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Informativo 664-STJ (28/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 664-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL DEFENSORIA PÚBLICA É inviável o acolhimento do requerimento formulado pela DPU para assistir parte em processo que tramita no STJ nas hipóteses em que a Defensoria Pública Estadual atuante possui representação em Brasília ou aderiu ao portal de intimações eletrônicas DIREITO ADMINISTRATIVO RESPONSABILIDADE CIVIL Pretensão dos acionistas de serem indenizados pela União e pela Petrobrás pelos prejuízos causados em decorrência da desvalorização dos ativos da Companhia por conta da Lava Jato deverá ser ajuizada na Justiça Federal de 1ª instância (e não por arbitragem). DIREITO CIVIL BEM DE FAMÍLIA Proprietário que aceita que seu bem de família sirva como garantia de um contrato de alienação fiduciária em garantia não pode, posteriormente, alegar que esse ato de disposição foi ilegal. FIANÇA É necessária a outorga conjugal para fiança em favor de sociedade cooperativa. LOCAÇÃO DE IMÓVEIS URBANOS Mesmo que existam mais de um locador, qualquer deles poderá ajuizar a ação de despejo, não sendo necessário que todos figurem no polo ativo. ARBITRAGEM Pretensão dos acionistas de serem indenizados pela União e pela Petrobrás pelos prejuízos causados em decorrência da desvalorização dos ativos da Companhia por conta da Lava Jato deverá ser ajuizada na Justiça Federal de 1ª instância (e não por arbitragem). CONDOMÍNIO É nula a cláusula de convenção do condomínio outorgada pela própria construtora que prevê a redução da taxa condominial das suas unidades imobiliárias ainda não comercializadas. PARENTESCO A concessão de guarda do menor não implica automática destituição do poder-dever familiar dos pais para representá-lo em juízo. ALIMENTOS O fato de o representante legal do menor autor de execução de alimentos possuir atividade remunerada não pode, por si só, servir de empecilho à concessão da gratuidade de justiça.

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Page 1: Informativo comentado: Informativo 664-STJOperação Lava Jato. O procedimento foi instaurado com base no art. 58 do Estatuto Social da Petrobrás, onde consta uma cláusula compromissória

Informativo 664-STJ (28/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 664-STJ

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

DEFENSORIA PÚBLICA ▪ É inviável o acolhimento do requerimento formulado pela DPU para assistir parte em processo que tramita no STJ

nas hipóteses em que a Defensoria Pública Estadual atuante possui representação em Brasília ou aderiu ao portal de intimações eletrônicas

DIREITO ADMINISTRATIVO

RESPONSABILIDADE CIVIL ▪ Pretensão dos acionistas de serem indenizados pela União e pela Petrobrás pelos prejuízos causados em

decorrência da desvalorização dos ativos da Companhia por conta da Lava Jato deverá ser ajuizada na Justiça Federal de 1ª instância (e não por arbitragem).

DIREITO CIVIL

BEM DE FAMÍLIA ▪ Proprietário que aceita que seu bem de família sirva como garantia de um contrato de alienação fiduciária em

garantia não pode, posteriormente, alegar que esse ato de disposição foi ilegal. FIANÇA ▪ É necessária a outorga conjugal para fiança em favor de sociedade cooperativa. LOCAÇÃO DE IMÓVEIS URBANOS ▪ Mesmo que existam mais de um locador, qualquer deles poderá ajuizar a ação de despejo, não sendo necessário

que todos figurem no polo ativo. ARBITRAGEM ▪ Pretensão dos acionistas de serem indenizados pela União e pela Petrobrás pelos prejuízos causados em

decorrência da desvalorização dos ativos da Companhia por conta da Lava Jato deverá ser ajuizada na Justiça Federal de 1ª instância (e não por arbitragem).

CONDOMÍNIO ▪ É nula a cláusula de convenção do condomínio outorgada pela própria construtora que prevê a redução da taxa

condominial das suas unidades imobiliárias ainda não comercializadas. PARENTESCO ▪ A concessão de guarda do menor não implica automática destituição do poder-dever familiar dos pais para

representá-lo em juízo. ALIMENTOS ▪ O fato de o representante legal do menor autor de execução de alimentos possuir atividade remunerada não

pode, por si só, servir de empecilho à concessão da gratuidade de justiça.

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SUCESSÃO LEGÍTIMA ▪ Se o herdeiro renunciou a herança, não tem legitimidade para ação que busca a nulidade de uma alienação

realizada pelo de cujus em vida considerando que, mesmo se anulada a venda, não terá qualquer direito sobre esse bem.

DIREITO DO CONSUMIDOR

COBRANÇA JUDICIAL INDEVIDA ▪ A sanção do art. 940 do Código Civil pode ser aplicada também para casos envolvendo consumidor.

DIREITO EMPRESARIAL

RECUPERAÇÃO JUDICIAL ▪ O cômputo do período de dois anos de exercício da atividade econômica, para fins de recuperação judicial, nos

termos do art. 48 da Lei nº 11.101/2005, aplicável ao produtor rural, inclui aquele anterior ao registro do empreendedor.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ▪ O requerimento de inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes, nos termos do que dispõe o

art. 782, § 3º, do CPC/2015, não depende da comprovação de prévia recusa administrativa das entidades mantenedoras do respectivo cadastro.

EXECUÇÃO ▪ Tratando-se de condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais, não é possível exigir do cônjuge meeiro,

que não integrou a relação processual da lide originária, a comprovação de que a dívida executada não foi contraída em benefício do casal ou da família.

DIREITO PENAL

PECULATO ▪ Pratica o crime de peculato-desvio o Governador que determina que os valores descontados dos contracheques

dos servidores para pagamento de empréstimo consignado não sejam repassados ao banco, mas sim utilizados para quitação de dívidas do Estado.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

DEFENSORIA PÚBLICA É inviável o acolhimento do requerimento formulado pela DPU para assistir parte em processo

que tramita no STJ nas hipóteses em que a Defensoria Pública Estadual atuante possui representação em Brasília ou aderiu ao portal de intimações eletrônicas

Atenção! Defensoria Pública

O STJ indeferiu pedido da DPU para, em substituição à Defensoria Pública de Alagoas, atuar em recurso especial sob o argumento de que a Defensoria Estadual não possui representação em Brasília. Isso porque, embora a DPE/AL não possua espaço físico em Brasília, ela aderiu ao Portal de Intimações Eletrônicas do STJ e, portanto, pode atuar normalmente no processo a partir de sua sede local.

A DPU só pode atuar nos processos das Defensorias Públicas estaduais se a respectiva Defensoria Pública estadual:

• não tiver representação em Brasília; e

• não tiver aderido ao Portal de Intimações Eletrônicas do STJ.

STJ. 5ª Turma. PET no AREsp 1.513.956-AL, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 17/12/2019 (Info 664).

Imagine a seguinte situação adaptada: A Defensoria Pública do Estado de Alagoas não possui representação (“escritório”) em Brasília. A Defensoria Pública da União formulou requerimento afirmando que, diante dessa ausência de representação, cabe a ela (DPU) acompanhar e atuar nos processos que tramitem junto ao STJ envolvendo a DPE/AL. Diante disso, requereu que fosse intimada de todos os processos envolvendo a DPE/AL que tramitam no STJ. O pedido da DPU foi acolhido pelo STJ? NÃO. Vamos por partes. Se a Defensoria Pública do Estado tiver representação em Brasília: Neste caso, esta Defensoria Pública estadual irá atuar normalmente no STJ, não sendo necessário o auxílio da DPU. Se a Defensoria Pública do Estado não possui representação em Brasília: Neste caso, teremos que analisar o seguinte: • se essa Defensoria Pública estadual aderiu ao Portal de Intimações Eletrônicas do STJ, ela poderá atuar normalmente nos processos que tramitam no STJ a partir de sua sede local. Em outras palavras, poderá atuar no STJ mesmo sem possuir representação em Brasília (a DPU não irá participar). • se essa Defensoria Pública estadual ainda não aderiu ao Portal de Intimações Eletrônicas do STJ, as intimações das decisões do STJ nos processos de interesse da DPE serão feitas para a DPU. A DPU foi estruturada sob o pálio dos princípios da unidade e da indivisibilidade para dar suporte às Defensorias Públicas estaduais e fazer as vezes daquelas de Estados-Membros longínquos, que não podem exercer o múnus a cada recurso endereçado aos tribunais superiores. Em suma:

A DPU só pode atuar nos processos das Defensorias Públicas estaduais se a respectiva Defensoria Pública estadual:

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• não tiver representação em Brasília; e • não tiver aderido ao Portal de Intimações Eletrônicas do STJ. STJ. 5ª Turma. PET no AREsp 1513956/AL, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 17/12/2019.

Até fevereiro de 2020, o quadro era o seguinte: 1) Defensorias Públicas que possuem representação em Brasília: DPDF, DPBA, DPCE, DPES, DPGO, DPPE, DPRJ, DPRS e DPSP; 2) Defensorias Públicas que não possuem representação em Brasília, mas aderiram ao Portal de Intimações Eletrônicas: DPAC, DPAL, DPAM, DPMA, DPMG, DPMS, DPMT, DPPB, DPPR, DPRN, DPRR, DPSC, DPPI e DPTO; e 3) Defensorias Públicas que não possuem representação em Brasília e não aderiram ao Portal de Intimações Eletrônicas: DPAP, DPPA, DPRO e DPSE.

DIREITO ADMINISTRATIVO

RESPONSABILIDADE CIVIL Pretensão dos acionistas de serem indenizados pela União e pela Petrobrás pelos prejuízos

causados em decorrência da desvalorização dos ativos da Companhia, por conta da Lava Jato, deverá ser ajuizada na Justiça Federal de 1ª instância (e não por arbitragem)

Importante!!!

A União, na condição de acionista controladora da Petrobras, não pode ser submetida à cláusula compromissória arbitral prevista no Estatuto Social da Companhia, seja em razão da ausência de lei autorizativa, seja em razão do próprio conteúdo da norma estatutária.

Caso concreto: um grupo de acionistas da Petrobrás formulou requerimento para instauração de procedimento arbitral perante a Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM-BOVESPA) contra a União e a Petrobrás, no qual pedem o ressarcimento pelos prejuízos decorrentes da desvalorização dos ativos da Petrobras, em razão dos desgastes oriundos da Operação Lava Jato. O procedimento foi instaurado com base no art. 58 do Estatuto Social da Petrobrás, onde consta uma cláusula compromissória dizendo que as disputas que envolvam a Companhia, seus acionistas, administradores e conselheiros fiscais deverão ser resolvidas por meio de arbitragem. A União afirmou que não estava obrigada a participar dessa arbitragem, argumento que foi acolhido pelo STJ.

STJ. 2ª Seção. CC 151.130-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/11/2019 (Info 664).

Veja comentários em Direito Civil.

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DIREITO CIVIL

BEM DE FAMÍLIA Proprietário que aceita que seu bem de família sirva como garantia de um contrato de alienação

fiduciária em garantia não pode, posteriormente, alegar que esse ato de disposição foi ilegal

A proteção legal conferida ao bem de família pela Lei nº 8.009/90 não pode ser afastada por renúncia do devedor ao privilégio, pois é princípio de ordem pública, prevalente sobre a vontade manifestada.

A despeito disso, o bem de família legal não gera inalienabilidade. Logo, é possível que o proprietário pratique atos de disposição dele, podendo, por exemplo, oferecê-lo como objeto de alienação fiduciária em garantia.

A utilização abusiva do direito à proteção do bem de família viola o princípio da boa-fé objetiva e, portanto, não deve ser tolerada. Assim, deve ser afastado o benefício conferido ao titular do bem de família que exerce o direito em desconformidade com o ordenamento jurídico.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.595.832-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 29/10/2019 (Info 664).

Espécies de bem de família No Brasil, atualmente, existem duas espécies de bem de família: a) bem de família convencional ou voluntário (arts. 1711 a 1722 do Código Civil); b) bem de família legal (Lei nº 8.009/90). Bem de família legal O bem de família legal consiste no imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar. Considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do Código Civil (bem de família convencional). Proteção conferida ao bem de família legal O bem de família legal é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas no art. 3º da Lei nº 8.009/90. Alienação fiduciária de bem imóvel Na alienação fiduciária de bem imóvel, alguém (fiduciante) toma dinheiro emprestado de outrem (fiduciário) e, como garantia de que irá pagar a dívida, transfere a propriedade resolúvel de um bem imóvel para o credor, ficando este obrigado a devolver ao devedor o bem que lhe foi alienado quando houver o adimplemento integral do débito. Veja agora o conceito dado pela Lei nº 9.514/97:

Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

Como consequência, ocorre o “desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel” (art. 23, parágrafo único). Resolve-se o negócio com pagamento integral da dívida garantida.

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Imagine agora a seguinte situação hipotética: João precisava de dinheiro e procurou o Banco “X” para tomar um empréstimo. O Banco aceitou celebrar o contrato, mas exigiu uma garantia. João ofereceu a casa onde morava com a sua família como garantia da dívida. João e o Banco celebraram um contrato de mútuo com garantia de alienação fiduciária de bem imóvel. Assim, a instituição financeira emprestou a João o dinheiro e, como garantia do pagamento, a propriedade resolúvel da casa ficou com a instituição financeira e João permaneceu com a posse direta, podendo usar livremente o bem. Inadimplemento João (mutuário/fiduciante) comprometeu-se a pagar a dívida em 60 prestações. Ocorre que, por dificuldades financeiras, tornou-se inadimplente. Quando o fiduciante não paga a dívida, a lei afirma que ocorre a consolidação da propriedade em nome do fiduciário. Nesse sentido, é o que prevê o art. 26 da Lei nº 9.514/97:

Art. 26 Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

Assim, ocorreu a consolidação da propriedade da casa em nome do Banco. Ação de nulidade João ajuizou, então, ação declaratória de nulidade da consolidação da propriedade do bem imóvel. Alegou que o referido imóvel é o local onde ele mora com sua esposa e filhos. Logo, deve ser considerado bem de família, nos termos do art. 1º da Lei nº 8.009/90. Para o autor, como o imóvel sobre o qual recaiu a execução da dívida constitui bem de família, ele se reveste de impenhorabilidade, de forma que não poderia ter sido dado em garantia da dívida. A tese do autor foi acolhida pelo STJ? NÃO. Bem de família pode ser alienado pelo titular; logo, pode ser oferecido em garantia A Lei nº 8.009/90 afirma que o bem de família não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, mas em nenhuma passagem afirma que esse bem não possa ser alienado pelo seu proprietário. Assim, o bem de família legal não gera inalienabilidade. Logo, é possível que o proprietário disponha dele, inclusive no âmbito de alienação fiduciária, em que a propriedade resolúvel do imóvel é transferida ao credor do empréstimo como garantia do adimplemento da obrigação principal assumida pelo devedor. Desse modo, não se pode concluir que o bem de família legal seja inalienável e, por conseguinte, que não possa ser alienado fiduciariamente por seu proprietário, se assim for de sua vontade. Alegação do autor viola a boa-fé objetiva e a vedação ao comportamento contraditório A proteção do bem de família não pode se sobrepor à ética e à boa-fé, que devem permear todas as relações negociais. Não pode o devedor ofertar bem em garantia que é sabidamente residência familiar para, posteriormente, vir a informar que tal garantia não encontra respaldo legal, pugnando pela sua exclusão. Esse comportamento é rechaçado pela vedação ao comportamento contraditório. STJ. 3ª Turma. REsp 1.560.562/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/04/2019. Em sentido semelhante:

(...) 3. A jurisprudência desta Corte reconhece que a proteção legal conferida ao bem de família pela Lei n.

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8.009/90 não pode ser afastada por renúncia do devedor ao privilégio, pois é princípio de ordem pública, prevalente sobre a vontade manifestada. 4. A regra de impenhorabilidade aplica-se às situações de uso regular do direito. O abuso do direito de propriedade, a fraude e a má-fé do proprietário devem ser reprimidos, tornando ineficaz a norma protetiva, que não pode tolerar e premiar a atuação do agente em desconformidade com o ordenamento jurídico. 5. A propriedade fiduciária consiste na transmissão condicional daquele direito, convencionada entre o alienante (fiduciante), que transmite a propriedade, e o adquirente (fiduciário), que dará ao bem a destinação específica, quando implementada na condição ou para o fim de determinado termo. 6. Vencida e não paga, no todo em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á a propriedade do imóvel em nome do fiduciário, consequência ulterior, prevista, inclusive, na legislação de regência. 7. Sendo a alienante pessoa dotada de capacidade civil, que livremente optou por dar seu único imóvel, residencial, em garantia a um contrato de mútuo favorecedor de pessoa diversa, empresa jurídica da qual é única sócia, não se admite a proteção irrestrita do bem de família se esse amparo significar o alijamento da garantia após o inadimplemento do débito, contrariando a ética e a boa-fé, indispensáveis em todas as relações negociais. (...) STJ. 4ª Turma. REsp 1559348/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 18/06/2019.

Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 44): Tese 11: Afasta-se a proteção conferida pela Lei n. 8.009/90 ao bem de família, quando caracterizado abuso do direito de propriedade, violação da boa-fé objetiva e fraude à execução. Tese 12: A impenhorabilidade do bem de família hipotecado não pode ser oposta nos casos em que a dívida garantida se reverteu em proveito da entidade familiar.

++ (DPE/SP 2018) Ana e Joaquim, casados pelo regime da comunhão parcial de bens, decidem constituir empresa limitada para comércio de bebidas. Para obter o capital inicial necessário à abertura do negócio, recorrem à instituição financeira e dão seu único apartamento como garantia do empréstimo. O negócio não prospera e, diante da falta de pagamento, o banco executa a garantia. Nesse caso, considerando-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidada no EAResp 848.498, o apartamento será expropriado presumindo-se A) que o dinheiro reverteu em favor da família. B) que cônjuges não podem ser sócios. C) tratar de dívida de pessoa jurídica. D) tratar de bem de família previsto no Código Civil. E) constituir bem de família de acordo com a Lei no 8.009/90.

Gabarito: letra A Situação acima é diferente de renúncia Vale ressaltar que não se está falando aqui de renúncia à proteção ao bem de família. O titular do bem de família não pode renunciar a sua proteção. No entanto, nada impede que ele aliene ou pratique outros atos de disposição deste bem.

Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 44) Tese 17: A impenhorabilidade do bem de família é questão de ordem pública, razão pela qual não admite renúncia pelo titular.

Em suma:

A proteção legal conferida ao bem de família pela Lei nº 8.009/90 não pode ser afastada por renúncia do devedor ao privilégio, pois é princípio de ordem pública, prevalente sobre a vontade manifestada. A despeito disso, o bem de família legal não gera inalienabilidade. Logo, é possível que o proprietário

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pratique atos de disposição dele, podendo, por exemplo, oferecê-lo como objeto de alienação fiduciária em garantia. A utilização abusiva do direito à proteção do bem de família viola o princípio da boa-fé objetiva e, portanto, não deve ser tolerada. Assim, deve ser afastado o benefício conferido ao titular do bem de família que exerce o direito em desconformidade com o ordenamento jurídico. STJ. 4ª Turma. REsp 1.595.832-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 29/10/2019 (Info 664).

FIANÇA É necessária a outorga conjugal para fiança em favor de sociedade cooperativa

É necessária a outorga conjugal para fiança em favor de sociedade cooperativa.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.351.058-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/11/2019 (Info 664).

O que é fiança? Fiança é um tipo de contrato por meio do qual uma pessoa (chamada de “fiadora”) assume o compromisso junto ao credor de que irá satisfazer a obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra (art. 818 do Código Civil). Logo, João, ao assinar o contrato na condição de fiador, forneceu ao banco uma garantia pessoal (uma caução fidejussória): “se a empresa JJ não pagar o que deve, pode cobrar a dívida de mim”. Outorga uxória Se a pessoa for casada, em regra, ela somente poderá ser fiadora se o cônjuge concordar. Essa concordância, que é chamada de “outorga uxória/marital”, não é necessária se a pessoa for casada sob o regime da separação absoluta. Tal regra encontra-se prevista no art. 1.647, III, do CC:

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: (...) III - prestar fiança ou aval;

Se o cônjuge negar essa autorização sem motivo justo, a pessoa poderá pedir ao juiz que supra a outorga, ou seja, o magistrado poderá autorizar que a fiança seja prestada mesmo sem o consentimento (art. 1.648). Sobre o tema, existe um enunciado do STJ:

Súmula 332-STJ: A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia.

Imagine agora a seguinte situação hipotética: Determinada cooperativa celebrou contrato de mútuo com o banco. João, um dos cooperados, aceitou ser fiador deste contrato. A cooperativa deixou de pagar as prestações do empréstimo e o banco ajuizou execução de título extrajudicial contra a cooperativa e contra João (o fiador). O juiz determina a penhora de uma sala comercial que está em nome de João. João poderá alegar a invalidade da fiança sob o argumento de que não houve autorização de sua esposa? NÃO. O próprio fiador não tem legitimidade para arguir essa nulidade. Veja o que diz o Código Civil:

Art. 1.650. A decretação de invalidade dos atos praticados sem outorga, sem consentimento, ou

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sem suprimento do juiz, só poderá ser demandada pelo cônjuge a quem cabia concedê-la, ou por seus herdeiros.

Confira o entendimento jurisprudencial sobre o tema:

(...) A jurisprudência do STJ é no sentido de que a nulidade da fiança só pode ser demandada pelo cônjuge que não a subscreveu ou por seus respectivos herdeiros. (...) STJ. 4ª Turma. AgRg no REsp 1232895/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 04/08/2015.

Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 101) Tese 9: A nulidade da fiança só pode ser demandada pelo cônjuge que não a subscreveu ou por seus respectivos herdeiros.

Assim, João não poderá alegar a invalidade da fiança outorgada. Considerando que se isso fosse aceito, haveria a ocorrência do chamado venire contra factum proprium (proibição de comportamento contraditório), sendo uma forma de abuso de direito. Embargos de terceiro O advogado de João e Regina sabia disso. Então, foi Regina, esposa de João, quem apresentou embargos de terceiro contra o banco exequente, alegando que a fiança prestada foi nula em razão da falta de outorga uxória já que ela, na condição de esposa, não autorizou o ato. Decisão do juiz O juiz não acolheu o pedido formulado por Regina sob a alegação de que a fiança concedida em garantia de operação comercial, por não ser desinteressada, dispensa a outorga uxória. Em outras palavras, o magistrado afirmou que na fiança mercantil não se exige outorga uxória. Agiu corretamente o juiz? NÃO. A fiança prestada por João teve por objetivo a garantia de dívida assumida por uma cooperativa. As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados (art. 4º da Lei nº 5.764/71). Para o STJ, as cooperativas possuem natureza civil e praticam atividades econômicas não empresariais, não podendo ser qualificadas como comerciantes/empresárias. Logo, como se trata de dívida de sociedade cooperativa e como ela não ostenta a condição de comerciante ou de sociedade empresária, não se está diante de uma “fiança mercantil”. Desse modo, inexistindo o consentimento da esposa para a prestação da fiança (civil) pelo marido (para garantia do pagamento de dívida contraída pela cooperativa), conclui-se pela ineficácia do contrato acessório (fiança), nos termos do entendimento consolidado do STJ:

Súmula 332-STJ: A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia.

É necessária a outorga conjugal para fiança em favor de sociedade cooperativa. STJ. 4ª Turma. REsp 1.351.058-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/11/2019 (Info 664).

O que aconteceria se João, no momento da assinatura do contrato, tivesse mentido dizendo que era solteiro? A jurisprudência do STJ tem mitigado a incidência da regra de nulidade integral (total) da fiança nos casos em que o fiador omite ou presta informação inverídica sobre seu estado civil. Em tais hipóteses, deverá ser

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preservada apenas a meação do cônjuge cuja autorização não foi concedida, não se protegendo a parte do cônjuge que agiu de má-fé. Nesse sentido:

Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, a fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia (Sumula 332/STJ), salvo se o fiador emitir declaração falsa, ocultando seu estado civil de casado. A Corte Estadual reconheceu a má-fé do devedor, ora recorrente, que omitiu seu estado civil, objetivando frustrar a garantia. STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1533161/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 23/08/2018.

Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 101) Tese 7: A fiança prestada sem autorização de um dos cônjuges implica a ineficácia total da garantia (Súmula n. 332/STJ), salvo se o fiador emitir declaração falsa, ocultando seu estado civil de casado.

LOCAÇÃO DE IMÓVEIS URBANOS Mesmo que existam mais de um locador, qualquer deles poderá ajuizar a ação de despejo,

não sendo necessário que todos figurem no polo ativo

A ação de despejo não exige a formação de litisconsórcio ativo necessário.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.737.476-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/02/2020 (Info 664).

Imagine a seguinte situação hipotética: João (proprietário/locador) alugava seu imóvel para a empresa CBD Ltda. O contrato de locação era por prazo determinado. Antes do término do contrato, João faleceu deixando dois filhos como herdeiros: Hugo e Ricardo. Assim, Hugo e Ricardo se tornaram coproprietários do imóvel locado e, por consequência, os colocadores. Passados alguns meses, chegou ao fim o prazo do contrato de locação. Hugo, sem a participação de Ricardo, ajuizou ação de despejo contra a CBD. A locatária suscitou a nulidade e extinção do processo por ausência de litisconsórcio ativo necessário. Segundo argumentou a empresa, são dois agora os locadores, de forma que ambos deveriam ter figurado no polo ativo da ação de despejo. O STJ acolheu o argumento da empresa locatária? NÃO.

A ação de despejo não exige a formação de litisconsórcio ativo necessário. STJ. 3ª Turma. REsp 1.737.476-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/02/2020 (Info 664).

Solidariedade entre os locadores, mas que não gera obrigatoriedade do litisconsórcio ativo Se existir mais de um locador, em regra, haverá a presunção de solidariedade entre eles. Só não existirá solidariedade se houver estipulação contratual em sentido contrário. É o que prevê o art. 2º da Lei de Locação dos Imóveis Urbanos (Lei nº 8.245/91):

Art. 2º Havendo mais de um locador ou mais de um locatário, entende - se que são solidários se o contrário não se estipulou.

Vale ressaltar, no entanto, que o fato de haver solidariedade entre os locadores não significa a obrigatoriedade de formação de litisconsórcio ativo necessário. O litisconsórcio ATIVO necessário somente deve ser exigido em situações excepcionalíssimas. Isso porque

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como não se pode obrigar a pessoa a litigar, a exigência de formação de litisconsórcio ativo necessário pode acabar ofendendo o direito constitucional de ação e de acesso à justiça.

Não há que se falar, via de regra, em litisconsórcio necessário no polo ativo da relação jurídica processual, uma vez que não é possível compelir alguém a demandar em juízo ante a voluntariedade do direito de ação, nem tolher o direito de acesso à justiça daquele que quer litigar, mormente em face do art. 5º XXXV, da Constituição da República, que assegura a todos a inafastabilidade da tutela jurisdicional. STJ. 2ª Turma. AgRg no AREsp 493.183/SE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 27/05/2014.

Aplicação da regra do art. 1.314 do CC Deve-se aplicar ao presente caso a regra insculpida no art. 1.314 do CC:

Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.

Assim, com base nesse dispositivo, é possível que um dos condôminos colocadores exerça a prerrogativa de encerrar o contrato de locação. Mesmo em caso de litisconsórcio ativo necessário não seria hipótese de extinção do processo De qualquer modo, mesmo que fosse reconhecido o litisconsórcio ativo necessário, a extinção do feito não seria a solução correta. A providência adequada seria chamar eventuais interessados para a composição do polo ativo no processo:

Reconhecida a existência de litisconsórcio ativo necessário, deve o juiz determinar ao autor que possibilite o chamamento dos demais litisconsortes, com a devida intimação, a fim de tomarem ciência da existência da ação, para, querendo, virem integrar o polo ativo da demanda. STJ. 4ª Turma. REsp 1107977/RS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 19/11/2013.

E no caso de vários locatários, exige-se a formação de litisconsórcio passivo? Em uma ação de despejo contra mais de um locatário, é necessária a inclusão de todos eles no polo passivo? SIM. Quando há diversos locatários para um mesmo imóvel, é indispensável a formação de litisconsórcio passivo necessário, devendo haver a citação de todos os locatários para o devido processamento da ação.

ARBITRAGEM Pretensão dos acionistas de serem indenizados pela União e pela Petrobrás pelos prejuízos

causados em decorrência da desvalorização dos ativos da Companhia, por conta da Lava Jato, deverá ser ajuizada na Justiça Federal de 1ª instância (e não por arbitragem)

Importante!!!

A União, na condição de acionista controladora da Petrobras, não pode ser submetida à cláusula compromissória arbitral prevista no Estatuto Social da Companhia, seja em razão da ausência de lei autorizativa, seja em razão do próprio conteúdo da norma estatutária.

Caso concreto: um grupo de acionistas da Petrobrás formulou requerimento para instauração de procedimento arbitral perante a Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM-BOVESPA) contra a União e a Petrobrás, no qual pedem o ressarcimento pelos prejuízos decorrentes da desvalorização dos ativos da Petrobras, em razão dos desgastes oriundos da Operação Lava Jato. O procedimento foi instaurado com base no art. 58 do Estatuto Social da Petrobrás, onde consta uma cláusula compromissória dizendo que as disputas que envolvam

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a Companhia, seus acionistas, administradores e conselheiros fiscais deverão ser resolvidas por meio de arbitragem. A União afirmou que não estava obrigada a participar dessa arbitragem, argumento que foi acolhido pelo STJ.

STJ. 2ª Seção. CC 151.130-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/11/2019 (Info 664).

Imagine a seguinte situação adaptada: Um grupo de acionistas da Petrobrás formulou requerimento para instauração de procedimento arbitral perante a Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM-BOVESPA) contra a União e a Petrobrás, no qual pedem o ressarcimento pelos prejuízos decorrentes da desvalorização dos ativos da Petrobras, em razão dos desgastes oriundos da Operação Lava Jato. O procedimento foi instaurado com base no art. 58 do Estatuto Social da Petrobrás, onde consta uma cláusula compromissória dizendo que as disputas que envolvam a Companhia, seus acionistas, administradores e conselheiros fiscais deverão ser resolvidas por meio de arbitragem. Veja:

Art. 58. Deverão ser resolvidas por meio de arbitragem, obedecidas às regras previstas pela Câmara de Arbitragem do Mercado, as disputas ou Controvérsias que envolvam a Companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais, tendo por objeto a aplicação das disposições contidas na Lei nº 6.404, de 1976, neste estatuto social, nas normas editadas pelo Conselho Monetário Nacional, pelo Banco Central do Brasil e pela Comissão de Valores Mobiliários, bem como nas demais normas aplicáveis dos contratos eventualmente celebrados pela Petrobras com bolsa de valores ou entidade mantenedora de mercado de balcão organizado, credenciada na Comissão de Valores Mobiliários, tendo por objetivo a adoção de padrões de governança societária fixados por estas entidades, e dos respectivos regulamentos de práticas diferenciadas de governança corporativa, se for o caso. Parágrafo único. As deliberações da União, através de voto em Assembleia Geral, que visem a orientações de seus negócios, nos termos do artigo 238 da Lei nº 6.404, de 1976, são considerados formas de exercício de direitos indisponíveis e não estarão sujeitas ao procedimento arbitral previsto no caput deste artigo.

Antes de prosseguir, deve-se relembrar: o que é uma cláusula compromissória? A cláusula compromissória, também chamada de cláusula arbitral, é... - uma cláusula existente no contrato (ou outro instrumento), - e que determina, de forma prévia e abstrata, - que qualquer conflito futuro relacionado àquele contrato - será resolvido por arbitragem (e não pela via jurisdicional estatal).

A pactuação válida de cláusula compromissória possui força vinculante, obrigando as partes da relação contratual a respeitarem, para a resolução dos conflitos daí decorrentes, a competência atribuída ao juízo arbitral. Com isso, fica afastada a jurisdição estatal. Nesse sentido:

A pactuação válida de cláusula compromissória possui força vinculante, obrigando as partes da relação contratual a respeitar, para a resolução dos conflitos daídecorrentes, a competência atribuída ao árbitro. Como regra, diz-se, então, que a celebração decláusula compromissória implica a derrogação da jurisdição estatal, impondo ao árbitro opoder-dever de decidir as questões decorrentes do contrato e, inclusive, decidir acerca da própriaexistência, validade e eficácia da cláusula compromissória (princípio da Kompetenz-Kompetenz). (...) Pela cláusula compromissória entabulada, as partes expressamente elegeram Juízo Arbitral paradirimir qualquer pendência decorrente do instrumento contratual, motivo pela qual inviável que opresente processo prossiga sob a jurisdição estatal. STJ. 3ª Turma. REsp 1.694.826/GO, Rel. Min.Nancy Andrighi, julgado em 07/11/2017.

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Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 122):

Tese 1: A convenção de arbitragem, tanto na modalidade de compromisso arbitral quanto na modalidade de cláusula compromissória, uma vez contratada pelas partes, goza de força vinculante e de caráter obrigatório, definindo ao juízo arbitral eleito a competência para dirimir os litígios relativos aos direitos patrimoniais disponíveis, derrogando-se a jurisdição estatal.

Pedido de exclusão da arbitragem A União, acionista controladora da Petrobrás, entendeu que não estaria sujeita à arbitragem. Por essa razão, a União requereu à Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM) a sua exclusão do procedimento arbitral. O pedido foi rejeitado pelo Presidente da CAM. Ação declaratória Diante disso, a União ajuizou, na Justiça Federal de 1ª instância, ação declaratória de ausência de relação jurídica na qual pediu para que ficasse juridicamente declarado que ela não tem o dever de participar do procedimento arbitral e que esse art. 58 do Estatuto da Petrobrás não vincula a União. O juiz federal concedeu a tutela provisória desobrigando a União de participar da arbitragem. Temos, neste caso, decisões conflitantes entre um Tribunal Arbitral (Câmara de Arbitragem do Mercado) e um juízo estatal. É possível, diante desse cenário, suscitar conflito de competência? SIM. É possível que seja suscitado conflito de competência, a ser dirimido pelo STJ, nos termos do art. 105, I, “d” da CF/88:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: (...) d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, “o”, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos;

A atividade do Tribunal Arbitral possui natureza jurisdicional e, por essa razão, é possível conflito de competência entre juízo arbitral e juízo estatal:

Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 122): Tese 9: A atividade desenvolvida no âmbito da arbitragem possui natureza jurisdicional, o que torna possível a existência de conflito de competência entre os juízos estatal e arbitral, cabendo ao Superior Tribunal de Justiça - STJ o seu julgamento.

A União é uma das acionistas da Petrobrás. Aliás, a União é a maior acionista, sendo também a controladora da Petrobrás, que é uma sociedade de economia mista federal. Indaga-se: esta cláusula compromissória vincula a União? NÃO. A União, mesmo sendo acionista controladora da Petrobras, não está submetida a esta cláusula compromissória arbitral prevista no Estatuto Social da Companhia. Vamos entender as razões encampadas pelo STJ, mas, antes, é interessante contextualizar o tema com algumas outras informações. É possível a aplicação da arbitragem nas controvérsias envolvendo uma sociedade anônima (como é o caso da Petrobrás)? SIM. Existe previsão expressa no § 3º do art. 109 da Lei nº 6.404/76, com redação dada pela Lei nº 10.303/2001:

Art. 109. (...)

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§ 3º O estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, poderão ser solucionadas mediante arbitragem, nos termos em que especificar.

O art. 136-A da Lei nº 6.404/76, com redação dada pela Lei nº 13.129/2015, também trata sobre o tema:

Art. 136-A. A aprovação da inserção de convenção de arbitragem no estatuto social, observado o quorum do art. 136, obriga a todos os acionistas, assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 45. (...)

É possível a arbitragem na administração pública? A Lei nº 13.129/2015 previu a possibilidade de a Administração Pública valer-se da arbitragem quando a lide versar sobre direitos disponíveis. Este diploma acrescentou dois parágrafos ao art. 1º da Lei nº 9.307/96, com a seguinte redação:

Art. 1º (...) § 1º A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. § 2º A autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações.

Confira, ainda, a previsão da Lei nº 13.303/2016 (estatuto jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista):

Art. 12 (...) Parágrafo único. A sociedade de economia mista poderá solucionar, mediante arbitragem, as divergências entre acionistas e a sociedade, ou entre acionistas controladores e acionistas minoritários, nos termos previstos em seu estatuto social.

Se esses dispositivos forem cobrados na prova – e isso ocorre com frequência – devem ser assinalados como certo: ++ (Promotor MP/MG 2018) A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Nesse caso, por exigência da própria lei, a arbitragem será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade. (CERTO) ++ (PGE/AP 2018 FCC) Em relação ao Estatuto Jurídico das Empresas Públicas, das Sociedades de Economia Mista e suas subsidiárias, a sociedade de economia mista poderá solucionar, mediante arbitragem, as divergências entre acionistas e a sociedade, ou entre acionistas controladores e acionistas minoritários, nos termos previstos em seu estatuto social. (CERTO)

Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 122): Tese 13: Não existe óbice legal na estipulação da arbitragem pelo poder público, notadamente pelas sociedades de economia mista, para a resolução de conflitos relacionados a direitos disponíveis.

Desse modo, atualmente, existe uma autorização genérica para a utilização da arbitragem pela Administração Pública para todo e qualquer conflito que envolva direitos patrimoniais disponíveis. Isso vale para os três entes federativos: União, Estados/DF e Municípios. A autoridade que irá celebrar a convenção de arbitragem é a mesma que teria competência para assinar acordos ou transações, segundo previsto na legislação do respectivo ente. Ex: se o Secretário de Estado é quem tem competência para assinar acordos no âmbito daquele órgão, é ele quem poderá firmar a convenção de arbitragem.

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Como a Administração Pública deve obediência ao princípio da legalidade (art. 37, da CF/88) e, a fim de evitar questionamentos quanto à sua constitucionalidade, a Lei nº 13.129/2015 determinou que a arbitragem, nestes casos, não poderá ser por equidade, devendo sempre ser feita com base nas regras de direito. Confira:

Art. 2º (...) § 3º A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade.

O que o STJ decidiu, no entanto, quanto a isso: exigência de previsão legal ou regulamentar específica O STJ, ao analisar os dispositivos acima transcritos, disse o seguinte: muito embora a arbitragem seja permitida nas demandas societárias e naquelas envolvendo a administração pública, para que isso possa ocorrer é indispensável que haja “um regramento específico que apresente a delimitação e a extensão de determinado procedimento arbitral ao sócio controlador, notadamente em se tratando de ente federativo, no caso a União, em que a própria manifestação de vontade deve estar condicionada ao princípio da legalidade”. Veja como constou na ementa oficial: “(...) 1.No atual estágio legislativo, não restam dúvidas acerca da possibilidade da adoção da arbitragem pela Administração Pública, direta e indireta, bem como da arbitrabilidade nas relações societárias, a teor das alterações promovidas pelas Leis nº 13.129/2015 e 10.303/2001. 2. A referida exegese, contudo, não autoriza a utilização e a extensão do procedimento arbitral à União na condição de acionista controladora da Petrobrás, seja em razão da ausência de lei autorizativa ou estatutária (arbitrabilidade subjetiva), seja em razão do conteúdo do pleito indenizatório que subjaz o presente conflito de competência na hipótese, o qual transcende o objeto indicado na cláusula compromissória em análise (arbitrabilidade objetiva). (...)” O art. 58 do Estatuto Social da Petrobras, expressa tão somente a vontade da Companhia em submeter-se à arbitragem nas hipóteses expressamente indicadas. Esse art. 58 não expressa a vontade da União de se submeter à arbitragem. Para que a União (órgão da Administração Pública) participasse da arbitragem seria necessário um regramento específico próprio. Em se tratando da Administração Pública, a própria manifestação de vontade do ente está condicionada ao princípio da legalidade. Pedido formulado no Tribunal Arbitral ultrapassa a previsão do art. 58 A cláusula compromissória prevista no art. 58 do Estatuto da Petrobras prevê que a arbitragem envolverá apenas “as disputas ou controvérsias que envolvam a Companhia, seus acionistas, os administradores e conselheiros fiscais, tendo por objeto a aplicação das disposições contidas na Lei n° 6.404, de 1976”. Isso significa que essa cláusula não abrange o pedido formulado pelos acionistas. O que os acionistas pretendem é a responsabilização solidária da União em virtude da escolha equivocada dos dirigentes da Petrobras e da ausência de fiscalização da atuação de tais agentes. Trata-se, portanto, de pleito de responsabilização civil extracontratual em face da União. Além disso, ao se analisar o parágrafo único do art. 58 percebe-se que a cláusula compromissória em questão tem cabimento para os litígios que envolvam a Petrobrás, mas não a União. Neste caso, não deveria ser aplicado o princípio da “competência-competência” para que o próprio Tribunal arbitral resolvesse se era ou não competente? NÃO. De acordo com o princípio da kompetenz-kompetenz (competência-competência), compete ao próprio árbitro dizer se ele é ou não competente para conhecer aquele conflito. Assim, se a parte está alegando que a cláusula compromissória é nula e que a questão não deve ser submetida à arbitragem, quem primeiro deverá examinar a questão é o próprio árbitro.

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++ (MP/MG 2019) De acordo com o princípio da competência-competência, é o árbitro que tem competência, em primeiro lugar, para decidir sobre a sua própria competência. (CERTO) Confira o que a doutrina explica a respeito do princípio da kompetenz-kompetenz:

“(...) Tem, pois o árbitro competência para estatuir sobre sua própria competência (Kompetenz-Kompetenz) e, assim, interpretar o contrato e a convenção de arbitragem. As partes, ao optarem pela arbitragem, estão dispostas a submeter toda e qualquer controvérsia que resulte do contrato ao juízo privado, do que inclui as controvérsias sobre a própria eficácia ou validade daquele instrumento. (...)". (MARTINS, Pedro Batista. Cláusula Compromissória in Aspectos Fundamentais da Lei de Arbitragem, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 219)

Para o STJ, a regra kompetenz-kompetenz não resolve o caso em tela porque a discussão aqui envolve uma análise pretérita (anterior), qual seja, o exame da própria existência da cláusula compromissória e se ela poderia ser aplicada para a União. Veja este trecho da ementa: “4. Em tal contexto, considerando a discussão prévia acerca da própria existência da cláusula compromissória em relação ao ente público - circunstância em que se evidencia inaplicável a regra da "competência-competência" - sobressai a competência exclusiva do Juízo estatal para o processamento e o julgamento de ações indenizatórias movidas por investidores acionistas da Petrobrás em face da União e da Companhia.” Em suma:

A União, na condição de acionista controladora da Petrobras, não pode ser submetida à cláusula compromissória arbitral prevista no Estatuto Social da Companhia, seja em razão da ausência de lei autorizativa, seja em razão do próprio conteúdo da norma estatutária. STJ. 2ª Seção. CC 151.130-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/11/2019 (Info 664).

Isso significa que a pretensão dos acionistas de serem indenizados pela União e pela Petrobrás, pelos prejuízos causados em decorrência da desvalorização dos ativos da Companhia deverá ser ajuizada na Justiça Federal de 1ª instância, nos termos do art. 109, I, da CF/88. Fique atento! No voto do Min. Luis Felipe Salomão, ele utiliza as expressões “arbitrabilidade subjetiva” e “arbitrabilidade objetiva”. Você sabe o que significa isso? • Arbitrabilidade subjetiva: significa analisar quem pode ser parte numa arbitragem. • Arbitrabilidade objetiva: significa identificar quais controvérsias poderão ser submetidas à arbitragem. No caso analisado, o STJ entendeu que o procedimento arbitral não poderia envolver a União por faltar: • Arbitrabilidade subjetiva: diante da ausência de lei autorizativa ou estatutária; e • Arbitrabilidade objetiva: considerando que o pleito indenizatório formulado pelos acionistas transcende (ultrapassa) aquilo que está previsto na cláusula compromissória como sendo passível de ser submetido à arbitragem.

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CONDOMÍNIO É nula a cláusula de convenção do condomínio outorgada pela própria construtora que prevê a

redução da taxa condominial das suas unidades imobiliárias ainda não comercializadas

Caso concreto: a convenção de condomínio previu que a construtora – proprietária das unidades imobiliárias ainda não comercializadas – precisaria pagar apenas 30% do valor da taxa condominial por unidade. Assim, enquanto os demais condôminos pagariam 100% da quota condominial, a construtora teria que pagar apenas 30% por unidade.

O STJ considerou que essa cláusula é nula.

A convenção outorgada pela construtora/incorporadora não pode estabelecer benefício de caráter subjetivo a seu favor com a finalidade de reduzir ou isentar do pagamento da taxa condominial.

A taxa condominial é fixada de acordo com a previsão orçamentária de receitas e de despesas, bem como para constituir o fundo de reserva com a finalidade de cobrir eventuais gastos de emergência.

A redução ou isenção da quota condominial a favor de um ou vários condôminos implica oneração aos demais, com evidente violação da regra da proporcionalidade prevista no inciso I do art. 1.334 do CC/2002.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.816.039-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 04/02/2020 (Info 664).

Condomínio edilício Ocorre o condomínio edilício quando se tem a propriedade exclusiva de uma unidade autônoma combinada com a copropriedade de outras áreas de um imóvel. Ex1: prédio residencial com 6 andares de apartamentos e 2 apartamentos por andar. Tem-se um condomínio edilício, considerando que cada dono do apartamento possui a propriedade exclusiva da sua unidade autônoma (apartamento) e as áreas comuns do edifício (piscina, churrasqueira, quadra de esportes etc.) pertencem a todos os condôminos. Ex2: prédio comercial com várias salas. Se determinado advogado compra uma das salas para servir como seu escritório, ele terá a propriedade individual sobre a sala (unidade autônoma) e a copropriedade sobre as partes comuns (corredores, recepção etc.). Nomenclatura A expressão “condomínio edilício” é um neologismo criado por Miguel Reale, com inspiração no direito italiano, e quer dizer condomínio resultante de uma edificação. O condomínio edilício é também chamado de “condomínio em edificações” ou ainda de “condomínio horizontal”. Vale ressaltar que, apesar de o condomínio edilício ser também chamado de condomínio horizontal, ele pode ser horizontal ou vertical. O condomínio edilício é conhecido como condomínio horizontal por razões históricas, uma vez que, quando surgiu esta forma de propriedade, o condomínio edilício era apenas horizontal. Atualmente, contudo, é muito comum vermos condomínios edilícios verticais. Condomínio horizontal e vertical É muito comum a confusão feita entre as expressões condomínio horizontal e vertical. Normalmente, as pessoas pensam que condomínio vertical são os prédios, uma vez que a construção é para cima (vertical) e que o condomínio horizontal é o conjunto de casas. O critério de distinção, contudo, não é este. Em verdade, se a parede que separa as unidades for horizontal, então o condomínio é horizontal. Por outro lado, se a parede for para cima, então a edificação será vertical. Logo, em um prédio, os apartamentos são divididos por andares, ou seja, as paredes que dividem os apartamentos são

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horizontais. Desse modo, no caso de um prédio trata-se de um condomínio horizontal. Se o condomínio for de casas, como elas estão lado a lado, a parede que as separa é vertical, de modo que se trata de um condomínio vertical. Legislação aplicável O CC/1916 não tratava sobre o condomínio edilício, considerando que, naquela época, não havia necessidade de se falar em prédios de apartamentos ou de lojas. A Lei nº 4.591/64 disciplinou as regras sobre o condomínio em edificações. O CC/2002 também tratou sobre o tema nos arts. 1.331 a 1.358, derrogando os arts. 1º a 27 da Lei nº 4.591/64. Assim, quem atualmente rege os condomínios edilícios é o CC-2002, podendo ser aplicada a Lei nº 4.591/64, subsidiariamente, naquilo que o Código for omisso. Instituição x constituição do condomínio: Quando se fala em condomínio edilício, existem dois atos que, apesar de os nomes serem parecidos, representam institutos diferentes: instituição e constituição.

INSTITUIÇÃO CONSTITUIÇÃO

É o ato de criação do condomínio (início de sua existência legal).

É o ato por meio do qual o condomínio (que já foi instituído) é regulamentado.

O condomínio edilício poderá ser instituído de duas formas: a) Por ato entre vivos (inter vivos). Ex: incorporação imobiliária.

b) Por testamento. Ex: José deixa, como legado, um imóvel seu, em condomínio, para seus dois sobrinhos.

A constituição (regulamentação) é feita por meio de uma convenção de condomínio (convenção condominial). A convenção pode ser materializada de duas formas: a) Escritura pública; b) Instrumento particular.

O que deve constar no ato de instituição (art. 1.332): I - a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns; II - a fração ideal de cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns; III - o fim (finalidade) a que as unidades se destinam.

O que deve constar na convenção de condomínio (art. 1.334): I - a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio; II - sua forma de administração; III - a competência das assembleias, forma de sua convocação e quórum exigido para as deliberações; IV - as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores; V - o regimento interno. Obs: na convenção de condomínio também deverá constar as mesmas informações que já estão no ato de instituição (art. 1.332) e outras cláusulas que os condôminos considerem que sejam importantes de estarem presentes.

O ato de instituição deve ser obrigatoriamente registrado no Cartório de Registro de Imóveis.

A convenção deve ser assinada pelos titulares de, no mínimo, 2/3 das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção (art. 1.333). A convenção de condomínio aprovada, ainda que sem registro, é eficaz para regular as relações entre os

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condôminos (Súmula n. 260/STJ) Vale ressaltar, no entanto, que, para ser oponível contra terceiros, a convenção do condomínio deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis.

Imagine agora a seguinte situação hipotética: A construtora AJL Ltda construiu um edifício residencial de 15 andares, com um total de 60 apartamentos (4 unidades por andar). Trata-se, portanto, de um condomínio edilício. Logo depois que um condomínio edilício é entregue, é necessária a sua regulamentação (constituição), que, como vimos acima, é feita por meio de uma convenção de condomínio. Em razão disso, a construtora convocou os adquirentes das unidades autônomas para uma assembleia geral com o objetivo de aprovar a convenção condominial. Vale ressaltar que, dos 60 apartamentos edificados, a construtora havia vendido apenas 20 unidades. Os outros 40 apartamentos ainda pertenciam à ela, ou seja, ainda estavam em nome da construtora. Durante a assembleia, a construtora apresentou uma minuta de convenção condominial. Nela, estava previsto que a quota (“taxa”) condominial a ser paga pelos condôminos seria de R$ 1.000,00. Uma pergunta: no caso de o apartamento ainda não ter sido comercializado (ainda está no nome da construtora), quem paga a quota condominial referente a esta unidade? A construtora. Se o apartamento ainda não foi vendido e se encontra registrado em nome da construtora, ela é a titular da unidade para todos os fins, devendo pagar a respectiva quota condominial. Assim, em nosso exemplo, todos os meses a construtora deveria pagar ao condomínio 40 quotas condominiais. Previsão polêmica Até aí, tudo bem. Ocorre que a construtora, com o objetivo de evitar tais gastos, inseriu uma “polêmica” cláusula nesta convenção condominial. Veja:

Cláusula 3.1 Das Unidades não vendidas: As unidades autônomas não comercializadas ou que estejam na posse da construtora somente pagarão o valor equivalente a 30% da taxa condominial.

Assim, enquanto os demais condôminos pagavam R$ 1.000,00, a construtora apenas R$ 300,00 por unidade. Como na época a construtora detinha 2/3 das frações ideais (2/3 das unidades autônomas), ela conseguiu aprovar a convenção condominial, com esta cláusula. Ação judicial contra esta previsão Um determinado morador foi escolhido o síndico e, passado algum tempo, ele contratou um advogado e o condomínio ajuizou ação contra a construtora pedindo para que fosse declarada a invalidade desta cláusula 3.1. A pretensão do condomínio encontra abrigo na jurisprudência do STJ? Essa cláusula deve ser reconhecida como inválida? SIM.

É nula a cláusula de convenção outorgada pela própria construtora que prevê a redução da taxa condominial das suas unidades imobiliárias ainda não comercializadas. STJ. 3ª Turma. REsp 1.816.039-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 04/02/2020 (Info 664).

A taxa condominial destina-se ao pagamento das despesas de conservação e/ou manutenção do edifício, como limpeza, funcionamento dos elevadores, contratação de empregados, consumo de água e de luz, bem como para possibilitar a realização de obra ou inovações aprovadas pela assembleia geral e pagar

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eventuais indenizações, tributos, seguros etc (LOPES, João Batista. Condomínio. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 115). Em regra, a divisão do valor da taxa condominial se dá com base na fração ideal da unidade imobiliária. Vale ressaltar, no entanto, que a convenção condominial pode estabelecer de maneira diversa. É o que prevê o art. 1.336, I, do Código Civil:

Art. 1.336. São deveres do condômino: I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção;

Desse modo, em tese, é possível que a convenção condominial estabeleça critério diverso do da fração ideal para fins de distribuição das despesas condominiais (STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.162.915/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/2/2018):

Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 68): Tese 9: A convenção do condomínio pode fixar o rateio das contribuições condominiais de maneira diversa da regra da fração ideal pertencente a cada unidade.

No caso concreto, contudo, o STJ entendeu que houve nulidade nesta previsão. A taxa condominial é fixada de acordo com a previsão orçamentária de receitas e de despesas, bem como para constituir o fundo de reserva com a finalidade de cobrir eventuais gastos de emergência. Normalmente se faz a análise da média de custos do ano anterior, levando-se em consideração os reajustes dos serviços (por exemplo, aumento salarial dos empregados) e a previsão de manutenções e reparos a serem realizados no período subsequente. A partir desses dados financeiros, é possível ao condomínio aprovar o orçamento anual e, em seguida, fixar o valor da quota condominial em conformidade com o critério de rateio fixado na respectiva convenção. Em virtude disso, por questões meramente lógicas, se uma ou várias unidades imobiliárias recebem a redução do valor da taxa ordinária, a consequência é a oneração dos demais condôminos. Há, desse modo, enriquecimento sem causa da parte que se beneficia com o pagamento a menor, em detrimento de toda a coletividade condominial, com evidente violação do inciso I do art. 1.334 do CC/2002, que assenta expressamente a observância da proporcionalidade da quota condominial. Assim, a convenção outorgada pela construtora/incoporadora até pode estabelecer um critério de rateio da quota devida por cada condômino, mas isso não significa a possibilidade de criar benefício de caráter subjetivo a seu favor a ponto de reduzir ou isentar do pagamento da cota condominial.

PARENTESCO A concessão de guarda do menor não implica automática destituição

do poder-dever familiar dos pais para representá-lo em juízo

A representação legal do filho menor é uma das vertentes do poder familiar e deverá ser exercida, em regra, pelos pais, conforme prevê o art. 1.634, VII, do Código Civil.

Assim, somente em algumas hipóteses é que o menor poderá deixar de ser representado pelos seus pais.

O fato de ter sido concedida a guarda do menor para uma outra pessoa que não compõe o núcleo familiar não significa que tenha havido a destituição automática do poder familiar.

Logo, mesmo em tais casos, a competência para representar este menor em juízo é do pai ou da mãe (e não da guardiã).

STJ. 3ª Turma. REsp 1.761.274-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/02/2020 (Info 664).

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Imagine a seguinte situação hipotética: Igor é filho biológico de João e Regina. Ocorre que Igor, atualmente com 15 anos, desde bebê foi criado por Carla. Vale ressaltar, inclusive, que Carla conseguiu a guarda do menor por meio de decisão judicial. Determinado dia, Regina confidenciou a Igor que João não é o pai biológico do menor. Igor, que já não tinha convivência afetiva com João, decidiu cortar também o vínculo jurídico com ele. Diante disso, Igor, representado por sua guardiã (Carla) ajuizou ação negatória de paternidade contra João. O juiz extinguiu o processo sem resolução de mérito, com base no art. 485, IV e X, do CPC, argumentando que a guardiã não poderia representar judicialmente o autor, já que esse papel caberia à genitora do menor, que não foi destituída do poder familiar. Agiu corretamente o magistrado? SIM. Vamos entender. Quem faz a representação do filho menor: os pais A representação legal do filho menor é uma das vertentes do poder familiar e deverá ser exercida, em regra, pelos pais, conforme prevê o art. 1.634, VII, do Código Civil:

Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: (...) VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

Exceções A regra acima exposta possui exceções. Assim, haverá hipóteses em que o menor não poderá ser representado pelos seus pais. Exemplos: • quando os pais forem destituídos do poder familiar; • quando forem declarados ausentes; • quando estiverem impossibilitados de representar adequadamente o menor; • quando houver colisão de interesses entre pais e filhos. Como são exceções à regra geral prevista no art. 1.634, VII, do CC/2002, essas hipóteses devem ser interpretadas restritivamente. O exercício da guarda não outorga ao guardião, de forma automática, o direito de representar o menor em juízo O fato de ter sido concedida a guarda permanente a terceiro que não compõe o núcleo familiar não significa que tenha havido uma destituição automática ou uma restrição injustificada do poder familiar exercido pela genitora. Assim, o fato de a guarda de Igor ter sido conferida à Carla, não significa que Regina tenha perdido o poder familiar. Logo, Igor deveria estar representado por sua mãe nesta ação. E se a mãe biológica de Igor se mantivesse inerte? Se ela não adotasse as providências necessárias para o ajuizamento da ação? Essa inércia poderia ser suprida: • pelo Ministério Público, cuja atuação é marcada pela neutralidade e pela incessante busca do melhor interesse do menor; • ou, excepcionalmente, pela própria guardiã, mas desde que ficasse demonstrada a presença de circunstâncias excepcionais que justificasse a concessão a ela de poderes de representação judicial.

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Em suma:

A concessão de guarda do menor não implica automática destituição do poder-dever familiar dos pais para representá-lo em juízo. STJ. 3ª Turma. REsp 1.761.274-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/02/2020 (Info 664).

ALIMENTOS O fato de o representante legal do menor, autor de execução de alimentos, possuir atividade

remunerada não pode, por si só, servir de empecilho à concessão da gratuidade de justiça

Em ação judicial que versa sobre alimentos ajuizada por menor, não é admissível que a concessão da gratuidade de justiça esteja condicionada a demonstração de insuficiência de recursos de seu representante legal.

Caso concreto: uma criança, representada por sua mãe, ingressou com execução de alimentos contra o pai; o juiz indeferiu o pedido de gratuidade de justiça porque a mãe do autor (representante do menor) não provou a sua insuficiência de recursos.

O direito ao benefício da gratuidade de justiça possui natureza individual e personalíssima.

Assim, os requisitos para a concessão ou não do direito à gratuidade deverão ser preenchidos, em regra, pela própria parte, e não pelo seu representante legal.

É evidente que, em se tratando de menores representados pelos seus pais, haverá sempre um forte vínculo entre a situação desses dois diferentes sujeitos de direitos e obrigações, sobretudo em razão da incapacidade civil e econômica do próprio menor. Isso não significa, contudo, que se deva automaticamente examinar o direito à gratuidade a que poderia fazer jus o menor à luz da situação financeira de seus pais.

Assim, em se tratando de direito à gratuidade de justiça pleiteado por menor de 18 anos, deve o juiz, inicialmente, aplicar a regra do §3º do art. 99, deferindo o benefício em razão da presunção de sua insuficiência de recursos. Existe, todavia, a possibilidade de a outra parte demonstrar, com base no § 2º, a ausência dos pressupostos legais que justificam a gratuidade, pleiteando, em razão disso, a revogação do benefício concedido.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.807.216-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/02/2020 (Info 664).

Imagine a seguinte situação hipotética: Pedro e Helena tiveram um rápido namoro e, como fruto dessa relação, tiveram um filho chamado Vítor. Pedro fez um acordo para pagar R$ 5 mil mensais de pensão alimentícia ao filho. Ocorre que faz 6 meses que ele não cumpre sua obrigação. Diante disso, Vítor (7 anos), representado por sua mãe Helena, ajuizou execução de alimentos contra Pedro. Na petição inicial, Vítor pediu a concessão dos benefícios da gratuidade de justiça, nos termos dos arts. 98 e 99 do CPC/2015:

Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei. (...) § 2º A concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência.

Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.

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(...)

++ (MP/PI 2019 CEBRASPE) O benefício da gratuidade de justiça não poderá ser concedido a estrangeiro não residente no Brasil. (ERRADO) ++ (PGM João Pessoa 2018 CEBRASPE) O pedido de gratuidade da justiça pode ser feito na inicial ou na contestação, porém, mesmo que deferido, não afastará das partes a responsabilidade pelos honorários advocatícios decorrentes da sucumbência. (CERTO) O juiz proferiu despacho determinando que Helena (a representante do autor) também demonstrasse que não possui recursos suficientes para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios. Em outras palavras, o magistrado afirmou que só poderia ser concedido o benefício, se ficasse demonstrada a insuficiência de recursos da representante legal do menor. Afirmou que a mãe declarou nos autos que era advogada, de forma que, provavelmente, teria condições de pagar as custas. Além disso, argumentou que o valor da pensão alimentícia era elevado, razão pela qual ficaria demonstrado que não seria uma família pobre. Agiu corretamente o magistrado? NÃO. Gratuidade de justiça é um benefício individual e personalíssimo O autor da ação é a criança (Vítor) e não a sua representante legal. O direito ao benefício da gratuidade de justiça possui natureza individual e personalíssima. Assim, os requisitos para a concessão ou não do direito à gratuidade deverão ser preenchidos, em regra, pela própria parte, e não pelo seu representante legal. É evidente que, em se tratando de menores representados pelos seus pais, haverá sempre um forte vínculo entre a situação desses dois diferentes sujeitos de direitos e obrigações, sobretudo em razão da incapacidade civil e econômica do próprio menor. Isso não significa, contudo, que se deva automaticamente examinar o direito à gratuidade a que poderia fazer jus o menor à luz da situação financeira de seus pais. Análise dos §§ 2º e 3º do art. 99 do CPC Além disso, para resolver esse tema, é necessário analisar os §§ 2º e 3º do art. 99 do CPC/2015, que preveem o seguinte:

Art. 99 (...) § 2º O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos. § 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.

Assim, em se tratando de direito à gratuidade de justiça pleiteado por menor de 18 anos, deve o juiz, inicialmente, aplicar a regra do §3º, deferindo o benefício em razão da presunção de sua insuficiência de recursos. Existe, todavia, a possibilidade de a outra parte demonstrar, com base no § 2º, a ausência dos pressupostos legais que justificam a gratuidade, pleiteando, em razão disso, a revogação do benefício concedido. Essa linha de raciocínio compatibiliza: • o princípio da inafastabilidade da jurisdição (pois não impede que a parte ajuíze imediatamente a ação); • com a garantia do contraditório (pois permite ao réu que produza prova, ainda que indiciária, de que não se trata de hipótese de concessão do benefício).

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++ (DPE/MG 2019 Fundep) A decisão que indefere a justiça gratuita independe de prévia oitiva da parte interessada, na medida em que o CPC não garante presunção de veracidade da alegação de pobreza firmada por pessoa natural. (ERRADO) Natureza do direito material objeto da ação Outro argumento que deve ser levado em consideração está no fato de que não pode haver restrição injustificada ao exercício do direito de ação quando o que se está buscando é o adimplemento de obrigação de natureza alimentar. O fato de o representante legal da parte possuir atividade remunerada e o fato de ser elevado o valor da obrigação alimentar pleiteada não podem, por si só, servir de empecilho à concessão da gratuidade de justiça ao menor credor dos alimentos. Em suma:

Em ação judicial que versa sobre alimentos ajuizada por menor, não é admissível que a concessão da gratuidade de justiça esteja condicionada a demonstração de insuficiência de recursos de seu representante legal. STJ. 3ª Turma. REsp 1.807.216-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/02/2020 (Info 664).

SUCESSÃO LEGÍTIMA Se o herdeiro renunciou a herança, não tem legitimidade para ação que busca a nulidade de

uma alienação realizada pelo de cujus em vida considerando que, mesmo se anulada a venda, não terá qualquer direito sobre esse bem

Aquele que renuncia a herança não tem legitimidade para pleitear eventual nulidade de negócio jurídico que envolva um dos bens que integram o patrimônio do de cujus.

Exemplo hipotético: João, Pedro, Tiago e Regina são irmãos. Em 2010, Regina, que tinha sérios problemas de saúde, vendeu um apartamento para seu irmão Tiago por preço bem abaixo do mercado. Os demais irmãos não souberam dessa venda. Em 2011, Regina faleceu. Não tinha cônjuge, descendentes ou ascendentes. Diante disso, os únicos herdeiros eram seus irmãos. João optou por renunciar a herança em favor do monte. Logo depois que fez isso, João tomou conhecimento da venda do apartamento ocorrida em 2010. Ele ficou revoltado porque considerou que sua irmã não estava em sua perfeita condição mental, tendo sido, portanto, “enganada” por Tiago. João ingressou com ação declaratória de nulidade do negócio jurídico. O juiz deverá extinguir o processo sem resolução do mérito porque João não possui legitimidade ativa ad causam considerando que ele renunciou expressamente a herança deixada por Regina, de sorte que, mesmo se anulada a venda, não teria nenhum proveito econômico com isso.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.433.650-GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 19/11/2019 (Info 664).

Aceitação da herança O herdeiro pode aceitar ou renunciar a herança. A aceitação, também chamada de adição é o ato por meio do qual o herdeiro manifesta a vontade de receber a herança. A herança é transmitida imediatamente com a morte (princípio da saisine – art. 1.784 do CC), de forma que a aceitação é apenas a confirmação da transmissão da herança. Não é possível a aceitação da herança de forma parcial, condicional ou a termo.

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Formas de aceitação da herança a) Expressa: a pessoa declara por escrito que aceita a herança. Pode ser feita por instrumento público ou particular. b) Tácita: a pessoa pratica atos próprios da qualidade de herdeiro, dando a entender que aceitou a herança. Ex: prometeu ceder para Fulano alguns bens da herança. c) Presumida: passados 20 dias da morte sem que o herdeiro tenha aceitado ou renunciado a herança, a pessoa interessada em que o herdeiro declare se aceita, ou não, poderá requerer ao juiz que fixe um prazo razoável (não maior de 30 dias), para que o herdeiro se manifeste. Se o herdeiro ficar calado neste prazo, presume-se que aceitou a herança. Renúncia da herança A renúncia é um ato formal e solene por meio do qual a pessoa afirma, por escrito, que não quer receber a herança a que teria direito. O herdeiro que renuncia à herança é como se nunca tivesse existido. A renúncia à herança é considerada como um negócio jurídico unilateral, voluntário, gratuito, incondicional, indivisível, irrevogável e que retroage ao momento da morte do autor da herança, nos termos do art. 1.804 do CC/2002:

Art. 1.804. Aceita a herança, torna-se definitiva a sua transmissão ao herdeiro, desde a abertura da sucessão. Parágrafo único. A transmissão tem-se por não verificada quando o herdeiro renuncia à herança.

++ (Juiz TRF3 2015) São irrevogáveis os atos de aceitação ou de renúncia da herança. (CERTO) A renúncia deverá ser sempre expressa e escrita, não existindo renúncia tácita, presumida ou verbal. Além disso, a renúncia, além de ser expressa, deve ser feita por um dos seguintes meios: a) Instrumento público; ou b) Termo judicial (manifestação no processo judicial). ++ (MP/PR 2016) A renúncia da herança deve ser feita por instrumento público ou termo judicial. (CERTO) Vale ressaltar que a renúncia à herança não pode ser feita por instrumento particular, mesmo que seja reconhecida a assinatura no “cartório”. Espécies de renúncia: a) Abdicativa: o herdeiro renuncia pura e simplesmente a herança. A parte que lhe cabia na herança é dividida igualmente entre os demais herdeiros como se o renunciante nunca tivesse existido. b) Translativa: o herdeiro “renuncia” a herança em favor de alguém. Na verdade, tecnicamente não seria uma renúncia, mas sim uma cessão de direitos em favor de uma pessoa e ninguém pode ceder algo que renunciou. A doutrina, no entanto, chama de renúncia translativa. Feita esta breve revisão, imagine a seguinte situação hipotética: João, Pedro, Tiago e Regina são irmãos. Em 2010, Regina, que tinha sérios problemas de saúde, vendeu um apartamento para seu irmão Tiago por preço bem abaixo do mercado. Os demais irmãos não souberam dessa venda. Em 2011, Regina faleceu. Não tinha cônjuge, descendentes ou ascendentes. Diante disso, os únicos herdeiros eram seus irmãos. João, que tem uma boa condição econômica, optou por renunciar a herança em favor do monte. Logo depois que fez isso, João tomou conhecimento da venda do apartamento ocorrida em 2010. Ele ficou revoltado porque considerou que sua irmã não estava em sua perfeita condição mental, tendo sido,

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portanto, “enganada” por Tiago. João ingressou, então, com ação declaratória de nulidade do negócio jurídico. O juiz extinguiu o processo sem resolução do mérito sob o argumento de que João não possui legitimidade ativa ad causam considerando que ele renunciou expressamente a herança deixada por Regina, de sorte que, mesmo se anulada a venda, não teria nenhum proveito econômico com isso. Agiu corretamente o magistrado? SIM.

Aquele que renuncia a herança não tem legitimidade para pleitear eventual nulidade de negócio jurídico que envolva um dos bens que integram o patrimônio do de cujus. STJ. 4ª Turma. REsp 1.433.650-GO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 19/11/2019 (Info 664).

É preciso que o processo possa propiciar algum proveito para o demandante. Se o pedido, mesmo acolhido, não puder propiciar qualquer benefício ao sujeito, será inútil o processo, e por esta razão não preenche o requisito da necessidade/utilidade processual para formação de uma das condições da ação. Renúncia é incondicional e irrevogável A renúncia e a aceitação à herança são atos jurídicos puros não sujeitos a elementos acidentais. Essa é a regra estabelecida no caput do art. 1.808 do Código Civil:

Art. 1.808. Não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte, sob condição ou a termo.

No caso concreto, como a renúncia foi realizada de forma válida e eficaz, considera-se como se o renunciante nunca tivesse sido herdeiro. Assim, esse renunciante (em nosso exemplo, João) não possui mais nenhum direito sobre o bem objeto do negócio acusado de nulo, nem sobre bem algum do patrimônio da falecida. Logo, não tem realmente legitimidade para pleitear medida judicial em relação a esses bens.

DIREITO DO CONSUMIDOR

COBRANÇA JUDICIAL INDEVIDA A sanção do art. 940 do Código Civil pode ser aplicada

também para casos envolvendo consumidor

Importante!!!

Em caso de cobrança judicial indevida, é possível aplicar a sanção prevista no art. 940 do Código Civil mesmo sendo uma relação de consumo.

O art. 940 do CC e o art. 42 do CDC incidem em hipóteses diferentes, tutelando, cada um deles, uma situação específica envolvendo a cobrança de dívidas pelos credores.

Mesmo diante de uma relação de consumo, se inexistentes os pressupostos de aplicação do art. 42, parágrafo único, do CDC, deve ser aplicado o sistema geral do Código Civil, no que couber.

O art. 940 do CC é norma complementar ao art. 42, parágrafo único, do CDC e, no caso, sua aplicação está alinhada ao cumprimento do mandamento constitucional de proteção do consumidor.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.645.589-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 04/02/2020 (Info 664).

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REGRAMENTO DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO NO CÓDIGO CIVIL

Imagine a seguinte situação: João ajuizou ação de cobrança contra Pedro por um suposto débito de R$ 10 mil. Pedro contestou a demanda provando que já havia pagado a dívida. Além disso, na própria contestação, o réu pediu que o autor fosse condenado a pagar R$ 20 mil a ele em razão de estar cobrando uma dívida já quitada. Sob o ponto de vista do direito material, esse pedido de Pedro encontra amparo na legislação? SIM. Há previsão expressa no Código Civil:

Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

Obs1: essa penalidade do art. 940 deve ser aplicada independentemente de a pessoa demandada ter provado qualquer tipo de prejuízo. Assim, ainda que Pedro não comprove ter sofrido dano, essa indenização será devida. O art. 940 do CC institui uma autêntica pena privada, aplicável independentemente da existência de prova do dano (STJ. 3ª Turma. REsp 1.286.704/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 28/10/2013). Obs2: a penalidade do art. 940 exige que o credor tenha exigido judicialmente a dívida já paga (“demandar” = “exigir em juízo”). Para que Pedro cobre esse valor em dobro, é necessária ação autônoma ou reconvenção, ou ele pode fazer isso por meio de mera contestação? O pedido pode ser feito por meio de contestação:

A aplicação da sanção civil do pagamento em dobro por cobrança judicial de dívida já adimplida (art. 1.531 do CC 1916 / art. 940 do CC 2002) pode ser postulada pelo réu na própria defesa, independendo da propositura de ação autônoma ou do manejo de reconvenção. STJ. 2ª Seção. REsp 1111270-PR, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 25/11/2015 (recurso repetitivo) (Info 576).

Sempre que houver cobrança de dívida já paga, haverá a condenação do autor à penalidade do art. 940 do CC? Não, nem sempre. Segundo o STJ, são exigidos dois requisitos para a aplicação do art. 940: a) a cobrança se dá por meio judicial; e b) a má-fé do demandante fica comprovada. Essa exigência da má-fé é antiga e vem desde o CC-1916, onde esta penalidade encontrava-se prevista no art. 1.531. Veja o que o STF já havia decidido naquela época:

Súmula 159-STF: Cobrança excessiva, mas de boa fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil (atual art. 940).

(PGM Manaus 2018 CEBRASPE) De acordo com a jurisprudência do STJ e as disposições do Código Civil, uma vez ajuizada ação de cobrança de dívida já paga, o direito do requerido à restituição em dobro prescindirá da demonstração de má-fé do autor da cobrança. (ERRADO) Se João tivesse desistido da ação de cobrança antes de Pedro apresentar contestação, isso o eximiria do pagamento da penalidade do art. 940 do CC?

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SIM. O CC prevê que a indenização é excluída se o autor desistir da ação antes de contestada a lide:

Art. 941. As penas previstas nos arts. 939 e 940 não se aplicarão quando o autor desistir da ação antes de contestada a lide, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido.

REGRAMENTO DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO NO CDC

Previsão legal O Código de Defesa do Consumidor possui uma regra semelhante ao art. 940 do CC, mas que apresenta peculiaridades. Assim, se o consumidor for cobrado em quantia indevida e efetuar o pagamento, terá direito de receber valor igual ao dobro do que pagou em excesso. Veja:

Art. 42 (...) Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

Obs: esse valor deve ser acrescido de juros e correção monetária. Nesse sentido: ++ (MPE/SC 2019) O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. (CERTO) Dobro do que pagou em excesso (e não dobro do que foi cobrado em excesso) ++ (MP/TO 2012 CESPE) Segundo o direito consumerista brasileiro, o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que lhe tiver sido cobrado em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. (ERRADO) Requisitos para aplicar essa penalidade do CDC: a) Consumidor ter sido cobrado por quantia indevida; b) Consumidor ter pagado essa quantia indevida (o CDC exige que a pessoa tenha efetivamente pago e não apenas que tenha sido cobrada); c) Não ocorrência de engano justificável por parte do cobrador. Engano justificável • Exemplo de engano justificável: cobrança com base em lei ou cláusula contratual mais tarde declarada nula pela Justiça. • Exemplo de engano injustificável: concessionária de água e esgoto que cobra taxa de esgoto em local onde o serviço não é prestado. Vale ressaltar que o ônus de provar que houve engano justificável é do fornecedor: ++ (Juiz TJPR 2014): Segundo o contido no art. 42, parágrafo único do CDC, o consumidor cobrado por quantia indevida, tem direito a repetição do indébito do valor em dobro ao que pagou em excesso, porém, se o engano para tal cobrança for justificável não cabe a repetição em dobro. A prova de que o engano é justificável cabe ao fornecedor, haja vista que a matéria é de defesa. (CERTO) Devolução simples Se tiver havido engano justificável por parte do cobrador, este continuará com a obrigação de devolver as quantias recebidas indevidamente, no entanto, essa devolução será simples (ou seja, não será em dobro). Para incidir a regra do art. 42, parágrafo único, do CDC exige-se má-fé do fornecedor (“cobrador”)? Prevalece que SIM:

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Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 39) Tese 7: A devolução em dobro dos valores pagos pelo consumidor, prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, pressupõe tanto a existência de pagamento indevido quanto a má-fé do credor.

A suposta divergência apresentada em relação à aplicação do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, não se mostra existente, pois já está pacificado o entendimento acerca do cabimento da repetição em dobro apenas nos casos em que demonstrada a má-fé do credor. STJ. Corte Especial. EAREsp 738.991/RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 20/02/2019.

A aplicação do parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, que determina a devolução em dobro do indébito, exige a configuração de má-fé do credor. STJ. 3ª Turma. REsp 1626275/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 04/12/2018.

A devolução em dobro dos valores pagos pelo consumidor pressupõe a existência de pagamento indevido e a má-fé do credor, consoante o entendimento desta Corte. STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1502471/RS, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 29/10/2019.

Cuidado com a redação de eventual enunciado de prova envolvendo tarifa de água, esgoto etc.:

Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 39) Tese 3: É obrigatória a restituição em dobro da cobrança indevida de tarifa de água, esgoto, energia ou telefonia, salvo na hipótese de erro justificável (art. 42, parágrafo único, do CDC), que não decorra da existência de dolo, culpa ou má-fé.

DISCUSSÃO QUANTO À APLICAÇÃO DO REGRAMENTO DO CÓDIGO CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação de reparação de danos contra o Banco HSBC. O autor alegou que o Banco lhe cobrou, em juízo, uma dívida que já estava paga. Como a dívida paga era no valor de R$ 50 mil, o autor pedia para que o Banco fosse condenado a pagar R$ 100 mil, ou seja, o dobro do que havia cobrado. João fundamentou seu pleito no art. 940 do CC:

Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

Contestação O Banco apresentou contestação alegando o seguinte: - realmente, ajuizei ação cobrando de João dívida que ele já tinha pagado; - no entanto, nesta ação proposta, João não chegou a pagar nada porque o magistrado julgou improcedente o pedido; - diante disso, como o consumidor não pagou essa quantia indevida, não pode ser aplicado o parágrafo único do art. 42 do CDC:

Art. 42 (...) Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

- além disso, não é possível aplicar o art. 940 do CC porque estamos diante de uma relação de consumo, devendo, portanto, incidir o diploma especial, qual seja, o CDC.

A discussão jurídica foi, portanto, a seguinte: é possível aplicar a sanção do art. 940 do Código Civil neste caso, mesmo se tratando de uma relação de consumo?

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SIM. Mesmo diante de uma relação de consumo, é possível aplicar a sanção prevista no art. 940 do CC. O art. 940 do CC e o art. 42 do CDC incidem em hipóteses diferentes, tutelando, cada um deles, uma situação específica envolvendo a cobrança de dívidas pelos credores. Veja as principais diferenças:

ART. 940 DO CÓDIGO CIVIL ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CDC

Requisitos: a) A pessoa (consumidora ou não) foi cobrada, por meio de processo judicial, por dívida já paga; b) O autora da cobrança agiu de má-fé (súmula 159 STF).

Requisitos: a) Consumidor foi cobrado por quantia indevida; b) Consumidor pagou essa quantia indevida; c) Não houve um engano justificável por parte do autor da cobrança.

A cobrança foi feita na via judicial. A cobrança foi feita na via extrajudicial.

Exige má-fé do autor da cobrança. Também exige má-fé do autor da cobrança.

Não se exige que a pessoa cobrada tenha pagado efetivamente a quantia. Para incidir o dispositivo basta que a pessoa seja acionada na justiça por dívida já paga.

Não basta a simples cobrança indevida. Exige-se que o consumidor tenha pagado efetivamente o valor indevido.

Desse modo, se o consumidor foi cobrado indevidamente, mas não estão presentes os pressupostos de aplicação do art. 42 do CDC, ainda assim será possível incidir o art. 940 do CC, se os requisitos deste dispositivo estiverem demonstrados. Como explica o Min. Herman Benjamin:

“(...) A sanção do art. 42, parágrafo único, dirige-se tão somente àquelas cobranças que não têm o munus do juiz a presidi-las. Daí que, em sendo proposta ação visando à cobrança do devido, mesmo que se trata de dívida de consumo, não mais é aplicável o citado dispositivo, mas, sim, não custa repetir, o Código Civil. No sistema do Código Civil, a sanção só tem lugar quando a cobrança é judicial, ou seja, pune-se aquele que movimenta a máquina do Judiciário injustificadamente. Não é esse o caso do Código de Defesa do Consumidor. Usa-se aqui o verbo cobrar, enquanto o Código Civil refere-se a demandar. Por conseguinte, a sanção, no caso da lei especial, aplica-se sempre que o fornecedor (direta ou indiretamente) cobrar e receber, extrajudicialmente, quantia indevida. O Código de Defesa do Consumidor, preventivo por excelência, enxerga o problema em estágio anterior ao tratado pelo Código Civil. E não poderia ser de modo diverso, pois, se o parágrafo único do art. 42 do CDC tivesse aplicação restrita às mesmas hipóteses fáticas do art. 940 do CC, faltar-lhe-ia utilidade prática, no sentido de aperfeiçoar a proteção do consumidor contra cobranças irregulares, a própria ratio que levou, em última instância, à intervenção do legislador” (Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 330).

Para os casos envolvendo consumidores, a aplicação do CDC é prioritária. Isso porque se presume que este diploma trata o consumidor de forma mais protetiva. Vale ressaltar, contudo, se, no caso concreto, for mais favorável ao consumidor aplicar o Código Civil, esta solução deverá ser adotada. Assim, admite-se a aplicação do CC, no que couber, quando a regra não contrariar o sistema estabelecido pelo CDC, sobretudo quando as normas forem complementares, como neste caso, pois os arts. 42, parágrafo único, do CDC e 940 do CC preveem sanções para condutas distintas dos credores. Em suma:

Em caso de cobrança judicial indevida, é possível aplicar a sanção prevista no art. 940 do Código Civil mesmo sendo uma relação de consumo. STJ. 3ª Turma. REsp 1.645.589-MS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 04/02/2020 (Info 664).

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DIREITO EMPRESARIAL

RECUPERAÇÃO JUDICIAL O cômputo do período de dois anos de exercício da atividade econômica, para fins de

recuperação judicial, nos termos do art. 48 da Lei nº 11.101/2005, aplicável ao produtor rural, inclui aquele anterior ao registro do empreendedor

O art. 48 da Lei nº 11.101/2005 elenca requisitos que deverão ser cumpridos pelo devedor para que ele possa requerer recuperação judicial.

O primeiro requisito é a previsão de que o devedor deverá estar exercendo regularmente suas atividades há, no mínimo, 2 anos no momento do pedido.

O cômputo do período de dois anos de exercício da atividade econômica, para fins de recuperação judicial, nos termos do art. 48 da Lei nº 11.101/2005, aplicável ao produtor rural, inclui aquele anterior ao registro do empreendedor.

O produtor rural, por não ser empresário sujeito a registro, está em situação regular, mesmo ao exercer atividade econômica agrícola antes de sua inscrição, por ser esta, para ele, facultativa.

Assim, para o empreendedor rural, o registro, por ser facultativo, tem o efeito constitutivo de equipará-lo, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro, sendo tal efeito apto a retroagir (ex tunc), pois a condição regular de empresário já existia antes mesmo do registro.

Logo, para cumprir os 2 anos exigidos por lei, o produtor rural pode aproveitar o período anterior ao registro, pois já naquela época ele estava exercendo regularmente atividade empresarial.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.800.032-MT, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, julgado em 05/11/2019 (Info 664).

Recuperação judicial A recuperação judicial surgiu para substituir a antiga “concordata” e tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise do devedor, a fim de permitir que a atividade empresária se mantenha e, com isso, sejam preservados os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores. A recuperação judicial consiste, portanto, em um processo judicial, no qual será construído e executado um plano com o objetivo de recuperar a empresa que está em vias de efetivamente ir à falência. Fases da recuperação De forma resumida, a recuperação judicial possui três fases: a) postulação: inicia-se com o pedido de recuperação e vai até o despacho de processamento; b) processamento: vai do despacho de processamento até a decisão concessiva; c) execução: da decisão concessiva até o encerramento da recuperação judicial. Requisitos para a recuperação judicial A recuperação judicial é um processo judicial, ou seja, é um pedido que será formulado ao juiz. Para isso, no entanto, é necessário que a devedora cumpra alguns requisitos previstos no art. 48 da Lei nº 11.101/2005:

Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as

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responsabilidades daí decorrentes; II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei

Requisito temporal de 2 anos O primeiro requisito para que a empresa possa requerer a recuperação judicial é que ela esteja exercendo regulamente suas atividades há, no mínimo, 2 anos (caput do art. 48) no momento do pedido. O prazo de 2 anos tem como objetivo principal conceder a recuperação judicial apenas a empresários ou a sociedades empresárias que se acham, de certo modo, consolidados no mercado e que apresentem certo grau de viabilidade econômico-financeira capazes de justificar o sacrifício dos credores. Segundo Marlon Tomazzete, apenas em relação a empresas sérias, relevantes e viáveis “é que se justifica o sacrifício dos credores em uma recuperação judicial. Uma empresa exercida há menos de dois anos ainda não possui relevância para a economia que justifique a recuperação.” (Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas. São Paulo: Atlas, 2011, p. 60). ++ (Delegado PC/BA 2018 VUNESP) Poderá requerer a recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades empresariais pelo período mínimo de seis meses. (ERRADO) A partir de quando se começa a contar esse prazo de 2 anos? Em regra, da data de inscrição na junta comercial competente. Logo, no pedido de recuperação judicial, deverá ser juntada uma certidão emitida pela respectiva junta comercial na qual conste a inscrição do empresário individual ou o registro do contrato social ou do estatuto da sociedade. Desse modo, estão proibidos de requerer recuperação judicial, os empresários “de fato” ou “irregulares”, isto é, aqueles que exercem a atividade empresarial de modo informal, sem registro na junta comercial. Por que se falou “em regra”? Existe alguma exceção? SIM. O caso do empresário rural. Todo empresário, antes de iniciar suas atividades, deverá se inscrever no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, isto é, na Junta Comercial. É o que prevê o art. 967 do Código Civil:

Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.

Para o empresário rural, todavia, o Código Civil concedeu a faculdade de se registrar ou não perante a Junta da sua unidade federativa. Por isso, o dispositivo utiliza o verbo “pode”:

Art. 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro.

Ora, se pode ele requerer inscrição, significa que o empreendedor rural, diferentemente do empreendedor econômico comum, não está obrigado a requerer inscrição antes de empreender. Desse modo, o empreendedor rural, inscrito ou não, está sempre em situação regular; não existe situação irregular para este, mesmo ao exercer atividade econômica agrícola antes de sua inscrição, por ser esta facultativa.

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Por isso, se exerce atividade de produção de bens agrícolas, esteja inscrito ou não, estará em situação regular, justamente porque poderia se inscrever ou não. Assim, os efeitos decorrentes da inscrição são distintos para as duas espécies de empresário: • Para o empreendedor rural, o registro, por ser facultativo, tem o efeito constitutivo de equipará-lo, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro, sendo tal efeito apto a retroagir (ex tunc), pois a condição regular de empresário já existia antes mesmo do registro. • Já para o empresário comum, o registro, por ser obrigatório, somente pode operar efeitos prospectivos (ex nunc), pois apenas com o registro é que ingressa na regularidade e se constitui efetivamente e validamente, empresário. O registro do produtor rural, portanto, apenas o transfere do regime do Código Civil para o regime empresarial, com efeito ex tunc, pois não o transforma em empresário regular, condição que já antes ostentava apenas em decorrência do anterior exercício da atividade econômica rural. Assim, a qualidade de empresário rural regular já se fazia presente desde o início do exercício profissional de sua atividade, sendo irrelevante, para fins de regularização, a efetivação da inscrição na Junta Comercial, pois não estava sujeito a registro. Então, o produtor rural é regido pelo Código Civil, enquanto não registrado e, querendo, passa ao regime jurídico empresarial, após a inscrição é facultativa. No caso de empresário rural, para fins de cômputo desses 2 anos, é possível aproveitar o tempo em que ele não estava registrado O empresário rural, para fazer o pedido de recuperação judicial, deve estar registrado. Assim, o registro empresarial deve ser anterior ao pedido de recuperação judicial. No entanto, pelas razões acima explicadas, esses 2 anos, exigidos pelo caput do art. 48, não precisam ser exercidos após o registro. No caso de empresário rural, o exercício da atividade econômica rural pelo prazo de 2 anos pode ser computado somando-se ao período anterior e posterior ao registro. Em suma:

O cômputo do período de dois anos de exercício da atividade econômica, para fins de recuperação judicial, nos termos do art. 48 da Lei nº 11.101/2005, aplicável ao produtor rural, inclui aquele anterior ao registro do empreendedor. STJ. 4ª Turma. REsp 1.800.032-MT, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, julgado em 05/11/2019 (Info 664).

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA O requerimento de inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes, nos termos

do que dispõe o art. 782, § 3º, do CPC/2015, não depende da comprovação de prévia recusa administrativa das entidades mantenedoras do respectivo cadastro

O § 3º do art. 782 do CPC/2015 prevê que o juiz, a requerimento da parte, pode determinar a inclusão do nome do executado nos cadastros de inadimplentes (exs: SPC/SERASA).

Embora o magistrado não esteja obrigado a deferir o pedido de inclusão do nome do executado no cadastro de inadimplentes, visto que a norma do art. 782, § 3º, do CPC/2015 não trata de uma imposição legal, mas mera faculdade atribuída ao juiz da causa, não se revela idôneo condicionar a referida medida à prévia recusa administrativa das entidades mantenedoras do respectivo cadastro.

Assim, o credor pode requerer essa providência diretamente ao juízo, não sendo necessário comprovar que este pedido foi feito antes, extrajudicialmente, para as entidades mantenedoras do cadastro e que elas recusaram.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.835.778-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 04/02/2020 (Info 664).

Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação de cobrança contra Pedro. O juiz julgou o pedido procedente, condenando Pedro a pagar R$ 500 mil ao autor. Houve o trânsito em julgado. João ingressou com pedido em juízo requerendo o cumprimento da sentença. Pedro não pagou a dívida e não foram encontrados bens de sua propriedade que pudessem ser penhorados. Diante disso, João teve uma ideia: formulou requerimento ao juiz pedindo que ele expedisse ofícios ao SERASA e SPC determinando a inclusão do nome de Pedro como devedor. Existe essa possibilidade? Isso é juridicamente possível? SIM. O CPC/2015 trouxe expressamente essa possibilidade no § 3º do art. 782:

Art. 782 (...)

§ 3º A requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes.

++ (Analista TRF2 2017 CONSULPLAN) O CPC/15 permite que o nome do devedor executado seja incluído pelo juiz, a requerimento do exequente, em cadastro de inadimplentes. (CERTO) Voltando ao caso concreto: O juiz indeferiu o pedido afirmando que João (credor) deveria primeiro requerer essa providência diretamente do SERASA/SPC. Se essas entidades negassem o pedido, aí sim ele poderia formular requerimento para que o Poder Judiciário determinasse a medida. Em outras palavras, antes de requerer ao juiz, o credor deveria pedir diretamente das entidades mantenedoras dos cadastros de inadimplentes a inclusão do devedor. Disse o juízo: “o acionamento do aparato judiciário somente se justifica se o credor não conseguir obter administrativamente a averbação da existência da ação nos referidos cadastros.”

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Agiu corretamente o magistrado? O requerimento para o magistrado de inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes (art. 782, § 3º, do CPC/2015), depende da comprovação de prévia recusa administrativa das entidades mantenedoras do respectivo cadastro? NÃO. O STJ decidiu que:

O requerimento de inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes, nos termos do que dispõe o art. 782, § 3º, do CPC/2015, não depende da comprovação de prévia recusa administrativa das entidades mantenedoras do respectivo cadastro. STJ. 3ª Turma. REsp 1.835.778-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 04/02/2020 (Info 664).

Importância da previsão do § 3º do art. 782 do CPC A inclusão do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes (exs: SPC, SERASA), prevista no art. 782, § 3º, do CPC, possui a natureza jurídica de medida executiva típica. Trata-se de importante e eficaz medida para concretizar o princípio da efetividade do processo. Isso porque, com a negativação do seu nome, o devedor terá seu direito ao crédito restringido, o que o forçará a satisfazer a obrigação. Conforme explica Fernando Gajardoni:

“4.2. Ao autorizar que o juiz possa determinar, a qualquer momento ou grau de jurisdição, a inclusão do nome do executado em cadastro de inadimplentes - inclusive no cumprimento de sentença (art. 782, § 5º, do CPC/2015) -, atua-se indiretamente sobre a vontade do devedor, aumentando as desvantagens do não cumprimento da obrigação positivada no título. Afinal, em uma sociedade de consumo globalizada como a que vivemos, o apontamento no cadastro de maus pagadores (art. 44 do CDC) representa enorme limitador do crédito, consequentemente forçando o devedor a buscar a baixa de negativação a fim de recuperá-lo.” (Execução e Recursos: comentários ao CPC de 2015. 1ª ed. São Paulo: Método, 2017, p. 62).

Juiz não pode determinar a providência de ofício Conforme se observa pela redação do dispositivo, essa negativação do nome pela via judicial somente será possível por requerimento da parte, não podendo ser determinada pelo juízo de ofício (sem pedido). Juiz está obrigado a acolher o pedido do credor? NÃO. O juiz não possui o dever de determinar a negativação do nome do devedor. Trata-se de uma faculdade do magistrado (“pode”), devendo ser analisadas as particularidades do caso concreto. Assim, após o requerimento, o juiz analisa se esta providência é proporcional no caso concreto. A exigência feita pelo juiz de que o credor primeiro peça extrajudicialmente não é razoável Como vimos acima, o magistrado não está obrigado a acolher qualquer pedido feito pelo credor. No entanto, não se revela legítima a recusa baseada na exigência de que o credor tenha que requerer diretamente à entidade mantenedora do cadastro de inadimplentes. Esse requisito não está previsto em lei e representa uma condição que vai na contramão de toda a sistemática trazida com o novo Código de Processo Civil, em que se busca a máxima efetividade da tutela jurisdicional prestada. A norma do art. 782, § 3º, do CPC/2015 deve ser interpretada com base no princípio da efetividade do processo. Isso significa que se deve garantir a maior amplitude possível à concretização da tutela executiva, não sendo razoável que o Poder Judiciário imponha restrição ao implemento dessa medida sem qualquer fundamento plausível e em manifesto descompasso com o propósito defendido pelo novo CPC. Mas se o credor quiser, pode pedir diretamente das entidades mantenedoras de crédito? SIM. Nada impede que o credor requeira extrajudicialmente a inclusão do nome do devedor em cadastros de inadimplentes. Todavia, também não há qualquer óbice para que esse requerimento seja feito

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diretamente pela via judicial, no bojo da execução, como possibilita expressamente o art. 782, § 3º, do CPC/2015. Em suma: Embora o magistrado não esteja obrigado a deferir o pedido de inclusão do nome do executado no cadastro de inadimplentes, visto que a norma do art. 782, § 3º, do CPC/2015 não trata de uma imposição legal, mas mera faculdade atribuída ao juiz da causa, não se revela idôneo condicionar a referida medida à prévia recusa administrativa das entidades mantenedoras do respectivo cadastro. Tema correlato No mesmo sentido do que foi explicado acima, o STJ já decidiu que é possível que o exequente requeira diretamente ao Juízo a busca de informações sobre eventuais veículos pertencentes ao executado, por meio do sistema RENAJUD, não sendo necessário o prévio exaurimento das vias extrajudiciais:

(...) 1. Cinge-se a controvérsia a definir se é dado ao exequente solicitar ao Juízo a busca - pelo sistema RENAJUD - de informação acerca da existência de veículos de propriedade do executado, independentemente da comprovação do esgotamento das vias extrajudiciais para tal finalidade. 2. O RENAJUD é um sistema on-line de restrição judicial de veículos criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que interliga o Judiciário ao Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e permite consultas e envio, em tempo real, à base de dados do Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam) de ordens judiciais de restrições de veículos, inclusive registro de penhora. 3. Considerando-se que i) a execução é movida no interesse do credor, a teor do disposto no artigo 612 do Código de Processo Civil; ii) o sistema RENAJUD é ferramenta idônea para simplificar e agilizar a busca de bens aptos a satisfazer os créditos executados e iii) a utilização do sistema informatizado permite a maior celeridade do processo (prática de atos com menor dispêndio de tempo e de recursos) e contribui para a efetividade da tutela jurisdicional, é lícito ao exequente requerer ao Juízo que promova a consulta via RENAJUD a respeito da possível existência de veículos em nome do executado, independentemente do exaurimento de vias extrajudiciais. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1347222/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 25/08/2015.

EXECUÇÃO Tratando-se de condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais, não é possível exigir do cônjuge meeiro, que não integrou a relação processual da lide originária, a comprovação de

que a dívida executada não foi contraída em benefício do casal ou da família

Havendo penhora de bem indivisível (ex: um apartamento), a meação do cônjuge alheio à execução deve recair sobre o produto da alienação do bem.

Para impedir que a penhora recaia sobre a sua meação, o cônjuge meeiro deve comprovar que a dívida executada não foi contraída em benefício da família. Precedentes.

No entanto, tratando-se de dívida proveniente da condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais em demanda da qual o cônjuge meeiro não participou, é inegável o direito deste à reserva de sua meação.

Os honorários advocatícios consagram direito do advogado contra a parte que deu causa ao processo, não se podendo exigir do cônjuge meeiro, que não integrou a relação processual da lide originária, a comprovação de que a dívida executada não foi contraída em benefício do casal ou da família.

Exemplo: João ajuizou ação ordinária contra Pedro, tendo o pedido sido julgado improcedente. O autor foi condenado a pagar R$ 200 mil de honorários advocatícios em favor de Pedro. Marcos (advogado de Pedro) ingressou com execução contra João cobrando os R$ 200 mil. O juiz

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determinou a penhora de uma sala comercial que está em nome de João. Raquel, esposa de João, apresentou embargos de terceiro contra essa penhora. Sua quota-parte deverá ser preservada, não sendo necessário que ela comprove que essa dívida contraída foi exclusiva do marido.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.670.338-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 04/02/2020 (Info 664).

Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação ordinária contra Pedro, tendo o pedido sido julgado improcedente. O autor foi condenado a pagar R$ 200 mil de honorários advocatícios em favor de Pedro. Houve trânsito em julgado. Marcos (advogado de Pedro) ingressou com execução contra João cobrando os R$ 200 mil. O juiz determinou a penhora de uma sala comercial que está em nome de João. Embargos de terceiro Raquel, esposa de João, apresentou embargos de terceiro contra essa penhora. Alegou que, na qualidade de cônjuge meeiro, possui direito à metade do imóvel que foi penhorado, de forma que sua quota-parte não pode ser atingida. O magistrado julgou improcedente o pedido alegando que a esposa não se desincumbiu do ônus de comprovar que a dívida, objeto da execução embargada, não foi adquirida em benefício dela também. Em outras palavras, o juiz afirmou que Raquel deveria ter provado que a dívida que gerou a execução foi adquirida em benefício exclusivo de seu marido. Isso porque se essa dívida foi adquirida em benefício do casal, sua parte no imóvel também deveria responder pelo débito. Agiu corretamente o magistrado? NÃO. Realmente, segundo a jurisprudência do STJ, para excluir da penhora a meação, o cônjuge meeiro alheio à execução deve comprovar que a dívida executada não foi contraída em benefício da família:

Tratando-se de dívida contraída por um dos cônjuges, a regra geral é a de que cabe ao meeiro o ônus da prova de que a dívida não beneficiou a família, haja vista a solidariedade entre o casal. STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp 427.980/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 18/2/2014.

Então, a premissa invocada pelo juiz está correta. No entanto, tratando-se de dívida proveniente da condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais em demanda da qual a esposa meeira não participou, é inegável que ela tem direito de preservar a sua meação. Os honorários advocatícios representam um direito do advogado oponível contra a parte que deu causa ao processo, não se podendo exigir do cônjuge meeiro, que não integrou a relação processual da lide originária, a comprovação de que a dívida executada não foi contraída em benefício do casal ou da família. Vale ressaltar, inclusive, que “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros” (art. 506 do CPC/2015). Em suma:

Tratando-se de condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais, não é possível exigir do cônjuge meeiro, que não integrou a relação processual da lide originária, a comprovação de que a dívida executada não foi contraída em benefício do casal ou da família. STJ. 3ª Turma. REsp 1.670.338-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 04/02/2020 (Info 664).

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DIREITO PENAL

PECULATO Pratica o crime de peculato-desvio o Governador que determina que os valores descontados dos

contracheques dos servidores para pagamento de empréstimo consignado não sejam repassados ao banco, mas sim utilizados para quitação de dívidas do Estado

Importante!!!

O administrador que desconta valores da folha de pagamento dos servidores públicos para quitação de empréstimo consignado e não os repassa a instituição financeira pratica peculato-desvio, sendo desnecessária a demonstração de obtenção de proveito próprio ou alheio, bastando a mera vontade de realizar o núcleo do tipo.

Peculato-desvio é crime formal para cuja consumação não se exige que o agente público ou terceiro obtenha vantagem indevida mediante prática criminosa, bastando a destinação diversa daquela que deveria ter o dinheiro.

Caso concreto: diversos servidores estaduais possuíam empréstimos consignados. Assim, todos os meses a Administração Pública estadual fazia o desconto das parcelas do empréstimo da remuneração dos servidores e repassava a quantia ao banco que concedeu o mútuo. Ocorre que o Governador do Estado determinou ao Secretário de Planejamento que continuasse a descontar mensalmente os valores do empréstimo consignado, no entanto, não mais os repassasse ao banco, utilizando essa quantia para pagamento das dívidas do Estado. Esta conduta configurou o crime de peculato-desvio (art. 312 do CP), gerando a condenação do Govenador, com a determinação, inclusive, de perda do cargo (art. 92, I, do CP).

STJ. Corte Especial. APn 814-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 06/11/2019 (Info 664).

Empréstimo consignado Uma prática muito comum entre os servidores públicos são os chamados “empréstimos consignados”. O servidor público vai até o banco e consegue um empréstimo de forma mais fácil, rápida e com taxas de juros menores porque aceita que as parcelas de pagamento deste mútuo sejam descontadas diretamente da sua remuneração. Assim, no empréstimo consignado (também chamado de consignação em folha de pagamento), antes mesmo de a pessoa receber sua remuneração/proventos, já há o desconto da quantia, o que é efetuado pelo próprio órgão ou entidade pagadora. Em outras palavras, há um desconto direto no salário, remuneração ou aposentadoria. Imagine agora a seguinte situação adaptada: João, servidor público do Estado do Amapá, fez um empréstimo consignado e estava pagando regularmente a dívida. Todos os meses a Secretaria de Administração e Planejamento, antes de depositar os vencimentos de João, descontava R$ 1.000,00 de sua remuneração e repassava ao banco que concedeu o empréstimo. Assim como João, havia centenas de outros servidores públicos estaduais na mesma situação. Ocorre que o Estado do Amapá atravessava uma grave crise financeira. Diante disso, Antônio, Governador do Estado, teve uma ideia: resolveu usar o dinheiro que era descontado dos servidores para pagar as dívidas da administração pública. Em outras palavras, Antônio determinou ao Secretário de Administração e Planejamento que ele continuasse a descontar mensalmente os valores do empréstimo consignado, no entanto, não mais os repassasse ao banco, utilizando essa quantia para pagamento das dívidas do Estado. No caso de João, por exemplo, todos os meses os R$ 1.000,00 continuaram sendo descontados de sua

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remuneração, no entanto, esse dinheiro não era mais repassado ao banco. Depois de algum tempo nessa situação, o banco, que não estava mais recebendo os pagamentos, incluiu João e os demais servidores nos cadastros de devedores (SERASA, SPC etc.). O Governador e o Secretário foram denunciados pela prática de peculato-desvio, delito tipificado na parte final do art. 312 do Código Penal:

Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

Tese da defesa Os réus alegaram que foram obrigados a fazer isso em virtude da grave crise mundial que abalou profundamente as finanças públicas do Estado do Amapá. Afirmam que houve uma drástica redução da receita estadual e que se não fossem adotadas medidas como a retenção do dinheiro dos empréstimos consignados não poderiam fazer frente às despesas governamentais. Argumentaram que o crime de peculato-desvio exige, além do dolo, a presença de elemento subjetivo especial consistente no fim especial de agir em proveito próprio ou alheio. Os recursos descontados dos contracheques dos servidores públicos estaduais, a título de empréstimos consignados, foram utilizados para o pagamento da dívida do Estado. Logo, não seria possível afirmar que os réus tenham agido em proveito próprio ou alheio. A tese da defesa foi acolhida pelo STJ? NÃO. Não foi acolhida. Para a maioria dos Ministros, houve a prática do crime de peculato-desvio. Vejamos: Materialidade O peculato-desvio consuma-se no instante em que o funcionário público dá ao dinheiro ou valor destino diverso do previsto. Vale ressaltar que a obtenção do proveito próprio ou alheio não é requisito para a consumação do crime:

“No caso de peculato-desvio, a consumação se concretiza quando o agente, traindo a confiança que lhe fora depositada, dá à coisa destinação diversa daquela determinada pela Administração Pública, no intuito de beneficiar a si próprio ou a terceiro. Não há necessidade, porém, de que o agente obtenha o proveito visado, bastando para a consumação que ocorra o desvio.” (PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume II – Parte Especial. 16ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 783).

No caso, o crime consumou-se com a não transferência dos valores retidos na fonte. Autoria O peculato-desvio é um crime próprio. Isso porque somente pode ser praticado por funcionário público ou por pessoas a ele legalmente equiparadas. Deve-se esclarecer que, apesar de se tratar de crime próprio, o peculato admite a participação de indivíduos que não são funcionários públicos. Assim, se uma pessoa, que não é funcionária pública, auxilia o funcionário público na prática do peculato-desvio, sabendo dessa condição, responderá também pelo mesmo crime. Nesse sentido:

Jurisprudência em Teses STJ (ed. 57) Tese 9: A elementar do crime de peculato se comunica aos coautores e partícipes estranhos ao serviço público.

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++ (Juiz Federal TRF2 2017) O particular que auxilia materialmente a prática de crime de peculato-desvio por seu amigo, que sabe ser servidor, responderá por apropriação indébita, tendo em vista lhe faltar a qualidade de funcionário público. (ERRADO) Elemento subjetivo O crime é punido a título de dolo. O dolo aqui é a vontade livre e consciente de apropriar-se de coisa móvel pública ou particular ou de desviá-la. O dolo ficou comprovado pela intenção de não repassar os valores descontados aos bancos, desviando a quantia para outras finalidades. Vale ressaltar que basta o dolo de desviar a quantia em proveito próprio ou de terceiro, ainda que não obtenha vantagem com sua conduta:

Jurisprudência em Teses STJ (ed. 57) Tese 11: A consumação do crime de peculato-desvio (art. 312, caput, 2ª parte, do CP) ocorre no momento em que o funcionário efetivamente desvia o dinheiro, valor ou outro bem móvel, em proveito próprio ou de terceiro, ainda que não obtenha a vantagem indevida.

Obtenção de vantagem não é requisito para consumação do crime A consumação do crime de peculato-desvio ocorreu no momento em que houve a destinação diversa do dinheiro que estava sob a posse do agente. Não importa que, ao final, não tenha havido a obtenção material de proveito próprio ou alheio. Assim, a consumação, no caso em comento, deu-se com a falta de transferência dos valores retidos na fonte dos servidores ao banco detentor do crédito. Com isso, houve a alteração do destino da aplicação dos referidos valores. O Estado era mero depositário dos valores descontados dos contracheques de seus servidores, os quais pertenceriam ao banco. Desse modo, os valores retidos não eram do Estado, não configurando receita pública. Eram verbas particulares não integrantes do patrimônio público. Crime formal Peculato-desvio é crime formal para cuja consumação não se exige que o agente público ou terceiro obtenha vantagem indevida mediante prática criminosa, bastando a destinação diversa daquela que deveria ter o dinheiro. Na modalidade peculato-desvio, não se discute o deslocamento de verbas públicas em razão de gestão administrativa, mas o deslocamento de dinheiro particular em posse do Estado. Assim, a consumação do crime não depende da prova do destino do dinheiro ou do benefício obtido por agente ou terceiro. Em suma:

O administrador que desconta valores da folha de pagamento dos servidores públicos para quitação de empréstimo consignado e não os repassa a instituição financeira pratica peculato-desvio, sendo desnecessária a demonstração de obtenção de proveito próprio ou alheio, bastando a mera vontade de realizar o núcleo do tipo. STJ. Corte Especial. APn 814-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 06/11/2019 (Info 664).

Foi decretada a perda do cargo do Governador condenado? SIM. De acordo com o art. 92, I, do Código Penal:

Art. 92. São também efeitos da condenação:

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I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

Importante relembrar que a perda do cargo não é decorrência automática da condenação, sendo imprescindível que o juiz fundamente especificamente a decretação desse efeito extrapenal. No caso concreto, o STJ considerou que é absolutamente incabível que o chefe do Poder Executivo de Estado da Federação permaneça no cargo após condenação pela prática de crime cuja natureza jurídica está fundamentada no resguardo da probidade administrativa. Diante disso, o STJ decretou a perda do cargo. Mesma posição do STF Veja este precedente do STF no mesmo sentido, mas envolvendo Prefeito e servidores municipais:

(...) 1. Se o acusado, consciente e voluntariamente, se apropria de verbas cuja detenção se dá em razão do cargo que ocupa e se as emprega em finalidade diversa daquelas a que se destinam, pratica o delito de peculato-desvio, desimportante não tenha o desvio se dado em proveito próprio. 2. No caso sob exame, o Município é mero depositário das contribuições, descontadas dos contracheques de seus servidores para pagamento de empréstimos consignados, as quais pertencem ao Banco. 3. Por outro lado, ao impedir a quitação das obrigações, o gestor ordena ou autoriza assunção de obrigação. No caso dos autos, sem adimpli-la no mesmo exercício financeiro, nem deixar receita para quitação no ano seguinte, nos termos do artigo 359-C, do Código Penal. 4. Nada obstante a crise financeira por que passava o Município, a contratação de pessoal e os repasses voluntários a instituições não governamentais, impedem a configuração da dirimente de inexigibilidade de conduta diversa, a afastar o juízo de reprovação penal da conduta. 4. Pretensão punitiva julgada procedente para condenar o acusado pela prática dos crimes previstos nos arts. 312, caput, e 359-C, na forma dos arts. 29, 71 e 70, todos do Código Penal. STF. 1ª Turma. AP 916, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 17/05/2016 (Info 826).

DOD Plus No caso concreto, as verbas desviadas eram privadas, isto é, pertenciam aos servidores públicos. A conduta do funcionário público que dá a verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei configura, em princípio, outro crime, qual seja, o delito do art. 315 do CP:

Emprego irregular de verbas ou rendas públicas Art. 315 - Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei: Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.

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EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Existindo representação em Brasília ou viabilizada a intimação eletrônica das Defensorias Públicas dos

Estados em virtude de adesão ao Portal de Intimações Eletrônicas, impõe-se o indeferimento de requerimento da Defensoria Pública da União no sentido de assumir a defesa de pessoas já assistidas pelas Defensorias Públicas estaduais. ( )

2) A utilização abusiva do direito à proteção do bem de família viola o princípio da boa-fé objetiva e, portanto, não deve ser tolerada. Assim, deve ser afastado o benefício conferido ao titular do bem de família que exerce o direito em desconformidade com o ordenamento jurídico. ( )

3) (DPE/SP 2018) Ana e Joaquim, casados pelo regime da comunhão parcial de bens, decidem constituir empresa limitada para comércio de bebidas. Para obter o capital inicial necessário à abertura do negócio, recorrem à instituição financeira e dão seu único apartamento como garantia do empréstimo. O negócio não prospera e, diante da falta de pagamento, o banco executa a garantia. Nesse caso, considerando-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidada no EAResp 848.498, o apartamento será expropriado presumindo-se A) que o dinheiro reverteu em favor da família. B) que cônjuges não podem ser sócios. C) tratar de dívida de pessoa jurídica. D) tratar de bem de família previsto no Código Civil. E) constituir bem de família de acordo com a Lei no 8.009/90. ( )

4) Não é necessária a outorga conjugal para fiança em favor de sociedade cooperativa. ( ) 5) A ação de despejo exige a formação de litisconsórcio ativo necessário. ( ) 6) A União, na condição de acionista controladora da Petrobras, não pode ser submetida à cláusula

compromissória arbitral prevista no Estatuto Social da Companhia, seja em razão da ausência de lei autorizativa, seja em razão do próprio conteúdo da norma estatutária. ( )

7) (Promotor MP/MG 2018) A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Nesse caso, por exigência da própria lei, a arbitragem será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade. ( )

8) (PGE/AP 2018 FCC) Em relação ao Estatuto Jurídico das Empresas Públicas, das Sociedades de Economia Mista e suas subsidiárias, a sociedade de economia mista poderá solucionar, mediante arbitragem, as divergências entre acionistas e a sociedade, ou entre acionistas controladores e acionistas minoritários, nos termos previstos em seu estatuto social. ( )

9) (MP/MG 2019) De acordo com o princípio da competência-competência, é o árbitro que tem competência, em primeiro lugar, para decidir sobre a sua própria competência. ( )

10) É válida a cláusula de convenção do condomínio outorgada pela própria construtora que prevê a redução da taxa condominial das suas unidades imobiliárias ainda não comercializadas. ( )

11) A concessão de guarda do menor implica destituição do poder-dever familiar dos pais para representá-lo em juízo. ( )

12) O fato de o representante legal do menor, autor de execução de alimentos, possuir atividade remunerada não pode, por si só, servir de empecilho à concessão da gratuidade de justiça. ( )

13) (MP/PI 2019 CEBRASPE) O benefício da gratuidade de justiça não poderá ser concedido a estrangeiro não residente no Brasil. ( )

14) (PGM João Pessoa 2018 CEBRASPE) O pedido de gratuidade da justiça pode ser feito na inicial ou na contestação, porém, mesmo que deferido, não afastará das partes a responsabilidade pelos honorários advocatícios decorrentes da sucumbência. ( )

15) (DPE/MG 2019 Fundep) A decisão que indefere a justiça gratuita independe de prévia oitiva da parte interessada, na medida em que o CPC não garante presunção de veracidade da alegação de pobreza firmada por pessoa natural. ( )

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16) Aquele que renuncia a herança não tem legitimidade para pleitear eventual nulidade de negócio jurídico que envolva um dos bens que integram o patrimônio do de cujus. ( )

17) (Juiz TRF3 2015) São irrevogáveis os atos de aceitação ou de renúncia da herança. ( ) 18) (MP/PR 2016) A renúncia da herança deve ser feita por instrumento público ou termo judicial. ( ) 19) Em caso de cobrança judicial indevida, é possível aplicar a sanção prevista no art. 940 do Código Civil

mesmo sendo uma relação de consumo. ( ) 20) (PGM Manaus 2018 CEBRASPE) De acordo com a jurisprudência do STJ e as disposições do Código Civil,

uma vez ajuizada ação de cobrança de dívida já paga, o direito do requerido à restituição em dobro prescindirá da demonstração de má-fé do autor da cobrança. ( )

21) (MPE/SC 2019) O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. ( )

22) (MP/TO 2012 CESPE) Segundo o direito consumerista brasileiro, o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que lhe tiver sido cobrado em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. ( )

23) (Juiz TJPR 2014): Segundo o contido no art. 42, parágrafo único do CDC, o consumidor cobrado por quantia indevida, tem direito a repetição do indébito do valor em dobro ao que pagou em excesso, porém, se o engano para tal cobrança for justificável não cabe a repetição em dobro. A prova de que o engano é justificável cabe ao fornecedor, haja vista que a matéria é de defesa. ( )

24) O cômputo do período de dois anos de exercício da atividade econômica, para fins de recuperação judicial, nos termos do art. 48 da Lei nº 11.101/2005, aplicável ao produtor rural, inclui aquele anterior ao registro do empreendedor. ( )

25) (Delegado PC/BA 2018 VUNESP) Poderá requerer a recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades empresariais pelo período mínimo de seis meses. ( )

26) O requerimento de inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes, nos termos do que dispõe o art. 782, § 3º, do CPC/2015, não depende da comprovação de prévia recusa administrativa das entidades mantenedoras do respectivo cadastro. ( )

27) (Analista TRF2 2017 CONSULPLAN) O CPC/15 permite que o nome do devedor executado seja incluído pelo juiz, a requerimento do exequente, em cadastro de inadimplentes. ( )

28) Tratando-se de condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais, não é possível exigir do cônjuge meeiro, que não integrou a relação processual da lide originária, a comprovação de que a dívida executada não foi contraída em benefício do casal ou da família. ( )

29) O administrador que desconta valores da folha de pagamento dos servidores públicos para quitação de empréstimo consignado e não os repassa a instituição financeira pratica peculato-desvio, sendo necessária, contudo, a demonstração de obtenção de proveito próprio ou alheio. ( )

30) (Juiz Federal TRF2 2017) O particular que auxilia materialmente a prática de crime de peculato-desvio por seu amigo, que sabe ser servidor, responderá por apropriação indébita, tendo em vista lhe faltar a qualidade de funcionário público. ( )

Gabarito

1. C 2. C 3. Letra A 4. E 5. E 6. C 7. C 8. C 9. C 10. E

11. E 12. C 13. E 14. C 15. E 16. C 17. C 18. C 19. C 20. E

21. C 22. E 23. C 24. C 25. E 26. C 27. C 28. C 29. E 30. E