infÂncia pobre e eugenia no maranhÃo nas primeiras dÉcadas do sÉculo xx

9
INFÂNCIA POBRE E EUGENIA NO MARANHÃO NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX Kilza Fernanda Moreira de Viveiros (UFRN/UFMA) [email protected] Marlúcia Menezes de Paiva (UFRN) [email protected] O início do século XX no Brasil é marcado por mudanças no campo histórico e social que se originaram com o advento da Proclamação da República. Relacionadas a um contexto maior de expansão econômica, civilizar a sociedade nos levaria à igualdade aos países europeus num projeto moderno que, “libertaria o Brasil de seus resquícios rurais-colônias.” (HERSCMANN & PEREIRA, 1994). Associadas à idéia modernizadora, conhecimentos científicos no campo das ciências médicas, no campo educacional e na engenharia, constituíam-se a base de formação da identidade nacional. Nessa perspectiva, este estudo toma por objeto os dois primeiros campos do projeto de sociedade moderna tendo em vista o relacionamento entre ambos à construção de novos comportamentos que ocasionaria em um novo paradigma de identidade e cultura nacional. Nesse âmbito as noções de “moderno” e “modernização” se firmam com a idéia de progresso, caracterizado pelos discursos intelectuais e pelos projetos de intervenção junto à sociedade. Assim, a modernidade exigiria um quadro institucional possível à transformação da realidade do país a partir dos campos da saúde, da educação e da engenharia. Nessa esfera, é importante compreendermos que a modernidade é um conceito histórico que difere do sentido original da palavra e surgido com o Iluminismo, tendo tido seu ápice nos dois últimos séculos (SILVA & SILVA, 2005). Para o historiador Jacques Lê Goff (1993), “a idéia de modernidade surge quando há um sentimento de ruptura com o passado”, e nesse sentido, podemos dizer que a modernidade é um conjunto amplo de modificações na estrutura da sociedade a partir da instituição de novos padrões de valores e, conseqüentemente, a aquisição de novos comportamentos. De acordo com a afirmação de Jacques Lê Goff (1993), o conceito de modernidade está estritamente vinculado ao pensamento ocidental, sendo um processo de racionalização que atinge as esferas da economia, da política e da cultura. Desta forma a empregabilidade dos termos moderno e modernização, nesta construção, vem ao encontro das transformações ocasionadas na sociedade brasileira a partir do primeiro quartel da república na tentativa de incorporar as inovações do capitalismo europeu originado a partir do século XIX. Com base nessa compreensão e inserido na temporalidade histórica a que propomos este estudo - primeiras décadas do século XX - esses vocábulos expressam o movimento de radicar o modelo urbano-industrial, típico do processo de implantação da urbis nas capitais do Brasil durante a saga do higienismo. Pontuada neste contexto, objetivamos enfatizar a importância da criação de Instituições sociais que tinham por finalidade a expressão do projeto republicano

Upload: paulo-datrindade-nerys-silva

Post on 10-Nov-2015

213 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

O início do século XX no Brasil é marcado por mudanças no campo histórico e social que se originaram com o advento da Proclamação da República. Relacionadas a um contexto maior de expansão econômica, civilizar a sociedade nos levaria à igualdade aos países europeus num projeto moderno que, “libertaria o Brasil de seus resquícios rurais-colônias.”

TRANSCRIPT

  • INFNCIA POBRE E EUGENIA NO MARANHO NAS PRIMEIRAS DCADAS DO SCULO XX

    Kilza Fernanda Moreira de Viveiros (UFRN/UFMA) [email protected]

    Marlcia Menezes de Paiva (UFRN) [email protected]

    O incio do sculo XX no Brasil marcado por mudanas no campo histrico e social que se originaram com o advento da Proclamao da Repblica. Relacionadas a um contexto maior de expanso econmica, civilizar a sociedade nos levaria igualdade aos pases europeus num projeto moderno que, libertaria o Brasil de seus resqucios rurais-colnias. (HERSCMANN & PEREIRA, 1994).

    Associadas idia modernizadora, conhecimentos cientficos no campo das cincias mdicas, no campo educacional e na engenharia, constituam-se a base de formao da identidade nacional. Nessa perspectiva, este estudo toma por objeto os dois primeiros campos do projeto de sociedade moderna tendo em vista o relacionamento entre ambos construo de novos comportamentos que ocasionaria em um novo paradigma de identidade e cultura nacional.

    Nesse mbito as noes de moderno e modernizao se firmam com a idia de progresso, caracterizado pelos discursos intelectuais e pelos projetos de interveno junto sociedade. Assim, a modernidade exigiria um quadro institucional possvel transformao da realidade do pas a partir dos campos da sade, da educao e da engenharia.

    Nessa esfera, importante compreendermos que a modernidade um conceito histrico que difere do sentido original da palavra e surgido com o Iluminismo, tendo tido seu pice nos dois ltimos sculos (SILVA & SILVA, 2005).

    Para o historiador Jacques L Goff (1993), a idia de modernidade surge quando h um sentimento de ruptura com o passado, e nesse sentido, podemos dizer que a modernidade um conjunto amplo de modificaes na estrutura da sociedade a partir da instituio de novos padres de valores e, conseqentemente, a aquisio de novos comportamentos.

    De acordo com a afirmao de Jacques L Goff (1993), o conceito de modernidade est estritamente vinculado ao pensamento ocidental, sendo um processo de racionalizao que atinge as esferas da economia, da poltica e da cultura.

    Desta forma a empregabilidade dos termos moderno e modernizao, nesta construo, vem ao encontro das transformaes ocasionadas na sociedade brasileira a partir do primeiro quartel da repblica na tentativa de incorporar as inovaes do capitalismo europeu originado a partir do sculo XIX.

    Com base nessa compreenso e inserido na temporalidade histrica a que propomos este estudo - primeiras dcadas do sculo XX - esses vocbulos expressam o movimento de radicar o modelo urbano-industrial, tpico do processo de implantao da urbis nas capitais do Brasil durante a saga do higienismo.

    Pontuada neste contexto, objetivamos enfatizar a importncia da criao de Instituies sociais que tinham por finalidade a expresso do projeto republicano

  • moderno no territrio nacional, em especfico na capital do Estado do Maranho, tomando como referncia o Instituto de Assistncia Infncia (1911-1939).

    Criado sob a responsabilidade privada, essa Instituio instaurava um modelo de assistncia filantrpica ao atendimento de crianas pobres e suas respectivas famlias na capital do Maranho.

    Atravs de servios mdicos, o referido Instituto organizava prticas de eugenia, se tornando um lcus de docilizao de corpos (FOUCAULT, 1987), com a pretenso de tornar o sujeito criana harmnico ao sistema social da poca.

    Assim a infncia e a criana (VIVEIROS, 2006) pobre se tornavam o alvo nova norma social atravs deste Instituto, que atravs de suas aes, expressava sua preocupao nos campos mdico e educativo, na perspectiva de preparar uma futura sociedade mais saneada, livre de epidemias e desenvolvida.

    Sob a premissa de defender e cuidar da infncia pobre no Maranho, no incio do sculo XX e, considerando as singularidades locais e do Instituto de Assistncia Infncia, que este estudo se sustenta em abordagens tericas da histria social da infncia por concentrar esforos na descrio e anlise das condies de vida de crianas pobres do centro urbano e perifrico de So Lus.

    Da que a nossa compreenso de criana pobre perpassa o perodo da nossa construo, em que o vocbulo se referia criana desvalida como quela que se encontra desprotegida, desamparada, pobre, desgraada, com falta ou perda de favor, de proteo, de valimento (DICCIONRIO CONTEMPORNEO DA LNGUA PORTUGUEZA,1881).

    Nessa esfera a eugenia, enquanto base da compreenso do higienismo se tornava um dos fundamentos do projeto republicano, que almejava uma sociedade melhor e livre das enfermidades que se alastravam pelo pas, bem como dos modos que conduziam a elas.

    Estas doenas, por sua vez, estavam associadas aos ndices de pobreza, s condies de vida insalubres, falta de higiene, sade e saneamento.

    Assim a preocupao com a sade, a higiene e o saneamento estava vinculada s grandes epidemias ocorridas nas principais cidades do Imprio a partir da primeira metade dos oitocentos.

    Fundamentada na tese de que o campo da higiene buscava promover a melhoria das condies de salubridades da populao, as prticas higinicas se tornavam, poca, a materializao dos saberes no campo mdico valorizados a partir de ento.

    Constituindo-se um dos campos mais importantes da medicina social, consolidado na sociedade ocidental ao longo do sculo XIX, a higiene marcou o aparecimento da preocupao sanitria com o meio urbano.

    No Brasil o surgimento dessa preocupao esteve associado aos grandes surtos epidmicos como o da clera e da febre amarela, que arrasaram as principais cidades do Imprio na primeira metade dos oitocentos.

    Foi nessa situao que surgiram aes mediadas pela criao de rgo governamental no campo da higiene pblica, cuja finalidade era detectar os problemas, elaborando propostas de interveno na rea de sade pblica, que se caracterizou como espao de divergncias entre teorias cientficas do campo mdico.

    Assim os estudos no campo da higiene buscavam promover a melhoria das condies de vida saudvel, no apenas na Corte, mas em toda a sua extenso imperial atravs de formulaes de polticas pblicas.

    Nesse sentido, o campo mdico se organizou e se estruturou a partir da publicao de suas teses, da participao de mdicos nos meios de comunicao e

  • criando representaes junto sociedade e ao poder governamental durante o Imprio e a Repblica.

    nesse cenrio que o projeto de transformar a sede administrativa e as cidades em lugares higienizados e ordenados passou a fazer parte do projeto republicano brasileiro. O saneamento passava ser a ordem, trazendo consigo a necessria construo de rede de esgotos, construo de sistemas de abastecimento de gua encanada, retiradas de cemitrios dos permetros urbanos das cidades, organizao de vias de acesso pavimentadas, entre outras aes que refletiram na aquisio de novos comportamentos e costumes.

    Relacionado a todo esse movimento chamado sanitarista deflagrado a partir do perodo republicano no Brasil, que o campo mdico se consolidou, constituindo-se, ento, a base social atravs de um discurso, cujo atributo principal era conferir legitimidade s suas aes e interesses cientfico-polticos.

    Conseqentemente o tema da legitimidade cientfica foi obscurecido pela literatura que tratava as relaes entre a medicina e a sociedade no Brasil nos sculos XIX e XX. A tendncia de caracterizar a medicina como campo de poder disciplinar (FOUCAULT, 2006), e os mdicos como elaboradores de estratgias (CERTEAU, 1994) de medicalizao destinadas a organizar as populaes urbanas, predominavam nesses trabalhos.

    Ainda sobre a legitimidade, no campo da histria da cincia no Brasil, ela surge como questo subjacente s aes da comunidade cientfica (BRITTO, 1995), que ante s oscilaes da sociedade cumpre um papel fundamental no processo de institucionalizao de suas atividades.

    No Maranho esse campo comeou a se organizar a partir da proclamao da repblica, mas precisamente entre 1892 e 1896, quando o governador, o Capito-tenente Manuel Incio Belfort Vieira, disse a respeito da sade pblica, na mensagem que apresentou ao Congresso Estadual que: continua felizmente em bom p o estado de salubridade pblica, embora reconhecesse que se fazia urgente curar do saneamento de nossa bela capital (MENSAGEM DO GOVERNADOR MANOEL IGNCIO BELFORT VIEIRA DIRIGIDA AO CONGRESSO CONSTITUINTE DO ESTADO DO MARANHO, 1892).

    Tal mensagem gerou o aumento da preocupao com a sade pblica, o que ocasionou a tomada de deciso por multas para os recalcitrantes vacina contra a varola, aceita com relutncia (LIMA, 1951). Ainda em 1896 apenas se haviam vacinado, em So Lus, cinqenta e duas pessoas.

    Decorrido o fato e o tornando de conhecimento pblico, na capital do Maranho, o saneamento se fazia urgente e nessa perspectiva foi reformulado o Servio de Sade Pblica atravs da Lei n159, de 15 de novembro de 1896, criando uma nova Inspetoria de Higiene, cuja sua primeira direo foi entregue a um mdico: Dr. Cludio Serra Moraes Rego.

    Vale esclarecer que antes, porm do Servio de Sade Pblica ter criado quela Inspetoria, o Dr. Almir Parga Nina esteve sua frente at ento, tendo sido considerado, pelo seu Programa1 o grande reformador da sade pblica em So Lus.

    Seu Programa recomendava: Abastecimento de gua atravs de redes hidrulicas; Estabelecimento de um sistema de esgoto; Servio de remoo de lixo e incinerao deste; Revestimento das ruas e calamento; Arborizao das ruas e praas; Dissecao dos pntanos; Concluso do cais, que devia circular a parte principal do litoral da cidade; Criao de laboratrio de anlises, fiscalizao dos alimentos e medicamentos vendidos ao pblico.

  • Ainda alcanava, no campo da alimentao pblica, a verificao da carne e leite, a criao de matadouros e mercados pblicos e, tambm, a fiscalizao das condies de criao de animais como o gado e o suno. O primeiro em estbulos e o segundo em cercados apropriados.

    O Programa era to perfeito que previa a normas para criao de cortios e habitao para classe pobre2; Remoo para fora da cidade dos estabelecimentos nocivos ou insalubres e,por fim, a criao de hospitais e hospcios3 .

    Com a reviso dos regulamentos das diversas reparties do Estado em 1900, o Servio de Higiene foi reformulado, transformando-se no Servio Sanitrio do Estado e da em diante tantas outras leis e decretos no impediram que a capital maranhense ficasse livre dos flagelos devastadores das epidemias.

    Nessa perspectiva nomes de grande relevncia no campo mdico se organizaram e utilizaram peridicos como A Pacotilha, para alertar a populao dos perigos oriundos da falta de saneamento e da necessidade de tornar salubre o habitat da populao, e nesse mbito a infncia desvalida comeava a se tomar uma preocupao constante.

    Entre estes mdicos destacaram-se o Dr. Cludio Serra Moraes Rego, Dr.Domingos Xavier de Carvalho, Dr. Rogrio Coelho Jnior, Dr Henrique Marques Lisboa; Dr Adolfo Gomes Pereira, Dr.lvaro de Sousa Sanches, Dr. Vitor Godinho, Dr.Tarquinio Lopes Filho , Dr.Cesrio Correa de Arruda, este ltimo mentor e fundador do Instituto de Assistncia Infncia do Maranho.

    Assim a compreenso destas concepes e desse campo no Brasil e no Maranho subsidia metodologicamente nossa anlise a partir das fontes documentais e histricas. Entre elas destacamos o peridico de poca A Pacotilha, mensagens dos governadores e relatrios especficos do Instituto de Assistncia Infncia do Maranho.

    Na perspectiva de discutir a importncia da criao de instituies assistencialistas de carter filantrpico e socioeducativa, que trazia em sua estrutura de trabalho um modelo de ao mdico-higienista, este estudo evidencia a relao do Instituto de assistncia infncia ao projeto de normalizao da sociedade defendido por representantes das elites intelectuais, econmicas e por autoridades do pas, que pretendia eliminar as desordens de cunho social, fsico e moral, principalmente, nos centros urbanos (RIZZINI, 1993).

    Desta forma, a instituio de assistncia, objeto do nosso olhar, se funda a partir de manifestos registrados nas pginas do jornal A Pacotilha no dia dez de agosto do ano de 1911 numa das salas deste peridico, pelos mdicos que assinavam a coluna Infncia Desvalida (JORNAL A PACOTILHA, SO LUS, 11 AGO 1911, N.187, P.1).

    Tal peridico era organizado por intelectuais das reas mdica e literria, que visavam o alcance da sociedade para os problemas das crianas pobres e sua falta de assistncia na capital maranhense.

    Os registros, documentados pelo jornal A Pacotilha, que precederam a inaugurao da instituio possuam o carter denunciador das condies de pobreza, insalubridade e abandono a que estavam submetidas parte da sociedade, mas principalmente as crianas, que estavam inrcia dos planos para a sade pblica.

    At quele perodo nada havia sido feito em prol da sade das crianas, embora o Dr. Almir Parga Nina, em 1890, j houvesse exposto as vantagens da higiene infantil e escolar, em seu notvel Programa para estudo do saneamento em So Lus.

    Assim, o contexto desenhado pelos redatores daquele jornal trazia uma sociedade que aspirava manter o poder econmico desenvolvido durante o perodo

  • imperial brasileiro, porm a libertao do cativeiro negro e a proclamao da Repblica determinaram uma grande crise econmica no Maranho, que segundo Viveiros (1954) teria tido origem com a desorganizao da lavoura e com a criao de novas obrigaes para o Estado.

    Originados desses abalos novos problemas surgiam. As promessas republicanas de organizao dos espaos urbanos das cidades atravs dos programas de saneamento atraram ex-cativos para a capital maranhense, ocasionando relevante acmulo de pessoas sem condies adequadas de moradias, falta de trabalho e assistncia educacional e mdica.

    Sob esse olhar encontrava-se grande nmero de crianas sem essas condies de sobrevivncia acumulando costumes que no faziam parte das aes que influenciavam a elite poltica e intelectual do Maranho, salve guardada, apenas, nos discursos dos mdicos que assinavam as colunas do peridico fundador do Instituto de Assistncia Infncia em So Lus.

    No ano da criao desse Instituto, diariamente eram escritas matrias sobre a infncia desvalida. Seus contedos expressavam a indignao com o abandono da infncia pela sociedade, pela administrao pblica e, sobretudo, com a falta de condies de higiene para provimento da vida.

    Matrias sobre aleitamento materno, dieta alimentar para os pequenos, orientaes para as mes sobre higiene e sade eram o contedo abordado pelo Dr. Cesrio Arruda no peridico, que atravs de seus escritos sensibilizava a elite no af de ganhar adeptos para o alcance da institucionalizao de aes isoladas com os cuidados com a infncia pobre.

    Na inteno educativa de orientar as mes com os cuidados alimentcios e higinicos, evitando assim os autos nveis de mortalidade infantil em So Lus, que tal mdico despertava na sociedade ludovicense a urgncia da criao de um servio de assistncia s crianas, que se estabeleceu atravs da criao do Instituto de Assistncia Infncia do Maranho, seguido da inaugurao de seus servios no mesmo ano.

    Baseado no primeiro relatrio anual do Instituto, datado no ano subseqente sua fundao, este distribua suas atividades scio-educativas por um dispensrio, uma creche, hospitais infantis, maternidades, servios odontolgicos e atendimento farmacolgico num modelo de filantropia direcionado s crianas pobres e suas famlias (INSTITUTO DA ASSISTNCIA INFNCIA RELATRIO DE 1911, 1912).

    Tendo sido fundado por iniciativa particular, o Instituto de Assistncia Infncia do Maranho atraiu, de imediato o entusiasmo das senhoras da sociedade que se congregaram na chamada Associao das Damas do Instituto de Assistncia (MEIRELES, 1993).

    As damas da assistncia, como ficaram conhecidas, eram lideradas pela senhora Luclia Wilson Coelho de Sousa. Estas promoveram inicialmente atividades como: bailes danantes ao som de grandes orquestras para arrecadar fundos para o instituto.

    Com isso, sensibilizaram a sociedade, que deixava de ter o carter caritativo e assumia a filantropia abraando o compromisso com a causa dos pequenos desvalidos.

    Nessa esfera o contexto da ao filantrpica, promovida pelas Damas da assistncia, compreendido como o movimento particular e do Estado que procura organizar saberes cientficos em torno de um assistencialismo preocupado com a educao, regenerao e disciplinarizao dos comportamentos da pobreza, em contraposio s prticas essencialmente caridosas (VAINFAS,2002.).

  • Pela ao dessas Damas, o movimento liderado pela Pacotilha ganhava novos adeptos e, consequentemente, prestgio frente sociedade e ao poder pblico do Estado maranhense.

    Entre outras aes desenvolvidas pelas Damas estavam promoo de vesperais com sesses de cinema e quermesses com o apoio da Parquia Nossa Senhora dos Remdios. Tambm, ajudavam nas atividades do Instituto de Assistncia Infncia, nas mais variadas atividades atribudas mulher no cuidado com as crianas e suas mes ou responsveis.

    Sediado inicialmente no prprio jornal A Pacotilha, como j mencionamos, o Instituto de assistncia ganhou seu espao cedido pelo governador Lus Antonio Domingues da Silva Rua dos Remdios, nmero trezentos e oito, no centro de So Lus.

    Anterior ao estabelecimento do Instituto de Assistncia Infncia em seu imvel prprio, os cuidados mdicos desenvolvidos pelo Dr. Cesrio Correa de Arruda ocorriam em sua clnica em sociedade com o Dr.Tarqunio Lopes Filho.

    Dr. Cesrio Arruda era mdico-tenente do 48 Batalho de caadores do Exrcito e discpulo do Dr. Arthur Moncorvo Filho, este pioneiro na defesa da assistncia mdico-higienista das crianas por meio dos institutos no Brasil.

    O Instituto de Assistncia Infncia no Maranho seguia o modelo institucional da capital brasileira, precursor na expanso do projeto em defesa da assistncia s crianas pobres que se fundamentava no discurso higienista liderado pelo campo mdico.

    Assim, a institucionalizao dessa prtica em So Lus, na primeira dcada da repblica refletia, no apenas uma preocupao local, mas a expresso de um movimento de abrangncia nacional.

    Entre os objetivos do Instituto de Assistncia Infncia do Maranho, destacava-se a cultura de:

    a) Dar consultas e fornecer gratuitamente, de acordo com as suas condies financeiras, medicamentos e at mesmo roupas infncia desamparada; b) Difundir noes, preceitos e instrues e higiene, indispensveis criao e educao das crianas pobres; c) Fazer, sobretudo, chegarem ao conhecimento das mes as medidas higinicas que devem ser rigorosamente observadas no regime alimentar infantil; d) Premiar as crianas pobres que apresentarem maior grau de robustez fsica; e) Vacinar e revacinar todas as crianas e mes que gozarem de seus benefcios; f) Livrar, na medida de suas foras, da mendicidade, dos vcios e do crime, a infncia abandonada; g) Auxiliar a inspeo mdica das escolas pblicas e particulares; h) Trabalhar para que sejam criadas, nas escolas e nos estabelecimentos pblicos de assistncia a infncia, classes especiais destinadas a melhorar as condies mentais dos retardados de esprito; i) Animar e auxiliar a fundao de instituies congneres, dentro e fora do Estado; j) Criar e manter, no futuro, outros servios clnicos (gota de leite creche, jardim de infncia, etc.); l) Trabalhar finalmente em prol de todas as idias oficiais e particulares que tenham por fim o bem estar da humanidade.

  • (INSTITUTO DA ASSISTNCIA INFNCIA-RELATRIO DE 1911, 1912).

    Outrossim, a compreenso de cultura, neste estudo, remete aos princpios da etnoteoria, que atribui o sentido de cultivo s maneiras de cuidar da criana pobre, como prtica social e historicamente construda (RAMOS, 2004).

    Evidenciamos, na prtica educativa dos mdicos, enfermeiros, auxiliares, ajudantes e Damas da assistncia, a preocupao daquela instituio em esclarecer as necessidades tpicas da infncia, tornando cada atendimento responsvel pelo alcance e divulgao do trabalho por integrarem-se nova ordem, se conduzindo em conformidade quela elite intelectual e poltica num projeto de normalizao da sociedade, na luta pelo engrandecimento do pas.

    Portanto, o Instituto de Assistncia Infncia do Maranho foi se organizando medida em que se estruturavam suas prticas de atendimento, agora, criana assistida. Como reflexo dessas aes, em vinte e trs de julho de 1913, foi aprovado, em sesso extraordinria do seu conselho administrativo, o regulamento do Instituto.

    Este estava disposto em cinco captulos, sendo cada um deles subdivididos em seces cuidadosamente elucidativas sobre os servios prestados pelo Instituto de Assistncia, assim como sua organizao administrativa e seus respectivos cargos e funes.

    Encontrava-se disposto, nesse regulamento um cdigo disciplinar visando os casos de negligncia no Instituto.

    Ao longo de sua existncia, o Instituto de Assistncia Infncia do Maranho alcanou grandes benefcios sociedade ludovicense como: A inaugurao da primeira Creche, ocorrida no mesmo ano de sua fundao (JORNAL A PACOTILHA, SO LUS, 24. DEZ.1911, N.301, P. 1); Criao de uma Maternidade, chamada Benedito Leite em 1913; Inaugurao do primeiro Hospital Infantil, a que se deu o nome de Moncorvo Filho, tambm em 1913; Fundao do primeiro Jardim de Infncia na dcada de 1920, entre outros.

    Decorrente das aes do Instituto de Assistncia e com a necessidade de organizao de um rgo que representasse o campo mdico, foi criado, no Estado, em 1914 uma primeira sociedade de medicina e cirurgia do Maranho sob a presidncia do Dr.Oscar Lamagnere Galvo. Porm, foi somente a partir da dcada de 1920, sob a mesma direo, que esta organizao reviveria definitivamente, contando com quarenta associados at o final daquele ano.

    Para que estabelecimentos como: a Maternidade e o Hospital Infantil fossem servidos de pessoas habilitadas, que em 1919, foi criado, atravs do Instituto de Assistncia Infncia, um curso de enfermagem e este contratou, inicialmente, duas enfermeiras especializadas em obstetrcia, vindas diretamente da Frana para So Lus.

    Entre outros e muitos benefcios dessa Instituio, podemos destacar ainda o elevado nmero de atendimentos s crianas, suas mes e responsveis durante a existncia do Instituto, que apesar de sua extino, na dcada de 1930, deixou organizado um campo de ao empregado criana que deixava de ser desvalida para ser assistida.

    As instituies destinadas ao provimento da infncia, de maneira direta ou indiretamente, permaneceram na sociedade maranhense cumprindo suas funes sociais, mdicas, educativas e polticas.

    Assim, evidenciamos tambm, atravs das nossas anlises que este estudo articula os fins do Instituto de Assistncia Infncia aos problemas de ordem

  • social, econmico, poltico e cultural, que a exemplo da sociedade maranhense, nas primeiras dcadas do sculo XX, estimulavam num determinado espao tempo a expresso de um projeto republicano de progresso, urbanizao e modernizao do Brasil.

    exemplo do Instituto inaugurado pelo Dr. Cesrio Arruda, no incio da dcada de 1910 que se assentaram as bases da verdadeira assistncia infncia no Maranho vinculando, pela primeira vez, o binmio assistncia mdica com a assistncia social. Apesar das aes do instituto estarem pontuadas na medicina, estas aes passavam pelo campo social vinculando grandes possibilidades educativas.

    Em seus vinte e sete anos de existncia o Instituto de Assistncia Infncia do Maranho contou com a participao de inmeros profissionais da rea da sade como: mdicos pediatra, obstetra e clnico geral, farmacuticos, dentistas, enfermeiras, que ofereceram, filantropicamente, seus juramentos profissionais quelas crianas, que em suas memrias, jamais os esqueceram.

    Atravs da criao de rgos oficiais que visassem o amparo da criana pobre no Estado do Maranho, que verdadeiramente, em 1939 o Instituto de Assistncia Infncia encerra suas atividades e ento foram criados os primeiros servios oficiais de proteo infncia (LIMA, 1951).

    Entre a filantropia fomentada pelas Damas da assistncia e o incentivo financeiro dos rgos federal e estadual, esse Instituto se firmou na sociedade de So Lus na concretizao de obras at hoje em funcionamento, marcando, assim, a histria social da criana maranhense.

    NOTAS 1 A expresso Programa utilizada entre aspas nos remete significao de uma proposta de trabalho de ao poltica no campo especfico da sade pblica. 2 Com a criao de normas para construo e funcionamentos dos cortios e habitaes para a classe pobre, Dr. Almir Parga Nina manifesta seu primeiro clamor contra os cortios e moradias dos baixos dos sobrados, que foi abolido parcialmente, e lembra a necessidade de bairros operrios e at cidades operrias, nos subrbios. 3 Neste item da Proposta o Dr. Almir Nina evidencia a necessidade de se reformarem os hospitais existentes, criao de isolamentos para doenas infecto-contagiosas, tratando em primeiro lugar dos infelizes morfticos atirados em vida por traz do cemitrio, numa colocao imunda e vergonhosa junto ao matadouro pblico (RELATRIO DA SADE PBLICA DO ESTADO DO MARANHO, 1894).

  • REFERNCIAS A INFNCIA DESVALIDA. Jornal A Pacotilha, So Lus, 11 ago. 1911, n.187, p.1. A ASSISTNCIA INFNCIA. Jornal A Pacotilha, So Lus, 24 dez. 1911,n.301, p. 1. BRITO, Nara. Oswaldo Cruz: A construo de um mito. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1995. CERTEAU, Michel de. A inveno do cotidiano: artes de fazer. Petrpolis, R.J.: Vozes, 1994. DICCIONRIO CONTEMPORNEO DA LNGUA PORTUGUEZA, 1881. FOUCAULT, Michel. Microfsica do Poder. 22. ed. Rio de Janeiro: Edies Graal, 2006. FOCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da priso. Petrpolis, R.J.: Vozes, 1987. HERSCHMANN, Micael M. & PEREIRA, Carlos Alberto Messeder (org. s). A inveno do Brasil moderno: Medicina, educao e engenharia nos anos 20-30. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. INSTITUTO DA ASSISTNCIA INFNCIA - RELATRIO DE 1911. So Luiz: Tip. J. Pires & C., 1912 LE GOFF, Jacques. Histria e memria. 5. ed. Campinas: Editora Unicamp, 2003. LIMA, Olavo Correa. Histria da Assistncia no Maranho. Revista do Instituto Histrico-Geogrfico do Maranho, Ano XXVIII. n.3,89-136, Ago. 1951. MARANHO, Lei n. 159, de 15 de novembro de 1896. MEIRELES, Mrio. Apontamentos para a Histria da Medicina no Maranho. So Lus: SIOGE, 1993. MENSAGEM DO GOVERNADOR MANOEL IGNCIO BELFORT VIEIRA DIRIGIDA AO CONGRESSO CONSTITUINTE DO ESTADO DO MARANHO, So Lus: Typ., a vapor dos Frias, 11 de junho de 1892. RAMOS, Natlia. Psicologia clnica e da sade. Lisboa: Universidade Aberta, 2004. RELATRIO DA SADE PBLICA DO ESTADO DO MARANHO. So Lus: Typ. Oficial, 1894. RIZZINI, Irm. Histria da Assistncia no Brasil: Uma anlise de sua construo. Rio de Janeiro: Editora Universidade Santa rsula, 2003. SILVA, Kalina Vanderlei & SILVA, Maciel Henrique. Dicionrio de Conceitos Histricos. So Paulo: Contexto, 2005. VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionrio do Brasil Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. VIVEIROS, Jernimo de. Histria do Comrcio do Maranho (1896-1934). So Lus: Associao Comercial do Maranho, 1954. VIVEIROS, Kilza Fernanda Moreira de. A criana negra no Maranho: uma leitura a partir da infncia afro-descendente no Brasil. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTRIA DA EDUCAO, 6., 2006, Goinia. Anais... Goinia: Sociedade Brasileira de Histria da Educao, 2006. 1 CD-ROM.