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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Faculdade de Direito Departamento de Direito Público Curso de Especialização em Direito Financeiro e Tributário Pós-Graduação ―Lato Sensu‖ Pedro Bastos Carneiro da Cunha INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA ECONÔMICA NO BRASIL COM A RIGIDEZ NA DISTRIBUIÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA CONSTITUCIONAL, AFETANDO A AUTONOMIA FINANCEIRA DOS ESTADOS E SUAS CAPITAIS. Rio de Janeiro - RJ 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Faculdade de Direito

Departamento de Direito Público Curso de Especialização em Direito Financeiro e Tributário

Pós-Graduação ―Lato Sensu‖

Pedro Bastos Carneiro da Cunha

INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA ECONÔMICA NO BRASIL COM A RIGIDEZ NA DISTRIBUIÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

CONSTITUCIONAL, AFETANDO A AUTONOMIA FINANCEIRA DOS ESTADOS E SUAS CAPITAIS.

Rio de Janeiro - RJ 2016

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Pedro Bastos Carneiro da Cunha

INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA ECONÔMICA NO BRASIL COM A RIGIDEZ NA DISTRIBUIÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

CONSTITUCIONAL, AFETANDO A AUTONOMIA FINANCEIRA DOS ESTADOS E SUAS CAPITAIS.

Monografia apresentada ao Curso de Pós-

Graduação Lato Sensu em Direto Financeiro e

Tributário da Faculdade de Direito da

Universidade Federal Fluminense, como

requisito para obtenção do título de

Especialista em Direito Financeiro e Tributário.

Orientador: Richard Edward Dotoli

Rio de Janeiro - RJ 2016

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À Lais Estebanez de Mello,

Companheira nos bons e maus momentos. Fundamental para a conclusão deste

trabalho.

À equipe da Subsecretaria de Política Fiscal da Secretaria de Fazenda do Estado do

Rio de Janeiro,

Que tanto contribuiu para a evolução deste trabalho e da minha carreira.

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Na esfera econômica, um ato, um hábito, uma instituição, uma lei não geram somente um efeito, mas uma série de efeitos. Dentre estes, só o primeiro é imediato. Manifesta-se simultaneamente com sua causa. É visível. Os outros só aparecem depois e não são visíveis. Podemo-nos dar por felizes se conseguirmos prevê-los. (Frédéric Bastiat, 1850)

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RESUMO

Este trabalho debate a incompatibilidade da rigidez na distribuição da competência

tributária e respectiva distribuição de receitas, estabelecida na Constituição Federal

de 1988 com a evolução da conjuntura econômica no Brasil, afetando a arrecadação

dos Estados e suas capitais municipais. Pretende-se demonstrar que a fixação da

arrecadação das receitas dos impostos sobre circulação de mercadorias (ICMS) e

dos impostos sobre serviços (ISS) entre os Estados e os Municípios, pela

Constituição de 1988 impossibilitou a manutenção do equilíbrio federativo instituído

pela mesma, gerando distorções na autonomia financeira dos entres subnacionais,

dada a evolução da atividade econômica nacional no setor industrial e de serviços.

Para chegar a esta conclusão, compara-se a evolução de ambos os setores citados,

com as respectivas arrecadações, ou seja, de ICMS e de ISS, realizando ajustes

para minimizar possíveis distorções. Ao final, apresentam-se resultados das análises

e possíveis alternativas para eliminação, ou ao menos mitigação da problemática

apresentada.

Palavras-chave: Competência Tributária, Arrecadação, Conjuntura Econômica,

Autonomia Financeira.

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Sumário

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 1

2. A INTEGRAÇÃO ENTRE O DIREITO FINANCEIRO E A ECONOMIA ............................... 5

3. CONTEXTO JURÍDICO E FISCAL DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NA CONSTITUIÇÃO .... 8

3.1. Evolução e Crítica ao Federalismo Brasileiro ....................................................................... 8

3.2. Rigidez Constitucional Tributária ........................................................................................... 13

3.3. Competência e Repartição de Receitas Tributárias ........................................................... 15

4. EVOLUÇÃO RECENTE DA ATIVIDADE ECONÔMICA NACIONAL.................................. 21

4.1. Evolução Atividade Econômica na ―Nova República‖ ........................................................ 21

4.2. Evolução Atividade Econômica Atual ................................................................................... 22

5. DESCOMPASSO ENTRE A RIGIDEZ CONSTITUCIONAL DAS COMPETÊNCIAS

TRIBUTÁRIAS DO ICMS E DO ISS COM A EVOLUÇÃO DA ATIVIDADE ECONOMICA

NACIONAL ........................................................................................................................................... 26

5.1. Dados Utilizados na Análise .................................................................................................. 26

5.2. Composição e Tabulação dos dados Colhidos ................................................................... 27

5.2.1. Arrecadação de ICMS ..................................................................................................... 27

5.2.2. Arrecadação de ISS ......................................................................................................... 28

5.2.3. Atividade Econômica do Setor Industrial e de Serviços ............................................. 29

5.3. Análise Comparativa entre a Arrecadação do ICMS e ISS com a Atividade Econômica

do Setor Industrial e de Serviços .................................................................................................. 31

6. CONCLUSÃO .............................................................................................................................. 37

REFERÊNCIAS ................................................................................................................................... 40

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1. INTRODUÇÃO

O presente estudo pretende discorrer a respeito da incompatibilidade da

evolução da conjuntura econômica no Brasil com a rigidez na distribuição da

competência tributária estabelecida na Constituição Federal de 1988, afetando a

arrecadação dos Estados e suas capitais municipais.

O direito brasileiro é baseado preponderantemente na corrente juspositivista,

que acredita que a existência do direito e, consequentemente, da justiça está

diretamente atrelada às normas positivadas, em detrimento do jusnaturalismo, que

defende que o direito é algo natural e tem como pressupostos os valores do ser

humano.

A Constituição Federal de 1988 é uma das bases do direito positivo no país e

em seu título VI, da tributação e do orçamento, pode-se observar a rigidez imposta

em nosso ordenamento no que tange a ação tributária estatal.

Diversos tributos criados na atual constituição são de competência privativa

de determinado ente. No caso do ISS, que é um imposto que o fato gerador é a

prestação de determinados serviços definidos na Lei complementar (LC) 116/2003, a

competência é dos Municípios, já no caso do ICMS, que o fato gerador incide sobe a

circulação de mercadorias, serviços de comunicação e transportes interestaduais, é

de competência dos Estados.

Desta forma, o ISS está muito mais sujeito a alterações econômicas do setor

de serviços, enquanto o ICMS do setor industrial, pois este depende da fabricação

de produtos que serão posteriormente postos em circulação no mercado, embora o

ICMS sofra impacto do setor de serviços no que tange os serviços de comunicação

e transporte interestadual.

Atualmente, de acordo com PEREIRA DE MELO (1998)1 a conjuntura

econômica mundial e nacional vem apresentando taxas de crescimento do setor de

serviços muito maiores do que as taxas observadas no setor industrial. Este

fenômeno é facilmente observado pela evolução na participação de cada um dos

1 PEREIRA DE MELO, Hildete; ROCHA, Frederico, FERRAZ, Galeno; SABBATO, Di Alberto;

DWECK, Ruth. O Setor Serviços no Brasil: Uma Visão Geral - 1985/95. Texto para Discussão do

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, no. 549, 1998. p. 1.

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setores na composição do PIB ao longo dos últimos anos, conforme apurado por

instituições oficiais como IBGE e IPEA. Outros indicadores também demostram esta

tendência, porém não serão analisados no presente estudo.

Decorrente dessa propensão na evolução do setor de serviços na economia

brasileira, em detrimento ao setor industrial e da rigidez tributária presente na

constituição federal de 1988 na competência e repartição de receita tributária entre

os entes federativos e, ainda, considerando que (i) o principal tributo arrecadado

pelas capitais municipais é o ISS e este depende do setor de serviços e (ii) o ICMS

como o principal tributo arrecadado pelos estados e este depende do setor industrial,

levanta-se a hipótese de que se o juspositivismo e rigidez constitucional tributária

acompanham, ou não, a evolução econômica no Brasil, influenciando na

arrecadação dos Estados e dos municípios capital.

Para avaliar essa proposição, será analisado se as capitais municipais

(admitindo que estes municípios apresentem estrutura propícia para atividade de

serviços) vêm se beneficiando desta rigidez constitucional, aumentando sua

arrecadação de ISS facilmente, enquanto os estados teriam mais dificuldade para

elevar a arrecadação de ICMS.

O presente estudo terá como base e limitação de análise a evolução do PIB

brasileiro, segregada por setores econômicos, com ênfase nos setores de serviços e

industrial. Os dados serão analisados em valores absolutos e em participação

percentual no PIB dos setores econômicos.

Também serão levantados os dados de arrecadação de ISS das principais

capitais e de ICMS dos estados ao longo dos últimos anos para que possa ser

estabelecida uma análise comparativa entre o PIB e estas arrecadações.

O estudo possui diversas limitações, das quais as limitações mais pertinentes

são:

- Alterações na legislação tributária municipal e estadual influenciando na

arrecadação por meio de alterações na alíquota, base de calculo e sujeito passivo;

alterações na administração tributária e concessão de incentivos fiscais.

- Peculiaridades e definições na legislação dos impostos em questão que

inviabilizam uma análise totalmente fidedigna. Tem-se o caso do ISS, que incide

apenas sobre os serviços listados na Lei Complementar nº 116/2003 e não sobre

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toda a atividade do setor de serviços, um exemplo é o aluguel que não consta na

lista da lei complementar e foi considerada inconstitucional a incidência do ISS sobre

operações de locação de bens móveis pelo STF, culminando na edição da Súmula

Vinculante STF nº 31. E no caso do ICMS, onde o setor de serviços engloba os

serviços de comunicação e de transportes, nos quais incide o imposto estadual.

- Alterações econômicas causadas por politicas macroeconômicas (fiscal,

monetária e cambial), crises e choques de mercado no ambiente econômico

nacional.

Também não há o intuito de demostrar a correlação econométrica entre a

evolução do PIB do setor de serviços e industrial com a arrecadação de ISS e ICMS,

respectivamente. O PIB está sendo utilizado, no contexto desse trabalho, para

demostrar a tendência econômica brasileira.

A pesquisa verifica uma variação percentual maior na arrecadação de ISS

pelos municípios capital se comparado com a arrecadação de ICMS pelos estados.

No resultado apresentado torna-se evidente que o juspositivismo e rigidez

constitucional na repartição de receita tributária estabelecida pelo constituinte

originário está gerando distorções na distribuição de receitas e na autonomia

econômico-administrativa entre os entes federativos. Uma consequência desta

alteração de poder econômico entre os entes é que as competências de atuação

social que para os municípios é taxativa na constituição e para os estados é residual

serão muito mais facilmente alcançadas pelas capitais municipais do que pelos

estados, sem considerar a evolução das demandas sociais pela intervenção estatal

na vida pública.

O presente estudo está segmentado em cinco capítulos. O primeiro trata da

integração entre o direito financeiro e a economia, já que a questão abrange as

disciplinas do direito e da economia, indiscutivelmente interligados. No segundo

capítulo, procura-se analisar o contexto jurídico e econômico em que a atual

Constituição foi promulgada, discorrendo sobre a evolução do federalismo brasileiro

e as consequências deste no Sistema Tributário Nacional. O terceiro capítulo trata

do âmbito econômico, analisando a evolução da atividade econômica nacional

desde a época da ―Nova República‖ até os dias atuais. No quarto capítulo, realiza-se

a análise comparativa entre a arrecadação do ICMS e do ISS com os dados da

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atividade econômica no setor industrial e de serviços no PIB brasileiro. E no último

capítulo, apresentam-se as conclusões das análises anteriores e pontuando

possíveis alternativas para eliminação, ou ao menos mitigação da problemática

apresentada.

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2. A INTEGRAÇÃO ENTRE O DIREITO FINANCEIRO E A ECONOMIA

Como o tema em questão abrange as disciplinas do Direito e da Economia,

torna-se de suma importância tratar primeiramente da integração que existe entre

estas ciências.

Conforme TORRES (2009)2, a matéria financeira é regulada amplamente na

Constituição brasileira. Nesta consta o sistema tributário nacional, onde há o

estabelecimento dos limites ao poder de tributar e dos princípios financeiros básicos.

Partilha os tributos e respectivas arrecadações, dispõe sobre créditos públicos,

define o arcabouço jurídico do orçamento público e determina a fiscalização da

execução orçamentária (art. 70 aos 75 e 145 aos 169). Os princípios, normas e

regras financeiras presentes no texto constitucional da Carta Magna são

formalmente constitucionais, já que estão explicitas e promovem o controle judicial

da constitucionalidade perante normas ordinárias, e também são constitucionais

materialmente, posto que constituem a organização estatal, sendo que diversas

destas possuem eficácia declaratória, por resultarem dos direitos fundamentais e

dos valores jurídicos. Assim, trata-se de um Direito Constitucional Financeiro,

prevalecendo o campo constitucional das normas financeiras, a qual tem por objeto

de estudo as normas e princípios financeiros da Constituição.

O Direito Financeiro está relacionado com diversos aspectos do Direito

Constitucional. Dentre estes está o aspecto político, já que democracia, federalismo

e equilíbrio entre os poderes abarcam questões financeiras; assim como o aspecto

econômico, intrínseco ao mercado social, livre mercado e extrafiscalidade.

As Ciências Políticas e Econômicas sempre influenciaram o pensamento a

respeito da Constituição Financeira, sendo de grande relevância a fiscalidade para a

problemática do Estado. Ainda segundo TORRES (2009)3, embora em determinado

período da história o positivismo e o utilitarismo tenham prevalecido, levando para o

campo da Economia o que antes constituía objeto de pensamento jurídico e

constitucional. Atualmente a Teoria Econômica do Direto está superando o

2 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11. ed. atual. Rio de Janeiro:

Renovar, 2009, p. 16-17. 3 TORRES, Ricardo Lobo. Ob.cit., p. 27-31.

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positivismo, tornando a Ciência da Constituição Financeira um estudo voltado à

emissão de valores e afastado de neutralidade.

Embora, de acordo com BRITO MACHADO (2009)4, exista uma identificação

específica entre a Ciência das Finanças e o Direito Financeiro, onde este se trata de

uma disciplina jurídica, e aquela de uma disciplina pré ou metajurídica, atuando no

próprio fato de que se compõe a atividade financeira do Estado, ambas possuem

elementos comuns de estudo.

A partir da postura de ciência valorativa da economia, inicia-se um processo

interdisciplinar, estreitando o relacionamento entre economia e direito, superando a

divisão nos campos acadêmicos e práticos.

Estas emissões de valores no campo da Economia trouxeram um novo

enfoque da fiscalidade. Observando o pensamento de diversos economistas,

extraíram-se grandes reflexões sobre tributação e da repartição dos custos dos

serviços públicos, passando a teoria da justiça econômica a ter na justiça tributária

um de seus aspectos mais debatidos.

É evidente que também há um vínculo muito estreito entre o Direito

Financeiro e a Economia Política. Existem diversos denominadores comuns, que

vão desde problemas especificamente econômicos, como os da extrafiscalidade, do

desenvolvimento e do agregado de tributos, passando por temas como federalismo

fiscal, sistema tributário, redistribuição de renda, e chegando aos alicerces sobre

legitimidade e reforma da Constituição Financeira. Todos estes pontos dependem da

integração e relação entre estas duas disciplinas.

Sendo assim, a construção jurídica do sistema tributário nacional deve ser

formulada sobre uma analise do seu relacionamento com os principais problemas

econômicos, como pleno emprego, redistribuição de renda, controle da inflação,

entre outros.

O relacionamento entre o Direito e a Economia é fundamental no contexto do

federalismo fiscal. Apenas com uma pesquisa interdisciplinar é possível avançar em

problemas como o equilíbrio entre a alocação de recursos entre os entes federados,

eficiência e mudanças econômicas.

4 BRITO MACHADO, Hugo de, Curso de Direito Tributário, 30ª ed., São Paulo, Malheiros, 2009, p.

53-55.

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Como exposto, a Ciência das Finanças, como a Economia Política,

caracterizam-se como ciências normativas e valorativas, e são extremamente

ligadas ao Direito Financeiro. O positivismo, que extirpava da ciência jurídica a

função valorativa, reservada às Finanças, cai por terra ao defender a tese da

incompatibilidade entre a Ciência do Direito Tributário e a Ciência das Finanças,

dada ao alto grau de interseções entre ambas.

Segundo BARROSO (2009)5, a decadência do positivismo é associada ao fim

de regimes fascistas e nazistas, protegidos pela legalidade, na Segunda Guerra.

Assim, a partir da segunda metade do século XX, surge o pós-positivismo, um

modelo que trata as demandas do Direito por clareza e objetividade, mas conectado

a uma filosofia moral e política. A doutrina pós-positivista inspira-se no uso da razão

voltada para o estabelecimento de padrões racionais para a ação humana.

Desta forma, findou-se a teoria casualista da tributação, que limita a Ciência

do Direito Tributário à descrição das normas que regulam as relações jurídicas

privadas, as quais traria base para a tributação.

Com a gradual mitigação do positivismo, o Direito Financeiro e a Ciência das

Finanças adentram integralmente nos estudos de temas tributário relevantes,

decorrentes do grau valorativo de que possuem. Questões como a redistribuição de

renda através de impostos ou da tributação ótima, retornam ao debate, já que não

se limitam a abordagens empíricas ou científicas, passando pelo campo da ética e

filosofia, e alcançando a pesquisa de objetos como o sistema tributário,

descriminação de renda e princípios advindos de ideias de justiça e segurança

jurídica.

Neste contexto uma Constituição Econômica seria a união de normas

voltadas à organização econômica, um conjunto de instituições que determinam o

funcionamento do sistema econômico, constituindo a ordem econômica vigente ou

formada pelo ordenamento da atividade econômica, onde contém princípios e

normas ordenadoras da economia.

5 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 1ª edição, 2009, p. 247-250.

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3. CONTEXTO JURÍDICO E FISCAL DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NA

CONSTITUIÇÃO

Como exposto anteriormente, existem diversos pontos que tangenciam o

estudo da Economia e do Direito, dentre estes estão o federalismo fiscal e o sistema

tributário. Neste capítulo serão tratados com maiores detalhes a evolução do

federalismo brasileiro e dois dos elementos basilares do sistema tributário nacional,

que são a rigidez na determinação de competências e a repartição das receitas

tributárias, ambas estabelecidas na Constituição Federal de 1988.

3.1. Evolução e Crítica ao Federalismo Brasileiro

Segundo GIAMBIAGI (2001)6, a federação brasileira iniciou sua evolução a

caminho da disposição atual, em reação ao império português, buscando autonomia

frente a um governo centralizador, face à dimensão continental do território. Este

primeiro momento ocorreu na proclamação da República em 1889 e, posteriormente,

ampliando-se com a promulgação da primeira constituição republicana em 1891,

onde as províncias, sem autonomia política, deram lugar a entes da República

Federativa do Brasil, com suas respectivas competências. Com a Constituição de

1891 surgiu a primeira importante mudança para o sistema tributário brasileiro, onde

se iniciou a discriminação dos tributos de competência da União e dos Estados.

Conforme REZENDE (2003)7, a Constituição republicana de 1891 abraçou

ideais de descentralização e autonomia federal, iniciando um ciclo que varia entre

períodos de descentralização e centralização do poder, uma característica marcante

da federação brasileira.

Desta forma, de acordo com AFONSO e SERRA (1999)8, entre 1891 e 1930,

no âmbito da República Velha e no ápice da economia cafeeira, o governo central

era relativamente fraco. Nesta época, a participação do governo federal na despesa

6 GIAMBIAGI, F.; ALÉM, A. C. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. 2ª edição. Rio de Janeiro:

Campus, 2001, p. 244-250. 7

REZENDE, F.; AFONSO, J. R. A Federação brasileira: fatos, desafios, perspectivas. Rio de Janeiro, 2003, p. 6. 8 AFONSO, J. R.; SERRA, J. Federalismo fiscal à brasileira: algumas reflexões. Revista do BNDES,

Rio de Janeiro, n. 12, 1999, p. 4.

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pública nacional encolheu de aproximadamente de três quartos para a metade;

simultaneamente, a parcela da receita total dos governos estaduais, concentrada na

província de São Paulo, subiu de pouco mais de 10 para quase 40 por cento.

Posteriormente, foi iniciada uma etapa de centralização, entre 1930 e 1946,

com início na Revolução de Trinta. Esta etapa sofreu com a depressão econômica

mundial instaurada em 1929 e acarretou na instauração da ditadura de Getúlio

Vargas, período conhecido como Estado Novo. A forte centralização de poder na

União possibilitou que fosse unificado o mercado interno e fortaleceu a

industrialização através das indústrias de base. Ao final deste período, na divisão

governamental da despesa pública, a fatia federal chegou ao patamar de 55%

(cinquenta e cinco por cento).

Com o término da Segunda Guerra Mundial, a redemocratização do país e a

Constituição de 1946 abriram uma nova fase de descentralização. Na distribuição

das despesas públicas, o governo central diminuiu sua participação, voltou a deter

cerca de 50 por cento do total, na década de 1950.

Em um período mais recente da história do federalismo nacional, a partir da

reforma de 1960 e, após a instauração do governo militar em 1964, iniciou-se um

forte movimento de centralização de poder e de recursos no âmbito do governo

central, através da Constituição de 1967, ampliando sua intervenção sobre os entes

subnacionais, reduzindo sua autonomia.

Segundo VARSANO (1981)9, em uma análise específica do Sistema

Tributário Nacional constituído naquele momento, observa-se que estas reformas

apresentavam o objetivo de aumentar a arrecadação do Estado Brasileiro, buscando

solucionar o problema do déficit nas contas nacionais, vivido na época, e dotar a

estrutura tributária de meios necessários para estimular o crescimento econômico.

Concomitantemente, a ampliação da centralização dos recursos através da

concentração da arrecadação e pela perda de autonomia fiscal das unidades

subnacionais se procurava obter uma melhora na qualidade da tributação quanto

aos efeitos alocativos, direcionando os recursos existentes da economia e gerando

benefícios para a população.

9 VARSANO, R. O sistema tributário de 1967: adequado ao Brasil de 80? Pesquisa e Planejamento

Econômico, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, 1981, p. 203-228.

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10

A reforma da década de 1960, do ponto de vista da distribuição federativa da

arrecadação, centralizou os recursos na esfera federal, dado que a função de

estabilização da economia é consagrada como uma atribuição exclusiva do governo

central. Desta reforma, houve a orientação de suprir os estados e municípios de

recursos suficientes apenas para que pudessem desempenhar suas funções

constitucionais, mas sem interferir no processo de crescimento do país.

Já no final da década de 1980, visto como essencial ao movimento de

redemocratização do país, após o término da ditadura militar, onde preponderava

um cenário político, econômico e social adverso, a constituição de 1988 veio com o

objetivo de fortalecer financeiramente e politicamente os estados e municípios em

detrimento ao governo central, fortalecendo assim a federação, refletindo no maior

grau de autonomia fiscal dos entes subnacionais e na descentralização de recursos

tributários disponíveis.

Como explicita VARSANO (1996)10, o importante aspecto da constituição de

1988 é que tal descentralização não foi conduzida pelo governo central, mas sim

pelos estados e municípios por meio do legislativo federal. Ressalta-se que a

descentralização fiscal ocorrida através da referida constituição apresentou natureza

eminentemente política. O processo não foi determinado por interesses técnicos ou

econômicos, não partiu de um planejamento advindo de uma estratégia deliberada,

com políticas bem definidas, buscando maior eficiência e eficácia na ação

governamental.

Desta forma, não houve um plano nacional, prévio e ordenado, para a

descentralização, prevendo os meios legais e financeiros para desenvolver um

processo ordenado de descentralização de encargos, tão pouco houve um pacto

entre os representantes dos três níveis de governo, o que acarretou em um

processo descoordenado, destorcido e conflituoso.

A repartição de receitas tributárias entre as esferas de governo decorreu da

negociação política realizada à época da constituição. Assim, o novo Sistema

Tributário Nacional trouxe consigo diversos problemas, sendo o principal deles a

falta de articulação entre os recursos arrecadados e os encargos, o que gerou

10

VARSANO, R. A evolução do sistema tributário brasileiro ao longo do século: anotações e reflexões para futuras reformas. IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Texto para discussão n 405, Rio de Janeiro, 1996.

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deterioração da qualidade da tributação e, consequentemente, uma piora nos

serviços públicos.

Segundo AFONSO (1996)11, houve acentuado grau de descentralização,

acompanhada de ampla autonomia de ação dos governos estaduais e municipais.

Estes vêm respondendo por crescente parcela da receita e despesa governamental

desde o início dos anos de 1980, sendo a tendência assegurada e acelerada após a

promulgação da constituição de 1988.

Assim, as finanças da União ficaram comprometidas dadas a perda de certas

competências tributárias. Porém, estas perdas foram recuperadas pela instituição de

contribuições especiais, onde sua arrecadação não é repartida com os demais

entes, diferentemente de outros tributos, contribuindo para a ampliação da carga

tributária no país. Conforme explicação de DORNELLES (2008)12, o capítulo

dedicado à seguridade social da Carta Magna abriu caminho para a criação de

novas contribuições, que, na realidade, são impostos disfarçados.

Ainda de acordo com AFONSO (1996)13, outro problema criado a partir da

constituição de 1988, no tocante a tributação estadual e municipal, gira em torno de

excessos na aplicação dos impostos indiretos. No término da década de 1980 e

início de 1990, a ideia da autonomia de cada ente federativo para formular e

executar sua própria política tributária foi exacerbada e distorcida, causando

prejuízos relevantes para a competitividade. Isto se deu devido à atípica divisão de

competências tributárias, que atribui o mais abrangente imposto indireto aos

estados, o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre

prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação

(ICMS), e aos municípios o imposto sobre serviços (ISS) que ganha cada vez mais

importância, já que é um setor em ascensão no país. Em comparação a países com

um sistema tributário mais desenvolvido, este tipo de tributo encontra-se na

competência do ente central. Neste arranjo institucional não há a mínima

11

AFONSO, J. R. Descentralizar e depois estabilizar: a complexa experiência brasileira. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 3, n. 5, 1996, p. 31-62. 12

DORNELLES, FRANCISCO. Constituição de 1988: O Brasil 20 Anos Depois - Estado e Economia em Vinte Anos de Mudanças (VOL. IV). O Sistema Tributário da Constituição de 1988. Senado Federal, 2008, p. 1- 28. 13

AFONSO, J. R. Ob. Cit. p. 31-62.

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12

colaboração e integração entre os governos subnacionais, em termos verticais e

horizontais.

Assim como na reforma de 1960, porém agora devido à descentralização sem

um prévio planejamento e sem cooperação entre os níveis de governo, a função de

estabilização econômica que continuou sendo vista pelos estados e municípios

como competência e preocupação da união, não obstante cada vez mais os entes

subnacionais absorvem responsabilidades, devido à elevação de suas receitas e

despesas governamentais. Contudo, este fato não impediu que fossem formulados e

implementados diversos planos de estabilização, inclusive, o mais bem-sucedido, o

Plano Real.

Conforme GIAMBIAGI (2001)14, a Constituição de 1988 possui a

peculiaridade de ter uma tendência municipalista, passando estes a serem

reconhecidos como membros da federação, estando a partir de então em condições

isonômicas, com direitos e deveres definidos, aos estados e união.

No cenário da década de 1980, os entes subnacionais aumentaram

significativamente sua autonomia e sua participação na totalidade de receitas

tributárias e paralelamente na totalidade dos gastos públicos. Antes mesmo da

constituição de 1988 as descentralizações de recursos ocorriam, principalmente, por

intermédio de emendas constitucionais que elevavam os percentuais dos fundos de

participação dos municípios.

Não obstante o processo de descentralização no Brasil tenha se baseado, em

grande parte, no aumento das transferências do governo federal para os estados e

municípios através dos fundos de participação, isto não inibiu os esforços para

elevação na arrecadação própria dos entes subnacionais.

No processo de descentralização houve a redistribuição de receitas e dos

encargos entre os entes. No entanto, não houve um processo organizado de

transferência de responsabilidades, como a delegação de alguns programas sociais,

prejudicando o atendimento de diversas demandas populares.

Em suma, os recursos fiscais dos estados e municípios aumentaram após a

constituição de 1988, porém sem a delimitação de competências administrativas

14

GIAMBIAGI, F.; ALÉM, A. C. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. 2ª edição. Rio de Janeiro: Campus, 2001, p. 323-324.

Page 19: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

13

destas esferas de governo. Assim, os entes subnacionais expandiram suas

despesas, principalmente nas funções de educação e saúde.

Ainda segundo GIAMBIAGI (2001) 15, é relevante destacar mais uma vez que,

como não houve um processo organizado de descentralização de encargos da

máquina pública, a transferência de responsabilidades gerou distorções no

atendimento de demandas sociais, havendo casos de falta de atendimento

concomitante à superposição de atuação entre os entes em algumas funções. O

contexto ainda é agravado pela não distribuição de parte dos ativos do ente central

aos subnacionais, nem de parcela do quadro de funcionários, gerando a

necessidade de novas obras e novas contratações, muitas vezes desnecessárias,

acarretando em desperdício de recurso público.

Dado o exposto, nota-se que desde os anos 80, em meio a um cenário

adverso na esfera política, econômica e social, o Brasil promoveu uma

descentralização fiscal que se equipara aos níveis de federações avançadas.

Todavia, foi um processo que prosperou de acordo com as circunstâncias de cada

momento, não se constituindo de um programa de governo, gerando assim diversas

distorções e carecendo de muito aperfeiçoamento.

3.2. Rigidez Constitucional Tributária

Segundo BARROSO (2009)16, a premissa na qual se baseia o direito

constitucional contemporâneo é a supremacia da constituição perante as demais

normas. Tal supremacia advém de elementos históricos, lógicos e dogmáticos, na

qual se extraem de diversos fundamentos, como por exemplo, o posicionamento de

hegemonia do poder constituinte sobre o poder constituído, a rigidez constitucional,

a essência material das normas que contém e seu caráter de conservação.

Na visão de TAVARES (2013)17, a Constituição de 1988 apresentaria um

caráter super-rígida. Sendo a super-rigidez caracterizada pela pretensão de

15

GIAMBIAGI, F.; ALÉM, A. C. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. 2ª edição. Rio de Janeiro: Campus, 2001, p. 331-332. 16

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 1ª edição, 2009, p. 82-84. 17

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 86-71.

Page 20: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

14

eternidade, pela impossibilidade de alteração, ou seja, a norma constitucional super-

rígida é imutável, perene.

De acordo com a tese de DUARTE NETO (2013)18, a Constituição Federal

vigente é considerada rígida. Nela, o procedimento estipulado para sua alteração

formal é altamente criterioso, quando comprado com as demais espécies normativas

presentes em seu artigo 59, incisos II à VII. A imutabilidade relativa é uma

decorrência direta das Constituições rígidas, a sua alteração formal ocorre apenas

dentro de limites determinados originalmente. Como técnica normativa, a rigidez

possibilita que uma Constituição se adapte a uma nova realidade social ao mesmo

tempo em que se protege de mudanças bruscas e inconsequentes, dadas as

dificuldades da modificação da mesma, ou seja, mantém certos aspectos que a

tradição jurídica estabeleceu como relevantes e de caráter inalterável.

A imutabilidade relativa gera a supremacia formal, que se traduz na

superioridade normativa que a Constituição possui sobre as normas

infraconstitucionais. Essa superioridade vincula e subordina poderes, órgãos e

autoridades. Estes por sua vez deverão dar execução às diretrizes constitucionais

da forma preestabelecida, com o conteúdo determinado e objetivando atender ao fim

almejado.

Desta forma, a solenidade do procedimento de alteração formal projeta-se em

duas direções simultaneamente, estabilizando opções constitucionais, e vinculando

e subordinando atos infraconstitucionais.

De acordo com BRITO MACHADO (2009)19, o sistema tributário, presente na

Constituição, é considerado rígido, de forma que o legislador ordinário não possui

praticamente nenhuma opção, já que a própria Constituição já a disciplina

completamente, delimitando todas as normas fundamentais do sistema.

Para MACHADO (2013)20, o sistema constitucional brasileiro é classificado

como rígido, sobretudo, tomando por base a forma como é feita a outorga de

competências impositivas. De forma alguma o legislador infraconstitucional é livre

18

DUARTE NETO, José. Rigidez e Estabilidade Constitucional. 2009. 285 f. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo. 2009. p. 213. 19

BRITO MACHADO, Hugo de, Curso de Direito Tributário, 30ª ed., São Paulo, Malheiros, 2009, p. 271-275. 20

MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. Competência Tributária: Entre a Rigidez do sistema e a Atualização Interpretativa. 2013. 278 f. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo. 2013. p. 21-26.

Page 21: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

15

para eleger as realidades a serem tributadas, dado que a própria Constituição já

delimita a esfera de exercício.

Em suma, as limitações à reforma surgem como um núcleo, e em seu entorno

gravitam a estabilidade constitucional e a supremacia formal de seu texto.

3.3. Competência e Repartição de Receitas Tributárias

Segundo CARRAZZA (2009)21, a atribuição da competência tributária de cada

ente federado está diretamente relacionada ao princípio federativo e a autonomia

das pessoas política que compõem a própria federação, consagradas pelo

ordenamento jurídico brasileiro.

As delimitações das competências estão definidas e concatenadas com

mecanismos jurídicos, como a Constituição Federal e leis complementares, que

possuem a função de evitar conflitos.

Como a União, os Estados e os Municípios são entes isonômicos, não existe

a possibilidade de alguma delas adentrar na competência e autonomia das demais,

devendo seguir, estritamente, a rigidez das normas delineadas pela Constituição.

A competência tributária subordina-se às normas constitucionais, que são

hierarquicamente superiores às de nível legal.

A competência tributária é a faculdade de determinado ente federativo editar

leis que criem tributos, em abstrato. É uma competência tributária originária,

validada pela Constituição, ou seja, o próprio Texto Magno consagra-se como a

principal lei do Sistema Tributário Nacional, por possuir diretrizes fundamentais que

são aplicadas para todos os tributos.

Ainda segundo CARRAZZA (2009)22, a competência tributária possui cinco

características basilares de acordo com o ordenamento pátrio, são elas:

privatividade, indelegabilidade (abarcando também neste conceito a

irrenunciabilidade), incaducabilidade, inalterabilidade e facultabilidade de seu

exercício.

21

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 2ª edição. Malheiros: São Paulo, 2009, p. 467-503. 22

CARRAZZA, Roque Antônio. Ob.cit., p. 615-652.

Page 22: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

16

A Constituição delimita as competências tributárias privativas de cada pessoa

política nacional. Desta forma, ao mesmo tempo em que afirma a competência de

um ente, nega esta aos demais.

Quando o Texto Magno outorga uma competência a determinado ente político

visa perseguir o interesse público, que considera atingível apenas através da

atuação do titular designado. Desta forma, a competência é indelegável, e

complementar a esta ideia, também é irrenunciável.

No entanto, as pessoas políticas, embora não possam delegar suas

competências tributárias, por força da rigidez constitucional, são livres para delas se

utilizarem ou não.

Considera-se incoadunável, já que o não exercício da competência tributária

não tem o poder de proibir que a pessoa política venha a criar tributo após

determinado lapso temporal.

A competência tributária é inalterável, não sendo possível ter suas dimensões

alteradas pelo próprio ente federado que a detém. Apenas emenda constitucional

pode redefinir o campo tributário de determinado ente graças à rigidez constitucional

dirimida no tópico anterior deste capítulo.

Seguindo TORRES (2009)23, a doutrina mais moderna e preponderante

acredita que a definição da relação jurídica tributária depende da própria

conceituação do Estado, isto porque, o estuda a partir do prisma constitucional e sob

a visão do Estado do Direito, afastando-a das relações jurídicas de direito privado.

A relação jurídica tributária continua a se definir como obrigação advinda da

lei, apesar da abordagem constitucional do problema. Mas a sua origem legal se

completa e se equilibra com os momentos que antecedem o exercício do poder de

administrar e de julgar as controvérsias surgidas da aplicação da lei, sem os quais

não se forma o vínculo de direito.

Além disso, a relação jurídica tributária não se esgota na lei formal, devendo

também buscar o seu fundamento na ideia de justiça e nos princípios constitucionais

dela derivados.

23

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11. ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 235-236.

Page 23: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

17

TORRES (2009)24 afirma ainda que o sistema tributário federado,

inteiramente delimitado na Constituição, se estrutura a partir da consideração da

pessoa jurídica titular da competência impositiva. Este é o chamado sistema do

federalismo fiscal, ou da partilha tributária, ou da discriminação de rendas,

expressões tomadas com sinônimos.

Do ponto de vista jurídico, a sistematização dos tributos no federalismo fiscal

tem, o objetivo de proceder à separação do poder tributário, contribuindo para a

autonomia dos entes federativos. Tal poder, por ter aptidão para destruir a liberdade,

já nasce rigidamente limitado pela Constituição, sendo a partilha da receita um dos

instrumentos mais eficazes para garantir os direitos fundamentais.

Segundo BRITO MACHADO (2009)25, é de suma importância atentar que a

Constituição Federal estabelece os limites da matéria fática a serem aplicados pelo

legislador na instituição dos tributos. Com relação aos impostos a Constituição o faz

ao partilhar competências entre os entes federados. Ao estabelecer a respectiva

competência para instituir impostos específicos, a Constituição Federal delimita a

matéria de que pode valer cada uma destas pessoas jurídicas de Direito Público

para instituí-los, ou seja, para definir a hipótese de incidência de cada um desses

impostos.

Portanto, em decorrência da supremacia constitucional, tem-se como primeira

e basilar das diversas limitações constitucionais da competência tributária, a matéria

fática colocada pela Constituição Federal à disposição do legislador de cada uma

das entidades tributantes.

Vigora no atual sistema tributário o regime das competências privativas, tanto

para impostos como para os demais tributos. Em relação aos tributos cujos fatos

geradores são, ou estão ligados, as atividades estatais, como é o caso da taxa e da

contribuição de melhoria, a competência tributária decorre da competência para a

prestação do serviço ou para o exercício do poder de polícia e para a realização de

obra pública. No que se refere aos impostos, a competência se encontra

propriamente no campo do Direito Tributário.

24

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11. ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 359-360. 25

BRITO MACHADO, Hugo de, Curso de Direito Tributário, 30ª ed., São Paulo, Malheiros, 2009, p. 271-275.

Page 24: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

18

A atribuição de competência para instituir impostos constitui uma forma de

limitação ao poder de tributar, na medida em que, ao determinar quais são os

impostos que podem ser criados pelos entes federativos, assim, a Constituição

delimita o campo fático que pode servir de suporte a esses impostos.

O legislador infraconstitucional de cada uma das pessoas jurídicas de Direito

Público, ao criar um imposto, não pode atuar fora dos limites que a Constituição

Federal lhe reserva. Por essa razão não é permitida a alteração dos conceitos que a

Constituição utiliza ao fazer a discriminação das competências impositivas, tão

pouco pode desconstruir conceitos legais que impliquem alterações das regras

constitucionais.

Conforme tese de MACHADO (2013)26, no vocabulário jurídico, sobretudo na

teoria do Direito Administrativo, ―a palavra competência representa a atribuição ou o

reconhecimento de um poder, cujos contornos são delimitados, para realizar uma

dada atividade administrativa, elaborar uma norma ou executar a atividade

jurisdicional. (...) A competência é a autorização normativa mínima, sem a qual não

se pode praticar o ato validamente‖.

Entre os teóricos do Direito Tributário, a expressão competência tributária é

utilizada para designar e delimitar o poder dos entes da Federação de elaborar

normas para a criação de tributos, devidamente reconhecido, limitado e dividido em

seu exercício por normas de uma Constituição, caso do Direito Tributário brasileiro.

Tratando da repartição de receitas tributárias, de acordo com CARRAZZA

(2009) 27, a regra é que a pessoa política fique com o produto da arrecadação de

seus tributos, com o que obtém os meios econômicos e necessários à realização

dos objetivos que a Carta Magna e as leis lhe assinalem. Porém, frequentemente, a

Constituição determina que uma pessoa política deva partilhar do produto da

arrecadação de determinados tributos de outras.

Ainda na linha de pensamento de CARRAZZA (2009)28, a Constituição

Federal acolhe duas modalidades de competência: a tributária (faculdade de instituir

26

MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. Competência Tributária: Entre a Rigidez do sistema e a Atualização Interpretativa. 2013. 278 f. Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo. 2013. p. 21-26. 27

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 2ª edição. Malheiros: São

Paulo, 2009, p. 646. 28

CARRAZZA, Roque Antônio. Ob. Cit. p. 652.

Page 25: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

19

tributos) e a financeira (direito de participar do produto de sua arrecadação). Ambas

ocupam a mesma hierarquia, ou seja, geram o mesmo tipo de direito às pessoas

políticas que as possuem: o direito de obter fundos, seja por arrecadação própria,

seja mediante participação no produto de arrecadação alheia.

Este conceito é muito semelhante ao de discriminação constitucional

apresentado por BRITO MACHADO (2009)29, onde a discriminação constitucional de

renda é expressão genérica, na qual compreende a atribuição de competência

(partilha de poder tributário) e a distribuição de receitas tributárias. Pela atribuição de

competências divide-se o próprio poder de instituir e cobrar tributos, entregando aos

entes federados parcelas deste poder de tributar através da Constituição Federal

(arts. 153 a 156). Pela distribuição de receitas o que se divide entre as referidas

entidades é o produto da arrecadação do tributo por delas instituídos e cobrados.

Não é de interesse de o presente estudo dirimir por completo toda a

repartição de receitas tributárias constantes no Sistema Tributário Nacional. Para

que haja clareza e entendimento pleno do tema, basta que sejam abordadas as

competências tributárias privativas dos Estados para com o Imposto sobre

Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de

Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e dos

Municípios para com o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), e suas

respectivas competências financeiras.

Como citado, através do artigo 155, inciso II, a Constituição consagra a

competência tributária dos Estados para instituir o ICMS. Já no que concerne à

repartição das receitas tributárias, o artigo 158, inciso III, da Carta Magna, obriga os

Estados a entregar aos Municípios localizados em seus territórios ―vinte e cinco por

cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre as operações relativas

à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte

interestadual e intermunicipal e de comunicação‖.

A Constituição Federal através do artigo 156, inciso III, estabelece que os

impostos sobre ―serviços de qualquer natureza‖ são de competência dos Municípios.

Como a regra é que a pessoa política fica com o produto da arrecadação de seus

29

BRITO MACHADO, Hugo de. Curso de Direito Tributário, 30ª ed., São Paulo, Malheiros, 2009. p. 293-294.

Page 26: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

20

tributos e a Constituição não criou nenhuma norma repartindo esta arrecadação,

todo o recurso obtido com este imposto pertence ao Município.

Page 27: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

21

4. EVOLUÇÃO RECENTE DA ATIVIDADE ECONÔMICA NACIONAL

Neste momento é relevante demonstrar o contexto vivido no país na ―Nova

República‖, época da promulgação da Constituição Federal, e o contexto atual,

constatando a diferença existente na atividade econômica entre estes períodos no

país.

4.1. Evolução Atividade Econômica na “Nova República”

Conforme descrito por GIAMBIAGI (2011)30, o período histórico chamado de

―Nova República‖, que foi de 1985 a 1989, foi marcado pela tentativa frustrada de

combate à inflação, com a implantação de três planos de estabilização; Plano

Cruzado, Plano Bresser e Plano Verão. Embora ineficientes para conter a inflação

(média de 471,7% ao ano), estes planos colaboraram para alavancar o crescimento

nacional (média de 4,3% ao ano). Com exceção do período do Plano Cruzado, as

exportações puxaram o crescimento do PIB no período (elevação de mais de 6% ao

ano).

Embora este período apresente uma alta taxa de crescimento, quando

comparado ao restante da década, os fatores que determinam a atividade

econômica variaram significativamente nesse período.

No Plano Cruzado, 1986, a indústria liderou o crescimento, com uma

expansão de 12% em relação ao ano anterior. Esta expansão ocorreu

principalmente em bens de consumo duráveis e em investimentos. Neste ano a

produção doméstica procurou satisfazer a demanda interna, a qual apresentou uma

expansão de 22,8% no primeiro semestre, se comparado ao mesmo período de

1985.

Ainda de acordo com dados do IBGE apresentados por GIAMBIAGI (2011)31

no início do Plano Cruzado houve um crescimento de 20% nos postos de trabalho

criados no primeiro quadrimestre de 1986, quando comparado a igual período de

30

GIAMBIAGI, F. Economia Brasileira Contemporânea (1945 - 2010). Rio de Janeiro: Campus, 2011, p. 97-125. 31

GIAMBIAGI, F. Ob. Cit. p. 97-125.

Page 28: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

22

1985. Salientando que produção industrial havia crescido 8,3% em 1985, ano em

que se constatou uma demanda nacional já aquecida. Comparando o mês de julho

de 1986 ao mesmo mês de 1985, a produção de bens de consumo duráveis

aumentou 33,2%.

Já no Plano Bresser, 1987, a agricultura, com um crescimento de 15%, foi a

principal colaboradora para o desempenho positivo do PIB, tendo parcela

significativa da produção agrícola exportada. Uma piora no poder aquisitivo dos

salários e aumento dos juros reais prejudicou o setor industrial e de serviços neste

ano. No ano de 1988 o PIB apresentou o pior desempenho do período histórico, com

queda de 0,1%.

Na ―Nova República‖, o setor de serviços apresentou o maior crescimento

entre os setores que compõem o PIB (4,8%), contudo deve-se somente ao

desempenho verificado em 1986 (17,8%), quando houve incentivos pelo Plano

Cruzado.

4.2. Evolução Atividade Econômica Atual

Para GIAMBIAGI (2011)32, a partir de 2003, o desenvolvimento da economia

nacional foi influenciado pela evolução econômica internacional e, face à

continuidade do regime de metas de inflação, instituída em 1999, além da taxa de

cambio favorável e controle da inflação. Embora um crescimento modesto (1,1%) em

2003, devido aos efeitos da alta taxa de juros, nos anos seguintes a economia

brasileira apresentou um maior dinamismo, acompanhando o crescimento

econômico mundial. No quinquênio 2004-2008 a taxa média de crescimento do PIB

foi de 4,8%. Apenas no término de 2008 o crescimento iria sessar dada à crise

financeira mundial.

Até a crise, o controle da inflação se mantendo dentro do intervalo das metas

estabelecidas no sistema, mostrando uma trajetória descendente. Adicionalmente, o

maior otimismo com as perspectivas da economia resultou na expansão de

32

GIAMBIAGI, Fábio; VILLELA, André; CASTRO, Lavínia Barros de; HERMANN, Jennifer (2011). Economia brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Campus. P. 211 e p. 217-218.

Page 29: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

23

investimentos e aumento da demanda por empregos, onde a taxa de desemprego

variou de 12% em 2002 para 7% em 2010.

De acordo com GIAMBIAGI (2014)33 a conjuntura econômica mundial e

nacional foi afetada pela crise dos subprimes no ano de 2008. Como consequência

desta crise a economia mundial encolheu 0,4% no ano de 2009, contudo retorna o

crescimento em 2010 e em 2011 com um crescimento de 3,9% e em 2012 e 2013

um pouco menos, mas com uma taxa ainda assim favorável de 3%. No Brasil, no

período de 2010 a 2014, a média de crescimento foi de 2,2%.

De acordo com o Boletim do Banco Central do Brasil - Relatório Anual 2013

34, a retomada da atividade em 2013, evidenciada pelo crescimento anual de 2,3%

do PIB (aumento de 1,0% em 2012), em valores correntes a preços de mercado

atingiu R$ 4.838 bilhões, foi sustentada, em especial, pelo desempenho da

agropecuária e é importante ressaltar, adicionalmente, os resultados anuais

favoráveis da indústria e do setor de serviços.

Nesse cenário, a continuidade do processo de retomada da atividade global,

iniciada em 2013, deverá exercer contribuição adicional para a consolidação do atual

ciclo de crescimento econômico.

Pela ótica da oferta, destacou-se o crescimento anual de 7,0% na produção

agropecuária, favorecido pelo desempenho das lavouras de soja, cana-de-açúcar,

milho e trigo, e pela expansão nos abates de bovinos e aves. O setor de serviços

cresceu 2,0% em 2013, impulsionado pelas atividades serviços de informação

(5,3%), transporte, armazenagem e correio (2,9%) e comércio (2,5%), e a produção

da indústria aumentou 1,3% no ano, com ênfase nos crescimentos da produção e

distribuição de eletricidade, água e gás (2,9%), da construção civil (1,9%) e da

indústria de transformação (1,9%).

Assim como o Boletim do Banco Central do Brasil - Relatório Anual 2013, o

Boletim Macro IBRE/FGV de dezembro de 201335, constatou que o ano de 2013

termina com crescimento do PIB bem superior ao do ano anterior (2,3%, ante 1,0%

registrados em 2012); com inflação medida pelos preços ao consumidor ligeiramente

33

GIAMBIAGI, F. e SCHWARTSMAN, A.(2014). Complacência, Rio de Janeiro: Campus Elsevier. P. 13-14. 34

BACEN. Boletim do BC. Relatório anual 2013. Brasília DF: Banco Central do Brasil, 2014, p. 15-36. 35

FGV. Boletim Macro IBRE. Dezembro de 2013. 2013, p. 1-6.

Page 30: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

24

abaixo da de 2012, dentro da meta estipulada pelo governo; desemprego médio no

ano também levemente inferior ao do ano anterior; e rendimentos médios reais ainda

em elevação. Mas com superávit primário abaixo do desejável e, especialmente,

déficit em transações correntes bastante elevado, da ordem de 3,7% do PIB. Em

suma, uma mescla de resultados relativamente positivos ao lado de outros que

deixam a desejar e que exibem desequilíbrios reais e riscos potenciais.

Muito da discussão atual sobre a conjuntura no Brasil está centrada em

determinar o momento em que os formuladores de política econômica irão, ou terão

que, atuar para corrigir os desequilíbrios e fragilidades que podem comprometer um

funcionamento saudável do sistema econômico em longo prazo.

Este momento será também afetado pelo desenrolar de importantes

iniciativas governamentais e eventos recentes, como o deslanchar das concessões

na área da infraestrutura, o reconhecimento de que o crédito dos bancos públicos

vem se desacelerando - refletindo um certo esgotamento do modelo de expansão do

consumo baseado no crédito, público e privado -, o receio de que haja rebaixamento

da nota de crédito soberano e da evolução da inflação em face de uma política fiscal

que continua expansionista. Com todos esses constrangimentos, a ação recente do

BC, aliás, tem perseguido simultaneamente os objetivos de suavizar os movimentos

cambiais para ajudar no controle da inflação, com o auxílio dos aumentos de juros,

tentando contrabalançar o expansionismo fiscal para evitar o rebaixamento do rating.

A tensão existente, detectada e vivida pelos agentes econômicos tem a ver

com o caráter errático de alguns desses desenvolvimentos. No caso do crédito

público, por exemplo, a tensão tem origem no caráter intermitente das concessões.

Na área das variáveis reais, prevê-se que o investimento em capital fixo deverá

desacelerar a curto prazo, depois da recuperação de 2013. O mercado de trabalho

seguirá aquecido, mas o crescimento da massa salarial provavelmente vai

desacelerar ou mesmo desaparecer com a manutenção da inflação nos patamares

atuais, mesmo com o reajuste do salário mínimo em janeiro. O crédito para consumo

quase não cresce em termos reais, em parte como resultado da moderação

(intermitente, como dito anteriormente) do crédito público.

Em uma comparação entre a atividade econômica do período da Nova

República e o momento mais atual da economia nacional, percebe-se que o setor de

Page 31: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

25

serviços tem se destacado em relação ao setor industrial. Como exposto, na Nova

República apenas no ano de 1986 a indústria apresentou um desempenho melhor,

porém neste período histórico o setor de serviços demonstrou um maior

crescimento. Já na atualidade econômica, mesmo em um contexto de variáveis

macroeconômicas diversas da segunda metade da década de 1980, o setor de

serviços permanece apresentando um maior crescimento, representando cada vez

maior proporção do PIB nacional, em detrimento do setor industrial.

Page 32: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

26

5. DESCOMPASSO ENTRE A RIGIDEZ CONSTITUCIONAL DAS

COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS DO ICMS E DO ISS COM A EVOLUÇÃO DA

ATIVIDADE ECONOMICA NACIONAL

Neste capítulo são feitas as análises dos dados coletados sobre o Produto

Interno Bruto (PIB) e arrecadação do ICMS dos Estados e do ISS das Capitais

Municipais. Os dados do PIB serão comparados aos de arrecadação para verificar

se há relação entre estes. Serão abordadas diferentes formas de comparação dos

dados para que as possíveis limitações do estudo sejam minimizadas.

5.1. Dados Utilizados na Análise

Para realizar a análise aqui proposta, foi feito o levantamento dos dados de

arrecadação do ICMS dos vinte e seis (26) Estados brasileiros (o Distrito Federal foi

desconsiderado na análise, já que não enfrenta a problemática abarcada neste

estudo, por possuir tanto a competência para o ICMS como para o ISS), do ISS da

capital de cada Estado e da atividade econômica do Brasil, através da

decomposição do PIB, em valores nominais, do setor industrial e de serviços, para o

período de 2007 a 2013.

Os dados foram coletados a partir das páginas eletrônicas do IPEA

(Ipeadata)36, CONFAZ37 e Meu Município38, sendo que este último extrai suas

informações do banco de dados da STN e IBGE. Todos os dados foram coletados

no início do ano de 2015.

O intervalo de tempo, compreendido dentre os anos de 2007 e 2013, foi

determinado para que fosse possível uma análise comparativa. Este intervalo não foi

mais extenso posto que foram utilizadas diferentes fontes de dados e nem todas as

fontes possuíam outros exercícios além dos encontrados, ou seja, o período foi

definido de acordo com os dados presentes em cada fonte para os mesmos anos.

36

http://www.ipeadata.gov.br/ 37

https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/boletim-do-icms 38

http://www.meumunicipio.org.br/meumunicipio/home

Page 33: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

27

5.2. Composição e Tabulação dos dados Colhidos

Nesta sessão estão dispostos os dados coletados nas fontes selecionadas,

devidamente tabulados, para posterior análise.

5.2.1. Arrecadação de ICMS

Foram tabulados os valores de arrecadação de todos os Estados brasileiros e

o valor agregado da arrecadação deste imposto por região e nacionalmente. Não é o

foco de este trabalho proceder com a coleta de dados de arrecadação por segmento

da economia, como por exemplo, de telecomunicações, petróleo, importações etc. O

presente estudo toma como premissa que o ICMS depende, de forma geral, da

produção industrial para que em seguida os produtos gerados sejam circulados na

economia, ocorrendo assim o fato gerados do imposto em questão e sua

consequente arrecadação.

Abaixo se encontra a Tabela 01, que apresenta os dados de arrecadação de

cada estado e agregado por região e nacional, do período de 2007 a 2013, além da

variação percentual do primeiro ano em relação ao último ano da série histórica.

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28

Tabela 01- Arrecadação de ICMS

Fonte: CONFAZ - Secretaria de Fazenda, Finanças ou Tributação

(http://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/boletim-do-icms) Acesso em 06/01/2015.

5.2.2. Arrecadação de ISS

Também foram tabulados os valores de arrecadação, porém desta vez do

ISS, de todas as capitais municipais dos Estados brasileiros e o valor agregado da

arrecadação deste imposto por região e nacionalmente. Importante lembrar que o

ISS atinge apenas o setor de serviços, mais especificamente os serviços constantes

na lista anexa na Lei Complementar nº 116.

Abaixo se encontra a tabela apresentando os dados de arrecadação de

capital municipal de cada estado e agregado por região e nacional, do período de

2007 a 2013, além da variação percentual do primeiro ano em relação ao último ano

da série histórica.

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29

Tabela 02 – Arrecadação de ISS

Fonte: Meu Município (http://www.meumunicipio.org.br) Acesso em 11/03/2015 e IPEADATA

(http://www.ipeadata.gov.br) Acesso em 11/03/2015.

5.2.3. Atividade Econômica do Setor Industrial e de Serviços

Foram tabulados os dados do valor do PIB brasileiro no setor industrial e de

serviços entre o período de 2007 e 2013.

O PIB pode ser desmembrado entre os setores agrícola, industrial e de

serviços. Para o presente estudo o setor agrícola não foi considerado, pois como

demonstra o Gráfico 01, sua participação no agregado do PIB é relativamente baixa

e constante, não sendo esta uma variável relevante a ser analisada.

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30

Gráfico 1 - Produto Interno Bruto (PIB) por Atividade Econômica

Fonte: IPEADATA (http://www.ipeadata.gov.br) Acesso em 11/03/2015.

Em contrapartida, o setor industrial e de serviços merecem atenção. Desta

forma estes foram desmembrados em seus componentes (conforme metodologia do

IBGE).

O setor industrial é dividido nas seguintes atividades: (1) construção; (2)

extrativa mineral; (3) eletricidade, gás e água; e (4) transformação.

Já o setor de serviços é dividido nas seguintes atividades: (1) administração,

saúde e educação pública; (2) atividades imobiliárias e aluguel; (3) comércio; (4)

serviços de informação; (5) intermediação financeira; (6) transporte, armazenamento

e correio; e (7) outros.

Segue, abaixo, as Tabelas 03 e 04, com os valores nominais do PIB do

período de 2007 à 2013, assim como composição apresentada acima, além da

variação percentual do primeiro ano em relação ao último ano da série histórica.

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31

Tabela 03 - PIB do Setor de Serviços

Fonte: IPEADATA (http://www.ipeadata.gov.br) Acesso em 11/03/2015.

Tabela 04 - PIB do Setor Industrial

Fonte: IPEADATA (http://www.ipeadata.gov.br) Acesso em 11/03/2015.

5.3. Análise Comparativa entre a Arrecadação do ICMS e ISS com a Atividade

Econômica do Setor Industrial e de Serviços

Proporcionar uma análise comparativa direta entre a arrecadação do ICMS e

ISS com a atividade econômica do setor industrial e de serviços pode vir a ser

considerado algo trivial e inconsistente. Contudo este foi o ponto de partida da

pesquisa.

Esta simples análise demonstrou através da variação percentual de

arrecadação e de crescimento de cada setor, em cada ano com relação ao primeiro

da série temporal, que a arrecadação de cada imposto acompanha o crescimento de

cada setor da economia, conforme se pode observar na Tabela 5 e nos Gráficos 2 e

3.

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32

Tabela 5 - Variação Percentual em relação ao ano de 2007

Fonte: Elaborado pelo Autor

Gráfico 2 - Comparação da Arrecadação de ISS com Atividade Econômica do Setor

de Serviços

Fonte: Elaborado pelo Autor

Gráfico 3 - Comparação da Arrecadação de ICMS com Atividade Econômica do

Setor Industrial

Fonte: Elaborado pelo Autor

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33

A variação entre os anos de 2007 e 2013 demonstra que o PIB do setor

industrial cresceu 61,35% e o PIB do setor de serviços 86,91%, enquanto a

arrecadação de ICMS cresceu 97,17% e a arrecadação de ISS 121,49%. A partir

destas informações seria possível chegar a uma conclusão, como afirmado

anteriormente em uma análise simplista, de que a arrecadação de cada imposto

acompanha a evolução de cada segmento da economia.

Em uma análise por região do país, é possível pulverizar os dados nacionais,

observando alguns comportamentos da evolução da arrecadação e do PIB de cada

setor.

Segue gráfico com a evolução percentual acumulada da arrecadação de ISS,

ICMS e das atividades econômicas.

Gráfico 4 - Evolução Acumulada da Arrecadação do ICMS

Fonte: Elaborado pelo Autor

Gráfico 5 - Evolução Acumulada da Arrecadação do ISS

Fonte: Elaborado pelo Autor

Page 40: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

34

O gráfico 4 apresenta uma queda do PIB do setor industrial no ano de 2012.

Esta redução na atividade econômica deste setor é acompanhada pela redução da

arrecadação de ICMS de algumas regiões, dando destaque à região sudeste, que

correspondeu a 53,7% da arrecadação deste imposto no país neste ano.

Já no gráfico 5, percebe-se que há um crescimento acentuado tanto na

evolução do PIB do setor de serviços, quanto da arrecadação de ISS pelos

municípios. Ambos os gráficos apresentam uma conclusão semelhante ao da

arrecadação agregada.

Contudo, para que haja uma melhor comparação entre os dados de

arrecadação e da atividade econômica são necessários alguns ajustes, já que os

impostos em questão apresentam fatos geradores que não incidem diretamente

sobre cada setor da economia em sua totalidade (ICMS: Lei Complementar 87, art.

2° e ISS: Lei Complementar 116, art. 1º).

Conforme exposto, é preciso fazer a comparação dos dados de arrecadação

dos referidos impostos apenas com as componentes que são atingidos por seus

respectivos fatos geradores.

Contudo, como a incidência do fato gerador destes impostos é em demasiado

delimitado, como no caso do ISS, que abarca apenas os serviços constantes da lista

anexa na Lei Complementar nº 116, os ajustes propostos neste estudo não tornarão

as comparações precisas, já que as fontes onde os dados foram coletados não

conseguem fornecê-los de forma tão delimitada quanto a da incidência dos fatos

geradores. Cabendo a presente pesquisa apenas mitigar as distorções geradas pela

análise simplista demonstrada anteriormente.

Assim os dados de arrecadação do ICMS são comparados com a totalidade

dos componentes do setor industrial e alguns componentes do setor de serviços

(comércio, serviços de informação e transporte, armazenagem e correio), já que

ocorre fato gerador do imposto em questão sobre estas atividades.

Já os dados de arrecadação do ISS são comparados apenas com alguns

componentes do setor de serviços, são eles: comércio, intermediação financeira,

outros serviços e transporte, armazenagem e correio. O componente ―administração,

saúde e educação pública‖ é extirpado desta análise, já que não é cobrado ISS

Page 41: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

35

sobre estes serviços. O componente ―atividades imobiliárias e aluguel‖ também não

será considerado, já que a cobrança de ISS nesta atividade foi considerada

inconstitucional pelo STF através da Súmula Vinculante 31. E por último o

componente ―serviços de informação‖ sofre incidência apenas do ICMS.

Observa-se que em ambas as comparações existem componentes em

comum, já que estes geram efeitos na arrecadação de ambos os impostos.

Tabela 6 - Evolução dos componentes do PIB que influenciam a arrecadação

de ISS.

Fonte: Elaborado pelo Autor

Tabela 7 - Evolução dos componentes do PIB que influenciam a arrecadação

de ICMS.

Fonte: Elaborado pelo Autor

Após os ajustes propostos, as variações entre o primeiro ano da série

temporal (2007) e o último ano (2013) apresentaram percentuais semelhantes aos

da análise basilar. A partir das informações geradas, observa-se que a parcela do

PIB que impacta na arrecadação de ICMS cresceu 68,81% e a parcela do PIB que

impacta a arrecadação de ISS expandiu em 88,26%. Assim, como visto

anteriormente, com uma evolução na arrecadação do ICMS acumulada de 97,17% e

Page 42: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

36

uma arrecadação do ISS de 121,49%, pode-se afirmar que há uma alta correlação

entre estes indicadores.

Desta forma, entende-se que, embora haja algumas limitações na

comparação dos dados, de fato há uma relação direta entre a atividade econômica

do setor industrial com a arrecadação de ICMS, assim como há uma relação direta

entre a atividade econômica do setor de serviços com a arrecadação de ISS.

Page 43: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

37

6. CONCLUSÃO

O presente trabalho concentra sua atenção na questão da repartição de

competências tributárias dos principais tributos dos entes subnacionais (ICMS -

Estados e ISS - Municípios), contudo o assunto é inerente a diversos âmbitos da

organização do Estado e da sociedade. É impossível tratar da arrecadação destes

impostos sem enfrentar a temática do federalismo fiscal, rigidez constitucional do

sistema tributário e autonomia administrativa e financeira dos estados e municípios.

Não obstante as questões características da Constituição Federal e do

próprio Estado brasileiro, é importante salientar as diferenças no cenário econômico,

social e político em que o país se encontrava no momento da promulgação da atual

constituição e o cenário atual, mais de vinte e cinco anos depois.

Conforme exposto no decorrer deste trabalho, e verificado de forma analítica

e gráfica no capítulo anterior, o engessamento constitucional da competência

tributária do ICMS, dos Estados, e do ISS, dos Municípios, na Constituição de 1988,

associado à evolução na composição de cada setor da economia no PIB ao longo do

tempo, fez com que as Capitais Municipais tivessem um crescimento na arrecadação

maior do que o crescimento dos Estados, dado que o setor de serviços, o qual

baseia a arrecadação do ISS, apresentou um crescimento muito maior do que o

setor industrial, o qual baseia a arrecadação do ICMS.

Diante do contexto descrito, percebe-se que alterações no arcabouço jurídico

tributário poderiam trazer vantagens significativas ao cenário socioeconômico

brasileiro.

Não é novidade que diversos economistas e juristas já tenham proposto

variadas alternativas para o aprimoramento do sistema tributário nacional. Dentre

tais alternativas, está a de BRIGAGÃO39, expondo justificativas para a substituição

dos diversos impostos indiretos por apenas um IVA (Imposto por Valor Adicionado)

federal, afirmando que a pluralidade de tributos contribui para o agravamento dos

principais problemas do Sistema Tributário Nacional, como a carga tributária elevada

39

BRIGAGÃO, Gustavo. IVA único e federal deveria substituir a tributação indireta no país. Disponível

em: http://www.conjur.com.br/2015-mar-25/consultor-tributario-iva-unico-federal-deveria-substituir-

tributacao-indireta. 22/11/2015.

Page 44: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

38

e crescente, complexidade e onerosidade da legislação, conflito de competências,

entre outros. Outro exemplo de alternativa a reforma do sistema tributário parte da

visão de VARGAS e MARRAFON40 onde antes mesmo da reforma tributária deveria

haver uma reforma no federalismo atual, considerado por estes um federalismo

formal, simétrico, estático, medíocre, injusto e ensimesmado. Para eles um

federalismo ideal deve manter a unidade, respeitar as diferenças entre os entes e

promover a liberdade para que se diminuam as desigualdades.

Importante destacar nesta conclusão, que os questionamentos presentes

neste estudo já vêm sendo foco de atenção por muito tempo, conforme se pode

observar na fala do constituinte José Serra nos Anais do Senado Federal41, aqui

transcrito, e que demonstra muito bem a importância da analise de consequências

não imediatas no ordenamento jurídico.

O que acontece num País que se vai desenvolvendo? Isso podemos observar, num corte a nível internacional, comparando países de desenvolvimento diferente, como vimos ao longo do processo de desenvolvimento. Acontece é que o peso dos serviços modernos na economia vai aumentando. A lei de desenvolvimento é inexorável. Vai perdendo peso a agricultura, vão perdendo peso os serviços tradicionais, a indústria atinge certo peso, que vai entre 30 e,40% do PIB, estaciona ai, e há um desenvolvimento muito grande do setor de serviços. No Brasil isso tem ocorrido. Acontece que esse setor, em geral, nunca teve tratamento tributário adequado. Então, os impostos sobre os outros setores têm que aumentar para que a carga tributária não diminua, para que a fração do PIB dos impostos não diminua, a fim de que os governos não se desfinanciem. É um paradoxo, não esta acontecendo nada A economia está se desenvolvendo, o peso do setor de serviços aumenta e a geração de impostos diminui. V. Ex.ª podem observar isso, inclusive, no Brasil. Basta olhar as regiões mais desenvolvidas: o caso de São Paulo. Este problema é crescente, porque a indústria tem perdido lugar, do ponto de vista de crescimento, para o setor do serviço mais sofisticado, desde comércio, finanças e tudo. Lembro que o setor financeiro aumentou a sua participação no PIB, no Brasil, de 4 para 14% em 15 anos. Precisamos ter uma estrutura tributária mais moderna, mais ligada à estrutura de crescimento da economia. Para isso, é preciso passar o ISS para os Estados, porque só eles vão ter força, peso político e estrutura, para poder realmente reorganizar o Imposto Sobre Serviços. Enquanto se deixar isto no âmbito do município, ficará muito limitado; grande parte não cobra, há uma guerra fiscal típica, no caso da capital de São Paulo, por exemplo, onde as cidades em volta não cobram para atrair as empresas para lá. Então, as empresas

40

MARRAFON, Marco Aurélio; VARGAS, Daniel. Revolucionar o federalismo é decisivo para o desenvolvimento do país. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-nov-06/revolucionar-federalismo-decisivo-desenvolvimento-pais. 10/01/2016. 41

SENADO FEDERAL. Anais do Senado Federal, Subcomissão de Tributos, Participação e Distribuição das Receitas, Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças. Ata da décima reunião ordinária, realizada em 7 de maio de 1987. P. 195.

Page 45: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

39

ficam nominalmente lá, mas funcionam na capital, o que é um absurdo. E por aí vai. Precisamos dar outro status ao Imposto Sobre Serviços, exatamente para sobrecarregar menos, inclusive, os setores produtivos, que, inexoravelmente, vão sendo mais carregados por causa do fenômeno que apontei.

São diversas as alternativas plausíveis para aperfeiçoar o Sistema Tributário

Nacional, visto o cenário e variáveis existentes atualmente. Contudo, para que este

aperfeiçoamento seja atingido, independente da ideologia ou visão política do

governo que tome a iniciativa de realizar as reformas necessárias, a repartição de

competências tributárias e a repartição das respectivas receitas arrecadadas devem

ser revistas, findando, ou mitigando, com a vinculação da arrecadação de

determinados tributos, correlacionados a setores específicos da economia, a entes

da federação.

Este ponto na reforma tributária seria fundamental para corrigir imperfeições,

que foram negligenciadas no texto originário da constituição de 1988, conforme

exposto na citação acima. Estas alterações trariam benefícios ao pacto federativo e

tornariam a autonomia administrativa e financeira entre os estados e municípios

mais equitativa, de acordo com suas respectivas competências constitucionais.

Page 46: INCOMPATIBILIDADE DA EVOLUÇÃO DA CONJUNTURA …

40

REFERÊNCIAS

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