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IMPLICAÇÕES AMBIENTAIS URBANAS DECORRENTES DAS OCUPAÇÕES EM FUNDO DE VALES: UM ESTUDO DE CASO NA MICROBACIA DO IGARAPÉ PRICUMÃ EM BOA VISTA / RR. Eixo temático 3: Gestão de bacias hidrográficas e dinâmica hidrológica Márcia Teixeira Falcão 1 - Universidade Estadual de Roraima – [email protected] ; Maria das Neves Magalhães Pinheiro 2 -Universidade Estadual de Roraima – [email protected] ; Raimundo Feitosa Rodrigues 3 - Faculdade Cathedral; Kátia Juanita Marreiro Araújo de Souza 4 - Faculdade Cathedral. RESUMO As áreas urbanas constituem ambientes onde a ocupação e a concentração humana se torna intensa e muitas vezes desordenada, tornando-se assim esses espaços sensíveis às gradativas transformações antrópicas, quando aumentam em freqüência e intensidade, o desmatamento, a ocupação irregular, a erosão dos canais fluviais. Este estudo teve como objetivo fazer uma análise das implicações ambientais urbanas decorrentes das ocupações em fundos de vale na microbacia do igarapé Pricumã, localizado no setor sudoeste do município de Boa Vista – RR. Para tanto, foram utilizadas imagens do Satélite Landsat 7ETM + , a partir dais quais os dados foram tratados através do Sistema de Informação Geográfica (SIG). Para avaliação dos impactos ambientais foi utilizado o método baseado em Amorim & Cordeiro verificou-se que o processo de ocupação desordenada, aliado à falta de uma política de educação ambiental e de uma fiscalização eficiente, favoreceram os problemas ambientais detectados. Palavras-chave: Transformações antrópicas. Fundos de vale. Problemas ambientais. ABSTRACT 1 INTRODUÇÃO O crescimento desordenado urbano no Brasil desconsiderando as características naturais do meio, muitas vezes aliado à falta de infra-estrutura, vem ocasionando inúmeros impactos negativos para a qualidade do meio urbano. Apesar de atingirem o ambiente como um todo esses impactos, se refletem de maneira acentuada no meio urbano em áreas de fundo de vale. Isto porque estas áreas possuem características ambientais importantes, tendo influência direta, sob vários aspectos, nos recursos hídricos que cortam as cidades e o seu entorno. Embora o meio urbano não apresente padrões de qualidade ambiental desejáveis para uma vida saudável, existem mais de 80% da população mundial morando nas cidades onde as condições ambientais das cidades criam uma

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IMPLICAÇÕES AMBIENTAIS URBANAS DECORRENTES DAS OCUPAÇÕES EM FUNDO DE VALES: UM ESTUDO DE CASO NA

MICROBACIA DO IGARAPÉ PRICUMÃ EM BOA VISTA / RR.

Eixo temático 3: Gestão de bacias hidrográficas e dinâmica hidrológica

Márcia Teixeira Falcão1- Universidade Estadual de Roraima – [email protected]; Maria das Neves Magalhães Pinheiro2-Universidade Estadual de Roraima – [email protected]; Raimundo Feitosa Rodrigues3- Faculdade Cathedral; Kátia Juanita Marreiro Araújo de Souza4- Faculdade Cathedral.

RESUMO

As áreas urbanas constituem ambientes onde a ocupação e a concentração humana se torna intensa e muitas vezes desordenada, tornando-se assim esses espaços sensíveis às gradativas transformações antrópicas, quando aumentam em freqüência e intensidade, o desmatamento, a ocupação irregular, a erosão dos canais fluviais. Este estudo teve como objetivo fazer uma análise das implicações ambientais urbanas decorrentes das ocupações em fundos de vale na microbacia do igarapé Pricumã, localizado no setor sudoeste do município de Boa Vista – RR. Para tanto, foram utilizadas imagens do Satélite Landsat 7ETM+, a partir dais quais os dados foram tratados através do Sistema de Informação Geográfica (SIG). Para avaliação dos impactos ambientais foi utilizado o método baseado em Amorim & Cordeiro verificou-se que o processo de ocupação desordenada, aliado à falta de uma política de educação ambiental e de uma fiscalização eficiente, favoreceram os problemas ambientais detectados. Palavras-chave: Transformações antrópicas. Fundos de vale. Problemas ambientais.

ABSTRACT

1 INTRODUÇÃO

O crescimento desordenado urbano no Brasil desconsiderando as

características naturais do meio, muitas vezes aliado à falta de infra-estrutura, vem

ocasionando inúmeros impactos negativos para a qualidade do meio urbano. Apesar

de atingirem o ambiente como um todo esses impactos, se refletem de maneira

acentuada no meio urbano em áreas de fundo de vale. Isto porque estas áreas

possuem características ambientais importantes, tendo influência direta, sob vários

aspectos, nos recursos hídricos que cortam as cidades e o seu entorno.

Embora o meio urbano não apresente padrões de qualidade ambiental

desejáveis para uma vida saudável, existem mais de 80% da população mundial

morando nas cidades onde as condições ambientais das cidades criam uma

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natureza hostil, onde desequilíbrio entre os elementos que compõem o sistema

urbano compromete a qualidade de vida de seus habitantes (MILANO, 1990;

CARRARA, et al. 1991).

Durante a urbanização ocorre a substituição do ecossistema natural por

outro completamente adverso, que o homem organiza conforme suas necessidades

de sobrevivência, exercendo poder sobre este espaço.

O uso intensivo do solo aliado à ausência de planejamento pelas atividades

urbanas tem gerado disfunções espaciais e ambientais, repercutindo na qualidade

de vida do homem, que se dá de modo diferenciado, atingindo na maioria das vezes

de forma mais intensa a população de baixa renda, a qual, muitas vezes sem acesso

a moradia, passa a ocupar áreas impróprias à habitação, como por exemplo, as

Áreas de Proteção Permanente – (APP’s). A ocupação irregular destas áreas não

ocorre apenas por invasões, mas pode estar associada à aprovação indevida de

loteamento, falta de legislação, e outros (BARROS, et al. 2003)

Amorim e Cordeiro (2008) relatam que nesse processo de ocupação

antrópica inadequada nessas áreas gera uma cadeia de impactos ambientais, que

passa pela impermeabilização do solo, alterações na topografia, erosão das

margens e assoreamento dos cursos d’água, perda das matas ciliares, diminuição

da biodiversidade, aumento do escoamento superficial, e outros.

Dessa forma estas mudanças acarretam também a degradação da

qualidade de vida da população, trazendo diversos tipos de problemas a serem

enfrentados, tais como: as dificuldades na captação de água adequada para

abastecimento, aumento dos custos com tratamento de água e esgoto, escassez de

água, doenças provenientes de veiculação hídrica, entre outros.

A partir dos pressupostos citados percebe-se que a ocupação irregular em

áreas de fundos de vale ocorre em muitas cidades brasileiras de médio e grande

porte, sendo este um problema bastante grave, pois não se trata apenas da

preservação ambiental destas áreas, mas, sobretudo um problema socioeconômico

que reflete as questões de moradia do país e atinge diretamente uma parcela da

população que não tem acesso a este direito.

Dessa forma a partir desta pesquisa buscou-se fazer uma análise da fazer

uma análise das implicações ambientais urbanas decorrentes das ocupações em

fundo de na microbacia do igarapé Pricumã, localizado no setor sudoeste do

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município de Boa Vista – RR, buscando assim subsidiar o planejamento urbano

relacionado à ocupação e ao uso do solo.

2 OCUPAÇÕES EM FUNDO DE VALES E PROBLEMAS AMBIENTAIS

Para Guerra e Cunha (1995) fundos de vale pode ser entendido sob o ponto

de vista dos tipos de leito, de canal e de drenagem, no qual cada uma dessas

fisiografias possui uma dinâmica peculiar das águas correntes que estão associadas

a uma geometria hidráulica específica, gerada pelos processos de erosão,

transporte e deposição dos sedimentos fluviais (Figura 1).

Figura 1: Ocupações em fundo de vale e o comprometimento na vegetação ciliar . Fonte: Tucci, 2007.

O Código Florestal (IBDF, 1988), em seu artigo 2º, considera como área de

preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação natural situada

ao longo dos rios ou de qualquer outro curso de água, desde o seu nível mais alto,

em faixa marginal cuja largura mínima seja:

1. 30 (trinta) metros para os cursos de água de menos de 10 (dez) metros de

largura;

2. 50 (cinqüenta) metros para os cursos de água que tenham de 10 (dez) a 50

(cinqüenta) metros de largura;

3. 100 (cem) metros para os cursos de água que tenham de 50 (cinqüenta) a 200

(duzentos) metros de largura;

4. 200 (duzentos) metros para os cursos de água que tenham de 200 (duzentos) a

600 (seiscentos) metros de largura;

5. 500 (quinhentos) metros para os cursos de água que tenham largura superior a

600 (seiscentos) metros.

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2.2 A atuação antropogênica sobre os canais fluviais em áreas urbanas e a questão ambiental

Cunha (2007) relata que ao longo da história da humanidade os rios têm

sido utilizados como vias de penetração para o interior e facilitando o crescimento de

aglomerados urbanos, e que em função da intensidade de uso no decorrer do

tempo, os rios sofreram efeitos e/ou impactos negativos no seu padrão natural.

O proeminente crescimento populacional e econômico nos últimos anos tem

contribuído para deteriorização dos ambientes aquáticos e por conseqüência

alterações na qualidade da água em decorrência da poluição, antes considerada um

recurso infindo, agora escasso.

Nesse contexto, faz-se necessário o uso racional dos recursos naturais de

uma forma geral, para que isso aconteça se torna imprescindível, a não utilização

dos recursos naturais para além da sua capacidade de regeneração (AGUIAR et. al,

2008).

Corroborando com Christoffoletti (1993), os impactos ambientais gerados

pela urbanização repercutem no funcionamento do ciclo hidrológico ao interferir no

rearranjo dos armazenamentos e na trajetória das águas, introduzindo novos meios

para sua transferência na área urbanizada e em torno da cidade, no qual as ruas

são construídas sobre os cursos d’água ou estes são retificados, através de

canalizações, visando ao saneamento de suas margens. Para Schiel (2003),

esquecemos que todo o ecossistema agregado ao rio, faz parte de nosso meio, do

nosso cotidiano, de nossa história.

A destruição da biodiversidade aos redores de rios e outros cursos d’agua

gera impactos que proporcionam grandes desequilíbrios ambientais que muitas

vezes são irreversíveis. Os ecossistemas apesar de possuírem a capacidade de

regeneração contra inesperados impactos, muitos causados pela própria natureza,

não consegue se regenerar das ações antrópicas sucessivas do homem.

Para Cavalcante (1998) é possível constatar que a sociedade pode

conservar, criar ou até mesmo destruir os recursos naturais, mas não poderá tão

facilmente aumentar o estoque de recursos, pois a prática contínua do processo de

degradação provoca um déficit do patrimônio natural, tornando o processo

irreversível no campo ambiental.

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Aguiar et. al (2008) relatam que dentre os ambientes naturais mais

ameaçados e devastados pela a ação antrópica do homem estão os ambientes

lacustres. Esse ambiente é muito vulnerável a impactos externos, o que coloca em

risco a fauna e a flora peculiar a este ambiente.

Dependendo do nível de degradação o ambiente lacustre pode chegar até a

sumir, isso ocorre quando há a mata ciliar é retirada e conseqüentemente o rio

começa a sofrer com o assoreamento, diminuindo cada vez mais seu potencial

hidrológico e seu tempo de vida.

Apesar da existência de leis que visam à preservação e conservação de

ambientes lacustres, a falta de medidas concretas que inibam esse tipo de ação

antrópica nesse ambiente, como: atividades como, expansão urbana, pesca

indiscriminada, grandes empreendimentos e entre outros, que buscam a exploração

econômica, esquecendo a relevância desse ecossistema.

3. Análise sobre a microbacia do Igarapé Grande 3.1 Localização e histórico da ocupação do Igarapé da área de estudo

O igarapé Pricumã está localizado a sudeste da zona urbana de Boa Vista,

possui aproximadamente uma área de 5,7 km a partir da foz até o rio Branco, corta

os seguintes bairros: Asa Branca, Buriti, Cinturão Verde, Jóquei Clube, 13 de

Setembro e Pricumã (Figura 2).

O processo de ocupação da área conforme Chagas (2005) relata, é que até

os anos 80 o igarapé Pricumã se caracterizava por apresentar riqueza e

exuberância, no qual havia a intensa presença da mata ciliar ao longo do seu curso,

fazendo com a comunidade das proximidades da área utilizassem o corpo hídrico

para recreação.

O processo de ocupação da área teve seu início com a implantação dos

bairros Cinturão Verde, Asa Branca e Buritis (zona oeste de Boa Vista) a partir da

década de 60, e mais tarde veio a se intensificar com as invasões principalmente ao

longo do igarapé Pricumã.

O bairro Pricumã conforme Chagas (2005) passou a ser loteado a partir dos

anos 80 através do loteamento de casas populares, já no final dos anos 80 e início

dos anos 90 houve uma intensificação desse crescimento em especial nas

proximidades do igarapé.

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3.2 Avaliação dos Impactos Ambientais

Foram analisados 06 (seis) pontos ao longo do corpo hídrico, considerando

as áreas de ocupação urbana mais intensa, a investigação foi baseada no método

proposto por Amorim & Cordeiro (2004) que utiliza 12 critérios de ocupação que se

subdividem em 15 parâmetros de avaliação, sua pontuação está variada entre os

valores de 1 e 5, sendo que o número 5 é o ideal, ou seja, sem impactos negativos

ao meio ambiente. Já o número 1 indica os maiores impactos negativos e maior

distanciamento em relação ao critério.

O método foi aplicado primeiramente por Amorim e Cordeiro em 2004, no

qual se estabeleceu uma demarcação para avaliação de 50 metros de largura, a

partir do talvegue do curso, consiste em avaliar os seguintes parâmetros: tipo de

ocupação do fundo de vale, permeabilidade do solo, presença da mata ciliar nativa,

presença de áreas florestadas, interconectividade, qualidade da água, enchentes,

inundações, assoreamentos, erosões, alterações na topografia, modificações no

curso d’água, respeito a legislação incidente, permeabilidade, grau de identificação e

valorização pela população e qualidade estética e paisagística do corpo hídrico.

4. Impactos Ambientais Presentes no Igarapé Pricumã

A análise da expansão e crescimento urbano sobre áreas de proteção

ambiental, de igarapés e bacias hidrográficas, expõe os conflitos e contradições

presentes na realização deste processo. Assim essas áreas de proteção ambiental,

até então pouco transformadas pela ação social, ainda objetos da política de

preservação, estão presentes no território como um dado significativo para o

entendimento do processo de fragmentação, expansão e uso da terra urbana.

A partir deste contexto, para Penna (2002) o discurso da carência de

espaços urbanizados e da falta de políticas habitacionais abrangentes, possui um

significado e um caráter social e econômico bem definidos: capturados pelo

mercado, o espaço urbano e a natureza, incorporam as leis do valor e da

mercadoria.

No final dos anos 90 teve inicio o processo de canalização do igarapé

(Figura 3), obra executada pela Prefeitura Municipal de Boa Vista, antes da

introdução do canal de drenagem, o igarapé em certos trechos, perceber-se que o

igarapé, vinha passando por um intenso processo de assoreamento, conseqüência

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da retirada da mata ciliar, que tem um importante papel na ecologia e na hidrologia

de uma bacia hidrográfica, pois auxiliam na manutenção da qualidade da água, na

estabilidade do solo, no desenvolvimento e no sustento da fauna silvestre aquática e

terrestre e na regularização dos regimes dos rios através dos lençóis freáticos.

(SEMADS, 2001)

Figura 3: a) Igarapé Pricumã antes do processo de canalização, no final dos anos 90; b) Início do processo de implantação da canalização em 2004. Fonte: Autores

Entretanto, a canalização tem como propósito solucionar os problemas

existentes nos fundos de vales, tem se tornado, muitas vezes, sinônimo de novos

problemas, porque algumas obras têm sido mal planejadas e executadas. Isso

ocorre porque, como afirmam Sudo e Leal (1996) as ocupações dos fundos de vales

têm sido concebidas “como respostas técnicas imediatas para atender a

necessidade premente de urbanizá-los face às pressões imobiliárias e políticas e

não como resultado de uma definição de alternativas baseadas em planejamento

físico-territorial urbano de âmbito global” (p.363).

Este canal já vem sendo feito a mais de quatro anos, já foi gasto quase 12

milhões de reais e a sua conclusão ficou obscura, pois não foi feito junto com os

moradores nenhuma consulta sobre o que realmente seria feito, não foi divulgado

um estudo prévio dos impactos ambientais que obra poderia ocasionar (Figura 4).

E para que haja uma drenagem de um igarapé tem que ser feito um estudo

da área que será drenada, através de um projeto chamado PCA – Plano de Controle

Ambiental, e segundo os próprios moradores, os mesmos nunca foram consultados

por nenhum órgão público, sendo informados apenas pelos outdoors que se

encontravam com os valores da obra e a firma construtora.

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O processo de fragmentação do espaço urbano ocorre porque “A ação

presente, os interesses sobre parte do território, a cobiça, e mesmo as

representações atribuídas a essa parte do território tem uma relação com o valor

que é dado ao que está ali presente” (SANTOS, 1999:18).

Figura 4: Esgoto pluvial, que recebe também efluentes domésticos das moradias no entorno do igarapé; canalização no leito do igarapé. Fonte: Autores, 2007.

Sabe-se que a partir da implantação de um sistema de drenagem resolve-se

um problema sanitário, através do controle do empoçamento e inundações, mas,

cria-se um novo problema ambiental, pois através do lançamento de águas pluviais

nesses cursos d’água, tem uma grande fonte poluidora, tanto pela possibilidade da

criação de esgotos clandestinos, como pela alta quantidade de material suspenso

enviado a esse canal de drenagem através das enchentes. Em geral os principais

poluentes encontrados são: sedimentos, nutrientes, organismos patogênicos,

matéria orgânica, metais pesados e sais.

O fato mais preocupante é que o lixo e o esgoto produzido nas residências

são depositados nas margens e no leito do igarapé o que aumenta a degradação e a

poluição na área, e posteriormente no Rio Branco, refletindo as condições sanitárias

em que vivem as pessoas daquela área, onde sem uma educação ambiental

eficiente e a falta do serviço de coleta de lixo regular, depositam os dejetos

diretamente no Igarapé, destruindo-o lentamente. (Figura 5)

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Figura 5: Resíduos e esgotos clandestinos lançados diretamente nas margens do igarapé Fonte: Autores, 2007.

Esses resíduos sólidos urbanos são carregados em meados do igarapé,

contribuindo assim, no acelerando o assoreamento do curso d’água e a eutrofização

que se caracteriza pelo crescimento excessivo das plantas aquáticas, tanto

planctônicas quanto aderidas, a níveis tais que sejam considerados como

causadores de interferências com os usos desejáveis do corpo d’água (VON

SPERLING, 1996) no final do percurso do igarapé, onde desemboca no rio Branco.

Uma vez presente no igarapé, os resíduos sólidos são transportados até a bacia do

rio Branco que conseqüentemente são emaranhados na vegetação ao longo da suas

margens, e a maioria provavelmente é enterrada pelos seus sedimentos trazendo

consigo poluentes, provocando assim, um aspecto antiestético e odores fétidos

(Figura 6a e b).

Figura 6: a) Inicio de processo de eutrofização do igarapé Pricumã, no bairro 13 de setembro; b) Esquema baseado em VON SPERLING (1996) sobre eutrofização em áreas urbanas.

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Durante o processo de investigação percebeu-se através do método para

avaliar os impactos ambientais que são muitos os tipos de agressões que o igarapé

do Pricumã vem sofrendo em grande parte da sua extensão, refletidas na

vegetação, volume, fluxo e qualidade da água, aspectos negativos que se mostram

claramente perceptíveis nos primeiros 2000 metros, cujas alterações paisagísticas

são imediatamente reconhecidas e nos permite supostamente dimensionar a

amplitude da degradação que hoje esse recurso hídrico, ao tempo em que

percebemos uma forte tendência ao agravamento das transformações que vem

descaracterizando esse igarapé.

As diferentes formas e intensidade de degradação estão associadas às

implicações na desconfigurações desse recurso hídrico, sendo relevante considerar

os diversos impactos ambientais no trecho estudado tais como: o desmatamento

ciliar ao longo de grande parte do igarapé, melhor onde se observa quase que

totalizada a destruição da sua mata ciliar da margem esquerda proveniente da

ocupação antrópica e, inexistente da margem direita, conseqüentemente provável da

abertura da Rua Parque do Pricumã que apresenta seu “meio-fio” a menos de 5

metros do talude do igarapé.

Conforme a pesquisa in loco, os entrevistados relataram que tem noção de

quem deve cuidar e preservar o igarapé, apenas há uma falta de ação para acionar

estes, do acordo com o gráfico 70% acha que a população é a culpada pela a

poluição do igarapé e 30% a prefeitura (Figura 7).

Figura 7: Responsabilidade pelos impactos ambientais no igarapé segundo os moradores. Fonte: In loco, 2008.

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Dessa forma conforme Ikuta (2007), a degradação ambiental urbana está

associada a este modelo de ocupação territorial, que apresenta especificidades nos

fundos de vales e cuja análise permite compreender a degradação destas áreas e a

busca e exploração de novos mananciais.

Sabe-se que todo município tem que fazer seu plano diretor, e que este deve

contar com a participação de equipes multidisciplinares, permitindo o apoio da

sociedade, bem como ser dotado com base na legislação, o que lhe confere um

peso político, garantindo a qualidade ambiental e social.

Segundo Frendrich e Malucelli (2004), para preservação e recuperação dos

igarapés em áreas urbanas, devem ser considerados importantes na elaboração do

Plano Diretor:

Recolocar os moradores das áreas impróprias para proteção da população

contra as enchentes urbanas e nas áreas não ocupadas, fazer um

planejamento para infra-estrutura necessária, garantindo a manutenção da

fauna e da flora;

Executar melhorias urbanas que possam garantir a qualidade de vida, caso

não ocorra a retirada da população ao longo da drenagem. E em novas

ocupações, respeitar a faixa de drenagem, a fim de evitar invasões ao longo

do leito maior.

Elaborar zoneamento das áreas de várzeas, definindo usos compatíveis.

Evitar canalizações e retificações de igarapés e rios.

Revegetar as matas ciliares no entorno dos canais, a fim de evitar processos

erosivos.

Promover maior integração entre as instituições públicas, que são

responsáveis pela drenagem urbana, favorecendo melhorias nas condições

de fiscalização e controle.

Incentivar a educação ambiental, em todos os níveis.

Melhorar os serviços de limpeza, evitando o lançamento de resíduos sólidos

urbanos e a deterioração da qualidade da água.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Infelizmente o estado de Roraima assim como outros estados, ainda não

possui uma política de recursos hídricos, o que vem gerando o intenso processo de

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deterioração dos igarapés urbanos, levando as políticas públicas a não conseguirem

resolver os problemas de ocupação ao longo das margens dos igarapés e a

recuperação das áreas degradadas, no caso a vegetação ciliar.

Atitudes como o protecionismo governamental, que muitas vezes possibilitou o

uso indiscriminado do solo através da permissão do avanço imobiliário formal

(loteamentos) e informal (invasões) em áreas ambientalmente inviáveis como o leito

de rios e igarapés, atrelado à carência de saneamento básico sem perspectiva de

melhora, precisam ser revertidas.

Para reverter este quadro ou pelo menos estacioná-lo precisam ser tomadas

ações responsáveis e articuladas em diversos níveis de governo e sociedade em

busca do desenvolvimento da consciência ecológica local, da preservação e

recuperação dos mananciais ainda existentes na cidade, sendo estabelecida uma

política voltada para a sustentabilidade dos recursos hídricos e buscando restaurar o

equilíbrio hídrico e ecológico local.

Assim, deve-se considerar dentro dessa perspectiva política, os sistemas

hídricos como sistemas hidro-sócio- econômico, voltados para o ideal de

sustentabilidade, fortalecendo a capacidade de planejamento, gestão democrática,

incorporando a participação da sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUIAR, Antonia Elisangela Ximenes; OLIVEIRA, Ícaro de Paiva; CRUZ, Lúcia de Brito. Análise dos impactos ambientais e níveis de conservação da lagoa de Precabura e sua bacia hidrográfica. In: Simpósio Nacional de Geomorfologia –SINAGEO, 8, 2008. p-74.

AMORIM, Lia Martucci; CORDEIRO, João Sérgio. Impactos ambientais provocados pela ocupação antrópica de fundo de vale. Disponível em: < www.bvsde.paho.org/bvsAIDIS/PuertoRico29/martucci.pdf > Acesso em maio 2008.

BARROS, Mirian Vizintim Fernandes; SCOMPARIM, Akacia; KISHI Celso Satoshi; CAVIGLIONE, João Henrique; ARANTES, Márcia Regina Lopes; NAKASHIMA Sandra Yoshimi; REIS Teresinha Esteves da Silveira. Identificação das ocupações irregulares nos fundos de Vale da cidade de Londrina/PR por meio de imagem landsat 7. Revista RA’E GA, Curitiba: Editora UFPR, n. 7, p. 47-54, 2003. Disponível em: < http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/raega/article/viewFile/3350/2686 > Acesso em jun. 2008.

CHAGAS, Ivonete da Silva. Crescimento urbano e descaracterização ambiental do igarapé Pricumã nos bairros Pricumã e Cinturão Verde na cidade de Boa

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Vista-RR. (Monografia) Especialização em Recursos Naturais. Universidade Federal de Roraima, 2005.

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