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Rev. Psicopedagogia 2007; 24(74): 135-48 135 DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: NA BUSCA DE ALGUNS AXIOMAS ARTIGO ESPECIAL Vitor da Fonseca Vitor da Fonseca - Professor CatedrÆtico, Universidade TØcnica de Lisboa, FMH Departamento de Educaçªo Especial e Reabilitaçªo. CorrespondŒncia Rua Ernesto Veiga de Oliveira, 21, 2” A/B Oieiras Portugal 2780-052 E-mail: [email protected] INTRODU˙ˆO O conceito de Dificuldades de Aprendizagem (DA), introduzido por Samuel Kirk hÆ 42 anos, nªo Ø ainda hoje consensual, quer em termos de elegibilidade quer de identificaçªo. Todavia, a condiçªo de DA Ø amplamente reconhecida como um problema que tende a provocar sØrias dificul- dades de adaptaçªo à escola e, freqüentemente, projeta-se ao longo da vida adulta. Apesar das grandes e rÆpidas mudanças ope- radas na fundamentaçªo teórica; da explosªo inco- mensurÆvel da investigaçªo produzida nas œlti- mas dØcadas; das medidas políticas e educacio- nais avançadas para responder ao crescimento preocupante do insucesso e do abandono escolar; das fracas performances dos estudantes em exa- mes nacionais e internacionais; das vÆrias tenta- tivas para aumentar a qualidade de formaçªo dos professores; das pressıes exercidas pelos pais; etc., as DA continuam a gerar inœmeras controvØrsias. Os indivíduos com DA, portadores de um potencial intelectual dito mØdio, sem perturbaçıes visuais ou auditivas, motivados em aprender e inseridos num processo de ensino eficaz para a maioria, revelam dificuldades inesperadas em vÆrios tipos de aprendizagem, sejam: de índole escolar e/ou acadŒmica, isto Ø, simbólica ou verbal, como aprender a ler, a escrever e a contar; de índole psicossocial e/ou psicomotora, isto Ø, nªo simbólico ou nªo verbal , como aprender a orientar-se no espaço, a andar de bicicleta, a desenhar, a pintar, a interagir socialmente com os seus pares, etc. As DA podem criar obstÆculos e impedimentos inexplicÆveis para aprender a falar, a ouvir, a ler, a escrever, a raciocinar, a resolver problemas matemÆticos, etc., e podem prolongar-se ao longo da vida. Trata-se de um tema de reflexªo interdisci- plinar complexa, exatamente porque o sujeito (aluno, estudante, formando, etc.) quando apren- de uma dada tarefa (ler, escrever, contar, pensar, etc.) apresenta uma combinaçªo œnica e original de talentos (Æreas fortes) e de vulnerabilidades (Æreas fracas), ou seja, um perfil de aprendi- zagem muitas vezes nªo detectÆvel pelos instrumentos de diagnóstico habitualmente mais utilizados. Os próprios testes formais de inteligŒncia (que apuram o Quociente Intelectual QI) nªo sªo suficientes para identificar DA, pois hÆ criança e jovens superdotados, com QIs superiores à mØdia, que revelam dislexias, disgrafias e discalculias, ou sejam, dificuldades específicas na aprendizagem. Pesquisas internacionais tŒm convergido em alguns consensos sobre o fenômeno das DA, como, por exemplo:

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DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM:NA BUSCA DE ALGUNS AXIOMAS

ARTIGO ESPECIAL

Vitor da Fonseca

Vitor da Fonseca - Professor Catedrático, UniversidadeTécnica de Lisboa, FMH � Departamento de EducaçãoEspecial e Reabilitação.

CorrespondênciaRua Ernesto Veiga de Oliveira, 21, 2º A/BOieiras � Portugal � 2780-052E-mail: [email protected]

INTRODUÇÃOO conceito de Dificuldades de Aprendizagem

(DA), introduzido por Samuel Kirk há 42 anos,não é ainda hoje consensual, quer em termos deelegibilidade quer de identificação. Todavia, acondição de DA é amplamente reconhecida comoum problema que tende a provocar sérias dificul-dades de adaptação à escola e, freqüentemente,projeta-se ao longo da vida adulta.

Apesar das grandes e rápidas mudanças ope-radas na fundamentação teórica; da explosão inco-mensurável da investigação produzida nas últi-mas décadas; das medidas políticas e educacio-nais avançadas para responder ao crescimentopreocupante do insucesso e do abandono escolar;das fracas performances dos estudantes em exa-mes nacionais e internacionais; das várias tenta-tivas para aumentar a qualidade de formação dosprofessores; das pressões exercidas pelos pais; etc.,as DA continuam a gerar inúmeras controvérsias.

Os indivíduos com DA, portadores de umpotencial intelectual dito médio, sem perturbaçõesvisuais ou auditivas, motivados em aprender einseridos num processo de ensino eficaz para amaioria, revelam dificuldades inesperadas emvários tipos de aprendizagem, sejam:� de índole escolar e/ou acadêmica, isto é,

simbólica ou verbal, como aprender a ler, aescrever e a contar;

� de índole psicossocial e/ou psicomotora, istoé, não simbólico ou não verbal, comoaprender a orientar-se no espaço, a andar debicicleta, a desenhar, a pintar, a interagirsocialmente com os seus pares, etc.As DA podem criar obstáculos e impedimentos

inexplicáveis para aprender a falar, a ouvir, a ler,a escrever, a raciocinar, a resolver problemasmatemáticos, etc., e podem prolongar-se ao longoda vida.

Trata-se de um tema de reflexão interdisci-plinar complexa, exatamente porque o sujeito(aluno, estudante, formando, etc.) quando apren-de uma dada tarefa (ler, escrever, contar, pensar,etc.) apresenta uma combinação única e originalde talentos (áreas fortes) e de vulnerabilidades(áreas fracas), ou seja, um perfil de aprendi-zagem muitas vezes não detectável pelosinstrumentos de diagnóstico habitualmente maisutilizados. Os próprios testes formais deinteligência (que apuram o Quociente Intelectual� QI) não são suficientes para identificar DA,pois há criança e jovens superdotados, com QIssuperiores à média, que revelam dislexias,disgrafias e discalculias, ou sejam, dificuldadesespecíficas na aprendizagem.

Pesquisas internacionais têm convergido emalguns consensos sobre o fenômeno das DA,como, por exemplo:

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� a sua diversificação, embora cerca de 80% seenfoquem na dislexia e na disgrafia;

� a sua ocorrência em todos os níveis de QI eem todos os níveis socioeconômicos;

� o seu envolvimento genético e a suaconstatação em várias gerações na mesmafamília;

� a sua co-morbilidade, especialmente com aepidemia silenciosa dos déficits de atenção,com ou sem hiperatividade;

� os seus sinais de discrepância entre opotencial de aprendizagem normal e o seuaproveitamento escolar abaixo do normal;

� as suas estruturas cerebrais atípicas (assime-trias hemisféricas, ectopias, displasias, etc);

� os seus pré-requisitos lingüísticos(fonológicos, morfológicos, semântico-sintáxicos, léxicos, etc.);

� os seus pré-requisitos cognitivos (conhe-cimento básico e processamento de infor-mação: input - integração/planificação � output- �feedback�) com fraca automatização deco-dificativa e codificativa (hipótese de disfunçãocerebral e vestibular); etc., etc. Apesar da constatação de vários consensos,

as controvérsias subsistem e as discussões nãoterminam, porque muitas perguntas ainda gerammuita incerteza. Será que as DA ilustram um fluxocontínuo de dificuldades, desde a comunicaçãonão verbal à verbal? Desde os déficits da lingua-gem falada à linguagem escrita e quantitativa?Os problemas na aprendizagem são fenômenosdistintos? As crianças ou os jovens e jovensdisléxicos são diferentes das crianças ou os jovense jovens maus leitores? As DA graves são discu-tíveis na sua natureza? Que nível de análisequeremos dedicar às DA? Basta o nível psicológicocom os testes de inteligência? A abordagemmédica, seja genética ou neurocientífica, é por sisó conclusiva, resolve? A questão das DAultrapassa-se puramente com uma visão sociocul-tural, sociohistórica ou pedagógica? As DA sãointrínsecas ao indivíduo ou ao sistema educa-cional, ou resultam das suas interações comple-xas? O diagnóstico tem fornecido explicaçõessobre as causas? Por que é que o diagnóstico

tradicional não proporciona estratégias deintervenção reeducativas eficazes? As DA serãorecuperáveis com intervenções uniterapêuticas ouunireabilitativas milagrosas (psicofarmacológicas,visuais, posturais, fonológicas, metodológicas,etc.), ou deverão perspectivar-se numa inter-venção multidisciplinar e co-terapêutica mais?

Não estranha, portanto, que, em Portugal, asDA ainda não mereçam, ou desfrutem, dumadefinição consensual entre os vários profissionaisque atuam nesta área, desde médicos a psicó-logos, professores, formadores, terapeutas, inves-tigadores, sociólogos, etc. Há muitas opiniões,pouca informação e restrito e controverso conhe-cimento sobre o assunto.

Definimos as DA como um conjunto hete-rogêneo de desordens, perturbações, transtornos,incapacidades, ou outras expressões de signi-ficado similar ou próximo, manifestando dificul-dades significativas, e ou específicas, no processode aprendizagem verbal, isto é, na aquisição,integração e expressão de uma ou mais dasseguintes habilidades simbólicas: compreensãoauditiva, fala, leitura, escrita e cálculo1,2.

Diversos autores3-12, entre os quais noscolocamos13, incluem no conceito das DA não sóas DA verbais e simbólicas, mas, também, umespectro diversificado de DA não verbais ou nãosimbólicas, envolvendo combinações deproblemas de orientação, posição e visualizaçãoespacial, de atenção e concentração, de psico-motricidade, de interação, de imitação, de percep-ção e de competência social, etc., reforçando aexplicitação filogenética e neurofuncional dosdois hemisférios cerebrais em qualquer tipo deaprendizagem humana.

As DA envolvem, deste modo, subtiposrelacionados com os dois hemisférios:� o esquerdo - mais centrado nos subtipos

verbais, fonológicos ou psicolingüísticos(dificuldades de leitura e de escrita);

� o direito - mais centrado nos subtipos nãoverbais ou psicossociais.Não sendo mutuamente exclusivos, mas

intimamente conectados, os diferentes subtiposdecorrem de investigações, com cerca de 40 anos,

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que colocam dois aspectos da definição das DA:a geral e a subtípica.

A definição geral sugere subtipos formaisrelacionados com o aproveitamento escolar e,também, subtipos informais relacionados com ocomportamento social, cabendo em cada umdeles, respectivamente, outros subtipos maisespecíficos.

As DA não verbais (DANV) são efetivamentecaracterizadas por um padrão específico dedificuldades acadêmicas, ou seja, adequadaleitura e escrita, mas revelando problemas deaprendizagem matemática e, paralelamente, dedificuldades de aprendizagem social consubs-tanciada no uso mais eficiente das funções verbaisdo que das funções não verbais em situaçõessociais, configurando dificuldades de compor-tamento adaptativo e psicossocial.

Ao contrário, o padrão da DA verbais (DAV)sugere dificuldades acadêmicas mais na leiturae na escrita, do que na matemática, e dificuldadesnão verbais ilustrando mais eficiência no uso dainformação não verbal do que da informaçãoverbal em situações sociais.

As crianças ou os jovens com DANV abaixodos 4 anos, geralmente, acusam ligeiros déficitsno funcionamento psicossocial, porém, maistarde, por volta do primeiro ano de escolaridade,revelam sinais de externalização psicopatológica,que podem muito bem evocar hiperatividade edesatenção. O quadro pode evoluir na adoles-cência para sinais de internalização, com traçosde isolamento, ansiedade, depressão, compor-tamento atípico e déficits nas competênciassociais.

Emerge desta recente subdivisão das DA umaxioma crucial para a sua compreensão, ou seja,a relação intrínseca entre a aprendizagem e aintegridade do cérebro, ou entre as DA e asdisfunções cerebrais, consubstanciado no seuprocesso neuromaturacional e neurofuncionaldinâmico, quer na criança ou no jovem, a expres-são de múltiplas relações e interações intra einter-hemisféricas que a sustentam. Váriosestudos de neuroimagem e de eletroencefalo-grafia envolvendo respostas evocadas12 têm

demonstrado isto sistematicamente. Muitos défi-cits neuropsicológicos detectados num variadoconjunto de doenças neuropediátricas (síndromede Asperger, hidrocefalia precoce, síndrome deWilliams, etc.) apontam sinais do fenótipo dasDANV, sugerindo para tais casos o mesmo modelode programas de intervenção e enriquecimentopsicoeducacional.

Em síntese, as DA deverão abranger, nofuturo, um enquadramento teórico e desen-volvimental mais alargado do que o habitual,enquadramento que as têm limitado às questõessociais mais prementes como são as aprendi-zagens escolares. Independentemente de muitasinvestigações terem contribuído com muitos dadose com várias explicações teóricas para o esclare-cimento das DA, ainda subsistem muitos abismospara as compreendermos na sua complexidade ediversidade, daí a ineficácia, reconhecida aolongo de muitos anos, dos instrumentos dediagnóstico e de intervenção.

PARÂMETROS DE DEFINIÇÃOOs axiomas de definição mais discutidos

devem ter em consideração que as DA:1. Ocorrem num contexto educacional

adequado, com condições e oportunidades deensino suficientes, ditas eficientes, conseqüen-temente, não atípicas ou irregulares, isto é,sugerem que a criança ou o jovem está, ou foi,integrado num sistema de ensino adequado paraa maioria, quer no ajustamento do currículo, querna competência pedagógica e instrucional dosprofessores. Caso contrário, as dificuldades deaprendizagem podem refletir dificuldades deensino ou dispedagogia.

O processo de ensino-aprendizagem encerraum paradigma complexo de interação entre trêscomponentes: o professor, o currículo (conjuntode tarefas) e os alunos, que podem, em síntese,ser equacionados em dois modelos: o isóscele eo eqüilátero (Figura 1).

O modelo isósceles sugere que o professormantém com o currículo (ou com o método deaprendizagem), dito �oficial� ou tradicional,estreito respeito com a operacionalização das suas

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práticas pedagógicas, ignorando ou negligen-ciando o estilo de aprendizagem, as competênciasde processamento de informação e o nível dospré-requisitos (nível de prontidão) dos alunos. Atendência deste modelo é gerar, por falta decoibição entre os seus componentes, mais DA emais insucesso escolar.

Em contrapartida, o modelo eqüiláterosugere que o professor, além de dominar o currí-culo e o poder estruturar e gerir por vários níveisde aprendizagem: lenta, normal ou rápida, tam-bém leva em consideração as características dopotencial de aprendizagem, a diversidade e aheterogeneidade do perfil cognitivo (áreas fortese fracas) dos seus alunos. A tendência deste mode-lo é promover uma interação sistêmica e flexívelentre os três componentes, promovendo, assim,mutabilidade e sustentabilidade dos processos deensino-aprendizagem envolvidos, minimizando,conseqüentemente, as DA e o insucesso escolar.

Neste contexto, o elo mais fraco - que são osalunos (clientes do sistema) - e a razão de ser da

instituição escolar, não pode continuar a ser oúnico componente indicador na definição:

2. Ilustram um perfil de discrepância entreo potencial de aprendizagem intelectual normale o rendimento ou o desempenho escolarabaixo do normal. Estamos de acordo que ocritério do Quociente Intelectual (QI) sejautilizado, logo valorizamos o papel do examepsicológico. Para evitar confusões com o limiteintelectual superior medido por testespadronizados (WISC), a definição de deficiênciamental limítrofe (�borderline�) equivale a um QI68-80, segundo a Associação Americana deDeficiência Mental14-18.

Em contrapartida, a definição do nívelintelectual das DA proposto pelo National JointCommittee on Learning Disabilities - NJCLD19

só pode ser considerado em termos de QI = ou> a 80, isto é, quando se situa ligeiramenteabaixo dum desvio-padrão negativo da média(QI = 85) ou acima da média da inteligência(QI > 100 - 145).

Figura 1 � Modelos do processo de ensino-aprendizagem

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Em resumo, as DA, em nenhum critério dediagnóstico confiável, podem ser conotadas comdeficiência mental, constituem em termos denecessidades especiais por essa característica,um grupo completamente distinto.

As DA podem ocorrer mesmo em criança oujovens e jovens superdotados, pois há muitosexemplos de figuras eminentes da cultura, daeconomia, da arte e da ciência que foram identi-ficados com DA na sua infância e na adolescência(Agatha Cristhie, Nelson Rockefeller, Leonardoda Vinci, Rodin, Walt Disney, Tom Cruise,Einstein, Edison, Faraday, etc.).

A questão do potencial de discrepância sugerea colocação de um outro axioma das DA, opotencial de integridade neuropsicológica(PINP), estimado e diagnosticado normalmentepor neuropsicólogos, deverá aqui ser tambémrespeitado, não sendo identificável qualquerdeficiência ou patologia, nas crianças ou jovense jovens com DA, seja: sensorial (visão ouaudição), mental, neurológica ou motora.

Apesar do PINP ser invulnerável e intacto àluz dos diagnósticos mais comuns e familiares, amaioria das crianças ou jovens e jovens com DAapresentam uma combinação de habilidades edificuldades (disfunções, distúrbios, dificuldades,problemas, etc.), que afetam o processo deaprendizagem, onde necessariamente o funcio-namento do cérebro (dos dois hemisférios e dastrês unidades funcionais lurianas) está implicado,como o órgão da aprendizagem por excelênciaque é, cuja transformação neurofuncional maisacelerada ocorre, exatamente, durante os anosiniciais da escolaridade.

O perfil de aprendizagem (áreas fracas) podeser identificado em áreas como:� a atenção voluntária e a concentração;� a velocidade de processamento simultâneo ou

seqüencial da informação visual, auditiva outátil-cinestésica;

� a discriminação, a análise e a síntese percep-tiva nas várias modalidades;

� a memória de curto termo;� a cognição (input-integração/planificação-

output);

� a expressão verbal (elaboração, articu-lação, etc.);

� a psicomotricidade (tonicidade, equilíbrio,lateralidade, somatognosia, praxia global efina), etc.

As áreas mais vulneráveis estão particular-mente relacionadas com o domínio e o uso dalinguagem escrita (decodificação e codificação),podendo integrar problemas de conotaçãoalfabética, numérica ou outra.

As DA podem resultar, portanto, da combi-nação de déficits de processamento, quer fono-lógico, quer visual ou auditivo, com reflexos narechamada lenta ou na recuperação pouco auto-matizada de dados da informação, daí a razão dealguns déficits cognitivos que têm sido associadosa determinadas causas de ordem neurológica.

O conjunto destes déficits, que podem tervárias causas, principalmente ocorridas nodesenvolvimento neurológico precoce20, podeproduzir dificuldades na aquisição da leitura, daescrita, do ditado, da resolução de problemas,etc., que só podem ser ultrapassados com métodosde aprendizagem alternativos. É fundamentalcompreender que cada criança ou o jovem oujovem DA é um ser aprendente diferente e, poresse fato, deve ser avaliado e habilitado comoum indivíduo total, único e evolutivo.

Muitas crianças, jovens e jovens com dificul-dades na leitura podem revelar competências etalentos interessantes em outras áreas e apre-sentar aproveitamento escolar adequado, muitosdeles chegam mesmo a concluir cursos superiores.

Uma das razões das dificuldades na leitura ena escrita pode ser encontrada no PINP anterior-mente mencionado, ou seja, na integridade e naespecialização dos dois hemisférios.

Ler, por exemplo, exige: a decodificação ecompreensão de fonemas; um rápido proces-samento seqüencial de optemas; um mapeamentocognitivo compreensivo, etc., isto é, processosneurológicos componentes do ato da leitura, queocorrem e são dirigidos pelo hemisfério esquerdo.A sua lesão provoca a alexia, ou seja, umaincapacidade de leitura.

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Como inúmeras investigações têm provado21-25,as crianças ou os jovens DA, sobretudo disléxicas,possuem um hemisfério direito mais potente queo esquerdo, por isso tendem a apresentar talentosnas competências viso-espaciais, viso-constru-tivas e viso-gráficas, nas competências de reso-lução de problemas, nas competências holísticasde pensamento, nas competências musicais, etc.As funções analíticas, como as fonológicas eseqüenciais da leitura, ao contrário das globais,são mais difíceis de dominar.

Muitos dos disléxicos chegam a seremconsiderados pensadores espaciais, cujos talentosno âmbito da criatividade, da computação e daarte já fazem parte da história das DA.

3. A definição de DA deve conter fatores deexclusão, não devendo relacionar-se com qual-quer tipo de deficiência como vimos atrás, impli-cando, conseqüentemente, a integridade biopsi-cossocial do indivíduo (sensorial, socioemocional,mental, motora, cultural, etc.).

A criança ou o jovem e o jovem com DA nãoaprendem normalmente ou harmoniosamente,mas não são portadores de deficiência visual,auditiva, mental, motora ou socioemocional, nemas DA podem resultar, ou emergir, num contextosocial de privação afetiva, de miséria, de pobreza,de abandono ou desvantagem socioeconómica ousocioafetiva.

4. A definição de DA, por último, deve conterfatores de inclusão, que efetivamente as carac-terizem psicoeducacionalmente como necessi-dades ou características invulgares, e que seenfocam essencialmente nos problemas deprocessamento de informação, que são a essênciado processo da aprendizagem, que envolve ainteração entre o ser aprendente (por exemplo: oaluno, o estudante, o formando, o sujeito, etc.) e atarefa (por exemplo: ler, escrever, contar, etc.).

PROBLEMAS DE PROCESSAMENTO DEINFORMAÇÃO: O PAPEL DO CÉREBRONA APRENDIZAGEMTemos assinalado que as DA estão relacio-

nadas com problemas de processamento deinformação.

O que significa exatamente o processamentode informação?

Quando alguém aprende qualquer coisa,como ler ou escrever, está sempre em jogo umprocesso de informação entre o sujeito apren-dente (o aluno) e a tarefa, neste exemplo, a leituraou a escrita.

Independentemente de qualquer processo deaprendizagem ser diferente para cada criança oujovem, dado o seu perfil de característica serúnico e individual como discutido anteriormente,a aprendizagem envolve sempre uma interaçãoentre o sujeito e a tarefa.

Para perceber, então, o que é a aprendizagem,isto é, uma mudança de comportamentoprovocada pela experiência, entre um momentoinicial, em que a tarefa não é dominada, e ummomento final, onde a tarefa passa a ser domi-nada e automatizada, teremos de encarar ambosos componentes:� por um lado, o sujeito aprendente, o sujeito,

o aluno;� e, por outro, a tarefa (ler ou escrever),

incluindo os materiais e os recursos a seremutilizados no processo de aprendizagem(Figura 2).No ser aprendente, a aprendizagem envolve

inevitavelmente o cérebro, o órgão da apren-dizagem (e da civilização), que tem de processarinformação para que ela se verifique. Quando seaprende, o cérebro necessita processar o materiala ser aprendido, independentemente de cadasujeito o realizar de forma diferente, de acordocom a preferência do seu estilo de aprendizagem.

A leitura, por exemplo, implica processar letrasque têm categorizações fonológicas específicaspara serem decodificadas e compreendidas. Apóso processo de captação visual, o cérebro tem, emseguida, que categorizar formas de letras comsons, por meio de processos auditivos complexos,a fim de inferir significações cognitivas contidasem palavras que compõem um texto.

A informação uma vez integrada, depois dedevidamente decodificada, terá de ser retida earmazenada, a fim de gerar a compreensão, o nexoe a seqüência de eventos da informação escrita.

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Para ler, a criança ou o jovem terão de envol-ver o seu cérebro em funções psíquicas supe-riores, como: a atenção e a concentração; a discri-minação, a análise e síntese de letras e sons; acompreensão do sentido do texto; a rememo-rização das suas conexões e relações narrativas;a recordação dos atores, das personagens e doslocais referidos; a rechamada dos pormenores edetalhes do texto; o desenvolvimento deconclusões; etc.

A criança ou o jovem que têm problemas deatenção, de percepção analítica, de memorizaçãoe rechamada de dados de informação, entreoutros, terão dificuldades de compreensão designificações na leitura.

Eles não têm acesso à informação porque oseu processamento é frágil e fragmentado, porqueo seu cérebro não opera de forma harmoniosa,eficaz e integrada, pois a interação entre ela e atarefa não se verifica, conseqüentemente, poderãoemergir dislexias, disgrafias ou discalculias, ousejam, as célebres DA.

O cérebro não acusa lesões, está intacto, masas DA emanam por vulnerabilidade sistêmica dosseus processos de informação.

A lesão cerebral grave, por exemplo, podeimplicar diversas incapacidades de aprendi-zagem (afasias, agnosias, apraxias, alexias,agrafias, acalculias, etc.), em contrapartida, aslesões cerebrais mínimas, que estiveram na fasede fundação do estudo das DA, podem implicar,não em incapacidades, mas dificuldades deaprendizagem (disfasias, disgnosias, dis-praxias, dislexias, disgrafias, discalculias, etc.),embora nem sempre sejam detectadas com osprocessos de diagnóstico neurológico maisavançados, como por exemplo: a eletro-encefalografia, a ressonância magnética, aemissão de pósitrons, etc., técnicas estas queajudaram imenso a compreender a naturezaneurofuncional das DA25.

A aprendizagem compreende, assim, umprocesso funcional dinâmico que integra quatrocomponentes cognitivos essenciais:

Figura 2 � Processamento da informação

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� input (auditivo, visual, tatil-cinestésico, etc.);� cognição (atenção, memória, integração,

processamento simultâneo e seqüencial,compreensão, planificação, auto-regulação, etc.);

� output (falar, discutir, desenhar, observar, ler,escrever, contar, resolver problemas, etc.);

� retroalimentação (repetir, organizar, controlar,regular, realizar, etc.).Aprender, portanto, envolve três unidades fun-

cionais do cérebro em perfeita interação1,2,13,26-33, seessa dinâmica neurofuncional não for harmoniosa,o indivíduo pode experimentar DA (Figura 3).

Deste modo, as crianças ou jovens disléxicos,por exemplo, podem experimentar dificuldadesao nível do input, quer com problemas de atençãosustentada, quer de discriminação de fonemas,ou ao nível da cognição quando envolve proces-sos de compreensão ou de retenção e rechamadade dados de informação contidos no texto, o querequer estratégias de recuperação e criação deesquemas, planos internos ou enquadramentosideacionais, e concomitantemente experimentar

igualmente, dificuldades ao nível do output,quando lhes é solicitada a produção de um resumoescrito ou falado do mesmo.

A não ocorrência desta arquitetura cognitivasistêmica, que obviamente preside à aprendi-zagem, pode gerar nas crianças ou jovens ejovens DA com muita confusão e frustração, razãopela qual elas estão na origem de muitos proble-mas motivacionais e emocionais, muitas vezesacrescidos por falta de sensibilidade do envol-vimento educacional e clínico.

A apresentação da informação às crianças oujovens e aos jovens com DA assume, assim, umpapel muito relevante, podendo não só minimizara confusão no seu processo de informação, comopromover as suas funções cognitivas e implicaruma aprendizagem com sucesso.

Neste contexto, muitas investigações neuro-lógicas e neuropsicológicas em crianças oujovens e jovens disléxicos têm demonstradoanomalias intrínsecas no seu cérebro, como:assimetrias cerebrais, ectopias, displasias,

Figura 3 � Processamento da informação

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desorganização da arquitetura e da migraçãoneuronal, etc.22,25, donde obviamente resultamdisfunções ou dificuldades nas funçõespsíquicas superiores.

Geschwind34-36 estudou as assimetrias docérebro, tendo descoberto que a aprendizagemda linguagem requer a especialização do hemis-férico esquerdo como já discutido anteriormente.O mesmo autor, considerado um pioneiro noestudo das DA, identificou em disléxicos, pormeio de técnicas inovadoras como a citoarqui-tetura, a ausência, e também, a inversão de talassimetria, assim como a presença de dois planostemporais pequenos, ao contrário dos indivíduosque aprendem normalmente, que apresentamum plano temporale nitidamente maior nohemisfério esquerdo em comparação com o dohemisfério direito.

Sem uma especialização hemisférica, ondeentra a importância do fator psicomotor dalateralização31, a função da linguagem é obvia-mente pobre e vulnerável, pondo em destaque opapel da migração celular, cuja má formação localdesestrutura as interações corticais e córtico-talâmicas que são necessárias às aprendizagenssimbólicas da leitura e da escrita.

Como a aprendizagem exige a integridade devários substratos neurológicos, tais má formaçõestendem a criar déficits cognitivos que claramenteinterferem com o processamento de informaçãoanteriormente evocado.

Além de déficits perceptivos (ditos de input),as redes neuronais alteradas afetam o proces-samento rápido de fonemas, optemas, articulemase grafemas, gerando, em conseqüência, déficitscognitivos centrais, e é por isso que os indivíduosdisléxicos revelam inúmeros déficits de desem-penho (ditos de output), quer na precisão querna velocidade, nas competências lingüísticasexpressivas.

Várias investigações nesta linha de pesquisatêm demonstrado correlações entre a migraçãoneurológica atípica, as desordens imunológicas,o esquerdismo e a dislexia, e muitas delas discri-minam efeitos hormonais que têm diferenciaçõessexuais claras.

Os esteróides, por exemplo, parecem ter umpapel relevante na modulação da lateralizaçãocerebral, tendo sido descoberto que a testosterona(hormônio masculino) pode provocar alteraçõesna plasticidade talâmica, que surgem a partir deuma lesão cortical precoce que leva às taismigrações celulares atípicas.

Outro axioma da prevalência das DA, queas situam predominantemente no sexo mascu-lino em inúmeros estudos, parece assim serdesvendado.

Além destes estudos do âmbito neurológico,os estudos genéticos fornecem outros dadosinteressantes sobre as DA, tendo já sido identi-ficados genes anormais como precursores dadislexia.

Um número distinto de cromossomos huma-nos (1-3, 6, 11, 15, 18 e cromossomo X, além deoutros37,38) tem sido apontado como susceptíveisde provocar dislexia. Como o desenvolvimentoneurológico tem relação com os genes, é fácilperceber que um gene atípico pode interferir comas migrações celulares e, em última análise,evocar fenótipos disléxicos.

Com base nestas formulações baseadas emgenes mutantes, podemos encontrar algumasexplicações do porquê as disfunções visuais,auditivas e fonológicas e cerebrais são indicadasem muitas investigações em criança ou o jovense jovens disléxicos.

A resolução futura da dislexia poderá estarna investigação neurológica e genética, depoisdestes dados parece que as terapias específicasdaqui resultantes, especialmente em fases preco-ces do desenvolvimento neurológico, podem efeti-vamente fazer a diferença25.

Tais pesquisas, porém, não reduzem as DA auma explicação neurológica pura, tendo ematenção os fatores neuroevolutivos transientesentre o organismo e os ecossistemas.

Aprender é, inequivocamente, a tarefa maisrelevante da escola, muitas criança ou jovensaprendem sem dificuldades, porém outras, apesardo seu potencial de aprendizagem normal,não aprendem por meio de uma instruçãoconvencional.

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A diversidade das DA é imensa, prova-velmente, no teatro da educação inclusiva, a suapopulação é a que acusa maior amplitude derecursos e serviços.

Ter consciência dos problemas das crianças oujovens e dos jovens com DA passa por respeitaralguns dados de investigação que acabamos derever, na medida em que tais dados têm impli-cações para a sua identificação precoce e diag-nóstico psicoeducacional.

IDENTIFICAÇÃO PRECOCE E AVALIA-ÇÃO PSICOPEDAGÓGICA DINÂMICA

Cada criança ou jovem DA deve ser identi-ficado como um indivíduo total, dada as carac-terísticas únicas do seu perfil de desenvolvimentoe de aprendizagem (diferenças intra-indivi-duais), daí a importância das formulações emer-gidas das investigações a que fizemos referência,formulações essas que têm muitas implicaçõespara a avaliação das DA e, especialmente, para asua identificação precoce.

A necessidade de treinar profissionais para aidentificação precoce é por isso crucial, assimcomo a coleta de dados de muita gente, incluindoos próprios pais.

A educação consubstancia, como sabemos, umprocesso de transmissão cultural entre gerações:os pais e os professores (seres experientes), e ascrianças ou jovens e os alunos (seres inexpe-rientes), ou seja, uma interação humana que éexclusiva da espécie e que consubstancia asociogênese33.

Todo o processo de interação da criança ou dojovem, desde que nasce até que entra para asinstituições escolares, é a chave determinantepara identificar sinais de risco que interferem coma maturidade e qualidade dos pré-requisitos quepodem tender, mais tarde, para as DA ao longodo percurso escolar.

As crianças ou os jovens privadas ou muitodesfavorecidas socioculturalmente (não esque-çamos o paradigma das �criança ou jovenslobo�), por exemplo, apresentam muitas DA poroutras razões que não biológicas ou neurológicas,mas essencialmente por razões do tipo psicos-

social que acabam por interferir, dialeticamente,com aquelas.

A fragilidade do seu desenvolvimentoneurológico, expressa em atrasos de váriasordens: psicomotores, lingüísticos, cognitivos,socioemocionais, etc., é um impedimento sériopara o desenvolvimento de competências deaprendizagem.

A identificação precoce das DA no ensino pré-primário, ou mesmo antes, constitui, portanto,uma das estratégias profiláticas e preventivasmais importantes para a redução e minimizaçãodos seus efeitos, pois, neste período crítico dedesenvolvimento, a plasticidade neuronal é maior,o que quer dizer que os efeitos de uma inter-venção compensatória e em tempo útil podem terconseqüências muito positivas nas aprendizagensposteriores.

Para se desenvolverem estratégias preventivastemos que considerar para além dos educadorese dos professores, os próprios pais, pois comoconhecem muito bem os seus filhos, podem notarneles padrões de desenvolvimento diferentes,mesmo no seio da mesma família.

Os pais podem notar que um dos seus filhostem mais dificuldades em dominar o alfabeto queoutro, ou que tem mais relutância para aprendera ler ou é mais distraído e descoordenado.

As preocupações dos pais respeitantes a estasquestões devem ser seriamente consideradas,pois, na sua observação diária e na sua reflexãonão profissional, podem evocar sinais muitoimportantes para organizar uma avaliaçãodinâmica do potencial de aprendizagem dosseus filhos.

Alguns sinais podem comprometer o processodo desenvolvimento normal nas suas fasesprecoces, e por via deles implicar diferentesproblemas nos estadios da aprendizagem a eleinerentes.

QUAIS OS SINAIS MAIS IMPORTANTESQUE DEVEM CAUSAR PREOCUPAÇÃO DU-RANTE OS ANOS DA PRÉ-ESCOLA?

De acordo com alguma literatura especia-lizada2,19,39, os principais sinais apontados são:

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� esquecimento;� dificuldades de expressão lingüística;� inversão de letras (escrita do nome em

espelho);� dificuldades em relembrar as letras do alfabeto;� dificuldades em recuperar a seqüência das

letras do alfabeto;� se há alguma história de DA na família;� dificuldades psicomotoras (tonicidade, postu-

ra, lateralidade, somatognosia, estruturaçãoe organização do espaço e do tempo, ritmo,praxia global e fina, lentidão nas auto-suficiências);

� dificuldades nas aquisições básicas de aten-ção, concentração, interação, afiliação eimitação;

� confusão com pares de palavras que soam iguais(por exmplo: nó-só; tua-lua, vaca-faca; etc.);

� dificuldade em nomear rapidamente objetose imagens;

� dificuldades em reconhecer e identificar sonsiniciais e finais de palavras simples;

� dificuldades em juntar sons (fonemas) paraformar palavras simples;

� dificuldades em completar palavras e frasessimples;

� dificuldades em memorizar e reproduzirnúmeros, sílabas, palavras, pseudopalavras,frases, pequenas histórias, lengalengas, etc.

QUAIS OS SINAIS MAIS IMPORTANTESQUE DEVEM CAUSAR PREOCUPAÇÃODURANTE OS PRIMEIROS ANOS DAESCOLARIDADE?

Seguindo as mesmas fontes, destacamos osseguintes sinais:� relutância em ir à escola e em aprender a ler;� sinais de desinteresse e de desmotivação

pelas tarefas escolares;� dificuldade em aprender palavras novas;� dificuldades em identificar e nomear rapida-

mente letras e sílabas;� dificuldades grafomotoras (na cópia, na escri-

ta, no colorir e no recortar de letras);� dificuldades com sons de letras (problemas de

compreensão fonológica);

� memória fraca;� dificuldades psicomotoras;� perda freqüente e desorganização sistemática

dos materiais escolares, etc.

QUAIS OS SINAIS MAIS IMPORTANTESQUE DEVEM CAUSAR PREOCUPAÇÃODEPOIS DE DOIS ANOS DE ESCOLARIDADE(2º ANO DO 1º CICLO)?

Seguindo as mesmas fontes, destacamos osseguintes sinais:� leitura hesitante, lenta e amelódica;� dificuldades em resumir o texto lido

(reconto);� dificuldades em identificar os locais, os

cenários, os atores, os eventos, a narrativa, oprincípio e o fim da história;

� freqüentes repetições, confusões, blo-queios e compassos no processamento deinformação;

� freqüentes adições, omissões, substituições,inversões de letras em palavras;

� paralexias (ler navio por barco);� fracas estratégias de abordagem, discrimi-

nação, análise e síntese de palavras;� fraca compreensão fonológica e fragmentação

silábica de palavras;� dificuldades em reconhecer a localização de

fonemas nas palavras;� dificuldades em recuperar detalhes e porme-

nores do texto;� dificuldades em desenvolver conclusões;� dificuldades no ditado de palavras e pseudo-

palavras do nível de escolaridade.

QUAIS OS SINAIS MAIS IMPORTANTESQUE DEVEM CAUSAR PREOCUPAÇÃO NOFIM DO 1ºCICLO DE ESCOLARIDADE?

Seguindo as mesmas fontes, destacamos osseguintes sinais:� continua a evidenciar todas as dificuldades

acima referidas;� problemas de comportamento e de motivação

pelas atividades escolares;� frustração e fraca auto-estima;� problemas de estudo e de organização;

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� fracas funções cognitivas de atenção, proces-samento e planificação;

� fraco aproveitamento escolar;� pode evidenciar habilidades fora dos conteú-

dos escolares.

QUAIS OS SINAIS MAIS IMPORTANTESQUE DEVEM CAUSAR PREOCUPAÇÃO DU-RANTE OS ANOS DO 2º E 3º CICLOS DE ES-COLARIDADE?

Seguindo as mesmas fontes, destacamos osseguintes sinais:� continua a evidenciar todas as dificuldades

acima referidas;� dificuldades em concluir os trabalhos de

casa;� hábitos de leitura, de escrita e de estudo muito

vagos;� fraco conhecimento global;� iliteracidade e inumeracidade;� mais tempo para terminar testes ou avaliações

escritas;� provação cultural, etc.

Todos estes sinais são facilmente identificáveispor pais e professores, razão pela qual devem traba-lhar em conjunto, pois só a sua sinergia estraté-gica envolvente e a sua permanente interação ecomunicação pode encontrar vias alternativas desuporte e de apoio pedagógico e minimizar osefeitos das DA na criança ou no jovem.

O processo de identificação precoce deve serseguido de um processo de avaliação mais inten-sivo, mais dinâmico e não meramente formal.

A suspeição de uma dislexia, de uma disgrafiaou de uma dismatemática, deve ser operada porespecialistas em DA com formação pós-graduadaa nível de mestrado, ou professores com sólidaformação psicológica, ou psicólogos com diver-sificada formação pedagógica, isto é, psicope-dagogos ou �paidólogos� na expressão vygots-kiana. A formação especializada em dislexia,disgrafia e discalculia (dismatemática) nos seuscomponentes teóricos, diagnósticos e habili-tativos, deveria ser consagrada a nível superior.

Depois da identificação precoce, anecessidade de uma avaliação mais sofisticada

deve focar-se em processos de observação quepermitam detectar a natureza dos padrões dedificuldades apresentados pelas crianças oujovens e jovens DA, pelo menos no proces-samento de informação da leitura, da escrita eda matemática.

A avaliação no âmbito das DA terá de ser deíndole multi e transdisciplinar, envolvendo emtermos ideais no mínimo, as componentes médica,psicológica e pedagógica, exercida por profis-sionais especializados.

Não bastaria o recurso a avaliações padro-nizadas, estritas ou formais, embora sejaurgente, apostar na sua investigação rigorosa.No âmbito da escola, perspectivaríamos ummodelo de avaliação psicopedagógicadinâmica33 , aberto a psicólogos e a professorestreinados para o efeito.

Esta avaliação centra-se num processo deinteração mediatizada que visa estimar, encorajare promover a capacidade de aprendizagem dosalunos e não avaliar o seu potencial intelectualretrospectivo, habitualmente inadequado para asDA, por dar informações limitadas para o processode decisão sobre a intervenção que se lhe deveseguir.

A avaliação psicopedagógica dinâmica, deacordo com o ensino clínico, implica um progra-ma educacional individualizado (PEI), dadoque aponta para a modificação cognitiva dosalunos e para um processo de avaliação-inter-venção mais complexo, que agrega aspectos deanálise comportamental e funcional, de compe-tência lingüística e de seleção de serviços eequipamentos.

Com base naquela avaliação psicopedagógicadinâmica e com a avaliação do professor da salade aula, devem então adotarem-se as compe-tências do ensino clínico (avaliação, planificação,implementação, reavaliação)19 e desenvolver umconjunto de estratégias de apoio familiar e deapoio ecológico.

No âmbito do ensino clínico, há que prevermodificações: no contexto da organização escolar;no arranjo espaço-temporal da sala de aula; nainstrução e na adaptação do currículo; na promo-

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A urgência de serviços de identificaçãoprecoce, de avaliação dinâmica e de intervençãoindividualizada e clínica, não pode continuar aser adiada, a perda do capital intelectual decriança ou jovens e de jovens DA não é admis-sível numa sociedade moderna.

Os alunos com DA deveriam ser receptores

dos serviços e apoios acima apontados, acrescen-tando valor e capacidade de resposta ao sistemade ensino na sua totalidade.

A satisfação dos �clientes� do sistema deensino teria, assim, solução às suas necessidadesúnicas, porque adotaria princípios de inclusão,de equidade, de alteridade, de respeito peladiferença, de tutoria e de individualização.

O maior desafio das DA está do lado daqualidade do ensino e da excelência dossuportes e serviços proporcionados pelo sistemade ensino.

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Trabalho realizado na Universidade Técnica de Lisboa,FMH � Departamento de Educação Especial eReabilitação, Lisboa, Portugal.

Artigo recebido: 02/04/2007Aprovado: 12/06/2007

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