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INCLUSÃO E EDUCAÇÃO: CONSTRUINDO PRÁTICASPEDAGÓGICAS INCLUSIVAS

PRISCILA PROVIN (org.)REJANE RAMOS KLEIN (org.)RENATA PORCHER SCHERER

COLABORADORAS:

CLÁUDIA RODRIGUES DE FREITASELIANA DA COSTA PEREIRA DE MENEZESSUSANA GRACIELA PÉREZ BARRERA PÉREZVIVIAN MISSAGLIA

Editora Unisinos, 2015

SUMÁRIO

ApresentaçãoCapítulo 1 – Inclusão e educação: conceitos e práticasCapítulo 2 – Políticas de inclusão e seus impactos na escolaCapítulo 3 – Especificidades da inclusão: possibilidades para otrabalho pedagógicoEntrevista 1Entrevista 2Entrevista 3Entrevista 4Capítulo 4 – O Atendimento Educacional Especializado e suasarticulações com o processo de inclusão escolarCapítulo 5 – Dificuldade de aprendizagem em um espaço deapoio especializado: Educas/UNISINOSSobre as autorasInformações técnicas

APRESENTAÇÃO

Apresentamos este livro, que tem como foco a educação ea inclusão escolar, incialmente convidando os leitores a fazer umexercício de olhar diferente para as práticas pedagógicas, paraos alunos, para as supostas “verdades únicas” trazidas pelaslegislações, para o que se diz sobre o processo de inclusãoescolar. Posteriormente, na sequência dos capítulos, os leitoresterão possibilidade de desnaturalizar certos saberes que estãoinscritos e que definem determinadas maneiras de pensar e agirpara desenvolver práticas inclusivas. Este livro e as autoras quenele escrevem trabalham na perspectiva de perceber a inclusãoescolar como um processo que se dá a partir das possibilidadesapresentadas pelas relações que se estabelecem entre ossujeitos e o professor, e não daquilo que, num primeiro olhar, évisto como falta. E é nesta direção também que a respectivacomunidade virtual de aprendizagem “Inclusão e Educação”,disponibilizada no Moodle, está organizada, de forma que os doismateriais citados (livro e comunidade virtual de aprendizagem)são complementares.

Para aprofundar as discussões que serão desenvolvidasna comunidade citada, este livro, no primeiro eixo, encontra-sealinhado com o planejamento da Atividade Acadêmica e suasrespectivas competências, apresentando e refletindo sobre osconceitos e as políticas voltadas à inclusão escolar. No segundoeixo, com o objetivo de subsidiar o olhar para as diferentesespecificidades da inclusão, são apresentadas porprofissionais/pesquisadoras algumas possibilidades de trabalharcom os sujeitos da diferença. Por fim, no terceiro eixo, o livro trazdois textos que se referem aos espaços que oferecem apoioespecializado aos professores, tanto aqueles que se encontramdentro da instituição escolar como aqueles fora dela.

De forma mais detalhada, apresentamos cada um doscapítulos a partir dos três eixos citados. No primeiro capítulodiscutimos os conceitos relacionados ao trabalho com a inclusão(diferença, diversidade, identidade, norma, normalização,

in/exclusão) partindo de uma história vivenciada nos contextosescolares, mas trazida aqui como uma situação fictícia. Dessaforma, os conceitos são apresentados e discutidos tendo comoponto de partida as situações vivenciadas por João e asrelações estabelecidas na escola e fora dela.

O segundo capítulo traz alguns marcos legais e históricospara entendermos de que forma o processo de inclusão foi sedesenvolvendo e sobre quais condições foram criados nosentido de oferecer subsídios e orientações ao trabalho voltadoà inclusão realizado nas escolas. Importante destacar que nãosão as políticas que garantem a inclusão, mas sim a forma comoas compreendemos para desenvolver o trabalho com elas e comos sujeitos da educação.

O terceiro capítulo está organizado a partir de entrevistascom professoras/profissionais/pesquisadoras que estãoenvolvidas com temas que abordam diferentes deficiências. Elasapresentam subsídios para lidarmos com as especificidadeseducativas dos sujeitos a partir de suas deficiências. Em linhasgerais, as profissionais abordam o trabalho com pessoas quepossuem deficiência intelectual, sensorial e múltipla e alertamque não são regras, mas possiblidades de compreender maissobre as especificidades de cada deficiência. Destacamos quenosso objetivo aqui foi o de contribuir para o aprofundamentodas reflexões e conhecimento de algumas especificidadeseducativas e, de forma alguma, pretendia-se mostrar que existemmaneiras únicas de ver e trabalhar com os alunos a partirsomente do que se diz sobre cada especificidade.

Por fim, o quarto e último capítulo do livro traz duasabordagens e possibilidades de apoio especializado. Uma édesenvolvida na própria Universidade junto ao Núcleo de AçãoSocial (CCIAS) e se chama Programa de Educação e Ação Social(EDUCAS). A outra abordagem apresenta o AtendimentoEducacional Especializado (AEE), previsto pelo Ministério daEducação em substituição ao atendimento ocorrido em escolasexclusivamente especiais. Os dois textos que compõem estecapítulo, além de apontar possibilidades em termos de práticaspedagógicas, são desenvolvidos a partir de um aporte teóricoque suscita retomar o conceito de inclusão, percebendo os

alunos de outros modos, conforme mencionamos no início destaapresentação. Sintam-se, então, convidados a percorrer pornovos caminhos e compreender a inclusão escolar como umdesafio permanente.

Priscila Provin e Rejane Ramos Klein

CAPÍTULO 1INCLUSÃO E EDUCAÇÃO: CONCEITOS E PRÁTICASRejane Ramos Klein

Este texto tem como objetivo discutir alguns conceitos relacionadosao tema da inclusão no que tange à sua articulação com a educação. Parasituar os conceitos, tais como diferença, diversidade, identidade,deficiência, norma e normalização, buscaremos contextualizá-los a partirda descrição de um personagem fictício, que supostamente estávivenciando o processo de inclusão num determinado contexto escolar. Talpersonagem poderia ser real, na medida em que, atualmente, a escolacontemporânea tem sido responsabilizada pelo processo de inclusão detodos e, para isso, tem instituído diferentes práticas, sendo convocada a“dar conta” desse desafio.

Nosso personagem, chamado João, circulará pordiferentes práticas, ditas inclusivas, e será a partir delas quetentaremos explicar as possibilidades de compreendermos ainclusão hoje e sua relação com a educação. Nesta AtividadeAcadêmica – Inclusão e Educação –, que objetiva oferecersubsídios para a formação de professores, preparando osalunos para a atuação em escolas ou em espaços nãoescolares, será preciso compreender a inclusão de modo mais

amplo, como parte das estratégias política e econômica queinstituem práticas para governar e regular a população. Ou seja,quando falamos em inclusão, não estaremos nos referindoapenas aos processos relacionados à educação especial, comose João tivesse apenas1 uma deficiência física ou intelectual e,portanto, demandasse práticas que pudessem corrigi-lo para,consequentemente, incluí-lo numa instituição de uma vez portodas. Procuraremos situar as práticas que descrevem João apartir do que é considerado como anormalidade, ou seja, Joãopassará por processos que visam incluí-lo, mas, ao mesmotempo, também o excluem. Exploraremos essa possibilidade deentendimento sobre a in/exclusão no decorrer do texto.

E o João...

Um menino de 10 anos que tem três irmãos mais velhos.Sua mãe trabalha fora o dia todo e seus irmãos é que seresponsabilizam para cuidar de João no turno inverso, ao sair daescola ao final de um turno, ou quando chega do Programa MaisEducação2 de que participa. Ele gosta de brincar sozinho, nãotem amigos e inventa brincadeiras e brinquedos com os materiaisque se encontram disponíveis em casa ou no pátio de sua casa.Não costuma ter muita proximidade de seus irmãos. A mãe dizque ele puxou ao pai, tímido e de poucas palavras, que é mesmomuito difícil saber o que ele está pensando ou quais são seusgostos e desejos...

E na escola...

João está no terceiro ano do Ensino Fundamental de umaescola de periferia de um município qualquer. Desde a EducaçãoInfantil, João foi sendo narrado3 de forma diferente dos demaispor não apresentar o mesmo ritmo de aprendizagem e o mesmo

comportamento e atitudes que os demais colegas. Ele nãoapresenta um diagnóstico clínico, por mais que a escola tenhainsistido com a família sobre a necessidade de um olhar médicoque pudesse avaliá-lo, para que assim, conhecendo mais arespeito de João, fosse possível optar por alguma prática maiseficaz a fim de alfabetizá-lo. Como o menino está repetindo pelasegunda vez o terceiro ano, já que não está alfabetizado ainda,a escola e a família estão sendo convocadas a responder poressa situação, pois o indicado é que nenhum aluno reprove até oterceiro ano.

A escola diz que a família não reconhece nenhumproblema intelectual e que não admite que João possa ter algoque necessite de ajuda médica. O que a escola sabe informar éque a família atribui as dificuldades de João à falta deoportunidades que lhe são oferecidas, pois a mãe tem sidoobrigada a trocar João de escola constantemente, por mudar deresidência conforme as suas necessidades de empregabilidade.Várias vezes a mãe narrou para a escola que João sente falta dopai, que sumiu sem dar maiores explicações. Diz também que asdificuldades de João na escola se devem ao fato de seus trêsirmãos terem apresentado narrativas próximas a essas e depoisforam superando-as conforme a idade foi avançando e, também,a necessidade de evadirem da escola para poderem trabalhar econtribuir no sustento da família.

A professora diz que João apresenta muitas dificuldadespara aprender, para relacionar-se com os colegas e mesmo coma professora. Ela arrisca-se a dizer que João teria traços deAutismo, pois gosta de brincar sozinho e se desentende com oscolegas facilmente. No entanto, a professora afirma que asituação de João é muito difícil de ser revertida, pois a famílianão tem condições e nem interesse em buscar por umdiagnóstico clínico mais preciso. A professora afirma que pelofato de a família de João não ter uma boa estrutura, o meninonão se sente seguro e nem incentivado a aprender.

1.1 Um pouco de histórias que possibilitam tais narrativas

Como chegamos a pensar dessa forma a respeito docomportamento, da situação familiar, das atitudes e daaprendizagem de João? Quando João passou a ser um problemapara a escola regular e para as práticas docentes? Por que háuma necessidade de descrever, diagnosticar e de fazer com queJoão aprenda e se alfabetize?

Caso João tivesse sido aluno em outra época,provavelmente sua história não poderia ser contada dessaforma. De acordo com Sardagna (2013), as políticaseducacionais que se voltam para os sujeitos da EducaçãoEspecial, principalmente nas décadas de 1950 e 60, engendram-se na ideia de correção e de terapêutica desses sujeitos. Aautora cita alguns serviços de apoio criados no Estado do RSpara que os sujeitos tivessem um olhar especial, tais como oServiço de Orientação e Educação Especial (SOEE), em 1954, eo Centro de Pesquisas e Orientação Educacionais (CPOE).Nesses períodos, instituem-se, portanto, práticas que vão narraro sujeito da Educação Especial a partir da ideia de “criançaproblema”, “desajustada”, “que não aprende”. “É uma práticaque avalia, compara e classifica, posicionando o indivíduo emrelação à norma como o ‘aluno excepcional’, o ‘aluno deficiente’,a ‘criança retardada’, a ‘criança subdotada’” (SARDAGNA, 2013,p. 50). A situação de João nessa época seria narrada a partir doenfoque clínico, em que a escola especial buscaria “resolver”seu problema ou ao menos buscar inseri-lo num espaço (classeespecial) em que a diferença do menino fosse aceita por seuspares.

Nos anos 1970 e 80 veremos, ainda segundo o estudo deSardagna (2013), que as escolas especiais visavam expandiresse espaço fechado do aluno especial. Um conjunto desaberes, pautados nas políticas educacionais da época, daria ascondições para que a preocupação com os sujeitos especiaisfosse ampliada por todo o corpo social. A autora cita váriaspráticas que visam regulamentar essa população e corrigir osujeito tido como anormal, como, por exemplo, alguns programase projetos:

“Programa de medicina escolar”, com cerca de 600

mil atendimentos em 1980; “Programa dereeducação da linguagem”, com 106 reeducadorasda língua em 77 clínicas; “Programa de psicologiaescolar”, com 21 centros de assistência aoeducando (CAE), 15 núcleos de assistênciapsicológica (NAP), 11 centros de assistência aoeducando e sete núcleos de assistência aoeducando. (SARDAGNA, 2013, p. 52)

Esses programas funcionaram a partir de práticas queavaliaram e classificaram esses alunos, definindo qual seria oespaço mais adequado para eles. Lugar esse que os ajudaria afazer parte da sociedade, mas ao mesmo tempo abririapossibilidades para que os especialistas pudessem descrevê-losa fim de poder corrigi-los. Dessa forma, a narrativa sobre Joãoseria: aluno não apto, com dificuldades de aprendizagem, comproblemas, não educável, não treinável, dependente, portadorde deficiência. Poderiam se aliar a essas narrativas, o quegeralmente encontra-se associado, os problemas decomportamento, considerando o menino a partir da ideia de“criança problema” ou “aluno difícil”.

Se antes tínhamos a preocupação centrada em criarlugares específicos para o sujeito especial em instituiçõesdiversas para poder corrigi-lo, a partir da década de 1990 aténossos dias as políticas de inclusão vão enfocar justamente ocontrário. A ordem é trazer todos para perto e as classesespeciais passam a ser transitórias, fazendo com que o alunotenha que ser devolvido para a classe comum, na escola regular.Conforme o estudo de Rech (2011), após a elaboração da novaPolítica de Educação Especial na Perspectiva da EducaçãoInclusiva, em 2008, as ações em prol da inclusão escolarganham ênfase, pois o documento orienta o seguinte:

A obrigatoriedade da educação regular para todas ascrianças, independente de suas características,deficiências, condições e possibilidades depermanência. Ou seja, todos possuem o direito àeducação no Brasil.

João, inserido na escola regular, usufrui de um direitoadquirido por lei, por forças de movimentos da própria população“especial” e/ou por aqueles que estão autorizados a falar poreles, o que é bastante comum no contexto social, político eeconômico no qual estamos inseridos atualmente, numa ditasociedade democrática. Sobre esse contexto veremos maistarde. Por enquanto nos fixaremos na compreensão das práticasque se voltam para João. O importante aqui é ressaltar que aspráticas anteriores não deixaram de existir, não deixaramtambém, em certa medida, de ter um caráter terapêutico ecorretivo, conforme situei nas ênfases anteriores a essa política.No entanto, o fato de João estar cursando a escola regular é quefaz com que as ações que se voltam para intervir nodesenvolvimento da aprendizagem do menino necessitem sermodificadas, pois vamos perceber que não basta inseri-lo noespaço escolar. Veremos que a inclusão, a partir doentendimento mais alargado, não poderá voltar-se apenas parauma das questões, sofrimentos, comportamentos vivenciados porJoão.

A inclusão, como uma atitude contemporânea de inclusão(PROVIN, 2011), nos permitirá problematizar os discursos que adisseminam como boa em si mesma, como obediência à lei oupelo caráter salvacionista que tem delegado à escola o papel deincluir a todos. Não se trata, portanto, de ser contra a inclusãoou as políticas que se voltam à produção de práticas inclusivaspara todos os sujeitos, independente de sua diferença oudeficiência. Trata-se do que Klein (2010, p. 12) nos chama aatenção:

A palavra inclusão tem sido utilizada como um jargãona área educacional para marcar as práticas quegostaríamos que fossem mais justas, democráticase solidárias. Quando perguntado para osprofessores [...] a respeito do significado da inclusão,esta frequentemente aparece de forma simplificada erestrita à discussão pedagógica, com ênfase nasquestões metodológicas. Trata-se de umapreocupação importante com o como ensinar atodos[...] Aí talvez possa ser agregada outra

dimensão à discussão do como ensinar, que dizrespeito ao para que e, junto dessa, o que se refereao que ensinar a todos os escolares. Nessaperspectiva, pode-se colocar a inclusão num lugar desuspeita, trazendo a discussão pedagógica, masrelacionando-a com as dimensões econômicas epolíticas.

Nesse sentido, quando a professora de João buscacompreender a situação dele, seja na família, seja no contexto,seja em causas inatas, advindas dele mesmo, há umapreocupação aí que se restringe ao como ensiná-lo. Se o meninojá está no terceiro ano, suspostamente já deveria estaralfabetizado, ou seja, a responsabilidade é dele mesmo ou dafamília, ou ainda do contexto onde ele se insere. Para osprofessores alfabetizadores, ter um aluno em sala de aula quenão consegue se alfabetizar num contexto onde todos já estãoavançando nesse processo, constitui-se em algo“desesperador”. Há um misto de sentimentos em relação a essaprática docente – que passa por uma sensação de fracasso nãoassumida pela professora, que busca um culpado fora de suaprática docente: não consegue reconhecer avanços em relaçãoao próprio João, já que ele deveria estar progredindo no mesmoritmo que os demais; culpabiliza o próprio sujeito a partir de umasuposta deficiência familiar, advinda ou do pai ou dos irmãosmais velhos, ou da escola, que não consegue fugir da lógicacurricular de todos aprendendo no mesmo tempo, no mesmoespaço e ritmo para que possa aprovar para a próxima etapa,ciclo ou ano. Essa sensação de fracasso em relação ao Joãoacaba definindo a sua própria identidade.

Essa preocupação pedagógica é necessária e pertinente,porém não pode ser desconectada de outros elementos queestão envolvidos nessa análise sobre a inclusão. Elementospolíticos e econômicos são extremamente importantes porquepermitirão ampliarmos nosso olhar e problematizarmos questões,as quais, muitas vezes, não são ditas e que acabam por recairna escola ou nas práticas dos professores. As políticas deinclusão e/ou as políticas de alfabetização se voltam atualmentepara a construção de práticas que incluam e que alfabetizem

todos os estudantes, independente de qualquer coisa. Ou seja,há vários programas que recaem sobre essa necessidade e que,além de incentivar tais práticas, regulam e controlam também otrabalho docente escolar por meio dos sistemas avaliativos quecobrarão resultados positivos, isto é, números positivos emrelação à inclusão e à alfabetização que alavanquem o rankingdo país. Lopes (2007), tal como outros autores, nos ajuda acompreender esse fenômeno como a sociedade de risco, a qualnem sempre se orienta para o bem comum, mas sim pelomovimento de cada um dentro de um todo não articulado.Segundo a autora:

“[...] a inclusão como uma invenção engendrada eproclamada como a conhecemos hoje, como algoque nasce da vontade de um coletivo (sociedadedisciplinar), está passando pela mesma tensãovivida por outras invenções que propunham ofortalecimento de uma população e o esfacelamentode utopias que a mobilizavam. No lugar de utopiasque mobilizavam a população, estão aparecendorazões produzidas por outras lógicas que não as dobem comum, mas as do desenvolvimento depessoas capazes de tornarem-se incluídas. (LOPES,2007, p. 16)

João, portanto, está vivenciando esse movimento em prolda inclusão de si mesmo e de todos. Mas como será que omenino está em relação à escola, à sua família e à sociedade?Essas perguntas não podem mais ser feitas. Ao contrário, nos épermitido perguntar: por que João não aprende? O que podemosfazer para que João aprenda? Ou seja, sempre será umapergunta que remeterá a como o professor, a partir de suascompetências e capacidades, poderá fazer com que Joãodesenvolva sua aprendizagem na leitura e na escrita, pois não éadmissível que ele não desenvolva tais habilidades.

No estudo de Rech (2013), pode-se ter maior clarezasobre esse “jogo de sedução” da inclusão. A autora afirma quenos últimos anos, especificamente, com maior ênfase a partir dogoverno Lula, podem ser percebidas “[...] estratégias de sedução

– como, por exemplo, o aumento no repasse de verbas, o uso deestatística para modificar índices etc. – que reafirmam averacidade da proposta de inclusão e geram mobilização”(RECH, 2013, p. 30), sentimentos que se tornam úteis paragovernar a conduta de todos através de uma racionalidadeneoliberal.4 O principal objetivo nessa lógica é movimentar ossujeitos, para “fazer sair”, pois de acordo com a mesma autora, oaluno chamado de “aluno incluído” deve permanecer o menortempo possível no espaço escolar. Ou seja, não é apenas umapreocupação pedagógica, pois a questão da reprovação escolarestá sendo retirada da cena escolar, tornando-se muito maisuma questão política de controle de fluxo escolar e tambémeconômica, buscando reduzir investimentos com o alunorepetente.

O bloco pedagógico – assim são chamados os trêsprimeiros anos de escolarização em que os alunos devem seralfabetizados – não permite a reprovação de nenhum estudante,visando garantir seu acesso e permanência na escola. Essa é aproposta disseminada no momento pelo Programa Nacional deAlfabetização na Idade Certa - PNAIC, para que todos estejamalfabetizados até os oito anos de idade.

1.2 E chegamos ao movimento atual que podemos chamarde in/exclusão...

Se não há mais lugar para João na escola especial, serána escola regular que ele deverá encontrar seu espaço edesenvolver a sua aprendizagem. Para tanto, caberá à escoladescobrir por que ele não aprende: investigar, diagnosticar,encaminhar, avaliar, acompanhar, incentivar o processo deaprendizagem do João. Não mais apenas descobrir paraclassificar sua síndrome, sintoma, e optar por um ou outroespaço educacional para João, mas a partir do momento em queele se encontra na escola regular – espaço esse definido deantemão pela legislação como de direito –, é preciso fazer com

que ele esteja inserido, incluído e aprendendo. No entanto, oque vamos ver na narrativa da professora é que João, pelo fatode estar no terceiro ano e ainda não estar alfabetizado, sente-sejustamente o contrário disso: excluído e não conseguindoaprender.

Podemos dizer, a partir disso, que o que chamamos dein/exclusão é justamente esse movimento que podemoscaracterizar resumidamente da seguinte forma:

As fronteiras que caracterizavam as ações deinclusão e de exclusão se mesclam na atualidade.Se “todos” estão sob o conhecimento do Estado, sediferentes políticas e programas assistenciais dãocobertura para grupos específicos que vivem sobcondições precárias ou que ameaçam a si e ao outropelo risco que geram, perguntamos: quem são osexcluídos na contemporaneidade? [...] são aquelesque integram a sociedade em diferentes níveis departicipação ou gradientes de inclusão. Diante de talparticipação por gradientes de inclusão, torna-sedifícil utilizar, em nossas análises, a caracterizaçãode incluído e de excluído de forma separada, poisqualquer sujeito, dentro de “seu nível de participação”poderá, a todo o momento, estar incluído ou serexcluído de determinadas práticas, ações, espaços epolíticas. (LOPES; LOCKMANN; HATTGE; KLAUS,2013, p. 3)

Esse entendimento abre algumas possibilidades paracontinuarmos problematizando o processo de inclusão não maisde forma ingênua, exaltando-o como bom em si mesmo edefendendo-o pelo viés do acesso, mas considerando oprocesso pedagógico e incluindo a dimensão política eeconômica nesse debate. Como professores de muitos casoscomo o de João, saberemos que não importa apenas ele estarna escola regular, e sim de que forma ele está acompanhando oprocesso de aprendizagem. Saberemos que João não seráincluído totalmente em todas as práticas que são oferecidas noespaço da escola, porém cabe a nós analisarmos que outraspráticas podem ser pensadas a fim de que João possa participar

para aprender.Visualizar João a partir de suas potencialidades é

compreender a diferença não pelo viés da falta, como, porexemplo: João não está alfabetizado, não interage com oscolegas, não compreende o sistema numérico, não realiza asatividades, não tem uma família estruturada, não apresenta umcomportamento igual ao de seus colegas. Essa compreensãonegativa a respeito do comportamento e da aprendizagem deJoão leva-nos à situação de exclusão permanente, pois não seriamais necessário realizar práticas a fim de incluir João. Omovimento de in/exclusão vai na contramão desse entendimentoque reduz a diferença apenas à falta e permite entendermos quea diferença não pode ser enquadrada em categoria ou traduzidaem outros diagnósticos. Segundo Lopes (2007, p. 23):

Ela [a diferença] não pode ser enquadrada, nomeadaou capturada pelas malhas do poder. A diferença,assim entendida, se dá na presença de cada um denós. Ela altera a serenidade ou a tranquilidadedaqueles que buscam se localizar na mesmidade.Ser diferente é sentir diferente, é olhar diferente, ésignificar as distintas manifestações existentesdentro da cultura, é não ser o mesmo que o outro.Como sujeitos vivemos em sociedade, somosproduzidos nas e pelas relações. É nas relações quenos constituímos e inventamos o outro. O outro –aquele que é diferente de mim – é produzido a partirdaquilo que falamos sobre ele. O que falo, os nomesdos outros e os enquadramentos que ocupam sãoformas de identificação que eles carregam – sãoidentidades.

Por que a professora utiliza-se dessa narrativa negativapara dizer sobre João? Diante dessa narrativa, haveriapossibilidade de visualizá-lo de outra forma? A professoratambém poderia optar por narrar João a partir dos discursos dadiversidade: João é assim mesmo, ele é diferente, tem um ritmodiferente e devemos respeitar como ele é. Essa narrativa exaltaas diferenças e permite colocar todos no mesmo espaço, mas,muitas vezes, promoverá apenas a convivência entre os pares,

apenas a socialização dos alunos, pois não vai instigá-los a secolocar no a sair do lugar daquele que é capaz de aprender.Quaisquer dessas narrativas passam por um processo quepodemos situar a partir da ideia da escolarização.

Desde o século XVII, a escolarização vem se configurandoatravés de mecanismos que visam disciplinar e corrigir ossujeitos. Essas práticas que disciplinam e corrigem os sujeitos sósão possíveis devido à norma. Ou seja, se a norma pode seraplicada tanto a um corpo que se quer aplicar quanto a umapopulação que se pretende regulamentar, ela funcionará comoum princípio de comparação, de comparabilidade, de medidacomum (LOPES; FABRIS, 2013). A norma, portanto, ao operarcomo uma medida e um princípio de comparabilidade, agirá nosentido de incluir a todos, segundo critérios que são construídosno interior e a partir dos grupos sociais. Ela é sempre prescritiva,pois provoca ações que homogeneízam as pessoas ou mesmoprovocam ações que exaltam as diferenças a partir dereferenciais comunitários. O importante é ressaltar que a normatanto institui novos modelos quanto pluraliza outros que devemservir de referência para que todos possam se posicionar dentrode determinados limites, sempre uns em relação aos outros(LOPES; FABRIS, 2013).

A identidade de João, portanto, é constituída nessarelação com o outro, através do processo de escolarização, oqual é definido pela norma ou, se preferirmos, pela normalização.A norma não é fixa, ela é sempre relacional, pois dependerá dasrelações estabelecidas e das relações de poder envolvidas.Neste momento, cabe retomar o conceito de identidade citadoanteriormente. Esse conceito pode ser definido como sendo umacondição ocupada pelo sujeito. De acordo com Costa (2005, p.1):

A identidade é um dos construtos modernos que seestilhaça inapelavelmente. Tal estado de coisas temsido diagnosticado como “crise da identidade” -condição em que os indivíduos e grupos estariamdeslocados tanto de seu lugar no mundo quanto desi mesmos. De uma concepção una, centrada,equilibrada, coerente e estável de identidade, passa-

se a fragmentação, efemeridade, mobilidade,superficialidade, flutuação. Podemos ser um emuitos, ao mesmo tempo e em diferentes tempos. Aidentidade parece que está à deriva no tempo e noespaço, o que a torna permanentemente capturável,ancorável, mas, paradoxalmente, ao mesmo tempoescorregadia - uma celebração móvel[..]

Nesse sentido, a professora se utiliza de narrativas quedescrevem João pelo viés da falta, da deficiência, porque anorma está definindo o que pode ou não ser dito sobre João. Oque pode ou não ser dito sobre o menino está definido a partirde uma ordem discursiva colocada pelas relações de poder e desaber5 que se estabelecem na sociedade. Essas relações foramestabelecidas com a Modernidade como um tempo marcado pelavontade de ordem, pela busca da ordem (VEIGA-NETO, 2001).Ou seja, trata-se de operações de ordenamento que definem,organizam os espaços, as instituições, os sujeitos de acordo comdeterminadas representações históricas, culturais e econômicas.

Podemos situar essa ordem discursiva a partir de quatroconjuntos de saberes, se partirmos do estudo de Lockmann eTraversini (2011):

Saberes morais: referem-se às atitudes ecomportamentos dos sujeitos.Saberes psicológicos: utilizam técnicas deexpressão de si como ferramentas paradesvendar as subjetividades infantis.Saberes médicos: descrevem e classificamos sujeitos para um provável diagnóstico euso de medicação.Saberes pedagógicos: devem fazer uso derecursos, instrumentos, metodologias paraintervir na aprendizagem do sujeito.

Esse conjunto de saberes, de acordo com as autoras, vãopermitir que a inclusão hoje se estabeleça como um imperativoem nossa sociedade. A partir deles veremos uma infinidade depráticas sendo inventadas a fim de garantir que os sujeitos

possam ser incluídos. Em nosso caso, estamos nos referindo àescola onde tais saberes têm sido compreendidos como“verdades” inquestionáveis sobre os sujeitos, principalmente osditos sujeitos a incluir. Trata-se de saberes inscritos em camposou áreas de conhecimento que, ao longo do tempo, vêmassumindo um lugar inquestionável. O que Lockmann eTraversini (2011) vão mostrar é uma impossibilidade de visualizarcada um desses saberes de forma isolada. Eles se misturam e secomplementam a fim de conferir maior legitimidade sobre o modode dizer quem é esse sujeito. Não se trata de ser contra taissaberes ou mesmo contra os profissionais que atuam em taisáreas, mas sim de problematizar o caráter de verdade que estestêm sobre as identidades dos sujeitos. Nesse caso, o queimporta dizer é que Lockmann e Traversini (2011) vãoproblematizar, além de outras coisas, o apagamento do saberpedagógico, pois as autoras vão mostrar o quanto o movimentoda inclusão pode estar provocando um silenciamento naspráticas de ensino e pulverizando as intervenções pedagógicas.

Exemplificando: no caso de João, a professora, ao buscarincluí-lo, tem se sentido incapaz de fazê-lo sem uma ajuda, umapoio, o qual, na maioria das vezes, deve vir de fora da escola. Aprofessora, ao legitimar os saberes da área médica oupsicológica, por exemplo, como única verdade sobre João, podeparalisar-se: hora buscando por um diagnóstico para poderintervir pedagogicamente com seu aluno; hora narrando João apartir de seu comportamento diferenciado dos demais como algoque atrapalha sua aprendizagem; hora buscando descrever aestrutura familiar do menino como incorreta para apoiar eacompanhar a sua aprendizagem; hora buscando nos genesfamiliares as causas orgânicas para a não aprendizagem deJoão. Ou seja, uma mistura de saberes – morais, psicológicos,médicos – que parecem não reconhecer as possibilidadespedagógicas para fazer com que João aprenda, identificando oque ele já consegue, o que ele é capaz de fazer; enfim, visualizarJoão como um sujeito a partir das capacidades de ensino que aescola dispõe e que a própria professora vai buscar construir.Ainda nesse viés de silenciamento do saber pedagógico, aprofessora poderia também encaminhar João para diferentes

espaços de apoio especializado, caso a escola disponha.Conforme vimos, ao garantir o direito de todos de

permanência na escola regular, a legislação deverá tambémgarantir o direito à aprendizagem. Nesse sentido, muitas escolasvão criar uma rede de apoio para que o professor consigadesenvolver as aprendizagens.6 A questão que se coloca é a deque o apoio pedagógico não garante por si próprio práticas maisinclusivas com aprendizagem. Pode, ao contrário, promoverpráticas que estarão excluindo o sujeito da convivência com aturma e o incluindo em outros espaços de “iguais”, mas quepodem estar os reconhecendo como os diferentes, os incluídos,os deficientes, os que apresentam necessidades especiais etc.Dependerá, portanto, da aproximação entre esses dois espaçosque atendem os alunos a fim de que possa haver uma discussãopermanente sobre as identidades e as diferenças dessessujeitos encaminhados das salas de aula para os espaços deapoio.

1.3 Possibilidades de construir uma atitude investigativadiante das práticas inclusivas

Para finalizar este texto que pretende apoiar a construçãode práticas inclusivas, buscamos retomar a situação de Joãoapoiada no conceito de in/exclusão. Sugerir a compreensãodesse movimento que pode incluir, mas que também exclui,exigirá dos professores uma atitude investigativa sobre aspráticas pedagógicas. Ou seja, conforme vimos, não basta nospreocuparmos apenas com o viés metodológico de como fazercom que João aprenda, nem mesmo nos deter em encontrarculpados. Mas, sim, ampliarmos nosso olhar, relacionando essapreocupação com questões políticas, econômicas, históricas eculturais. Essa ampliação não sugere que cruzemos os braçosdiante das situações que se colocam na escola, no sentido deque vamos investigar e enquanto isso alguém nos apresentauma solução; ou, ao contrário, a ideia de que não há mais nada

a fazer.De forma alguma se trata de uma imobilização em relação

à intervenção pedagógica. Ao contrário, uma atitude investigativavai problematizar as práticas realizadas com a turma, voltando-seo olhar também para aqueles que vivenciam esse lugar de alunoincluído. Vai rever, experimentar, avaliar, planejar, investigar,discutir, conversar, compreender, mas não para enquadrar João.Vai, antes, buscar esses referenciais para analisar e refletirsobre sua prática docente, estudando e investigando, a partirdela, as possibilidades ainda não pensadas. Conforme Lopes(2005) será preciso desarrumar a casa. O que a autora pretendeé nos instigar a pensar o currículo escolar de outro modo eproblematizar o que dizem sobre João, não tomando nenhumanarrativa como a única verdade. Uma proposta possível seriadeixar que a relação que João estabelece com a turma e com aprofessora possa ser escutada e articulada àquilo que sepretende ensinar. Ainda que essa relação não se aproxime coma maioria da turma, alguma coisa ela pode dizer de suaaprendizagem e, a partir daí, pode ser tomada comopossibilidade para ensinar.

REFERÊNCIAS

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VEIGA-NETO, Alfredo José. Incluir para excluir. LARROSA, Jorge;SKLIAR, Carlos (orgs.). Habitantes de Babel: políticas e poéticada diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

__________1 Esse termo “apenas” não tem a conotação de menos, de menor valor, desomente, mas sim queremos marcar as diferenças sempre no plural. Se osujeito apresenta uma determinada deficiência, essa não é fixa e a únicadefinidora de sua identidade. Ele se encontra numa condição, vivenciandoas marcas dessa deficiência, mas ele é também muitas outras coisas,está para além de uma única marca. Posteriormente, quando abordarmoso conceito de identidade, retomaremos essa questão de modo aesclarecer e aprofundar esse entendimento de deficiência.2 Esse Programa O Programa Mais Educação, instituído pela PortariaInterministerial nº 17/2007 e regulamentado pelo Decreto 7.083/10,constitui-se como estratégia do Ministério da Educação para induzir aampliação da jornada escolar e a organização curricular na perspectiva daEducação Integral. Maiores informações sobre o Programa pode serencontrado no seguinte endereço: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&id=16690&Itemid=1113>.3 O termo “narrado” é utilizado aqui para ressaltar que o que dizem de Joãonão são apenas falas que o descrevem, mas sim que trata-se de umanarrativa construída a partir de um conjunto de saberes, discursos erepresentações sobre a identidade de João e que, portanto, são tambémprescritivas de um determinado comportamento.4 Para saber mais sobre essa racionalidade, ou seja, esse conjunto derazões complexas sobre o neoliberalismo e suas relações com a inclusão,pode ser consultado o artigo de Lopes (2009, p. 155): “Dentro doneoliberalismo, como forma de vida do presente, certas normas sãoinstituídas não só com a finalidade de posicionar os sujeitos dentro deuma rede de saberes, como também de criar e de conservar o interesse

de cada um em particular, para que se mantenha presente em redessociais e de mercado.”5 Para saber mais sobre essas relações de poder e de saber em MichelFoucault, pode ser consultado o seguinte endereço:<http://www.gpef.fe.usp.br/teses/o-sujeito-e-o-poder.pdf>. Acesso em: 16de mar. 2015.6 Veremos mais detalhadamente sobre essas possibilidades de apoio noúltimo capítulo do livro.

CAPÍTULO 2POLÍTICAS DE INCLUSÃO E SEUS IMPACTOS NAESCOLAPriscila Provin

Este capítulo tem como objetivo abordar alguns marcos legais ehistóricos e trazer para a reflexão subsídios para que seja possível oplanejamento e desenvolvimento de práticas pedagógicas inclusivas. Aspolíticas de inclusão foram/são necessárias para que se avançasse emtermos de inclusão em nosso País. Porém, é preciso não perder de vistaque as políticas por si só não garantem a inclusão. Dessa forma,compreende-se que a inclusão é um imperativo de Estado e que, a partirdas políticas, é preciso visualizar as possibilidades de construir práticasinclusivas no contexto escolar.

Neste sentido, ao trazer algumas políticas de inclusão, os seguintesconceitos serão abordados: integração, inclusão, acessibilidade,deficiência e imperativo da inclusão. Ao ler este texto, é importante revisitaros conceitos trabalhos no Capítulo um deste livro, pois eles contribuempara a compreensão e aprofundamento das questões colocadas aqui.

Inicio pelo último conceito citado, o imperativo da inclusão.Podemos dizer que vivemos hoje o que chamamos de imperativoda inclusão. E o que isto significa? Com Fabris (2010), em seuestudo sobre a realidade do aluno tomada como um imperativo

pedagógico, pode-se compreender que:

O imperativo é um ‘mandamento’ com forçaimperativa que age em todas as posições, inclusivee de forma potente, sobre si mesmo. Temos, assim,um imperativo que funciona como tecnologia depoder que vai atuar na objetivação dos tempos eespaços e na subjetivação dos outros e de simesmo (FABRIS, 2010, p. 5).

A partir dessa questão, o imperativo da inclusão pode serentendido como algo que não requer uma escolha ou tomada deposição, pois, sendo um “mandamento”, precisamos assumir etrabalhar com ele. Não cabe mais o discurso de ser contra ou afavor da inclusão, pois todos são chamados a comprometer-secom ela. E quando falamos em todos não estamos nos referindosomente à escola ou aos professores, mas a todas asinstituições (educacionais ou não) e distintos profissionais. Omovimento da inclusão não vem sendo desejado e mobilizadosomente na escola, pois as pessoas circulam por outros espaçose interagem com outras pessoas que também precisam estarminimamente preparadas para trabalhar com esse processo. Oimperativo da inclusão, ao ganhar força por meio da mobilizaçãode diferentes grupos sociais, exige do Estado a criação depolíticas e ações inclusivas, ao mesmo tempo que o imperativotambém é assumido e produzido pelo Estado. Desse modo, éimportante compreender que o imperativo da inclusão não nasceapenas com as determinações legais. Ele é constituído também ea partir de movimentos e grupos sociais que lutam há muitotempo para garantir os seus direitos nos mais diferentes espaços(PROVIN, 2011). Com Lopes et al. (2010), é possível dizer que ainclusão tornou-se um imperativo,

[...] porque o Estado toma a inclusão como umprincípio categórico que, por ser assumido comoevidente por si mesmo, é imposto de formasdiferenciadas e de acordo com hierarquias departicipação, a todas as formas de vida, semexceção. (LOPES et al., 2010, p. 6-7)

Contribuindo com essa reflexão, Menezes (2010)argumenta que o imperativo da inclusão, mais do que umimperativo legal, tornou-se um imperativo moral. “Afinal, comonão defender a igualdade de oportunidades? Como nãorespeitar o direito que todos têm de estar na escola? [...] Comonão operar no mundo a partir de um olhar ‘politicamentecorreto’?” (MENEZES, 2010, p. 30). A autora segue em suaargumentação afirmando que práticas inclusivas tornaram-senaturalizadas e, com isso, não nos autorizamos a questioná-las,nem mesmo se discordamos delas (MENEZES, 2010). Aqui temosuma questão importante para pensar: o que significalevantarmos a bandeira em prol da inclusão simplesmenteseguindo a obrigatoriedade de incluir que está colocada naslegislações? O fato de “sermos a favor” da inclusão ereproduzirmos a necessidade de incluir a partir dos discursoslegais garante a inclusão? Será que nossos alunos aprenderão eterão o sentimento de pertencimento ao grupo pelo simples fatode estarem na escola? Estas e outras questões serão retomadasao longo do texto com o intuito de não apenas conhecermos asprincipais políticas de inclusão, mas também pensarmos emtermos de estratégias necessárias para que a inclusão seefetive. Isto porque falarmos em políticas de inclusão nãosignifica falarmos apenas em leis, pois a palavra política tambémenvolve práticas, discursos e refere-se não apenas ao Estado,mas também à sociedade e às ações que estão implicadas navida humana.

2.1 Marcos históricos e legais

Tendo em vista os aspectos colocados acima, vamos olharpara alguns movimentos históricos que geraram marcosimportantes para a história da educação especial, hojedenominada de outra forma: educação inclusiva ou simplesmenteinclusão. Veremos por quê...

Rech (2010), em sua dissertação de mestrado,7 buscou

compreender que movimentos ocorreram para que a inclusãofosse compreendida nos dias de hoje tal como a conhecemos ede que modos tais movimentos contribuíram para o processo deinclusão. Nesse estudo, a autora afirma que, no primeiromandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), falava-se no movimento de integração escolar. Tal achadode pesquisa pôde ser compreendido a partir da leitura e análisedos inúmeros materiais pesquisados durante o estudo,compostos por legislações, exemplares da Revista Integração eexemplares de Projetos de inclusão do Ministério da Educação.

No movimento da integração escolar, desejava-se que osalunos com deficiência, a partir da aproximação com os “ditosnormais”, se tornassem “normais”, tendo como referência osalunos tomados como padrão. Buscava-se, portanto, umapagamento ou uma “correção” das diferenças. Paralelamente ànecessidade de normalizar os sujeitos com deficiência, surgiu anecessidade de nomeá-los. O conceito “necessidadeseducativas especiais”, portanto, mostra-se como uma forma desuavizar os termos anteriormente relacionados às pessoas comdeficiência8 (RECH, 2010).

O filme O oitavo dia, ao apresentar a história de umjovem com síndrome de down, traz questões importantespara pensarmos sobre a forma como os sujeitos comdeficiência eram (ou ainda são?) narrados e representados.Fica a sugestão... Assista e, após, compartilhe suaspercepções com colegas e professores na comunidadevirtual.

Podemos perceber de que forma o movimento daintegração escolar agia através da análise da imagem abaixo:

Figura 1 – A grande máquina escolar.Fonte: TONUCCI, Francesco. Com olhos de criança. Porto Alegre: Artmed, 1997.Retirada do site: <http://stellae.usc.es/red/f ile/view /10410/la-fbrica-de-tonucci>.Acesso em: 26 fev. 2015.

Analisando a imagem, podemos perceber que os alunosestão entrando na “grande máquina escolar” com suasdiferenças, identidades, especificidades... Porém, o objetivo damáquina escolar é agir sobre essas diferenças que podem serconsideradas problemas para a escola. Então, buscam-seestratégias para trabalhar com os alunos de forma que, aosaírem da escola, tenham se tornado “alunos iguais”. Vocêspodem estar pensando: iguais a quem? E a resposta: iguais aoaluno que se encontra dentro do padrão considerado normal.Aqui podemos perceber o processo de normação agindo sobreos sujeitos. Esse processo se caracteriza da seguinte maneira:primeiro se define a norma9 para, depois, identificarem-se ossujeitos a partir do que foi considerado normal/adequado. Assim,os alunos que não se enquadrassem nas normas estabelecidaspara todos em grupo, não estariam aptos a saírem da escola“pelo mesmo lugar” e da mesma maneira que os alunos “ditos

normais”. Neste caso, processos de exclusão da escola regularnão raro aconteciam, pois no período em que se trabalhava coma integração escolar não se cogitava a possibilidade de osestudantes não se adequarem às normas.

Porém, a partir do momento em que o tema da educaçãoe dos direitos das pessoas com deficiência passou a ser objetode estudo de mais pessoas, grupos de estudo e de pesquisa,começou-se a questionar se tais práticas eram realmenteadequadas e surgiram propostas de outras formas de garantirmelhores condições para as pessoas com deficiência. Então,diferentes formas de mobilização social começaram a serestabelecidas.

Segundo Rech (2010), a partir do ano de 1997, aindadurante o primeiro mandato do presidente Fernando HenriqueCardoso, pôde ser identificado o termo integração/inclusão, deforma ainda sutil, pois a ideia da inclusão não só como acesso,mas possibilitando a aprendizagem dos sujeitos nos espaçosescolares, surge a partir do segundo mandato de FHC, por meiodas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na EducaçãoBásica (2001).

A integração e a inclusão escolar foram dois movimentosdistintos, pois um ocorreu depois do outro, sendo que omovimento da integração foi sendo deixado para trás com aproliferação do movimento da inclusão (RECH, 2010). Nomovimento da inclusão escolar podemos compreender oprocesso de normalização, que ocorre da seguinte forma:primeiro é identificada a normalidade do grupo (média) paradepois estabelecer o que é considerado normal para aquelegrupo. Uma vez que aqui a normalidade depende dos sujeitos (ea norma não vem primeiro ou preestabelecida), podemos dizerque a normalidade não é fixa, pois os sujeitos podem semovimentar e assumir outras posições...

Nesta direção, o movimento da inclusão escolar ganhouforça principalmente a partir da década de 1990, com aDeclaração Mundial sobre Educação para Todos, quando seiniciou um movimento em prol da inclusão de todos, buscandoatingir os grupos que eram considerados excluídos: pobres,indígenas, minorias étnicas, raciais e linguísticas, pessoas com

deficiência, entre outros. Já em 1994, com a Declaração deSalamanca, proveniente de um encontro de vários países naEspanha, foram definidos princípios, políticas e práticas para aárea da Educação Especial, que envolvia os sujeitos comdeficiência. Esses são marcos históricos, que culminaram comorientações legais10 e contribuíram para a necessidadeemergente da inclusão de todos hoje.

Antes de prosseguirmos, vamos olhar para o esquema aseguir, com o intuito de reforçar os processos de normação enormalização, que envolvem, respectivamente, os movimentos deintegração e inclusão escolar:

Na Integração escolar

Processo de normação: objetivava trazer os alunoscom deficiência para “dentro” da escola para torná-losnormais. A norma (padrão de normalidade) já estavadefinida.

Na Inclusão escolar

Processo de normalização: a partir de políticas eações pretende-se que todos tenham não só o acesso àescola, mas também à educação e à aprendizagem. Opadrão de normalidade é definido a partir do próprio grupo.

É importante salientar que ambos os processos têm ointuito de modificar os sujeitos ou “corrigir” suas deficiências. E,neste sentido, perguntamos: se entendemos que cada sujeitoconstrói as suas aprendizagens a partir dos lugares que ocupa e

da forma como se constitui, por que não entendemos que essespercursos para chegar às aprendizagens também podem ser (esão!) diferentes? Ao considerarmos que os sujeitos podem sedeslocar, ou seja, que podem ocupar uma posição de nãoaprendentes provisoriamente, precisamos pensar em estratégiaspara auxiliarmos os alunos a realizarem estes deslocamentos.Como fazer isto? Como pensar que as políticas de inclusão, aoorientarem para a inclusão de todos11 na escola, podemcontribuir para a criação de práticas pedagógicas inclusivas?Ficam esses questionamentos para reflexão enquanto olhamospara os movimentos e políticas relacionados ao tema da inclusãoescolar. Atente para o próximo capítulo do livro, em que serãoabordadas de forma mais pontual algumas deficiências epossibilidades pedagógicas.

2.2 A relação entre deficiência e inclusão

Antes da década de 1990, com o movimento pelaeducação para todos, a Constituição Federal Brasileira de 1988já definia orientações para o processo de democratização daeducação brasileira, assegurando que a educação de alunoscom deficiência ocorresse, preferencialmente, na rede regular deensino, e garantia o atendimento especializado para estesestudantes. Nesse contexto, porém, o conceito de deficiênciaconfundia-se com questões relacionadas à pobreza e aofracasso escolar. (MENDES, 2010) Segundo a referida autora,existiam duas alternativas para os alunos com deficiência:frequentar uma escola especial filantrópica que não garantia oprocesso de escolarização, ou frequentar classes especiais nasescolas públicas estaduais, que acabavam potencializando oprocesso de exclusão.

Nesse período, entendia-se que os “problemas” estavamcentrados nos próprios sujeitos com deficiência e tampouco sediscutiam questões relacionadas ao currículo e a estratégias deensino, uma vez que permaneciam os serviços que buscavam

segregar as pessoas com deficiência. (MENDES, 2010) E como oconceito de deficiência pode ser compreendido hoje?

Segundo a Política de Educação Especial na perspectivada Educação Inclusiva,

Consideram-se alunos com deficiência aqueles quetêm impedimentos de longo prazo, de natureza física,mental, intelectual ou sensorial, que, em interaçãocom diversas barreiras, podem ter restringida suaparticipação plena e efetiva na escola e nasociedade. Os alunos com transtornos globais dodesenvolvimento são aqueles que apresentamalterações qualitativas das interações sociaisrecíprocas e na comunicação, um repertório deinteresses e atividades restrito, estereotipado erepetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos comautismo, síndromes do espectro do autismo epsicose infantil. Alunos com altashabilidades/superdotação demonstram potencialelevado em qualquer uma das seguintes áreas,isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica,liderança, psicomotricidade e artes. Tambémapresentam elevada criatividade, grandeenvolvimento na aprendizagem e realização detarefas em áreas de seu interesse. Dentre ostranstornos funcionais específicos estão: dislexia,disortografia, discalculia, transtorno de atenção ehiperatividade, entre outros. (BRASIL, 2008, p. 15)

Segundo Carvalho (2012), podemos compreender adeficiência a partir de duas áreas de saber: médica esociológica. Segundo a área médica, a deficiência estárelacionada a um estado patológico e, a partir do momento emque o modelo médico enfatiza a deficiência, o sujeito passa a serrepresentado na sociedade como o “incapaz”. Essa condiçãoacaba por constituir sua própria subjetividade. Desse modo,

[...] parece que o modelo médico destaca a condiçãode dependência permanente, como se todas aspessoas incapacitadas nunca pudessem serautoras e mentoras de seus projetos de vida

representando, em decorrência, um problema para asociedade em que vivem. (CARVALHO, 2012, p. 29)

Já no modelo social a deficiência é compreendida comouma experiência do sujeito e não exclusivamente a partir de suasfaltas ou problemas que podem posicionar o sujeito como “sujeitoproblema” (CARVALHO, 2012). Aqui, é importante perceber ossujeitos a partir do contexto em que vivem, das suas experiênciasanteriores e atuais, de suas potencialidades e possibilidades enão somente a partir de dificuldades ou impossibilidades.

Voltando à Política Nacional de Educação Especial naperspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), podemosperceber um certo deslocamento em relação a documentoslegais anteriores cujo foco era apenas na obrigação legal dasinstituições com o acesso. Ainda quando conceitua deficiência, aPolítica prevê:

As definições do público alvo devem sercontextualizadas e não se esgotam na meracategorização e especificações atribuídas a umquadro de deficiência, transtornos, distúrbios, ouaptidões. Considera-se que as pessoas semodificam continuamente, transformando o contextono qual se inserem. Esse dinamismo exige umaatuação pedagógica voltada para alterar a situaçãode exclusão, enfatizando a importância de ambientesheterogêneos que promovam a aprendizagem detodos os alunos. (BRASIL, 2008, p. 15)

Pode-se perceber que não é objetivo desta Política abusca por espaços ou grupos exclusivamente homogêneos comose acreditava em períodos históricos anteriores. Mas tambémprecisamos estar atentos para não sair de um polo ao outrocomo se o sucesso da inclusão passasse apenas por nãobuscarmos mais grupos homogêneos na escola. Há uma série dequestões que precisamos levar em consideração e discutir naescola quando se trata de inclusão e, de maneira alguma, épossível simplificar esse processo ou seguir receitas comuns atodos. Por isso, é importante termos um olhar de hipercrítica

(VEIGA-NETO, 2003) e analisarmos, de forma permanente, tantoas nossas práticas pedagógicas quanto os movimentosrealizados na escola a partir das políticas de inclusão. Istoporque, conforme já anunciado anteriormente, a inclusão nãopode ser reduzida ao acesso, mas é preciso pensar em ações eestratégias para que seja garantida a permanência eaprendizagem dos sujeitos na escola. Nesse sentido, aacessibilidade também precisou passar por um deslocamento desentido, e hoje não mais é percebida conforme o conceito aseguir, que a definia como a:

[...] possibilidade e condição de alcance parautilização, com segurança e autonomia, dosespaços, mobiliários e equipamentos urbanos, dasedificações, dos transportes e dos sistemas e meiosde comunicação, por pessoa portadora dedeficiência ou com mobilidade reduzida. (BRASIL,2000, não paginado)

Nesse conceito, o foco era o acesso físico e a mobilidade,o que não deixa de ser importante, mas não é tudo. Podemosdizer que o acesso é o primeiro passo, pois a inclusão passapelo ingresso dos alunos na escola. Porém, a partir daí, outrosmovimentos precisam ser realizados e a acessibilidade pode sercompreendida juntamente com o conceito de inclusão12 paraque outras formas de trabalho pedagógico sejam mobilizadas naescola. Acessibilidade ao conhecimento/aprendizagem, àcomunicação, aos processos que se estabelecem na escola sãoalgumas das importantes questões que precisam ser levadas emconsideração para além do acesso físico e autônomo dossujeitos com deficiência.

Para finalizar esta discussão acerca das políticas deinclusão, elenco alguns dos importantes marcos legais e deixo oconvite para que acessem e busquem conhecê-los. Maslembrem-se:

Um documento de política não se encerra em simesmo. Após o estabelecimento de finalidades eobjetivos, para cujos alcances são apresentadas

diretrizes, cabe planejar o que precisa ser feito paraque as orientações se substantivem em previsões eprovisões de recursos de toda a natureza, com vistasa assegurar e garantir sua efetividade, na prática.(CARVALHO, 2012, p. 42)

É importante conhecer os documentos legais e suascontribuições para o processo de educação inclusiva e seusdeslocamentos no processo de inclusão, porém as legislaçõesnão indicam formas de planejar, avaliar e acompanhar os alunosna escola. Até porque, conforme discutimos anteriormente, nãose trata de fornecer receitas para esse processo, masjustamente pensá-lo e planejá-lo coletiva e constantemente. Eiso nosso desafio!

Constituição Federal (1988);Estatuto da Criança e do Adolescente (1990);Declaração Mundial de Educação para Todos (1990);Declaração de Salamanca (1994);Política Nacional de Educação Especial (1994);Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional9.394/96 (1996);Diretrizes Nacionais para a Educação Especial naEducação Básica (Resolução CNE n° 2/2001);Convenção de Guatemala (1999);Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação deProfessores da Educação Básica (2002);Lei de LIBRAS (2002);Diretrizes Braille (2002);Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade(2003);Convenção sobre os Direitos das Pessoas comDeficiência (2006);Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos(2006);PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação (2007);Política Nacional de Educação Especial na perspectivada Educação Inclusiva (2008).

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VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault & a Educação. Belo Horizonte:Autêntica, 2003.

__________7 Estudo em que analisou o movimento da inclusão escolar, no período degoverno de Fernando Henrique Cardoso, com o objetivo de mostrar comoa inclusão tornou-se hoje o movimento que dizemos que é (RECH, 2010).Sugerimos a leitura da dissertação para um maior aprofundamento sobreo tema. Disponível em:<http://www.michelfoucault.com.br/files/Tatiana%20Luiza%20Rech%20-%20dissert.%20-%2011jul13.pdf>.8 Alguns exemplos de como as pessoas com deficiência eram chamadasem outros momentos históricos: inválidos, incapazes, deficientes,excepcionais, portadores de deficiência, portadores de direitos especiais,mongóis, dentre outros.9 Se necessário, retome o conceito de norma desenvolvido no capítulo umdo livro.10 Acesse os referidos documentos legais na íntegra em:<http://unesdoc.unesco.org/images/0008/000862/086291por.pdf>,<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf>.11 E aqui, quando falamos em todos, estamos ampliando o olhar sobre omovimento da inclusão escolar para além dos acontecimentos ocorridosdurante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, explicitadosa partir do estudo de Rech (2010). A partir do governo de Luís Inácio Lulada Silva e com continuidade no governo da atual presidente DilmaRousseff, o movimento da inclusão segue, mas com um foco maisampliado, conforme explicitaremos a seguir.12 Lembre que esse conceito já foi discutido no capítulo anterior! Retome-ose necessário.

CAPÍTULO 3ESPECIFICIDADES DA INCLUSÃO: POSSIBILIDADESPARA O TRABALHO PEDAGÓGICOPriscila ProvinRejane Ramos Klein

Neste capítulo, que visa continuarmos refletindo acerca da inclusãoescolar, quatro professoras/pesquisadoras são entrevistadas paracontribuir a partir de seus olhares com a discussão sobre asespecificidades da inclusão. As páginas que seguem apresentamperguntas e respostas sobre as seguintes deficiências: autismo, altashabilidades, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) edeficiência intelectual.

O processo de inclusão pressupõe que as diferençastenham espaço dentro do currículo escolar, que asdiferentes vozes possam dizer de si. (LOPES, 2007,p. 27)

Perguntamos para as quatro professoras/pesquisadorasquestões relacionadas aos conceitos que envolvem a deficiênciaa qual estudam ou com a qual atuam, bem como sobre quaisseriam as principais políticas envolvidas. Solicitamos a elas,também, que descrevessem os principais saberes que umaprofissional da educação precisa conhecer para a realização deum trabalho pedagógico com o determinado tipo de deficiênciano sentido de garantir que sejam consideradas as necessidadeseducativas especiais, apontando, ainda, algumas metodologias erecursos que seriam adequados para a realização dessetrabalho pedagógico. Sabemos que asprofessoras/pesquisadoras que atuam diretamente com uma dasáreas da educação especial têm muitos desafios a enfrentar, porisso pedimos a elas que comentassem sobre quais seriam algunsdesses desafios para os professores que atuam muitas vezesnas escolas regulares e que recebem um aluno com determinadadeficiência.

As diferentes perspectivas abordadas pelas

professoras/pesquisadoras não devem ser tomadas como asúnicas maneiras de representar os sujeitos e a forma detrabalhar com eles. Mas podemos, sim, pensar a partir do que asentrevistadas nos dizem em possibilidades de compreensãodesses alunos e suas especificidades educativas.

Na primeira parte do texto discutiremos essas diferentesperspectivas a partir de uma das perguntas feitas àsentrevistadas: Como você entende o processo de inclusão? E éa partir dessa questão que retomaremos o conceito de inclusãoabordado no decorrer dos capítulos deste livro. Com Lopes(2007), citada na epígrafe deste texto, destacamos a importânciade tomarmos as diferenças no processo de inclusão não comoproblemas ou como algo a ser corrigido, mas, a partir delas,elaborarmos práticas pedagógicas que proporcionem aparticipação e aprendizagem desses sujeitos. Com isso, ainclusão pode ser compreendida como um desafio diário, e nãoum lugar de chegada ou estado permanente (FABRIS; LOPES,2013). Podemos, a partir dos excertos que seguem, continuarrefletindo sobre esse conceito de inclusão e analisar em quemedida as entrevistadas se aproximam ou se afastam desseentendimento.

3.1 Diferentes entendimentos sobre o processo deinclusão

Os processos de inclusão se estabelecem quando secuida e atende ao sujeito aluno. A rede estabelecida emtorno deste, não menos importante, deve estar envolvida ereceber também atenção buscando compor entre osprofessores um trabalho colaborativo. A família convidadajunto com a criança a compor o processo sustenta omovimento de acompanhar a aprendizagem edesenvolvimento do aluno.

Entrevistada Cláudia Rodrigues de Freitas

Acredito que pensar na educação desses alunospressupõe nos questionarmos se eles podem serpercebidos para além das narrativas que os constituemhistoricamente como não aprendentes. Entendo que serompermos com a compreensão de que cada aluno carregaem si uma identidade única, estável, que tem sido instituídaem situação de desvantagem e, por isso, precisa sercompensada, corrigida, reabilitada, poderemos investirpedagogicamente nos seus processos de escolarização.Em épocas de educação inclusiva, faz-se preciso umaavaliação constante de nossas concepções em relação àspessoas com deficiências e sobre como essas concepçõestêm posicionado os alunos na escola em relação aosconceitos de normalidade e anormalidade.

Entrevistada Eliana da Costa Pereira de Menezes

Incluir significa desenvolver estratégiaspedagógicas que permitam que esse aluno desenvolva seuspotenciais diferenciados e fundamentalmente que possa sercompreendido na sua diversidade. Para que o aluno comAH/SD seja incluído, ele deve ser identificado, reconhecidoe valorizado. Como trabalho com formação de formação deprofessores, sempre tento fazer com que os professores-alunos percebam os alunos de suas turmas. Isso ossensibiliza para outros alunos que poderão ter no futuro.

Entrevistada Susana Graciela Pérez Barrera Pérez

Inclusão é um processo de responsabilidadepessoal e coletiva em construção, que está em constanteformação, variação, revisão, transformação... Inclusão é umdireito e dever de todos. Inclusão é sinônimo de respeito evalorização da diversidade humana; e requer ações no

âmbito político, cultural, econômico, social e ambiental. Oparadigma da inclusão permite que cada indivíduo tenhacondições de progredir em sua singularidade, avançardentro de suas possibilidades, demonstrar suas habilidadese desenvolver competências, portanto é uma ação que nãotem fim! A cada dia o processo inclusivo apresenta um novodesafio, uma nova aprendizagem, um novo enfrentamento,uma nova experiência, uma nova barreira, uma novasurpresa, uma nova reflexão...

Entrevistada Vivian Missaglia

Destacamos em negrito alguns entendimentos abordadospelas entrevistadas que evidenciam diferentes concepções sobrea inclusão. Sintam-se convidados/as a refletir sobre essesentendimentos conosco, buscando, posteriormente, maiselementos na entrevista na íntegra.

Conforme destaque da primeira entrevistada, perceber anecessidade de uma rede quando falamos em inclusão é algomuito importante. Isto porque a inclusão deve ser umcompromisso de todos e não apenas uma preocupação de umou dois professores que possuem em suas turmas “alunos deinclusão”. Esse entendimento requer olharmos para o conjunto,para o processo de inclusão a partir de uma dimensão maisampla, uma vez que se pretende possibilitar aos alunoscontinuidade em sua formação e, principalmente, quepermaneçam na escola com aprendizagem. Como fazer isso senão há um compromisso coletivo na escola?

Para que tal projeto coletivo seja mobilizado, concordamoscom Lopes (2007, p. 32) quando aponta para a necessidade deproporcionarmos nas escolas “[...] espaços permanentes ereconhecidos de estudos, discussões e produção deconhecimentos que nos possibilitem olhar e significar as nossasações e os sujeitos de outras formas”. A mobilização de estudose discussões e a produção de conhecimentos pode serimpulsionada, de forma bastante produtiva, a partir deinvestimentos em formação de professores. E esta formação

passa tanto pelos cursos de licenciatura realizados pelosprofessores quanto por ações pontuais de formaçãopossibilitadas pelas próprias escolas, por cursos deaperfeiçoamento, ou mesmo por encontros de estudos com osprofessores, que podem ser promovidos pelas equipes diretivasdas escolas ou pelas secretarias de educação. Por que nãoestruturar grupos de estudos na escola para subsidiar as açõesde inclusão e sistematizar o desenvolvimento desse processo?Conforme destaques da segunda e da terceira entrevistada,para consolidarmos a inclusão é preciso investirpedagogicamente nos seus processos de escolarização.

Colocar sob suspeita as representações de alunos “nãoaprendentes” é outro destaque que fazemos a partir do que asprofessoras/pesquisadoras enunciam. E como suspeitar dessaverdade constituída e tão comum quando falamos nos alunosque possuem deficiência? Como duvidar de certasrepresentações “coladas” às deficiências que nos foramapresentadas há muito tempo como identidade do sujeito, comoúnica e verdadeira? Mais uma vez destacamos o processo deformação como necessário para que certas desnaturalizaçõessejam possíveis e, no lugar delas, possam ser construídas outrasformas de olhar para os alunos que possuem deficiência. Masum alerta: quando falamos sobre a importância da formação deprofessores, não podemos pensar que sempre algo externoprecisa acontecer para que os professores sejam capacitados e“preparados” para trabalhar com a inclusão. Dito de outro modo,os próprios professores também precisam mobilizar-se na buscade conhecimentos, espaços para reflexão e discussão, pois,sendo um compromisso coletivo, todos têm uma parcela deresponsabilidade para com esse processo.

Como uma das professoras destacou, a inclusão é umprocesso que não tem fim. Por isso,podemos compreendê-lacomo um desafio, uma prática que nos exige formação,discussão, problematização, hipercrítica (VEIGA-NETO, 2003), e,novamente retomando a fala de outra entrevistada, a inclusãonos exige olhar e perceber os alunos com os quais estamostrabalhando. Isto implica não só conhecer as especificidades dossujeitos relacionadas à sua deficiência, mas também

compreendê-los a partir de suas identidades e subjetividades. Eestas não podem ser representadas antecipadamente apenas apartir da deficiência, pois não têm uma única forma de tradução.É preciso, portanto, considerar que os alunos possuem, além deuma deficiência, outras identidades que precisamos conhecerpara investir pedagogicamente desenvolvendo e construindoaprendizagens.

Para além de discutirmos sobre o entendimento dainclusão, faz-se necessário também destacar algumasespecificidades para quem trabalha ou irá trabalhar com ainclusão de alunos que apresentam determinadas necessidadeseducativas especiais. Ainda que saibamos que todos os alunosprecisam de atenção, de um olhar atento para as diferenças, énecessário compreendermos que, para desencadear aaprendizagem de determinados sujeitos, alguns saberes maisespecíficos precisam ser buscados para subsidiar esse trabalho.Sabemos também que não há receitas prontas, pois nenhumsujeito é igual ao outro. No entanto, em se tratando de algumasdeficiências, podem-se traçar alguns pontos comuns para que oprofessor possa iniciar o trabalho em sala de aula. Este pode sero primeiro passo: conhecer mais sobre o tipo de deficiência;porém, ressaltamos que a aproximação do aluno, bem como deseu histórico escolar e de sua família para conhecê-lo, éimprescindível.

A seguir, apresentamos cada uma das entrevistadas, quepossuem experiências de atuação e de investigação em quatrotipos de especificidades.

Boa leitura e reflexões!

REFERÊNCIAS

LOPES, Maura Corcini. Inclusão escolar: currículo, diferença eidentidade. In: LOPES, Maura Corcini; DAL’IGNA, Maria Cláudia.(orgs). In/exclusão nas tramas da escola. Canoas: Ulbra, 2007.

LOPES, Maura; FABRIS, Eli. Inclusão e educação. Belo

Horizonte: Autêntica, 2013.

VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault & a Educação. Belo Horizonte:Autêntica, 2003.

ENTREVISTA 1 – TRANSTORNO DE DÉFICIT DEATENÇÃO E HIPERATIVIDADE (TDAH)

Cláudia Rodrigues de Freitas é doutora em Educação peloPPGEDU/UFRGS, na Linha de pesquisa “Processos de Exclusãoe Participação em Educação Especial”. Mestre em Educaçãopela UNISINOS/RS. Possui formação em Psicopedagogia pelaEscuela Psicopedagógica de Buenos Aires - EPsiBA em Curso deFormación En Psicopedagogia. Apresenta Pós-doutoramento nocampo da Educação Especial - UFRGS. Foi professora na RedeMunicipal de Porto Alegre até julho de 2010, atuando noAtendimento Educacional Especializado (AEE) com crianças dezero a seis anos. É professora no DEBAS/UFRGS. Integrante doNúcleo de Estudos em Políticas de Inclusão EscolarNEPIE/FACED/UFRGS. Tutora e professora na ResidênciaIntegrada Multiprofissional em Saúde Mental Coletiva: formaçãoem área profissional da saúde na modalidade educação pós-graduada em serviço UFRGS.

1. Como você explica o Transtorno de Déficit de Atenção eHiperatividade (TDAH) e quais os principais conceitos queestão relacionados a ele?

Antes de falarmos em transtorno, hiperatividade, déficit deatenção, devemos falar de atenção e de atender. O conceito deatenção, de forma prioritária vem sendo referido pelo seuavesso: a desatenção ou o déficit de atenção. Este

argumento toma a criança pela não potência13. Quandofalamos nos laços de aprendizagem, é preciso olhar justamentepara o que faz potência: a atenção como potência epossibilidade. Como pensar em atenção no contraponto aoconceito de atenção? Quando pedimos, no cotidiano escolar, ahipoatividade a nossos alunos, como se desencadeia o nossopensar sobre esta criança a desejar o constante estado demovimento? O professor atende a seu aluno ou é o aluno queatende ao professor?

Tomando este sentido, as referências sobre o conceito deTranstorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade quaseesmaecem, já que o vetor do olhar sai do sintoma ou doempenho em construir checklist a partir de comportamentos epassa a se ocupar em olhar para o sujeito. Este ser inserido navida rápida deste tempo e mergulhado em uma teia de relações.Ao pensarmos na versão sustentada por uma corrente médicaque toma os DSMs como a verdade, encontramos a definição deTDAH como “o transtorno mais comum na infância eadolescência”. Ficaria muito difícil dar referência a esta frasepela intensa repetição que encontra em muitos escritos técnicosde tal área, buscando, através desta afirmativa, a produção deexistência de uma patologia. Alguns a complementam dizendo docaráter neurobiológico, ou mesmo dando ênfase a causasgenéticas. É, sem dúvida, uma possibilidade de descrever taltranstorno, mas pouco dizem do sujeito e menos ainda destecomo aprendente. Para saber de meu aluno, é precisoperguntar a ele e sobre ele. Dessa forma, poderemos realizarduas tarefas importantes: primeiro, buscar ajuda para tratar dosproblemas, e segundo, buscar formas de garantir uma propostapedagógica hábil a atender suas demandas. A atenção não é ummeio para se obter outra coisa. Ela tem função em si mesma e sedesenvolve a partir do quanto de atenção lhe é dirigida. Não é oorganismo que atende, mas o corpo constituído na relação.

Um conceito que propõe ajuste ao olhar e permite pensaratenção e sua delicadeza nas verdades deste tempo é oconceito de Medicalização. Os processos de medicalização davida e da escola procuram a norma do ser, estar e pensar.Medicalização entendida como processo de controle que não se

restringe ao ato de prescrever remédio. É, de fato, muito maior eprescrevendo modos de estar e viver a partir de normas sociais.Uma das formas mais recorrentes do processo de medicalizaçãoé a oferta de diagnósticos via escola, onde o mais recorrentevem sendo o que identifica crianças como “hiperativas” e/ou comquadro de desatenção.

2. Quais são as principais políticas que amparam ainclusão de alunos com TDAH na escola?

O processo de inclusão está em movimento de definição eampliação no Brasil há mais de vinte anos. A escola e asociedade trabalham por um processo de ampliação econsolidação, e algumas marcas normativas e legais sustentameste processo. A Política Nacional de Educação Especial naperspectiva da Educação Inclusiva de 2008 (BRASIL, 2008)define um direcionamento para todo o país. Quando falamos eminclusão escolar, estamos nos referindo a sujeitos/alunos públicoalvo da Educação Especial como pessoas com deficiência, comtranstorno global do desenvolvimento e com altashabilidades/superdotação. O aluno com o suposto diagnóstico deTDAH não é nomeado em legislação específica. Até o momento,há projetos de lei desencadeados por entidades ligadas aorganizações que buscam efetivar um caráter de doença a serregimentado, mas ainda sem sucesso. Em todo o país, há trêsmunícipios os quais, através de suas câmaras de vereadores,propõem legislação anunciando a possibilidade de formação aosprofessores para identificação de alunos com tal transtorno oumesmo a identificação e encaminhamento para tratamento.

Existem diversas leis que garantem o direito à educação atodos:

A constituição Federal assegura a educação comodireito fundamental ao exercício da cidadania e noartigo 3º diz do direito à igualdade de condições para oacesso e permanência na escola. Já o artigo 5º definecomo direito de todos: “O acesso à educação básica

obrigatória é direito público subjetivo, podendo qualquercidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária,organização sindical, entidade de classe ou outralegalmente constituída e, ainda, o Ministério Público,acionar o poder público para exigi-lo. (Redação dadapela Lei nº 12.796, de 2013)A Lei de Diretrizes e Bases para Educação Nacionalreafirma o direito de todos os alunos no art. 2º: “Aeducação, dever da família e do Estado, inspirada nosprincípios de liberdade e nos ideais de solidariedadehumana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento doeducando, seu preparo para o exercício da cidadania esua qualificação para o trabalho”.

3. Descreva os principais saberes que o profissional daeducação precisa conhecer para a realização de umtrabalho pedagógico TDAH.

Alguns conceitos podem nos ajudar muito a encontrar osujeito para além do hiper movimento ou do dizer de umaatenção aparentemente negativa. Tal diagnóstico encontra esteioem muitos escritos e pesquisas médicas e pouco oferece àescola. A partir de tal campo de olhar, busco trabalhar com o queoferece de sustento aos conceitos de atenção, normalidade emedicalização, já referidos aqui.

A definição de atenção proposta aqui reconhece talconceito em seu caráter de invenção em percurso, como algoque se constrói durante e em processo. A atenção se faz com oobjeto de conhecimento mediado pelo ensinante. Tenho emFernández e Kastrup minhas principais interlocutoras para talconceito.

O conceito de normalização, não menos importante, sedesdobra em outros dois: normal e anormal. A norma vemprimeiro e depois a normalização. Os dispositivos normalizadoressão produzidos como consequência, forma de dar sustentação eafirmação, mas em nenhum momento garantem o próximo ato.Estes encontram-se constituídos a cada tempo e por regras, por

normas, as quais podem ser explícitas, visíveis, escritas emnormativas, leis, acordadas pelo próprio grupo. Para tratardesses conceitos, tenho em Foucault e Canguilhem minhasreferências preferenciais.

4. Descreva algumas das metodologias e recursos queseriam adequados para o trabalho pedagógico comalunos com TDAH.

Metodologia e recursos serão propostos para estetrabalho a partir do momento que se põe em movimento a redede sustentação da criança. Uma patologia, mesmo quecomprovada, não define tal processo a priori.

5. Quando falamos em inclusão, é muito comum ouvirmosprofissionais da área da educação dizerem que não estãopreparados para trabalhar com isto. A partir da suaexperiência com a área do TDAH, o que você diria emrelação a esta questão e quais seriam os desafios aenfrentar?

Professores, olhem e escutem seus alunos. Vejam oque eles têm a dizer. Perguntem a suas famílias, sua rede,também na área da saúde. Entendo que, apesar da tendência àvalorização da dimensão biológica, constitutiva no entendimentoe na atenção às manifestações da hiperatividade, encontramosuma pluralidade de fatores intervenientes que nos indica anecessidade de considerar o sujeito na sua complexidade etotalidade. O trabalho pedagógico precisa encontraramparo no processo de acompanhamento pedagógico emseu sentido ampliado, tomando a potência do trabalhocontextual e educativo.

__________13 Todos os grifos no decorrer das entrevistas foram realizados pelas

autoras do capítulo.

ENTREVISTA 2 – DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

Eliana da Costa Pereira de Menezes possui graduação emEducação Especial (2001), Mestrado em Educação pelaUniversidade Federal de Santa Maria (2005) e Doutorado emEducação pela UNISINOS (2011), na linha de pesquisa Currículo,Cultura e Sociedade. Atualmente é professora adjunta doDepartamento de Educação Especial/EDE da UniversidadeFederal de Santa Maria (UFSM) e Coordenadora do Curso deEducação Especial Diurno. Tem experiência na área deEducação, com ênfase em Educação Especial, atuandoprincipalmente nos seguintes temas: educação, políticas deinclusão escolar, educação especial, práticas de in/exclusão.

1. Como você explica a deficiência intelectual e quais osprincipais conceitos que estão relacionados a ela?

Como professora de professores em formação(graduandos dos Cursos de Licenciatura da UniversidadeFederal de Santa Maria - UFSM) procuro provocar meus alunosà construção de problematizações sobre processos de avaliação

e identificação/classificação da deficiência intelectual, instituídospela psicologia da educação, para que juntos possamosminimamente suspeitá-los. Com essa provocação, o que eupretendo é possibilitar que, ao conhecer conceitos e definiçõesde deficiência intelectual utilizados usualmente (pela área dasaúde e da educação especialmente) para delimitar quem sãoesses sujeitos, que características os constituem, quecomportamentos os caracterizam, que potencialidades em termosde aprendizagens eles possuem etc., os alunos possamquestioná-los. Tal necessidade de questionamento que cercaminha prática deriva da compreensão de que esses aspectossão instituídos mesmo antes de nos relacionarmos com aspessoas que possuem deficiência intelectual. Não pareceimportante perguntarmos como é possível que, mesmoantes de conhecermos um aluno; mesmo antes de nosrelacionarmos com ele, já saibamos o que podemos deleesperar?

Ocorre que, ao falarmos em práticas escolares,estamos falando de conceitos didáticos e pedagógicos,cujo embasamento principal se dá a partir dosconhecimentos da psicologia da educação. Nessaperspectiva, ainda que eu considere que as conceituações dedeficiência intelectual possam direcionar o modo como vamosolhar para os sujeitos, antecipando formas de ser dessessujeitos, entendo ser necessário trabalhá-las no processo deformação de professores.

Atualmente a deficiência intelectual tem sidocompreendida a partir da ênfase no funcionamento do intelectode determinados sujeitos que, quando comparados a sujeitoscujo funcionamento intelectual é considerado “normal”, acabamsendo classificados como deficientes. Tal classificação, resultadodos processos de avaliação e diagnóstico, pode por sua vezdeterminar (ou não) limitações e dificuldades ao sujeito foco daavaliação a partir da concepção que subsidia os critérios quesão elencados como indicativos da deficiência. Nesse sentido, euacredito que as possibilidades de desenvolvimento dosujeito que possui deficiência intelectual podem seravaliadas (e, portanto, condicionadas) por pelo menos

duas perspectivas: uma concepção clínica e umaconcepção sociológica (BEYER, 200514).

Trata-se, no primeiro caso, de uma concepção que impõeuma condição impeditiva de aprendizagem e desenvolvimento ereforça a ideia de que a dificuldade principal do “não aprender” éuma responsabilidade daquele que se encontra na condição dedeficiente e, assim, desconsidera outros fatores intervenientesno processo de aprendizagem e desenvolvimento como, porexemplo, relações familiares, sociais e escolares, ou fatoressociais, econômicos e culturais.

Já em uma perspectiva sociológica “(...) a deficiência édefinida por um processo de atribuição social. Desloca-se o olhardo indivíduo (...) para o grupo social” (BEYER, 2005, p. 92).Nessa perspectiva, as interações que o indivíduo estabelecercom o meio e com os demais indivíduos é que poderãodeterminar a qualidade das suas aprendizagens e do seuprocesso de desenvolvimento. Sendo assim, compreender ospercursos mentais percorridos pelo indivíduo para interagir como ambiente de determinada maneira pode nos auxiliar a ofertaroutras interações a esse indivíduo, o que, por sua vez, resultaráem outros processos mentais. Nesse processo não ofertamossimplesmente novas interações, mas, sim, novas possibilidadesde aprendizagem e desenvolvimento.

Procurando então sintetizar a resposta à pergunta,entendo a deficiência intelectual como uma produção social(CARNEIRO, 200815), como um produto das relações que osujeito estabelece no meio social onde está inserido, o quesignifica pensar que toda intervenção pedagógica direcionada aesse sujeito deve centrar-se não somente em suas habilidadescognitivas (que precisam ser estimuladas para que ele compensedificuldades na apropriação dos elementos culturais que nosconstituem como sujeitos de uma determinada cultura), mas, eprincipalmente, nas relações que ele estabelece na escola e foradela.

2. Quais são as principais políticas que amparam ainclusão de alunos com deficiência intelectual na escola?

Em âmbito geral, as práticas escolares na perspectiva daeducação inclusiva direcionadas aos alunos com deficiênciaintelectual são determinadas atualmente pelo Decreto6.711/2011 e pela Resolução nº 04/2009 (ambos produzidos apartir das orientações presentes em documentos internacionaiscomo a Convenção sobre os Direitos das Pessoas comDeficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em NovaIorque, em 30 de março de 2007). Tais documentos instituemlegalmente o Atendimento Educacional Especializado no contextoescolar e dão as diretrizes para o seu funcionamento. Comrelação a documentos específicos destinados à escolarização dosujeito com deficiência intelectual, destaco a Nota Técnica n°04/2014, que orienta quanto à necessidade de documentoscomprobatórios (laudo médico) de alunos que frequentam o AEE,instituindo que o professor responsável pelas ações deeducação especial na escola não poderá impedir a frequência doaluno no AEE caso ele ainda não possua um diagnóstico clínicoconstruído. Dessa forma, esse profissional poderá, mediante aconstrução de um parecer pedagógico, garantir a matrícula doaluno nesse serviço.

3. Descreva os principais saberes que o profissional daeducação precisa conhecer para a realização de umtrabalho pedagógico com a deficiência intelectual.

Diante do que foi exposto na pergunta inicial e pensandoem termos de abordagens de desenvolvimento, é possívelconcluir que as possibilidades de desenvolvimento queuma pessoa com deficiência pode apresentar sãodeterminadas não exclusivamente pelas suas limitaçõesorgânicas, mas principalmente pelas vivênciaspossibilitadas a essas pessoas. Nesse sentido, alio-me aVygotsky (1987, 1999, 2001) quando indica que ascaracterísticas orgânicas do sujeito podem afetar não somente ainteração que eles estabelecem com o meio físico, masprincipalmente a qualidade das interações estabelecidas comoutros sujeitos sociais, o que, por sua vez, afeta seus processos

de desenvolvimento e aprendizagem.Nessa perspectiva, sob um olhar embasado na psicologia

da educação, mais especificamente nos estudos vygotskyanos, adeficiência intelectual pode ser compreendida como umadificuldade presente no momento de internalização dasinformações captadas pelos sentidos. Esse processo deinternalização de informações possibilita que a inteligência, queem um primeiro momento é elementar/prática, transforme-se, aospoucos, em superior/formal. Essa inteligência superior ou – comoVygotsky se refere – esses processos mentais superiores sãoconsiderados pelo autor como tipicamente humanos e envolvemo controle consciente do comportamento, a ação intencional e aliberdade do indivíduo em um dado tempo e espaço (OLIVEIRA,200516).

Segundo Oliveira (2005), quando nos tornamos capazesde organizar nosso pensamento a partir da internalização dasinformações concretas do mundo, passamos a ser capazes depensar em objetos ausentes, imaginar eventos nunca vividos,planejar ações a serem realizadas em momentos posteriores.Esses comportamentos possibilitam a tomada consciente dedecisões, o que, por sua vez, nos permite atuar no mundoautonomamente. Nessa lógica, seria o alcance dessecomportamento voluntário e intencional sobre o mundo que seapresentaria de forma deficitária no sujeito com deficiênciaintelectual, pois seu processo de aprendizagem é caracterizadopela dificuldade em deixar de precisar de marcas externas epassar a utilizar signos internos, ou melhor, dificuldade emrepresentar intelectualmente os objetos concretos do mundoreal.

Portanto, ao longo do seu processo de desenvolvimento,o sujeito com deficiência intelectual deve ser estimulado (pelossujeitos com quem estabelece interações sociais ao longo do seudesenvolvimento) a construir seu conteúdo intelectual, a partir dasubstituição dos objetos, das pessoas, das situações, doseventos do mundo real etc. por símbolos que representam essereal. Essa capacidade de lidar com representações quesubstituem o próprio real (que encontra defasagens) é que vaipossibilitar a esse sujeito libertar-se do espaço e do tempo

presentes, fazer relações mentais na ausência das própriascoisas, imaginar, fazer planos, ter intenções (OLIVEIRA, 2005).

Ao pontuar tais aspectos, entendo ser importante, parafinalizar a questão, ressaltar que compreender a deficiênciaintelectual como a forma de operação do sujeito diante dacultura em que está inserido, e que resulta, como já foi dito,das relações que ele estabelece (que são, por sua vez,determinadas pelas concepções que se tem de sujeito), poderesultar na contestação de tais relações na busca de outraspossibilidades para esse sujeito. Importa ressaltar aqui quenão há um percurso prévio de desenvolvimento instituídocomo correto (normal) e que deverá ser trilhado pelo sujeito.Todo percurso de desenvolvimento é um percurso único, sópodendo servir de parâmetro para ele mesmo.

4. Descreva algumas das metodologias e recursos queseriam adequados para o trabalho pedagógico comalunos com deficiência intelectual.

Para iniciar, entendo ser importante resgatar o que já foipontuado nas questões anteriores. Ao pensarmos no processode ensino e aprendizagem, faz-se importante questionarmos acompreensão de que há um percurso prévio de desenvolvimentoque deve ser tomado como correto (normal) e que deverá sertrilhado pelo sujeito. Todo percurso de desenvolvimento é umpercurso único, só podendo servir de parâmetro para elemesmo.

Dito isso, entendo que quando pensamos em atividadesque estimulem o desenvolvimento dos processos mentaisdos alunos com deficiência intelectual, obrigatoriamente,reportamo-nos à necessidade de redefinirmos nossapostura e concepção em relação a esses alunos,acreditando na possibilidade de que todos temos deconstruir conhecimento. Nessa perspectiva, o ambienteescolar poderá constituir-se como um espaço de aprendizagemonde alunos e professores, juntos, através de problematizaçõesconstantes, constroem aprendizagens.

Nessa perspectiva, ao pensarmos na organização deplanejamentos pedagógicos para alunos com deficiênciaintelectual, além do estudo específico das dimensões queinterferem na aprendizagem de cada aluno, também podemos tercomo ponto de partida as características de seu processo deapropriação do mundo, e, portanto, podemos prever atividadesque (BRASIL, 200617):

Estimulem o desenvolvimento dos processos mentais:atenção, percepção, memória, raciocínio, imaginação,criatividade, linguagem, entre outros.Fortaleçam a autonomia dos alunos para decidir, opinar,escolher e tomar iniciativas, a partir de suasnecessidades e motivações.Promovam a saída de uma posição passiva eautomatizada diante da aprendizagem para o acesso eapropriação ativa do próprio saber.Tenham como objetivo engajar o aluno em um processoparticular de descoberta e desenvolver orelacionamento recíproco entre a sua resposta e odesafio apresentado pelo professor.Priorizem atividades que permitam a descoberta,inventividade e criatividade.Estimulem o aluno com deficiência intelectual a retirarinformações do objeto e construir conceitosprogressivamente.

Sobretudo, parece-me importante ter claro que oestabelecimento de estratégias para intervenção pedagógica doaluno com deficiência intelectual está diretamente entrelaçadoaos objetivos propostos para esse aluno. Portanto, toda equalquer indicação de alternativas de intervenção deve seconstituir como possibilidade de intervenção, que deverá seravaliada a depender do contexto específico em que cada alunocom deficiência intelectual se encontre.

6. Quando falamos em inclusão, é muito comum ouvirmos

profissionais da área da educação dizerem que não estãopreparados para trabalhar com a inclusão. A partir da suaexperiência com a área da deficiência intelectual, o quevocê diria em relação a esta questão e quais seriam osdesafios a enfrentar?

Parece-me que a pergunta que deve ser feita nesse casoé, quando e como estaríamos preparados para o que estápor vir? Para aquilo que ainda não conhecemos? Todo novoaluno é um aluno novo, desconhecido. Só saberemos oque esperar dele e como melhor contribuir com suasaprendizagens na medida em que interagimos com ele . Éessa interação com o aluno (suas especificidades, seuscontextos, suas características...) que poderá me prepararpara trabalhar com ele . Sendo assim, entendo que oargumento de falta de preparação utilizado usualmente parajustificar nossa dificuldade em lidar com os alunos comdeficiência intelectual decorre da compreensão que temos dessealuno e que antecipadamente anuncia a compreensão de quedele poderemos esperar muito pouco (para não dizer quasenada).

Assim, ao olhar para a inclusão escolar de alunoscom deficiência intelectual, entendo que é preciso quebusquemos condições pedagógicas de atuação com essesalunos (turmas menores, espaços de discussão eproblematização nas escolas, reorganização das práticasescolares enraizadas em conceitos de currículo eavaliação tradicionalmente instituídos etc.) e também,principalmente, a revisão de nossas concepções (epráticas) com relação às pessoas com deficiências. Quandoo olhar destinado a esses alunos buscar em primeiro lugarconhecê-los como sujeitos de aprendizagem, capazes dedesenvolvimento e de aprendizagem, as práticas desenvolvidaspoderão incentivar seu desenvolvimento de forma produtiva nosgrupos sociais em que estão inseridos.

__________14 BEYER, Hugo Otto. Inclusão e Avaliação na Escola de alunos comnecessidades educacionais especiais. Porto Alegre: Mediação, 2005.15 CARNEIRO, Maria Sylvia. Adultos Com Síndrome de Down: a deficiênciaintelectual como produção social. Campinas: Papirus, 2008.16 OLIVEIRA, Marta Kohl. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento, umprocesso sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 2005.17 BRASIL. Educação Inclusiva: atendimento educacional especializadopara a deficiência intelectual”. Brasília: MEC/SEESP, 2006. Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/defmental.pdf >. Acesso em: 2out. 2007.

ENTREVISTA 3 – ALTASHABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO (AH/SD)

Susana Graciela Pérez Barrera Pérez é bacharel em ArtesPlásticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS), Especialista em Educação Especial, Área de AltasHabilidades, pela Faculdade de Educação da UFRGS, Mestre eDoutora em Educação pela Faculdade de Educação da PontifíciaUniversidade Católica (PUC-RS), e estágio pós-doutoral naFaculdade de Educação da Universidade Federal de Santa Maria(UFSM). É presidente do Conselho Brasileiro para Superdotação,do qual também foi sócia-fundadora e presidente durante outrastrês gestões; membro do Conselho Técnico da AssociaçãoGaúcha de Apoio às Altas Habilidades/Superdotação e delegadapelo Brasil perante Federación Iberoamericana del World Councilfor Gifted and Talented Children. Tem experiência na área deEducação, com ênfase em Educação Especial, atuandoprincipalmente nos seguintes temas: altas habilidades,superdotação, educação especial, educação inclusiva, inclusão ePolíticas Públicas de Educação Especial. Foi consultora daUnesco para a Secretaria de Educação Especial do MEC (2007,2011), é docente em cursos de extensão e pós-graduação e atuana formação de professores e assessoria a redes municipais e

estaduais em diversos estados brasileiros na área de AltasHabilidades/Superdotação. Faz parte dos Grupos de PesquisaCNPq da UNIP Inteligência e Criação: Práticas Educativas paraPortadores de Altas Habilidades e da UFSM Educação Especial,Interação e Inclusão Social.

1. Como você explica as Altas Habilidades/Superdotação equais os principais conceitos que estão relacionados aelas?

As Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) são umcomportamento que apresenta três grandes conjuntos de traços:habilidade acima da média (em qualquer área), criatividade ecomprometimento com a tarefa (na área de habilidade acima damédia). Esse comportamento não ocorre em todas as pessoas,mas apenas em algumas, não acontece em todas as áreas etampouco em todos os momentos. Esse conceito, desenvolvidopelo Professor Joseph Renzulli, está muito relacionado com oconceito de inteligência vigente, visto que se considerarmos ainteligência como algo estático e que tem como parâmetrosapenas o desempenho lógico-matemático e linguístico – comoocorre quando avaliamos “inteligência” com testes padronizados–, encontraremos pessoas com AH/SD apenas nessas duasáreas; consequentemente, deixaremos de perceber as AH/SD namúsica, no esporte, na dança, e em tantas outras áreas que nãopodem ser avaliadas por testes de QI ou pelos chamados “testesde lápis e papel”.

2. Quais são as principais políticas que amparam ainclusão de alunos com Altas Habilidades/Superdotaçãona escola?

Na verdade, temos política pública para amparar ainclusão destes alunos somente na Educação e, mesmo assim,muito precária. Existem alguns dispositivos legais que garantema identificação e o atendimento educacional especializado (LDB,Meta 4 do PNE - Lei 13005/14, Resoluções 2 e 4 e Pareceres 17

e 13, do CNE, Decreto 7611/11, e a Política Nacional deEducação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva) aosalunos com AH/SD, mas não há interlocução com outras esferas(Assistência Social, Cultura, Saúde, C&T) que poderiam garantirque essas políticas fossem viáveis.

3. Descreva os principais saberes que o profissional daeducação precisa conhecer para a realização de umtrabalho pedagógico para alunos com AltasHabilidades/Superdotação.

O profissional da Educação tem que ter conhecimentossobre a concepção, a caracterização das Pessoas com AH/SD, alegislação vigente que garante o atendimento e, principalmente,ser um profissional criativo e flexível, que não tenha medode enfrentar o desconhecido e que não considere o saberuma forma de poder. A grande dificuldade para o atendimentoeducacional dos nossos alunos com AH/SD é que geralmenteos professores sentem medo quando se defrontam comum aluno que pode saber mais do que eles, ou que équestionador, ou que está desmotivado por falta dedesafios. Isso desestrutura os professores e muitas vezes elesacabam não percebendo o aluno, confundindo-o com um alunoque é simplesmente desmotivado, ou inclusive confundindo seucomportamento com sintomas de TDAH, Transtorno de Aspergerou dificuldades de aprendizagem.

4. Descreva algumas das metodologias e recursos queseriam adequados para o trabalho pedagógico comalunos com Altas Habilidades/Superdotação.

As estratégias e recursos dependem de cada aluno.Todos são diferentes e seus interesses também; destaforma, as estratégias dependerão de cada aluno e de seusinteresses. O atendimento educacional especializado em salade recursos multifuncional ou específica para AH/SD deve serfeito por um profissional que tenha uma formação mínima sobre

AH/SD e capaz de fazer parcerias para atender a estes alunos.Por exemplo, se o aluno apresenta AH/SD na área de Química,terá que ter estratégias diferentes às de um aluno com AH/SD naárea do atletismo.

5. Quando falamos em inclusão, é muito comum ouvirmosprofissionais da área da educação dizerem que não estãopreparados para trabalhar com a inclusão. A partir da suaexperiência com a área das AltasHabilidades/Superdotação, o que você diria em relação aesta questão e quais seriam os desafios a enfrentar?

Não é diferente na área das AH/SD. Aliás, talvez sejaainda pior, porque existem muitos mitos sobre as AH/SD e issofaz com que os professores não percebam os alunos e se sintamincapazes de atendê-los por medo ao desconhecido, embora otema das AH/SD não seja um tema novo. Penso que o maiordesafio é, por um lado, sensibilizar todos os professoressobre as AH/SD e instrumentalizá-los para que possamidentificar e atender esses alunos. Infelizmente, asuniversidades ainda estão muito longe de preparar profissionaispara isso. Tanto nos cursos de Pedagogia quanto nos dePsicologia e Pediatria, que seriam os cursos que minimamenteteriam de estar preparados em relação às AH/SD, não hádisciplinas que abordem este tema. Nem sequer nos cursos deEducação Inclusiva ou de AEE se fala sobre o tema e, quando sefala, é de uma forma elementar e superficial, ou com uma cargahorária muito inferior à destinada às áreas de deficiência quenão requerem uma identificação tão complexa como a dasAH/SD.

ENTREVISTA 4 – AUTISMO (TRANSTORNO DOESPECTRO AUTISTA - TEA)

Vivian Missaglia possui bacharelado em Ciências;Especialização em Toxicologia; Mestrado em Pediatria;Especialização em Educação Especial e Educação Inclusiva;Capacitação em Políticas de Acessibilidade e Direitos Humanos;Especialização em Neuropsicopedagogia do Transtorno doEspectro Autista. Professora universitária e Pesquisadora.

1. Como você explica o Autismo e quais os principaisconceitos que estão relacionados a ele?

De acordo com a CID-10 – Classificação EstatísticaInternacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde(OMS, 2000),Autismo é um Transtorno Global doDesenvolvimento (TGD) caracterizado por um desenvolvimentoanormal ou alterado, presente antes dos três anos de idade; ecom prejuízo em três áreas: interação social, comunicação ecomportamento.

O autismo comumente está acompanhado de numerosas

outras manifestações, tais como: fobias, crises de birra ouagressividade, transtornos de sono e de alimentação. Autismonão é sinônimo de deficiência intelectual. Muitas pessoascom Autismo têm inteligência normal, algumas até acima damédia.

Autismo é uma condição grave e multifacetada que semanifesta durante toda a vida, e ocorre em qualquer classesocial, cultural e grupo étnico da população. Ainda não seconhece a causa do transtorno, mas sabe-se que é mais comumem indivíduos do sexo masculino. Diagnosticar, tratar e incluirprecocemente são os maiores desafios do Espectro doAutismo, que afeta uma em cada 68 pessoas de acordo com oCentro de Controle e Prevenção de Doenças dos EstadosUnidos (CDC, 2014).

A grande variabilidade no grau de habilidades sociais e decomunicação e nos padrões de comportamento, que ocorrem emindivíduos com Autismo, tornou mais apropriado o uso do termo“Transtorno do Espectro Autista” (TEA), a partir do lançamentodo Manual Diagnóstico da Associação Americana de Psiquiatria(DSM-5), em 2013.

Atualmente, TEA é classificado como um Transtornodo Desenvolvimento de etiologias múltiplas, que semanifesta na infância, definido de acordo com critériosclínicos. As características principais são alteraçõesqualitativas e quantitativas que, embora muitoabrangentes, afetam de forma mais evidente as áreas dacomunicação social e do comportamento.

2. Quais são as principais políticas que amparam ainclusão de alunos com Autismo na escola?

Política Nacional de Educação Especial na Perspectivada Educação Inclusiva (MEC, 2008).Decreto nº 6.949/2009, que promulga a ConvençãoInternacional sobre os Direitos das Pessoas comDeficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados emNova York, em 30 de março de 2007.

Resolução CNE/CEB nº 4/2009, que institui DiretrizesOperacionais para o Atendimento EducacionalEspecializado na Educação Básica, modalidadeEducação Especial.Decreto nº 7.611/2011, que dispõe sobre a EducaçãoEspecial, o Atendimento Educacional Especializado e dáoutras providências.Decreto nº 7.612/2011, que institui o Plano Nacional dosDireitos da Pessoa com Deficiência – Plano Viver semLimite.Lei nº 12.764/2012, que institui a Política Nacional deProteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno doEspectro Autista; e altera o § 3º do art. 98 da Lei nº8.112, de 11 de dezembro de 1990.Nota Técnica nº 24/2013/MEC/SECADI/DPEE. Assunto:Orientação aos Sistemas de Ensino para aimplementação da Lei nº 12.764/2012.Lei nº 12.796/2013, que altera a Lei nº 9.394, de 20 dedezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e basesda educação nacional, para dispor sobre a formaçãodos profissionais da educação e dar outrasprovidências.Decreto nº 8.368/2014, que regulamenta a Lei nº12.764, de 27 de dezembro de 2012, que institui aPolítica Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoacom Transtorno do Espectro Autista.

As pessoas com TEA na infância (de zero a onze anos deidade) e na adolescência (12 a 18 anos) têm todos os direitosprevistos no Estatuto da Criança e Adolescente (Lei nº8.069/1990), e, quando idosos (com idade igual ou superior a 60anos), possuem os direitos assegurados no Estatuto do Idoso(Lei nº 10.741/2003).

De acordo com a Lei nº 12.764/2012, a pessoa com TEA éconsiderada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais.As pessoas com deficiência têm os mesmos direitos quequalquer cidadão, além dos direitos previstos em leis específicaspara esta população. O que contrariar a Convenção sobre os

Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006) éinconstitucional.

3. Descreva os principais saberes que o profissional daeducação precisa conhecer para a realização de umtrabalho pedagógico com o Autismo?

As características que definem o Autismo incluem déficitsna interação social e na comunicação, padrões decomportamento repetitivos e estereotipados e um repertóriorestrito de interesses e atividades. Autismo não é doença, masum distúrbio complexo e permanente.

A maioria dos indivíduos com TEA não apresentaalterações em todas as áreas do desenvolvimento. Muitosmanifestam um ou mais comportamentos disfuncionais porperíodos de tempo variáveis (breves a prolongados) ouem situações específicas.

Nem todas as pessoas com TEA têm as mesmasmanifestações. Cada pessoa com Autismo é única, pois otranstorno apresenta-se nos mais variados graus e diferentescombinações de sintomas, que variam de leve a grave e emintensidade.

A apresentação fenotípica do Autismo pode serinfluenciada por fatores associados, como as habilidadescognitivas, uma vez que os indivíduos evidenciam modificaçõesnos processos cognitivos básicos (memória, atenção epercepção).

As pessoas com TEA apresentam Atenção Seletiva;déficits na Teoria da Mente, nas Funções Executivas e na Teoriada Coerência Central, além de alterações no processamentosensorial (hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais).

Há outros aspectos relevantes a serem considerados, poisnem todos os comportamentos da pessoa com Autismojustificam-se pelo diagnóstico, por exemplo: estrutura efuncionamento familiar, rede de apoio, suporte social, entreoutros.

O diagnóstico não deve ser o elemento-chave que

orienta o trabalho pedagógico. Em primeiro lugar, épreciso conhecer o indivíduo e, depois, as característicasdo TEA. As limitações que o transtorno provoca devem serconsideradas e respeitadas.

4. Descreva algumas das metodologias e recursos queseriam adequados para o trabalho pedagógico comalunos com Autismo.

Não existe um método, terapia, intervenção outratamento padrão a ser utilizado para TEA. Cada pessoacom Autismo precisa de avaliação e acompanhamento individual,de acordo com suas opções, potencialidades, percepções eescolhas ao longo da vida.

Não há garantia de que um determinado tratamento sejacapaz de curar um indivíduo com TEA. Intervenções diferentespodem ter um impacto específico para cada caso, dependendoda idade, do grau de déficit cognitivo, da presença ou não delinguagem, da gravidade dos sintomas e de outros fatores.

Há métodos com distintas abordagens e estratégias paramanejar as alterações do TEA, mas que não são aplicadosexclusivamente para ele; nem todos apresentam evidênciassignificativas ou comprovação científica de eficácia.

Muitos profissionais optam por um ou mais de um métodopara trabalhar com TEA, sendo que a aplicação deve serrealizada por pessoas habilitadas. Entre as intervenções maisutilizadas para pessoas com TEA, destaco:

TEACCH: Treatment and Education of Autistic andrelated Communication handicapped Children“Tratamento e Educação de Autistas e Crianças comDéficits Relacionados à Comunicação”;ABA: Applied Behavior Analysis - “Análise Aplicada doComportamento”;Currículo Funcional Natural;SCERTS: Social Communication, Emotional Regulationand Transactional Support - “Comunicação Social,

Regulação Emocional e Suporte Transacional”;PECS: Picture Exchange Communication System -“Sistema de Comunicação pela Troca de Figuras”;Hanen;Relation Play;Floortime;Son-Rise;Integração Sensorial;ESDM: Early Start Denver Mode - “Modelo Denver deIntervenção Precoce”.

A fim de promover a participação e a interação noprocesso de ensino e aprendizagem de pessoas com TEA, éfundamental considerar as suas características peculiares;portanto, parte-se das habilidades, dificuldades,interesses e necessidades do aluno para seestabelecerem ações pedagógicas.

No contexto educacional, para conhecer e incluir o alunocom TEA é recomendado: estruturar o ensino, o ambiente e arotina; usar ferramentas e suportes necessários, TecnologiaAssistiva; criar um Plano Educacional Individualizado;implementar a flexibilização curricular; utilizar estratégias erecursos de ensino eficazes e adequados a cada contexto,sempre garantindo a acessibilidade universal, a igualdade deoportunidades e a qualidade do ensino.

Estimulação e atendimentos precoces, intensivos efrequentes com equipe multiprofissional e transdisciplinar têmimpacto significativo no prognóstico do TEA. A base da inclusãopresume o envolvimento da família.

É imprescindível estabelecer algum tipo decomunicação com a pessoa com TEA para iniciar o trabalhopedagógico e considerar que todo comportamento é umaforma de comunicação.

Além disso, reconhecer a relevância da organização,estrutura, clareza, previsibilidade, rotina, experimentação,informações visuais, situações concretas, funcionais, objetivas econtextualizadas para a aprendizagem de alunos com TEA.

5. Quando falamos em inclusão, é muito comum ouvirmosprofissionais da área da educação dizerem que não estãopreparados para trabalhar com a inclusão. A partir da suaexperiência com a área do Autismo, o que você diria emrelação a esta questão e quais seriam os desafios aenfrentar?

Inclusão é sinônimo de equidade, aceitação,participação, compreensão e respeito às diferenças queconstituem a diversidade humana. Os profissionais quetrabalham com TEA precisam ter conhecimento, empatia,dedicação, flexibilidade, motivação, sensibilidade, compreensão,persistência, humildade, boa comunicação, afetividade,tolerância e respeito, além de acreditar nas infinitaspossibilidades do ser humano.

O sentimento dos profissionais muitas vezes é o mesmodos pais. As famílias também têm incertezas, preocupações,questionamentos, expectativas e frustrações em relação ao TEA,portanto também precisam de apoio e de orientação. Érecomendado valorizar o conhecimento e a experiência dos pais,que são especialistas no(a) filho(a).

Mudanças significativas na estrutura, na cultura e nofuncionamento das instituições de ensino; na formação equalificação profissional e científica; no desenvolvimento depesquisas; e nas relações família-escola são primordiais aosucesso e à sustentabilidade da inclusão.

A colaboração e boa comunicação permanente entrefamília e escola são essenciais, bem como a participação ativada comunidade escolar no processo inclusivo para que todostenham suas especificidades consideradas e atendidas.

Entre os principais desafios a serem enfrentados,considero: a remoção de barreiras atitudinais; a efetivaçãodos direitos humanos; a transversalidade das ações daspolíticas públicas; a conscientização da população sobre TEA;a eliminação da discriminação e do bullying; a promoção daigualdade de oportunidades; a garantia da acessibilidadeuniversal; a compreensão do funcionamento do cérebro autista;olhar o mundo na perspectiva de uma pessoa com autismo; e

melhorar a qualidade de vida das pessoas envolvidas com TEA.

Notas sobre o trabalho pedagógico com o sujeito dainclusão

Do mesmo modo que realizamos alguns destaques dasrespostas para a pergunta que fizemos às entrevistadas sobre oconceito de inclusão, neste momento queremos chamar atençãopara alguns pontos importantes trazidos pelas professoras, osquais grifamos em negrito no próprio texto das entrevistadas.Com isso, não queremos dizer que há aspectos mais ou menosimportantes, pois entendemos que todos os elementosabordados pelas entrevistadas são necessários para pensarmosalgumas especificidades educativas das pessoas comdeficiência. Contudo, essa última parte do texto tem doispropósitos:

1. Destacar algumas recorrências das entrevistas pararefletir sobre as diferenças e aproximações entre asespecificidades da inclusão.

2. Proporcionar aos/às leitores/as deste capítulo maiorsubsídios para tirar suas próprias conclusões sobre oprocesso de inclusão e elaborar ideias para atuaçãona escola, uma vez que uma leitura sempre tem oobjetivo de nos fazer pensar, repensar, construir,reconstruir, enfim, transformar(nos).

Então, para iniciar, apresentamos algumas recorrênciasque reunimos em torno de três focos: pessoas com deficiênciaou sujeitos da educação?; trabalho pedagógico; e desafios dainclusão. As respostas das professoras que se aproximam dosfocos que delimitamos aqui se mostraram produtivas pararealizarmos o fechamento desta etapa do livro, mesmo queprovisório ou não definitivo, já que o propósito é deixar espaçopara outras ideias e reflexões.

Pessoas com deficiência ou sujeitos da educação?

O conceito de atenção, de forma prioritária vemsendo referido pelo seu avesso: desatenção ou o déficit deatenção. Este argumento toma a criança pela não potência.(Entrevistada Cláudia)

[...] as possibilidades de desenvolvimento que umapessoa com deficiência pode apresentar são determinadasnão exclusivamente pelas suas limitações orgânicas, masprincipalmente pelas vivências possibilitadas a essaspessoas. (Entrevistada Eliana)

Não parece importante perguntarmos como épossível que mesmo antes de conhecermos um aluno,mesmo antes de nos relacionarmos com ele, já saibamos oque podemos dele esperar? (Entrevistada Eliana)

O primeiro foco destacado diz respeito à forma comopodemos olhar para os alunos com deficiência na escola: épossível olharmos a partir das deficiências, mas correndo o riscode reduzirmos o nosso olhar para o que “falta” ou, como diz aprofessora Cláudia, “pelo seu avesso”, no caso do conceito deatenção; ou podemos olhar para esses alunos como sujeitos daeducação, buscando ver as possibilidades e potencialidades dosalunos, considerando que as relações estabelecidas entre ossujeitos podem ser potentes tanto para conhecermos melhoresses alunos quanto para contribuir com o desenvolvimentocognitivo, se assim as práticas pedagógicas realizadas e o nossoolhar possibilitarem. Nessa direção, concordamos com Menezesquando refere que (2008):

[...] o desafio que se apresenta é tentar pensar de

outras formas e encontrar outros olhares que memostrem outros sujeitos. O exercício de pensar eolhar de outras formas para a escola, sem a intençãode produção de marcas que partam da condição denormalidade ou não, pode significar a invenção deoutros sujeitos da inclusão. (p. 128)

Evitar a busca de um aluno ideal, que corresponda adeterminados padrões preestabelecidos, mas compreender ossujeitos a partir de suas diferenças pode ser uma forma de criaroportunidades para que esses outros sujeitos sejamidentificados. Portanto, nenhum tipo de deficiência se encerranela mesma nem mesmo pelo que é dito sobre ela. Podem-setraçar pontos característicos mais amplos de cada deficiência,mas o que pode garantir práticas pedagógicas mais inclusivas éa aproximação que o professor estabelecer com esses sujeitos,buscando conhecer mais sobre suas culturas e sobre seuhistórico escolar.

Trabalho pedagógico

O trabalho pedagógico precisa encontrar amparo noprocesso de acompanhamento pedagógico em seu sentidoampliado, tomando a potência do trabalho contextual eeducativo. (Entrevistada Cláudia)

[...] ao olhar para a inclusão escolar de alunos comdeficiência intelectual, entendo que é preciso quebusquemos condições pedagógicas de atuação com essesalunos (turmas menores, espaços de discussão eproblematização nas escolas, reorganização das práticasescolares enraizadas em conceitos de currículo e avaliaçãotradicionalmente instituídos etc.) e também, eprincipalmente, a revisão de nossas concepções (e práticas)com relação às pessoas com deficiências. (Entrevistada

Eliana)

As estratégias e recursos dependem de cada aluno.Todos são diferentes e seus interesses também; destaforma, as estratégias dependerão de cada aluno e de seusinteresses. (Entrevistada Susana)

O diagnóstico não deve ser o elemento-chave queorienta o trabalho pedagógico. Em primeiro lugar, é precisoconhecer o indivíduo e, depois, as características do TEA.As limitações que o transtorno provoca devem serconsideradas e respeitadas. (Entrevistada Vivian)

Quando falamos em trabalho pedagógico a ser realizadocom alunos com deficiência, há duas questões que aparecem deforma recorrente: “precisamos do diagnóstico dos alunos parasaber até onde eles conseguirão chegar”; e “precisamosconhecer as metodologias que poderão possibilitar asaprendizagens desses alunos”. Klaus e Hattge (2012), em umtrabalho que apresenta alguns dos desafios da inclusãoeducacional, examinam de que forma os saberes da pedagogiasão mobilizados quando falamos no processo de inclusãoescolar. A análise das autoras mostra que a pedagogia, emmuitos momentos, acaba silenciando e não ocupando o seulugar, pois parece que sempre serão outros os saberes quepoderão “trazer as respostas” para o processo de inclusão. Aschamadas “ciências psi” (Psicologia e Psicopedagogia) vêmocupando um lugar de destaque nos processos educativos e naescola ao indicar caminhos para a melhor forma de conduzir oprocesso de inclusão. Por outro lado, os saberes da área médicatambém ocupam um lugar importante ao prescrever tratamentos,bem como determinar posições a partir de diagnósticos. (KLAUS;HATTGE, 2012). Entendemos que os diagnósticos sãoimportantes, assim como os saberes da área “psi”, poisprecisamos conhecer os sujeitos para poder pensar em

estratégias para o trabalho pedagógico. Porém, os diagnósticosnão podem ser o único meio de conhecimento desses alunos,uma vez que diagnósticos são elaborados a partir de uma áreade conhecimento que parte de características e elementosbiológicos e comportamentais. O que acaba acontecendo, muitasvezes, é que “[...] os diagnósticos acabam dizendo a verdadesobre os sujeitos, definindo suas potencialidades e dificuldades eexplicando as causas da não aprendizagem” (HATTGE; KLAUS,2012, p. 11).

Mas, se consideramos que a Pedagogia tem um saberpróprio e que é a responsável pelos processos de ensinar eaprender, é possível a Pedagogia desconstruir certas verdadesproduzidas e elaborar, a partir desses saberes (pedagógicos),estratégias para buscar o deslocamento e desenvolvimento dosnossos alunos. Como disse uma das entrevistadas: “[...] aspossibilidades de desenvolvimento que uma pessoa comdeficiência pode apresentar são determinadas nãoexclusivamente pelas suas limitações orgânicas, masprincipalmente pelas vivências possibilitadas a essas pessoas”(entrevistada Eliana). Nesse sentido, precisamos atentar para odiagnóstico clínico e para o campo da psicologia, que podem nosauxiliar a compreender esse aluno e suas relações mais amplas,mas fundamentalmente, o trabalho pedagógico precisa serdesenvolvido pelo professor, ou seja, pelo campo da pedagogia.

Outro aspecto a ser ressaltado é o desejo de conhecer enos apropriarmos de metodologias que “deem conta” de ensinara todos os alunos ou mesmo que possa ser a mais adequadapara um ou mais alunos que apresentam determinadadeficiência. Essa vontade de saber, digamos, mais metodológica,muitas vezes apenas nos aproxima de um padrão denormalidade tanto para o sujeito quanto para uma aulaconsiderados adequados. Muito já discutimos no decorrer destelivro sobre a impossibilidade de encontrarmos “receitas” para otrabalho com a inclusão. As professoras entrevistadasreforçaram esse aspecto, mas buscando contribuir com oconhecimento de alguns saberes que fundamentam taisestratégias possíveis, elas compartilharam conosco algumasideias. Todas as entrevistadas alertam para o fato de que a

escolha das metodologias e das estratégias de ensino deverásempre estar relacionada com as intencionalidades pedagógicasque temos, levando-se em consideração o aluno em específico ea turma na qual se encontra, pois não se trata de uma alternativaaleatória, mas sim de uma escolha fundamentada em saberesque tendem a subsidiar princípios pedagógicos, emconhecimento das necessidades e das potencialidades dossujeitos envolvidos no processo educativo.

Diante dessas recorrências levantadas, trazemos, ainda,alguns desafios destacados pelas professoras entrevistadas. Ointuito desses destaques é mostrar que o trabalho com ainclusão sempre nos exigirá determinados investimentos:diferentes olhares, estudos, discussões, reflexões e análises denossas práticas pedagógicas. Sim, trata-se de um processo quenão tem um lugar predeterminado, e, por isso, é preciso um olharampliado da escola, permitindo, assim, a sua construção.

Desafios da inclusão

Professores, olhem e escutem seus alunos. Vejam oque eles têm a dizer. (Entrevistada Cláudia)

Todo novo aluno é um aluno novo, desconhecido. Sósaberemos o que esperar dele e como melhor contribuircom suas aprendizagens na medida em que interagimoscom ele. É essa interação com o aluno (suasespecificidades, seus contextos, suas características...) quepoderá me preparar para trabalhar com ele [...](Entrevistada Eliana)

[...] o maior desafio é, por um lado, sensibilizar todosos professores sobre as AH/SD e instrumentalizá-los paraque possam identificar e atender esses alunos.(Entrevistada Susana)

Entre os principais desafios a serem enfrentados,considero: a remoção de barreiras atitudinais; a efetivaçãodos direitos humanos; a transversalidade das ações daspolíticas públicas; a conscientização da população sobreTEA; a eliminação da discriminação e do bullying; apromoção da igualdade de oportunidades; a garantia daacessibilidade universal; a compreensão do funcionamentodo cérebro autista; olhar o mundo na perspectiva de umapessoa com autismo; e melhorar a qualidade de vida daspessoas envolvidas com TEA. (Entrevista Vivian)

Os desafios apontados pelas entrevistadas indicam para anecessidade de compreendermos a inclusão a partir de ummovimento que precisa mobilizar toda a escola, e não apenas umprofessor. Nesse sentido, por “desafio” entende-se como algopróximo a uma luta por algo, e não como uma imobilização ouimpossibilidade. Nessa luta a escola como um todo é chamada ase posicionar, seja em seu Projeto Político Pedagógico e/oumesmo em suas práticas diárias. Se entendemos que a escola éo lugar da construção de conhecimentos, para tanto precisamosconsiderar as diferenças dos sujeitos nesse processo deaprendizagem. Sabe-se que essa instituição não é a únicaresponsável pela inclusão de todos. A sociedade, a partir desuas diferentes dimensões, também precisa estar envolvida. Noentanto, não podemos utilizar desse discurso e cruzar os braços,aguardando, ou dizendo que não estamos preparados paraprimeiro a sociedade e depois a escola fazer a sua parte.Considerando os aspectos da competência de um profissional daeducação, tudo que foi apontado ao longo deste capítulo permiteafirmar que se trata de elementos que fazem parte dessascompetências. Por isso, fazemos as seguintes perguntas:

Que articulações na escola poderiam ser pensadas apartir dos desafios apontados acima? Que projetos precisam sermobilizados e criados na dimensão da sala de aula? Como vocêconduziria uma discussão na escola com a equipe deprofessores tendo em vista um dos pontos em destaque? Como

aproximar as famílias dessas discussões? Reflita e leve suasconsiderações para a discussão do grupo na comunidade virtualde aprendizagem. Fica o desafio!

REFERÊNCIAS

HATTGE, Morgana Domênica; KLAUS, Viviane. Desafios dainclusão educacional: sobre saberes e práticas pedagógicas. In:Anais do 23º Seminário Nacional de Arte e Educação: Arte –mediações, compartilhamentos, interações/ Júlia Hummes (org.).Montenegro: Fundarte, 2012.

MENEZES, Eliana da Costa Pereira de. Inclusão: EntrePedagogias, Espaços e Saberes. In: RECHIO, Cinara Franco;FORTES, Vanessa Gadelha. (org.). A educação e a inclusão nacontemporaneidade. Boa Vista: Editora da UFRR, 2008.

CAPÍTULO 4O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO ESUAS ARTICULAÇÕES COM O PROCESSO DEINCLUSÃO ESCOLARRenata Porcher Scherer

Este texto abordará questões para compreendermos a proposta doAtendimento Educacional Especializado (AEE), buscando refletir sobre otrabalho com as deficiências e as possibilidades de articulação com otrabalho na sala de aula. Para tanto, ele está organizado em duas partes:O AEE no contexto das políticas públicas de inclusão, no qual você poderácompreender alguns dos marcos legais que permitem que o AtendimentoEducacional Especializado se configure como uma proposta em nívelnacional e os deslocamentos que ocorrem a partir da implantação dessapolítica; e Possib ilidades para o trabalho pedagógico no AEE, em que vocêencontrará elementos para refletir sobre possibilidades de organização deum espaço especializado dentro da escola regular para o trabalho com ainclusão escolar, quais saberes são necessários para a atuação nesseespaço e, para finalizar, um breve relato de um trabalho desenvolvido noAEE que permitirá uma reflexão sobre os desafios e as possibilidadesdeste espaço para o processo de inclusão escolar.

4.1 O AEE no contexto das políticas públicas de inclusão

Para podermos refletir sobre como o AEE se configuroucomo uma política dentro das escolas, é importante observarmosalguns marcos legais que vão estabelecer diretrizes para aoperacionalização deste serviço. Este texto começa a reflexãoconsiderando a publicação da Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional, de 1996, mas lembre-se que já estudamos,nesta Atividade Acadêmica, alguns dos movimentos anteriorespara que a inclusão escolar se estabelecesse.

Observe, no quadro abaixo, os deslocamentos que essesmarcos legais vão configurar para constituição do AEE nasescolas:

Lei de Diretrizese Bases daEducaçãoNacional nº9.394/96.

O artigo 59 estabelece que os sistemas deensino devem assegurar aos alunoscurrículos, métodos, recursos eorganização específicos para atender àssuas necessidades.

DiretrizesNacionais para

O artigo 3° define a Educação Especialcomo modalidade da educação escolar que

EducaçãoEspecial naEducaçãoBásica -ResoluçãoCNE/CEB nº2/2001

deverá assegurar recursos e serviçoseducacionais especiais para apoiar,complementar, suplementar e, em algunscasos, substituir os serviços educacionaiscomuns, de modo a garantir a educaçãoescolar e promover o desenvolvimento daspotencialidades dos alunos que apresentamnecessidades educacionais especiais(NEE).

Política Nacionalde EducaçãoEspecial naPerspectiva daEducaçãoInclusiva - 2008

Caracterização do público-alvo daEducação Especial, que abrangerá:1- Alunos com deficiência aqueles que têmimpedimentos de longo prazo, de naturezafísica, mental, intelectual e sensorial.2- Alunos com transtornos globais dodesenvolvimento aqueles que apresentamalterações qualitativas das interaçõessociais recíprocas e na comunicação, umrepertório de interesses e atividadesrestrito, estereotipado e repetitivo.3- Alunos com altas habilidadesdemonstram potencial elevado em qualqueruma das seguintes áreas isoladas oucombinadas: intelectual, acadêmica,liderança, psicomotricidade e artes.

Diretrizesoperacionaispara oAtendimentoEducacionalEspecializado naEducaçãoBásica,modalidadeEducaçãoEspecial –Resolução nº 4,

O artigo 2º explica a função do AEE, queserá: complementar ou suplementar aformação do aluno por meio dadisponibilização de serviços, recursos deacessibilidade e estratégias que eliminemas barreiras para sua plena participação nasociedade e desenvolvimento de suaaprendizagem.O artigo 5º define que o AEE deverá serrealizado, prioritariamente, na sala derecursos multifuncionais (SRM) da própriaescola ou em outra escola de ensino

de 2 de outubrode 2009

regular, no turno inverso ao daescolarização, não sendo substitutivo dasclasses comuns e podendo ser realizadotambém em Centro de AtendimentoEducacional Especializado da rede públicaou de instituições comunitárias,confessionais ou filantrópicas.O artigo 12 exige que, para atuação noAEE, o professor deve ter formação inicialque o habilite para o exercício da docênciae formação específica para EducaçãoEspecial.

Nota técnicaSEESP/GAB nº19/2010

Garante existência de profissionais deapoio para atividades de locomoção,higiene e alimentação para estudantes quenão realizem essas atividades comindependência. Deixa claro que não éatribuição desse profissional desenvolveratividades educacionais diferenciadas nemse responsabilizar pelo ensino destesalunos.

Nota Técnica n°04/2014Secadi/MEC

Define que não é necessária aapresentação de documentoscomprobatórios (laudo médico e/oudiagnóstico clínico) para matrícula no AEE.

Como você pôde observar no quadro acima, a partir doano de 1996 começa a necessidade de se pensar/oferecerdiferentes recursos para garantir tanto a matrícula quanto apermanência de alunos com deficiências nas escolas regulares.Assim, o AEE aparece como uma possibilidade para que asescolas possam articular práticas mais inclusivas. Garcia (2013),ao investigar algumas mudanças que ocorreram com relação àmodalidade educação especial na última década (2000-2010),salienta: a) a inserção formal na educação básica e na educaçãosuperior; b) a definição do público-alvo como aquele constituído

por alunos com deficiências, altas habilidades e transtornosglobais do desenvolvimento; c) a sala de recursos multifuncionaiscomo o lócus por excelência do trabalho da modalidade; d)características de complementaridade e transversalidade àeducação nacional; e) definição do professor especializado comoprofessor do AEE, retirando do profissional e da formação ocaráter de aprofundamento de estudos. O que podemosdestacar tanto da tabela que apresenta alguns marcos legaisquanto dos apontamentos de Garcia é justamente essa ênfaseno trabalho da professora que irá atuar no AEE, que já não seráconsiderada uma especialista em alguma deficiência específica,mas deverá estar apta para trabalhar com todos os tipos dedeficiência. Esse trabalho deverá ocorrer preferencialmente nasSalas de Recursos Multifuncionais (SRM).

Assim, torna-se importante considerar os efeitos que têmsido produzidos a partir da implantação dessa política,especialmente aqueles relacionados às práticas desenvolvidaspelo professor que atua no AEE. Outra reflexão importante é:como esses alunos têm sido identificados e diagnosticados paraque possam frequentar o AEE?

Bridi (2011) realizou um estudo sobre esse processo e nostraz um exemplo bastante interessante: em uma escola de 600alunos por ela pesquisada, 25 frequentavam a sala de recursos,sendo que 15 deles apresentavam deficiência mental e somentedois tinham diagnósticos clínicos da deficiência. O restante foraencaminhado por identificação de seus professores. Dessaforma, podemos perguntar: como esses alunos que nãopossuem um diagnóstico clínico têm sido encaminhados (ou não)para esse serviço? E com base em quais elementos esseencaminhamento tem ocorrido? A autora, ao mostrar que adecisão sobre a frequência dos alunos nos distintos espaçosescolares tem efeitos constitutivos para o sujeito, provoca-nos arefletir que a tomada de decisão sobre a condição de deficiênciae o oferecimento de apoio especializado deveriam ser realizadoscom base nos aspectos pedagógicos, de aprendizagem nosdiferentes contextos e de valorização da escolarização. Porém,ela mostra em sua pesquisa que, mesmo que a identificação namaioria dos casos seja realizada por um profissional da

Educação, esta tende a estar pautada por premissas que podemser identificadas como oriundas do campo clínico. Assim,considero importante que possamos refletir sobre qual será opapel desse profissional que vai atuar no AEE. Essa é a reflexãosobre a qual me debrucei na segunda parte do texto.

4.2 Possibilidades para o trabalho pedagógico no AEE

Figura 2 – Fotografias de trabalhos pedagógicos.Fonte: <http://saojoaodelrei.apaebrasil.org.br/noticia.phtml/45896>,<http://joaobaroni.blogspot.com.br/p/sala-de-aee.html>,<http://nucleoalirioalmeida.blogspot.com.br/2011/03/sala-de-aee-atendimento-educacional.html>, <http://w w w.lages.sc.gov.br/site_novo/noticias.php?id_noticia=204>.

O que você identifica em comum nas quatro imagens?Nelas, podemos identificar algumas características do trabalhonas SRM. O primeiro elemento que pode ser observado é o

trabalho individualizado. Mesmo que os documentos orientadorespara a organização deste serviço não explicitem que o trabalhodeva ocorrer de forma individualizada, parece-me que essa éuma característica bastante comum deste espaço.

Em uma pesquisa que realizei no ano de 2012,18 em queentrevistei cinco professoras de SRM em um município do RioGrande do Sul, identifiquei que os atendimentos, em sua maioria,eram realizados de forma individual. Outra característicaobservada foi com relação à formação dessas professoras, queeram, na sua maior parte, advindas dos campos Psi (Psicologia ePsicopedagogia). Foi possível mostrar que a formação destasprofessoras acabava por produzir efeitos sobre as práticasdesenvolvidas naquele espaço e que os atendimentos realizadospor essas profissionais apresentavam mais características de umtrabalho clínico-terapêutico do que pedagógico.

A partir dessa reflexão, é importante destacar que otrabalho desenvolvido no AEE, com base na Nota Técnica n°04/2014, deve caracterizar-se por atendimento pedagógico, enão clínico. Caberá ao professor que atua nesse espaçoorganizar o tipo e o número de atendimentos, bem como elaboraro Plano de AEE de cada aluno. O Plano de AEE (veja no Quadro3 todas as etapas que o Plano deve conter) deverá resultar dasescolhas do professor quanto aos recursos, equipamentos eapoios mais adequados que possam eliminar as barreiras queimpedem ou dificultam o aluno de ter acesso ao que lhe éensinado na sua turma da escola comum (BRASIL, 2010).

O Plano de AEE deve conter os seguintes elementos:

Parte 1: ESTUDO DE CASO

Apresentação do problema:descrição/apontamentos do contexto do aluno(familiar/social/escolar).

Dificuldades encontradas na sala de aulaapontadas pelo professor.Esclarecimento do problema: identificação dosdiversos aspectos relacionados aodesenvolvimento e aprendizagem que podem ounão explicar a natureza do problema.Encontro com os responsáveis pelo aluno:entrevista com a família.Encontro com os professores do aluno.Observações do aluno em sala de aula e nasdependências da escola.Avaliações na SEM.Identificação da natureza do problema: após acoleta de informações relacionadas ao aluno,identificar a situação dele e que lugar ele temocupado nos diferentes ambientes onde interage.Resolução do problema: identificar quaisintervenções são mais necessárias parapotencializar a aprendizagem do aluno em sala deaula.

Parte 2: O PLANO DE AEE

Objetivos previstos.Atividades do plano.Período do atendimento.Resultados esperados.Avaliação.

Fonte: elaborado pela autora com base em Brasil (2010).

Buscando qualificar a formação do professor que atua noAEE, o Ministério da Educação produziu uma coleção intitulada: Aeducação especial na perspectiva da educação escolar. São 10fascículos19 em que é possível visualizar as orientações com

relação à organização do trabalho a ser desenvolvido no AEE.Segundo as orientações deste material, o Projeto Político

Pedagógico da escola deverá estipular os horários para que osalunos frequentem o AEE: oposto ao que frequentam a escolacomum e compatível com as necessidades existentes, buscandomeios para o atendimento dessa demanda a partir dos objetivose metas a serem atingidos. Ainda deverá prever como ocorrerá aarticulação entre os professores do AEE e os do ensino comum(BRASIL, 2010).

As SRM são divididas em dois tipos, de acordo com omaterial que é enviado pelo Ministério da Educação. A sala tipo 1conta com: microcomputadores, monitores, fones de ouvido,microfones, scanner, impressora a laser, teclado e colmeia,mouse e acionador de pressão, laptop, materiais e jogospedagógicos acessíveis, software para comunicação alternativa,lupas manuais e eletrônica, plano inclinado, mesas, cadeiras,armário, quadro melanínico. A sala tipo 2 conta com os mesmosrecursos, mais recursos específicos para o trabalho com alunoscegos.

Para atuar nessas salas, o professor deverá ter umaformação inicial que o habilite para o exercício da docência eformação específica para Educação Especial. Como já refletimosna parte inicial deste texto, ocorre um deslocamento de umprofessor de Educação Especial, especialista em uma áreaespecífica, para um profissional generalista que deverá estarapto a trabalhar com todas as deficiências. Suas atividadesdeverão ser desenvolvidas cada vez mais em escolas comuns,cabendo-lhe atuar com os alunos público-alvo da EducaçãoEspecial, tendo as seguintes atribuições:

1. Identificar, elaborar, produzir e organizar serviços,recursos pedagógicos, de acessibilidade e estratégias,considerando as necessidades específicas dos alunos,de forma a construir um plano de atuação para eliminá-las.

2. Reconhecer as necessidades e habilidades do aluno.3. Produzir materiais, tais como textos transcritos,

materiais didático-pedagógicos adequados e textos

ampliados e/ou gravados, além de indicar a utilizaçãode softwares e outros recursos específicos.

4. Elaborar e executar o plano de AEE, avaliando afuncionalidade e a aplicabilidade dos recursoseducacionais e de acessibilidade.

5. Organizar o tipo e o número de atendimentos.6. Acompanhar a funcionalidade e a aplicabilidade dos

recursos pedagógicos e de acessibilidade na sala deaula comum do ensino regular.

7. Ensinar e usar recursos de Tecnologia Assistiva.8. Promover atividades e espaços de participação da

família e a interface com serviços de saúde,assistência social e outros (BRASIL, 2010).

Com base nas atribuições acima, é importante observarque o professor que vai atuar nesse espaço deverá assumir umpapel/postura de professor referência com relação aos alunos deinclusão. Para poder realizar um trabalho satisfatório esignificativo, será importante que ele consiga realizar umaarticulação entre os diferentes espaços por onde o aluno circulae com as diferentes pessoas com quem ele se relaciona: família,professores, profissionais da saúde, colegas.

O que tenho observado na minha prática profissionalcomo professora que atua em uma SRM é que, muitas vezes,devido à rotina da escola, esse contato acaba sendo reduzido,pois conversamos com as famílias no início e no final do ano,com os professores nos conselhos de classe, e, com osdiferentes profissionais que atuam com os alunos, apenas temoscontato quando ocorre alguma situação que torne necessáriauma conversa (como a troca de medicamentos do aluno, porexemplo).

Precisamos (re)pensar de que forma a escola como umtodo poderá organizar-se para que esse trabalho possa ocorrerda forma mais significativa possível, pois, quando a equipecompreende que o trabalho com o aluno dito de inclusão deveser realizado por toda a escola e não pode ser responsabilidadede um professor (seja ele do AEE ou o professor da sala de aularegular), todos saem ganhando, especialmente o aluno.

Para finalizar esta reflexão, conto uma pequena história deum aluno e o trabalho que foi desenvolvido com foco na suaalfabetização. Esse exemplo é apenas para ilustrar um pouco doque propus discutir neste texto, mas não deverá sercompreendido como uma receita/fórmula a ser seguida.

Bruno20 tinha 11 anos e estava matriculado no 5ºAno do Ensino Fundamental. Era um menino com Síndromede Down que frequentava a escola desde o 1º Ano. No iníciodo ano letivo, foi realizada uma avaliação diagnóstica daturma: Bruno não estava alfabetizado e não estabelecia umarelação entre os números e suas respectivas quantidades.Porém, era bastante falante, sua oralidade havia sedesenvolvido, e ele apresentava uma boa relação com oscolegas de turma. Ao investigar o trabalho desenvolvidocom Bruno nos outros anos, ficou claro que, enquanto oscolegas aprendiam e avançavam nos conteúdos, ele sedistraía pintando desenhos de filmes de que gostava oucom bonecos de personagens de seu interesse. Assim, emreunião entre a professora da SRM, a professora titular, acoordenação pedagógica da escola e a aluna de pedagogiaque iria atuar como apoio do Bruno naquele ano, ficouestabelecido como meta trabalhar tanto a alfabetizaçãoquanto a construção do número. Nos momentos em que oscolegas estudavam as expressões numéricas e verbos,Bruno desenvolvia um trabalho específico, com ajuda, porvezes, da estudante de pedagogia, por vezes, da professoratitular, com foco nos objetivos para ele estabelecidos. Emoutras matérias, como ciências, por exemplo, em que aturma estudaria o Sistema Solar, foi organizado um trabalhodiferenciado em que a turma construiu uma maquete pararepresentar o Sistema Solar, e Bruno participou ativamente.Após, foi organizada uma saída de estudos para oPlanetário, e Bruno sabia explicar o nome e a localização decada planeta. Ao longo do ano, o trabalho com Brunodesenvolveu-se assim: às vezes, trabalhos individualizados

com objetivos específicos, tanto na sala de aula comumquanto na SRM; às vezes, ele participava de forma ativa, e ametodologia era repensada para sua plena participação.

No final do ano, Bruno já reconhece o alfabeto econsegue escrever palavras simples e de seu interesse. Namatemática, avançou mais ainda e já resolve contas deadição e subtração com resultados até 10.

Nesse breve relato, é possível refletir sobre como umtrabalho em parceria e com objetivos bem definidos pode sersignificativo para que os alunos possam avançar em suasaprendizagens. Acredito que o mais importante no trabalhodesenvolvido é observar que não existe uma única solução a serencontrada, mas que é possível pensar em soluções,alternativas, possibilidades que possam ser adequadas paraaquela situação, buscando olhar/pensar/sentir/ significar nossasrelações com o outro de forma diferente. É preciso buscar, naspequenas possibilidades de trabalho, algumas rupturas quepossam produzir mudanças na educação, compreendendo oprocesso inclusivo dentro de seu caráter histórico, político ecultural para que possamos, então, entender a inclusão como umcompromisso que deve envolver a escola como um todo.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabeleceas diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF, 20 dedezembro de 1996. Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394.pdfAcesso em: 20 ago. 2013.

______. Ministério da Educação. Política Nacional de EducaçãoEspecial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC,2008.

______. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial naEducação Básica. Brasília: MEC/SEESP, 2001.

______. Ministério da Educação. Conselho Nacional deEducação. Câmara de Educação Básica. Resolução nº 4, de 2de outubro de 2009. Institui Diretrizes Operacionais para oAtendimento Educacional Especializado na Educação Básica,modalidade Educação Especial. Brasília: MEC, 2009. Disponívelem: <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_09.pdf>.Acesso em: 10 set. 2013.

______. Ministério da Educação. Conselho Nacional deEducação. Câmera de Educação Básica. Nota Técnica nº19/2010. Brasília: MEC, 2010.

______. Ministério da Educação. Secretária de EducaçãoEspecial. A escola comum inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2010.

______. Ministério da Educação. Secretaria de EducaçãoContinuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Diretoria dePolíticas de Educação Especial. Nota técnica nº 4/2014. Brasília:MEC, 2014.

BRIDI, Fabiane Romero de Souza. Processos de identificação ediagnóstico: os alunos com deficiência mental no contexto doatendimento educacional especializado. Tese (Doutorado emEducação) - Programa de Pós-Graduação em Educação,Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grandedo Sul, Porto Alegre, 2011.

GARCIA, Rosalba Maria Cardoso. Política de educação especialna perspectiva inclusiva e a formação docente no Brasil. RevistaBrasileira de Educação, v. 18, n. 52, p. 101-119, jan./mar. 2013.Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v18n52/07.pdf>.Acesso em: 19 mai. 2013.

SCHERER, Renata Porcher. A profissional do atendimentoeducacional especializado: (des)construindo possibilidades paraa intervenção pedagógica. Monografia (Especialização em

Educação Especial) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos,São Leopoldo, 2012.

__________18 A pesquisa denominada A profissional do Atendimento EducacionalEspecializado: (Des)construindo possib ilidades para a intervençãopedagógica foi orientada pela Professora Dra. Maria Cláudia Dal’Igna. Paramais informação, ver Scherer (2012).19 Os fascículos estão organizados da seguinte forma: 1- A escola comuminclusiva, 2- O AEE para alunos com deficiência intelectual, 3- Os alunoscom deficiência visual: baixa visão e cegueira, 4- Abordagem bilíngue naescolarização de pessoas com surdez, 5- Surdocegueira e deficiênciamúltipla, 6- Recursos pedagógicos acessíveis e comunicação aumentativae alternativa, 7- Orientação e mobilidade, adequação postural eacessibilidade espacial, 8- Livro acessível e informática acessível, 9-Transtornos Globais do Desenvolvimento, 10-AltasHabilidades/Superdotação. É possível acessar os fascículos no link:http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17009&Itemid=91320 O nome do aluno foi trocado para garantir o sigilo de sua identidade. Ahistória, na verdade, é uma mistura de diferentes atendimentos que tenhorealizado como professora, buscando dar visibilidade para os trabalhospedagógicos desenvolvidos na SRM.

CAPÍTULO 5DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM EM UM ESPAÇODE APOIO ESPECIALIZADO: EDUCAS/UNISINOSRejane Ramos Klein

Este capítulo pretende discutir sobre o conceito de dificuldade deaprendizagem a partir de um espaço de apoio especializado chamadoEducas. O Programa de Educação e Ação Social (Educas) está vinculadoao Centro de Cidadania e Ação Social da Unisinos (CCIAS) e desenvolveum trabalho de intervenção e de pesquisa na área da educação.

O Educas é um serviço de apoio especializado que tem comoobjetivo oferecer atendimento às crianças e jovens com dificuldades deaprendizagem, histórias de múltiplas repetências e/ou com deficiências. OPrograma visa qualificar os processos de ensino e aprendizagem, emparceria com a área da Pedagogia, Psicologia e demais licenciaturas,possibilitando que estudantes da UNISINOS tenham um espaço deaperfeiçoamento profissional, por meio da realização de estágioscurriculares, não curriculares ou voluntários, em que eles necessitamdesenvolver um projeto de intervenção e investigação para atender ascrianças e jovens ou suas famílias, bem como aproximar-se do contextoda escola. O Educas desenvolve ações sistemáticas com as famílias ecom as escolas dessas crianças e jovens, buscando criar um espaço dearticulação entre ensino, pesquisa e extensão.

Situam-se inicialmente os sujeitos atendidos no Educas e asnarrativas das professoras que encaminham seus alunos paraatendimento. Intenciona-se problematizar as diversas narrativas que dizemsobre os sujeitos atendidos, colocando-os na posição de fracasso, de nãoaprendente, de incapaz, de deficiente, enfim, de anormal em relação aosdemais. Não se trata de negar tais narrativas, mas de tensioná-las,buscando outras possiblidades de olhar e compreender o sujeito escolar.Ao final do texto são apresentados a estrutura do espaço do Educas e oseu funcionamento através das práticas desenvolvidas pela equipe decoordenação e estagiários. Tais práticas visam considerar as diferençasdos sujeitos como possibilidade e não como falta.

5.1 Narrativas sobre as dificuldades de aprendizagem

Observa-se no espaço do Educas um grande número de

encaminhamentos de crianças narradas como apresentandodificuldades de aprendizagem21 que estão, em sua maioria,cursando entre o primeiro e o terceiro ano escolar. As demandasde aprendizagem apresentadas por grande parte dessascrianças estão centradas na defasagem/dificuldade no processode alfabetização, o que gera a preocupação dos professores “emnão dar conta de alfabetizar” todos os alunos nos três primeirosanos escolares conforme prevê/orienta o Pacto Nacional pelaAlfabetização na Idade Certa (PNAIC). O Pacto prevê anecessidade dos professores de terem apoio especializado paraa construção de práticas que possam repercutir emaprendizagem para todos. Porém, o que se percebe é um apoiopara os casos de alunos com diagnósticos médicos queapresentam algum tipo de necessidade educacional especial. Nocaso dos alunos sem um laudo médico, as narrativas dosprofessores sobre a dificuldade de aprendizagem recaem muitasvezes no próprio aluno, como sendo ele mesmo o culpado; ou naestrutura da escola e currículo; ou, ainda, numa suposta(des)organização familiar. Parece não haver um espaço dereflexão mais amplo sobre a não aprendizagem dos alunosnesses cursos oferecidos pelo PNAIC aos professores. Constata-se tal questão porque muitos dos alunos encaminhados aoEducas são provenientes de escolas que estão comprometidascom o PNAIC e alinhadas aos seus princípios, ficando evidente aforma como muitos docentes percebem e compreendem a nãoaprendizagem dos alunos.

Pode-se observar essa preocupação dos professoresatravés da narrativa a seguir:

J., 8 anos, estudante do 3º ano da rede pública deSão Leopoldo, foi encaminhado pela Escola ao Educas coma seguinte descrição:

O aluno não identifica sons de letras isoladas e nemsílabas. Observo [professora] que apresenta grande

confusão mental. Não cumpre ordens simples nem realizaatividades simples no caderno. Necessita diagnósticourgente porque deve ter alguma coisa.

A narrativa dessa professora nos mostra como há umapreocupação dos professores em “dar conta” desse processo dealfabetização, mas, ao mesmo tempo, existe a necessidade deum apoio, de alguém que esteja fora do contexto da sala de aulaque possa apresentar uma solução para tal problema descritocomo “confusão mental”. Observa-se que, no contexto da escola,o aluno de inclusão, ou mesmo aquele que apresenta dificuldadede aprendizagem, torna-se uma questão apenas para oprofessor, não tendo suporte de outros profissionais, ou mesmoum espaço de estudo e de reflexão que possibilite a ele, juntocom demais colegas, pensar alternativas para o desenvolvimentode outras práticas pedagógicas. Parece haver um imobilismodiante da situação da não aprendizagem do aluno e, por isso, abusca por um diagnóstico que aponte uma possível patologiapara poder justificar a dificuldade do aluno.

O Programa Educas, que atende crianças nos anosiniciais ou mesmo em anos finais do Ensino Fundamental, buscaestabelecer há mais de 20 anos uma relação permanente entre aUniversidade e as escolas ao possibilitar que estagiários da áreada Psicologia e da Pedagogia (ou outra licenciatura) atendam osalunos encaminhados pelas escolas conveniadas com aUniversidade. Importa salientar que esses atendimentos sãorealizados no Educas22 de forma interdisciplinar para atender asdemandas de aprendizagens dos alunos independente de elesapresentarem um diagnóstico clínico; a grande maioria nãoapresenta tal diagnóstico, mas sim um parecer do/a professor/a,que narra sobre as dificuldades do aluno.

Enfatiza-se neste texto o trabalho que é desenvolvido noespaço do Educas, para mostrar o quanto um olhar investigativo,a partir de uma experiência interdisciplinar, pode proporcionaroutros pressupostos teórico-metodológicos para desenvolver otrabalho na escola com os alunos não aprendentes. Essa

possibilidade de problematizar os conceitos que estãodiretamente implicados no trabalho desenvolvido no Educas, taiscomo diferença, deficiência, inclusão, exclusão, aprendizagem,escola, família, dentre outros, permitiu-nos transformar o espaçopedagógico do Programa em “laboratório23” de práticaspedagógicas e em um campo de investigação acadêmica eprofissional.

A pesquisa de Delci Arnold (2006), intitulada “Dificuldadede aprendizagem: o estado de corrigibilidade na escola paratodos” – desenvolvida a partir de dados produzidos peloPrograma Educas –, ao analisar o período de 14 anos deatendimento, mostrou que dos 317 pareceres sobre os sujeitosencaminhados ao espaço do Educas, 65% das narrativasencontradas tratavam sobre os alunos que reprovaram na escoladuas vezes, 15% reprovaram três vezes e 30% reprovaramquatro vezes. Esses sujeitos encaminhados ao Educas queforam reprovados na escola foram analisados pela autora nessecontexto da escola inclusiva, a partir de três ordens de correção:sujeitos ainda não, sujeitos em estado de corrigibilidade, sujeitossem correção. A pesquisa apontou ainda que 29% dessessujeitos faziam uso de algum tipo de medicação. Esses dadosindicam que os serviços de apoio pedagógico se constituem emuma estratégia do projeto de inclusão da Contemporaneidade(ou, se preferirmos, do imperativo da inclusão) que se apresentacomo sendo uma política preventiva de controle do risco. Aautora da pesquisa afirma que os serviços de apoio funcionamcomo uma extensão da escola e operam como mecanismo degerenciamento do risco social quando se propõem a corrigiresses desvios. Dito de outro modo, ao realizar um trabalho comesses alunos, o Educas (ou outros serviços de apoiopedagógico) contribui para que esses sujeitos estejam em umespaço institucionalizado com regras e objetivos que se propõema minimizar os possíveis riscos de esses alunos não estareminseridos em um espaço formal de educação inclusiva. Arnold(2006) conclui dizendo que a educação inclusiva e as políticasde inclusão podem ser vistas como uma tecnologia criada,também, para o gerenciamento das dificuldades deaprendizagem e da gestão dos grupos de risco constituídos

pelos sujeitos considerados a corrigir.Nesse sentido, busca-se nesse Programa refletir

constantemente sobre as intervenções desenvolvidas pelosestagiários (dos cursos de Pedagogia e Psicologia) no intuito deinvestigar quais são os atravessamentos históricos, políticos eculturais que estão constituindo essas crianças e jovensatendidos – como não aprendentes ou como alunos de inclusão.A narrativa a seguir da professora que encaminha seu aluno aoPrograma mostra que é preciso ampliar o olhar paracompreender esse sujeito para além do que é visível efrequentemente reforçado em seu comportamento e atitudes.

B., 10 anos, estudante do 3º ano da rede pública deSão Leopoldo, foi encaminhado pela Escola ao Educas coma seguinte descrição:

Aluno com dificuldades de concentração, facilmentemanifesta irritabilidade e nervosismo. Não interage com oscolegas. Permanece sentado no seu lugar, “no seu mundo”,mexendo e estragando o seu próprio material. Nãodemonstra noção de perigo: quer subir no muro, atirar-se nochão da sala. A professora manifesta preocupação para queele não se machuque.

Não se nega a preocupação da professora com questõesrelacionadas ao comportamento ideal esperado de todos osalunos. No entanto, o que precisa ser discutido é o que essesujeito, mesmo com esse tipo de comportamento, sabe e quequestões estão envolvidas para que ele demonstre tal atitude.Buscar compreender essas questões pode ajudar a olhar paraesse sujeito de outra forma, não apenas a partir de umanarrativa negativa em relação a sua aprendizagem e seucomportamento. Este é um parecer muito mais centrado nocomportamento do aluno do que em sua aprendizagem ou não

aprendizagem de determinados conhecimentos. Neste caso épreciso ainda perguntar para que a escola (e mesmo o serviçode apoio pedagógico) possa pensar em estratégias deintervenção: e o que pode-se dizer a respeito da aprendizagemescolar desse aluno?

Nos últimos anos, observa-se que o quadro de múltiplasrepetências dos sujeitos na escola tem sido cada vez menosfrequente nos anos iniciais da escolarização. Isso tem ocorridoem função de a reprovação escolar ter se tornado um indicadorpara um conjunto mais amplo de questões que incluemdiferentes dimensões que podem estar fracassando: asociedade, a educação escolarizada, a escola, o professor, afamília e o próprio aluno.

A reprovação escolar tornou-se, portanto, uma espécie de“vitrine”,24 tanto para a escola, seus professores e alunos,quanto para a rede de ensino, municipal ou estadual, bem comopara o país (KLEIN, 2010). O parecer a seguir mostra apreocupação da professora e o esforço que é realizado a fim deque o aluno consiga acompanhar o ano escolar em que seencontra:

C., 15 anos, estudante do 5º ano da rede pública deSão Leopoldo, foi encaminhado pela Escola ao Educas coma seguinte descrição:

O aluno não apresenta comprometimento em relaçãoà disciplina, é carinhoso e aparentemente tranquilo, porémnão consegue concentração para desenvolver as atividadesem sala de aula, necessitando de ajuda para responder asprovas, pois distrai-se facilmente.

É possível afirmar que o processo de avaliação prevê umaproliferação de práticas avaliativas centradas no processo deacompanhamento da aprendizagem dos sujeitos. Nesse cenário,

percebeu-se que o alargamento das funções escolares, aflexibilização do currículo e a multiplicação das práticas deavaliação da aprendizagem instituem o que temos chamado hojede escola inclusiva (KLEIN, 2013). Assim, a questão a serdiscutida é: a partir dessa lógica da aprovação de todos, o queestamos priorizando? Estaríamos secundarizando aaprendizagem dos conhecimentos em nome da permanência detodos na escola?

A multiplicidade de discursos sobre a inclusão comogarantia de permanência de “todos na escola” precisa serproblematizada. Ao referir a escola como inclusiva, toma-se oconceito de inclusão numa perspectiva mais ampla, não apenasrelacionado a alguns sujeitos diagnosticados a partir de umadeficiência ou com necessidades educacionais especiais. Aescola dita inclusiva marca os tempos em que vivemoscaracterizados por certa lógica da inclusão. A inclusão pode serdescrita de diferentes formas e intensidades no corpo social.25

Aliar-se a uma causa inclusiva, mostrar-se a favor da inclusão ousimplesmente caracterizar algo como inclusão, são alguns“sintomas” que se impõem nos tempos atuais (ENZWEILER,2014).

Essa lógica encontra-se profundamente enraizada nosmodos de vida contemporâneos, pois segundo Lopes e Fabris(2013) a inclusão passa a funcionar como uma das condições deefetivação do neoliberalismo. Nesse sentido, a inclusão comoimperativo, como lógica de vida, como condição de participaçãode todos, aproxima-se do movimento que temos chamado dein/exclusão. Essa expressão é criada para mostrar que, emboramuitos estejam incluídos nas estatísticas e em alguns espaçosfísicos, boa parcela dos indivíduos ainda sofre com as práticasde inclusão excludentes (LOPES; FABRIS, 2013). Tal processode in/exclusão pode ser visualizado na atualidade por meio deinúmeras práticas sociais e educacionais, dentre as quaispodemos citar, por exemplo, os processos de alfabetizaçãoinstituídos pelo PNAIC.

Busca-se, no Educas, a partir da relação que seestabelece com as famílias, compreender que há, muitas vezes,uma culpabilização das mesmas em relação a não aprendizagem

do filho. Entende-se a família como uma instituição quepossibilita diferentes configurações familiares, tendo cadaintegrante uma responsabilidade a assumir na educação dosfilhos. No entanto, o que se percebe, muitas vezes, é a ideia deque cabe à família “resolver” a situação colocada sobre asdificuldades enfrentadas pelo filho, conforme é apresentado noparecer a seguir:

M., 8 anos, estudante do 3º ano da rede pública deSão Leopoldo, foi encaminhado pela Escola ao Educas coma seguinte descrição:

Foi encaminhada por apresentar TEA (Transtorno doEspectro do Autismo), comportamento opositor, dificuldadesem estabelecer vínculos (com colegas e professores), emaceitar a rotina da escola e da sala de aula. Além dodiagnóstico mencionado, tem comportamento infantilizado,não conseguindo brincar com o outro, nem identificarcolegas pelo nome apesar de quase dois períodos letivos deconvivência. OBS: Seria importanteacompanhamento/orientação para a família em paralelo aoatendimento da criança.

Se não há um diagnóstico clínico sobre o aluno, vimos queos professores demonstram uma dificuldade de lidar com asquestões apresentadas por ele, como se tal diagnóstico pudessejustificar a sua não aprendizagem. Quando se tem um laudomédico que define o transtorno do aluno, justificando seucomportamento e atitudes, busca-se então na família umatentativa de responsabilização pela não aprendizagem dessealuno, como se coubesse também a ela ser atendida, ter umacompanhamento a fim de sanar o problema apresentado pelosujeito. Nesse sentido, buscar compreender as diferentesorganizações familiares pode nos permitir visualizar outras

formas de viver que não aquelas que muitas vezes são asreferências para nós professores ou mesmo aquelas queacreditamos serem as ideais. Acolher as demandas trazidas pelafamília pode ser uma possibilidade em que o campo daPsicologia, em estando presente e articulado à área daPedagogia, contribui para ampliarmos o olhar diante dosdesafios escolares colocados.

Na sequência, dando continuidade ao texto, sãoaprensentados mais detalhes sobre a estrutura e ofuncionamento das práticas que ocorrem no espaço do Educas.A partir dessas práticas, busca-se concretizar um campo deinvestigação e de ação, em que as duas áreas – Psicologia ePedagogia - se articulam e tendem a se complementar numcampo de lutas de saber e de poder. .apresenta-se maisdetalhes sobre estrutura e o funcionamento das práticas queocorrem no espaço do Educas e que buscam, a partir delas,concretizarem-se em um campo de investigação e de ação, ondeas duas áreas de saber – a Psicologia e a Pedagogia – searticulam e tendem a se complementar num campo de lutas desaber e de poder. Esse pressuposto de articulação tem nosdesafiado a pensar em pedagogias centradas na diferença.Nesse sentido, o trabalho com a diferença não deve supor seuapagamento. Como afirma Corazza (2001, p. 30):

[...] mais do que dialogar com as diferenças, trabalhae segue-se trabalhando com elas. Que nunca supõe‘partir das diferenças’ para depois eliminá-las. Masque, ao contrário, intensifica a diferença para superaras desigualdades, pois são estas que inferiorizamos/as diferentes.

Desse modo, olhamos para os sujeitos a partir de seucontexto social, procurando compreender a lógicacontemporânea mais ampla que tem instituído as relaçõeshumanas a partir da necessidade de incluir todos os sujeitos nasinstituições e na lógica de consumo, esta última, aquicompreendida enquanto possibilidade de enquadrar-se emdeterminados padrões de comportamento para uma futura

inserção na sociedade e consequente possibilidade departicipação nos processos que nela se estabelecem.

5.2 Sobre as ações desenvolvidas no Educas

No espaço do Educas nenhuma ação é desenvolvidapreviamente sem que se parta das questões, demandas,narrativas trazidas sobre os sujeitos que se pretende atender.Qualquer ação realizada no Educas tem a sua orientaçãodescrita no Projeto geral do Programa (Projeto do Programa deEducação e Ação Social – Educas, 2015), o qual é revisado ereescrito anualmente com o intuito de qualificar o serviço e aatuação prestados à comunidade. Retiramos algumasinformações a seguir desse documento, bem como de um texto,produzido no próprio Educas, que tem fundamentado ospressupostos do trabalho desenvolvido (DAL’IGNA; HERBERT;MULLER, 2009).

Com relação às ações realizadas no Programa, pode-sedizer que elas têm seguido os seguintes passos:

Inscrição: as famílias vêm até o espaço para preencheruma ficha demonstrando interesse no atendimento dacriança e/ou do jovem.Atividade de Acolhimento: a ação de acolhida àscrianças e aos jovens, bem como às suas famílias, quechegam ao Educas se constitui em um momento deavaliação dos motivos de encaminhamento eidentificação de outras demandas dessascrianças/jovens, bem como de conhecimento dadinâmica familiar (relação entre os membros da família,diferentes posições ocupadas por cada um etc.).Definição dos grupos de Atendimento no Educas: apartir da observação e do registro realizado noacolhimento, bem como da análise dos pareceres sobreos alunos redigidos pelas professoras das escolas,

definem-se os grupos de atendimentos.Atendimento dos grupos no Educas: os grupos decrianças e/ou jovens ocorrem duas vezes por semanacom duração de duas horas cada encontro. Sãocoordenados por estagiárias dos cursos dePedagogia/Licenciaturas, Psicologia, e/ou outros cursosde graduação. As atividades desenvolvidas nos grupossão orientadas por projetos de trabalho26 que visamcriar um espaço de escuta, bem como estratégias deensino e aprendizagem, procurando problematizar asnarrativas de fracasso escolar, não aprendizagem e/oudeficiência.Desligamento das crianças e jovens: processo pelo qualo sujeito é desligado do Programa por diferentesmotivos: as demandas de encaminhamento sãoatingidas; falta de tempo das famílias para oacompanhamento das crianças até o Educas; mudançade endereço e localidade; desistência etc. Taldesligamento se dá após uma avaliação criteriosa,considerando os diferentes elementos envolvidos, taiscomo as narrativas da escola, da família, do Educas edo próprio sujeito.Grupo de estudos com os estagiários: constitui-se emum espaço de formação permanente que pretendeestimular uma postura investigativa nos estagiários,visando promover um outro olhar que problematize osprocessos de ensino e aprendizagem das crianças ejovens.Grupo de atendimento às famílias: trata-se do grupo defamiliares e/ou responsáveis das crianças e jovens queestão em atendimento no Educas. Ocorre medianteconvite durante o tempo em que as famílias aguardam oatendimento nos grupos de crianças e/ou jovens a fimde promover um espaço de escuta e discussão sobre asdemandas que as famílias apresentam. Quandonecessário atendimento individual, realizam-se algunsencontros a fim de trabalhar questões específicastrazidas pelas famílias.

Reunião de famílias: são reuniões realizadas pelosestagiários e a equipe do Educas que objetivamapresentar às famílias o trabalho que é realizado nosgrupos, bem como os processos de desenvolvimentodas crianças e jovens, buscando estabelecer mais ummomento de aproximação com estas famílias para quese possa repensar as questões relacionadas àaprendizagem de seus filhos.Encontro com os professores das escolas: são reuniõescom os professores das crianças e jovens quefrequentam o Educas para discutir temáticas relevantesque visam à aproximação da escola e do Educas. Alémdisso, os estagiários que coordenam os grupos têm umespaço para conversar com os professores sobre comoas crianças e os jovens estão reagindo à propostarealizada, bem como ouvir como os professorespercebem os mesmos no ambiente da escola. Ocorrem,também, visitas dos estagiários às escolas das criançase jovens atendidos, visando ampliar a interlocuçãosobre o processo de aprendizagem dos mesmos e aindafortalecer a parceria entre a escola e o Educas.Assessoria às instituições: esta assessoria é realizadacom as instituições que encaminham os alunos, sendodesenvolvida pela equipe do Educas, em parceria comoutros professores da UNISINOS. Esta pode sersolicitada a qualquer momento pelas escolas,objetivando criar um espaço de reflexão sobre asquestões da aprendizagem, inclusão e do trabalho comas diferenças na escola e promover a construção deações comprometidas com as diferenças sociais eculturais dos/as alunos/as.Seminário de Estudos: é desenvolvido para orientação ereflexão sobre as práticas desenvolvidas, objetivandoapresentar o Programa à comunidade, os princípiosorientadores da proposta e promover o estudo atravésde palestrante convidado para abordar diferentes temasarticulados ao trabalho desenvolvido. Além disso, oSeminário constitui-se em mais um espaço de reflexão e

de aprendizagens importantes para os estagiários sobreo exercício da prática profissional.Supervisão de Estágio: são encontros sistemáticosespecíficos entre os estagiários da Psicologia com apsicóloga e entre os estagiários da Pedagogia com apedagoga. As duas funcionárias do espaço do Educasfazem o acompanhamento das práticas.Produção escrita e reflexiva: os estagiários sãoincentivados e orientados pela equipe de coordenaçãodo Educas a desenvolver produções escritas, tais comoo projeto de intervenção e investigação, relatório sobrea prática realizada, relato da prática em resumo, artigo,pôster ou comunicação oral a ser publicado e/ouapresentado em eventos da área, seja na Universidadeou fora dela.

5.3 Sobre o projeto de intervenção/investigação

O objetivo aqui é a descrição e reflexão sobre o projeto deintervenção e de investigação que é exigido dos estagiários noespaço do Educas para atender as crianças e jovens ou suasfamílias.

Parte-se da ideia de que a escrita é sempre um processodifícil, mas necessário no Educas, tanto para fins de registrodocumental e histórico sobre o trabalho realizado como para odesenvolvimento do processo reflexivo que a escrita possibilita.Tanto a pedagoga quanto a psicóloga que acompanham eorientam as práticas desenvolvidas pelos estagiários incentivamesse processo de registro e de reflexão em todos os momentosque envolvem o atendimento aos sujeitos. A complexidade daescrita se intensifica quando duas áreas de conhecimento, asaber, a Psicologia e a Pedagogia, precisam escrever juntassobre a prática que vem sendo realizada nos grupos.

Compreende-se projeto de intervenção/investigação apartir da ideia de que não é possível apenas agir sobre os

sujeitos, intervindo sobre seus entendimentos, atitudes ecomportamentos diante da narrativa da não aprendizagemtrazida pela escola e/ou pela família. Acredita-se que, paraintervir de forma qualificada e refletida, é necessário investigaras narrativas trazidas pelos sujeitos. Esse processo deinvestigação se inicia quando o estagiário chega ao Educas paracomeçar seu trabalho de estágio. A investigação está presenteno momento de acolhimento inicial às famílias, quando oestagiário participa, observa e registra as questões trazidaspelas mesmas para, posteriormente, refletir sobre elas eincorporá-las no projeto de trabalho a ser criado. Nessaoportunidade se observa como as famílias visualizam seus filhose suas aprendizagens. Muitas vezes, elas confirmam e legitimamas narrativas da escola sobre os filhos e desejam que o Educaspossa “resolver” as dificuldades apresentadas por eles.

Além disso, a ficha de encaminhamento da criança ou dojovem preenchida pelas professoras das escolas é mais umaoportunidade, para os estagiários, de apropriação e deproblematização de tais narrativas sobre a não aprendizagemdesses sujeitos. Ao iniciar o trabalho com o grupo, a observaçãoe a escuta desses sujeitos permitirá também compor um conjuntode narrativas que visam definir uma identidade não aprendentepara eles.

A partir daí é que se torna possível a construção de umprojeto de intervenção/investigação sobre esses sujeitosatendidos, elegendo-se um tema, que chamamos de um temacultural, para desencadear as atividades que serãodesenvolvidas nesse grupo. Chama-se tema cultural devido àimportância das diferentes culturas trazidas pelos sujeitos e quenecessariamente precisam ser consideradas e trabalhadasnesse espaço. Ao fazer a escuta desse grupo inicialmente,objetiva-se partir de narrativas próximas aos seus desejos,interesses, experiências de vida, expectativas no Educas etc.Consideram-se, também, as demandas de aprendizagem que aescola coloca sobre os sujeitos (dificuldade na escrita, na leitura,na adição, na subtração, entre outras narrativas que incluem asdificuldades de comportamento), mas elas não são focadas deantemão no trabalho a ser realizado com o grupo, pois, se assim

fosse, constituiríamos o espaço do Educas como um grupo dereforço escolar.

Se a proposta do grupo de atendimento não se constituiem oferecer reforço escolar, trabalhando os conhecimentos queesse sujeito não dá conta de aprender na escola, então qual é aproposta? É a de oferecer um espaço em que as crianças ejovens possam aprender conhecimentos de outras formas, nãoatravés da repetição de práticas que já vêm sendo realizadaspela escola. O espaço propõe aos sujeitos aprenderconhecimentos através de diferentes formas de se expressar, deouvir uns aos outros, de criar, de errar, de discutir, de se calar,enfim, de demonstrar como são, sendo que essa forma de ser, alinaquele espaço, não se constitui em um problema a sercorrigido, mas uma questão a ser trabalhada. Questão esta queinteressa tanto para a Pedagogia, em termos de aprendizagemdos conhecimentos escolares, quanto para a Psicologia, no quese refere às relações, sentimentos e comportamentos dossujeitos.

Com esses dois vieses, portanto, o projeto é escrito pelosestagiários, mas sabendo que a sua revisão e reescrita épermanente. O tema cultural é eleito a partir de alguns encontroscom as crianças e/ou jovens, mas ele não é fixo, encerrado nelemesmo. Pode-se abrir tal tema, estabelecendo relações comoutras temáticas, dependendo do envolvimento do grupo e dasintervenções que os estagiários conseguem e têm condições deproporcionar.

A discussão e o registro realizados pelos estagiários apósos encontros com as crianças e os jovens permitem a reflexãosobre os acontecimentos, as reações, o envolvimento naproposta e, também, um planejamento para o próximo encontro,tendo em vista novas atividades que favorecerão oaprofundamento, o entendimento e a apropriação do tema detrabalho eleito. As duas áreas, Psicologia e Pedagogia, precisamse articular para desencadear o trabalho a ser realizado. O papelda Psicologia é contribuir com o olhar da Pedagogia para intervirsobre as aprendizagens no grupo. A Psicologia, com o olharvoltado para as relações entre os sujeitos no momento daexecução dos projetos de intervenção, ou mesmo

posteriormente, pode favorecer que a Pedagogia tenha maissubsídios, ampliando tal olhar para o planejamento de outrasestratégias que contemplem as demandas de não aprendizagemnarradas pela escola ou identificadas no grupo.

Além do acompanhamento e supervisão da pedagoga eda psicóloga, após a realização dos encontros com os sujeitos, omomento do grupo de estudos que ocorre semanalmente,desenvolvido pela coordenação do Programa, permite refletirsobre as situações dos mesmos e relacionar com ospressupostos do trabalho no Educas. Tais pressupostos sãoeleitos previamente a partir das escutas aos estagiários.Definem-se temas a serem estudados que estão articulados àsdemandas com as quais os estagiários vão lidar no trabalho aser desenvolvido com as crianças e jovens, bem como com assuas famílias e escolas. Esse momento no grupo, onde todos sereúnem para o estudo de determinado tema, seja sobreaprendizagem, escola, currículo, diferença, gênero, sexualidade,raça, etnia, família etc., visa subsidiar o olhar dos estagiáriospara a realização do trabalho com as crianças e jovens, mastambém pretende aproximar as práticas desenvolvidas aossaberes da sua área de formação. Sempre que possível, érealizado um exercício de aproximação entre as questõesaprendidas por eles no curso de graduação e no espaço doEducas, que abre espaço de formação profissional das áreas dasaúde e da educação. Não são momentos sempre tranquilos,pois o trabalho interdisciplinar entre esses dois campos deconhecimento não pretende romper com as fronteiras entre um eoutro, mas sim marcar as diferenças entre os saberes que oscompõem a fim de que cada um se fortaleça e possa contribuirno trabalho a ser desenvolvido. A partir de negociações,discussões e reflexões a respeito do que cabe a cada área deconhecimento é que o projeto se concretiza.

REFERÊNCIAS

ARNOLD, Delci Knebelkamp. Dificuldade de aprendizagem: oestado de corrigibilidade na escola para todos. Dissertação deMestrado - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, UNISINOS,2006.

CORAZZA, Sandra Mara. Na diversidade cultural, uma “docênciaartística”. Pátio, Porto Alegre, ano V. n.17, p. 29-30, mai/jul.2001.

DAL’IGNA, Maria Cláudia; HERBERT, Daniela; MULLER, Melissa.Educas: espaço de questionamentos das narrativas de fracassoescolar, não aprendizagem e deficiência. Cadernos de ExtensãoV, Editora Unisinos: 2009, p. 85-94.

ENZWEILER, Deise Andréia. Alfabetização na “Idade Certa”numa perspectiva inclusiva: governando condutas para daanormalidade. Monografia do Curso de Especialização emEducação Inclusiva/UNISINOS, 2014.

KLEIN, Rejane Ramos. A avaliação da aprendizagem comoetratégia de inclusão escolar. In.: FABRIS, Eli Henn; KLEIN,Rejane Ramos (orgs.). Inclusão e biopolítica. Belo Horizonte:Atentica Editora, 2013. p. 165-180.

KLEIN, Rejane Ramos. A reprovação escolar como ameaça nastramas da modernização pedagógica. Tese (Doutorado emEducação). Programa de Pós-Graduação em Educação.Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, 2010.

LOPES, Maura Corcini; FABRIS, Eli Henn. Inclusão e Educação.Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

PROJETO do Programa de Educação e Ação Social – EDUCAS,ASAV, Associação Antonio Vieira, CCIAS, Centro de Cidadania eAção Social, Unisinos: 2015.

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21 Utiliza-se o termo narradas ditas com dificuldades de aprendizagem nãopara negar as dificuldades, mas para tomá-las a partir do pressupostoteórico de "posição de sujeito" numa inspiração de Michel Foucault paraquestionar o caráter essencial da dificuldade de aprendizagem. A partirdesse entendimento, então, pode-se olhar e problematizar os discursosda Pedagogia, da Psicologia, da Psicopedagogia, da Neurologia etc.,envolvidos nas narrativas que posicionam alguns sujeitos em posições deaprendizagem e outros como não aprendentes. Esse pressuposto nospermite entender que narrativas utilizadas pelos professores ou pelasfamílias das crianças encaminhadas ao Educas, tais como – "lentos(as),agitados(as), agressivos(as), que não sabem ler, escrever, que não sabemraciocinar, que não falam, que não se movimentam, anormais, especiais"– podem produzir sujeitos em posições de não aprendizagem.22 O Educas está localizado na antiga sede da Unisinos, no Centro deCidadania e Ação Social – CCIAS que fica na Rua Brasil, n. 725, Centro deSão Leopoldo/RS. Para informações institucionais pode ser acessado osite: http://www.unisinos.br/extensao/acao-social/programas/programa-educacao-e-acao-social-educas.23 A equipe de coordenação do Programa reúne-se semanalmente com osestagiários para refletirem sobre as práticas desenvolvidas ao longo dasemana, sendo que as discussões são subsidiadas por textos, filmes ououtros materiais para produzir análises mais aprofundadas sobre aspráticas desenvolvidas, repercutindo em artigos ou textos a seremapresentados em eventos da área.24 Utiliza-se o termo “vitrine” no sentido de que os dados sobre matrícula,aprovação, reprovação, evasão, Ideb, entre outros índices, expõem a redede ensino, a escola, equipe diretiva, professores. Todos da instituiçãoficam visíveis, todos fora da escola podem acompanhar tais números nosentido de apontar ou cobrar diferentes estratégias para modificar taisíndices quando estes estiverem abaixo da média esperada, se comparadaa um contexto ideal.25 Retomar o conceito de in/exclusão apresentado no Capítulo 2.26 No próximo subtítulo, o projeto de trabalho será descrito em detalhes apartir do que temos chamado de projeto de intervenção/investigação.

SOBRE AS AUTORAS

PRISCILA PROVIN (org.)Mestre (2011) em Educação, especialista em Educação Especial(2005) e graduada em Pedagogia (2003) pela Universidade doVale do Rio dos Sinos (UNISINOS). É professora do curso dePedagogia presencial e a distância e assessora pedagógica daUnidade Acadêmica de Graduação da mesma Universidade.Nesta Instituição, também atuou como coordenadora eprofessora do curso de especialização em Educação Inclusiva ecomo membro da equipe de Formação Docente. Suas pesquisasenvolvem os temas da inclusão na escola e na Universidade eformação de professores.

REJANE RAMOS KLEIN (org.)Doutora (2010) e mestre (2005) em Educação pela Universidadedo Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e graduada em Pedagogia(2002) pela mesma Universidade. E, nessa mesma instituição,atua como professora no Curso de Pedagogia e atua comocoordenadora do Curso de Graduação em Pedagogia(PARFOR/CAPES); do Programa de Educação e Ação Social(EDUCAS/UNISINOS). Foi professora concursada da RedePública Municipal de Novo Hamburgo, onde atuou comoalfabetizadora, como professora dos Anos Iniciais e comoCoordenadora Pedagógica da Educação de Jovens e Adultos -EJA. É pesquisadora do Grupo de Estudo e Pesquisa emInclusão (GEPI/UNISINOS/CNPq) e vem desenvolvendo estudossobre a temática da avaliação, currículo e inclusão escolar.

RENATA PORCHER SCHERERMestre em Educação, especialista em Educação Especial egraduada em Educação Física pela Universidade do Vale do Rio

dos Sinos (UNISINOS). Professora nas redes municipais de NovoHamburgo e Portão/RS. Integra o Grupo de Estudo e Pesquisaem Inclusão (GEPI/UNISINOS/CNPq). A pesquisa de mestradoque desenvolveu no Programa de Pós-Graduação em Educaçãoda UNISINOS tem como foco as adaptações curriculares e foiapoiada pelo CNPq.

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I37 Inclusão e educação [recurso eletrônico]: construindopráticas pedagógicas inclusivas / organizadoras:Priscila Provin e Rejane Ramos Klein. – SãoLeopoldo : Ed. UNISINOS, 2015.1 recurso online – (EaD)

ISBN 978-85-7431-707-6

1. Inclusão escolar. 2. Educação inclusiva. 3.Educação especial. 4. Professores – Formação. 5.

Prática de ensino. I. Provin, Priscila. II. Klein, RejaneRamos. III. Título. IV. Série.

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