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Revista experimental do curso de jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) | 2012

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Revista Experimental

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Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) - 2012.1

Departamento de Comunicação Social - [email protected]

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Inclusive

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RemetenteReportagem e Edição: Alana Lima, Elisa Rocha, João Vitor Cavalcan�, Julia Magnoni, Pablo Alencar, Pedro Paz, Peterson Mayrink, Sheila Tavares, Tauan Saturnino, Thiago Wagner e Túlio Vasconcelos.

Fotografia: Denilton Laranjeira e Paulo Andrade.

Foto da capa e ilustração: Paulo Andrade.

Edição e Revisão final: João Vitor Cavalcan�, Denilton Laranjeira e Túlio Vasconcelos.

Diagramação: Camila Almeida.

Colaboradores: Carlos Gomes (autor do conto San�ago) e André Dahmer (cartunista).

Apoio: Pró-Reitoria de Extensão (PROEXT) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Produção e Realização: alunos do 7º período do curso de Jornalismo, 2012.1

Orientação: Wilma Morais, professora e jornalista responsável.

Comissão Editorial: Profa. Dra. Ana Lúcia F. de S. Vasconcelos, tutora do PET Conexões e membro do Departamento de Ciências Contábeis da UFPE; Profa. Roseane Tramarin, mestra em Educação pela Universidade Cidade de São Paulo (UNICID).

Agradecimentos especiais: Prof. Anísio Brasileiro de Freitas Dourado, Reitor da UFPE; Prof. Edilson Fernandes de Souza, Pró-Reitor de Extensão; Prof. Wellington Pinheiro dos Santos, Coordenador de Gestão da Informação/Proext.

Apoio:

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Querido leitor, É certo que os envelopes não são tão facilmente encontrados nas livrarias,

não mais. As filas do correio nunca estiveram tão curtas, verdade. As car-

tas atuais parecem se resumir a cobranças ou envio de cartões de crédito indese-

jados - antes enchiam o destinatário de histórias, agora esvaziam bolsos.

As cartas perderam parte do uso, mas logo surgiram outras formas de con-

tar histórias. Manteve-se o hábito, a mudança foi apenas na forma. Não

tem mais rabisco nem mãos sujas de tinta, apenas cliques e barulhos de te-

clado: as mensagens chegam por e-mail.

Assim foram recebidas as histórias de vida dos alunos participantes do PET/

Conexão de Saberes – Programa de Educação Tutorial, da UFPE. Sem letras

borradas nem envelopes. Foi por correio eletrônico que chegaram às nossas mãos

- ou melhor, telas. Tudo nos padrões cômodos da modernidade, com uma

ressalva, não foram enviadas pelos autores, mas encaminhadas pela coor-

Parecia até que estávamos no conto de Edgar Allan Poe, A Carta Roubada.

Na trama, o prefeito de Paris está desesperado pelo desaparecimento de

uma carta de conteúdo sigiloso. “Não seria esse o caso dos estudantes que

relataram tão intimamente suas vidas nos textos?”, pensamos. Entretanto,

só após a leitura do material, percebemos que os textos, apesar de pessoais,

trazem mensagens sem pretensão de permanecer escondidas em envelopes.

A vivência desses estudantes serviria como ponto de partida para uma dis-

cussão mais ampla sobre o cotidiano universitário.

Por isso, pedimos permissão aos donos para compartilhar o conteúdo encon-

trado, já que esses textos não trazem prejuízo aos envolvidos, como acon-

denação do programa.

Page 5: Inclusive

síveis no e-mail. Além do mais, empréstimos só devem ser tomados pesso-

almente, principalmente quando o pedido é por histórias.

Ora, dívida de texto se paga com outros textos. Assim como aconteceu

com as cartas, que mudaram de forma ao longo do tempo, tomamos a li-

berdade de dar novos gêneros às mensagens originais. Os juros foram muitos:

reportagens, perfis, artigos, crônicas e entrevistas. Foram várias as formas

necessárias para ilustrar que uma universidade atual vai muito além de

vestibular e diploma, calouros e formandos, primeiro dia de aula e colação

de grau. Há, no meio disso tudo, o cotidiano, as emoções do dia a dia.

Como todo remetente, tememos que a mensagem seja extraviada ou re-

torne sem resposta, mas confiamos no método de entrega escolhido. Tam-

bém gostaríamos de agradecer a todos que nos ajudaram a reescrevê-la e

aos que certamente vão ressignificá-la. Claro, não poderíamos deixar de de-

sejar uma boa leitura. Esperamos que seja tão prazerosa quanto o processo

Cordialmente,

Alunos do 7o. período do curso de

riquecer quem os lê. Assim, foi apenas necessário tomar um empréstimo, a-

final, não somos personagens da imaginação de Allan Poe, não roubamos cartas.

Preferimos ir ao encontro dos escritores com o objetivo de dar vida às

mensagens, sem deixar de conhecer os rabiscos e papéis amassados não vi-

A rotina que passa despercebida.

de criação.

Jornalismo da UFPE

teceria no conto mencionado anteriormente. Pelo contrário, tendem a en-

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PERFIL

Vermelho CORAL

Por Elisa de Luzia

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p. 12

REPORTAGEM

Um misto de iniciativa,

perseverança e autoestima

Por Thiago Wagner

p. 14REPO

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Por

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p. 16

CONTO

SantiagoPor Carlos Gomes

p. 26

ENSAIO

Três visitas em um ato

Por Peterson Uchoa Mayrinck e

Paulo Andrade

p. 29

Page 7: Inclusive

- - - índiceREPO

RTAGEM

Liberdade, liberdade, abre as

asas sobre nós

Por Sheila Tavares

p. 18

REPORTAGEM

Eu, tu eles... e os outros

Por Tauan Saturnino

p. 21

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entrevista - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

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PET: sinônimode inclusão

Um pouco tutora, um pouco professora, um pouco mãe. São estas as atribuições de Ana Fontes, responsável pelo programa PET Conexões em Ciências Contábeis. Desde 2010, com o nascimento do projeto, Ana orienta alunos em situação de vulnerabilidade social, dando a eles a oportunidade de permanecer na Universidade. Entre coordenar ações de pesquisa e extensão, a professora acredita que ainda mais importante é ter a capacidade de ajudar estes alunos a vencer obstáculos, com o propósito de crescerem na vida, tanto na carreira acadêmica quanto na profissional, através da educação superior. POR JULIA MAGNONI

Como começou o trabalho do PET Conexões?

Ana Fontes - O PET Conexões nasce em 2010, no Edital da Secretaria da Educação Con�nuada do MEC, mas ele veio migrando do

Programa Conexões do Saber e, desde 2005, a gente tem um compromisso com ele dentro da Universidade. O PET Conexões conta com

um tutor e 12 alunos bolsistas, que podem par�cipar do programa até o 5º período. Em geral os alunos entram no 1º período, um

momento fundamental! O aluno vai chegar aqui e não vai ver ninguém que ele conhece, pois a grande parte de seu círculo social não

ingressa na Universidade. Ele entra na universidade sozinho, e, pra ele, é muito di�cil isso. O primeiro período é chave pra gente já se

colocar junto dos alunos.

Como o PET Conexões se diferencia de outros programas de educação tutorial?

A - Nós trabalhamos com vulnerabilidade social. Ao contrário dos programas que concedem bolsa por mérito, ou seja, para os melhores

alunos da turma, nossa filosofia é a de que este não é um patamar de comparação justo. Como você compara alunos que não �veram

oportunidades iguais? Os alunos que concorrem a bolsas do PET Conexões vêm de situações de vulnerabilidade social. Os critérios para

seleção são: ter estudado em escola pública no ensino médio; estar inserido numa situação de vulnerabilidade social, o que inclui a

questão financeira; e a vontade de par�cipar de um projeto de ensino, pesquisa e extensão. Essa úl�ma parte precisa ficar muito clara

durante o processo de seleção. Se o candidato já desenvolver algum trabalho como liderança comunitária, é um bônus, pois trabalhar

como canal de diálogo com a comunidade é um dos principais pontos do programa. Se ele já é uma espécie de líder comunitário, o

trabalho flui com mais facilidade. Quando não é, a gente também percebe que ele pode par�cipar sem problema porque pode vir a

desenvolver essa habilidade.

Qual o principal obje�vo do projeto?

A - Além da preparação acadêmica/cien�fica, eu diria que o principal obje�vo é a inclusão. É manter o aluno dentro da Universidade. A

bolsa que o aluno recebe é uma ajuda financeira justamente para este propósito. Mas ele precisa de muito mais do que apenas ajuda

financeira. Ele necessita realmente da inclusão aqui dentro. Ele nunca veio à Universidade, ele nunca par�cipou de nada na

Universidade, e quando entra aqui ele já inicia com o não-pertencimento ao espaço público, o que acarreta na baixa es�ma. Eles

possuem todas as dificuldades possíveis, desde meio de transporte para chegar à UFPE, até como se alimentar enquanto estão aqui e

ainda a falta de apoio familiar. Na maioria, os pais não têm curso superior, portanto eles não dão valor a isso. Os pais acham que ele pode

conseguir se manter e conseguir a sobrevivência do dia a dia de outra forma, e não pela educação. Esse é um grande fator para não

termos estes jovens, futuramente, como profissionais alcançando cargos elevados em empresas ou como professores universitários:

porque o caminho para estas opções de carreira é a educação.

FOTO: DENILTON LARANJEIRA

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entrevista- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

O primeiro passo para par�cipar do PET é dado pelos alunos? São eles que chegam para se inscrever no programa?

A - A vaga do PET é uma vaga pública. Temos, obrigatoriamente, que lançar um edital a cada vez que uma vaga abre. No edital estão

listados todos os pontos para par�cipar do programa. A cada vez que tenho uma bolsa que vagou, eu lanço o edital. O tutor é livre pra

lançar quantos editais forem necessários para ocupar aquelas 12 vagas. Publicamos o edital na universidade toda, inclusive no site, e

com a maior transparência possível, por ser vaga pública. Aqui em Ciências Contábeis, quando eles entram, logo nos primeiros dias de

aula, eu faço uma visita como professora tutora e pergunto se conhecem o PET, se sabem que podem ter ajuda aqui etc. Acabo já

ins�gando. A par�r desse momento, o aluno já começa a te procurar. A gente também divulga o programa no dia da Aula Magna, no

fórum de estudantes de origem popular, em cartazes, onde for possível. É importante que todos tenham acesso. E muitos nos procuram,

sim. Nossa demanda é bastante grande.

Como se dá a seleção de bolsistas?

A - É feita por etapas. A primeira é a documentação. Esta já é eliminatória, se não trouxer a documentação, o aluno é desclassificado. A

segunda etapa consiste em par�cipar de uma entrevista em grupo, onde os atuais bolsistas par�cipam para traçarmos alguns perfis.

Depois dessa etapa, eu ainda faço uma entrevista pessoal. O intuito é encontrar alunos comprome�dos, responsáveis e com potencial

para desenvolver ações de estudo, pesquisa e extensão. Algumas pessoas se candidatam com interesse exclusivo na bolsa de auxílio,

mas é raro. Para isto, a seleção é imprescindível.

Nesse meio tempo em que você trabalha com o PET, houve muitas histórias marcantes?

A - Todas as histórias são muito marcantes. Cada história tem um perfil e elas todas convergem em problemas de desigualdade social.

Vemos dificuldades inimagináveis. Alguns são alcóolatras, outros sofrem abuso em casa. E nós acabamos nos envolvendo muito com

estas histórias, portanto é preciso o tutor ter um limite bem definido de “até onde eu posso ir”. Nós aconselhamos, mas não

interferimos. E encaminhamos pra um apoio. Temos núcleos de psicologia social pra onde podemos encaminhar esses meninos. E a

gente acaba sendo aquela pessoa, aquele ponto chave, que a qualquer momento ele pode procurar. As histórias de vida são marcantes

no sen�do de que cada um tem um problema de desigualdade muito sério. Às vezes acabamos nos sensibilizando demais, nos

envolvendo demais. É di�cil encontrar o limite. Eu tenho bolsistas que disseram pra mim que iam desis�r do curso e quando entraram no

PET �veram o apoio que precisavam, um olhar de alguém pra eles. Eles entraram na Universidade e não viam ninguém. É um retorno

incrível.

Como vem sendo o apoio dado ao PET Conexões nestes úl�mos anos?

A - Nós temos muito apoio, tanto do Reitor quanto do MEC. O medo da sociedade era que esses alunos diminuíssem o nível de qualidade

da Universidade Federal. Nós temos um controle grande sobre isso. Todo semestre temos uma avaliação do histórico escolar onde

analisamos se estão cumprindo com as notas necessárias para cada disciplina. Se não estão, procuramos saber qual a dificuldade e

ajudá-los. O que não aceitamos é a reprovação por falta. A bolsa que estão recebendo é uma bolsa de permanência. Então se eles não

estão na Universidade, onde estão? Neste momento, procuramos os alunos, conversamos, tentamos entender o que está acontecendo.

Se após essas conversas o aluno con�nuar relapso com suas responsabilidades, mandamos cartas de advertência. O aluno tem direito a

receber três cartas. Após a terceira, não havendo mudança de comportamento, ele é desligado do programa. Mas é extremamente raro,

felizmente. E posso dizer que é um método e um programa que dá certo. Eu já par�cipei de bancas de Mestrado de alunos egressos que

agora estão no Doutorado. Isso é muito importante para a Universidade porque a gente sabe que está dando certo.

O apoio familiar é uma peça importante para a permanência destes alunos no programa?

A - Com certeza. A gente faz o possível pros familiares se aproximarem da gente. Não é porque os meninos entraram na Universidade que

acaba o contato com a família. Eles estão em fase de adaptação, precisam muito de ajuda. Os pais precisam saber o que eles estão

fazendo aqui, por que precisam chegar cedo pela manhã, que a�vidades estão sendo desenvolvidas. A fala do professor é o crédito que

esses pais precisam ouvir para confiar no trabalho desenvolvido na Universidade e para apoiar o crescimento acadêmico dos filhos. E os

pais se envolvem. Por incrível que pareça, nós somos muito procurados pelos pais.

Como é o retorno que estes alunos dão à comunidade?

A - Os alunos são os ar�culadores comunitários. É uma parte obrigatória e importan�ssima da par�cipação no PET, pois quando o

bolsista volta para a comunidade ele dá o exemplo para outros jovens de que é possível chegar até lá. Não é um sonho, é uma realidade.

Eles têm que entender que é uma realidade.

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Como se desenvolveu a oficina com os alunos do PET?

R - Enviava para eles textos com conhecimentos teóricos e, para a sala, levava

estratégias de dinâmicas para que entrassem em contato com o próprio eu. Na

primeira vez, desenvolveram uma linha do tempo, na segunda, a construção de um

brasão onde pensavam em um lema a par�r de duas dificuldades, duas qualidades e

um símbolo. Uma parte bastante importante dos encontros era quando

compar�lhavam com o grupo. Era uma oportunidade de olhar para si, desenvolver

um autoconhecimento e se expor, aprender com a experiência dos outros. A par�r

da análise do subconsciente, começavam a entender o jeito de cada um ser e estar

no mundo.

Como se deu a escrita das cartas?

R - Eles iam escrevendo e me mandavam. Não podia ser uma escrita qualquer. Era

produção de conhecimento cien�fico e precisava obedecer a alguns padrões, como,

por exemplo, as regras da ABNT. Escrever sobre histórias de vida é muito di�cil, você

tem que enfrentar fantasmas e prisões que às vezes você nem sabia que exis�am,

mas que são muito importantes no processo de autoconhecimento. É uma a�vidade

muito individual, cada um tem seu tempo de reflexão, revisitação da memória e

produção.

O que se tenta descobrir com essa escrita?

R - Chamamos de momentos charneiras experiências que podem ser posi�vas ou

nega�vas e que marcam nossas vidas. Enquanto esses momentos estão no nosso

subconsciente, é o medo, a prisão, a dor de barriga, mas, a par�r do momento que

tomamos consciência da existência e das conseqüências deles, podemos

ressignificar e mudar. É pegar a história de dificuldade e transformar em

oportunidade de ser ator e autor. Mas, a princípio, isso é muito doloroso, podem vir

à tona grandes dificuldades.

Além do ganho pessoal para os alunos, qual a importância da oficina e do

resultado dela?

R - É uma oportunidade de entender melhor o que passam esses alunos que veem de

comunidades carentes e poder mostrar isso aos gestores públicos. Mostrar que

chegar na universidade não significa vitória total e, assim, quem sabe, eles possam

usar a caneta para liberar verbas de uma maneira diferente. Além disso, fico

fascinada com a possibilidade de crescimento ouvindo os relatos dos outros, porque

nossa construção de iden�dade se dá na relação e não só nos ambientes formais de

educação.

entrevista - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

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as cartas não mentemRoseane Tramarim é Mestra em Educação pela Universidade Cidade de São Paulo com o estudo "Encontros e desencontros entre professores e alunos: uma pesquisa simbólica" e através da narrativa das histórias de vida dos alunos do Programa de Educação Tutorial Conexões de Saberes (PET Conexões) buscou produzir conhecimento científico. Em uma oficina ministrada por ela obteve como resultado vinte cartas a partir das quais esta revista foi produzida. A seguir, a pesquisadora explica a metodologia empregada e comenta os resultados obtidos.POR ALANA LIMA FOTOS: DENILTON LARANJEIRA

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perfil - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

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udo aquilo que de si emana um vermelho intenso. Definir T“coral” com essas palavras não foi di�cil. Foi obje�vo,

simples, até ingênuo. Complexo é colocar no papel toda a cor

vermelha que claramente pinta a vida de Felipe Coral. Paixão, dor,

persistência, luta, amor... tudo muito vermelho, tudo muito vivo,

tudo muito Coral.

A primeira vez em que vi Felipe ele estava em duas páginas de

uma carta aberta. Não sei se fui eu que o escolhi ou ele que me

elegeu, mas o fato é que acabei me encantando por sua história,

tão comum em seu início, mas certamente especial em sua

trajetória.

De família pobre, pais com baixa escolaridade e sem nenhum

incen-�vo que não a própria força de vontade, Felipe foi o único

dos quatro irmãos a se interessar pelos livros. Quase passou

fome, viu o pai lutar para colocar comida na mesa e viu de perto os

amigos que precocemente largavam a escola para trabalhar. Mas

Felipe seguiu o velho e bom conselho de que “se quiser ser

alguém na vida, tem que estudar”, e na bolsa o que mais pesava

era o persistente sonho de entrar na faculdade. Mas quem

conhece o ensino público brasileiro também já conhece essa

história. Ou o começo dela.

A história de Felipe Coral começa nas salas de aula capengas

de Vitória de Santo Antão. O filho de Seu Arlindo e Dona Maria

sempre se destacou nos estudos e as notas sempre foram

excelentes, só faltavam professores que lhe dissessem isso,

porque encontrar um que fosse às aulas era um trabalho

hercúleo. Já no Ensino Médio, às vésperas de terminar o segundo

grau, uma de suas professoras pergunta: “Felipe, você já sabe

para qual curso vai prestar ves�bular?” Palavra mais estranha não

haveria de soar tão desconhecida quanto aquela: ves�bular. Mas

depois de esclarecido o termo, como enfrentá-lo? As aulas ao

longo do 3º ano não somavam mais do que dez, e foi aí que surgiu

a necessidade de entrar nos cursos preparatórios.

“Após dias de espera, o resultado saiu e eu pude então

comemorar junto à minha família: eu era um aluno de Ciências

Biológicas da Universidade Federal de Pernambuco!”. Passar no

ves�bular, depois de uma conquista, foi a renovação da

esperança em um futuro melhor, a concre�zação da vitória de um

sonho muito distante. Mas longe de flores, a universidade acabou

se mostrando não tão acolhedora.

Dado o primeiro grande passo em busca de uma realidade

melhor, quatro di�ceis anos esperavam Felipe naquele campus

de Vitória. “As maiores dificuldades estavam por vir, e eu não

sabia”. Não sabia porque ninguém contou, porque ninguém

também sabia ou porque a vergonha não permite que certas

dificuldades saiam à luz da verdade, deixando-as embaraçadas

pelo medo de se expor.

As mínimas necessidades, encaradas pela grande maioria com

tanta facilidade ao acesso, foram uma barreira para Felipe.

Infelizmente, a universidade pede além de boas notas, e junto

com assiduidade e as provas vieram também as passagens de

ônibus, as xerox, a bata, as apos�las e os lanches para aguentar

um dia inteiro na faculdade. Emocionado, Felipe conta que

muitas vezes seu curso contava com cargas horárias integrais, e

nem sempre era possível arcar com todas as despesas: “não �nha

dinheiro sequer para comprar um cachorro quente; acabava por

passar o dia inteiro com fome, tendo apenas disponível a água do

bebedouro”. Graças à enorme dedicação e ao empenho, as

dificuldades não se estenderam à sala de aula, e com muito

estudo Felipe mantém-se bem nas disciplinas.

Com pouco mais de um ano de faculdade, Felipe ficou sabendo

da existência do grupo PET – Conexões dos Saberes, e conta que

desde então tudo melhorou. Com a bolsa mensal do programa,

Felipe consegue apoio financeiro para auxiliar nas despesas e

assim conseguir terminar o curso. “O PET mudou totalmente

minhas visões sobre uma série de aspectos, pois passei a ter um

olhar mais crí�co para todo assunto, além de ter me levado a ter

mais responsabilidades e respeito. Não há pontos nega�vos.

Indico sempre aos meus amigos que fiquem ligados para novas

seleções do PET”, diz Felipe.

Dessa grande história, ficam a dedicação e o amor à família:

“Sinto minha vida num grande momento e com muitas

oportunidades que são promessas futuras. Agradeço muito a

Deus por tudo que tenho conquistado e espero que minha vida só

melhore para que eu possa ajudar meus pais a terem uma velhice

mais tranquila e orgulhosa”. Um amor vivo, .Coral

vermelhocoralPOR ELISA DE LUZIA

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“Acho que sem eles eu não teria chegado à academia, pois são

o meu porto seguro, minha fortaleza, os responsáveis por quem

eu sou hoje”. Estas são lembranças da estudante Natércia França,

de 29 anos, hoje aluna do curso de Serviço Social na UFPE.

Em meio a lágrimas, Natércia falou sobre sua mãe, Dona

Severina Natércia, já falecida - uma inspiração na sua vida. Ela

ressalta que ter chegado à universidade é uma conquista da sua

genitora e não sua. “Todo o mérito que eu consegui nos estudos é

da minha mãe. Ela me deu a chance de estudar e sempre que

podia, estava presente. Mamãe nos abriu a porta das

oportunidades e, com isso, nos proporcionou voar alto”, diz

Natércia.

Para a psicóloga e professora do Depto. de Psicologia da UFPE,

Fá�ma Santos, o grupo familiar exerce um papel fundamental na

cons�tuição dos indivíduos. “As pessoas significa�vas para a

gente, com quem a gente tem um laço afe�vo maior, o apoio delas

é fundamental na nossa vida. Muitos

d e s s e s a l u n o s v i e r a m p a r a a

universidade apenas com o apoio da

família. Eles pode não ter o dinheiro,

mas têm o apoio moral e isso é muito

importante para qualquer um”, diz a

docente.

José Braga, pai da estudante, e a mãe

dela, se separaram quando Natércia e

seus dois irmãos ainda eram crianças. A

m ã e n ã o q u e r i a q u e o s fi l h o s

trabalhassem. “Ela teve que se doar

muito, trabalhava bastante como

empregada domés�ca para que nem eu,

nem meus irmãos viéssemos a passar

necessidade”, destaca a aluna.

Mas, de acordo com Santos, a família

também pode prejudicar os alunos,

podendo ser impedi�va em alguns

aspectos. “A psicologia é contra a imposição, no sen�do de

escolher isso ou aquilo para a carreira. A tenta�va é fazer com que

a pessoa opte por áreas onde ela se sairia melhor. Uma profissão é

uma escolha de futuro, e os pais não têm que dizer qual curso o

filho deve fazer. Mas muitos pais acham que, por exemplo, por

eles terem feito uma determinada carreira, os filhos têm que fazer

também. Isso acontece porque a gente entra na universidade com

pouca informação do trabalho que vai exercer”, explica a

psicóloga.

Culturalmente, a sociedade não admite que se fale mal do

grupo familiar. Ainda segundo a docente, muitas pessoas pensam

que se deve gostar de pai e mãe incondicionalmente. “Numa

família, nós temos relações afe�vas com as pessoas e se cria uma

relação de afeto, às vezes, confli�va, tumultuada, mas tem afeto.

Quando o sen�mento é ruim, as pessoas tem uma dificuldade

imensa de admi�rem que não gostam do pai ou da mãe, porque

há uma pressão social, como se fosse

natural ter que gostar deles. É muito

di�cil para as pessoas admi�rem o 'não

gostar' da família ou as dificuldades ela

causa. Às vezes, é tão pesado que elas

nem percebem e jogam para o

inconsciente e preferem não pensar”,

explica.

Fá�ma Santos já foi coordenadora

da Diretoria Geral de Assuntos

Estudan�s (DAE) e teve acesso a

estórias como a de Natércia, de alunos

e m d ú v i d a c o m o c u r s o q u e

escolheram. “A gente encontrava

m e n i n o s n o m e i o d o c u r s o

completamente perdidos porque não

sabiam o que queriam. Eles sabiam o

curso que pretendiam, mas não

podiam optar por ele porque a família

.........................................................................................12

reportagem - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

QUANDO FAMÍLIA E ESCOLACAMINHAM JUNTAS

POR TÚLIO VASCONCELOS

FOTO: DENILTON LARANJEIRA

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reportagem - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

não deixava. Da mesma forma que a família apoia, pode também

ser impedi�va” argumenta.

Se o ingresso no ensino superior representa uma vitória para

esse grupo de estudantes, a outra pode ser garan�r a

permanência na universidade até a conclusão do curso. Oriundos

de famílias de baixa renda, esses estudantes precisam financiar

seus estudos, contando com uma pequena ajuda familiar.

Provenientes de outras cidades ou estados, alguns deles têm suas

despesas acrescidas pelo fato de não morar com a família. Nesses

casos, residem na casa do estudante universitário, ou com

parente, ou ainda, dividem casa ou apartamento com colegas (ver

box abaixo).

“Na época em que eu estava no DAE, as casas do estudante

possuíam uma demanda maior que vagas, pois não havia dinheiro

para construir outras. O estudante que entra na casa tem direito à

bolsa permanência, fundamental para a jornada da universidade.

Na casa do estudante, esses alunos se deparam com muita

diversidade. Eles ficam sozinhos e sem o apoio familiar, com gente

de valores e mundos diferentes. É uma coisa muito dura”, afirmou

Santos.

A psicóloga ressalta ainda que, no Brasil, a religião exerce muita

influência na vida desses estudantes (ver box ao lado). Na opinião

dela, as pessoas tendem a transferir as suas conquistas para a

religião ou para a família. “A religião implica em crenças muito

fortes, principalmente os católicos e os evangélicos. Na

cons�tuição do que a gente conhece hoje como Brasil, a igreja

veio muito atrelada com o estado. Muitos dos valores e a ideia de

família possuem conotação religiosa”. A sociedade brasileira, em

sua construção, é religiosa na sua essência, pois os primeiros

habitantes já traziam em suas raízes o culto e os ritos. A par�r da

colonização vieram outras culturas e assim outras manifestações

religiosas que se chocaram com as já existentes.

Na vida de Natércia, religião e família se cruzam. Na vida desses

estudantes, elas exercem um papel fundamental para fazê-los

acreditar que podem conquistar o espaço universitário que, na

maior parte de suas vidas, esteve muito longe de suas realidades.

Tal qual Natércia, outros estudantes encontram na família e na

religiosidade a possibilidade de uma acolhida singular para os

desafios das suas vidas. O espaço universitário, para todos, passa

a ser um sonho possível.

São duas as Casas dos Estudantes Universitários (CEU’s), localizadas no Campus Recife. Oferecem um total de 276 vagas, sendo 80 para a Casa Feminina e 196 para a Casa Masculina. A Casa Feminina possui 16 quartos, cada um com cinco vagas, e um quarto para hóspedes com 16 vagas. A Casa Masculina possui 48 apartamentos divididos por três andares e um quarto para hóspedes. As casas contam com banheiros, salas de estudos individuais e para grupos, biblioteca, sala de computação com computadores ligados à internet, espaço para assistir TV, recepção, cozinha com refeitório, área de lazer com quadra de esportes, lavanderia e jardim.

O RETRATO DA FÉ NO BRASIL

O catolicismo segue sendo a religião com

maior número de seguidores no país

(68,43%, cerca de 130 milhões de pessoas),

seguida pelo protestantismo (20,2% da

população) e pelo espiritismo (1,65%). Estes

são dados de 2009, do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE) e da

Fundação Getúlio Vargas (FGV). O grupo de

pessoas que dizem não pertencem a

nenhuma religião equivale a 6,7% da

população.

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lguém que acredita no próprio potencial. Esta é a impressão Aque temos ao conversar com o estudante de Ciências Biológicas Wellington Maurício de Almeida, 20 anos. Natural de Lagoa do Itaenga, Zona da Mata de Pernambuco, o jovem é uma das provas de que é possível quebrar os paradigmas e as predefinições da vida para assumir um lugar de destaque na sociedade. Wellington superou não só a barreira do ensino público deficitário como também venceu o gargalo do ves�bular. Hoje, ele se orgulha de estudar em uma boa ins�tuição de ensino do país. As oportunidades já não parecem tão distantes. Engana-se quem pensa que a trajetória de Wellington foi fácil. Como todo enredo de superação, exis�ram muitas dificuldades no caminho. A primeira delas foi o ensino médio, que segundo Wellington, nunca atendeu às expecta�vas. “Eu só me preocupava em passar de ano. Nunca �ve outras grandes preocupações. Só quando fui ficando mais velho que notei que o meu ensino era fraco. Chegou um momento em que não �nha aulas. Eu sen�a falta”. A defasagem de Wellington era tamanha que o garoto nem sabia o que era ves�bular. “Cheguei no terceiro ano e me

perguntaram o que eu faria de ves�bular. Eu nem sabia o que era aquilo. Só depois que me explicaram que procurei saber o que era”, confessa. Mas se Wellington não sabia nem o que era ves�bular, como veio parar na universidade? A resposta está em duas palavras: perseverança e inicia�va. Wellington sabia que não �nha uma boa base formadora na escola, por isso procurou outras formas de obter o conhecimento necessário. Uma delas foi se matricular em um cursinho próximo de sua casa. “Eu não fiquei parado. Fui atrás e encontrei um cursinho perto. Me matriculei e comecei a estudar de domingo a domingo. Sempre acreditei no meu potencial”. Além da determinação, Wellington também contou com o apoio da família. “Meus pais sempre me apoiaram e diziam que eu estudasse. Não era fácil para eles, mas nunca me sen� sozinho”, e o resultado de tanto estudo acabou se concre�zando no final do ano. Wellington foi aprovado no curso de ciências biológicas da Universidade Federal de Pernambuco, campus de Vitória de Santo Antão. O nosso personagem superava a primeira grande barreira acadêmica da sua vida. “Fiquei feliz. Eu mal sabia química e biologia e fui aprovado. Foi ó�mo”.

perfil - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

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Um misto de

perseverança,

iniciativa e

autoestimaConheça a história de Wellington, um jovem de Lagoa do Itaenga que superou não só a barreira do

vestibular como também as dificuldades da universidade.

POR THIAGO WAGNER

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perfil - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

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No entanto, a história de superação de Wellington não teria o seu fim no ves�bular. A universidade trouxe outras dificuldades, talvez maiores do que esta úl�ma. Wellington encontrou um choque de realidade na ro�na de ensino. Não conseguia acompanhar o ritmo das aulas. O reflexo do baixo nível do ensino médio aparecia. “Eu não �nha base alguma. O professor de química chegava, colocava os exercícios e eu não entendia como aquilo funcionava. Primeiro período eu sofri muito para passar. Tive que estudar muito”. Além disso, Wellington encontrava problemas de transporte para o campus de Vitória. Exis�a o ônibus da prefeitura que o pegava em casa e o deixava na universidade. No entanto, o horário nunca ba�a com as aulas. “No início eu sempre chegava atrasado. Isso só piorava a situação. Eu não conseguia acompanhar por causa da defasagem e porque chegava atrasado nas aulas. Tive que começar a pegar o ônibus da manhã para chegar na hora”. A alterna�va encontrada por Wellington, porém, lhe trouxe outro problema. Como agora passava o dia todo na faculdade, ele não �nha como se alimentar corretamente. O campus de Vitória não possui Restaurante Universitário (RU) e, assim, �nha que comer “besteiras” para se manter alimentado. “Lá em Vitória tem uma senhora que vende lanche. Eu me virava com ela. Também �nha um restaurante, mas era muito caro. Eu não podia pagar”. O momento da virada se daria por meio da assimilação de novos conhecimentos. Wellington descobriu que poderia u�lizar o tempo livre na universidade para ajudar os colegas de períodos anteriores. Ele seria monitor de anatomia. Assim, além de ocupar o tempo livre, também receberia um auxílio que lhe ajudaria na compra de livros, na alimentação e no transporte. Com a nova ocupação e com dinheiro no bolso, Wellington melhorou nos estudos. As notas começaram a subir e as dificuldades começaram a ser lembranças do passado. O transporte já não incomodava tanto e a alimentação já não era tão ruim como antes. Wellington queria mais. Aconselhado por uma amiga, se inscreveu no Programa de Educação Tutorial (PET). A ideia era não só aumentar a renda como também abrir novos horizontes dentro da universidade. “Com o PET eu pude adquirir novos conhecimentos. Além disso, pude par�cipar de projetos em

escolas de Vitória de Santo Antão” - Wellington se refere aos cursos de extensão que o PET promove fora da universidade com o obje�vo de levar o campus para outros locais, como escolas públicas. Apesar de não considerar um problema para si, o PET também auxiliou Wellington a aprofundar o seu relacionamento com outros alunos. “Pude trocar experiências com os meus amigos que também eram bolsistas. Eu poderia u�lizar um conhecimento de enfermagem na minha área, por exemplo. É muito interessante este �po de troca”. Com as dificuldades superadas, Wellington começou a mirar novos planos. E, ao contrário de outros alunos do PET que ainda possuem dúvidas sobre o que querem para o futuro, Wellington já parece bem decidido sobre o que quer fazer ao se graduar: planeja seguir a carreira acadêmica como pesquisador. “Me iden�fico muito com a pesquisa. Fui monitor de anatomia e vejo alguns trabalhos de pesquisa dos meus professores. É uma área que se eu �ver oportunidade desejo seguir. Assim que encerrar o curso quero iniciar o mestrado”. Além de pesquisador, Wellington planeja ser professor, mas ressalta que não deseja ser professor de ensino médio, a preferência é pela docência universitária. “Vi que os professores de ensino médio sofrem. Não quero isso para mim. Se for para ser professor, que seja universitário. Vai ser melhor”. Para mais além desses planos, ele não esquece de olhar para outras esferas no futuro. Uma delas é ir para o Recife. Segundo Wellington, a capital pernambucana poderá oferecer mais oportunidades para sua profissão. “Onde moro, e até mesmo em Vitória, é complicado de conseguir espaço na minha área. Penso em um dia ir para o Recife e me estabelecer. É melhor e terei mais oportunidades”. Wellington não pensa apenas nos estudos. Seu principal hobby é ler no computador aos domingos. “Não sou muito de sair. Como tenho uma ro�na cansa�va durante a semana, gosto de aproveitar o domingo para descansar. Gosto de ler no computador e de assis�r televisão. É mais sossegado...”. E é com esse jeito sossegado que o garoto de Lagoa do Itaenga segue a vida. Com um olhar fixo no futuro, o jovem parece não mais se abater com os obstáculos que encontra pelo caminho. Superação passou a ser a palavra de ordem.

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ILUSTRAÇÃO: ANDRÉ DAHMER

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om esta resposta, Waniery Lima da Silva se defrontou com Calgo que permaneceria latente em sua memória: a descrença em sua capacidade de gerir e produzir conhecimento. Levemente angus�ada quando se recorda do fato, ela hoje o trata de maneira crí�ca e assume uma postura autônoma diante do ocorrido: quando aluna do ensino médio, a professora solicitou que fizesse uma redação sobre a cultura no Brasil, mas ao receber o texto de Waniery a reação da docente foi de total descrédito, afirmando que a estudante era incapaz de ter produzido aquela notável redação e que aquilo teria sido copiado de outras fontes. Indignada, mas retraída diante do impacto dessa a�tude, a aluna contra-argumentou �midamente “professora, fu i eu que o

escrevi”. Quando ingressou no programa PET Conexões, já como estudante do curso de Serviço Social da UPFE, o fato emergiu à sua memória: “Essa lembrança veio quando comecei a escrever a minha historia de vida, em uma oficina do Programa. Precisávamos colocar momentos marcantes, e lembrei, revoltada, como um professor pode fazer isso com um aluno”, explica a universitária. Waniery afirma que se �vesse o discernimento que tem hoje não teria agido passivamente e teria conversado com a professora sobre as mo�vações que a levaram a assumir uma postura de desconfiança em relação à sua capacidade intelectual. Segundo Waniery, na escola onde aconteceu o fato não se �nha o hábito de se refle�r, de colocar as questões em debate, pois o ensino estava preso a uma educação conservadora onde a par�cipação do aluno em sala de aula era bastante restrita, e por

vezes reprimida. Foi na universidade, e através das diretrizes do PET Conexões, que a maneira de observar o mundo tomou outra dimensão: “quando cheguei à universidade foi bem diferente e, lendo autores, aprendendo com as pessoas da universidade, comecei a ver a essência dos fatos, não só a aparência destes. Comecei a ter um pensamento mais reflexivo com as coisas que acontecem na minha vida e também na sociedade”, revela. Essa descrença na relação professor/aluno, mais especificamente no caso da redação rejeitada, reflete muitas fragilidades que estruturam o ambiente escolar. De acordo com a pedagoga Ana Gabriela Nepomuceno, o professor muitas vezes comete o erro de associar a capacidade intelectual do aluno à sua condição social, achando que por o aluno apresentar uma posição socialmente menos favorecida, será intelectualmente inferior, levando a um desacreditar de si próprio. “Se o professor olha para aquele aluno e não acredita nele, ele também não acredita em si mesmo, e muito menos no sistema de ensino no qual ele está trabalhando. Essa desconfiança na educação é muito comum no ensino público, refle�ndo as dificuldades estruturais e ideológicas dessa escola”, revela Ana Gabriela. A pedagoga esclarece que essas relações de conflito não são exclusivas das escolas públicas. “Algumas tensões acontecem tanto no público como no privado, pois estamos em uma relação social, humana. E relação humana exige que você lide com aquilo que é diferente de você, gerando uma dinâmica que não é necessariamente homogênea e nem sempre pacífica”, conclui Ana.

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Professora,fui eu que escrevi...

POR PABLO ALENCAR

reportagem - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

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reportagem - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

Entretanto, mesmo desmo�vada com o impacto da falta de credibilidade em sua produção, Waniery resolveu conduzir aquilo de maneira diferente, revertendo seu desânimo em mo�vação para seguir adiante. “Poderia ter trazido isso para a minha vida, pois a professora, como autoridade, estava certa e eu não seria capaz. Mas eu não pensei assim, não desis�. Eu sempre quis seguir uma carreira acadêmica, e esse desejo me impulsionou para ir além. Meu pensamento é de que posso sim, com esforço, perseverança, e principalmente acreditando em si próprio”, revela Waniery. Para Milton, a superação de Waniery se explica por um conceito novo em psicologia emprestado da engenharia, a resiliência. Esse conceito se refere à capacidade que alguns materiais têm de, mesmo sofrendo pressões de peso, conseguem retomar o equilíbrio necessário para que aquela construção se mantenha de pé e segura. “Cada vez mais em psicologia vemos que os sujeitos não são determinados pelos seus traumas. No caso específico desta adolescente, em vez dela paralisar nesse obstáculo, ela foi capaz de transformar isso numa oportunidade de testar-se, e saiu disso já com uma bagagem da capacidade de resiliência que talvez desconhecesse”, explicita Milton. No entanto Milton alerta que, o trauma pode ser ou não superado dependendo da capacidade de resiliência do estudante. Ele ressalta que a função do educador não é a de reprimir, e sim disciplinar no sen�do de dar o con�nente que o aluno precisa para usar seu potencial. “O ideal é fazer a crí�ca de modo que esse sujeito que está em pleno desenvolvimento perceba uma preocupação do educador em explorar junto com ele as suas potencialidades. Isso vai diferenciar de repressão, que tem o propósito de barrar o potencial do individuo, de colocá-lo inclusive em um patamar de inferioridade com o professor”, explana o psicólogo. Mesmo com a repressão sofrida no ensino médio, Waniery acredita que a educação pode ser transformadora, em que o professor pode incen�var o aluno a ques�onar, a ter autonomia diante da capacidade de ver e construir o mundo. Com isso em

mente, ela pode estar também do outro lado da situação assumindo o papel de educadora - experiência vivenciada por Waniery em 2011, quando par�cipou do projeto Trocando Ideias, desenvolvido pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), que oferece um curso pré-ves�bular para estudantes de escola pública. Por um golpe de des�no ou por simples coincidência, Waniery acabou por dar aulas na mesma escola em que sofreu o impacto da “redação rejeitada”. Segundo a estudante de Serviço Social, o Trocando Ideias é um �po diferente de pré-ves�bular, no qual a proposta é o diálogo com os alunos, por isso o nome. Nesse preparatório, os professores são chamados de monitores e as aulas de encontros. “Nesse projeto a gente foi conscien�zado a não pensar de maneira autoritária, mas sim a potencializar os pontos posi�vos do aluno e debater honestamente as suas dificuldades. Nós abríamos espaço para eles ques�onarem, saber o que podiam melhorar, pois é preciso ouvir o conhecimento que eles também podem passar”, expõe Waniery. A universitária exerceu, no Trocando Ideias, a a�vidade de corretora de redações, e diz que passou a ter mais cuidado com o aluno no momento de apontar os erros e os acertos de sua produção. “Quando passei a corrigir redações, eu tentava não ver somente os defeitos, mas também o diferencial do aluno. E nas sugestões que eu escrevia, eu colocava os pontos posi�vos dele, pois acreditava na sua capacidade, não desvalorizando ou culpando o estudante de não ter produzido aquilo, pois eu sabia como isso era frustrante”, confessa a estudante. Ela conta que essa experiência a fez crescer no aprendi-zado da vida e a ver com mais sensibilidade como se consolida a relação aluno/professor na construção do conhecimento: “Eu queria que o professor pensasse que ele é um colaborador, e que precisa respeitar o que o aluno tem a dizer. Em sala de aula deve exis�r uma troca, onde ambos se beneficiem com o que cada um traz de edificante, e não deixar que o estudante desenvolva pelo educador uma sensação de temor e de submissão”, conclui Waniery.

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Outro ponto essencial a ser observado é o direcionamento ver�cal e hierárquico que a relação professor/aluno tem tomado. Segundo a docente do Colégio da Polícia Militar do Recife, Alexandra Wanderley, é preciso que se descor�ne a ideia de que professor é uma en�dade superior, autoritária, pois ele funciona muito mais como um orientador, e que sua relação com o estudante necessita ser humanizada. “Autoridade não é autoritarismo, são duas coisas completamente diferentes. Se o profissional for realmente é�co, ele vai estar junto daquele indivíduo, dialogando, sabendo suas par�cularidades durante todo o ano. Se a professora leu a redação e já foi acusando a aluna, não deu possibilidade nenhuma de acompanhamento, de diálogo. A impressão que tenho é a de que essa professora não conhecia bem a sua aluna, pois não par�cipou da evolução dela”, enfa�za. Alexandra salienta que a relação ideal com o aluno é a baseada na conversa franca e no respeito, que funciona como um

contrato informal entre ambos os lados. “Esse conhecer o outro é di�cil, pois é construído no dia a dia, na escuta, no tocar, e principalmente no observar. O professor precisa ser, além de tudo, um bom observador”, explica a docente. De acordo com o psicólogo da Vara Regional da Infância e Juventude em Pernambuco, Milton Bezerra, na adolescência, uma presença repressora do educador inibe o processo de aprendizagem a ponto de muitas vezes causar um bloqueio no processo que Piaget chama de desenvolvimento cogni�vo esperado do Sujeito. “O adolescente, que se encontra numa fase crescente pela produção de conhecimento, ao se deparar com esse não reconhecimento de seu talento como algo construído, pode comprometer sua vida escolar. O professor traça um certo roteiro do saber para o aluno, e se essa autoridade deslegi�ma o interesse, certamente produz no estudante uma visão de menos valia”, esclarece Milton.

“Autoridade não é autoritarismo”

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LIBERDADE,liberdade,

reportagem - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

esde os tempos mais remotos o homem tem recorrido à Deducação - quer seja para o conhecimento, subsistência,

quer seja como forma de poder ou dominação. Com o passar do

tempo, a educação contribuiu bastante para a tomada de

consciência sobre o que é liberdade.

O fenômeno da libertação esteve sempre presente ao longo de

nossa história. Muitas vezes negada, outras afirmadas, porém

sempre trazendo consigo condições favoráveis para ser um fato de

consciência histórica, significa�vo nas áreas sociais como na

educação, na economia, na polí�ca, na medicina, na religião e nas

crenças em geral, além de se fazer presente em muitos outros

setores que compõem a sociedade, manifestando a extrema

necessidade da conscien�zação como forma de o ser humano

compreender a se situar em face da totalidade do universo.

Na educação, no decorrer da história, vários teóricos da

comunicação, filósofos, educadores, discu�ram sobre a

importância de uma educação libertadora como aquela que

liberta o indivíduo das suas condições de oprimido tornando-o

protagonista da própria história. Deste modo, a educação

libertadora tem se reafirmado como uma educação que implica na

busca realizada por um sujeito que é autor da própria historia e

não o objeto dela.

No Brasil, Paulo Freire, um dos maiores teóricos da educação,

postulou e travou lutas contra todas e quaisquer prá�cas de

educação repressora. Freire vivenciou um período da ditadura, no

qual a educação foi a área mais prejudicada pela opressão. As

polí�cas ideológicas de opressão adotadas tornavam alguns

indivíduos sujeitos da opressão, enquanto outros se reduziam à

condição de oprimidos.

Sempre atento à realidade social brasileira, Freire notou que só

com uma postura crí�ca e reflexiva os indivíduos poderiam

reivindicar seus direitos de igualdade e de oportunidade, e que

POR SHEILA TAVARES

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ABRE ASreportagem - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

isso só seria possível através da educação. Freire via na escola a

primeira oportunidade de mudança para o novo processo

libertador. Segundo ele, essa educação libertadora se daria na

escola através da relação igualitária entre o professor e o aluno,

onde o professor deve deixar de usar uma pedagogia bancária -

aquela que vê o aluno apenas como um depósito de

conhecimento, e passar a vê-lo também como uma pessoa que já

tem seus conhecimentos prévios e pode contribuir para construí-

la.

Freire deu grande contribuição à sociedade brasileira

mostrando que é possível uma educação libertadora onde todos

poderiam ter igualdades de oportunidades, de direito à educação,

e principalmente a consciência de que cada indivíduo pode ser o

sujeito transformador da sua própria realidade. E isso só seria

possível se todos �vessem acesso à educação.

Para responder à demanda, a educação no Brasil tem

desenvolvido polí�cas públicas de inclusão das classes mais

pobres. Com a criação de sistemas de ensino público, com escolas

de ensino básico, médio e universitário, o país tem contribuído

bastante para que as classes mais pobres tenham oportunidade de

alcançar uma profissão e serem reconhecidas.

Apesar do ensino público, entre o nível básico e o médio, ser

muitas vezes precário, os menos favorecidos procuram as

universidades públicas por ser este o único meio de alcançarem a

formação superior. Ao concorrerem a uma vaga nas universidades

públicas são poucas as chances de entrar. Às vezes só com muitas

tenta�vas, pois é grande a concorrência com os estudantes que

vêm de escolas privadas e têm posição mais vantajosa por terem

uma base e um ensino de maior qualidade.

Ainda que ingressem na Universidade, os estudantes de classes

populares têm grandes dificuldades em se manterem nos estudos

por várias outras demandas como: fotocópias, custos com

transportes, alimentação, entre outras exigências da vida

acadêmica que suas condições financeiras não sustentam. Para

minimizar o problema, o país tem criado programas de

con�nuação dos estudos que dão bolsas (durante a graduação

bem como na pós-graduação) a esses estudantes das classes

populares para ajudar, de certa forma, a permanência na

universidade.

Na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) existe o

Programa de Educação Tutorial / PET Conexões de Saberes que,

segundo seus beneficiários, além de contribuir para a

permanência deles nos estudos tem lhes ajudado a se reafirmar

como sujeitos, buscando uma educação mais libertadora.

asas

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SOBRE

reportagem - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

INCLUSIVE conversou com três bolsistas PET para ouvir como

essa educação libertadora tem se dado, na prá�ca. Eles só

começaram a conhecer uma educação mais libertadora depois

que entraram na universidade, e isto aconteceu pelo fato de o

ensino ter aguçado as suas posturas crí�cas em relação à

realidade que lhes rodeia, proporcionando-os uma nova visão de

mundo. Leia alguns trechos de seus depoimentos marcantes:

Para Jemyson Henrique de 23 anos, estudante do 6º período

do curso de pedagogia da UFPE, a educação libertadora seria a

conquista de um sonho através da própria educação. “No meu

caso, sou de família de origem popular e não teria outra forma de

alcançar uma melhor condição de vida se não fosse pela

educação. Depois que entrei na Universidade passei a olhar as

coisas ao meu redor com um senso mais crí�co, deixei de ver as

coisas apenas em uma perspec�va e passei a olhar de todos os

lados. A educação libertadora faz com que o indivíduo alcance

seus sonhos”, confirma Jemyson.

Karla Roberta de 24 anos, graduanda em pedagogia na UFPE,

compar�lha da mesma opinião. “Acredito que depois da minha

entrada no PET tenho vivido essa educação libertadora, pois nos

anos anteriores ao meu ingresso na universidade, o ensino médio

me alienou. Eu estava alheia a tudo, inclusive aos assuntos que

me afetavam e ainda me afetam. Posso dizer que naquela época

eu era uma aluna treinada, e bem treinada, como diz Freire. E só

de eu entrar em contato com teóricos como, Freire, Gramsci,

Althusser, e de professores com ideias e discursos bem crí�cos e

reflexivos, pude mudar minha maneira de olhar as coisas, e passei

a me ver como pessoa que pode interferir no meio, e não apenas

ser interferida. Isso tem me causado uma concepção de mundo

bastante diferente da que �nha antes”.

Já Natércia França de 29 anos, graduanda em serviço social,

comenta que sempre soube que a educação era a única forma de

mudar a sua realidade, mas que não conhecia os mecanismos de

como fazê-lo, mas agora já sabe. “Hoje sei que com o

conhecimento que adquiri e através de mecanismos de

reivindicação posso lutar para mudar a realidade não só minha,

mas também a realidade dos que estão à minha volta”.

Natércia conta ainda que a par�r dos saberes adquiridos está

desenvolvendo projetos de pesquisa e extensão. Ela pretende

cursar a pós-graduação, fazer mestrado e doutorado, e con�nuar

a trilhar o caminho do conhecimento, construindo assim sua

própria história.

Três bolsistas, o PET e uma educação libertadora na realização de sonhos

NÓS.

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Jemyson, Karla e Natércia

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Jaqueline Lins Dias não estudou em colégios privados. Nascida no dia 20 de janeiro de

1987, em Jandira, São Paulo, ela se mudou para o Recife ainda criança e hoje mora na

comunidade Alberto Maia em Camaragibe, Grande Recife. Filha do pedreiro Aurelino

Pereira Dias e da costureira Iolanda Lins da Cruz, ela viveu o drama da separação dos pais,

com o detalhe da quantidade de irmãos - 10 apenas da mãe, fora os filhos do primeiro

casamento do pai. Apesar das dificuldades, Jaqueline conseguiu entrar na Universidade

Federal de Pernambuco, onde cursa o 6º período do curso de Pedagogia. Ela participou do

Programa de Educação Tutorial (PET), e hoje estagia na sua área. Dentre os conhecimentos

adquiridos na universidade um a fez questionar a condição de discriminação que passa

por parte do Estado: o conceito de “outro” usado por ela para repensar sua condição

enquanto estudante e futura educadora.

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entrevista- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

Como era a sua vida antes de entrar na universidade? Sua história e seu relacionamento com seus pais?Jaqueline – Minha vida foi um pouco complicada. Minha mãe foi embora e nos deixou sozinhos com meu pai que na época estava desempregado. Na ocasião, eu �nha sete anos de idade e minha irmã menor �nha dois. Nós passamos muitas dificuldades, mas �vemos ajuda de algumas pessoas, como nossos vizinhos, e fomos vivendo até que meu pai conseguiu um emprego de pedreiro na prefeitura de Camaragibe e passamos a ter uma renda melhor. Nós sempre estudamos, mesmo não tendo muita condição e nem muito incen�vo, mas meu pai só estudou até a quarta série. Eu me orientei muito pelos meus irmãos. Um deles gostava muito de inglês e arte. Sempre buscávamos estudar, tanto eu quanto as minhas irmãs. Hoje, graças a Deus, me dou muito bem com a minha família, em especial com a minha mãe apesar dela não ter passado grande parte da minha vida comigo e não nos conhecermos tanto quanto eu gostaria. Em relação aos meus irmãos e ao resto de minha família, eu amo todos eles.

e os outros.

POR TAUAN SATURNINO

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E sua vida escolar? As escolas nas quais estudou preparavam para o ves�bular?J – Desde pequena eu estudei em escola pública. Comecei estudando em uma igreja, pois não havia escola no local, e depois passamos para a Escola Nossa Senhora do Carmo, onde estudei de primeira à quarta série. Após isto fui para a Escola Reunidos do Timbi, onde fiz de quinta à oitava, e por fim fui para a Escola Carlos Frederico, onde fiz o ensino médio. Todas essas escolas eram públicas. Quando estava cursando o terceiro ano eu nem sabia o que era o ves�bular. Só vim saber por conta de uma colega da minha sala que estudava muito. Nós comentávamos: “O que é que essa menina tem que não vai mais pras aulas?”, e ela dizia que estava fazendo o pré-ves�bular. Foi aí que caiu a ficha. No ano seguinte comecei a me preparar. Par�cipei do programa do governo Rumo ao Futuro no qual �nhamos aulas todos os sábados. Eu ia desis�r desse cursinho, mas acabei ganhando isenção na inscrição do ves�bular por conta dele, por meio de uma prova na qual fiquei em segundo lugar.

Como foi sua experiência no ves�bular?J – Quando cheguei para prestar o ves�bular na primeira vez, para o curso de Letras, eu levei um susto. Você vê aqueles alunos com aquelas camisas dos cursinhos e causa um impacto. Entretanto, eu não me deixei abater. Fiz a prova e passei na primeira fase, mas na segunda levei ponto de corte. Após isso, eu me inscrevi no pré-ves�bular da UFRPE, à tarde, e comecei a fazer o magistério, pela noite. Fiz novamente o ves�bular para Letras, mas não consegui entrar. Depois da segunda decepção eu me desanimei e decidi não estudar para o ves�bular e ficar apenas no magistério. Estagiei, na época, em escolas públicas de Camaragibe. Então resolvi me inscrever outra vez para o ves�bular, desta vez para Pedagogia por causa do magistério. Eu passei tanto na UPE quanto na UFPE. Optei pela úl�ma por causa da distância de minha casa.

Qual a reação de sua família à sua entrada na universidade?J – Minha família ficou muito feliz. Quem estuda em escola pública carrega consigo um rótulo. As pessoas pensam que você não é capaz. Até os professores não dão conteúdos mais di�ceis por não acreditarem na capacidade do aluno. Então foi uma surpresa. Eu surpreendi a minha família que viu que, mesmo sem condições financeiras, eu �nha conseguido. Eu e minhas irmãs menores sempre buscamos muito o estudo. Graças a Deus, hoje uma está na faculdade e outra está fazendo curso técnico e pretende fazer ves�bular. Meu pai e minha mãe têm muito orgulho de nós. Na comunidade passamos a ser uma referência. Temos uma vizinha que faz EJA (Educação de Jovens e Adultos) e sempre nos procura quando tem alguma dificuldade nos estudos.

O que lhe surpreendeu na universidade?J – É muito diferente do ensino que eu estava acostumada a ter na escola pública. Lá os trabalhos eram fáceis e eu fazia rapidamente. As pesquisas nós fazíamos pela Internet. Apenas copiávamos e entregávamos. Aqui, na universidade, nós vemos que a pesquisa não se resume a isso. Mudou muito a questão da didá�ca dos professores. Na universidade é cada um por si. O professor bota o assunto e você se vira. Existem, também, professores que não consideram a necessidade das pessoas que fazem curso de noite e não entendem que esses alunos precisam trabalhar e que o lugar onde eles moram pode ser perigoso. Os professores deveriam ter a consciência disso.

Como você conheceu o PET?J – Eu conheci através de uma amiga, Taciana. Ela �nha me dito que estava par�cipando do grupo, mas eu não dava atenção, até que um dia ela disse para eu ler a história de vida dela. Eu achei muito bonita e interessante a história e quase chorei. Então eu perguntei o mo�vo dela ter escrito aquilo e ela disse que foi uma a�vidade do PET que geraria até um livro no futuro. A par�r daí eu me interessei em par�cipar. Na época, eu estava trabalhando e �ve que deixar, pois aquilo estava consumindo muito meu tempo. Meu pai foi contra, mas acabou cedendo. Foi então que comecei o PET como voluntária e as minhas colegas é que me ajudavam com a passagem.

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entrevista - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

“Quem estuda em escola pública carrega consigo um rótulo”

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Qual foi seu projeto para o PET e o que o Programa acrescentou à sua vida acadêmica?J- Elaboramos um projeto muito interessante sobre gestão escolar e educação integral. Algo que contribuiu muito para minha formação, pois eu não �nha nem noção do que era educação integral. Conhecemos vários autores que trabalhavam com essa temá�ca. No PET nós também fizemos várias oficinas e elaboramos nossas histórias de vida. Não foi apenas a história da minha vida contando minhas derrotas e minhas lás�mas... Uma proposta inovadora que poderá servir de referência para nossos trabalhos, mestrado, doutorado. Em suma, um trabalho feito para servir para alguma coisa.

Quais são seus planos para depois da faculdade?J- Quando es�ver no 8º período começarei a minha pós-graduação. Es�ve pensando em fazer mestrado, mas não sei se é o que quero para minha vida, pois você deve abrir mão de muitas coisas para se dedicar a isso. Estou pensando em fazer a pós-graduação em gestão escolar por causa do projeto do PET. Outra área que me interessa é a de Recursos Humanos nas empresas, que não é devidamente explorada pelos pedagogos.

Você saiu do PET para entrar no seu novo estágio?J – Eu ganhava uma bolsa pelo PET quando o DETRAN me chamou para estagiar. Eu fiquei em dúvida, mas o estágio �nha uma boa remuneração e estaria tendo experiência prá�ca. Resolvi então deixar o projeto, com muita pena, pois não poderia acumular a bolsa. Passei um ano e meio no PET.

Na sua história de vida você fala acerca do “outro colonial”, posição na qual você se coloca em relação à universidade. Você poderia definir este termo e dizer em que sen�do ele se adequa à sua experiência enquanto universitária?J – Esse termo eu vi em uma cadeira da faculdade na qual estudamos textos de Carlos Skliar. Eu gostei muito do texto dele falando de prá�cas sociais que trabalhamos sem termos consciência e como isto é levado à sala de aula. Carlos Skliar nos revela três �pos de “outro”: o colonial, o hospedeiro e o que “reverbera permanentemente”. O “outro colonial” é aquele que carrega um rótulo e isto nós vemos na relação dos professores com alunos de escola pública. Eu, como futura professora, não quero carregar isto para dentro de minha sala de aula. O “outro hospedeiro” é aquele que, na opinião do educador, deve sempre se conformar com a circunstância e o “outro que reverbera” é justamente o que tem voz e se nega a ser rotulado ou enquadrado em determinado padrão. Eu não quero perceber os meus alunos nem como o outro colonial nem como o outro hospedeiro. Não quero desacreditá-los nem acabar com o sonho deles. A universidade nos trata como o outro colonial e, quando faz isso, ela rotula seus estudantes.

entrevista- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

Jaqueline (abaixada) com a família. (Foto do acervo pessoal)

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uito se fala do ves�bular, das vagas contadas e perguntas M contestáveis; de como essa seleção é uma tenta�va ineficiente de padronizar algo essencialmente plural: o conhecimento. É ainda mais irônico pensar que essa é justamente a porta de entrada dos estudantes a um ambiente como a universidade, cujo obje�vo é fornecer novas formas de analisar e – ao menos tentar – mudar a realidade que os cerca. Entretanto, mesmo havendo problemas na entrada, algumas mudanças logo surgem nos corredores e salas de aula, onde os recém-chegados passam a conhecer histórias e culturas diferentes. É nesse contexto que se insere o Programa Estudante Convênio – Graduação (PEC-G), uma inicia�va dos Ministérios da Educação (MEC) e das Relações Exteriores (MRE) lançada em 1965 para oferecer vagas em mais de 90 universidades brasileiras, públicas e privadas, a estudantes de países em desenvolvimento da África, América La�na e Ásia. “É a chance que as universidades têm de internacionalizar a experiência de ensino”, pontua a Conselheira do Itamaraty Almerinda Carvalho. Foi por meio de conhecidos que Tagus Kumbu, da República Democrá�ca do Congo, soube da possibilidade de estudar Ciências Econômicas no Brasil. Frequentando há dois anos a Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, o par�cipante do programa explica como foi o processo de seleção. “Primeiro, �ve que dar entrada no meu diploma de Ensino Médio e histórico escolar na embaixada brasileira para que calculassem minha média, além de outros documentos”, lembra o estudante. “Em seguida, fiz provas de escrita, cálculo e conhecimentos gerais”, completa. Após essa fase, os documentos são enviados para Brasília, onde os melhores estudantes são selecionados. De acordo com o protocolo, é dada prioridade aos que têm entre 18 e 25 anos.

As aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá

Além da seleção, alguns estudantes ainda encontram outro obstáculo – ter um domínio do português condizente com o nível universitário. É o caso de Nelly Efambe. Natural da República Democrá�ca do Congo, onde a língua oficial é o francês, a estudante está no Brasil desde 2008, mas apenas iniciou a graduação em 2009. “Precisei ficar um ano para aprender e depois prestar a prova de proficiência de língua portuguesa que era obrigatória para todos os estudantes de países não lusófonos”, relata. Nelly se refere ao Celpe-Bras, o único cer�ficado brasileiro de proficiência em português como língua estrangeira reconhecido oficialmente pelo MEC. Para os estudantes de países onde não é aplicado o exame, é oferecida a oportunidade de vir ao Brasil para estudar por um ano e re�rar o cer�ficado. Os candidatos, porém, possuem apenas uma única chance de serem aprovados – em caso de reprovação, deverão retornar ao país natal. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, o exame é realizado duas vezes por ano, normalmente em abril e outubro, pelo Ins�tuto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira/ Inep. Em 2011, mais de 180 candidatos foram aprovados no nível avançado, mas apenas oito ob�veram sucesso no nível avançado superior.

*�tulo e sub�tulos extraídos do poema “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias.

minha terra tem palmeiras ondecanta o sabiáPOR JOÃO VITOR CAVALCANTI

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reportagem - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

Nossos bosques têm mais vida Na úl�ma década, mais de 6 mil estudantes foram seleci-onados para o PEC-G. Dos três con�nentes conveniados, a África se destaca com a maior quan�dade de par�cipantes, principalmente do Cabo Verde, Guiné Bissau e Angola – países lusófonos. Já na América La�na, Paraguai, Equador e Peru são os países que têm maior par�cipação. Na graduação, Letras, Comunicação Social, Ciências Bioló-gicas, Administração e Pedagogia têm a maior quan�dade de vagas. No entanto, na seleção de 2010, os cursos mais procurados foram Medicina, Direito, Arquitetura, Relações Internacionais e as Engenharias de Comunicação e Petróleo, segundo dados do MEC. A ocupação das vagas levanta, para alguns brasileiros, uma questão sensível sobre o financiamento desses postos de estudo. A Conselheira Almerinda Carvalho é enfá�ca ao esclarecer: “São vagas que sobram, ninguém está �rando vaga de estudantes brasileiros. As pessoas não passam, sobra vaga e as ins�tuições nos mandam”, elucida. O MEC, por sua vez, reforça o posicionamento em nota: “Deve ficar claro que são as universidades, com base na o�mização da u�lização das vagas ociosas, que oferecem as vagas para os alunos estrangeiros. As vagas para os estrangeiros são extras, para além das vagas des�nadas aos estudantes brasileiros, por isso não há essa 'concorrência'”. Para os estudantes, é uma possibilidade diferenciada de aprendizagem. Clariovaldo Enias, da Guiné Bissau, compara o estudo na sua terra natal com o curso de graduação em Contabilidade na Universidade Federal de Pernambuco. “Aqui tudo está aberto e oferecido aos estudantes, é só procurar o que você necessita”, analisa. Em Bissau, cidade onde cursou a educação primária e média, Clariovaldo precisava levar a cadeira na qual sentaria para a aula da escola par�cular em que estudava. “Nada ainda me decepcionou aqui, consigo tudo o que envolve meu estudo”, comenta o estudante que está no país há três anos.

Minha terra tem primores que tais não encontro eu cá Por mais que seja vantajoso deixar o país de origem para estudar no Brasil, os par�cipantes ainda fazem algumas ressalvas. Nelly Efambe explica que o Brasil foi sua única opção de intercâmbio por exigir a média seis como média geral. “O PEC-G foi a única opção que eu �nha devido à nota pois outros programas exigiam uma média geral de oito a nove, enquanto que a minha era sete”, confessa. A estudante ainda encontrou problemas ao se inscrever. Originalmente, Nelly pôs como opções os cursos de Medicina (que já havia cumprido até o terceiro ano no Congo) e Enfermagem, mas na lista de aprovação encontrou seu nome no curso de Farmácia. Após trâmites na embaixada, veio com a esperança de ingressar em Medicina. Ao chegar e ser aprovada no Celpe-Bras, viu-se com a única escolha de cursar Enfermagem na Universidade Estadual de Campinas devido a complicações no processo de inscrição.

Segundo a estudante, a ins�tuição garan�u que poderia iniciar com as disciplinas desse curso e realizar a transferência para Medicina em um ano – o que lhe foi negado posteriormente. “Quando pedi a transferência, disseram que poderiam me mandar para Odontologia, por exemplo, ou qualquer outro curso exceto Medicina”, relata. Nelly recorreu ao Diretório Central dos Estudantes da Unicamp, do qual atualmente faz parte, e agora espera a realização de uma prova de conhecimentos para conseguir a transferência para Medicina. A estudante está há cinco anos no Brasil. Gilberto Song, estudante de Engenharia de Telecomunicações na Universidade Federal do Rio Grande do Sul vindo do Camarões, também tem crí�cas a fazer. Ao comparar o convênio brasileiro com o de outros países, como Canadá, Estados Unidos, Itália e China, ele acredita que o acesso a bene�cios como Casa do Estudante, Restaurante Universitário e Atendimento Médico poderiam ser mais fáceis. Mas, não deixa de elogiar as universidades brasileiras. “Apesar de tudo as universidades do Brasil são na maioria de boa qualidade, com um ensino qualificado e todas as ferramentas. O problema está na gerência, na distribuição de verbas”, pondera Song. Quanto à questão financeira, o Ministério das Relações Exteriores afirma que os estudantes assinam um documento atestando consciência de que são responsáveis pelos gastos no País. “O visto de estudante impede que os estudantes conveniados trabalhem, mas há a possibilidade de estagiar. Além disso, é dada uma bolsa quando eles se encontram em estado de carência absoluta”, explana a Conselheira Almerinda.

Não permita Deus que eu morra sem que eu volte para lá Segundo o Protocolo do PEC-G, ao fim da graduação, os estudantes devem voltar ao país natal até três meses após a colação de grau. Entretanto, muitos estudantes buscam con�nuar os estudos no Brasil graças à vivência posi�va que �veram. “Aqui eu estou bem acolhido”, afirma Clariovaldo. Para prosseguir com os estudos na UFPE, o formando em Ciências Contábeis tentará um mestrado. “Para mim, graduação é o mínimo, quero ter mestrado, preciso de alguma coisa que me diferencie quando voltar à Guiné Bissau”, valora. Com este obje�vo, ingressou como voluntário no PET – Conexões de Saberes da UFPE, um programa de educação tutorial também financiado pelo MEC que pode considerado uma espécie de iniciação cien�fica na carreira acadêmica. Dessa forma, Clariovaldo pretende seguir os passos do irmão, que atualmente cursa doutorado em Economia em Juiz de Fora, Minas Gerais. “Eu vou caminhando e medindo os meus passos”, reflete. Para estudantes como Clariovaldo, o Governo Federal lançou em 1981 o PEC-PG, também administrado pelo MEC e MRE, com parceria do Ministério da Ciência e Tecnologia, cujo Conselho Nacional para Desenvolvimento Cien�fico e Tecnológico – CNPq, é responsável pela seleção e pagamento das bolsas aos estudantes classificados.

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* Este conto faz parte do livro inédito Contos de Balé Poema, de Gomes & Maia -

assinatura dos livros infanto-adultos ilustrados de Carlos Gomes e Fernanda Maia.

ILUSTRAÇÃO: PAULO ANDRADE

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conto - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

santiagoeu nome é José San�ago. O meu amigo Pedro, que mora Mnum brejo distante daqui, me chama de San Tiago ou São

Tiago, isso quando quer me agradecer por alguma coisa fantás�ca que fiz pra ele, como derrubar uma fruta madura do pé de uma árvore alta ou como dar um chute na bola e vencer o �me do Lago, nosso adversário clássico. Eu moro numa fazenda. Pedro num brejo. Por isso, além de me chamar de santo, também chama a fazenda de santuário. Eu não gosto. Mas como impedir um amigo de lhe dar elogios, mesmo que impróprios? Pedro só quer ser amável. Vó, que mora na fazenda, ri de Pedro. “Pedro, tu tá canonizando o menino, Pedro?” É uma risada que a gente não entende, deve ser coisa de gente grande. Minha Vó diz que sou esperto, que vou chegar longe na vida. Pedro não, Pedro nasceu para viver nesse brejo, vai morrer aqui, eu não, vou viajar o mundo, conquistá-lo. “Pedro não, Pedro não...”, é o que costuma falar a minha Vó. Eu não acredito nela, é porque não conhece Pedro direito, nunca o viu pescando, catando galinha, empinando pipa, correndo entre a mata, mergulhando no lago mais fundo, �rando leite de vaca, atormentando boi e dando risada mais alto que eu, ganhando todas as minhas bolas de gude, beijando de longe as meninas do Lago, brigando e vencendo os meninos ciumentos. Já eu, só confiava na minha mira para derrubar mangas, mas Vó diz que vou longe porque sei ler e escrever, já Pedro não sabe. Quando a gente lê as palavras eu acho chato, mas quando lemos as estórias das palavras aí é mais legal, é um outro mundo, diferente desse da fazenda. Cansa essa vida na fazenda, cansa esse cheiro de natureza, essa calma molenga, esse nada fazer... Essas palavras são a minha tenta�va pequena de sonhar um futuro, de prever como será a minha história. São as minhas previsões com cara de sonho. Vou sonhando no meu caderno e depois boto tudo num baú, que Vó chama de relicário. Outra palavra di�cil de gente adulta. Jogo tudo lá e escondo no porão. Mas quando eu for embora daqui, irei enterrá-lo embaixo duma pedra que fica na árvore das mangas, aquela que quando acerto a

fruta, Pedro me chama de São... Eu acredito que Pedro também pense muito no futuro, em algo da gente virando homem, gente grande. Mas só não escreve sobre isso em papéis brancos de cadernos. Penso isso porque Pedro me disse um dia, coisa que até hoje me dá alumbramento: “eu sinto o doce da manga que ainda não caiu do pé”. Agora, enquanto escrevo no meu caderno bonito, Pedro deve estar nadando na cachoeira, apanhando as suas sementes, trabalhando com os pais, jogando bola, sendo rei, virando sapo ou plantando bananeiras... Isso me dói tanto, porque eu queria estar com Pedro. Viver todas essas aventuras e alegrias. Mas parece que só tenho forças para ficar nesse balançar de rede, escrevendo meus sonhos do futuro, e já já Vó me chama para comer comida de panela! Por que não consigo viver o que faço por sonhar? Ontem eu sonhei que viajava o mundo, que conhecia o mar. Eu vi uma mulher deitada na praia, eu vi o mar e embarcações, vi outras línguas e histórias. Pedro me disse que bem longe daqui dá pra pegar um navio e atravessar o oceano, há cidades e países do outro lado do mar. Mal ele sabe que eu já sei disso tudo. “Tem nos livros, Pedro”. Eu disse, enquanto ele balançava a cabeça com um pedaço de mato na boca: “e é, é?...” Já se vão três páginas de minhas previsões sonhadas, e eu não previ nada de muito grandioso para a minha vida. Eu quero viajar, isso eu sei que quero. Talvez escrever um livro sobre essas viagens, um livro que seja bom de ler, um livro novo e não vetusto. Vetusto significa velho, aprendi ontem com Vó. Bem, quero um livro que tenha a sensação de coisa viva, que tenha também o sonho, não nego o sonho, mas que tenha uma fantasia com firmeza de real, senão não vale, coisa de fingimento só, não vale .Não aceito! Está escurecendo e o frio nesse pedaço de terra perdida já me toma as pernas. Já vou terminar... Eu não quero ser pouco, não quero ser aqui. Eu quero voar mais alto e longe. Não quero ser triste, não quero esquecer Pedro nem aquela mulher deitada na beira da praia. Ir atrás de um distante que seja perto demais de mim.

POR CARLOS GOMES

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“O gosto artístico diz muito sobre de onde você vem e o meio em que você está inserido”, diz Karla de Oliveira, aluna

do curso de Pedagogia e que faz parte do programa PET Conexões

de Saberes. Entre os par�cipantes do PET, é comum depararmos

com histórias de vida intensas e árduas, permeadas por

dificuldades a que suas biografias foram subme�das pela dura

realidade socioeconômica.

Ao chegar à universidade, o calouro se depara com uma

cultura singular, construída pelos diversos grupos que ali atuam.

De composição heterogênea, vindo de diferentes regiões e

estratos sociais, esse caldeirão é palco de diversas manifestações

culturais. Os estudantes, então, passam por um processo de

aprendizagem, espelhamento e iden�ficação de modelos sociais

representa�vos e ideais para o “ser universitário”. Nesse sen�do,

as manifestações ar�s�cas de maior abrangência costumam

encontrar nicho garan�do em quase todas as classes sociais,

independentemente da formação educacional ou da condição

econômica.

O caso não é muito diferente com os alunos do Conexões de

Saberes: as preferências ar�s�cas dos jovens possuem pontos de

contato, definindo assim empa�as e afinidades com os grupos de

universitários. A formação deste gosto comum se dá devido a

fatores descritos enquanto um processo de socialização.

Socializar, algo tão natural entre os homens, é o verbo que define

o momento em que o indivíduo, nas palavras do sociólogo Luis de

la Mora, “internaliza o que é do uso cole�vo”. Durante esse

processo de socializar-se, o que boa parte dos estudantes relata é

a mudança nos seus momentos de lazer após a entrada na

universidade e, posteriormente, no PET. Jemyson Henrique,

estudante de Pedagogia, conta que há um evidente gosto comum

entre seus colegas: “Passei a frequentar mais amostras de arte,

concertos e teatros”, conta. Já Karla afirma que seu interesse por

certas áreas ar�s�cas tem se intensificado nos úl�mos tempos.

“Comecei a entrar em contato com bons filmes, geralmente

indicados por alguém”, diz, acrescentando que também vai a

feiras de livros e livrarias.

Do ponto de vista individual, esse sen�mento de

pertencimento, acome�do pela inserção ar�s�co-cultural

nascida na universidade, é essencial para a formação do sujeito.

Segundo a psicóloga Rayana Lima, o contato com outros

estudantes e realidades, descobertas a par�r de troca de

informações entre os alunos, leva a reflexões sobre as crenças e

pensamentos individuais. “Os grupos têm influência no

comportamento e na formação da pessoa”, afirma. “Queremos

atenção e sermos aceitos, e em grupo isso acontece

naturalmente”, completa a psicóloga.

Reconhecimento e respeito “Conflitos psicossociais aparecem quando um sujeito está

inserido em um grupo que não o aceita, ou com o qual ele não

compar�lha os mesmos valores”, revela de la Mora. Com o intuito

de valorizar e construir uma síntese cultural, o PET adotou desde

seu início polí�cas afirma�vas de reconhecimento e respeito à

cultura original dos alunos. Mas, ao mesmo tempo em que

protegia esse precedente, também incorporava valores da

cultura acadêmica, erudita e cien�fica.

Ao passo em que fortalece a autoes�ma dos alunos, a

valorização permite que outros setores sociais conheçam melhor

a cultura original dos estudantes – manifestações e

comportamentos �picos da cultura popular emprestam à

sociedade um modo diferente de enxergar e resolver as

dificuldades.

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reportagem - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

A cultura intríseca e a cultura adquirida

POR PETERSON UCHOA MAYRINCK

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Com uma câmera digital na mão, Karla passeia pela sala de exposições e observa as telas com um silêncio compenetrado. Nem mesmo o som de outras pessoas conversando ou o barulho da enceradeira usada pelo funcionário da limpeza distraem seu olhar. No pequeno salão do Centro Cultural dos Correios, acrílicos, tintas e papéis dão forma e se desconstroem à medida que o olhar passa e os pensamentos surgem à cabeça. A obra de um dos artistas, Carlos Alberto Lucas Pragana, visa a desfazer uma construção, mas sem destruí-la – ele desconstrói o processo de criação e deixa para o observador o trabalho de transformar as imagens em alguma representação artística que lhe faça sentido. “Rasgar, colar e fazer essa junção de cores. A criação se dá de acordo com o que eu venho buscar”, comenta Karla após a visita.

Três visitas em

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PETERSON UCHOA MAYRINCK (TEXTO) | PAULO ANDRADE (FOTOS)

um ato

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Esse encontro do sujeito com a obra é o que se chama de experiência estética. O sentir estético é como um diálogo entre a obra e os sentimentos da pessoa que observa algo belo, seja criado pelo homem ou pela natureza. “É característico dos espetáculos sublimes arrebatar todas as almas e fazer de todos os presentes meros espectadores”, diria o famoso escritor do Romantismo francês, Victor Hugo. A experiência estética é ser arrebatado, é entrar na arte e se envolver com ela; é perder a noção do tempo porque este se tornou fluido: tudo o que fazemos é sentir.

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No fim desta primeira visita a um centro cultural, Karla não soube explicar que relacionamento conseguiu construir com as obras. “Alguns quadros, pra mim, não tinham nenhum significado”, admite. “Mas acho que arte é isso. O significado quem vai buscar sou eu e vai ser diferente daquele buscado por você”, conclui a estudante.

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Em um edifício quase ao lado se ergue a Caixa Cultural com sua fachada que remete ao antigo Bairro do Recife. “Segredos”, mostra de Simon Franco, fica à espreita dos visitantes, aguardando seus olhares, toques e assombros. De novo, Karla se vê diante de obras cuja interpretação está aberta ao observador. “Tanto a primeira quanto a terceira exposição são bem secretas mesmo, no sentido de construir aquilo que eu quero como interpretação”, relata Karla.

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No Santander Cultural, o encontro é com as obras de Roberto Lúcio em sua mostra “Totem e Cet im”. Pinturas, fotografias, objetos e cartazes revelam o tom que ele tenta passar. Karla apreende a ideia de Lúcio, ainda que o resultado não tenha lhe agradado: “Bem poluição, bem urbano mesmo”.

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“Antes eu via arte como algo mais concreto, feito por artistas famosos, mas, agora, arte pra mim pode ser uma dança, um artesanato e até um simples prato regional”, admite a estudante. “São lugares que eu nunca tinha ido, valeu a pena a visita”.

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Influenciada pelos estudos da disciplina de Fundamentos do Ensino das Artes, Karla apreende o valor artístico de um modo diferente do que costumava fazer antes de ingressar na universidade. O contato com as artes, que se tornou mais frequente e intenso, modificou sua forma de lazer. Karla se reinventou. E é justamente desconstruindo e reutilizando, como os artistas em suas coleções, que a vida dela se faz. “As linguagens podem ser diversas, mas se cruzam, por exemplo, na utilização de materiais reaproveitáveis. Cada um dos artistas tem um estilo diferente, mas eles trabalham com a ideia de que o resultado e a criação,

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artigo - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

A lógica da�

POR PEDRO PAZ

eflexões acerca da ideia de felicidade estão presentes nas Robras de pensadores das mais diversas origens e

orientações, em todas as épocas da história do pensamento

ocidental. Só para ter uma ideia disso, na tese “A representação

da felicidade no pensamento ocidental”, a doutora em psicologia

pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Fá�ma Rocha

Luiz Viana faz o levantamento de quatrocentos e sessenta

conceitos de felicidade. A par�r de um processo de classificação

temá�ca, a pesquisadora iden�ficou cento e trinta e cinco

elementos de significação. Os mais recorrentes? Social, virtude,

religiosidade, conhecimento, condições subje�vas, prazer,

amizade, amor e ação. Afinal, qual o sen�do de felicidade que

predomina no modelo atual de capitalismo que regula o nosso

modus vivendi?!

Em entrevista ao conceituado jornal de economia Valor

Econômico, em março deste ano, o advogado e doutorando em

Direito Cons�tucional pela Pon��cia Universidade Católica de

São Paulo (PUC/SP) Saul Tourinho Leal apresenta tendência

inusitada a respeito da ideia de felicidade na contemporaneida-

de. Segundo ele, ser feliz, hoje, é uma questão de direito. “No

cons�tucionalismo recente, o direito à busca da felicidade tem

como raiz a Declaração de Independência dos Estados Unidos,

de 1776. Na época, a expressão era um recado à coroa britânica

de que os americanos, povoando o Novo Mundo, deveriam ter o

direito de conduzir suas vidas com autonomia, sem dependência

e o patrulhamento que o Reino Unido exercia. Atualmente, a

Suprema Corte americana já mencionou a felicidade em ações

de família, direito de propriedade e principalmente união

homoafe�va.” Ao Brasil, o conceito estaria chegando por meio

da interpretação cria�va dos tribunais em casos complexos que

invocam a "busca da felicidade".

Levando em consideração a subje�vidade desse ponto de

vista, o direito de ser feliz dificilmente será formalizado no papel.

Como organizar um conceito tão abstrato por meio da lei? Dessa

forma, o cidadão comum con�nuará procurando a tão almejada

felicidade através dos meios convencionais. E quando falamos

?felicidade

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deles, o trabalho certamente entra em cena, visto que a a�vidade

profissional é quem norteia grande parte da vida de um indivíduo

- tomando parte considerável do seu tempo, pelo menos um

terço do seu dia a dia, na maioria dos casos. Já reparou que, volta

e meia, nos principais sites de no�cias, são divulgadas pesquisas

que apontam “As dez profissões que mais trazem felicidade”?

Interessante observar a repercussão delas nas redes sociais, por

exemplo. Sa�sfação, frustração e conformismo são publicizados

“em praça pública”. O certo é que, por meio da carreira, projetos

de vida são construídos a par�r de desejos, metas, inclusão social

e melhoria da qualidade de vida. Os caminhos são diversos. A

seguir, apontaremos alguns deles.

A problemá�ca referente à qualidade do ensino fundamental,

do ensino médio e do ingresso nas universidades e escolas

técnicas brasileiras é parte de um processo histórico que se

iniciou com a colonização do Brasil. Por meio de uma breve

análise da história da educação brasileira e da configuração do

ensino público e privado hoje, pode-se compreender facilmente

que a organização social, configurada por uma sociedade de

classes, determina os desníveis nos setores educacionais. Talvez,

por isso, fazer a graduação ou curso técnico dos sonhos, numa

ins�tuição pública, seja uma tarefa di�cil. Além disso, o �tulo hoje

em dia não é mais garan�a de sucesso profissional e, por

consequência, felicidade no trabalho. Um emprego numa “boa”

empresa e nela alcançar posições de maior status e pres�gio se

torna cada vez mais di�cil num ambiente empresarial marcado

por alta compe��vidade, constantes inovações tecnológicas e

frequentes mudanças no ambiente e nas técnicas de gestão.

Uma porta de entrada para o mercado de trabalho já

estabelecida, que traz vantagens como bons salários, carga

horária pequena e segurança quanto a demissões, é o

funcionalismo público. Segundo o presidente da Associação

Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac) Ernani

Pimentel, entre 400 mil e 600 mil servidores federais irão se

aposentar nos próximos anos. Isso sem contar outros milhares

nas esferas estadual e municipal. A Anpac es�ma que

inves�mentos em diversas áreas tais como elaboração de livros e

apos�las, curso preparatório, taxas de inscrição, segurança e

fiscalização transformaram a cadeia que movimenta os concursos

públicos no país em um promissor nicho econômico, com

faturamento anual da ordem de R$ 50 bilhões. Mas, para os

candidatos a uma vaga, nem tudo são flores. Nessa verdadeira

batalha por um emprego numa ins�tuição pública, os chamados

“concurseiros profissionais” chegam a desembolsar R$ 13 mil

com a preparação, que pode incluir até o auxílio de psicólogos e

personal trainers para aliviar o estresse de disputas que alcançam

níveis de concorrência superiores a mil candidatos por vaga em

alguns casos.

Uma opção que apresenta bastante liberdade quanto aos

formalismos de uma carreira é o empreendedorismo. Nessa

lógica, trabalha-se por conta própria, em horários flexíveis,

dedicando-se a a�vidades como cabeleireira, costureira,

vendedor de roupas, pedreiro, encanador, eletricista, entre

outras. Até o início de junho deste ano, dois milhões e meio de

brasileiros já aderiram à figura jurídica do empreendedor

individual, segundo a Agência de Apoio ao Empreendedor e

Pequeno Empresário (Sebrae). De janeiro a maio, foram mais de

620 mil registros, uma média de 3,9 mil formalizações por dia.

Projeções da ins�tuição apontam que em 2014 eles serão cerca

de quatro milhões. A taxa de expansão anual no período deverá

ser de 37,4%.

Acontece que ocorreram mudanças no mundo do trabalho nos

úl�mos tempos. Em alguns casos, dom e vocação con�nuam

sendo as locomo�vas determinantes para escolha e sa�sfação

profissional. Ar�stas e atletas encontram-se dentro da categoria

denominada “carreira exó�ca”. Para ela, não é preciso educação

formal. E muitas vezes trazem aquilo que muitos desejam, mas

têm medo de confessar: reconhecimento e, principalmente,

dinheiro. Ou você nunca se pegou com inveja de um jogador de

futebol que ganha milhões de reais aos vinte e poucos anos?!

ILUSTRAÇÃO: ANDRÉ DAHMER

artigo - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -

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P.S.: Caro leitor, se você chegou até aqui, esperamos que a experiência te-

nha sido tão rica para você como foi para nós. Nos reconhecemos nas letras

de alguns desses bolsistas, até então sem rosto e que, aos poucos, foram

ganhando formas, contornos. A história de cada um tem suas peculiaridades,

é claro, mas, cedo ou tarde, passamos por problemas semelhantes que neces-

sitam um exercício de adaptação, de superação.

Esses pedaços de vidas ficam então contados aqui, com o desejo de muitas outras histórias para serem contadas aos filhos, aos netos, aos vizinhos, aos

desconhecidos. Com a esperança de que a consciência do eu se desenvolva e

se frutifique no outro, nos outros, INCLUSIVE. Que nós e a Universidade

consigamos enxergar que por trás de nomes que são aprovados no vestibular

existem rosto, história, vida. E que esse novo pedaço de história que se

constrói, a partir do ingresso no ensino superior, possa ser feito junto, com

respeito e dignidade.

Saudações universitárias!

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Inclusive