivo substantivado), ação (identidade narrativa), como, por

exemplo, os termos ensine, conservar, alegra e remova; e, por fim, causação (relação

de causalidade), como, por exemplo, a relação implícita de usar o dentifrício para ter a

saúde bucal.

Outro processo que faz parte da construção de sentidos é o de transação, que

apresenta os seguintes princípios: de alteridade, como a figura da mãe, responsável

pela compra do produto; princípio de pertinência, como a escolha da imagem de uma

criança para encabeçar uma publicidade, que tem o objetivo de incluir o público

infantil entre os consumidores; princípio de influência, como a inclusão da relação

mãe-filho com o objetivo de atingir emocionalmente o outro; e, por fim, princípio de

regulação, como a expressão de felicidade do menino, na tentativa de influenciar o

público alvo sobre o prazer de ter os dentes belos e saudáveis.

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Sabemos que as estratégias empregadas pelo sujeito anunciante são elaboradas no

intuito de criar uma imagem de credibilidade discursiva (ethos), por meio do que é

exposto na publicidade. O sujeito anunciante, ao criar tanto o conteúdo verbal quanto

o conteúdo não verbal, está a todo o momento preocupado com a imagem do produto e

com a possibilidade de persuadir o público alvo, utilizando táticas de sedução e de

envolvimento emocional. Há uma tentativa de construir uma imagem de sinceridade

sobre os dizeres, como na oração Remova o “amarelo” dos dentes, que denota a

simplicidade no modo de construção do discurso, que segue em direção ao que

realmente o consumidor almeja.

Dessa forma, percebemos a relevância no processo de construção da publicidade

(inventio), visto a maneira de dizer o discurso estar ligada à obtenção da confiança do

outro, como, por exemplo, pode-se notar na proximidade dos rostos da mãe e do filho,

no intuito de evidenciar a relação entre eles. Outros fatores importantes, também,

nesse processo são: o encadeamento das partes do discurso (dispositio), como a oração

Remova o “amarelo” dos dentes estar ao lado da imagem do menino com os dentes

brancos. Com isso, notamos uma relação explícita entre o conteúdo verbal e o não

verbal; e, por fim, a verbalização do pensamento (elocutio), como a linguagem

simplória da oração anterior, na tentativa de alcançar o maior número possível de

consumidores.

Outros aspectos de suma importância para o processo de construção do discurso

são: a noção de pathos, centrada nas emoções do outro, como denotar a ideia de que

dentes brancos são modelos de beleza e de saúde oral. Dessa forma, aqueles que não

estão inseridos nesse padrão estético se sentirão emocionalmente afetados pela

publicidade e tentarão adquirir o produto com a intenção de modificarem a coloração

dos elementos dentários. Com isso, o publicista constrói uma imagem agradável de si

(eunóia), parecendo um “amigo”, na tentativa de resolver os problemas dentários do

receptor da mensagem; e, também, a noção de logos, centrada nos argumentos lógicos

e compreensíveis, como, por exemplo, no dizer Ensine seu filho a conservar o Sorriso

de Saúde que alegra você, frase que denota a felicidade da mãe em ter um filho com

os dentes saudáveis e belos. Assim, a mãe passa uma ideia de pessoa prudente e

sensata (phrônesis).

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Notamos, então, que o sujeito anunciante possui um propósito comunicativo ao

elaborar os seus dizeres, por meio das circunstâncias do discurso. Há uma camada

textual situada na superfície do enunciado que precisa interagir com os pressupostos e

com os subentendidos, para que ocorra o êxito do ato de linguagem. Tais

conhecimentos são produzidos e interpretados por meio de conceitos e de ideias que se

constroem sobre o mundo. Assim, as representações sociais se estabelecem no ato

linguageiro, por meio de normas preestabelecidas e compartilhadas pelos membros da

sociedade.

Os valores que o sujeito constrói do mundo são elaborados por meio de dois tipos

de saberes: de conhecimento e de crença. Os saberes de conhecimento, construídos

além da subjetividade do sujeito, podem ser exemplificados, nessa publicidade, por

meio da relação entre mãe e filho, que é entendida pelo senso comum como um

conselho afetuoso (saberes de experiência); enquanto os saberes de crença, construídos

por meio de juízos de valor, podem ser vistos no fato de o sujeito anunciante

considerar atraente e saudável a coloração branca dos elementos dentários (saberes de

opinião), pois sabemos que nem sempre dentes brancos são sinônimos de saúde oral.

Notamos, também, que essas representações sociais estão coletivamente

cristalizadas, vistas, nessa publicidade, por exemplo, na tentativa de estereotipar o

sorriso, como se não houvesse a possibilidade de existir beleza em dentes menos

brancos. Outra representação simbólica fortemente presente, nessa publicidade, é,

como vimos, a questão do arquétipo da mãe, que apresenta um modelo padrão de

comportamento, como aquela responsável pela saúde dos filhos, sempre zelosa e

dedicada.

O sujeito anunciante constrói um discurso altamente envolvente, para que o público

alvo se sinta atraído e disposto a adquirir o produto. Há, também, outra tática bastante

empregada pelo publicista, na tentativa de capturar o outro para seus domínios, como

as estratégias de textualização, que envolvem as relações cotextuais (texto/texto),

como, por exemplo, a relação interna entre o sorriso “branco” do menino junto ao

dizer Remova o “amarelo” dos dentes e, também, as relações contextuais

(texto/contexto), como, por exemplo, a relação entre a imagem da mãe inserida na

publicidade e o que ela representa no mundo.

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Percebemos, também, que essa publicidade construída no período da ditadura

militar (“anos de chumbo”) denota um modelo padrão de comportamento entre mãe e

filho, diferente do da publicidade dos anos 70, por exemplo, que apresentava um

menino mais livre em seu comportamento. O conteúdo linguístico, também, está

fortemente representado pelos dizeres (como o da década de 70), diferenciando-se das

publicidades atuais, que divulgam seus produtos com a maior parte de conteúdo

imagético.

O sujeito anunciante selecionou a figura de um menino com olhos claros, feições

finas, como as de sua mãe, talvez, por acreditar que publicidades protagonizadas por

sujeitos com essas características, por questões ligadas ao preconceito racial, fossem

mais aceitas na sociedade daquela época.

Com relação às cores, o sujeito anunciante preferiu utilizar uma publicidade em

preto e branco, diferente de outras publicidades da época, que utilizavam a cor como

estratégia de persuasão e de sedução.

Notamos, então, que o publicista elabora táticas de convencimento sobre o outro,

no intuito de capturar o público alvo. Assim, ele utiliza tanto o que está posto na

superfície textual quanto o que pode ser construído por meio dos implícitos. Vale

ressaltar que os implícitos podem ser de dois tipos: os pressupostos (inscritos na

língua), como, por exemplo, na oração Ensine seu filho a conservar o Sorriso de

saúde, que tem o verbo ensinar indicando mudança (pressuposto: o filho não sabe

conservar o sorriso de saúde); e as inferências (subentendidos), como, por exemplo, a

ideia deduzida de que na oração Remova o “amarelo” dos dentes, o termo amarelo

está, também, relacionado ao país (inferência contextual).

Assim, o publicista cria a publicidade, de acordo com a intencionalidade e com as

circunstâncias do discurso. O seu objetivo principal é captar a atenção do receptor,

para convencê-lo sobre o que está posto e, consequentemente, para induzi-lo a adquirir

o produto, por meio das maneiras de dizer o discurso.

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ANÁLISE 9

- Embalagem antiga

- Ano de veiculação: década de 1950

- Marca: Colgate

- Tema: A mãe e filha – e o uso de Colgate

ANOS 50

A publicidade construída pelo sujeito anunciante precisa estar inserida em um

quadro de ação, que representa uma influência social sobre aquele que é o receptor

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desse processo enunciativo. A construção de sentidos está ligada aos valores atribuídos

à língua, como os explícitos e os implícitos, englobando a totalidade discursiva do ato

comunicativo.

A publicidade dos anos de 1950 se popularizou devido ao fato de estar associada à

inauguração oficial do sistema televisivo brasileiro. Com isso, a população se sentiu

incentivada ao consumo, que despertou interesses, criou hábitos e modernizou os

desejos dos sujeitos sociais. As donas de casa fizeram parte do cenário publicitário da

época, pois o objetivo do sujeito anunciante era capturar essas consumidoras, que

representavam a grande maioria das mulheres de 1950 e que, na verdade, eram as reais

administradoras do lar.

Essa publicidade da Colgate representa a mulher cuidadora do lar e,

consequentemente, dos filhos. Elaborar uma imagem extremamente afetiva, tendo a

figura da mãe, que coloca o dentifrício na escova dental da filha é tentar conseguir o

convencimento pelo lado emotivo. Vale ressaltar que os itens de higiene pessoal, na

maioria das vezes, eram (e ainda são) de responsabilidade da mulher, que se dividia

entre os afazeres domésticos e a educação e a saúde dos filhos.

Observamos, também, que a mãe e a filha representam a imagem típica da família

urbana e de classe média, visto as roupas, os utensílios e os penteados da época. É

importante pontuarmos que a industrialização tornou-se uma estratégia do governo

para promover o crescimento da economia e, consequentemente, o desenvolvimento

do país. Com isso, a população se concentrou nas cidades, fortalecendo a classe média

e os costumes urbanos.

Dessa forma, percebemos que o sentido da publicidade é construído dentro de um

contexto embutido no social, pois as normas, as crenças e a historicidade dos sujeitos

interagentes do discurso são de suma importância para que o ato comunicativo se

estabeleça nesse contrato de comunicação firmado entre os seres sociais e discursivos.

O sujeito anunciante não escolheu aleatoriamente a imagem da mãe e da filha para

encabeçarem essa publicidade. Ele está inserido em um tempo e em um espaço, que

precisam estar de acordo com o que ele constrói em seus dizeres.

Dessa forma, o contrato de comunicação firmado entre o publicista e o futuro

consumidor é instaurado no ato comunicativo, pois se estabelece uma relação entre os

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sujeitos discursivos, visto a importância de ser analisada tanto a parte ligada ao mundo

das palavras quanto à parte extralinguística. O sujeito enunciador incorpora máscaras

discursivas (mise-en-scène) para elaborar seus dizeres, visando a alcançar uma

intencionalidade discursiva para obter o objetivo desejado.

Essa situação afetuosa criada pelo publicista acerca da relação entre mãe e filha tem

um propósito comunicativo. Há uma tentativa de despertar o desejo de compra no

outro (ou outras mães), por meio do carinho e do cuidado dessa mãe com a saúde

bucal de sua filha.

Notamos, então, que o sujeito anunciante tenta capturar o público alvo para seus

domínios, por meio de estratégias sedutoras e altamente eficazes, para que o contrato

de comunicação se firme nesse jogo cênico discursivo. Esse contrato possui

componentes essenciais em sua estruturação, como o componente comunicacional,

ligado ao primeiro contato entre produto e consumidor, como, por exemplo, o meio

impresso onde a publicidade foi exposta (jornais ou revistas); o componente

psicossocial, ligado à relação entre o produto e o consumidor, como, por exemplo, a

possibilidade de o público feminino se sentir mais atraído pela publicidade e,

consequentemente, pelo dentifrício, mais do que o público masculino, devido ao fato

de o sujeito anunciante ter selecionado a figura de mãe e filha ou invés de pai e filho,

ou então, de família e filhos, para compor essa publicidade; e, por fim, o componente

intencional, como a seleção da mãe para constituir essa publicidade, como citado

anteriormente, pois o sujeito anunciante sabe que a mulher é a responsável pela

compra desse tipo de produto.

Sabemos, então, que essa relação entre os sujeitos de linguagem é muito mais

complexa do que um EU que se dirige a um TU, simplesmente. Há uma relação

contratual entre seres reais com identidade psicossocial (circuito externo) e seres do

imaginário, da palavra (circuito interno), constituindo um conjunto de estratégias

discursivas, para resultar no êxito comunicativo.

Assim, as representações linguageiras são elaboradas, por meio de construções

identitárias, que exercem grande influência na imagem dos sujeitos interagentes

discursivos. Essa relação sociointerativa, no ato comunicativo, é resultante do

entrelaçamento dos traços constitutivos do sujeito, que é construído por meio de sua

identidade social e de sua identidade discursiva.

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A identidade social, construída por meio do que é esperado pela coletividade, pode

ser exemplificada, nessa publicidade, pela imagem do dentista, que analisa os

elementos dentários. Esse profissional apresenta um “argumento de autoridade”

(Perelman e Olbrechts, 2005), isto é, ele tem certo respaldo em determinada área do

saber, por sua formação acadêmica, emitindo um parecer dificilmente questionado, por

ser tratar de uma “autoridade” no assunto.

O sujeito anunciante, muitas vezes, utiliza essa estratégia para conseguir denotar a

confiabilidade do produto. O discurso publicitário protagonizado por especialistas na

área do produto comercializado parece provocar no receptor da mensagem uma

segurança e uma certeza de que aquele produto pode e deve ser consumido. Assim, a

intencionalidade do publicista atinge o seu objetivo, que é ganhar a confiança do outro

sobre seus dizeres.

A identidade discursiva é aquela que depende de estratégias de credibilidade (ainda

a figura do dentista), como, por exemplo, a oração Ensine seus filhos a escovar os

dentes com Creme Dental Colgate após as refeições, que apresenta o verbo ensinar no

imperativo afirmativo, como uma ordem, junto à imagem do dentista (atitude de

engajamento); e, também, estratégias de captação, como, por exemplo, a oração As

crianças adoram o delicioso sabor refrescante de COLGATE, na tentativa de capturar

o público infantil para a utilização do produto (atitude de sedução).

Assim, estabelece-se a possibilidade de construção de sentidos, que são instaurados

no discurso, por meio dos processos de transformação e de transação. O processo de

transformação, que marca a maneira de se pensar a realidade, apresenta as seguintes

categorias linguísticas: identificação (substantivos), como, por exemplo, os termos

creme, Colgate, hálito, dentes, criador, sorrisos, filhos, refeições, método, cárie,

crianças e sabor; qualificação (adjetivos), como, por exemplo, os termos dental,

belos, delicioso e refrescante; ação (verbos), como, por exemplo, os termos perfuma,

limpa, embeleza, protege, ensine, escovar, é, combater e adoram e, por fim, causação

(conectores), não encontrado nessa publicidade.

O processo de transação, que é construído por meio de instâncias de produção e de

interpretação, apresenta os seguintes princípios: princípio de alteridade, como, por

exemplo, a publicidade voltada para o outro; princípio de pertinência, como, por

exemplo, a oração É o melhor método para combater a cárie, junto à imagem do

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dentista, criando uma condição de credibilidade sobre o que é dito; princípio de

influência, como, por exemplo, na oração COLGATE – o criador dos mais belos

sorrisos, no intuito de capturar o outro no ato de linguagem; e, por fim, princípio de

regulação, como, por exemplo, a imagem do dentista, que analisa os elementos

dentários, no intuito de associar o “argumento de autoridade” ao produto

comercializado, regulando o jogo de influências.

As maneiras de dizer o discurso contribuem fortemente para a construção do ethos,

que está ligado às estratégias de credibilidade discursiva. O sujeito anunciante procura

criar uma imagem de sinceridade sobre o que é posto (areté), como se pode observar,

no dizer Ensine os seus filhos a escovar os dentes com Creme Dental Colgate após as

refeições. É o melhor método para combater a cárie. Desse modo, o publicista cria um

discurso franco, informando uma ação eficaz de combate à cárie.

Outras estratégias são também empregadas no discurso, para que se obtenha a

confiança do público alvo, como a noção de inventio, ligada à criação do discurso,

como, por exemplo, colocar em negrito as qualidades do dentifrício, visto na oração

perfuma o hálito, limpa, embeleza e protege os dentes, no intuito de chamar a atenção

para essa informação; a noção de dispositio, ligada ao encadeamento do discurso,

como a parte verbal, que está posicionada acima da imagem do dentista, como se estes

dizeres fossem ditos por ele; e, por fim, a noção de elocutio, ligada à verbalização dos

dizeres, como, por exemplo, na oração COLGATE – o criador dos mais belos sorrisos,

com o intuito de persuadir pelo convencimento.

O sujeito anunciante, para conseguir o êxito de sua publicidade, também, leva em

consideração outras noções, como a de pathos, ligada aos sentimentos do outro. É o

que se observa na escolha da relação mãe/filha para criar uma imagem agradável e

emotiva dessa peça publicitária (eunóia). A noção de logos, ligada aos argumentos

compreensíveis e claros, pode ser exemplificada pela indicação do momento de se

fazer a escovação dental (após as refeições), criando a imagem de pessoa ponderada,

que tem conhecimento sobre o que enuncia (phrônesis).

A produção e a interpretação do discurso dependem do conhecimento que o sujeito

acredita ter da realidade e dos julgamentos construídos, por meio de opiniões e de

crenças acerca das coisas do mundo. As representações sociais são fenômenos

altamente marcados por valores e por conceitos herdados culturalmente por sujeitos

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históricos inseridos na sociedade. Tais representações são elaboradas por meio de dois

tipos de saberes: saberes de conhecimento e saberes de crença.

O saber de conhecimento, que pode ser apreendido por meio de uma verificação

provada da realidade (saber científico), está exemplificado, nessa publicidade, no dizer

que a escovação dental após as refeições é o melhor método para combater a cárie,

dizer esse que parece ser referenciado pelo profissional da área; enquanto o saber de

crença, que pode ser apreendido por meio de um saber de opinião está exemplificado,

na mesma publicidade, no dizer que as crianças adoram o delicioso sabor refrescante

de Colgate (nem sempre) (opinião relativa).

Percebemos, também, que as representações sociais podem ser elaboradas, por

meio de elementos cristalizados culturalmente. Dessa forma, estabelece-se a noção de

estereótipo, entendido como uma generalização excessiva de um comportamento, o

que pode ser visto na oração Ensine seus filhos a escovar os dentes com Creme Dental

Colgate após as refeições, ou, ainda, na imagem da mãe colocando o dentifrício na

escova dental da menina, como se a criança não soubesse escovar os dentes sozinha.

Outro conceito relevante acerca das representações sociais é o de arquétipo, visto

como modelo padrão de algo, exemplificado, como já mencionamos, pela figura da

mãe com sua postura zelosa e cuidadosa, sempre disposta a ajudar e a cuidar dos

filhos.

Assim, o discurso publicitário é construído, tanto pelas relações internas

(cotextuais), como se pode ver na nítida relação entre o dito verbalmente e a imagem

do dentista quanto pelas relações socioculturais e situacionais específicas

(contextuais), como se observa no fato de se explorar a imagem da mãe, sabendo que

ela é a responsável pela compra dos produtos de higiene pessoal, como observado

anteriormente.

Vale ressaltar que essa publicidade apresenta uma distribuição homogênea entre o

conteúdo verbal e o não verbal. A figura da mãe e da menina está de acordo com as

vestimentas e com os penteados das mulheres da década de 1950(relação contextual).

As cores, também, desempenham um papel altamente significativo na questão dos

sentidos. A blusa da menina na cor azul simboliza sonho e pureza, características das

jovens dessa idade; e a blusa na cor verde da mãe simboliza esperança e calmaria, isto

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é, aquilo que é esperado da mãe. A cor vermelha, que encabeça o dizer Creme Dental

Colgate e, também, a embalagem do dentifrício representa a medicina preventiva e

curativa, além de ser considerada uma cor forte e de destaque. O dentista está trajando

uma camisa branca (como é praxe), que indica higiene e limpeza, usa, também, óculos,

denotando sabedoria.

Vale ressaltar que essa embalagem da década de 1950 apenas serve como registro

da marca e como suporte para o creme dental, pois a publicidade é marcada pelo

anúncio e não pela embalagem.

Outra questão, também, de suma importância para o processo de construção de

sentidos é a noção dos implícitos (pressupostos e subentendidos). Os pressupostos são

aqueles determinados pelos elementos linguísticos instaurados no discurso, tidos como

asserções e que podem ser exemplificados, por exemplo, pela oração Ensine seus

filhos a escovar os dentes com Creme Dental Colgate após as refeições, que apresenta

o verbo ensinar, indicando mudança (os filhos não sabem escovar os dentes). Os

subentendidos são aqueles que apresentam ideias deduzidas, abstratas, como, por

exemplo, a mesma coloração de cabelo (ruivo) e a diferença de idade entre as

mulheres dessa publicidade nos faz inferir que a relação entre elas, provavelmente, é

de mãe e filha; ou, ainda, a camisa branca (que remete ao jaleco) e a postura do

homem analisando os elementos dentários mais o que está postado verbalmente, faz-

nos inferir que se trata de um dentista.

Dessa forma, o sujeito anunciante elabora o seu discurso, procurando atingir o

outro, por meio de uma intencionalidade discursiva. Os modos de dizer o discurso são

minuciosamente planejados para que o objetivo do ato comunicativo seja alcançado,

isto é, a divulgação, a aquisição e a permanência na utilização do produto.

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ANÁLISE 10

- Embalagem antiga

- Ano de veiculação: década de 1940

- Marca: Kolynos

- Tema: Kolynos na família

1946

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202

O discurso da publicidade é construído por meio de uma relação entre a forma e o

sentido do discurso instaurada no ato comunicativo, por meio de um sujeito histórico,

que elabora os seus dizeres linguísticos dentro de um quadro situacional. O ato de

linguagem precisa ser produzido e interpretado tanto de forma explícita quanto de

forma implícita, para que os sujeitos interagentes discursivos supram suas

expectativas.

A década de 1940 apresentava como meio de divulgação da publicidade a mídia

impressa ou o rádio, visto a ausência, ainda, da televisão como possibilidade de

comercialização de produtos. Dessa forma, esse tipo de publicidade se tornava uma

grande vitrine para a divulgação das mercadorias, pois era o principal veículo

propagandístico da época.

Assim, o sujeito anunciante precisava divulgar, na publicidade impressa, o maior

número de informação possível, pois era preciso capturar todo tipo de público em um

pequeno espaço impresso. Com isso, a publicidade da década de 1940 apresentava

uma grande parte de conteúdo verbal, pois o publicista acreditava que era preciso

ocupar, praticamente, todo o espaço destinado à publicidade tanto com o conteúdo

verbal quanto com o conteúdo imagético.

Vale ressaltar que a peça analisada é de 1946, período pós-guerra (1939-1945),

quando era preciso “comprar sonhos” para acalmar os ânimos e solidificar a paz.

Desse modo, o sujeito anunciante prometia resultados esplêndidos, sem muita

preocupação. A divulgação do produto precisava ter ritmo, sensação e graça, pois o

objetivo do publicista era a venda do produto, porém com um discurso encantador, ou

até, poético, mesmo que não traduzisse a verdade.

Tais considerações podem ser comprovadas na parte verbal dessa publicidade:

Em casa estamos convencidos: este creme dental antissético

limpa mais

agrada mais

rende mais

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E como não estaremos convencidos! Já o usávamos há muitos anos! E sabemos que

Kolynos embeleza o sorriso, agrada ao paladar, perfuma o hálito... A borbulhante

espuma de Kolynos alcança todos os recantos da boca, dando-lhe uma sensação

deliciosa do frescor... E Kolynos custa menos porque rende mais!

O sujeito anunciante elaborava o seu discurso livremente, sem a menor

preocupação em denotar a verdade. Há um exagero na forma de dizer o discurso, que

era proferido de modo exacerbado. Assim, a publicidade, nesse período, poderia

perder um pouco de credibilidade, pois o público sabia que nem tudo o que estava

nela poderia ser crível e verificado.

Notamos, então, que o sujeito anunciante dessa publicidade não estava vendendo o

dentifrício, mas a garantia mágica de um belo e agradável sorriso. O léxico

selecionado e as expressões empregadas denotam um exagero de linguagem que,

provavelmente, está distante do efeito real desse creme dental, como, por exemplo:

- Em casa estamos convencidos: este creme dental antissético... limpa mais/agrada

mais/rende mais

Essa frase funciona como um dizer do menino que está na publicidade. Vale

observar que antes mesmo de o público ter alguma reação acerca do produto

comercializado, já é interceptado pela posição de convencimento do garoto e de toda

sua família, pois não é só ele que está convencido, mas também todos em casa. Outro

fato importante é que o produto não apenas limpa, agrada e rende, ele limpa mais,

agrada mais e rende mais. Desse modo, há uma intensificação dos dizeres, vista,

também, nos exageros da ação do creme dental: embeleza o sorriso, agrada ao

paladar e perfuma o hálito. As escolhas lexicais também fazem parte desses “delírios”

dos anos 40, como, por exemplo, a ideia de a espuma do dentifrício Kolynos ser

borbulhante, causando uma sensação deliciosa de frescor.

Percebemos com isso que esse período é propício para a liberdade de pensamentos,

construída por meio de exageros de linguagem, com textos mais longos do que os

atuais.

Assim, notamos a participação de sujeitos históricos e sociais na constituição do ato

comunicativo, que funciona por meio de uma mise-en-scène discursiva, no intuito de

suprir as necessidades de um sujeito intencional, inserido em um quadro de

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situacionalidade. Desse modo, essa encenação discursiva será construída por meio das

circunstâncias do discurso, tendo a participação de sujeitos ativos, que atuam tanto no

processo de produção quanto no de interpretação discursiva. A relação contratual

firmada entre os sujeitos interagentes do ato comunicativo envolve dois circuitos: o

circuito interno (seres do dizer) e o circuito externo (seres do fazer).

O funcionamento do discurso está ligado aos sujeitos que o constituem, por suas

identidades sociais e discursivas. A identidade social, ligada aos saberes reconhecidos

institucionalmente, pode ser representada, por exemplo, pela presença implícita dos

pais do menino, que pronuncia seus dizeres com verbos no plural: Em casa estamos

convencidos/Já o usamos há muitos anos/E sabemos que Kolynos embeleza o sorriso.

Com isso, há um fortalecimento desses dizeres devido ao fato de que têm a conivência

e a aprovação dos pais do garoto, levando em conta a identidade social de ambos,

como a do jovem, visto com alguém sem experiência e sem autoridade e, também, a

do pai ou a da mãe, tidos como possuidores do “argumento de autoridade”, pelo que

eles representam no ambiente doméstico (zelosos e responsáveis pela família).

A identidade discursiva depende da estratégia de credibilidade, como, por exemplo,

na construção verbal da publicidade, que induz o receptor da mensagem a acreditar na

sinceridade do menino, pois há um relato de experiência sobre o uso do dentifrício,

levando o leitor a atribuir um valor de verdade ao que é dito. Outra estratégia também

empregada na identidade discursiva é a de captação, percebida no dizer E Kolynos

custa menos porque rende mais, no intuito de promover, pelo sujeito anunciante, uma

adesão do público alvo ao que está posto e, consequentemente, à aquisição do produto.

Os sentidos do discurso estão ligados aos processos de transformação e de

transação. O processo de transformação é constituído por quatro categorias

linguísticas: a identificação, nos termos casa, creme, anos, Kolynos, sorriso, paladar,

hálito, espuma, boca, sensação e escova; a qualificação, em termos como

borbulhante, deliciosa, dental, antissético e seca; a ação, nos verbos limpa, agrada,

rende, usamos, sabemos, embeleza, perfuma, alcança, dando, custa, rende e basta e,

por fim, a causação, representada pela causa e pela relação causa/consequência

Kolynos custa menos porque rende mais.

O processo de transação é constituído por quatro princípios: de alteridade, no

consentimento e na aprovação implícita dos pais sobre o que é dito pelo garoto, como

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já vimos, legitimando essas identidades, no intuito de estabelecer uma interação entre

os participantes do processo enunciativo; o princípio de pertinência, como, por

exemplo, na escolha de um garoto, que representa a família, para encabeçar essa

publicidade, com o objetivo de atingir esse público alvo (a família); o princípio de

influência, como na sequência de qualidades atribuídas ao dentifrício, com a intenção

de captura do público alvo, como nos dizeres Kolynos embeleza o sorriso, agrada ao

paladar, perfuma o hálito; e, por fim, o princípio de regulação, utilizado como

estratégia de influência sobre o receptor da mensagem.

Dessa forma, o sujeito anunciante cria uma imagem intrinsecamente ligada aos

modos de dizer (ethos), na tentativa de persuadir o outro acerca de seus dizeres.

Assim, o publicista cria o seu discurso, com o objetivo de assumir a atitude de um

sujeito que fala a verdade (aretê), o que se observa no dizer basta um centímetro na

escova seca, pois, desse modo, o receptor pode acreditar na veracidade dos dizeres,

visto a quantidade exata de creme dental que deverá ser colocada na escova, para

poder causar os efeitos desejados.

Para obter a confiança do público alvo, o sujeito anunciante utiliza estratégias de

convencimento sobre o outro, como as noções de: inventio, ligada à elaboração do

discurso, representada, por exemplo, pelas escolhas lexicais, que denotam dizeres

poéticos, como na oração A borbulhante espuma de Kolynos alcança todos os

recantos da boca; dispositio, ligada ao encadeamento do discurso, como a relação

entre a parte verbal (basta um centímetro na escova seca) e a imagem do dentifrício

sendo colocada na escova dental; e, elocutio, ligada à verbalização do pensamento,

verificável, por exemplo, nos dizeres limpa mais/agrada mais/rende mais, que, por

meio do ritmo ternário, promovem um paralelismo estrutural com o que é dito.

Outras considerações também relevantes nesse processo constitutivo da imagem

são: a noção de pathos, ligada às emoções do outro, como observamos na informação

de que Kolynos embeleza o sorriso. Desse modo, o sujeito anunciante oferece uma

imagem agradável de si (eunóia), como um amigo, que pretende aumentar a estima do

outro, por meio de uma fórmula mágica, com o objetivo de “embelezar o sorriso”; e,

também, a noção de logos, ligada aos argumentos lógicos, como observamos no dizer

E Kolynos custa menos porque rende mais, que denota o aspecto de sujeito ponderado

(phrônesis).

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Assim, o sentido do discurso é construído, tanto por meio do que é posto

linguisticamente quanto por meio dos conhecimentos que temos do mundo e, também,

por meio de julgamentos que atribuímos a ele. Essas representações sociais elaboradas

no/pelo discurso estão ligadas aos valores que o sujeito acredita construir da realidade

e que são organizados pelos saberes de conhecimento e de crença.

Os saberes de conhecimento, exteriores ao sujeito, podem ser exemplificados na

oração basta um centímetro na escova seca, que denota um saber de

conhecimento/experiência sobre o uso do dentifrício enquanto os saberes de crença,

ligados à subjetividade, podem ser exemplificados na informação Em casa estamos

convencidos: este creme dental antissético... limpa mais/agrada mais/rende mais, por

se tratar de uma opinião subjetiva sobre o dentifrício (saberes de opinião).

Há representações que se cristalizam socialmente, indo além da mera opinião

acerca das coisas do mundo, por uma seleção isolada da realidade (estereótipos). O

garoto dessa publicidade precisa utilizar os verbos no plural para firmar e endossar o

que é dito (no intuito de incluir os pais nesses dizeres). Por outro lado, os pais, tidos

socialmente como padrão de comportamento (arquétipos), também, são construídos

por meio de ideias partilhadas culturalmente, como indivíduos responsáveis e

cuidadosos. Desse modo, tais representações sociais contribuem fortemente para a

produção e para a interpretação do discurso.

Assim, a relação entre o texto e a sua inserção situacional e sociocultural se tornam

de suma importância para o processo de construção dos sentidos. O sujeito anunciante

precisa elaborar a publicidade por meio de coesão e de coerência textuais, adquiridas

tanto por meio das relações cotextuais (texto/texto), como, por exemplo, nessa

publicidade, a relação entre o conteúdo verbal (os dizeres com verbos no plural, como

já vimos, indicando que outros sujeitos também concordam com o dito) e o conteúdo

não verbal (a imagem do jovem) quanto por meio das relações contextuais

(texto/contexto), como, por exemplo, a representatividade social da figura dos pais,

implicitamente, nos dizeres do garoto.

O publicista, então, utiliza intencionalmente esses recursos, no intuito de capturar o

outro para seus domínios. Vale ressaltar que o discurso publicitário é altamente

sedutor e, por isso, necessita de escolhas lexicais envolventes, como vimos

anteriormente. O objetivo do sujeito anunciante é promover uma afinidade entre o

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produto e o consumidor. Se compararmos com as publicidades atuais, percebemos

que, nessa época, parece não haver muita preocupação com a exposição da pura

verdade e, sim, com a fantasia e com a sedução. Com relação às cores, o sujeito

anunciante optou por produzir a publicidade em preto e branco, enfraquecendo, um

pouco, a percepção imagética da publicidade.

Com relação aos implícitos, sabemos que há os pressupostos, determinados por

meio de elementos linguísticos encontrados no texto, como, por exemplo, nos dizeres

limpa mais/agrada mais/rende mais. Esse dentifrício, então, limpa, agrada e rende

mais do que outro, logo, pressupomos que existe outro dentifrício que limpa, agrada e

rende menos do que esse; e, também, os subentendidos, elaborados por meio de ideias

deduzidas, como, por exemplo, a ideia de que os pais do garoto, também, estão de

acordo com os seus dizeres, visto as orações com verbos no plural (podendo, inclusive,

não serem os pais, mas um tio ou uma avó).

Desse modo, o sujeito anunciante elabora o seu discurso, utilizando recursos e

estratégias altamente significativas para o processo de produção e de interpretação

textuais.

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ANÁLISE 11

- Embalagem antiga

- Ano de veiculação: década de 1930

- Marca: Eucalol

- Tema: Eucalol – uso global

1939

A publicidade apresenta um discurso altamente significativo, pois situa o ato de

comunicação em um espaço dinâmico de representações linguageiras, que são

decodificadas tanto pelos valores explícitos quanto pelos implícitos. Há um quadro de

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ação formado por um indivíduo intencional, “mergulhado” nas questões sociais, que

corroboram a identidade dos sujeitos interagentes discursivos.

Dessa forma, o sujeito anunciante cria o seu discurso, baseado no contexto e na

situação de uso linguístico, por meio de uma máscara discursiva (mise en scène), que

marca a atuação dos sujeitos do ato de comunicação, pelos modos de dizer o discurso.

É importante pontuarmos que a mídia impressa, no século XIX, já era responsável por

parte da renda dos jornais e das revistas. Dessa forma, tais veículos abriam espaço,

cada vez mais, para a publicidade, que, por sua vez, passou a priorizar o conteúdo

imagético, no intuito de obter uma comunicação mais rápida com o leitor. Com isso, o

volume de textos verbais, nos periódicos, na década de 1930, foi reduzido, pois

acreditamos que o sujeito anunciante considerava essa diminuição da parte verbal

como uma forma de capturar o público alvo para seus domínios. Nesse período, a

questão financeira ligada aos lucros dos periódicos era tão forte, que a publicidade

“saltou” das últimas páginas para o conteúdo central e, até mesmo, para a primeira

página dos jornais.

Percebemos, então, nessa publicidade, um forte apelo do sujeito anunciante, no

intuito de cativar o público pelo conteúdo imagético, que apresenta várias figuras

representativas de famílias, como pai, mãe e filhos. Dessa forma, o publicista denota a

ideia de que esse dentifrício pode e deve ser usado por todos os membros da família.

Com isso, a publicidade atinge um maior número de pessoas possível, dando uma

ideia, inclusive, de um aglomerado de pessoas, ratificado pela hipérbole

metonimicamente construída “Milhares de bocas”, como se todas elas fizessem o uso

desse creme dental.

Vale ressaltar que essa publicidade é datada de 1939, década da política de Getúlio

Vargas, responsável pela modernização do Brasil e do crescimento das indústrias.

Percebemos que há uma forte relação entre o tipo de imagem veiculada (o

conglomerado de pessoas) e a situação política da época, período altamente

representativo, no que diz respeito à inclusão da massa de trabalhadores e de

manifestações populares, como estratégias de sobrevivência da política de Vargas.

Assim, criar uma publicidade que apresenta o povo unido e em busca de um único

objetivo (no caso, a opção pelo uso do dentifrício) é reforçar a ideia de popularidade

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do “pai dos pobres”, expressão usada para designar o Presidente Vargas, o promotor e

o regulamentador dos direitos e das leis trabalhistas.

A parte verbal, inclusive, também apresenta essa relação com a questão da política

da época e com as manifestações populares. Os dizeres Milhares de boccas

proclamam...creme dental Eucalol a sua pasta, passa a ideia de uma declaração de

forma pública, solene e enfática, como algo dito de modo incontestável (assim como

os dizeres dos políticos).

Por outro lado, mesmo considerado o “pai dos pobres”, Vargas, de certa forma,

excluiu grande parte dos brasileiros da década de 1930, pois só era considerado

cidadão aquele que trabalhava formalmente e, consequentemente, seria possuidor de

direitos e de benefícios. A carteira de trabalho, inclusive, era o principal documento de

identificação do sujeito da época. Assim, essa publicidade pode, talvez, “funcionar”,

implicitamente, como um coro de vozes, acerca do que é pensado e crível pela

sociedade.

A figura feminina, nessa época, passou a ter um lugar de destaque na sociedade,

visto a possibilidade de voto a partir dos 21 anos, resultando na conquista da

cidadania, devido ao código eleitoral de 1932. Assim, a mulher, que já apresentava

uma forte construção social, por meio da figura da mãe zelosa e cuidadosa, passou a

ser vista, também, como aquela que tem voz e opinião própria. Desse modo, a sua

presença, nesse conteúdo imagético, ajuda a reforçar os dizeres proclamados pelo

grupo.

Outra observação, também, importante é a ausência de pessoas negras no conteúdo

imagético. Tal fato pode ser explicado, talvez, pelas teorias racistas advindas do século

XIX, que posicionaram inferiormente os mestiços e os negros com relação aos

brancos. Dessa forma, as mazelas de nossa sociedade estavam ligadas à miscigenação

e à inferioridade de uma etnia em relação à outra. O sujeito anunciante, então, poderia

supor que a inclusão de negros na publicidade, talvez, trouxesse uma carga negativa

para o produto, mesmo sabendo que, nesse período, já havia indícios de uma tentativa

de amenizar as diferenças raciais, como meio de desenvolvimento social.

Desse modo, o sujeito anunciante elabora a publicidade, por meio dos aspectos

socioculturais, na tentativa de despertar o desejo de compra no outro. Para que o ato de

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linguagem alcance o êxito comunicacional, é preciso que o contrato firmado entre os

sujeitos discursivos apresente os seguintes componentes: o comunicacional, que liga o

produto ao consumidor, exemplificado por meio de jornais e de revistas, onde a

publicidade poderia aparecer; o psicossocial, que está focado no sentimento do outro,

como a informação Creme dental Eucalol 100% perfeito, podendo funcionar, talvez,

pela estratégia da porcentagem, como uma “tábua de salvação” para aqueles que

sofrem com problemas dentários; e o intencional, que está associado ao apelo

produzido pelo sujeito anunciante para capturar o público alvo, como a imagem de

toda a família no conteúdo imagético dessa peça publicitária para mostrar a

abrangência do dentifrício, no que diz respeito ao público alvo.

Percebemos, então, uma relação contratual entre os sujeitos de linguagem, que se

dividem entre os seres reais com identidades psicossociais e exteriores ao discurso

(circuito externo) e os seres do imaginário e da palavra, pertencentes ao discurso

(circuito interno).

Assim, estabelece-se o ato de comunicação, por meio de construções identitárias,

resultantes dos traços constitutivos do sujeito, como a identidade social, que corrobora

os traços psicossociais do indivíduo, como a figura da mãe e a do pai, vistos como

seres dignos de fé e, também, a identidade discursiva, que é construída pelas

estratégias de credibilidade, como a utilização do verbo proclamar na frase Milhares

de bocas proclamam... creme dental Eucalol a sua pasta, o que denota um alto valor

de verdade sobre o que é dito (atitude de engajamento) e, também, pelas estratégias de

captação, como a presença de toda a família, no conteúdo verbal, como já vimos, no

intuito de capturar todos esses membros sociais para o domínio discursivo do sujeito

anunciante (atitude de sedução).

Com isso, a construção dos sentidos se instaura no ato comunicativo, por meio de

dois processos. O primeiro, de transformação, que apresenta as seguintes categorias: a

identidade nominal, concretizada pelos substantivos boccas, creme, pasta e Eucalol; a

identidade descritiva, representada pelos adjetivos dental e perfeito; a identidade

narrativa, marcada pelo verbo proclamam, e, por fim, a relação de causalidade, não

encontrada nessa publicidade.

O segundo processo, também, de suma importância para promover o sentido no ato

comunicativo é o de transação, que abrange os princípios: de alteridade (legitimidade e

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interação), como utilizar o numeral Milhares na frase Milhares de boccas

proclamam...creme dental Eucalol a sua pasta, no intuito de legitimar os dizeres de

um grupo, promovendo uma interação, nesse ato linguageiro; de pertinência, como as

feições alegres dos sujeitos, apropriando o ato de linguagem ao seu contexto e à sua

finalidade; de influência, como incluir a figura da criança, no intuito de capturar esse

público para o domínio discursivo do publicista; e, por fim, de regulação, como o

destaque dado à marca do produto (Eucalol), na tentativa de obedecer às regras gerais

do funcionamento desse tipo de linguagem.

Com isso, a imagem do produto se instaura no ato comunicativo, por meio de um

discurso persuasivo e sedutor, na tentativa de ganhar a confiabilidade do outro, pelos

modos de dizer, que constroem a imagem de si no discurso (ethos), como na frase

Creme dental Eucalol 100% perfeito, que apresenta o recurso da porcentagem, com o

objetivo de criar uma proposição franca e verdadeira (aretê).

Outras noções importantes para se tentar o convencimento discursivo são; a de

inventio, associada à elaboração do ato comunicativo, como a escolha da imagem de

muitas pessoas no conteúdo não verbal, denotando uma ideia de aceitação geral do

dentifrício; a de dispositio, como a relação entre o conteúdo verbal e o não verbal,

exemplificada na frase milhares de boccas proclamam ligada à imagem de muitas

pessoas no conteúdo imagético; e a de elocutio, ligada à verbalização do pensamento,

como a escolha do verbo proclamar na frase Milhares de boccas proclamam, como já

dito anteriormente, com o objetivo de fortalecer esse dizer.

Devem ser levadas também em consideração as noções de: pathos, centrada no

estado emocional do outro, como o conteúdo imagético, já observado anteriormente,

apresentar indivíduos com feições alegres, na tentativa de conseguir a adesão do

público, oferecendo uma imagem agradável do produto (eunóia) e, também, logos,

centrada em uma visão lógica da enunciação, como considerar o creme dental Eucalol

100% perfeito, denotando o aspecto de um sujeito ponderado, que precisa adquirir um

produto que ofereça total perfeição e garantia (phrônesis).

Desse modo, notamos que as circunstâncias do discurso e o seu propósito

comunicativo contribuem fortemente para a construção discursiva, que é composta por

saberes acerca das coisas e do mundo para que ocorra o êxito do ato comunicativo.

Tais saberes são: os saberes de conhecimento, como a presença do óleo de eucalipto

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no creme dental, no intuito de matar os germes e bactérias (saberes científicos) e os

saberes de crença, como acreditar também que o eucalipto ofereça um hálito agradável

e refrescante. Vale ressaltar que nem todos concordam com isso (saberes de opinião).

Percebemos, também, que há saberes construídos por meio de elementos

cristalizados socialmente, como os estereótipos, tidos como uma ideia preconcebida

acerca das coisas do mundo. Desse modo, o sujeito anunciante tenta incluir o público

infantil no quadro de futuros consumidores, por meio de imagens tanto de adultos

quanto de crianças, pois na década de 1930, a criança não tinha liberdade de expressar

as suas opiniões. Ela era vista como ser incapaz de emitir ideias e de expressar suas

vontades (estereótipo), tendo o dever de obedecer silenciosamente aos pais. Assim, foi

preciso incluir a figura da mãe e a do pai, como já dito, para reforçar e autenticar os

dizeres, pois, arquetipicamente, apresentam um modelo padrão de comportamento,

tidos como seres responsáveis e cautelosos.

Outra estratégia utilizada na publicidade para promover a construção dos sentidos

está ligada às relações textuais. O sujeito anunciante elabora o seu discurso tanto por

relações cotextuais (texto/texto), como a necessidade de colocar a palavra eucalypto

no tubo do dentifrício, no intuito de associar a marca (Eucalol) a esse componente

quanto por relações contextuais (texto/contexto), como a inserção da imagem dos pais

no conteúdo imagético, como já mencionamos, devido ao fato de eles representarem

culturalmente modelos de sensatez e de responsabilidade.

Com relação às cores, o sujeito anunciante optou por uma publicidade em preto e

branco, promovendo um contraste entre o conteúdo verbal e o não verbal. Desse

modo, as cores mais vivas, que apresentam uma forte base informativa, não foram

utilizadas pelo publicista.

Notamos, também, que os implícitos são altamente significativos, no que diz

respeito à construção dos sentidos, como os pressupostos, inscritos na língua, não

encontrados nessa publicidade e as inferências (subentendidos), tidas como ideias

deduzidas, exemplificadas, no conteúdo imagético, pela presença de homens, mulheres

e crianças, que inferimos serem pais, mães e filhos (podendo não representar a

verdade).

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Percebemos, então, que o discurso publicitário é altamente significativo, pois

requer do receptor da mensagem tanto um conhecimento linguístico quanto um

entendimento sobre as coisas do mundo. O sujeito anunciante precisa elaborar um

discurso que capture para seus domínios aqueles que ele pretende incluir no processo

de comercialização e de aquisição do produto, por meio de um discurso sedutor e

envolvente.

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ANÁLISE 12

- Embalagem antiga

- Ano de veiculação: Década de 1920

- Marca: Odol

- Tema: O jovem e o sorriso Odol

ANOS 20

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216

Para que o contrato de comunicação seja firmado, na tentativa de alcançar o seu

êxito, a linguagem da publicidade requer um conhecimento mútuo entre os parceiros

discursivos acerca das coisas do mundo,

A publicidade da década de 1920 apresenta uma peculiaridade fundamental para a

história publicitária no Brasil: ela é construída junto ao surgimento da primeira

emissora de rádio em caráter experimental. A sua programação, inicialmente, estava

voltada para a elite, porém ao veicularem propagandas comerciais, o radio passou a

exercer um forte poder sobre a vida das pessoas, influenciando o modo de viver de

seus ouvintes.

Dessa forma, o rádio passou a fazer parte do dia a dia das pessoas, formando

opiniões e ditando regras de comportamento. Assim, o sujeito da década de 1920, para

se sentir inserido em um determinado grupo social, absorvia todas as informações

contidas nesse veículo de comunicação e passava a se comportar ou a agir de acordo

com o que era estabelecido pelos programas e pelas publicidades da época.

O rádio, então, passou a difundir a cultura e a promover a integração nacional. Com

isso, a publicidade foi, aos poucos, alcançando um papel fundamental na sociedade da

época, que se espelhava e se moldava naquele padrão de comportamento. Há,

inclusive, uma transformação na vida cultural dos sujeitos da década de 1920, que

passaram a ter um contato maior com os acontecimentos sociais de seu país.

Percebemos, talvez, que seja por isso que a publicidade da década de 1920

apresente uma parte verbal extensa, como é observado na publicidade do dentifrício

Odol, pois além de ser veiculada em jornais e em revistas, agora, essa publicidade

devia, também, ser utilizada nos meios radiofônicos. A questão imagética continuava

fortemente presente nos meios impressos, porém o sujeito anunciante aproveitava o

que era posto verbalmente na publicidade e anunciava esses dizeres também no rádio.

Outra questão relevante, nesse período, está ligada ao público alvo. Sabemos, como

já dito, que o rádio apresentava uma programação voltada para as camadas mais

elitizadas da população, com aulas, palestras, lições de português, entre outras. Assim,

a publicidade, nos meios impressos, também, passou a adotar esse estilo mais clássico

para veicular suas mensagens.

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Desse modo, notamos que a publicidade analisada apresenta, na parte verbal,

dizeres que se assemelham às regras e às normas básicas para se adquirir um belo

sorriso, como um manual de dentes saudáveis, elaborado no intuito de divulgar não só

o conhecimento, como também os programas de rádio. A própria situação criada pelo

publicista envolve o ambiente de estudos com a parte imagética composta por um

jovem bem vestido, parecendo simbolizar a elite, com papel e caneta sobre a mesa.

Assim, percebemos a forte relação entre a publicidade e os aspectos sociais, pois o

contexto e a situação de uso linguageiro influem nos modos de dizer e,

consequentemente, nas formas de atuação no mundo. Há um sujeito intencional, nesse

contrato de comunicação, que elabora o seu discurso utilizando os valores explícitos e

os valores implícitos, por meio de uma mise-en-scène do discurso, que representa uma

performance comunicativa.

Desse modo, o contrato de comunicação fica estabelecido no discurso, que

apresenta alguns componentes para que o ato de linguagem se concretize, no intuito de

atingir os objetivos desejados. Tais componentes são classificados como: o

comunicacional, que pautado nos saberes acerca dos sujeitos interagentes discursivos,

isto é, precisamos saber quem são e que papéis eles assumem no discurso. Assim,

teremos uma ideia do canal que faz a ponte entre o produto, divulgado pelo sujeito

anunciante e o suposto consumidor, como os meios impressou ou o rádio; o

psicossocial, definido pela relação afetiva com o objeto comercializado, como o fato

dessa peça publicitária ser protagonizada por um jovem, na tentativa de atrair o

público com essa faixa etária; e o intencional, ligado às estratégias de captação do

outro para o domínio discursivo publicitário, como na frase Recomendado pelos mais

eminentes dentistas do mundo, no intuito de atingir a vontade do outro pelo argumento

de autoridade.

Com isso, percebemos a importância de estabelecer uma relação contratual entre os

sujeitos de linguagem, que se dividem em dois tipos de circuitos: o interno, que é

composto por sujeitos protagonistas pertencentes ao discurso (seres da fala) e o

externo, que é composto por sujeitos parceiros exteriores ao discurso (seres da ação).

Assim, a identidade desses sujeitos se instaura no ato comunicativo, que apresenta

duas vertentes identitárias divididas em: identidade social, que autoriza o sujeito a agir

de determinada forma, por meio de atribuições socialmente partilhadas, como a

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imagem do garoto adolescente com a fisionomia fechada, parecendo aborrecido, no

momento de estudo, comportamento típico de adolescentes, e a identidade discursiva,

que é elaborada pela estratégia de credibilidade, como na frase Recomendado pelos

mais eminentes dentistas do mundo, que, como já citado, utiliza o argumento de

autoridade de um profissional ligado à saúde bucal para corroborar esses dizeres

(atitude de engajamento) e, ainda, pela estratégia de captação, como na informação de

que a marca Odol é representada em pasta, em líquido e em escova, denotando sua

abrangência e seu sucesso, na tentativa de capturar o outro para seus domínios (atitude

de sedução).

Percebemos, então, que a construção de sentidos está ligada aos contextos

situacionais e às circunstâncias do discurso, por meio do processo de transformação,

que modifica a maneira de se penasr a realidade e apresenta as categorias linguísticas:

identificação, como os termos sorriso, gente, curso, estudos, essencial, dentes,

conselhos, Odol, dentista, anno, médico, regime, saúde, dia, mundo, pastas, líquido,

escova, produtos e paízes; qualificação, como os termos bello, especial, severos,

bonitos, sãos, alimentar (regime alimentar) e eminentes; ação, como as formas verbais

conserve, imagina, frequentar, submeter, conseguir, consultar, usar, registrados e

vendidos; e causação, não encontrada nessa publicidade.

Outro processo, também, utilizado na semiotização do mundo é o de transação,

que apresenta os seguintes princípios: de alteridade, como a informação Frequentar o

dentista pelo menos duas vezes por anno, que legitima a imagem do produto, pois

passa a ideia de seriedade e de preocupação com o outro; princípio de pertinência,

como a frase Produtos registrados e vendidos em 77 paízes, que cria uma condição de

legitimidade do produto; princípio de influência, como a imagem dos produtos da

marca Odol, no intuito de atingir o outro e capturá-lo e, por fim, o princípio de

regulação, como a tentativa de se fazer aceitar a imagem sedutora da jovem com o

objetivo de associar essa figura ao dentifrício, fato necessário para que se processe a

interação discursiva.

Dessa forma, o sujeito anunciante elabora a imagem do produto, na tentativa de

garantir o êxito comunicativo, por meio de um discurso persuasivo sobre o outro

(ethos), como na informação Consultar o médico e o dentista sobre o regime

alimentar mais adequado à saúde dos dentes, no intuito de criar um discurso franco e

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verdadeiro (areté). Essa confiança que o publicista pretende conseguir do outro,

também, pode ser adquirida por meio de conceitos, como: inventio, tido como a

elaboração do discurso, por exemplo, na tentativa de personificar o produto Odol,

observada na frase Para consegui-lo eis os conselhos de Odol, com o objetivo de

fortalecer a imagem do produto; dispositio, visto como o encadeamento do discurso,

por exemplo, a relação da parte verbal, na informação Odol, pasta, líquido e escova

com a parte imagética, que contém os três tipos de produtos; e elocutio, isto é, a

verbalização do pensamento, como a escolha de três verbos no infinitivo (frequentar,

consultar e usar) para expressar os conselhos de Odol.

Outras noções, também, fazem parte do processo de elaboração do discurso, como

a de pathos, que está ligada à tentativa de provocar a emoção no outro, como a

imagem de uma jovem sedutora, oferecendo uma imagem agradável do produto

(eunóia) e, também, a de logos, centrada na visão lógica do discurso, como na frase

Usar Odol três vezes por dia, que denota o aspecto de sujeito ponderado (phrônesis).

Percebemos, com isso, que o discurso é elaborado e interpretado, por meio de

conhecimentos que o sujeito acredita ter do mundo, pois os seus dizeres estarão

intrinsecamente ligados aos julgamentos que ele constrói da realidade. Há dois tipos

de saberes que contribuem para a construção desses sistemas de pensamento: saberes

de conhecimento, exterior ao sujeito, como acreditar que o dentista está apto para

opinar sobre os dentifrícios (saber de experiência) e saberes de crença, isto é,

julgamentos subjetivos, como a frase já citada Usar Odol três vezes por dia (saber de

opinião), pois há pessoas que escovam os dentes mais ou menos do que três vezes por

dia.

Notamos, então, que essas representações podem funcionar como elementos

cristalizados socialmente, definindo ideias e conceitos generalizados ou indevidos

acerca do mundo (estereótipos). O sujeito anunciante, ao pronunciar os dizeres Muita

gente imagina que para ter um bello sorriso é necessário frequentar um curso

especial e submeter-se a estudos severos. Nada disso. O essencial é ter dentes bonitos

e sãos. Desse modo, o publicista parece criar uma imagem estereotipada dos

indivíduos que apresentam uma condição social e cultural mais privilegiada, pois é

colocada a imagem do garoto bem vestido e que, supostamente, teria tudo para ser

feliz, mas não parece.

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Assim, o publicista elabora o seu discurso, por meio de estratégias

significativas, que envolvem tanto o material linguístico quanto o extralinguístico.

Podemos exemplificar as relações cotextuais (texto/texto) pela escolha dos verbos no

infinitivo frequentar, consultar e usar, tendo o sujeito anunciante o objetivo de criar

um paralelismo estrutural; já as relações contextuais (texto/contexto), podemos

observá-las nas figuras do médico e do dentista como enunciadores de argumentos de

autoridade, como já dito, visto a função social que exercem.

Percebemos, com isso, que o sujeito anunciante elabora o seu discurso, no

intuito de seduzir e de capturar o público alvo para seu domínio, utilizando recursos e

estratégias de convencimento camuflado para conseguir a adesão do outro na compra

da mercadoria.

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221

FECHANDO AS ANÁLISES

As embalagens atuais, isto é, aquelas veiculadas nos anos 2013/2014, veiculam

imagens simbólicas altamente representativas acerca do comportamento dos sujeitos e

de como a sociedade da época constrói culturalmente os seus modelos de vida. Essas

embalagens isoladamente já representam a publicidade dos dentifrícios, funcionando

muito além do mero suporte.

A noção do gênero (masculino/feminino) também está presente, nas embalagens

atuais, que apresentam em sua superfície construções identitárias bem delineadas e

formadas acerca dos meninos e das meninas. Desse modo, podemos relacionar o

comportamento dos jovens da época com o tipo de performance construída pelos

personagens presentes nas embalagens dos cremes dentais.

As princesas, as fadas e a Minnie simbolizam aspectos ligados ao belo, à delicadeza

e à formosura, que são características socialmente partilhadas atribuídas às meninas;

enquanto os super-heróis (Capitão América, Homem de Ferro e Incrível Hulk), o Ben

10 e o Mickey representam os meninos, no que diz respeito à valentia e à virilidade.

Vale ressaltar que a Minnie e o Mickey parecem apresentar um comportamento mais

próximo da realidade das crianças e, logo, uma imagem mais infantilizada do que os

outros personagens.

Assim, percebemos que a imagem do produto está veiculada diretamente na

embalagem do dentifrício, tornando-se, então, o veículo de divulgação da mercadoria.

Essa imagem, inclusive, nas embalagens atuais, é prioritariamente construída pelo

conteúdo não verbal (diferentemente das antigas, que priorizava também o conteúdo

verbal), pois notamos que, talvez, o publicista possa acreditar que esse seria o meio

mais rápido e eficiente de se fazer fixar o produto na mente do futuro consumidor.

As cores também são um recurso altamente simbólico e explorado pelo sujeito

anunciante, nas embalagens dos anos 2013/2014; enquanto as embalagens antigas não

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apresentavam muita variação e significação, no que diz respeito à coloração da

imagem.

As embalagens antigas apresentam, em sua maioria, apenas a marca do produto e

alguma pequena observação acerca do dentifrício, pois a sua função era, basicamente,

servir de suporte para o creme dental. A publicidade era construída por meio de

anúncios em jornais e em revistas, pois o sujeito anunciante, ainda, não elaborava

estratégias para veicular imagens na própria embalagem.

Já que as crianças, nessa época, não apresentavam “poder de voz” no momento da

compra dos produtos, o sujeito anunciante elaborava publicidades especialmente

destinadas aos adultos, mesmo quando colocava imagens de crianças, no intuito de

incluí-las como possibilidade de utilização do produto. Com isso, o publicista não

utilizava personagens infantis e nem cores, supostamente, ligadas aos meninos e nem

às meninas, pois ele queria cativar e seduzir os adultos para a aquisição do produto.

Concluímos, então, que a construção da publicidade, em épocas distintas, varia de

acordo com a finalidade e com as circunstâncias do discurso. O sujeito anunciante

elabora o seu discurso de acordo com o contexto e com o que circula culturalmente na

sociedade. Ser forte e destemido como o Capitão América ou ser meiga e dócil, à

procura do príncipe encantado como a Branca de Neve parecem comportamentos

aceitos na atualidade e que, de certa forma, constroem uma imagem positiva do

produto; enquanto o publicista, nas embalagens antigas, como, por exemplo, na década

de 1970, seleciona a imagem de um garoto com um jeito despojado, visto ser uma

época pós-repressão e que, por isso, teria a aceitação do público, ou, ainda, na década

de 1920, as publicidades darem ênfase à parte verbal, devido ao fato de o rádio ser

introduzido, nesse período, no Brasil.

Assim, a publicidade acerca dos dentifrícios é elaborada, por meio do contexto e de

seus aspectos sociocomunicativos. O sujeito anunciante, inclusive, constrói o seu

discurso utilizando uma linguagem sedutora e envolvente, na tentativa de capturar o

outro para seus domínios. Notamos, também, que a análise das embalagens de

dentifrícios corroborou a ideia da publicidade como retrato da época, visto ser uma

análise historicamente situada.

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223

5. CONCLUSÕES

Podemos concluir essa pesquisa corroborando a ideia de que os sujeitos

interagentes discursivos são peças fundamentais na construção de sentidos acerca do

discurso publicitário. Tanto o processo de produção quanto o de interpretação estão

instaurados no ato comunicativo, construindo saberes relevantes para que se instaure o

contrato de comunicação.

Inúmeras estratégias são empregadas, nesse ato comunicacional, como a

investigação do quadro social da situacionalidade discursiva e, também, recursos que

levam à captação do público alvo e à credibilidade dos dizeres. Esse manuseio das

formas linguísticas feito pelo sujeito anunciante para a elaboração das peças

publicitárias está intrinsecamente ligado às escolhas dos elementos internos do

discurso e aos aspectos extralinguísticos.

A parte verbal junto à não verbal constroem sentidos discursivos, elaborados tanto

pelo que está exposto na superfície textual quanto pelo que está implícito, como os

pressupostos, instaurados no discurso, por meio dos marcadores de pressuposição e os

subentendidos, formulados de forma mais abstrata.

Os espaços temporais selecionados acerca das peças publicitárias nos revelaram

inúmeras diferenças entre as construções discursivas da atualidade e as do passado,

como questões ligadas à imagem, à cor, ao suporte, ao conteúdo verbal e ao não

verbal, enfim, a uma série de fatores que contribuem para a elaboração e para a

interpretação dos sentidos (articulados ao momento de produção das peças, tanto no

passado quanto no presente).

Percebemos, também, a forte presença das representações sociais, no que diz

respeito aos estereótipos e aos arquétipos, construídos por meio de saberes

compartilhados socialmente. A figura da mãe como aquela cuidadora da casa e dos

filhos esteve várias vezes representadas nas peças publicitárias, reforçando o arquétipo

da mulher-MÃE.

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Outra noção bastante presente tanto nas embalagens atuais quanto nas publicidades

antigas é a de ethos. O sujeito anunciante elabora o seu discurso, na tentativa de

construir uma imagem agradável do produto, por meio de um discurso envolvente e

sedutor, procurando atingir as vontades e os desejos do futuro consumidor. Vale

ressaltar que a questão do ethos masculino/feminino está muito mais presente nas

embalagens atuais do que nas antigas.

Confirma-se a hipótese de nossa pesquisa, que apresenta a ideia de que as

embalagens atuais devem seduzir tanto o adulto quanto a criança, pois a criança atual

tem vontade própria e espaço livre para se expressar e, consequentemente, influência

no poder de decisão de compra do produto; enquanto a publicidade antiga tem como

público alvo apenas o adulto.

Assim, percebemos que a publicidade está inserida em um discurso altamente

significativo, pois requer de seus participantes um envolvimento ativo acerca da

linguagem e de elementos extralinguísticos. Dessa forma, o alcance do êxito do

contrato de comunicação dependerá de como os sujeitos interagentes discursivos

atuarão nas entranhas do discurso.

Por fim, a pesquisa colaborou não só para a aplicação da Teoria Semiolinguística

do Discurso como também para a possibilidade do ensino de língua. O discurso

publicitário pode e deve ser inserido no âmbito escolar a serviço da prática pedagógica

e dos meios do processo de ensino e de aprendizagem da língua.

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(ambos acessados no dia 06 de junho de 2013).

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ANEXO

História dos dentifrícios e sua ação sobre a cavidade oral

A cavidade oral necessita de processos higienizadores que contribuam para o

funcionamento pleno de seus órgãos. Os dentifrícios são responsáveis pelo êxito dessa

operação, pois atuam eficazmente na libertação de agentes terapêuticos, visto que a

escovação dental é o principal mecanismo de combate à cárie e à doença periodontal.

A cárie dentária é definida como doença infecto contagiosa resultante da interação

de diversas espécies bacterianas, tendo os Streptococcus mutans e os Lactobacillus

acidophillus forte contribuição para o início e o desenvolvimento do processo

infeccioso. Desse modo, a atuação dos dentifrícios se torna fundamental para o

combate à doença, pois apresenta ação antibacteriana, agindo na cavidade oral de

forma plena e eficaz. Assim, percebemos a importância de termos ações que

combatam a instalação e a proliferação dessas bactérias, pois a prevenção é a melhor

forma do indivíduo apresentar saúde bucal, livre de qualquer possibilidade de

processos infecciosos.

Ao pesquisarmos a origem do termo dentifrício, podemos afirmar que este foi

empregado pela primeira vez na Inglaterra, em 1558, tendo como significação um pó

ou outra preparação para esfregar ou limpar os dentes. Já o dicionário Priberam da

Língua Portuguesa (2013) nos informa que o termo dentifrício vem do latim

dentifricium e que significa que ou o que serve para fazer a higiene dos dentes e da

boca.

Se pensarmos diacronicamente, o termo dentifrício ampliou sua capacidade

funcional, pois o que antes apresentava como objetivo o cuidado com os dentes, agora

o objetivo inclui, além dos dentes, a cavidade oral. Logo, percebemos a importância

do uso dos dentifrícios no processo de escovação dental, pois o produto auxilia nos

processos preventivos de combate a doenças da cavidade oral.

Na antiguidade, um livro médico egípcio chamado Papiros de Ebers (1500 a.c.)

apresentou em seu conteúdo, a primeira referência histórica acerca dos dentifrícios.

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Nele, havia receitas para elaboração de preparos que limpavam os dentes. Pastas

oleosas para escovar os dentes também foram encontradas nos escritos da civilização

da Mesopotâmia para a escovação dental, que era realizada com o dedo indicador

(primeiro tipo de escova de dentes). Esse processo simbolizava um ritual para essa

civilização, onde um vaso com água era oferecido aos visitantes para a realização da

lavagem dos dentes.

Na Índia, os sacerdotes usavam uma pasta à base de mel, azeite e extratos

aromáticos misturados a folhas de árvores para se purificarem; enquanto na Grécia,

Hipócrates, médico e filósofo grego, recomendava que a composição do dentifrício

fosse composta por restos queimados das cabeças de uma lebre e três ratos, após tirar o

intestino de dois deles, mas sem nunca remover o fígado ou o rim. Ele acreditava que,

tendo o rato e a lebre dentes fortes, essas características passavam para os dentes dos

humanos, caso estes utilizassem essa mistura.

Os romanos cuidavam dos dentes com dentifrícios compostos por lascas de

madeiras misturadas com chifres de veados queimados e cinzas das cabeças torradas

de lebres, ratos e lobos, juntamente com calcanhares queimados de boi e pés de cabra.

Também utilizavam cascas de ovo trituradas, conchas de caracol e pó de pedra-pomes

na composição do produto final.

Já na Idade Média, os cuidados com a limpeza dos dentes continuaram. Os

dentifrícios eram compostos por água misturada com pétalas de rosa trituradas,

cálculos de bílis e mirra, pois as manchas dos dentes eram removidas devido ao efeito

solvente da mirra e a abrasividade dos cálculos biliares.

Na idade Moderna, várias receitas foram elaboradas para o processo de limpeza dos

dentes. Dentre elas, citamos o manuscrito Le regime du corps de maitre Aldebrandin

de Sienne (1526), que apresentava como dentifrício a mistura de chifres de veado,

sementes de tamaris e de cipreste, rosas e sal-gema.

Na Idade Contemporânea, o primeiro médico que se preocupou com os problemas

dentários foi Pierre Fauchard. Em 1746, o médico criou algumas fórmulas de pós e

pastas bastante complexas, como, por exemplo, a urina humana destilada e dissolvida

em aguardente, água de cresson ou de cocleária.

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Podemos registrar como a grande virada na fabricação de dentifrícios o ano de

1890, nesse ano em que o autor W.D. Muller descreveu a Teoria da cárie dentária. O

autor concluiu que ácidos orgânicos agiam sobre o esmalte dentário, devido à presença

de bactérias na cavidade oral. Desse modo, as indústrias de dentifrícios passaram a

investir em estudos científicos na área, produzindo produtos com uma base alcalina

em seus constituintes.

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