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II REUNIÃO CIENTÍFICA REDE CYTED-XVII INTERDISCIPLINARY SYMPOSIUM ON WETLANDS 3º SIPRES – SIMPÓSIO INTERDISCIPLINAR SOBRE PROCESSOS ETUARINOS LIVRO GUIA DA EXCURSÃO O SISTEMA DE ILHAS – BARREIRA DA RIA FORMOSA J. A. DIAS, Ó. FERREIRA E D. MOURA 25 – 28, Maio, 2004 (Algarve – Portugal)

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II REUNIÃO CIENTÍFICA REDE CYTED-XVII

INTERDISCIPLINARY SYMPOSIUM ON WETLANDS

3º SIPRES – SIMPÓSIO INTERDISCIPLINAR SOBRE PROCESSOS ETUARINOS

LIVRO GUIA DA EXCURSÃO

O SISTEMA DE ILHAS – BARREIRA DA RIA FORMOSA

J. A. DIAS, Ó. FERREIRA E D. MOURA

25 – 28, Maio, 2004

(Algarve – Portugal)

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O SISTEMA DE ILHAS-BARREIRA DA RIA FORMOSA ______________________________________________________________________________________________________________

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O SISTEMA DE ILHAS-BARREIRA DA RIA

FORMOSA

O sistema de ilhas-barreira da Ria Formosa (figuras 1 e 2) é actualmente constituído por cinco ilhas e duas penínsulas (de ocidente para oriente: Ancão, Barreta ou Deserta, Culatra, Armona, Tavira, Cabanas e Cacela), separadas por 6 barras (do Ancão ou de São Luís, de Faro-Olhão, da Armona ou Grande, da Fuzeta, de Tavira e de Cacela ou do Lacém). No sistema é relativamente frequente algumas ilhas e barras terem diferentes designações, o que reflecte, por um lado, denominações diversificadas atribuídas por diferentes utilizadores (pescadores, turistas, etc.) e, por outro, a grande dinâmica que o caracteriza, com modificações na forma e extensão das ilhas, e migração e/ou abertura de novas barras e colmatação de outras. Das barras aludidas, a de Faro-Olhão e a de Tavira são artificiais, estando fixadas com molhes.

As ilhas e penínsulas referidas são arenosas e definem um corpo lagunar importante constituído por sapais, rasos de maré, canais de maré e pequenas ilhas de carácter lodoso ou arenoso.

A actual designação do sistema é, cientificamente, incorrecta. Efectivamente, as “rias” correspondem a vales fluviais inundados, e têm como paradigma as Rias Bajas da Galiza. Tipologicamente têm características completamente diferentes, que nada têm a ver com as do sistema lagunar de Faro-Olhão, designação por que era conhecida até à década de 80 do século XX. A actual designação (imprópria) de Ria Formosa teve essencialmente motivações de índole turística.

Os sistemas de ilhas-barreira são assim designados por possuírem um rosário de ilhas que define, entre estas e o continente emerso, um corpo lagunar. Consequentemente, as ilhas aludidas constituem uma barreira entre a laguna e o oceano. São sistemas caracterizados por uma dinâmica muito intensa, verificando-se que são típicos dois tipos de migração: a) migração longitudinal das barras (e consequentemente, a acumulação de areias na extremidade de uma das ilhas e erosão da extremidade da ilha seguinte); b) migração transversal do sistema em direcção ao continente (nomeadamente como "resposta" a pequenas variações do nível do mar).

Fig. 1 - O sistema de ilhas barreira da Ria Formosa.

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A migração longilitoral da maior parte das barras (e consequente crescimento de umas ilhas e erosão de outras) do sistema da Ria Formosa é, aparentemente, cíclica, tendo sobre o assunto sido efectuado um excelente estudo por Weinholtz (1978). Têm naturalmente tendência para migrar de poente para nascente até atingirem uma posição limite, na qual começam a assorear, abrindo-se então, no decurso de um temporal maior, nova barra a ocidente, iniciando-se, assim, novo ciclo. Aparentemente co-existem dois tipos de migração das barras: partícula a partícula, em que a barra se vai deslocando progressivamente devido principalmente à actuação continuada da onda incidente; e por saltos, em que, no decurso de um temporal, se verifica galgamento oceânico de uma parte fragilizada das ilhas, o que conduz a que a barra seja aí relocalizada (Dias, 1988). Todas as barras naturais do sistema estão sujeitas a esta ciclicidade, com taxas de migração média que chegam a ultrapassar 100m/ano (e.g.: Bettencourt, 1985; Dias, 1988), à excepção da barra da Armona que, não se sabe ainda bem porquê, se tem mantido na mesma posição, embora com variações de largura.

A migração transversal das ilhas em direcção ao continente (razão por se designam este sistemas como “transgressivos”) verifica-se principalmente em períodos de elevação do nível médio do mar, e processa-se através de conjunto

vasto de processos construtivos / destrutivos, entre os quais se incluem os galgamentos oceânicos, o transporte eólico de areias e a incorporação de deltas de maré enchente. Como resultado da actuação destes processos, a linha de costa na zona está em recuo há, pelo menos, um século.

Segundo levantamentos topo-hidrográficos da Direcção-Geral de Portos, a linha de baixa-mar na ilha de Faro recuou 20m entre 1945 e 1964, ou seja, cerca de 1m/ano. Tal recuo é induzido, muito possivelmente, pela elevação do nível médio relativo do mar, sendo provavelmente agravado, nas últimas décadas, por deficiências de abastecimento sedimentar e pela intensificação do pisoteio.

A erosão dos sapais e assoreamento dos canais é outro factor que importa considerar. Grande parte desta erosão e assoreamento advêm, certamente, da elevação do nível médio do mar, estimada em cerca de 1,5mm/ano (Dias e Taborda, 1992). Porém, o assoreamento tem sido fortemente amplificado por actividades antrópicas diversificadas, como seja o lançamento de efluentes urbanos e industriais directamente para o meio lagunar, a impermeabilização das áreas circundantes (com aumento da escorrência superficial e transporte de materiais “urbanos”, dragagens portuárias com ressuspensão de finos, etc. (Ramos e Dias, 2000).

Fig. 2 – Imagem da Ria Formosa, obtida pelo satélite Landsat 5, em 1997.

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Alguns investigadores (e.g.: Pilkey et al., 1989), inspirados na teoria de Hoyt (1967) desenvolvida para as ilhas-barreira da costa oriental da América do Norte, aceitam que a origem e evolução do sistema estão relacionadas com variações do nível do mar associadas à última glaciação, subsequente deglaciação e transição para o actual período interglaciário. Quando o nível do mar, no último máximo glaciário ocorrido há cerca de 18000 anos, se encontrava próximo do bordo da plataforma (uns 120m abaixo do nível actual), desenvolveram-se cordões arenosos paralelos à costa. Com a posterior subida do nível marinho, estes cordões arenosos foram inundados pelo lado do continente, constituindo-se em ilhas. Depois de formadas, estas ilhas responderam à progressiva subida do nível do mar migrando transversalmente através da plataforma continental até atingirem a posição que ocupam actualmente.

O sistema de ilhas-barreira da Ria Formosa apresenta algumas características únicas ou raras no conjunto dos sistemas semelhantes mundiais. Teoricamente, estes sistemas só se desenvolvem em ambientes em que a amplitude máxima da maré é inferior a 4 metros. Com uma amplitude máxima da maré que ultrapassa os 3,5m, este sistema encontra-se praticamente no limite a partir do qual não se desenvolvem sistemas de ilhas-barreira. Verifica-se, também, que geralmente estes sistemas se encontram na dependência de desembocadura de rios importantes. Também neste aspecto as ilhas-barreira da Ria Formosa são originais porquanto não há qualquer rio importante que aflua ao sistema ou o possa alimentar sedimentarmente. O rio Guadiana, cuja foz se localiza algumas dezenas de quilómetros a nascente da Ria Formosa, poderia ser uma fonte de areias para o sistema, mas tal não é credível porquanto o sentido da resultante anual da deriva litoral (isto é, das areias que são transportadas ao longo da costa) é de Oeste para Leste, sendo consequentemente as areias fornecidas por este

rio transportadas no sentido contrário ao da Ria Formosa.

Outra originalidade interessante é a da própria disposição geral do sistema, formando grosso

modo um triângulo escaleno (um vértice do qual é o chamado Cabo de Santa Maria, localizado na ilha da Barreta). Esta forma protuberante do sistema algarvio é peculiar e raro. Efectivamente, os sistemas conhecidos mundialmente ocorrem, geralmente, como alinhamentos mais ou menos rectilíneos de ilhas. O caso mais semelhante ao do Algarve é o do Cabo Haterras, na Carolina do Norte, para o qual ainda não foi encontrada explicação genética satisfatória. Para o sistema da Ria Formosa, alguns autores (e.g..: Monteiro et

al., 1984; Dias, 1988; Pilkey et al., 1989), atribuem esta forma aos diferentes pendores da plataforma continental adjacente, a qual é mais inclinada frente ao Cabo de Santa Maria, sendo os pendores progressivamente mais suaves para nascente e para poente, isto é, na direcção das partes laterais do sistema (fig. 1). A migração das ilhas barreira terá sido, consequentemente, mais lenta frente ao cabo referido e mais rápida de um e do outro lado.

Como se depreende do que se expressou, as características do sistema de ilhas-barreira da Ria Formosa são incompatíveis com uma ocupação intensa e permanente. Todavia, verifica-se que, nas últimas décadas, a ocupação tem revelado precisamente tendência para se intensificar, tornar-se permanente e, o que é extremamente grave, localizar-se nas zonas mais frágeis e de maior risco. É o que se verifica, por exemplo, na Praia de Faro (na península do Ancão), no núcleo urbano do Farol (na ilha da Culatra), na povoação da Armona (na ilha com o mesmo nome) e no núcleo de casas construídas em frente da Fuzeta (também na ilha da Armona). Este tipo de ocupação, além do risco intrínseco que constitui, acaba por fragilizar amplas áreas e induzir impactes negativos na globalidade do sistema, podendo mesmo pôr em causa a existência das

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ilhas-barreira e, consequentemente, do próprio meio lagunar por elas definido.

A erosão costeira tem sido antropicamente amplificada por várias intervenções efectuadas na adjacência ou no próprio sistema, entre as quais se podem referir a construção dos molhes da marina de Vilamoura e o campo de esporões de Quarteira, os esporões de fixação da barra artificial de Tavira e, principalmente, a construção da barra artificial de Faro-Olhão, cujos molhes fizeram com que o sistema entrasse em ruptura. Esta erosão costeira suplementar, associada à intensificação do pisoteio decorrente, designadamente, da intensificação da utilização turística do sistema, fez com que a vulnerabilidade ao galgamento tenha sido fortemente amplificada na generalidade da zona de barreira (ilhas e penínsulas frontais).

Na gestão do sistema e nas intervenções que aí se efectuem há sempre que considerar que a Ria Formosa constitui um recurso económico de grande importância regional e, mesmo, nacional, gerando anualmente mais de dez milhões de contos em actividades variadas (Ramos e Dias, 2000). A prossecução da maior parte destas actividades necessita de um bom funcionamento hidráulico do sistema que propicie eficiente renovação de águas e/ou canais com profundidade minimamente adequada.

Os problemas de gestão do sistema da Ria Formosa são ainda agravados por uma certa falta de coordenação entre os diferentes organismos que sobre ele têm competências jurisdicionais directas ou indirectas, por algum permissivismo e, não raro, pela falta de mecanismos que possibilitem o cumprimento do que legalmente está consignado. Este último ponto é particularmente grave, pois que, actualmente, são cerca de 2000 as construções clandestinas existentes nas ilhas barreira, frequentemente edificadas no cordão dunar frontal e, por vezes, mesmo em zonas de muito elevada vulnerabilidade ao galgamento. Alguns dos casos mais críticos são, apesar das intervenções

efectuadas, o da Ilha de Cabanas, sobretudo junto aos apoios de praia aí existentes, e o da ilha da Armona, frente à Fuzeta (Ramos e Dias, 2000).

As características das tendências evolutivas do sistema, associadas às consequências de muitos dos tipos de exploração do próprio sistema (turismo, portos, extracção de areias, aquacultura, conchicultura, etc.), têm conduzido a elevado conflito de interesses, o que, aliás, é normal em zonas costeiras. No entanto, o nível de conflitualidade aumenta quando se considera que o sistema corresponde a um Parque Natural, onde há que compatibilizar interesses económicos e actividades antrópicas diversificadas com a conservação do ambiente natural. Num sistema bastante sensível e já fortemente impactado pelas actividades antrópicas, só é possível proceder à conservação do ambiente natural através de intervenções tendentes a minimizar os impactes negativos induzidos por essas actividades antrópicas.

Com base nesta filosofia de actuação, tem vindo o Parque Natural da Ria Formosa (PNRF) / Instituto de Conservação da Natureza (ICN) a efectuar, nos últimos anos, várias intervenções de carácter suave, tendentes a melhorar o funcionamento do sistema e, simultaneamente, diminuir a vulnerabilidade ao galgamento, evitando, assim, a construção de obras fixas (paredões, esporões, etc.), ambientalmente muito agressivas. As intervenções efectuadas enquadram-se na filosofia de Construir com a

Natureza, a qual advoga que essas intervenções devem manter a dinâmica dos processos naturais. Nesta linha, as intervenções têm consistido designadamente na dragagem de alguns canais de maré com repulsão das areias dragadas para a frente oceânica do sistema. Tem-se, assim, procedido a realimentação de praias, robustecimento dos cordões dunares e colmatação de cortes de galgamento. Complementarmente, tem-se procedido à instalação de paliçadas e à plantação de espécies pioneiras (ammophila

arenaria) características do ambiente dunar.

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As principais intervenções efectuadas foram: Robustecimento da Península de Cacela (efectuada entre Novembro de 1996 e Abril de 1998); Abertura da Barra do Ancão (em 23 de Junho de 1997); Requalificação do Sistema lagunar (entre Abril de 1999 e Julho de 2000);

Abertura da Barra da Fuzeta (em 13 de Julho de 1999); e Colocação de Paliçadas, Plantação de Ammophila arenaria, e Construção de Passadiços Sobreelevados em vários locais da zona de barreira da Ria Formosa, numa extensão superior a 13km (actualmente em curso).

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PRAIA DE FARO (1)

A chamada "Praia de Faro" (fig. 3) localiza-se na península do Ancão, a qual constitui a unidade mais ocidental do sistema de ilhas-barreira da Ria Formosa. A Praia de Faro situa-se em plena zona de migração histórica da barra do Ancão, a qual tem tendência de migração para nascente, até atingir uma posição limite em que começa a assorear, verificando-se então a abertura natural de nova barra a poente, na zona localizada frente à Quinta do Lago (Weinholtz, 1978a).

Para atingir a Praia de Faro atravessa-se o corpo lagunar pela ponte rodoviária (fig. 4). Foi a construção desta ponte que viabilizou, neste ponto, acesso fácil para a zona de barreira do sistema de ilhas barreira da Ria Formosa e que, consequentemente, propiciou o desenvolvimento urbano da Praia de Faro.

Fig. 3 - Vista da Praia de Faro. A ocupação antrópica é completamente desadequada à fragilidade deste sistema. É bem evidente nesta fotografia a pequena largura da península, o tipo de urbanismo mais do que questionável, e a completa inexistência de corpos dunares.

Devido a esta ocupação intensiva, os corpos dunares desapareceram por completo e a zona ficou extremamente fragilizada. O crescimento deste núcleo urbano efectuou-se rapidamente, quer com construções clandestinas (posteriormente “legalizadas”), quer com edificações “legais”, sempre de forma desordenada, sem obedecer a quaisquer princípios estéticos e urbanísticos coerentes, e destruindo

por completo o cordão dunar aí previamente existente. Pelas suas características pode ser considerado como uma das maiores aberrações da faixa costeira portuguesa.

A linha de costa na zona está em recuo há, pelo menos, meio século. Segundo levantamentos topo-hidrográficos da Direcção-Geral de Portos, a linha de baixa-mar na ilha de Faro recuou 34m entre 1945 e 1964, ou seja, cerca de 1,7m/ano (Weinholtz, 1978a).

Todavia, a zona era ocupada apenas por algumas casas de pescadores, não havendo registo, até ao início da década de 60, de problemas graves para a ocupação humana. Essa ocupação só se verificou de forma mais significativa após 1956, quando a zona foi desafectada do Domínio Público Marítimo, passando a sua gestão para a Câmara Municipal de Faro. O primeiro grande alarme sobre a evolução desfavorável para o núcleo urbano da Praia de Faro surgiu apenas em 1962 (Esaguy, 1988).

Fig. 4 - Vista aérea da ponte rodoviária que dá acesso à Praia de Faro e do parque de estacionamento.

O primeiro factor decisivo que propiciou a intensa ocupação que se verifica na Praia de Faro foi a construção da ponte rodoviária (fig. 4) que lhe dá acesso.

_________________________________ 1 Adaptado de DIAS, TEIXEIRA e FERREIRA (1997) – “Seminário

sobre a Zona Costeira do Algarve: Livro Guia da Excursão”. Associção Eurocoast Portugal / Universidade do Algarve / DRARN Algarve, Faro

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Face a uma expansão, extraordinariamente intensa, do turismo no Algarve, e às apetências, para fins balneários, da península do Ancão, a zona com acesso rodoviário facilitado (a Praia de Faro) foi progressivamente ocupada por casas, na esmagadora maioria clandestinas e de segunda habitação, que no conjunto constituíram um aglomerado caótico em termos urbanísticos. O cordão dunar singular que constitui esta península foi completamente ocupado por edificações. A construção de infra-estruturas pela Câmara Municipal de Faro, entretanto, constituiu incentivo forte à continuação da ocupação da zona e, consequentemente, ao agravamento dos problemas.

A evolução natural neste tipo de sistemas, em situações de elevação do nível médio do mar, é no sentido da migração do cordão arenoso (zona da barreira arenosa) em direcção ao continente. A urbanização aludida veio impedir essa evolução natural, fazendo com que o sistema entrasse em ruptura. O cordão dunar começou progressivamente a ser atacado pelo mar com mais intensidade e, na zona urbana, as casas começaram a ficar ameaçadas sendo, por vezes, danificadas.

Face às ameaças existentes, e para impedir o recuo da linha de costa, construiu-se pequena estrutura longilitoral aderente na zona externa frente à ponte (parque de estacionamento). Como é normal acontecer quando se controi este tipo de estruturas, o perfil de praia tornou-se mais reflectivo, o que veio ampliar a vulnerabilidade aos galgamentos oceânicos.

Por várias vezes se tentaram adoptar medidas correctivas, nomeadamente demolindo várias casas clandestinas. Todavia, tais acções foram contrariadas pelas populações locais e encontraram, mesmo, oposição por parte do poder autárquico. Consequentemente, não foi possível concretizar as acções mínimas imprescindíveis para efectuar uma ocupação racional da zona, a qual forçosamente teria de passar por uma

redução drástica do número e tipo de edifícios aí existentes.

Durante o inverno de 1989/90, em especial durante os meses de Novembro e Dezembro, ocorreram temporais na costa sul, tendo-se registado valores de 6,0 a 7,0m de altura significativa (Pires, 1990), em consequência dos quais se verificaram grandes galgamentos generalizados. Como resultado, o número de casas danificadas foi bastante elevado (fig. 5). O facto dos máximos de altura significativa terem ocorrido próximo da baixa-mar contribuiu para que os prejuízos provocados pelo mar não fossem ainda mais elevados. Em Janeiro e Fevereiro de 1990 a ocorrência de ondas com 5 a 6m de altura provocaram novos galgamentos oceânicos e inundação de habitações.

Fig. 5 – Aspecto de casas danificadas, na Praia de Faro, durante os temporais do Inverno de 1989/1990.

Em Março de 1990 a altura significativa das ondas atingiu 3m, valor que pode ser considerado normal para o Algarve. Todavia, por se tratar de período de marés vivas equinociais e devido à erosão que os temporais precedentes tinham induzido, o mar atingiu a zona urbanizada provocando danos variados. Durante a noite de 18 de Março a ondulação de sueste provocou o derrube de cerca de 30m do muro que protegia a estrada junto à colónia de férias e induziu danos graves em várias habitações (fig. 6).

Durante este período foram empreendidas obras de emergência na praia, tendo sido efectuada

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colocação de areia e a construção de uma protecção frontal com blocos, calhaus e sacos de pedras. A dragagem de sedimento foi efectuada com uma draga de sucção e repulsada directamente para a praia, junto à colónia de férias. Na protecção frontal foram utilizadas cerca de 11000 toneladas de calhaus.

Encontrando-se esta zona protegida pelo enrocamento de emergência, no dia 30 de Março o mar atingiu uma zona mais débil a alguns metros de distância, junto ao Barracuda. O muro de protecção ruiu numa extensão de mais de 40 metros. No total, nesse inverno, foram destruídos cerca de 230 metros do muro aludido.

Fig. 6 – Vista parcial do muro destruído durante os temporais do Inverno de 1989/1990.

É interessante constatar que a zona dragada foi precisamente aquela para onde, durante muitos anos, as máquinas da Câmara rejeitavam as areias que, durante o inverno e devido ao transporte eólico (e, por vezes, a galgamentos) se acumulavam na estrada longitudinal.

Em 1991 foram efectuadas duas novas operações de alimentação artificial, uma em Janeiro / Fevereiro, que envolveu a dragagem e repulsão

para a praia de cerca de 150.000m3 de areia, e outra em Outubro em que o volume mobilizado

foi de cerca de 90.000m3 (Correia, 1992).

Trabalhos recentes (Martins et al, 1996; 1997) sobre a evolução da Praia de Faro, baseados na realização sistemática de perfis de praia (de Maio

de 1995 até ao presente), indicam que as quantidades sedimentares transferidas prependicularmente à praia são extremamente elevadas, processando-se essa transferência com grande rapidez. No entanto, durante o período de análise, a recuperação foi quase imediata após episódios de agitação com energia elevada, denotando a praia capacidade da resposta relativamente boa a este tipo de eventos.

Contudo, verificou-se que a ocupação existente no sector ocidental do núcleo urbano da Praia de Faro não possibilita que a península migre para o interior, truncando o perfil da praia emersa. Por outro lado, verifica-se que o volume sedimentar da praia emersa (“stock” arenoso) no sector oriental (do restaurante Zé Maria para Leste) é superior ao do sector ocidental da Praia de Faro (do restaurante Zé Maria para Oeste), o que contribui para que os efeitos dos temporais atinjam maiores proporções a poente, onde a ocupação é, também, mais intensa. Durante as marés vivas cheias de inverno é frequente ocorrerem galgamentos oceânicos em vários pontos da área urbanizada, designadamente no parque de estacionamento localizado frente à ponte rodoviária. De certa forma, estes episódios começaram a ser já objecto de atracção turística porquanto, nessas alturas, é frequente que aqui se desloquem várias centenas de pessoas para apreciarem o espectáculo da rebentação das ondas, as quais se espraiam para o parque de estacionamento, passando para a zona lagunar.

Fig. 7 – Aspecto do litoral da Praia de Faro durante os temporais do Inverno de 1989/1990.

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Assim, o núcleo urbano actual está fortemente confinado pelo meio lagunar, de um lado, e pelo oceano, do outro, encontrando-se numa situação de grande risco. Quando ocorrer um temporal excepcional que abranja a preia-mar de marés-vivas pode viver-se, aqui, uma situação altamente dramática, com destruição de edificações e, eventualmente, mesmo perda de vidas humanas.

Aliás, no passado recente, têm-se verificado, aquando da ocorrência de temporais, danos graves e mesmo destruições de várias de edificações.

A zona urbana está, actualmente, bem delimitada. Todavia, tal não inibe que existam várias construções (clandestinas) fora dessa área e que, pelo que tem sido repetidamente anunciado desde há vários anos, serão em breve demolidas.

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ILHA DA CULATRA (2)

A povoação da Culatra (fig. 8), situada na ilha com a mesma designação, só pode ser atingida por barco. Trata-se de uma pequena povoação com pouco mais de 600 habitantes permanentes e cerca de 330 habitações. Todavia, devido ao afluxo turístico, a população estival é muito superior.

Fig. 8 - Imagem aérea da povoação da Culatra. Note-se que está encostada ao meio lagunar, relativamente distante do mar. Na imagem é, também, perfeitamente visível a baía que a rodeia por nascente.

Pelos dados existentes, a povoação da Culatra surgiu, como local permanente de habitação, apenas nos finais do século XIX, estando relacionada com as armações de pesca da sardinha. Aparece já cartografada no Plano

Hidrográfico da Barra e Canaes de Faro e

Olhão, de 1916. Em 1918 a povoação era constituída por 13 construções. As casas originais eram de junco e madeira, sendo apenas substituídas por casas de alvenaria na década de 60 do século XX (Bernardo et al., 2002).

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Adaptado de RAMALHO, M. M., BOSKI, T., MOURA, D. & DIAS, J. A. (2003) - Notícia explicative da Carta Geológica

do Parque Natural da Ria Formosa (no Prelo)

Fig. 9 - Povoação da Culatra na década de 60 do século XX, por ocasião de uma visita do Director-Geral de Portos. Note-se que as casas eram ainda de madeira e junco.

Como pode ser constatado pelo visitante, a povoação da Culatra está edificada num dos sítios de menor risco de toda a ilha. Efectivamente, está encostada à zona lagunar, protegida dos temporais oceânicos por extensa zona dunar, o que contrasta fortemente com as situações existentes noutras partes do sistema, designadamente na povoação do Farol e, principalmente, na Praia de Faro. O facto de estar confinada, a nascente, por uma baía e canais de mare é, obviamente, altamente propício à actividade tradicional da pesca.

A baía localizada a nascente da povoação, e onde normalmente se encontram estacionados vários barcos de recreio, denuncia o crescimento da ilha através da agradação de restingas encurvadas. Estas restingas desenvolveram-se sucessivamente na margem ocidental da barra da Armona. Passeando pela margem lagunar da ilha é possível constatar a existência de vários destes sistemas restinga / baía.

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Fig. 10 -Povoação da Culatra actual

O antigo posto de socorro a náufragos, foi aí construído quando a margem ocidental da barra da Armona aí se localizava. Tem-se, assim, ideia clara da dinâmica destas ilhas e da velocidade de crescimento que normalmente apresentam. Durante muito tempo a taxa média de crescimento da ilha da Culatra foi da ordem de 50 metros/ano. Os canais de maré (fig. 11) são uma das características ressaltantes da ilha. Na maré vazia atravessam-se a seco. No entanto, devido à amplitude das marés vivas, nas preia-mares torna-se difícil atravessá-los, podendo ser mesmo necessário fazê-lo a nado.

Fig. 11 - Canal de maré nas proximidades da povoação da Culatra. São visíveis os mastros das embarcações estacionadas na baía.

Existem alguns tractores na povoação (para recolha de lixo e para apoio à pesca) que

aproveitam estes canais nas deslocações. Em princípio não há grandes inconvenientes nesta utilização pois que, na próxima maré, a zona fica renaturalizada. Infelizmente, por vezes, os tractores deslocam-se até praia, atravessando as dunas frontais, aí provocando cortes eólicos que, não raro, acabam por propiciar galgamentos oceânicos.

Visitando estes canais num dia seco de verão em altura de maré enchente é possível observar um processo interessante de transporte sedimentar: o transporte de areias em flutuação. Efectivamente, devido à calma com que a maré enche nestes canais e à secura dos grãos de areia, muitos destes são mantidos e transportados à superfície da água devido à tensão superficial desta.

Transpondo as dunas chega-se à praia. Ao fundo da larga e longa praia arenosa, olhando para poente, distingue-se o farol da barra de Faro-Olhão e um pouco da povoação que aí nasceu. Toda a praia é limitada, do lado de terra, por estruturas dunares. Estas, com frequência, apresentam escarpas de erosão, sendo por vezes possível distinguir alguns cortes eólicos, bem como cortes de galgamento oceânico.

Grande parte dos cortes eólicos são naturais. Todavia, muitos outros, são provocados pelo pisoteio e destruição da vegetação dunar. Com a continuação do pisoteio a vegetação não tem possibilidade de se recompor, e estes cortes eólicos vão-se progressivamente alargando e aprofundando. Por ocasião de temporais, principalmente se estes ocorrem em marés vivas cheias, as ondas penetram por estes cortes eólicos constituindo-se um galgamento oceânico.

Após a construção dos molhes da barra artificial de Faro-Olhão verificou-se erosão costeira generalizada e a ocorrência de vários galgamentos oceânicos. Em vários casos, estes galgamentos efectuavam-se para canais de maré adjacentes às dunas, o que poderia provocar, por ocasião de temporais, a abertura de novas barras. Para minimizar os riscos, o Parque Natural da Ria Formosa colocou paliçadas (fig. 12) em vários destes cortes de galgamento, as quais propiciaram

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acumulação significativa de areia, colonização por espécies vegetais precursoras e o início da reconstrução dunar. A parte superior de alguns dos postes das paliçadas e das redes são ainda visíveis nalguns cortes de galgamento.

Fig. 12 - Dunas da praia da Culatra. É possível distinguir a

parte superior dos postes das paliçadas (assinalados com setas) aí colocadas para recuperação dos cortes de galgamento.

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ARRAIAL DO BARRIL (ILHA DE TAVIRA)

A ocupação da ilha de Tavira na zona do arraial do Barril pode ser apontada como um bom exemplo de exploração turística com minimização de impactes, no sistema da Ria Formosa. O acesso à ilha de Tavira efectua-se por uma ponte pedonal existente junto ao empreendimento de Pedras del Rei. O facto de ser uma ponte pedonal evita que os veículos motorizados acedam facilmente à ilha. Pode aqui observar-se o meio lagunar, com o canal principal, relativamente estreito.

Na deslocação da ponte até ao arraial do Barril pode utilizar-se o pequeno combóio aí existente ou ir-se a pé pelo caminho que margina a linha. A existência do aterro onde se instalou a linha do combóio (fig. 13) veio possibilitar a concentração dos impactes induzidos pelos visitantes a esta faixa estreita, libertando as áreas restantes do pisoteio e de outras actividades nocivas. Os cartazes explicativos e alusivos ao facto da área ser classificada, em que se expressam as actividades que o visitante pode ou não desenvolver, constituem complemento sensibilizador importante.

Fig. 13 - Vista aérea da ilha de Tavira na zona do Barril. É visível a linha do combóio (marginada por árvores). Os edifícios junto à praia são os do antigo arraial do Barril.

No trajecto entre a ponte pedonal e a frente oceânica tem-se a possibilidade de observar os sapais, os canais de maré e os corpos dunares,

bem como a vegetação e, com frequência, vária da fauna característica destes ambientes.

No final da linha férrea, junto à praia oceânica, existem os edifícios do antigo arraial do Barril, infraestrura de apoio à pesca desactivada há algumas décadas e reconvertida para apoio ao turismo. Os impactes na área específica das edificações são fortes, mas limitados a essa área.

Junto aos edifícios é possível observar um vasto conjunto de fateixas dispostas geometricamente de forma ornamental. Eram as fateixas utilizadas pela companha da pesca do atum, que utilizava o arraial. É possível ver, também, que na parte mais externa algumas linhas de fateixas estão caídas na praia. Deve-se, tal facto, à erosão costeira que se tem verificado e pode servir como índice do recuo da linha de costa neste ponto.

Fig. 14 - O arraial do Barril localizado imediatamente a nascente da paragem do combóio. Para cá das edificações é possível distinguir o “campo” de fateixas.

Nas dunas frontais que limitam a praia é possível ver escarpas de erosão denunciadoras da erosão costeira, bem como detectar alguns cortes eólicos e, mesmo, pequenos galgamentos oceânicos. O pisoteio é, aqui, moderado, pelo que a situação é muito diversa da que se encontra, por exemplo, na praia oceânica da Culatra.

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Esta praia é muito frequentada na época estival, mas também o é na época baixa, tendo-se evitado, no entanto, o aumento das construções e o caos urbanístico. O acesso à praia é facilmente propiciado pela ponte e pelo pequeno combóio, sem grandes impactes generalizados. As infraestruturas turísticas mais pesadas (hotéis, variedade de restaurantes, etc.) existem a uns 15 ou 30 minutos de distância, na zona continental.

É um bom exemplo de como o sistema pode ser explorado de forma sustentável sem induzir impactes negativos generalizados.

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PENÍNSULA DE CACELA

Na parte poente do forte de Cacela Velha tem-se uma magnífica vista sobre a parte oriental do sistema da Ria Formosa. Do lado esquerdo estende-se a península de Cacela, extremada pela barra do Lacém, também chamada barra de Cacela. Do outro lado desta barra existe a ilha de Cabanas e, em dia de boa visibilidade, é possível distinguir os pequenos molhes da barra artificial de Tavira, que separa artificialmente as ilhas de Cabanas e de Tavira.

A Península de Cacela constitui a extremidade oriental do sistema da Ria Formosa. Até à década de 70 do século XX a península era pouco utilizada para o turismo balnear e o cordão dunar que a constitui era robusto e vegetado, sendo a frequência dos galgamentos relativamente pequena. Em 1976 a altura média do topo das dunas era de 3,4m acima do NMM, atingindo a duna mais alta o valor de 6,1m (Esaguy, 1986). O limite ocidental da península é definido pela Barra de Cacela (ou de Lacém), que apresenta tendência migratória de Oeste para Leste com valores de deslocação variáveis entre dezenas de metros a mais de uma centena de metros por ano.

Após o início da década de 70 verificou-se intensificação da utilização balnear da zona, com correspondente pisoteio das dunas, o que conduziu a uma cada vez maior degradação dos corpos dunares, e grande aumento da frequência de galgamentos. Em meados da década de 90 a península apresentava múltiplas zonas de galgamento, algumas de grande dimensão, apenas com algumas zonas vegetadas remanescentes. No inverno de 1995/1996 ocorreram galgamentos generalizados a quase toda a península, verificando-se naturalmente a abertura de uma nova barra, a Barra de Fábrica (fig. 15),

sensivelmente em frente à povoação com este nome, a qual, em Outubro de 1996, chegou a ter cerca de 35 metros de largura e quase 5 metros de profundidade em marés vivas cheias (Dias et al., 1999).

É perfeitamente visível, de Cacela Velha, uma protuberância arenosa projectada para o interior da parte lagunar, a qual corresponde ao actual remanescente do delta de enchente da antiga barra da Fábrica. Caso não se efectuasse qualquer intervenção, era de prever que as dunas remanescentes desaparecem por completo (e, eventualmente, a península), em 2004 (Matias et al., 1998)

Fig. 15 - Aspecto da Barra da Fábrica em 1996

No sentido de proteger a povoação de Fábrica e de manter a actividade económica mais importante da zona, a produção de bivalves (ostra e ameijoa) e, simultaneamente, para robustecer a península de Cacela garantindo a sua manutenção, foi efectuada no inverno de 1996/97 uma dragagem do canal de Cacela, com draga de sucção/repulsão, tendo os sedimentos dragados sido colocados sobre o cordão arenoso (fig. 16). O objectivo era o de elevar a cota do topo do cordão dunar até aos 5,5 metros acima do nível médio do mar (NMM), isto é, reconstituir situação análoga à existente nos anos 60 (Ramos e Dias, 2000).

No entanto, como não foram efectuados os estudos prévios aconselháveis, verificou-se

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durante a dragagem que existiam formações consolidadas que impossibilitavam a dragagem até à profundidade inicialmente estabelecida, pelo que a quantidade de sedimentos repulsados para a península foi bastante inferior à prevista. Ainda assim, a cota de topo da duna foi elevada para os 3 metros acima do NMM numa extensão de 2000 metros.

Estima-se que o material sedimentar deposto no cordão dunar atingiu o volume de 325000 m3 (Matias et al., 1998). Nesta operação foi colmatada, por completo, a barra da Fábrica, que se tinha constituído no inverno anterior.

Fig. 16 - Vista aérea da intervenção efectuada na Península de Cacela

De Cacela Velha é possível observar, com nitidez, os resultados desta intervenção. O aterro então construído é bem visível, principalmente nas partes ainda não naturalizadas. É possível, também, constatar que o aterro não tem forma rectilínea na parte interna, inflectindo para o interior na zona da antiga barra da Fábrica. Tal foi consequência da escassez de material sedimentar proveniente da dragagem do canal: com esta disposição foi possível elevar as cotas até um valor superior ao que seria atingido caso se mantivesse uma forma rectilínea.

Na parte oceânica (que pode ser observada passando o canal, a partir de Fábrica, num dos barcos locais e transpondo as dunas por um dos passadiços sobreelevados) desenvolveu-se, como era esperado, escarpa de erosão bem definida. Aquando da intervenção, era expectável que parte

importante do material sedimentar fosse erodido, sendo transferido quer para a praia emersa, quer para a praia submersa, o que é importante para que a zona fique naturalizada. Tal, efectivamente, verificou-se. Passados dois anos da intervenção, estima-se que 34% do material aí colocado tinha desaparecido. No entanto, 15% da erosão verificada ocorreu na extremidade poente da península, sendo atribuível aos processos de meandrização e de migração da barra do Lacém. Apenas 17% da erosão é que é imputável aos processos de naturalização da frente oceânica e à erosão costeira generalizada. O desaparecimento de 2% do material ocorreu na parte lagunar, devido à actuação das correntes (Dias et al., 1999).

No entanto, apesar das intervenções descritas, ficaram por colmatar alguns grandes cortes de galgamento oceânico existentes na parte oriental da península, pelo que, em Janeiro de 1998, foi efectuada nova intervenção com o objectivo de colmatar três dessas zonas de galgamento. Foram aí depositados 15 000 m3 de areia trazida do terraço de maré situado 300m a nascente do local, constituindo-se “duna” artificial com cota de topo de 4,5m acima do NMM, numa extensão de aproximadamente 1000m (Ramos e Dias, 2000).

De Cacela Velha (principalmente tendo como base a parte oriental do forte) é possível observar os resultados desta intervenção, bem como alguns dos cortes de galgamento que não foram colmatados.Atendendo a que a praia da península de Cacela é muito procurada durante a época balnear por grande quantidade de veraneantes que atravessam o canal de barco, para evitar o pisoteio generalizado foram construídos dois passadiços de madeira (fig. 17), sobreelevados 80cm relativamente ao topo do cordão dunar, ligando a zona lagunar à praia oceânica.

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Fig. 17 - Vista aérea da Península de Cacela, sendo visíveis

as paliçadas e um dos passadiços sobreelevados.

Posteriormente aos trabalhos de realimentação, e no sentido de propiciar o desenvolvimento de dunas naturais, procedeu-se, entre Abril e Agosto de 1997, à colocação de paliçadas de madeira com 1,3m de altura, formando quadrados com 42,25m2 de área, numa extensão aproximada de 1200m. Entre Novembro de 1997 e Fevereiro de 1998 procedeu-se à plantação de Ammophila

arenaria no interior das paliçadas (Ramos e Dias, 2000). Estas paliçadas, bem como os passadiços

sobreelevados, são perfeitamente visíveis de Cacela Velha. Com uns binóculos é porventura observável que a eficácia destas paliçadas foi grande na parte oriental da intervenção e reduzida na parte ocidental. Efectivamente, a escarpa que se formou na parte oceânica tem altura maior na zona poente e menor na parte nascente, o que reflecte as carências de material sedimentar constatadas no decurso da intervenção. O transporte eólico de areias para a parte superior do aterro com que se robusteceu a península é, consequentemente, difícil na parte nascente, e mais fácil na parte poente. Devido a estas razões, as paliçadas da parte nascente rapidamente ficaram quase por completo enterradas nas dunas recém-formadas, enquanto que na parte poente a acumulação verificada foi modesta. De Cacela Velha, estando virado para Poente, é possível ainda observar que a laguna é delimitada, do lado de terra, por arribas em estado de inactividade ou de fossilização.

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