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VARIABILIDADE E SUSCETIBILIDADE CLIMÁTICA: Implicações ecossistêmicas e sociais
25 a 29 de outubro de 2016 Goiânia (GO)/UFG
INFLUÊNCIA DA INTERAÇÃO OCEANO-ATMOSFERA SOBRE O EVENTO
EXTREMO DE PRECIPITAÇÃO DURANTE O PERÍODO SECO EM SANTOS-SP:
UM ESTUDO DE CASO
ÁVYLLA EUZÉBIO DE OLIVEIRA1
GYRLENE APARECIDA MENDES DA SILVA2
Resumo: O objetivo deste trabalho foi analisar a influência da interação oceano-atmosfera sobre o evento extremo mais intenso de precipitação ocorrido durante o inverno (junho, julho, agosto) que é o período climatologicamente mais seco na região de Santos. Foi analisada a climatologia para o inverno de precipitação, Temperatura da Superfície do Mar (TSM), vento em altitude e superfície e Pressão ao Nível Médio do Mar (PNMM) para os invernos de 1950-2014. Para a seleção do inverno extremo mais chuvoso foi aplicada uma análise estatística na série temporal de precipitação sobre a região de Santos. Foi observado o inverno de 2009 como o mais chuvoso do período estudado, o diagnóstico do comportamento da interação física entre o oceano e a atmosfera revelou a influencia do El Niño neste evento. Um estudo diagnóstico como este permite a colaboração para futuras tomadas de decisões por parte da defesa civil ou da própria população no sentido de se precaver aos impactos destes extremos. Palavras Chave: extremo chuvoso, Santos, interação oceano-atmosfera, inverno, El Niño.
Abstract: The purpose of this study was to analyze the impact of the ocean-atmosphere interaction associated with the rainy extreme event occurred during the winter (June , July, August ) that is the climatological dry period over the Santos city/Brazil. The monthly data of precipitation rainfall, Sea Surface Temperature (SST), wind at altitude and surface and Mean Sea Level Pressure (SLP) were analyzed during the winterfrom the 1950-2014 period. For the detection of the wettest winter in terms of extreme was applied a statistical analysis on the time series of precipitation over the Santos City. The results show that the wettest winter occurred during the 2009 year. The diagnosis of physical interaction between the ocean and atmosphere revealed the influence of El Niño on this event. A diagnostic study as the present here can to collaborate with future decision making by the civil defense or the population in order to minimize the impact of these extremes. Keywords: Rainy extreme, Santos, ocean-atmosphere interaction, winter, El Niño.
1 - Introdução
Com a escassez contínua de chuvas em certas áreas os lagos secam, as vazões dos
rios diminuem e o abastecimento de água potável é reduzido, dificultando as opções de
conservação e esgotando as reservas de água potável (Marengo, 2009). No entanto, com os
extremos de chuva em outras áreas os resultados são enchentes, alagamentos, destruição
de moradias, de comércios, de rodovias, de redes de comunicação e energia, entre outros.
Episódios de chuvas intensas tem se tornado cada vez mais preocupantes, especialmente
1 Bacharel Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia do Mar pelo Departamento de Ciências do
Mar/Universidade Federal de São Paulo. Bolsista de Iniciação Científica do CNPq.Email de
contato: [email protected] . 2 Docente do Departamento de Ciências do Mar/Universidade Federal de São Paulo.
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pelos danos socioeconômicos decorrentes. Fatores geoambientais e a falta de infraestrutura
das cidades também podem contribuir com o aumento dos impactos relacionados aos
extremos de chuva/precipitação. A cidade de Santos (23°S-25°S; 48°W-45.5°W) está
localizada na região da Baixada Santista no estado de São Paulo, região Sudeste do Brasil.
As estações chuvosa (dezembro, janeiro, fevereiro) e seca (junho-julho-agosto) são bem
definidas.
A estação chuvosa tem um regime típico de monção em que domina a Zona de
Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) que está associada à fase madura do Sistema de
Monção da América do Sul em que a zona de aquecimento migra para os subtrópicos onde
ocorrem os máximos de precipitação desde o sul da Amazônia até o Sudeste do Brasil
(Silvaet al., 2009).
A convergência dos ventos em baixos níveis, em conjunto com a intensa advecção
de umidade para sul entre a baixa continental e a Alta Subtropical do Atlântico Sul (ASAS) e,
adicionalmente, a convergência do fluxo de umidade oriunda dos transientes resultam na
precipitação na região da ZCAS (Vasconcelos, 2008). Além disso, a ZCAS é mais
persistente quando ocorre um deslocamento do Jato Subtropical de altos níveis, tomando
uma posição mais a oeste do oceano Atlântico Sul, esse deslocamento ocorre
principalmente durante as fases quentes do El niño (Carvalho e Jones 2009). Em regiões
dos oceanos tropicais onde as anomalias positivas de TSM são muito altas há um aumento
da evaporação, e em altos níveis a resposta a esse aumento é a presença de um trem de
onda perturbando o escoamento de ventos em altos níveis e com resposta em superfície
(Silva, 2015). Os trens de onda são gerados a partir de uma perturbação que força o
escoamento a deslocar-se latitudinalmente, com uma variação da força de Coriolis
(Cavalcanti e Ambrizzi, 2009). O trem de ondas originado pela interação oceano-atmosfera
implica em anomalias de circulação atmosférica em determinadas regiões da Terra, assim
através deles, uma bacia oceânica remota pode alterar o clima da América do Sul. Santos,
por se tratar de uma cidade litorânea, é fortemente influenciada localmente pelo Oceano
Atlântico, que garante o aporte de água para evaporação, além de núcleos de condensação
que, associados ao intenso fluxo de energia solar, contribuem para a ocorrência de
precipitações (Nunes et al., 2009).
Neste estudo foi analisado o impacto da interação oceano-atmosfera no evento
extremo de precipitação em Santos durante a estação seca (junho-julho-agosto, JJA) de
forma interdisciplinar envolvendo a integração das áreas de meteorologia e oceanografia.
Uma abordagem estatística para detecção do evento extremo e o uso de programação
computacional para explicar fisicamente o evento foram essenciais. Analisar o
comportamento da interação física entre oceano-atmosfera na ocorrência de extremos de
chuva é de suma importância, considerando principalmente que a região em estudo é um
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litoral, possui topografia complexa e é bastante populosa. Sabemos que casos de extremos
de chuva estão relacionados a desastres naturais, assim, este tipo de informação pode vir a
auxiliar a futuras tomadas de decisão, por parte da defesa civil ou da própria população no
sentido de se precaver aos impactos de eventos extremos. O objetivo deste trabalho foi
analisar o impacto da relação oceano-atmosfera em um evento extremo de precipitação
ocorrido durante o inverno (JJA) que é o período climatologicamente mais seco na região da
Baixada Santista.
2 - Material e métodos
O período de dados em análise compreende a estação de inverno do Hemisfério Sul
de 1950-2014. Em posse da posição geográfica da cidade de Santos (23°S-25°S; 48°W-
45.5°W) foram obtidos os dados mensais de precipitação com resolução espacial de 0.5°
de latitude-longitude descritos em Chen et al. (2002). Os dados de TSM (Smith et al.,
2008)são derivados do conjunto ERSST. v3, vento em superfície (850hPa) e altitude
(200hPa) e PNMM (Kalnay et al.1996) também foram obtidos para o mesmo período com
resolução de 2,5° de latitude e longitude.
A linguagem de programação utilizada para obtenção dos dados foi a Ingrid e está
disponível através da plataforma on-line “Data Library” do “International Research Institute
for Climate and Society”. O comportamento climatológico da precipitação e das demais
variáveis obtidas foi calculado e descrito sempre com foco na América do Sul.
A análise estatística da série temporal de precipitação sobre a região de estudo foi
realizada para verificação da média, tendência, anomalias e valores extremos com base na
distribuição de frequência. O software Excel foi utilizado nesta etapa, o objetivo foi à
familiarização com as etapas de construção de equações estatísticas que é feita de maneira
mais detalhada usando este software. Isto permite um maior entendimento sobre as
equações utilizadas e facilitando assim, a interpretação dos resultados. Para a análise
dinâmica através da técnica de composição de anomalias mensais foi utilizada a ferramenta
GrADS de uso livre. Realizou-se uma análise estatística, na qual foram quantificadas as
ocorrências dos eventos extremos de precipitação acima da média (intensidade, frequência
e tendência) durante o período climatologicamente mais seco sobre a região em análise.
Foram descritas as variações interanuais e interdecadais, bem como a distribuição
de frequência dos valores da série. O ano no qual apresentou o inverno com valor extremo
de precipitação acima da média através da anomalia positiva padronizada mais intensa foi
selecionado para análise. O critério de escolha foi para o extremo chuvoso localizado entre
a média e três desvios-padrão acima da média. O comportamento anômalo durante o
inverno extremo selecionado foi descrito no estudo. A técnica de composição de anomalias
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adotada nesta parte do estudo também utilizada em Silva et al. (2009, 2011) e consiste em
compor apenas os campos atmosféricos e oceânicos anômalos que foram dominantes em
situações selecionadas. No presente estudo, a situação refere-se ao inverno selecionado a
partir da análise estatística anteriormente descrita. Desta forma, foram compostos os
campos de anomalias de circulação atmosférica e oceânica para o inverno em questão para
verificar o quão diferente estes foram em relação à média climatológica.
3 – Resultados
A distribuição climatológica (média) da precipitação sobre o Brasil baseada em 65
anos para os meses de junho, julho e agosto está ilustrada na Figura 1.
Os valores máximos ocorrem na porção norte do Brasil e um segundo máximo
ocorre no sul do Brasil e litoral leste do Nordeste, enquanto que, nas demais regiões do
País ocorrem os valores mínimos. Na análise estatística, a média da série temporal de
precipitação sobre a região de Santos foi de 2,04 mm/dia durante o inverno e isto
representa um acumulado de 187,68 mm de chuva no trimestre.
Figura 1 Climatologia da precipitação do período do inverno durante 1950 e 2014 sobre o Brasil. Contornos a cada 2 mm/dia.
Podemos observar na Figura 2 que as águas superficiais mais quentes
representadas pela TSM estão localizadas na região equatorial com valores maiores ou
iguais a 26°C. Percebe-se também um acúmulo de águas mais quentes no oceano Atlântico
Sudoeste próximo à região de estudo com valores entre 20-24°C. As águas superficiais
mais frias estão posicionadas mais ao sul do oceano Atlântico Sudoeste e vizinhanças do
continente Sul Americano cujos valores são inferiores a 20°C.
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Figura 2 Climatologia da TSM para o período do inverno durante 1950 e 2014. Contornos a cada 2°C.
Outro padrão climatológico é mostrado na Figura 3 e é referente à PNMM em que há
predominância de altas pressões nos subtrópicos do Hemisfério Sul e sobre o Hemisfério
Norte apenas sobre os oceanos Atlântico e Pacífico. Percebe-se que há uma menor
heterogeneidade de PNMM no Hemisfério Norte, devido ao efeito da continentalidade.
Estes anticiclones semipermanentes são gerados a partir da Circulação Geral da
Atmosfera. Sobre os oceanos Atlântico Norte e Sul, as altas pressões se referem à Alta
Subtropical do Atlântico Norte e Sul, respectivamente, que originam os ventos alísios de
nordeste (no Hemisfério Norte) e sudeste (no Hemisfério Sul) e que são responsáveis pelo
transporte de umidade dos oceanos tropicais para o interior dos continentes. Os ventos
alísios se deslocam de ambos os hemisférios para a região de baixa pressão climatológica
em torno do Globo, a Zona de Convergência Intertropical, que fica na região equatorial
explicando os máximos de precipitação durante o inverno sobre o norte do País. Os
menores valores de PNMM são encontrados entre 50º-70º de latitude no Hemisfério Sul.
Figura 3 Climatologia da Pressão ao Nível Médio do Mar para o período do inverno durante 1950 e 2014. Contornos a cada 10 hPa.
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A Figura 4 ilustra o padrão climatológico dos ventos em altitude (200 hPa,
aproximadamente 11769.9m) em que os contrastes de temperatura na superfície produzem
maiores gradientes de pressão em altitude e consequentemente ventos mais rápidos na
camada superior da atmosfera. A velocidade do vento neste nível também sofre influência
da ausência de atrito, diferentemente da superfície em que a topografia local pode bloquear
ou desviar os ventos, a intensidade do vento em altitude varia de 4 m/s a 48 m/s. Como no
inverno os contrastes de temperatura entre subtrópicos e extratrópicos são intensos, os
ventos de oeste em latitudes médias são mais intensos no Hemisfério Sul do que no
Hemisfério Norte. Sobre o Sul do Brasil nota-se a presença de uma região com ventos de
oeste intensos conhecida como Jato Subtropical.
Figura 4 Climatologia do vento em altitude (200 hPa) para o período do inverno durante 1950
e 2014, valores em m/s.
Em posse das médias climatológicas foi realizado o cálculo das anomalias de
precipitação sobre a cidade de Santos, subtraindo cada uma das médias da estação de
inverno de cada ano da média climatológica de inverno dos 65 anos de dados. A Figura 6
mostra que a anomalia negativa de precipitação mais intensa ocorreu em 1963, enquanto
que a anomalia positiva mais intensa ocorreu em 2009. No inverno deste ano a média foi de
3,96 mm/dia. A série apresentou uma variabilidade interanual, pois as anomalias positivas e
negativas se alternam em períodos de 1 a menos de 10 anos. Também é possível notar que
há tendência ligeiramente positiva das anomalias indicando que os valoresnegativos
tenderam a ser mais fracos sobre a cidade de Santos ao longo dos anos.
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Figura 6 Anomalia de precipitação (mm/dia) para o período de inverno durante 1950 e 2014 sobre a localidade de Santos (23°S-25°S; 48°W-45.5°W).
A distribuição de frequência de precipitação é ilustrada na Figura 7. Esta apresenta
maior frequência no intervalo entre a média e menos 1 desvio padrão da série. As menores
frequências existem à medida que se observa as extremidades do gráfico. O valor médio da
série de precipitação sobre Santos está entre 1,37 mm/dia (média menos 1 desvio padrão) e
2,72 mm/dia (média mais 1 desvio padrão). A anomalia positiva (extrema) se encontra na
extremidade mais a direita equivalente a 4,07 mm/dia (média mais 3 desvios padrão).
O ano escolhido para análise se encontra na extremidade positiva (à direita) onde se
obteve um valor de precipitação com o valor da média mais 3vezes o desvio padrão da
série. Neste intervalo de frequência, se encontram os invernos de 1983 com a média de
3,49 mm/dia e 2009 com média de 3,96 mm/dia. Deste modo o ano escolhido para o estudo
de extremo foi o que apresentou o maior valor da anomalia em relação à média
climatológica, ou seja, o ano de 2009 sendo este o ano com o inverno mais extremo
chuvoso da série em análise, representando um acumulado trimestral de 364,32 mm.
-2-1,5
-1-0,5
00,5
11,5
2
JJA
19
50
JJA
19
52
JJA
19
54
JJA
19
56
JJA
19
58
JJA
19
60
JJA
19
62
JJA
19
64
JJA
19
66
JJA
19
68
JJA
19
70
JJA
19
72
JJA
19
74
JJA
19
76
JJA
19
78
JJA
19
80
JJA
19
82
JJA
19
84
JJA
19
86
JJA
19
88
JJA
19
90
JJA
19
92
JJA
19
94
JJA
19
96
JJA
19
98
JJA
20
00
JJA
20
02
JJA
20
04
JJA
20
06
JJA
20
08
JJA
20
10
JJA
20
12
JJA
20
14
An
om
alia
de
pre
cip
itaç
ão
(mm
/dia
)
Ano
Anomalia Linear (Anomalia)
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Figura 7 Distribuição da Frequência de Precipitação, onde m=média e desv= desvio padrão.
Para analisar espacialmente o quanto a precipitação e TSM durante o inverno de
2009 foram diferentes das médias climatológicas foram calculadas as devidas anomalias
destas variáveis (Figuras 8 e 9, respectivamente). Anomalias negativas de precipitação de
até -3.2 mm/dia ocorreram principalmente sobre extremo norte do continente sul americano
e de até aproximadamente -1.6 mm/dia, sobre a parte sul da região Sul do Brasil. Ao sul da
região Centro-Oeste, centro-sul da região Sudeste do Brasil e parte norte da região Sul,
houve predominância de anomalias positivas de precipitação. Sobre a região litorânea do
estado de SP as anomalias foram ligeiramente superiores a 1mm/dia, inclusive sobre a área
de estudo onde fica a região de Santos.
Em termos de chuva, 2009 foi um ano anômalo em todas as regiões do Brasil, pois
onde climatologicamente ocorre chuva com maior intensidade (Figura 1), que seria nas
regiões Sul, litoral do Nordeste e Norte do Brasil foi onde se localizaram as anomalias
negativas, ou seja, a chuva nessas regiões foi abaixo da média climatológica. No caso da
região em estudo, climatologicamente mais seca no período estudado, houve predomínio de
anomalias positivas de precipitação em JJA de 2009.
O inverno selecionado como sendo o mais extremo chuvoso em Santos foi o que
apresentou uma anomalia mais intensa em relação à média, ou seja, o de 2009, este pode
ser observado claramente na Figura 6. A Figura 8 corrobora com os dados obtidos da
análise estatística, indicando que houve anomalia positiva de precipitação sobre a região de
Santos, mas, que se estendeu sobre todo o estado de São Paulo.
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Figura 8 Anomalia de precipitação para o inverno de 2009 selecionado. Contornos a cada 0.4mm/dia. Valores positivos (negativos) estão em linhas contínuas (pontilhadas).
Na Figura 9 temos a anomalia da TSM sobre o Globo no inverno de 2009 em que se
percebe uma concentração de águas mais quentes que a climatologia (Figura 2)no oceano
Pacífico Equatorial, sobre a faixa central e leste. Mais a sudeste do Oceano Pacífico,
próximo ao Chile, é observado outro núcleo de anomalias positivas de TSM, e com valores
opostos ao sul formando assim uma região de dipolo de TSM. Outro dipolo também é
observado nas vizinhanças do cone sul da América do Sul. Na maior parte das faixas
tropical e subtropical, nos oceanos Índico e Pacífico Norte predominam anomalias positivas
de TSM. Sobre o Atlântico Sul as anomalias estiveram dentro da média ou ligeiramente
acima na maior parte da bacia. A presença de águas mais quentes no centro-leste do
Oceano Pacífico Equatorial (Figura 9) indica que houve a existência de um evento El Niño.
Conforme descrito por Grimm (2009), durante a ocorrência de El Niño, a TSM do
Oceano Pacífico Equatorial Central e Leste permanece mais quente que o normal,
aumentando a convecção atmosférica nessas regiões. O aumento da convecção favorece a
formação de nuvens e liberação de calor latente para a atmosfera, isto produz uma
expansão da coluna atmosférica e divergência em altos níveis.
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Figura 9 Anomalia da TSM durante o inverno de 2009, contornos a cada 0,25ºC. (Fonte: ESRL/PSD/NOAA). Valores positivos (negativos) estão em linhas contínuas (pontilhadas).
Sobre a mesma região onde se identificou a presença do El Niño, temos o início da
presença de PNMM ligeiramente abaixo da normal no extremo leste do Oceano Pacífico
Equatorial. A TSM se apresentou ligeiramente acima da normal em parte da região central e
leste e com anomalias negativas na região central e oeste. Este é um indicativo de que a
PNMM na região equatorial ainda esteve respondendo as anomalias de TSM relativas ao El
Niño em fase inicial durante JJA de 2009 (Figura 10). Nas regiões de latitudes entre 30° e
60°, temos uma alternância de anomalias positivas e negativas de pressão.
Figura 10 Anomalia da Pressão a Nível Médio do Mar durante o inverno de 2009, contornos a cada 1hPa, iniciados com 0,25 hPa.,Valores positivos (negativos) estão em linhas contínuas (pontilhadas).
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A circulação anômala em altos níveis apresenta uma configuração de trem de ondas
originado a partir do Oceano Pacífico Equatorial, caracterizado por um par deanticiclones
anômalos nos trópicos em ambos os hemisférios sobre o Oceano Pacífico entre 180°W-
120°W. A partir dos anticiclones se alternam ciclones e anticiclones anômalos
caracterizando um trem de onda. No Hemisfério Sul o trem se propaga até latitudes médias
e atinge a porção sul do Brasil e Argentina e oceano Atlântico (Figura 11).
A trajetória do posicionamento dos anticiclones e ciclones anômalos em altos níveis
sobre os oceanos Pacífico e Atlântico devido às anomalias positivas de TSM que
caracterizam o El Niño é indica pela curvapreta na figura.
Figura 11 Anomalia de vento em altos níveis (200 hPa) durante o inverno de 2009, valores em m/s. A curva preta indica a trajetória do trem de ondas.
A precipitação intensa de 2009 na região de Santos teve influência remota devido à
configuração do El Niño no Oceano Pacífico Equatorial centro-leste. As anomalias de TSM,
PNMM, velocidade do vento em altitude e em superfície contribuíram para a anomalia
positiva de precipitação.Dados sobre os impactos da precipitação foram disponibilizados
pela Defesa Civil mostraram uma grande quantidade de ocorrências registradas no período
de estudo, a maioria relacionada com quedas de árvores, que podem ter acarretado em
outros problemas para a cidade. Deslizamento de terra e pedras e moradias com risco de
ruir também foram registrados, assim como outras ocorrências.
Devido ao grande volume de chuva registrado durante esse período, as
repercussões foram observadas no jornal “A Tribuna” e no “Diário Oficial de Santos”. Dentre
os impactos causados em toda a cidade os jornais destacaram que o índice pluviométrico
alcançou o recorde de 15 anos na região, neste estudo foi identificado que o período do
recorde foi de 65 anos. Além disso, as chuvas geraram outros prejuízos aos cidadãos
através das quedas de árvores e prejuízos no turismo, já que a intensa precipitação
influenciou na qualidade da água do mar.
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Figura 12 Repercussão na imprensa dos episódios de precipitação em Santos. Fonte: Jornal
A Tribuna, 30/07/2009, A-7.
4 - Conclusões
Os resultados deste estudo sugeriram que a frequência de invernos considerados
muitos chuvosos na cidade de Santos tenderam a um ligeiro aumento ao longo dos anos.
Comparando todas as médias e anomalias, podemos concluir que a precipitação extrema na
cidade de Santos em 2009, esteve associada a conjunto de fatores da interação física entre
o oceano e a atmosfera, e que tiveram clara relação com o El Niño existente durante o
período anômalo.
Em geral, o El niño tem seu início de formação durante parte do outono/inverno do
Hemisfério Norte, e apresenta impactos mais expressivos sobre a América do Sul no verão.
Com base nos resultados, observou-se que o inverno de 2009 respondeu simultaneamente
(dentro do trimestre das anomalias de TSM e chuva) ao evento El Niño. Esta resposta
simultânea também se deve ao fato de que o Oceano Atlântico esteve em condições
próximas da média em termo de TSM. Assim, o Oceano Pacífico Equatorial dominou em
relação ao oceano Atlântico Sul no que diz respeito a favorecimento das anomalias de
circulação e chuva sobre a América do Sul. As chuvas intensas provocaram impactos
negativos na região de estudo, e foi identificado que as chuvas são decorrentes de
diferentes sistemas atmosféricos de escala local e remota e de sua interação com o oceano.
Sendo assim, é uma tarefa complexa estabelecer padrões para estas ocorrências, isto
dificulta o planejamento por parte dos órgãos responsáveis em ações de prevenção de
desastres. Isto só reforça que estudos diagnósticos de extremos climáticos devem cada vez
mais merecer atenção, pois extremos podem estar associados a diferentes configurações de
anomalias de interação oceano-atmosfera.
Este estudo de caso pode ser futuramente ampliado para um período mais longo de
pesquisa permitindo uma análise exploratória mais detalhada da variabilidade climática e
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possíveis sinais de mudança climática, inclusive, com uso de modelagem numérica do
clima. Além disso, o foco da pesquisa foi investigar a relação de impacto do oceano que
tenha propiciado o extremo de precipitação selecionado a partir de uma série temporal em
um período climatológico mais seco. Isto permite adicionar um maior entendimento sobre a
complexa dinâmica que governa os processos atmosféricos.
Agradecimentos: CNPq pelo financiamento da bolsa de IC (4770256870254344),
Defesa Civil de Santos, International ResearchInstitute for Climate and Society, Jornal A
Tribuna e Diário Oficial de Santos.
Referências
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