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Centro de Convenções Ulysses Guimarães Brasília/DF 25, 26 e 27 de março de 2014 INSEGURANÇAS, DIFICULDADES E SOLUÇÕES NO USO DE NOVOS FORMATOS ORGANIZACIONAIS PARA A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS VALÉRIA ALPINO BIGONHA SALGADO LENIR SANTOS

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Centro de Convenções Ulysses Guimarães Brasília/DF – 25, 26 e 27 de março de 2014

INSEGURANÇAS, DIFICULDADES E SOLUÇÕES NO USO DE NOVOS FORMATOS ORGANIZACIONAIS

PARA A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

VALÉRIA ALPINO BIGONHA SALGADO LENIR SANTOS

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Painel 27/081 Novos formatos organizacionais: desafios na linha de frente

INSEGURANÇAS, DIFICULDADES E SOLUÇÕES

NO USO DE NOVOS FORMATOS ORGANIZACIONAIS PARA A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

Valéria Alpino Bigonha Salgado

Lenir Santos

RESUMO

A agenda política de efetivação dos direitos sociais que vem sendo proposta e implementada, tanto no âmbito do governo federal, quanto nos estados e municípios brasileiros tem demandado o reaparelhamento da Administração Pública por meio da revisão dos modelos e formatos institucionais existentes para a ação estatal e pela adoção de novas tecnologias de gestão que favoreçam a flexibilidade e a agilidade da execução das políticas públicas e do monitoramento, avaliação e controle dos resultados. Em função da demanda crescente da população por serviços públicos de qualidade e que atendam às suas necessidades, vimos surgir, nos últimos vinte anos, diversas novas modalidades de atuação pública, especialmente em parceria com o setor produtivo e com a sociedade civil organizada. Embora, na maioria dos casos, essas novas modalidades tenham sido instituídas por lei e, portanto, com o aval das Casas Legislativas de cada esfera de governo, temos visto intensificar-se o fenômeno da insegurança jurídica na sua aplicação, em grande parte pela falta de compreensão adequada dos contornos jurídicos dos novos modelos, seja pelos próprios aplicadores (o corpo técnico do Poder Executivo); seja pelos órgãos jurídicos dos Governos ou pelos órgãos de controle interno e externo. O presente artigo faz uma análise dos principais problemas encontrados pelos gestores públicos federais, estaduais e municipais na implantação dos modelos jurídicos das fundações estatais e das modalidades de cooperação entre o setor público e as entidades sem fins lucrativos, com ênfase na área da saúde, com certeza, uma das mais afetadas pelo fenômeno da inadequação e obsolescência do regime administrativo.

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1 INTRODUÇÃO: BREVES REFLEXÕES SOBRE O ESPÍRITO NACIONAL PARA A MUDANÇA

São antigas e grandes as dívidas que o Brasil precisa resgatar com

parcela considerável da sua população que vive à margem do Estado, nada

obstante a melhoria da qualidade de vida, em geral, do brasileiro, observada nos

últimos anos, como resultado de políticas de distribuição de renda, de combate à

discriminação e de aumento da oferta de empregos. São muitos desafios a serem

ainda vencidos, especialmente no campo dos direitos sociais, para que a sociedade

brasileira alcance o seu ideal de igualdade e desenvolvimento - desafios que se

tornam cada vez mais difíceis e complexos, frente à crescente escassez de

recursos; à crise financeira mundial e às regras de mercado que transcendem os

poderes de soberania das nações e se impõem como uma nova ordem global de

concorrência e auto sobrevivência dos povos.

Já nos últimos anos, observou-se que a pressão das urnas levaram

governantes das três esferas de governo, independentemente de partido político, a

incorporarem, em suas agendas, a preocupação com a tríade educação, saúde e

segurança, muito embora a efetivação dos direitos sociais, nos termos estabelecidos

pela Constituição Federal, venha se mostrando de árdua operacionalização – seja

pelos altos patamares que alçam os gastos públicos com as políticas sociais; pela

ausência de métodos e instrumentos de articulação e coordenação federativa para a

implementação sistêmica dessas políticas; pelo ausência de uma cultura de gestão

por resultados no seio da alta burocracia pública e pelo despreparo da força de

trabalho executiva do Setor Público.

Dentre todos os obstáculos enfrentados pelos governos nacionais na

viabilização da agenda social, merece destaque a dificuldade de legitimar novas

alternativas jurídico-legais para a atuação estatal no campo social, imprescindíveis à

viabilização de um novo paradigma de gestão pública – aberta, participativa, ágil e

comprometida com a obtenção de resultados - fundamental para a realização dos

ajustes na área social e para a consolidação da ordem democrática no país.

Parte dos avanços sociais conquistados na Constituição de 1988,

permanecem restritos ao universo da retórica, tensionados pela dificuldade de se

efetivar reformas no ordenamento jurídico nacional, para sua adequação à

moralidade vigente – sem dúvida, evidenciada no consenso da massa de cidadãos

4

brasileiros que se insurgiram, nas recentes passeatas realizadas nas ruas das

capitais1, para clamar pela efetivação de direitos e por políticas públicas eficazes e

exigir, do Estado, urgência na implementação de nova ordem social, no país, que

amplie o contingente de beneficiários do estado e e o leque de benefícios

disponíveis.

A gravidade e a complexidade dos problemas exige o estabelecimento de

regras claras e eficientes que, se por um lado regulem o desempenho dos homens

públicos, na defesa do bem comum, por outro contribuam para impulsionar a ação

pública e maximizar seus resultados.

No entanto, o quadro geral do ordenamento jurídico nacional é de

obsolescência, caracterizado por lacunas, sobreposições e desalinho aos novos

paradigmas e valores constitucionais e mundiais, o que tem corroído a capacidade

regulatória do Estado e imobilizado a sua ação executiva2. Além de fragmentado, o

arsenal de leis e normas que rege, atualmente, o Setor Público é inadequado à

realidade nacional, sendo que, muitas das legislações, inclusive algumas mais

recentes, foram construídas sob o espírito da desconfiança na discricionariedade do

administrador público, dentro do paradigma do controle do ato, do processo e não do

resultado esperado.

Desse fato, decorrem diversas das disfunções na atuação da

administração pública, com impactos significativos na área social que, por se

caracterizar pela ação estatal direta na prestação (ou na garantia) de serviços à

1 Essas passeatas têm ocorrido desde o início de 2013, com direito a depredações e outras manifestações típicas de guerrilha civil, opondo força policial e cidadãos, nas ruas das capitais brasileiras, sob o argumento oficial de descontentamento com os gastos públicos realizados para viabilizar a Copa do Mundo de Futebol, no Brasil. Independentemente de quem esteja mobilizando esses movimentos e quais os seus reais objetivos, o fato é que cidadãos brasileiros têm saído de suas casas e ido para o meio das ruas protestar contra a qualidade (ou a falta dela) da educação, da saúde e da segurança pública.

2 Apesar dos esforços já realizados para atualizar a legislação nacional, os principais marcos que regulam a Administração Publica Brasileira remontam à década de 60, quando o Pais amargava a experiência da ditadura militar, como o Decreto-Lei nº 200, de 1967, conhecido como a “lei orgânica da Administração Pública”, e a Lei nº 4.320, de 1964, conhecida como a “lei de finanças”. Registre-se, ainda, que embora orientado por um saudável impulso de democratização e promoção da cidadania, o texto constitucional de 1988 retrocedeu em relação às formas administrativas instituídas pelo Decreto-Lei nº 200/67 e engessou as formas de organização e funcionamento da administração. O repúdio ao alto nível de discricionariedade do Executivo durante o período do regime militar, levou o constituinte a excessos e soluções que pecaram pela rigidez e uniformização, incompatíveis com a diversidade de papéis estabelecidos pela própria Constituição para o Estado brasileiro. Incorreu-se em disfuncional restrição das prerrogativas do Executivo para dispor sobre assuntos de sua própria organização e na perda de autonomias das entidades descentralizadas da administração indireta. Por outro lado, fortaleceu-se a ação dos órgãos de controle com a finalidade de cercear a ação administrativa.

5

população, demanda menos burocracia e mais resultados concretos. Nada obstante

a necessidade de agilidade e flexibilidade, a área social está submetida ao mesmo

regime jurídico imposto às atividades estatais regulatórias, que exercem poderes de

autoridade privativos, reservadas aos órgãos da administração direta e às

autarquias.

Faltam, no país, tecnologias jurídico-institucionais que possam

instrumentalizar adequadamente a intervenção estatal, especialmente quando o

objetivo é o provimento direto de benefícios aos cidadãos, uma vez que grande parte

dos referenciais jurídicos e dos modelos gerenciais desenvolvidos, até a poucos

anos atrás, voltavam-se fundamentalmente ao apoio de políticas de

desenvolvimento econômico.

É certo que, nos últimos anos, houve várias tentativas de inovar no

universo jurídico brasileiro, por meio da aprovação de novos modelos jurídico-

institucionais voltados, principalmente, para o setor social, seja de atuação estatal

direta – como as fundações estatais; o modelo de “empresa pública social”; -, as

parcerias como o modelo de organizações sociais; de oscips; as público-privadas

sociais; dentre outros.

No entanto, tem-se observado que, além das resistências políticas de

alguns grupos3 à implementação desses novos modelos, uma vez implantados, os

seus respectivos regimes jurídicos tem sido submetidos a um processo de

“autarquização”, pela extensão gradativa, a eles, dos mesmos controles burocráticos

aplicáveis à administração direta e às autarquias.

Essa lógica já transcendeu, inclusive, os limites das estruturas do Estado

e, mais recentemente, passou a ser aplicada, também, às relações mantidas com

entidades privadas sem fins lucrativos, parceiras em projetos e programas do Poder

Público, sob o argumento de que se essas recebem transferências financeiras do

Orçamento Público, seus gastos devem ser submetidos aos mesmos controles dos

3 Pode-se citar, como exemplo, a reação veemente das corporações de servidores públicos e de parte da comunidade jurídica brasileira, especialmente de membros de órgãos de controle externo, do Ministério Público e da própria Ordem dos Advogados do Brasil, contra o projeto das fundações estatais e da proposta de um nova estrutura orgânica para a Administração, sob acusações de tentativa de privatização dos serviços públicos e de desoneração do Poder Executivo dos limites e controles constitucionais impostos à Administração Publica.

6

órgãos e entidades públicos 4 , em franca desobediência à Clausula Pétrea da

Constituição Federal que assegura a não interferência da lei em seu funcionamento:

Constituição Federal, art. 5º:

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;(grifo nosso).

É importante lembrar que as regras de Direito Público disciplinam o

relacionamento interno entre entes públicos, ou seja, dentro da própria

Administração Pública e não se estendem aos particulares, esses regidos que são,

exclusivamente, pelas regras do Direito Civil. Aliás, o caput do art. 37 da

Constituição deixa bem claro a que são aplicados os seus dispositivos:

Constituição Federal:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte(grifo nosso).

O fato de toda e qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada,

que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores

públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma

obrigações de natureza pecuniária ter que prestar contas não significa que todas

essas pessoas estejam submetidas, linearmente, ao Direito Público. E argumentar

nessa linha é, na verdade, sofismar com assunto sério.

4 Nesse sentido, as Lei de Diretrizes Orçamentárias do Governo Federal aprovadas nos últimos anos têm produzido pela produção de sérias antinomias jurídicas, ao tratar do regime jurídico que recai sobre as parcerias do Poder Público com entidades do terceiro setor - tema estranho à matéria orçamentária, já estabelecido em outras normas legaisComo exemplo, pode-se citar o texto da LDO 2014, que estabelece a obrigatoriedade de realização de processo seletivo para que o Poder Público celebre termo de parceria com entidades qualificadas como OSCIPs (art. 58, §6º, inciso I), quando a Lei nº 9.790, de 1999 e seu decreto regulamentador estabelecem somente a possibilidade e não a obrigatoriedade. No mesmo art. 58, a vedação disposta no §3º conflita com a previsão da Lei nº 9.637, de 1988, sobre a participação de membros do Poder Público no órgão superior de governança da Organização Social e da possibilidade de cessão de servidores para exercício na entidade parceira. Cite-se, também, as vedações impostas à contratação de serviços de terceiros, previstas no art. 18, §2º que vão muito além do previsto na lei de compras e contratações, ou seja, na Lei nº 8.666, de 1993. O pior é que, às vezes, não é nem a lei (visto que mal ou bem essa resulta de decisão tomada diretamente por representantes eleitos dos cidadãos!) que interefere no funcionamento de entidades privadas, mas a norma administrativa, ditada pela burocracia. É assim que a Portaria Interministerial nº 507, de 24 de novembro de 2011, dos Ministros do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Fazenda e Chefe da Controladoria-Geral da União passa a régua nos diversos modelos de parceria instituídos no Governo Federal e exige, das entidades parceiras, procedimentos específicos em suas compras e contratações.

7

Isto posto, o presente artigo analisa algumas dos principais entraves

jurídico-administrativos com os quais se deparam gestores públicos estaduais e

municipais na implementação de políticas sociais, notadamente daquelas que

envolvem a prestação direta de serviços à população.

2 DIFICULDADES DA AÇÃO ESTATAL DIRETA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À POPULAÇÃO.

2.1 A contratação e a fixação de profissionais.

As políticas públicas voltadas à ampliação da escala de atendimento e do

acesso a direitos pelos diversos grupos sociais existentes no País exigem

investimento intensivo em profissionais qualificados e comprometidos - investimento

que cabe, principalmente, a estados e municípios visto que, na partição de

competências do desenho federativo da República Brasileira, assumiram a

responsabilidade maior pelo provimento dos serviços sociais à população,

universalizados pela Constituição de 1988.

Ocorre que a contratação e a fixação de profissionais qualificados,

sobretudo quando são especialistas em sua área de atuação, têm se mostrado um

desafio, por vezes intransponível, especialmente para os municípios de pequeno

porte. São muitas as razões, mas, sem sombra de dúvidas, prepondera a salarial,

em função da impossibilidade de se ofertar remuneração atraente, ante a imposição

constitucional de o salário do chefe do poder executivo municipal ser o limite para os

salários dos servidores públicos.

É claro que existem outras razões, como as condições, muitas vezes,

precárias de acesso a algumas localidades do interior do país, sem oferta suficiente

de meios de transporte e de infraestrutura; e a ausência de condições adequadas de

trabalho e de oportunidades para esses profissionais. Aliás, as más condições de

trabalho, aliadas à violência urbana, também têm dificultado a fixação de

profissionais em bairros periféricos de algumas capitais.

Para resolver a questão é preciso investir na formação de pessoal

qualificado, mas, principalmente, viabilizar outras formas de contratação de pessoal,

que não a estatutária, com aplicação de novos modelos de relação profissional, tais

como as cooperativas; a contratação de profissionais autônomos ou a contratação

sob o regime celetista.

8

O regime da CLT tem demonstrado ser uma boa alternativa para o Setor

Público Social, por permitir a contratação de profissionais com base em valores de

mercado; e inclusive o pagamento de benefícios e vantagens relacionados à

atividade, já praticadas no mercado; facilita a gestão de pessoal com base em

resultados, com adoção de políticas de desenvolvimento profissional e avaliação de

desempenho que valorizam o trabalhador e a sua formação.

As entidades públicas que têm regime celetista de pessoal – ou seja, as

fundações e empresas estatais – têm maior agilidade na reposição da força de

trabalho, muito embora também estejam obrigadas a contratar, apenas, mediante

concurso público e podem demitir aqueles que, comprovadamente, não estejam

demonstrando o desempenho ou a postura esperada, embora as demissões tenham

que ser motivadas, não podendo ocorrer sem justa causa, como ocorre nas

entidades privadas.

O Programa Mais Médicos5 implantado pelo Ministério da Saúde é um

exemplo da criatividade na busca de novas soluções. Nesse modelo, os

profissionais são remunerados por bolsas, além de receberem ajuda de custo

destinada a compensar despesas de instalação. A iniciativa, contudo, tem sido

arguida pelo Ministério Público do Trabalho6, que já instaurou inquérito civil para

apurar as condições de trabalho dos médicos contratados pelo Programa. Entende

aquele órgão que o Programa descumpre as leis trabalhistas brasileiras, uma vez

que, embora estruturado para afastar a relação de emprego, essa relação, na prática

existe, mas os contratos celebrados com os seus integrantes não prevêm direitos

trabalhistas tais como pagamento de férias remuneradas e de 13º salário.

5 Preocupado com o baixo índice de médicos por habitantes existentes no País – 1,8 médicos por mil habitantes – e com a distribuição desigual desses médicos pelas diversas regiões (22 estados possuem número de médicos abaixo da média nacional), o Ministério da Saúde implantou o programa, aprovado pela Lei nº 12.871, de 2013. No Mais Médicos, o Governo Federal convoca profissionais para atuar na atenção básica de periferias de grandes cidades e municípios do interior do país, oferecendo vagas prioritariamente para brasileiros, mas também para profissionais estrangeiros. A intenção é resolver o problema da atenção básica, que é emergencial e que não pode esperar.

6 Reportagem “Mais Médicos 'descumpre' leis trabalhistas brasileiras, diz procurador”, publicada no Jornal Globo.com, na internet, em 10/02/2014 16h16 - Atualizado em 10/02/2014 16h59. Endereço eletrônico: g1.globo.com/politica/noticia/2014/02/mais-medicos-descumpre-leis-trabalhistas-brasileiras-diz-procurador.html.

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2.2 O limite de gastos com pessoal

A limitação de gastos com pessoal, imposta pela Lei de Responsabilidade

Fiscal, é uma preocupação recorrente em praticamente todos os estados e

municípios brasileiros, por se configurar como um sério entrave à gestão, havendo

motivado muitos municípios a buscarem formas alternativas de atuação que lhes

permitam não ultrapassar os limites legais.

Na área da saúde, por exemplo, em que o gasto com pessoal chega a

80% do total de recursos destinados ao setor, há um destaque especial: em razão

do desenho sistêmico do modelo de atenção em saúde, no Brasil, dividido por

regiões de saúde, os hospitais regionais que pertencem a um município, atendem a

população de toda uma região, que muitas vezes tem mais de 20 municípios. Isso

faz aumentar, consideravelmente, o seu quantitativo de pessoal, onerando a folha de

pagamento e o quantitativo de pessoal do município onde o hospital se situa, sem

haver uma partilha entre os municípios beneficiados no tocante ao limite de pessoal.

É bom lembrar que a fixação de limite de gastos com despesas de

pessoal foi introduzida no ordenamento jurídico nacional, como medida

moralizadora, com o objetivo de estabelecer princípios fundamentais para a boa

administração dos recursos públicos, por meio do estabelecimento dos limites

prudenciais para gastos com todo ato que implique em aumento permanente de

despesa, tais como despesas de pessoal e com seguridade social.

A contratação desenfreada de pessoal, com fins “politiqueiros” e o

crescimento vegetativo da folha de pagamento foram os principais argumentos

apresentados para impor teto de despesas com pessoal. Por essa razão, ficam

sujeitas a esse limite os órgãos e entidades públicas, inclusive as empresas estatais,

que recebam recursos diretos do Tesouro Nacional7. Nesse sentido dispõe a cartilha

elaborada pelo Tesouro Nacional, denominada “Lei Complementar nº 101/2000”: “A

despesa com pessoal apresenta um componente vegetativo importante, responsável

pelo crescimento deste tipo de despesa de forma continuada” (pág. 25).

7 Na forma do art.1º, III-b da Lei Complementar nº 101, de 2000, estão sujeitas às suas disposições as administrações diretas, fundos e entidades da administração indireta cuja relação com o orçamento público for de dependência, tendo seus respectivos orçamentos inscritos na Lei Orçamentária Anual, na forma do disposto no art. 6º da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

10

Considerando as especificidades da área social, intensiva em mão-de-

obra e, para dar alternativas ao gestor público de efetivar os compromissos perante

os cidadãos, disponibilizando serviços públicos de saúde, educação, assistência

social, dentre outros, à população, sem ter que incorrer na terceirização de suas

atividades, foi projetado o modelo de fundação estatal, como uma tecnologia

jurídico-institucional apropriada para o setor.

Na fundação estatal não dependente, os controles para a limitação da

despesa com pessoal são internalizados no seu próprio estatuto, que prevê que seu

funcionamento deve ser baseado em rígido controle de custos. De fato, a

contabilidade da fundação estatal não dependente, por ser regida pelo direito

privado, não segue os ditames da Lei n º 4320, de 1964. Ela não aparece, de forma

detalhada, como unidade orçamentária na LOA do seu ente instituidor. Os recursos

públicos que lhe são devidos são negociados e estabelecidos no contrato de

serviços que celebra com o Poder Público, cujas informações financeiras são

anexadas à LOA, à semelhança do que ocorre com o orçamento de investimento

das empresas estatais não dependentes.

Essa fundação estatal não é, assim, mantida pelo Poder Público. Não tem

seus recursos de custeio assegurados no orçamento, independentemente dos

resultados que se espera que ela alcance. Com isso, o orçamento público de seu

ente fundador não absorve, automaticamente, o crescimento vegetativo das suas

despesas, especialmente com pessoal e com seguridade, de um ano para outro,

como ocorre nos órgãos e entes dependentes do orçamento público. Ela cobre suas

despesas com recursos próprios, originários dos diversos contratos e convênios que

a entidade celebrar para a prestação de serviços ao Poder Público, condicionados

ao próprio desempenho no cumprimento das cláusulas contratuais.

Os custos dos serviços/atividades têm que ser negociados, ano a ano,

com os seus contratantes e, para isso, é fundamental que a fundação dispunha de

um sistema de custo que defina com clareza qual a despesa total para cada serviço.

Nela, o crescimento vegetativo é impossível. Como ocorre em qualquer outro

contrato celebrado entre o Poder Público e entidades civis ou mesmo entre

entidades civis, a contratada, ao precificar e negociar os valores do contrato, deve

prever o custo de sua operação. O contratante, ou seja, o Poder Público, paga o

valor do contrato e não a folha de pagamento e demais despesas da contratada.

Não há relação de dependência.

11

As relações de manutenção e a de independência financeira das

entidades da administração indireta já é ponto reconhecido e pacificado pela própria

Lei de Responsabilidade Fiscal ao tratar a empresa estatal. O ente que tem

empresas estatais dependentes computa a folha de pagamento dessas (por ela

integrar a LOA no tocante aos recursos de pessoal) para fins de cálculo dos limites

de despesas da LRF. Já o ente que tem empresa estatal não dependente está livre

desse controle.

No entanto, e como até o presente momento os órgãos de controle

externo ainda não se manifestaram sobre esse aspecto, paira um temor sobre os

dirigentes das fundações quanto à compreensão por esses órgãos das

características da fundação estatal8 . Urge antecipar e não dar margens para a

judicialização e emendar a Lei Complementar nº 101, de 2000, de forma a prever,

nela, as fundações estatais não dependentes. Enquanto isso, é recomendável que,

na análise da matéria, seja empregado o bom senso e o assunto seja estudado à luz

do interesse público.

2.3 O teto remuneratório

A imposição de teto remuneratório, na forma do inciso XI do art. 37 da

Constituição Federal, está relacionada à necessidade de o Estado observar critério

objetivo para a fixação de limites para a remuneração dos servidores públicos, visto

que, em razão das singularidades e especificidades das funções públicas que

exercem sem correlatas no mercado, também não podem se reger pelas regras

praticadas pelo mercado, que alcançam a massa dos trabalhadores brasileiros.

Dessa forma, o teto atua como um fator de ajuste endógeno, com critérios gerados

dentro da própria burocracia pública, que orientam o estabelecimento os valores

remuneratórios por ela praticados.

8

Segundo relatos registrados no relatório de Oficina sobre Arranjos Organizativos nas Administrações Municipais para a prestação de serviços de saúde promovida pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, em parceria com o Ministério da Saúde, em maio de 2012, há Tribunais de Contas Estaduais que já entenderam que todo o pessoal contratado por organizações sociais entra na conta da LRF, como é o caso do TCDF. O TCM da Bahia já tem inclusive resolução quanto à contratação de OS e OCIP, entendendo que o gasto com o pessoal compõe o limite de gastos para o teto da LRF. Segundo um dos participantes da oficina: No Tribunal de Contas da Bahia tem dois pareceres que são antagônicos. Um que diz os gastos com pessoal da Fundação deve ser contabilizado como prestação de serviços de pessoa jurídica e portanto não deve incidir no teto de gastos de pessoal e outro dizendo que deve ser contabilizado como gasto com pessoal do ente, porque há substituição de servidores (FB). Os TCs tem receio de um efeito sistêmico.”

12

É importante considerar que a burocracia se auto administra, ainda que

sempre com a validação final da Casa Legislativa. O estabelecimento dos tetos

remuneratórios visa impedir a criação desenfreada de gratificações e outras

espécies remuneratórias e indenizatórias para os servidores públicos que, somadas,

pudessem alcançar patamares remuneratórios inaceitáveis, muito além das

remunerações praticadas no mercado nacional.

Ora, quais são as instituições públicas cujos profissionais não podem ser

recrutados no mercado, mas formados dentro da própria administração pública? São

elas, a administração direta e as entidades autárquicas – aí incluídas as autarquias e

as fundações públicas de direito público, cuja força de trabalho é regida pelo regime

estatutário e têm regime previdenciário próprio, diverso do regime geral que alcança

os demais trabalhadores.

Por essa razão, aos empregados das empresas e fundações estatais não

é necessário aplicar-se o teto remuneratório da Constituição – porque seus

empregados são celetistas e os salários por ela praticados são estabelecidos a partir

de referenciais do mercado, que concedem transparência e objetividade à política

remuneratória adotada.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal tem entendido que, quando as

empresas estatais são dependentes dos recursos do Orçamento Público com

despesas da folha de pagamento e custeio em geral previstas como despesa da

Administração, na Lei Orçamentária Anual, aos seus gastos não se aplicam as

regras exclusivamente de mercado9 e, portanto, devem as mesmas observarem o

teto remuneratório previsto na Constituição.

Por simetria, dado que o direito público incide, igualmente, nas empresas

e fundações estatais, o mesmo entendimento deve ser aplicado ao caso das

fundações estatais – públicas de direito privado, que não sejam mantidas pelo Poder

Público, mas que com ele se relacionem exclusivamente por meio de contratos de

prestação de serviços.

9

AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 673.752 RIO DE JANEIRO, RELATOR :MIN. RICARDO LEWANDOWSKI AGTE.(S) :COMPANHIA ESTADUAL DE ÁGUA E ESGOTOS - CEDAE ADV.(A/S) :CARLOS ROBERTO SIQUEIRA CASTRO E OUTRO(A/S) AGDO.(A/S) :CEZAR EDUARDO SCHERER ADV.(A/S) :ANA CECÍLIA MONTEIRO CHAVES DE AZEVEDO E OUTRO(A/S).

13

Às organizações sociais e demais entidades civis sem fins lucrativos que

estabelecerem parceria com o Poder Público, sob nenhuma hipótese, se aplicam os

dispositivos do art. 37 da Constituição Federal que, como o próprio caput do artigo

delimita, são direcionados aos órgãos e entidades integrantes da Administração

Pública, inclusive no que se refere à incidência de tetos remuneratórios e à

observância de princípios administrativos, como moralidade, transparência,

legalidade e impessoalidade. Nada obstante, a legislação específica tem orientado o

gestor a prever cláusula contratual nos instrumentos de parceria, nas quais a

entidade parceira se obriga a observar determinados critérios limitadores da

remuneração de seu pessoal, a fim de evitar abusos, com recursos transferidos pela

Administração.

2.4 Licitações e Contratatos

Pode-se dizer que, se é difícil alcançar consenso entre gestores públicos,

com certeza, em relação à necessidade de atualização da lei de licitações e

contratos, esse assentimento existe. Embora, de forma geral, haja assentimento em

relação aos princípios e demais normas gerais da Lei nº 8.666, de 1993, os

procedimentos e prazos que especifica são burocráticos e estão defasados em

relação às múltiplas realidades da gestão pública nacional. Embora o pregão

eletrônico, instituído em 2002 e, mais recentemente, o RDC - Regime Diferenciado

de Compras 10 , tenham surgido como alternativas para dinamizar os processos

licitatórios do setor público, persistem as dificuldades com a falta de agilidade e

eficiência nos processos de compras de bens e serviços.

Além disso, a complexidade dos procedimentos licitatórios representa um

desafio para muitos municípios, especialmente os de pequeno porte, ante a

dificuldade de manter quadros qualificados e aptos a entender e manejar as regras

impostas na Lei nº 8.666, de 1993.

10

O RDC foi instituído pela Lei nº 12.462, de 2011, como nova modalidade de licitação. Ele estabelece novas alternativas para as contratações públicas necessárias à realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016; da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol e da da Copa do Mundo Fifa 2014. Esse regime foi estendido às obras de infraestrutura e contratação de serviços para aeroportos; ações do Programa de Aceleração do Crescimento e obras e serviços de engenharia no âmbito do SUS.

14

2.5 Imunidade tributária e previdenciária

É uma grande preocupação por parte dos estados e municípios ao

escolher o modelo jurídico-institucional a ser adotado para a prestação de serviços

sociais, garantir imunidade tributária e previdenciária a esses serviços, a fim de não

encarecer a sua manutenção, pelo Poder Público. E, em praticamente todos os

formatos administrativos geralmente utilizados – seja administração direta,

autarquia, fundações ou contratos com entidades civis sem fins lucrativos – essa

imunidade está assegurada; exceção feita às empresas estatais, na qual a

imunidade tem sido reconhecida no Judiciário11.

Também as entidades civis sem fins lucrativos que parceirizam com o

Estado para a realização de atividades de interesse público, no campo social, são

alcançadas pela imunidade tributária, desde que atendam aos requisitos da(Lei nº

9.532, de 1997, art. 12, §2º.

No que concerne, entretanto, à imunidade previdenciária, o assunto não

está pacificado. Nos órgãos da administração direta e nas entidades autárquicas não

há o que se falar de imunidade previdenciária, uma vez que os quadros de pessoal

são, integralmente, estatutários. Nas entidades civis sem fins lucrativos qualificadas

como beneficentes de assistência social a isenção é assegurada pelo art. 195, §7º

da Constituição.

No entanto, as fundações e empresas estatais, instituídas sob o regime

do direito privado, e com quadros inteiramente celetistas, não gozam da imunidade

previdenciária, tendo que recolher a cota patronal sobre a sua força de trabalho, o

que tem tornado esses modelos muito onerosos para os estados e municípios que

optaram por ele. Em vista disso, tem sido reivindicado ao Governo Federal a

certificação dessas fundações estatais, como entidade beneficente de assistência

social, para fins de extensão a elas do benefício fiscal, em tratamento isonômico às

entidades privadas sem fins lucrativos. 11

Em que pese a literalidade do §2º, art 150 da Constituição , que alude tão somente a fundações e autarquias – o Supremo Tribunal Federal, em diversos julgados decidiu que as empresas públicas e sociedades de economia mista que prestem serviços públicos de prestação obrigatória pelo Estado fazem jus à imunidade tributária recíproca. O reconhecimento do direito à imunidade em foco ocorreu em julgado envolvendo a empresa brasileira de correios e telégrafos – ECT, empresa pública federal (RE 407.099/RS, rel. Min Carlos Veloso). O voto condutor deixou patente que o Supremo equiparava essa entidade às autarquias, desprezando o fato de sua forma jurídica ser de empresa pública e atribuindo relevância apenas à natureza de seu objeto : prestação de serviços públicos. Posteriormente, aquele Tribunal Superior proferiu diversos julgamentos sempre com a mesma orientação de conferir relevância à prestação de serviços públicos. No caso da INFRAERO, o STF mencionou como reforço o fato dela atuar em regime de monopólio.

15

É bom lembrar que esse é um tema político, com impactos fiscais

significativos sobre as contas da Previdência Social, e que não pode ser resolvido

apenas na seara jurídica.

2.6 Regime orçamentário e contábil

O regime orçamentário e contábil dos órgãos da administração direta e

das autarquias, regido pela Lei nº 4.320, de 1964 impõe várias restrições à gestão

do recurso público como, por exemplo, a anualidade na aplicação dos recursos e a

impossibilidade de consignar, no orçamento, dotações globais, destinadas a atender

despesas de diversos tipos, o que dificulta a transposição de recursos de um projeto

para outro.

Essa falta de autonomia e flexibilidade na gestão dos recursos públicos já

motivou vários gestores públicos a lançarem mão de soluções nem sempre

ortodoxas para driblar os excessos de controle do regime contábil. É assim que, em

muitos casos, as fundações de apoio das universidades foram utilizadas para

“triangular” recursos públicos e evitar a devolução de recursos públicos pela

entidade pública, ao final do ano. É claro que essas soluções, quando constatadas,

são consideradas inconstitucionais pelos órgãos de controle externo e pelo

Ministério Público.

As fundações estatais surgiram como uma solução constitucional e legal

para as especificidades da gestão da área social. Como são entidades públicas de

direito privado, observam a contabilidade privada. Na ausência de marco legal

específico, essas entidades vêm observando, no que couber, as disposições da Lei

nº 6404, de 1976, das sociedades anônimas. No entanto, para dar segurança

jurídica ao regime contábil das fundações estatais (assim como o da empresa

pública, com 100% de capital público) é fundamental aprovar marco regulatório que

disponha as regras contábeis específicas que devem observar, sob pena de tê-las,

novamente, reintegradas ao regime de direito público.

16

3 QUESTIONAMENTOS E INSEGURANÇAS JURÍDICAS DOS MODELOS DE FUNDAÇÃO ESTATAL, CONSÓRCIO PÚBLICO E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

Em 2012, o Ministério do Planejamento, em parceria com o Ministério da

Saúde, promoveram uma oficina, com gestores federais, estaduais e municipais

para debater os modelos organizativos de prestação direta de serviços assistenciais

em saúde adotados por esses governos, identificar boas práticas e levantar

necessidades de investimento em métodos e ferramentas gerenciais voltadas à

gestão por resultados. Foram debatidos, mais detidamente, os modelos de

organização social, fundação estatal e consórcios públicos. Os resultados obtidos na

oficina, por modelo jurídico, consta do Anexo I.

As entidades representadas na oficina apresentaram prós e contras dos

seus modelos jurídico-administrativos. As fundações estatais discorreram sobre suas

estruturas de governança e de gestão e destacaram o grande potencial desse

modelo institucional, mas alertaram para a necessidade de o Poder Executivo, em

suas três esferas, articular-se com os órgãos de controle e o Poder Judiciário a fim

de melhor apresentarem a eles o estatuto jurídico da fundação estatal, ou seja, o de

uma entidade pública de direito privado, que integra a Administração Indireta, não

dependente do orçamento público o que consequentemente a torna independente

da incidência da Lei de Responsabilidade Fiscal no tocante ao limite de gasto com

pessoal. A falta de imunidade previdenciária das fundações estatais, que as obriga a

recolher a cota patrimonial, tem grande reflexo sobre os seus custos. Esse e outros

pontos merecem reflexão pela Administração Pública, incluindo a necessidade de

votar, com a maior urgência possível, Poder o PLP 92, de 2007, no Congresso

Nacional, para estancar a maior insegurança jurídica do modelo – qual seja, as

discussões sobre a sua viabilidade no ordenamento jurídico nacional.

Os representantes dos consórcios públicos mostraram-se satisfeitos com

suas estruturas, ainda que tenham apontado problemas como a renovação do

contrato com a Secretaria de Estado da Saúde que se demonstra muitas vezes ser

um entrave na sua gestão.

Finalmente, as organizações sociais representadas no evento

mencionaram a sua agilidade na contratação de pessoal e nas suas compra, quando

comparadas com órgãos e entidades públicas. Por não precisarem observar a Lei nº

8.666, de 1993, tem um regime próprio de contratações que exige a somente a

17

apresentação de propostas de três fornecedores e o menor preço. Quanto aos seus

profissionais, podem trabalhar com horários flexíveis, salários de mercado e pagar

adicionais. A gestão de pessoas é um desafio muito grande e a contratação pela

CLT permite uma flexibilização importante no tocante ao pessoal.

Fato importante é que, apesar de serem tratadas todas sob a mesma

denominação de Organização Social, seguem normas legais diferenciadas,

estabelecidas na legislação do respectivo ente federativo que as qualificou e,

portanto, não podem ser consideradas como similares. Cada lei de OS criou um

novo instituto jurídico-administrativo diferenciado e para entendê-los é preciso

analisar lei por lei.

No final do evento, ficou a grande lição – todos os modelos têm

vantagens e deficiências. É preciso avaliar com cuidado e escolher o mais adequado

para o contexto de cada estado e município. De comum entre as experiências, talvez

só o fato de amargarem, todas elas, inseguranças jurídicas, que atrasam os

processos institucionais (quando não os paralisam!), prejudicam e enfraquecem a

gestão e desviam a atenção dos gestores dos resultados que devem obter.

O Brasil, o cidadão brasileiro, tem urgência em implantar a nova ordem

constitucional. Os recursos são escassos. Os desafios são grandes e complexos. E

a insegurança jurídica tem um alto custo para o cidadão brasileiro e para as

instituições.

4 CONCLUSÃO

Qualquer um que administre um negócio ou mesmo uma casa sabe da

importância de se ter regras e objetivos claramente definidos entre os sócios e

empregados. Se não, o negócio não prospera. Não adianta gastar conforme a

cartilha, mas não produzir e gerar os resultados esperados. Quando a cartilha

atrapalha, reveja-se seu conteúdo.

No setor público, esse saber comum anda esquecido e órgãos e

entidades têm funcionado, já há muitos anos, mergulhados em leis e normas

contraditórias que atrasam a ação e favorecem a inépcia, a inércia e a corrupção na

burocracia. Objetivos e prioridades governamentais acabam se perdendo em

discussões intermináveis sobre a letra da lei, o que conduz, ao final, à uma lógica de

imobilismo, a uma “cultura do não-fazer’.

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Em ambiente caracterizado por um arcabouço legal desordenado “quem

se aventura e faz” assume muita responsabilidade e fica sujeito à penalização. Ante

tantas e repetidas penalizaões, surge uma natural desconfiança no gestor e no

servidor público, que se consolida como uma cultura geral, vigente dentro e fora da

administração, que fomenta a mentalidade de cerceamento e de criminalização do

agente público, fechando um ciclo vicioso.

Esse fenômeno é alarmante porque não leva à construção do futuro.

Acirra cidadãos contra o Estado, conduz a uma onda moralista de criminalização da

ação publica e desqualifica a atividade política – basilar em qualquer democracia.

Não raro, a virulência de críticas dirigidas ao governo revelam um

maniqueismo extemporâneo, que demoniza a atividade política e os homens

públicos, numa divisão simplista entre bos e maus. Sobre esse fenômeno, denuncia

Luiz Gonzaga Belluzzo, em sua coluna na revista Carta Capital, “dividir o mundo

entre bons e maus está na moda. Nas ruas e nos meios de comunicação”.

Referindo-se aos atuais movimentos de rua, que proliferam nos Pais, completa o

colunista, “a explosão de vandalismo nas ruas e nas redações dos telejornais

desatou uma nova rodada de manifestações de baixo moralismo empenhadas em

desfazer os padrões de convivência conquistados a duras penas ao longo do

processo civilizador”. E alerta: “os estudiosos do totalitarismo sabem que a

“autovitimização” da “boa sociedade” e a “inculpação do “outro” foram métodos

eficientes para a conquista do poder absoluto”12.

O regime democrático exige instituições fortes e legitimadas. É hora,

portanto, de baixar armas e investir em concertação com a sociedade para construir,

juntos, novas bases, ancoradas na moralidade pública, para a democracia nacional.

12

Nunca é demais citar o alerta as palavras de Norberto Bobbio sobre a divisão abstrata e moralista dos homens, de todos os homens, em bons e maus e para a falsa e ingênua opinião de que a política seja a simples arte de colocar os bons no lugar dos maus. Em sua opinião, todos os homens, são pelo menos medíocres, possuidores de poucas virtudes adquiridas e de muitos vícios naturais, desarmados diante das tentações da ambição, da riqueza, do poder e que, se existe a possibilidade de fazer qualquer confronto entre o melhor e o pior, este não deve ser feito entre os homens, mas entre as instituições. Para Bobbio, deve-se olhar as instituições e não os homens e que as instituições democráticas são as únicas capazes de evitar a corrupção dos homens. Por fim, define instituições democráticas como “aquela instituições que chama o maior número possível de cidadãos à responsabilidade do poder sem amarrá-los; que ampliando o sufrágio, a participação, o controle, impedem alguns de tirar do poder todas as vantagens, descartando todas as responsabilidades.

19

5 REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto (1999), As Ideologias e o Poder em Crise, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 4ª Edição

BELUZZO, Luiz Gonzaba, artigo A Brutalidade dos Homens - Dividir o mundo entre bons e maus está na moda. Nas ruas e nos meios de comunicação, Revista Carta Capital nº 788, de 25 de fevereiro de 2014.

Jornal Globo.com, Reportagem “Mais Médicos 'descumpre' leis trabalhistas brasileiras, diz procurador”, publicada no Jornal, na internet, em 10/02/2014 16h16 - Atualizado em 10/02/2014 16h59. Endereço eletrônico: g1.globo.com/politica/noticia/2014/02/mais-medicos-descumpre-leis-trabalhistas-brasileiras-diz-procurador.html.

Relatório da Oficina sobre Arranjos Organizativos nas Administrações Municipias para a prestação de serviços de saude promovida pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, em parceria com o Ministério da Saúde, em maio de 2012.

TESOURO NACIONAL, Cartilha Lei Complementar nº 101/2000 – Entendendo a Lei de Responsabilidade Fiscal, 2ª Edição, Autores Edson Ronaldo Nascimento e Ilvo Debus, endereço eletrônico: www.fazenda.gov.br/arquivos-economia-servicos/entendendo-a-lei-de-responsabilidade-fiscal

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Anexo I - Quadro – Vantagens e desvantagens de modelos jurídico-institucionais de atuação no setor público social.

Modelo Pontos fortes Dificuldades encontradas e inseguranças jurídicas

Organização Social

A organização social é uma entidade civil sem fins lucrativos, cuja finalidade seja atuar em áreas sociais, assim qualificada pelo Poder Público, na forma estabelecida em lei específica, habilitada a celebrar parceria com a Administração Publica, por meio de contrato de gestão, cujo objetivo seja a realização de atividades e a prestação de serviços de natureza continuada, diretamente aos cidadãos.

O modelo foi instituído pela Lei Federal nº 9.637, de 1988 e rapidamente replicado por estados e municípios que promulgaram suas próprias leis, nem sempre seguindo, na

Agilidade e facilidade de reposição de pessoal. Agilidade na contratação dos profissionais com flexibilidade de horário, salários, por meio de adicionais.

Folha de pessoal não entra no limite prudencial.

Processo seletivo pode ser apenas curricular.

Agilidade na aquisição de insumos, equipamentos, materiais, medicamentos. Regime privado, mas trabalha com cotação de preços, etc. Processo de seleção com três fornecedores e escolha pelo melhor preço.

Auditorias internas e relatórios gerenciais, o que torna mais ágil o acompanhamento das ações, das atividades.

No caso do não cumprimento do contrato de gestão, o Poder Público pode intervir a qualquer momento.

O contrato de gestão é um instrumento de gestão por resultados e estabelece, claramente,

Insegurança juridica decorrente da existência de uma ação direta de inconstitucionalidade há 13 anos sem julgamento de mérito no STF .

Incompreensão do modelo tendo em vista que as leis que regem a matéria podem ser de âmbito municipal e estadual. E muitas vezes elas tratam do instituto de forma bastante diferenciada.

Dificuldade de os órgãos públicos supervisores de contratos com organizações sociais compreenderem adequadamente o que é uma organização, qual o papel do órgão superior (Secretaria Estadual ou Municipal) e como se dá eessa relação.

Perigo de celebrar contratos com muitas organizações é de o Governo Estadual ou Municipal perder o conhecimento e a expertise sobre a atividade ou o serviço contratado.

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Modelo Pontos fortes Dificuldades encontradas e inseguranças jurídicas

íntegra, o conteúdo da lei original.

A celebração de contratos de gestão com organizações sociais tem sido uma alternativa utilizada por muitos estados e municípios para a prestação de serviços de saúde à população.

para a entidae os objetivos metas, indicadores de produtividade, prazos para execução das metas, critérios de avaliação de desempenho, condições de revisão, renovação, suspensão e rescisão.

Gestão de pessoas menos burocrática, podendo ser empregados métodos e técnicas modernas.

Autonomia da gestão orçamentária e contábil.

Possibilidade de obter a certificação de entidade beneficente de assistência social e ficar isenta da cota patronal.

Contabilidade privada.

Agilidade na contratação dos profissionais com flexibilidade de horário, salários, por meio de adicionais. Acompanhamento da gestão de pessoas

Nesses casos, o papel do órgão supervisor do contrato com a OS é, fundamentalmente de financiamento, gestão, de supervisão e acompanhamento do contrato.

Dificuldade de estabelecer parâmetros para o custeio do contrato. Esse ponto é muito importante, porque o fomento público precisa ser adequadamente especificado antes da transferência, visto que, por ser uma entidade privada, a OS não tem obrigação de devolver o recurso que não utilizar.

Resistências, por parte do Poder Judiciários, movimentos sociais e sindicatos ao modelo.

Risco de distanciamento entre a Secretaria Estadual ou Municipal e a OS. Como a OS não integra a estrutura do Governo, é fundamental que o Governo invista no acompanhamento, avaliação e controle constantes e efetivos do desempenho e dos resultados produzidos pela entidade.

Na área da saúde, é frequente o questionamento sobre a inserção ou não da OS na rede de ações e serviços do SUS

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Modelo Pontos fortes Dificuldades encontradas e inseguranças jurídicas

Fundação Estatal

Fundações estatais são entidades públicas, integrantes da Administração Indireta e sujeitas ao regime de Direito Público estabelecido na Constituição Federal para toda a Administração Pública, que observam sua organização e funcionamento normas de direito privado, especialmente no que tange ao regime de trabalho de seu pessoal; ao seu sistema contábil e demais sistemas administrativos. Quando recebem recursos diretos do Orçamento Público, são consideradas dependentes e passam a observar regras fiscais similares às das autarquias públicas. A base jurídica para a criação

Remuneração variável da equipe médica. A Fundação por ter regime celetista consegue buscar e oferecer salários mais atrativos.

Folha de pessoal não entar no limite prudencial.

Sistema de gestão mais eficiente. Economicidade, a profissionalização da gestão, e maior controle social sobre ela. Autonomia gerencial, patrimonial, orçamentária e financeira, um quadro de pessoal próprio.

Possibilidade de adotar procedimento simplificado de licitações.

processo eletronico e a melhoria na gestão de recursos humanos, avaliação desempenho econtrato de experiência

Desprecarização dos vínculos profissionais. A adoção do modelo de fundação estatal torna desnecessária a contratação de mão-de-obra terceirizada.

Sistema de governança colegiada com participação de representações dos usuários contribui para menor interferência política, em razão da gerstão compartilhada por vários atores.

Ausência de aprovação da Lei Complementar Federal, que regulamenta o art. 37, inciso XIX da Constituição, na forma exigida na Carta Magna tem gerado insegurança para os estados e municípios que instituem o modelo, em vista dos questionamentos feitos por órgãos jurídicos e Ministério Público, inclusive, com a apresentação de ADi, no Supremo Tribunal Federal, contra algumas leis de criação,

Dificuldades de gestores públicos e dos órgãos de controle externo e Ministério Publico entenderem corretamente a natureza jurídica da entidade e suas regras de organização e funcionamento. Essa falta de compreensão acaba por trazer insegurança para o gestor público que fica à mercê da decisão que o órgão de controle irá tomar no tocante ao enquadramento da fundação.

O regulamento de compras da Fundação Estatal, tanto quanto a sua contabilidade, também estão sujeitos a interpretações dos órgãos de controle que, em alguns casos, tem entendimento não ser aplicável o regulamento específico de compras

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Modelo Pontos fortes Dificuldades encontradas e inseguranças jurídicas

de fundações públicas é o art. 37, inciso XIX, da Constituição Federal, ainda não regulamentado e o art. 5º do Decreto-Lei nº 200, de 1967

O contrato de serviços é um instrumento de gestão por resultados e estabelece, claramente, para a entidae os objetivos metas, indicadores de produtividade, prazos para execução das metas, critérios de avaliação de desempenho, condições de revisão, renovação, suspensão e rescisão.

Gestão de pessoas menos burocrática, podendo ser empregados métodos e técnicas modernas.

Autonomia da gestão orçamentária e contábil.

Contabilidade privada.

tampouco a contabilidade geral.

Dificuldades em desenvolver e manter sistema de custo eficiente, fundamental para que a fundação estatal precifique os valores dos contratos de serviços que celebrar com o Poder Público.

Equívos de entendimento pelos órgãos de controle externo da incidência do serviço da Fundaçao como despesa de pessoal contabilizada na LRF, nos limites do estado ou do município.

As diferentes interpretações dos órgãos jurídicos e de controle sobre a incidência ou não da Lei de Responsabilidade Fiscal. Se a LRF incidir sobre a fundação estatal, o seu pessoal deverá ser considerado para cômputo no Município do limite de gasto com pessoal. Aparentemente essa questão em relação às OSs está pacificada na maior parte dos Estados brasileiros

A falta de imunidade previdenciária, que aumenta os custos da fundação estatal, quando comparados com os de organizações sociais que obtiveram o

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Modelo Pontos fortes Dificuldades encontradas e inseguranças jurídicas

certificado de beneficencia social

Impossibilidade do duplo vínculo de empregados (professores e profissionais de saúde), permitido pela Constituição para profissionais de carga horária para além das 44h semanais

Dificuldade de estabelecer a natureza jurídica pela Receita Federal porque eles não tem essa natureza jurídica de Fundação Estatal de direito privado. Mesma dificuldade no SCNES

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Modelo Pontos fortes Dificuldades encontradas e inseguranças jurídicas

Consórcios Públicos: a Associação Pública

A associação pública, que dá personalidade jurídica ao consórcio, é uma entidade interfederativa, instituída em conjunto por dois ou mais entes federativos, para cumprimento de uma finalidade comum. É uma entidade regida, integralmente, pelo Direito Público, sendo que, além das disposições constitucionais, observa regras administrativas estabelecidas, de forma integrada, pelos seus entes instituidores. É regida pela Lei Federal nº 11.107, de 2005.

teto do salário dos servidores do Consórcio não está limitado ao teto do prefeito, porque ele é um ambiente inter federativo

Observa regras administrativas próprias, estabelecidas na lei de ratificação do protocolo de intenções dos entes consorciados

Goza de limites diferenciados para realizar licitações

Se as leis dos entes que o criarem optarem, pode observar regras de contabilidade privada

Viabiliza a ação conjunta de vários entes federativos e o co-financiamento. Otimiza o uso de recursos públicos e do capital intelectual do seu corpor de servidores.

Viabiliza a ação federativa

Dificuldades de compreensão do modelo de consórcio

Dificuldades na articulação com os entes federativos para subscrição das respectivas leis que ratificam o protocolo de intenções que cria o consórcio

Dificuldades na negociação do contrato de rateio, entre os entes consorciados