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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE LETRAS
MESTRADO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM
“SORRIA, VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO”
PUBLICIDADES DE DENTIFRÍCIOS PARA CRIANÇAS
NA LINHA DO TEMPO – ETHOS MASCULINO E FEMININO
ROVANE JORGE DE OLIVEIRA GUIMARÃES
NITERÓI
2014
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ROVANE JORGE DE OLIVEIRA GUIMARÃES
“SORRIA, VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO”
PUBLICIDADES DE DENTIFRÍCIOS PARA CRIANÇAS
NA LINHA DO TEMPO – ETHOS MASCULINO E FEMININO
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
graduação em Estudos da Linguagem da
Universidade Federal Fluminense, como requisito
parcial para a obtenção do Grau de Mestre. Área de
Concentração: Linguística. Linha de pesquisa:
Teorias do texto, do discurso e da interação.
Orientadora: Profa. Dra. Rosane Santos Mauro Monnerat
Niterói
2014
3
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá
G963 Guimarães, Rovane Jorge de Oliveira.
“Sorria, você está sendo filmado” : publicidades de dentifrícios
para crianças na linha do tempo - ethos masculino e feminino / Rovane
Jorge de Oliveira Guimarães. – 2014.
231 f.
Orientadora: Rosane Santos Mauro Monnerat.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense,
Instituto de Letras, 2014.
Bibliografia: f. 225-228.
1. Publicidade. 2. Dentifrício. 3. Gênero. I. Monnerat, Rosane
Santos Mauro. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de
Letras. III. Título.
CDD 659.1
1. 371.010981
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ROVANE JORGE DE OLIVEIRA GUIMARÃES
“SORRIA, VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO”
PUBLICIDADES DE DENTIFRÍCIOS PARA CRIANÇAS
NA LINHA DO TEMPO – ETHOS MASCULINO E FEMININO
Dissertação apresentada ao curso de Pós-
graduação em estudos da Linguagem da
Universidade Federal Fluminense, como requisito
parcial para a obtenção do Grau de Mestre. Área de
concentração: Linguística.
Aprovada em 19 de janeiro de 2014.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Profa. Dra. Rosane Santos Mauro Monnerat – orientadora
Universidade Federal Fluminense – UFF
____________________________________________________
Prof. Dr. Adriano Oliveira Santos
Faculdades Integradas Campo-Grandenses (FIC-FEUC)
_____________________________________________________
Profa. Dra. Ilana da Silva Rebello Viegas
Universidade Federal fluminense – UFF
_____________________________________________________
Profa. Dra. Magda Bahia Schlee (suplente)
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
______________________________________________________
Norimar Pasini Mesquita Júdice (suplente)
Universidade Federal fluminense – UFF
5
Do ponto de vista da ciência da linguagem, o texto
pode ser definido como uma sequência
linguística empírica atestada, produzida no quadro
de uma prática social por um ou diversos
enunciadores.
(Rastier, François)
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RESUMO
Esta pesquisa apresenta como foco investigativo a análise das embalagens de
dentifrícios para crianças, elaboradas em períodos distintos: as atuais, entre os anos de
2013/2014, e as antigas, entre as décadas de 1920/1970. Tomamos como
fundamentação teórica a Teoria Semiolinguística, que situa o sujeito no tempo e no
espaço, para que o contrato de comunicação alcance o seu êxito. Investigamos as
estratégias utilizadas na publicidade pelo sujeito anunciante, no intuito de capturar o
público alvo para seus domínios. Analisamos, também, como esse publicista constrói a
noção de ethos (masculino e feminino), por meio de representações sociais e
discursivas, utilizando tanto os elementos internos do texto quanto os extralinguísticos.
Por fim, examinamos como são construídos os modos de dizer na publicidade, que
utiliza a linguagem verbal e a não verbal somadas aos implícitos para a elaboração e a
interpretação do discurso, por meio de um enunciado sedutor e envolvente.
Palavras-chave: Publicidade. Dentifrício. Ethos masculino e feminino.
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ABSTRACT
This research presents as an investigative focus the analysis of toothpaste packing for
children, prepared in different periods: the current, between the years 2013/2014, and
the old, between the decades of 1920/1970. We take as theoretical foundation
Semiolinguistics Theory that places the person in time and space, so that the
communication contract reachs its success. We investigated the strategies used in
advertising by advertiser person in order to capture the target audience for his
domains. We also analyzed, the way advertisings build the notion of ethos (male and
female), through social and discursive representations, using either the internal
elements of the text or the extralinguistic ones. Finally, we examine how the ways of
saying in advertisings are built, using verbal and non-verbal language added to
implicit for the preparation and interpretation of speech, through a seductive and
compelling statement.
Keywords: Advertising. Toothpaste. Ethos male and female
8
Aos meus pais,
Rovane (in memoriam) e Leiza,
que construíram a minha base emocional e cultural.
E aos meus grandes incentivadores,
Claudia, minha esposa, e Miguel, meu filho.
9
AGRADECIMENTOS
À minha querida e incansável orientadora Rosane Monnerat, pelas maravilhosas
manhãs, tardes e noites de orientação e pela sua dedicação ao magistério, que
simboliza a arte do saber pelas letras.
Muito obrigado.
Aos queridos professores da Banca, Adriano Oliveira Santos e Ilana Rebello
Viegas, que contribuíram fortemente para o progresso da minha pesquisa.
Às professoras Magda Bahia Schlee e Norimar Pasini Mesquita Júdice, pela
atenção e pela disponibilidade de participarem como suplentes de minha Banca.
Ao renomado fundador da Teoria Semiolinguística do discurso, Patrick Charaudeau,
pelas contribuições linguísticas acerca de minha pesquisa.
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SINOPSE
Análise das embalagens de dentifrícios para
crianças na linha do tempo, com suporte teórico
baseado na Teoria Semiolinguística do Discurso.
Observação desse ato de linguagem composto
pelos sujeitos sociais e discursivos, ligados à
semiotização do mundo. Comprovação da presença
do ethos discursivo, assim como de estereótipos e
de arquétipos nas peças publicitárias e a
investigação da linguagem verbal e não verbal
junto aos implícitos.
11
LISTA DE SIGLAS
EUc – Eu-comunicante
EUe – Eu-enunciador
TUd – Tu-destinatário
TUi – Tu-interpretante
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LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Publicidade de Belvita (2013)............................................................ 69
FIGURA 2 – Publicidade de Belvita (2014) ........................................................ 70
FIGURA 3 – Publicidade da moto Next ............................................................. 71
FIGURA 4 – Publicidade das Casas Bahia ........................................................... 77
FIGURA 5 – Publicidade do Pruden Shopping....................................................... 78
FIGURA 6 – Publicidade do Governo .................................................................. 80
FIGURA 7 – Publicidade do dentifrício Ultra Actin kids (princesas)........................117
FIGURA 8 – Publicidade do dentifrício Ultra Action Kids (super-heróis)................128
FIGURA 9 – Publicidade do dentifrício Ultra Action Kids (fadas)..........................140
FIGURA 10 – Publicidade do dentifrício Bitufo (Ben 10)......................................152
FIGURA 11 – Publicidade do dentifrício Ultra action Kids (Minnie).......................161
FIGURA 12 – Publicidade do dentifrício Ultra Action Kids (Mickey).....................169
FIGURA 13 – Publicidade do dentifrício Colgate com gardol................................. 178
FIGURA 14 – Publicidade do dentifrício sorriso de saúde .....................................186
FIGURA 15 – Publicidade do dentifrício Colgate ...................................................194
FIGURA 16 – Publicidade do dentifrício Kolynos .................................................201
FIGURA 17 – Publicidade do dentifrício Eucalol ..................................................208
FIGURA 18 - Publicidade do dentifrício Odol........................................................215
13
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – Relação contratual.............................................................................24
QUADRO 2 - Circuito interno/externo dos sujeitos............................................. 24
QUADRO 3 – Imaginários sociodiscursivos/Gênese do saber.....................................51
QUADRO 4 – Esquematização ................................................................................. 61
QUADRO 5 – Processamento textual .............................................................. 62
QUADRO 6 – Ato de linguagem 1 ................................................................. 73
QUADRO 7 – Simbologia das cores ............................................................ 89/90
QUADRO 8 – Máximas conversacionais ........................................................ 92
QUADRO 9 – Esquema geral das inferências................................................... 98
QUADRO 10 – Ato de linguagem 2................................................................. 104
QUADRO 11 – Contrato de comunicação........................................................ 105
QUADRO 12 – Sujeito do ato de linguagem ................................................. 106
QUADRO 13 – Identidade social/discursiva..................................................... 107
QUADRO 14 – Semiotização do mundo.......................................................... 108
QUADRO 15 – Ethos ..................................................................................... 109
QUADRO 16 – Representações sociais..............................................................110
QUADRO 17 – Imaginários sociais.................................................................. 111
QUADRO 18 – Ideologias............................................................................... 112
QUADRO 19 – Texto (relações internas/externas)............................................113
QUADRO 20 – Publicidade – linguagem verbal............................................... 114
QUADRO 21 – Publicidade – linguagem não verbal........................................115
QUADRO 22 – Implícitos...............................................................................116
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................ .15
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................... 18
2.1 Teoria Semiolinguística ................................................................................... 18
2.1.1 Ato de linguagem e contrato de comunicação ................................. 18
2.1.2 Sujeitos de linguagem ...................................................................... 22
2.1.3 Identidade social/Identidade discursiva (Estratégias de captação:
credibilidade e legitimidade) .................................................................... 25
2.1.4 A semiotização do mundo ................................................................ 30
2.2 Ethos discursivo .............................................................................................. 33
2.3 Representações sociais e Imaginários sociodiscursivos ................................. 42
2.4 Estereótipos e arquétipos ................................................................................. 52
2.5 Gêneros textuais ............................................................................................ 58
2.6 Publicidade....................................................................................................... 68
2.6.1 Linguagem verbal: valores e significâncias ................................... 68
2.6.2 Linguagem não verbal .................................................................... 81
2.7 Implícitos ........................................................................................................ 91
3. METODOLOGIA...........................................................................................102
3.1 Constituição do corpus....................................................................................102
3.2 Procedimentos de análise................................................................................102
4. ANÁLISE DO CORPUS ................................................................................117
5. CONCLUSÕES ............................................................................................ 223
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................ 225
ANEXO
História dos dentifrícios e sua ação sobre a cavidade oral .................................. 229
15
1 - INTRODUÇÃO
Esta pesquisa apresenta como foco investigativo o discurso da publicidade contido
no suporte de dentifrícios para crianças, no que diz respeito tanto aos meios
linguístico-discursivos quanto aos meios icônicos, de representação linguageira.
Segundo Charaudeau (2012, p.24):
A finalidade do ato de linguagem (tanto para o sujeito
enunciador quanto para o sujeito interpretante) não deve ser
buscada apenas em sua configuração verbal, mas, num jogo
que um dado sujeito vai estabelecer entre esta e seu sentido
implícito. Tal jogo depende da relação dos protagonistas entre
si e da relação dos mesmos com as circunstâncias de discurso
que os reúnem.
Percebemos, então, que o dito envolto por pressupostos e por subentendidos será
recebido pelo sujeito interlocutor, levando em consideração os sentidos provocados
tanto pelo dito quanto pelo não dito, já que esses sentidos serão construídos a partir do
contexto situacional em que os atores comunicativos estiverem inseridos.
Há uma expectativa interenunciativa no processo de comunicação tanto do sujeito
que produz quanto daquele que recebe a mensagem. No caso das propagandas, esta
ideia fica mais clara ainda, pois o objetivo deste gênero é persuadir o outro pelo
convencimento. Assim, fica explícita a noção de expectativa múltipla, pois os
jogadores do processo discursivo apresentam vontades próprias de acordo com seus
objetivos.
A construção enunciativa dos sujeitos do discurso e as estratégias empregadas para
o funcionamento do contrato de comunicação predispõem à representação do ethos
discursivo, que é investigado, nesta pesquisa, pela análise das embalagens de
dentifrícios para crianças. A hipótese criada é a de que a construção do ethos do
produto (marca) está fortemente ligada aos processos icônicos encontrados no
acondicionamento desta mercadoria, colaborando para a representação da imagem
feminina contraposta à masculina (nas embalagens atuais), enquanto nas embalagens
antigas, a questão da imagem e do gênero (masculino/feminino) não está bem definida.
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Tomamos como fundamentação teórica da pesquisa a Teoria Semiolinguística de
Análise do Discurso, criada por Patrick Charaudeau. O autor considera o ato de
linguagem como um evento interenunciativo, que gera sentidos a partir de saberes
supostos que circulam entre os protagonistas da linguagem. Utilizaremos, também,
fundamentos de outras vertentes teóricas, como Dominique Maingueneau, Ruth
Amossy, Denise Jodelet, entre outros.
Apresentamos como justificativa da pesquisa o interesse em adequar os estudos
linguísticos aos contextos situacionais referentes à prática odontológica, visto que
ambos ambientes pertencem ao universo do investigador. Assim, a pesquisa colabora
não apenas para a ciência da linguagem, mas também para vertentes que,
supostamente, estariam distantes do universo linguageiro.
Selecionamos como corpus as embalagens dos dentifrícios de duas épocas
distintas: seis embalagens antigas correspondentes às décadas de
1920/1930/1940/1950/1960/1970 do século passado e seis da atualidade (2013/2014).
Vale ressaltar que, nas décadas entre 1920 e 1970, analisaremos as peças publicitárias
e não apenas as embalagens, visto a ausência de elementos simbólicos nesses suportes.
Consideramos pertinente a distância temporal entre as épocas selecionadas para que as
diferenças entre as embalagens sejam mais evidenciadas.
Assim, por meio das embalagens de dentifrícios para crianças analisaremos o
funcionamento da articulação das linguagens verbal e não verbal, além das relações
entre língua, discurso e imagem e, sobretudo, as diferenças entre linguagem verbal e
não verbal nos recortes temporais selecionados.
Apresentamos como objetivos gerais a investigação dos papéis dos sujeitos
interagentes do discurso, analisando os possíveis processos interpretativos, que surgem
no ponto de encontro dos processos de produção e de interpretação; a observação do
contrato de comunicação entre os sujeitos, percebendo quais estratégias estão sendo
empregadas no processo, e a identificação das diferenças/semelhanças em relação à
linguagem verbal e não verbal nos espaços temporais selecionados.
Com relação aos objetivos específicos, tentaremos investigar como o sujeito
comunicante utiliza o discurso publicitário, para promover o poder de convencimento
sobre o sujeito interpretante; observar as estratégias empregadas na publicidade que
fazem parte do contrato de comunicação entre o sujeito anunciante e o sujeito
consumidor; identificar, nas embalagens de dentifrícios para crianças, quais elementos
17
explícitos e implícitos colaboram para o poder de persuasão do sujeito anunciante e
também averiguar a presença, ou não, de estereótipos/arquétipos na construção do
ethos feminino/masculino nessas embalagens de dentifrícios para crianças.
Acreditamos, como hipótese de nossa pesquisa, que o ethos seja construído, nas
publicidades atuais, para que possa ser compartilhado duplamente, seduzindo tanto o
adulto quanto a criança, já que o sujeito consumidor é representado por ambos, isto é,
tanto pelo adulto (que compra o produto) quanto pela criança (que usa o produto),
visto que tanto um quanto o outro precisam compartilhar o imaginário discursivo
construído pelo sujeito comunicante (anunciante).
Supomos, ainda, que a construção dos imaginários discursivos na publicidade
fortalece as representações do ethos feminino/masculino, formando estereótipos
relacionados à questão de gêneros e que as publicidades antigas, isto é, das décadas de
1920/1930/1940/1950/1960/1970 do século passado, apresentam como público alvo os
adultos, que são aqueles que irão comprar o produto, sem a tentativa de sedução do
público infantil. Acreditamos, também, que o público infantil, atualmente, tenha
influência e/ou poder de decisão na compra do produto (o que não ocorria no passado).
Essa dissertação apresenta a fundamentação teórica assim distribuída: a parte
relativa à Semiolinguística, no tópico 2.1, a parte relativa ao Ethos, às Representações
sociais e Imaginários sociodiscursivos e, ainda, aos Estereótipos e Arquétipos,
respectivamente, aos tópicos 2.2, 2.3 e 2.4. Na sequência, os tópicos 2.5, 2.6 e 2.7
dizem respeito, respectivamente, às noções de Gêneros textuais, Publicidade e
Implícitos.
Na Metodologia, apresentam-se a constituição do corpus e os procedimentos de
análise. Segue-se a Análise do corpus e, por fim, as conclusões, Referências
bibliográficas e Anexo.
18
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A pesquisa apresenta como base da fundamentação teórica a Teoria
Semiolinguística, fundada por Patrick Charaudeau, que situa o discurso em um lugar
dinâmico de representações, tendo a participação de sujeitos históricos e sociais em
interação, por meio de um contrato de comunicação.
2.1 Teoria Semiolinguística
Ao iniciarmos nossa pesquisa acerca da teoria que dá suporte a este trabalho,
consideramos pertinente conceituar o termo semiolinguística. Semio a partir de
semiosis, que remete à construção de sentidos, por meio de uma relação forma-sentido
(em diferentes sistemas semiológicos), por um sujeito intencional, com um projeto de
influência social, num determinado quadro de ação; e linguística, que destaca a
matéria principal da forma em questão, as línguas naturais (Charaudeau, 2005, p.13).
A Teoria Semiolinguística se ancora, basicamente, no binômio Ato de
linguagem/Contrato de comunicação.
2.1.1 Ato de linguagem e Contrato de comunicação
A Teoria Semiolinguística considera o ato de linguagem com duplo valor: explícito
e implícito, sendo ambos indissociáveis. Essa interação é o que constitui o ato de
linguagem em sua totalidade discursiva. Devemos entender que o que está posto não
deve ser analisado isoladamente e sim em conjunto com o que está implícito, pois o
paradigma de um signo não pode ser observado apenas pelo que está explicitado.
Charaudeau (2012, p.25) apresenta como exemplo o enunciado Fecha a porta. O
autor comenta:
Poderíamos, então, imaginar sem dificuldades que o sujeito
falante, no mesmo instante em que enuncia “Fecha a porta”,
comunica ao seu interlocutor que “está com frio” (1), ou que
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“quer confiar-lhe um segredo” (2), ou que “os barulhos do
corredor estão incomodando” (3) (...) Consideremos “Fecha a
porta” como uma totalidade discursiva, o que nos permitirá
verificar o que está semanticamente em questão para a
compreensão de porta em cada uma das intenções supostas:
- no caso (1), porta é entendida como “meio de impedir a
passagem de frio para o interior”;
- no caso (2), porta é entendida como “meio de impedir a
passagem da fala para o exterior”;
- no caso (3), porta é entendida como “meio de impedir a
passagem do barulho para o interior”.
A partir deste exemplo, o autor fortalece seus dizeres, corroborando a ideia de que
o sentido não se constitui, primeiro, de forma explícita, seguido de um implícito
suplementar, e sim, concomitantemente. Deste modo, o sentido é construído dentro de
um contexto, que precisa ser analisado de forma ampla, para que o ato de linguagem
seja realmente efetivado.
Podemos perceber, então, que a Teoria Semiolinguística trabalha com reflexões
sobre os usos da linguagem, que podem fazer parte tanto do universo cotidiano quanto
de construções mais elaboradas. O importante é saber que todas as construções
enunciativas, nessa teoria, devem estar embutidas no social, isto é, nas crenças,
normas, ideologias e história da sociedade.
Uma das características da Semiolinguística é a retomada do “sujeito intencional”
no processo enunciativo, diferentemente da chamada AD francesa (Pêcheux), que
apresenta o “sujeito assujeitado” em seus discursos. Este sujeito intencional está
inserido em um discurso em movimento, nunca estático, pois está sempre originando
novos dizeres. Assim, a partir dessas considerações, podemos concluir que o ato de
linguagem jamais será “puro”, pois estará sempre se “alimentando” ou dando origem a
outros.
Percebemos que, no processo enunciativo, um mesmo discurso pode ser encenado
por diversos sujeitos, trazendo sentidos completamente diferentes uns dos outros.
Podemos citar, como exemplo, o caso de uma jovem de 18 anos, que chega à casa e
fala para os pais que está grávida. Se essa jovem for brasileira e casada, a notícia será
bem recebida, inclusive, a família poderá comemorar com um brinde, porém, se essa
jovem for solteira, no Afeganistão, a reação será totalmente negativa.
20
Desse modo, notamos que o ato de linguagem só terá efeito de sentidos se forem
analisadas a parte linguística, ligada ao mundo das palavras e a outra parte,
extralinguística, na qual devem ser observados os parceiros envolvidos e a situação
comunicativa.
O ato de linguagem deve ser entendido como representações discursivas que são
construídas a partir das vontades do sujeito enunciador. Entendemos que o termo mise-
en-scène, muito utilizado na Teoria Semiolinguística, está incorporado nestas
máscaras discursivas que exteriorizam dizeres de acordo com os objetivos desejados.
Podemos citar, como exemplo, os discursos políticos, que são construídos visando à
conquista do poder.
Percebemos que a expressão atos de linguagem é utilizada, na Teoria, para se
referir aos processos enunciativos. Podemos considerar que o autor alarga o termo
enunciado, considerando que o processo de comunicação é mais do que um eu que
fala para um tu, em determinada hora e lugar. Há uma visada de influência junto a
uma intencionalidade, que confere ao termo a condição de existência situacional,
pouco percebida no termo enunciado.
Todo ato de linguagem está inserido em um contrato de comunicação, firmado
entre os parceiros do jogo discursivo. Originário do domínio jurídico, o conceito de
contrato de comunicação ocupa posição central na Teoria Semiolinguística de Análise
do Discurso. Segundo Charaudeau; Maingueneau (2006, p.32), o contrato de
comunicação define-se como “o conjunto das condições nas quais se realiza qualquer
ato de comunicação (qualquer que seja a sua forma, oral, escrita, monolocutiva ou
interlocutiva)”. Nesse contrato de comunicação que se instaura entre os sujeitos em
interação, há sempre uma intencionalidade condicionada não só a um espaço de
restrições, dado, por exemplo, pelos rituais linguageiros que regulam as práticas
sociais num dado espaço e tempo, como também e, ao mesmo tempo, a um espaço de
estratégias, configurado pelas escolhas de que os sujeitos dispõem para dar conta de
seu projeto de fala. Qualquer parceria apresenta esse contrato. No caso da propaganda,
por exemplo, um sujeito expõe um produto, tentando despertar o desejo de compra no
outro. Há um poder de convencimento que o sujeito anunciante tenta criar sobre o
sujeito interpretante.
21
A Teoria Semiolinguística apresenta três componentes do contrato de
comunicação: o comunicacional, o psicossocial e o intencional. Exemplificaremos tais
componentes por meio do produto analisado nesta pesquisa: as embalagens de
dentifrícios para crianças, supondo que há uma propaganda em uma revista sobre o
produto referido. Para determinarmos o componente comunicacional, temos que saber
quais são os sujeitos de linguagem envolvidos no processo comunicativo. O sujeito
interpretante, no caso o consumidor, não tem contato com o sujeito anunciante. Sendo
assim, o canal que faz a ligação entre eles é a página impressa da revista (componente
comunicacional).
Consideramos o componente psicossocial do ato de linguagem algo subjetivo, pois
dependerá de como nosso psíquico reage diante de um ato de linguagem desse tipo.
Devemos perceber qual é a nossa relação com o objeto veiculado na propaganda, isto
é, qual é o nosso sentimento no momento de adquirir a mercadoria. Deste modo,
notamos que razões extralinguísticas estarão presentes no processo de identificação do
componente psicossocial, pois o contexto histórico e social dos sujeitos, como idade,
sexo, escolaridade, entre outros, será de grande importância para o êxito do contrato de
comunicação.
O componente intencional está voltado para os consumidores do produto. Por um
lado, há sujeitos que já consomem o produto; por outro, há aqueles que precisam ser
seduzidos para começarem a consumi-lo. Percebemos, nesta relação, uma intenção e
um apelo muito forte que o sujeito anunciante produz para conquistar esses dois tipos
de consumidores. Ressaltamos que os sujeitos que aceitam o produto, compartilham e
afiançam a credibilidade do imaginário discursivo encontrado na publicidade.
O contrato de comunicação deve responder, então, as seguintes questões:
- O ato de linguagem é composto por sujeitos. Quem são eles e que papéis eles
assumem no discurso?
- Por que os sujeitos comunicante/enunciador1 estão presentes em determinado ato de
comunicação?
- O sujeito comunicante interfere de que forma na construção dos dizeres do sujeito
enunciador?
1 A seguir, trataremos dos sujeitos do ato de linguagem.
22
- A interação comunicativa ocorre com que meios, em que ambiente, usando qual
canal de transmissão?
- Nas estratégias discursivas, como dizer isso ou aquilo?
Por meio destes questionamentos, podemos entender a relação entre o ato de
linguagem e o contrato de comunicação. Percebemos, com isso, que a Teoria
Semiolinguística nos oferece a possibilidade de investigarmos os componentes desse
contrato, independente do corpus analisado, pois estudar os fatos linguageiros
significa mergulhar no social.
Assim, analisamos o discurso, não por uma linguística ingênua, mas por
significações psicossociais encontradas nos atos de linguagem. Percebemos, com isso,
a relevância de aprofundarmos nossas investigações sobre os sujeitos de linguagem,
que são os constituintes dialógicos do processo de comunicação.
2.1.2 Sujeitos de linguagem
A Teoria Semiolinguística apresenta o ato de linguagem como uma encenação
discursiva, por meio de ações interenunciativas geradas pelas circunstâncias do
discurso. Precisamos entender o ato de linguagem como um evento de produção ou de
interpretação, que depende dos saberes circundantes entre os sujeitos interagentes do
discurso. Assim, o ato de linguagem não deve ser resultante da simples produção de
uma mensagem que um Emissor envia a um Receptor, visto que a linguagem não é
transparente. Por isso, nas circunstâncias do discurso, o ato de linguagem depende dos
saberes supostos que circulam entre os protagonistas das enunciações discursivas.
Na Teoria Semiolinguística, o sujeito produtor do ato de linguagem é designado
por EU; enquanto o sujeito-interlocutor desse ato é designado por TU. Segundo
Charaudeau (2012, p.44):
23
O TU não é um simples receptor de mensagem, mas sim um
sujeito que constrói uma interpretação em função do ponto de
vista que tem sobre as circunstâncias de discurso e, portanto,
sobre o EU (interpretar é sempre instaurar um processo para
apuraras intenções do EU).
Correlativamente esse TU interpretante (TU’) não é o mesmo
que o TU destinatário (TU) ao qual se dirige o EU. Como
consequência, o TU’, ao fazer sua interpretação, reflete o EU
com uma imagem (EU’) diferente daquela que o EU
acreditava (queria?) ter.
Em outras palavras, o EU dirige-se a um TU destinatário que
o EU acredita (deseja) ser adequado ao seu propósito
linguageiro (a “aposta” contida no ato de linguagem). No
entanto, ao descobrir que o TU interpretante (TU’) não
corresponde ao que havia imaginado (fabricado), acaba por
descobrir-se como um outro EU (EU’), sujeito falante
suposto (fabricado) pelo TU interpretante (TU’) (...) Esse
desdobramento do lugar do EU nos leva a dizer que apenas o
sujeito percebido (construído) pelo TUi é esse EU’ que
chamaremos a partir daqui de sujeito Enunciador (designado
por EUe). A esse EUe se opõe o EU produtor de fala que
designaremos por EUc (EU comunicante).
Assim, o ato de linguagem deve ser visto como um encontro dialético entre os
processos de Produção, criado por um EU comunicante e dirigido a um TU
destinatário; e o processo de Interpretação, criado por um TU interpretante, que
constrói uma imagem EU’ enunciador do locutor. Percebemos, com isso, que o ato de
linguagem está inserido em um processo interenunciativo entre quatro sujeitos,
composto por dois universos discursivos diferentes em um encontro “imaginário”.
Esse encontro dialético entre os sujeitos interagentes do discurso é construído por
meio de uma mise-en-scène discursiva formada entre os sujeitos de ação EU e TU.
Vale ressaltar, que o EUc é responsável pela produção do evento comunicativo, que se
dirige a um TU destinatário; enquanto o TUi é responsável pelo processo de
interpretação, construindo uma imagem do EU do locutor, conforme o esquema:
24
Devemos levar em conta, então, que os sujeitos do ato de linguagem se articulam
em dois circuitos de produção: um circuito externo (EUc e TUi), que simboliza o lugar
do fazer dos sujeitos psicossociais e um circuito interno (EUe e TUd), representando o
lugar de organização do dizer dos seres da fala, conforme o esquema:
Circuito interno/externo dos sujeitos do Ato de linguagem
25
Notamos, com isso, que, no ato de linguagem, o TU destinatário é considerado um
interlocutor ideal, adequado ao ato de enunciação e fabricado pelo EU comunicante. Já
o TU interpretante escapa aos domínios do EU, pois age fora do ato de enunciação
produzido pelo EU, construindo interpretações em função de suas experiências
pessoais. Assim, esse TU interpretante, ao criar uma imagem acerca da
intencionalidade do EU comunicante, cria um outro EU enunciador.
Percebemos, então, que os sujeitos construídos na Teoria Semiolinguística do
Discurso atuam dentro de um ato de linguagem que combina o fazer, como lugar da
instância situacional; e o dizer, lugar da instância discursiva, indissociáveis um do
outro. Há uma expectativa no ato de linguagem referente à encenação do dizer, que
depende de um conjunto de estratégias discursivas que consideram as determinações
situacionais.
Assim, podemos entender que os sujeitos interagentes do discurso estão inseridos
no ato de linguagem, envolto por uma encenação linguageira, por meio de estratégias
discursivas que formam um jogo enunciativo entre o dizer, no ato de fala, e a relação
contratual do fazer. Consideramos esta encenação fundamental para que o processo
comunicativo seja concretizado, pois a investigação do discurso dependerá da
averiguação de quem e de como participam os atores discursivos neste processo
interacional. Estes atores discursivos, em interação, que são responsáveis por
“significar o mundo”, apresentam-se na mise-en-scène discursiva de acordo com sua
dupla identidade.
2.1.3Identidade social / Identidade discursiva: estratégias de “credibilidade” e de
“captação”
A construção das identidades, no ato de comunicação, está ligada aos meios de
representações linguageiras, que funcionam na tentativa de provocar, nos parceiros do
discurso, uma visão única acerca do sujeito, no que diz respeito aos seus traços
sociodiscursivos.
O termo identidade é oriundo do latim identitas, representando o conjunto de
características e de traços próprios de um indivíduo, formando uma consciência de si,
diferenciando-o do outro. Devemos considerar, também, que o meio social exerce
26
forte influência sobre a conformação da especificidade do sujeito, ao construir sua
imagem identitária.
No ato de comunicação, os sujeitos interagentes do processo enunciativo precisam
situar o seu discurso para que este não se torne secundário em relação à língua e sim o
inverso, ou seja, o discurso precisa ser o fundador da língua. O êxito do contrato de
comunicação baseia-se nesta premissa, pois a Teoria Semiolinguística apresenta, em
seu conteúdo, a ideia de que o funcionamento do discurso acontece por meio da
língua, envolta pelos sujeitos que a constituem, por suas identidades discursivas e
sociais.
O sujeito constrói a sua identidade pela tomada de consciência de si, por meio de
seu posicionamento no aqui e no agora, de conhecimentos de mundo, crenças e ações.
Assim, ao perceber que o sujeito é o que o outro não é, cria-se a consciência
identitária, por meio da percepção da existência do outro, constituindo-se o princípio
da alteridade.
Devemos entender que a relação sociointerativa entre os sujeitos discursivos ocorre
por meio de reconhecimento do outro e de diferenciação para com o outro, visto que as
intenções e as finalidades dependem da intencionalidade de cada sujeito envolvido no
processo enunciativo. Há um processo de atração pelo outro, no momento em que é
percebida a existência de um TU tão diferente do EU, que torna este EU incompleto,
inacabado. Por outro lado, há um processo de rejeição, visto que as diferenças do TU
podem ser consideradas ameaças para o EU, supondo ser este TU mais perfeito ou
superior ao EU.
Quando percebemos esse julgamento de valor e quando este se generaliza, ocorre a
formação de estereótipos, criados como defesa do EU contra as diferenças do outro.
Assim, o EU atinge o TU, não pelo que o TU representa e sim pelo que o EU não
possui. Com isso, notamos a importância do TU para a construção da identidade do
EU, inclusive, as próprias diferenças do TU são fundamentais para a construção do
sujeito, no que diz respeito à sua identidade.
A construção da identidade resulta do entrelaçamento de traços constitutivos do
sujeito, que corroboram a imagem que o indivíduo projeta de si. A identidade social é
27
aquela construída por meio do que é esperado pela coletividade, tendo o sujeito a
função de exercer direitos e deveres impostos pela sociedade; já a identidade
discursiva é aquela construída pelo sujeito por meio de seus comportamentos e de seus
atos de linguagem. Segundo Charaudeau (2006 b, p.344)1 :
(...) A identidade social não explica a totalidade da
significação do discurso, pois seu possível efeito de
influência não está inteiramente dado por antecipação; por
outro lado, é certo que o discurso não é apenas linguagem,
sua significação depende também da identidade social de
quem fala. A identidade social necessita ser reiterada,
reforçada, recriada, ou, ao contrário, ocultada pelo
comportamento linguageiro do sujeito falante, e a identidade
discursiva, para se construir, necessita de uma base de
identidade social. Postulamos, pois, que existe uma diferença
entre estes dois tipos de identidade, e que é pela sua
combinação que se constrói o poder de influência do sujeito
falante (Tradução de material de aula).
É importante percebermos que a identidade social constrói a legitimidade do
sujeito, pois o autoriza a agir desta ou daquela maneira, em nome de um valor aceito
por todos. Podemos considerar a identidade social por meio de inúmeras condições,
que representam os saberes reconhecidos institucionalmente, pela performance do
sujeito, por filiação, por atribuição e por ter vivido o acontecimento.
Assim, a identidade social é determinada pela situação de comunicação, pois o
sujeito constrói o seu discurso e age perante as circunstâncias por meio do que lhe é
atribuído socialmente, corroborando seus traços psicossociais, enquanto a identidade
discursiva depende de um duplo espaço de estratégias: de “credibilidade” e de
“captação”.
________________________________________________________________________
1 (...) l’identité sociale n’est pas le tout de la signification du discours, l’effet possible d’influence de
celui-ci n’étant pas que langage, sa signification dependant, pour une part, de l’identité sociale de celui
qui parle. L’identité sociale a besoin d’être confortée, renforcée, recréée ou, au contraire, occultée par
le comportement langagier du sujet parlant, et l’identité discursive, pour se construire, a besoin d’un
socle d’identité sociale. On posera donc qu’existe une différence entre ces deux types d’identité, et que
c’est du fait de leur combinasion que se construit le pouvoir d’influence du sujet parlant.
28
Segundo Charaudeau (2006 b, p.346)2 :
A credibilidade está ligada à necessidade, para o sujeito
falante, de que se acredite nele, tanto no valor de verdade de
suas asserções, quanto no que ele pensa realmente, ou seja,
em sua sinceridade. O sujeito falante deve, pois, defender
uma imagem de si mesmo (um “ethos”) que lhe permita,
estrategicamente, responder à questão: “como fazer para ser
levado a sério?”
Assim, nesse sentido, com relação à credibilidade, várias atitudes discursivas
podem fazer parte do repertório discursivo do sujeito, tais como: atitude de
neutralidade: aquela na qual o sujeito apaga qualquer vestígio de julgamento ou
avaliação pessoal, como, por exemplo, o discurso testemunhal; atitude de
distanciamento: aquela na qual o sujeito analisa o fato controladamente, como, por
exemplo, demonstrar uma tese e atitude de engajamento: aquela na qual o sujeito toma
uma posição acerca do que é discursado, como, por exemplo: uma militância política.
Com isso, notamos que tais atitudes discursivas são construídas por meio de
posições sociocomunicativas, que dependem de aspectos situacionais, construindo o
modo do sujeito se colocar no discurso.
Já as estratégias de captação estão ligadas aos meios de convencimento utilizados
pelo sujeito enunciador para promover, no sujeito destinatário, a adesão aos seus
dizeres. Na Teoria Semiolinguística, é preciso que o outro compartilhe do que é dito,
ocorrendo, na troca comunicativa, o “fazer crer” (pelo enunciador), resultando em um
“dever crer” (pelo destinatário).
Esse poder de convencimento pode ser construído por meio de diferentes atitudes
discursivas, como, por exemplo, a atitude polêmica: questionando as ideias do
adversário, tentando eliminar as possíveis objeções do seu interlocutor; a atitude de
________________________________________________________________________
2 Un enjeu de crédibilité qui repose sur le besoin pour le sujet parlant d’être cru, soit par rapport à la
vérite de son propos, soit par rapport à ce qu’il pense réellement , c’est-à-dire sa sincérité. Le sujet
parlant doit donc défendre une image de lui-même (um <<ethos>> ) qui l’entraîne stratégiquement à
répondre à la question: “comment puis-je être pris au sérieux?”.
29
sedução: construindo uma imagem de si como benfeitor para seu interlocutor e a
atitude de dramatização: compartilhando fatos da vida, envolvendo o interlocutor por
meio de metáforas que o façam sentir certas emoções.
Desse modo, a identidade discursiva se constrói por meio das escolhas que o
sujeito faz para causar a aderência aos seus dizeres, porém, levando em conta os
constituintes da identidade social. A Teoria Semiolinguística propõe uma reflexão
acerca das identidades por meio do modelo comunicacional de análise do discurso. Tal
modelo é definido em torno de competências e de estratégias.
Como competências podem-se citar a competência comunicacional, que representa
a aptidão em reconhecer a estruturação e as restrições da situação comunicativa
(identidade social e aquilo que justifica seu direito à palavra); a competência
semântica, que representa a aptidão em organizar seus diferentes tipos de saberes (suas
referências); a competência discursiva, que representa a aptidão em organizar as
possibilidades enunciativas, narrativas e argumentativas do discurso e a competência
semiolinguística, que representa a aptidão em combinar formas, em função das
restrições da língua, e em relação com as restrições do quadro situacional.
Já como estratégias citam-se as estratégias discursivas, que estão intrinsecamente
ligadas ao contrato de comunicação, por meio de manobras para lidar com as
restrições situacionais e as instruções de organização discursiva e formal. Estas
estratégias são múltiplas, mas podem ser agrupadas em três espaços, cada um
correspondendo a um tipo de condição para a mise-en-scène discursiva. Esses espaços
correspondem às estratégias de legitimação, que representam a necessidade de
legitimar a posição do sujeito e de seus dizeres pela autoridade que seu status lhe
confere; às estratégias de credibilidade, que tentam fazer crer ao interlocutor que o
discurso proferido é “digno de fé” e às estratégias de captação, que procuram a
adesão absoluta ao que é posto pelo sujeito enunciador.
Podemos, então, perceber que o pleno funcionamento do ato de comunicação
precisa tanto da identidade social quanto da identidade discursiva dos participantes do
jogo cênico discursivo, pois a atividade linguageira é formada pelos traços identitários
dos sujeitos interagentes do discurso, isto é, a constituição dos processos
30
interenunciativos depende tanto dos aspectos psicossociais quanto dos aspectos
discursivos.
Segundo Charaudeau (2006 b, p.353)3, a identidade é vista:
Como uma máscara que seria mostrada ao outro (e a si
mesmo), mas uma máscara que, se for tirada, deixa ver uma
outra máscara, depois outra, e outra ainda... Talvez não
sejamos nada mais do que uma sucessão de máscaras. Mas na
impossibilidade de se resolver este enigma, manteremos a
distinção entre identidade psicossocial e identidade
discursiva, por permitir compreender como se processa este
jogo social de substituição de máscaras.
Deste modo, consideramos pertinente o estudo das identidades e das representações
sociais e discursivas que as constituem, pois todo ato de linguagem é construído por
meio de especificidades identitárias embutidas no contrato de comunicação e realizado
no espaço de semiotização do mundo.
2.1.4 A semiotização do mundo
Na Semiolinguística, há um duplo processo de construção de sentidos: o processo
de transformação, tendo a participação de um sujeito falante, que age no “mundo a
significar”, dando-lhe nova forma, modificando-o por meio da linguagem, formando,
assim, um “mundo significado”, marcando a maneira de se pensar a realidade; e o
processo de transação, tendo o sujeito destinatário a função de interagir com esse
“mundo significado”, por meio de instâncias de produção e de interpretação. O
“mundo significado” torna-se um objeto de troca com o sujeito destinatário, sendo
esse processo de transação anterior ao de transformação, já que há certa subordinação
____________________________________________
3 Comme um masque qui serait donné à voir à l’autre (et à soi-même), mais un masque qui, si on le
retire, laisse voir um autre masque, puis un autre masque et un autre encore,... Peut-être que nous ne
sommes qu’une succession de masques. Mais faute de pouvoir résoudre cette énigme, on maintiendra
que la distinction entre identité psychosociale et identité discursive permet de comprendre comment se
joue ce jeu social de substitution de masques.
31
das operações de transformação aos princípios do processo de transação.
O processo de transformação apresenta quatro categorias linguísticas, que
definiremos como:
- identificação, isto é, a construção da “identidade nominal” (substantivos)
- qualificação, ou seja, a construção da “identidade descritiva” (adjetivos)
- ação, chamada por Charaudeau de “identidade narrativa” (verbos)
- causação, visto que os fatos do mundo são explicados por “relações de causalidade”
(modalização)
O processo de transação, que corrobora a ideia de que cada escolha linguística resulta
em encenações discursivas diferentes, apresenta quatro princípios, que são:
- princípio de alteridade ou de interação, que estabelece a troca comunicativa entre
os parceiros da linguagem, que têm em comum saberes compartilhados e
desempenham papéis particulares (tanto o sujeito comunicante quanto o sujeito
interpretante), resultando em uma condição de legitimidade, isto é, o eu enunciador
precisa reconhecer a legitimidade de seu parceiro, para começar a dialogar, a partir
dessas identidades.
- princípio de pertinência, que exige que os atos de linguagem sejam apropriados a seu
contexto e à sua finalidade, criando uma condição de credibilidade aos dizeres.
- princípio de influência, que tem como finalidade capturar o outro no ato de
linguagem, visando a atingir o parceiro por uma finalidade intencional.
- princípio de regulação, que corresponde às estratégias empregadas no quadro
situacional, regulando o jogo de influências, por meio daquilo que os parceiros sabem
acerca do ato de linguagem de que participam.
Charaudeau ( 2005, p.16) afirma que:
Postular a dependência do processo de transformação para com o
processo de transação equivale a marcar uma mudança de
orientação nos estudos sobre a linguagem, buscando-se conhecer o
sentido comunicativo (seu valor semântico-discursivo) dos fatos de
linguagem.
32
Podemos perceber, então, que o sentido comunicativo no ato de linguagem é
construído por meio de relações intrínsecas entre o processo de transformação e o
processo de transação, mobilizando diferentes operações, resultando no êxito da
atividade enunciativa instauradas pelos sujeitos do ato de linguagem. Esses sujeitos,
via de regras, apresentam-se por meio de imagens que constroem de si próprios, o que
faz emergir o conceito de ethos.
33
2.2 Ethos discursivo
Antes de traçarmos considerações acerca do ethos, pathos e logos discursivo,
devido a uma questão de hierarquia temporal, abordaremos a trilogia aristotélica, que
corresponde aos meios utilizados por Aristóteles para a obtenção da persuasão na
Retórica. Segundo Maingueneau (2008, p.12):
Toda vez que se recorre a essa noção de ethos, costuma-se
fazer um longo caminho até a retórica antiga, mas
precisamente à Retórica de Aristóteles, primeiro autor em que
encontramos uma elaboração conceitual ou, pelo menos, cuja
concepção chegou até nós.
Aristóteles relacionou o ethos com o caráter do orador e com a imagem de
credibilidade discursiva criada por meio de seus dizeres; atribuiu ao pathos o discurso
que apela às emoções do auditório e associou o logos ao impacto causado no auditório
por meio da qualidade dos argumentos apresentados no discurso.
O ethos aristotélico é a argumentação centrada no sujeito orador, que utiliza o
discurso na tentativa de persuadir o auditório. Assim, o caráter do orador o torna digno
de confiança, aumentando as possibilidades de seduzir o outro. Desse modo, o orador
atingirá seu objetivo, que é conseguir a aderência do auditório ao seu discurso, por
meio de suas virtudes morais.
O pathos aristotélico é baseado no estado emocional do auditório, pois o orador
formulará seu discurso na tentativa de provocar sentimentos no outro, contribuindo
para a adesão a seus dizeres. O poder de convencimento é centrado no auditório, já
que o orador se apoia nas emoções do outro, para conseguir sua adesão, ou seja, há
uma tentativa de criar um discurso que empolgue os ouvintes, mobilizando seus
sentimentos.
O logos aristotélico é a argumentação centrada na tese e nos argumentos, devendo
ser lógica, clara e compreensível. O discurso precisa ter coesão e coerência textuais,
para provocar a adesão dos ouvintes, objetivando uma visão lógica da enunciação.
34
Podemos entender que há uma disposição, por parte do orador, de criar uma
credibilidade capaz de convencer o público acerca do que foi posto, construindo uma
imagem de virtuosidade regida pela razão, induzindo o auditório a agir sabiamente, de
acordo com seus propósitos e seus objetivos. Há também uma tentativa de criar uma
imagem de complacência com os inferiores, tentando trazer para si a figura de sujeito
benevolente.
Não podemos deixar de mencionar, também, que o orador ao construir o seu
discurso, na tentativa de relacioná-lo ao seu caráter e ao seu tipo social, estará, de certa
forma, convencendo o seu auditório por meio da dimensão social embutida na
construção de sua imagem. Assim, a apresentação de si no discurso estará
intrinsecamente ligada a questões sociais.
Percebemos que, na Retórica Aristotélica, não é a imagem real do sujeito
enunciador que realmente está em jogo e sim a imagem criada no intuito de convencer
o público acerca daquilo que é apresentado. Com isso, percebemos que a retórica de
Aristóteles está ligada ao que é persuasivo para um tipo de indivíduos, tentando causar
boa impressão pela imagem de si.
Segundo Amossy (2005, p.10), “Os antigos designavam pelo termo ethos a
construção de uma imagem de si destinada a garantir o sucesso do empreendimento
oratório”. Observamos, assim, que a Retórica Aristotélica constrói o caráter moral do
orador por meio da imagem e do estilo desse sujeito, fornecendo recursos que
corroboram a arte de persuasão inserida no discurso.
Deste modo, o objetivo do processo enunciativo é a obtenção da confiança do
auditório, isto é, do convencimento dos sujeitos envolvidos no discurso sobre o que
está sendo posto, e dessa forma, o ethos, visto como o caráter que o orador deve
parecer ter, torna-se peça fundamental na Retórica. Aristóteles utiliza termos como
inventio, que diz respeito à própria criação; dispositio, visto como o encadeamento das
partes do discurso e elocutio, entendido como a verbalização do pensamento, com a
finalidade de persuadir pelo convencimento.
O estilo discursivo empregado pelo sujeito da enunciação, ou seja, um modo
próprio de dizer está diretamente ligado à orientação normativa vista em Aristóteles. O
que muitos linguistas preconizam, atualmente, como a questão do que é adequado ou
35
inadequado para este ou aquele auditório, já era pensado por Aristóteles como objeto,
hoje, da estilística. Desta forma, o ethos pode ser visto como fundamento da noção de
estilo, visto que há uma construção da imagem do sujeito enunciador por meio de seus
dizeres. Segundo Maingueneau (1997, p.45):
Não basta falar de “lugares” ou de “deixis”, a descrição dos aparelhos não
deve levar a esquecer que o discurso é inseparável daquilo que poderíamos
designar muito grosseiramente de uma “voz”. Esta era, aliás, uma dimensão
bem conhecida da retórica antiga que entendia por éthe as propriedades que
os oradores se conferiam implicitamente, através de sua maneira de dizer:
não o que diziam a propósito deles mesmos, mas o que revelavam pelo
próprio modo de se expressarem. Aristóteles distinguia desta forma
phrônesis (ter o aspecto de pessoa ponderada), aretê (assumir a atitude de
um homem de fala franca, que diz a verdade crua), eunóia (oferecer uma
imagem agradável de si mesmo). A eficácia destes éthe se origina no fato
de que eles atravessam, carregam o conjunto da enunciação sem jamais
explicitarem sua função.
Notamos, assim, que Aristóteles definiu três aspectos que inspiraram a confiança
no orador. São eles: o bom-senso, a prudência e a sabedoria prática, isto é, a
manifestação de opiniões competentes e razoáveis (phrônesis); a virtude, ou seja,
qualidades distintivas do homem como: coragem, justiça e sinceridade, apresentando-
se como sujeito simples e franco ao expor suas ideias (aretê) e a benevolência e a
solidariedade, mostrando simpatia pelo auditório (eunóia). Assim, é feita uma
descrição do ethos do sujeito enunciador.
Percebemos, então, que o orador que se apresenta como sujeito sensato é aquele
que se utiliza de phrónesis e constrói sua argumentação muito mais com os recursos
do logos (discursivos) do que com os do pathos ou do ethos; o que se apresenta como
desbocado e franco, que se vale de areté, constrói sua argumentação muito mais com
os recursos do ethos; e aquele que se apresenta solidário com seu enunciatário, isto é,
o que usa eunóia, constrói sua argumentação com base mais no pathos.
Averiguamos, ainda, a existência de um ethos que é gerado na mente do receptor
da enunciação, antes mesmo da materialização do discurso. Assim, percebemos a
existência de um ethos prévio, que afeta a forma de construção do discurso, pois toda
coerência embutida nos processos enunciativos será construída por meio de
36
imposições de condutas discursivas, formadas por papéis sociais construídos
previamente.
Deste modo, o sujeito enunciativo, ao pronunciar seus dizeres, já constrói uma
imagem com o intuito de suprir um conjunto de expectativas projetadas sobre si e
sobre seus próprios dizeres. Observamos, então, que o caráter do orador não
necessariamente será construído apenas pelo discurso, visto que o ethos pode surgir
como resultado de imagens prévias ligadas ao social e a estereótipos impostos pelo
sistema, obrigando o sujeito a cumprir determinados rituais, transformando esse
sujeito naquilo que já é esperado. Criamos, então, uma imagem não pelo discurso
propriamente dito e sim por aquilo que o auditório esperava encontrar. É como se o
caráter do enunciador estivesse pré-dado, independente do discurso proferido. Neste
sentido, podemos inferir que o sujeito da enunciação é induzido a tomar determinadas
atitudes impostas implicitamente pelo auditório, como um coro de vozes.
Há obrigações sociodiscursivas que precisam ser atendidas no processo de
enunciação. Sabemos que há um enquadre na enunciação discursiva que precisa ser
respeitado. Logo, o sujeito, ao utilizar a palavra em seu discurso, deve respeitar
determinadas condições de produção de dizeres, pois o orador não pode e nem deve
pronunciar qualquer coisa em qualquer circunstância.
Desta forma, é estabelecido o ethos prévio, que surge por meio de forças sociais,
pois todo discurso, do mais simples ao mais complexo, está preso a regras,
constrangimentos e repressões, que interferem na elaboração dos processos
enunciativos. Assim, o caráter do orador já está moldado, faltando apenas o conteúdo
discursivo para materializá-lo.
É importante ressaltarmos que o termo ethos significa personagem, que se origina
de “persona”, ou seja, traços e identidade particular do sujeito. Tendo em vista tais
denominações, percebemos que há um interesse, por parte do locutor da enunciação,
em construir uma imagem de si, promovendo o seu caráter, para persuadir seu
alocutário acerca do que é posto. Assim, essa apresentação de si na interação verbal
corresponde, então, à definição do termo ethos. Segundo Maingueneau (2008, p.17):
37
- O ethos é uma noção discursiva, ele se constrói através do discurso,
não é uma “imagem” do exterior a sua fala;
- O ethos é fundamentalmente um processo interativo de influência sobre
o outro;
- É uma noção fundamentalmente híbrida (sócio discursiva), um
comportamento socialmente avaliado, porque não pode ser apreendido fora
de uma situação de comunicação precisa, integrada ela mesma numa
determinada conjuntura sócio histórica.
Com isso, o receptor do processo enunciativo estará sujeito aos mecanismos de
adesão ao discurso. O locutor possui um poder de convencimento sobre o alocutário,
poder esse que é construído por meio de um processo dialógico comunicativo. Já
Roland Barthes apud (Maingueneau,2008, p. 98) assim define o ethos:
São os traços de caráter que o orador deve mostrar ao auditório (pouco
importa sua sinceridade) para causar boa impressão: são os ares que assume
ao se apresentar. (...) O orador enuncia uma informação, e ao mesmo tempo
diz: eu sou isto e não sou aquilo.
Percebemos, então, que esse orador participa ativamente da construção do ethos e é
chamado de “fiador” por Maingueneau. Assim, o “fiador” apresenta um caráter e uma
corporalidade atribuídos pelo receptor, oriundos de representações sociais, sobre as
quais se apoia a enunciação.
Desta forma, podemos associar o ethos a questões argumentativas, visto que tal
noção possibilita a adesão dos sujeitos a determinado posicionamento. Segundo
Maingueneau (2008, p.64):
Enquanto a retórica ligou estreitamente o ethos à oralidade, em
vez de reservá-lo à eloquência judiciária ou mesmo à oralidade,
pode-se propor que qualquer texto escrito, mesmo se ele o nega, tem
uma “vocalidade” específica que permite relacioná-la a uma
caracterização do corpo do enunciador (e não, bem entendido, ao
corpo do locutor extradiscursivo), a um “fiador” que por meio de seu
tom, atesta o que é dito (o termo ‘tom” tem a vantagem de valer
tanto para o escrito quanto para o oral).
Notamos, por conseguinte, que o ethos remete à figura de um “fiador” que, por
meio de sua fala, elabora uma identidade de acordo com um mundo criado. Há uma
38
adesão do leitor, por meio de uma maneira de dizer, que remete a uma maneira de ser,
construída pela enunciação, identificada pelo movimento de um corpo investido de
valores históricos e sociais.
Assim, devemos perceber que o locutor, por seu estilo, crenças, competências
linguísticas e outros fatores, sempre efetua em seu discurso uma apresentação de si.
Percebemos, muitas vezes, que essas representações acontecem sem que os
participantes do processo comunicativo percebam.
No caso do discurso publicitário, observamos que o sujeito anunciante da
propaganda investe na construção de um ethos tentando seduzir o outro, criando uma
imagem compartilhada, incluindo-se e incluindo o outro no domínio discursivo, para
conseguir sua confiança.
Notamos que a imagem do produto é criada para aproximá-lo do receptor da
enunciação discursiva, na tentativa de mobilizar a atividade do sujeito destinatário.
Deste modo, o objetivo da publicidade pode alcançar o seu êxito, isto é, provocar uma
adesão ao que foi posto e, consequentemente, atingir sua finalidade, que é a venda do
produto.
Com isso, o público consumidor participa desse jogo discursivo, pois a persuasão,
provavelmente, será efetivada à medida que o ethos construído na propaganda pelo
sujeito anunciante estiver o mais próximo possível da imagem compartilhada por
aqueles que são o alvo da publicidade.
Observamos, então, a construção do imaginário discursivo que simboliza a ideia
de que aquele grupo representado na propaganda usufrui do produto referido. Deste
modo, o sujeito destinatário se sente incluso naquele grupo, tendo a impressão de que
é um dos seus que ali está, sentindo-se confortável em aderir a tal produto.
Notamos, também, que o sujeito anunciante deve ter precaução no momento da
construção do ethos, na propaganda, pois o ethos visado não é necessariamente o ethos
produzido. Muitas vezes, a imagem construída pode transmitir uma significação não
prevista pelo sujeito anunciante. Deste modo, os efeitos de sentidos são alterados,
prejudicando o objetivo da publicidade, que é a concretização do poder de
convencimento sobre o outro.
39
Percebemos, desta forma, que o discurso publicitário articula-se com a noção de
ethos, pois o receptor da mensagem é convidado, tanto pelo texto verbal quanto pelas
imagens contidas no produto, a participar deste jogo cênico discursivo, no qual atuam
a persuasão, a sedução e a concretização das vontades, tanto do sujeito anunciante
quanto do sujeito consumidor.
É importante notarmos que alguns discursos publicitários trabalham com a questão
do ethos híbrido. Esta categoria do ethos define cenas de enunciação, nas quais os
sujeitos sociais criam sentidos que, supostamente, não seriam possíveis, devido a
hipóteses de associações situacionais improváveis.
Maingueneau (2008, p.25) exemplifica essa categoria de ethos com um folheto
propagandístico destinado à promoção de um festival cultural organizado pela
associação Culture à la ferme. Neste folheto, imagens da natureza estão
acompanhadas de um texto que mescla fragmentos que parecem sair do prospecto de
uma exposição de arte; e outros, que apresentam um léxico camponês acentuado.
Fora do contexto, o receptor da mensagem não criaria um sentido lógico nessa
propaganda e a consideraria sem fundamento, pois a relação entre texto escrito e
imagem é bem distanciada. No entanto, se entrar no contexto situacional desta
publicidade, que se refere a um festival cultural ocorrido dentro de uma fazenda,
notará que a enunciação discursiva contida na propaganda apresenta coerência.
Assim, percebemos que a noção de ethos deve ultrapassar o limite da simples
decodificação dos discursos enunciativos, pois o sujeito interpretante adere ao que está
posto, devido a sua participação naquele mundo configurado pela enunciação. Deste
modo, podemos concluir que o ethos é construído por meio de construções discursivas,
e que, nessa relação entre os sujeitos interagentes do discurso, revela-se a
personalidade do enunciador.
Entendemos, então, que, na propaganda, o sujeito anunciante constrói uma
imagem de si, que é veiculada no produto, tentando se aproximar, ao máximo, do
receptor da enunciação discursiva. Assim, a publicidade utiliza esses recursos na
tentativa de seduzir o consumidor, porém de forma sutil, sem denotar qualquer
vestígio de persuasão e convencimento.
40
Podemos, portanto, associar o ethos ao modo de o sujeito se apresentar ao mundo
por meio da enunciação. A identidade do sujeito enunciador é construída a partir de
sua posição subjetiva acerca de si e da tematização do mundo. Com isso, fica
registrado o seu estilo e, consequentemente, a noção de ethos, a partir de seu ponto de
vista.
Dessa forma, o sujeito será construído por meio de seus enunciados e pelo lugar
que ocupa no mundo, visto que a Teoria Semiolinguística prioriza o discurso embutido
no social. Assim, a legitimação de seus dizeres estará ligada à construção de sua
imagem por meio de um corpo e um caráter representativo desse enunciador. Com
isso, o estilo definidor do ethos produzirá efeitos de individualidade criados no ato de
dizer.
Devemos, assim, considerar o ethos como declarador do caráter do sujeito
enunciador, funcionando como peça acusativa e reveladora de determinadas
deliberações criadas no processo enunciativo. Dentro dessa percepção, o discurso
proferido pelo sujeito enunciador precisa ser interpretado para que se firme a
constatação da imagem criada desse ser discursivo. Essa interpretação linguageira, na
qual se compreende o mundo e os sujeitos pertencentes a ele, é entendida por mimese.
Deste modo, podemos conceituar a mimese como a maneira pela qual o mundo é
entendido discursivamente, por meio do ato de enunciar, juntamente com a imagem do
enunciador. Assim, o ethos confirma-se como representação e mimese, pois o discurso
é pronunciado por meio de um sistema de representações, visto que a decodificação do
signo linguístico não funciona de modo estanque e sim, por meio da capacidade
humana de simbolizar os enunciados. Tais símbolos, então, são construídos por meio
do sujeito que se posiciona no enunciado.
O auditório, então, produzirá uma imagem do enunciador ligada à assinatura desse
sujeito em seus pronunciamentos, posicionando-o no aqui e no agora do ato de
enunciar. Podemos, assim, considerar o estilo do autor do discurso como fator
primordial de reconhecimento do ethos.
Nesse sentido, consideramos relevante para a questão do ethos a participação ativa
tanto do enunciador quanto do destinatário, para que, no jogo discursivo, seja
observado como se constrói a imagem do enunciador, isto é, do ator da enunciação. O
41
interessante, nesta investigação, é a percepção de que o ethos (caráter) do sujeito
enunciador influenciará o ato de persuasão quando a maneira de dizer no discurso
inspirar confiança no destinatário.
Tornamos pertinente corroborar a ideia de que o ethos explicita-se nas marcas da
enunciação deixadas no enunciado, isto é, na maneira como é organizado o discurso.
Há uma apreensão do sujeito pelo discurso, pois o que constrói o caráter do
enunciador não é o que é dito, e sim o como é dito. Tais marcas são consideradas
estratégias de apresentação de si.
Assim, o enunciador tenta causar boa impressão mediante o modo de construção
do discurso, com a finalidade de convencer o outro, ganhando sua confiança.
Notamos, com isso, que o ethos não é dito no enunciado, e sim mostrado no ato de
enunciação. Segundo Ducrot apud (Maingueneau, 2008, p.59):
Não se trata de afirmações elogiosas que o orador pode fazer a
respeito de sua pessoa no conteúdo do seu discurso, afirmações que
correm o risco, ao contrário, de chocar o auditório, mas da aparência
que lhe conferem a cadência, a entonação, calorosa ou severa, a
escolha das palavras, dos argumentos...Em minha terminologia, direi
que o ethos está associado a L, o locutor enquanto tal: é na medida
em que é fonte da enunciação em que ele se vê revestido de certos
caracteres que, em consequência, tornam essa enunciação aceitável
ou refutável (Ducrot, 1984:201).
Percebemos, então, que o ethos é distinto das reais qualidades do enunciador, visto
que é o modo de dizer que constitui a imagem do orador, e não o que foi dito ou não
dito por ele. Notamos, também, que o ethos pode ser visto como caracterizador de
identidade, pois o locutor orienta o seu discurso de forma a criar certa identidade por
meio do processo enunciativo. Por sua vez, a construção de identidades se inscreve no
âmbito das representações sociais e dos imaginários sociodiscursivos que regulam as
interações sociais.
42
2.3 Representações sociais e imaginários sociodiscursivos
Todo discurso é pronunciado por um sujeito histórico, que apresenta um propósito
para construir seus dizeres. Podemos entender tal propósito como o tema da
enunciação, elaborado por meio das circunstâncias do discurso e pela finalidade do ato
comunicativo. O conhecimento que o indivíduo acredita ter da realidade e os
julgamentos que dela se fazem são responsáveis pelo processo de intencionalidade
discursiva, pois o que está posto na superfície textual e, ainda, o que faz parte dos
pressupostos ou subentendidos no ato de comunicação resultam dos conceitos e das
ideias que se constroem do mundo.
Há uma necessidade de troca entre os sujeitos interagentes do discurso, pois é
preciso que haja uma relação entre si e o outro para o alcance do êxito comunicativo,
visto que o conhecimento que temos do mundo precisa ser compartilhado com o outro
e somado aos valores determinados pela sociedade. Devemos entender que tanto a fala
quanto a escrita não são espontâneas, pois temos em mente um projeto discursivo que
precisa ser exteriorizado. A expressão “falar sem pensar”, muito utilizada naqueles
momentos de ira ou de desentendimentos, não deve ser considerada, pois as intenções
do que se quer dizer já estão instauradas na mente do indivíduo.
Dessa forma, o projeto cognitivo da enunciação representará a fase inicial do ato
comunicativo, antes mesmo da exteriorização dos dizeres (tanto orais quanto escritos).
Assim, podemos entender que o que é proposto na enunciação já está preestabelecido
na mente do sujeito, na tentativa de influenciar o outro.
Segundo Charaudeau (2006 a, p.187):
Os conhecimentos que temos do mundo, assim como os
julgamentos que dele fazemos, são múltiplos e variados. Por
isso, é necessário decompô-los, ordená-los e classificá-los
para que se possa apreendê-los conceitualmente. É a isso que
se dedica o espírito humano conforme o tipo de sociedade na
qual se vive. Cada sociedade determina os objetos de
conhecimento, classifica-os de certa maneira em domínios de
experiências, atribui-lhes valores.
43
Com isso, notamos que há um posicionamento do sujeito discursivo construído no
ato de comunicação, que corrobora a ideia de que todo ato linguageiro passa por um
viés argumentativo. Assim, consideramos que enunciar significa colocar em prática
aquilo que se pensa do mundo e dos seres que nos cercam. Essa subjetivação
instaurada no processo de comunicação está intrinsecamente ligada à sociedade, pois
cada grupo social compartilha determinados pensamentos e crenças de acordo com o
que é posto como verdade.
A questão situacional é de suma importância para que haja a interação entre os
sujeitos de linguagem, pois o enunciador deve considerar o campo temático, que pode
ser definido como uma abordagem discursiva própria de determinado contexto e que
impede que uma situação comunicativa seja confundida com outra.
Significar a realidade pelo discurso é uma necessidade humana, que, muitas vezes,
pode causar certa frustração ao sujeito, pois nem sempre o homem consegue, por meio
de palavras, expressar o que realmente pretende colocar no discurso. Sabemos que o
sujeito é dominado por um mundo que se coloca diante dele, repleto de representações
simbólicas que precisam ser decodificadas de acordo com a vivência de cada um dos
indivíduos deste mundo a significar. Logo, o sujeito constrói esse sistema de
representações, que gera sentidos sobre si e sobre a realidade que o cerca, tornando-se,
ao mesmo tempo, sujeito e objeto de sua própria experiência humana.
Devemos entender, então, que as crenças sociais partilhadas pela coletividade são
articulações resultantes de impressões do mundo construídas por determinados grupos
sociais que corroboram conceitos e ideais construídos por meio de representações
simbólicas e culturais. Percebemos, pois, que, as representações sociais surgem como
simbolizações cognitivo-discursivas, responsáveis pelos saberes que o sujeito constrói
acerca do que acredita como real com o objetivo de adaptação ao seu meio e de
comunicação com o outro. Segundo Jodelet (2001, p.21):
(...) as representações sociais são fenômenos complexos
sempre ativados e em ação na vida real. Em sua riqueza como
fenômeno, descobrimos diversos elementos (alguns, às vezes,
estudados de modo isolado): informativos, cognitivos,
ideológicos, normativos, crenças, valores, atitudes, opiniões,
imagens etc. Contudo, estes elementos são organizados
44
sempre sob a aparência de um saber que diz algo sobre o
estado da realidade.
Atribuir valores e conceitos ao mundo dentro de um universo composto por
práticas sociais, por meio de trocas comunicativas é a forma encontrada pelos sujeitos
da enunciação para manter contato com os objetos que os cercam. Essa relação
referencial, que constitui o indivíduo como ser social, apoia-se sobre os
conhecimentos adquiridos e sobre os julgamentos herdados por esse sujeito, que se
constrói, segundo Charaudeau (2006 a), por uma tripla dimensão: cognitiva
(organização mental da percepção), simbólica (interpretação do real) e ideológica
(atribuição de valores que desempenham o papel de normas societárias).
Assim, as representações sociais influem sobre a constituição do sujeito
participante do ato de comunicação, pois se cria um elo, que parte de normas sociais
preestabelecidas, criando representações necessariamente partilhadas. Notamos, com
isso, a presença de um processo interacional e simbólico entre os sujeitos interagentes
do discurso, construído por meio de interpretações do real.
Segundo Charaudeau (2006 a, p.195):
As representações têm por função “interpretar a realidade
que nos cerca, por um lado mantendo com ela relações de
simbolização; por outro, atribuindo-lhe significações”. Elas
são constituídas pelo “conjunto de crenças, dos
conhecimentos e das opiniões produzidos e partilhados pelos
indivíduos de um mesmo grupo a respeito de um dado objeto
social”.
Desse modo, percebemos que as representações sociais constituem saberes
oriundos de experiências que o sujeito adquire ao longo do tempo, na tentativa de
subjetivar signos simbólicos presentes no mundo a significar. Por conseguinte, as
representações sociais são construídas, por meio de relações referenciais que
envolvem os sujeitos interagentes do discurso inseridos no processo comunicacional.
Logo, o sujeito elabora seu discurso na tentativa de objetivar o mundo que o cerca,
atribuindo valores e formulando conceitos, mediante discursos que engendram
saberes. Entendemos, portanto, que tais saberes contribuem para a construção de
45
sistemas de pensamento, que, segundo Charaudeau (2006 a) podem ser reagrupados
em dois grupos: saberes de conhecimento e saberes de crença.
As representações sociais simbolizam os saberes de conhecimento e os saberes de
crença de um determinado grupo social, interferindo nas maneiras de construção e do
dizer do discurso. Dessa forma, tais representações são criadas por meio de processos
cognitivos instaurados no inconsciente coletivo, corroborando a instauração das
crenças sociais, tomando como verdade conceitos e suposições acerca do que está
embutido na sociedade.
Os saberes de conhecimento estão ligados ao propósito de se estabelecer uma
verdade acerca dos fenômenos do mundo, por meio de uma verificação provada da
realidade (saberes científicos) ou experimentada (saberes de experiência). Os saberes
de conhecimento podem, então, ser entendidos como algo exterior ao homem, visto
que são construídos além da subjetividade do sujeito.
Os saberes científicos são construídos por meio de procedimentos de
experimentação, observação e cálculo, podendo ser utilizados instrumentos de
visualização, como, por exemplo, microscópios; sistemas de medida ou de cálculo,
como, por exemplo, estatística; e procedimentos de figuração codificada, como, por
exemplo, cartografia. Ressaltamos, ainda, que os saberes científicos escapam à
singularidade do sujeito, visto que, nesse processo, os modos de raciocínio podem ser
utilizados pela coletividade. Já os saberes de experiência não apresentam garantias de
sua comprovação, partindo de explicações de conhecimento de mundo socialmente
partilhado.
Os saberes de crença, que tendem a explicar o mundo por apreciações, são
construídos por meio de julgamentos subjetivos sobre os fatos do mundo. Há uma
avaliação acerca dos acontecimentos que o sujeito constrói, por meio de juízo de
crenças, posicionando-o em relação ao mundo. Tais considerações não podem ser
verificadas, mas são construídas por adesão, por meio de saberes de revelação e
saberes de opinião.
46
Os saberes de revelação podem ser representados pelas doutrinas e ideologias, que
não podem ser verificadas, tendo o sujeito a possibilidade de aceitar os fatos do
mundo, mesmo contraditórios aos saberes de conhecimento.
Já os saberes de opinião são construídos pelo sujeito, por meio de seus julgamentos
e de suas opiniões. Ressaltamos que tais saberes envolvem tanto o plano pessoal, visto
que são formulados por um sujeito que possui suas considerações acerca do mundo,
quanto o plano social, visto que o indivíduo pode criar seus conceitos por meio de
compartilhamento de ideias circulantes na sociedade.
Os saberes de opinião podem ser divididos em: opinião comum composta por
julgamento generalizado partilhado socialmente (provérbios e enunciados de valor
geral); opinião relativa composta por posicionamento positivo ou negativo de um
sujeito ou de um grupo, e a opinião coletiva formada pelas considerações de um
determinado grupo sobre outro, na tentativa de construção de um valor identitário.
O ato linguageiro, por conseguinte, envolve um sistema coletivo e cognitivo de
construções mentais, que situam o sujeito no mundo significado, atribuindo valores e
conceitos formados por meio de esferas sociais. Assim, o discurso se instaura no eixo
das trocas comunicativas, tendo o sujeito intencionalidades formadas pela intrínseca
relação entre o sistema de símbolos, a coletividade e sua inscrição e identificação no
mundo.
Esse ordenamento de saberes é resultante de sistemas de pensamento construídos
na tentativa de explicar o mundo e os sujeitos. Os saberes de conhecimento e os
saberes de crença são responsáveis por tais sistemas, colaborando para a distinção de
formas discursivas como as teorias, as doutrinas e as ideologias.
As teorias estão ligadas aos saberes científicos, que são comprovados por um
conjunto de proposições centradas em um núcleo de certezas baseados em conceitos,
raciocínios e instrumentos metodológicos. Assim, as teorias podem ser entendidas
como um conjunto de ideias sistematizadas, que dão base a uma filosofia ou a uma
ciência.
As doutrinas estão ligadas ao saber de conhecimento e ao saber de crença, pois
se referem a um saber de opinião “disfarçado” em saber de conhecimento. Podemos
47
considerar as doutrinas como modelo de pensamento e de comportamento para os
sujeitos que vivem em sociedade. São discursos que recusam a crítica e não sofrem
contestações, pois afirmam a dimensão transcendental do ser.
As ideologias estão ligadas ao sistema de valores afetivos e normativos, que definem
as aspirações humanas organizadas em um discurso de racionalização. Vale
ressaltarmos, que, quando uma ideologia se endurece, baseando-se em valores
irredutíveis, ela se torna uma doutrina; quando fluida, permanece um simples sistema
de crenças. Segundo Charaudeau (2006 a, p.203):
À medida que esses saberes, enquanto representações
sociais, constroem o real como universo de significação,
segundo o princípio de coerência, falaremos de
“imaginários”. E tendo em vista que estes são identificados
por enunciados linguageiros produzidos de diferentes formas,
mas semanticamente reagrupáveis, nós chamaremos
de”imaginários discursivos”. Enfim, considerando que
circulam no interior de um grupo social, instituindo-se em
normas de referência por seus membros, falaremos de
“imaginários sociodiscursivos”.
Dessa forma, podemos inferir que as representações sociais estão intrinsecamente
ligadas aos meios sociodiscursivos, colaborando para a organização dos saberes, por
meio de ideias e de valores formulados pelos sujeitos de linguagem. Assim, podemos
entender que o imaginário pode ser visto como uma imagem criada para interpretar a
realidade. O sujeito interpreta a realidade tendo como base as experiências vividas e as
relações mantidas com o outro para construir significações acerca do mundo
observável.
Vale ressaltar que os imaginários, muitas vezes, são utilizados pelo senso comum
para caracterizar algum tipo de fantasia, inclusive, o termo é definido, no dicionário
Aulete da língua portuguesa (GEIGER (Org.), 2011) como: “aquilo que existe
somente na imaginação”. O importante é percebermos que o termo na Análise do
Discurso, apresenta um teor sociohistórico, que ultrapassa a ideia de fantasia
imaginária acerca do mundo e das coisas. Segundo Charaudeau (2007, p.52)
48
Na história, por exemplo, diz-se, às vezes, que esta disciplina
tem a intenção de reestabelecer a verdade contra a
imaginação, as fantasias e os estereótipos. Este sentido,
pejorativo em relação a certas disciplinas, é talvez um
resquício do pensamento de século XVIII que, distinguia uma
cultura da sabedoria e uma cultura popular fortemente
influenciada por histórias do diabo e de bruxaria. Parece,
portanto, que se está no mesmo caso do estereótipo e, assim,
seria preciso rejeitar essa noção pelas mesmas razões. Mas,
aqui, pode-se desviar pelo viés do emprego deste termo como
substantivo porque é em seu emprego adjetival que ele toma
esses valores de invenção fora da realidade. Em troca em seu
emprego substantivo ele recupera uma noção que se inscreve
numa tradição filosófica e psicológica para ser finalmente
recuperado e reconceptualizado pela antropologia social.1
Desse modo, percebemos que tanto o termo imaginário quanto o termo estereótipo
apresentam construções preestabelecidas que precisam ser reestruturadas, visto a
evidente presença do alicerce sociocultural desses elementos constitutivos das ciências
sociais. Assim, a partir da ideia que construímos acerca dos imaginários, podemos
perceber que o conceito de imaginário social remete ao universo de significações
constitutivas da identidade de um grupo, pois a soma das relações que os sujeitos
estabelecem entre si constrói valores e imaginários partilhados. Há uma visão do
mundo social construída por intermédio de uma dupla interação: do sujeito com o
sujeito e do sujeito com o mundo.
Notamos a construção de imaginários envoltos por formas discursivas diversas
como discursos racionalizados que circulam nas instituições com fins identitários;
discursos que circulam na sociedade de maneira inconsciente, nos julgamentos
implícitos dos enunciados e discursos submersos no inconsciente coletivo, por
implicações tecidas na história. O termo imaginário sociodiscursivo está ligado ao
quadro teórico da Análise do Discurso, que, segundo Charaudeau (2006 a, p.206):
___________________________________________________________________
1 En histoire, par exemple, on entend dire parfois que cette discipline a vocation à rétablir la vérité
contre l'imaginaire, les fantasmes et lês estéréotypes. Ce cens, finalement péjoratif au regard de
certaines disciplines, est peut-être un reste de la pensée du XVIII siécle qui distinguait une culture
sayante et une culture populaire fortement influencée par les histoires de diable et de sorcellerie (...) II
semble donc que l’on se trouve dans le même cas que le stéréotype, et donc Il faudrait rejeter cette
notion pour les mêmes raisons. Mais ici, on peut s’en sortir par le biais de l’enploi de ce terme comme
substantif, car c’est dans son emploi adjectival qu’il prend ces valeurs d’invention hors de la réalité. En
revanche, dans son emploi substantif, Il recouvre une notion qui s’inscrit dans une tradition
philosophique et psychologique pour être finalement récupérée et reconceptualisée par l’anthropologie
sociale.
49
Efetivamente, para desempenhar plenamente seu papel
de espelho identitário, esses imaginários fragmentados,
instáveis e essencializados têm necessidade de ser
materializados. Isso acontece de diferentes maneiras: nos
tipos de comportamentos (os ritos sociais da vida cotidiana),
nas atividades coletivas (aglomerações, manifestações,
cerimônias) que têm por efeito dar corpo aos imaginários; na
produção de objetos manufaturados e de tecnologias que dão
ao grupo o sentimento de possuir e dominar o mundo (a
televisão e a internet dão a impressão de dominar o espaço e
o tempo); na construção de objetos emblemáticos que,
erigidos como símbolos, “objetualizam” e exibem até a
exaltação e, às vezes, até mesmo o fetichismo, os valores
identitários aos quais os membros do grupo aderem por
assunção mais ou menos voluntária (as bandeiras, as
insígnias, os slogans, como a foice e o martelo, a cruz
gamada, o “Black is beautiful” etc.).
Assim, percebemos que os grupos sociais constroem sentidos materializados no
discurso, formando imaginários sociodiscursivos, que testemunham identidades
coletivas indicativas da percepção dos sujeitos e dos grupos acerca dos acontecimentos
e do mundo.
Na Teoria Semiolinguística do Discurso, observa-se a forte relação entre as
construções discursivas e os imaginários sociais, que são formados por três tipos de
memórias: uma memória dos discursos, uma memória das situações de comunicação e
uma memória de formas.
A memória dos discursos está ligada ao conhecimento de mundo do sujeito
discursivo, à medida que experiencia uma série de fatos. Há uma constituição de
saberes, por meio de crenças e de valores sobre o mundo significado, construindo
representações cognitivas acerca da historicidade dos acontecimentos que nos cercam.
Constrói-se uma identidade coletiva formada por conceitos e ideias compartilhadas por
um grupo pertencente à sociedade. Há um armazenamento de conhecimentos comuns
entre os sujeitos discursivos, fragmentando a sociedade em comunidades discursivas,
agrupando-os, por meio de posicionamentos, ideais e valores compartilhados.
A memória das situações de comunicação está ligada às condições psicossociais de
realização, nas quais se estabelece o contrato de comunicação entre os sujeitos
50
interagentes do discurso. Desse modo, as constantes de comunicação são partilhadas
pelos sujeitos discursivos inseridos em uma comunidade comunicacional.
A memória das formas está ligada às maneiras de dizer. Assim, o que se torna
relevante no discurso não é o que está posto e sim como é proferida a enunciação. A
atividade linguageira é analisada pelos usos linguísticos, tanto pelos símbolos verbais,
quanto pelos icônicos ou gestuais. Há uma rotina nos processos comunicacionais, que
está marcada nos diversos modos de enunciação, simbolizando o modo do sujeito se
expressar, representado pelas comunidades semiológicas.
Desse modo, percebemos o texto como um discurso, por meio de representações
sociais, estabelecendo uma relação, que segundo Procópio (2008, p.28):
É possível notar que os imaginários sociodiscursivos são
construídos pelos diversos tipos de saber encontrados na
sociedade. Estes tipos de saber fundamentam os discursos
circulantes e servem como argumentos para a criação dos
imaginários. A organização dos diferentes tipos de saber
pode ser compreendida pelo diagrama abaixo (fig.1),
adaptado do modelo proposto por Charaudeau (2007):
51
Imaginários sociodiscursivos/Gênese do saber
(Quadro 3)
É preciso, então, entendermos que essas representações simbólicas são construções
de leituras do mundo, por meio de lacunas acerca das coisas e dos seres sob a
influência do meio social. Os estereótipos, que serão investigados a seguir, estão
ligados aos processos de formulação de ideias, conceitos e imagens em função de um
modelo cultural preexistente, constituindo os lugares comuns dos sujeitos e do mundo.
Assim, a representação do outro e de si estará fortemente fundamentada na interação
entre o homem e a sociedade.
52
2.4 Estereótipos e arquétipos
Há determinados léxicos que funcionam no sistema linguístico como elementos
cristalizados, pois significam por meio de representações simbólicas repetidas e
comuns a uma determinada comunidade linguageira. Termos como lugar comum,
frase feita, estereótipo e clichê se instauram, na mente dos sujeitos, como expressões
pejorativas. Sabemos, pois, que tais termos nem sempre remetem a algo negativo.
Segundo Amossy (2004, p.10):
(...) as ciências sociais abordam o estereótipo como
representação coletiva cristalizada, transformando-o em um
objeto de estudo empírico. Esta noção contribui para a análise
das relações entre os grupos sociais e os indivíduos que o
formam. Em sua conotação negativa, entra em jogo uma
reflexão sobre o preconceito; e em sua conotação positiva, o
estereótipo se relaciona com a construção de uma identidade
e de uma cognição social.1
Os estereótipos estão ligados aos aspectos sociais, ultrapassando a questão de
sentido comum e de mera opinião acerca de algo ou de alguém. Vale ressaltar que os
termos clichê e estereótipo são oriundos do francês cliché (1809) e stéréotype (1797),
este último veio do grego stereos (sólido) e type (tipo), para designar a placa metálica
que servia para a impressão de textos e livros nas oficinas gráficas, isto é, termos
ligados à repetição de algo, dando uma ideia de cópia (Amossy, 2004).
O termo estereótipo, atualmente, é empregado nas relações para definir uma ideia
preconcebida acerca de uma determinada característica de um grupo, podendo ser
visto como uma generalização excessiva ou indevida de um comportamento ou de uma
atitude de um grupo social ou étnico. Já o termo clichê, que podia remeter, também, ao
_____________________________________________________________________
1 (...) las ciências sociales, que abordaron el estereotipo como representación colectiva cristalizada,
transformándolo em um objeto de estúdio empírico. Esta noción contribuyó al análisis de las relaciones
entre los grupos sociales y los indivíduos que los conforman. Em su connotación negativa, entra en
juego en la reflexión sobre el prejuício; en su connotación positiva, se relaciona com la construcción de
la identidad y la cognición social.
53
negativo que os fotógrafos utilizavam para a reprodução de fotos em grande escala,
atualmente, por extensão semântica, é utilizado para designar frases feitas repetidas
em livros ou em pensamentos.
O clichê não deve ser entendido apenas como uma fórmula superficial, mas,
também, como uma expressão cristalizada, repetida sempre da mesma forma, que
representa a materialidade de uma frase, diferente da expressão “lugar comum”, que
representa a trivialidade de uma ideia, com origem na retórica aristotélica, com o
objetivo de formar argumentos de alcance geral.
Outro termo relevante acerca das representações sociais é poncifs, criado antes do
termo clichê, com a finalidade de denominar a trivialidade das palavras e dos
conteúdos de caráter convencional. A origem do termo está nas artes gráficas, no que
diz respeito à folha de papel que era colocada sobre um desenho, delineando-o e,
assim, por meio de sua forma, esse desenho delineado era colocado sobre uma tela
para reproduzir a tal imagem. Já outra expressão, também oriunda do francês, que
aparece com uma acepção pejorativa e preconceituosa é a de “ideia comum” (idée
reçue). Segundo Amossy; Pierrot (2004, p.28):
Que é que define as ideias comuns? A sua relação com a
opinião, assim como o seu modo de afirmar. Elas definem
julgamentos, crenças, formas de fazer e de dizer, e uma
formulação que se apresenta como uma constatação da
evidência e uma afirmação categórica: “Relógio: um relógio
só é bom se vier da Suíça. 2
A expressão ideia comum apresenta um juízo de valor que espelha evidências
básicas da sociedade. Há uma generalização da tradição de forma coletiva, inserida em
um discurso, cujo sujeito fala o que pensa. Com isso, há uma relação com a ordem
estabelecida e com as opiniões consagradas, que podem tornar o dito naquilo em que
se crê facilmente.
_____________________________________________________________________
2 Qué es lo que define a las idées recues? Su relación com la opinión, asi como su modo de afirmar.
Definen juzgamientos, creencias, formas de hacer y de decir, em uma formulación que se presenta como
uma constatación de evidencia y una afirmación categórica: “Reloj: Um reloj sólo es bueno si viene de
Suiza”.
54
Já o termo arquétipo, segundo o Novíssimo Aulete, Dicionário Contemporâneo da
Língua Portuguesa (2011, p.148), é definido como: “Modelo, padrão de algo (objeto,
produto, qualidade, comportamento, etc.). Na filosofia platônica é a ideia originária
que serve como modelo para a origem e princípio explicativo para os objetos
sensíveis; já na psicanálise junguiana, modelo de pensamento comum a toda
humanidade, composto de símbolos ou imagens que constituem uma espécie de
inconsciente coletivo, tendo o termo sua origem no grego arkhétypon e no francês
archétype.
Todos os termos apresentados possuem um viés social, construído por meio de
representações simbólicas, elaboradas a partir de visões de mundo. Vale ressaltar que
tais posições, muitas vezes, são formuladas com base em determinadas ciências,
recebendo tratamentos distintos, de acordo com o ponto de vista adotado.
Os estereótipos, por exemplo, na Psicologia Social, são analisados por meio de suas
funções e de seus efeitos sociais, gerados por imagens pré-concebidas e que se
cristalizam na sociedade; na Sociologia, são vistos como uma imagem mental coletiva,
agindo nas formas de pensar do sujeito, que interage com outros indivíduos ou grupos
sociais; na ciência da Linguagem, estão ligados aos conceitos preestabelecidos, que
podem apresentar discursos preconceituosos, por uma constatação previamente
estabelecida.
Entendemos, neste trabalho, estereótipos como representações sociais
institucionalizadas, criados com base na repetição, com o objetivo de não parecerem
formas de discurso, e sim formas da realidade. Há uma tentativa de transformar uma
realidade complexa em algo simples, banal. Segundo Férres (1998, p.136):
... os estereótipos assemelham-se aos processos de sedução,
porque jogam com a percepção seletiva: selecionam
intencionalmente uma dimensão isolada da realidade (no caso
dos estereótipos, normalmente negativa), polarizando a
atenção do receptor sobre esta dimensão, com a intenção de
que o receptor realize um processo de globalização,
transferindo a parte negativa para o todo. Pretendem, então,
que a dimensão negativa se transforme, para o receptor, em
uma representação da realidade completa.
55
Assim, os estereótipos são instaurados na percepção dos sujeitos, constituindo uma
identificação sociocultural e uma forma de conhecimento partilhado, que surge por
meio de uma consciência coletiva. Notamos a identificação dos traços culturais da
sociedade, os quais podem ser marcados por noções ligadas aos gêneros, à etnia, à
classe social, aos crédulos religiosos, entre outras.
A questão identitária, no que se refere aos gêneros (masculino/feminino), por
exemplo, está intrinsecamente ligada aos meios simbólicos de representação dos
estereótipos e dos arquétipos, visto que ambos situam suas construções, no âmbito
social, para a caracterização dos sujeitos. Há um padrão preestabelecido no
imaginário, que se instaura na mente do indivíduo ou de uma comunidade,
corroborando uma ideia preconcebida de um modelo compartilhado socialmente.
Notamos que a identidade de gênero do sujeito é construída por meio de uma
imagem representada por um modelo simbólico, muitas vezes, ligado ao inconsciente
coletivo, resultante de hábitos de julgamento ou falsas generalizações. Assim, o
sentido de masculinidade/feminilidade torna-se resultante de expectativas geradas pelo
senso comum, formando tipos que extrapolam a autoimagem do indivíduo.
Podemos considerar os arquétipos como símbolos do inconsciente coletivo, que
constroem uma imagem social de algo ou de alguém, na tentativa de parecer real,
porém com certa ilusão naquilo que está sendo observado e analisado. Há um
compartilhamento de ideias, no imaginário individual ou entre grupos sociais, que
servem de modelo para a estruturação constitutiva do sujeito. Com isso, os indivíduos
elaboram conceitos e ideias, com base nos preceitos morais, intelectuais e emocionais
para definir o outro, na sociedade.
O arquétipo pode ser visto como um modelo de caracterização do pensamento,
sendo, essencialmente, um conteúdo inconsciente, que pode se modificar, assumindo
novas formas, por meio de percepções de mudanças no mundo. Assim, podemos
caracterizá-lo como um esquema mental, que forma estruturas imagéticas. Há uma
construção na memória, que cria imagens de enredos de sonhos, de lendas ou de
mitos.
56
No que se refere aos arquétipos ligados aos gêneros: masculino/feminino, notamos
que as imagens arquetípicas femininas, por exemplo, podem estar associadas à
imagem da mãe e da mulher pura e ingênua, enquanto as imagens arquetípicas
masculinas, por exemplo, podem estar associadas ao pai, aquele responsável pelas
regras da estrutura familiar patriarcal. Segundo Monnerat (2008, p.96):
A imagem do “Guerreiro” parece ser uma imagem masculina
primordialmente baseada na anatomia do homem, assim
como a da “Grande Mãe” parece ser uma imagem feminina
essencialmente baseada na anatomia da mulher, o que não
quer dizer que os homens não possam ser carinhosos e que as
mulheres não possam ser guerreiras e isso porque os
arquétipos transcendem os gêneros: homens e mulheres têm
ambos os instintos carinhosos e instintos guerreiros, podendo
haver homens mais carinhosos e protetores do que algumas
mulheres e mulheres mais agressivas e belicosas que alguns
homens.
Nesse sentido, as construções mentais acerca dos arquétipos ligados aos gêneros
são elaboradas por meio desses modelos ou padrões preestabelecidos, evidenciando os
imaginários que circulam na sociedade. Com isso, se generaliza o que é pautado nos
domínios sociais, fortalecendo o que é compartilhado pela comunidade.
Esses perfis construídos acerca dos gêneros apresentam, simbolicamente,
superfícies estereotipadas de representações imaginárias partilhadas. Segundo Amossy
(2005, p.125):
De fato, a ideia prévia que se faz do locutor e a imagem de si
que ele constrói em seu discurso não podem ser totalmente
singulares. Para serem reconhecidas pelo auditório, para
parecerem legítimas, é preciso que sejam assumidas em uma
doxa, isto é, que se indexem em representações partilhadas. É
preciso que sejam relacionadas a modelos culturais
pregnantes, mesmo se se tratar de modelos contestatórios.
O estereótipo, então, é criado por meio da doxa, isto é, do pensamento do real
construído por uma representação cultural preexistente. Assim, corroboramos a ideia
de que há um esquema coletivo cristalizado, elaborado pelos membros da sociedade,
que, muitas vezes, definem o estereótipo em termos de atribuição de predicados, como
57
por exemplo, a dona de casa, que é, tradicionalmente, vista como uma mulher
prendada, sem renda financeira, boa cozinheira, entre outros.
Percebemos, desse modo, que tanto os estereótipos quanto os demais meios de
identificação sociocultural são construídos de acordo com sua época, podendo,
inclusive, sofrer mudanças. Assim, a não estaticidade dos estereótipos fica
comprovada, por meio de conceituações e de generalizações temporais, criadas por
membros de uma comunidade, que elaboram imagens a partir de uma consciência
coletiva.
Os estereótipos justificam a conduta de um grupo social que o estabelece ou que o
apoia e podem ser vistos tanto como um discurso verdadeiro quanto como um discurso
falso. Verdadeiro, à medida que costuma basear-se em aspectos parcialmente
verídicos, apresentando vestígios de realidade, e falso, à medida que todo discurso
generalizado denota uma realidade, geralmente, complexa. Segundo Ferrés (1998,
p.137):
O estereótipo pretende, antes de mais nada, facilitar uma
interpretação cômoda e reconfortante de uma realidade que,
geralmente, apresenta-se ameaçadora. A realidade resiste ao
controle, à análise. O estereótipo é um mecanismo de defesa
diante da ameaça de uma realidade complexa, ambígua,
contraditória.
Desse modo, o estereótipo passa a incorporar o pensamento do sujeito, por meio de
uma representação reducionista da realidade, visto que apresenta como um dos
objetivos facilitar a interpretação do real. Sabemos que há um esforço para o
enfrentamento da verdade e que, por meio dos estereótipos, o sujeito cria uma imagem
cômoda para aquilo que, supostamente, o perturba. Há uma organização da realidade,
porém sob um viés conservador petrificado, pois o sujeito constrói o seu discurso
diante da ameaça de uma realidade complexa, na tentativa de controle do real, por
meio de simbolizações cristalizadas e deformadas acerca do mundo.
E para se expressar no mundo, o sujeito recorre a textos – simples ou complexos –
valendo-se sempre de um gênero textual determinado.
58
2.5 Gêneros textuais
O conceito de gêneros do discurso, proposto por Bakhtin (2000), remete ao que,
hoje, tratamos por gêneros textuais. O autor trouxe à cena discursiva o fato de a língua
manifestar-se em forma de enunciados, tanto orais quanto escritos, refletindo as
condições específicas e as finalidades de cada uma dessas possibilidades discursivas.
Tais enunciados são marcados pelo conteúdo temático, pelo seu estilo verbal
construído por meio de recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais e pela sua
construção composicional, constituindo uma variedade infinita de representações
linguísticas.
Bakhtin (2000, p.281) aborda a heterogeneidade dos gêneros do discurso levando
em consideração a diferença essencial existente entre o gênero de discurso primário e
o gênero de discurso secundário. Segundo o autor:
Os gêneros secundários do discurso – o romance, o teatro, o
discurso científico, o discurso ideológico, etc. – aparecem em
circunstâncias de uma comunicação cultural, mais complexa
e relativamente mais evoluída, principalmente escrita:
artística, científica, sociopolítica. Durante o processo de sua
formação, esses gêneros secundários absorvem e transmutam
os gêneros primários (simples) de todas as espécies, que se
constituíram em circunstâncias de uma comunicação verbal
espontânea.
Desse modo, percebemos que a natureza do enunciado deve ser definida por uma
análise dos gêneros das esferas da atividade humana. Com isso, estaremos
investigando a variedade do discurso, fortalecendo o vínculo existente entre a língua, a
história e o social. Ressaltamos, ainda, que os gêneros do discurso funcionam por meio
da relação existente entre um locutor, que emite a mensagem, e um receptor, que a
recebe. O importante é notarmos que esse receptor nunca é passivo, pois ele adota,
para com o discurso, uma atitude ativa, concordando ou discordando, adaptando ou
completando o discurso, estando em interação constante durante o processo
enunciativo.
59
Outro fator relevante para a compreensão textual é a forma estável do gênero do
discurso, visto que todos os nossos enunciados dispõem de uma forma padrão e
relativamente estável de estruturação de um todo. Segundo Bakhtin (2000, p.301):
A comunicação verbal na vida cotidiana não deixa de dispor
de gêneros criativos. Esses gêneros do discurso nos são dados
quase como nos é dada a língua materna, que dominamos
com facilidade antes mesmo que lhe estudemos a gramática.
A língua materna – a composição do seu léxico e sua
estrutura gramatical -, não a aprendemos nos dicionários e
nas gramáticas, nós a adquirimos mediante enunciados
concretos que ouvimos e reproduzimos durante a
comunicação verbal viva que se efetua com os indivíduos que
nos rodeiam.
Assim, as formas da língua são assimiladas somente nas formas assumidas pelo
enunciado. Com isso, os gêneros do discurso introduzem-se em nossa experiência, por
meio de enunciados estruturados.
Observamos, então, que o sistema linguístico dispõe de inúmeras estratégias para
expressar o ato de enunciar, colaborando para a formação dos gêneros do discurso.
Esses recursos especializados da língua precisam estar de acordo com as situações de
uso para a obtenção do êxito do processo comunicativo, visto que os gêneros do
discurso são construídos dentro de um contexto situacional, relacionando-se com o
todo do enunciado.
É importante ressaltarmos que toda interação social mediada pela linguagem verbal
se faz por meio de textos. Desse modo, antes de traçarmos algumas considerações
acerca dos gêneros textuais, consideramos relevante apresentar o conceito de texto,
segundo Koch (2008, p.27):
Poder-se-ia, assim, conceituar o texto como uma
manifestação verbal constituída de elementos linguísticos
selecionados e ordenados pelos co-enunciadores, durante a
atividade verbal, de modo a permitir-lhes, na interação, não
apenas a depreensão de conteúdos semânticos, em
decorrência da ativação de processos e estratégias de ordem
60
cognitiva, como também a interação (ou atuação) de acordo
com práticas socioculturais.
O texto não significa, apenas, o que está posto ou o que não está dito pelo sujeito
enunciador, pois simboliza algo muito mais amplo, englobando tanto os aspectos
sociocomunicativos quanto os conhecimentos culturalmente partilhados entre os
sujeitos interagentes discursivos. Assim, a decodificação dos signos linguísticos torna-
se o início do processo, partindo dele para dimensões significativas mais amplas, até
se atingir o processo de interpretação textual.
Deste modo, o texto é visto como resultado da atividade verbal, construído no
intuito de alcançar um fim social, por meio de construções linguísticas comunicativas.
Assim, o jogo de atuação linguageira se instaura no ato de comunicação, contribuindo
para a formação de sentidos. Com isso, a capacidade de significar do texto ocorre pela
atuação conjunta de fatores de ordem situacional, cognitiva, sociocultural e
interacional. Segundo Marcuschi (2008, p.72):
O texto é o resultado de uma ação linguística cujas fronteiras
são em geral definidas por seus vínculos com o mundo no
qual ele surge e funciona. Esse fenômeno não é apenas uma
extensão da frase, mas uma entidade teoricamente nova. (...)
O texto pode ser tido como um tecido estruturado, uma
entidade significativa, uma entidade de comunicação e um
artefato sociohistórico. De certo modo, pode-se afirmar que o
texto é uma (re)construção do mundo e não uma simples
refração ou reflexo.
Assim, o texto será entendido como um evento comunicativo, no qual convergem
ações linguísticas, sociais e cognitivas, em constante interação com a sociedade. Com
isso, haverá uma ancoragem do texto no contexto situacional, produzindo determinado
discurso ligado, também, às relações semânticas entre os elementos encontrados no
interior do próprio texto, conforme se pode observar no esquema a seguir:
61
(Quadro 4)
Podemos observar, portanto, a textualidade e a sua inserção situacional e
sociocultural, por meio tanto das relações ditas cotextuais, isto é, daquelas que
ocorrem entre os próprios elementos internos do texto, quanto das relações
contextuais, ou seja, daquelas que se estabelecem entre o texto e a sua situacionalidade
ou a sua inserção cultural, social, histórica e cognitiva.
Segundo Azeredo (2000, p.39):
(...) o texto é um produto da atividade discursiva. Em um
texto circulam, interagem e se integram informações várias,
explícitas ou implícitas, evidentes por si mesmas ou
dependentes de interpretação. Por isso, um texto é
necessariamente fruto de uma construção de sentido em que
cooperam quem o enuncia e quem o recebe. (...) Uma ordem,
um pedido, uma exclamação, um anúncio, um aviso, um
comentário, uma descrição, uma narração são textos. (...) Seja
como for, nenhum texto é integralmente autônomo como
unidade de sentido; o que há são graus de comprometimento
e aderência do texto relativamente aos múltiplos fatores que
envolvem a produção deles. As interjeições ocupam o ponto
mais alto dessa escala – aderência máxima à situação de
comunicação - já o grau mais reduzido de aderência
caracteriza os textos consagrados como monumentos
literários.
62
Assim, o texto é entendido como uma prática da comunicação linguística oral ou
escrita, constituindo um acontecimento protagonizado por sujeitos discursivos, numa
dada situação, incluindo o momento histórico e o espaço social.
Segundo a Linguística Textual, o jogo de linguagem, que levará os parceiros da
comunicação a identificar um texto como tal será construído pela soma de estratégias
mobilizadoras dos diversos sistemas de conhecimento. São elas: estratégias
cognitivas, estratégias sociointeracionais e estratégias textuais. Observaremos tais
estratégias de processamento textual, no esquema abaixo:
(Quadro 5)
As estratégias cognitivas são aquelas construídas pelo conhecimento geral que
possuímos sobre a compreensão do discurso, consistindo em estratégias de uso do
conhecimento, dependendo, em cada situação, dos objetivos do usuário da língua, do
conhecimento disponível a partir do texto e do contexto e de suas crenças e opiniões,
no intuito de gerar sentidos. As estratégias de ordem cognitiva são elaboradas por
construções mentais acerca tanto do que está explícito quanto do que está implícito no
texto, criando, por parte dos interlocutores, inferências que geram informações
semânticas, levando em conta o texto e o contexto.
As estratégias sociointeracionais são aquelas socioculturalmente determinadas,
manifestando-se por meio de eufemismos, rodeios, marcadores de atenuação, graus de
63
polidez, conflitos, mal entendidos, entre outros. Todos os aspectos da situação
comunicativa relativos aos participantes do discurso estão sujeitos à negociação,
resultando em uma construção social da realidade.
As estratégias textuais englobam estratégias de organização da informação,
estratégias de formulação, estratégias de referenciação e estratégias de
balanceamento (calibragem) entre explícito e implícito.
As estratégias de organização da informação são aquelas com base nos elementos
dados e nos elementos novos e nas estratégias de articulação tema/rema.
As estratégias de formulação são compostas por estratégias de inserção e por
estratégias de reformulação. As estratégias de inserção são representadas por
explicações, justificativas, ilustrações ou comentários, que apresentam, muitas vezes, a
função de melhor organizar o mundo textual, enquanto as estratégias de reformulação
podem ser retóricas ou saneadoras. A reformulação retórica realiza-se por repetições
e parafraseamentos, reforçando a argumentação, podendo, inclusive, estar ligada à
desaceleração do ritmo da fala, auxiliando na sua compreensão; e a reformulação
saneadora ocorre sob forma de correções ou reparos, solucionando dificuldades
encontradas pelos sujeitos interagentes do discurso.
As estratégias de referenciação apresentam a função de reativação de referentes,
por meio de recursos de ordem gramatical ou lexical, como sinônimos, hiperônimos,
entre outros.
As estratégias de balanceamento do explícito/implícito são construídas por meio
de sinalizações textuais obtidas na situação comunicativa por conhecimentos prévios,
conhecimentos intertextuais, entre outros.
Assim, as estratégias ligadas aos sistemas de conhecimento e aos processos de
construção de textos são realizadas no intuito de promover o processamento textual,
objetivando a produção de sentidos. Com isso, o texto é construído na intenção de
responder a certos objetivos, de acordo com a necessidade comunicativa dos sujeitos
do discurso, constituindo os gêneros textuais.
O termo gênero, na antiguidade, estava ligado aos gêneros literários, mas,
atualmente, tal expressão não se vincula, apenas, à literatura. Devemos perceber o
64
gênero textual como um discurso específico, oral ou escrito, independente de ser ou
não literário. O gênero representa um processo comunicativo com características
específicas de acordo com a situação comunicativa.
Aristóteles (apud Marcuschi, 2008) na Idade Média, elaborou uma teoria sobre os
gêneros e sobre a natureza do discurso. O filósofo associou três gêneros de discurso
retórico a três tipos de julgamento: o discurso deliberativo, que servia para
aconselhar/desaconselhar, voltando-se para o futuro; o discurso judiciário, que servia
para acusar/defender, voltando-se para o passado e o discurso demonstrativo, que
servia para elogio/censura, voltando-se para o presente.
Atualmente, temos uma noção de gênero diferente da de Aristóteles, pois por meio
do discurso e da língua podemos responder a questões socioculturais construídas
pelo/no discurso. A língua passa a ser analisada no cotidiano, como parte interagente
comunicacional de nossa sociedade.
Podemos considerar que os gêneros textuais simbolizam uma categoria cultural do
mundo a significar e a partir das práticas comunicativas do cotidiano, o mundo se
torna significado pelas suas representações linguageiras. Assim, por meio de um
esquema cognitivo, o sujeito constrói um enquadre que precisa responder as suas
necessidades comunicacionais, visto que os gêneros estão ligados ao contexto e à
situacionalidade.
Os gêneros devem ser considerados como uma forma de ação social, construídos
por meio de uma estrutura textual organizada retoricamente, tornando-se fatos sociais
aceitos como verdades pela comunidade. Assim, a constituição interna dos gêneros
ocorrerá devido a estratégias convencionais para atingir determinados objetivos.
Apesar de uma estrutura “definida”, os gêneros apresentam uma fluidez
corporificada na linguagem, já que se constituem por meio de formas cognitivas e
culturais de ação social. Com isso, a comunicação verbal, que só é possível por algum
gênero textual, é realizada por meio de um enquadre de representações dinâmicas, cujo
limite se torna fluido.
A apropriação dos gêneros textuais está intrinsecamente ligada à socialização nas
práticas de atividades comunicativas, pois o sujeito interagente do discurso legitima os
seus dizeres, situados em uma relação social e histórica por meio da textualidade e das
65
circunstâncias do discurso como fonte da produção de sentidos. Para melhor
entendimento do tema, Marcuschi (2008, p.155) assim definiu o termo:
Os gêneros textuais são os textos que encontramos em
nossa vida diária e que apresentam padrões
sociocomunicativos característicos definidos por
composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos
concretamente realizados na integração de forças históricas,
sociais, institucionais e técnicas (...) Alguns exemplos de
gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial
(...) Como tal, os gêneros são formas textuais escritas ou orais
bastante estáveis, histórica e socialmente situadas.
Os gêneros podem, então, ser definidos como toda e qualquer atividade humana
relacionada ao uso da língua, por meio de enunciados que apresentam um
envolvimento social. É importante conceituar, também, os termos tipo textual e
domínio discursivo, visto que ambos estão ligados aos gêneros textuais.
Há uma diferença entre gênero e tipo textual. Este é definido pela natureza
linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações
lógicas e estilos). Segundo Marcuschi (2008, p.154), os tipos textuais estão inclusos
nas categorias: narração, argumentação, exposição, descrição e injunção.
Já o domínio discursivo, que origina vários gêneros textuais, corresponde às
instâncias discursivas da esfera da atividade humana, constituindo práticas discursivas,
nas quais podemos identificar um conjunto de gêneros, como, por exemplo, o discurso
político, o discurso jornalístico, entre outros.
O estudo dos gêneros está, portanto, intrinsecamente ligado ao funcionamento da
língua e às atividades sociais e culturais, vistos como modelos não estanques,
constituídos de formas sociais e dinâmicas de representações linguageiras. Assim,
podemos definir os gêneros como entidades comunicativas construídas por aspectos
relativos a funções, propósitos, ações e conteúdos.
Segundo Marcuschi (2008, p.162):
Os gêneros são atividades discursivas socialmente
estabilizadas que se prestam aos mais variados tipos de
66
controle social e até mesmo ao exercício de poder. Pode-se,
pois, dizer que os gêneros textuais são nossa forma de
inserção, ação e controle social no dia a dia (...) desde que
nos constituímos como seres sociais, nos achamos envolvidos
numa máquina sociodiscursiva. E um dos instrumentos mais
poderosos dessa máquina são os gêneros textuais, sendo que
de seu domínio e manipulação depende boa parte da forma de
nossa inserção social e de nosso poder social.
Constata-se, deste modo, a forte relação entre os gêneros textuais e o sistema de
controle social, corroborando o fato de a língua não ser, apenas, um sistema de
comunicação nem um simples meio simbólico para expressar ideias, tornando-se um
processo de integração social. Além disso, os gêneros se interpenetram para
constituírem novos gêneros e esta intergenericidade (Marcuschi, 2008, p.163) é
construída no intuito de um gênero assumir a função de outro, evidenciando a
plasticidade e a dinamicidade dos gêneros.
É importante diferenciar a intergenericidade, que está ligada às funções e às formas
de gêneros diversos da heterogeneidade tipológica, que se refere ao fato de um gênero
realizar sequências de vários tipos textuais, como por exemplo, uma carta pessoal, que
contém uma narração, uma argumentação e uma descrição. Dessa forma, a
constituição dos gêneros ocorre por meio das necessidades situacionais dos processos
comunicativos, envolvendo aspectos sociais e culturais da história discursiva
contextual.
Outro aspecto relevante acerca dos gêneros textuais é a questão do suporte, isto é, o
modo de manifestação material dos discursos, que não deve ser considerado, apenas,
como um instrumento para transportar uma mensagem, mas também como um
modificador do gênero discursivo. Nesse sentido, por meio do tipo de suporte, o
gênero assumirá novas características definidas pelo modo de circulação da
mensagem, pelo seu modo de utilização e pelo modo como ele se estabiliza para ser
transportado eficazmente. Segundo Marcuschi (2008, p.174):
(...) entendemos aqui como suporte de um gênero um locus
físico ou virtual com formato específico que serve de base ou
ambiente de fixação do gênero materializado como texto.
Pode-se dizer que suporte de um gênero é uma superfície
física em formato específico que suporta, fixa e mostra um
67
texto (...) o suporte firma ou apresenta o texto para que se
torne acessível de certo modo. O suporte não deve ser
confundido com o contexto nem com a situação, nem com o
canal em si, nem com a natureza do serviço prestado.
Contudo, o suporte não deixa de operar como um tipo de
contexto pelo seu papel de seletividade.
O suporte pode ser definido por meio de alguns aspectos: o suporte é um lugar
(físico ou virtual); o suporte tem formato específico e o suporte serve para fixar e
mostrar o texto. Marcuschi (2008, p.177) classificou o suporte em duas categorias
distintas: os suportes convencionais, que são aqueles elaborados tendo em vista a sua
função de portarem ou fixarem textos, como livros, jornais, revistas, televisão,
telefone, entre outros; e os suportes incidentais, que são aqueles que apresentam uma
possibilidade ilimitada de realizações na relação com os textos escritos, como
embalagens, roupas, corpo humano, calçadas, paredes, muros, entre outros. Já os
correios, e-mail, mala direta, internet, homepage e site são considerados, pelo autor,
como exemplos de serviços em função da atividade comunicativa, não devendo ser
situados entre os suportes textuais, sejam os convencionais, sejam os incidentais.
Suportes, tipos textuais e gêneros textuais são conceitos fundamentais em qualquer
análise linguística. Os gêneros textuais são construídos, por meio do uso da língua,
inseridos em ato enunciativo, na tentativa de responder a questões de natureza
sociocultural, nas mais diversas formas de expressões comunicacionais.
No próximo tópico, discutiremos questões relativas ao discurso publicitário.
68
2.6 Publicidade
Antes de iniciarmos o capítulo acerca da publicidade, é necessário que saibamos
que existe uma diferença entre os termos publicidade e propaganda. Sandmann (2012,
p.9) diz que, o termo propaganda, do latim propagare, expressa a ideia de necessidade
de propagar algo e o termo publicidade, do latim publicus, expressa o fato de tornar
pública uma ideia.
O termo propaganda é mais abrangente, pois significa a propagação de ideias, nas
questões éticas e morais; enquanto o termo publicidade é mais leve e sedutor, pois é
utilizado para a venda de produtos e de serviços, explorando o universo dos desejos
(Monnerat, 2003, p.14).
2.6.1 Linguagem verbal: valores e significâncias
Em nossos estudos, entendemos o termo publicidade como algo ligado à
mensagem comercial, enquanto o termo propaganda, mais geral, está relacionado a
mensagens política, religiosa, institucional e comercial. Essa pesquisa terá como foco
a publicidade, que envolve o universo dos desejos, da sedução. Há uma manipulação
disfarçada para envolver o receptor, sem deixar transparecer as verdadeiras intenções
do anunciante. Segundo Vestergaard/Schroder (2000, p. 47):
A primeira tarefa do publicitário, portanto, é conseguir que o
anúncio seja notado. Uma vez captada a atenção do leitor, o
anúncio deve mantê-la e convencê-lo de que o tema daquele
anúncio específico é do interesse dele. Além disso, o anúncio
tem de convencer o leitor de que o produto vai satisfazer
alguma necessidade – ou criar uma necessidade que até então
não fora sentida. Por fim, não basta que o cliente em
potencial chegue a sentir a necessidade do produto: o anúncio
deve convencê-lo de que aquela marca anunciada tem certas
qualidades que a tornam superior às similares.
69
Assim, a linguagem publicitária cria um mundo perfeito e ideal, na tentativa de
convencer o outro acerca do que é pretendido comercializar. Devemos perceber que o
sujeito anunciante cria esse universo como não pertencente ao mundo dos sonhos, pois
se fosse dessa maneira, o sujeito receptor não acreditaria na possibilidade de
compartilhar tal cenário. A seguir, mostraremos dois anúncios publicitários sobre o
alimento integral com cereais Belvita, que exemplifica a ideia desse mundo perfeito e
ideal. Vale observar que tal campanha – protagonizada por artistas – se desenvolveu
em dois momentos. No primeiro, Grazi Massafera e Cauã Reymond estavam juntos;
no segundo, após a separação do casal, a protagonista é apenas a Grazi.
Publicidade de Belvita (2013)
(Figura 1)
70
Publicidade de Belvita 2014
(Figura 2)
Podemos afirmar que a publicidade eficiente é aquela que encontra algo de
extraordinário para falar de coisas banais, pois o objetivo é tornar algo familiar, e ao
mesmo tempo, diferenciá-lo, destacando-o do comum. Devemos utilizar uma
linguagem própria, que se aproxima do receptor da enunciação discursiva, na tentativa
de seduzi-lo e de persuadi-lo, sobrepondo-se, inclusive, à própria informação. Segundo
Carvalho (1996, p.17):
O discurso publicitário é um dos instrumentos de controle social e, para
bem realizar essa função, simula igualitarismo, remove da estrutura de
superfície os indicadores de autoridade e poder, substituindo-os pela
imagem da sedução. (...) A palavra deixa de ser meramente informativa, e é
escolhida em função de sua força persuasiva, clara ou dissimulada. Seu
poder não é simplesmente o de vender tal ou qual marca, mas integrar o
receptor à sociedade de consumo.
Percebemos, então, a importância dos dizeres no contexto da publicidade. O
consumo pressupõe que o homem gira em torno das coisas, e a ideia de que possuir
objetos significa o alcance da felicidade é o foco da publicidade, que sugere que o
êxito e o bem-estar estão ligados à aquisição dos produtos comercializados. Há um
71
convencimento sobre o receptor, tanto consciente quanto inconsciente, que gira em
torno da estrutura publicitária, marcada pela argumentação icônico-linguística.
A seguir, temos a publicidade da moto Next 250, que utiliza a figura feminina para
persuadir o futuro comprador da mercadoria, por meio da ambiguidade polissêmica,
contextualmente situada e, por isso mesmo, gerando um efeito malicioso de sentido.
Publicidade da moto Next
2013/2014
(Figura 3)
Na publicidade, o sujeito anunciador cria um laço de afetividade com o sujeito
consumidor, como se fossem grandes amigos. Essa interação entre os sujeitos
participantes do discurso é o gatilho para o desencadeamento da persuasão.
Observamos, então, que a integração do sujeito na sociedade de consumo é o grande
objetivo da publicidade, pois a simples aquisição do produto não o faz interagir no
mundo que o cerca.
Segundo Monnerat (2003, p.43): “Persuadir não é sinônimo de enganar; é o
resultado de certa organização do discurso que o constitui como verdadeiro para o
receptor.” Podemos inferir, com isso, que a publicidade contribui para o jogo cênico
discursivo, tendo a conivência dos sujeitos interagentes do discurso, isto é, tanto do
sujeito anunciante quanto do sujeito consumidor.
72
Assim, para que a publicidade alcance o seu êxito, isto é, a criação de uma
organização que objetive lucros, a partir das necessidades e dos desejos do sujeito
consumidor, é necessário que a relação entre os sujeitos interagentes desse evento
comunicativo seja firmada de tal forma, que satisfaça ambas as partes.
Hoje em dia, o sujeito consumidor está muito mais exigente com relação à
qualidade dos produtos comercializados. Assim, as empresas estão atentas a estas
mudanças para atender aos clientes, tentando liderar as vendas no mercado comercial
competitivo.
Outro fator relevante para que a relação entre anunciante e consumidor gere bons
resultados é a identificação do tipo de consumidor real e usuário do produto. Peter
(2009, p.4) averiguou que até 2008, havia uma tentativa, por parte do sujeito
anunciante, de compreender os seus clientes, no entanto, sem informações detalhadas
acerca desse consumidor.
A partir de 2009, com a tecnologia da informação, o uso dos computadores
tornou-se o principal aliado das empresas, para que estas identificassem o real público-
alvo de seus produtos, os efeitos de marketing sobre ele e as possíveis mudanças no
plano publicitário, quando necessárias.
A internet passou, então, a fazer parte das estratégias da publicidade, pois o
marketing digital ampliou o acesso às informações sobre produtos e serviços. Deste
modo, o próprio local de compra de produtos foi alterado. O que antes era adquirido
apenas em lojas físicas, agora, pode ser feito via comércio eletrônico, ampliando as
possibilidades de compras pelo consumidor.
A Associação Americana de Marketing (apud Peter, 2009, p.6) define
comportamento consumidor como a “interação dinâmica entre afeto e cognição,
comportamento e ambiente por meio da qual os seres humanos conduzem na vida
atitudes relacionadas à troca”. Assim, tornamos pertinente a definição do ato de
linguagem como um processo enunciativo, envolvendo sujeitos entrepostos em
situações de existência situacional.
O processo de comunicação, na Teoria Semiolinguística, é mais do que um eu que
fala para um tu, em determinada hora e local. No evento publicitário, percebemos que
o sujeito consumidor está envolvido com pensamentos, sentimentos e suas ações no
73
processo de consumo. Outros fatores também fazem parte da construção do sujeito
consumidor, como: comentários alheios, propagandas, preços, embalagens, aparência
do produto, entre outros, que influenciam a decisão de escolha pelo produto
comercializado.
Assim, essa interação entre o sujeito anunciante e o sujeito consumidor, que
acredita na felicidade plena por meio de aquisição de produtos de desejos, constitui o
contrato de comunicação da publicidade. A seguir, o esquema ato de linguagem
aplicado ao discurso da publicidade:
Ato de linguagem 1
(Quadro 6)
O sujeito comunicante, que representa o EUc publicista, precisa conhecer o
público-alvo de seus produtos, isto é, o “tu” da publicidade. Assim, consideramos
imprescindível o conhecimento dos sujeitos interagentes do discurso, para que o
contrato de comunicação alcance seu objetivo, isto é, seu funcionamento pleno.
Citamos como exemplo o caso da multinacional Kimberly-Clark Corporation, que,
ao lançar a linha Huggies de produtos para bebês, notou a queda considerável das
loções e das toalhas umedecidas de sua linha de produtos para banho. A técnica inicial
para melhor conhecimento de seus consumidores, que é a discussão em grupo (focus
groups), não foi capaz de detectar o problema com os referidos produtos.
74
A empresa, então, investiu em uma nova abordagem por meio da instalação de
uma câmera embutida nos óculos dos consumidores, para identificar a maneira de
utilização do produto, da perspectiva do consumidor. Embora os consumidores
tivessem dito que a troca de fraldas dos bebês era feita na cama, a verdade é que a
troca realizava-se na cama, no chão e em cima da máquina de lavar. Assim, como
tinham de segurar a criança com uma das mãos, ficava difícil utilizar os produtos que
exigiam ambas as mãos para manuseá-los Dessa forma, a empresa redefiniu as
embalagens das toalhas umedecidas e das loções, acrescentando, no dispositivo de
abertura dos produtos, um botão de pressão que exige apenas o uso de uma das mãos.
Percebe-se, então, a relevância de se conhecer o sujeito consumidor e a maneira
como o produto é utilizado por esse sujeito. Notamos, no exemplo dado, que a
embalagem não é vista apenas como um mero atrativo ligado à aparência do produto, e
sim, também, como fator primordial de funcionalidade. Desta forma, ressaltamos que
o publicista precisa investigar a fundo o cotidiano dos consumidores, para que consiga
criar mecanismos de sedução e convencimento camuflados sobre os mesmos, de
maneira coerente e funcional.
Outro exemplo significativo acerca do comportamento do consumidor, que
interfere na elaboração do contrato de comunicação entre parceiros da publicidade, foi
a estratégia empregada pela empresa Thomson Eletronics, que procurou investigar
com que frequência as pessoas se sentam para ouvir um CD, em contraposição a ouvir
música ambiente. A empresa objetivava a criação de novos produtos eletrônicos neste
setor. A técnica empregada consistia no seguinte: toda vez que os consumidores
recebiam uma mensagem pelo celular, deveriam anotar o que estavam fazendo, em
que local se encontravam, se havia música no local, que tipo de música, se esta era
para escolha própria ou era para o ambiente, e qual era o seu estado de espírito no
momento. Investigavam o que as pessoas faziam quando estavam em casa e, também,
a localização do aparelho de som e como organizavam sua coletânea de música.
Desse modo, a empresa conseguiu criar estratégias publicitárias de convencimento
e sedução sobre o público-alvo, considerando o ato de linguagem como fato
linguageiro atravessado pelo social. Assim, a publicidade é investigada por meio de
significações psicossociais, situadas nos atos de linguagem.
75
Podemos citar, também, o exemplo de caçadores de tendências que trabalham com
marcas de mochilas, roupas e sapatos para jovens em Nova York. Esses profissionais
frequentam as escolas e prestam atenção nas conversas dos jovens nos intervalos das
aulas, observando preferências, modos de fala, estilo de roupas, entre outras
características.
O caçador de tendência da marca Eastpak, escutando a conversa entre duas alunas
de 14 anos da Escola Norman Thomas, em Manhattan, observou que o assunto girava
em torno da cantora Lauryn Hill, das roupas da grife Old Navy e da série de filmes
Friends. O pesquisador também considerou curioso o fato de as meninas misturarem
frases em espanhol em suas conversas (como gíria), apesar de serem americanas.
Considerou relevante o fato de possuírem 8 mochilas diferentes da marca Janspot, para
combinar com vários tipos de roupas. Assim, a empresa obteve informações reais
sobre o público-alvo de seus produtos, para, então, formular estratégias que
possibilitassem a interação comunicativa entre os sujeitos do discurso publicitário.
Mais um exemplo curioso é a exibição dos filmes nos cinemas. Nos Estados
Unidos, normalmente, pré-estreias são exibidas para grupos de frequentadores de
cinemas, acompanhados por psiquiatras. O público assiste ao filme, respondendo as
perguntas dos profissionais, que observam a linguagem corporal e as respostas dadas
pelos entrevistados. A multinacional Miramax, responsável pelos filmes da Disney, de
acordo com as sugestões dos psiquiatras, alterou as pausas das falas das personagens,
para que as pessoas captassem melhor as mensagens não entendidas, inclusive,
modificando, também, várias palavras usadas na pré-estreia, como o que aconteceu
com o filme Marido Ideal (1999), de cuja descrição foi retirada a palavra comédia,
pois reduzia o público a um grupo que gostava, apenas, desse tipo de enredo.
Deste modo, percebemos como alguns dos princípios da Teoria Semiolinguística
do Discurso são empregados nos atos de linguagem da publicidade, pois os usos
linguageiros desse universo situacional estão embutidos no social, isto é, nas crenças,
nas ideologias e na história da sociedade.
Notamos, ainda, que a publicidade tem como objetivo não apenas a venda do
produto, simplesmente, mas também promover uma adesão do consumidor a um nome
ou a uma imagem. É preciso que haja uma receptividade duradoura junto ao público,
havendo uma impressão geralmente favorável daquilo que está sendo comercializado.
76
Há uma imagem criada na publicidade que precisa ser compartilhada pelo
consumidor, fazendo-o sujeito ativo nesta relação firmada entre ambos. Deste modo,
há um enaltecimento da marca pela relação criada entre mercadoria e público,
atingindo um dos objetivos da publicidade, que é a sedução pelo convencimento da
necessidade de aquisição do produto.
A venda de bens e serviços negociáveis é realizada por meio de divulgação de
informações fornecidas pelas empresas, construindo uma imagem positiva por meio do
uso da linguagem utilizada nesse evento comunicativo. É de suma importância que a
linguagem aplicada na publicidade seja a mais próxima possível do público alvo, para
que a adesão ao que foi posto se concretize, por meio de uma persuasão camuflada e
sedutora.
Podemos citar, por exemplo, os anúncios de exibição colocados em destaque em
jornais e revistas. Tais anúncios procuram captar a atenção do leitor que, a princípio,
não estaria interessado em nenhum anúncio específico. Já os anúncios classificados
são lidos apenas por pessoas interessadas em certo produto ou serviço. Percebemos,
também, que os anúncios classificados, apesar de visarem à promoção de vendas, não
precisam utilizar elementos de persuasão, aproximando-se bastante da mera notícia.
Deste modo, a linguagem é construída sem o intuito de precisar convencer os
prováveis compradores a ler o anúncio, pois tal ação já é esperada de quem compra um
classificado.
É interessante notarmos que o consumo, nos dias atuais, deixou de ser uma mera
ação de satisfação das necessidades básicas, para tornar-se um ato de ostentação e
riqueza. Obter marcas famosas, produtos importados, bens de consumo, que elevam o
status do sujeito, tornaram-se prioridades na sociedade capitalista na qual vivemos,
tendo a linguagem publicitária um local de destaque nesta relação entre anunciante e
consumidor. Segundo Baudrillard (apud Pinto, 1997, p. 10):
A partir do momento em que a linguagem, em vez de ser
veículo de sentido, se carrega de conotações de pertença e se
transforma em léxico de grupo, em patrimônio de classe ou
de casta (...); a partir do momento em que a linguagem, de
meio de permuta, se transforma em material de troca, para
uso interno do grupo ou da classe- enquanto a sua função
real, por detrás da mensagem, muda para função de
77
conivência e de reconhecimento; a partir do momento em
que, em vez de fazer circular o sentido, começa ela própria a
circular como santo-e-senha, no interior do processo de
tautologia do grupo (o grupo fala-se a si mesmo), transforma-
se em objeto de consumo e em feitiço.
Assim, a linguagem que consumimos na publicidade nos comunica algo
afetivamente, transformando nossos desejos em possíveis realidades. Há um feitiço
gerado por meio de palavras que seduzem ou devem seduzir, por meio de processos
discursivos inseridos em um jogo cênico criativo e encantador. Notamos, com isso,
que as fórmulas de encantar o público são pesquisadas minuciosamente pelo sujeito
anunciante, que procura, neste jogo manipulador, criar um laço de afetividade com o
sujeito destinatário/interpretante. A seguir, duas publicidades: uma representando o
Dia das mães, das Casas Bahia e outra, representando o Dia dos pais, do Pruden
shopping. Ambas utilizam a afetividade como persuasão sobre o futuro cliente.
Publicidade das Casas Bahia
2013/2014 (Figura 4)
78
Publicidade do Pruden Shopping
2011
(Figura 5)
É importante percebermos que o produto se comunica com o sujeito consumidor,
criando tais laços afetivos construídos pela linguagem empregada. O sujeito
anunciante cria um ambiente favorável aos sonhos, porém construído por meio de
estudos sociológicos acerca do público alvo. Assim, a publicidade acaba ditando
regras e padrões sociais, na tentativa de inserir o consumidor nesta norma, visando
apenas a interesses comerciais.
A criatividade presente na publicidade pode seduzir o sujeito destinatário de tal
forma que este tem a impressão de que o sujeito anunciante pensou nele durante a
elaboração da mensagem publicitária. Quando isso acontece, a interação entre os
sujeitos da enunciação concretizou seu objetivo, que é a aprovação e a cumplicidade
do sujeito consumidor perante o evento comunicativo.
79
Há uma identidade criada nos produtos que causa uma aproximação do público
com a marca veiculada, pois o sujeito anunciante constrói a capacidade de comunicar
do produto, por meio de simbolizações semióticas que geram intimidade entre marca e
consumidor. O produto ganha, então, essa identidade, por meio de qualidades
simbólicas construídas pelo sujeito anunciante.
Assim, pode-se ter a ideia de que o objeto comercializado apresenta uma
linguagem própria, específica e que, a partir do momento em que o produto passa a
valer pela imagem de si projetada na publicidade, a linguagem deixa de pertencer
apenas ao produto, transformando-se também na linguagem humana. Segundo Pinto
(1997, p.25):
Assim, o êxito ou o fracasso de um produto não se medem
tanto pela qualidade ou falta de qualidade do mesmo, mas,
sobretudo, pela sua capacidade de se encaixar no universo de
valores do consumidor e trazer os seus desejos à luz do dia,
assumindo-se como a possibilidade de satisfação destes.
Desta forma, percebemos a relevância da linguagem sedutora construída na
publicidade. Criar uma compatibilidade e uma empatia entre o mundo dos sonhos
verossímeis da publicidade e a realidade social do consumidor é o principal objetivo
do sujeito anunciante. Muitas vezes, a qualidade do produto e sua confiabilidade ficam
em segundo plano. Mostraremos, a seguir, um exemplo do mundo dos sonhos
verossímeis, por meio da publicidade do governo acerca do Programa Minha casa
minha vida, tendo a Presidenta Dilma Rousseff como garota propaganda:
80
Publicidade do Governo
2014
(Figura 6)
Nesse caso, o apelo à emotividade do sujeito consumidor é muito maior do que a
própria especificidade do produto, visto que o que seduz não é a descrição física do
que se quer comercializar, mas sim a adesão ao produto por meio da emoção. O sujeito
anunciante não cria um anúncio publicitário partindo do produto, isto é, da
caracterização do mesmo, pois o seu ponto de partida está na posição sociocultural em
que o sujeito consumidor se encontra, criando estratégias que aproximem o sujeito
destinatário daquilo que se quer promover.
A partir dessas considerações, podemos entender o evento publicitário como uma
atividade claramente manipuladora, induzindo os sujeitos interagentes do processo
comunicativo a cumprirem regras de atuação social. Os anunciantes estão muito mais
preocupados com o posicionamento social dos consumidores do que com a simples
divulgação dos produtos comercializados.
A linguagem verbal une-se à linguagem imagética, compondo a identidade do
produto ou da marca, veiculando sua personalidade para que seja definida a estratégia
comunicativa adequada ao evento publicitário. A chamada de atenção para aquilo que
81
se pretende comercializar é fundamental para o sucesso da publicidade, por meio de
mecanismos linguísticos que desempenham um papel crucial neste processo de
persuasão camuflada.
Ressaltamos que a linguagem da publicidade apresenta uma forte relação com a
ideologia, visto que, até certo ponto, ela manifesta o modo de ver o mundo de uma
sociedade no tempo e no espaço. Segundo Fiorin (apud Sandmann, 2012, p.34):
Ideologia (...) é uma visão de mundo e há tantas visões de
mundo numa dada formação social quantas forem as classes
sociais (sendo que) cada uma das visões de mundo apresenta-
se num discurso próprio.
Percebemos, então, que a linguagem da publicidade simboliza a expressão da
ideologia dominante, procurando satisfazer as aspirações humanas, com o objetivo de
vender uma ideia. Deste modo, o anunciante cria um discurso que enaltece
determinados valores aceitos pela classe dominante.
A imagem do produto exerce, portanto, um forte poder de sedução e de
convencimento sobre o consumidor, por meio de representações do ethos, criando um
elo entre o sujeito anunciante, que deseja vender o produto, e o sujeito destinatário,
que almeja adquirir um bem de consumo autenticado pela classe dominante.
2.6.2 Linguagem não verbal
A linguagem verbal e a não verbal fazem parte do nosso cotidiano, no intuito de
significarem dizeres que objetivam a concretude do ato de comunicação. Dispomos da
linguagem para construir sentidos, visto que a textura comunicativa, isto é, as relações
cotextuais (entre os elementos internos do texto) e as relações contextuais (entre os
elementos internos do texto e a situacionalidade) são elaboradas, muitas vezes, pela
relação intrínseca entre os elementos verbais e não verbais.
Segundo Aguiar (2004, p.11):
82
(...) a palavra comunicação deriva do latim communicare,
cujo significado seria “tornar comum”, “partilhar”, “repartir”,
“associar”, “trocar opiniões”, “conferenciar”. Portanto,
historicamente, comunicação implica participação, interação
entre dois ou mais elementos, troca de mensagens entre eles,
um emitindo informações, outro recebendo e reagindo. Para
que a comunicação exista, portanto, deve haver mais de um
polo; sem o outro não há partilha de sentimentos e ideias ou
de comandos e respostas.
Para haver comunicação é necessário que os sujeitos interagentes do discurso
apresentem uma base estrutural comunicativa compartilhada, ou seja, é preciso que
haja uma relação dialógica, por meio de ideias e de temas de interesse comum. Devem
ser criadas relações com alguém ou com coisas do mundo para que o ato de
comunicação se instaure no universo das ideias transmitidas pelos signos linguísticos
por meio de um código preestabelecido pelos parceiros do discurso.
Há um processo de troca de pensamentos entre os indivíduos que interagem entre
si, possibilitando a construção de sentidos acerca do que é posto. Notamos, então, no
ato comunicativo, a instauração do processo social de interação, por meio de troca de
experiências significativas, promovendo um intercâmbio entre os membros da
sociedade.
Toda experiência vivida pelo sujeito é registrada e armazenada no plano cognitivo,
auxiliando o processo de comunicação humana à medida que se tenha necessidade de
construir sentidos no ato comunicativo. O indivíduo recorre à sua bagagem cultural,
emocional e cognitiva toda vez que precisa formular sentidos acerca do que é posto,
funcionando como agente do processo de comunicação.
Os signos verbais e não verbais são criados com o objetivo de significar sentidos
para um grupo pertencente à determinada sociedade. Tais sinais variam de acordo com
as crenças e com os aspectos culturais que cada comunidade linguística toma para si.
Segundo Aguiar (2004, p.25):
Verbais ou não verbais, criamos sinais que têm significado
especial para o grupo humano do qual fazemos parte. A
variedade de línguas faladas no mundo é um exemplo bem
83
evidente do fenômeno, mas existem outros. O significado que
atribuímos às cores é um deles: se para nós, ocidentais, o
vermelho pode significar poder (e o manto do papa é dessa
cor), para algumas culturas africanas, ele está ligado ao luto,
pois evoca luta, sangue, morte.
Desse modo, observamos que as estruturas de pensamento das comunidades
humanas variam segundo suas experiências históricas, por meio de significações
próprias e que são moldadas pela bagagem cultural construída ao longo do tempo. Os
diversos códigos existentes, no sistema linguístico, foram elaborados no intuito de
favorecer interpretações acerca da comunicação, para gerar um melhor entendimento
entre os sujeitos discursivos.
Os recursos linguísticos utilizados para favorecer a construção de sentidos
dividiram-se, portanto, em dois grupos: o verbal e o não verbal. O grupo verbal,
formado por meio de uma linguagem articulada, é instaurado na própria língua,
enquanto o grupo não verbal é formado por meio de imagens sensoriais, visuais,
auditivas, cinestésicas, olfativas e gustativas.
A linguagem não verbal constitui-se de representações simbólicas de gestos,
músicas, cores e formas, fundadas nas vivências do mundo interior. O cérebro
humano, por meio do hemisfério direito, atua na interpretação dos signos, sendo o
responsável pelas associações feitas por meio de imagens, figuras, mitos, paisagens,
cores e fenômenos da natureza. Desse modo, há uma geração de sentidos, que
conectam o ser humano com as coisas do mundo e com os sujeitos que o cercam.
A linguagem não verbal está presente em várias situações do cotidiano, como a
publicidade, que utiliza metáforas, imagens e símbolos para promover o
convencimento sobre o outro. Segundo Aguiar (2004, p.35):
Há um outro tipo de comunicação humana que também
trabalha com as potencialidades do hemisfério direito: a
propaganda. Na linguagem publicitária temos rimas,
aliterações, jogos de sons, ambiguidades e toda sorte de
condensações de significado. Textos verbais e não verbais
transmitem mensagens de duplo sentido que nos induzem a
acreditar que, se usarmos determinado produto, vamos vencer
na vida e ser felizes. Os dois sentidos (usar um creme dental e
84
encontrar a pessoa amada, por exemplo) não tem nada em
comum, porém a forma acoplada em que aparecem nos induz
a essa interpretação.
O discurso da publicidade perpassa, portanto, a simples decodificação dos signos
linguísticos para atuar em esferas mais subjetivas de formas expressivas com jogos de
palavras e sentidos subentendidos. O hemisfério direito está ligado, então, às formas
linguísticas voltadas para a área emocional do cérebro, que procura desvendar os
sentidos gerados pelas construções imagéticas e pelos seus pressupostos.
Assim, a escolha dos signos e sua distribuição para a construção dos sentidos é
fundamental no processo de elaboração da linguagem tanto verbal quanto não verbal.
Vale ressaltar que todo discurso é marcado por intenções comunicativas e construído
por meio de visões de mundo.
À medida que o signo gera sentidos por meio de representações do mundo e de
construções sociais, ele remete a algo fora de si para alcançar significações mais
amplas e subjetivas. Há uma produção social inserida na consciência dos sujeitos
interagentes do discurso, que extrapola a estrutura do que é posto para alcançar voos
interpretativos mais amplos e subjetivos.
A imagem, que apresenta elementos visuais em simultaneidade, segundo James J.
Gibson ( apud Neiva Junior, 1986), apresenta as seguintes propriedades: extensão na
distância, modelação em profundidade, verticalidade, estabilidade, ilimitabilidade, cor,
sombra, textura, integração por superfície, bordas, formas e interespaços e, por fim,
pluralidade de coisas que possuem significados e sentidos, que nos conectam com o
mundo.
Dentre as propriedades encontradas nas imagens, o espaço cromático está, cada vez
mais, ocupando uma posição de destaque nas diversas situações comunicativas, pois as
figuras e as ilustrações colaboram, fortemente, para a riqueza das mensagens. Assim, a
comunicação imagética atrai a atenção do receptor do discurso, possibilitando maior
entendimento acerca do que é apresentado.
Nesse sentido, pode-se que a percepção do mundo visível é altamente complexa e
que requer um estudo minucioso de seus componentes. A representação da imagem é
construída de forma cautelosa pelos sujeitos interagentes discursivos, pois cada
85
elemento constitutivo desse universo é criado no intuito de gerar sentidos específicos
e, ao mesmo tempo, múltiplos.
A imagem publicitária, por exemplo, não apresenta apenas, como objetivo, a venda
do produto, pois há algo que extrapola a simples comercialização da mercadoria.
Notamos que o que está exposto visualmente nos coloca frente ao universo dos desejos
simbolizados pelo que é compartilhado na sociedade. O conteúdo imagético, muitas
vezes, se sobrepõe ao conteúdo verbal, significando muito mais do que as palavras.
Na publicidade, quase não há anúncios sem figuração, visto a importância desse
tipo de linguagem para gerar o poder de convencimento sobre o outro. Os próprios
elementos textuais, muitas vezes, são constituídos de imagens para melhor fixação
pelos receptores da mensagem.
Segundo Neiva Junior (1986, p.69):
O objetivo da imagem publicitária seria simplesmente vender
um produto? Certamente seriam insensatos os volumosos
gastos de produção e veiculação de anúncios se não houvesse
retorno de capital, mas, ao mesmo tempo, a imagem
publicitária enuncia uma afirmação de natureza sociológica: a
publicidade ilustra algo mais do que um produto; torna
visíveis ideias tidas como consensuais pela coletividade; sua
eficácia dependerá do reconhecimento que receber. A
imagem publicitária é sustentada por uma forte mitologia que
nos é comum: assim, ser visível simplesmente exprime a
verdade das representações. O slogan oraliza máximas que a
coletividade vive piamente como verdadeiras.
O conteúdo imagético, que funciona como um elo entre o mundo dos objetos e o
mundo social, corrobora as representações sociais embutidas no discurso publicitário.
Desse modo, essa imagem simboliza uma anunciação de trocas econômicas e reflete,
como um espelho, o comportamento dos sujeitos e suas atuações na sociedade.
Podemos considerar as cores com uma das propriedades de suma importância para
o processo de construção de sentidos das imagens. Assim, formulamos ideias por
meios simbólicos referentes à tonalidade dos objetos imagéticos. Segundo Pastoureau
(1997, p.66):
86
A palavra cor tornou-se, em francês moderno, uma palavra
extremamente valorizadora. Isso não se passava nem no
francês antigo nem no francês médio, que a associavam
frequentemente à ideia de invólucro, de fardo, de disfarce, de
artifício e de embuste (etimologicamente, a palavra latina
color pode ser relacionada com a família do verbo celare, que
significa esconder). Hoje em dia, a palavra cor utiliza-se em
todos os contextos, designa múltiplos objetos, é “posta em
todos os pratos”. É uma palavra que, tal como aquilo que
designa, seduz, atrai, faz vender.
As cores simbolizam representações de mundo, por meio de processos cognitivos
instaurados no cérebro dos sujeitos. Podemos considerar a cor como um produto
cultural gerador de sentidos instaurados em nossa memória, tornando-se um artifício
de sedução e de convencimento sobre o outro. Imagens de colorido exuberante
apresentam uma força apelativa sobre o receptor, pois geram fascínio e chamam a
atenção pela beleza e pelo encanto de suas nuances.
Na cultura ocidental, por exemplo, a cor amarela é vista de diferentes formas,
como: cor da luz, do calor (cor das férias), da prosperidade, da riqueza (cor do ouro),
da alegria, da energia (cor das crianças), da doença (cor de enxofre, da acidez), da
loucura (associada ao verde), da mentira, da traição (cor de Judas), do declínio, da
melancolia e do outono. Segundo Guimarães (2000, p.29):
... o amarelo é a cor de maior luminosidade, enquanto o
violeta é a cor de menor luminosidade, ou seja, o amarelo é a
cor menos “bloqueada” e que, portanto, provoca maior
participação do receptor e também maior atenção. De todas
as cores, o amarelo é a de maior retenção mnemônica, ou
seja, de forma geral, é a cor que mais contribui para a fixação
da informação na nossa memória. Observe-se que o amarelo
assume, na sua simbologia contemporânea, a representação
da atenção e do alerta, sendo por isso usado nos códigos de
trânsito (dada também sua boa visibilidade de contraste
quando combinado com o preto) e até mesmo como cor dos
caracteres da escrita televisual, como cotações de moedas, da
bolsa de valores etc.
87
Notamos, então, a importância da cor amarela para a percepção da informação
luminosa, pois a transmissão de sentidos por meio de aspectos cromáticos se torna
mais eficaz à medida que a cor se fixa com mais intensidade no cérebro do sujeito.
O Dicionário das Cores, de Michel Pastoureau (1997), apresenta uma ampla visão
acerca da história e da antropologia das cores, que são averiguadas como
representação social, na sociedade ocidental contemporânea. Desse modo, nossa
pesquisa se baseará na significação das cores apresentada nesse dicionário e vista pela
cultura ocidental, sabendo-se que, no Oriente, as cores podem apresentar significações
diferentes.
A cor azul, preferida de mais de metade da população ocidental, é vista como a cor
do infinito, do longínquo, do sonho (cor do céu, do horizonte), da fidelidade, do amor,
da fé (cor da Virgem Maria), do frio, da frescura, da água (cor das geleiras), do mundo
real e aristocrático (cor do Manto de consagração), e, também, é considerada um
subpreto (cor de jeans, do azul marinho).
A cor branca é vista como a cor da pureza, da castidade, da virgindade, da
inocência (vestes eclesiásticas, das virgens), da higiene, da limpeza, do frio, do que é
estéril (cor da neve), da simplicidade, da discrição, da paz (cor da neutralidade), da
sabedoria, da velhice (cor dos velhos sábios, dos cabelos brancos), da aristocracia, da
monarquia (cor do rei, do colarinho branco), da ausência de cor (cor dos fantasmas, da
oposição entre preto/branco), do divino (cor dos anjos, do paraíso).
A cor preta é vista como a cor da morte (cor das trevas, do luto), do pecado, da
desonestidade (cor da sujeira, da poeira), da tristeza, da solidão, da melancolia (cor do
sombrio, das ideias negras), da renúncia, da religião (cor dos corvos), da elegância, da
modernidade (cor dos objetos de luxo, da gravata preta), da autoridade (cor das vestes
dos juízes).
A cor verde é vista como a cor do destino, da fortuna, do dinheiro, da esperança (
cor do dólar, dos panos de jogos de cartas), da natureza, da saúde (cor dos vegetais, da
clorofila, das cruzes verdes das farmácias, na França; enquanto na Itália, são
vermelhas), da juventude, da libertinagem (cor da transgressão), da permissão, da
liberdade (cor da autorização do semáforo), do estranho (cor dos marcianos), do ácido
(cor do veneno).
88
A cor vermelha é vista como a cor da beleza, a mais linda das cores (cor viva,
objeto de beleza), do signo, do sinal, da marca (cor dos preços de saldo, na
publicidade; da correção de provas), do perigo, da proibição (a luz vermelha dos
semáforos), do amor, do erotismo (cor das prostitutas, casa da luz vermelha), da
criatividade (cor que mexe e que atrai), da alegria, da infância (cor lúdica, dos
brinquedos vermelhos), do luxo, da festa (cor imperial), do sangue (A Cruz Vermelha,
cor do sangue de Cristo, da menstruação), do fogo (cor dos bombeiros, das chamas do
inferno), do materialismo (cor do comunismo).
Observa-se, como já dito, que os sentidos gerados por meio das cores estão ligados
aos aspectos culturais da sociedade. Há uma influência da cultura na percepção visual
das cores. Segundo Guimarães (2000, p.100):
Sabemos, por exemplo, que o preto é a cor do luto e da
tristeza na maioria das culturas ocidentais, enquanto na China
o luto se representa em branco. Nesse caso, a noção de cor é a
mesma, o preto como cor negativa e o branco como positiva;
o que modifica seu uso é a percepção da morte naquela
cultura, entendida como elevação espiritual, e do nascimento,
quase um castigo. Há também o caso dos esquimós, que tem
nomes diferentes para vários tons de branco, numa relação
muito mais forte do que a que temos com os diversos nomes
de verdes ...
Assim, cada cultura produz e analisa imagens cromáticas de acordo com suas
crenças, simbologias e conceitos acerca das coisas e do mundo. Podemos construir
argumentações atribuindo sentidos ao texto cromático, pois as cores nos ajudam a
compreender melhor o universo comunicativo. Há uma intencionalidade no uso de
cores com o objetivo de gerar sentidos, visto que os produtores dos discursos visuais
conhecem o potencial informativo desse tipo de texto cromático.A seguir, para melhor
entendimento acerca das cores e de seus sentidos, recorremos ao quadro referente às
cores, proposto por Santos (2013, p.79):
89
Simbologia das cores
90
(SANTOS, 2013, P.79)
(Quadro 7)
Percebemos, então, que a linguagem não verbal, por meio das imagens cromáticas
desempenha funções específicas direcionando o sentido das informações. Há uma
atribuição de significados construídos autonomamente pelas cores ou por integração
com outros recursos visuais, como formas, figuras, sons, entre outros. Assim, o
funcionamento da linguagem se estabelece com a utilização da cor, como recurso não
verbal, altamente significativo para o processo de formação de sentidos.
Importante considerar, também, para a construção do sentido o papel do não dito na
comunicação. É o que veremos no tópico a seguir.
91
2.7 Implícitos
O conteúdo textual apresenta uma base informativa em sua superfície, que
colabora para a geração de sentidos, porém a interpretação total de um texto não se faz
apenas com o que está posto, visto que a matéria implícita complementa o sentido e,
muitas vezes, é a responsável pela compreensão/interpretação da mensagem. O não
dito contém uma carga semântica de suma importância para o processo comunicativo,
sendo, inclusive, um dos fatores para a instauração da coerência textual.
O processo de produção e de compreensão/interpretação textual está ligado ao
estabelecimento da coerência do texto, a qual se manifesta por diversos fatores, como:
conhecimento e uso de elementos linguísticos, conhecimento de mundo e fatores
pragmáticos e interacionais. Esses fatores estão ligados a determinados princípios
norteadores da ação interpretativa, tornando-se o conjunto de mecanismos utilizados
para o processamento textual.
A interpretação de um texto, por meio de seus implícitos, está ligada ao fator de
textualidade da aceitabilidade, isto é, o texto precisa ser útil e relevante para o
leitor/ouvinte cooperar com os objetivos do produtor textual. Assim, construímos
sentidos por meio de relações textuais, cognitivas e interpessoais, interagindo com o
texto e com os possíveis participantes do processo comunicacional.
Há, então, uma relação entre locutor e interlocutor, por meio de um contrato de
cooperação. Vale ressaltar, nesse momento, um conceito bem interessante: o Princípio
da Cooperação ou Princípio Cooperativo, elaborado por H. Paul Grice, filósofo
inglês, que desenvolveu teorias sobre linguagem e comunicação. Segundo Grice apud
Monnerat;Viegas (2012, p.48), os sujeitos discursivos, no ato de comunicação,
efetuam esforços cooperativos, com o objetivo de tornarem a comunicação efetiva.
São estabelecidas normas conversacionais que devem ser respeitadas e que são
denominadas máximas conversacionais, isto é, estratégias criadas pelo emissor das
mensagens para alcançar a aceitabilidade do receptor. São elas: a máxima da
quantidade, a máxima da qualidade, a máxima da relação e a máxima de modo. A
seguir, apresenta-se um quadro explicativo sobre tais máximas.
92
Máximas conversacionais
(Quadro 8)
No ato comunicativo, o enunciador pode desrespeitar alguma ou algumas dessas
máximas, cabendo, então, ao leitor/ouvinte interpretar esse deslize linguístico do
sujeito locutor. Tal deslize é chamado por Grice de implicatura conversacional. Vale
ressaltar que essa infração conversacional é vista pelo receptor da mensagem como
algo intencional, realizada com algum propósito significativo. Com isso, muitos
implícitos podem ser observados, por meio da análise dessa implicatura
conversacional.
O conteúdo implícito (pressupostos e inferências) é tão importante para a
interpretação do sentido das mensagens quanto aquele que está explicitado na
superfície textual.
Segundo Platão e Fiorin (1998, p.244):
O subentendido difere do pressuposto num aspecto
importante: o pressuposto é um dado posto como indiscutível
para o falante e para o ouvinte, não é para ser contestado; o
subentendido é de responsabilidade do ouvinte, pois o
falante, ao subentender, esconde-se por trás do sentido literal
das palavras e pode dizer que não estava querendo dizer o
que o ouvinte depreendeu.
93
Os pressupostos, então, estão inscritos na língua, isto é, são determinados por meio
de elementos linguísticos encontrados no texto e são tidos como sentenças
verdadeiras; enquanto as inferências (ou subentendidos) são construídas por meio de
interpretações acerca do que está posto e são tidas como sentenças tanto falsas quanto
verdadeiras. Exemplo: “Maria escovou os dentes vagarosamente”. Podemos pressupor,
por meio do advérbio “vagarosamente”, que Maria levou um tempo para escovar os
dentes e podemos inferir ou subentender que Maria estava com algum problema
dentário e por isso escovou seus dentes com mais atenção e com mais cuidado
(podendo ser esse ou não o motivo).
No caso dos pressupostos, há vários vocábulos que têm o poder de promover a
pressuposição, como: verbos que indicam mudança, continuidade ou término.
Exemplo: “Pedro deixou de sair nos finais de semana para estudar” (pressuposto:
Pedro saía nos finais de semana); advérbios com sentido próprio. Exemplo:
“Felizmente, Maria perdeu alguns quilos” (pressuposto: o emissor achou boa a notícia
do emagrecimento de Maria); orações subordinadas adjetivas restritivas. Exemplo:
“Pessoas que dormem cedo acordam bem dispostas” (pressuposto: as pessoas que não
dormem cedo podem acordar indispostas); ou explicativas. Exemplo: “As mulheres,
que são sensíveis, choram com facilidade” (pressuposto: todas as mulheres são
sensíveis); entre outros.
Segundo Monnerat;Viegas (2012, p.204):
As marcas que introduzem os pressupostos são os
marcadores de pressuposição, isto é, indicadores linguísticos
que ativam pressupostos. São marcadores de pressuposição:
certos conectores circunstanciais (já que, desde que, visto que
etc.); verbos que indicam mudança ou permanência de estado
(continuar, começar a, tornar-se, permanecer, etc.); verbos
implicativos (conseguir etc.); expressões iterativas (de novo,
novamente etc.); verbos iterativos (repetir, recomeçar etc.);
expressões temporais (depois de, antes de etc.); certas
conjunções (mas, entretanto, a despeito de, apesar de, etc.);
orações adjetivas etc.
94
Há um preenchimento de lacunas (gaps), no mundo textual, que é realizado pelos
implícitos, na tentativa de elucidar problemas de continuidade de sentidos. No ato
comunicativo, portanto, o receptor da mensagem procura captar, por meio do que é
posto literalmente, o que se pretendia enunciar. A decodificação dos implícitos tem
como objetivo estabelecer relações entre ideias contidas no discurso para melhor
entendimento do texto. Assim, essas conexões funcionam como pontes de ligação
entre as partes constitutivas do discurso.
Nas inferências (ou subentendidos), elaboram-se ideias deduzidas, que apresentam
maior abstração. As inferências ocorrem na mente do leitor e são desenvolvidas no
momento ou no término da leitura do texto. Exemplos: “Está muito frio aqui dentro”
(inferências ou subentendido: o locutor quer que desligue o ar refrigerado); “A minha
mala está pesada” (inferência ou subentendido: o locutor quer a ajuda de alguém para
carregar sua mala) e “O suco está quente” (inferência ou subentendido: o locutor quer
que coloquem gelo em sua bebida).
Segundo Charaudeau (2012, p.44):
Quando definimos as circunstâncias do discurso, vimos que o
ato de linguagem, como evento de produção ou de
interpretação, depende “dos saberes supostos que circulam
entre os protagonistas da linguagem”. Estes saberes são
correlativos à dupla dimensão explícito/implícito do
fenômeno linguageiro.
Desse modo, percebemos uma junção entre os componentes explícitos/implícitos,
que gera a construção de sentidos sobre o discurso, visto que a informação se dará por
completo, caso o receptor considere tanto o que está posto quanto o que está nas
entrelinhas discursivas.
Dell’Isola (2001, p.44) conceitua inferência como
uma operação mental em que o leitor constrói novas
proposições a partir de outras já dadas. Não ocorre apenas
quando o leitor estabelece elos lexicais, organiza redes
conceituais no interior do texto, mas também quando o leitor
busca, extratexto, informações e conhecimentos adquiridos
pela experiência de vida, com os quais preenche os “vazios”
95
textuais. O leitor traz para o texto um universo individual que
interfere na sua leitura, uma vez que extrai inferências
determinadas por contextos psicológico, social, cultural,
situacional, dentre outros.
Os indícios, por conseguinte, levam-nos a inferir sobre determinados fatos, que
expressam possibilidades acerca do que é posto. Com isso, essas deduções pelo
raciocínio expressam opiniões sobre algo, por meio de considerações possíveis e
prováveis. Vale ressaltar que o grau de probabilidade das inferências (ou
subentendidos) varia com as circunstâncias.
As inferências atuam fortemente na construção do universo discursivo, por meio
do conhecimento de mundo e do conhecimento compartilhado entre os sujeitos
discursivos, visto que a informação nem sempre ocorre na superfície textual. Assim,
que parte da mensagem, em muitos casos, só pode ser decodificada por meio de
suposições justificadas que auxiliam o receptor da mensagem no processo de
construção dos sentidos.
Segundo Charolles (apud Koch e Travaglia, 2011, p.71), as inferências podem ser
classificadas em diferentes tipos: substanciais, inalienáveis ou necessárias, aquelas
que são obrigatoriamente feitas. Exemplo: “Maria tem uma BMW” (inferência: Maria
tem um carro); convidadas ou possíveis, aquelas que podem ou não ser feitas.
Exemplo: “Maria tem um carro” (inferência: Maria tem carteira de motorista);
contextuais, aquelas que variam de acordo com o contexto. Exemplo: “Você sabia que
a Maria está fazendo dieta?” (pode ser uma indireta para o receptor também fazer
dieta) e retroativas ou para trás, aquelas que são feitas a partir de algo dito
posteriormente. Exemplo: “Maria está acabada” (ela envelheceu - acabada = feia ou
ela dançou a noite inteira – acabada = cansada).
Segundo Koch e Travaglia (2011, p.73):
Sempre se podem fazer muitas inferências a partir de
elementos de um texto. Como limitar essas inferências apenas
às necessárias e/ou relevantes à interpretação autorizada pelo
texto e desejada pelo seu produtor? De acordo com Brown e
Yule (1983), um problema que se levanta para toda tentativa
de incorporar o conhecimento do mundo ao processo de
compreensão do texto é encontrar um meio de limitar a
96
incorporação de dados desse conhecimento ao estritamente
relevante, na interação.
Ao fazermos inferências, é preciso, portanto, cautela e cuidados para não extrapolar
o sentido do texto. Ainda, conforme os autores, devemos observar alguns meios para
limitar as inferências, tais como: o contexto linguístico (cotexto), o contexto
situacional, a cooperação retórica, a força ilocucionária do enunciado e a tarefa do
ouvinte e, por fim, a focalização textual.
Marcuschi (apud Dell’Isola ,2001, p.78) propôs a classificação das inferências em
três grupos: as inferências lógicas, as inferências analógico-semânticas e as
inferências pragmático-culturais.
As inferências lógicas são aquelas feitas em situações do cotidiano e são divididas
em: inferência dedutiva, que é elaborada por meio de enunciados mais gerais,
validando a ideia exposta, isto é, se a premissa e o raciocínio forem verdadeiros, a
conclusão nunca poderá ser falsa. Exemplo: A lei assegura o direito da criança a
estudar. Paulo tem oito anos. Portanto, Paulo tem direito ao estudo; inferência
indutiva, que apresenta uma conclusão compatível com a premissa, em virtude de
certos conteúdos relacionados a pontos de vista quantitativos. Vale ressaltar, que nesse
caso, as premissas podem não sustentar a conclusão. Exemplo: Muitos prefeitos são
ladrões. Paulo é prefeito (Paulo é ladrão – podendo não ser); e a inferência
condicional, que é gerada de enunciados hipotéticos. Exemplo: Ao abrir a geladeira, a
luz interna se acenderá. A luz não acendeu, logo deve estar queimada.
As inferências análogo-semânticas são aquelas que abrangem um grande número
de ocorrências, sendo divididas em: inferência por identificação referencial, que
especifica os antecedentes, como pronomes, ações ou eventos. Exemplo: Carlos
comprou um livro. Ele esteve no shopping hoje; inferência por generalização, que é
construída por meio de generalizações de propriedades, de características ou de
qualidades, podendo conduzir a erros. Exemplo: Conheço três atrizes que são muito
doidas. Portanto, as atrizes são doidas; inferência por associação, que acontece
quando o sujeito relaciona um fato a outro. Exemplo: Maria está apaixonada e deixou
os estudos. A paixão afasta os estudos; inferência por analogia, que ocorre pela
presença de um pressuposto de caráter hipotético, que torna a conclusão apenas
97
provável ou verossímil. Exemplo: Experimentos em macacos para cura de alguma
doença humana causam efeitos colaterais. O leitor/ouvinte por analogia (entre a
fisiologia de homens e macacos) acredita que os humanos também terão efeitos
colaterais; inferência por composição e decomposição, que é gerada das partes do
discurso para a sua totalidade (composição) ou do todo para as partes (decomposição).
Exemplo: A mãe vestiu o bebê (vestiu as roupas no bebê). A mãe colocou as roupas no
bebê (vestiu).
As inferências pragmático-culturais são aquelas construídas por meio de
conhecimentos pessoais, de crenças e de ideologias dos sujeitos e são divididas em:
inferência conversacional, que ocorre nas manifestações orais. Exemplo: as
entonações, a postura, os gestos, o olhar, entre outros; inferência experiencial, que
ocorre por meio da experiência do sujeito. Exemplo: A polícia chegou. Do ponto de
vista de minha experiência, eu concluo que algo aconteceu, pois a polícia é
responsável pela segurança pública; inferência avaliativa, que é construída por meio
de julgamentos formados pelas crenças, valores e conhecimento de mundo do receptor
do texto. Exemplo: a nudez, que pode ser vista de diferentes formas pelos indivíduos,
como algo natural ou como algo imoral, e por fim, inferência cognitivo-cultural, que é
aquela marcada pela interferência cultural do indivíduo, isto é, pela maneira de viver e
de ver a vida. Exemplo: cada pessoa constrói um sentido sobre o tema religião.
Para melhor visualização do desmembramento de cada grupo, mostraremos a seguir
o quadro referente ao Esquema Geral das Inferências:
98
Esquema geral das inferências
(Quadro 9)
Nesse sentido, é possível perceber o universo de possibilidades acerca da
construção das inferências como informações semânticas não explicitamente
estabelecidas no texto, desde que em um contexto de discurso estabelecido. Assim, o
contexto é de suma importância para a extração das inferências. Dell’Isola (2001,
p.91) considera cinco tipos de contexto para promover uma boa interação entre os
sujeitos discursivos. São os contextos cultural, situacional, instrumental, verbal e
pessoal.
O contexto cultural é formado por convenções culturais, que influenciam o
conhecimento acerca do mundo e das coisas e, consequentemente, inferências
diferentes são produzidas de acordo com essas convenções; o contexto situacional é
formado por circunstâncias que cercam o texto, como instruções, objetivos da leitura e
ilustrações; o contexto instrumental está ligado às formas pelas quais o texto pode ser
recebido pelo sujeito, como a leitura e a audição, que representam dois veículos
distintos de captação textual; o contexto verbal, representado pelo conteúdo linguístico
discursivo, apresenta propriedades linguísticas particulares, tais como: referência
pronominal, vinculação léxica e marcadores discursivos, entre outros; e por fim, o
99
contexto pessoal, responsável por conhecimento, por atitudes e por fatores emocionais
do leitor/ouvinte.
Os conteúdos implícitos são importantes na “economia da comunicação”, evitando
a veiculação de informações desnecessárias. Quando tentamos desvendar os segredos
do texto por meio dos implícitos, procuramos estabelecer hipóteses que precisam ser
justificadas, pois o leitor precisa colocar em prática uma experiência imaginária para
construir sentidos sobre o não dito. A descrição semântica pelo que não está posto
baseia-se em uma hipótese formulada por conhecimentos de mundo e,
consequentemente, pela bagagem cultural construída pelo sujeito ao longo de sua vida.
Com relação aos subentendidos, segundo Garcia (2006, p.303):
... há inferências extremamente prováveis e inferências
extremamente improváveis (...) É o maior ou menor grau de
probabilidade que condiciona o nosso comportamento diário
e o nosso juízo em face das coisas e pessoas. Se o céu está
carregado de nuvens densas que obscurecem o sol, é provável
que chova; levo o guarda-chuva. Se o professor, durante
anos, nunca faltou a uma aula, deixou de comparecer hoje, é
provável que esteja doente, vamos visitá-lo ao telefonar-lhe
(...) Não obstante: pode não chover, o professor pode estar
viajando...
Percebemos, com isso, que o comportamento sobre determinados indícios é
realizado por meio de inferências, e não por fatos ponderáveis e mensuráveis. Os
indícios são argumentos persuasivos do discurso, sem apresentar um grau de certeza
sobre o que pode ser deduzido. De qualquer forma, a interpretação semântica dos
elementos implícitos torna-se fundamental para o processo de formação de sentidos,
pois sabemos que nem tudo está marcado linguisticamente.
O leitor/ouvinte, ao decodificar os implícitos, deve notar que o sentido construído
por meio de seus saberes decorre de uma multiplicidade de fatores, que colaboram
para o bom entendimento do texto, tais como saberes linguísticos, discursivos,
cognitivos, culturais e interacionais.
Os elementos linguísticos encontrados na superfície textual, por exemplo, atuam
como pistas para a elaboração dos pressupostos, colaborando para a construção de
100
sentidos e para a ativação cognitiva das informações armazenadas na memória. O
modo de organização dos elementos linguísticos e sua estruturação sintática e lexical
permitem ao leitor/ouvinte captar a orientação argumentativa do texto, possibilitando
detectar os possíveis implícitos, por meio da base textual.
A intimidade com as letras e a abrangência de conhecimentos acerca dos diversos
escritos e dos falares também auxiliam o receptor da mensagem a entender e a
interpretar com mais facilidade o texto. Quanto maior o conhecimento do léxico e o
entendimento sobre as diversas situações de uso da língua, maior será a capacidade de
percepção dos implícitos textuais. O leitor/ouvinte precisa entender a necessidade de
tornar-se, segundo Bechara (1999, p.38), um “poliglota da própria língua”, isto é, de
saber utilizar o seu discurso de acordo com o contexto e com a situacionalidade.
Essa percepção de se colocar diante das diversas situações comunicativas faz parte
do conhecimento de mundo adquirido pelo sujeito, com base em suas experiências de
vida. A vivência cultural, discursiva e emocional faz parte desse processo de
interpretação textual, colaborando, também, para o indivíduo detectar os implícitos no
texto. Assim, armazenamos tais conhecimentos em blocos, que se denominam
modelos cognitivos. Segundo Koch e Travaglia (2009, p.72):
Existem diversos tipos de modelos cognitivos, entre os
quais podemos citar: a) os frames- conjuntos de
conhecimentos armazenados na memória sob um certo
“rótulo”, sem que haja qualquer ordenação entre eles; ex.:
Carnaval (confete, serpentina, desfile, escola de samba,
fantasia, baile, mulatas, etc.), Natal, viagem de turismo; b) os
esquemas- conjuntos de conhecimentos armazenados em
sequência temporal ou causal; ex.: como pôr um aparelho em
funcionamento, um dia na vida de um cidadão comum; c) os
planos- conjunto de conhecimentos sobre como agir para
atingir determinado objetivo; por exemplo, como vencer uma
partida de xadrez; d) os scripts- conjuntos de conhecimentos
sobre modos de agir altamente estereotipados em dada
cultura, inclusive em termos de linguagem; por exemplo, os
rituais religiosos (batismo, casamento, missa), as fórmulas de
cortesia, as praxes jurídicas; e) as superestruturas ou
esquemas textuais- conjunto de conhecimentos sobre os
diversos tipos de textos, que vão sendo adquiridos à
proporção que temos contato com esses tipos e fazemos
comparações entre eles.
101
Desse modo, o leitor/ouvinte constrói sentidos, por meio de informações captadas
em suas experiências, na tentativa de construir determinadas possibilidades
interpretativas. Com isso, produtor e leitor/ouvinte participam ativamente do processo
de criação textual, visto que, ao decifrar implícitos tanto por meio de pressupostos
quanto por meio de inferências (ou subentendidos), ambos se tornam sujeitos
participantes do universo linguístico textual.
102
3. METODOLOGIA
Apresentaremos os métodos e os procedimentos adotados para o desenvolvimento
da pesquisa. Consideramos de suma importância que as técnicas empregadas sejam
descritas detalhadamente, para que os dados coletados, durante a análise do corpus,
sejam qualificados adequadamente.
3.1 Constituição do corpus
O corpus da pesquisa é composto por doze embalagens de dentifrícios, sendo
analisadas seis embalagens antigas, entre as décadas de 1920 e 1970, retiradas do site
https://www.google.com.br/search?q=imagens+antigas+de+cremes+dentais+infantis,
acessado no dia 06 de junho de 2013 e seis embalagens atuais, entre 2013 e 2014 (três
destinadas às meninas e três destinadas aos meninos), retiradas do site
https://www.google.com.br/search?q=imagens+de+cremes+dentais+infantis, acessado,
também, no dia 06 de junho de 2013 . O espaço temporal foi estipulado de acordo com
a necessidade de observarmos as diferenças constitutivas das embalagens em épocas
distintas.
3.2 Procedimentos de análise
Analisaremos as imagens contidas nas embalagens dos dentifrícios de acordo com
a teoria Semiolinguística, cujas representações discursivas extrapolam a estrutura da
língua. Observamos os papéis sociais dos sujeitos interagentes do discurso,
evidenciando os contornos da linguagem, marcados por posições extralinguísticas.
A análise está voltada para o sistema semiológico imagético, criado por um sujeito
intencional que visa o uso estratégico da língua. Os conteúdos não verbais encontrados
na publicidade serão analisados, observando: posição dos elementos, cor, brilho e foco
das imagens, intencionalidade, aspectos explícitos e implícitos. Os textos verbais
103
também serão analisados, sendo observados: tamanho da fonte, posicionamento, cor e
forma das letras e intenções.
A publicidade deve ser analisada na sua totalidade, isto é, tanto a parte verbal
quanto a não verbal devem ser investigadas como um todo significativo. Vale ressaltar
que a imagem não apresenta apenas uma configuração, pois além da reprodução do
real, puramente denotativa, há outra simbólica, altamente conotativa.
Devemos, também, ao analisar um corpus na publicidade, observar todos os
aspectos referentes ao produto, tanto explícitos quanto implícitos, pois o conjunto
dessas informações contribuirá para a formulação dos sentidos pretendidos pelo sujeito
anunciante.
As embalagens de dentifrícios para crianças serão avaliadas de acordo com vários
aspectos da Teoria Semiolinguística, tais como o ato de linguagem, o contrato de
comunicação, os sujeitos de linguagem, a identidade social/identidade discursiva e a
semiotização do mundo. Investigaremos, também, o ethos, as representações sociais,
os imaginários sociais, as ideologias, as relações internas e externas do texto, a
linguagem verbal e não verbal da publicidade e a presença dos implícitos.
A seguir, os quadros que “mapearam” processo de análise do corpus.
104
Ato de linguagem 2
(Quadro 10)
105
Contrato de comunicação
(Quadro 11)
106
Sujeitos do ato de linguagem
(Quadro 12)
107
Identidade social/discursiva
(Quadro 13)
108
Semiotização do mundo
(Quadro 14)
109
Ethos
(Quadro 15)
110
Representações sociais
(Quadro 16)
111
Imaginários sociais
(Quadro 17)
112
Ideologias
(Quadro 18)
113
Texto (relações internas/externas)
(Quadro 19)
114
Publicidade – linguagem verbal
(Quadro 20)
115
Publicidade – linguagem não verbal
(Quadro 21)
116
Implícitos
(Quadro 22)
117
4.ANÁLISE DO CORPUS
Após a fundamentação teórica da pesquisa, iniciaremos a análise das embalagens
de dentifrícios para crianças.
ANÁLISE 1
- Embalagem atual
- Ano de veiculação: 2013/2014
- Marca: Ultra Action Kids
- Tema: As princesas (Cinderela, Branca de Neve e Ariel)
A embalagem com a imagem das princesas Cinderela, Branca de Neve e Ariel
simboliza um ato de linguagem envolto por representações linguageiras que constroem
118
significados supostamente inocentes acerca do universo infantil feminino. Notamos
que há uma intencionalidade do sujeito publicista em construir um universo feminino
com base nas feições e no comportamento singelo e afetivo das personagens, que
fazem parte dos sonhos e dos desejos das meninas.
Tudo o que está exposto na superfície da embalagem parece apenas enaltecer a
questão do belo, por meio de uma mise-en-scène construída com base no que é aceito e
valorizado pela sociedade, como aspectos ligados ao tipo físico, ao modo de vestir e de
se comportar diante do mundo e da sociedade. Percebemos, pois, que o sentido da
mensagem extrapola o que está posto e que o sujeito intencional deseja, por meio
dessa embalagem, seduzir, convencer e, até mesmo, persuadir o futuro consumidor a
adquirir o produto, sabendo que o apelo afetivo sobre as personagens Cinderela,
Branca de Neve e Ariel é extremamente forte e atraente.
As máscaras discursivas construídas por meio das princesas e do que elas
representam na mente das meninas exteriorizam e refletem o que socialmente é
partilhado. Fragilidade, delicadeza e feminilidade estão instauradas nas entrelinhas
textuais, complementando, por meio dos implícitos, essa mensagem publicitária.
O contrato de comunicação, então, é firmado entre os parceiros do discurso, visto a
relação construída entre aquele que oferece o produto e aquele que pretende consumi-
lo. Para que o contrato de comunicação alcance êxito, três componentes precisam ser
devidamente averiguados. São eles: o componente comunicacional, o componente
psicossocial e o componente intencional.
O componente comunicacional dependerá do contexto no qual os sujeitos estarão
inseridos e, consequentemente, de como eles entraram em contato com as embalagens,
como por meio de revistas, de outdoors, de contato direto em supermercados, entre
outros. Assim, o canal que faz a ligação entre os sujeitos desse ato de comunicação se
estabelecerá.
O componente psicossocial dependerá de como o consumidor dos dentifrícios se
relacionará com o produto. Em relação a essa mercadoria, cuja embalagem é
fortemente fator determinante para sua aquisição, o sujeito, no caso a menina ou a sua
mãe (visto que as mulheres são as consumidoras mais assíduas dos produtos de
higiene pessoal) deverão criar um laço de identificação com as princesas, para que a
119
compra se efetue. Pensemos, por exemplo, na hipótese de um menino se identificar
com o mundo das princesas e queira consumir produtos com esse tema. Será que a
mãe o estimularia a consumi-los? Pouco provável.
O componente intencional está ligado ao apelo que o sujeito anunciante faz para
conseguir a permanência dos que já adquirem o dentifrício e, também, para conseguir
a adesão daqueles que ainda não o utilizam. Desse modo, a embalagem, ao retratar
imagens de três princesas de épocas distintas, já que a Branca de Neve e a Cinderela
existem há mais tempo do que a Ariel, englobará uma parcela maior de possibilidade
de adesões.
Vale ressaltar que os sujeitos envolvidos nessa relação contratual participam de um
duplo circuito: externo e interno. O circuito externo, isto é, aquele composto por
parceiros exteriores ao discurso, compreende seres reais, com identidade psicossocial
(seres do fazer, da ação). Tais sujeitos são representados por um EU comunicante e
por um TU interpretante, enquanto o circuito interno, ou seja, aquele composto por
protagonistas pertencentes ao discurso, compreende seres do imaginário, da palavra
(seres do dizer, da fala). Tais sujeitos são representados por um EU enunciador e por
um TU destinatário.
Nas embalagens de dentifrícios para crianças, o EU comunicante é representado
pelo publicista, responsável pela produção do evento comunicativo, que se dirige a um
TU destinatário, que é o consumidor idealizado, ou seja, aquele que o EU acredita ser
adequado ao seu propósito comunicativo. Já o TU interpretante, responsável pelo
processo de interpretação, constrói uma imagem do EU locutor, que por sua vez, acaba
descobrindo-se um outro ser (EU enunciador).
Assim, fica estabelecida a relação sociointerativa entre os sujeitos do discurso,
resultando na construção de identidades que fortalecem a imagem do sujeito
linguageiro. A identidade social criada pelo publicista, por meio da imagem das
princesas Cinderela, Branca de Neve e Ariel está ligada ao que é esperado pela
coletividade. Desse modo, o público-alvo (as meninas e suas mães) se sentirá atraído
pela representatividade das princesas, como mulheres de caráter, íntegras e de moral
inabalável.
120
Consumir o dentifrício, que apresenta as princesas em sua embalagem, é colocar a
menina no mesmo patamar dessas representantes do bem, pois o que é atribuído
socialmente às mulheres está intrinsecamente ligado ao universo da pureza, da
sobriedade e da postura perante a vida. Estar em contato diário com a imagem das
princesas, por meio do dentifrício, significa corroborar os traços psicossociais do
gênero feminino.
Há uma influência sobre o gênero feminino ligada à legitimidade imposta pela
figura das princesas, pois elas representam saberes reconhecidos institucionalmente,
como mulheres delicadas, frágeis e que precisam de um príncipe encantado para fazê-
las felizes. A mãe, ao adquirir o dentifrício com a embalagem das princesas, está
legitimando a si e à própria filha, por meio de valores e de significados construídos no
mundo.
O publicista, ao criar as embalagens com a imagem das princesas, está se
posicionando no aqui e no agora, por meio de suas crenças e de seus valores acerca do
mundo e das coisas. Assim, a sua identidade fica registrada no ato de comunicação,
configurando intenções e finalidades discursivas.
Outro fator relevante na construção das representações linguageiras é a questão da
identidade discursiva, que necessita de estratégias de credibilidade e de captação.
Quanto à credibilidade, o publicista tem o objetivo de criar um produto que atraia o
consumidor e que o faça adquiri-lo constantemente. Construir uma embalagem que
leve o outro a mergulhar no mundo dos sonhos e a compartilhar de tal universo pode
representar a possibilidade de ser acreditado e de ganhar a confiança do consumidor,
por meio de uma suposta sinceridade, que cative o outro.
É como se o publicista dissesse: “Olha, eu gosto tanto das princesas quanto você.
Que tal comprar meu produto para ficar mais perto delas?” Desse modo, o publicista
defende uma imagem de si, na tentativa de ganhar credibilidade perante o público
alvo. Com isso, percebemos uma atitude de engajamento, visto a posição que o sujeito
toma acerca da imagem veiculada na embalagem.
Nas estratégias de captação, o publicista planeja táticas para promover a adesão aos
seus dizeres. A imagem das princesas é compartilhada e aceita entre as meninas, que
fantasiam um mundo encantado cor de rosa composto por príncipes, castelos e
121
carruagens. O publicista, por meio do universo dos sonhos e da sedução contido nas
embalagens de dentifrícios para crianças, cria a possibilidade do “fazer crer”,
resultando em um “dever crer”. Há uma tentativa de convencimento sobre o público
alvo, por meio de uma atitude de sedução, que traz o outro para si e,
consequentemente, para a concretização do seu objetivo, que é a aquisição e o uso
constante do produto.
Percebemos, então, que essas estratégias funcionam com o objetivo de criar adesão
ao que é posto. Desse modo, torna-se necessário o compartilhamento de ideias para
que o ato comunicativo se concretize. A construção de sentidos de uma mensagem é
elaborada a partir de um mundo a significar, que se transforma em um mundo
significado.
Na embalagem analisada, percebemos esse processo de transformação, por
exemplo, na forte presença da identidade descritiva, isto é, dos adjetivos. Ao qualificar
o flúor como “morango mágico”, o publicista cria um universo lúdico e encantado
sobre um componente do dentifrício, que teoricamente não atrairia nenhuma criança
(qualificação). Notamos, também, a presença da identidade nominal, ou seja, da
identificação pelo uso de substantivos, como a logomarca “Disney”, que impõe uma
credibilidade àquilo que está sendo representado (identificação). Assim, a maneira de
se pensar o mundo fica registrada na embalagem do produto.
O sentido também se estabelece pela relação criada entre o receptor e o mundo
significado. Nesse processo de transação, por exemplo, o publicista precisa conhecer o
público alvo para saber de que maneira ele irá encenar o discurso para promover a
interação. Desse modo, no caso dos dentifrícios, a mensagem deve despertar nas
meninas uma condição de legitimidade. É preciso que a presença da Cinderela, da
Branca de Neve e da Ariel, na embalagem, seja justificada para que as meninas
estabeleçam essa troca comunicativa (princípio da alteridade).
O processo de transação também envolve outro aspecto: o publicista utiliza a
imagem das princesas para capturar o público alvo, pois há uma finalidade intencional
nessa relação. Há uma tentativa incessante de buscar uma adesão sedutora, que
aproxime as meninas da figura das princesas, como um atrativo para o consumo do
dentifrício (princípio da influência).
122
Notamos, pois, que a imagem criada pelo publicista reflete o seu modo de pensar o
mundo. Com isso, ele cria uma imagem de si no discurso. Ao escolher as princesas
Cinderela, Branca de Neve e Ariel como representantes legítimas da embalagem do
dentifrício, define-se o caráter do publicista, na tentativa de construir uma
credibilidade acerca daquilo que está veiculando. Percebemos, novamente, uma
intencionalidade persuasiva sobre o público alvo. O mundo encantado e dos sonhos
torna o anunciante digno de confiança, na procura de envolver as meninas, por meio
de suas virtudes morais.
A escolha das princesas para representar a figura do ethos não foi aleatória, visto o
investimento nesse tema, garantindo o sucesso do empreendimento discursivo. Para
isso, o publicista elabora as embalagens de dentifrícios para crianças pesquisando
minuciosamente temas que possam seduzir e envolver o público alvo, como o das
princesas, que possuem um forte apelo afetivo. Assim, entra em cena o termo inventio,
que diz respeito à própria criação. A escolha das personagens, das cores, do léxico,
enfim, toda a elaboração da imagem verbal e não verbal faz parte da criação da
embalagem, como suporte para o discurso.
A inventio deve vir acompanhada pelo modo de encadeamento das partes do
discurso (dispositivo), como, por exemplo, a construção de sentidos entre a parte
verbal e não verbal. As princesas nos remetem a um mundo infantil de sonhos e de
fantasias, logo, o texto escrito deve conter elementos simbólicos que também façam
essas associações. A própria escolha da marca do dentifrício Ultra Action Kids , que
tem o termo Action escrito na cor rosa, remete a algo para meninas. No momento em
que o publicista cria essa estrutura sobre a embalagem dos dentifrícios e a coloca em
prática, isto é, verbaliza o seu pensamento, na tentativa de convencer o público alvo
(elocutio), completa-se a forma de construção do ethos, por meio da máscara
discursiva elaborada no discurso.
Essa construção do ethos está ligada ao modo simples e franco do publicista expor
suas ideias (aretê). Ao registrar, na embalagem, que o produto apresenta baixa
abrasividade (mesmo que isso seja exposto em letras pequenas e que possa vir a ser
uma obrigatoriedade do Ministério da saúde), cria-se uma imagem de credibilidade,
demonstrando sinceridade e honestidade.
123
Outra questão de suma importância para a publicidade é a noção de pathos, isto é, a
tentativa de provocar sentimentos no outro. A escolha de três princesas, ao invés de
uma, aumenta a possibilidade de atingir o estado emocional do público alvo. Assim, a
menina que se encanta pela Branca de Neve, mesmo que não conheça a Cinderela ou a
Ariel, será afetada emocionalmente, empolgando-se para adquirir o produto. O
publicista, com isso, demonstra simpatia e interesse pelo público alvo (eunoia),
aumentando as possibilidades de adesão aos seus dizeres.
A publicidade precisa conter uma argumentação lógica da mensagem (logos). Ao
inserir a expressão gel dental com flúor ativo, na embalagem, ele está validando e
reforçando o efeito que o flúor provoca nos elementos dentários, após o seu uso.
Utilizar o termo ativo nessa expressão fortalece o dito de forma clara e compreensível.
Desse modo, o publicista se apresenta como um sujeito sensato, prudente e com uma
sabedoria prática (phrônesis).
Há, portanto, um posicionamento do publicista, por meio de um viés
argumentativo. Assim, ele cria a embalagem de dentifrício para crianças, a partir do
que pensa do mundo e das coisas que o cercam. O universo das princesas está
instaurado em sua mente como algo exclusivo das meninas, pois esse conhecimento é
partilhado socialmente entre os indivíduos. Ele utiliza o suporte como significação da
realidade, por meio de representações simbólicas, formadas por crenças sociais
partilhadas pela coletividade.
Há uma tentativa de explicar o mundo, por meio de julgamentos subjetivos e juízo
de crenças, posicionando o sujeito em relação ao mundo (saberes de crença). O
publicista elaborou a embalagem com a imagem das princesas, por meio de saberes de
opinião mais ligados ao plano social do que ao plano pessoal, pois sua preocupação
maior é atingir o outro, por meio de compartilhamento de ideias circulantes
socialmente.
Associar a imagem das princesas ao universo feminino transforma valores afetivos
em ideias cristalizadas, por meio de construções preestabelecidas. Desde cedo, os pais,
por questões sociais, constroem uma visão de mundo com valores e com imaginários
partilhados. A publicidade, então, segue essa linha, por meio da memória dos
discursos, que está ligada à construção de crenças e de valores acerca do mundo.
124
Reconhecer que a imagem das princesas causa uma aceitabilidade por parte dos
pais e uma simpatia por parte das meninas faz o publicista investir no tema, pois as
condições psicossociais de comunicação (memória das situações) e as maneiras de
dizer o discurso (memória das formas) contribuem fortemente para o poder de
convencimento sobre o público alvo, como, por exemplo, o modo como as princesas
estão vestidas, maquiadas, ou ainda, a definição do sabor do flúor com a expressão
morango mágico. Assim, podemos perceber a forte relação entre a publicidade e os
imaginários sociais, que são construídos por meio de significações identitárias de um
grupo social.
O publicista, ao corroborar a ideia das princesas no imaginário social das meninas,
estará colaborando para a identificação dessas personagens como representações
coletivas cristalizadas, já que remetem a construções preconcebidas, por meio de seus
efeitos sociais. Desse modo, essa imagem fica representada por um modelo simbólico,
resultante de julgamentos ou falsas generalizações. Acreditar que só as meninas
podem se encantar com o universo das princesas, ou que só as meninas podem gostar
da cor rosa é estereotipar um grupo social, fortalecendo o preconceito e as ideias
compartilhadas socialmente.
A embalagem de dentifrício com a imagem de Cinderela, Branca de Neve e Ariel
constrói uma visão totalmente estereotipada da mulher, pois a imagem das princesas
remete à de mulher frágil, submissa e que precisa de um príncipe encantado para o
alcance da felicidade. Percebemos, ainda, na embalagem com o tema princesas, a
presença do clichê, que é visto como uma expressão cristalizada, repetida sempre da
mesma forma. A expressão baixa abrasividade está, na maioria das vezes, presente
nos suportes de dentifrícios. Assim, convencionou-se que o aviso do possível desgaste
que o dentifrício pode causar no elemento dentário é representado por essa expressão.
A imagem das princesas também pode representar símbolos de padrão do
inconsciente coletivo, isto é, os arquétipos, pois pode ser associada à imagem da
mulher bela, pura, ingênua, meiga e carinhosa. Desse modo, a mulher é vista como um
modelo padrão de comportamento e de conduta perante a sociedade.
Percebemos, então, que os sentidos de uma mensagem se completam a partir do
momento em que estabelecemos relações tanto entre os elementos internos (relações
cotextuais) quanto entre os elementos internos e o contexto (relações contextuais).
125
Notamos que a imagem das princesas (linguagem não verbal) está em sintonia com o
que é posto linguisticamente (linguagem verbal). Por se tratar de um produto voltado
para crianças, normalmente, são escolhidos termos que seduzem e que chamam a
atenção, como a expressão morango mágico, criada para definir o sabor do flúor. Há
uma harmonia, inclusive, entre as princesas, no que diz respeito ao posicionamento na
embalagem: os elementos internos apresentam uma sintonia semântica (relações
cotextuais).
Nas relações contextuais, as princesas, por serem belas e maravilhosas, representam
com maestria os dentifrícios para meninas, pois a utilização contínua dos cremes
dentais, além de saudável, também contribui esteticamente para a boa aparência do
indivíduo. Essas relações que envolvem a situacionalidade (relações contextuais) são
de suma importância para que se tenha uma visão do momento histórico e social de
uma comunidade. O publicista, ao colocar a imagem das princesas no suporte de
dentifrícios para meninas, indica a visão de mundo que se tem e que parâmetros de
comportamento estão sendo validados no aqui e no agora.
Percebemos, pois, que o publicista utiliza todos esses artifícios, no intuito de
convencer o público alvo a aderir ao produto. As princesas representam um mundo
perfeito e ideal, onde os sonhos e as fantasias se concretizam. A linguagem da
publicidade age, na maioria das vezes, no plano conotativo, como na expressão
morango mágico, citada anteriormente. Notamos que o adjetivo mágico não se refere,
apenas, ao morango (sabor do flúor), e sim ao contexto publicitário, que envolve as
princesas, o feitiço, o encanto, a sedução, a afetividade, a felicidade e, por fim, a
interação que a linguagem publicitária almeja alcançar.
Percebemos, ainda, na parte verbal da embalagem, que a escrita da marca do
produto Ultra Action Kids apresenta dois destaques: o primeiro é o termo Action com
letras maiores, caracterizando a função do produto, que é agir, eficazmente, sobre os
elementos dentários. O segundo destaque é o termo Kids , escrito com letras menores,
direcionando o produto para o público alvo desejado, isto é, as crianças.
Outra tática empregada na publicidade é a tentativa de não transmitir ao público
informações que possam denegrir a imagem do produto. Assim, a informação Baixa
Abrasividade está posta com letras pequenas, pois o sujeito anunciante acredita que,
mesmo a abrasividade sendo baixa, pode levar o consumidor a acreditar que o produto
126
irá danificar o esmalte do elemento dentário. Sabemos, contudo, por estudos recentes,
que o esmalte dos elementos dentários sofrerá desgaste devido à ação dos dentifrícios
se estes apresentarem alta abrasividade associada à interação com as cerdas da escova
e à força extrema aplicada durante a escovação.
A linguagem não verbal da embalagem é altamente significativa, pois a
publicidade, cada vem mais, recorre a esse tipo de expressão para veicular suas
mensagens. As princesas estão posicionadas em semicírculo e a posição dos rostos e
dos corpos denotam feminilidade e leveza de movimentos. Notamos, também, que a
Branca de Neve está na posição central, entre as outras duas, provavelmente, por ser a
que está mais tempo no imaginário popular, e, daí o destaque. A logomarca da Disney
e a indicação do sabor estão posicionadas em um ponto que corta uma parte da
imagem de Ariel, a mais nova na memória do público, e talvez, por isso mesmo, tenha
parte de sua imagem afetada.
O plano de fundo apresenta um sombreado em forma de castelo, que completa o
cenário desse conteúdo imagético. Os vestidos e os acessórios, como tiaras, brincos,
presilha e gargantilha são os mesmos usados em outros gêneros textuais, como filmes
e desenhos. As princesas usam maquiagem, como batons e blushes e possuem cabelos
com colorações diferentes entre si, como loiro, negro e rosa. Enfim, uma infinidade de
possibilidades de comercialização de produtos pode ser criada a partir das imagens
construídas pelas personagens.
Um dos principais artifícios utilizados pela publicidade, no que diz respeito à
linguagem não verbal, é a questão das cores. Percebemos a predominância do rosa, cor
que para muitos está ligada ao gênero feminino. O publicista, então, por um
compartilhamento de ideias, utilizou essa cor para atrair a atenção das meninas. Mais
uma vez, a questão dos estereótipos entra em cena, fortalecendo representações sociais
partilhadas culturalmente. O rosa pode significar romantismo, ternura, ingenuidade,
beleza, suavidade, pureza, fragilidade e delicadeza, sendo a cor das emoções, dos
afetos, da compreensão, do companheirismo e do romance. Os vestidos da Cinderela e
da Ariel são de cor azul, que pode significar sonho, calma, amor fiel e pureza. O termo
Kids da marca Ultra Action Kids está com a cor amarela, em destaque, o que pode
significar prosperidade, riqueza e alegria. Enfim, devemos considerar, na publicidade,
127
as cores como símbolos de representações de mundo, tornando-se um artifício de
adesão ao que é posto.
Assim, construímos sentidos, por meio de representações simbólicas e cognitivas,
pois nem tudo está explicitado na superfície textual. Na embalagem das princesas, por
exemplo, podemos criar inferências (ou subentendidos) acerca do que está posto. Vale
ressaltar, que as inferências são aquelas construídas na mente do receptor,
correspondendo, ou não, à realidade. O publicista, ao utilizar a expressão morango
mágico para nomear o sabor do flúor, pode ter empregado o termo mágico para
mostrar às crianças que esse flúor não causa enjoo ou vômitos, visto o número de
casos com tal ocorrência. Outra inferência: a Cinderela, a Branca de Neve e a Ariel,
possivelmente, foram escolhidas como representantes das princesas, por serem, talvez,
as mais conhecidas e queridas entre as meninas. Vale ressaltar que as duas inferências
citadas são denominadas inferências convidadas ou possíveis, isto é, aquelas que
podem ou não ser feitas.
Com isso, notamos que a construção e o entendimento do universo discursivo são
formados pelo que está além da superfície textual. Aspectos sociocomunicativos e
conhecimentos culturalmente partilhados fazem parte desse processo interacional,
ampliando a possibilidade de formação de sentidos. Assim, ações linguísticas, sociais
e cognitivas são realizadas no intuito de promover uma constante interação
comunicacional.
128
ANÁLISE 2
- Embalagem atual
- Ano de veiculação: 2013/2014
- Marca: Ultra Action Kids
- Tema: Os super-heróis (Capitão América, Homem de Ferro e Incrível Hulk)
A embalagem com a imagem dos super-heróis Capitão América, Homem de Ferro
e Incrível Hulk constrói um ato de linguagem que simboliza o que é esperado no
universo infantil masculino. O publicista destaca características comportamentais
ligadas aos meninos, como força, bravura e valentia, resultando em seres viris,
destemidos e com determinação.
Há um entrelaçamento de ideias construídas, por meio da mise-en-scène do
discurso, pois podemos perceber que o publicista cria uma atmosfera de poder,
129
utilizando máscaras discursivas altamente significativas. O Capitão América, o
Homem de Ferro e o Incrível Hulk são personagens que remetem à masculinidade e à
virilidade, pois são seres heroicos e valentes das histórias para crianças,
especificamente, para meninos. Os três personagens foram elaborados pelos seus
criadores para simbolizarem a força do homem, acompanhada de atributos como
ousadia e como coragem.
O Capitão América é o alter ego de Steve Rogers, um personagem de HQ da
Editora Marvel Comics, ligada à Disney Corporation. Esse personagem está ligado ao
patriotismo norte-americano e é considerado o maior lutador do mundo, que combate
os vilões. O super-herói recebeu um soro durante um experimento para a criação de
soldados com poderes excepcionais e adquiriu capacidades além do normal, como:
força, agilidade, velocidade, reflexo, resistência e capacidade de aprendizado rápido.
O Homem de Ferro também é um personagem de HQ da Editora Marvel Comics e
sua identidade verdadeira é a do empresário e bilionário Anthony Edward Stark. Na
guerra, estilhaços de uma bomba atingiram seu coração. Como o personagem também
era cientista, seus inimigos o capturaram e em troca de sua cura, eles exigiram que
Anthony criasse uma arma poderosa. O bilionário aceitou, porém, ao invés de criar a
arma, produziu um reator, que, acoplado à armadura, mantinha-o vivo. Assim, com os
poderes de sua armadura, Anthony passou a atuar como super-herói, combatendo os
inimigos dos EUA, tendo como poderes: força, velocidade sobre-humana e visão com
a mesma precisão de um satélite.
O Hulk é o alter ego do Dr. Robert Bruce Bunner, um cientista atingido por raios
gama, durante uma experiência. Ressaltamos que o personagem apresentava uma cor
acinzentada, porém a gráfica não conseguiu produzir a cor desejada, transformando
Hulk no “Gigante Esmeralda”. Outro fato interessante é que, no começo, a
transformação de Bunner em Hulk só acontecia à noite, como a maldição dos
lobisomens, porém os criadores de Hulk, Jack Kirby e Stan Lee, concluíram que seria
melhor que Hulk surgisse toda vez que Bunner ficasse irritado, despertando em si o
seu lado selvagem. Seus poderes são: força física sobre-humana, vigor exacerbado,
resistência contra ataques místicos, resistência mental e regeneração celular
espontânea.
130
Percebemos, com isso, que o ato de linguagem está inserido em um duplo valor:
explícito e implícito. O valor explícito está ligado ao que está posto na superfície
textual, como, por exemplo, as informações verbais contidas na embalagem: marca do
produto, informações sobre a presença de dois tubos, sobre a baixa abrasividade e
sobre o sabor uva do flúor ativo; e as informações não verbais, como, por exemplo, a
imagem do Capitão América, do Homem de Ferro e do Incrível Hulk e as cores
contidas na embalagem.
Por outro lado, todas essas informações também perpassam por valores implícitos,
pois o que é posto na superfície textual, na maioria das vezes, só faz sentido se
acoplado ao que está nas entrelinhas. Assim, na linguagem verbal da embalagem, a
posição das letras, as suas cores, o formato e a escolha lexical, por exemplo, são
fatores elaborados minuciosamente pelo publicista, no intuito de promover
determinados sentidos e convencimento sobre o público alvo.
Na linguagem não verbal, recurso altamente rico na construção de sentidos, a
imagem do Capitão América, do Homem de Ferro e do Incrível Hulk é construída pelo
publicista para provocar, no público alvo, sentidos gerados pela própria história acerca
da construção dos personagens, citada anteriormente. Notamos, então, que o sentido
provocado pela embalagem é construído pela articulação de explícitos com implícitos.
Vale ressaltar que o contexto é de suma importância para que se faça a
interpretação de um enunciado. O publicista precisa construir uma embalagem
extremamente sedutora para cativar o público alvo, visto a importância desse recurso
para a aderência ao produto. O menino precisa se identificar com a imagem construída
na embalagem para querer adquirir o produto. Devemos lembrar que o ato de
escovação dental nem sempre é realizado de forma prazerosa pela criança,
necessitando de um artifício para atrair o público alvo. Logo, o conteúdo imagético
contribui para a aderência ao produto, pois o menino se identificará com os super-
heróis e, consequentemente, com o produto, isto é, com o dentifrício analisado.
Esse contrato de comunicação firmado entre o publicista e o público alvo constrói-
se a partir de alguns componentes, como o comunicacional, o psicossocial e o
intencional. Exemplificando, supomos que um menino esteja indo à escola e se depara
com um outdoor veiculando uma publicidade acerca do dentifrício Ultra Action Kids,
com a imagem dos super-heróis Capitão América, Homem de Ferro e Incrível Hulk.
131
Assim, o componente comunicacional, isto é, o outdoor, torna-se o responsável pela
ponte de ligação entre o publicista, que veicula a mensagem e o público alvo, que é o
receptor da mensagem. Esse componente é fundamental para que o público alvo tenha
contato com o produto e saiba da sua existência, para poder, quem sabe, adquiri-lo.
É preciso, também, que o menino se identifique com a imagem veiculada no
produto, pois há uma necessidade de identificação com o que está posto, para que haja
a aderência ao produto. Desse modo, a imagem dos super-heróis Capitão América,
Homem de Ferro e Incrível Hulk, por meio do que simbolizam, aproxima-se do
menino como uma metáfora do que é viril e potente. O menino, ao se identificar com o
Capitão América, sabendo-se que este é o maior lutador do mundo e que possui
capacidades além do normal, associará o universo masculino à força e à bravura. Esse
garoto se sentirá convidado a participar desse mundo encantado, construído com a
premissa estereotipada de que “homem não chora”. O mesmo acontecerá em relação à
aproximação desse público alvo com os personagens Homem de Ferro e Incrível Hulk.
Os próprios nomes dos personagens já remetem à potência e à virtude: o Homem de
Ferro não é simplesmente um homem, ele é de ferro (metal duro e resistente),
enquanto o Hulk é incrível, pois apresenta qualidades extraordinárias, como força
física e vigor fora do comum. Assim, o componente psicossocial se estabelece, visto a
relação firmada entre o público alvo e o produto comercializado.
Já o componente intencional está ligado aos modos de convencimento construídos
pelo publicista sobre o público alvo. O Capitão América, o Homem de Ferro e o
Incrível Hulk são personagens altamente significativos no que diz respeito à
masculinidade. A potência física e moral desses heróis é incontestável e influencia
diretamente o menino, que ainda está em processo inicial de formação de caráter e de
conceitos sobre a vida e sobre as coisas do mundo.
Essa encenação discursiva, gerada pelas circunstâncias do discurso, constitui um
ato de linguagem envolto por instâncias de produção e de interpretação enunciativa.
Assim, os sujeitos de linguagem interagem nesse encontro dialético, formado entre o
publicista (EU comunicante), produtor do evento comunicativo, que se dirige a um
consumidor idealizado (TU destinatário), estabelecendo o processo de produção;
enquanto o responsável pelo processo de interpretação (TU interpretante) constrói uma
132
imagem do EU locutor, que acaba descobrindo-se um outro ser (EU enunciador),
estabelecendo o processo de interpretação.
Há, pois, uma relação contratual entre o circuito interno, do dizer (EUe/TUd) e o
circuito externo, do fazer (EUc/TUi), constituindo os dois circuitos responsáveis pela
encenação linguageira do ato comunicativo. Vale ressaltar que tal relação dependerá
dos saberes circundantes entre os sujeitos interagentes do discurso, que constroem suas
identidades discursivas e sociais, por meio de suas crenças e de suas ações sobre o
mundo.
O publicista, ao criar as embalagens com a imagem do Capitão América, do
Homem de Ferro e do Incrível Hulk, projeta o que é esperado socialmente, isto é, os
traços constitutivos do sujeito, partilhados pela coletividade, que são instaurados e
firmados com base nos direitos e nos deveres impostos pela sociedade (identidade
social). Os meninos devem portar modos de proceder, que se assemelham aos daqueles
próprios dos homens, apresentando qualidades ligadas ao comportamento masculino,
como aquele que vence desafios, é corajoso, forte e batalhador.
A imagem dos super-heróis legitima o sujeito a agir desta ou daquela forma, em
nome de um valor aceito socialmente. Assim, o publicista “autoriza” os meninos a se
relacionarem com um mundo de fantasias construído por homens destemidos, valentes
e audazes, que enfrentam circunstâncias de risco com senso moral intenso diante dos
perigos da vida.
As representações linguageiras, no que se referem à identidade dos sujeitos, são,
também, constituídas por meio de estratégias de credibilidade e de captação
(identidade discursiva). A publicidade utiliza bastante as estratégias de credibilidade,
pois o objetivo do publicista é criar táticas de convencimento sobre seus dizeres. Ele
tenta se aproximar ao máximo do público alvo, por meio de ideias compartilhadas para
criar uma intimidade com seu interlocutor.
Há uma tentativa de se fazer acreditar na sinceridade do sujeito falante, no caso, o
publicista, por meio da imagem do Capitão América, do Homem de Ferro e do Incrível
Hulk. O menino e sua mãe, esta última responsável pelo ato de compra de produtos de
higiene, vivem em um mundo onde o homem precisa reforçar seus atributos viris para
ser aceito socialmente. Adquirir o dentifrício com a imagem dos super-heróis significa
133
instaurar uma atitude de engajamento sobre o que está posto, já que o publicista se
posiciona sobre o seu modo de pensar e de agir.
Outra estratégia utilizada na publicidade para promover a adesão aos dizeres
construídos é a de captação. O publicista cria uma identidade máscula e viril para
capturar o público alvo para si e, consequentemente, para a aquisição do produto. A
imagem dos super-heróis em posições de combate, a informação de que a embalagem
possui dois tubos de dentifrícios e a presença de flúor ativo com o sabor uva são
estratégias criadas no intuito de convencer o outro, por meio de uma atitude de
sedução.
Há um “fazer crer” pelo publicista, que deve resultar em um “dever crer” pelo
público alvo, por meio de uma atitude de sedução, que envolve e encanta o outro. A
imagem dos super-heróis e sua representatividade no mundo significado constroem
sentidos que corroboram a possibilidade de adesão aos dizeres. Tais sentidos
provocados pelo/no discurso são construídos por meio do processo de transformação,
que marca a maneira de se pensar a realidade e que apresenta categorias linguísticas
exemplificadas na embalagem, como a identificação ou identidade nominal encontrada
na informação pack com 2 tubos, porque descreve o produto por meio de substantivos;
no termo kids encontrado na marca, que indica a que público se refere (crianças); na
informação movie Avengers Assemble, que indica o filme “Os Vingadores” , no qual
estão presentes os três personagens apresentados na embalagem (vale ressaltar a
esperteza do publicista em divulgar o gênero filme, utilizando a embalagem como
componente comunicacional do discurso) e, por fim, a expressão gel dental em que o
substantivo gel identifica o produto.
Outra categoria linguística encontrada na embalagem é a qualificação ou a
identidade descritiva, representada pelo adjetivo “ativo” na expressão flúor ativo, que
dá ênfase ao papel do flúor na cavidade oral e o adjetivo “baixa”, na expressão baixa
abrasividade, escrita em letras menores, na parte inferior da embalagem, evitando um
destaque, visto o interesse de não avivar informações que podem denegrir o produto e
dental no sintagma gel dental, em que se caracteriza o tipo de gel, por meio do
adjetivo dental.
Já o processo de transação, também de suma importância para a semiotização do
discurso, representa a interação que o público alvo realiza com o mundo significado,
134
visto na embalagem por meio de alguns princípios, como o princípio de alteridade, isto
é, o publicista precisa criar uma relação com a imagem criada e, consequentemente,
com o público alvo, para que este se identifique com o produto; o princípio da
pertinência, que está ligado às condições de credibilidade aos dizeres, como tornar o
ato de escovação lúdico, ao selecionar a imagem de super-heróis para a embalagem
dos dentifrícios, visto a necessidade de tornar o ato de escovação dental prazeroso e
divertido; o princípio da influência, que tem como objetivo capturar o outro no ato de
linguagem, como a proposta de comercializar dois tubos de dentifrícios em apenas
uma embalagem e, por fim, o princípio da regulação, que são as estratégias do quadro
situacional, como o componente comunicacional acerca do filme “Os vingadores”,
veiculado na embalagem como estratégia da publicidade, visto o contato direto e
prolongado que as crianças têm com os dentifrícios, por ser um ato diário e com isso,
podendo as informações contidas nele serem assimiladas com mais facilidade pelo
público alvo.
Todos esses artifícios criados pelo publicista para o convencimento sobre seus
dizeres colaboram para a construção do ethos, que representa a imagem de si no
discurso. Desse modo a imagem dos super-heróis constrói a figura do publicista e o
auxilia no poder de credibilidade discursiva. O publicista cria uma máscara discursiva,
na tentativa de se passar por um sujeito simples e franco (aretê), como ao tentar
associar sua imagem à dos super-heróis, como um sujeito corajoso, justo e sincero.
Essa tentativa de obtenção da confiança do público alvo é construída por meio de
estratégias discursivas, como a noção de inventio, que representa o estado de criação
do discurso, como a seleção dos super-heróis para compor a embalagem, a seleção
lexical, a escolha do sabor do flúor e a ideia de incluir dois tubos de dentifrícios, ao
invés de um, o que, inclusive, resultou na alteração do formato da embalagem. Outra
noção importante é a de dispositivo, vista como a disposição sequencial das partes do
discurso, como a informação pack com 2 tubos vir acompanhada de uma parte não
verbal explicativa; e também a de elocutio, vista como a verbalização do pensamento,
como a posição de combate em que os super-heróis aparecem na embalagem,
escolhida pelo publicista para afirmar a ideia de força e de bravura, no intuito de
promover o convencimento sobre seus dizeres.
Vale ressaltar que a publicidade também perpassa a noção de pathos e de logos.
Quanto ao pathos, que tem um apelo às emoções desencadeadoras no receptor da
135
mensagem, no caso o público alvo, o publicista tenta seduzir, encantar e até mesmo
persuadir de forma camuflada o outro, no intuito de provocar sentimentos no seu
interlocutor, pois ele tem o objetivo de passar uma imagem solidária e simpática para
o receptor (eunóia). Assim, a escolha dos super-heróis, inclusive, a informação de que
há um filme sobre esses personagens, desperta nos meninos um sentimento de
empolgação que contribui para a adesão aos dizeres. Já o logos, que é o argumento
centrado na tese, isto é, aquele que objetiva uma visão lógica da enunciação, está
representado na embalagem, por meio das informações gel dental com flúor ativo e
baixa abrasividade, pois são enunciados claros e compreensíveis, criando uma
imagem do publicista de bom-senso e de prudência (phrônesis).
O publicista, então, constrói-se com um sujeito histórico e possuidor de
intencionalidades, por meio de conhecimentos partilhados de mundo. A escolha dos
super-heróis Capitão América, Homem de Ferro e Incrível Hulk para encabeçar uma
publicidade acerca de dentifrícios não foi aleatória. O ser humano procura sentidos e
cria julgamentos sobre as coisas do mundo a todo instante e cada sociedade atribui
valores aos objetos de conhecimento, por meio de suas experiências. Essa tentativa de
subjetivar signos simbólicos, por meio de valores e de conceitos, constitui as
representações sociais, que podem ser reagrupadas em dois grupos: saberes de
conhecimento e saberes de crença.
O publicista, ao associar a imagem dos super-heróis à dos meninos, tenta
estabelecer uma verdade acerca das coisas do mundo, por meio de saberes de
conhecimento. Tais saberes são construídos mediante explicações de conhecimento de
mundo socialmente partilhado (saberes de experiência). Os super-heróis são
personagens instaurados na mente dos meninos, que cultuam e admiram esses sujeitos
pela força, pela bravura e pela coragem. Isso é compartilhado pela sociedade e é aceito
pela maioria das pessoas.
Os saberes de crença, isto é, aqueles construídos por meio de juízos de valor,
também fazem parte das representações sociais e funcionam por meio de apreciações
acerca dos fatos do mundo. Crer nos super-heróis como personagens admirados apenas
pelos meninos é criar juízo de crenças, que podem estar associadas aos saberes de
opinião. No caso das imagens dos super-heróis, tais saberes estão ligados ao plano
136
social, visto a necessidade de compartilharem ideias que circulam entre os sujeitos
históricos e culturais.
A representação simbólica dos super-heróis está ligada à possibilidade de se
interpretar a realidade. O publicista, então, aproveita essa possibilidade de significar o
mundo e materializa esses imaginários sociodiscursivos para gerar sentidos acerca do
que é partilhado culturalmente. Assim, a seleção do Capitão América, do Homem de
Ferro e do Incrível Hulk, para compor a embalagem de dentifrícios para meninos, está
associada a determinadas memórias. São elas: a memória dos discursos, que estabelece
representações acerca da historicidade dos fatos do mundo; a memória das situações,
que está ligada às condições psicossociais, visto o fato de o produto estar associado às
questões de higiene pessoal e de estética, e a memória das formas, que está ligada às
maneiras de dizer, como o modo de os super-heróis estarem posicionados na
embalagem: todos em posição de ataque e de combate para corroborar os traços
masculinos de força e de poder.
À medida que se ultrapassa a questão do sentido comum e da mera opinião acerca
das coisas do mundo para definir uma ideia, um comportamento ou uma atitude
preconcebida e generalizada, o sujeito instaura a questão do estereótipo no discurso.
Acreditar que o Capitão América, o Homem de Ferro e o Incrível Hulk são
personagens destinados estritamente ao público infantil masculino, ou ainda, que a cor
azul não pode fazer parte do universo feminino é estereotipar conceitos e ideias pré-
concebidos e cristalizados na sociedade.
Desde cedo, os meninos escutam dos pais as seguintes sentenças: “Homem não
chora”, “Homem tem que ser forte”, “Homem não gosta de rosa”, “Homem não faz
ballet”, “Homem fala grosso”, “Homem não pode ser delicado”, entre outras formas
de discurso institucionalizadas e baseadas na repetição e na convenção. Com isso,
percebemos o estereótipo com uma dimensão isolada e, normalmente, negativa da
realidade.
As ideologias também perpassam outras representações, como os arquétipos, os
clichês e as ideias comuns. Quanto aos arquétipos, definidos como modelo padrão,
observamos que, na imagem dos super-heróis, o homem é visto como um ser forte,
destemido, corajoso e com um caráter acima de qualquer suspeita. Desse modo, o
menino, desde pequeno, é preparado pelos pais a se comportar dessa maneira “viril” e
137
“máscula”, de acordo com o arquétipo do guerreiro (Monnerat, 2008) não restando
outra alternativa a não ser a de se tornar um adulto com ideias altamente
estereotipadas. Já o clichê, que representa uma expressão cristalizada, pode ser
exemplificado, na embalagem, pelas expressões gel dental com flúor ativo (como se o
flúor sem o adjetivo ativo não causasse tanto efeito nos elementos dentários, sendo,
assim, necessário o termo ativo acompanhando-o) e baixa abrasividade, também
cristalizada e sempre presente nas embalagens de dentifrícios; enquanto a ideia
comum, isto é, aquela que apresenta um juízo de valor, pode ser representada pela
seguinte afirmação: “Todo super-herói é másculo e viril” (não sendo possível a
existência de um super-herói frágil, meigo, delicado e carinhoso).
Percebemos, pois, que o “querer dizer” do publicista, no ato de comunicação,
envolve tanto as relações internas, isto é, entre os componentes internos do texto
(relações cotextuais) quanto as relações socioculturais e situacionais específicas, ou
seja, entre os componentes internos do texto e o seu contexto (relações contextuais).
Nas relações cotextuais, observamos que o posicionamento espacial dos super-
heróis está em harmonia, visto suas posições frontais com posturas de ataque e a
própria cor diferenciada entre eles (Capitão América-Azul, Homem de Ferro-vermelha
e Incrível Hulk-verde) para causar uma diferenciação e, consequentemente, um
destaque; a informação pack com 2 tubos, acompanhada da imagem explicativa (vale
ressaltar que essa informação justifica o formato diferenciado dessa embalagem); cada
termo da marca do produto Ultra Action Kids escrito com formatos, cores e tamanhos
diferentes; o sabor uva do flúor na cor roxa semelhante à cor da fruta e a informação
acerca do filme Avengers Assemble (Os vingadores) ao lado da imagem dos próprios
personagens da história.
Nas relações contextuais, notamos que a escolha dos super-heróis para compor a
embalagem está ligada à representatividade que esses personagens possuem no mundo
significado. Seres poderosos, em posição de comando, com alta competência para a
dominação e o controle; homens dinâmicos, firmes e valentes, com grande capacidade
de dominação e personagens de autoridade e de prestígio, com forte poder e influência
sobre o outro. Com isso, aumentam as possibilidades de adesão ao produto, visto o
compartilhamento de ideias e, consequentemente, a importância do suporte para a sua
aquisição.
138
Assim, percebemos que a publicidade envolve o universo dos desejos, da sedução,
sem deixar transparecer as verdadeiras intenções do publicista. Na parte verbal, por
exemplo, o destaque da marca do produto Ultra Action Kids, tanto pelas cores
(vermelha e amarela) quanto pela posição e tamanho das letras (posição superior com
letras grandes) não foi por acaso e sim proposital. A informação na parte superior
direita da embalagem, com a explicação imagética sobre a presença de dois tubos está
em destaque, pois o receptor inicia sua análise visual de cima para baixo. Desse modo,
inversamente, a informação sobre a baixa abrasividade do produto, que não deve ter
destaque por ser uma informação que pode afetar negativamente o consumidor, visto
que a abrasividade é uma possibilidade negativa do produto, está posicionada na parte
inferior direita da embalagem e com letras pequenas e brancas, para não chamar tanto
a atenção do receptor.
Na parte não verbal, podemos observar que os três super-heróis estão dispostos em
planos diferentes, inseridos em um cenário de fundo azul. Notamos que todos estão
praticando algum tipo de ação. Ressaltamos que a publicidade utiliza esse tipo de
artifício, pois construindo uma ideia de movimento, o publicista terá maiores
possibilidades de envolver o público alvo.
É interessante perceber que os três personagens estão em posição de combate: o
Capitão América, com seu escudo, o Homem de Ferro, com sua armadura vermelha,
produzindo raios luminosos na altura do peito e na mão, e Hulk, com os braços
levantados, evidenciando a força de seus músculos. Assim, percebemos que é nítido o
apelo do sujeito anunciante para causar o convencimento por meio de enunciações
discursivas compartilhadas.
Outro fator relevante para o processo de análise do conteúdo imagético é a questão
das cores. Percebemos que o fundo azul da embalagem, além de dar pistas acerca do
público alvo (meninos) também remete o consumidor ao mundo dos sonhos, visto o
sentido de infinito e de lugar longínquo que a cor propaga. O vermelho encontrado na
informação sobre a presença de dois tubos de dentifrícios na embalagem ao invés de
um significa um alerta, pois como simboliza correção, é como se o publicista dissesse:
“Olha, essa embalagem contêm dois tubos, e não apenas um como é habitual” e, dessa
forma, o público alvo fica ciente do que está sendo comercializado e mais interessado
no produto, já que atendendo ao “móbil econômico” (MONNERAT, 2003), gastará
139
menos e levará mais; a cor verde do Incrível Hulk, junto ao seu semblante bravo,
transmite ira, visto a cor verde remeter, quando negativamente, à raiva e, por fim, a cor
branca na informação baixa abrasividade , que não apresenta muito destaque (por isso
mesmo a sua escolha para essa informação) por ser uma cor neutra (ausência de cor).
Notamos que o sentido interpretativo de um ato de comunicação é construído,
também, pela matéria implícita contida no discurso. As inferências (ou subentendidos)
são elaboradas na mente do receptor, podendo, ou não, serem verdadeiras; enquanto os
dados postos são construídos por meio do que está explícito na superfície textual e são
tidos como indiscutíveis.
Com relação às inferências (ou subentendidos), podemos exemplificá-las por meio
da imagem do Capitão América. O personagem tem a letra A escrita em seu capacete.
Podemos inferir que essa letra A está representando a América e que seu escudo,
devido às cores (vermelha e branca), também representa os Estados Unidos da
América. Vale ressaltar que essa inferência é tida como contextual, pois o receptor
precisa saber em que contexto o personagem do Capitão América está inserido, isto é,
quem é o personagem e o que ele representa, os seus objetivos, os seus propósitos, etc.
(mesmo sabendo que o próprio nome do personagem já é uma grande pista sobre ele).
O publicista, então, por meio de todas as estratégias citadas nessa análise, pretende
captar a atenção do público alvo, na tentativa de convencê-lo de que a marca Ultra
Action Kids tem qualidades que a tornam superior às outras. Assim, cria-se um mundo
perfeito e ideal, tanto pelo conteúdo verbal quanto pelo conteúdo não verbal, por meio
de um discurso sedutor, no intuito de integrar o público alvo na sociedade de consumo.
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ANÁLISE 3
- Embalagem atual
- Ano de veiculação: 2013/2014
Marca: Ultra Action Kids
Tema: As fadas (Sininho, Rosetta e Silvermist)
A embalagem com a imagem das fadas Sininho, Rosetta e Silvermist constitui um
ato de linguagem que sugere reflexão ao seu interlocutor acerca do uso linguageiro,
pois a amplitude de uma análise engloba tanto o que está exposto na superfície textual
quanto o que está submerso nas profundezas enunciativas. O publicista utiliza um
universo encantado e mágico para seduzir as meninas, por meio de construções
enunciativas embutidas no social, visto a intrínseca relação desse tema com o que
circula nas crenças e nas normas da sociedade.
A fada é um ser mitológico e incorporou-se à cultura ocidental a partir dos “contos
de fadas”. Esse termo vem do latim fatum, que significa fado, destino, atuando de
141
forma mágica na vida das pessoas. Elas apresentam asas de libélulas nas costas e
realizam encantamentos por meio de uma varinha de condão. As fadas podem ser
retratadas como seres de estatura “normal”, como a fada de Cinderela ou como seres
de estatura diminuta, como a fada Sininho, companheira de Peter Pan e são
consideradas personagens com a capacidade de mudar sua aparência e serem visíveis,
ou não, para os humanos.
A publicidade está inscrita dentro de um contexto que tem o sujeito intencional
como seu principal aliado, pois o objetivo principal desse gênero textual é a tentativa
de convencimento sobre o outro. Assim, a seleção imagética das fadas para representar
os dentifrícios para crianças, especificamente para meninas, tem a finalidade de
aproximar o produto de seu público alvo, por meio de um discurso envolvente e
encantador.
A fada Sininho ou Tilin-Tim, que na forma original era chamada de Tinker Bell, foi
criada pelo autor escocês James Matthew Barrie para ser personagem de sua peça
teatral Peter and Wendy (1904). Nessa peça, Tinker Bell era apenas uma luzinha que
percorria os cenários com barulho de sinos. Desde 1930, Walt Disney pesquisava
como seria a sua Sininho perfeita, que passou de variações da fada Azul de “Pinóquio”
até as bailarinas do pintor francês Edgar Degas. Em 2008, a Disney Toon Studios
lançou o filme Tinker Bell, protagonizado pela personagem com características físicas
humanas: cabelos loiros, olhos claros e que usa um vestido verde, feito a partir de uma
folha (aparência mantida igual à do filme Peter Pan, em 1953, e que nessa época,
ainda, ficava muda na frente dos humanos). Tinker Bell apresenta como
características, a travessura e a irritação, por se tratar de uma personagem arisca, mas a
Disney a deixou mais doce e menos temperamental, sendo a leal acompanhante de
Peter Pan, por quem tem um amor platônico e, por isso, tem o sonho de ser do
tamanho do ser humano para poder abraçar o seu amado.
Tinker Bell tem duas amigas: a fada Rosetta, que é ruiva, considerada a fada do
jardim, gentil, educada, charmosa, espirituosa, encantadora e com um raciocínio
rápido. A sua personalidade é doce, porém com uma pitada de atrevimento e está
sempre pronta para partilhar bons conselhos. Ela é a “princesinha cor de rosa” e vive
em um chalé formado por botões de rosa e é famosa por ter um encantador sotaque.
Seu passatempo preferido é fazer tratamentos de beleza e assegurar que está sempre
142
bela. Adora rosas e detesta falta de educação e falta de higiene; e a fada Silvermist,
que é morena com aparência asiática, sendo a fada da água e que está sempre olhando
para o lado positivo da vida. É simpática e está pronta para atender aos amigos em
apuros, sendo uma fada muito emotiva, pois ouve mais o coração do que a própria
razão (sendo, às vezes, considerada meio ingênua ou, até, boba). Tem uma alma
tranquila e está, sempre, ansiosa para agradar e fazer novas amizades. Essa fada gosta
de colocar gotas de orvalho estrategicamente sobre as folhas a cada manhã.
O publicista, então, ao escolher as fadas para representar a embalagem de
dentifrícios para meninas está utilizando o universo dos sonhos e das fantasias. As
fadas são seres de luz e representam o desabrochar das flores e a alegria clara e
cintilante da representação do belo. Elas simbolizam a alegria, as festas, as músicas, as
brincadeiras e os risos e estão sempre bem dispostas e prontas para ajudar os
necessitados.
Percebemos, pois, que o publicista cria uma máscara, por meio da mise en scène
discursiva, tendo as fadas como pano de fundo para representar um estado de euforia e
de entusiasmo pela vida. Há uma exteriorização dos dizeres de acordo com os
objetivos do sujeito anunciante, que constrói o seu discurso visando à captura do outro
para seus domínios.
Há uma intencionalidade nesse contrato de comunicação firmado entre os parceiros
do discurso, visto a relação de interesse entre aquele que deseja comercializar o
produto e aquele que deseja adquiri-lo. Esse contrato necessita de três componentes
para que o ato comunicativo alcance êxito: o comunicacional, o psicossocial e o
intencional. Vamos supor que uma menina passe a conhecer a marca de dentifrício
Ultra Action kids com a embalagem das fadas ao assistir a uma propaganda na
televisão. Assim, o veículo televisão passa a ser o componente comunicacional desse
ato de linguagem, pois é a ponte que liga o produto ao público alvo.
O componente psicossocial está ligado às nossas emoções no que diz respeito à
aquisição do produto. A menina, por exemplo, que coleciona produtos com imagens
de fadas, ao se deparar com a embalagem com essa imagem, devido à sua pouca idade
e à sua ingenuidade, entrará em um estado de euforia e de animação para obter o
produto. Desse modo, a mãe, normalmente responsável pela compra desse tipo de
143
produto, aproveitará a situação e fará do ato de escovação dental algo prazeroso,
utilizando as fadas para seduzir sua filha.
O componente intencional está voltado para a questão da intencionalidade do
publicista sobre seus reais objetivos. Ele precisa seduzir e cativar o público alvo
utilizando os recursos próprios de cada situação comunicativa. Se pensarmos na
embalagem de dentifrícios como um recurso altamente manipulador, no que diz
respeito à possibilidade de aquisição do produto, o sujeito anunciante criará estratégias
para a captação do outro, como, por exemplo, colocar a fada Sininho em um plano
mais frontal em relação às outras, por ser, provavelmente, uma das mais conhecidas
fadas (por fazer parte das histórias de Peter Pan) ou por ser uma das que estão mais
tempo no universo das histórias infantis.
O contrato de comunicação, então, estabelece-se, visto a relação firmada entre os
sujeitos discursivos. Vale ressaltar que há um desdobramento do lugar do EU, pois
existe uma aposta contida no ato de linguagem. O publicista (EU comunicante), nessa
relação contratual, produz a embalagem de dentifrício, no intuito de atingir às meninas
(TU destinatário), consumidoras que ele acredita serem adequadas ao seu propósito
comunicativo. No entanto, essas meninas vão interpretar o sentido do que está posto
na embalagem pelo ponto de vista delas (TU interpretante), que constroem uma
imagem desse publicista, que acaba por descobrir-se um outro ser (EU enunciador),
fabricado por esse TU interpretante.
Essa manobra linguageira acontece por meio da língua, envolta pelos sujeitos que a
constituem, tendo como base referencial suas identidades sociais e discursivas. O
publicista investiu na imagem das fadas Sininho, Rosetta e Silvermist para compor as
embalagens de dentifrícios para meninas por meio do que é acreditável e esperado pela
coletividade. O que é apropriado à natureza das ideias coletivas voltadas às meninas?
Gostar de fadas, ser doce, meiga e encantadora constituem características e traços
próprios do universo feminino, por meio de crenças e de influências sociais, que
autorizam o sujeito a agir e a pensar de determinada forma.
Com isso, instaurar na mente do sujeito que o universo das fadas faz parte da
identidade feminina é criar uma credibilidade nos dizeres do publicista. A identidade
social, que é construída por meio dos traços psicossociais do indivíduo, junto à
identidade discursiva, que é formada por estratégias sociocomunicativas, como a
144
credibilidade e a captação, constroem a identidade global do sujeito, no ato de
comunicação, por meio de representações linguageiras. A publicidade é elaborada na
tentativa de conquista da confiança do outro, por uma atitude de engajamento. É
preciso fazer o outro pensar da seguinte forma: “Eu acreditei nele porque ele tem
credibilidade para mim.”
Para alcançar seus objetivos, o publicista envolve o público alvo, por meio de uma
atitude de sedução, pois a publicidade é criada no intuito de capturar o outro,
utilizando artifícios, valendo-se de encantos e de promessas. É necessário construir um
fascínio naquilo que se quer comercializar para que o outro se sinta convidado a
participar desse universo de consumo. Assim, as representações sociais e discursivas
corroboram as especificidades identitárias instauradas no ato de comunicação.
A imagem das fadas constrói, portanto, sentidos que fortalecem o que é esperado
socialmente. Tais sentidos são gerados por um duplo processo: de transformação e de
transação. O processo de transformação, construído por meio da linguagem, é
composto por quatro categorias linguísticas: a identificação, isto é, a identidade
nominal como o substantivo gel na expressão gel dental com flúor, a logomarca
Disney Fadas, ou ainda, o termo Kids, para se referir a que tipo de público o produto é
destinado. Todos esses exemplos representam os termos substantivos contidos na
embalagem. Já a qualificação, ou seja, a identidade descritiva, é representada pelo
termo ativo, na expressão flúor ativo, no termo baixa, na expressão Baixa
abrasividade, na caracterização dental com flúor ou ainda, no termo mágico, na
expressão morango mágico. Todos esses termos representam os adjetivos e as
expressões adjetivas contidos na embalagem. Os outros processos, como a ação, isto é,
a identidade narrativa, marcada pelos verbos e a causação, que constitui as relações de
causalidade não se encontram expressos nessa embalagem.
No processo de transação, encontram-se quatro princípios: o princípio de
alteridade, que significa a relação criada entre o publicista e o público alvo para que
haja a identificação com o produto. Desse modo, as fadas Sininho, Rosetta e
Silvermist representam o universo mágico das meninas, que se identificam com essas
representações, por meio de saberes compartilhados; o princípio de pertinência, que
favorece a obtenção da finalidade discursiva, como a presença de flores e da cor verde,
que remetem à floresta, no intuito de completar o quadro bucólico da imagem das
145
fadas, na tentativa de seduzir e de convencer o público alvo; o princípio de influência,
que está ligado à captura do outro para si, representado, por exemplo, no fato de a fada
Sininho estar posicionada em um plano mais frontal, com uma visibilidade maior do
que as outras fadas, provavelmente, como já dissemos, por ser a mais conhecida do
público; e, por fim, o princípio de regulação, que está associado ao quadro situacional
regulador do jogo de influências entre os sujeitos discursivos, como, por exemplo, a
escolha do sabor morango do flúor, que atrai o público alvo, pois sabemos que um
aroma agradável no dentifrício é um artifício usado pelas indústrias farmacêuticas
como estratégia para a aquisição do produto.
Assim, a imagem do produto se constitui pelo que as fadas Sininho, Rosetta e
Silvermist representam no universo feminino infantil. Dessa forma, o caráter do
publicista fica registrado na embalagem dos dentifrícios junto à imagem de
credibilidade discursiva por meio do que é posto (ethos). Sabemos que a publicidade
apresenta uma linguagem que tenta persuadir o outro de forma camuflada. Assim, há
uma tentativa de criar uma boa impressão pela imagem de si no discurso.
As fadas, em geral, são consideradas espíritos que circulam sobre as florestas e
sobre as montanhas e representam o universo místico e mágico das histórias infantis.
O publicista, valendo-se do alto poder de sedução e de encanto que as fadas
apresentam, transfere esses atributos para a imagem veiculada nas embalagens de
dentifrício e, consequentemente, para si, compartilhando com as meninas essas ideias
e esses conceitos.
Com isso, há o estabelecimento do ethos do publicista, voltado para a valorização
desta marca e formado por meio do seu caráter e da credibilidade de seus dizeres. O
sujeito anunciante utiliza suas virtudes morais para conseguir a confiança do público
alvo. Assim, a imagem das fadas Sininho, Rosetta e Silvermist constrói o tipo social
que esse sujeito quer parecer ter. Ganhar a confiabilidade das meninas só será possível
se o discurso da publicidade estiver o mais próximo possível delas e da realidade que
as cerca.
Aristóteles utilizou, na Retórica, termos como inventio, dispositio e elocutio com a
finalidade de persuadir o outro pelo convencimento. O termo Inventio, que está
associado à criação do discurso, pode ser representado, nessa publicidade, pelas
escolhas lexicais (como a do adjetivo mágico para qualificar o sabor morango do
146
flúor), a escolha das fadas (uma loira, uma morena e a outra ruiva) para compor o
conteúdo imagético da embalagem, a cor verde para simbolizar as florestas e, ainda, a
posição e o tamanho das letras de acordo com os objetivos pretendidos.
O termo dispositio, visto como o encadeamento das partes do discurso, pode ser
representado, por exemplo, pelo conteúdo não verbal da embalagem. Percebemos que
as fadas ocupam posições diferenciadas (com destaque para a fada Sininho), com uma
harmonia na posição dos braços, que denota feminilidade e leveza de expressão. A
tonalidade das cores dos cabelos (amarelo, vermelho e preto) e, também, dos vestidos
(verde, rosa e azul) cria uma homogeneidade visual causada pela própria heterogenia
das personagens. O publicista investiga cada detalhe do produto e observa se as partes
de um todo estão em harmonia entre si.
O termo elocutio, visto como a verbalização do pensamento, está ligado ao fato de
a publicidade ser construída com o objetivo de persuadir pelo convencimento. Assim,
o publicista precisa por em prática tudo aquilo que imaginou, por meio de um discurso
sedutor e cativante. Colocar a logomarca Disney Fadas com o fundo verde, no intuito
de parecer uma folha, ou ainda, essa logomarca estar posicionada cortando uma
pequena parte das fadas Rosetta e Silvermist, porém deixando a fada Sininho livre de
imagens sobrepostas foi um artifício criado pelo sujeito anunciante para valorizar a
imagem da companheira de Peter Pan.
Percebemos, então, que essa noção discursiva é construída por meio dos traços
particulares centrados no sujeito, que tenta se apresentar como um ser virtuoso, com
senso de justiça e de sinceridade ao expor suas ideias (aretê).
Outras noções importantes para que haja o poder de convencimento sobre o outro
são: o pathos e o logos. Desencadear emoções no receptor (pathos) é uma estratégia
bastante utilizada na publicidade. Promover o convencimento sobre a aquisição de
bens de consumo é o objetivo do publicista, que procura seduzir o outro, por meio de
seus dizeres. Ao selecionar as fadas Sininho, Rosetta e Silvermist para compor as
embalagens de dentifrícios, o publicista aposta na representatividade dessas
personagens para convencer o outro. A beleza das fadas e a capacidade de realizar
encantamentos tornam esses seres especiais e, por isso, capazes de provocar
sentimentos nas meninas.
147
O logos, que está ligado ao argumento claro e compreensível, é visto na embalagem
por meio de suas informações: o termo Kids contido na marca Ultra Action Kids para
indicar o público alvo; a presença da expressão flúor ativo para fortalecer a eficácia
do dentifrício e, ainda, a logomarca Disney fadas, que, apoiando-se na credibilidade da
marca Disney, especifica a natureza dos seres expostos na embalagem (caso alguém
não reconheça tais personagens). Desse modo, o publicista constrói informações
competentes, por meio do bom-senso e da sabedoria prática (phrônesis).
Percebemos, com isso, que o sujeito anunciante elabora a publicidade com a
intenção de aderência ao seu discurso. Para que isso ocorra, é preciso que haja um
compartilhamento de ideias para que o ato comunicativo estabeleça uma troca entre os
sujeitos discursivos. O conhecimento de mundo e o julgamento que se faz das coisas
que nele acontecem precisam ser partilhados entre aqueles que atuam no jogo cênico
discursivo, pois é necessário que os sujeitos repartam crenças e valores para que a
comunicação se estabeleça eficazmente.
As representações sociais são fenômenos presentes no cotidiano e simbolizam
pensamentos, crenças e valores acerca das coisas do mundo, por meio de saberes de
conhecimento e de saberes de crença. Há uma visão além da subjetividade do sujeito
(saberes de conhecimento), por uma verificação experimentada da realidade (saberes
de experiência). Essa visão perpassa os “achismos” do mundo e se estabelece no que
acontece na vida e nas situações do cotidiano.
Desse modo, o publicista encontra nas fadas, por meio do que acontece no mundo,
uma representação social das meninas, simbolizada pelo universo de magia, de
encanto e de sedução. Há um lado esotérico e místico que encanta as garotas, que
procuram se identificar com os contos de fadas, tendo a beleza, a pureza e a
ingenuidade como aspectos categoriais do mundo feminino.
Os saberes de crença, que são construídos por julgamentos subjetivos, podem gerar
estereótipos acerca dos fatos do mundo, pois estabelecer conceitos e acreditar
piamente em determinadas ideias compartilhadas socialmente é generalizar
possibilidades acerca das situações. Acreditar que as fadas Sininho, Rosetta e
Silvermist encantam e seduzem apenas as meninas é criar juízo de valores sociais, ou
seja, é construir saberes de opinião, ligados ao plano social, por meio de ideias e de
148
conceitos cristalizados. Com isso, estabelece-se uma opinião coletiva acerca do real
que, muitas vezes, extrapola a noção de coerência e de razão sobre as situações.
Os imaginários sociais são formados por três tipos de memórias: dos discursos, das
situações de comunicação e das formas. A memória dos discursos, formada por
posicionamentos e valores compartilhados, visto na embalagem por meio da imagem
das fadas, marca historicamente o momento que estamos atravessando. Se é de comum
acordo entre os sujeitos discursivos que essas personagens estão instauradas no
universo feminino infantil é porque socialmente as crenças e os valores estabelecidos
culturalmente vão ao encontro ao que elas simbolizam. Ter poderes mágicos e
conseguir realizar desejos são encantamentos extremamente sedutores capazes de
causar fascínios entre as meninas, que também se encantam com a beleza e a vaidade
das fadas. Estar sempre bela, com uma silhueta elegante, cabelos bem arrumados são
características atribuídas às mulheres, que, desde cedo, são preparadas para assumirem
esse tipo feminino estereotipado.
A memória das situações de comunicação, associada às condições psicossociais,
pode ser vista pela ligação que o publicista faz entre o encantamento das fadas e o ato
de escovação dental. É como se um coro de voz dissesse: “Olhem, escovem os dentes
com o dentifrício Ultra Action Kids com a embalagem das fadas, que vocês, meninas,
ficarão tão belas e formosas quanto elas. Não se esqueçam de que as fadas são seres
mágicos e que elas conseguem realizar todos seus desejos.” Desse modo, cria-se um
elo entre o que circula socialmente e o que é desejado pelo sujeito anunciante.
A memória das formas, ligada às maneiras de dizer, está representada pelo modo
como os sentidos se produzem. Adjetivar, por exemplo, o morango (sabor do flúor)
como mágico e posicionar tal informação no meio das fadas é fortalecer esse discurso;
colocar a logomarca Disney Fadas abaixo das fadas Rosetta e Silvermist é corroborar
a identidade das mesmas e, ainda, escolher a cor verde para colorir a embalagem é
situar as fadas nas florestas e nos campos. Enfim, a forma com que é construída a
embalagem gera sentidos causados intencionalmente pelo publicista.
Os imaginários sociais, quando construídos por meio de ideias e de crenças
cristalizadas, remetem aos estereótipos, vistos como uma generalização excessiva ou
indevida de algo ou de alguém. Transpor a questão do belo e da delicadeza apenas
para o universo feminino é cristalizar conceitos e estereotipar ideias pré-concebidas
149
socialmente. As fadas Sininho, Rosetta e Silvermist foram selecionadas
intencionalmente para funcionarem como uma dimensão isolada da realidade, isto é,
elas devem representar a marca Ultra Action Kids apenas para o universo feminino
infantil, tornando-se seres altamente estereotipados, excluindo os meninos desse ato
comunicativo.
Os arquétipos e os clichês também fazem parte dos processos ideológicos
discursivos. A imagem das fadas remete à imagem da mulher como encantadora, bela,
esperta e vaidosa (arquétipo). Vale ressaltar que a questão étnica também perpassa as
representações sociais. Walt Disney escolheu como modelo de beleza a Sininho, uma
fada branca, loira, com os olhos claros. A fada Rosetta também é branca, com os
cabelos ruivos e a Silvermist é branca, com os cabelos negros e com os olhos puxados.
E a fada negra? Por curiosidade, a Disney só tem uma fada negra, a Iridessa, a fada
que fornece luz aos vaga-lumes. É interessante perceber que o publicista não pensou
em representar a população negra na embalagem, por meio de uma fada negra. Se
pensarmos que no Brasil a grande parte da população é negra, porque ele colocou uma
fada oriental? Observa-se, então, que o preconceito pode estar contido na questão das
ideologias e das representações sociais, estabelecendo conceitos e definindo padrões
estéticos. Já os clichês, expressões cristalizadas, podem ser vistos na expressão gel
dental com flúor ativo ou na informação baixa abrasividade, pois são repetidas sempre
da mesma forma, representando a materialidade de um enunciado.
Observamos que o publicista dispõe de estratégias para gerar sentidos de acordo
com suas necessidades comunicativas. Esses recursos são criados tanto por meio das
relações internas do texto (relações cotextuais) quanto por meio dos componentes
internos em interação com o contexto (relações contextuais).
Nas relações cotextuais, notamos uma harmonia no posicionamento das fadas,
inclusive, na própria coloração dos cabelos e no tom dos vestidos; a logomarca Disney
Fadas escrita em uma folha de coloração verde, combinando com o fundo colorido
com verde mais claro; as letras da marca Ultra Action Kids e da logomarca Disney
Fadas escritas com formatos diferentes para gerar um destaque, e a escolha do termo
mágico na informação morango mágico, que se associa à imagem das fadas.
Nas relações contextuais, a seleção das fadas Sininho, Rosetta e Silvermist, por
serem seres mágicos, envoltos por encantamentos e por magias, está associada ao fato
150
de essas personagens despertarem o encantamento nas meninas. Assim, percebemos
que a mensagem publicitária contida nessa embalagem é resultado tanto das suas
relações internas quanto das relações do texto com o mundo.
O sujeito anunciante elabora a embalagem de dentifrício no intuito de chamar a
atenção do público alvo. Depois, ele tenta capturar esse público para, então,
transformá-lo em consumidor constante. O universo das fadas precisa ser transmitido
como perfeito e ideal, removendo da superfície os indicadores de autoridade e de
poder. Mostrar as fadas como belas e encantadoras faz parte da intencionalidade do
publicista, que tenta elaborar uma imagem sedutora, sem transparecer suas reais
intenções.
As feições das fadas e a leveza de movimentos com os braços criam um laço de
afetividade com o público alvo, que se sente atraído e encantado pelas personagens.
Essa interação é fundamental para que ocorra esse elo afetivo entre o produto e as
meninas. A fada Sininho está em destaque, com suas asas de libélula e vestido feito de
folhas, apresentando uma aparência encantadora e irresistível. A fada Rosetta, também
considerada a fada jardineira, usa um vestido que, poeticamente, é uma rosa de cabeça
para baixo; enquanto a fada Silvermist, a fada das águas, usa um vestido feito da flor
copo-de-leite. Percebemos, inclusive, que há uma predominância, na embalagem, da
cor verde, que remete à natureza e à ecologia.
Na parte verbal, podemos notar o destaque para a marca do produto Ultra Action
Kids (pela posição, tamanho das letras, cores e formatos diferenciados); o termo baixa
abrasividade, no canto inferior direito do produto, para não chamar tanto a atenção,
visto a abrasividade poder gerar uma ideia negativa do produto; a expressão gel dental
com flúor ativo, na posição superior direita da embalagem, pois é um dado que o
publicista acredita ser relevante; a expressão morango mágico, na tentativa de associar
o termo mágico com o universo das fadas e a logomarca Disney Fadas próxima à
Rosetta e à Silvermist, podendo ser uma contribuição para a identificação das mesmas,
que, como já dissemos, podem não ser tão conhecidas do público quanto a fada
Sininho, a companheira do Peter Pan.
Assim, percebemos que o conteúdo textual, para ser bem interpretado, apresenta os
postos, que são os dados encontrados em sua superfície; e os implícitos, construídos
pelos pressupostos, tidos como sentenças verdadeiras e pelos subentendidos (ou
151
inferências), que são ideias deduzidas, com maior abstração, podendo ou não ser
premissas verdadeiras. Podemos exemplificar as inferências por meio do nome das
personagens: a fada Sininho tem esse nome porque, ao ser criada, era apenas uma
luzinha que percorria o teatro com barulho de sino; a fada Rosetta tem esse nome
porque ela é a fada dos jardins (rosa) e a fada Silvermist (névoa de prata) tem esse
nome porque ela é a fada das águas e gosta de colocar gotas de orvalho sobre as folhas
a cada manhã. Vale ressaltar que essas inferências são tidas como contextuais, aquelas
que dependem do conhecimento do contexto para serem feitas.
Percebemos, então, que o publicista utiliza todos esses recursos para conseguir a
adesão do público alvo aos seus dizeres. São construídas várias estratégias discursivas
e sociointeracionais com o propósito de capturar o outro para seu domínio, utilizando
uma linguagem sedutora, emotiva e que aproxime o futuro consumidor do produto
comercializado.
152
ANÁLISE 4
- Embalagem atual
- Ano de veiculação: 2013/2014
- Marca: Bitufo
- Tema: Ben 10
A embalagem com a imagem do super-herói Ben 10 representa um ato de
linguagem envolto por simbologias que remetem ao universo infantil masculino. O
sujeito anunciante selecionou um personagem que é corajoso, destemido e capaz de
enfrentar qualquer desafio na luta do bem contra o mal.
Esse desenho animado norte-americano, criado por Man of Action, grupo formado
por Duncan Rouleau, Joe Casey, Joe Kelly e Steve T. Seagle, é produzido pelo
153
Cartoon Network Studios e retrata a vida de Benjamin Kirby Tennyson, personagem
central da história, um garoto com dez anos de idade (Ben 10), que, durante uma
viagem de férias com seu avô Max e sua prima Gwen, resolve dar uma volta sozinho
para se acalmar, pois havia brigado com sua prima.
De repente, Ben observa um objeto caindo do céu e percebe que é uma esfera de
metal com uma espécie de relógio dentro. Ao segurar tal esfera, essa espécie de
relógio gruda em seu pulso. Na verdade, esse objeto que está em seu poder é um
aparelho muito especial e poderoso denominado Omnitrix, que ajuda Ben a combater o
mal e a lutar contra criaturas alienígenas dispostas a atacar o planeta Terra para
recuperar o tal dispositivo.
Ao acionar o botão do poderoso aparelho, Ben 10 se transforma em outros seres,
como o Insectoide, alienígena que tem uma habilidade invejável para voos; Quatro
Braços, alienígena com uma força fenomenal para esmagar, lançar ou destruir algo;
XLR 8, alienígena com a aparência de um dinossauro com a capacidade de correr em
paredes e em superfícies irregulares, como lama, gelo e água; Diamante, alienígena
que tem um corpo cristalino e é mais resistente do que os próprios diamantes, capaz de
cortar quase tudo o que vê pela frente; Besta, alienígena com habilidades atléticas e
sobre-humanas com apurados olfato, audição e paladar; Massa Cinzenta, alienígena
com 13 cm de altura, capaz de entrar em espaços apertados e que possui uma dose
extra de inteligência; Aquático, alienígena nadador, capaz de transformar suas pernas
em uma grande cauda com nadadeiras e, também, apresenta mandíbulas fortes com o
poder de dar mordidas devastadoras; Ultra T (Ultra Tech), uma máquina viva com
pele de metal líquido, que transforma o dispositivo em algo mais potente ainda;
Chama, alienígena que vive no sol, capaz de disparar rajadas de fogo pelas mãos e
pela boca e, também, capaz de apagar um incêndio com a mesma rapidez que começa
um e, por fim, Fantasmático, ser sombrio capaz de atravessar paredes e de ficar
invisível e, que, também, apresenta uma aparência assustadora, impressionando o
próprio Ben 10, no momento de transformação.
Desse modo, percebemos que o universo infantil masculino está representado por
meio da figura do Ben 10, um menino “normal”, que encontra um objeto com poderes
sobrenaturais e que, a partir disso, torna-se um super-herói valente, bravo, audacioso e
muito determinado. Assim, os meninos constroem um elo entre o personagem e aquilo
154
que é acreditável socialmente como aspectos próprios da identidade masculina, como
seres fortes, imbatíveis e destemidos.
Há uma interação construída por meio do que é posto na embalagem e do que está
implícito na enunciação. A totalidade discursiva dessa mensagem contida na
embalagem só alcançará a sua concretude se todos os aspectos referentes ao não dito,
como, por exemplo, os implícitos ligados ao social, forem bem interpretados. O
publicista pretende criar sentidos e laços entre o público alvo pelo que a imagem de
Ben 10 representa no imaginário infantil masculino e não apenas pela beleza imagética
da embalagem.
Todo ato comunicativo apresenta um sujeito intencional, no caso o publicista, que
elabora seu discurso com a finalidade de atingir determinados objetivos. No caso da
publicidade, há um interesse comum, que é atingir o outro pela sedução e pelo
convencimento camuflado. O sujeito consumidor utiliza o Ben 10 para criar um laço
de afetividade com os meninos, na tentativa de ganhar a confiança deles, por meio de
uma mise en scène discursiva. Há uma performance, no ato linguageiro, que acontece
por meio das máscaras discursivas utilizadas pelo publicista, na tentativa de capturar o
outro para seus domínios.
Esse contrato de comunicação se estabelece por meio de alguns componentes
encontrados na situação comunicativa, tais como: o componente comunicacional, que
é responsável pela ligação entre produto e consumidor e que pode ser representado,
por exemplo, pela propagandista que atua nos supermercados e que faz a divulgação
do produto; o componente psicossocial, que é altamente subjetivo e que diz respeito ao
estado psíquico diante do ato de linguagem. Exemplo: um menino, que é fã dos
desenhos do Ben 10 se sentirá mais atraído pela embalagem do que outro que não é e,
for fim, o componente intencional, que está ligado à tentativa de conquista do público
alvo, que pode ser identificado pela escolha da figura do Ben 10 para representar os
meninos, visto tal personagem remeter a qualidades como força, valentia, coragem e
bravura.
Esse ato de linguagem, que funciona como uma encenação discursiva, é composto
por um circuito interno, formado por um EU enunciador e um TU destinatário,
protagonistas pertencentes ao discurso (seres do dizer) e por um circuito externo,
155
formado por um EU comunicante e um TU interpretante, parceiros exteriores ao
discurso com identidade psicossocial (seres do fazer).
Assim, o publicista faz uma aposta no ato de comunicação, por meio de fatos e de
crenças que ele acredita estarem circulando socialmente. Com isso, o sujeito
anunciante constrói possibilidades de identidade em seu proveito, no intuito de
capturar o outro para seus domínios. Imaginar um consumidor ideal é “apostar fichas”
em conceitos e em ideias que ele acredita estarem partilhados socialmente, pois, caso
contrário, a publicidade não atingiria o outro. O Ben 10 representa o heroísmo, a
fortaleza e o vigor, que estão embutidos no imaginário dos meninos, simbolizando
atributos ligados à virilidade e à masculinidade.
Desse modo, a legitimidade do sujeito é construída pela identidade social, pois o
indivíduo age de acordo com o que é aceito e compartilhado na sociedade. Ele pensa
da seguinte forma: “Se o caráter do homem está ancorado na sua virilidade e na sua
macheza, eu serei viril e macho.” Desse modo, o menino “precisa” se espelhar e se
identificar com o Ben 10 e não com as princesas ou com as fadas, pois não é o que a
sociedade espera dele. Observamos, com isso, um aprisionamento identitário, pois o
sujeito atuará no mundo em nome de um valor aceito por todos.
Fica estabelecida, então, a identidade social, colaborando para a formação de traços
psicossociais formados pelo “consentimento” de um grupo social. A imagem do Ben
10, estampada na embalagem de dentifrícios para meninos, reforça a questão do
estereótipo, pois generaliza os gostos e as atitudes de um determinado grupo social,
obrigando-o a se comportar desta ou daquela forma, em nome de um único ponto de
vista, que pode ser retrógrado e ultrapassado.
Já a identidade discursiva é construída por meio de estratégias de credibilidade e de
captação. O publicista precisa conquistar a confiança do público alvo ao criar uma
credulidade sobre seus dizeres. Utilizar uma publicidade com personagens que estejam
ligados ao universo masculino infantil, como um menino de 10 anos, com poderes
além do normal, é criar uma situação de fidedignidade sobre a marca do produto.
Desse modo, o sujeito anunciante cria uma atitude de engajamento sobre seus
“sinceros” dizeres, por meio de um posicionamento acerca do que é dito no discurso
(estratégias de credibilidade).
156
O discurso publicitário é elaborado no intuito de o publicista transmitir uma
imagem de benfeitor para o público alvo. Dessa forma, cria-se um discurso de
sedução, altamente envolvente, capaz de capturar o outro, por meio de um
compartilhamento de ideias, nessa interação comunicativa. Assim, ao selecionar a
imagem do Ben 10 com os braços para frente, sugerindo uma posição de combate, o
sujeito anunciante fortalece a imagem viril e corajosa destinada aos meninos, na
tentativa de criar uma imagem de sedução, valendo-se de encantos e de fascínio
(estratégias de captação).
Assim, os sentidos são construídos pelas maneiras de dizer o discurso. O Ben 10 é
um personagem que mexe fortemente com o imaginário masculino infantil, visto a
capacidade do personagem de se transformar em dez diferentes espécies alienígenas.
Dessa forma, o menino, ao se deparar com a imagem de Benjamin (Ben 10), constrói
significados a partir dos significantes expressos ligados aos alienígenas e,
consequentemente, aos poderes que cada um apresenta em sua composição.
Esse processo de semiotização é elaborado pelas maneiras de se pensar o real
(processo de transformação), compostas pelas seguintes categorias linguísticas:
identidade nominal, representada pela sigla CN (Cartoon Network), empresa norte-
americana responsável por entretenimentos, o substantivo creme na expressão creme
dental com flúor e cálcio, o logotipo Ben 10, criado desde a primeira temporada da
série, a marca Bitufo (termos substantivos); e pela identidade narrativa, representada
pelo verbo colecionar, na expressão colecione os super-heróis (verbos). Já a
qualificação (adjetivo) é representada pela caracterização dental com flúor e cálcio e,
por fim, a causação não está representada nessa imagem.
Outro processo de suma importância para que o sentido do ato de linguagem se
estabeleça é o de transação, que compreende alguns princípios, como o princípio de
alteridade, que é construído, na publicidade, com a finalidade de criar relações afins
entre o produto e o público alvo, como a figura do Ben 10, ligada à magia e ao
encanto, visto a possibilidade de o personagem adquirir novas formas e, também,
associada à força e à bravura, já que o objetivo do personagem é lutar contra o crime e
contra os alienígenas do mal; princípio de pertinência, ligado ao contexto e à sua
finalidade, como a posição de combate assumida pelo personagem, inclusive, com um
destaque para o Omnitrix, elemento central, que transforma o usuário em uma série de
157
seres alienígenas, na tentativa de seduzir o público alvo; princípio de influência, que o
publicista utiliza para trazer o outro para seus domínios, como a proposta de colocar
imagens dos alienígenas (tipo figurinhas) na lateral da embalagem para conquistar e
para seduzir os meninos, e o princípio de regulação, que corresponde ao entendimento
dos parceiros acerca do ato linguageiro, como diferenciar a composição do dentifrício
ao afirmar que o creme dental além do flúor, também, apresenta cálcio, visto a
preocupação dos pais em oferecer um produto eficaz ligado à saúde bucal de seus
filhos.
Vale ressaltar que o conteúdo imagético, na publicidade, é um recurso altamente
envolvente e sedutor, que revela a tentativa do publicista em criar traços de caráter
sobre os dizeres veiculados na publicidade (ethos). Esse processo de convencimento
sobre o outro fez parte da Retórica Aristotélica, que utilizou termos como inventio,
dispositivo e elocutio, para tal finalidade. A criação do discurso (inventio) pode ser
representada pela criatividade do publicista em veicular figurinhas na parte lateral da
embalagem para serem colecionadas pelo público alvo; o encadeamento das partes do
discurso (dispositio) pode ser representado pela escolha do fundo verde da embalagem
para acompanhar a calça verde, os raios verdes do Omnitrix e o termo Ben, também,
na cor verde, no logotipo Ben 10, na tentativa de criar uma homogeneidade na
percepção visual da embalagem; e a verbalização do pensamento (elocutio) pode ser
representada pela colocação do verbo colecionar no imperativo afirmativo, marca do
comportamento alocutivo, na informação colecione os super-heróis, que pode denotar
uma ordem, um pedido ou uma sugestão.
Sabemos, também, que essa noção de ethos está ligada à construção da imagem do
sujeito como um ser sincero e virtuoso (aretê), diferente de outras noções, como a de
pathos e a de logos. A solidariedade e o excesso de boa vontade (eunóia) podem se
articular ao pathos, que se baseia no estado emocional do outro; enquanto o bom-senso
(phrônesis) pode se relacionar ao logos, que se baseia no discurso claro e lógico.
Desse modo, o anunciante tenta criar uma publicidade, por meio dessas propriedades
implícitas instauradas nos modos de dizer, na tentativa de seduzir o público alvo pelo
convencimento e pela persuasão camuflada.
Essa intencionalidade discursiva é construída de acordo com a circunstância e a
finalidade do discurso. Sabemos que a compra e a utilização de dentifrícios é algo
158
comum e corriqueiro para a maioria da população. Com isso, o publicista tenta criar
estratégias sedutoras para cativar o público alvo. A mãe, normalmente a responsável
pela compra desse tipo de produto, também se utiliza dessas estratégias para
convencer o filho a escovar os dentes. Ela pode dizer: “Filho, vamos escovar os dentes
para depois recortarmos as figurinhas contidas na embalagem”, ou, ainda, “Filho,
vamos, sempre, comprar esse dentifrício para colecionarmos as figurinhas”, atingindo,
assim, a intenção do publicista em conseguir a captura do público alvo para seus
domínios.
Vale ressaltar, mais uma vez, que as figurinhas contidas na embalagem apresentam
a imagem do Ben 10 nas formas alienígenas, que simbolizam a força, a coragem e a
bravura do personagem. Desse modo, estabelecem-se as representações sociais ligadas
à questão do gênero masculino, que são construídas por meio de conhecimentos
compartilhados do mundo e de julgamentos prévios. O menino, desde cedo, é
colocado diante de um mundo, onde a virilidade está representada por ações e por
comportamentos que precisam ser próprios do homem, isto é, há uma “receita”, como
a de fazer bolo, que ensina ao menino ser macho e viril.
Encontramos, então, nessas representações, elementos ideológicos elaborados por
crenças e por valores construídos por opiniões e atitudes partilhadas na sociedade.
Criar um desenho que tem como protagonista um menino de apenas 10 anos e atribuir
forças sobrenaturais a esse garoto é fortalecer valores e conceitos cristalizados
socialmente, que levam à uma interpretação unívoca da realidade.
Há uma construção de sistemas de pensamento que faz o sujeito estabelecer
conceitos acerca das coisas da vida. O Ben 10 é um personagem que foge do padrão
dos super-heróis existentes, pois é um menino de 10 anos e não um homem, como a
maioria dos outros. O publicista, então, estabelece uma relação entre o que o Ben 10
representa e o que o menino precisa representar. O sujeito anunciante, provavelmente,
acredita que o menino se identificará mais com o Ben 10, que, também, é um garoto,
do que com outro super-herói de faixa etária adulta.
Percebemos, com isso, que o ato de linguagem é construído por meio de atribuição
de valores e de conceitos fundamentados nas esferas sociais. Assim, as construções
discursivas apresentam forte relação com os imaginários sociais e são formadas por
três tipos de memórias: memória dos discursos, ligada ao conhecimento de mundo
159
com base nas experiências vividas, como acreditar que o Ben 10 só possa agradar aos
meninos; memória das situações de comunicação, ligada à realização psicossocial do
ato de linguagem, como oferecer uma outra utilidade para a embalagem que,
supostamente, só serviria para acomodar o tubo dental, como montar um jogo de
memória ou recortar as figurinhas para colecionar, na tentativa de convencer a criança
de que o ato de escovação, também, pode ser um momento lúdico e de brincadeira e,
por fim, memória das formas, ligadas às maneiras de dizer, como a informação creme
dental com flúor e cálcio expressa de forma simples e clara.
Notamos, assim, que essas representações sociais podem conduzir a simbolizações
coletivas cristalizadas, que resultam, normalmente, em conotações negativas de um
mundo preconceituoso (estereótipo). Sugerir que determinada publicidade é destinada
exclusivamente aos meninos ou às meninas é tornar o mundo unívoco e é, também,
fortalecer a questão do preconceito, por meio de uma generalização excessiva acerca
do gênero (masculino/feminino).
Definir algo ou alguém, tendo como referência um modelo padrão (arquétipo) é
simbolizar o mundo por meio de um inconsciente coletivo que, na maioria das vezes,
estigmatiza modos e comportamentos não aceitos socialmente. Há um juízo de valor
exacerbado, que gera imagens pré-concebidas e cristalizadas na sociedade.
Desse modo, cria-se um discurso por meio de estratégias altamente intencionais e
que são elaboradas por meio de relações cotextuais, isto é, relações internas do texto e,
também, por relações contextuais, ou seja, relações entre os componentes internos e o
contexto.
Nas relações cotextuais, observamos uma harmonia na cor verde do fundo da
embalagem, combinando com os olhos do Ben 10, com a sua calça, com os raios
luminosos que saltam de seu dispositivo Omnitrix e com o logotipo (todos verdes,
também); a imagem do Ben 10 acompanhada do logotipo (talvez, para a identificação
do personagem) e a informação colecione os super-heróis acompanhada,
seguidamente, das figurinhas para serem recortadas.
Nas relações contextuais, podemos citar a seleção do Ben 10 para estampar a
embalagem do produto, visto a necessidade de associar a marca a um personagem que
está veiculado ao universo infantil masculino. A publicidade deve criar uma imagem
160
sedutora e que envolva o público alvo, fazendo com que ocorra uma identificação
entre os sujeitos participantes desse ato de comunicação. É interessante percebermos
que esse personagem foi criado por uma franquia de desenhos animados norte-
americana denominada Man of Action (homens em ação) e, que, pelo próprio nome, já
denota o tipo de composição de seus personagens. Na parte verbal, há um destaque no
tamanho das letras na marca Bitufo (com o fundo na cor vermelha para realçar a
informação), no logotipo Ben 10 e no sabor tutti frutti, com o objetivo de chamar a
atenção do provável consumidor.
Assim, todas essas estratégias utilizadas na publicidade são elaboradas no intuito de
criar um laço de afetividade e de identificação com o outro. Transformar uma simples
aquisição de um dentifrício para uso diário em algo especial é o objetivo do publicista,
que tentará elaborar estratégias de encantamento para capturar o público alvo. Veicular
imagens sedutoras e criar um mundo dos sonhos perfeito e ideal promovem a interação
entre os sujeitos discursivos pela afetividade, gerando a satisfação e a felicidade do
consumidor.
161
ANÁLISE 5
- Embalagem atual
- Ano de veiculação: 2013/2014
- Marca: Ultra Action Kids
Tema: Minnie
A embalagem com a imagem da Minnie, personagem da Disney pertencente ao
universo do Mickey, seu namorado, constitui um ato linguageiro de interpretações
baseado na relação forma-sentido e que é instaurado por meio de um sujeito
intencional, no caso, o publicista, que cria um universo sedutor para as meninas.
A publicidade, normalmente, é criada tanto por meio de valores explícitos quanto
por meio de valores implícitos, ambos indissociáveis e igualmente relevantes para o
processo de construção de sentidos. Há uma comunicação com o receptor da
mensagem, isto é, com o público alvo, na tentativa de interagir e de criar um laço
162
afetivo que encante e que afete tal público, objetivando o consumo da mercadoria e a
fidelidade do cliente à marca.
A Minnie é uma personagem altamente sedutora, criada em 1928 por Walt Disney
e que tem como nome original Minerva Mouse, porém, todos a conhecem por Minnie.
Teve a sua primeira aparição em janeiro de 1930, nos EUA, na história em quadrinhos
Lost on a Desert Island (Perdido em uma ilha deserta). Minnie é o par romântico de
Mickey, ratinho símbolo do mundo encantado de Walt Disney, e tem duas amigas: a
Clarabela, uma vaquinha simpática, atraente e amiga do Pateta, e a Margarida, uma
patinha doce e meiga, namorada do Pato Donald.
Esse universo encantado exerce uma influência social sobre aqueles que participam
e que compartilham dessas ideias, constituindo um ato de linguagem envolto pelo
posto e pelas entrelinhas discursivas. O sujeito anunciante, ao escolher a Minnie como
personagem central dessa publicidade, está, intencionalmente, “alimentando” a ideia
de que a delicadeza, a doçura e a meiguice fazem parte do universo das meninas, na
tentativa de associar essa embalagem ao público infantil feminino.
O sujeito anunciante cria a publicidade de modo a associar a parte linguística com o
universo extralinguístico, na tentativa de provocar sentimentos e sensações no outro,
por meio de máscaras discursivas, instauradas no ato de comunicação. Essa mise-en-
scène discursiva é muito utilizada pelos publicistas, que se valem desse recurso para
seduzir o público alvo e para trazê-lo para junto de si.
A Minnie “funciona” como a “Primeira-dama” das histórias infantis, visto a
importância do Mickey Mouse no mundo de Walt Disney. Desse modo, percebemos
que o sujeito anunciante objetiva uma visada de influência junto a uma
intencionalidade, que coloca a Minnie como chamariz para o público alvo, no caso, as
meninas.
Assim, quando se estabelece essa relação interacional entre os sujeitos discursivos,
cria-se um contrato de comunicação, que é composto por três componentes: o
comunicacional, que liga o produto ao público alvo, como, por exemplo, a publicidade
acerca dos dentifrícios postada na internet. Desse modo, o computador será uma
ferramenta do componente comunicacional, pois terá feito a ponte entre o produto e o
público alvo. O segundo componente é o psicossocial, que está ligado ao sentimento,
163
no momento de aquisição do produto. Por exemplo, se uma menina faz aniversário
com o tema Minnie, poderá se identificar e se encantar com essa embalagem; e, por
fim, o intencional, que está voltado para o público alvo. Por exemplo, a seleção da
vestimenta da Minnie composta por um vestido rosa de bolinhas brancas
acompanhado de um laço de cabelo da mesma cor, sendo a mesma de vários episódios
da série A casa do Mickey Mouse, provavelmente, poderá fixar a imagem da ratinha,
na mente do público alvo, ou ainda, divulgar a série infantil.
Percebemos, com isso, estar a relevância da encenação discursiva pautada na
relação entre os sujeitos participantes desse jogo cênico. Se por um lado, há aquele que
quer divulgar e comercializar o produto (publicista), por outro, há aquele que quer ou
precisa ser seduzido para adquirir algo (público alvo). As circunstâncias do discurso
precisam ser averiguadas, no contrato de comunicação, para que se consiga o êxito
comunicativo. Assim, o publicista precisa criar uma embalagem de dentifrícios para
meninas que apresente imagens ligadas ao universo delas, de acordo com o senso
comum, no intuito de promover uma adesão aos seus dizeres.
A Minnie é companheira, dócil e tem um carisma muito forte, provavelmente por
ser a grande confidente e amada do Mickey. Ela é divertida, animada e está sempre
disposta a colaborar com os amigos, nos momentos difíceis. Desse modo, aproximar
esse universo lúdico da Minnie do ato de escovação é uma estratégia utilizada pelo
sujeito anunciante, na tentativa de seduzir as meninas e de tornar a escovação dental
algo prazeroso e agradável, visto a rejeição de algumas crianças em praticar tal ação.
Percebemos, então, que o ato de linguagem necessita dos saberes supostos que
circulam entre os sujeitos discursivos, para que o encontro dialético entre os processos
de produção e de interpretação se estabeleça. Há um circuito externo, constituído de
parceiros exteriores ao discurso, formado por seres reais com identidade psicossocial e
um circuito interno, constituído de parceiros pertencentes ao discurso, formado por
seres do imaginário, da palavra, criando expectativas referentes à encenação
discursiva.
O ato de linguagem, por meio de seus participantes, instaura posicionamentos, isto
é, pontos de vista acerca das coisas do mundo, situando o sujeito no aqui e no agora. O
publicista utiliza a imagem da Minnie para corroborar o que circula socialmente. A
menina, para ganhar credibilidade e ser aceita pelos membros de uma comunidade,
164
acredita que deva ser meiga, simpática, alegre, carinhosa e companheira. A Minnie
preenche todos esses requisitos e ainda é bem sucedida emocionalmente, pois se
relaciona com o protagonista dos personagens de Walt Disney, o Mickey Mouse. Qual
menina não gostaria de namorar o líder da escola ou o garoto mais popular da rua onde
mora? Qual garota não gostaria de ser apontada na rua como a namorada “do cara”? A
Minnie carrega esse “troféu” por onde passa e não se importa de ser vista dessa forma.
Há uma relação sociointerativa entre o sujeito anunciante e o público alvo, formada
por construções identitárias, que fortalecem a imagem que os sujeitos projetam de si,
como a identidade social e a identidade discursiva. A identidade social legitima o
sujeito a agir desta ou daquela forma, em nome de um valor institucionalizado, como
se o vestido, o laço de cabelo e o carro da Minnie na cor rosa “autorizassem” as
meninas a usarem roupas e objetos com essa cor; enquanto a identidade discursiva é
construída por meio de estratégias de credibilidade, como a informação Baixa
abrasividade contida na embalagem, denotando valor de verdade e,
consequentemente, confiabilidade (atitude de engajamento); e estratégias de captação,
como o sorriso da Minnie e sua posição de braços abertos como um pedido de abraço,
na tentativa de conquistar o outro (atitude de sedução).
Percebemos, com isso, que o processo de construção de sentidos está ligado aos
modos de dizer. O sujeito estabelece relações com o outro, no ato de comunicação, de
acordo com o que está posto linguisticamente e com o que tais dizeres representam
socialmente. A semiotização do mundo está ligada aos processos de transformação e
de transação. O processo de transformação, que converte o mundo a significar em um
mundo significado, por meio da linguagem, apresenta quatro categorias linguísticas,
que são: identificação (substantivos), como a logomarca Disney, a marca Ultra Action
Kids, o substantivo casa ( a casa do Mickey Mouse) e o substantivo Gel da expressão
Gel dental com flúor ativo; qualificação (adjetivos), como a expressão caracterizadora
dental com flúor ativo; ação (verbos) e causação (modalizadores) não foram
encontrados na embalagem.
O processo de transação apresenta quatro princípios, que são: alteridade
(interação), como a escolha da cor rosa para colorir grande parte da embalagem, visto
ser destinada, pelo senso comum, ao público feminino; pertinência (ato apropriado ao
contexto), como o figurino usado pela Minnie ser o mesmo que ela usa nos episódios
165
A casa do Mickey Mouse; influência (captura do outro), como o semblante alegre da
personagem, que procura contagiar o receptor e, por fim, regulação (ligado ao quadro
situacional), como oferecer uma imagem envolvente e sedutora na embalagem para
tornar o ato de escovação algo lúdico e prazeroso.
Com isso, o discurso se instaura no ato de comunicação, por meio das maneiras de
dizer do publicista, que constrói uma imagem sedutora, na tentativa de convencer e de
persuadir o público alvo. O objetivo do sujeito anunciante, nessa publicidade, é ganhar
a confiabilidade das meninas, que “precisam” criar laços afetivos para se identificarem
com o produto. Elaborar uma embalagem com a Minnie e com o seu mundo encantado
cor-de-rosa é tentar aproximar esse universo do caráter e do tipo social do sujeito
anunciante (ethos), pouco importando se essa imagem do anunciante/produto é real ou
não.
Essa tentativa de ganhar a confiança do outro pelo discurso existe desde a Retórica
Aristotélica, que utilizava recursos estratégicos, como inventio, ligado à criação do ato
comunicativo, visto, nessa imagem, pela escolha da natureza como pano de fundo, que
completa o cenário; dispositio, que representa a ligação entre as partes do discurso,
como o recurso à cor rosa, nessa imagem, estar presente no vestido, no laço, no carro
da Minnie, no termo Action da marca Ultra Action Kids e no fundo da logomarca
Disney; e, por fim, elocutio, que representa a verbalização do pensamento, visto, por
exemplo, na forma colorida das letras da informação A casa do Mickey Mouse.
Assim, o ethos construído pelo sujeito anunciante, que procura elaborar a imagem
do produto de maneira simples e franca, como a informação Baixa abrasividade
contida nessa embalagem, denota sinceridade por parte do publicista (aretê). Para
conseguir a captação do público alvo para seus domínios, o anunciante precisa,
também, despertar sentimentos que liguem o futuro consumidor à marca (pathos),
denotando afeto e estima em relação ao outro (eunóia), como o olhar meigo e
cativante da Minnie e seus braços abertos como se quisesse dar um abraço no receptor
da mensagem. Outra noção extremamente relevante para o processo de convencimento
sobre o outro é a de logos, argumentação clara e compreensível, como o sujeito que
apresenta prudência e competência em seus dizeres (phrônesis), visto na embalagem
na informação Gel dental com flúor ativo.
166
Desse modo, o sujeito anunciante cria um discurso que atinge o outro pelos modos
de dizer. Há um propósito comunicativo, no ato de linguagem, que está ligado à
intencionalidade discursiva e que é construído por meio de ideias circulantes no
mundo. Relacionar a imagem da Minnie com o universo das meninas é ratificar o que
está compartilhado socialmente. Associar a cor rosa ao gênero feminino é cristalizar
considerações e conceitos acerca das coisas do mundo, por meio de crenças sociais
aceitas pela coletividade.
O pensamento humano funciona por meio de sistemas cognitivos pautados em
saberes, construídos com base nas ideias e nas crenças acerca do mundo. Assim, a
construção do dizer estará ligada ao social, pois a historicidade do sujeito e a sua visão
de mundo contribuirão fortemente para o seu modo de agir na vida real. Tais saberes
podem ser agrupados da seguinte forma: saberes de conhecimento e saberes de crença.
Podemos exemplificar os saberes de conhecimento, nessa embalagem, pela escolha
da Minnie e de seus trajes cor-de-rosa, pelo publicista, que acredita, por conhecimento
de mundo compartilhado, que tal imagem seduzirá o público infantil feminino (saberes
de experiência); enquanto os saberes de crença estão ligados aos julgamentos
subjetivos, construídos por juízos de valor, como o fato de o sujeito anunciante, nessa
embalagem, utilizar um lugar ligado à natureza como pano de fundo com o objetivo de
seduzir pela suposta beleza da imagem (saberes de opinião).
Tais representações podem funcionar como cristalizações coletivas e sociais e,
desse modo, estarão instauradas no campo dos estereótipos, vistos como uma
generalização excessiva ou indevida, normalmente negativa, acerca das coisas do
mundo. Caso o publicista acredite piamente que a imagem da Minnie só agrade e
seduza as meninas, esse pensamento pode contribuir para estereotipar esse grupo
social.
Podemos, também, considerar os arquétipos, as ideias comuns e os clichês como
elementos de representações simbólicas e sociais. Os arquétipos, vistos como modelos
padrões construídos pelo inconsciente coletivo, representam as meninas como seres
dóceis e meigos, distanciando as mesmas de temas ligados à ação e à aventura; as
ideias comuns, associadas aos modos de afirmar, apresentam um juízo de valor, como
o destaque para a logomarca Disney, no canto superior direito da embalagem,
denotando uma ideia de que, por estampar a marca Disney, o produto já ganha
167
credibilidade (argumento de autoridade); e, por fim, os clichês, vistos como expressões
representadas sempre iguais, como a expressão Baixa abrasividade, exposta, sempre
da mesma forma, nas embalagens.
Percebemos que essas estratégias utilizadas pelo sujeito anunciante contribuem
para o êxito desse evento comunicativo, visto a constante interação entre aspectos
linguísticos e cognitivos com a sociedade. As relações contextuais ( o vínculo interno
entre os elementos constitutivos do discurso) podem ser observadas, por exemplo, na
escolha da cor rosa com bolinhas brancas do vestido e do laço da Minnie, causando
uma harmonia no visual da personagem. Já as relações contextuais ( o vínculo entre o
texto e contexto) podem ser observadas na informação A casa do Mickey Mouse, que
remete ao seriado de desenho animado da Disney.
Assim, o sujeito anunciante cria um discurso sedutor, que penetra no mundo dos
sonhos e da fantasia. A maneira de construção da imagem, tanto dos aspectos verbais
quanto dos aspectos não verbais é elaborada minuciosamente pelo publicista, que
procura embutir a possibilidade de felicidade e de concretização dos sonhos para o
público alvo.
Percebemos, por exemplo, que o termo Disney, já citado anteriormente, está posto
na parte superior direita da embalagem, ou seja, em posição de destaque, visto ser uma
marca forte no mercado de entretenimento e, que, consequentemente, funciona como
um argumento de autoridade; que a marca do produto Ultra Action Kids apresenta
formatos e cores diferentes, no intuito de criar um destaque; que a informação Baixa
abrasividade, com letras pequenas e na parte inferior direita da embalagem, é
construída dessa maneira para evitar destaque, visto a abrasividade poder gerar um
sentido negativo no produto e que a informação A casa do Mickey Mouse está posta
com letras grandes e coloridas, provavelmente, no intuito de promover o seriado de
desenho animado com o mesmo nome.
Notamos, ainda, que a imagem da Minnie está posta com um semblante feliz e com
os braços abertos (como quem pedisse um abraço, já dito anteriormente, ou como
quem estivesse apresentando o dentifrício Ultra Action Kids e também o seriado
infantil A casa do Mickey Mouse), no intuito de seduzir e capturar o receptor da
mensagem; que há no pano de fundo: celeiro, árvores, vegetação e céu azul, podendo
estar se referindo à morada do Mickey (no seriado) e, por fim, que há um destaque na
168
cor rosa do laço, do vestido e do carro da Minnie, visto, como já citado também, a
importância dessa cor para o universo feminino, simbolizando romantismo, ternura,
beleza, ingenuidade, fragilidade, enfim, características compartilhadas socialmente e
que são atribuídas, pelo senso comum, ao gênero feminino.
Percebemos, assim, que o material explícito na mensagem atingirá seu objetivo
máximo, isto é, a interpretação adequada, se analisado concomitantemente com o
material implícito (pressupostos e inferências). Vale ressaltar que o pressuposto é um
dado posto na mensagem como indiscutível e incontestável; enquanto a inferência
(subentendido) pode ser questionada, como, por exemplo, a informação de que o carro
rosa pertence à Minnie (inferência possível).
Assim, o discurso da publicidade é construído, por meio de estratégias e de
recursos tanto linguísticos quanto icônicos. O sujeito anunciante, por meio de uma
afetividade intencional, tentará seduzir e capturar o público alvo para seus domínios de
forma camuflada e eficaz.
169
ANÁLISE 6
- Embalagem atual
- Ano de veiculação: 2013/2014
- Marca: Ultra Action Kids
- Tema: Mickey Mouse
A publicidade tem como aspecto linguageiro o ato comunicativo envolto por
sujeitos históricos e sociais em interação, resultando em um contrato firmado entre tais
membros inseridos na sociedade. A embalagem com a imagem do Mickey representa
uma construção de sentidos elaborada por um sujeito intencional, que instaura uma
relação forma-sentido acerca de um projeto que liga o social ao linguístico.
170
Há um valor explícito que precisa ser investigado junto a um valor implícito, pois
ambos constituem o ato linguageiro em sua totalidade discursiva. O publicista constrói
o seu discurso por meio de uma mise-en-scène, no intuito de criar uma performance
que encante e que seduza o outro.
Michael Mickey Mouse (nome original), mais conhecido como o ratinho Mickey,
é o símbolo de Walt Disney Company, criado pelo próprio Walt Disney, em 1928, e,
também, pelo desenhista Ub Iwerks. A alteração do nome ocorreu pelo fato de Lillian,
esposa de Walt Disney, considerar o nome Michael muito formal para o personagem.
É interessante pontuarmos que o personagem, no início, era politicamente incorreto,
pois ingeria bebidas alcoólicas e fumava cigarros, porém com sua popularidade, Walt
Disney resolveu torná-lo sem vícios (em 1930).
Vale ressaltar que Walt Disney teve um carinho especial pelo personagem, pois
resolveu usar a própria voz para dublá-lo. O Mickey fez tanto sucesso que passou de
um simples personagem das histórias infantis para se tornar o símbolo do Walt Disney
World, conhecido mundialmente. É importante considerarmos, também, que o Mickey
foi o responsável pela ascensão profissional de Walt Disney, visto o declínio
financeiro que o empresário estava vivendo. Desse modo, ele fez do ratinho o seu
amuleto, inclusive, rebatendo e negando as considerações de seus sócios, que queriam
“matar” o personagem, pois eles acreditavam que o Mickey seria um futuro fracasso
dos desenhos infantis.
O personagem se tornou tão importante nos Estados Unidos que a Lei dos Direitos
Autorais (domínio público) foi alterada e ampliada por mais vinte anos (antes, durava
setenta anos e, depois, passou a durar noventa anos). Walt Disney Company entrou
com esse pedido na justiça para aumentar o prazo dos direitos autorais sobre o
Mickey, que passou do ano de 1998 para o ano de 2018. Vale lembrar que essa Lei de
prorrogação do copyright ganhou o apelido de Lei Mickey.
O Mickey foi criado no curta-metragem mudo de animação Plane Crazy (o maluco
do avião), primeiro filme de desenho animado mudo de Walt Disney, em 1928, porém
sua primeira aparição foi no desenho sonoro Steamboat Willie (o barco a vapor de
Willie), apresentado no Colony Theatre, em Manhattan, Nova York, também em 1928.
Isso ocorreu devido ao fato de o som ter surgido nas telas dos cinemas nesse período,
171
no meio da elaboração do filme mudo. Desse modo, os produtores criaram,
rapidamente, um desenho sonoro com o personagem Mickey para marcar a sua estreia.
Percebemos, assim, a força do personagem na construção de sentidos, pois sua
trajetória de sucesso é percebida, até hoje, na sua representatividade, no mundo de
Walt Disney. Desse modo, o publicista, ao construir a embalagem com a imagem do
Mickey, estará comunicando ao seu interlocutor que a marca Ultra Action Kids
apresenta tantas qualidades quanto as do ratinho da Disney. O Mickey é o simpático
namorado da Minnie, o amigo inseparável do Pato Donald, do Pluto, da Margarida, do
Pateta e do Coronel Cintra, e tio dedicado do Chiquinho e do Francisquinho. O
ratinho, também, combate o mal, sendo inimigo do Bafo de Onça, do Mancha Negra e
do Ranulfo.
Desse modo, percebemos que há uma intencionalidade, por parte do sujeito
anunciante, que utiliza uma imagem altamente rica, no que diz respeito aos sentidos
gerados, para conseguir a adesão do consumidor aos seus domínios. A imagem do
Mickey não constrói um único sentido, pois há um discurso em movimento, nunca
estático, que elabora dizeres e sentidos, por meio das representações sociais e
discursivas, embutidas no ato comunicativo.
Percebemos, com isso, que se instaura no processo comunicativo o contrato de
comunicação, representado por três componentes: o comunicacional, o psicossocial e o
intencional. O componente comunicacional é aquele que liga o produto ao
consumidor; enquanto o componente psicossocial é aquele que depende da reação
emocional da criança diante da aquisição do produto, como, por exemplo, uma criança
que, tendo todos os vídeos da série A casa do Mickey Mouse, se sentirá muito mais
atraída por essa embalagem do que aquela que não assiste aos desenhos com esse
personagem. Já o componente intencional, ligado aos consumidores do produto, pode
ser representado, por exemplo, pelo fato de o Mickey estar trajando suas vestimentas
originais, como calça vermelha com dois botões brancos e luvas brancas, no intuito de
fixar a imagem do ratinho na mente das crianças.
Notamos, assim, que o ato de linguagem se torna uma encenação discursiva, pois
os sujeitos interagentes do discurso atuam nesse processo interacional, por meio de
processos enunciativos de produção (criado por um EU comunicante e dirigido a um
TU destinatário) e de interpretação textuais (criado por um TU interpretante, que
172
constrói uma imagem do EU enunciador para o locutor). O sujeito anunciante elabora
a publicidade, por meio das circunstâncias do discurso, envolto por saberes que
circulam entre aqueles que participam desse jogo cênico linguageiro.
Esse processo interenunciativo é construído por meio de uma mise en scène
discursiva composta por sujeitos de ação EU e TU. Desse modo, estabelece-se a
relação contratual no circuito interno, composto por um EU enunciador, que se
relaciona com um TU destinatário (seres do dizer); e um circuito externo, composto
por um EU comunicante, que se relaciona com um TU interpretante (seres do fazer).
Com isso, cria-se um processo constitutivo identitário, que apresenta forte relação
com as questões discursivas e sociais. O sujeito anunciante cria uma imagem do
dentifrício, por meio do que é posto tanto pela linguagem verbal, quanto pela
linguagem imagética. A identidade social é construída por meio de direitos e de
deveres que o sujeito deve exercer em nome do que é esperado pela coletividade
(traços psicossociais). Há, com isso, um efeito de influência sobre o outro, que,
construirá sentidos não só pela identidade social, mas também, pela identidade
discursiva, que se constrói pelas escolhas que o sujeito faz para conseguir a adesão do
outro, no que diz respeito aos seus dizeres.
A identidade social legitima o sujeito a agir desta ou daquela forma, como, por
exemplo, na questão ligada às cores. Desde a gestação, os pais, antes de saberem o
sexo do bebê, constroem o mundo infantil com outras cores, excluindo o azul ou o
rosa, que marcam o gênero masculino/feminino, respectivamente. Percebemos, com
isso, que, desde cedo, a criança é sugestionada, de início, pelos pais e, depois, pela
sociedade, a se identificar com determinadas imposições críveis socialmente. Há um
compartilhamento de ideias que diferenciam a criança e a colocam de lado, caso ela
não aceite determinados ideais construídos pela coletividade.
A identidade discursiva é construída por meio de um duplo espaço de estratégias, a
de credibilidade e a de captação. Nas estratégias de credibilidade, o sujeito anunciante
tenta criar um discurso que passe sinceridade e que construa uma imagem da marca do
produto com valor de verdade. É como se ele pensasse: “O que devo fazer para
levarem meu produto a sério?”
173
O sujeito anunciante precisa, então, dispor de estratégias de credibilidade para
conseguir a confiança de seus dizeres, que é verificada, nessa publicidade, por uma
atitude de engajamento, como por exemplo, Baja Abrasividad (ressaltando que a
expressão se encontra em espanhol por se tratar de um produto que é exportado para
vários países), que passa uma imagem de credulidade acerca do produto.
Outra estratégia de suma importância no processo de construção da identidade
discursiva é a estratégia de captação, que visa ao convencimento sobre o sujeito
destinatário. O publicista utiliza determinados artifícios para conseguir a adesão do
público alvo aos seus dizeres, como, por exemplo, a informação Gel dental com flúor
activo (gel dental com flúor ativo), na tentativa de seduzir (atitude de sedução) e de
capturar o outro pela presença do flúor no dentifrício, denotando a eficácia e a boa
qualidade do produto.
Desse modo, os sentidos são construídos pela semiotização do mundo, que situa o
sujeito mediante as circunstâncias do discurso. O ato comunicativo, para ser bem
interpretado, precisa ser pautado nos processos de transformação e de transação. O
processo de transformação, que marca a maneira de se pensar a realidade por meio da
linguagem, é composto por quatro categorias linguísticas, que são: identificação
(substantivos), como, por exemplo, os termos Gel, flúor, Action, Abrasividad, Disney e
Bubble gum (chiclete); qualificação (adjetivos), como, por exemplo, os termos dental,
Activo (ativo) e Baja (baixa); já a ação (verbos) e a causação (elementos
modalizadores) não foram encontrados na embalagem.
O processo de transação, que está ligado às instâncias de produção e de
interpretação, vinculadas à interação entre o sujeito destinatário e o “mundo
significado”, apresenta quatro princípios, que são: princípio de alteridade, ligado à
interação entre os sujeitos discursivos, por meio de saberes compartilhados
socialmente, como acreditar que a cor azul da embalagem possa remeter ao universo
masculino; princípio de pertinência, ato apropriado à sua finalidade, como a escolha de
um personagem das histórias infantis para estampar a embalagem de um dentifrício
para crianças; princípio de influência, responsável pela captura do outro, por meio de
uma intencionalidade, como o sorriso cativante do ratinho; e, por fim, o princípio de
regulação, ligado às estratégias que regulam o jogo de influências, como a tentativa de
criar um ambiente lúdico associado ao ato de escovação dental, visto nas bolinhas
174
brancas, no fundo da embalagem, e nas estrelas amarelas, próximas à luva do Mickey,
denotando uma magia e um encanto sedutor na imagem.
Assim, o sujeito anunciante cria uma imagem de si e, consequentemente, do
produto, no intuito de oferecer uma credibilidade discursiva, por meio do que é
proferido no discurso. Desse modo, instaura-se, no ato comunicativo, a noção de
ethos, que representa a imagem que o publicista elabora para o produto. Há uma
tentativa, por parte do publicista, de elaborar uma publicidade que torne o produto
digno de confiança, com o objetivo de seduzir o público alvo. Notamos que a
publicidade deve parecer franca, isto é, quanto mais o discurso parecer sincero,
maiores serão as possibilidades de adesão aos dizeres (aretê), como a informação Baja
abrasividad (baixa abrasividade), que denota um discurso verdadeiro e,
consequentemente, natural e autêntico.
Desse modo, as maneiras de dizer instauradas no discurso contribuirão fortemente
para a imagem de credibilidade e de confiabilidade do produto. Aristóteles, em sua
Retórica, considerou relevante a utilização de termos essenciais para o processo de
construção da imagem do sujeito orador, como inventio, ligado à criação do discurso,
como o fundo da embalagem, que contem bolinhas brancas, denotando sonhos e
fantasias; dispositio, isto é, o encadeamento das partes discursivas, como a posição do
Mickey, que parece estar em movimento com os braços e, que, com isso, pode fazer
uma ligação com a marca Ultra Action Kids (que tem o termo ação em sua
composição); e por fim, elocutio, entendido como a verbalização do pensamento,
como expressar o sabor Bubble Gum (chiclete) dentro de uma imagem com formato de
estrela, visto o produto ser destinado ao público infantil.
Percebemos, então, que as formas de enunciar o discurso influenciam bastante o
sujeito consumidor, no momento de aquisição do produto. Vale ressaltar que essas
formas são construídas, também, com base em termos significativos, no que diz
respeito à construção de sentidos, como o pathos, ligado ao estado emocional que se
pretende despertar no outro, articulado à tentativa de construir uma imagem agradável
de si (eunóia), visto, por exemplo, no semblante feliz do Mickey e, ainda, o logos,
ligado ao argumento claro e compreensível, demonstrado por um discurso ponderado
(phrônesis), visto, por exemplo, na informação Gel Dental com Flúor Activo.
175
Notamos, assim, que a publicidade é construída pela relação que o sujeito
anunciante cria com o público alvo. As circunstâncias e a finalidade do discurso
contribuem fortemente para as representações sociais instauradas no ato comunicativo.
Há saberes que precisam ser compartilhados para que o jogo discursivo se estabeleça
entre os atores sociais, como saberes de conhecimento, que, na publicidade, são
construídos por meio de explicações baseadas em experiências acerca do mundo
socialmente partilhado (saberes de experiência) e, também, saberes de crença, que, na
publicidade, são construídos por meio de julgamentos subjetivos acerca do mundo,
como, por exemplo, uma opinião relativa acerca do Mickey, considerando o
personagem inocente (opinião totalmente subjetiva).
As representações sociais podem, muitas vezes, funcionar como elementos
cristalizados socialmente. Como o Mickey faz par romântico com a Minnie, é muito
comum que o público infantil se divida, na questão relacionada ao gênero
(masculino/feminino), tendo os meninos uma identificação com o Mickey e as
meninas, com a Minnie. As crianças, normalmente, no dia a dia, fazem esse tipo de
separação, como, na escola, onde elas se dividem em grupos: de um lado, os meninos
e de outro, as meninas. Vale ressaltar que, se algo foge dessa maneira de se pensar, é
muito comum o grupo desprezar aquele que não se enquadra no que é compartilhado
socialmente, praticando bullying movido a preconceitos e criando juízos de valor
sobre atos e comportamentos alheios.
Os estereótipos, vistos como uma ideia preconcebida acerca de um grupo social,
são representações cristalizadas acerca de uma dimensão isolada da realidade, como,
por exemplo, acreditar que o Mickey e a cor azul só agradem aos meninos. Outra
representação também posta, nessa embalagem, é a noção de clichê, vista como uma
expressão cristalizada, repetida sempre da mesma forma, como a expressão Baja
Abrasividad (baixa abrasividade), colocada, nas embalagens de dentifrícios, sempre do
mesmo jeito, como vimos nas análises anteriores.
Percebemos que o discurso funciona por meio das relações criadas pelos elementos
internos do discurso, isto é, entre os elementos linguísticos (relações cotextuais),
como, por exemplo, as informações Gel Dental com Flúor Activo e Baixa
Abrasividad, que correspondem à composição química do produto, estarem postas
com as letras do mesmo tamanho e da mesma cor; e, também, pelas relações criadas
176
entre os elementos internos e o contexto (relações contextuais), como, por exemplo, a
marca Disney posta em destaque, separadamente, no lado esquerdo inferior da
embalagem, visto o argumento de autoridade que a marca apresenta pela sua
representatividade no mundo de entretenimento mundial, como um selo de qualidade
do produto.
Assim, a publicidade constrói sentidos pelas maneiras de dizer e de mostrar o
discurso, pois o sujeito anunciante criará estratégias para promover o convencimento
sobre o público alvo. Encantar os meninos pelo que o Mickey representa é instaurar
sentidos embutidos no mundo dos sonhos infantis, por meio de uma afetividade e de
uma felicidade criadas, intencionalmente, para gerar a interação entre os sujeitos
discursivos no ato comunicativo.
Outro recurso altamente eficiente no que diz respeito aos meios de persuasão e de
convencimento sobre o outro é a questão das cores. Percebemos que a embalagem
investigada apresenta, predominantemente, a cor azul, pois se crê pelo senso comum,
que essa cor faz parte do universo masculino. Dificilmente, um menino iria adquirir
um produto na cor rosa, ou ainda, com a Minnie estampada na embalagem do
dentifrício, pois o menino e sua mãe estariam “fugindo” do que é aceito e permitido
socialmente. Notamos, também, um destaque na marca do produto Ultra Action Kids
escrita com as cores vermelha (cor chamativa que, inclusive, é utilizada em correção
de provas) e amarela (cor que remete à prosperidade e à riqueza, inclusive, muito
utilizada na publicidade). Desse modo, o publicista utiliza o universo das cores
baseado no que elas podem representar culturalmente, no intuito de capturar o público
alvo para seus domínios.
Assim, o texto publicitário é construído pelo sujeito anunciante, que procura
instaurar no discurso aspectos que vão além da superfície textual. Criar uma
publicidade sedutora envolve tanto o que está explicitado na superfície textual quanto
o que é elaborado implicitamente. Vale ressaltar que os implícitos apresentam duas
categorias distintas: os pressupostos, tidos como sentenças verdadeiras e verificados
linguisticamente no discurso; e as inferências (ou subentendidos), que são ideias
deduzidas, não comprovadas linguisticamente, como, por exemplo, supor que o sujeito
anunciante posicionou o Mickey com uma ideia de movimento, como se ele estivesse
177
dançando ou, ainda, como se ele estivesse contando uma luta que teve e de que se saiu
vitorioso.
Notamos, então, que o discurso publicitário é altamente rico, no que diz respeito
aos modos de elaboração e de interpretação discursiva. O publicista constrói um
universo dos sonhos e de fantasias, na tentativa de seduzir o consumidor, por meio de
estratégias que envolvem tanto os aspectos linguísticos quanto o que está ligado ao
conhecimento de mundo. Dessa forma, cria-se um elo entre o sujeito anunciante e o
público alvo, promovendo a interação e o possível êxito do ato comunicativo.
178
ANÁLISE 7
- Embalagem antiga
- Ano de veiculação: década de 1970
- Marca: Colgate
Tema: A pasta de dente “Colgate com gardol”
ANOS 70
179
As embalagens de dentifrícios da década de 1970, geralmente, serviam apenas
como suporte para o creme dental, pois parece que os publicistas pela peça publicitária
ainda não as utilizavam como veículo imagético, na tentativa de seduzir o público alvo
pelas representações construídas em sua superfície. Desse modo, os métodos de
divulgação e, consequentemente, de chamar o outro para seus domínios eram feitos
por meio de publicidades veiculadas em revistas, radio e televisão, sendo que a
embalagem do dentifrício integrava-se ao todo da mensagem publicitária.
Assim, o ato de comunicação se instaura no discurso, que é construído por um
sujeito intencional, que atua em um projeto de influência social. Nesse sentido, a
publicidade, para alcançar o êxito comunicativo, é construída e analisada por meio de
um duplo valor: explícito e implícito. É importante pontuarmos que esses valores são
fundamentais, no que diz respeito aos meios de construção de sentidos, pois a
amplitude de significâncias acerca do ato comunicativo é a responsável pela efetiva
realização do ato linguageiro.
O sujeito anunciante utiliza, nessa publicidade, a imagem de um menino que,
supostamente, está achando prazeroso o ato de escovação dental devido ao gosto
saboroso que o dentifrício possui. Percebemos tal fato por meio de linguagem
corporal: olhos arregalados e língua para fora da boca e, também, pelos dizeres
contidos na publicidade: “Mamãe compra porque combate as cáries. Eu uso porque é
gostoso!” Com isso, notamos uma mise en scène discursiva, criada pelo publicista, no
intuito de seduzir e de capturar o público alvo para seus domínios. Assim, fica
estabelecido o contrato de comunicação entre os parceiros ativos discursivos, que
constroem a totalidade discursiva do ato comunicativo tanto pelo que está posto
quanto pelo que pode estar contido nas entrelinhas do discurso.
Há uma intencionalidade por parte do sujeito anunciante, que constrói seus dizeres
por meio de um discurso em constante movimento, na tentativa de atingir a afetividade
do outro. Essa estratégia comunicativa é realizada por meio do mundo das palavras,
isto é, dos elementos internos constitutivos do discurso e, também, por meio do que
extrapola os limites do texto, ou seja, os aspectos extralinguísticos. Percebemos, com
isso, que a construção de sentidos de um texto, principalmente o publicitário, é
realizada de forma ampla, porém, sempre coerente. Dessa maneira, o contrato de
comunicação se firma nesse jogo cênico-discursivo, tendo a participação de um sujeito
180
anunciante (que expõe o produto) e, também, de um sujeito consumidor (que precisa
se identificar com o produto).
Como sabemos, o contrato de comunicação apresenta três componentes: o
comunicacional, o psicossocial e o intencional. O componente comunicacional (elo
entre o produto e o consumidor) está representado, nessa publicidade, pelo meio
impresso que divulgou o produto, provavelmente, uma revista; o componente
psicossocial (relação afetiva com o objeto) pode ser explicado por meio da satisfação
que o garoto parece estar sentindo e que visa a contaminar futuros possíveis
compradores; e, por fim, o componente intencional (voltado para o público alvo),
como a escolha de um menino para estampar a publicidade acerca de um dentifrício
destinado a toda família com a intenção de capturar, em especial, as crianças para
tornarem-se consumidores do produto.
Dessa forma, notamos que o contrato de comunicação firmado entre os sujeitos
discursivos é instaurado por meio de uma encenação discursiva. Há um
entrecruzamento de sujeitos, que estão em interação constantemente e que
“funcionam” por meio de ações interenunciativas. As circunstâncias do discurso, bem
como a sua finalidade são as responsáveis pelo posicionamento de tais sujeitos no aqui
e no agora, influenciando nos processos de produção e de interpretação textual.
Há um circuito interno, formado por um EU enunciador que se dirige a um TU
destinatário (protagonistas do dizer pertencentes ao discurso) e, também, um circuito
externo, formado por um EU comunicante que se dirige a um TU interpretante via TU
destinatário (parceiros do fazer, exteriores ao discurso e que possuem identidade
psicossocial). Desse modo, o processo interacional se estabelece, por meio de um
encontro dialético entre os processos de produção e de interpretação textual.
Com isso, a construção das identidades ocorre tanto por meio dos traços
psicossociais dos sujeitos ativos, quanto por meio das escolhas linguísticas que esses
sujeitos empregam em seus dizeres. As embalagens de dentifrícios, na década de 1970,
não funcionavam como recursos de veiculação do ethos (masculino/feminino), pois os
cremes dentais eram destinados a toda a família, incluindo adultos e crianças.
Vale ressaltar que a criança, até a década de 1970, não tinha muita ingerência na
vida social e familiar. Os produtos de higiene pessoal, como os dentifrícios, por
181
exemplo, eram adquiridos pelos pais sem a menor opinião da criança. As empresas
ligadas a esses tipos de produtos não fabricavam dentifrícios específicos para o
público infantil, porém, havia uma necessidade de “mostrar” que os cremes dentais,
também, poderiam ser utilizados pelas crianças.
Assim, o sujeito anunciante elaborava publicidades envolvendo meninos e meninas
sem, ainda, a pretensão de dividir esse público em gênero (masculino e feminino).
Desse modo, mesmo sendo um menino que protagonizasse uma publicidade de
dentifrícios, estes serviriam, também, às meninas e vice-versa. O importante, nesse
momento, era incluir as crianças na formação de possíveis consumidores, aumentando,
com isso, o público alvo.
A partir desse quadro histórico, percebemos que os sujeitos anunciantes estavam
preocupados em firmar a construção de identidades acerca dos produtos
comercializados. Sabemos, pois, que o funcionamento do ato comunicativo está ligado
aos meios constitutivos dos sujeitos interagentes, por suas identidades sociais e
discursivas.
A identidade social está associada à legitimação do sujeito, que atua no mundo,
tendo a conivência e a aceitação da sociedade. Se pensarmos nas grandes
transformações ocorridas no Brasil, nos anos 70, notaremos que a questão identitária
estará fortemente presente na constituição do sujeito. Os pais das crianças da década
de 1970, por terem vindo de um período repressor e violento (ditadura militar),
poderiam dar mais liberdade de expressão aos seus filhos, deixando-os mais à vontade
para expressar suas ideias.
Percebemos, também, que, com o fim da ditadura, as diretrizes educacionais
passaram por transformações. As políticas públicas conferiram uma maior autonomia
às escolas em suas propostas pedagógicas. As famílias, também, modificaram a sua
estrutura, pois, com o aumento das separações entre os casais e a crescente entrada da
mulher no mercado de trabalho, foram favorecidos novos padrões de comportamento e
relacionamento familiar, atribuindo aos jovens direito à palavra.
Desse modo, o sujeito anunciante cria uma publicidade baseada nos traços
psicossociais da criança da década de 1970 (identidade social), como, por exemplo,
182
selecionar a imagem de um menino com as feições de um garoto falante, vivo e
esperto.
A identidade discursiva diz respeito às estratégias de credibilidade, como por
exemplo, nessa publicidade, a informação Colgate com Gardol, no intuito de ganhar a
confiança do público alvo. Vale ressaltar que a Colgate, líder no mercado, fez um
sucesso instantâneo ao criar um dentifrício com uma substância anti-cárie (gardol).
Esse elemento químico pode ser comparado, hoje, ao flúor, tão divulgado e presente
nos dentifrícios. A partir desse sucesso, a Kolynos, vice líder no mercado, entrou na
competição e criou o dentifrício Kolynos com clorofila e, depois, a Signal criou Signal
com hexaclorofenol, competindo com as líderes no mercado.
O público alvo desses dentifrícios, por mais que não soubesse a real eficácia dessas
substâncias na cavidade oral, sentia-se seguro nesse “algo a mais” e passou a “obrigar”
as demais marcas a acrescentarem competitivamente um “componente x”, denotando a
credibilidade do produto.
Outra estratégia de suma importância, no que diz respeito à identidade discursiva, é
a de captação, que busca a captura do outro para a aquisição do produto. Essa
estratégia se confirma nessa publicidade, por exemplo, na escolha de uma criança para
protagonizar um comercial de creme dental já destinado a toda a família. É como se o
publicista dissesse: “O creme dental Colgate com gardol, também, pode e deve ser
utilizado pelas crianças.”
Notamos, então, que o processo de construção de sentidos está ligado à questão de
intencionalidades do sujeito anunciante, que cria um discurso que seduz o público
alvo. Há um “mundo a significar”, que é modificado perante as circunstâncias do
discurso e a sua finalidade, transformando-se em um “mundo significado” (processo
de transformação) e, também, é necessário que o sujeito destinatário, por meio de
instâncias de produção e de interpretação, interaja com esse “mundo significado” para
que ocorra a troca comunicativa entre os sujeitos dialógicos discursivos (processo de
transação).
Vale ressaltar que o processo de transformação é realizado por meio de elementos
linguísticos encontrados no texto. A publicidade analisada apresenta, em seus
constituintes internos, a expressão Colgate com gardol e, também, as orações:
183
“Mamãe compra porque combate as cáries.”/”Eu uso porque é gostoso!”. Esse
processo é composto por quatro categorias linguísticas, que são: a identificação
(substantivos), como, por exemplo, os termos Colgate, gardol, mamãe, cáries; a
qualificação (adjetivos), como, por exemplo, o termo gostoso; a ação (verbos), como,
por exemplo, os termos compra, combate e uso; e, por fim, a causação (conectores e
modalizadores), como, por exemplo, o termo porque, relacionando causa à
consequência (Mamãe compra porque combate as cáries/Eu uso porque é gostoso).
O processo de transação apresenta quatro princípios, que são: princípio de
alteridade, que tem como objetivo a legitimidade do interlocutor, por meio de uma
interação comunicativa, como, por exemplo, no fato de explicitar a mãe como
compradora do produto; princípio de pertinência, que visa ao ato de linguagem
apropriado ao contexto, como, já dito anteriormente, a escolha de um menino para a
publicidade, no intuito de incluir ou de reforçar a ideia da criança também utilizar o
creme dental; princípio de influência, que tem como o objetivo a captura do outro,
como a imagem de um menino, com jeito vivo e brincalhão para seduzir o desejado
consumidor; e, por fim, princípio de regulação, ligado ao quadro situacional, como,
por exemplo, tentar influenciar o outro com a ideia de que o ato de escovação dental é
prazeroso, por meio do dizer “Eu uso porque é gostoso” e, também, pelo jeito
engraçado do menino.
Dessa forma, estabelece-se a questão do ethos, isto é, da imagem de credibilidade
discursiva gerada pelos modos de dizer. O discurso entre aspas proferido pelo menino
nos indica a reprodução fiel e direta do que foi dito: “Mamãe compra porque combate
as cáries. Eu uso porque é gostoso.” Esse menino, então, constrói um dizer que nos
remete a uma franqueza ao expor suas ideias (aretê), pois ele e a mãe pensam de
forma diferente, em relação ao uso do dentifrício. O ethos da mãe é construído como
uma mulher cuidadosa e preocupada com a saúde oral do seu filho, enquanto o ethos
do menino é construído como um garoto descompromissado com a saúde, como é
comum nessa faixa etária, no que diz respeito aos dentes e que se importa, apenas,
com prazer do gosto agradável do creme dental.
Notamos, também, que o ethos está ligado a termos como: inventio, que diz
respeito à criação do discurso, como a escolha de um menino “descolado” para
protagonizar a publicidade; dispositio, que se refere ao encadeamento das partes
184
discursivas, como associar a imagem do menino saboreando o creme dental ao seu
dizer “Eu uso porque é gostoso.” ; e, elocutio, que está ligado à verbalização do
pensamento, como a escolha de duas orações subordinadas adverbiais causais para
construir tanto a imagem da mãe, quanto a do menino, na tentativa de criar um
paralelismo estrutural.
Outras noções, também, devem ser consideradas na construção do discurso, como a
de pathos, ligada ao estado emocional do outro, como caracterizar o menino, já dito
anteriormente, como um ser brincalhão, na tentativa de construir uma imagem
agradável de si para afetar o outro (eunóia); e, também, a de logos, associada ao
discurso claro e compreensível, como na oração: “Mamãe compra porque combate as
cáries”, denotando a opinião competente da mãe acerca do dentifrício (imagem da
mãe) (phrônesis).
Percebemos, com isso, que a construção do discurso apresenta forte relação com as
circunstâncias e com a finalidade do ato comunicativo. O conhecimento de mundo e os
julgamentos que o sujeito faz acerca de atitudes e de maneiras de se pensar a realidade
estão ligados aos processos de intencionalidade discursiva, denotando as maneiras de
dizer o discurso. Essas representações sociais são elaboradas por saberes de
conhecimento e por saberes de crença. Os saberes de conhecimento são construídos
além da subjetividade do sujeito e, logo, exteriores ao homem, como acreditar que o
componente químico gardol, associado ao creme dental, trará benefícios ao elemento
dentário (saberes científicos); enquanto os saberes de crença são construídos por
julgamentos subjetivos acerca do mundo, como, por exemplo, o menino achar o gosto
do dentifrício agradável (saberes de opinião relativa).
Notamos, então, que podem ser criados pensamentos cristalizados acerca de
atitudes ou de um grupo social, instaurando-se a noção de estereótipo, no ato
comunicativo. Essa generalização excessiva pode ser exemplificada, nessa
publicidade, pelo fato de se construir a imagem da criança como um ser divertido,
engraçado, espirituoso, gozador e que não se preocupa com questões mais sérias,
como a saúde bucal (Eu uso porque é gostoso). Já a imagem da mãe está ligada ao
arquétipo da mãe, que funciona como modelo padrão de comportamento. A mãe é
vista como MÃE-zelosa e cuidadosa, sempre preocupada com a saúde dos filhos
(Mamãe compra porque combate as cáries).
185
Assim, o sujeito anunciante elabora a publicidade, que é construída por meio de
estratégias altamente significativas, no intuito de seduzir o público alvo. Outro fator de
suma importância para que se consigam os efeitos de persuasão camuflada sobre o
outro é o de textualização. A coesão e a coerência textuais precisam estar presentes no
discurso para que haja a interação comunicativa entre os sujeitos discursivos.
As relações cotextuais, isto é, entre os elementos internos do texto, podem ser
vistas, por exemplo, na articulação entre o que está dito verbalmente e a expressão
facial do menino. Construir a ideia de um garoto que tem atitude e opinião formada
precisa estar de acordo com sua imagem para que o ato comunicativo alcance o seu
êxito. Já as relações contextuais, ou seja, entre o texto e o contexto, podem ser vistas,
por exemplo, na aparência descontraída do menino, que está de acordo com a imagem
das crianças da década de 1970, criadas mais livres pelos pais.
Vale ressaltar que o sujeito anunciante, nessa época, utilizava bastante o conteúdo
verbal em suas publicidades. Se compararmos com as publicidades atuais, que
exploram demasiadamente, o conteúdo imagético, notaremos essa diferença, que tenta
causar a persuasão pelas palavras ao invés de pela imagem, simplesmente. Outra
questão, também, importante para o processo de construção de sentidos é a das cores.
Utilizar a cor vermelha para destacar a marca do produto Colgate com gardol é um
artifício altamente significativo, visto o grande poder da cor em chamar a atenção,
além de ser a mesma cor da embalagem do dentifrício.
Notamos, então, que o publicista utiliza artifícios para conseguir capturar o público
alvo para seus domínios. Há uma intencionalidade posta no discurso tanto pelo que
está explícito na superfície textual quanto pelo que está nas entrelinhas discursivas.
Vale ressaltar que os implícitos se dividem em duas categorias distintas: os
pressupostos, inscritos na língua e tidos como sentenças verdadeiras; e os
subentendidos, construídos por meio de interpretações que podem ou não serem
verdadeiras, como, por exemplo, acreditar que o sabor do dentifrício é adocicado (eu
uso porque é gostoso).
Assim, o sujeito anunciante cria a publicidade, que é elaborada, na tentativa de
criar laços afetivos entre os sujeitos discursivos. Tornar o ato de escovação lúdico e
prazeroso é a meta do publicista, que tenta transformar uma simples ação em algo
interessante e encantador.
186
ANÁLISE 8
- Embalagem antiga
- Ano de veiculação: década de 1960
- Marca: Sorriso de saúde
- Tema: mãe, filho e a saúde bucal
ANOS 60
187
O discurso empregado na publicidade reflete aspectos da sociedade formada por
sujeitos históricos e culturais. Percebemos, então, que o ato de comunicação situa o
processo enunciativo em um lugar dinâmico de representações, que constroem a
imagem do indivíduo de acordo com suas incursões situacionais e temporais.
Nessa publicidade, há um interesse, por parte do sujeito anunciante, em construir
uma imagem sedutora de um menino com o sorriso belo e saudável, no intuito de
cativar e de capturar o público alvo para seus domínios. Vale ressaltar que a
publicidade construída na década de 1960 acerca de dentifrícios parece não veicular
imagens em suas embalagens, tendo os meios impressos como uma das opções de
divulgação do produto.
Esse período representou a fase crítica da ditadura militar, que abarcou um grande
número de sujeitos com atitudes ufanistas, principalmente, nas publicidades da época.
O ufanismo, termo usado no Brasil em alusão à obra Porque me ufano do Meu País do
conde Afonso Celso, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, provém do
espanhol e significa a vanglória de um grupo que arroga a si méritos extraordinários.
Assim, o governo militar brasileiro criou campanhas ufanistas para atrair a população,
com slogans do tipo: “Brasil, ame-o ou deixe-o”, ou, “Ninguém segura este país”, ou,
ainda, “Quem não vive para servir o Brasil, não serve para viver no Brasil.” Desse
modo, o governo federal (comandado pelos militares) tornou-se o maior anunciante do
país.
Na peça publicitária em análise, o ato de linguagem é construído por um sujeito
intencional, por meio de um valor explícito junto a um valor implícito. Se
observarmos a informação contida na publicidade Remova o “amarelo” dos dentes,
em um primeiro momento, poderíamos pensar que, implicitamente, associando o
“amarelo” (que além de estar em negrito, também está entre aspas) à bandeira do
Brasil e, consequentemente, ao país, esse enunciado estaria contra os princípios
ufanistas da época. Sabemos, inclusive, que muitos intelectuais, escritores, jornalistas,
entre outros profissionais de esquerda, considerados inimigos do regime, encontraram,
na publicidade, um meio de expressarem suas ideias, devido ao fato de a censura à
publicidade ser muito mais branda do que a exercida sobre os órgãos de imprensa.
Vale ressaltar que os censores estavam preocupados em controlar o meio artístico,
visto como ambiente de vândalos e de rebeldes, que poderiam promover a desordem
188
no país. Com isso, a publicidade foi, até certo ponto, esquecida pelos censores,
tornando-se, então, uma válvula de escape para a propagação de ideias de forma
camuflada, por aqueles que lutavam contra o regime militar.
Desse modo, o sujeito anunciante ao enunciar Remova o “amarelo” dos dentes, por
meio de uma mise en scène (máscara discursiva), além de divulgar a eficácia do
dentifrício, poderia estar, também, fazendo uma crítica ao governo da época, que
buscava, excessivamente, a adesão do povo ao patriotismo desmedido da ditadura
militar.
Percebemos, também, que as publicidades mais antigas acerca dos dentifrícios
apresentam um conteúdo verbal mais presente em sua superfície, quando comparadas
às mais atuais. Assim, o conteúdo verbal e o não verbal completam o sentido da
publicidade, por meio do que está exposto na superfície e, também, pelo que pode ser
inferido, por meio das entrelinhas do discurso.
A publicidade, então, é construída por uma relação forma-sentido, que é
intencionalmente elaborada pelo sujeito anunciante com o objetivo de promover a
adesão sobre o que é posto. Assim, estabelece-se o contrato de comunicação, firmado
entre os parceiros discursivos, que estão inseridos em uma atmosfera social, por meio
de crenças e de normas impostas culturalmente.
Vale ressaltar que essa publicidade parece demonstrar mais um desconforto com a
situação política do país (visto os dizeres Remova o “amarelo” dos dentes) do que a
divulgação do próprio dentifrício, pois a própria marca do creme dental não está
explícita na embalagem (visto a imagem da mãe segurando o tubo, o que dificulta a
leitura do que está posto na superfície da embalagem). Podemos inferir, então, que a
marca do dentifrício pode ser Sorriso de saúde, devido ao fato de essa expressão estar
em destaque (negrito) na publicidade e, também, de a marca sorriso fazer parte dos
produtos Colgate/Palmoline, destinados aos itens de higiene pessoal. Notamos,
inclusive, que as publicidades atuais de dentifrícios utilizam a embalagem como fonte
de divulgação, diferentemente das antigas (como essa), que propagam o seu produto
em anúncios publicitários, pois os fabricantes de cremes dentais, dessa época,
utilizavam as embalagens, apenas, como suporte.
189
Outra questão importante é que as publicidades atuais são construídas no intuito de
agradar tanto ao adulto quanto ao público infantil (sujeito interpretante duplo);
enquanto as publicidades antigas são construídas no intuito de atingir o sujeito
interpretante adulto, no caso dessa publicidade, a mãe. A figura da criança é vista,
apenas, como referência para reforçar a atitude zelosa da mãe.
Dessa forma, esse ato de linguagem é construído no intuito de causar um efeito de
sentido tanto pelo mundo das palavras quanto pelo mundo extralinguístico, pois todo
discurso precisa estar ligado aos aspectos sociais, visto a importância da historicidade
dos sujeitos interagentes discursivos. Com isso, a condição de existência situacional
(como, por exemplo, a publicidade ser construída no período da ditadura militar)
confere ao enunciado uma amplitude de sentidos relevante para o êxito do contrato de
comunicação.
Três componentes fazem parte do contrato de comunicação: o comunicacional, o
psicossocial e o intencional. O componente comunicacional, que liga o produto
comercializado ao futuro consumidor, é identificado por meio dos sujeitos envolvidos
no processo comunicativo. Supomos, por exemplo, que essa publicidade é veiculada
em jornal ou revista. Assim, o futuro consumidor, por meio do componente
comunicacional, tem contato com a mercadoria, para, então, ter a possibilidade de ser
seduzido pelo anunciante; já o componente psicossocial está ligado à relação afetiva
entre produto e consumidor, como, por exemplo, o dizer Remova o “amarelo” dos
dentes atrair mais os sujeitos de esquerda do que os ligados ao governo (caso o
interlocutor entenda essas entrelinhas discursivas); e, por fim, o componente
intencional, que visa a atrair o consumidor para a aquisição do produto, como a
imagem da mãe afetiva e preocupada com a saúde oral do filho, na tentativa de causar
emoção sobre o que está posto.
Percebemos, com isso, que há uma encenação discursiva entre os sujeitos
interagentes do ato comunicativo, que depende das circunstâncias do discurso para que
os sentidos gerados estejam de acordo não só com o que foi proferido, mas também
com o que é esperado. Desse modo, há uma relação contratual firmada entre os
sujeitos do discurso baseada no processo de produção, via EU comunicante, que se
dirige a um TU destinatário, e um processo de interpretação, via TU interpretante, que
constrói uma imagem EU’ enunciador, do locutor.
190
Assim, observamos que há uma construção de identidades, por meio de traços
sociodiscursivos, que situam o sujeito no tempo e no espaço. A identidade social é
aquela ligada ao exercício dos direitos e dos deveres impostos pela sociedade, como,
por exemplo, a figura da mãe, tida arquetipicamente como zelosa e responsável pela
saúde dos filhos, o que é visto, nessa publicidade, por meio dos dizeres Ensine seu
filho a conservar o SORRISO DE SAÚDE que alegra você! Assim, esse conselho de
mãe para mãe funciona como um argumento de autoridade, pois a opinião materna
tende a validar a idoneidade do produto.
A identidade discursiva é aquela ligada às estratégias de credibilidade, como o
posicionamento da mãe, que utiliza verbos no imperativo afirmativo (ensine/remova),
denotando voz e autoridade para ganhar a confiança do outro (atitude de
engajamento). Outra estratégia de suma importância no processo de construção da
identidade discursiva é a de captação, como a sugestão de coloração branca dos
elementos dentários do menino, ocorrendo, na troca comunicativa, um “fazer crer”
pelo sujeito anunciante, resultando em um “dever crer” pelo consumidor (atitude de
sedução).
O publicista utiliza diversos meios de convencimento para induzir o público alvo a
construir sentidos, como o processo de transformação, que apresenta as seguintes
categorias linguísticas: identificação (identidade nominal), como, por exemplo, os
termos filho, sorriso e dentes; qualificação (identidade descritiva), como, por exemplo,
o termo amarelo (adjetivo substantivado), ação (identidade narrativa), como, por
exemplo, os termos ensine, conservar, alegra e remova; e, por fim, causação (relação
de causalidade), como, por exemplo, a relação implícita de usar o dentifrício para ter a
saúde bucal.
Outro processo que faz parte da construção de sentidos é o de transação, que
apresenta os seguintes princípios: de alteridade, como a figura da mãe, responsável
pela compra do produto; princípio de pertinência, como a escolha da imagem de uma
criança para encabeçar uma publicidade, que tem o objetivo de incluir o público
infantil entre os consumidores; princípio de influência, como a inclusão da relação
mãe-filho com o objetivo de atingir emocionalmente o outro; e, por fim, princípio de
regulação, como a expressão de felicidade do menino, na tentativa de influenciar o
público alvo sobre o prazer de ter os dentes belos e saudáveis.
191
Sabemos que as estratégias empregadas pelo sujeito anunciante são elaboradas no
intuito de criar uma imagem de credibilidade discursiva (ethos), por meio do que é
exposto na publicidade. O sujeito anunciante, ao criar tanto o conteúdo verbal quanto
o conteúdo não verbal, está a todo o momento preocupado com a imagem do produto e
com a possibilidade de persuadir o público alvo, utilizando táticas de sedução e de
envolvimento emocional. Há uma tentativa de construir uma imagem de sinceridade
sobre os dizeres, como na oração Remova o “amarelo” dos dentes, que denota a
simplicidade no modo de construção do discurso, que segue em direção ao que
realmente o consumidor almeja.
Dessa forma, percebemos a relevância no processo de construção da publicidade
(inventio), visto a maneira de dizer o discurso estar ligada à obtenção da confiança do
outro, como, por exemplo, pode-se notar na proximidade dos rostos da mãe e do filho,
no intuito de evidenciar a relação entre eles. Outros fatores importantes, também,
nesse processo são: o encadeamento das partes do discurso (dispositio), como a oração
Remova o “amarelo” dos dentes estar ao lado da imagem do menino com os dentes
brancos. Com isso, notamos uma relação explícita entre o conteúdo verbal e o não
verbal; e, por fim, a verbalização do pensamento (elocutio), como a linguagem
simplória da oração anterior, na tentativa de alcançar o maior número possível de
consumidores.
Outros aspectos de suma importância para o processo de construção do discurso
são: a noção de pathos, centrada nas emoções do outro, como denotar a ideia de que
dentes brancos são modelos de beleza e de saúde oral. Dessa forma, aqueles que não
estão inseridos nesse padrão estético se sentirão emocionalmente afetados pela
publicidade e tentarão adquirir o produto com a intenção de modificarem a coloração
dos elementos dentários. Com isso, o publicista constrói uma imagem agradável de si
(eunóia), parecendo um “amigo”, na tentativa de resolver os problemas dentários do
receptor da mensagem; e, também, a noção de logos, centrada nos argumentos lógicos
e compreensíveis, como, por exemplo, no dizer Ensine seu filho a conservar o Sorriso
de Saúde que alegra você, frase que denota a felicidade da mãe em ter um filho com
os dentes saudáveis e belos. Assim, a mãe passa uma ideia de pessoa prudente e
sensata (phrônesis).
192
Notamos, então, que o sujeito anunciante possui um propósito comunicativo ao
elaborar os seus dizeres, por meio das circunstâncias do discurso. Há uma camada
textual situada na superfície do enunciado que precisa interagir com os pressupostos e
com os subentendidos, para que ocorra o êxito do ato de linguagem. Tais
conhecimentos são produzidos e interpretados por meio de conceitos e de ideias que se
constroem sobre o mundo. Assim, as representações sociais se estabelecem no ato
linguageiro, por meio de normas preestabelecidas e compartilhadas pelos membros da
sociedade.
Os valores que o sujeito constrói do mundo são elaborados por meio de dois tipos
de saberes: de conhecimento e de crença. Os saberes de conhecimento, construídos
além da subjetividade do sujeito, podem ser exemplificados, nessa publicidade, por
meio da relação entre mãe e filho, que é entendida pelo senso comum como um
conselho afetuoso (saberes de experiência); enquanto os saberes de crença, construídos
por meio de juízos de valor, podem ser vistos no fato de o sujeito anunciante
considerar atraente e saudável a coloração branca dos elementos dentários (saberes de
opinião), pois sabemos que nem sempre dentes brancos são sinônimos de saúde oral.
Notamos, também, que essas representações sociais estão coletivamente
cristalizadas, vistas, nessa publicidade, por exemplo, na tentativa de estereotipar o
sorriso, como se não houvesse a possibilidade de existir beleza em dentes menos
brancos. Outra representação simbólica fortemente presente, nessa publicidade, é,
como vimos, a questão do arquétipo da mãe, que apresenta um modelo padrão de
comportamento, como aquela responsável pela saúde dos filhos, sempre zelosa e
dedicada.
O sujeito anunciante constrói um discurso altamente envolvente, para que o público
alvo se sinta atraído e disposto a adquirir o produto. Há, também, outra tática bastante
empregada pelo publicista, na tentativa de capturar o outro para seus domínios, como
as estratégias de textualização, que envolvem as relações cotextuais (texto/texto),
como, por exemplo, a relação interna entre o sorriso “branco” do menino junto ao
dizer Remova o “amarelo” dos dentes e, também, as relações contextuais
(texto/contexto), como, por exemplo, a relação entre a imagem da mãe inserida na
publicidade e o que ela representa no mundo.
193
Percebemos, também, que essa publicidade construída no período da ditadura
militar (“anos de chumbo”) denota um modelo padrão de comportamento entre mãe e
filho, diferente do da publicidade dos anos 70, por exemplo, que apresentava um
menino mais livre em seu comportamento. O conteúdo linguístico, também, está
fortemente representado pelos dizeres (como o da década de 70), diferenciando-se das
publicidades atuais, que divulgam seus produtos com a maior parte de conteúdo
imagético.
O sujeito anunciante selecionou a figura de um menino com olhos claros, feições
finas, como as de sua mãe, talvez, por acreditar que publicidades protagonizadas por
sujeitos com essas características, por questões ligadas ao preconceito racial, fossem
mais aceitas na sociedade daquela época.
Com relação às cores, o sujeito anunciante preferiu utilizar uma publicidade em
preto e branco, diferente de outras publicidades da época, que utilizavam a cor como
estratégia de persuasão e de sedução.
Notamos, então, que o publicista elabora táticas de convencimento sobre o outro,
no intuito de capturar o público alvo. Assim, ele utiliza tanto o que está posto na
superfície textual quanto o que pode ser construído por meio dos implícitos. Vale
ressaltar que os implícitos podem ser de dois tipos: os pressupostos (inscritos na
língua), como, por exemplo, na oração Ensine seu filho a conservar o Sorriso de
saúde, que tem o verbo ensinar indicando mudança (pressuposto: o filho não sabe
conservar o sorriso de saúde); e as inferências (subentendidos), como, por exemplo, a
ideia deduzida de que na oração Remova o “amarelo” dos dentes, o termo amarelo
está, também, relacionado ao país (inferência contextual).
Assim, o publicista cria a publicidade, de acordo com a intencionalidade e com as
circunstâncias do discurso. O seu objetivo principal é captar a atenção do receptor,
para convencê-lo sobre o que está posto e, consequentemente, para induzi-lo a adquirir
o produto, por meio das maneiras de dizer o discurso.
194
ANÁLISE 9
- Embalagem antiga
- Ano de veiculação: década de 1950
- Marca: Colgate
- Tema: A mãe e filha – e o uso de Colgate
ANOS 50
A publicidade construída pelo sujeito anunciante precisa estar inserida em um
quadro de ação, que representa uma influência social sobre aquele que é o receptor
195
desse processo enunciativo. A construção de sentidos está ligada aos valores atribuídos
à língua, como os explícitos e os implícitos, englobando a totalidade discursiva do ato
comunicativo.
A publicidade dos anos de 1950 se popularizou devido ao fato de estar associada à
inauguração oficial do sistema televisivo brasileiro. Com isso, a população se sentiu
incentivada ao consumo, que despertou interesses, criou hábitos e modernizou os
desejos dos sujeitos sociais. As donas de casa fizeram parte do cenário publicitário da
época, pois o objetivo do sujeito anunciante era capturar essas consumidoras, que
representavam a grande maioria das mulheres de 1950 e que, na verdade, eram as reais
administradoras do lar.
Essa publicidade da Colgate representa a mulher cuidadora do lar e,
consequentemente, dos filhos. Elaborar uma imagem extremamente afetiva, tendo a
figura da mãe, que coloca o dentifrício na escova dental da filha é tentar conseguir o
convencimento pelo lado emotivo. Vale ressaltar que os itens de higiene pessoal, na
maioria das vezes, eram (e ainda são) de responsabilidade da mulher, que se dividia
entre os afazeres domésticos e a educação e a saúde dos filhos.
Observamos, também, que a mãe e a filha representam a imagem típica da família
urbana e de classe média, visto as roupas, os utensílios e os penteados da época. É
importante pontuarmos que a industrialização tornou-se uma estratégia do governo
para promover o crescimento da economia e, consequentemente, o desenvolvimento
do país. Com isso, a população se concentrou nas cidades, fortalecendo a classe média
e os costumes urbanos.
Dessa forma, percebemos que o sentido da publicidade é construído dentro de um
contexto embutido no social, pois as normas, as crenças e a historicidade dos sujeitos
interagentes do discurso são de suma importância para que o ato comunicativo se
estabeleça nesse contrato de comunicação firmado entre os seres sociais e discursivos.
O sujeito anunciante não escolheu aleatoriamente a imagem da mãe e da filha para
encabeçarem essa publicidade. Ele está inserido em um tempo e em um espaço, que
precisam estar de acordo com o que ele constrói em seus dizeres.
Dessa forma, o contrato de comunicação firmado entre o publicista e o futuro
consumidor é instaurado no ato comunicativo, pois se estabelece uma relação entre os
196
sujeitos discursivos, visto a importância de ser analisada tanto a parte ligada ao mundo
das palavras quanto à parte extralinguística. O sujeito enunciador incorpora máscaras
discursivas (mise-en-scène) para elaborar seus dizeres, visando a alcançar uma
intencionalidade discursiva para obter o objetivo desejado.
Essa situação afetuosa criada pelo publicista acerca da relação entre mãe e filha tem
um propósito comunicativo. Há uma tentativa de despertar o desejo de compra no
outro (ou outras mães), por meio do carinho e do cuidado dessa mãe com a saúde
bucal de sua filha.
Notamos, então, que o sujeito anunciante tenta capturar o público alvo para seus
domínios, por meio de estratégias sedutoras e altamente eficazes, para que o contrato
de comunicação se firme nesse jogo cênico discursivo. Esse contrato possui
componentes essenciais em sua estruturação, como o componente comunicacional,
ligado ao primeiro contato entre produto e consumidor, como, por exemplo, o meio
impresso onde a publicidade foi exposta (jornais ou revistas); o componente
psicossocial, ligado à relação entre o produto e o consumidor, como, por exemplo, a
possibilidade de o público feminino se sentir mais atraído pela publicidade e,
consequentemente, pelo dentifrício, mais do que o público masculino, devido ao fato
de o sujeito anunciante ter selecionado a figura de mãe e filha ou invés de pai e filho,
ou então, de família e filhos, para compor essa publicidade; e, por fim, o componente
intencional, como a seleção da mãe para constituir essa publicidade, como citado
anteriormente, pois o sujeito anunciante sabe que a mulher é a responsável pela
compra desse tipo de produto.
Sabemos, então, que essa relação entre os sujeitos de linguagem é muito mais
complexa do que um EU que se dirige a um TU, simplesmente. Há uma relação
contratual entre seres reais com identidade psicossocial (circuito externo) e seres do
imaginário, da palavra (circuito interno), constituindo um conjunto de estratégias
discursivas, para resultar no êxito comunicativo.
Assim, as representações linguageiras são elaboradas, por meio de construções
identitárias, que exercem grande influência na imagem dos sujeitos interagentes
discursivos. Essa relação sociointerativa, no ato comunicativo, é resultante do
entrelaçamento dos traços constitutivos do sujeito, que é construído por meio de sua
identidade social e de sua identidade discursiva.
197
A identidade social, construída por meio do que é esperado pela coletividade, pode
ser exemplificada, nessa publicidade, pela imagem do dentista, que analisa os
elementos dentários. Esse profissional apresenta um “argumento de autoridade”
(Perelman e Olbrechts, 2005), isto é, ele tem certo respaldo em determinada área do
saber, por sua formação acadêmica, emitindo um parecer dificilmente questionado, por
ser tratar de uma “autoridade” no assunto.
O sujeito anunciante, muitas vezes, utiliza essa estratégia para conseguir denotar a
confiabilidade do produto. O discurso publicitário protagonizado por especialistas na
área do produto comercializado parece provocar no receptor da mensagem uma
segurança e uma certeza de que aquele produto pode e deve ser consumido. Assim, a
intencionalidade do publicista atinge o seu objetivo, que é ganhar a confiança do outro
sobre seus dizeres.
A identidade discursiva é aquela que depende de estratégias de credibilidade (ainda
a figura do dentista), como, por exemplo, a oração Ensine seus filhos a escovar os
dentes com Creme Dental Colgate após as refeições, que apresenta o verbo ensinar no
imperativo afirmativo, como uma ordem, junto à imagem do dentista (atitude de
engajamento); e, também, estratégias de captação, como, por exemplo, a oração As
crianças adoram o delicioso sabor refrescante de COLGATE, na tentativa de capturar
o público infantil para a utilização do produto (atitude de sedução).
Assim, estabelece-se a possibilidade de construção de sentidos, que são instaurados
no discurso, por meio dos processos de transformação e de transação. O processo de
transformação, que marca a maneira de se pensar a realidade, apresenta as seguintes
categorias linguísticas: identificação (substantivos), como, por exemplo, os termos
creme, Colgate, hálito, dentes, criador, sorrisos, filhos, refeições, método, cárie,
crianças e sabor; qualificação (adjetivos), como, por exemplo, os termos dental,
belos, delicioso e refrescante; ação (verbos), como, por exemplo, os termos perfuma,
limpa, embeleza, protege, ensine, escovar, é, combater e adoram e, por fim, causação
(conectores), não encontrado nessa publicidade.
O processo de transação, que é construído por meio de instâncias de produção e de
interpretação, apresenta os seguintes princípios: princípio de alteridade, como, por
exemplo, a publicidade voltada para o outro; princípio de pertinência, como, por
exemplo, a oração É o melhor método para combater a cárie, junto à imagem do
198
dentista, criando uma condição de credibilidade sobre o que é dito; princípio de
influência, como, por exemplo, na oração COLGATE – o criador dos mais belos
sorrisos, no intuito de capturar o outro no ato de linguagem; e, por fim, princípio de
regulação, como, por exemplo, a imagem do dentista, que analisa os elementos
dentários, no intuito de associar o “argumento de autoridade” ao produto
comercializado, regulando o jogo de influências.
As maneiras de dizer o discurso contribuem fortemente para a construção do ethos,
que está ligado às estratégias de credibilidade discursiva. O sujeito anunciante procura
criar uma imagem de sinceridade sobre o que é posto (areté), como se pode observar,
no dizer Ensine os seus filhos a escovar os dentes com Creme Dental Colgate após as
refeições. É o melhor método para combater a cárie. Desse modo, o publicista cria um
discurso franco, informando uma ação eficaz de combate à cárie.
Outras estratégias são também empregadas no discurso, para que se obtenha a
confiança do público alvo, como a noção de inventio, ligada à criação do discurso,
como, por exemplo, colocar em negrito as qualidades do dentifrício, visto na oração
perfuma o hálito, limpa, embeleza e protege os dentes, no intuito de chamar a atenção
para essa informação; a noção de dispositio, ligada ao encadeamento do discurso,
como a parte verbal, que está posicionada acima da imagem do dentista, como se estes
dizeres fossem ditos por ele; e, por fim, a noção de elocutio, ligada à verbalização dos
dizeres, como, por exemplo, na oração COLGATE – o criador dos mais belos sorrisos,
com o intuito de persuadir pelo convencimento.
O sujeito anunciante, para conseguir o êxito de sua publicidade, também, leva em
consideração outras noções, como a de pathos, ligada aos sentimentos do outro. É o
que se observa na escolha da relação mãe/filha para criar uma imagem agradável e
emotiva dessa peça publicitária (eunóia). A noção de logos, ligada aos argumentos
compreensíveis e claros, pode ser exemplificada pela indicação do momento de se
fazer a escovação dental (após as refeições), criando a imagem de pessoa ponderada,
que tem conhecimento sobre o que enuncia (phrônesis).
A produção e a interpretação do discurso dependem do conhecimento que o sujeito
acredita ter da realidade e dos julgamentos construídos, por meio de opiniões e de
crenças acerca das coisas do mundo. As representações sociais são fenômenos
altamente marcados por valores e por conceitos herdados culturalmente por sujeitos
199
históricos inseridos na sociedade. Tais representações são elaboradas por meio de dois
tipos de saberes: saberes de conhecimento e saberes de crença.
O saber de conhecimento, que pode ser apreendido por meio de uma verificação
provada da realidade (saber científico), está exemplificado, nessa publicidade, no dizer
que a escovação dental após as refeições é o melhor método para combater a cárie,
dizer esse que parece ser referenciado pelo profissional da área; enquanto o saber de
crença, que pode ser apreendido por meio de um saber de opinião está exemplificado,
na mesma publicidade, no dizer que as crianças adoram o delicioso sabor refrescante
de Colgate (nem sempre) (opinião relativa).
Percebemos, também, que as representações sociais podem ser elaboradas, por
meio de elementos cristalizados culturalmente. Dessa forma, estabelece-se a noção de
estereótipo, entendido como uma generalização excessiva de um comportamento, o
que pode ser visto na oração Ensine seus filhos a escovar os dentes com Creme Dental
Colgate após as refeições, ou, ainda, na imagem da mãe colocando o dentifrício na
escova dental da menina, como se a criança não soubesse escovar os dentes sozinha.
Outro conceito relevante acerca das representações sociais é o de arquétipo, visto
como modelo padrão de algo, exemplificado, como já mencionamos, pela figura da
mãe com sua postura zelosa e cuidadosa, sempre disposta a ajudar e a cuidar dos
filhos.
Assim, o discurso publicitário é construído, tanto pelas relações internas
(cotextuais), como se pode ver na nítida relação entre o dito verbalmente e a imagem
do dentista quanto pelas relações socioculturais e situacionais específicas
(contextuais), como se observa no fato de se explorar a imagem da mãe, sabendo que
ela é a responsável pela compra dos produtos de higiene pessoal, como observado
anteriormente.
Vale ressaltar que essa publicidade apresenta uma distribuição homogênea entre o
conteúdo verbal e o não verbal. A figura da mãe e da menina está de acordo com as
vestimentas e com os penteados das mulheres da década de 1950(relação contextual).
As cores, também, desempenham um papel altamente significativo na questão dos
sentidos. A blusa da menina na cor azul simboliza sonho e pureza, características das
jovens dessa idade; e a blusa na cor verde da mãe simboliza esperança e calmaria, isto
200
é, aquilo que é esperado da mãe. A cor vermelha, que encabeça o dizer Creme Dental
Colgate e, também, a embalagem do dentifrício representa a medicina preventiva e
curativa, além de ser considerada uma cor forte e de destaque. O dentista está trajando
uma camisa branca (como é praxe), que indica higiene e limpeza, usa, também, óculos,
denotando sabedoria.
Vale ressaltar que essa embalagem da década de 1950 apenas serve como registro
da marca e como suporte para o creme dental, pois a publicidade é marcada pelo
anúncio e não pela embalagem.
Outra questão, também, de suma importância para o processo de construção de
sentidos é a noção dos implícitos (pressupostos e subentendidos). Os pressupostos são
aqueles determinados pelos elementos linguísticos instaurados no discurso, tidos como
asserções e que podem ser exemplificados, por exemplo, pela oração Ensine seus
filhos a escovar os dentes com Creme Dental Colgate após as refeições, que apresenta
o verbo ensinar, indicando mudança (os filhos não sabem escovar os dentes). Os
subentendidos são aqueles que apresentam ideias deduzidas, abstratas, como, por
exemplo, a mesma coloração de cabelo (ruivo) e a diferença de idade entre as
mulheres dessa publicidade nos faz inferir que a relação entre elas, provavelmente, é
de mãe e filha; ou, ainda, a camisa branca (que remete ao jaleco) e a postura do
homem analisando os elementos dentários mais o que está postado verbalmente, faz-
nos inferir que se trata de um dentista.
Dessa forma, o sujeito anunciante elabora o seu discurso, procurando atingir o
outro, por meio de uma intencionalidade discursiva. Os modos de dizer o discurso são
minuciosamente planejados para que o objetivo do ato comunicativo seja alcançado,
isto é, a divulgação, a aquisição e a permanência na utilização do produto.
201
ANÁLISE 10
- Embalagem antiga
- Ano de veiculação: década de 1940
- Marca: Kolynos
- Tema: Kolynos na família
1946
202
O discurso da publicidade é construído por meio de uma relação entre a forma e o
sentido do discurso instaurada no ato comunicativo, por meio de um sujeito histórico,
que elabora os seus dizeres linguísticos dentro de um quadro situacional. O ato de
linguagem precisa ser produzido e interpretado tanto de forma explícita quanto de
forma implícita, para que os sujeitos interagentes discursivos supram suas
expectativas.
A década de 1940 apresentava como meio de divulgação da publicidade a mídia
impressa ou o rádio, visto a ausência, ainda, da televisão como possibilidade de
comercialização de produtos. Dessa forma, esse tipo de publicidade se tornava uma
grande vitrine para a divulgação das mercadorias, pois era o principal veículo
propagandístico da época.
Assim, o sujeito anunciante precisava divulgar, na publicidade impressa, o maior
número de informação possível, pois era preciso capturar todo tipo de público em um
pequeno espaço impresso. Com isso, a publicidade da década de 1940 apresentava
uma grande parte de conteúdo verbal, pois o publicista acreditava que era preciso
ocupar, praticamente, todo o espaço destinado à publicidade tanto com o conteúdo
verbal quanto com o conteúdo imagético.
Vale ressaltar que a peça analisada é de 1946, período pós-guerra (1939-1945),
quando era preciso “comprar sonhos” para acalmar os ânimos e solidificar a paz.
Desse modo, o sujeito anunciante prometia resultados esplêndidos, sem muita
preocupação. A divulgação do produto precisava ter ritmo, sensação e graça, pois o
objetivo do publicista era a venda do produto, porém com um discurso encantador, ou
até, poético, mesmo que não traduzisse a verdade.
Tais considerações podem ser comprovadas na parte verbal dessa publicidade:
Em casa estamos convencidos: este creme dental antissético
limpa mais
agrada mais
rende mais
203
E como não estaremos convencidos! Já o usávamos há muitos anos! E sabemos que
Kolynos embeleza o sorriso, agrada ao paladar, perfuma o hálito... A borbulhante
espuma de Kolynos alcança todos os recantos da boca, dando-lhe uma sensação
deliciosa do frescor... E Kolynos custa menos porque rende mais!
O sujeito anunciante elaborava o seu discurso livremente, sem a menor
preocupação em denotar a verdade. Há um exagero na forma de dizer o discurso, que
era proferido de modo exacerbado. Assim, a publicidade, nesse período, poderia
perder um pouco de credibilidade, pois o público sabia que nem tudo o que estava
nela poderia ser crível e verificado.
Notamos, então, que o sujeito anunciante dessa publicidade não estava vendendo o
dentifrício, mas a garantia mágica de um belo e agradável sorriso. O léxico
selecionado e as expressões empregadas denotam um exagero de linguagem que,
provavelmente, está distante do efeito real desse creme dental, como, por exemplo:
- Em casa estamos convencidos: este creme dental antissético... limpa mais/agrada
mais/rende mais
Essa frase funciona como um dizer do menino que está na publicidade. Vale
observar que antes mesmo de o público ter alguma reação acerca do produto
comercializado, já é interceptado pela posição de convencimento do garoto e de toda
sua família, pois não é só ele que está convencido, mas também todos em casa. Outro
fato importante é que o produto não apenas limpa, agrada e rende, ele limpa mais,
agrada mais e rende mais. Desse modo, há uma intensificação dos dizeres, vista,
também, nos exageros da ação do creme dental: embeleza o sorriso, agrada ao
paladar e perfuma o hálito. As escolhas lexicais também fazem parte desses “delírios”
dos anos 40, como, por exemplo, a ideia de a espuma do dentifrício Kolynos ser
borbulhante, causando uma sensação deliciosa de frescor.
Percebemos com isso que esse período é propício para a liberdade de pensamentos,
construída por meio de exageros de linguagem, com textos mais longos do que os
atuais.
Assim, notamos a participação de sujeitos históricos e sociais na constituição do ato
comunicativo, que funciona por meio de uma mise-en-scène discursiva, no intuito de
suprir as necessidades de um sujeito intencional, inserido em um quadro de
204
situacionalidade. Desse modo, essa encenação discursiva será construída por meio das
circunstâncias do discurso, tendo a participação de sujeitos ativos, que atuam tanto no
processo de produção quanto no de interpretação discursiva. A relação contratual
firmada entre os sujeitos interagentes do ato comunicativo envolve dois circuitos: o
circuito interno (seres do dizer) e o circuito externo (seres do fazer).
O funcionamento do discurso está ligado aos sujeitos que o constituem, por suas
identidades sociais e discursivas. A identidade social, ligada aos saberes reconhecidos
institucionalmente, pode ser representada, por exemplo, pela presença implícita dos
pais do menino, que pronuncia seus dizeres com verbos no plural: Em casa estamos
convencidos/Já o usamos há muitos anos/E sabemos que Kolynos embeleza o sorriso.
Com isso, há um fortalecimento desses dizeres devido ao fato de que têm a conivência
e a aprovação dos pais do garoto, levando em conta a identidade social de ambos,
como a do jovem, visto com alguém sem experiência e sem autoridade e, também, a
do pai ou a da mãe, tidos como possuidores do “argumento de autoridade”, pelo que
eles representam no ambiente doméstico (zelosos e responsáveis pela família).
A identidade discursiva depende da estratégia de credibilidade, como, por exemplo,
na construção verbal da publicidade, que induz o receptor da mensagem a acreditar na
sinceridade do menino, pois há um relato de experiência sobre o uso do dentifrício,
levando o leitor a atribuir um valor de verdade ao que é dito. Outra estratégia também
empregada na identidade discursiva é a de captação, percebida no dizer E Kolynos
custa menos porque rende mais, no intuito de promover, pelo sujeito anunciante, uma
adesão do público alvo ao que está posto e, consequentemente, à aquisição do produto.
Os sentidos do discurso estão ligados aos processos de transformação e de
transação. O processo de transformação é constituído por quatro categorias
linguísticas: a identificação, nos termos casa, creme, anos, Kolynos, sorriso, paladar,
hálito, espuma, boca, sensação e escova; a qualificação, em termos como
borbulhante, deliciosa, dental, antissético e seca; a ação, nos verbos limpa, agrada,
rende, usamos, sabemos, embeleza, perfuma, alcança, dando, custa, rende e basta e,
por fim, a causação, representada pela causa e pela relação causa/consequência
Kolynos custa menos porque rende mais.
O processo de transação é constituído por quatro princípios: de alteridade, no
consentimento e na aprovação implícita dos pais sobre o que é dito pelo garoto, como
205
já vimos, legitimando essas identidades, no intuito de estabelecer uma interação entre
os participantes do processo enunciativo; o princípio de pertinência, como, por
exemplo, na escolha de um garoto, que representa a família, para encabeçar essa
publicidade, com o objetivo de atingir esse público alvo (a família); o princípio de
influência, como na sequência de qualidades atribuídas ao dentifrício, com a intenção
de captura do público alvo, como nos dizeres Kolynos embeleza o sorriso, agrada ao
paladar, perfuma o hálito; e, por fim, o princípio de regulação, utilizado como
estratégia de influência sobre o receptor da mensagem.
Dessa forma, o sujeito anunciante cria uma imagem intrinsecamente ligada aos
modos de dizer (ethos), na tentativa de persuadir o outro acerca de seus dizeres.
Assim, o publicista cria o seu discurso, com o objetivo de assumir a atitude de um
sujeito que fala a verdade (aretê), o que se observa no dizer basta um centímetro na
escova seca, pois, desse modo, o receptor pode acreditar na veracidade dos dizeres,
visto a quantidade exata de creme dental que deverá ser colocada na escova, para
poder causar os efeitos desejados.
Para obter a confiança do público alvo, o sujeito anunciante utiliza estratégias de
convencimento sobre o outro, como as noções de: inventio, ligada à elaboração do
discurso, representada, por exemplo, pelas escolhas lexicais, que denotam dizeres
poéticos, como na oração A borbulhante espuma de Kolynos alcança todos os
recantos da boca; dispositio, ligada ao encadeamento do discurso, como a relação
entre a parte verbal (basta um centímetro na escova seca) e a imagem do dentifrício
sendo colocada na escova dental; e, elocutio, ligada à verbalização do pensamento,
verificável, por exemplo, nos dizeres limpa mais/agrada mais/rende mais, que, por
meio do ritmo ternário, promovem um paralelismo estrutural com o que é dito.
Outras considerações também relevantes nesse processo constitutivo da imagem
são: a noção de pathos, ligada às emoções do outro, como observamos na informação
de que Kolynos embeleza o sorriso. Desse modo, o sujeito anunciante oferece uma
imagem agradável de si (eunóia), como um amigo, que pretende aumentar a estima do
outro, por meio de uma fórmula mágica, com o objetivo de “embelezar o sorriso”; e,
também, a noção de logos, ligada aos argumentos lógicos, como observamos no dizer
E Kolynos custa menos porque rende mais, que denota o aspecto de sujeito ponderado
(phrônesis).
206
Assim, o sentido do discurso é construído, tanto por meio do que é posto
linguisticamente quanto por meio dos conhecimentos que temos do mundo e, também,
por meio de julgamentos que atribuímos a ele. Essas representações sociais elaboradas
no/pelo discurso estão ligadas aos valores que o sujeito acredita construir da realidade
e que são organizados pelos saberes de conhecimento e de crença.
Os saberes de conhecimento, exteriores ao sujeito, podem ser exemplificados na
oração basta um centímetro na escova seca, que denota um saber de
conhecimento/experiência sobre o uso do dentifrício enquanto os saberes de crença,
ligados à subjetividade, podem ser exemplificados na informação Em casa estamos
convencidos: este creme dental antissético... limpa mais/agrada mais/rende mais, por
se tratar de uma opinião subjetiva sobre o dentifrício (saberes de opinião).
Há representações que se cristalizam socialmente, indo além da mera opinião
acerca das coisas do mundo, por uma seleção isolada da realidade (estereótipos). O
garoto dessa publicidade precisa utilizar os verbos no plural para firmar e endossar o
que é dito (no intuito de incluir os pais nesses dizeres). Por outro lado, os pais, tidos
socialmente como padrão de comportamento (arquétipos), também, são construídos
por meio de ideias partilhadas culturalmente, como indivíduos responsáveis e
cuidadosos. Desse modo, tais representações sociais contribuem fortemente para a
produção e para a interpretação do discurso.
Assim, a relação entre o texto e a sua inserção situacional e sociocultural se tornam
de suma importância para o processo de construção dos sentidos. O sujeito anunciante
precisa elaborar a publicidade por meio de coesão e de coerência textuais, adquiridas
tanto por meio das relações cotextuais (texto/texto), como, por exemplo, nessa
publicidade, a relação entre o conteúdo verbal (os dizeres com verbos no plural, como
já vimos, indicando que outros sujeitos também concordam com o dito) e o conteúdo
não verbal (a imagem do jovem) quanto por meio das relações contextuais
(texto/contexto), como, por exemplo, a representatividade social da figura dos pais,
implicitamente, nos dizeres do garoto.
O publicista, então, utiliza intencionalmente esses recursos, no intuito de capturar o
outro para seus domínios. Vale ressaltar que o discurso publicitário é altamente
sedutor e, por isso, necessita de escolhas lexicais envolventes, como vimos
anteriormente. O objetivo do sujeito anunciante é promover uma afinidade entre o
207
produto e o consumidor. Se compararmos com as publicidades atuais, percebemos
que, nessa época, parece não haver muita preocupação com a exposição da pura
verdade e, sim, com a fantasia e com a sedução. Com relação às cores, o sujeito
anunciante optou por produzir a publicidade em preto e branco, enfraquecendo, um
pouco, a percepção imagética da publicidade.
Com relação aos implícitos, sabemos que há os pressupostos, determinados por
meio de elementos linguísticos encontrados no texto, como, por exemplo, nos dizeres
limpa mais/agrada mais/rende mais. Esse dentifrício, então, limpa, agrada e rende
mais do que outro, logo, pressupomos que existe outro dentifrício que limpa, agrada e
rende menos do que esse; e, também, os subentendidos, elaborados por meio de ideias
deduzidas, como, por exemplo, a ideia de que os pais do garoto, também, estão de
acordo com os seus dizeres, visto as orações com verbos no plural (podendo, inclusive,
não serem os pais, mas um tio ou uma avó).
Desse modo, o sujeito anunciante elabora o seu discurso, utilizando recursos e
estratégias altamente significativas para o processo de produção e de interpretação
textuais.
208
ANÁLISE 11
- Embalagem antiga
- Ano de veiculação: década de 1930
- Marca: Eucalol
- Tema: Eucalol – uso global
1939
A publicidade apresenta um discurso altamente significativo, pois situa o ato de
comunicação em um espaço dinâmico de representações linguageiras, que são
decodificadas tanto pelos valores explícitos quanto pelos implícitos. Há um quadro de
209
ação formado por um indivíduo intencional, “mergulhado” nas questões sociais, que
corroboram a identidade dos sujeitos interagentes discursivos.
Dessa forma, o sujeito anunciante cria o seu discurso, baseado no contexto e na
situação de uso linguístico, por meio de uma máscara discursiva (mise en scène), que
marca a atuação dos sujeitos do ato de comunicação, pelos modos de dizer o discurso.
É importante pontuarmos que a mídia impressa, no século XIX, já era responsável por
parte da renda dos jornais e das revistas. Dessa forma, tais veículos abriam espaço,
cada vez mais, para a publicidade, que, por sua vez, passou a priorizar o conteúdo
imagético, no intuito de obter uma comunicação mais rápida com o leitor. Com isso, o
volume de textos verbais, nos periódicos, na década de 1930, foi reduzido, pois
acreditamos que o sujeito anunciante considerava essa diminuição da parte verbal
como uma forma de capturar o público alvo para seus domínios. Nesse período, a
questão financeira ligada aos lucros dos periódicos era tão forte, que a publicidade
“saltou” das últimas páginas para o conteúdo central e, até mesmo, para a primeira
página dos jornais.
Percebemos, então, nessa publicidade, um forte apelo do sujeito anunciante, no
intuito de cativar o público pelo conteúdo imagético, que apresenta várias figuras
representativas de famílias, como pai, mãe e filhos. Dessa forma, o publicista denota a
ideia de que esse dentifrício pode e deve ser usado por todos os membros da família.
Com isso, a publicidade atinge um maior número de pessoas possível, dando uma
ideia, inclusive, de um aglomerado de pessoas, ratificado pela hipérbole
metonimicamente construída “Milhares de bocas”, como se todas elas fizessem o uso
desse creme dental.
Vale ressaltar que essa publicidade é datada de 1939, década da política de Getúlio
Vargas, responsável pela modernização do Brasil e do crescimento das indústrias.
Percebemos que há uma forte relação entre o tipo de imagem veiculada (o
conglomerado de pessoas) e a situação política da época, período altamente
representativo, no que diz respeito à inclusão da massa de trabalhadores e de
manifestações populares, como estratégias de sobrevivência da política de Vargas.
Assim, criar uma publicidade que apresenta o povo unido e em busca de um único
objetivo (no caso, a opção pelo uso do dentifrício) é reforçar a ideia de popularidade
210
do “pai dos pobres”, expressão usada para designar o Presidente Vargas, o promotor e
o regulamentador dos direitos e das leis trabalhistas.
A parte verbal, inclusive, também apresenta essa relação com a questão da política
da época e com as manifestações populares. Os dizeres Milhares de boccas
proclamam...creme dental Eucalol a sua pasta, passa a ideia de uma declaração de
forma pública, solene e enfática, como algo dito de modo incontestável (assim como
os dizeres dos políticos).
Por outro lado, mesmo considerado o “pai dos pobres”, Vargas, de certa forma,
excluiu grande parte dos brasileiros da década de 1930, pois só era considerado
cidadão aquele que trabalhava formalmente e, consequentemente, seria possuidor de
direitos e de benefícios. A carteira de trabalho, inclusive, era o principal documento de
identificação do sujeito da época. Assim, essa publicidade pode, talvez, “funcionar”,
implicitamente, como um coro de vozes, acerca do que é pensado e crível pela
sociedade.
A figura feminina, nessa época, passou a ter um lugar de destaque na sociedade,
visto a possibilidade de voto a partir dos 21 anos, resultando na conquista da
cidadania, devido ao código eleitoral de 1932. Assim, a mulher, que já apresentava
uma forte construção social, por meio da figura da mãe zelosa e cuidadosa, passou a
ser vista, também, como aquela que tem voz e opinião própria. Desse modo, a sua
presença, nesse conteúdo imagético, ajuda a reforçar os dizeres proclamados pelo
grupo.
Outra observação, também, importante é a ausência de pessoas negras no conteúdo
imagético. Tal fato pode ser explicado, talvez, pelas teorias racistas advindas do século
XIX, que posicionaram inferiormente os mestiços e os negros com relação aos
brancos. Dessa forma, as mazelas de nossa sociedade estavam ligadas à miscigenação
e à inferioridade de uma etnia em relação à outra. O sujeito anunciante, então, poderia
supor que a inclusão de negros na publicidade, talvez, trouxesse uma carga negativa
para o produto, mesmo sabendo que, nesse período, já havia indícios de uma tentativa
de amenizar as diferenças raciais, como meio de desenvolvimento social.
Desse modo, o sujeito anunciante elabora a publicidade, por meio dos aspectos
socioculturais, na tentativa de despertar o desejo de compra no outro. Para que o ato de
211
linguagem alcance o êxito comunicacional, é preciso que o contrato firmado entre os
sujeitos discursivos apresente os seguintes componentes: o comunicacional, que liga o
produto ao consumidor, exemplificado por meio de jornais e de revistas, onde a
publicidade poderia aparecer; o psicossocial, que está focado no sentimento do outro,
como a informação Creme dental Eucalol 100% perfeito, podendo funcionar, talvez,
pela estratégia da porcentagem, como uma “tábua de salvação” para aqueles que
sofrem com problemas dentários; e o intencional, que está associado ao apelo
produzido pelo sujeito anunciante para capturar o público alvo, como a imagem de
toda a família no conteúdo imagético dessa peça publicitária para mostrar a
abrangência do dentifrício, no que diz respeito ao público alvo.
Percebemos, então, uma relação contratual entre os sujeitos de linguagem, que se
dividem entre os seres reais com identidades psicossociais e exteriores ao discurso
(circuito externo) e os seres do imaginário e da palavra, pertencentes ao discurso
(circuito interno).
Assim, estabelece-se o ato de comunicação, por meio de construções identitárias,
resultantes dos traços constitutivos do sujeito, como a identidade social, que corrobora
os traços psicossociais do indivíduo, como a figura da mãe e a do pai, vistos como
seres dignos de fé e, também, a identidade discursiva, que é construída pelas
estratégias de credibilidade, como a utilização do verbo proclamar na frase Milhares
de bocas proclamam... creme dental Eucalol a sua pasta, o que denota um alto valor
de verdade sobre o que é dito (atitude de engajamento) e, também, pelas estratégias de
captação, como a presença de toda a família, no conteúdo verbal, como já vimos, no
intuito de capturar todos esses membros sociais para o domínio discursivo do sujeito
anunciante (atitude de sedução).
Com isso, a construção dos sentidos se instaura no ato comunicativo, por meio de
dois processos. O primeiro, de transformação, que apresenta as seguintes categorias: a
identidade nominal, concretizada pelos substantivos boccas, creme, pasta e Eucalol; a
identidade descritiva, representada pelos adjetivos dental e perfeito; a identidade
narrativa, marcada pelo verbo proclamam, e, por fim, a relação de causalidade, não
encontrada nessa publicidade.
O segundo processo, também, de suma importância para promover o sentido no ato
comunicativo é o de transação, que abrange os princípios: de alteridade (legitimidade e
212
interação), como utilizar o numeral Milhares na frase Milhares de boccas
proclamam...creme dental Eucalol a sua pasta, no intuito de legitimar os dizeres de
um grupo, promovendo uma interação, nesse ato linguageiro; de pertinência, como as
feições alegres dos sujeitos, apropriando o ato de linguagem ao seu contexto e à sua
finalidade; de influência, como incluir a figura da criança, no intuito de capturar esse
público para o domínio discursivo do publicista; e, por fim, de regulação, como o
destaque dado à marca do produto (Eucalol), na tentativa de obedecer às regras gerais
do funcionamento desse tipo de linguagem.
Com isso, a imagem do produto se instaura no ato comunicativo, por meio de um
discurso persuasivo e sedutor, na tentativa de ganhar a confiabilidade do outro, pelos
modos de dizer, que constroem a imagem de si no discurso (ethos), como na frase
Creme dental Eucalol 100% perfeito, que apresenta o recurso da porcentagem, com o
objetivo de criar uma proposição franca e verdadeira (aretê).
Outras noções importantes para se tentar o convencimento discursivo são; a de
inventio, associada à elaboração do ato comunicativo, como a escolha da imagem de
muitas pessoas no conteúdo não verbal, denotando uma ideia de aceitação geral do
dentifrício; a de dispositio, como a relação entre o conteúdo verbal e o não verbal,
exemplificada na frase milhares de boccas proclamam ligada à imagem de muitas
pessoas no conteúdo imagético; e a de elocutio, ligada à verbalização do pensamento,
como a escolha do verbo proclamar na frase Milhares de boccas proclamam, como já
dito anteriormente, com o objetivo de fortalecer esse dizer.
Devem ser levadas também em consideração as noções de: pathos, centrada no
estado emocional do outro, como o conteúdo imagético, já observado anteriormente,
apresentar indivíduos com feições alegres, na tentativa de conseguir a adesão do
público, oferecendo uma imagem agradável do produto (eunóia) e, também, logos,
centrada em uma visão lógica da enunciação, como considerar o creme dental Eucalol
100% perfeito, denotando o aspecto de um sujeito ponderado, que precisa adquirir um
produto que ofereça total perfeição e garantia (phrônesis).
Desse modo, notamos que as circunstâncias do discurso e o seu propósito
comunicativo contribuem fortemente para a construção discursiva, que é composta por
saberes acerca das coisas e do mundo para que ocorra o êxito do ato comunicativo.
Tais saberes são: os saberes de conhecimento, como a presença do óleo de eucalipto
213
no creme dental, no intuito de matar os germes e bactérias (saberes científicos) e os
saberes de crença, como acreditar também que o eucalipto ofereça um hálito agradável
e refrescante. Vale ressaltar que nem todos concordam com isso (saberes de opinião).
Percebemos, também, que há saberes construídos por meio de elementos
cristalizados socialmente, como os estereótipos, tidos como uma ideia preconcebida
acerca das coisas do mundo. Desse modo, o sujeito anunciante tenta incluir o público
infantil no quadro de futuros consumidores, por meio de imagens tanto de adultos
quanto de crianças, pois na década de 1930, a criança não tinha liberdade de expressar
as suas opiniões. Ela era vista como ser incapaz de emitir ideias e de expressar suas
vontades (estereótipo), tendo o dever de obedecer silenciosamente aos pais. Assim, foi
preciso incluir a figura da mãe e a do pai, como já dito, para reforçar e autenticar os
dizeres, pois, arquetipicamente, apresentam um modelo padrão de comportamento,
tidos como seres responsáveis e cautelosos.
Outra estratégia utilizada na publicidade para promover a construção dos sentidos
está ligada às relações textuais. O sujeito anunciante elabora o seu discurso tanto por
relações cotextuais (texto/texto), como a necessidade de colocar a palavra eucalypto
no tubo do dentifrício, no intuito de associar a marca (Eucalol) a esse componente
quanto por relações contextuais (texto/contexto), como a inserção da imagem dos pais
no conteúdo imagético, como já mencionamos, devido ao fato de eles representarem
culturalmente modelos de sensatez e de responsabilidade.
Com relação às cores, o sujeito anunciante optou por uma publicidade em preto e
branco, promovendo um contraste entre o conteúdo verbal e o não verbal. Desse
modo, as cores mais vivas, que apresentam uma forte base informativa, não foram
utilizadas pelo publicista.
Notamos, também, que os implícitos são altamente significativos, no que diz
respeito à construção dos sentidos, como os pressupostos, inscritos na língua, não
encontrados nessa publicidade e as inferências (subentendidos), tidas como ideias
deduzidas, exemplificadas, no conteúdo imagético, pela presença de homens, mulheres
e crianças, que inferimos serem pais, mães e filhos (podendo não representar a
verdade).
214
Percebemos, então, que o discurso publicitário é altamente significativo, pois
requer do receptor da mensagem tanto um conhecimento linguístico quanto um
entendimento sobre as coisas do mundo. O sujeito anunciante precisa elaborar um
discurso que capture para seus domínios aqueles que ele pretende incluir no processo
de comercialização e de aquisição do produto, por meio de um discurso sedutor e
envolvente.
215
ANÁLISE 12
- Embalagem antiga
- Ano de veiculação: Década de 1920
- Marca: Odol
- Tema: O jovem e o sorriso Odol
ANOS 20
216
Para que o contrato de comunicação seja firmado, na tentativa de alcançar o seu
êxito, a linguagem da publicidade requer um conhecimento mútuo entre os parceiros
discursivos acerca das coisas do mundo,
A publicidade da década de 1920 apresenta uma peculiaridade fundamental para a
história publicitária no Brasil: ela é construída junto ao surgimento da primeira
emissora de rádio em caráter experimental. A sua programação, inicialmente, estava
voltada para a elite, porém ao veicularem propagandas comerciais, o radio passou a
exercer um forte poder sobre a vida das pessoas, influenciando o modo de viver de
seus ouvintes.
Dessa forma, o rádio passou a fazer parte do dia a dia das pessoas, formando
opiniões e ditando regras de comportamento. Assim, o sujeito da década de 1920, para
se sentir inserido em um determinado grupo social, absorvia todas as informações
contidas nesse veículo de comunicação e passava a se comportar ou a agir de acordo
com o que era estabelecido pelos programas e pelas publicidades da época.
O rádio, então, passou a difundir a cultura e a promover a integração nacional. Com
isso, a publicidade foi, aos poucos, alcançando um papel fundamental na sociedade da
época, que se espelhava e se moldava naquele padrão de comportamento. Há,
inclusive, uma transformação na vida cultural dos sujeitos da década de 1920, que
passaram a ter um contato maior com os acontecimentos sociais de seu país.
Percebemos, talvez, que seja por isso que a publicidade da década de 1920
apresente uma parte verbal extensa, como é observado na publicidade do dentifrício
Odol, pois além de ser veiculada em jornais e em revistas, agora, essa publicidade
devia, também, ser utilizada nos meios radiofônicos. A questão imagética continuava
fortemente presente nos meios impressos, porém o sujeito anunciante aproveitava o
que era posto verbalmente na publicidade e anunciava esses dizeres também no rádio.
Outra questão relevante, nesse período, está ligada ao público alvo. Sabemos, como
já dito, que o rádio apresentava uma programação voltada para as camadas mais
elitizadas da população, com aulas, palestras, lições de português, entre outras. Assim,
a publicidade, nos meios impressos, também, passou a adotar esse estilo mais clássico
para veicular suas mensagens.
217
Desse modo, notamos que a publicidade analisada apresenta, na parte verbal,
dizeres que se assemelham às regras e às normas básicas para se adquirir um belo
sorriso, como um manual de dentes saudáveis, elaborado no intuito de divulgar não só
o conhecimento, como também os programas de rádio. A própria situação criada pelo
publicista envolve o ambiente de estudos com a parte imagética composta por um
jovem bem vestido, parecendo simbolizar a elite, com papel e caneta sobre a mesa.
Assim, percebemos a forte relação entre a publicidade e os aspectos sociais, pois o
contexto e a situação de uso linguageiro influem nos modos de dizer e,
consequentemente, nas formas de atuação no mundo. Há um sujeito intencional, nesse
contrato de comunicação, que elabora o seu discurso utilizando os valores explícitos e
os valores implícitos, por meio de uma mise-en-scène do discurso, que representa uma
performance comunicativa.
Desse modo, o contrato de comunicação fica estabelecido no discurso, que
apresenta alguns componentes para que o ato de linguagem se concretize, no intuito de
atingir os objetivos desejados. Tais componentes são classificados como: o
comunicacional, que pautado nos saberes acerca dos sujeitos interagentes discursivos,
isto é, precisamos saber quem são e que papéis eles assumem no discurso. Assim,
teremos uma ideia do canal que faz a ponte entre o produto, divulgado pelo sujeito
anunciante e o suposto consumidor, como os meios impressou ou o rádio; o
psicossocial, definido pela relação afetiva com o objeto comercializado, como o fato
dessa peça publicitária ser protagonizada por um jovem, na tentativa de atrair o
público com essa faixa etária; e o intencional, ligado às estratégias de captação do
outro para o domínio discursivo publicitário, como na frase Recomendado pelos mais
eminentes dentistas do mundo, no intuito de atingir a vontade do outro pelo argumento
de autoridade.
Com isso, percebemos a importância de estabelecer uma relação contratual entre os
sujeitos de linguagem, que se dividem em dois tipos de circuitos: o interno, que é
composto por sujeitos protagonistas pertencentes ao discurso (seres da fala) e o
externo, que é composto por sujeitos parceiros exteriores ao discurso (seres da ação).
Assim, a identidade desses sujeitos se instaura no ato comunicativo, que apresenta
duas vertentes identitárias divididas em: identidade social, que autoriza o sujeito a agir
de determinada forma, por meio de atribuições socialmente partilhadas, como a
218
imagem do garoto adolescente com a fisionomia fechada, parecendo aborrecido, no
momento de estudo, comportamento típico de adolescentes, e a identidade discursiva,
que é elaborada pela estratégia de credibilidade, como na frase Recomendado pelos
mais eminentes dentistas do mundo, que, como já citado, utiliza o argumento de
autoridade de um profissional ligado à saúde bucal para corroborar esses dizeres
(atitude de engajamento) e, ainda, pela estratégia de captação, como na informação de
que a marca Odol é representada em pasta, em líquido e em escova, denotando sua
abrangência e seu sucesso, na tentativa de capturar o outro para seus domínios (atitude
de sedução).
Percebemos, então, que a construção de sentidos está ligada aos contextos
situacionais e às circunstâncias do discurso, por meio do processo de transformação,
que modifica a maneira de se penasr a realidade e apresenta as categorias linguísticas:
identificação, como os termos sorriso, gente, curso, estudos, essencial, dentes,
conselhos, Odol, dentista, anno, médico, regime, saúde, dia, mundo, pastas, líquido,
escova, produtos e paízes; qualificação, como os termos bello, especial, severos,
bonitos, sãos, alimentar (regime alimentar) e eminentes; ação, como as formas verbais
conserve, imagina, frequentar, submeter, conseguir, consultar, usar, registrados e
vendidos; e causação, não encontrada nessa publicidade.
Outro processo, também, utilizado na semiotização do mundo é o de transação,
que apresenta os seguintes princípios: de alteridade, como a informação Frequentar o
dentista pelo menos duas vezes por anno, que legitima a imagem do produto, pois
passa a ideia de seriedade e de preocupação com o outro; princípio de pertinência,
como a frase Produtos registrados e vendidos em 77 paízes, que cria uma condição de
legitimidade do produto; princípio de influência, como a imagem dos produtos da
marca Odol, no intuito de atingir o outro e capturá-lo e, por fim, o princípio de
regulação, como a tentativa de se fazer aceitar a imagem sedutora da jovem com o
objetivo de associar essa figura ao dentifrício, fato necessário para que se processe a
interação discursiva.
Dessa forma, o sujeito anunciante elabora a imagem do produto, na tentativa de
garantir o êxito comunicativo, por meio de um discurso persuasivo sobre o outro
(ethos), como na informação Consultar o médico e o dentista sobre o regime
alimentar mais adequado à saúde dos dentes, no intuito de criar um discurso franco e
219
verdadeiro (areté). Essa confiança que o publicista pretende conseguir do outro,
também, pode ser adquirida por meio de conceitos, como: inventio, tido como a
elaboração do discurso, por exemplo, na tentativa de personificar o produto Odol,
observada na frase Para consegui-lo eis os conselhos de Odol, com o objetivo de
fortalecer a imagem do produto; dispositio, visto como o encadeamento do discurso,
por exemplo, a relação da parte verbal, na informação Odol, pasta, líquido e escova
com a parte imagética, que contém os três tipos de produtos; e elocutio, isto é, a
verbalização do pensamento, como a escolha de três verbos no infinitivo (frequentar,
consultar e usar) para expressar os conselhos de Odol.
Outras noções, também, fazem parte do processo de elaboração do discurso, como
a de pathos, que está ligada à tentativa de provocar a emoção no outro, como a
imagem de uma jovem sedutora, oferecendo uma imagem agradável do produto
(eunóia) e, também, a de logos, centrada na visão lógica do discurso, como na frase
Usar Odol três vezes por dia, que denota o aspecto de sujeito ponderado (phrônesis).
Percebemos, com isso, que o discurso é elaborado e interpretado, por meio de
conhecimentos que o sujeito acredita ter do mundo, pois os seus dizeres estarão
intrinsecamente ligados aos julgamentos que ele constrói da realidade. Há dois tipos
de saberes que contribuem para a construção desses sistemas de pensamento: saberes
de conhecimento, exterior ao sujeito, como acreditar que o dentista está apto para
opinar sobre os dentifrícios (saber de experiência) e saberes de crença, isto é,
julgamentos subjetivos, como a frase já citada Usar Odol três vezes por dia (saber de
opinião), pois há pessoas que escovam os dentes mais ou menos do que três vezes por
dia.
Notamos, então, que essas representações podem funcionar como elementos
cristalizados socialmente, definindo ideias e conceitos generalizados ou indevidos
acerca do mundo (estereótipos). O sujeito anunciante, ao pronunciar os dizeres Muita
gente imagina que para ter um bello sorriso é necessário frequentar um curso
especial e submeter-se a estudos severos. Nada disso. O essencial é ter dentes bonitos
e sãos. Desse modo, o publicista parece criar uma imagem estereotipada dos
indivíduos que apresentam uma condição social e cultural mais privilegiada, pois é
colocada a imagem do garoto bem vestido e que, supostamente, teria tudo para ser
feliz, mas não parece.
220
Assim, o publicista elabora o seu discurso, por meio de estratégias
significativas, que envolvem tanto o material linguístico quanto o extralinguístico.
Podemos exemplificar as relações cotextuais (texto/texto) pela escolha dos verbos no
infinitivo frequentar, consultar e usar, tendo o sujeito anunciante o objetivo de criar
um paralelismo estrutural; já as relações contextuais (texto/contexto), podemos
observá-las nas figuras do médico e do dentista como enunciadores de argumentos de
autoridade, como já dito, visto a função social que exercem.
Percebemos, com isso, que o sujeito anunciante elabora o seu discurso, no
intuito de seduzir e de capturar o público alvo para seu domínio, utilizando recursos e
estratégias de convencimento camuflado para conseguir a adesão do outro na compra
da mercadoria.
221
FECHANDO AS ANÁLISES
As embalagens atuais, isto é, aquelas veiculadas nos anos 2013/2014, veiculam
imagens simbólicas altamente representativas acerca do comportamento dos sujeitos e
de como a sociedade da época constrói culturalmente os seus modelos de vida. Essas
embalagens isoladamente já representam a publicidade dos dentifrícios, funcionando
muito além do mero suporte.
A noção do gênero (masculino/feminino) também está presente, nas embalagens
atuais, que apresentam em sua superfície construções identitárias bem delineadas e
formadas acerca dos meninos e das meninas. Desse modo, podemos relacionar o
comportamento dos jovens da época com o tipo de performance construída pelos
personagens presentes nas embalagens dos cremes dentais.
As princesas, as fadas e a Minnie simbolizam aspectos ligados ao belo, à delicadeza
e à formosura, que são características socialmente partilhadas atribuídas às meninas;
enquanto os super-heróis (Capitão América, Homem de Ferro e Incrível Hulk), o Ben
10 e o Mickey representam os meninos, no que diz respeito à valentia e à virilidade.
Vale ressaltar que a Minnie e o Mickey parecem apresentar um comportamento mais
próximo da realidade das crianças e, logo, uma imagem mais infantilizada do que os
outros personagens.
Assim, percebemos que a imagem do produto está veiculada diretamente na
embalagem do dentifrício, tornando-se, então, o veículo de divulgação da mercadoria.
Essa imagem, inclusive, nas embalagens atuais, é prioritariamente construída pelo
conteúdo não verbal (diferentemente das antigas, que priorizava também o conteúdo
verbal), pois notamos que, talvez, o publicista possa acreditar que esse seria o meio
mais rápido e eficiente de se fazer fixar o produto na mente do futuro consumidor.
As cores também são um recurso altamente simbólico e explorado pelo sujeito
anunciante, nas embalagens dos anos 2013/2014; enquanto as embalagens antigas não
222
apresentavam muita variação e significação, no que diz respeito à coloração da
imagem.
As embalagens antigas apresentam, em sua maioria, apenas a marca do produto e
alguma pequena observação acerca do dentifrício, pois a sua função era, basicamente,
servir de suporte para o creme dental. A publicidade era construída por meio de
anúncios em jornais e em revistas, pois o sujeito anunciante, ainda, não elaborava
estratégias para veicular imagens na própria embalagem.
Já que as crianças, nessa época, não apresentavam “poder de voz” no momento da
compra dos produtos, o sujeito anunciante elaborava publicidades especialmente
destinadas aos adultos, mesmo quando colocava imagens de crianças, no intuito de
incluí-las como possibilidade de utilização do produto. Com isso, o publicista não
utilizava personagens infantis e nem cores, supostamente, ligadas aos meninos e nem
às meninas, pois ele queria cativar e seduzir os adultos para a aquisição do produto.
Concluímos, então, que a construção da publicidade, em épocas distintas, varia de
acordo com a finalidade e com as circunstâncias do discurso. O sujeito anunciante
elabora o seu discurso de acordo com o contexto e com o que circula culturalmente na
sociedade. Ser forte e destemido como o Capitão América ou ser meiga e dócil, à
procura do príncipe encantado como a Branca de Neve parecem comportamentos
aceitos na atualidade e que, de certa forma, constroem uma imagem positiva do
produto; enquanto o publicista, nas embalagens antigas, como, por exemplo, na década
de 1970, seleciona a imagem de um garoto com um jeito despojado, visto ser uma
época pós-repressão e que, por isso, teria a aceitação do público, ou, ainda, na década
de 1920, as publicidades darem ênfase à parte verbal, devido ao fato de o rádio ser
introduzido, nesse período, no Brasil.
Assim, a publicidade acerca dos dentifrícios é elaborada, por meio do contexto e de
seus aspectos sociocomunicativos. O sujeito anunciante, inclusive, constrói o seu
discurso utilizando uma linguagem sedutora e envolvente, na tentativa de capturar o
outro para seus domínios. Notamos, também, que a análise das embalagens de
dentifrícios corroborou a ideia da publicidade como retrato da época, visto ser uma
análise historicamente situada.
223
5. CONCLUSÕES
Podemos concluir essa pesquisa corroborando a ideia de que os sujeitos
interagentes discursivos são peças fundamentais na construção de sentidos acerca do
discurso publicitário. Tanto o processo de produção quanto o de interpretação estão
instaurados no ato comunicativo, construindo saberes relevantes para que se instaure o
contrato de comunicação.
Inúmeras estratégias são empregadas, nesse ato comunicacional, como a
investigação do quadro social da situacionalidade discursiva e, também, recursos que
levam à captação do público alvo e à credibilidade dos dizeres. Esse manuseio das
formas linguísticas feito pelo sujeito anunciante para a elaboração das peças
publicitárias está intrinsecamente ligado às escolhas dos elementos internos do
discurso e aos aspectos extralinguísticos.
A parte verbal junto à não verbal constroem sentidos discursivos, elaborados tanto
pelo que está exposto na superfície textual quanto pelo que está implícito, como os
pressupostos, instaurados no discurso, por meio dos marcadores de pressuposição e os
subentendidos, formulados de forma mais abstrata.
Os espaços temporais selecionados acerca das peças publicitárias nos revelaram
inúmeras diferenças entre as construções discursivas da atualidade e as do passado,
como questões ligadas à imagem, à cor, ao suporte, ao conteúdo verbal e ao não
verbal, enfim, a uma série de fatores que contribuem para a elaboração e para a
interpretação dos sentidos (articulados ao momento de produção das peças, tanto no
passado quanto no presente).
Percebemos, também, a forte presença das representações sociais, no que diz
respeito aos estereótipos e aos arquétipos, construídos por meio de saberes
compartilhados socialmente. A figura da mãe como aquela cuidadora da casa e dos
filhos esteve várias vezes representadas nas peças publicitárias, reforçando o arquétipo
da mulher-MÃE.
224
Outra noção bastante presente tanto nas embalagens atuais quanto nas publicidades
antigas é a de ethos. O sujeito anunciante elabora o seu discurso, na tentativa de
construir uma imagem agradável do produto, por meio de um discurso envolvente e
sedutor, procurando atingir as vontades e os desejos do futuro consumidor. Vale
ressaltar que a questão do ethos masculino/feminino está muito mais presente nas
embalagens atuais do que nas antigas.
Confirma-se a hipótese de nossa pesquisa, que apresenta a ideia de que as
embalagens atuais devem seduzir tanto o adulto quanto a criança, pois a criança atual
tem vontade própria e espaço livre para se expressar e, consequentemente, influência
no poder de decisão de compra do produto; enquanto a publicidade antiga tem como
público alvo apenas o adulto.
Assim, percebemos que a publicidade está inserida em um discurso altamente
significativo, pois requer de seus participantes um envolvimento ativo acerca da
linguagem e de elementos extralinguísticos. Dessa forma, o alcance do êxito do
contrato de comunicação dependerá de como os sujeitos interagentes discursivos
atuarão nas entranhas do discurso.
Por fim, a pesquisa colaborou não só para a aplicação da Teoria Semiolinguística
do Discurso como também para a possibilidade do ensino de língua. O discurso
publicitário pode e deve ser inserido no âmbito escolar a serviço da prática pedagógica
e dos meios do processo de ensino e de aprendizagem da língua.
225
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publicidade com automóveis. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras da UFF, Niterói, 2009.
VESTERGAARD, Torben e SCHRODER Kim. A linguagem da propaganda. São
Paulo: Martins Fontes, 2000.
Sites:
https://www.google.com.br/search?q=imagens+antigas+de+cremes+dentais+infantis
https://www.google.com.br/search?q=imagens+de+cremes+dentais+infantis
(ambos acessados no dia 06 de junho de 2013).
229
ANEXO
História dos dentifrícios e sua ação sobre a cavidade oral
A cavidade oral necessita de processos higienizadores que contribuam para o
funcionamento pleno de seus órgãos. Os dentifrícios são responsáveis pelo êxito dessa
operação, pois atuam eficazmente na libertação de agentes terapêuticos, visto que a
escovação dental é o principal mecanismo de combate à cárie e à doença periodontal.
A cárie dentária é definida como doença infecto contagiosa resultante da interação
de diversas espécies bacterianas, tendo os Streptococcus mutans e os Lactobacillus
acidophillus forte contribuição para o início e o desenvolvimento do processo
infeccioso. Desse modo, a atuação dos dentifrícios se torna fundamental para o
combate à doença, pois apresenta ação antibacteriana, agindo na cavidade oral de
forma plena e eficaz. Assim, percebemos a importância de termos ações que
combatam a instalação e a proliferação dessas bactérias, pois a prevenção é a melhor
forma do indivíduo apresentar saúde bucal, livre de qualquer possibilidade de
processos infecciosos.
Ao pesquisarmos a origem do termo dentifrício, podemos afirmar que este foi
empregado pela primeira vez na Inglaterra, em 1558, tendo como significação um pó
ou outra preparação para esfregar ou limpar os dentes. Já o dicionário Priberam da
Língua Portuguesa (2013) nos informa que o termo dentifrício vem do latim
dentifricium e que significa que ou o que serve para fazer a higiene dos dentes e da
boca.
Se pensarmos diacronicamente, o termo dentifrício ampliou sua capacidade
funcional, pois o que antes apresentava como objetivo o cuidado com os dentes, agora
o objetivo inclui, além dos dentes, a cavidade oral. Logo, percebemos a importância
do uso dos dentifrícios no processo de escovação dental, pois o produto auxilia nos
processos preventivos de combate a doenças da cavidade oral.
Na antiguidade, um livro médico egípcio chamado Papiros de Ebers (1500 a.c.)
apresentou em seu conteúdo, a primeira referência histórica acerca dos dentifrícios.
230
Nele, havia receitas para elaboração de preparos que limpavam os dentes. Pastas
oleosas para escovar os dentes também foram encontradas nos escritos da civilização
da Mesopotâmia para a escovação dental, que era realizada com o dedo indicador
(primeiro tipo de escova de dentes). Esse processo simbolizava um ritual para essa
civilização, onde um vaso com água era oferecido aos visitantes para a realização da
lavagem dos dentes.
Na Índia, os sacerdotes usavam uma pasta à base de mel, azeite e extratos
aromáticos misturados a folhas de árvores para se purificarem; enquanto na Grécia,
Hipócrates, médico e filósofo grego, recomendava que a composição do dentifrício
fosse composta por restos queimados das cabeças de uma lebre e três ratos, após tirar o
intestino de dois deles, mas sem nunca remover o fígado ou o rim. Ele acreditava que,
tendo o rato e a lebre dentes fortes, essas características passavam para os dentes dos
humanos, caso estes utilizassem essa mistura.
Os romanos cuidavam dos dentes com dentifrícios compostos por lascas de
madeiras misturadas com chifres de veados queimados e cinzas das cabeças torradas
de lebres, ratos e lobos, juntamente com calcanhares queimados de boi e pés de cabra.
Também utilizavam cascas de ovo trituradas, conchas de caracol e pó de pedra-pomes
na composição do produto final.
Já na Idade Média, os cuidados com a limpeza dos dentes continuaram. Os
dentifrícios eram compostos por água misturada com pétalas de rosa trituradas,
cálculos de bílis e mirra, pois as manchas dos dentes eram removidas devido ao efeito
solvente da mirra e a abrasividade dos cálculos biliares.
Na idade Moderna, várias receitas foram elaboradas para o processo de limpeza dos
dentes. Dentre elas, citamos o manuscrito Le regime du corps de maitre Aldebrandin
de Sienne (1526), que apresentava como dentifrício a mistura de chifres de veado,
sementes de tamaris e de cipreste, rosas e sal-gema.
Na Idade Contemporânea, o primeiro médico que se preocupou com os problemas
dentários foi Pierre Fauchard. Em 1746, o médico criou algumas fórmulas de pós e
pastas bastante complexas, como, por exemplo, a urina humana destilada e dissolvida
em aguardente, água de cresson ou de cocleária.
231
Podemos registrar como a grande virada na fabricação de dentifrícios o ano de
1890, nesse ano em que o autor W.D. Muller descreveu a Teoria da cárie dentária. O
autor concluiu que ácidos orgânicos agiam sobre o esmalte dentário, devido à presença
de bactérias na cavidade oral. Desse modo, as indústrias de dentifrícios passaram a
investir em estudos científicos na área, produzindo produtos com uma base alcalina
em seus constituintes.
232
233
234
235
236
237