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IBMEC – FACULDADES IBMEC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM
ADMINISTRAÇÃO E ECONOMIA
LUCIA MARIA BITTENCOURT OGURI
A INFLUÊNCIA DO CONSUMIDOR NA
PRODUÇÃO DE TELENOVELAS
Rio de Janeiro 2004
IBMEC – FACULDADES IBMEC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM
ADMINISTRAÇÃO E ECONOMIA
A INFLUÊNCIA DO CONSUMIDOR NA PRODUÇÃO DE TELENOVELAS
Por
LUCIA MARIA BITTENCOURT OGURI
Orientadora: Professora Dra. Marie Agnes Chauvel Dissertação de Mestrado Profissionalizante apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração e Economia das Faculdades Ibmec, como requisito parcial necessário para obtenção do título de Mestre em Administração.
Rio de Janeiro 2004
ii
LUCIA MARIA BITTENCOURT OGURI
A INFLUÊNCIA DO CONSUMIDOR NA
PRODUÇÃO DE TELENOVELAS
Dissertação de Mestrado Profissionalizante apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Administração e Economia das Faculdades Ibmec, como
requisito parcial necessário para obtenção do título de Mestre em Administração.
Área de concentração: Marketing.
APROVADO EM _____/____/2004
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________ PROFESSORA DRA. MARIE AGNES CHAUVEL
Orientadora - Faculdades Ibmec
_______________________________________________
PROFESSORA DRA. SIMONE BACELLAR Faculdades Ibmec
_______________________________________________
PROFESSORA DRA. ANGELA DA ROCHA Coppead
Rio de Janeiro 2004
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iv
Oguri, Lucia Maria Bittencourt.
A influência do consumidor na Produção de telenovelas/Lucia Maria Bittencourt Oguri. – Rio de Janeiro: Faculdades Ibmec, 2004.
Dissertação de Mestrado Profissionalizante apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração das Faculdades Ibmec, como requisito parcial necessário para a obtenção do título de Mestre em Administração.
Área de concentração: Marketing.
1. Consumidor. 2. Telenovela. 3. Pesquisa de audiência. I. Título
Dedico aos meus filhos Maria Anita e Pedro.
v
Agradecimentos:
À orientadora, Professora Dra. Marie Agnes Chauvel, pela sua colaboração e amizade. Ao meu irmão Fernando por todo o incentivo que deu a este estudo, pelo apoio a minha formação profissional, pelo seu exemplo de disciplina, dedicação ao trabalho e pelo seu carinho. À TV Globo, ao seu Projeto Globo e Universidade, à Central Globo de Criação, à Central Globo de Produções, à Divisão de Pesquisa, ao CAT, à Central Globo de Engenharia, aos autores que colaboraram e a todos os profissionais da empresa que se empenharam em contribuir para este estudo. Ao meu pai pelo incentivo que vem dando, ao longo da vida aos meus estudos, pela sua bondade, dedicação e por todo o seu afeto. Ao meu sogro Nobuo Oguri pelo constante apoio aos meus estudos, pelo seu exemplo de disciplina, pela sua atenção e amizade. A todos professores que contribuíram para o meu aperfeiçoamento como profissional. Aos meus amigos de mestrado, especialmente Sandra Dantas e Vinícius Provenzano, pela convivência e troca de experiências.
vi
Resumo
Oguri, Lucia Maria Bittencourt. A Influência do Consumidor na Produção de Telenovelas. Rio de Janeiro, 2004. 140p. Dissertação de Mestrado Profissionalizante - Administração - Faculdades IBMEC
A presente investigação tem por objetivo apresentar um estudo de caso
onde informações coletadas sobre o consumidor são gerenciadas de forma rara.
As pesquisas de mercado, recurso fundamental dessa dinâmica, são de especial
uso nas empresas de televisão. A TV Globo foi escolhida por ser pioneira nessa
utilização e o produto telenovela por integrar de forma expressiva esse
processo. Foram realizados estudos sobre conceitos, estruturas, fases de
produção do produto, entrevistas aos autores e outros profissionais da empresa.
Os resultados descrevem, em relação à telenovela, o processo de coleta,
registro e análise dos dados sobre o telespectador e, fundamentalmente, discute
a implementação promovida pelos autores dos resultados obtidos com o
tratamento desses dados na empresa.
Palavras-chave
Marketing; pesquisa de mercado; pesquisa de audiência; consumidor;
televisão; telenovela.
vii
Abstract
Oguri, Lucia Maria Bittencourt. A Influência do Consumidor na Produção de Telenovelas. Rio de Janeiro, 2004. 140p. Dissertação de Mestrado Profissionalizante - Administração - Faculdades IBMEC
The objective of the present investigation is the exposure of a case study
where consumer gathered information is exceptionally managed. The essential
resources of this dynamic are market researches, for they are of special use in
television networks. “TV Globo” was selected for its innovative use of this method
and soap operas because they expressively integrate this process. Studies on
concepts, structures, product production phase, interviews with writers and other
employees were elaborated. The results describe the gathering process,
registration and dada analysis on the views concerning soap operas and
especially discuss the implementation of the obtained results by the authors.
Keywords
Marketing; market research; marketing research; audience ratings;
audience research; consumer; television network; soap opera.
viii
SUMÁRIO
Lista de figuras......................................................................................... xi
Lista de tabelas........................................................................................ xi
Lista de abreviaturas e siglas
Resumo.................................................................................................... vii
Abstract................................................................................................... vii
1. Introdução.............................................................................................. 1
2. Problema
2.1.Contextualização do problema.............................................................. 2
2.2. Pergunta de Pesquisa.......................................................................... 3
2.3. Objetivos...............................................................................................3
2.4. Relevância do Estudo...........................................................................4
2.5. Delimitação do Estudo..........................................................................5
3. Referencial Teórico
3.1. A empresa orientada para o cliente......................................................6
3.2. O papel da pesquisa de marketing..................................................... 13
3.2.1.Pesquisa de marketing em TV......................................................... 18
3.3. O produto telenovela.......................................................................... 24
3.3.1. Evolução do negócio telenovela...................................................... 25
3.3.2. A construção da telenovela............................................................. 28
4. Metodologia
4.1. Tipo de pesquisa................................................................................ 35
4.2. Método de pesquisa........................................................................... 36
4.3. Coleta de dados.................................................................................36
5. Estudo de Caso
5.1. Introdução...........................................................................................40
5.2. As telenovelas da Globo.....................................................................40
5.2.1. As pesquisas e a industrialização da telenovela............................. 45
5.3. Consolidação das pesquisas na Globo.............................................. 47
5.4. Painel Nacional de Televisão - PNT.............................................49
5.5. Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística - IBOPE ............ 51
ix
5.6. A posição estratégica da telenovela na empresa..............................56
5.7. Departamento de Pesquisa da Globo................................................59
5.8. Central de Atendimento ao Telespectador – CAT........................... 62
5.9. Assessoria de Imprensa.................................................................. 67
5.10. Projetos Sociais.............................................................................. 68
5.11. Os roteiros da Globo....................................................................... 69
5.12. A Central Globo de Produção ..........................................................71
5.13. Levantamento das alterações em telenovelas.................................79
5.14. Opinião dos autores e diretores ......................................................85
6. Análise
6.1. As Pesquisas e o Referencial Teórico..............................................103
6.2. Autores e alterações em telenovelas ..............................................106
6.3. Análise do levantamento das Alterações.........................................116
7. Conclusão......................................................................................... 120
8. Sugestão............................................................................................ 129
9. Bibliografia......................................................................................... 130
10. Anexos..............................................................................................139
x
LISTA DE FIGURAS
1. Cena de um capítulo ..................................................................... 32
2. Índices de audiência.......................................................................53
3. Função do Departamento de Pesquisa..........................................59
4. Áreas da Produção (CGP) ............................................................73
TABELAS
1. Baixa audiência ou insatisfação do público.................................. 117
2. Mudança em busca de audiência................................................. 118
xi
1
1. Introdução
A participação do telespectador no rumo das histórias para telenovelas é
assunto que se tornou popular. Não apenas o público e jornalistas discutem a
questão, ela também é formulada por autores, estudiosos e críticos em
telenovelas que falam da participação do consumidor neste tipo de negócio.
Segue uma seleção de alguns trechos onde a questão pode ser
observada: "A telenovela é obra aberta..." (Dias Gomes); "o público é co-autor..."
(Aguinaldo Silva); "público aprova gay, mas reprova beijo..." (Folha de São
Paulo); "conclusão de pesquisas realizadas com grupos de telespectadores na
semana passada pelo jornal..." (O Globo); "o destino de Rafaela começa a ser
decidido daqui a duas semanas, quando a emissora promoverá pesquisas..."
(Folha de São Paulo); "A diretora da Retrato Consultoria, que promove
discussões de grupo, afirma que as mulheres em especial, estão maravilhadas
com os temas..." (Revista Época); "A novela se sujeita ao julgamento do público
e da crítica, modifica-se, se for necessário..." (Pallottini).
A Rede Globo também descreve em seu site:
redeglobo3.globo.com/institucional, "(...) a empresa procura conhecer mais
intimamente o perfil do telespectador, saber de suas expectativas e em razão
disso motivá-lo. O gosto do público é tão levado em conta que, de certa maneira
o telespectador é co-autor da novela."
Os autores e profissionais de marketing observam sobre a importância de
obter informações sobre consumidor para o planejamento dos negócios da
empresa. Apontam as pesquisas de mercado como um recurso de vasta
aplicação para obtenção deste conhecimento.
A influência do consumidor nas telenovelas, assunto de difusão, sinaliza
para uma prática de marketing. O estudo se propõe a esmiuçar esta prática, ou
seja, a participação do consumidor no rumo ou aperfeiçoamento do negócio; visa
tratar dessa dinâmica de gerenciamento das informações sobre o consumidor
numa empresa de televisão com seu produto de destaque: a telenovela;
investiga, sob a visão do marketing e da administração, como acontece o
processo de influência do telespectador, freqüentemente comentado pelos meios
de comunicação, autores de novela e pela própria empresa.
2
2. Problema
2.1. Contextualização do problema
As empresas hoje têm reconhecido a importância de entender às
necessidades e desejos do cliente como uma forma de obter vantagem
competitiva. O conceito de marketing ou orientação para o cliente sustenta que
a satisfação do cliente deve ser uma missão das empresas.
A pesquisa de marketing surge como um veículo central para compreender
as expectativas e percepções que os clientes possuem sobre os serviços. As
pesquisas quantitativas e qualitativas, feitas com periodicidade, são úteis no
processo de acompanhamento das informações, identificação de tendências e
qualificação da satisfação do cliente. O chamado feedback do mercado, ou a
resposta do consumidor, auxilia as organizações na obtenção de parâmetros
para o planejamento e a verificação da sua estratégia de marketing.
Uma organização orientada para o consumidor, por outro lado, além de
descobrir o que os consumidores desejam, concentra-se também em atingir
seus próprios objetivos. A estratégia de marketing começa com uma análise
detalhada das condições da organização.
As empresas de televisão possuem a característica rara de tratar de um
negócio com necessidade contínua de pesquisa. As pesquisas de audiência são
feitas para que o veículo de comunicação disponibilize indicadores para
agências e anunciantes e possa planejar a venda do seu espaço publicitário; isto
é, a pesquisa é parte integrante do planejamento do negócio das emissoras de
televisão. Essa dinâmica possibilita um considerável conhecimento do público
telespectador. A televisão surge então como exemplo de negócio que para sua
própria sobrevivência tem que conhecer o consumidor de forma mais profunda e
detalhada.
A telenovela, o programa mais popular e lucrativo da televisão brasileira,
parece ser um exemplo característico da dinâmica do uso das informações sobre
o consumidor ou público telespectador.
O tema A influência do consumidor nas telenovelas foi interpretado no
presente estudo como o processo de busca, tratamento e implementação das
informações sobre o consumidor. A proposta é investigar como se dá esse
processo que possui características próprias no gerenciamento de dados sobre o
consumidor na empresa.
3
2.2. Pergunta da pesquisa
A presente investigação diz respeito ao estudo de um processo constituído
basicamente de três etapas: a busca de dados sobre o consumidor de
telenovelas, o tratamento, análise desses dados e a implementação dos
resultados obtidos com essas informações. Para orientar esta pesquisa, a
pergunta formulada pode ser resumida da seguinte maneira: De que forma e em
que medida a estrutura de produção de telenovelas utiliza, durante o seu
processo de feitura, informações sobre o consumidor? Trata-se de uma pergunta
dividida em duas questões:
1. De que forma a estrutura de produção de telenovela utiliza informações sobre
o consumidor?
2. Em que medida são utilizadas essas informações?
O que se deseja saber é como o consumidor pode alterar a produção de
telenovelas. A questão 1 dará um suporte imprescindível à resposta final da
pergunta da pesquisa. Trata-se de descrever e entender como setores
competentes da empresa estudada gerenciam informações sobre o consumidor,
de modo a tornar essas informações úteis no processo de possíveis ajustes no
produto telenovela.
A questão 2, "Em que medida são utilizadas...", tem por objetivo descrever
e delimitar o uso desses resultados, na construção da telenovela, apresentando
os diferentes fatores envolvidos em todo processo de gerenciamento dessas
informações. A indagação: Afinal, o consumidor influi na telenovela? Está
relacionada a esta questão.
2.3. Objetivos
2.3.1. Objetivo final
O objetivo final deste estudo é identificar e descrever o processo de
gerenciamento das informações sobre o consumidor, referente ao produto
telenovela. Investigar como são coletadas, analisadas as informações sobre o
consumidor e implementados os resultados obtidos através dessas informações,
4
dentro da empresa. Entender o limite no uso dessas informações, apresentando
os diferentes fatores envolvidos nesse processo.
2.3.2. Objetivos intermediários
Para alcançar o objetivo final, foram estabelecidos os seguintes objetivos
intermediários:
1. Descrever aspectos sobre o processo de desenvolvimento de um roteiro de
telenovela e sua relação com a produção e setores administrativos da
empresa - o roteiro.
2. Descrever aspectos sobre estruturas e processos de produção de uma
telenovela e sua relação com a feitura de um roteiro e setores administrativos
da empresa - a produção.
3. Levantar e descrever os diferentes setores que registram informações sobre
o telespectador; identificar como essas informações registradas contribuem
no processo de produção. Em resumo - os setores que tratam
informações sobre o telespectador.
4. Levantar e descrever os diferentes tipos de pesquisas realizadas durante o
processo de produção e identificar sua contribuição - as pesquisas.
5. Levantar e descrever as alterações já ocorridas em telenovelas - as
alterações em telenovelas.
6. Levantar e descrever as opiniões de autores, diretores e outros profissionais
da empresa sobre alterações nas telenovelas - os autores e diretores.
2.4. Relevância do Estudo
As empresas de televisão têm a característica rara de fazer uso de
pesquisas diárias. Os dados fornecidos sobre o consumidor, de forma contínua,
através das pesquisas, possibilitam que a empresa possua uma dinâmica própria
no aproveitamento e gerenciamento dos dados para o planejamento do seu
negócio.
A peculiaridade do negócio das redes de televisão permite que a influência
do consumidor aconteça de forma especial, pelas próprias características do
negócio. Essa dinâmica, ou processo, fornece um exemplo raro de uso das
5
informações sobre o consumidor, possibilitando o gerenciamento e
aperfeiçoamento contínuo do produto e a manutenção constante da satisfação
do cliente; prática que vem ao encontro do conceito de marketing ou orientação
para o cliente.
O estudo de caso que será apresentado visa mostrar esta dinâmica de
coleta, tratamento, análise e implementação de resultados de informações sobre
o consumidor telespectador em relação às telenovelas.
O produto de maior lucratividade da televisão brasileira, as telenovelas da
Globo, exportado para diversos países do mundo, foi escolhido por integrar de
forma significativa todo esse processo de uso das informações sobre o
consumidor para a estratégia de negócio. Não se tem notícia de que a empresa,
pioneira desse processo no Brasil, tenha sido investigada na forma aqui
apresentada.
2.5. Delimitação do estudo
O tema desenvolvido no presente estudo considera somente a Rede
Globo de Televisão. Foi realizado um estudo de caso sobre o processo de
gerenciamento das informações do público telespectador da empresa - seu
consumidor. Os resultados então serão válidos apenas para a empresa em
questão.
Embora diferentes setores da empresa como marketing, programação e
comercial utilizem, de forma sistemática, dados e resultados de pesquisas sobre
o público telespectador, o presente estudo destacou a Central Globo de Criação
e a Central Globo de Qualidade para investigar e descrever os processos de
gerenciamento proposto.
6
3. Referencial Teórico
3.1. A empresa orientada para o cliente
Empresas de todo o mundo estão reconhecendo a importância de
entender o comportamento do cliente como um segredo para seu sucesso.
(Sheth; Mittal; Newman; 2001, p.32). Entender e adaptar-se à motivação e ao
comportamento do consumidor, nos tempos atuais, não é uma opção e sim uma
necessidade absoluta para a sobrevivência competitiva. Motivação e
comportamento do consumidor podem ser entendidos com precisão suficiente
para reduzir consideravelmente o risco de fracasso de marketing. (Engel;
Blackwell; Miniard; 1995, p.8).
Dados sobre os consumidores auxiliam as organizações a definir o
mercado e a identificar ameaças e oportunidades, podendo assegurar a posição
do produto neste mercado. A resposta do consumidor é o teste decisivo para
verificar se a estratégia de marketing será bem sucedida. E esse conhecimento
deve ser incorporado em cada etapa de um plano de marketing na empresa
(Solomon, 2002, p.25).
A orientação para o cliente, ou orientação para o mercado, significa pleno
entendimento dos desejos e necessidades dos clientes, do ambiente competitivo
e da natureza do mercado, objetivando formular planos e ações da empresa a
fim de criar clientes satisfeitos (Sheth; Mittal; Newman; 2001, p.39).
Seguir uma orientação para o cliente possibilita à empresa vantagens
competitivas que levam ao aumento da lucratividade e ao crescimento da
receita. A lucratividade é gerada pela eficiência de custo em virtude de clientes
que compram repetidamente, pelas chances de preços mais altos e pela
lealdade do cliente em tempos de crise. Os custos do atendimento a clientes
estabelecidos são consideravelmente menores do que os custos de atender
novos clientes. O crescimento de receita é gerado pelo aumento da propaganda
boca a boca, pela fidelidade e pelas inovações em produtos. As empresas
orientadas para o cliente estão constantemente inovando e melhorando o
desempenho de seus produtos, aperfeiçoando seus níveis de atendimento para
corresponder melhor às necessidades de seus clientes (Sheth et.al. 2001, p.41,
43).
Engel, Blackwell e Miniard observam que, nas últimas décadas,
profissionais de marketing americanos e europeus aprenderam com os
7
japoneses, que é muito mais difícil ganhar um novo cliente do que manter um
cliente já existente. Os autores falam sobre o sucesso da Toyota nos Estados
Unidos, e dizem que a sustentação da participação de mercado vem, em
primeiro lugar, por meio de um enfoque contínuo na satisfação e retenção do
cliente, liderança na qualidade e serviço (Engel; Blackwell; Miniard; 1995, p.19).
Segundo Ferrel (2000), uma organização orientada para o consumidor tem
os seguintes conceitos: se concentra em descobrir o que os compradores
desejam e atende a esses de maneira que atinja também seus próprios
objetivos; utiliza marketing de relacionamento para construir negócios
mutuamente benéficos a longo prazo; desenvolve uma orientação de mercado
pela geração e difusão da inteligência de mercado em toda a organização;
descentraliza a autoridade de tomada de decisão para facilitar o feedback do
consumidor; considera marketing como uma função criticamente importante na
empresa; e, finalmente, usa o processo de planejamento estratégico para
construir relacionamentos e criar valor (Ferrel, 2000, p.29).
Com o objetivo de atingir suas metas de maneira eficiente, as empresas
adotam, além da orientação para o consumidor, orientação de metas e a
orientação de sistemas que Mac Daniel e Gates (2003) chamam de doutrinas. A
orientação do consumidor identifica e enfoca o consumidor mais propenso a
comprar um produto, e produz assim, aquilo que atenda as suas necessidades
de maneira mais eficiente. A orientação de metas se preocupa em atingir as
metas empresariais ao mesmo tempo que continua orientada para o consumidor.
E a orientação de sistemas procura integrar diversas unidades da empresa,
monitorar o ambiente externo, e transmitir o mix de marketing para seus
consumidores (Mc Daniel; Gates; 2003, p.6).
A estratégia de marketing começa com uma análise do mercado e da
organização. Isso requer uma análise detalhada das capacidades da
organização, forças e fraquezas dos competidores, forças econômicas e
tecnológicas que afetam o mercado e o atual e potencial consumidor no
mercado. A organização, fundamentada nessa pequena análise sobre o
consumidor, identifica grupos e indivíduos, famílias ou empresas com
necessidades similares. Esses segmentos de mercado identificados são
descritos em termos demográficos, preferências médias, localização geográfica,
etc. Um ou mais desses segmentos são selecionados como mercado alvo
considerando a capacidade da empresa em relação aos seus competidores,
condições tecnológicas, econômicas, etc. (Hawkins; Best; Coney; 1998, p.11).
8
A estratégia de marketing procura fornecer ao consumidor mais valor do
que o competidor, ao mesmo tempo que produz lucros para a empresa. A
estratégia de marketing é formulada no composto de marketing. Isso envolve
determinar características do produto, preço, comunicação, distribuição e serviço
que fornecerão ao consumidor valor superior. O conjunto todo de características,
denominado produto total, é apresentado ao mercado alvo. Inicia-se então um
processo de informação e decisões designadas para manter ou intervir no estilo
de vida de indivíduos, famílias, negócios, e outras organizações (Hawkins, 1998,
p.11).
Estratégias de marketing são baseadas, explicitamente ou implicitamente,
em crenças sobre o comportamento do consumidor. As decisões por pesquisas
deverão prevalecer sobre as decisões por intuição. O conhecimento sobre o
comportamento do consumidor pode ser uma vantagem competitiva para a
empresa. Para sobreviver num ambiente competitivo, uma organização deve
fornecer ao seu público alvo mais valor do que seu concorrente. Valor ao
consumidor é a diferença entre todos os benefícios derivados de um produto
total e todos os custos de aquisição desses benefícios (Hawkins, 1998, p. 9).
Para oferecer valor e satisfação ao consumidor, uma organização foca a
análise do consumidor, a análise da concorrência e a integração de seus
recursos, tendo em vista o lucro a longo prazo. O planejamento estratégico de
mercado deve ser visto como um processo de construção de relacionamentos a
longo prazo com os consumidores, e como forma de atingir os objetivos
organizacionais (Ferrel, 2000, p.26).
Para que a organização possa fornecer ao consumidor valor superior, ela
deve se antecipar em certas decisões estratégicas. Deve conhecer as
necessidades do consumidor melhor do que seu concorrente. O conhecimento
pode determinar o sucesso ou insucesso da estratégia de marketing (Hawkins,
1998, p.11).
A falta de sucesso no lançamento de novos produtos ocorre, muitas vezes,
pela ausência de avaliações de mercado. Deve existir uma orientação para o
cliente ao longo de todo o processo de desenvolvimento de novos produtos. A
empresa deve ser orientada pelas preferências e reações dos clientes, desde a
geração de idéias até os testes comerciais de produtos. Os recursos devem ser
dedicados para a geração de idéias que seja orientada para o mercado; as
pesquisas de marketing são importantes neste processo. A orientação para o
cliente não deve ser considerada apenas após o produto ter sido desenvolvido
(Sheth, et. al. 2001, p.46).
9
Hawkins (1998) observa que o processo de consumo do consumidor em
potencial deve fazer parte da análise de mercado da empresa, tanto quanto a
capacidade da organização, a capacidade de atuais e futuros competidores, o
ambiente físico, econômico, e tecnológico no qual esses elementos deverão
interagir (Hawkins, 1998, p.13).
As necessidades do consumidor e suas expectativas são constantemente
afetadas pela situação econômica, o ambiente físico, as leis e o desenvolvimento
tecnológico. A capacidade das empresas também é afetada por essas mesmas
variáveis. A deterioração do ambiente físico, por exemplo, tem produzido
demanda por produtos mais sadios, afetando a indústria e o desenho dos
produtos (Hawkins, 1998, p.15).
Um sucesso de vendas ocorre porque a demanda já existe, ou está
latente, esperando ativação pela oferta de marketing adequada. Para isso, é
preciso um contato ativo com os consumidores (Engel; Blackwell; Miniard; 1995,
p.8).
Kotler (1995) diz que as organizações conduzem suas atividades de
marketing baseadas em cinco conceitos: de marketing, venda, produção, produto
e marketing societário. Enquanto o conceito de produção sustenta que os
consumidores preferem os produtos acessíveis e baratos e o conceito de
produto sustenta que o consumidor prefere os produtos de melhor qualidade,
desempenho e aspectos inovadores, o conceito de marketing sustenta que é
preciso determinar as necessidades e desejos dos mercados-alvo e proporcionar
a satisfação desejada.
Ao contrário do conceito de marketing, o conceito de venda concentra-se
no produto, e enfatiza a venda e a promoção para obter vendas lucrativas e a
curto prazo, sem se preocupar com quem compra seu produto e por quê (Kotler,
1995, p.10).
Segundo Kotler (1995), para vencer as atuais competições de mercado, as
empresas terão que mudar da filosofia de produto e venda para a filosofia de
cliente e marketing. O autor distingue os mercados que se caracterizam por
monopólios, observando que nestes casos as empresas não precisam fazer
grande esforço para agradar seus clientes. (Kotler, 1995, p.391).
Sheth et.al. (2001) se referem ao termo cultura do cliente como um
conceito adotado pelas empresas no sentido de ter a satisfação do cliente como
parte da missão da empresa, e um entendimento do comportamento do cliente
como matéria prima para todos os seus planos e decisões de marketing (Sheth
et.al., 2001, p.35).
10
A satisfação do cliente depende do quanto o desempenho do produto
atende às expectativas do comprador, diz Kotler (1995); é o que se chama em
marketing de valor percebido. E clientes satisfeitos repetem sua compra, e falam
aos outros sobre suas boas experiências com o produto. O segredo, no fim, diz
ele, é um equilíbrio entre as expectativas do cliente e o desempenho da empresa
(Kotler, 1995, p.6).
Kotler (1995) observa que se o desempenho ficar abaixo da expectativa o
cliente ficará insatisfeito. As expectativas se baseiam em compras anteriores do
cliente, na opinião de amigos, e nas informações e promessas da empresa. A
empresa deve ser cuidadosa ao estabelecer o nível correto das expectativas das
suas ofertas. (Kotler, 1995, p.394).
Para Bateson (2001), a perspectiva de superar expectativas deve ser
ponderada. Nenhuma empresa superaria expectativa vendendo um produto com
preço tão baixo a ponto de não ser lucrativo para a empresa. O autor diz que a
maior parte das empresas não consegue ser tudo para todo mundo. Seus
diferentes produtos são para segmentos diferentes de consumidores, e algum
estará na temperatura certa (Bateson, 2001, p.404).
Os clientes satisfeitos trazem diversos benefícios à empresa: são menos
suscetíveis a preço, e permanecem clientes por muito tempo; compram produtos
adicionais, à medida que a empresa lança produtos vinculados, ou acrescenta
melhoramentos e falam de modo favorável da empresa de seus produtos para
outras pessoas (Kotler, 1995, p. 395, p.6).
A década de 90 surgiu como a era de satisfação do cliente no setor de
serviços, diz Bateson (2001). O autor observa que a avaliação que um cliente faz
de uma compra determina a probabilidade de uma nova compra, o que afeta as
avaliações do resultado final do sucesso empresarial (Bateson, Hoffman, 2001,
p.403).
Bateson (2001) observa que uma empresa deve prestar contas a vários
conjuntos de clientes, inclusive acionistas, e muitas vezes estes objetivos podem
ser conflitantes. A flexibilidade no sentido de grande variedade e personalização
de produtos, muitas vezes, pode não ser aceitável do ponto de vista financeiro.
(Bateson, 2001, p.404).
Sheth (2001) observa que nem sempre a pessoa que utiliza o produto é a
pessoa que compra. Segundo o autor, um cliente pode ser um comprador, um
pagante ou um usuário. O usuário é a pessoa que utiliza o produto, ou recebe os
benefícios do serviço. O pagante é a pessoa que financia a compra, e o
comprador é aquele que obtém o produto no mercado. Qualquer um dos três
11
papéis do cliente - usuário, pagante e comprador, faz da pessoa um cliente
(Sheth, 2001, p.50).
Hawkins (1998) refere-se à análise sobre o consumidor como parte da
estratégia de marketing da organização, onde há que se identificar o conjunto de
consumidores com necessidades similares. Uma vez identificado, deve haver
uma descrição destes consumidores em termos demográficos, de estilo de vida,
média de uso do produto, etc. Não se pode fazer uma efetiva comunicação se
não há entendimento do contexto no qual o produto é comprado e consumido,
como ele é percebido pelo consumidor, e a linguagem que ele usa para
descrevê-lo (Hawkins, 1998, p.16).
A segmentação de mercado é a divisão do mercado consumidor em
grupos com necessidades diferentes ou particulares. A empresa que desenvolve
um produto total focado apenas em um segmento poderá encontrar os desejos
destes segmentos melhor do que as empresas que produzem produtos e
serviços para necessidades de múltiplos segmentos. Historicamente, servir
pequenos segmentos envolve relativamente mais custos. Hawkins (1998)
exemplifica: "Um terno produzido sob medida custa mais caro do que produzido
para massa" (Hawkins, 1998, p.15).
Escolher um segmento de mercado envolve quatro etapas: Identificar o
produto relativo para o conjunto de necessidades, agrupar os consumidores com
necessidades similares, descrever cada grupo, selecionar um segmento atrativo
para servir (Hawkins, 1998, p.15).
Uma das formas de identificar o conjunto das diversas necessidades que o
produto atual e potencial da empresa pode satisfazer é a realização de
pesquisas ao consumidor, particularmente focus group e pesquisa em
profundidade, além também da lógica e da intuição. O conjunto de necessidades
está freqüentemente associado a outras variáveis, tais como idade, função
familiar, sexo, classe social, grupo étnico, estilo de vida, etc. Muitas empresas
começam o processo de segmentação focando primeiro em um ou mais grupos
definidos por uma dessas variáveis (Hawkins, 1998, p.16).
Embora as pessoas da mesma faixa etária sejam diferentes em vários
aspectos, elas têm uma tendência a compartilhar de valores e experiências
culturais comuns ao longo da vida, diz Solomon (2002, p. 27).
O termo conjunto de necessidades é usado para refletir o fato de que a
maioria dos produtos é desenvolvida para satisfazer mais do que uma
necessidade. Um automóvel pode satisfazer mais necessidades do que o
transporte básico. Algumas pessoas compram carros para satisfazer transporte e
12
necessidade de status. Outros compram para transporte e lazer. Outros
compram para lazer, status e transporte. As necessidades do consumo não
estão restritas às características do produto (Hawkins, 1998, p.16).
As necessidades dos consumidores também incluem tipos e fontes de
informações sobre o produto, onde o produto está disponível, preço do produto,
serviço associado ao produto, imagem do produto ou empresa e mesmo onde e
como o produto é produzido (Hawkins, 1998, p.16).
Hoje, as empresas passam a se preocupar com a construção de um
relacionamento mais efetivo com seus clientes. A filosofia chamada de marketing
de relacionamento introduz o conceito de interação regular com o cliente, de
modo a conhecer melhor suas escolhas. Com essa filosofia, os profissionais de
marketing têm a oportunidade de segmentar seus clientes de forma mais segura.
Esse modo de pensar levou à criação do chamado data base marketing, que são
sistemas informatizados que têm como objetivo: "Acompanhar de perto os
hábitos de compra dos consumidores e elaborar produtos e mensagens
adaptados com precisão aos desejos e necessidades das pessoas" (Solomon,
2002, p.28).
Hawkins (1998) observa: "O produto é alguma coisa que o consumidor
adquire para satisfazer uma necessidade percebida. O que os consumidores
compram geralmente são satisfação de necessidades e não atributos físicos do
produto" (Hawkins, 1998, p.18)
Zeithaml e Bitner (2003) observam que descobrir o que os clientes
esperam é essencial para proporcionar qualidade em serviços, e a pesquisa de
marketing é um veículo central para compreender as expectativas e as
percepções que os clientes possuem sobre os serviços (Zeithaml, Bitner, 2003,
p.115).
As empresas tentam interpretar, por meio de pesquisas, o que os
consumidores querem. O que eles pensam sobre seus produtos, possibilidades
de melhoras, como eles os usam, quais suas atitudes, como eles se sentem em
relação a eles, quais as suas crenças e sonhos (Hawkins, 1998, p.7).
Muitos dos conceitos fundamentais de marketing são baseados na
compreensão sobre o comportamento do consumidor. Na medida em que se
entende por que as pessoas se comportam de certo modo, pode-se formular
estratégias que atendam às necessidades do consumidor (Solomon, 2002, p.
23).
13
O estudo do comportamento do cliente oferece os conhecimentos básicos
necessários para decisões empresariais de sucesso (Sheth; Mittal; Newman;
2001, p.32).
O campo de estudo sobre o comportamento do consumidor diz respeito ao
estudo de indivíduos, grupos ou organizações, processos inseridos na escolha,
segurança, uso e disposição de produtos, serviços, experiências e idéias que
satisfaçam a necessidades, e o impacto desses processos sobre o consumidor e
a sociedade. Essa visão faz com que seja examinada indiretamente as decisões
de consumo e suas conseqüências. Hawkins (1998) diz que o comportamento do
consumidor é complexo, desorganizado, não consciente, orgânico, circular - um
processo multidimensional, embora tenha que ser apresentado nos textos de
forma simplificada e linear. O autor (1998) descreve da seguinte forma a
natureza do comportamento do consumidor:
Nossa visão de nós mesmos e o modo que nós tentamos viver são determinados por fatore internos, tais como nossa personalidade, valores emoção e memória; e
fatores externos, tais como nossa cultura, idade, amigos, família e subculturas. (...) Vamos às compras. Algumas decisões de compra poderão afetar esses fatores
internos e externos que mudarão ou reforçarão nosso atual conceito de nós mesmos e dos nossos estilos de vida. (Hawkins, 1998, p.26).
O sucesso das aplicações dos princípios ou modelos conceituais sobre o
comportamento do consumidor depende da qualidade do julgamento das
questões e situações envolvidas. Estratégias de marketing de sucesso requerem
talento, esforço, tempo certo para sua implementação e também um pouco de
sorte (Hawkins, 1998, p. 26).
Há três bases para as decisões de marketing: experiência, intuição e
pesquisa. Nenhuma estará completa sem a outra (Engel; Blackwell; Miniard;
1995, p.17).
3.2. O papel da pesquisa de marketing
Entender quem são os consumidores, como se comportam, por que se
comportam dessa ou daquela maneira e quais sua possíveis reações no futuro é
a essência da pesquisa de marketing, diz Aaker (2001). A pesquisa de marketing
pode também oferecer informações que ajudem a detectar problemas; por
exemplo, problemas de insatisfação com produtos ou serviços, podendo
determinar assim quantas pessoas estão insatisfeitas e descobrir o grau e a
natureza da insatisfação (Aaker, 2001,p.28).
14
As pesquisas mais comuns em serviços são: insatisfação de cliente,
acompanhamento da qualidade do serviço, desempenho geral da empresa, e
mudanças na execução dos serviços ( Zeithaml, 2003, p.116).
Malhotra (2001) observa que o ambiente se transforma em alta velocidade,
fazendo com que as organizações precisem de informações cada vez mais
atualizadas. À medida que os consumidores se tornam mais sofisticados, os
gerentes de marketing precisam de informações mais complexas a respeito de
suas reações a novas ofertas de produtos ou serviços (Malhotra, 2001, p.44).
A pesquisa de marketing ajuda o gerente de marketing a ligar as variáveis
de marketing, produto, preço, promoção e distribuição, ao ambiente e aos grupos
de clientes. Os fatores ambientais são as condições econômicas gerais, o
ambiente político, a concorrência e as alterações sociais. Os vários tipos de
clientes são os consumidores, funcionários, acionistas e fornecedores. Variáveis
de marketing, ambiente e clientes se relacionam entre si tornando complexa a
tomada de decisão estratégica dos gerentes de marketing, que devem tomar
decisão a respeito de oportunidades em potencial, seleção de mercado alvo,
segmentação de mercado, etc. (Malhotra, 2001, p.45).
Aaker (2001) observa que a superioridade competitiva de uma empresa
revela-se pela diferenciação de atributos importantes para os consumidores alvo.
Nesse sentido, a pesquisa de marketing é essencial para investigar questões
sobre os atributos do produto ou serviço que agregam valor para o consumidor,
e investigar questões sobre a empresa diante da concorrência (Aaker, 2001,
p.31).
A Pesquisa quantitativa é essencial para a quantificação da satisfação do
cliente, a fim de determinar a importância dos atributos dos serviços e poder
dimensionar a extensão da lacuna da qualidade dos serviços e as percepções de
valor. Fornece pontos de referência aos executivos no sentido de avaliação e
acompanhamento do desempenho da qualidade dos serviços, mostrando como
a empresa se situa em comparação aos seus concorrentes (Zeithaml,2003, 117).
Na década de 80, a ênfase, no gerenciamento de marketing, se
relacionava à melhoria do produto, observam Mc Daniel e Gates (2003),
resumindo-se a um exercício mecânico voltado para a produção. Muitas vezes,
isso significava um desperdício de esforço e dinheiro. Hoje o novo mantra, dizem
os autores (2003), é retorno sobre a qualidade. Isso quer dizer: A qualidade
entregue, a desejada pelo mercado e a qualidade agregada deve causar um
impacto positivo na lucratividade. A pesquisa de marketing é o recurso certo
para obter o retorno sobre a qualidade (Mc Daniel; Gates; 2003, p. 10).
15
Para Aaker (2001), toda organização de pesquisa deve ajudar a empresa a
atingir o objetivo de entender as necessidades e satisfações dos clientes de
forma eficaz. A pesquisa de marketing pode auxiliar na melhoraria das decisões
empresariais, proporcionando informações relevantes, precisas e em tempo
hábil. Estratégias relevantes podem ser elaboradas tendo por base as
informações colhidas pela pesquisa de marketing (Aaker, 2001, p.25).
Malhotra (2001) observa que boas decisões não se baseiam em pura
intuição. A ausência de informações corretas pode resultar numa decisão
gerencial errada. A tarefa da pesquisa de marketing é avaliar as necessidades
de novas informações, e fornecer à gerência informações relevantes, precisas,
confiáveis, válidas e atuais (Malhotra, 2001, p. 44).
Malhotra (2001) diz que, de maneira informal, pode se definir a Pesquisa
de marketing como a identificação, coleta, análise e disseminação de
informações de forma sistemática, a fim de melhorar a tomada de decisões em
relação à identificação e à solução de problemas em marketing (Malhotra, 2001,
p.45).
A definição oficial, citada por Aaker (2001), da pesquisa de marketing da
American Marketing Association é a seguinte:
A pesquisa de marketing é a função que integra o consumidor, o cliente e o
público ao profissional de marketing por meio de informação - informação usada para identificar e definir as oportunidades e os problemas de marketing, gerar,
aperfeiçoar e avaliar as ações de marketing, monitorar o desempenho de marketing e facilitar o entendimento do marketing como um processo. A pesquisa
de marketing especifica as informações necessárias para o atingimento desses aspectos, define os métodos para a coleta das informações, gerencia e implementa o processo de coleta, analisa e comunica as respostas e suas
implicações (Aaker, 2001, p.27).
Aaker (2001) observa que apenas a pesquisa de marketing não é garantia
de sucesso; o segredo para realizar bons negócios é o uso inteligente da
pesquisa. A forma como as informações são usadas é mais importante que
propriamente possuir essas informações (Aaker, 2001, p.27).
Embora as empresas tenham um real interesse em atender às
expectativas dos clientes, muitas não alcançam esse objetivo (Zeithaml, Bitner,
2003, p.115).
Mc Daniel e Gates (2003) observam que uma coisa é a empresa dizer que
é orientada para o consumidor, e outra é ela efetivamente sê-lo. Sem feedback
do mercado, a empresa não pode ser realmente orientada para o consumidor
(Mc Daniel; Gates, 2003, p.7).
16
Numa organização onde a abordagem é orientada para o consumidor, a
tomada de decisão é descentralizada, para facilitar o feedeback dos
consumidores, diz Ferrel (2000). Setores diferentes da empresa devem ter esse
foco. Criar uma cultura orientada para o consumidor, numa organização, leva
tempo. Assim diz o autor: "Não se pode, simplesmente, declarar oficialmente que
a empresa segue essa orientação" (Ferrel, 2000, p.28).
Mc Daniel e Gates (2003) dizem que existe um forte elo entre satisfação e
lealdade do cliente pois relacionamentos de longo prazo não acontecem por
acaso. Os clientes se tornam fiéis porque são compreendidos em suas
necessidades, e o conhecimento de suas necessidades provém basicamente da
pesquisa de marketing (Mc Daniel; Gates, 2003, p.11).
Malhotra (2001) chama atenção para o aspecto da informação sistemática
levando à necessidade de um planejamento sistemático em todos os estágios do
processo de pesquisa de marketing. Deve ser executada de forma imparcial,
isenta das inclinações pessoais ou políticas. A pesquisa de marketing usa o
método científico, portanto, procura informações que possam refletir uma
situação verdadeira (Malhotra, 2001, p. 45).
Aaker (2001) cita o sociólogo e pesquisador de marketing Joseph Helfgot
que orienta os executivos dos estúdios de cinema em Hollywood a venderem
seus filmes e programarem seus lançamentos. Helfgot utiliza a pesquisa para
saber a trama a que o espectador quer assistir. No filme O silêncio dos
inocentes, Helfgot pesquisou qual a temática principal do filme, sob o ponto de
vista do espectador. O resultado se tornou o foco da campanha publicitária, e o
filme acabou sendo campeão de bilheteria. Os custos de marketing chegaram a
um terço do orçamento do filme (Aaker, 2001, p.31).
Solomon (2002) também se refere ao uso da pesquisa de mercado para
testar as reações do público aos conceitos de filmes; ela pode determinar se os
temas básicos atingem o público alvo. Algumas vezes, diz o autor, o conteúdo do
filme é influenciado pela pesquisa. Grupos são selecionados para participar de
discussão de grupo e responder a algumas perguntas sobre o filme. Embora as
reações do grupo, em geral, resultem apenas em algumas alterações de edição,
em alguns casos, podem resultar em efeitos maiores. Solomon cita a nova
versão para o final do filme Atração Fatal elaborada em razão da reação
negativa nas pesquisas; a Paramont Pictures gastou 1,3 milhão de dólares a
mais para produzir a nova versão (Solomon, 2002, p. 397).
A pesquisa de marketing exerce três tipos de função, dizem Mc Daniel e
Gates (2003): descritiva, diagnóstica e prognóstica. A função descritiva constitui
17
a coleta e a apresentação de fatos. A função diagnóstica consiste em
explicações sobre dados e ações - como alterar as ofertas de produtos para
melhor servir os clientes. E a função prognóstica especifica o modo de usar as
pesquisas para prever os resultados de uma decisão de marketing (Mc Daniel;
Gates, 2003, p.9).
Para Gates (2003), uma administração pode ser proativa em vez de
reativa. A pesquisa de marketing desempenha um importante papel na
administração proativa, antecipando as mudanças no mercado nos desejos dos
consumidores, e em seguida desenvolvendo bens e serviços para atender a
essas necessidades. A administração proativa altera o composto de marketing
para se encaixar nos novos padrões econômicos, sociais e competitivos; a
administração reativa espera a mudança causar um grande impacto na empresa
para depois agir (Mc Daniel et al, 2003, p.13).
Mc Daniel e Gates (2003) citam exemplos de novos clientes que chegam e
passam a ser uma nova oportunidade no mercado; é o caso dos segmentos de
jovens e dos emigrantes nos Estados Unidos. As empresas terão a chance de
acompanhar esses grupos em suas escolhas de produtos e serviços durante
décadas. São grupos particularmente importantes para uma diversidade ampla
de produtos (Mc Daniel; Gates, 2003, p.13).
Mc Daniel e Gates (2003) citam também como exemplo as adolescentes
no Japão, que têm uma habilidade significativa de antecipar quais produtos
entrarão na moda, e dizem que essas meninas são levadas muito a sério. A
Asahi Broadcasting Corporation realiza pesquisas com as estudante para
encontrar temas que possam gerar mais audiência para as suas novelas do
horário nobre (Mc Daniel; Gates, 2003, p.13).
Há casos em que a pesquisa de marketing não deve ser conduzida. São
citados por Mc Daniel e Gates (2003) os seguintes casos: quando não há
recursos suficientes para conduzir a pesquisa de maneira apropriada ou
implementar decisões; quando não há utilidades em seus resultados, ou as
mudanças não poderão ser implementados; quando a organização já perdeu a
oportunidade para entrada bem sucedida no mercado; quando quem
encomendou a pesquisa já possui uma posição independente do resultado da
pesquisa; quando os gerentes estão confusos quanto aos objetivos da pesquisa,
correndo o risco de ser estudado o fenômeno errado; quando informações para
a tomada de decisão já existem; quando os custos para a realização da
pesquisa superam os benefícios (Mc Daniel; Gates, 2003, p.16).
18
Zeithaml (2003) observa que as empresas devem instituir um processo de
pesquisa da qualidade de serviços não fazendo apenas pesquisas isoladas -
uma fotografia instantânea, uma vez que as expectativas e percepções dos
clientes são dinâmicas. Para uma compreensão completa da aceitação do
mercado dos serviços de uma empresa, é preciso pesquisa de marketing
constante. Sem um padrão de estudos executados com freqüência, os
executivos não podem dizer se a empresa está melhorando, e quais iniciativas
de qualificação de serviços estão funcionando. Essa freqüência depende do tipo
de serviço e do propósito e método de cada tipo de serviço que a empresa
venha a necessitar (Zeithaml, 2003, p.118).
As necessidades de serviços e expectativas dos clientes mudam. As
pesquisas, portanto, nunca podem oferecer um quadro preciso. É necessário
fazer uma checagem periódica para medir o progresso, e identificar tendências e
mudanças que estejam ocorrendo (Walker, 1991, p.11).
3.2.1. Pesquisas de mercado em televisão
Os tópicos a seguir têm o objetivo de apresentar o que são as pesquisas
de audiência, como funcionam, sua importância, os tipos de informação que elas
possibilitam, sua classificação conceitual e os métodos qualitativos com seu
aspecto complementar.
3.2.1.1. Índices de audiência
O índice de audiência influencia todos os aspectos da mídia eletrônica. É
difícil imaginar um sistema bem sucedido da rede comercial sem esse importante
feedback. Esses indicadores refletem a composição e o tamanho da audiência
que um dado programa ou anúncio comercial alcança. Esses dados são cruciais
para as atividades de gerenciamento de redes, produtores de programas,
anunciantes, agências, escritores e artistas (Beville, 1988, XI).
O índice de audiência é o principal componente de decisão da rede ou
estação para a sobrevivência dos programas, quando e onde eles deverão estar
na grade de programação. Os índices produzem expectativa nos planejadores;
são uma força poderosa das rádios difusoras e telecomunicações. Determinam
os preços a serem pagos pelos programas, e o que os artistas receberão.
Determinam a taxa que os anunciantes pagarão pelos 60 segundos, 30
19
segundos ou outra unidade comercial em torno de cada programa (Beville, 1988,
XIII).
Os índices determinam: a audiência de cada estação, a ordem de
classificação do seu mercado, a rentabilidade da estação e o seu valor de
mercado. O salário e bônus de compensação das redes são determinados, em
parte, pelos indicadores dos índices de audiência (Beville, 1988, XIV).
Beville define cinco grandes fatores para que a metodologia de aferição
dos índices de audiência tenha sido desenvolvida ao longo dos tempos: a
produção de serviços intangíveis pelas redes, impossibilitando a medição da
aquisição do consumidor pelo serviço; a facilidade da troca de canais com as
opções de diversos programas, tornando vulnerável a escolha do telespectador;
a produção, no passado, pelos anunciantes e produtores de seus próprios
programas; a facilidade, relativa, de medir a audiência das redes, pelas
aceitáveis técnicas de amostragem; a incerteza sobre o alcance das redes, nas
suas primeiras décadas de existência (Beville, 1988, XV).
Medidas quantitativas são relativamente simples e claras. Os números,
quer sejam sobre a família, demográficos ou relativos à participação da
audiência, usam padrões de entendimento facilitados, desenvolvidos pelas
agências de pesquisas. Porém, os índices quantitativos se limitam a informar um
conjunto binário de informação: sim ou não; trocar ou não de canal; escolher ou
não escolher cada um dos muitos programas disponíveis. As informações
desses índices podem ser suficientes para os anunciantes, mas é difícil, com
base apenas nessas informações, formar uma boa grade de programação. O
tamanho da audiência somente não permite uma avaliação suficientemente
detalhada para que possa haver uma adequação dos objetivos de uma dada
programação para seu público exato (Beville, 1988, p.131,133).
Fundações, acadêmicos e críticos de mídia e muitos públicos de televisão
acreditam que o serviço quantitativo usado na TV comercial é seriamente
deficiente na definição sobre a reação da audiência. Assim, tem surgido
interesse para que as empresas compartilhem de índices qualitativos (Beville,
1988, p. 133)
Os índices qualitativos são importantes porque podem fornecer
informações detalhadas sobre o telespectador: dados demográficos como
ocupação, renda e educação; padrões de compra de produtos como carros,
produtos esportivos etc; dados sobre como o telespectador assiste ao comercial,
quantas exposições ele recebe e por que ele compra; classificação dos
telespectadores quanto ao estilo de vida e necessidades psicológicas. São
20
coletados dados qualitativos também através de realização de discussões sobre
os programas, para medir o impacto da recepção sobre o telespectador, como
sua atitude e seu comportamento podem ser afetados (Beville, 1988, 133).
Há vários elementos complexos no conceito de índices qualitativos que
não acontecem na medição de audiência convencional. Não existe um padrão de
entendimento universalmente aceito sobre qualidade de audiência. Uma vez que
o pesquisador opte pelo campo qualitativo, passa a depender da verbalização
sobre a atitude e opinião das pessoas, isto é, ingressa num tipo de entendimento
mais subjetivo (Beville, 1988, p.132).
O estudo qualitativo procura avaliar os padrões de consumo, estilo de vida
e fatores psicográficos de uma forma geral. Esses tipos de medida são um
pouco mais sofisticados na descrição demográfica da audiência, descrevendo a
audiência em termos considerados relevantes para o alvo do anunciante.
Avaliam fatores atrativos de cada programa. Fazem um aprofundamento das
questões sobre a experiência do telespectador com os programas (Beville, 1988,
p.134).
3.2.1.2. Aspectos conceituais da pesquisa de audiência
O sistema que produz o índice de audiência televisiva, desenvolvido para
medir a exposição do consumidor aos meios de comunicação, é denominado em
pesquisa de mercado de painel de mídia. Segundo Malhotra (2001) os painéis
podem ser classificados em painéis de compra e painéis de mídia.
O painel de mídia é um tipo de pesquisa que envolve uma amostra fixa de
elementos da população, a qual é medida repetidamente, isto é, as mesmas
pessoas são estudadas ao longo do tempo. A amostra permanece a mesma, ao
longo do tempo, fornecendo uma série de quadros que vistos em conjunto
oferecem uma ilustração clara da situação e das mudanças que estão ocorrendo
(Malhotra, p. 2001, 110).
Um painel, ou um estudo longitudinal, constitui-se geralmente de famílias
que concordam em fornecer informações a intervalos especificados ao longo de
um período. Os dados obtidos com os painéis não só fornecem informações
sobre participações de mercado neste período, mas também permitem ao
pesquisador examinar as mudanças em participação de mercado ao longo do
tempo (Malhotra, 2001, p.112).
Os painéis funcionam como se fossem fontes de dados secundários,
coletados e disponibilizados por um fornecedor - as agências de pesquisa. Esses
21
são uma alternativa ideal quando a necessidade das informações se dá a
intervalos freqüentes, quando dois ou mais usuários compartilham da mesma
necessidade de informação; também são úteis quando o custo da informação é
alto para uma pesquisa individualizada. As agências que fornecem os dados
podem, neste caso, estabelecer uma relação com seu cliente a longo prazo
(Aaker, 2001, p. 99, 152).
Os painéis de mídia são realizados por meio de dispositivos eletrônicos
que registram automaticamente o comportamento de audiência de TV. Os
domicílios selecionados dispõem de um dispositivo eletrônico ligado aos seus
televisores. Este dispositivo monitora continuamente o comportamento de
audiência de televisão, em que horário o aparelho é ligado, quais canais são
vistos e por quanto tempo. Os dados são armazenados e transmitidos via linhas
telefônicas a um computador central. Os dados coletados são registrados. Esses
registros contêm informações sobre quem estava assistindo a cada programa,
de forma que a audiência e as características demográficas possam ser
calculadas. Desta forma, as emissoras estimam o número e a porcentagem de
todos os domicílios que estão assistindo a um determinado programa. Com
essas informações, os planejadores podem fazer uma seleção mais adequada
de programações, e ter uma definição dos perfis de subgrupos de
telespectadores ou ouvintes (Malhotra, 2001, p. 140,141).
Aaker (2001) faz uma analogia dos dados de painel com a continuidade de
um filme, onde os dados podem ser analisados como uma série de instantâneos.
Os dados fornecem informações sobre as atividades de vendas, participação das
marcas e mudanças nas características dos compradores e nos tipos de lojas
freqüentadas. A vantagem do painel é a capacidade de medir as mudanças no
comportamento do indivíduo (Aaker, 2001, p.156).
Segundo Aaker (2001) o uso das fontes de dados padronizados produziu
uma revolução. O fato de haver um acompanhamento de dados, provindos
sempre das mesmas casas sobre aquisição de um produto, permite que se
estude relação entre fatores, e assim se descubra variáveis causais, como por
exemplo: exposição na mídia, influência da promoção, características dos
consumidores (Aaker, 2001, p.152).
O painel de mídia mais conhecido nos EUA é o Nielsen Television Index
(NTI). Desde 1987, a Nielsen utiliza o chamado people meter para obter
informações sobre o público telespectador. O people meter, acoplado ao
aparelho de TV, monitora e registra continuamente o que acontece, quando o
aparelho fica ligado, quais canais são sintonizados, por quanto tempo e quem no
22
domicílio estava assistindo à programação do canal. Os dados ficam
armazenados no medidor, e são posteriormente enviados por linhas telefônicas
para a central de processamento. Segundo Aaker (2001), o NTI baseia-se numa
amostragem nacional; os dados fornecidos pela Nielsen são usados pelos
planejadores de mídia para analisar alternativas de programação nas redes de
televisão (Aaker, 2001, p.164).
Segundo a classificação de Malhotra (2001), os painéis de mídia, ou
estudos longitudinais, é um tipo de pesquisa conclusiva. Para o autor, as
pesquisas podem ser exploratórias ou conclusivas. As conclusivas são aquelas
onde os dados se baseiam em amostras representativas, sujeitas a uma análise
quantitativa. As exploratórias são utilizadas para identificar caminhos (Malhotra,
2003, p.105).
As pesquisas diferem entre si em relação aos seus propósitos, à questão
da pesquisa, à precisão das hipóteses desenvolvidas e aos métodos da coleta
de dados. Cada uma delas tem um papel diferente e complementar (Aaker,
2001, p. 98).
3.2.1.3. Pesquisa qualitativa
Um outro tipo de pesquisa bastante utilizado pelas emissoras de televisão
é a pesquisa qualitativa.
Os métodos qualitativos são usados nos casos em que não é possível
obter informações pelos métodos formais ou estruturados. O propósito da
pesquisa qualitativa é descobrir o que o consumidor tem em mente. Os dados
são coletados para se conhecer melhor, aspectos que não podem ser
observados e medidos diretamente. Pensamentos, sentimentos, intenções e
comportamentos são exemplos de elementos que só podem ser conhecidos por
meio de dados qualitativos (Aaker, 2001, p.206).
Segundo Mac Daniel e Gates, estão se tornando cada vez mais comum
combinar as pesquisas qualitativas e quantitativas em estudos de pesquisa de
mercado. As pesquisas qualitativas podem ser usadas antes ou depois da
pesquisa quantitativa, dependendo do caso. Os dados qualitativos podem
enriquecer a pesquisa quantitativa com informações sobre motivações dos
consumidores. Ao se juntarem com os resultados da pesquisa quantitativa
oferecem uma maior compreensão das necessidades dos consumidores.
Permitem detectar problemas que, às vezes, não são percebidos em um estudo
quantitativo (Mac Daniel, Gates, 2003, p. 122).
23
Bauer e Gaskell (2003) observam que não há quantificação sem
qualificação. É necessário ter uma noção das distinções qualitativas antes que
se possa medir o número dos que pertencem a uma ou outra categoria. Os
autores fazem a seguinte analogia à questão: se o que se deseja saber é a
distribuição de cores num jardim de flores, deve-se primeiro identificar o conjunto
de cores que existem no jardim; depois disto, pode-se começar a contar as flores
de determinada cor (Bauer; Gaskell; 2003, p. 24).
Para Bauer, não é correto assumir que a pesquisa qualitativa tem o
monopólio da interpretação. O autor observa que, da mesma forma, não há
análise estatística sem interpretação; a pesquisa quantitativa não chega a
conclusões automaticamente. Os dados não falam por si mesmos, ainda que
haja todos os cuidados e sofisticação; quanto mais complexo o modelo mais
difícil é a interpretação dos resultados ( Bauer; Gaskell; 2003, p. 24).
Uma das limitações mais importantes dos estudos qualitativos é que eles
não representam necessariamente a população estudada pelo pesquisador.
Grupos reduzidos para discussões livres ou entrevistas individuais podem
conduzir o projeto de pesquisa para muitos caminhos. Enfim, o resultado
dependerá das pessoas que forem selecionadas para a pesquisa e da habilidade
do pesquisador (Mac Daniel, Gates, 2003, p. 123).
Muitas respostas sobre questões de consumo como, por exemplo, a razão
por que alguém comprou algo, podem estar disfarçadas por trás de mecanismos
de defesa do ego. Informações desse tipo podem ser obtidas mais facilmente por
meio de métodos qualitativos, tais como as discussões de grupo (Aaker, 2001, p.
207).
As pesquisas de discussão em grupo ou grupo de foco constituem o
processo mais importante de pesquisa qualitativa. É tão popular que muitas
pessoas consideram esta técnica um sinônimo de pesquisa qualitativa (Malhotra,
2001, p. 156).
Um grupo de foco, de especial interesse para o presente estudo, consiste
numa reunião de 8 a 12 participantes, liderados por um moderador, que passam
um período de tempo discutindo profundamente um determinado assunto. A
meta da pesquisa de grupo de foco é compreender certas idéias dos indivíduos
do grupo. A ênfase está em fazer com que essas pessoas falem detalhadamente
sobre o assunto escolhido. A intenção é descobrir o que elas sentem em relação
a um produto, um conceito, uma idéia, ou uma organização, como tudo isso se
encaixa na vida delas e seu envolvimento emocional com essas coisas (Mac
Daniel; Gates, 2003, p.123).
24
Um grupo de foco deve ser homogêneo, em termos de características
demográficas e sócio-econômicas. O fato dos participantes pertencerem a um
mesmo segmento evita certos conflitos. Portanto, os grupos homogêneos devem
ser do tipo: mulheres donas de casa, mulheres jovens e solteiras, mais idosas,
divorciadas ou viúvas, porque seus estilos de vida são semelhantes (Malhotra,
2001, p.157).
Os grupos de foco são muito mais do que entrevistas de perguntas e
respostas. O uso das técnicas da dinâmica de grupo permite que haja uma forte
interação entre as pessoas, o que é essencial para o sucesso da pesquisa. O
aspecto interessante da dinâmica de grupo é a idéia de que a resposta de uma
pessoa pode se tornar um estímulo para outra, gerando desta maneira uma
interação de respostas, e fornecendo mais resultados do que diversas respostas
individuais (Mac Daniel, Gates, 2003, p.124).
A psicologia social indica que as pessoas são capazes de falar mais sobre
um tópico, e em maior profundidade, se estimuladas em grupo do que quando
questionadas individualmente. Nas discussões em grupo, são feitas perguntas
indiretas, que estimulam a discussão livre e espontânea (Mac Daniel, Gates,
2003, p.124).
O tempo médio de discussão é de uma hora e meia. O segredo para o
sucesso da pesquisa é a qualificação do moderador e do grupo selecionado. O
moderador precisa conduzir bem o grupo e ter bons conhecimentos sobre o
negócio do cliente e os objetivos da pesquisa. Um grupo de foco requer um guia
de discussão bem planejado; isto é, um esboço dos tópicos que devem ser
abordados durante a reunião. O guia é desenvolvido pelo moderador com base
nos objetivos da pesquisa (Mac Daniel, Gates, 2003, p. 127, 129).
O moderador encoraja ativamente todos os participantes a falar e a
responder aos comentários e observações dos outros membros do grupo. O
objetivo é avançar para uma discussão onde os participantes reajam entre si
(Bauer; Gaskell; 2003, p.79).
3.3. O produto telenovela
Os tópicos seguintes têm por objetivo oferecer uma visão da telenovela
sob o ponto de vista do seu negócio e da sua construção.
25
3.3.1. A evolução do negócio telenovelas
Durante toda a década de 60, a maior parte das novelas foram
patrocinadas pelas firmas de sabão e dentifrício, como a Colgate-Palmolive, a
Gessy- Lever, Kolynos, etc. A indústria televisiva brasileira não tinha capital
suficiente para produção, as agências eram donas dos programas, e elas é que
decidiam a novela, negociavam com a direção da emissora a escolha do diretor,
do elenco, etc (Ortiz et al., 1991, p. 60).
Alvaro Moya, citado por Ortiz et al., (1991), observa que aos poucos o
público se habituava a fixar os horários, organizados e administrados pelas
grandes redes. Com o surgimento do vídeo tape, permitiu-se a produção da
telenovela diária e sua veiculação dentro de um esquema de horizontalidade
(todos os dias, o mesmo horário de exibição) dos programas. Com o VT passou
a ser possível montar o cenário num só dia, gravar todo o capítulo da novela, e
depois passar horizontalmente durante toda a semana. A dona de casa passou a
ter expectativa da exibição da novela todo dia às 8 horas; como todo dia ter que
fazer almoço e levar a criança para a escola. Entrou no cotidiano. (Ortiz et al.,
1991, p. 61).
Essa nova mania nacional foi descrita pelo cronista da revista do Rádio
Borelli Filho (1964) citado por Ortiz et al. (1991):
(...) Famílias inteiras se postam diante do televisor e acompanham do neto ao avô,
aqueles episódios de folhetim eletrônico. Em conseqüência alteram-se os hábitos seculares das famílias quatrocentonas. O jantar servido antigamente as 20h,
desce para as 17, porque pouco depois começam os romances seriados na TV. (Ortiz et al., 1991, p. 62).
De 1963 a 69 não havia um modelo de produção que se preocupasse com
a relação entre custo e número de capítulos das novelas. Da mesma forma,
não havia um planejamento sustentável em relação ao número adequado de
capítulos; uma racionalização que permitisse determinar qual o número de
capítulos que uma história deveria ter para ser rentável. Em que horário uma
certa trama deveria ser transmitida para se ter audiência. Qual o público que se
pretendia atingir, com uma novela diurna ou noturna. Essas questões só seriam
melhor equacionadas um pouco mais tarde, com a consolidação de uma
indústria televisiva (Ortiz et al., 1991, p. 68).
A nova fase de evolução do negócio com telenovelas será descrita na
seção intitulada estudo de caso, referente à TV Globo e as produções de
telenovelas.
26
3.3.1.1. A influência do público
As estéticas de Joaquim Manuel de Macedo e José de Alencar podem ser
encaradas como dois modelos fundamentais para a produção televisiva. É na
obra de José de Alencar e Macedo que se encontram a estrutura dramática, a
rede intrigas, os momentos de clímax necessários para a forma de
teledramaturgia moderna (Alencar, 2002, p. 47).
Segundo Mauro Alencar, o escritor José de Alencar tinha por hábito ouvir a
opinião dos seus leitores. Na obra O Guarani, a idéia inicial do autor era matar
no último capítulo Ceci e Peri. Mas, ao ler o capítulo para seus amigos e
familiares, estes se opuseram à idéia. Então, José de Alencar opta por um final
indefinido ao critério da imaginação do leitor. José de Alencar passou a se guiar,
de certa forma pelo que o público lhe pedia nas cartas. Inicia-se uma era dos
chamados escritores de consumo (Alencar, 2002, p. 43).
Mauro Alencar observa que Joaquim Manuel Macedo também, já na sua
época, fazia enquete na Rua do Ouvidor, a fim de detectar os anseios do público
a respeito do destino dos seus personagens. Macedo, com sua habilidade de
intricar histórias e com suas pesquisas de opinião ampliando as possibilidades
de narrativa, afigurava-se como um dos pilares da construção das estéticas da
teledramaturgia nacional (Alencar, 2002, p.47).
3.3.1.2. A audiência e o alongamento das histórias
Em maio de 1966, a TV Excelsior de São Paulo passou a transmitir
Redenção, uma novela adaptada de uma radionovela de Raimundo Lopes. A
transmissão se estendeu até maio de 1968. Alencar (2002) observa que este é
um exemplo histórico de uma obra de teledramaturgia alongada até o exagero.
Uma novela que marcou época na história das telenovelas por essa e por outras
razões também. Para gravá-la, ergueu-se uma cidade cenográfica, em São
Bernardo do Campo. O horário de Redenção foi comprado para promover os
produtos da Gessy Lever durante 100 capítulos. Mas esse limite foi
absolutamente excedido para 596 capítulos (Alencar, 2002, p. 23).
Alencar (2002) lembra que Redenção agradou tanto, provocando tão fortes
emoções num público já cansado dos dramalhões, que pôde ser esticada para
596 capítulos além da centena prevista inicialmente. Num dado momento da
história, o público reclamou e exigiu a volta de um personagem que havia tido
27
um enfarte. O autor, com a utilização de recursos, fez com que o personagem
revivesse e sobrevivesse até o fim (Alencar, 2002, p.24).
3.3.1.3. Estruturas dramáticas e interesses comerciais
Os anos 60 se caracterizaram pelo melodrama. As emissoras eram
dependentes dos patrocinadores e estes definiam o tipo de narrativa a ser
apresentado, influindo na tendência das histórias a serem escritas pelos autores
brasileiros, que no início tinham preferência pelo folhetim melodramático.
Existiam, porém, tentativas que buscavam reformular a temática e a linguagem
do modelo folhetim. (Ortiz et al., 1991, p.69).
A novela Antônio Maria ilustra esse processo de transformação do
melodrama no Brasil. Origem desconhecida do herói, relações amorosas
triangulares, polarização entre riqueza e pobreza, um modelo que procurou se
adaptar ao panorama da vida urbana: "Os personagens do antigo folhetim, que
reforçavam um imaginário herdado da aristocracia (carruagem, reis, rainhas,
duques e condes) passavam a circular pelas ruas de São Paulo, de ônibus e
automóvel, vestindo terno e gravata." Esse novo personagem passou a
representar uma ponte entre o herói folhetinesco e o das novelas mais
contemporâneas, expressando uma preocupação com enredos realistas,
identificação dos espectadores com os personagens e apresentação de
problemas mais próximos (Ortiz et al., 1991, p.74).
Ivani Ribeiro citada por Ortiz et al. (1991), explica como relaciona o
sucesso de suas novelas a nova abordagem temática:
O que importa é uma história que corresponda, de certa forma, ao que acontece
na vida real. Uma novela como Redenção, é uma história bem brasileira, com toda a ação desenvolvida no cotidiano de uma típica cidade do interior paulista. (...) seus personagens se movimentam em espaços familiares ao espectador, numa
tentativa de se aproximar, pelo menos em nível de cenário, da realidade nacional (...). (Ortiz et al., 1991, p.74).
As novas abordagens não eram uma preocupação exclusiva dos autores,
os patrocinadores tinham interesse nela numa preocupação com o público
nacional e com os objetivos comerciais. (Ortiz, 1991, p.76). Em 1968, além de
Antônio Maria, Beto Rockefeller iniciou a renovação da telenovela brasileira
(Alencar, 2002, p.51).
A novela Beto Rockefeller rompeu com os diálogos formais. Sua narrativa
teve um tom coloquial, gírias e expressões populares; um novo marco no
28
gênero. O enredo procurou reproduzir fatos e interesse da época no interior da
própria narrativa. A novela Beto Rockefeller esteve conectada com o momento
cultural da época. Ortiz et al. (1991) observam: "anti-heróis, cotidiano urbano,
músicas de sucesso direcionadas para o público jovem (...). Beto Rockefeller é
uma catalização bem sucedida, uma sintonia com a sociedade que se
moderniza". (Ortiz et al., 1991, p. 78,80, 81).
Segundo Mauro Alencar (2002), Beto Rockefeller foi um divisor de águas
na história da teledramaturgia no Brasil. Surgiu na Tupi ao mesmo momento em
que havia queda dos índices de audiência da Rede Globo, que permanecia com
o mesmo estilo teledramatúrgico. Os jornais da época deram um espaço
considerável a Beto Rockefeller da TV Tupi, e seus altos índices de audiência
passaram preocupar a concorrente TV Globo. A emissora, então, percebeu a
oportunidade de fatia de mercado e passou a investir desde então numa total
modificação de sua estrutura de trabalho no que diz respeito à telenovela
(Alencar, 2002, p.52).
Enquanto a Tupi revolucionava o gênero, a Rede Globo consolidava e
industrializava o novo gênero. Segundo Alencar, a Globo foi responsável pela
forma brasileira da telenovela e a sua transformação em produto de consumo em
território nacional e internacional, e pelo início da moderna telenovela brasileira
(Alencar, 2002, P.53).
3.3.2. A construção do produto telenovela - o roteiro
O roteiro é a primeira etapa do processo de criação e de produção de uma
telenovela. Qualquer alteração que se pretenda fazer, neste produto de
teledramaturgia, recai diretamente na estrutura de sua criação, por isso a
importância do seu entendimento.
A elaboração do roteiro de uma novela inicia-se com uma sinopse, que é
um resumo da história onde se apresentam já estruturadas a trama principal e as
histórias paralelas. A caracterização das situações é ampla e aberta, e tem por
objetivo apresentar os personagens e fornecer uma base sustentável a uma
história que será contada por vários meses. O autor terá a tarefa de desenvolver
os diálogos e o quadro dramático, ao longo deste tempo, em diversos capítulos.
A sinopse permite determinar o número de personagens, o tipo de cenografia e
de figurino a serem utilizados, proporcionando a primeira estimativa dos custos.
Permite prever todos os elementos organizacionais que compõem a infra-
estrutura material e artística da produção. É um processo bastante planejado,
29
em diferentes etapas, utilizando diversos recursos e profissionais especializados.
(Alencar, 2002, p.71).
Mesmo que seu enredo possa sofrer alterações, sugeridas pelo público,
sugerido pela empresa ou pelo próprio autor, a sinopse serve como protótipo
inicial, onde a estrutura de toda a história já se encontra definida. A aprovação
da sinopse tem, então, uma importância dramática e organizacional. Em posse
dela, é possível fazer uma primeira avaliação real dos custos do projeto (Alencar,
2002, p.71).
Para a roteirista Rose Calza (1996), não basta que o argumento de uma
telenovela se baseie em uma idéia brilhante. Antes de tudo, essa brilhante idéia
deve ser avaliada em suas possibilidades de produção, em sua capacidade de
impacto mercadológico. Uma emissora quando pretende lançar um produto no
mercado, não deixa de estar atenta às pesquisas de comportamento que
indicam tendências, modismos, que podem ser aproveitados e explorados junto
ao público receptor (Calza, 1996, p. 37).
A autora de telenovela Renata Pallottini (1998) diz que o roteirista, ou
alguém da equipe de criação da empresa, percebe ou investiga a necessidade
emergente do público; que tipo de história ou que tipo de formato. Estando isso
definido, dentro da visão comercial do veículo, os autores são convidados a
escrever a história correspondente: "O público quer uma telenovela rural? Ou
precisa de uma história de época? Pede um enredo contemporâneo, urbano,
violento?" O autor pode também, como criador, adiantar-se ao público e propor-
lhe novas idéias. (Pallottini, 1998, p. 18).
A palavra novela remonta ao italiano novella, do latim novellus, novella,
novellum, adjetivo, diminutivo, originário de novus. A palavra derivou para
enredado, substantivando-se e adquirindo denotação especial. Acabou
significando enredo, entrecho, vindo daí narrativa enovelada, trançada.
(Pallottini, 1998, p.33).
Há várias maneiras de se definir um roteiro; de uma forma direta, seria a
forma escrita de qualquer projeto audiovisual, como o teatro, o cinema, o vídeo,
a televisão, o rádio. O roteirista está muito mais perto de diretor de imagem do
que do escritor. (Comparato, 1995, p. 20).
O roteiro é um tipo de construção que obedece a uma estrutura lógica.
Esse processo teria basicamente seis etapas: idéia, conflito, personagens, ação
dramática, tempo dramático e unidade dramática. Haverá um conflito essencial,
que o autor chama de conflito matriz; esse deve ser concretizado em termos de
palavras. (Comparato, 1995, p.111).
30
Os elementos que Pallottini (1998) considera importantes na confecção de
um roteiro são: o andamento, as histórias paralelas, o alongamento, a
redundância, a alternância das crises e a criação dos personagens. A autora
indica que esses devem ser, além do desenvolvimento de uma temática de
interesse, elementos cuidadosamente estudados, a fim de obter uma expectativa
cada vez maior do telespectador (Pallottini, 1998, p.33).
Para Calza (1996), o roteiro é apenas um dos elementos que contribuem
na estruturação do produto. Uma telenovela, do ponto de vista da sua montagem
e produção, é um trabalho que depende de muitas cabeças, com idéias e
sensibilidades diferentes. Assim, o produto é resultado do esforço criativo de
muitos elementos atuando juntos para sua realização: autor, elenco, diretor,
câmera, maquiador, editor de imagem etc. (Calza, 1996, p.18).
Pallotini (1998) diz que o traço distintivo da telenovela, em relação à mini-
séries ou seriados, é que ela é escrita à medida que se produz, além de ter uma
quantidade maior de tramas e sub-tramas tendendo a ser de maior duração.
Sua gravação pode começar com vinte, trinta, ou cinqüenta capítulos já escritos
e prontos para a produção. (Pallottini, 1998, p.33, 35). A autora define a
telenovela de modelo brasileiro ou latino-americano da seguinte forma:
(...) é uma história contada por meio de imagens televisivas, com diálogo e ação,
uma trama principal e muitas subtramas que se desenvolvem, se complicam e se resolvem no decurso da apresentação. Naturalmente, a trama planejada como principal é a que leva o enredo básico, a fábula mais importante, do começo ao fim
da ação, e a que justifica todo o projeto, dando-lhe unidade (...). (Pallottini, 1998, p. 53).
Segundo a autora (1998), a telenovela se baseia em diversos grupos de
personagens e lugares de ação - sets ou núcleos; que se relacionam
internamente. Os problemas dos protagonistas assumem a primazia no enredo e
conduzem a trama. (Pallottini, 1998, p.54).
A estrutura de uma telenovela deve ser vista em termos de macro e micro
estrutura. A macro-estrutura tem muito a ver com as dimensões gerais da
telenovela, com a sua extensão e tratamento de tempo. Como citado, a
telenovela brasileira atual tem por volta de 160 capítulos, e cada capítulo tem,
em média, 45 minutos de história. A imagem gravada da telenovela padrão
possui hoje, em média, 120 horas de duração. Um capítulo, segundo a autora, é
escrito aproximadamente em trinta páginas; portanto, a telenovela consome
4.800 páginas de texto, "uma pilha de papel de um metro e meio de altura".
(Pallottini, 1998, p.62). Pallottini observa que a telenovela brasileira é produzida
31
antes de estar totalmente escrita: "se sujeita ao julgamento do público e da
crítica, modifica-se, se for necessário, pelo menos nos detalhes mais ou menos
importantes, quando não no caminho principal que havia sido previsto pela
sinopse" (Pallottini, 1998, p. 35).
A roteirista Rose Calza (1996) confirma essa prática. O texto de uma
telenovela, diz a autora, tem a característica, peculiar, de ser construído e
realizado ao mesmo tempo; e mesmo se partindo de uma pré-sinopse aprovada
pode sofre inúmeras modificações: ser alterado, suprimido e, muitas vezes, ter
seu caminho distanciado da idéia do enredo original. Às vezes, uma história
paralela torna-se mais importante do que a principal. Podem desaparecer
núcleos inteiros, personagens podem ser afastados, e outros podem se revelar
um verdadeiro sucesso. (Calza, 1996, p.20, 39)
Para Pallottini (1998), não é verdade que a audiência determina a novela.
Existem vários fatores a pesar sobre essa produção: o moralismo e interesses
de todo tipo; a vontade do autor, dos criadores, o desejo de experimentação e
desenvolvimento, a tendência a melhorar e progredir determinam a mobilidade e
o dinamismo da telenovela. Segundo a autora, existe uma preocupação de
caráter artístico, estético, a influir sobre sua criação (Pallottini, 1998, p. 36).
Calza (1996) diz que tudo pode mudar se os índices de audiência
apontarem para um desastre em termos de investimento de uma novela. Ela
pode ter seu enredo totalmente transformado antes do fracasso final.
Personagens podem ser totalmente descaracterizados, etc. A autora observa
que contar uma história é uma façanha, e que os roteiristas têm que contar
sempre com um antagonista - o telespectador, seu crítico implacável. Se ele não
se satisfizer muda de canal (Calza, 1996, p. 55).
Segundo Pallottini (1998), os elementos que podem influir sobre as
modificações na novela, podem ser de vários tipos:
Sucesso ou insucesso de público, afetando atores, histórias, tramas, famílias ou sets. Acontecimentos marcantes ou circunstanciais da vida real: advento de festas
nacionais ou populares (Natal, Carnaval), de eventos políticos, mortes, catástrofes, etc. Incidentes que afetam participantes da feiura da telenovela em suas vidas
particulares: enfermidades, mortes, afastamentos, litígios trabalhistas, etc. Fatos sociais que solicitam o autor (...) as greves (...). (Pallottini, 1998, p. 73).
Segundo a autora, o fato da novela ir ao ar enquanto está sendo escrita faz
com que o autor tenha a possibilidade de escolher entre vários fios narrativos e
assim possa desenvolver os que tenham maior aceitação junto ao público.
Afirma ela:
32
Mas excepcionalmente pode acontecer que uma subtrama seja introduzida
durante o desenrolar da criação da telenovela; caso haja um refluxo de audiência, um esmorecimento de êxito, imediatamente o autor inventa uma nova história,
lança um novo personagem e o põe no ar em pleno andamento normal da história principal. Inova-se, assim, sobre a sinopse original, que é aberta o bastante para receber esse novo material, pensado e escrito depois (Pallottini, 1998, p. 75).
Calza (1996) observa que a emissora cuida do produto e tenta reparar, de
todas as formas, possibilidades de erro, desde o início do projeto que se põe em
execução. A discussão em grupo é um termômetro que dá à emissora e aos
autores índices de satisfação ou do desagrado que uma novela pode provocar
junto ao público. Os telespectadores se manifestam enviando cartas, dando sua
contribuição, na tentativa de ajudar os autores, indicando quem deve ficar com
quem: "Uma espécie de TV interativa espontânea ocorre, assim, nos bastidores
da produção da novela" (Calza, 1996, p. 64).
3.3.2.1. Os capítulos
A micro-estrutura da novela são os capítulos. Esses podem ser
formalizados em cerca de trinta páginas escritas e aproximadamente quarenta e
cinco minutos de imagem. Para que se tenha noção de como se apresenta a
cena de um capítulo, a figura seguinte mostra um trecho de capítulo com diálogo
e descrição de imagem. O exemplo retrata dois caminhoneiros querendo se livrar
da polícia:
CAP. 19. RUA DO RIO DE JANEIRO, PRÓXIMA À PRAIA. EXTERIOR - DIA
Figura 1
IMAGEM
DIÁLOGO
Bino e Pedro caminham, cada um
Segurando um dos braços do menino, que tenta, de quando e quando, soltar-se.
PEDRO — Deixa de ser orgulhoso, Tição.
Não fosse nóis tu tava moído de pancada!... MENINO — Pedi nada. Dê seu jeito! BINO — Vontade que dá é arrebentá esse
fucinho... cara malagradecido! PEDRO — Escuta aqui, ô revoltado! Não
pense que foi por bondade que te tirei dessa fria, tá me ouvindo? É que não gosto de
covardia e muito menos de polícia.
Dramaturgia em Televisão (Pallottini, 1998, p. 103).
33
A micro estrutura ou os capítulos são divididos em blocos, e cada bloco
divididos em número de cenas que variam em tamanho e peso conforme o estilo
da novela e do seu autor. Segundo Pallottini (1998) para alguns autores uma
cena longa e tranqüila pode durar até cinco minutos. Normalmente, há, em cada
bloco, de cinco a dez cenas. É necessário a redundância e ondulações, para
escrever os capítulos, diz Pallottini. O autor não pode dar uma informação
importante num único capítulo, numa cena, ou num estágio da novela. Assim, diz
ela:
Essa informação tem de ser periodicamente reapresentada, resumida, ou acrescida de novos detalhes. (...) A cada vinte, trinta ou quarenta capítulos, a
novela deve introduzir elementos novos para chamar a atenção; ela nunca mostra todas as suas armas nos primeiros momentos (...) Essa ondulação, é
obrigatória e se destina a renovar no telespectador, a curiosidade e a empatia (Pallottini, 1998, p.61-64).
Pallottini (1998) diz que um dos elementos fundamentais da telenovela
brasileira é a existência obrigatória de uma trama principal e muitas sub-tramas.
As sub-tramas são histórias paralelas, de vários tipos, que correm ao lado da
trama principal, ligando-se de alguma forma a ela. A apresentação de muitas
tramas secundárias é a garantia da possibilidade de extensão e complicação da
história (Pallottini, 1998, p.74,75).
O conjunto de personagens e histórias - os núcleos, os sets, as famílias -
são utilizados paralelamente e ao mesmo tempo. Segundo a autora (1998), a
telenovela precisa e se vale da multiplicidade de enredos. As tramas paralelas
de tons mais leves são feitas para amenizar o teor dramático de certos enredos.
Dentre tantas tramas e sub-tramas, é indispensável saber dosar a evolução de
cada história, para não se esgotar o enredo.
Existe uma técnica especial para implantação do primeiro capítulo, segundo
Pallottini (1998). O início deve ser cheio de impacto, rico em conteúdo, e
movimentação. Os primeiros vinte capítulos devem ser atraentes, e depois o
nível de tensão tende a cair. O capítulo de uma novela deve ter, segundo a
autora, algumas características básicas: a) Um personagem ou um fato deve
mover os acontecimentos. b) Os acontecimentos devem envolver algum
protagonista. c) O capítulo deve tratar, além da história principal, de uma ou mais
subtramas. d) O gancho deve envolver algum protagonista. e) As cenas devem
ser curtas (um a três minutos). f) O capítulo deve desenvolver alguma
subtramas ligeiras e suaves. g) O capítulo deve respirar, ou seja, dever ter
alguma cena em exterior. h) O capítulo deve começar alto, baixar e voltar a subir
34
no final. i) O gancho nunca deve propor uma expectativa falsa. j) Deve haver
uma efetiva mudança em cada capítulo (Pallottini, 1998, p.86).
A autora (1998) lembra também que para um capítulo de telenovela gere
interesse e motive a audiência, é indispensável que tenha ação. E que não se
deve entender a ação como um simples movimento exterior. (Pallottini, 1998,
p.87).
Calza diz que o capítulo deve ter uma distribuição equilibrada das
emoções contidas nas cenas de todos os segmentos da história. Os capítulos
são construídos em segmentos, intercalados por pausas para comerciais (Calza,
1996, p.43).
Para Pallotini (1998) o público deve ter a oportunidade de respirar porque
as constantes cenas em estúdio provocam sensação de claustrofobia. A autora
chama atenção também para o que ela chama de modulação ou ondulação, que
são os altos e baixos ou o ritmo da narrativa. Se, no capítulo vinte, terminou num
momento especial, com o telespectador esperando por uma resposta importante,
o capítulo terminou alto, e o capítulo seguinte vai começar alto. A autora faz um
gráfico, e diz que o intervalo comercial é sempre uma ameaça de troca de canal
pelo telespectador, momentaneamente desinteressado (Pallottini, 1998, p.98).
Segundo Pallottini, cada capítulo de novela deve sofrer pelo menos uma
mudança. Isso garantirá a evolução das situações dramáticas, o dinamismo do
capítulo e do conjunto de capítulos que constitui a telenovela. (Pallottini, 1998,
p.99). É comum que se termine cada capítulo com uma situação de expectativa
que motive a audiência. Esse momento chama-se gancho. Segundo Pallottini, a
finalidade do gancho é sempre criar expectativa. Trata-se de inventar um meio
de fazer com que o espectador volte a procurar o capítulo do dia seguinte. E
isso se consegue quando se estabelece a promessa de uma revelação, o fim de
uma dúvida, a resolução de um dilema:
Alguém bateu à porta e o protagonista vai abrir. O que será? Uma carta, um telegrama, uma notícia: qual é o conteúdo dessas mensagens? O público não
conhece o conteúdo da notícia, a identidade do visitante, as palavras do interlocutor ao telefone. Cabe ao produtor da ficção dar a resposta (Pallottini, 1998, p. 55,122).
É preciso que a audiência acredite no amanhã da novela, diz Pallottini
(1998) e volte a ligar o seu receptor. É para isso que se cria o gancho, é para
isso que se criam todas as técnicas que despertam suspense e expectativa
(Pallottini, 1998, p.123).
35
4. Metodologia
Como visto anteriormente, a pergunta formulada para investigar a
influência do consumidor na produção de telenovelas é: De que forma e em que
medida a estrutura de produção de telenovelas utiliza, durante o seu processo
de feitura, informações sobre o consumidor?
4.1. Tipo de pesquisa
Para investigar o tema foi realizado um estudo de caso. Este consiste em
investigar um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto da vida real
(Yin, 2001, p.32). O fenômeno contemporâneo de marketing aqui presente é o
gerenciamento das informações sobre o consumidor servindo como guia para a
estratégia de negócio. O contexto da vida real é o referido processo numa
empresa de televisão - TV Globo e o tratamento de dados com o seu consumidor
de telenovela - o público telespectador.
Segundo Yin (2001) o tipo de questão fornece uma chave importante para
se estabelecer a estratégia de pesquisa mais apropriada. A natureza da
pergunta do presente estudo, de que forma acontece o processo de informação
sobre o consumidor dentro da empresa, é do tipo como. Segundo o autor
questões do tipo como um determinado fenômeno acontece, sugerem um estudo
de caso. O foco pode ser uma organização, um indivíduo, um programa, um
processo, etc. O presente estudo de caso, chamado por Yin de unidade de
análise, constitui-se de um processo.
A Influência do consumidor, objeto desta pesquisa foi interpretado como
um processo. Este é constituído por coleta, tratamento e análise de dados sobre
o consumidor de telenovelas, e implementação dos resultados obtidos com
essas informações (Yin 2001, p. 27, 28, 31, 42).
Um estudo de caso, em algumas circunstâncias, pode ser a única forma de
compreender uma situação complexa (Aaker, 2001, p.220).
A Organização investigada foi a Rede Globo de televisão, a maior
produtora de telenovela do Brasil e da América Latina, escolhida por ser pioneira
no processo que diz respeito a este estudo.
36
4.2. Método de pesquisa
Entrevistar o maior número de autores de telenovela, e questioná-los sobre
as modificações já propostas pelo telespectador, parece o recurso mais direto
para alcançar a resposta da pergunta desta pesquisa, pois são os autores os
responsáveis pela criação do produto e qualquer ajuste no mesmo. Porém, há
dificuldades em relação à disponibilidade desse recurso. Os autores de
telenovela não executam seu trabalho dentro da empresa, suas residências
podem ser em outros estados; viajam, e se ausentam por um ano ou mais.
Essas razões interferem nas possibilidades de serem entrevistados.
De qualquer forma, tanto para entrevistá-los quanto para chegar à resposta
da pergunta desse estudo, é preciso conhecer o contexto da questão. É
necessário conhecer o negócio, a empresa, os processos de uso das
informações sobre o consumidor que nela acontecem. Não se pode entender a
abordagem feita pelos profissionais de criação, autores, diretores, profissionais
de produção e administração, na ausência de uma gama de informações. Por
essa razão, este estudo descreve um pouco mais sobre conceitos do produto e
também sobre sua produção.
Além de alguns autores, diversos outros profissionais que trabalham em
produção ou em áreas administrativas relacionadas à telenovelas foram
entrevistados para compreensão das questões deste estudo. Foram
entrevistados: cenógrafo, figurinista, produtor de arte, diretor de produção,
engenheiros, profissionais de recursos humanos e pesquisa para o entendimento
do negócio e da construção do produto.
Para atingir os objetivos intermediários desse estudo, foi necessário
conhecer a Central Globo de Produção - CGP, conhecida como Projac, onde são
produzidas as telenovelas; assistir a capítulos de novelas; identificar, estudar
documentos e arquivos; fazer entrevistas com diversos profissionais da empresa.
4.3. Coleta de dados
Seguem, de forma mais detalhada, as fontes de evidência em que se
baseia o estudo de caso, seguindo o princípio de coleta de dados, proposto por
Yin (2001):
37
a) Observação direta
O ponto de partida deste trabalho iniciou-se com visitas à Central Globo
de Produções - CGP, com o objetivo de conhecer o processo de produção das
telenovelas, obter informações sobre a empresa e o negócio telenovelas. As
observações feitas na Produtora ajudaram a direcionar as questões relevante ao
projeto de pesquisa. A mobilidade e a oportunidade de entrevistas acontecem
com mais facilidade, embora tenha um ritmo de trabalho intenso.
Existe uma natural limitação de acesso aos setores administrativos da TV
Globo no Jardim Botânico, onde circulam informações específicas sobre o
telespectador. O conhecimento in loco da Produtora, fornece uma visualização
da dinâmica do negócio, uma maior intimidade com o assunto, prazer e
motivação. A visita à Produtora constará de participação em palestras,
seminários e observação de algumas gravações de novelas.
b) Artefatos físicos
Foram realizadas visitas as cidades cenográficas, estúdios de gravação,
cenários de novelas e visita ao laboratório Memória da Criação.
c) Recepção de telenovelas
Faz parte também da coleta de dados a observação de novelas. Foram
feitas recepção das novelas Mulheres Apaixonadas e Celebridade para
identificação de elementos deste estudo e obtenção de conhecimento para
entrevistas e conversas com profissionais da empresa.
d) Documentos
Foram realizados estudos de textos e documentos da empresa disponíveis
a consultas, recortes de jornais, artigos publicados na mídia e revistas
especializadas.
Foram feitas consultas ao Centro de Documentação da Globo - CEDOC e
pesquisas a sites.
38
e) Entrevistas
As entrevistas feitas foram do tipo semi-estruturada. Em cada uma delas
foram abordadas questões gerais – o negócio telenovelas e o papel de alguns
setores da empresa e, outras específicas - relacionadas à pergunta do presente
estudo.
1) Entrevistas pessoais na TV Globo:
Alexandre Ishikawa - Produções em telenovelas (Outubro/2003).
Fernando Lima de Araújo - Produções em telenovelas (Outubro/2003).
Beth Felipeke - Produções em telenovelas (Agosto/2003).
Luciana Nick - Produções em telenovelas (Setembro/2003).
Keller - Produções em telenovelas (Setembro/2003).
Marcelo Rosa - Produções (Agosto/2003).
Duda Pereira - Recursos Humanos (Outubro/2003).
Iracema Padrenosso - Recursos Humanos (Outubro/2003).
Eliana de Pinho - Recursos Humanos (Outubro/2003).
Eneida Nogueira - Pesquisa de Mercado (Setembro/2003).
Marcia Clark - Central de Atendimento ao Telespectador (Novembro/2003).
Lacy Barca - Projetos sociais (Março/2004).
Mônica Albuquerque - Assessoria de Imprensa (Julho/2004).
Manoel Carlos - Telenovelas (Novembro/2003).
Lucia Abreu - Telenovelas (Fevereiro/2004).
Jorge Fernando - Telenovela e Produções em telenovelas (Julho/2004).
Mário Lúcio Vaz - Administração (Julho/2004).
Fernando Bittencourt - Administração (Agosto/2003).
Edson Pimentel - Administração (Julho/2004).
Mauro Franco - Administração (Março/2004).
João Marcos - Administração (Agosto/2003).
Roberto Barreira - Administração (Fevereiro/2004).
2) Entrevista por e-mail:
Ricardo Linhares - Telenovelas (Setembro/2004).
Edmara Barbosa - Telenovelas (setembro/2004).
Edilene Barbosa - Telenovelas (Setembro/2004).
39
Gilberto Braga - Telenovelas (Setembro/2004).
Sidney Fernandes - Pesquisa de audiência (IBOPE - Novembro/2004).
4.4. Limitações do método
Aaker (2001) observa que num estudo de caso, é preciso que o
pesquisador esteja relativamente informado sobre o assunto que está sendo
pesquisado para que possa se relacionar com o respondente em seus próprios
termos (Aaker, 2001, p.209). A pesquisa presente requer considerável
entendimento do negócio e essa possibilidade é relativamente parcial ao
pesquisador externo à empresa.
A análise das informações sobre o mercado consumidor é de uma forma
geral, assunto confidencial da empresa e dos setores competentes. Desta forma,
o processo de gerenciamento das informações sobre o consumidor, tema desse
estudo, tem limites em sua investigação. Assim, este estudo adota uma
abordagem possível e faz adequações de modo que o tema possa ser
investigado.
Os resultados da presente investigação irão considerar a opinião dos
profissionais entrevistados, isto é, suas visões particulares dos processos da
empresa. Ainda que tenha havido um número significativo de profissionais
entrevistados, existirão diversos outros profissionais na empresa (que não foram
entrevistados) com visões diferentes sobre as questões investigadas. Espera-se
que esse tipo de limitação possa ser minimizado pela qualidade de interpretação
das entrevistas e também pela adequada seleção dos documentos investigados.
Finalmente há na presente investigação, uma interpretação particular,
expressa na apresentação de seus objetivos, final e intermediários. Essa visão e
seleção de objetivos fazem com que o estudo, traga em si, limitações nos seus
resultados. Outras interpretações poderão ser dadas ao tema, com a escolha de
caminhos alternativos para sua abordagem.
40
5. Estudo de Caso
5.1. Introdução
As descrições seguintes, evolução do negócio das telenovelas, aspectos
sobre roteiro e produção, contextualizam a pergunta desta pesquisa. Embora
não se refiram diretamente ao processo da influência do consumidor, e pareçam
às vezes, um pouco mais extensos e distantes da resposta à questão de
interesse deste estudo, todos visam fornecer uma base para sua compreensão.
As alterações no produto telenovela, que é a questão que se pretende
investigar, estão de uma forma ou de outra relacionadas ao seu significado
mercadológico, cultural e às técnicas de sua fabricação em termos de roteiro e
produção. Embora as novelas tenham um grande consumo, seu significado em
termos de negócio para a empresa, a técnica de confecção do roteiro, produção
e toda a sua indústria são elementos poucos conhecidos.
A participação do consumidor na produção de telenovelas é assunto que
requer uma base de conhecimento para discussão. Os tópicos desenvolvidos
nesta seção têm o objetivo de oferecer os conhecimentos necessários para
avaliação da questão. A compreensão do processo de captação e uso das
informações sobre o consumidor de telenovelas demanda o entendimento do
ambiente em que esse produto é fabricado. A descrição desse ambiente
possibilita situar a dimensão da participação do telespectador, sua extensão ou
sua própria limitação.
5.2. As telenovelas da Globo
Em 1965, A Rede Globo, canal 4 (RJ) começou a operar. A partir de 69,
firmou sua posição no espaço audiovisual brasileiro. Com a implantação do
sistema de telecomunicações da Embratel, sua rede televisiva se ampliou,
passando a cobrir parcelas significativas do território nacional. Ortiz et al. (1991)
observam que a empresa criaria as bases para uma perfeita produção de cultura
industrializada, unindo planejamento e estrutura organizacional vertical e
centralizada e comentam: "a emissora incorpora, como nenhuma outra, a
necessidade de montar uma indústria cultural adequada a nova fase de
desenvolvimento" (Ortiz et al., 1991, p.82).
41
Segundo Ortiz et al. (1991), no final dos anos 60 e início dos anos 70, a
televisão brasileira e sua indústria se consolidaram definitivamente. Cresceu
muito o número de aparelhos, e o investimento publicitário priorizou o novo meio
de comunicação. Houve uma modernização na estrutura organizacional no
campo tecnológico, gerencial e de produção. Os autores observam que a TV
Globo emergiu neste contexto como uma emissora exemplar: “A época será de
busca de padrões de excelência no campo empresarial, de estabilização da
programação, e também de qualificação da ficção televisiva (centrada na
telenovela)” (Ortiz et al., 1991, p.80,81).
Depois de 1972, houve uma aceleração para afiliar estações. Para contar
com os anunciantes, as emissoras deviam ter amplitude nacional. Em 1980, a
TV Globo contabilizou 36 emissoras afiliadas, número que cresceu para 48 em
1986, cobrindo 98% dos municípios brasileiros, com uma audiência estimada em
80 milhões de espectadores. A TV Tupi, com problemas na sua organização,
não se modernizou tecnicamente, deixando de fixar uma programação
padronizada e de qualidade, entrou em crise e suspendeu as atividades em 80.
Nesse contexto, as telenovelas desempenharam um papel importante na disputa
entre as duas Redes, Tupi e Globo (Ibid, p. 84).
Entre 1970 e 1975, as emissoras, Tupi e Globo concorreram pela
ocupação dos horários noturnos. A TV Globo, mais regular, mostrando maior
racionalização de planejamento, manteve suas três novelas, das l9, 20 e 22
horas, extinguindo depois o horário das 22h e fixando o das 18 horas. A Tupi
teve maiores irregularidades, oscilando entre 2 e 3 novelas simultâneas. Essas
flutuações nas ocupações dos horários revelaram, além da concorrência,
dificuldades organizacionais de produção (Ibid, p.91).
Nesse período, a Globo, segundo Ortiz et al. (1991), encontrava um
padrão para o número ideal de capítulos de cada novela. No início da década,
havia uma variação de 6 a 9 meses de duração para as novelas das 19, 20 e
22h, estabilizando no final da década em torno de 6 meses, o que correspondia
a uma média de 155 capítulos. Ocorriam também mudanças na duração diária
das novelas que passavam de meia hora para 40, 45 minutos, e posteriormente
50, 60 minutos. Outras emissoras, como a Tupi, não conseguiam encontrar essa
padronização (Ibid, p.91).
A novela passou a dominar a programação nacional. Tornou-se um gênero
fundamental para as emissoras, superando a audiência dos shows de auditório e
noticiários, e teve importância na disputa entre as redes. A Globo, sem
42
concorrente do seu nível, passou a ter domínio do espaço ficcional da televisão
brasileira. (ibid, p.91)
A novela, a partir da década de 70, começou a ser administrada como um
produto industrial, havendo segmentação do público-alvo de acordo com faixas
etárias, temas, duração, gêneros e horários, com interesses inclusive da venda
de anúncios. O horário das 20 horas, por exemplo, se consolidava como o de
reunião da família. Alencar (2002) comenta: “Reunida para jantar e assistir o
jornal Nacional, a família estava pronta para as tramas urbanas e rurais e para
as discussões dos assuntos mais palpitantes do dia-a-dia”. Com essa nova
forma de segmentação e gerência, a Rede Globo elevava consideravelmente
sua audiência e atingia o monopólio da produção de telenovelas durante os anos
70 (Alencar, 2002, p. 56, 58).
A partir desse período, os temas se tornaram mais nacionais, restringindo
as adaptações, aos romances nacionais e estrangeiros, em vez dos textos
melodramáticos importados. Os autores brasileiros passavam de adaptadores a
autores de suas próprias novelas. É o caso de autores como Durst, Benedito Rui
Barbosa, Dias Gomes, autores com experiência no teatro e no cinema (Ortiz et
al.,1991, p.93).
Nesse período, os autores tendiam a retratar, discutir e criticar a realidade
brasileira, tendência verificada em várias sinopses apresentadas pela TV Globo,
e citadas por Ortiz et al. (1991): "A vida de São Paulo, nas suas 24 horas de
correria poluição, gente se esbarrando e nem sentindo, solidão, superpopulação
(...)" (Andrade apud Ortiz, 1991, 95). Assim, surgia uma nova temática. Eram
contradições da metrópole, conflitos políticos e cultura popular. Os autores
relatam um depoimento de Muniz Sodré: “Acho que a novela Saramandaia está
fundada no realismo fantástico (...) e isto é uma forma mercadológica de
narrativa que não pode ser desprezada” (Ortiz et al., 1991, p.95).
Ortiz et al. (1991) observam que essa nova linguagem surgiu num
momento de modernização da sociedade brasileira que demandava por uma
reformulação da própria narrativa televisiva. Segundo ele, a descoberta do
cotidiano, do real respondia por fatias maiores de público, além de refletir as
preocupações de um grupo de escritores, marcados por um projeto nacionalista,
mais à esquerda, cuja concepção estética tinha influência do realismo literário e
teatral (Ibid, p.95).
Nos anos 70, verificou-se uma grande virada, temática e técnica (aspectos
que se relacionam). A novela Pigmaleão 70 ilustrou uma mudança temática,
além de uma nova posição da empresa; uma novela com uma linguagem
43
moderna, coloquial e com uma qualidade técnica muito superior a tudo que já
fora visto. Sem certas condições técnicas, diz Alencar (2002), seriam inviáveis
determinadas modificações como cenas de velocidade, cortes e closes mais
sofisticados. Nenhum desses recursos seria necessário para fazer uma
telenovela no estilo dos anos 60, com seus diálogos lentos e arrastados
(Alencar, 2002, p. 59).
Enquanto ocorria um desenvolvimento do padrão de qualidade técnica e
visual da telenovela, havia nesse mesmo período, uma tendência para o
realismo que se consolidava cada vez mais. O aumento das cenas externas
aumentava o realismo e tendia a descrever o real de uma forma mais fotográfica.
Existia uma filosofia ou política que colocava o telespectador mais perto do real e
isso permeava os diversos setores da fabricação da telenovela (Ortiz, et
al.,1991, p.140).
A partir de 1975, diz Alencar (2002), a telenovela passou ser o produto
televisivo de maior sucesso. Estava formada a grade de programação televisiva:
novela - jornal nacional - novela - programa humorístico/show/documentário -
novela (Alencar, 2002, p.60).
Alencar (2002) observa que a visão empresarial em relação ao público-
alvo resultou basicamente em duas mudanças: divisão do estilo da telenovela
por horário, complexidade e o aumento dos núcleos dramáticos em cada uma
delas. Deixou-se de utilizar apenas um núcleo básico, centrado nos conflitos
amorosos do casal principal. Diversos núcleos passaram a se interligar, para
gerar maior empatia com as diversas faixas do público consumidor; estratégia
que permaneceu até os dias de hoje. Autores e diretores de novela tinham
liberdade para adaptar a história, aumentando ou diminuindo a importância de
personagens e núcleos dramáticos em função de sua maior ou menor aceitação
por parte dos telespectadores (Alencar, 2002, p.60).
Segundo Alencar (2002), existia uma íntima relação entre as
transformações ocorridas na sociedade brasileira na época e a mudança
temática e estrutural da telenovela. Uma dessas mudanças sociais nos anos 70
era o crescimento maciço da população urbana. A massa do público consumidor
de telenovela passava então a se concentrar nas grandes cidades,
especialmente no eixo Rio - São Paulo. O foco das novelas passava ser temas
urbanos, uma preocupação da emissora em aproximar a temática à realidade
cotidiana mais imediata deste público (Alencar, 2002, p. 61).
Na década de 80, novelas como Roque Santeiro ou Roda de Fogo não
foram somente grandes sucessos de audiência, elas procuraram se apresentar,
44
para o público ou para a sociedade, como narrativas legitimadas pelos temas
políticos que abordavam. Lauro César Muniz (1986), citado por Ortiz et al.
(1991), observa que Roda de Fogo foi uma novidade como novela. O
personagem principal era um personagem poderoso e mau caráter. Uma novela
com conteúdo político e que tratava do poder. Calcada numa linha de ação onde
o personagem principal era negativo, anti-herói, na verdade a tradição de Beto
Rockefeller (Ortiz et al., 1991, p.96).
No início de 80, a SBT produzia o melodrama tradicional, na crença de que
o gênero ainda pudesse reaquecer a indústria televisiva. De 82 a 85, a SBT
produziu 15 novelas, a maioria dramalhões da escritora mexicana Marisa
Garrido. Em 84, a SBT ocupava 23% de sua programação com novelas contra
20% da Globo. Entretanto, essa estratégia do estilo popular mostrou-se
inadequada, diante da modernização por que passou a telenovela brasileira, não
resultando na audiência desejada. (Ortiz et al., 1991, p.107)
Ortiz et al. (1991) observam que a produção que se vê hoje industrializada
foi construída ao longo dos anos 60 e 70, combinando o aparato tecnológico e as
aptidões dos autores, diretores e atores. Algumas mudanças foram
revolucionárias, como no campo da tecnologia. A introdução do vídeo tape
permitindo a correção dos erros, transistores, circuitos integrados, melhorando o
sinal de vídeo, emenda eletrônica de VT, gravador de vídeo em disco, permitindo
sofisticação da imagem, câmara lenta, equipamentos para transmissão em
cores, câmaras, gravadores de video-teipe com dimensões reduzidas, facilitando
as gravações externas, são exemplos dessas mudanças (Ibid, p. 123).
Diferentes setores acompanharam esse processo de modernização, como
por exemplo, a técnica de construção e utilização dos cenários. A novela
colorida passou a causar preocupações com maquiagem, figurino, pois as
imperfeições eram notadas com facilidades. A iluminação também assumia uma
maior importância. Assim, comentam os autores: “Todo um know-how vai sendo
absorvido na feitura da telenovela nos anos 70 e um novo padrão tecnológico vai
se cristalizando” (Ibid, p. 123).
Segundo Ortiz et al. (1991) observa-se, ao longo dos anos, uma
preocupação constante com a excelência do produto. A Globo sedimentava um
processo em que os resquícios de artesanato desapareciam, e a novela tornava-
se um produto científico: “(...) desde a escolha da sinopse e dos autores,
passando pelo elenco, composto pelo melhores elementos (...)” (Ibid, p.126).
45
5.2.1. As pesquisas e a industrialização da telenovela
Dulce Ribeiro (1986), do setor de pesquisa da Globo, citada por Ortiz at al.
(1991), diz em entrevista que, a partir de Irmãos Coragem, o público masculino
começou a se interessar por novela. A relação nesse período era de 60% de
público feminino e 40% de público masculino. A novela trouxe temáticas como,
futebol, garimpo, trazendo um clima de western hollywoodiano. Durante toda a
década, a Globo acompanhou as pesquisas de preferência quanto ao gênero
(Ortiz et al., 1991, p.100). Como as pesquisas apontavam preferência dos
homens, por novelas realistas e fortes, a tendência desse gênero acabou sendo
responsável pelo aumento da audiência neste segmento (Alencar, 2002, p.61).
De qualquer forma, segundo Ortiz et al. (1991), a temática feminina ainda
prevalecia. Nos anos 70, a tradição melodramática foi bastante comum, como
revelam os levantamentos do autor, por gêneros, emissoras e períodos. Os
diálogos e os conflitos do interesse feminino foram constantes (Ortiz et al., 1991,
p. 104).
As temáticas consideradas femininas, porém, sofreram adaptações em
conseqüência da modernização do mundo e do papel da mulher dentro da
sociedade. Gilberto Braga, citado por Ortiz et al.(1991), comenta sobre sua
novela: “Dancing Day, uma história sobre a posição confusa da mulher nos dias
de hoje. Um mundo diverso do folhetim tradicional. O que há agora é uma
mulher que se adequa aos valores do seu tempo. Um folhetim modernizado”.
Esse é o caso de novelas como Selva de Pedra, Plumas e Paetes, Baila
Comigo. Temas considerados folhetinescos readaptados à realidade brasileira
(Ortiz et al., 1991, p.126).
Porém, na lista de novelas descritas neste período, continuou também uma
série de novelas com conteúdo melodramático tradicional. Começou-se a pensar
num controle racionalizado da produção para lançamento dos produtos da Globo
no mercado. Com isso, a empresa passou a se preocupar com a quantificação
de dados sobre o telespectador, como também com elementos qualitativos da
recepção. Ortiz et al. (1991) citam o depoimento do diretor da Rede Manchete
que se ressentia, naquela época, da falta de um departamento de pesquisa que
fosse além da análise de dados de audiência. O diretor se referia a um maior
aprofundamento sobre o telespectador, para um melhor direcionamento e para
maior destaque dos personagens de preferência do público telespectador (Ibid).
Nos anos 70 e 80, a Globo incrementou as pesquisas mais detalhadas por
meio de Homero Sanches. A empresa passou a acompanhar o produto desde a
46
análise da sinopse até sua exibição final. A preocupação era com o interesse
pela novela durante todo o tempo. Sanches, citado por Ortiz et al. (1991), diz que
tinha autores que iam muito bem no início, mas depois caíam. Nessa época, ele
criou o que se chamava de trilho. Era como se fosse um padrão de marcação de
audiência. Se a novela saísse do trilho 3 vezes numa semana, alguma coisa
estava errada, e era convocada uma reunião com o autor (Ibid, p.127).
As pesquisas foram decisivas nos anos de modernização e de
industrialização da telenovelas. As análises de caráter quantitativo feitas pelo
Ibope - Instituto Brasileiro de Opinião Pública, davam a possibilidade de calcular
a audiência minuto a minuto. Nessa época, desenvolveu-se o mecanismo do
“group discussion, técnica utilizada nas pesquisas qualitativas que se tornou
freqüente e de conhecimento popular nas telenovelas” (Ibid., p.128).
Ortiz et al. (1991) discutem as particularidades desse tipo de indústria,
onde as tarefas são bem distintas e independentes. Citam genericamente
profissionais do setor que faziam analogia entre a fabricação de novela e a
produção industrial em geral. “Fazer novela é como produzir panela em fábrica
(...)”. Os autores observam que o produto final é um mosaico de práticas,
montado por setores de forma independente. A função de diretor é fragmentada,
para se ajustar ao ritmo industrial. Há pouca comunicação entre autores e
atores, entre direção, edição, sonoplastia. O ator Othon Bastos citado Ortiz et al.
(1991), faz o seguinte comentário sobre esse seccionamento do trabalho:
Você tem sete capítulos por semana para gravar e tem que dar vazão a esses sete capítulos. Se você estiver agradando, seu personagem melhora, se não
estiver agradando, seu personagem vai diminuindo. O autor vai mandando cortar, a emissora vai mandando cortar, o diretor vai mandando cortar. Você não é senhor
do seu personagem (Ortiz et al., 1991, p. 150,151).
O ator Claudio Marzo, também citado pelos autores, observa: “Você faz
mas não sabe o que vai acontecer depois (...) cada um faz o seu, chega e faz o
seu pedaço”. (Ibid, p. 151). A discussão sobre a indústria, cultura de massa e
arte sempre esteve presente. Aguinaldo Silva (apud Ortiz et al.) reage contra os
críticos dos jornais e revistas sobre cobrar da televisão uma postura de
vanguarda e justifica:
A TV é um negócio explorado por capitais privados, que depende de anunciante. Para ter anunciante, ela depende de altos índices de audiência. E para ter
audiência, ela tem que ser média, mediana mesmo. Não pode ser de vanguarda, porque a emissora vai à falência. Isso é elementar. Então os parâmetros de
qualidade em relação a uma indústria como a TV devem ser diferentes. O que uma novela precisa é ser popular (...) (Ortiz et al., 1991, p.159).
47
Glória Magadan, autora de novela, citada por Ortiz et al. (1991), diz no seu
depoimento: “(...) A telenovela é um produto a ser vendido comercialmente.
Como uma geladeira, um tipo de tecido ou um par de sapatos. Não é literatura
nem subliteratura. É um produto industrial” (Ortiz et al., 1991, p. 160).
5.3. A consolidação das pesquisas na Globo
Homero Sanches (1980), criador da Divisão de Análise e Pesquisa da TV
Globo, na década de 70, diz em entrevista à revista Briefing não ser possível
atender o mercado de televisão, jornal, rádio, revista ou qualquer outro meio de
comunicação de massa, sem pesquisa. Observou que a TV é o único meio que
tem pesquisas diárias. Diz ele:
A pesquisa sobre a TV é fundamental. A TV é feita para uma audiência que só se
pode conhecer através da pesquisa. Pesquisa que é feita com dois objetivos: conhecer o mercado constituído pela audiência e saber o que esse público pensa
e espera da televisão. É a forma de saber quem se atinge com a TV, quando e de que forma, quais os efeitos sobre esta audiência. É a maneira de saber se a
programação está de acordo com a expectativa dos espectadores. Saber o que a comunidade espera da TV, em termos de informação, entretenimento, cultura e serviços (...). É preciso descobrir as expectativas da audiência, suas necessidades
não preenchidas, a nível consciente e inconsciente (Briefing 1980, p.80).
Até 1971, tinha-se apenas a mensuração da audiência, que é uma
pesquisa de confirmação. Não se conhecia o perfil do telespectador. Mais tarde
é que se criou uma estrutura apropriada para este tipo de levantamento,
pensando na qualificação e no comportamento da audiência (Ibid, p.81).
Entre 70 e 80 a Globo passou a ter maior interesse em conhecer melhor os
hábitos dos telespectadores e entender de forma adequada os relatórios
entregues pelo Ibope. A emissora iniciou as pesquisas mais detalhadas em
relação às telenovelas. Sanches (2000), em depoimento ao livro 50 Anos de TV
no Brasil, diz que até então os critérios para manutenção de um programa na
grade de programação eram simples e imediatos: deu audiência se repete ou se
imita. A partir de Sanches, a emissora começou então a análise de pesquisas
para a audiência de televisão. A Divisão de Análise e Pesquisa se consolidou e
iniciou-se então a busca no sentido de conhecer a composição do público e sua
maneira de reagir perante a televisão. Passou-se a contar com o uso de
estatística e alguns fundamentos da sociologia e psicologia social, para apoio de
análises (Boni, 2000, p.112).
48
Sanches diz em depoimento ao livro de Boni (2000) que a empresa então
iniciou levantamentos sobre as classes sócio-econômicas, nas cidades onde a
empresa tinha estação de televisão, utilizando, critérios usados em outras partes
do mundo sobre definição de classe econômica. Definida a classe, eram feitas
pesquisas sobre hábitos e tendência para saber a que horas o telespectador
ligava e desligava a televisão e a que programa assistia. Diz Sanches:
“Queríamos descobrir exatamente que programa levar ao ar” (Boni, 2000, p.113).
Sanches (2000) observa que, com o crescimento da Divisão de Pesquisa,
o departamento passava, além de analisar a programação, a opinar sobre as
novelas antes até de serem aprovadas. Eram enviadas ao seu departamento
sinopses de futuras novelas, acompanhadas da descrição de personagens para
que se opinasse por escrito, embora não houvesse participação dos
telespectadores na versão final (Ibid.)
Além do levantamento sócio-econômico, a Divisão de Pesquisa, para
melhor composição dos dados, passou a fazer um levantamento sócio-cultural,
criando 36 categorias de classes, usadas então, para descrever a audiência de
novela. Diz Sanches: “Depois de alguns meses, começávamos a identificar o
gosto cultural da audiência em determinados horários e a examinar a
programação, em busca de maior repercussão” (Ibid., p.114).
Sanches (2000) relata que fundou nesta época, com sua esposa, uma
empresa de pesquisa de discussão de grupo (group discussion) onde organizava
grupos de duzentas mulheres, de diferentes classes sócio-econômicas, para
tecer apreciações sobre as novelas em determinadas fases. Diz Sanches:
No capítulo 18, perguntava-se sobre a compreensão da trama, o personagem, os casos amorosos, os aspectos morais e estéticos da história; perguntas simples,
que permitiam avaliar o começo da novela. No capítulo 36, discutia-se se o artista tinha se adequado bem ao personagem e se a trama da novela continuava sendo
bem compreendida, se as duplas amorosas já estavam bem definidas, se havia qualquer tipo de rejeição a personagens, além dos aspectos formais de uma obra, como cenários, iluminação, figurinos, etc. (...) No capítulo 54, era feita a última
discussão, quem vai casar com quem, como vai acabar a história. Esse estudo foi utilíssimo para a Rede Globo e é feito até hoje (Ibid.).
Sanches (2000) explica sobre o que se denominou trilho da novela, um
conceito utilizado durante quatro décadas pela emissora:
O trilho da novela consiste em examinar a audiência dos trinta primeiros capítulos e prever, aproximadamente, a audiência dos próximos. Assim, podíamos saber se
uma novela oscilaria entre 53 e 63, ou entre 62 e 72 pontos de audiência. Se numa semana ela se afasta três vezes desse trilho – fato grave, tínhamos de
descobrir se isso se devia ao texto, à direção ou ao concorrente e ficar seguros de que a novela voltaria ao trilho original (Ibid.).
49
Sanches (1980) diz em entrevista a Revista Briefing que a pesquisa pode
ser um guide-line para o criador, produtor e o programador; que estes podem
usar muito a pesquisa como fonte de consulta. Com bases nos resultados das
pesquisas dos group discussion, que são realizados antes, no inicio e durante a
novela são preparados relatórios e definido o trilho para orientar os seus
criadores. Sanches observou: “Isso tem sido muito útil para eles” (Briefing, 1980,
p.81).
Sanches (2000) explica também que o trilho não é um parâmetro fixo, isto
é, não é uma meta, de audiência, pois é preciso considerar as características do
horário. Em relação à novela, a previsão só funciona até um certo capítulo, pois
nos últimos vinte capítulos começam a surgir as soluções das tramas
desenvolvidas e, consequentemente, há um aumento de 10% em toda a
audiência (Ibid., p.114-115).
5.4. Painel Nacional de Televisão no Brasil - PNT
O objetivo principal do Painel Nacional de Televisão - PNT é oferecer ao
mercado uma descrição extensiva e abrangente do consumo de TV no mercado
brasileiro traduzida em informações de estado de sintonia, audiência domiciliar e
individual, penetração, perfil, alcance e freqüência de exposição ao meio para a
população residente nos centros urbanos mais importantes do país (Mercado
Global, 1996, p.59).
O sistema é um instrumental disponível para determinar a alocação das
verbas publicitárias, graças ao rigor técnico e precisões, garantidos pela aferição
eletrônica da audiência minuto a minuto (Mercado Global, 1996, p.59).
A operação do PNT baseia-se na instalação de people meters em uma
amostra fixa (painel), determinada estatisticamente segundo parâmetros sócio
demográficos, balizados pelo Censo do IBGE e pelo LSE - Levantamento Sócio
Econômico do Ibope. (Mercado Global, 1996, p.60).
A implementação do serviço de medição de audiência começou em 1995,
pelo Ibope, com a instalação do people meter em sete capitais brasileiras: Porto
Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília, Salvador, Recife, Fortaleza
completando o processo, já em funcionamento no Rio de Janeiro e São Paulo. O
projeto se desenvolveu em etapas com a inclusão gradual das principais cidades
brasileiras das regiões Sudeste, Sul, Centro-Oeste, Nordeste e Norte. O
50
processo, segundo informações do site da empresa, finalizou em 2004 com a
implantação do sistema em Fortaleza (site Ibope, dezembro de 2004).
Considerando os 1050 aparelhos já existentes (Rio de Janeiro e São Paulo),
passou-se a uma amostra de 1550 aparelhos instalados (inclusão das capitais)
(Mercado Global, 1996, p.60).
Numa etapa seguinte, o PNT incorporou 22 municípios ou aglomerações
urbanas com mais de 200 mil habitantes. De uma amostra de 1550 domicílios
passou-se a uma amostra de 2556 domicílios (similar às existentes na Itália e na
França), representando 40% da população e 56% do potencial de consumo
nacional (Mercado Global, 1996, p.60).
Segundo Sidney Fernandes, gerente do Controle de Qualidade e Dados
do Ibope Mídia, o processo de ampliação da amostra foi gradativo na medida em
que foram incluídos novos municípios. As novas regiões passaram também a
possibilitar resultados isolados.
Houve uma estruturação apropriada para informar audiência das
emissoras de TV por assinaturas a partir de 2001/2002, ocasionando aumento
da amostra de São Paulo e Rio (área metropolitana). Hoje, a amostra total é de
3200 domicílios, diz Sidney (Entrevista 11/12/2004).
As amostras são calculadas de forma a permitir a análise nacional de
segmentos da classe AB que, embora pouco expressivos quantitativamente, são
os mais importantes do ponto de vista do consumo. O people meter pode avaliar,
além do volume total da audiência, a qualificação do público de cada programa e
identificar a relação dos programas com um determinado perfil de público
(Mercado Global, 1996, p. 60).
Os registros de audiência são gravados e coletados por diferentes meios.
Os people meters são dotados de uma unidade de processamento, cujas rotinas
residentes cumprem as funções de leitura, registro e transmissão das
informações. A transferência dos dados para a central de computação dos dados
do sistema ocorre de maneira distinta para cada região. Pode ser feita em real
time, transmitidos diretamente para a central de processamento, por
radiofreqüência, por sistema misto de coleta composto por transmissão
telefônica e coleta por radiofreqüência remota. Nas demais regiões usa-se a
transmissão telefônica durante a madrugada com instalação de modems
celulares nos domicílios sem telefone. (Mercado Global, 1996, p.61)
O PNT oferece aos usuários a possibilidade de obter as informações
minuto a minuto, faixas horárias e programas, apresentando estimativas em
51
percentuais ou números absolutos. São disponibilizados os seguintes dados
(Mercado Global, 1996, p. 61):
a) Total de domicílios ligados.
b) Audiência domiciliares por emissora.
c) Participação de cada emissora no total de domicílios ligados.
d) A audiência média, com periodicidade diversa, combinando as variáveis:
sexo, idade e classe social por total de ligados e por emissora.
5.5. Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística - IBOPE
O Ibope Mídia é a empresa do Grupo Ibope responsável pelas pesquisas
de comunicação, mídia, consumo e audiência. A empresa é conhecida por suas
pesquisas na área de audiência. Atua também na área de investimento
publicitário e em pesquisas quantitativas em todos os tipos de veículos,
televisão, rádio, mídia impressa e mídia alternativa. É líder no Brasil e na
América do Sul na aferição de audiência de TV e rádio e foi a primeira empresa
especializada em pesquisas de mídia a surgir no continente. (www.ibope.com.br,
dezembro de 2004).
As pesquisas do Ibope têm por objetivo ajudar os clientes a montar suas
estratégias de mídia fornecendo dados sobre a segmentação da população,
hábitos de consumo e audiência de mídia. Os programas mais assistidos da TV,
as rádios com maior audiência e número de ouvintes, o número de pessoas que
lêem jornal, os meios de comunicação que recebem mais investimentos são
exemplos de dados fornecidos pela empresa. (www.ibope.com.br, dezembro de
2004).
Em entrevista ao presente estudo, Sidney Fernandes diz que o que torna
o Ibope pioneiro no mundo nas pesquisas de audiência é a aferição e liberação
dos dados em tempo real. O profissional explica que, nos países com tecnologia
mais avançada, os dados são coletados via linha telefônica convencional na
madrugada e liberados no dia seguinte, o que é chamado relatório overnight.
(Entrevista 11/12/2004).
No Brasil, a presença de telefones nos domicílios era muito baixa na
década de 80. A maior parte da população pertencia às classes C e DE,
tornando o problema da carência ainda mais acentuado para a coleta de dados.
Para suprir essas características, o Ibope optou por instalar o sistema Linha
Privada - LP nos domicílios. (Entrevista11/12/2004).
52
Sidney (Entrevista 11/12/2004) explica sobre a evolução na aferição dos
índices de audiência ao longo dos anos (1952 - 1990): de 1954 a 1984 a
empresa utilizava o método flagrante ou coincidental call onde os entrevistadores
batiam de porta em porta, perguntando se havia alguma TV no domicílio, que
canal estava sendo assistido, quantas pessoas estavam assistindo, qual era a
idade e sexo dessas pessoas. Em 1985, o Ibope começou a utilizar o Audi TV
incorporando os aparelhos denominados tevêmetros e posteriormente teletron
capazes de registrar as sintonias dos televisores. Ainda eram utilizados, porém,
diários para completar a informação. A coleta era semanal. Em 1988 começou a
ser utilizado o aparelho DIB2, um tipo mais moderno de people meter e
posteriormente o DIB4, aparelho capaz de sintonizar também as emissoras de
TV por assinatura.
Todas essas mudanças foram permitindo uma análise mais complexa dos
índices e dos hábitos de audiência, possibilitando também uma significativa
redução de tempo na entrega de dados mais completos aos clientes (Entrevista).
Segundo Sidney (Entrevista11/12/2004), para os usuários assinantes do
Terminal Cliente Ibope - TCI, os dados diários são disponibilizados via internet,
Linha privada - LP (instalada pela companhia telefônica, ponto a ponto) ou Rádio
Freqüência - RF (popular em celulares). Os dados de audiência são fornecidos,
minuto a minuto na hora em que o programa de TV está ocorrendo. O TCI é uma
maneira rápida de acesso aos dados de audiência. Por meio do TCI, o usuário
pode verificar on-line, indicadores de audiência dos programas e emissoras.
Para usuários regulares, os dados são disponibilizados, diariamente,
semanalmente, mensalmente via internet e em alguns casos pelo envio de
disquetes e cds, dependendo do tamanho do banco de dados.
A tabela a seguir mostra exemplo de dados de audiência liberados pelo
Ibope, em tempo real, via internet (Ibope, dezembro de 2005).
53
Figura 2
Dados de audiência em tempo real - vide anexo (Ibope, dezembro de 2005)
Sidney (Entrevista11/12/2004) explica que o perfil da audiência e muitos
outros índices são processados pelos próprios usuários a partir dos bancos de
dados que são enviados pela empresa e dos softwares específicos instalados
para os clientes.
Um exemplo de software para análise de audiência é o Telereport, uma
ferramenta que permite que diversos tipos de estudos sejam praticados pelas
empresas. O programa possibilita analisar vários aspectos do comportamento da
audiência, fazer cruzamento de dados e interpretar de forma mais completa e
detalhada os padrões de audiência (www.ibope.com.br, dezembro de 2004).
É possível fazer análise por emissora ou faixa horária, se quiser
comparar os programas. Pode-se identificar um conjunto de telespectadores com
características semelhantes. Essas características podem ser definidas a partir
da idade, sexo ou classe social. Agrupa-se, por exemplo, homens e mulheres
acima de certa idade ou qualquer outro tipo de característica.
(www.ibope.com.br, dezembro de 2004).
54
Além da definição de um público, esse tipo de ferramenta permite realizar
análises separadas de audiência a partir de agrupamentos dos programas em
um determinado gênero. O usuário do programa pode, por exemplo, comparar
todos os programas humorísticos ou esportivos. (www.ibope.com.br, dezembro
de 2004).
Também é possível a comparação de audiência dentro da programação
de horários e dias definidos. Assim, pode-se avaliar a audiência de programas
veiculados nos mesmos dias e horários e definir uma emissora específica como
destaque de seu estudo de audiência, analisando todos os programas
veiculados por ela. (www.ibope.com.br, dezembro de 2004).
Esse tipo de ferramenta possibilita também análises a partir da
combinação de diversos elementos. Pode-se destacar a variável de interesse,
público-alvo, gênero de programa, horário, programa ou emissora para que se
tenha uma visão específica do comportamento da audiência. Pode-se também
fazer uma combinação dessas variáveis para obter outro tipo de enfoque.
(www.ibope.com.br, dezembro de 2004).
Há outros tipos de estudo a partir desses softwares. Pode-se investigar,
por exemplo: o total de pessoas que assistiram ao programa pelo menos um
minuto, a quantidade média de vezes que o telespectador teve contato com o
programa, a quantidade de telespectadores que assistem a dois programas
concomitantemente, a audiência média de determinado programa em um público
alvo definido, o número de indivíduos que assistem a apenas um programa, etc.
(www.ibope.com.br, dezembro de 2004).
Pelo recurso chamado de análise individual, pode-se pesquisar todo o
fluxo da audiência dos programas, com informações sobre o padrão de troca de
canais pelo telespectador. Esse tipo de recursos permite um estudo completo
com os dados de audiência minuto a minuto. Os usuários têm a possibilidade de
ter uma radiografia detalhada da audiência e verificar, as passagens (cenas,
capítulos, quadros) que mais obtiveram audiência, auxiliando assim na definição
de estratégias de veiculação dos programas de suas emissoras.
(www.ibope.com.br, dezembro de 2004).
55
5.5.1. Avaliação segundo os índices de audiência
Para Mattelart (1998), a aferição de audiência marca as atividades da
produção televisiva no Brasil de tal forma que os roteiristas e os programas são
avaliados segundo os pontos que recebem do Ibope. O autor observa que o
neologismo dá ibope, foi criado para apontar os autores e programas que melhor
preenchem as exigências calculadas pelas análises do Instituto segundo critérios
de classe, idade, sexo, ocupação e nível de escolaridade. Nas entrevistas que
dão à imprensa os roteiristas manifestam a tendência de se auto avaliarem em
relação a seus horários na programação, em função do índice obtido pelo
Instituto de pesquisa (Mattelart, 1998, p.58).
Mattelart (1998) observa que os índices de audiência exercem poder sobre
a extinção ou sobrevivência de certo programa, quando se refere à " tirania que
o Ibope exerce sobre a programação (..)”. Uma telenovela que não obtém,
depois de certo número de capítulos, um índice satisfatório será concluída antes
do tempo previsto; em contrapartida, aquela cujo sucesso é revelado pelos seus
índices se mantém, e será prolongada pela emissora (Ibid, p.58).
A Globo foi a primeira emissora de tevê a atribuir importância aos índices
de audiência, tornando-se uma cliente assídua dos dados desse Instituto que
presta serviços a toda a mídia nacional. A emissora criou seus próprios
departamentos de pesquisa e análise, sistematizando o tratamento de dados
coletados pelo Instituto de pesquisa, desenvolvendo assim todo um
planejamento para sua grade de programação; apoiando sempre suas
estratégias em uma análise dos diferentes segmentos (Ibid., p.58-59).
Mattelart (1998) observa que o empirismo foi abandonado, e que a
inclusão desses departamentos de pesquisa mostra a preocupação, desde o
início, com o desejo de ampliar a audiência. O autor diz que a fórmula passa ser,
além de descobrir as necessidades presentes, criar novas necessidades e
influenciar no sentido da aceitação de inovados padrões de produções (Ibid.,
p.60).
A lei do ibope é a lei da concorrência, diz Mattelart (1998) referindo-se ao
papel dos índices de audiência como monitor da concorrência. Os índices
comandam as alterações na programação; isto é, os diversos gêneros e
formatos devem ser flexíveis o suficiente para serem modificados.
Mattelart (1998) comenta sobre os diversos tipos de feedback que intervêm
na produção do texto de teledramaturgia: “(...) aí reside sem dúvida a profunda
singularidade desta forma de criação dramática.” (Mattelart, 1998, 63)
56
O primeiro tipo de feedback vem dos Institutos de pesquisa e da Divisão de
Análise e Pesquisa da Globo. Outras respostas do público vêm de grupos de
discussão, correspondências enviadas à emissora e ao autor. O autor possui
também seu próprio sistema de análise do feedback, muito mais artesanal,
pessoal e cotidiano (Mattelart, 1998, p.68).
5.6. A posição estratégica da Telenovela na Empresa
A roteirista Rose Calza (1996) observa que a telenovela se tornou um
produto de alto retorno financeiro que se firmou no mercado brasileiro como um
dos maiores fenômenos da indústria cultural do nosso tempo. (Calza, 1996, p. 9).
Para Ortiz et al. (1991), é impossível entender o fenômeno telenovela sem levar
em consideração o seu significado econômico. O autor diz que a Globo, com as
novelas, atinge lucros de 22%, bem mais altos do que as indústrias
automobilísticas. (Ortiz et al., 1991, p.111).
As telenovelas desempenham um papel fundamental como captadora de
recursos das verbas publicitárias para as emissoras de TV e possuem uma
posição estratégica no ranking de programas produzidos. (Borelli et al., 2000,
p.28). Lopes et al. (2002) cita a entrevista de Marcelo Paranhos diretor da
Central Globo de Produções - CGP onde ele observa que a telenovela tem a
maior importância no faturamento ou na composição da receita da emissora.
(Lopes et al., 2002, p. 316).
Na década de 90, a Rede Globo de Televisão continuou a manter a
hegemonia em termos de produção, exibição e exportação de telenovelas no
Brasil (exportando para mais de 150 países). Ainda que as concorrentes
investissem na produção de ficção televisiva seriada, continuavam tendo
dificuldades em se consolidar como grandes produtoras deste formato de
programa. O grande diferencial mercadológico da Rede Globo em relação aos
seus concorrentes está na produção de teledramaturgias. Os principais
concorrentes da empresa são: SBT, Rede Record, Rede Bandeirante, Rede TV,
além das empresas de TV a cabo. (Lopes et al., 2002, p. 315).
Para ilustrar a importância da telenovela para as emissoras, vale citar um
relato de Mario Lúcio Vaz (2000), diretor da Central Globo de Criação da Globo,
no livro 50 anos de TV no Brasil. O diretor conta, na entrevista, que entrou
subitamente numa reunião na Rede Manchete para tentar impedir a renovação
do contrato de Benedito Ruy Barbosa (autor consagrado de telenovelas) com
aquela emissora. O contrato estava sendo renovado tendo em vista o recente e
57
inesperado sucesso do autor com a novela O Pantanal (1990) naquela Rede.
Mário Lúcio lembra com orgulho o êxito do feito e da sua comoção junto a José
Bonifácio sobrinho - Boni. (Boni, 2000, p. 179).
A Rede Globo cobre (2004) em torno de 99,84% dos municípios
brasileiros, ou seja, 5043, atingindo mais de 40 milhões de domicílios com TV,
com 113 emissoras entre geradoras e afiliadas, com 74% de share no horário
nobre, 56% no matutino, 59% no vespertino e 69% de share no horário noturno.
A participação da emissora no mercado publicitário corresponde a 75% do total
de verbas destinada à mídia televisão, detentora majoritária de cerca de 56%
dos investimentos em publicidade (site redeglobo3.globo.com/institucional).
Edson Pimentel (2004) diz ao presente estudo que o sucesso da empresa
está na grade (conjunto) da programação. A Globo vem conseguindo um
equilíbrio na composição de uma programação que atende ao telespectador. A
empresa criou uma ampla faixa de dramaturgia: vale a pena ver de novo,
Malhação, a novela das 18h, das 19h, das 20h com sucesso de audiência. O
público tem a segurança da estabilidade desses horários, isto é, da continuidade
do gênero. Essa segurança faz a fidelidade do telespectador. Se o conteúdo de
uma das novelas não estiver dando certo, a empresa não muda; não exibe
futebol ou outro programa, insere outra novela com outro conteúdo, com outra
proposta recuperando a audiência e dando uma certeza de continuidade. O
sucesso da empresa está fundamentalmente na criação do padrão de
programação horizontal - todos os dias no mesmo horário a mesma
programação, criado por Walter Clarck e Boni. (Entrevista, julho de 2004).
Todas as emissoras tentam criar núcleos de teledramaturgia - mas são
raras as vezes que se consegue sucesso, diz Valadares. Desde que a Tupi
deixou de produzir telenovelas, as demais emissoras só as produzem
esporadicamente. Segundo Valadares, a SBT teve muito prejuízo em 1994,
quando tentou produzir três novelas simultâneas na expectativa que cada um
atingisse pelo menos dois dígitos de audiência. Segundo Valadares, foi um
prejuízo de 20 milhões de dólares. A melhor opção tem sido, para a SBT, colocar
no ar novelas mexicanas que saem por 8000 dólares o capítulo. (Veja,
21/01/1998).
Valladares (1998) diz em artigo a revista Veja, que uma novela da Globo
custa em média 25 milhões de reais, o preço de uma produção de médio porte
em Hollywood. No intuito de mostrar que o esforço vale a pena, o autor faz
alguns cálculos: em cada uma das três novelas inéditas da Globo, há 24
inserções comerciais por dia, o que resulta em 576 inserções por mês. Uma
58
novela que custou 25 milhões pode render em média 40 milhões. Esse valor
representa metade do faturamento total da Record em 1997 (Veja, 21/01/1998).
A Globo não faz uma avaliação da rentabilidade pontual de seus
produtos. Enquanto as novelas são muito longas e de rentabilidade garantida
pelo seu tamanho, a mini-série de grande custo trazem prestígio à grade como
um todo e conseqüentemente aumentam seu valor de negociação. Segundo o
diretor da Divisão Internacional da empresa, embora a Globo venda seus
programas para mais de 120 países, a sua maior vantagem é política e não
econômica. Sem dar números precisos e levantando um percentual apenas para
ilustrar essa idéia, não mais de 3% do faturamento anual da empresa vem de
venda de produtos para o exterior (Silva, 1999).
Borelli et al. (2000) observam que embora as telenovelas e mini-séries
sejam de produção caríssima se comparados ao outros gêneros de programação
televisiva, seu retorno é bastante compensado pelas verbas publicitárias e
merchandising. Essa relação torna o produto o mais rentável da história da
televisão brasileira. (Borelli et al., 2000, p. 22)
As ações de merchandising crescem para os anunciantes no interior da
obra de ficção. A inserção é para o anunciante uma garantia mais segura de que
o telespectador irá assistir ao marketing do produto. O mechandising custa bem
mais do que 30 segundos de comercial. (Lopes et al. 2002, p.316).
Segundo Borelli et al. (2000) a novela A Indomada, produzida pela Rede
Globo em 1997, teve previsão orçamentária total computada entre US$ 15 e 18
milhões, com um custo por capítulo variando de US$ 50 a 60 mil. Segundo
dados do Ibope (1999), o preço de 30 segundos de veiculação comercial no
horário nobre está calculado ao redor de US$24 mil. Cada um dos quatros
intervalos, que compõe um capítulo, pode resultar um conjunto de até oito
inserções comerciais, de 30 segundos cada um. (Borelli et al., 2000, p.22, 23).
Para Borelli et al. (2000), a afirmação corrente de que uma telenovela fica
devidamente paga após o segundo ou terceiro mês de veiculação faz sentido.
Quanto maior o número de capítulos, maior será a diluição do custo total da
obra. É importante conseguir viabilizar uma narrativa que seja de interesse e
prenda a atenção do público receptor, de forma a garantir, com o passar do
tempo, a diluição dos custos e a extensão de recursos que a viabilizem. Isso
interfere em seu formato e na relação que se estabelece com o público receptor.
(Borelli, et al p.25).
Embora os dados acima citados não sejam capazes de definir um quadro
exato sobre custos e rentabilidade do produto, eles são sugestivos.
59
Valladares (1998) observa que a Globo vai mantendo aceso um negócio
que fatura cerca de 540 milhões de dólares por ano. (Veja, 21/01/1998).
5.7. Departamento de pesquisa da TV Globo
Segundo Eneida Nogueira, diretora da Divisão de Assessoria de
Pesquisa da Globo o papel do setor é subsidiar as áreas na avaliação dos
produtos que são exibidos com elementos para criação de programas. Sua
função é levar, para as áreas produtoras dos programas, informações sobre o
telespectador, ajudando no processo de avaliação do conteúdo ou no processo
de criação do produto. (Entrevista, setembro 2003).
Figura 3
As diferentes áreas apresentadas acima, se abastecem de resultados de
pesquisas assim como de outros dados complementares às necessidades dos
seus setores. A área de programação, que administra o tempo dos programas e
intervalos comerciais, utiliza os dados das pesquisas para o seu planejamento e
controle. A área de marketing, que fornece informações ao mercado publicitário,
necessita também de dados, de fontes primárias e secundárias, para suas
determinações. A área marketing, por exemplo, auxilia o setor comercial na
venda do espaço publicitário dentro do perfil da audiência (SBPM, 1997, p.17).
Audiência Qualitativa
Pesquisa
Diretor
MarketingProgramaçãoArtística
Controle de Qualidade
Autor
Produção
60
Segundo a diretora (Entrevista, setembro 2003), as informações sobre
consumidor podem vir de várias formas. Pelas pesquisas de audiência ou
pesquisas complementares feitas para determinados assuntos ou programas.
Ela observa que a pesquisa de audiência é a base do trabalho do setor para
avaliar o que está no ar. Se o programa atinge o público desejado, como é a
concentração do público, se cresce e que tipo de variação ocorre com este
público. Da mesma forma, quando ele não está indo bem, que tipo de pessoas
não está assistindo ao programa e assim por diante. A forma de aferição da
audiência permite que se conheça o público por sexo, idade e classe social, isto
é, as variáveis básicas, sócio-demográficas.
Eneida (Entrevista, setembro 2003) observa que duas novelas, por
exemplo, podem ter o mesmo índice de audiência e serem assistidas por
públicos diferentes, isto é, diferente qualificação (conjunto das variáveis, sexo,
idade e classe social). A empresa espera atingir todos os tipos de telespectador.
Se um produto está atingindo muito um determinado grupo, considera-se que
este produto tem um problema. O produto não pode estar focado num
determinado grupo; tem que estar em todas as classes sociais. Assim diz a
diretora: "Se você faz para uma parte, a sua audiência será uma parte. Se você
quer ter uma audiência alta, você tem por princípio que atingir todos os
públicos."
Segundo a Divisão de Assessoria de Pesquisa (Entrevista, setembro
2003), as pesquisas de audiência são feitas pelo Ibope, pois só ele tem estrutura
para fazê-las no Brasil. Outras pesquisas, quantitativas ou qualitativas, podem
ser feitas com outros institutos, inclusive com o Ibope. As pesquisas qualitativas
são necessárias, pois a aferição do Ibope mostra, em termos quantitativos, o que
está acontecendo, mas não demonstra a razão.
Quanto à periodicidade do uso das pesquisas de caráter complementar
(quantitativa ou qualitativa), dependerá da natureza do programa e de sua
performance. Todos os programas são periodicamente avaliados. Se o programa
estiver com problema serão feitas pesquisas para identificação destes
problemas. E mesmo que não existam, são feitas pesquisas, como forma de
verificação ou manutenção (Entrevista, setembro 2003).
Para novelas, são feitas pelo menos duas pesquisas qualitativas. As
pesquisas qualitativas são muito importantes para as telenovelas, porque são um
produto que exige aprofundamento ou uma conversa mais detalhada. Eneida
observa que esse é um produto que precisa detalhar profundamente as
61
características de cada personagem, de cada história, de cada núcleo.
(Entrevista, setembro 2003).
O início da pesquisa, isto é, os primeiros resultados, dependerá de
quanto tempo o autor levará para apresentar a novela; isto é, contar toda a
história, todos os personagens. Se a novela estiver indo bem (dentro do trilho),
pode se esperar um pouco mais, até se consolidar toda a história. Mas se a
novela estiver indo mal, deve-se tentar logo identificar as razões - realização das
pesquisas (Entrevista, setembro 2003).
O autor e o diretor são chamados para assistir às discussões de grupo.
Dias depois, há uma reunião onde se discute os resultados consolidadamente.
A diretora observa que eles assistem, mas não têm a mesma capacidade que
um especialista de fazer uma síntese. Para eles, as informações são dispersas.
O papel da divisão e do Instituto é fazer isso por eles. A diretora comenta:
Alguns autores falam: "_Para mim é importante o subsídio do telespectador." Outros autores dizem: "_Para mim não é importante." Alguns dizem: "_ Isso tudo
eu já ouvi." Alguns dizem: "_ Não é porque o telespectador quer que eu tenho que fazer o que ele quer, eu tenho que surpreendê-lo." Outros dizem que não: "_ Eu quero fazer aquilo que ele está esperando de mim." Então depende de cada
autor (Entrevista, novembro/2003).
Quanto ao fato dos autores acreditarem ou não na validade das
pesquisas qualitativas, a diretora comenta que muitas vezes eles acham que a
sua capacidade criadora é mais importante do que qualquer referência. E isso é
natural, diz ela. Eles acreditam naquilo que estão fazendo. E podem dizer: "A
novela é minha, a capacidade criativa é minha eu vou fazer do jeito que eu
quero." Poderão usar mais ou menos informações de resultados de pesquisa em
função do seu estilo criativo. Assim, diz a diretora:
Eles usam sim. Mas esse uso não é tão direto assim. Por exemplo, quando tem um vilão... é obvio que elas odeiam o vilão, mas ele não pode matar o vilão se
não ele acaba com o conflito dentro da novela. Então a gente é que tem que saber quando o personagem tem que ser mudado ou não. Autores têm saber quais são os elementos do personagem que instigam este ódio, podem aumentar
ou diminuir porque estão passando do ponto; não é tirar o personagem, não é assim, por causa disto, ou daquilo. O uso maior é na construção dos
sentimentos, das histórias, um uso mais indireto, mas eles usam sim (Entrevista/set/2003).
A grande dificuldade das pesquisas qualitativas é a interpretação. O autor
ou o diretor devem perceber, por exemplo, se a rejeição ao personagem é
problema exatamente do personagem ou do ator, ou se há algum outro tipo de
problema (Entrevista, setembro 2003).
62
A emissora considera que o processo de criação do autor é primordial,
ainda que possam ser feitas ao autor, todo o tipo de sugestões: temática,
questões sociais, merchandising comercial, etc. A diretora observa: "O autor aqui
é rei. Isso que faz a diferença da qualidade da Globo, o processo de criação.
Quanto menos amarras você der para o criador, melhor. Quando você amarra a
criação, você faz um produto burocrático." A Divisão de Pesquisa (Entrevista,
setembro 2003) diz o que acontece quando as novelas estão dando problema de
audiência:
Se não tiver dando audiência, ou tiver algum outro tipo de problema, a gente fala,
olha, então você encurta... Ah, você não quer mudar? — Não, não quero mudar, por que se eu mudar, vou descaracterizar o meu produto. Tá bom. Então você
encurta um pouco? — Ah, encurto. Então, você negocia. Você não obriga o cara mudar, se ele não quiser mudar, você diz, a gente não pode manter esse patamar (...). Então vamos negociar, você encurta um pouco? — Encurto.
A novela As filhas da mãe foi um exemplo de novela bem encurtada. A
diretora observa que foi um formato diferente e que talvez o público não tenha
entendido a idéia do autor. O autor da referida novela, Silvio de Abreu, disse:
"Não vou mudar porque vai descaracterizar a minha história. Este é o produto
que eu criei, é uma chanchada." A empresa considerou o fato das pessoas não
estarem gostando, mas o autor se posicionou: "Se as pessoas não estão
achando engraçado eu não posso fazer nada. Então eu vou encurtar." Encurtou
a novela em aproximadamente dois meses (Entrevista, setembro 2003).
Quando uma novela tem elevada audiência, existe o recurso de
alongamento da mesma. A diretora observa que este não é um processo
simples e não é uma decisão fácil para a empresa tomar. É um processo muito
cansativo para o autor alongar muito uma história. A própria história pode não se
sustentar. Existe um limite para este alongamento. Diz a diretora: "É bom, todo
mundo sai ganhando, mas todo mundo sai perdendo também, porque o autor
fica muito cansado. E muitas vezes, as histórias não têm estofo para agüentar
um mês a mais." (Entrevista, setembro 2003).
5.8. Central de Atendimento ao Telespectador – CAT
A Central de Atendimento ao Telespectador - CAT é para a TV Globo
uma referência constante sobre o feeling do telespectador. O setor é bastante
citado, tanto por profissionais da área de produção, como por profissionais de
outras áreas da empresa. Dessa forma o setor mereceu ser investigado.
63
A Central de Atendimento ao Telespectador da TV Globo é há 22 anos,
um meio de comunicação entre o público e a emissora. Em 1999, a Central
Globo de Comunicação decidiu criar uma área de relação com o telespectador, e
iniciar parceria com empresas de call center, pois as telefonistas não
conseguiam mais atender ao volume de informações pedidas pelos
telespectadores.
As matérias mostradas em telejornais locais e regionais, os programas
como Globo Repórter, Fantástico e os programas de teledramaturgia, mobilizam
o telespectador a realizar suas ligações. De uma forma geral, ligam para obter
informações sobre assuntos apresentados nos programas, fazer sugestões ou
denunciar sobre assuntos da comunidade. Os telespectadores ligam até para
bater papo, dizem os profissionais do setor.
Mônica Albuquerque, diretora de Relações Externas (assessoria de
imprensa), conta que alguns telespectadores ligam para o CAT para ter
companhia. A atendente diz: “Olá seu Fulano ou dona Fulana, tudo bem?” (...).
A diretora observa que a relação do telespectador com a emissora é muito
próxima. O Call Center é uma extensão da relação com o telespectador
(Entrevistas julho de 2004). Há pedidos, por exemplo, de informação sobre
como se tornar ator da TV Globo, como participar de programas de auditório, ou
como enviar correspondência para o elenco.
Os assuntos que envolvem a teledramaturgia elevam o volume de
trabalho do CAT, mostrando um especial interesse dos telespectadores. São
elogios, críticas e solicitações das mais variadas; pedidos de informações sobre
vestuário dos atores (roupas, cabelos, óculos, esmaltes), mobiliário da
cenografia, músicas, etc.
Em novembro de 2003, quando foi feita visita ao CAT para coleta de
dados para o presente estudo, existiam 26 operadoras, e o relatório do mês de
novembro apresentava 48.254 ligações telefônicas e 29.078 mensagens
eletrônicas (relatório de novembro do CAT).
Em 2004, os números do CAT sofreram alterações substanciais. Tanto
em relação aos operadores que realizam o atendimento, passando de 26 para
38, quanto aos números de ligações telefônicas e mensagens eletrônicas. Em
2003, a média mensal de telefonemas esteve em torno de 30 mil ligações, em
2004 subiu para 50 mil. Esses dados foram atualizados pela coordenadora da
Central, Márcia Clark, que acrescentou que o maior salto aconteceu nas
mensagens recebidas por email. (Entrevista email, agosto de 2004).
64
Muitas respostas solicitadas pelos telespectadores se encontram em
banco de dados, atualizados diariamente. As mensagens são respondidas pelo
setor em 48 horas e os telefonemas em 24 horas. As informações para
atendimento ao telespectador buscam junto às produções, às redações e à
Internet, os contatos com médicos, hospitais, pesquisadores, organizações,
lojas, nomes de música, de salões de beleza e outros (Aldeão, 2003).
Embora, as cartas recebidas pelo CAT sejam em número bastante
inferior, comparadas ao número de telefonemas e mensagens eletrônicas, estas
já mobilizaram bastante o setor de atendimento. A promoção Leve a sua paixão
para telenovela das Oito, promovida de março a setembro de 2003, fez com que
o setor recebesse 100 mil envelopes com fotos de telespectador que gostariam
de ver sua imagem na abertura da novela Mulheres Apaixonadas. A abertura da
novela de Manoel Carlos foi feita com essas fotos (relacionadas ao tema
mulheres apaixonadas) enviadas à emissora, idéia que partiu da equipe de vídeo
grafismo, do setor do artista gráfico, Hans Donner (Entrevista, novembro de
2003). A coordenadora do CAT (Entrevista, novembro de 2003), fala ao presente
estudo sobre a promoção, que obteve esta expressiva participação do
telespectador:
Recebemos 100.000 cartas, isso tudo veio para gente Tudo aberto aqui. Você
nem entrava na sala. Eram trazidas aquelas caixas amarelas, enormes, chegavam vinte de uma vez, a gente não andava aqui dentro. Nós abríamos todas, e olhávamos todas as fotografias e checávamos se tinha termo de
responsabilidade, seção de direito de imagem, se estava assinado por todo mundo. A gente chegou a contar estava em 75.000 mil, e ainda chegava,
chegava... Eu fazia o resumo de algumas histórias e enviava para o autor que citou dois ou três casos durante a novela.
Marcia (Entrevista, novembro de 2003) diz ao presente estudo que o
objetivo do CAT é atender ao telespectador independente do que ele tenha para
dizer. Ele vai ser ouvido de uma forma ou de outra; se é uma sugestão, uma
crítica, ou um elogio, ela vai ser encaminhada. Se ele quer uma resposta
receberá uma resposta.
Em entrevista, em novembro de 2003, ao presente estudo a
coordenadora foi questionada sobre qual a atitude da Central quando os
telespectadores criticam algum assunto numa obra de teledramaturgia. Márcia
observa que quando há uma freqüência de mensagens eletrônicas, ou muitos
telefonemas repetindo o mesmo assunto, o setor procede da seguinte forma:
65
A gente dá um alerta. Mais de 5 ligações, ou mensagens, já é motivo de alerta. Eu, funciono quase como um ouvidor, um ombusman. Eu não preciso me
reportar a minha direção pra dizer que tem um problema X. Eu posso mandar direto para a Central com cópia para a direção, eu tenho essa liberdade. A
diferença de um ombusman é que ele se reporta direto à presidência da empresa. A gente tem a liberdade de fazer esse direcionamento.
Segundo Marcia (Entrevista, novembro de 2003), o CAT tem tido uma
boa divulgação, e muitos telespectadores passaram a utilizar o serviço. Ela diz
que o setor desenvolveu, em 2000, o sistema de cadastro Data 10; um banco de
dados de telespectadores. A telefonista pergunta se ele quer fazer parte do
cadastro, registra o seu perfil e o convida para participar de alguns eventos. Para
o lançamento, em janeiro, da minisérie Um só Coração, por exemplo, em
homenagem aos 450 anos de São Paulo, o CAT escolheu telespectadores
paulistas das etnias que formaram a cidade para participar desses eventos, diz a
coordenadora da Central.
Quanto à participação do público na criação ou na produção, Marcia
(Entrevista, novembro de 2003) observa que quando chega uma sugestão de
encaminhamento para a trama de uma novela, um personagem, etc, o critério é
do diretor, se vai usar isso ou não. Diz a coordenadora: "Tem autores que não
querem ouvir falar em sugestão, outros gostam de receber opinião do
telespectador." Márcia diz que existem muitos pedidos para certas modificações
na trama. Lembra do caso da personagem Fernanda de Mulheres Apaixonadas
quando houve uma grande campanha do público para o personagem não
morrer. A coordenadora comenta: "(...) Mas não adiantou... O público pode até
participar mas se a vontade do autor for uma, não há nada que o faça mudar!"
A Central passa para o autor tudo que o telespectador está falando, tudo
que está acontecendo, diz Marcia (Entrevista, novembro de 2003): "Eu não
acredito que o telespectador possa mudar algum conteúdo."
Não faz parte do CAT informar à empresa sobre o telespectador, observa
Márcia (Entrevista, novembro de 2003) e explica: "A gente informa ao
telespectador, registras as críticas e sugestões, os elogios, mas o objetivo não é
fazer uma pesquisa, mesmo que informal. O objetivo do CAT é registrar a
opinião do telespectador e responder para eles."
Os relatórios da Central são apresentados de forma detalhada; elogios,
críticas, sugestões e solicitações para cada programa de jornalismo, programas
humorísticos, programas de auditório, infantis, telenovelas, etc.
A coordenadora (Entrevista, novembro de 2003) diz que os resultados
apresentados nos relatórios desenvolvidos pelo setor são muitas vezes
66
aproveitados nas produções. Os telespectadores observam e dão dicas, por
exemplo, de erros sobre a coerência da ambientação (cenário, figurino, produção
de arte, música, etc.) em relação ao período histórico correspondente.
Em Esperança, uma novela que retratou a sociedade no final do século
XIX, início do século XX, tocava uma música da Billy Holliday nas primeiras
cenas, e a cantora tinha gravado a música em 1923. Neste caso, pôde-se
eliminar a trilha sonora, explica Márcia. São elementos como, a forma de pensar
da época, roupas, coisas que podem não estar corretas. Não são observações
sobre a trama ou o destino de um personagem; são apenas fatos.
A coordenadora oferece outro exemplo: "Em Terra Nostra, aquele tipo de
carroça, não era da época (...). Terra Nostra era início do século XX e o modelo
da carroça já era da década de 20." Às vezes, uma informação do telespectador
é suficiente para haver a necessidade de conferir.
Mônica Albuquerque (Entrevista julho de 2004) explica também sobre o
erro factual: "por exemplo, ligou a associação de enfermeiras do Brasil, porque
na novela X a figura da enfermeira estava mal retratada." A diretora diz que esse
feedback é importante. É uma questão ouvida e respeitada. A entidade
efetivamente representa a classe enfermeira, portanto ela pode falar sobre o
assunto. O erro factual, apontado por instituições, é considerado pela emissora.
Marcia (Entrevista, novembro de 2003) lembra de poucos exemplos onde
opiniões de telespectador, através do CAT, tenham sido aproveitados em
telenovela. A única situação que a opinião do telespectador é sem restrição é
para o jornalismo, diz Marcia: O CAT capta todos os pedidos de reportagens,
sugestão de pauta, para plantões de alguns jornais. Para o jornalismo, existe o
papel de captar. Diz a coordenadora: "O telespectador liga em geral porque tem
um problema na rua ou na região dele, brigas de camelô (...), sinal de trânsito
que não funciona, etc."
Márcia (Entrevista, novembro de 2003) lembrou, porém, do caso de uma
novela de Manoel Carlos, Mulheres Apaixonadas, e os personagens idosos Flora
e Leopoldo. A coordenadora disse que os telespectadores ligavam para o CAT
para falar dos problemas dos idosos, sensibilizados pelos personagens, durante
sua exibição. Ligavam para comentar sobre a forma que os idosos eram tratados
quando queriam tomar o ônibus; que tinham que pedir aos jovens para fazer
sinal, para poderem entrar no ônibus, e às vezes eram quase expulsos, e tal. Diz
a coordenadora: "Então eu passei para o Maneco. Ele aproveitou, e fez uma
cena na novela com os personagens idosos Flora e Leopoldo passando por essa
situação. É um dos únicos exemplos que eu lembro.".
67
Márcia (Entrevista, novembro de 2003) fala da sua visão sobre o autor:
"O autor é tudo. Senhor de todas as tramas. Onipresente, onipotente, onisciente,
é tudo. Ele dá a vida ou tira a vida do personagem."
5.9. Assessoria de Imprensa
Duda Pereira e Iracema, Relações Públicas da empresa, contam em
entrevista ao presente estudo, que há uma prática na empresa de envio aos
autores e diretores, sobre tudo que sai na imprensa, em relação a todos os
programas veiculados pela emissora. Esse resumo é chamado de clipping.
Levantou-se, na referida entrevista, a hipótese da imprensa ser um termômetro
do feedback do telespectador para os autores e diretores. Surgiu então o
interesse em entrevistar o Setor de Comunicação da empresa com a imprensa
para investigar esta questão. (Entrevista, outubro de 2003).
Um dos papéis da Assessoria de Imprensa da Globo é monitorar as
notícias que são publicadas, buscando saber como seu produto está sendo
divulgado. Mônica Albuquerque (Entrevista, julho de 2004) explica a relação da
empresa com a imprensa:
A televisão, por ser um meio que fala com todos os públicos, fornece um volume de informação à imprensa, inserções por espaço, comparável somente ao volume do governo. Não há outro assunto que tenha um volume tão grande, uma
exposição ou um interesse dessa natureza. Isso é uma característica da própria televisão, pela atração que exerce e uma característica específica da TV Globo,
pela sua dimensão e abrangência. (Entrevista, julho de 2004).
A diretora (Entrevista, julho de 2004) comenta sobre a questão da
imprensa ser ou não catalisadora da reação do público. "Ou a imprensa reflete
uma polêmica existente ou ela provoca uma polêmica a respeito de um
determinado assunto." Mônica observa que não acredita que a imprensa catalise
de forma significativa a reação do público. Ela afirma que a imprensa catalisa
quando é um movimento factual, refletindo como imprensa um movimento da
sociedade, mas muitas vezes não acontece desta forma.
Questionada a respeito da influência de opiniões da imprensa sobre as
telenovelas, a diretora (Entrevista, julho de 2004) diz que a informação do
telespectador influencia no produto à medida que essas informações
efetivamente têm uma conformação de desenho de massa. Observa ela: "O
telespectador é todo mundo: é o jornalista, é o professor, é a instituição, é a
dona de casa, é o universo da população brasileira."
68
Para a diretora (Entrevista, julho de 2004) a imprensa nunca está na
frente. E nem sempre trabalha com todas as informações, podendo utilizar, às
vezes, informações apenas pontuais, que não têm representatividade, em geral.
A imprensa tem uma visão parcial, diz ela.
5.10. Projetos sociais
Lacy Barca, Gerente de Projetos Sociais (julho/2004) da TV Globo,
explica para o presente estudo, que o merchandising social é a inserção
sistemática com propósitos educativos definidos com temáticas sociais e
mensagens educativas nas obras de ficção; isto é, significa inserir na fantasia,
isto é, na obra ficcional, questões do cotidiano do público. As questões sociais
escolhidas tornam-se parte integrante do enredo das novelas, e devem estar
associadas aos personagens e aos conflitos. Os atores se tornam porta-vozes
de certos conceitos, atitudes ou comportamentos, e os autores criam situações
propícias em suas histórias para aceitação e adoção destes conceitos
(Entrevista, março de 2004).
Lacy (Entrevista, março de 2004) explica que muitos autores escolhem as
questões sociais que vão mesclar dentro das temáticas das novelas. Outras
poderão ser sugeridas pelo Setor de Projetos Sociais, que recebem pedidos de
Instituições como a Igreja e os seleciona de acordo com certas situações da
novela. Essa área tem contato com ONGs ou instituições da sociedade civil. Por
exemplo, se uma ONG estiver querendo trabalhar a questão da preservação do
meio ambiente, o setor de Projetos Sociais da empresa sugerirá ao autor colocar
um elemento que se relacione à questão na próxima novela.
É possível que ocorram inserções durante a produção de uma novela,
segundo interesse do autor ou da empresa. Os exemplos que se seguem valem
ser registrados para que se conheça do que tratam essas temáticas, como fator
a ser inserido e ajustado dentro de uma obra de teledramaturgia (Entrevista,
março de 2004).
Manoel Carlos desenvolveu, para a novela Mulheres Apaixonadas, temas
do tipo: preconceito contra os velhos, grupo de apoio à mulher compulsiva, o
MADA, prevenção do câncer de mama, e denúncia da violência no Rio, que
culminou com o episódio da personagem Fernanda (Vanessa Gerbelli),
fulminada por uma bala perdida.
Seguem exemplos de novelas com inserções de merchandising social
descritas no Dicionário da TV Globo: programas de Dramaturgia &
69
Entretenimento (2003): Explode Coração, Final Feliz (1982); Vamp (1991); Zazá
(1997); Laços de Família (2000); O Clone (2001); Coração de Estudante (2002);
De Corpo e Alma (1993), e outras. Essas novelas trataram de temas como
crianças desaparecidas, antitabagismo, proteção à natureza, aids, doação de
sangue, importância da leitura, dependência química. síndrome de down, justiça
e outros temas.
5.11. Os roteiros de telenovelas da Globo
Como já citado, o roteiro é a primeira etapa do processo de criação e de
produção de uma novela. Seguem referências sobre os roteiros de telenovela da
Globo para ilustrar o presente estudo.
Todas as sinopse de um roteiro escritas por um autor da Rede Globo
devem ser submetidas ao julgamento de uma equipe de analistas da Central
Globo de Criação. Em caso de aprovação, então, elas são enviadas à Central
Globo de Produção.
Embora a empresa tenha um número grande de autores e colaboradores,
ela mantém como principais uma equipe de autores consagrados, com diversos
sucessos como uma garantia de audiência (Alencar, 2002, p.75).
Manoel Carlos disse ao presente estudo, que o autor de telenovela é a
figura máxima em todo o processo de feitura de telenovela. Exemplifica: “Eu
posso chegar na empresa e sugerir outro diretor para minha novela, mas o
inverso não acontece.” Afirmou que alguns autores administram mais e outros
menos, o processo como um todo. Ele, em particular, se preocupa com a
produção, escolhendo todo o elenco que representará o seu roteiro. (Entrevista,
novembro de 2003).
A emissora produz e exibe diferentes gêneros de novela em horários
diversos: 17h, 18h, 19h e 20 horas. A adequação do gênero ao horário é um
resultado de alguns anos de experiência da empresa. Cada gênero se refere às
temáticas e estilo diferente de novela. Estas se adaptam ao ritmo do cotidiano e
parecem que acompanham a seqüência das atividades familiares do público
telespectador. Comparato (1995), roteirista de novela, faz a seguinte
observação:
A novela das 18h concerne principalmente a um público doméstico, de mulheres e crianças. Às das 19h, um público inclui as pessoas que retornam do trabalho: a novela é mais radiofônica que visual, mas leve, para permitir que se dediquem a suas ocupações. Às 20h, é o drama, a novela dramática (Comparato, 1995, p.60, 61).
70
Lucia Abreu (Entrevista, fevereiro de 2004) comenta que, é usual que os
autores façam pesquisas sobre certas temáticas de interesse do público. Da
mesma forma, a empresa pode investigar questões sobre hábitos e atitudes nos
diversos segmentos da população para identificar como podem ser abordados
alguns temas. São pesquisas para saber como são os jovens, o que eles
pensam, como é a relação com os pais, o que as donas de casa pensam a
respeito da vida, etc.
Segundo a Divisão de Pesquisa (Entrevista/setembro/2003), a novela
Malhação incorporou esse conceito e expressa resultados de pesquisas feitas
com jovens.
Manoel Carlos, roteirista da novela Mulheres Apaixonadas, considerado
campeão de audiência da TV Globo em 2003, falou em entrevista à revista Veja
(2003) sobre como nasce sua inspiração.
Muitos personagens nascem da minha observação e lembranças da vida real. No caso de Mulheres Apaixonadas, a mulher da classe média que tem caso com o
motorista de táxi baseia-se numa história que ocorreu no bairro em que eu morava em São Paulo. O padre Pedro, que balança o coração da personagem de Lavínia Vlasak, é baseado num religioso espanhol que havia no meu colégio. Ele
despertava verdadeiras paixões (Veja, 2003, p.68).
O autor disse ao presente estudo que domingo recebe jornais do Brasil
todo. Pega a parte que se refere à própria cidade. Ali encontra coisas do tipo:
“Na cidade tal a mulher teve um filho, fazendeiro, tal, e depois (...).” Se ele acha
interessante, ele corta e põe a origem. Guarda tudo num livrão que chama de
lixo. Quando vai fazer uma novela, passa os olhos naquilo e pensa: "Essa
história é boa, vou fazer isso aqui." (Entrevista novembro de 2003).
Ele diz que sua inspiração vem do puramente popular, do cotidiano e
exemplifica: “Coisas que minha mãe me contou que ficaram na minha cabeça.
Minha vó me contou, uma história que minha irmã, quando eu vou a São Paulo
(...)”. Em entrevista a este estudo, comenta sobre o assunto:
Eu posso estar conversando com você aqui agora, você me conta um caso, fala
sobre um assunto. Eu penso: Que bom isso aqui... quando você sair, vou lá, anoto. A professora do meu filho, quando soube que a minha novela teria uma
escola me mandou por escrito sobre uma aluna, que tinha vergonha do pai porque o pai era porteiro da escola, tal, tal...Então criei a Paulinha na novela Mulheres Apaixonadas. Foi um sucesso enorme (Entrevista/nov/2003).
O escritor observa que suas novelas têm elementos absolutamente do
cotidiano, do dia-a-dia, enfim uma novela de assuntos corriqueiros. E explica sua
novela para este estudo, da seguinte maneira: “Ela é sua vizinha. Ela está na
71
cozinha da casa dela, quer tomar café falta café, não tem café, então ela bate na
sua porta (...)”. Prossegue Manoel Carlos (Entrevista novembro de 2003):
Oi, tudo bem, você está boa, tal, tal (...), você me arruma um pouquinho de café?
Arrumo sim, vou buscar. E aí como é que vai seu marido?
Ah, está bem, graças a Deus. E aquele seu filho? Meu filho está passando as férias na casa de não sei o que (...)
Ele diz que o sucesso de suas novelas está nisso que sabe fazer muito
bem: "(...) essa conversa do dia-a-dia, de pai com mãe, de mãe com filho..."
Manuel Carlos é considerado um autor do tipo realista, porque constrói
seus enredos com base em assuntos polêmicos do cotidiano psicossocial. Os
temas do autor são para conversas de bar e mesa de jantar. O realismo de
Manoel Carlos, segundo o artigo, não está voltado para grandes questões
sociais, e sim para o realismo familiar. As famílias são de classe média, classe
média alta e, tudo acontece num ambiente bem familiar (Veja, 2003, p. 70).
A novela Mulheres Apaixonadas atingiu média de 59 pontos na grande São
Paulo, share de 71% dos televisores ligados. (Veja, 2003, p. 68). Os assuntos de
Mulheres Apaixonadas foram: agressão contra a mulher, comportamento
obsessivo do amor, preconceito contra os velhos, alcoolismo, lesbianismo, etc.
As pesquisadoras de Manoel Carlos assistiram a aulas em colégio para observar
comportamentos juvenis e fizeram visitas a vários tipos de apoio psicológico para
ver como essas situações acontecem (Veja, 20003).
5.12. A Central Globo de Produção
O texto a seguir visa descrever como funciona a Central Globo de
Produção, no que diz respeito à produção de telenovela. A descrição tem o
intuito de mostrar os processos operacionais de produção, as fases desses
processos, os conceitos envolvidos, seus setores, as preocupações técnicas
com o produto e os fatores humanos que mobilizam uma produção. A proposta
da descrição é entender que o produto final - uma telenovela, depende não só de
um roteiro, mas de uma extensa etapa industrial - a produção - com uma
diversidade de setores como direção, fotografia, cenografia, figurino, atores e
todo um planejamento. Somente com essas informações, pode-se compreender
o uso das informações sobre o telespectador nessa cadeia de criação e
produção.
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Vale aqui uma analogia útil: para saber o que acontece quando se colocam
peças novas e diferentes numa grande engrenagem fabril, é necessário que se
entenda o que é esta grande engrenagem e como ela funciona. A engrenagem é
a produtora e as peças novas são os elementos novos que se pretende
introduzir no produto, quer seja por influência do telespectador quer seja por
qualquer outro agente.
A maior parte das produções da Globo e todas as telenovelas são
realizadas na Central Globo de Produções - CGP, conhecida como Projac. Os
estúdios de São Paulo e Rio produzem aproximadamente 2500 horas de
programa por ano, equivalente a mais de 1200 longa-metragem. Localizada em
Jacarepaguá, zona Oeste do Rio, o Projac foi construído sob as premissas
básicas de alcançar maior produtividade, custos de produção mais baixos,
melhoria em tecnologia e mais qualidade em ambiente de trabalho. A CGP é
considerada o maior e o mais moderno Centro de Produção da América Latina e
comparada às maiores produtoras do mundo em termos de capacidade
(Mercado Global, setembro de 2000).
A CGP está dividida em setores, industrial, administrativo, produção e
cidades cenográficas, onde trabalham mais de 3700 profissionais. Suas
atividades são ininterruptas durante as 24 horas do dia e os 7 dias da semana. O
setor de produções abriga 10 estúdios para shows, novelas, mini-séries e outros
programas. (Mercado Global, setembro de 2000).
Uma novela exige pelo menos 4 mil metros quadrados de cenário; um
volume de trabalho em escala industrial. A fábrica de figurino tem capacidade
para fabricar 1.500 unidades por mês. (Mercado Global, setembro de 2000).
A produção de telenovelas mobiliza grande parte dos recursos humanos e
técnicos do Projac, e é uma das operações mais complexas da indústria
televisiva nacional. Em cada novela, trabalham cerca de 300 pessoas, entre
elenco, pessoal técnico, cenógrafos dentre outros; sem contar figurantes e
prestadores de serviço. Cada telenovela tem a sua própria equipe. São
simultaneamente produzidas quatro novelas, além de gêneros similares como
casos especiais, mini-séries e outros.
A CGP é usualmente denominada de indústria, por seus processos
análogos às sistemáticas industriais; isto é, processos racionais e elevado
volume de produção. O ritmo também caracteriza a dimensão industrial da
novela. O número de horas/textos produzidos é um indicador essencial dentro do
seu planejamento e a telenovela consome grande parte das horas de produção.
73
Eliana, do Setor de RH, define em entrevista, outubro de 2003, sobre
produção de telenovela: "o autor escreve e nós contamos a história escrita por
ele; fazemos a mentira parecer ser verdade, este é o nosso papel." Marcelo 28
anos trabalhando na produtora completa: "O roteirista diz: Explode!...Então a
produção deve cuidar de todos os recursos para essa realização."
A matéria-prima da indústria são histórias. A produtora de sonhos, como é
concebida por seus funcionários, produz histórias ou adaptações de romances
criadas pelos autores. Os recursos de produção e os recursos humanos
(profissionais de produção), também compõe a matéria prima desta indústria.
Os profissionais da Central Globo de Produções são distribuídos,
basicamente, em três grandes áreas: produção, criação e engenharia. Isso
significa: setor de planejamento, responsável por toda parte de infra-estrutura
necessária à gravação; setor de ambientação, composta de direção, elenco,
produção de arte, cenografia e figurino, que conceituam o programa em termos
estéticos e filosóficos; e engenharia responsável pela captação de imagem,
funcionamento dos equipamentos, qualidade técnica da imagem e som. (vide
figura 4 nas página seguinte).
Segue abaixo uma representação do conjunto de áreas que compõem a
Central Globo de Produções - CGP
Figura 4
Diagrama baseado em entrevistas e visitas à CGP (2004)
Produção
AutorAutor
SonoplastiaSonoplastia
FigurinoFigurino
Produção de arteProdução de arte
EdiçãoEdição
IluminaçãoIluminação
Diretor
ImagemImagem
CenárioCenário
AtoresAtores
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Duda, relações públicas da CGP, diz que a estrutura de produção hoje é
de tal forma que qualquer alteração ou ajuste, que se faça necessário numa
produção, se realiza com muito mais agilidade, possibilitando muito mais
proximidade com o telespectador: “Se o público não gostou, em dois tempos
você consegue mudar (...). Essa agilidade que a gente não tinha antes; e
agilidade interfere na qualidade”. O último capítulo de uma novela, por exemplo,
pode ser gravado e transmitido no mesmo dia, assim como fatos que acontecem
na cidade (Entrevista, outubro de 2003).
O artigo TV Globo põe notícia do dia em novela das 8, do Jornal A Folha
de São Paulo, 27/02/2003, faz menção sobre à cena que foi gravada menos de
três horas antes de ir ao ar. A introdução do fato foi passada por telefone pelo
autor Manoel Carlos, que disse neste mesmo artigo que, por ser a novela mais
realista do que outros programas torna-se interessante reproduzir
acontecimentos do dia.
5.12.1. O processo de produção na CGP
Alexandre Ishikawa, diretor da área de Produção da CGP, disse em
entrevista (outubro/2003) ao presente estudo que a definição da novela que
deverá ir ao ar é feita pelo comitê estratégico da empresa, composto pelo diretor
de criação, divisão de pesquisa e autores. O autor fornece uma sinopse, que é
um resumo da história a ser contada, e duas ferramentas fundamentais à
produção, que são a descrição do elenco, personagens e a descrição de cenário
e locação. A sinopse e suas descrições proporcionam a primeira estimativa dos
custos; o que permite prevê todos os elementos organizacionais que compõem a
infra-estrutura material e artística da produção de uma novela. Esse é um
processo cuidadosamente planejado, em etapas distintas, prevendo recursos
diversos e profissionais especializados, diz o diretor de produção. Ele explica
nesta entrevista que todo o processo é composto de três fases distintas de
trabalho. Essas fases podem ser divididas em pré-produção, produção e pós-
produção.
Depois de definida a sinopse, é escalado o diretor de núcleo e então vem a
fase de pré-produção propriamente dita; isto é, todo o planejamento de produção
da novela.
75
Ishikawa (Entrevista, outubro de 2003) explica que, neste início, existe
apenas um universo imaginário, que está somente na mente do autor, que
conversa com o diretor, que se comunica com o responsável de cada área e,
então, este universo começa a tomar forma. A fase de pré-produção constitui
todo o planejamento orçamentário, operacional e técnico para viabilização da
novela. O diretor de núcleo e o gerente de produção convocam as equipes de
criação e produção para planejar ambiente, locação, figurino e outros itens
importantes que compõem o anteprojeto. Nesse primeiro momento, são
discutidos características principais dos personagens, modos de viver, vestir e se
comportar, que são elementos que influem diretamente na criação de ambiente,
confecção de cenários e figurinos. Mauro Alencar resume a importância desta
fase de planejamento:
É quando se determinam a credibilidade da história e sua capacidade de tocar as
pessoas, de emocioná-las. A partir deste instante, da busca de detalhes e de sua correta execução, é que as pessoas vão gostar da história ou não, acreditar nela
ou não. É da empatia que vai nascer disso tudo, da criação deste universo dramatúrgico, que o espectador vai se emocionar ou rejeitar uma obra (Alencar 2002, p. 75).
Terminado o planejamento, começa a fase de produção propriamente dita.
A elaboração de desenhos, maquetes e a execução dos projetos fundamentais.
Reuniões diárias acontecem entre direção de arte, iluminação e outros setores,
para que tudo seja confeccionado, como cenários, ambientação e roupas,
pesquisas sobre personagens e seleção de atores. Os cenários e figurinos são
preparados. Os capítulos são encaminhados para os vários profissionais, dentre
eles: diretor, assistente de direção, produtor, produtor de arte, cenógrafo,
figurinista, etc., para a decupagem.
Decupar é uma etapa importante dentro do processo na indústria
televisiva. Ishikawa (Entrevista, outubro de 2003) explica como é este processo:
Entregue o roteiro, faz-se necessário destacar todos os recursos necessários para aquele capítulo acontecer. Cada área deverá se preocupar com a sua lista
de recursos. A continuísta decupa o capítulo pensando na cronologia dos fatos; a produtora de arte no álbum de fotografia que aparece dentro do quarto do
personagem ou no café da manhã da casa da Malu; o figurinista decupa pensando nas roupas; se o roteiro indica uma festa, onde fulana chega deslumbrante e todo mundo a observa, ele destaca na sua decupagem, essa
roupa especial; o cenógrafo vai ler pensando no cenário, como criar um cofre por exemplo que aparece no roteiro. Cada área se preocupa com sua lista de
providências, sempre com troca de informações (Entrevista/out/2003).
76
Quando Alexandre Ishikawa (Entrevista, outubro de 2003) deu entrevista
ao presente estudo, sua equipe se encontrava na fase de produção da novela
Celebridade. Ele ilustrou bem o que é o processo de execução daquilo que foi
planejado:
O caso da próxima novela do Gilberto Braga, a Maria Clara é um personagem que tem por volta de seus 30 e poucos anos, uma profissional bem-sucedida na área de entretenimento, uma produtora de shows musicais e assim por diante...
Com este conceito, a figurinista começa a montar o guarda roupa da Malu que não existe, mas está no imaginário de todo mundo. A produtora de arte vai
providenciar todos os acessórios, tudo que faz parte do personagem da Malu. O cenógrafo vai começar a desenhar a casa da Malu, onde ela mora e como deve ser a casa dela. Ela pode ser uma rica fútil, pode ser uma rica desapegada, e
isto determinará como será a sua casa.
Enquanto isso continua Ishikawa (Entrevista, outubro de 2003), a equipe
de produção está procurando as locações, para que o cenógrafo possa desenhar
uma casa correspondente à que vai se gravar. A cada casa no estúdio
corresponde uma casa na externa. O personagem da Malu Mader, por exemplo,
tem uma casa no alto da Boa Vista, quando ela entra dentro desta casa, deve
ser dentro do estúdio, diz o diretor. Assim todos têm que trabalhar muito junto,
ao mesmo tempo que todo mundo tem que correr na sua própria direção; o
figurinista providencia a roupa, o cenógrafo o cenário, o diretor de fotografia a
luz.... e todos tendo que interagir constantemente. Observa ele:
O que catalisa isso tudo é que o personagem, é uma pessoa só; o jeito dele se vestir está ligado a forma dela morar ou viver. Por isso deve haver muita troca de
informação. Todos profissionais aqui têm que ter uma boa visão das outras áreas. Os setores de infra-estrutura e operacionais devem ter uma visão
artística, e os setores artísticos devem ter uma visão operacional do processo. Não adianta achar uma locação maravilhosa se é inviável realizar uma gravação; por exemplo, uma rua, onde não se pode parar um gerador ou o caminhão de
luz. Também não adianta achar uma locação que atende em tudo a produção, mas é feia e não atende ao artístico. (Entrevista, outubro de 2003).
O diretor de produção (Entrevista, outubro de 2003) diz que a novela
estréia com 12 a 18 capítulos gravados. Depois da estréia, recebe-se 6 capítulos
por semana, grava-se 6 capítulos por semana e exibi-se 6 capítulos por semana.
Deve-se gravar todos os dias um número de cenas correspondente a um
capítulo. Alexandre diz que se pode realmente fazer uma analogia da produção
de telenovelas, com uma produção industrial, no sentido do ritmo de produção:
77
Todos os dias fabrica-se um capítulo novo, e transmite-se um novo, aconteça o que acontecer, com todas as rotinas de organização de uma indústria. Porém há
duas diferenças básicas: Primeiro não sai sempre a mesma coisa, segundo, nossa matéria-prima é o ser humano. Uma chapa feita numa fábrica de
automóvel, independentemente de quem quer que faça, resulta sempre na mesma chapa, e sai no final, o mesmo carro. Aqui só existe um Toni Ramos. Se ele ficar rouco ou doente, tem que esperar ele ficar bom ou encontrar alguma
solução (Entrevista, outubro de 2003).
Se um ator ficar doente, isso resultará numa alteração na ordem de
gravação e consequentemente na ordem de feitura da edição, sonorização etc.
O que pode ser gravado sem ele será gravado, e tudo deverá ser reorganizado
até que se equilibre novamente o ritmo das gravações. Os processos de trabalho
buscam ser o mais organizados possíveis, para o melhor aproveitamento do
espaço e da estrutura, com o ritmo de funcionamento industrial: preparativos
pela manhã para gravações tarde e noite; montagem, desmontagem e
transportes diários de cenário; montagem e desmontagem repetidamente, todos
os dias, dia e noite.
Enquanto alguns capítulos estão prontos, outros sendo gravados,
editados e sonorizados. O ritmo considerado ideal é manter certo número de
capítulos adiantados e prontos para serem exibidos. Em seu relatório Métodos e
Tempos para Produção o autor (1999) observa que, por maior que seja a
organização na CGP, é muito difícil não ocorrer imprevistos e não raro, perde-se
frente, tornando o tempo mais curto para correção de erros, o que traz muitas
vezes tensão para os profissionais. Frente é um termo que faz parte da rotina em
produção. A frente é a diferença entre o capítulo que está sendo produzido e o
capítulo que está indo ao ar. É uma vantagem de tempo, necessário à produção.
Ishikawa (Entrevista, outubro de 2003) explica sobre as limitações
logísticas de produção. Segundo o diretor, é preciso verificar a capacidade da
produção para produzir o que o autor escreve. Os estúdios têm 1000 metros
quadrados de área, mas apenas 600 metros quadrados de área são disponíveis
para montagem. Esse espaço possibilita a criação de 3 a 4 cenários por dia, isso
dá 18 a 24 cenários por semana. O autor não poderá escrever mais do que isso.
Existe também uma otimização na utilização desses cenários. Tudo que for sala
de Lucia, diz Ishikawa, deve ser gravado de uma só vez, do capítulo 1 ao 6;
esses cenários deverão ser desmontados e montados na outra semana. A
seqüência das gravações segue uma lógica operacional. As questões
observadas pelo diretor são relevantes porque mostram uma ordem de
operação industrial, invertendo todo o sentido estético visto pelo telespectador.
78
Em entrevista ao presente estudo, o diretor explicou também sobre as
limitações de produção:
O autor tem que sonhar e, a produção tem que ter os pés no chão (...). A gente pega o mundo ideal do autor e dá uma enquadrada nele. Por outro lado, não fazer o que o autor quer pode ser uma frustração. Não existe sucesso financeiro, se a
novela for aquém do que se esperava...isso seria um mal negócio. É possível negociar um pouco com o autor; este tipo de coisa, sonho versos custos, é comum
ser tratado. Por ser uma obra aberta, às vezes o autor resolve entrar com um personagem novo; isto significa figurino novo, cenário novo, então a produção tenta negociar isto dentro do próprio orçamento. (...) Vamos deixar de fazer aquela
outra coisa para colocar este personagem. Isso pode acontecer (...) (Entrevista/out/2003).
No relatório referido anteriormente sobre a CGP, o autor (1999) observa
que o processo de produção é artístico e industrial ao mesmo tempo. Artístico no
que diz respeito a causar emoção na feitura do roteiro, direção de cena,
interpretação de atores, etc. Industrial porque deve manter alta produtividade,
índice elevado de audiência com vista no anunciante e preocupação com
duração e custos. Essa relação dialética intensa entre o artístico e o industrial se
manifesta em todas as suas etapas, e deve ser gerida no dia-a-dia (Pinto, 1999,
p.49).
Daniel Filho (2001), considerado um dos maiores diretores da televisão
brasileira, lembra que o telespectador não costuma ter noção do tamanho da
equipe envolvida na feitura de um programa de televisão. Para ele, não há
diretor, produtor, ninguém vestiu os atores, escolheu os locais de gravação.
Assim, diz o diretor Daniel Filho:
Nada está numa cena por acaso, tudo foi planejado e pensado; cada figurante,
roupa, acessório, sapato, o tipo de maquiagem, corte de cabelo, tudo aquilo foi discutido e aprofundado. Uma equipe de filmagem é formada por diversos
profissionais: diretor de fotografia, produtor de arte, continuísta, cenógrafo, figurinista, assistente de direção, assistente de estúdio, diretor musical, diretor de imagem, e outros. (..)Todas essas pessoas juntas vão pintar quadro em
movimento (...); é preciso que todos estejam harmonizados falando a mesma língua, devendo se guiar pela mesma idéia, a história a ser contada (Daniel Filho,
2001, p.240, 241).
Uma das características do processo de produção de uma novela é a
multiplicidade de funções, as diversas etapas e a interferência de vários agentes.
O que o público assiste é o resultado de muitos elementos: o foco do diretor, a
energia do ator, a interação dos personagens, etc. O roteirista só vai sentir o
resultado depois que ela vai ao ar, diz o autor do relatório. Ele vai ter que
interagir com a sua própria criação, por causa da metamorfose que seu universo
sofreu no processo produtivo. E vai ter que agir também em função das
79
avaliações e sugestões da direção artística e das reações da audiência (Pinto,
1999, p.33).
5.13. Levantamento das alterações em telenovelas (1966-2003)
O livro Dicionário da TV Globo: programas de dramaturgia e
entretenimento (2003) traz a descrição das sinopses das novelas já produzidas
pela TV Globo desde 1966, com comentários sobre suas histórias e
considerações sobre suas produções. Em algumas dessas novelas são
observadas alterações em seus roteiros ou produções. O presente levantamento
tem por objetivo fornecer uma visão do conjunto de alterações já registradas em
telenovelas para auxiliar na compreensão deste estudo. Esses dados serão
devidamente tratados na seção de análise. As telenovelas de interesse são:
Anastácia a mulher sem destino (1967); escrita por Emiliano Queiroz e
Janete Clair, com direção de Henrique Martins. A novela tinha muitos
personagens, o que dificultava o ritmo da trama e a compreensão do público.
Janete Clair foi chamada para dar um desfecho à trama. A autora decidiu criar
um terremoto na ilha, eliminando mais de 100 pessoas do elenco (Dicionário da
TV Globo, 2003, p.14).
A grande mentira (1968); escrita por Hedy Maya, com direção de Fábio
Sabag. O público reagiu ao fato dos atores principais, Myrian Pérsia e Cláudio
Marzo, terem sido substituídos. Estes tiveram de retornar à novela (Ibid., p. 15).
Passo dos ventos (1968); escrita por Janete Clair, com direção de Regis
Cardoso. A troca dos pares famosos (Tarcísio Meira e Glória Menezes; Carlos
Alberto e Yoná Magalhães) foi malsucedida. Outra novela era exibida
simultaneamente (A Gata de Vision), com par romântico invertido, provocando
uma reação negativa do público (Ibid., p.16).
A Gata de Vison (1968); escrita por Glória Magadan, com direção de
Daniel Filho. A troca dos pares famosos (Tarcísio Meira e Glória Menezes;
Carlos Alberto e Yoná Magalhães) com a exibição simultânea da novela Passo
dos Ventos, estrelada por Glória Menezes e Carlos Alberto, não foi bem recebida
pelo público (Ibid., p.16).
Rosa Rebelde (1969); escrita por Janete Clair, com direção de Regis
Cardoso. (...) fracasso de público, sobretudo pela concorrência da inovadora
Beto Rockfeller, exibida pela TV Tupi, no mesmo horário (Ibid., p. 17).
80
Véu de Noiva (1969); escrita por Janete Clair, com direção de Daniel
Filho. Por volta do capítulo 30, o ator Geraldo Del Rey pediu licença para sair da
novela. A solução encontrada por Janete Clair para justificar a ausência do ator
foi um assassinato, que acabou sendo um recurso de audiência: Quem matou
Luciano? (Ibid., p.19).
Irmãos Coragem (1970); escrita por Janete Clair, com direção de Daniel
Filho. O personagem Juca Cipó, secundário na trama, ganhou espaço e acabou
como um dos pontos altos da novela. O diretor Daniel Filho lembra que os
telespectadores torciam para (...) (Ibid., p. 22).
Assim na Terra como no Céu (1970); escrita por Dias Gomes, com
direção de Walter Campos. (...) quando se lançava no ar a pergunta: Quem
matou? A novidade não agradou aos telespectadores (...) (Ibid., p. 24).
O Primeiro Amor (1972); escrita por Walter Negrão, com direção de
Walter Campos. O autor tentou usar em O primeiro amor ingredientes da novela
anterior Minha Doce Namorada (1971); com ajuda de Homero Icaza Sanchez
(responsável pela pesquisa de audiência) tentaram determinar os pontos altos
de enredo, personagens e elenco (Ibid., p. 34).
O Bofe (1972); escrita por Bráulio Pedroso, com direção de Daniel Filho
(posteriormente substituídos). Problemas de saúde de Bráulio Pedroso,
acrescidos de uma audiência aquém da esperada, levaram à sua substituição.
Lauro César Muniz, que estreava em novelas na TV Globo, fez algumas
modificações na trama (Ibid., p.37).
O Bem-Amado (1973); escrita por Dias Gomes e dirigida por Régis
Cardoso. O personagem cresceu em importância e acabou ficando até o final.
(Ibid., p. 39).
Carinhoso (1973); escrita por Lauro César Muniz, com direção de Walter
Campos. A novela poderia ter tido mais do que os 174 capítulos, mas a trama
teve de ser encerrada, porque Regina Duarte estava grávida (Ibid., p. 41).
Duas Vidas (1976); escrita por Janete Clair, com direção de Daniel Filho
(posteriormente substituídos). Ao assumir a direção, Gonzaga Blota fez várias
mudanças na sua trama, tentando superar dois problemas: a baixa aceitação do
público e as imposições da censura (Ibid., p. 72).
Dancing Days (1979); escrita por Gilberto Braga, com direção de Daniel
Filho (posteriormente substituído). O autor mudou os ambientes onde se
passava a história e mexeu na trama de diversas personagens: Yolanda separa-
se do marido (...) (Ibid., p. 83).
81
Pai Herói (1979); escrita por Janete Clair, com direção de Walter
Avancine (posteriormente substituídos). Em torno do capítulo 70, Janete Clair
decidiu dar uma virada na novela, que tinha tramas paralelas muito complexas, o
que vinha provocando queda da audiência. Para atrair a atenção do público, a
solução encontrada foi matar um dos personagens. (Ibid., p.92).
A Cabocla (1979); escrita por Benedito Ruy Barbosa, com direção de
Herval Rossano. Glória Pires adoeceu e teve de ser substituída por Christiane
Grossi, que era focalizada somente de perfil (Ibid, p. 95).
Os Gigantes (1979); escrita por Lauro César Muniz, com direção de
Regis Cardoso (posteriormente substituídos). A trama abordava temas
polêmicos, como a eutanásia e o poder das multinacionais, além de insinuar o
interesse homossexual entre as personagens vividas por Dina Sfat e Lídia
Brondi. Isso não foi bem aceito pelo público, que considerava as temáticas, em
especial, a eutanásia, inadequadas para uma novela (Ibid., p.96).
As Três Marias (1980); escrita por Wilson Rocha, com direção de Herval
Rossano (posterirmente substituídos). Solicitada para modificar os rumos da
novela, que não havia despertado a atenção do público, Walter Negrão
transformou a novela em uma trama policial. No decorrer da narrativa, os
personagens Teresa, Antônio (Dênis Derkian) e Macedo (Roberto de Cleto) são
assassinados (Ibid., p.103).
O Amor é Nosso (1981); escrita por Roberto Freire e Wilson Aguiar Filho
(posteriormente substituídos). A quantidade de tramas paralelas acabou
confundindo o público. Na tentativa de elevar a audiência, Walter Negrão
assumiu a autoria da trama e provocou diversas mudanças. (Ibid., p. 110).
Brilhante (1981); escrita por Gilberto Braga, com direção de Daniel Filho.
Problemas com a audiência e pressões com a censura levaram Gilberto Braga a
reformular a trama da novela. O romance entre Luísa e Paulo César não
agradou o público (...) (Ibid., p. 111).
Sol de Verão (1983); escrita por Manoel Carlos, com direção de Roberto
Talma, Jorge Fernando e Guel Arraes. A censura cortou diálogos e cenas que
considerou forte, prejudicando a compreensão da trama da novela, que não
atingiu bons índices de audiência. A decisão da personagem Rachel de deixar
um casamento (...) não contentou o público, cuja insatisfação foi expressa em
cartas e enviadas à Rede Globo. O ator Jardel Filho morreu durante as
gravações da novela; o personagem vivido por ele teve uma viagem repentina.
Após a morte do ator Jardel Filho, a direção da Rede Globo encomendou uma
pesquisa junto ao público para saber se deveria dar continuidade ou não à
82
produção. Dos entrevistados, 55% acharam que a novela deveria prosseguir (..).
Lauro César substituiu Manoel Carlos que se sentiu impossibilitado de continuar
(Ibid., p.120).
De Quina pra Lua (1986); escrita por Alcides Nogueira, com direção de
Atílio Riccó. Havia seqüências que sugeriam lesbianismo entre as personagens
Fernanda e Cíntia (Beth Goulart), o que provocou reações negativas nos
telespectadores, fazendo com que a emissora e os autores da novela
reformulassem as cenas (Ibid., p. 150).
Roda de Fogo (1987); escrita por Lauro Cézar Muniz, com direção de
Dennis Carvalho. Os autores passaram a dar maior espaço para o núcleo que
continha os personagens que faziam sucesso na trama. O vilão Renato Villar foi
conquistando a simpatia do público. A morte do personagem Renato, provocou
polêmica. Muitos telespectadores escreveram para o Boni (então vice-presidente
de Rede Globo), pedindo que o personagem continuasse vivo (Ibid., p.154).
Direito de Amar (1987); escrita por Walter Negrão, com direção de
Jayme Monjardin. Carlos Vereza compôs um vilão tão sedutor, que o público
passou a torcer por ele. E isso obrigou o autor a exagerar as maldades de
Monserrati (...) (Ibid., p. 157).
Vale Tudo (1988); escrita por Gilberto Braga, com direção de Dennis
Carvalho. Os índices de audiência foram altos no último capítulo. Houve muita
curiosidade dos telespectadores para saber Quem matou Odete Roitman? Os
autores ajudaram a criar o clima de suspense, escrevendo 5 finais diferentes
para o último capítulo, ao qual os atores só tiveram acesso durante a gravação
(Ibid., p.164).
O Salvador da Pátria (1989); escrita por Lauro César Muniz e dirigido
por Paulo Ubiratan. O autor decidiu mudar o perfil de um personagem porque
houve reclamação de partido político em relação ao personagem. (ibid., p. 172).
Rainha da Sucata (1990); escrita por Silvio de Abreu, com direção de
Jorge Fernando. O autor usou elementos da realidade política e econômica do
país para escrever a trama. Rainha da Sucata estreou em pleno confisco da
poupança pelo Governo de Fernando Collor de Mello. Silvio de Abreu incluía
fatos do cotidiano do país na vida dos personagens da novela (...) (Ibid., p. 180).
O Sexo dos Anjos (1990); escrita por Ivani Ribeiro, com direção de
Roberto Talma. O ator Lutero Luiz morreu durante a novela. Seu personagem
saiu de cena (Ibid., p. 180).
O Dono do Mundo (1992); escrita por Gilberto Braga, com direção de
Dennis Carvalho. A discussão sobre o problema da virgindade não fez mesmo
83
sucesso entre os telespectadores. Com índices de audiência considerados
insatisfatórios, a trama foi modificada. Silvio de Abreu foi convidado para
substituir o autor, e deu maior agilidade e ação, além de introduzir mudanças
substanciais no perfil de alguns personagens. Aos poucos, a telenovela
recuperou o público (Ibid., p. 193).
Perigosas Peruas (1992); escrita por Carlos Lombardi, com direção de
Roberto Talma. Duas mudanças foram feitas no texto original: a tentativa de
suicídio da menina Tuca, de 13 anos, cortada por decisão da direção da
emissora, e o final escrito para Belo, que deveria morrer por volta do capítulo
100. Como tinha grande popularidade entre os telespectadores, o autor manteve
o personagem vivo (Ibid., p. 201).
De Corpo e Alma (1993); escrita por Glória Perez e dirigida por Roberto
Talma. A atriz Daniela Perez, filha da autora Gloria Perez, que interpretava a
personagem Yasmim, foi assassinada pelo ator que fazia com ela na novela par
romântico. Gilberto Braga assumiu a responsabilidade de escrever alguns
capítulos subseqüentes e dar uma solução para o desaparecimento dos dois
personagens. A saída de Yasmin da novela foi explicada com uma viagem de
estudos (Ibid., p. 204).
O Mapa da Mina (1993); escrita por Cassiano Gabus Mendes, com
direção de Paulo Ubiratan. Os baixos índices de audiência da novela, transmitida
no mesmo horário que o programa Aqui Agora, do SBT, levaram ao afastamento
da diretora-geral Denise Saraceni 10 dias depois da estréia. Contudo, poucas
alterações se fizeram no enredo. No elenco, a atriz Fernanda Montenegro
(Madalena Moraes) teve a participação antecipada, e o ator Maurício Mattar
(Bakur Shariff) foi convocado para atrair o público feminino (Ibid., p. 215).
Pátria Minha (1995); escrita por Gilberto Braga, com direção de Dennis
Carvalho. As brigas e os freqüentes atrasos de Vera Fisher e Felipe Camargo
levaram a direção da emissora a afastá-los do elenco. Os personagens que eles
representavam morrem num incêndio (Ibid., p. 223).
Explode Coração (1995); escrita por Glória Perez direção de Dennis
Carvalho. Uma advogada de origem cigana considerou depreciativa a
abordagem feita sobre o povo cigano. Levou a questão à justiça. Num dado
momento da trama, modificou-se o figurino, considerado exagerado e
estereotipado. (ibid., p. 235).
A Próxima Vítima (1995); escrita por Silvio de Abreu e dirigida por Jorge
Fernando. Silvio de Abreu, com a intenção de elevar a audiência, criou um clima
de maior de suspense. Diante da repercussão da novela, foi obrigado a fazer
84
algumas alterações no desfecho da história policial. Chegou-se a cogitar na
exibição ao vivo do último capítulo para evitar que se descobrisse o final da
novela antes da transmissão. O autor conta que ele e Jorge Fernando
resolveram gravar 3 desfechos (Ibid., p.231).
História de Amor (1996); escrita por Manoel Carlos com direção de
Ricardo Waddington. Por determinação do Ministério da Justiça, a sinopse de
História de Amor foi alterada (Ibid., p. 233).
Por Amor (1997); escrita por Manoel Carlos, com direção de Paulo
Ubiratan. A personagem Maria Eduarda não agradou aos telespectadores. Um
grupo de internautas criou o site: Eu odeio a Eduarda. Nele, havia uma votação
sobre o destino a ser dado à personagem na novela. Pedia-se a morte de Maria
Eduarda. As pessoas podiam manifestar sua opinião, e mandar mensagens para
Manoel Carlos (Ibid., p. 254).
Corpo Dourado (1998); escrita por Antônio Calmon, com direção de
Paulo Ubiratan (posteriormente substituídos). Apesar de não ter alcançado os
índices de audiência esperados para o horário em que era exibida (...). Houve
algumas mudanças na trama (Ibid., p. 255).
Suave Veneno (1999); escrita por Aguinaldo Silva, com direção de
Daniel Filho. A novela não alcançou os índices de audiência esperados pela
Rede Globo e, depois de pesquisas realizadas pela emissora entre os
telespectadores, o autor Aguinaldo Silva fez algumas alterações na trama. A
partir do assassinado de Clarice, fato que não fazia parte da história original, a
trajetória de diversos personagens foi modificada (Ibid., p. 262).
Torre de Babel (1999); escrita por Silvio de Abreu com direção de
Denise Saraceni e outros. Houve reação da igreja e de grupo de telespectadores
em relação à cenas de violência, homossexualismo, drogas, infidelidade,
vingança. O autor eliminou os personagens que não tinham aceitação do público
para refazer a trama, aproveitando a explosão de um Shopping Center, já
prevista na sinopse. (Ibid., p. 257).
Uga Uga (2000); escrita por Carlos Lombardi, com direção de Wolf Maya.
A Rede Globo foi advertida pelo Ministério da Justiça sobre o excesso de cenas
de violência para o horário das 19h. Dois capítulos da novela tiveram que ser
reeditados. A produção enfrentou dificuldade com o Ministério Público, que
tentou impedir a participação de atores mirins na trama. A comissão da
Conferência e Marcha dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil enviaram
uma carta em sinal de protesto à Comissão dos Direitos Humanos da Câmara
85
dos Deputados, criticando cenas que, segundo a organização, estereotipavam a
cultura indígena (Ibid., p.274).
Laços de Família (2000); escrita por Manoel Carlos com direção geral de
Ricardo Waddington. A novela sofreu resistência por parte da igreja, do juizado
de menores e do Ministério da Justiça. O elenco menor de 18 anos, foi
temporariamente afastados das gravações. (Ibid., p.277).
As Filhas da Mãe (2002); escrita por Silvio de Abreu, com direção de
Jorge Fernando. A novela não atingiu o índice de audiência esperado pela
emissora, e o final foi antecipado em 10 semanas. As vendas internacionais
também foram prejudicadas pelos raps que costuravam a trama. (Ibid., p. 288).
Coração de Estudante (2002); escrita por Emanuel Jacobina e direção
de Ricardo Waddington. A entrada de Carlos Lombardi como consultor da novela
provocou algumas mudanças em Coração de Estudante. Além de modificações
no perfil de alguns personagens, o humor passou a dominar a narrativa, que
ganhou agilidade (Ibid., p. 293).
Esperança (2003); escrita por Benedito Ruy Barbosa com direção de
Luiz Fernando Carvalho ( posteriormente substituídos). Esperança não atingiu os
índices de audiência esperados pela emissora, e Walcyr Carrasco acabou
assumindo a autoria da novela em dezembro de 2002. A trama sofreu
alterações, e novos personagens foram introduzidos na história (Ibid., p. 295).
5.14. Opinião dos autores e diretores sobre a influência do público
Os Autores Manoel Carlos, Lucia Abreu, o diretor de núcleo Jorge
Fernando, e os diretores Mario Lucio Vaz e Edson Pimentel deram entrevistas
pessoais a este estudo sobre a importância do público no processo de criação.
Os autores Ricardo Linhares, Edmara Barbosa, Edilene Barbosa e Gilberto
Braga deram entrevistas por email. Outras opiniões sobre o tema foram
extraídas da imprensa.
5.14.1. Manoel Carlos
Os índices de audiência estão relacionados ao alcance que a emissora
está atingindo, à satisfação do público, ao sucesso dos programas, à receita da
emissora, ao valor do espaço publicitário e outros. Eles são para a emissora
mais do que um indicador, eles são uma referência constante.
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Manoel Carlos foi questionado sobre a importância dos índices de
audiência para os autores de telenovelas. O autor responde que cada um dá aos
índices de audiência uma importância diferente, e faz a seguinte observação:
"Isso não pode ser uma coisa tão neurótica, sôfrega, doentia... " Observa que
quem tem mesmo que se preocupar com os índices é a direção da empresa,
porque controla as várias programações. Pode acontecer de um programa
registrar quedas consecutivas, e neste caso deve se saber a razão. Ele acredita
ser natural que os índices mobilizem a emissora, pois estas sobrevivem com
esses indicadores (Entrevista, novembro de 2003).
O autor diz não ser tão difícil descobrir se uma novela está fazendo
sucesso ou não, basta sair, e observar: "Você vê a reação nas ruas, o
comportamento das pessoas (...) a não ser que você queira os números exatos
da audiência." Ele afirma não ficar preocupado com as variações do índice de
um dia para o outro. A menos que fossem quedas extremamente acentuadas.
De qualquer forma afirma estar ligado na audiência. Possui o aparelho específico
dentro de casa para saber o índice de audiência a cada minuto. Se preocupa
quando tem uma cena muito longa, se a cena está no tamanho certo ou não, se
cansou o público, se é muito violenta, etc. Mas afirma que essa preocupação
toda, é mais no começo. O autor oferece o seguinte depoimento ao presente
estudo:
Eu não vou me preocupar se o índice subiu um ponto ou desceu dois pontos (...).
Se por exemplo, a audiência caísse muito, eu me preocuparia em saber o que estaria acontecendo, o que podem ou não estar gostando (...) para isso, existem as reuniões de grupo. Na verdade, eu nunca participei de nenhuma. Se eu
tivesse uma crise numa novela, por exemplo, eu pediria imediatamente a TV Globo para fazer uma reunião de grupo. Mas eu, tenho uma aferição muito
instantânea. Eu ando na rua, sei o que a minha novela agrada e o não agrada (...). Fiz onze novelas com a TV Globo, e até hoje, a minha opinião coincidiu com
a opinião pública (...).(Entrevista, novembro de 2003).
Manoel Carlos observa que os resultados das reuniões de grupo,
denominado focus group, demoram muito para chegar em suas mãos. Na
ocasião da reunião, ele manda um colaborador seu fazer o acompanhamento. O
autor comenta que quando são apresentados problemas com algum
personagem, ele apenas escuta e reflete. Ele revela que nunca lê os relatórios
porque acredita que normalmente estes não apresentam resultados importantes:
"Essas reuniões de grupo são absolutamente furadas! Eu já pedi a TV Globo
para não fazer; são mulheres que levantam de manhã, para dar opinião sobre a
novela. Não sabem nada de novela (..). O que vale, diz o roteirista, é a opinião
87
dos telespectadores com os quais ele convive: a opinião da sua mulher, dos
seus filhos, das empregadas que trabalham em sua casa, do porteiro do edifício,
das pessoas da livraria onde ele vai todos os dias, etc. (Entrevista, novembro de
2003).
O roteirista admite que, se estivesse diante de uma crise com uma
novela, se serviria de tudo ao seu alcance. Afirma nunca ter se encontrado numa
situação dessas. O autor tem poucas lembranças de mudanças que promoveu e
diz que estas em geral são apenas pontuais. Ele recorda de algumas:
Quando eu fiz Sol de Verão, eu fiz o Toni Ramos, que fazia o papel de um surdo-mudo, homem muito bom (...). Ele começou a flertar com uma aeromoça (...). Quando terminou o capítulo, eu desci para jantar com a minha mulher e
encontrei o síndico que disse: "Acabei de ver sua novela, você não vai fazer o Toni gostar daquela moça? ...menino tão puro, meigo, e ela uma aeromoça
vivida, faz viagens internacionais, acho que não tem muito a ver." (Entrevista, novembro de 2003).
O autor conta que esse telespectador lançou uma semente e que no dia
seguinte, foi fazer uma compra com sua mulher, e o gerente de uma loja falou a
mesma coisa, e outra pessoa também. Ele acha significativo quando 5 em 6
pessoas falam a mesma coisa. No caso citado, houve uma rejeição em relação à
união de um personagem muito puro, muito bonito com uma menina viva,
acredita ele. E os telespectadores receavam de que a aeromoça fizesse o rapaz
sofrer; por essa razão, ele afastou o casal, isto é, mudou o rumo da história,
porque sentiu a rejeição do público. (Entrevista, novembro de 2003).
Manoel Carlos (Entrevista, novembro de 2003) observa que se as
opiniões começam a coincidir: sua mulher, a empregada, o porteiro, a moça da
livraria, etc., que isso pode ser um indicador. Ele diz que pode não seguir, mas
afirma: "Isso é Ibope, é estatística." O autor lembra da novela Mulheres
Apaixonadas:
a) Quando começou a novela Mulheres Apaixonadas as pessoas odiavam o Fred,
aí eu dizia: "— Calma que vocês vão gostar dele; vão gostar, por que eu sei o
que eu vou fazer com ele ...deixa comigo! ... Depois amaram o rapaz! Por que eu tinha um caminho para ele, que era conquistar o público, conquistar a audiência.
b) Em compensação eu matei o Fred, contra os apelos de todo mundo! Minha irmã,
querida, que mora em São Paulo dizia pra mim no telefone: "Meu irmão, não mate o Fred." E eu dizia: "Vou matar sim!" Eu queria que aquele infeliz daquele Marcos carregasse um inocente com ele na morte, para que ele ficasse mais
perigoso. ... porque não tem lei no Brasil que penalize o espancador de mulheres (...).
c) No caso da personagem Fernanda da novela Mulheres Apaixonada: Eu ia matar
a Fernanda no capítulo trinta e poucos, 40, sei lá... Mas a verdade que por um problema meu de dramaturgia eu vi que se eu matasse a Fernanda, a menina
88
ficava vazia, ficava sem apoio. (...) Então eu pensei em dar uma sobrevida a ela. Tanto é que logo depois que ela morreu, a menina caiu no vazio, a menina ficou
com menos densidade dramática, a densidade dramática dela era a mãe. Eu pensei: "Se eu matar essa moça no capítulo 50, como é que eu faço pra ficar 150
capítulos sem ela?" Então eu fui dando uma sobrevida. Depois decidi matar a moça num determinado capítulo. Não matei porque era feriado no Brasil. Eu falei, não vou matar no feriado porque a audiência cai muito no feriado. As
pessoas viajam.(...) Mas não foi influência do público não. O público, não queria que ela morresse por que era um personagem extremamente carismático. Mas é
assim que é bom matar.
d) Em Baila Comigo eu mudei a história toda. Lílian Lemmertz que fazia Helena era casada com Fernando Torres, eles tinham um filho que era o Tony Ramos. (...). Na minha sinopse o Fernando Torres morre no capítulo 30 ...O Fernando Torres
fez um sucesso tão grande que foi até o fim e não morreu, eu não matei. (...) Naquela época era diferente. Eu recebia cartas. Tinha gente que escrevia
dizendo que se o Fernando Torres morresse ia se sentir órfão. Por que ele era o pai que todo mundo queria ter. Então eu comecei a ver... Fui ao Boni e falei: "Pô,
não vou matar o Fernando não ...o público adora ele...."
Manoel Carlos fez a seguinte observação sobre a Central de Atendimento
ao Telespectador - CAT: "Quando existe uma insistência muito grande em
determinado assunto, a Marcia Clark que faz isso, me passa por email. (...)
Considero tudo. Não significa que eu vou mexer, mas eu ouço." (Entrevista,
novembro de 2003).
O autor observa que algumas vezes há boatos sobre a existência de
pesquisas, quando se tratam apenas de enquetes. Muitas vezes, elas nem são
promovidas pela emissora. Este foi o caso de uma enquete com as ouvintes na
Rádio Globo, no programa de Antônio Carlos. As ouvintes foram questionadas
sobre suas impressões a respeito das personagens homossexuais da novela. O
conteúdo da discussão foi para os jornais, e passou-se a dizer que havia uma
pesquisa da Globo sobre as personagens. Manoel Carlos, que deu entrevista no
mesmo programa sobre a questão das personagens, afirma nunca ter existido tal
pesquisa (Entrevista, novembro de 2003).
Para Manoel Carlos existe um grande equívoco quando pensam que os
autores são pressionados pela TV Globo: “Não tem pressão nenhuma!” Diz ele.
Quem exerce a pressão é o próprio autor. Ele diz que não se permite não fazer
sucesso, e costuma dizer que ganha um salário muito bom, não apenas para
escrever novela, mas para escrever novela que dê certo. Observa também que
existe um compromisso do autor com a audiência ou com o sucesso da novela.
A novela só tem sentido vista por uma multidão de pessoas, porque é um
produto cultural popular, afirma ele. O autor faz uma comparação com um circo
que chega a uma cidadezinha: se ninguém vai, como é que fica, pergunta ele.
Uma novela é para ser vista por 60, 70 milhões de pessoas todas as noites:
89
"Escravizar a pessoa, a pessoa não vai ao cinema, a pessoa marca o jantar
depois da novela..." (Entrevista, novembro de 2003).
Manoel Carlos observa que a novela tem um autor, e esse autor é
absolutamente dono dela. Ele afirma que a emissora nunca ligou para ele para
propor modificações. Comenta da seguinte forma sobre a sua autonomia: "...eu
ouço opiniões, eu vejo na rua, eu leio no jornal alguém dizer alguma coisa, eu
peso, e sigo ou não as coisas que eu ouço. Tenho liberdade total para
concordar, ou discordar daquilo que eu ouço." (Entrevista, novembro de 2003).
5.14.2. Lucia Abreu
Segundo a colaboradora e autora de telenovela Lucia Abreu, a percepção
comercial dos autores de novela começou na década de 90, quando estes
começaram a perceber que podiam ter salários mais elevados. A empresa antes
não oferecia percentual nenhum em cima da audiência, e hoje oferecem, e
comenta: "Alguns autores tem seu contrato fechado, e tem uma parte de x% dos
patrocinadores. Não é a maioria, alguns privilegiados. Por exemplo, se derem
acima de 20 pontos no Ibope, cada ponto tem direito a tantos porcento." Sobre
como relacionar os índices de audiência com a satisfação do público em
momentos da novela, ela comenta (Entrevista, fevereiro de 2004):
Os índices são dados cena a cena. Por exemplo, se uma novela tiver hoje
atingindo 52 pontos de audiência e quando chega à cena de amor da Maria Clara e Fernando cai para 45, significa que 5% muda de canal ou desliga. Se isso se repetir, é porque aquela cena não está funcionando na novela.
Lucia diz que quando um autor percebe que um personagem está dando
certo, ou tem uma empatia com o público, ele toma mais espaço e, neste caso, o
autor pode fazer mais cenas com este personagem. Nesse sentido, é que o
público interfere na obra. Pode ser uma simples iniciativa do autor independente
de pesquisas, ou pode ser por causa de resultados de pesquisas. Observa:
O autor não pode se prender tanto a essa coisa do público. Ele tem uma história
na cabeça a contar. Ele sabe até aonde vai a trama. Aonde ele vai colocar a morte, colocar isso ou aquilo (...). Se ele for seguir cada modificação que o
telespectador quer, ele não escreve a história toda, ele vai se perder. Porque aí, não é a história dele, é a que o público está querendo. Se ele não tiver uma
lógica, ele se perde. O público não tem nenhuma lógica. Uns dias eles querem isso, outro dia eles querem aquilo outro. O autor não pode seguir tudo o que o público quer. "Estão chegando cartas dizendo que preferem fulano com ciclano".
Mas na cabeça do autor a história não é esta. Os personagens já têm o seu destino. Se ele muda o destino ele não faz o desfecho. (Entrevista, fevereiro de
2004).
90
Segundo Lucia, quando o autor cria uma história, esta deve ter um
princípio, meio e fim. Com isso, quando a sinopse é apresentada, o desenrolar
principal já está predestinado. No decorrer da trama, porém, alguns elementos
podem ser criados. Mas o autor tem suas metas. Dessa forma, diz ela: "Do
capítulo 1 ao 20, ele vai criar situações ou cenas que vão ter ligações com outras
na trama. Do 20 ao 40, ele vai esqueletar outras." Tudo já está na sua cabeça,
até o capítulo 150, que é o desfecho." Assim, Lucia quer dizer que o autor deve
estruturar uma seqüência de situações que devem acontecer durante a novela
toda, até chegar ao desfecho. Se ele não tiver tudo bem organizado na sua
mente, ele não consegue escrever as 40 cenas intermediárias. Cada período da
novela levanta a trama de um personagem ou núcleo. O autor deve ir expondo
em cada período uma situação para o público atingir o ápice. E quando o autor
juntar todas as tramas chegará aonde ele quer. Diz ela: "Tudo para o autor tem
uma ligação." (Entrevista, fevereiro de 2004):
A importância de uma cena é tão grande que se um determinado capítulo
tiver que diminuir 4 minutos por alguma razão, nem o diretor nem o editor
poderão retirar uma cena sem falar com o autor. O autor tem sempre que ser
consultado, pois o editor não sabe se uma cena tem relação com outra cena
adiante. Lucia observa: "Ninguém pode cortar nada da novela, só o autor. Só ele
sabe por que escreveu aquilo." (Entrevista, fevereiro de 2004):
Lucia Abreu foi colaboradora da autora Glória Perez na novela Explode
Coração. A novela não sofreu nenhum tipo de modificação, embora o público
tenha pedido por um final diferente. Assim conta a colaboradora (Entrevista,
fevereiro de 2004):
Em Explode Coração, todo mundo queria casar a Dara com o Igor, e a Glória por
insistência, por teimosia, fez a Dara terminar com o Júlio. Dois anos depois ela falou: "Lucia, você estava certa, a Dara tinha que terminar com o Igor. Eu por
teimosia... agora vou pensar melhor. " Na cabeça dela, ela já tinha pensado na Dara terminar com o Julio. Seguiu a coerência dela.
Para Lucia, quando se fala em público se quer dizer: o público que se
manifesta por cartas, pela imprensa, telefonemas para o CAT, pesquisas
qualitativas, índices de audiência, etc. (Entrevista, fevereiro de 2004):
Quanto à interferência do público telespectador nas teledramaturgias, a
colaboradora diz que depende de autor para autor e também do seu momento.
Há momentos em que o autor está mais aberto para mudança, afirma. Também
há autores que, em cada novela, agem de uma maneira. Mas, segundo ela um
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autor não é capaz de mudar o rumo total, e afirma: "Isso não! Nem pode!"
Explica a autora (Entrevista, fevereiro de 2004):
O que ele pode é aumentar o papel de um personagem, ele pode diminuir, pode
matar o personagem, se o público achar que ele está muito antipático; pode deixar de matar algum personagem que já está predeterminado na sinopse, o
fulano que morreria no capítulo tal, só que o público começa a pedir (...). Foi o caso da Maria Eduarda de Por Amor. Pela sinopse, a Maria Eduarda era para morrer de parto. Só que o público começou a não querer que ela morresse. E aí
o autor não matou.
Lucia Abreu explica que no início não há preocupação do autor com o
público (imprensa, cartas, etc.). Para ela, existe um tempo para o telespectador
introjetar o personagem. O autor deve se preocupar com o que ele próprio está
sentindo sobre a obra: se criou um personagem para um ator que não está bem
e quais são as possíveis razões, se os diálogos não estão de acordo com o
personagem, se é o ator que não entrou no personagem, assim por diante. "...
Se o autor for se preocupar com outras coisas não escreve." diz Lucia. A autora
afirma não lembrar de uma novela muito modificada pelo público (Entrevista,
fevereiro de 2004):
Nenhuma novela é muito modificada pelo público. O público interfere, mas não a ponto da novela ser muito modificada. Quando eu falei que um personagem
pode morrer ou não, significa que o autor modifica um personagem, mas o que é isso, se existem 30 personagens? Se ele modifica 1, então ela não é muito
modificada. Então nunca nenhuma novela chega a ser muito modificada a ponto de ficar distante da sua história original. O público nunca conseguiu isso, nem vai
conseguir. Esse não é o papel do público.
Sobre a novela Torre de Babel, de Silvio de Abreu, onde houve uma forte
rejeição do público com as personagens que faziam papel de homossexuais,
Lucia conta sobre a alteração por causa da rejeição que se tornou popular
(Entrevista, fevereiro de 2004):
Ali, não foi nem o público, foi a Igreja. As instituições têm o poder, o público não.
É essa diferença. Aí já começa a ser uma coisa de cima para baixo. Aí a direção é que vai dizer: "Vamos parar com isso, já está começando a dar problema, muda essa linha!" Por exemplo, se a novela tem um personagem que é uma
empregada, de repente o autor erra na mão, e coloca ela sendo escurraçada, alguma coisa assim (...) o sindicato das empregadas pode interferir e começar a
causar problema, mas neste caso é a Instituição.
Questionada sobre a razão do formato, obra aberta, Lucia observa que a
obra é aberta não exatamente por causa do público, mas porque essa forma de
92
construção do produto é conveniente para a empresa, em termos do processo
como um todo (Entrevista, fevereiro de 2004):
5.14.3. Jorge Fernando
Jorge Fernando fala da importância da interação entre o autor e o diretor:
"Como o autor trabalha sozinho geralmente, no computador, pode se perder na
fantasia e esquecer que aquilo vai ser feito por algum ser humano (...)."
(Entrevista, julho de 2004).
O diretor diz que o maior espectador é o autor. Ele é quem vai poder
assistir ao primeiro capítulo primeiro que todos e poder avaliar aquilo que ele
imaginou. O autor assiste aos 18 capítulos antes de todos, e pode mudar.
Jorge observa que só depois de um tempo, os personagens tomam vida
O ator, com sua interpretação, vai tentar transmitir o que o autor quer. Muitas
vezes, o autor, não precisa colocar em muitas palavras o que ele deseja. Isso,
ele só vai tomar conhecimento depois que a cena estiver produzida. Quando o
autor escreve os primeiros capítulos da obra, pensa apenas em fortalecer a sua
própria idéia. Porém, depois que ele avalia os primeiros capítulos é que ele
pode começar a mudar a forma de escrever: "(...) aquele personagem não era
bem aquilo, mas eu estou gostando (...)" O autor vai adequando o personagem
ao ator. Se o ator não fala tão bem, mas é bonito, faz a cena dele trabalhando ao
invés de falando. Contudo, nos papéis centrais, não se pode errar, diz Jorge
(Entrevista, julho de 2004).
O diretor comenta dos seus sucessos e insucessos como Chocolate com
Pimenta e As Filhas da Mãe (Entrevista, julho de 2004):
Eu tenho um maior sucesso, que foi a Chocolate e tenho um maior fracasso que
foi a anterior As Filhas da Mãe. A gente botou o melhor do elenco, a gente queria mudar a história da novela, descentralizar (...) seriam vários sitcoms, cada sitcom
tinha duas ou três estrelas (...) só que o que aconteceu: estreou bem mas o público rejeitou um pouco o formato.
Jorge Fernando conta que quando foram modificar o formato, para
novela, com ganchos e outras características de novela, o público começou a ter
outros interesses: A filha do Silvio Santos foi seqüestrada, o Silvio Santos foi
seqüestrado, aconteceu o episódio de 11 de setembro, a guerra, e o horário de
verão: "A gente concorria com os programas de realidade, com o 11 de
setembro e ninguém mais via novela. Estava no capítulo 30 e quando as
pessoas viam, não entendiam nada. Mudávamos a história, os raps.(...)". Ele
93
acha que, por mais que mudassem, tinha uma correnteza contra que não
deixava chegar a lugar nenhum. Ele acredita que As Filhas da Mãe foi um
exemplo de novela que passou por um processo de mudanças onde não se
chegou a lugar nenhum. A novela terminou no capítulo 130, quando estava
programada para terminar com 180 capítulos (Entrevista, julho de 2004).
O diretor diz que procura ouvir a Central de Atendimento ao
Telespectador - CAT, mas não se conforma muito com certas reclamações do
público. Conta que, na novela Chocolate com Pimenta surgiu um número
elevadíssimo de reclamações: "Num país onde está sendo feita uma campanha
contra a fome, desperdiçar tanto bolo em cenas de jogar bolo na cara dos outros
(...)" Ele disse que a produção tentou explicar que existia uma verba especial
para isso... que a espuma não era bolo, era espuma de barba, mas não
adiantou. Então escreveram a seguinte cena, por causa de tantas reclamações:
"Prepara-se tudo para ver o bolo jogado na cara, até que alguém fala: Não,
chega de desperdício! Não vai ter casamento, vamos chamar todas as crianças
pobres (...)." E assim fizeram, reuniram algumas crianças pobres, e distribuíram
bolo (Entrevista, julho de 2004).
O diretor falou também de uma pequena mudança que fizeram na novela
Chocolate com Pimenta (Entrevista, julho de 2004):
A gente ia segurar a volta da Mariana e do Murílo só no último capítulo. Aí quando ela disse não para ele um mês antes de terminar a novela, a gente
achou que ia ser uma alavancada para preparar o final, mas o público rejeitou. O público ficou p... com a mocinha por ela ter dito não, apesar de saber que ela
tinha motivos, que ela se vingou (...) mas como ela premeditou entrar na igreja e na hora dizer não, o público se virou contra a mocinha. A gente teve que imediatamente, uma semana depois, fazer ela contar que o outro era pai etc. A
gente teve que, para salvar a heroína, juntar os dois antes de terminar a novela. O público pediu isso. A gente estava errado na condução. O que a gente achou
que ia ser interessante para o público ficar torcendo para eles se juntarem, provocou raiva em vê-los separados.
O caso dos personagens Mariana e do Murilo não foi resultado da
pesquisa de discussão em grupo, foi termômetro, diz Jorge. Conta que esteve
em São Paulo, conversou com algumas pessoas, e num dia dez pessoas
reclamaram. Não achou normal. Na época, a novela estava com um índice de 43
pontos, e logo depois caiu. Ele afirma que o público rejeitou: "Caiu uns três
pontos de um dia para o outro e manteve a queda, e isso é sinal de uma
rejeição. Assim que ela falou que o filho era dele blá blá blá, imediatamente
voltou a audiência. A gente terminou lá em cima." Jorge diz que a novela
estendeu até 214 capítulos; estava sendo produzida para terminar com 170
94
capítulos. Houve dois group discussion: "Um foi ótimo, eles gostaram de tudo, de
música, de roupa, dos bombonzinhos (...), entendiam a história, sabiam que
tinha humor, tinha drama. A gente nunca teve pressão de nada para mudar."
(Entrevista, julho de 2004).
Jorge diz que o termômetro é a sua própria intuição: "Quando você
começa achar que aquilo está esquisito, alguma coisa tem. Além disso, existe a
família, a empregada." O diretor dá valor ao que a família fala; comenta que isso
é o público: "Chocolate era um sucesso com a empregada, com o porteiro,
chofer de taxi, atendente do aeroporto, executivo que viaja no avião (...) "
(Entrevista, julho de 2004).
Para Jorge, a novela tem que começar como se fosse uma obra fechada,
deve haver uma história de partida com princípio, meio e fim : "A forma e o tempo
é que são abertos" explica o diretor (Entrevista, julho de 2004):
Uma coisa que autor prevê que vai acontecer no capítulo 80, acontece no 40, caso aquelas histórias que ele tinha programando até 80 não estão dando. Então
ele abre mão de um efeito futuro e antecipa. Ou deu muito certo, uma coisa que ia dar uma semana, levou três. No início de Chocolate, era uma semana e passava o tempo, a gente acabou ficando três semanas. A gente viu que estava
dando certo, entendeu? A entrada do Caco Cióque estava prevista no 60, ele entrou no cento e pouco, porque a história não precisou daquele novo elemento.
Ou precisa mais de uma mulher, ficou muito sem mulher, aí entra uma personagem no 30 e fica até o final da novela. Ou ela entra, cumpre a função
dela de fazer aquela fofoca e sai.
A obra não é aberta por causa do feedback do telespectador. Este tem
uma parcela, mas ele não é soberano, diz Jorge (Entrevista, julho de 2004).
5.14.4. Mário Lucio Vaz
O diretor Mario Lucio Vaz da Central Globo de Criação é também diretor
da Central Globo de Qualidade. O papel dessa Central é fazer uma avaliação
periódica e contínua dos programas que compõem a grade de programação da
emissora. Para isso, a empresa conta com um grupo de analistas: sociólogos,
psicólogos, representantes de telespectadores e outros profissionais. Todos os
dias, diversas questões são discutidas, como ética e outras questões
relacionadas a esses programas (Entrevista, julho de 2004).
O diretor comenta sobre o êxito das novelas. Diz que não existe uma
receita para uma história ter sucesso e que tudo depende da escolha inicial: uma
sinopse, o autor, o diretor e o resto é conseqüência. Ele observa que os critérios
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na escolha de uma sinopse não são critérios tão bem definidos (Entrevista, julho
de 2004):
Se consigo ler uma sinopse até o final sem parar, sem ter dúvidas sobre quem é quem, ou qual é exatamente a trama, é um bom sinal. Se paro, releio novamente, releio é um mal sinal. De qualquer forma não tem receita. É sensibilidade, intuição
e experiência.
A próxima etapa para o sucesso é a produção. Explica que definido o autor
e o diretor, a produção da novela passa a ser uma conseqüência desta escolha.
E a experiência faz com que eles tenham o insight na escolha da equipe de
produção. (Entrevista, julho de 2004).
O autor e o diretor são os que decidem tudo sobre a novela. O ideal é eles
trabalharem juntos, isto é, decidirem tudo juntos. Mário Lucio diz que procura
intensificar a relação entre eles, pois ela é muito importante. O sucesso está na
mão deles, talvez metade com o autor e metade com o diretor da novela, diz o
diretor da Central. (Entrevista, julho de 2004).
Para Mário Lucio, é natural que os autores se preocupem com os índices
de audiência, mas em geral não gostam muito de admitir. Ele mesmo acredita
não se importar com a audiência; diz perceber quando uma coisa não está indo
bem; sabe quando uma novela está ou não seguindo o caminho desejado,
mesmo não tendo conhecimento dos índices de audiência; admite ter sempre
uma idéia dos elementos que possam está surtindo sentimento negativo.
Quando isso acontece, ele mesmo reflete: "Isso assim, assim, tem que mudar."
(Entrevista, julho de 2004).
O diretor observa que o setor trabalha com o conceito de trilho. Se a
novela estiver caminhando dentre de certo intervalo de audiência, não haverá o
que se preocupar. É comum os índices de uma novela oscilarem. A
concorrência, o trânsito, chuva e outros acontecimentos da cidade alteram os
índices de audiência. O parâmetro a ser seguido é a média de audiência
nacional das 10 maiores capitais brasileiras. (Entrevista, julho de 2004).
Para Mário Lucio as pesquisas de discussão em grupo, feitas com
periodicidade, como avaliação de diversos elementos da novela, são de muita
valia e podem sinalizar alguns problemas. Muitas vezes os resultados dessas
pesquisas coincidem com o que ele sente e pensa. (Entrevista, julho de 2004).
São feitas, para cada telenovela, de uma a três pesquisas; uma pelo
menos, está prevista no contrato com o Instituto de Pesquisa. Devem ser
realizadas próximas aos capítulos 18, 36 e 54.
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Se uma novela chegar ao capítulo 50 com problema de audiência, torna-se
difícil reverter, e se tiver com bons índices dificilmente estes cairão. (Entrevista,
julho de 2004).
Os autores não lêem os relatórios das pesquisas. Mário Lucio prefere ler,
discutir e apresentar os resultados no seu setor. Ele diz que se não for dessa
forma, os autores podem se concentrar em detalhes de depoimentos dos
integrantes da pesquisa (grupo de discussão), e podem não captar o todo da
questão.
Em relação a mudanças nas telenovelas, o diretor diz que não existem
propriamente grandes mudanças nas obras de teledramaturgias. As sinopses
sofrem pouquíssimas alterações. Mário Lucio afirma que as sinopses originais
não são alteradas em 95% dos casos. O que existe são alguns ajustes.
(Entrevista, julho de 2004).
As mudanças nas teledramaturgias não podem ser aleatórias, explica o
diretor. É preciso que se pense na coerência da história como um todo, pois o
autor tem um destino para seus personagens e sua trama. Isto é, as alterações
estão relacionadas a muitos outros fatores além do feedback do telespectador.
As alterações têm que fazer um sentido exato para o autor. Na verdade, são
alguns elementos que podem ser mudados: um personagem que aumenta ou
diminui, o número de capítulos a serem exibidos, etc. Quaisquer alterações que
se realize estão relacionadas a questões do tipo: se o ator está bem ou não no
papel, química entre os casais românticos da novela e outros elementos. O que
muda são algumas de suas características. "A sinopse original não muda.
Inventaram isso. Isso é um mito", diz o diretor da Central. (Entrevista, julho de
2004).
Alguns autores são mais suscetíveis a mudanças, outros não, diz Mário
Lucio: "O autor Manoel Carlos, por exemplo, não muda a novela dele. Não muda
mesmo. Se for preciso ele encurta a novela."
Em relação à novela As Filhas da Mãe (novela que apresentou problemas
de audiência), o diretor disse que não teve jeito. Foi pedido para que o autor
mudasse, mas ele não quis. A novela foi mal desde o início. Até que a empresa
teve que tomar uma decisão. (Entrevista, julho de 2004).
Questionado sobre a novela Torre de Babel, novela que se tornou
exemplo de mudança de rumo da história, Mário Lucio afirma que não estava na
Central na época em que a novela foi exibida, mas sabe que o público rejeitou
alguns elementos da novela: as personagens homossexuais, um assassinato
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que aconteceu logo no início (...). Enfim, o autor foi forçado a mudar mesmo.
(Entrevista, julho de 2004).
O diretor comenta que Chocolate com Pimenta foi um exemplo de novela
que estava indo tão bem, que depois de um dado momento nem havia muita
preocupação com os resultados das pesquisas.
Ele cita a novela Celebridade onde houve mudanças. O personagem que
fazia papel da mãe da Maria Clara (Malu Mader) era para ser outro tipo de
personagem. Era um personagem vilão que tinha preferência pela filha Maria
Clara, mas as discussões em grupo revelaram rejeição pelo personagem, e o
autor Gilberto Braga achou por bem transformá-lo. (Entrevista, julho de 2004).
No início da novela Celebridade, o romance entre a Laura e seu namorado
teve sinais de absoluta rejeição nas discussões em grupo (uma espécie de
relação sadomasoquista). O autor mudou o tipo de relação, conta o diretor.
Mário Lucio comenta sobre outras mudanças na mesma novela. Uma foi
com o personagem da atriz Claudia Abreu. Ela tomou conta do papel de tal
forma que o personagem cresceu muito mais do que estava previsto
inicialmente. Gilberto Braga começou a escrever muito para o personagem sem
se dar conta. Quase como um processo inconsciente. Assim também para o
namorado dela. A dupla criou coisas novas para seus papéis que acabaram
sendo incorporadas e aceitas. Até apelidos eles inventaram, tendo sido
incorporados no texto. O personagem cresceu tanto que o personagem principal,
acabou ficando em segundo plano. (Entrevista, julho de 2004).
O diretor da Central observa que a obra é aberta por interesse da própria
emissora em relação à criação e à produção. Também em relação ao feedback
do telespectador. Mas na verdade, é produzida neste formato porque os autores,
diretores e a produção vão podendo ajustar, inclusive atualizar a obra com
inserções de fatos novos, observando em tempo real o resultado da sua criação.
No caso de uma mini-série, que é uma obra fechada, os riscos são bem
maiores. A avaliação da produção deve ser muito mais cuidadosa, não pode
haver erro. Além disso, a produção é muito mais cara e seu retorno é menor por
causa do tempo de exibição. (Entrevista, julho de 2004).
Além das pesquisas que dão feedback sobre o público, o diretor comenta
sobre a Central de Atendimento ao Telespectador - CAT. O resultado do CAT
também é importante, diz ele, e esses chegam muito mais rápido do que os
resultados das pesquisas. (Entrevista, julho de 2004).
Outras fontes sobre o sentimento do público em relação às telenovelas
podem surgir por associações, organizações e instituições como a igreja. Mas
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segundo o diretor, essas opiniões não são tão importantes para sua Central. Ele
comenta também que a Central não se importa muito com o que as notícias dos
programas na imprensa, pois essas realmente chegam atrasadas. (Entrevista,
julho de 2004).
5.14.5. Edson Pimentel
Edson Pimentel, uns dos diretores da Central Globo de Produções, diz
que por melhor que seja a obra criada pelo o autor se ela não tiver com uma
tecnologia capaz de atender o telespectador em casa, ele não vai assisti-la. O
produto tem que ser bem criado, bem produzido e bem programado. A produtora
tem que produzir algo que o encante.
Depois da escolha do produto e das temáticas, a produção tem que se
preocupar com a qualidade de áudio e vídeo, com os recursos de produção,
qualidade do cenário, a qualidade do figurino, produção de arte, iluminação e
todo um padrão de qualidade. Cada unidade de produção tem que ser
catalisadora das tendências. O mesmo na criação. A empresa tem dois autores
com visões diferentes da sociedade, como Manoel Carlos e Gilberto Braga e
todos dois conseguem arrebatar 60, 70 pontos de audiência.
Segundo o diretor, o telespectador influencia tanto na criação quanto na
produção. Ele influencia desde do momento que a empresa toma conhecimento
dos dados de audiência. Pimentel diz: "Eu diria que a influência do consumidor é
total. Porém esta influência não é direta, tem que passar por um processo de
percepção da empresa". O segredo é entender de que forma e de que maneira
a empresa vai atendê-lo e descobrir como ela pode catalisar o desejo do
consumidor.
Segundo Pimentel, a obra é aberta para permitir caminhos alternativos
para o autor, para a produção e para a exibição. Ela pode sofrer alteração no
momento em que ela começa a não atender os padrões de qualidade e também
de audiência. Se a obra apresentar algum tipo de resultado não satisfatório, os
instrumentos de aferição darão os sintomas do que não está dando certo; estes
instrumentos não vão propriamente dar respostas. Os profissionais, tanto de
criação quanto de produção e programação deverão entender o que estará
acontecendo, em vista disto, deverão ir ajustando. O autor procurará entender o
que esses indicadores estão dizendo. Ele tem que escrever não propriamente o
que o público diz, mas sim o que ele percebe que o telespectador deseja em
termos mais inconscientes.
99
5.14. 6. Ricardo Linhares
Ricardo Linhares diz que é fundamental ouvir o telespectador a partir do
momento em que a novela estréia. Observa que o escritor precisa saber ouvir,
não só o espectador, mas ouvir o ser humano. Ele lembra que não escreve
novela para si, mas sim para o público; deseja agradá-lo, e quer que ele se
emocione, se divirta.
Sobre alterações produzidas nas obras de teledramaturgias comenta
(Entrevista, setembro de 2004):
Toda novela necessita de certas correções de rumo ao longo de seu curso, em maior ou menor grau. Todas, sem exceção. Algumas mudanças são mais radicais, outras mais sutis. A partir do momento em que a novela estréia é que o
autor sente a pulsação daquela história, como ela está repercutindo junto ao público, que trama pegou, que trama não pegou, que personagem está
agradando mais ou menos, que núcleo não está saindo como planejado, em que cenários vale a pena investir e o que é melhor deixar de lado porque não vai
funcionar. A partir dessa análise que faço baseado na minha intuição, vou redirecionando a novela, tentando ao máximo me manter fiel à minha sinopse, mas também sem nenhum pudor em mudar tudo o que tiver que ser mudado
para que a história agrade mais ainda.
Ricardo afirma ser um autor favorável a mudanças aproveitando o
diferencial da telenovela ser uma obra aberta. Observa que se um personagem
está agradando o público além da expectativa, deve investir nessa trama, mudar
a história e dar mais destaque ao personagem. Acredita que o público
responderá positivamente. O autor diz que essa troca é estimulante e que esse é
o grande barato de se escrever uma novela. (Entrevista, setembro de 2004).
Para ele, há diversas maneiras de ouvir o público: "Eu gosto de saber da
opinião de todo mundo. Familiares, amigos, vizinhos, porteiros, desconhecidos
na rua, nos restaurantes." Observa que não segue fielmente os comentários que
ouve, e que é preciso saber ouvir e separar as opiniões, ficando com as mais
úteis para o encaminhamento do trabalho. E é preciso também ter a noção de
que não se pode agradar a todos ao mesmo tempo. (Entrevista, setembro de
2004).
Segundo o autor, é preciso que se acredite no rumo que está dando à
história. Ele não pode escrever nada que não concorde porque senão fica sem
verdade. Observa que o equilíbrio está em fazer com que o seu gosto e a
expectativa do público caminhem juntos.
Ricardo deu um exemplo da sua última novela Agora é que são Elas. O
autor disse que, na época da estréia da novela, houve algumas matérias nos
jornais criticando o casal formado por Vera Fischer (Antônia) e Miguel Falabella
100
(Juca Tigre), alegando que não teria química para formar a dupla romântica. O
autor acompanhou a pesquisa de grupo de discussão encomendada pela
emissora (Entrevista, setembro de 2004):
No grupo de discussão o que eu ouvi foi o oposto: as donas de casa adoravam o casal e torciam para que os personagens superassem os problemas e vivessem
logo um grande amor. Algumas participantes chegaram a pedir textualmente que queriam ver muito beijo na boca entre os dois. A partir disso, eu acelerei a trama. Na sinopse, tinha previsto que o casal ficaria junto a partir do capítulo 80. Mas
resolvi juntar logo os protagonistas, por volta do capítulo 40, dando ao público o que ele queria ver. A repercussão foi ótima e a audiência da novela ficou
excelente.
Esse mesmo grupo de discussão mudou o destino de outro personagem:
Joaquim, interpretado por Paulo Gorgulho, marido de Antônia (Vera Fischer):
Na sinopse, eu tinha previsto a morte do personagem para que Antônia ficasse
livre para casar com Juca Tigre. Mas as espectadoras adoravam o personagem, um homem íntegro, bom pai, bom marido e gostavam do trabalho do Gorgulho. E
pediram que ele não morresse. Eu não o matei. Com isso, a novela ganhou em densidade. Em vez de ir pelo caminho mais fácil, fazendo Antônia ficar viúva, eu optei por discutir a separação do casal depois de vinte anos de união. Essa nova
trama agradou em cheio o público. Ou seja, ouvir as espectadoras foi fundamental para conduzir a novela. (Entrevista, setembro de 2004).
5.14.7. Gilberto Braga
Gilberto Braga diz que é sempre importante ouvir a opinião do
telespectador, pois é para ele que se escreve. Observa que nem sempre é
possível fazer-lhes as vontades e só se pode aceitar as sugestões quando se
concorda com elas. Lembra da novela O Dono do Mundo quando teve
necessidade de pesquisas logo na primeira semana. (Entrevista, setembro de
2004). Conta o autor:
A audiência ia mal. Pedi uma pesquisa. O resultado, bem inesperado, de que rejeitavam a heroína e gostavam do vilão machista, permitiu que subíssemos a audiência pouco a pouco. Tornando a novela bem menos interessante, é
verdade. Mas ninguém está ali para perder pontos para Carrossel, é a vida (Entrevista por email).
Em entrevista à revista Veja (2003), Gilberto Braga afirma que na novela
O Dono do Mundo o fato do personagem cirurgião plástico Felipe Barreto ser um
exemplo de ‘canalhice’ (...), monstruoso e também o protagonista da trama,
acabou ficando pesado demais, e o público não aceitou. A rejeição ao
101
personagem foi tão grande que o obrigou a promover extensas alterações na
história. (Veja, novembro de 2003).
Em entrevista a revista Uma, o autor conta que na novela Vale Tudo, boa
parte do público queria que a personagem Raquel errasse, porque era certinha
demais. Porém, ele e o diretor acharam que não deveriam atender ao pedido
porque desequilibrariam a espinha dorsal da história. (Uma, outubro de 2003, p.
43).
Em entrevista à Revista Contigo (outubro de 2003), durante sua última
novela Celebridade, revela que acata muitos palpites na rua. Como sai muito
pouco quando escreve novela, recebe os palpite de empregadas, porteiros, irmã
e co-autores. Também de Dennis Carvalho que dirige suas novelas e dos atores
que mandam recado por ele. (Entrevista, setembro de 2004).
5.14.8. Autoras Edmara Barbosa e Edilene Barbosa
As autoras Edmara Barbosa e Edilene Barbosa observam que é sempre
importante ouvir a opinião do telespectador a fim de verificar se a novela está
produzindo o objetivo proposto pelo autor. Elas dizem que ouvir a opinião do
telespectador não significa modificar o rumo da história, embora algumas vezes
isso possa acontecer. Lembram do fato curioso que aconteceu com seu pai
Benedito Ruy Barbosa (Entrevista, setembro de 2004):
Na novela Pantanal, que meu pai escreveu na Manchete, o protagonista, José Leôncio (Cláudio Marzo) morria no final. Recebemos diversos pedidos para não matar o personagem, um, inclusive do próprio dono da Manchete, o falecido
senhor Adolfo Bloch. Meu pai optou em manter o final, e isso lhe rendeu, depois, muitos elogios, inclusive do próprio senhor Adolfo (entrevista por email).
Edmara Barbosa e Edilena Barbosa contam outro fato que ocorreu na
novela Cabocla, um remake: "Muitas pessoas que se lembravam da primeira
versão, começaram a me pedir que não matasse o filho do Coronel Boanerges
com a Emerenciana." As autoras disseram que também não puderam atender,
pois a situação era importante para o desfecho da novela (Entrevista, setembro
de 2004).
5.14.9. Dias Gomes
Dias Gomes apud Mattelart diz que o interessante da novela brasileira é
ser aberta, isto é, poder ser alterada durante sua realização. Assim diz ele:
102
A originalidade dessa maneira de escrever consiste portanto no fato de que o autor produz seu texto enquanto este está no ar, e pode incorporar personagens.
A criatividade dos autores pode levá-los a modificar a linha inicial às reações do público, alterar, corrigir, etc. Nesta realidade temporal própria da telenovela, o
autor conta com a duração para desenvolver seus personagens. A criatividade dos autores pode le-los a modificar a linha inicial de certos papéis que, enquanto interagem, lhe revelam novas dimensões (Mattelart, 1998, p.68).
5.14.10. Silvio de Abreu
Silvio de Abreu explica em entrevista (site) ao jornalista Amorim que a
pesquisa é feita para saber se o público está entendendo o personagem e, se o
que o autor está querendo transmitir está chegando ao público. Ele lembra que
na novela Jogo da Vida, uma das pesquisas revelou que um personagem não
estava sendo compreendido pelo telespectador que não entendia se ele era
mocinho ou bandido. O autor diz que nesse caso, o erro foi seu porque não
tinha comunicado adequadamente qual a função daquele personagem dentro da
trama. Ele observa que a pesquisa ajuda nesse sentido.
O autor diz ter percebido que o público é diferente em cada horário. Esse
conceito o levou a promover mudanças em personagens na novela Rainha da
Sucata. Diferentes gêneros e horários de novela têm dinâmicas próprias.
Segundo o autor, a idéia de que a novela é feita à base de pesquisas e
que muda segundo o gosto do público, está equivocada.
Silvio de abreu afirma que não pode negar que dá importância aos
índices de audiência fornecidos pelo Ibope: "se eu dissesse que não tem
importância estaria mentindo. Numa emissora comercial a audiência é
fundamental." Ele diz que se aceitou esse esquema por contrato, é obrigado a
buscar o sucesso, isto é, a audiência. Explica que se a audiência não está boa,
alguma coisa na trama não está comunicando. (sampa3.prodam.sp.gov.br
10/01/2005).
103
6. Análise
O objetivo da presente seção é apresentar parte do resultado desta
pesquisa e organizar algumas idéias para conclusão. O tópico inicial apresenta
uma síntese do que já foi descrito no Estudo de Caso, porém nesta seção, à luz
do referencial teórico. O segundo tópico discute a implementação, pelos autores,
dos resultados das informações sobre o telespectador na questão das
telenovelas e o terceiro analisa e organiza os dados do levantamento sobre as
alterações em telenovelas apresentados na seção anterior.
6.1. As Pesquisas da Globo e o Referencial Teórico
A Globo foi a primeira emissora de televisão a atribuir importância aos
índices de audiência, criando seus departamentos de pesquisa e análise,
sistematizando o tratamento de dados coletados por Instituto de pesquisa,
desenvolvendo um planejamento para sua grade de programação e apoiando
suas estratégias em uma análise dos diferentes segmentos.
Aaker (2001) observa que a pesquisa de marketing pode auxiliar na
melhorara das decisões empresariais, proporcionando informações relevantes,
precisas e em tempo hábil. Estratégias relevantes podem ser elaboradas tendo
por base as informações colhidas pela pesquisa de marketing.
Segundo Beville, os índices de audiência determinam o alcance de cada
emissora, a ordem de classificação do seu mercado, a rentabilidade e o seu
valor de mercado. Este permite que se conheça a composição e o tamanho da
audiência que um dado programa ou anúncio comercial alcança. É o principal
componente de decisão das redes de televisão no sentido da sobrevivência dos
programas, quando e onde eles deverão estar na grade de programação. Os
dados de audiência são cruciais para as atividades de gerenciamento de redes,
produtores de programas, anunciantes, agências, escritores e artistas.
Segue um breve histórico. Em 1970 e 80, a empresa cria uma estrutura
apropriada para conhecer o perfil do telespectador pensando na qualificação e
no comportamento da audiência. A Divisão de Análise e Pesquisa se consolida e
inicia-se então a busca a fim de conhecer a composição do público e sua
maneira de reagir diante dos programas de televisão. Passa-se a contar com o
uso de estatística e alguns fundamentos da sociologia e psicologia social para
apoio de análises.
104
Beville (1988) observa que o estudo qualitativo procura avaliar os
padrões de consumo, estilo de vida e fatores psicográficos de uma forma geral.
Esses tipos de medidas são um pouco mais sofisticados na descrição
demográfica da audiência, descrevendo a audiência em termos considerados
relevantes para o alvo do anunciante.
Iniciam-se nesse período, pesquisas mais detalhadas com os programas
de teledramaturgias. As denominadas pesquisas de focus group ou pesquisas de
discussão em grupo são feitas em determinadas fases para tecer apreciações
sobre as novelas. No capítulo 18, 36 e 54, pergunta-se sobre a compreensão da
trama, o personagem, os casos amorosos, os aspectos morais e estéticos da
história, dramaticidade, rejeição ao personagem, aspectos de produção e
conclusão da história. Um estudo que é desenvolvido até hoje.
O Ibope - Instituto Brasileiro de Opinião Pública, empresa que faz a
aferição dos índices de audiência, marca as atividades de produção televisiva no
Brasil. Os índices passam a ser um indicador para o planejamento da grade de
programação, alterações, extinção ou sobrevivência de programas e também um
monitor da concorrência. Os diversos gêneros e formatos devem ser flexíveis o
suficiente para sofrerem alterações.
Fica estabelecido o trilho para as telenovelas, que é um intervalo
considerado razoável de oscilação dos índices de audiência; conceito utilizado
até os tempos atuais. Não é uma meta, nem um parâmetro fixo. É um indicador
que considera as características do horário e outros fatores. Se a novela se
afasta do trilho deve se descobrir a razão.
A pesquisa passa, a partir de então, a ser um guia para os autores,
diretores, produtores e outros setores da empresa como o setor comercial e o de
programação, que usam as pesquisas como fonte de consulta.
Com bases no resultados das pesquisas de discussão em grupo, são
preparados relatórios e definido o trilho para orientar os seus criadores. Uma
telenovela que não obtém, depois de um certo número de capítulos, um índice
satisfatório poderá ser concluída antes do tempo previsto. Por outro lado, aquela
cujo sucesso é revelado pelos seus índices, se mantém e pode ser prolongada
pela emissora.
As teledramaturgias são especiais na questão dos diversos tipos de
feedback do telespectador. O primeiro tipo de feedback vem dos Institutos de
Pesquisa e da Divisão de Análise e Pesquisa da Globo. Outras respostas do
público vêm de grupos de discussão, correspondências enviadas a emissora e
ao autor. Este possui também seu próprio sistema de análise do feedback.
105
Segundo a diretora da Divisão de Pesquisa da Globo, o papel do setor é
levar para as áreas produtoras dos programas informações sobre o
telespectador, ajudando essas áreas no processo de avaliação do conteúdo ou
no processo de criação do produto.
A pesquisa de audiência é a base do trabalho do setor para avaliar o que
está no ar permitindo que se conheça o público em relação as variáveis básicas
sócio demográficas. As pesquisas qualitativa, complementares, são realizadas
como forma de controle, verificação ou manutenção dos programas.
Para Beville (1988), o tamanho da audiência somente não permite uma
avaliação suficientemente detalhada para que seja feita uma adequação dos
objetivos de uma dada programação para seu público exato.
Zeithaml (2003) observa que as empresas devem instituir um processo de
pesquisa da qualidade de serviços, não fazendo apenas pesquisas isoladas,
uma vez que as expectativas e percepções dos clientes são dinâmicas. Para
uma compreensão completa da aceitação do mercado dos serviços de uma
empresa, é preciso pesquisa de marketing constante. Sem estudos freqüentes,
os executivos não podem dizer se a empresa está melhorando e quais iniciativas
de qualificação de serviços estão funcionando.
A empresa faz pelo menos duas pesquisas para cada novela investigando:
características de cada personagem, de cada história, de cada núcleo e outros.
O papel da Divisão de Pesquisa é, junto com os Institutos de Pesquisas
que realizam as discussões em grupo, interpretar e ajudar o autor na
compreensão dos resultados. O autor deverá formular suas hipóteses: se a há
rejeição a personagens, quais são as razões dessas rejeições, e outros
problemas relacionados à aceitação do produto.
Segundo Aaker (2001), os métodos qualitativos são usados para o melhor
conhecimento dos aspectos que não podem ser observados e medidos
diretamente como pensamentos, sentimentos, intenções e comportamentos.
O autor ou roteirista deve entender que um determinado patamar de
audiência pode não ser compatível para a empresa, considerando os aspectos
pertinentes a sua estratégia de negócio, custos, preço dos horários, etc. O
esperado é que o autor se preocupe em ajustar o produto, encurtar, no caso de
baixa audiência, ou mesmo alongar no caso de uma audiência além da
esperada.
A empresa possui um setor denominado Central Globo de Qualidade, que
tem o objetivo de fazer a análise dos produtos, verificar e manter o controle dos
106
níveis de audiência, ajustar o produto de acordo com critérios preestabelecidos e
decidir sobre sua permanência na programação.
As necessidades de serviços e expectativas dos clientes mudam. As
pesquisas, portanto, nunca podem oferecer um quadro preciso. É necessário
fazer uma checagem periódica para medir o progresso e identificar tendências e
mudanças que estejam ocorrendo (Walker, 1991, p.11).
6.2. Autores e alterações nas telenovelas
Para fazer o resumo que se segue, foram interpretadas aproximadamente
200 páginas de entrevistas com autores, diretores artísticos e administrativos,
profissionais de produção e outros profissionais da empresa. A análise das
entrevistas constitui-se na organização das principais questões, procurando
fazer uma síntese dos temas mais importantes discutidos.
a) Importância da opinião do público para os autores
Sheth (2001) refere-se ao termo cultura do cliente como um conceito
adotado pelas empresas no sentido de ter a satisfação do cliente como parte da
missão da empresa e o entendimento do comportamento do cliente como
matéria prima para todos os seus planos e decisões de marketing.
Ricardo Linhares diz que é fundamental ouvir o telespectador a partir do
momento em que a novela estréia. Toda novela necessita de certas correções
de rumo ao longo de seu curso, em maior ou menor grau. Algumas mudanças
são mais radicais, outras mais sutis. Segundo o autor, ele deve acreditar no
rumo que está dando à história, isto é, ele não pode escrever nada que não
concorde. Linhares observa que o equilíbrio está em fazer com que o seu gosto
e a expectativa do público caminhem juntos.
Gilberto Braga diz que é sempre importante ouvir a opinião do
telespectador, pois é para ele que se escreve. Ele observa que nem sempre é
possível fazer-lhe as vontades, pois só se aceita suas sugestões quando se
concorda com elas.
Segundo Lucia Abreu, a intensidade da interferência do público nas
teledramaturgias depende de autor para autor e do momento que essa
interferência acontece. Os autores poderão agir de forma diferente em cada
telenovela. A autora observa que o fato dos índices de audiência serem
disponibilizados minuto a minuto faz com que os autores os relacione às
107
sequências de cenas de sua novela, isto é, o autor relaciona as oscilações dos
índices ao ligue, desligue e à troca de canal pelo telespectador. Se sempre que
aparecer uma cena, cai o índice, é porque a cena não está funcionando na
novela.
O autor Manoel Carlos comenta que o conhecimento dos índices de
audiência a cada minuto é, logo no início do lançamento da novela, um bom
recurso para um monitoramento da sua qualidade. Ele pode então fazer um
acompanhamento: se uma cena é muito longa, se está no tamanho certo, se
cansou o público, se é muito violenta, etc.
b) Início da produção
Alencar (2002) observa que a elaboração do roteiro de uma novela inicia-
se com uma sinopse, que é um resumo da história onde se apresentam já
estruturadas a trama principal e as histórias paralelas. A caracterização das
situações é ampla e aberta e tem por objetivo apresentar os personagens e
fornecer uma base da história. O autor terá a tarefa de desenvolver os capítulos
ao longo deste tempo. Mesmo que seu enredo sofra alterações, influenciado
pelo público, sugerido pela empresa ou pelo próprio autor, a sinopse serve como
protótipo inicial, onde a estrutura de toda a história já se encontra definida. A
aprovação da sinopse tem, então, uma importância organizacional.
Segundo Lucia Abreu, no início, o autor deve se preocupar mais com o seu
sentimento sobre a obra e nem tanto com o público. O autor deve estar atento
se os diálogos estão de acordo com o personagem, se o ator incorporou ou não
o personagem, etc. Existe também um tempo para o telespectador introjetar o
personagem. Quando o autor percebe que um personagem está dando certo ou
tem uma empatia com o público, este ganha mais espaço, e o autor poderá
escrever mais cenas para este personagem. E é neste sentido que o público
interfere na obra.
Jorge Fernando diz que o fato do autor observar os primeiros capítulos
antes do público faz com que ele tenha possibilidade de verificar aquilo que
imaginou. Só depois de um tempo os personagens tomam vida, observa o
diretor. A interpretação do ator transmitirá, em menor ou maior grau, aquilo que o
autor quer. Em alguns casos, o autor não precisa construir muito diálogo para
certo personagem. Esse fato, ele só vai saber depois que a cena estiver
produzida. Depois dos primeiros capítulos produzidos, o autor poderá fazer uma
avaliação e mudar a forma de escrever: Começa a adequar, o personagem ao
108
ator; se o ator faz mais sucesso pela sua beleza, não precisa escrever tanto
diálogo para ele.
Foi citado na seção de Estudo de Caso que todo o processo de produção
envolve uma multiplicidade de funções. Os profissionais de produção, dos
diversos setores, têm como conceito básico que o telespectador percebe o
conjunto que forma o produto ao mesmo tempo que percebe a qualidade de
cada um dos elementos que compõem a produção de uma novela: atuação dos
atores, direção, técnica, cenografia, etc. Os profissionais acreditam que cada um
desses elementos cria interatividade com o telespectador. Observa-se que o
público assiste ao resultado de diversos fatores, e o roteirista só percebe o
resultado da sua criação depois que a novela é exibida.
Ricardo Linhares diz que no início, é preciso fazer uma análise para
redirecionar a novela, tentando ao máximo ser fiel à sinopse. Muda o que tiver
que ser mudado. Ele observa que somente a partir da estréia, é que o autor
sente a pulsação da história, como ela está repercutindo junto ao público, qual
trama e personagem agradaram mais ou menos, qual núcleo não está saindo
como planejado, em quais cenários vale a pena investir, e o que é melhor deixar
de lado.
c) Mudanças em telenovelas
Calza observa que o texto da uma telenovela tem a característica de ser
construído e realizado ao mesmo tempo. Mesmo partindo de sinopse aprovada,
o texto pode sofrer inúmeras modificações: ser alterado, suprimido e, muitas
vezes, ter seu caminho distanciado da idéia do enredo original. Às vezes, uma
história paralela torna-se mais importante do que a principal. Podem
desaparecer núcleos inteiros, personagens podem ser descaracterizados,
afastados, e outros podem se revelar um sucesso.
Mario Lucio conta que na novela Celebridade a personagem que fazia
papel da mãe da Maria Clara era um personagem vilão, tinha preferência pela
filha, mas as pesquisas revelaram rejeição ao personagem, e o autor Gilberto
Braga achou melhor transformá-lo. Segundo o diretor, no início da novela a
relação sadomasoquista entre o casal de vilões teve sinais de absoluta rejeição
nas pesquisas de discussão em grupo. O autor decidiu mudar o tipo de relação.
O diretor comenta que, na mesma novela, a atriz Claudia Abreu tomou
conta do papel de tal forma que seu personagem cresceu muito mais do que
estava previsto. O personagem da Malu Mader, personagem principal, acabou
109
ficando em segundo plano. A dupla de vilões também criou elementos novos
para seus papéis.
Manoel Carlos observa que promoveu poucas mudanças em novelas, e
nos casos em que promoveu, estas foram apenas pontuais. Em Sol de Verão,
ele mudou o par romântico porque sentiu rejeição do público (opinião de pessoas
na rua). Em Baila Comigo, o autor mudou o destino do personagem interpretado
por Fernando Torres por causa do seu sucesso junto ao público; ele morreria
mas isso não ocorreu. O autor disse que, na época, recebeu cartas, pedidos, etc.
Ele refletiu, e decidiu conversar com Boni, diretor geral na época, sobre sua
decisão de mudar (teria que alterar a sinopse).
Silvio de Abreu lembra que na novela Jogo da Vida, uma das pesquisas,
revelou que um personagem não estava sendo compreendido pelo
telespectador, que não entendia se ele era mocinho ou bandido. Ele não tinha
comunicado adequadamente o personagem dentro da trama. O autor conta ter
percebido que o público é diferente em cada horário e isso o levou a promover
mudanças em personagens na novela Rainha da Sucata. Observa que
diferentes gêneros e horários de novela parecem ter dinâmicas próprias.
d) A interferência dos Índices de Audiência
Mário Lucio Vaz, diretor da Central Globo de Qualidade, comenta sobre o
conceito de trilho. Ele observa que se a novela estiver caminhando dentre de
certo intervalo de audiência, não haverá com que se preocupar. É comum os
índices de uma novela oscilarem. A concorrência, o trânsito, chuva e
acontecimentos da cidade alteram os índices de audiência.
Jorge conta que Chocolate com Pimenta estava indo muito bem, mas
numa dada semana, apresentou quedas de audiência. O autor havia separado o
casal romântico para criar expectativa para o último capítulo, mas o público
rejeitou. Autor e diretor acreditam ter se enganado na condução da novela
naquele momento. O autor decidiu juntar o casal antes do previsto.
Gilberto Braga diz que na novela O dono do mundo sentiu necessidade
de pesquisas logo na primeira semana por causa das quedas audiência. Conta
que a rejeição ao personagem vilão foi tão grande que o obrigou a promover
extensas alterações na história. Depois de algumas mudanças, a audiência
subiu pouco a pouco.
110
Jorge Fernando diz que a novela As Filhas da Mãe teve problemas de
baixa audiência, foi um exemplo de novela que passou por um processo de
mudanças onde não se chegou a lugar nenhum. O público rejeitou o formato e a
novela terminou no capítulo 130, quando estava programada para terminar com
180 capítulos. O diretor Mario Lucio Vaz conta que a novela foi mal desde o
início, mas o autor não quis mudar. A empresa tomou a decisão de finalizar a
novela antes do tempo.
Manoel Carlos diz que existe um grande equívoco quando pensam que
os autores são pressionados pela emissora quando a novela não atinge a
audiência desejada. Ele observa que quem exerce a pressão é o próprio autor e
que existe um compromisso do autor com a audiência ou com o sucesso da
novela. Comenta que a emissora nunca telefonou para ele para pedir que
mudasse nada na novela.
Silvio de Abreu diz que não nega que dá importância aos índices de
audiência. Observa que se aceitou esse esquema por contrato, é obrigado a
buscar o sucesso, isto é, audiência. Explica que se a audiência não está boa,
alguma coisa na trama não está comunicando.
e) As Pesquisas de Discussão em Grupo
Segundo Malhotra, as discussões em grupo constituem o processo mais
importante de pesquisa qualitativa. Aaker observa que o propósito da pesquisa
qualitativa é conhecer melhor, aspectos que não podem ser observados e
medidos diretamente, como pensamentos, sentimentos e intenções.
Para Mac Daniel & Gates, os dados qualitativos podem enriquecer a
pesquisa quantitativa com informações sobre motivações dos consumidores.
Porém, observa Bauer (2003), não é correto assumir que a pesquisa qualitativa
tenha o monopólio da interpretação.
Uma das limitações mais importantes dos estudos qualitativos, dizem Mac
Daniel & Gates, é que eles não representam necessariamente a população
estudada pelo pesquisador. O resultado dependerá das pessoas que forem
selecionadas para a pesquisa e da habilidade do pesquisador.
Mário Lucio Vaz, diretor da Central Globo de Qualidade, observa que as
discussões em grupo, feitas com periodicidade, são muito importantes para a
empresa como avaliação de diversos elementos da novela. Segundo ele essas
pesquisas realmente sinalizam alguns problemas. A empresa poderá realizar de
111
uma a três pesquisas dependendo do que demonstram os índices ao longo da
novela. O diretor explica também que ele mesmo prefere apresentar os
resultados para os autores e discutir no seu setor, para que estes resultados
possam ser melhor interpretados.
Calza (1996) observa que a emissora cuida do produto e tenta reparar, de
todas as formas, possibilidades de erro desde o início do projeto que se põe em
execução. A discussão em grupo é um termômetro que dá à emissora e aos
autores índices de satisfação ou de desagrado que uma novela pode provocar
junto ao público.
Mario Lucio acredita que quando a novela vai bem, não há muito com que
se preocupar. Comenta que Chocolate com Pimenta foi um exemplo de novela
que depois de um determinado momento (audiência estabilizada) não havia
muita preocupação com os resultados de pesquisas.
Ricardo Linhares disse que a discussão em grupo tira algumas dúvidas. O
autor acompanhou a pesquisa de grupo de discussão encomendada pela
emissora para sua novela Agora é que são elas. O resultado das pesquisas
indicou o oposto que diziam as matérias de jornal sobre o sentimento do público.
Acelerou a trama a partir dos resultados das pesquisas e juntou os protagonistas
bem antes do que previa a sinopse. O autor afirma em entrevista que a
repercussão foi ótima e a audiência ficou excelente.
Ricardo também mudou o destino do personagem Joaquim, da mesma
novela, por causa dos resultados das pesquisas. Os telespectadores gostavam
do personagem e pediram que ele não morresse. O autor decidiu então não
eliminar o personagem. Acredita que a nova trama agradou o público e que a
novela ganhou densidade. Observou que ouvir as espectadoras foi fundamental
para conduzir a novela.
Manoel Carlos diz que os resultados das reuniões de grupo demoram
muito para chegar em suas mãos. Quando são apresentados problemas com
algum personagem, ele apenas escuta e reflete. Se a audiência caísse muito, ele
se preocuparia em saber o que estaria acontecendo. Concorda que é para isso
que existem as reuniões de grupo. Se tivesse uma crise numa novela, afirma
que pediria imediatamente a emissora para fazer pesquisas. O autor acredita
que pode ter uma aferição muito instantânea; o fato de caminhar nas ruas,
enquanto escreve os capítulos, o faz perceber o que sua novela agrada e não
agrada. Ele não concorda que deva se preocupar com as variações do índice de
um dia para o outro, a não ser no caso de queda extremamente acentuada.
112
Observa que algumas vezes há boatos sobre a existência de pesquisas quando
tratam-se apenas de enquetes que nem são promovidas pela emissora.
Lucia Abreu observa que as mudanças podem ou não estar relacionadas
a resultados de pesquisas. O autor, como conhecedor da trama, sabe quando é
que cada coisa deve acontecer, como a morte de um personagem e outros
acontecimentos. Tem uma história para contar e seus personagens têm o seu
destino. Se autor começar a mudar o destino dos personagens, não conseguirá
fazer o desfecho da história. Deve haver uma lógica, senão o autor se perde. Ele
não pode seguir cada modificação que o telespectador quer, senão ele não
escreve a história toda. Segundo a autora, o público não conhece a lógica
intrínseca da história, além disso, muda de opinião no decorrer da novela.
Silvio de Abreu explica que a pesquisa é feita para saber se o público
está entendendo o personagem e, se o que o autor está querendo transmitir,
está chegando ao público; a pesquisa é um recurso que ajuda nesse sentido.
Segundo o autor a idéia de que a novela é feita à base de pesquisas e que muda
segundo o gosto do público, está equivocada.
f) Pedidos do Público não atendidos
Manoel Carlos conta que, em Mulheres Apaixonadas, não pôde mudar o
destino de Fred, pois tinha um destino pré-definido para o personagem. Ele teve
que morrer contra os apelos do público, pois o autor tinha uma mensagem para
transmitir ao telespectador. Ele observou que deu sobrevida por muitos capítulos
à personagem Fernanda de Mulheres Apaixonadas por um problema de
dramaturgia (se ela morresse, sua filha ficava sem densidade dramática) e não
por influência do público.
Segundo Lucia Abreu, conta que a novela Explode Coração não sofreu
nenhum tipo de modificação, embora o público tenha pedido muito por uma
inversão do par romântico. Mas a autora não atendeu aos pedidos do público.
Edmara Barbosa e Edilena Barbosa lembraram da novela Pantanal de
Benedito Ruy Barbosa onde o protagonista morre no final. Os autores receberam
diversos pedidos para não matar o personagem, inclusive do próprio Adolfo
Bloch (diretor da emissora). Mas o autor optou em manter o final. Contam
também que na novela Cabocla, o público, que se lembrava da primeira versão,
começou a pedir que não matasse o filho do Coronel, mas não puderam atender,
pois a situação era importante para o desfecho da novela.
113
g) Opinião do Público e intuição dos autores
Há três bases para as decisões de marketing: experiência, intuição e
pesquisa. Nenhuma estará completa sem a outra. (Engel; Blackwell; Miniard;
1995, p.17).
Jorge diz que o termômetro é a sua própria intuição. Ele lembra de quando
esteve em São Paulo, e Chocolate com Pimenta apresentava quedas de
audiência. O diretor conversou com algumas pessoas, e num dia, dez pessoas
reclamaram. Depois que realizaram as mudanças que acharam necessárias, os
índices voltaram a subir. Ele diz que não foi resultado de discussão em grupo, foi
termômetro deles, autor e diretor. Observa que se o índice de audiência cair de
um dia para o outro e mantiver a queda, será um sinal de rejeição do público.
Esse foi um exemplo de novela onde não houve necessidade de mais de dois
grupos de discussão, pelo sucesso, e que e se prolongou; estendeu 44
capítulos.
Manoel Carlos acha que o que vale é a opinião da sua mulher, dos seus
filhos, das empregadas que trabalham em sua casa, do porteiro do edifício, das
pessoas da livraria a que ele vai todos os dias, etc. Pode achar significativo
quando 5 ou 6 pessoas falam a mesma coisa. Se as opiniões começam a
coincidir: sua mulher, a empregada, o porteiro, a moça da livraria, ele acredita
que pode ser um indicador. Ele pode não se guiar pela indicação, mas acredita
que isso é estatística.
Para Lucia, quando se fala em público se quer dizer: o público que se
manifesta por cartas, pela imprensa, telefonemas para o CAT, pesquisas
qualitativas ou índices de audiência.
Ricardo Linhares acredita que há diversas maneiras de ouvir o público.
Gosta também de saber a opinião de familiares, amigos, vizinhos, porteiros,
desconhecidos na rua, nos restaurantes. Observa que é preciso saber ouvir e
separar as opiniões, ficando com as mais úteis para o encaminhamento do
trabalho.
Gilberto Braga revela que acata muitos palpites na rua. Como sai muito
pouco quando escreve novela, recebe os palpite de empregadas, porteiros, irmã
e co-autores. Ele recebe também opinião do diretor e dos atores que mandam
recados por este.
As autoras Edmara Barbosa e Edilene Barbosa observam que é sempre
importante ouvir a opinião do telespectador a fim de verificar se a novela está
114
produzindo o objetivo proposto pelo autor. Todavia, isso não significa modificar o
rumo da história, embora algumas vezes isso possa acontecer.
Lucia conta que no caso da novela Torre de Babel, o boato de que o
público teve uma interferência determinante não procede. A autora diz que
houve interferência da Igreja. Ela acredita que instituições como a Igreja
interfiram mais do que o próprio público. No caso de problemas deste tipo, a
emissora pode pedir para mudar a linha da obra. Se o autor, ao retratar uma
determinada categoria, cometer um erro de ordem ética, poderá causar
problemas.
h) Uma obra aberta
Como citado no referencial teórico, Pallottini (1998) observa que o roteiro é
um tipo de construção que obedece a uma estrutura lógica. E o envolvimento do
telespectador está intimamente relacionado com as técnicas de construção do
produto. Diversos elementos devem ser observados para que se possa obter
uma expectativa cada vez maior do telespectador: o andamento, as histórias
paralelas, o alongamento e redundância, a alternância das crises, a criação dos
personagens. A telenovela se baseia em diferentes grupos de personagens,
lugares de ação - núcleos, que se relacionam internamente. Os núcleos, o
conjunto de personagens e histórias, são utilizados paralelamente. A telenovela
precisa e se vale da multiplicidade de enredos. Dentre tantas tramas e sub-
tramas, é indispensável saber dosar a evolução de cada história para não
esgotar o enredo.
Pallottini ainda explica, em seu livro de dramaturgia, que o autor tem a
possibilidade de escolher entre vários fios narrativos, e desenvolver os que
tenham maior aceitação junto ao público. Pode acontecer de uma sub-trama ser
introduzida durante o desenrolar da criação da telenovela. Caso haja uma queda
de audiência, o autor tem a possibilidade de reelaborar a história, lançar um
novo personagem e colocar no ar em pleno andamento normal da história
principal. Inova-se, assim, sobre a sinopse original, que é aberta o bastante para
receber esse novo material, pensado e escrito depois.
Ricardo Linhares diz ser um autor favorável a mudanças. Se um
personagem estiver agradando o público além da expectativa, ele investe nessa
trama, muda a história e possibilita mais destaque ao personagem. Ele acredita
que a troca com o público é estimulante, e essa é a grande motivação de se
escrever uma novela.
115
Lucia Abreu observa que embora na sinopse já esteja apresentada a
trama principal, alguns elementos podem ser criados no decorrer da novela. Mas
o autor não poderá esquecer que tem suas metas; de tantos em tantos capítulos
ele deve criar situações ou cenas que vão ter ligações com outras. Deve
estruturar uma seqüência de situações que acontecerão durante a novela toda,
até chegar ao desfecho. Se não tiver tudo bem organizado, não conseguirá
escrever as diversas cenas intermediárias. Cada etapa da novela levanta a
trama de um personagem, ou núcleo, alternando as situações e buscando o
momento certo para alcançar o clímax. A autora observa que, para o autor, todos
os acontecimentos têm uma ligação.
Jorge diz que a novela tem que começar como se fosse uma obra
fechada. A forma e o tempo é que são abertos. Por algum motivo, o autor pode
antecipar um fato ou estender o tempo em relação a algo que esteja dando muito
certo. A entrada de um personagem que estava prevista para certo capítulo fica
para depois, porque a história não precisou daquele novo elemento. É possível
que a obra necessite de mais de um personagem. Segundo ele, a obra não é
aberta por causa do feedback do telespectador que tem uma parcela, mas não é
soberano.
Lucia concorda que a obra é aberta não exatamente por causa do
público, mas porque essa forma de construção do produto é conveniente para a
empresa em termos do processo como um todo. O público interfere, mas não a
ponto da obra ser muito modificada. Modificar um personagem não representa
muito diante do total de personagens. Nenhuma novela é tão modificada a ponto
de ficar distante da sua história original.
Dias Gomes diz que o interessante da novela brasileira é ser aberta, isto é,
poder ser alterada durante sua realização. O autor com sua criatividade pode
modificar ou corrigir a linha inicial da obra, tendo conhecimento da reação do
público. Ele denomina essa dinâmica de realidade temporal própria da
telenovela. O autor conta com a duração para desenvolver seus personagens. A
interação dos personagens revela novas dimensões e isso faz com que os
autores possam modificar a linha inicial de certos papéis.
O diretor da Central Globo de Qualidade, que decide sobre os ajustes nos
programas, explica que as mudanças nas teledramaturgias não são aleatórias. É
preciso que se obedeça à coerência da história como um todo, pois o autor tem
um destino para seus personagens e sua trama. As alterações devem fazer um
sentido exato para o autor. Alguns elementos podem ser mudados: um
personagem que aumenta ou diminui, o número de capítulos a serem exibidos, e
116
outros. Qualquer alteração que se faça, dependerá de vários fatores. Se o ator
estiver bem ou não no papel, química entre os casais românticos da novela e
outros elementos. O diretor observa que a sinopse original não muda; que essa
idéia é uma invenção ou um mito. Não existe propriamente grande mudanças
nas obras de teledramaturgias. As sinopses sofrem pouquíssimas alterações. As
sinopses originais não são alteradas em 95% dos casos. O que existe são
alguns ajustes, diz Mario Lucio.
Para o diretor da Central, a obra é aberta por interesse da própria
emissora em relação à criação e à produção. Há também interesse em relação
ao feedback do telespectador. Porém, é produzida neste formato porque os
autores, diretores e a produção vão podendo ajustar, inclusive atualizar a obra,
com inserções de fatos novos, observando em tempo real o resultado da sua
criação.
6.3. Análise das alterações em telenovelas (levantamento 1966-2003)
Com o intuito de organizar os dados provenientes do levantamento -
Dicionário da TV Globo: programas de dramaturgia e entretenimento (2003),
apresentado na seção anterior foram construídas tabelas e agrupamentos,
segundo critérios que auxiliam na análise desse estudo.
Os comentários: "reação do público, fracasso de público, audiência
aquém do esperado, baixa aceitação de público, queda de audiência, etc...
descritos na tabela 1, não constam no texto do dicionário pesquisado,
relacionados à pesquisas de audiência, pesquisas de focus group ou enquetes.
As novelas listadas, nas tabelas seguintes, nem sempre vêm acompanhadas de
razões para a implementação de alterações. Ainda que não se tenha
conhecimento dessas informações, é de utilidade para esse estudo o registro
das alterações já implementadas e sua relação com o fator de baixa audiência
ou insatisfação do público.
Seguem as tabelas citadas:
117
TABELA 1 – Baixa audiência ou insatisfação do público
Novelas
Ocorrências Comentários
Anastácia a mulher sem
destino
Eliminação 100
personagens
"...Janete Clair foi chamada
para retomar o roteiro".
A grande mentira Substituição de atores
"...o público reagiu..."
Passos dos ventos Mudança do par românico
"...reação negativa do público..."
A Gata de Vision Mudança do par romântico
"...não foi bem recebida pelo
público..."
Rosa Rebelde Concorrência com a novela
Beto Rockfeller
"...fracasso de público..."
Assim na Terra como no
Céu
__________ "...não agradou o público..."
O Bofe
Modificações na trama
"...audiência aquém da
esperada..."
Duas Vidas Modificações na trama
"... baixa aceitação do
público..."
Pai Herói Tramas complexas,
Eliminação de personagem (morte)
"...queda de audiência..."
Os Gigantes Temas polêmicos
"...não foi bem aceito pelo público..."
As Três Marias Transformação do formato e Eliminação de personagens
"...não havia despertado a atenção do público..."
Brilhante Reformulação da trama "...não agradou o público..."
Sol de Verão Morte de ator
Problemas c/ personagem
"...baixos índices de
audiência...corte de censura..."
Roda de Fogo
Sucesso de personagem
Importância para o núcleo
"...conquistou a simpatia do
público..."
O Dono do Mundo Trama modificada Maior agilidade e ação
Mudança nos personagens
"...não fez sucesso entre os telespectadores..."
O Mapa da Mina
Afastamento da diretora
Concorrência
"...baixos índices de
audiência..."
Por Amor Reação do público ao personagem principal
"...não agradou aos telespectadores..."
Corpo Dourado
Mudanças na trama "...não alcançou os índices de audiência esperados..."
Suave Veneno Alterações na trama Eliminação de personagem
Mudança nos personagens
"...não alcançou os índices de audiência esperados..."
As Filhas da Mãe
Diversas mudanças "...não atingiu os índices de
audiência esperados..."
Esperança Alterações na trama
Introduzidos personagens
"...não atingiu os índices de
audiência esperados..."
118
TABELA 2 - Mudanças em busca de audiência
Novelas
Ocorrências Observações
Irmãos Coragem
Personagem secundário ganhou espaço ________
O Primeiro Amor
Pesquisas para descobrir os pontos altos
da novela
_______
O Bem-Amado
Crescimento do personagem _______
Dancing Days Alteração da trama Mudança no perfil dos personagens
Mudança no ambiente da história
_______
O Amor é Nosso Muitas tramas paralelas confundindo o
público Mudanças na trama
________
Vale Tudo
Incompreensão da trama Suspense – 5 finais diferentes
________
Perigosas Peruas Mudança de rumo no personagem
________
A Próxima Vítima Alterações no desfecho Criação de 3 finais diferentes
________
Coração de Estudante Modificação de personagens Introdução de humor
Agilidade
________
a) Baixa audiência e Mudanças em busca de audiência (Tabela 1 e 2)
As novelas da tabela 1 registram, no dicionário pesquisado, indicações do
tipo: reação do público, fracasso de público, audiência aquém do esperado,
baixa aceitação de público, queda de audiência, não agradou o público, não
atingiu os índices esperados, não fez sucesso entre os telespectadores, assim
por diante. Estão descritos para algumas dessas novelas as alterações
implementadas. São elas: modificações da trama, eliminação de personagem,
transformação do formato, reformulação de cenas, expansão de personagem e
núcleo, mudança no ritmo, mudança no perfil do personagem, convocação de
ator para atrair público feminino, mudança no rumo de personagem e introdução
de novos personagens.
Embora não haja menção a problemas de audiência, são observadas
também nas novelas da tabela 2, mudanças em certos elementos: Os tipos
registrados são: aumento de personagem, Alterações na trama, mudança no
perfil do personagem, mudanças no ambiente da história, criação de suspense
com vários finais, mudanças no personagem para a conclusão da história,
mudança no formato para humor e aumento de ritmo (agilidade).
119
b) Protestos, Imprevistos e Censura
Observa-se no levantamento sobre alterações em telenovelas,
apresentado na seção anterior, casos de instituições, organizações ou grupos
que se opuseram contra a abordagem de assuntos específicos de algumas
novelas, realizando protestos. Foram organizações como: moradores de bairro,
alunos de colégio, grupos políticos, conselhos regionais, comissões, movimentos
anti-racial, igreja e outros. Algumas novelas sofreram mudanças em função
desses protestos e é possível que outras tenham provocado discussões
causando alterações. São elas: Assim na Terra como no Céu, O Grito, Pecado
Capital, O Salvador da Pátria, Meu Bem Meu mal, A Viagem, Explode Coração,
Vira-Lata, Por Amor, Torre de Babel, Uga Uga, Laços de Família, Porto dos
Milagres.
As novelas seguintes tiveram imprevistos durante sua produção: Véu de
Noiva, Carinhoso, A Cabocla, O Sexo dos Anjos, Pátria Minha e De Corpo e
Alma. Houve imprevistos do tipo: Pedido de licença de ator, gravidez de atriz,
doença de ator, afastamento e falecimento de atores alterando o rumo da
história.
As novelas Bandeira 2, Cavalo de Aço, O Bem-Amado, Fogo Sobre
Terra, Escalada, Escrava Isaura, Duas Vidas, Brilhante, O Jogo da Vida, Terras
do Sem Fim, O Homem Proibido, Sétimo Sentido, Elas por elas, Sol de Verão,
Guerra dos Sexos, Champagne, Partido Alto, Um Sonho a Mais, De Quina pra
Lua, Roda de Fogo, História de Amor, Uga Uga e As Filhas da Mãe sofreram
modificações por determinação do Ministério Público. Embora os critérios sobre
censura tenham alterado significativamente ao longo dos anos, os exemplos
citados mostram as diferentes possibilidades de ajustes que podem ser
produzidas nas obras de teledramaturgias. São elas: Eliminação de personagem,
cortes de termos, mudanças no enredo, cortes de cenas, criação de novos
personagens, corte em diálogos, mudanças no perfil de personagens, mudanças
no rumo da história, alteração da sinopse.
120
7. Conclusão
A história das telenovelas se confunde com o próprio crescimento da
Rede Globo de Televisão. Os programas de teledramaturgias passam, pouco a
pouco, a serem administrados como um produto industrial e cuidado em todos os
seus aspectos comerciais: segmentação do público, temáticas, duração, gêneros
e horários. Com uma organização apropriada e uma evolução crescente no seu
planejamento, o gênero passa a ser o programa principal dentro da grade de
programação da empresa.
As pesquisas são decisivas nesse processo de modernização e
industrialização da telenovela. A empresa passa a se preocupar com a
quantificação dos dados sobre o telespectador como também com os elementos
qualitativos da recepção. As pesquisas e suas análises tornam-se cada vez mais
detalhadas e de uso sistemático possibilitando assim um maior conhecimento
sobre a composição do público telespectador e seus sentimentos em relação ao
conteúdo dos programas. A prática tem sido de fundamental importância no
planejamento e na estratégia de gerenciamento dos produtos de teledramaturgia
da empresa.
Considerando as limitações a que está sujeito este estudo, segue a
descrição, de forma mais completa, do processo de coleta, análise das
informações sobre o telespectador na empresa e a implementação dos
resultados dessas análises no que refere às alterações do produto telenovela.
a) De que forma são utilizadas as informações sobre o público de
telespectador nas alteraçãos de telenovelas?
A utilização das informações sobre o público telespectador no processo
de gerenciamento das telenovelas da Globo acontece basicamente através de
dois mecanismos básicos: as pesquisas de audiência e as pesquisas qualitativas
- discussão em grupo. As enquetes ou opiniões feitas de forma ligeira são
também muitas vezes, promovidas pelos autores. Ainda que não tenham
consistência em termos técnicos de pesquisa, os autores consideram essas
opiniões como representativas. A Central de Atendimento ao Telespectador
possui também uma importância nessa coleta de informações sobre o público
telespectador.
121
Os índices de audiência - dados secundários fornecidos pelo Instituto
Brasileiro de Opinião Pública e Estatística - Ibope, formam à base de todo esse
processo. Os dados de audiência coletados pelo referido instituto, em tempo
real e de forma contínua, possibilitam que a emissora possa ter conhecimento do
alcance de seus programas.
O Ibope Mídia tem por objetivo fornecer dados sobre a segmentação da
população, hábitos de consumo e audiência de mídia. O PNT, sistema utilizado
pela empresa, para aferição eletrônica da audiência minuto a minuto, baseia-se
na instalação de people meters em uma amostra fixa determinada
estatisticamente segundo parâmetros sócio demográficos. O objetivo principal do
PNT é oferecer ao mercado uma descrição do consumo de TV no mercado
brasileiro traduzida em informações de estado de sintonia, audiência domiciliar e
individual, penetração, perfil, alcance e freqüência de exposição ao meio.
O people meter pode avaliar, além do volume total da audiência, a
qualificação do público de cada programa e identificar a relação dos programas
com um determinado perfil de público. Além de oferecer aos usuários a
possibilidade de obter as informações minuto a minuto, oferece informações por
faixas horárias e programas, apresentando estimativas em percentuais ou
números absolutos.
O perfil da audiência e muitos outros índices são processados pelos
próprios usuários, a partir dos bancos de dados que são enviados pela empresa
e dos softwares específicos instalados para os clientes. Os programas permitem
que diversos tipos de estudos sejam praticados pelas empresas. Possibilitam
analisar vários aspectos do comportamento da audiência, fazer cruzamento de
dados e interpretar de forma mais completa e detalhada os padrões de
audiência.
É possível fazer análise por emissora ou faixa horária, se quiser
comparar os programas. Pode-se identificar um conjunto de telespectadores com
características semelhantes e realizar análises separadas de audiência a partir
de agrupamentos dos programas em um determinado gênero. É possível
também a comparação de audiência dentro da programação de horários e dias
definidos, entre outros.
A TV Globo, através de seu departamento de pesquisa, realiza de forma
constante e periódica, análises desses dados sobre o público telespectador de
todos os seus programas de teledramaturgias.
As análises realizadas visam obter basicamente conhecimento sobre a
quantificação, qualificação da audiência e sua variação. Os dados de audiência
122
consideram as variáveis demográficas básicas: sexo, idade e classe social.
Realizando assim, estudos de séries históricas em intervalos periódicos, para
cada um dos seus gêneros de novela, a empresa pode refinar o conhecimento
sobre o seu público telespectador de novelas. Acompanhando elevações e
quedas de audiência, ela pode formular hipóteses sobre aceitação de seus
produtos, sobre os fatores que influenciam suas oscilações e discutir sobre
questões de ajustes passíveis de serem realizados.
A Central Globo de Qualidade - CGQ é o setor competente para fazer a
avaliação dos produtos em relação ao seu conteúdo e seu nível de audiência.
Deverá decidir sobre seu ajuste ou sobre sua permanência na programação.
É comum que os índices de audiência oscilem. A satisfação do público
com os programas de dramaturgia é apenas um dos fatores que provocam as
oscilações desses índices. Dependendo do tipo de oscilação os canais
competentes da empresa e os autores formulam hipóteses sobre o fator que
pode estar interferindo na audiência.
Enquanto os autores escrevem suas novelas, acompanham os dados de
audiência liberados minuto a minuto pelo Instituto de Pesquisa. No início, esse
acompanhamento é considerado por eles e pela empresa de muita importância.
É comum que os autores relacionem quedas e elevações da audiência a cenas e
capítulos de suas novelas. Essa é uma das formas utilizadas pelos autores para
formularem hipóteses sobre o que pode estar agradando o telespectador. Podem
alterar aspectos da novela usando esse tipo de referência.
Se uma novela cai por três dias consecutivos, por exemplo, é possível
que o autor associe a algum tipo de insatisfação do público, embora essa
relação de causa e efeito não seja segura. O inverso também pode ocorrer:
associar a elevação dos índices à satisfação com alguns elementos da novela
como: temáticas, personagens, núcleos ou o capítulo como um todo.
É normal que ocorram oscilações com os índices de audiência. Existem
diversas razões para essas oscilações. A concorrência, fatos de relevância sócio
cultural, trânsito, chuva são ocorrências que fazem com que haja oscilações
nesses dados. Fatos como Onze de Setembro, Copa de Mundo, Horário de
Verão alteram os índices de audiência.
Uma forma de descobrir a razão para a não-satisfação do telespectador
com uma dada novela são as pesquisas de discussão em grupo. Essas têm
como objetivo investigar questões sobre sentimentos do público com o programa
e alguns de seus elementos. Nessas reuniões, são estimuladas discussões
como: compreensão da trama, personagens, casos amorosos, elementos
123
estéticos da história, dramaticidade, rejeição ao personagem, aspecto de
produção e conclusão da história.
A empresa encomenda aos Institutos especializados, para cada
telenovela, de uma a três pesquisas de focus group em intervalos periódicos.
Estas devem acontecer próximo aos capítulos 18, 36, 54 de cada novela em
exibição; dependendo de quanto tempo o autor leva para apresentar a história e
os elementos importantes para discussão. Considera-se que até o capítulo 18 o
autor já tenha apresentado a história e os personagens, e o público tenha
adquirido um sentimento sobre a obra.
Duas pesquisas, por exemplo, podem ser suficientes para uma dada
novela. O número de pesquisas encomendado depende dos resultados da
audiência no decorrer da exibição da novela, ou se seu patamar de audiência é
satisfatório, isto é, qual a posição do produto em relação ao trilho - parâmetro da
empresa para o seu controle de qualidade. O trilho funciona como um guia. A
definição deste intervalo considera diversos aspectos como, horário, tipo de
programa, etc. Para defini-lo é necessário que se conheça o comportamento da
audiência em relação ao gênero ao longo dos anos.
Quando a novela vai bem - dentro do trilho é normal que os autores não
se preocupem tanto com os índices e com as pesquisas de discussão em grupo.
Quando ocorrem quedas consecutivas com os índices, a encomenda por
pesquisas e os resultados de discussão de grupo têm uma relevância bem mais
significativa para o autor e para a empresa.
Algumas novelas podem ter seu conteúdo bastante alterado se os seus
índices tiverem um patamar aquém das expectativas. Nesses casos, diversos
elementos poderão ser mudados. Os elementos que deverão ser inseridos
nessas alterações poderão ter origem na própria criação do autor ou através de
resultados das pesquisas de discussão em grupo. Embora as pesquisas de
discussão em grupo possam trazer indicações relevantes para o autor, conforme
visto no referencial teórico, essas pesquisas não são determinísticas. Não existe
portanto garantia de sucesso nas mudanças implementadas pelo autor com
esses resultados. Esta questão será apresentada mais adiante.
A empresa e ou autores acham que existe um número de capítulo ideal
para que o público sinta empatia com uma dada novela. Existe um tempo,
considerado razoável pela empresa, para estabilização do índice ou do intervalo
de audiência de um determinado produto. Segundo dado do presente estudo, se
uma novela chega bem até o capítulo 50 ela decola (termo usado na empresa).
Se isso não acontece, até o capítulo citado, reverter a audiência pode se tornar
124
uma tarefa difícil. De qualquer forma, há que se esperar um tempo para uma
avaliação mais definitiva do produto.
Além dessas formas de representações do público, há ainda, a Central de
Atendimento ao Telespectador - CAT. A função do setor é atender o
telespectador, registrar sua opinião e responder-lhe. Embora a Central não tenha
o papel de realizar pesquisas, nem fazer nenhum tipo de investigação similar,
envia para CGQ e outros departamentos, relatórios com conteúdo organizado de
todas as ligações de telespectadores. O volume de comunicados, 50.000
ligações telefônicas/mensais (aproximadamente), além de um volume
significativo de emails, faz com que o setor tenha destaque na empresa. É citado
por autores, profissionais de produção e outros, como uma referência sobre o
público telespectador.
Dentre tantos pedidos, sugestões, reclamações em relações a todos os
produtos, as teledramaturgias parecem provocar no telespectador que se
comunica um interesse especial. Quando há um número de ligações
consideradas expressivas, insistindo ou desaprovando um determinado assunto,
o setor faz um envio especial para a CGQ denominado pela coordenadora de
alerta. A indicação funciona como um aviso de que pode estar ocorrendo algo
que deva ser observado pela empresa; tem a vantagem de ser um indicador
rápido.
Dentre tantas sugestões apresentadas, feitas pelo telespectador,
encontram-se os chamados erros factuais. Os erros factuais são erros cometidos
no produto (roteiro ou produção) como coerência da ambientação em relação a
cenário, figurino e a produção de uma forma geral. Pode ocorrer também
inadequação na abordagem de temas relacionados a associações ou entidades.
Os erros factuais são verificados e corrigidos de forma imediata pelos
profissionais da Central Globo de Produções.
Embora o setor obtenha um volume considerável de registros de
observações dos telespectadores sobre todo o tipo de questão relativa à
telenovela (trama, personagens, etc), não há evidências que as opiniões dos
telespectadores sejam, em geral, consideradas nas alterações de telenovelas,
exceto os erros factuais e as abordagens mencionadas de forma inadequada.
Nesse contexto de como ocorre o processo da busca, tratamento e
implementação das informações sobre o telespectador, se insere também o
questionamento complementar descrito a seguir.
125
b) Em que medida as informações sobre o telespectador podem alterar a
teledramaturgia?
Este questionamento leva a investigar outros fatores que contribuem na
construção e alteração do produto. Diante desses, pode-se situar a importância
das informações sobre o telespectador.
Baseado em conceitos já referenciado no presente estudo, a telenovela
não é uma pura e simples criação de histórias. Além da missão de impacto
mercadológico, ela é construída a partir de uma multiplicidade de técnicas e
criação em duas extensas etapas de construção: roteiro e produção.
A primeira etapa da novela é a criação da sinopse que é o resumo da
história onde se apresentam já estruturadas a trama principal e as histórias
paralelas. A discussão sobre as alterações em telenovelas começa com a
definição do gênero - obra aberta - construído e realizado ao mesmo tempo. O
fato das situações serem caracterizadas, nas sinopses, de forma ampla e aberta
permite que o autor possa criar em seus capítulos (exibidos durante meses),
inúmeros fatos que irão sustentar a história. Esses acontecimentos que
permeiam ou recheiam a história é que, em geral, são passíveis de mudanças.
Conforme já referenciado no presente estudo, a construção de um roteiro
obedece a uma estrutura lógica. O envolvimento do telespectador está
intimamente relacionado com as técnicas de construção do produto. Portanto, as
alterações que nele se insiram deverão estar submetida a essa estrutura de
construção.
Depois de aprovada a sinopse a novela vai para a produção onde ela
entra numa segunda fase de construção. Inicia-se assim a organização dos
elementos que compõem a infra-estrutura material, artística e execução dos
projetos considerados fundamentais para produção. Formam-se as equipes de
apoio operacional, elenco e construção de cenários, figurino, ambientação e
outros. Inicia-se o processo de industrialização do produto. A sinopse do autor
vai se materializar em imagem - sua produção. É preciso observar, nessa etapa,
a otimização na utilização dos recursos, produtividade nas diversas atividades,
ritmo e uma lógica operacional dos processos de produção.
As alterações em telenovelas estão submetidas por um lado, às técnicas
de construção do roteiro e por outro, às etapas, ritmos, logísticas de suas
produções.
Os primeiros capítulos produzidos (aproximadamente 18) irão dar ao
autor e diretor os primeiros resultados visíveis da construção do produto;
126
resultados que dependerão das escolhas iniciais como elenco, ambientação,
direção e outros. Só será possível uma avaliação mais precisa do produto depois
que o autor observar o resultado dos primeiros capítulos produzidos. Feita a
avaliação inicial, é muito comum que ocorram alterações de toda ordem na
reconstrução no produto. Os autores e os diretores implementarão os primeiros
ajustes que consideram necessários para adequar roteiro e produção. Adequar
uma história (criação e visão do autor) a uma produção (visão do diretor, ator,
equipe e recursos de produção).
O autor deverá observar a qualidade dos elementos que considera
importante: os núcleos, a trama principal, as tramas paralelas, os diálogos e sua
adequação aos personagens, a empatia desses, os cenários que valem a pena
investir e outros. A partir dessa avaliação, o autor deverá criar situações que irão
sustentar a sinopse original.
Segundo levantamentos de dados sobre as alterações já ocorridas em
telenovelas e entrevistas feitas aos autores para o presente estudo, os
elementos mais comuns apresentados sujeitos a alterações são relativos à
importância de núcleos e suas histórias, importância dos personagens e
definição dos seus perfis, antecipação e extensão de situações ou fatos,
introdução de novos personagens e novas situações na trama.
Como mencionado em parágrafos anteriores, se a novela apresenta
problemas de audiência, as mudanças poderão ser mais extremas, com
introdução de novos elementos, por iniciativa do próprio autor (sem interferência
de agentes externos) ou sugeridos por pesquisas de discussão de grupo ou
enquetes. Nesses casos poderão ocorrer: modificação no destino dos
personagens com suas possíveis eliminações, mudança no par romântico e
alterações mais significativas na trama principal ou nas histórias paralelas.
Um fato curioso é que todos os autores entrevistados dizem se
sensibilizar com enquetes ou opiniões coletadas de forma avulsa de conhecidos,
vizinhos, amigos, empregados, familiares e outros. Isso parece ser para eles tão
importantes quanto as pesquisas. Não parece fazer diferença para os autores se
as opiniões avulsas ou enquetes não tenham propriamente confiabilidade dentro
dos conceitos da pesquisa de mercado. A opinião desse público avulso funciona
para os autores como uma referência, confirmando ou desconfirmando idéias,
como um apoio que acontece de forma rápida e direta. O autor utiliza essas
opiniões para tirar dúvidas, possuindo porém, idéias previamente formuladas
sobre o que deve ou não estar indo bem e quais as possibilidades em termos de
alteração.
127
As alterações que ocorrem com maior freqüência não necessariamente
influem no desfecho da novela.
Qualquer alteração que o autor possa fazer deverá obedecer, por um
lado, a um sentido artístico ou estético e por outro, a uma ordem de fabricação.
Só deverá haver alterações nos elementos que o autor e a produção acreditem
que tenham razão de existir e que farão sentido no corpo total da história.
Inserções não previsíveis no produto, de qualquer tipo, poderão alterar
substancialmente o ritmo de produção.
O autor espera que os novos elementos, que possam ser introduzidos,
obedeçam à coerência da história e ao destino dos personagens criados por ele
na sinopse. Não espera colocar em risco toda a construção psicológica da obra.
Espera também surpreender o público com a narrativa, portanto, não pode
simplesmente realizar o que o público pede. Ele se preocupa em saber, através
das pesquisas, o que o público deseja em termos mais profundos, suas
identificações, etc. Isso não significa fazer o que ele diz.
Embora o formato permita alterações, as técnicas de construção do
roteiro e a produção já fornecem em si limites para essas alterações, quer sejam
alterações sugeridas pelos telespectadores, através das pesquisas ou enquetes
isolados, quer sejam por qualquer outro agente influenciador.
Os autores parecem ter uma autonomia bastante expressiva na empresa
em relação ao processo criativo ou rumo da obra, independente da diversidade
de fatores que contribuem na dinâmica de mudanças. Ele decide o destino da
sua obra enquanto ela está sendo exibida.
É freqüente a inserção de temáticas sociais, sugeridas pelo setor de
Projetos Sociais ou, incluídas pelo próprio autor, nas temáticas da novela. Assim
como fatos do cotidiano são inseridos constantemente na obra.
Imprevistos com atores ou diretores, doenças, falecimento ou
afastamento, podem fornecer desenho um pouco diferente à história.
Dependendo do tipo de imprevisto, o produto poderá ser alterado em maior ou
menor escala.
Há especulações sobre interferências de instituições, organizações ou
associações relacionadas a alterações em telenovelas. Embora existam essas
especulações e indicações de algumas novelas que sofreram esse tipo de
interferências (dados do levantamento), não há evidências que essas tenham
uma significativa força.
Todos os elementos acima mencionados fazem parte do conjunto de
fatores que contribuem na construção e reconstrução das novelas. As
128
informações sobre o público telespectador é tão somente mais um desses
fatores. Para entender sua medida e sua importância deve-se considerar todos
os fatores inseridos nesse contexto.
Não há evidências que as informações sobre o telespectador ou sua
opinião tenham, sobre um produto específico de teledramaturgia, uma influência
que escape a uma avaliação bastante cuidadosa ou a um conjunto de interesses
organizacionais, comerciais e políticos da empresa. Os autores observam que
informações sobre o telespectador constituem apenas parte no processo de
ajustes do produto. As histórias finais nunca ficam tão distantes das histórias
originais, na maior parte dos casos. Segundo os dados colhidos para o presente
estudo, 95% das sinopses de novelas não são modificadas.
Alguns autores e profissionais da empresa observam que a obra é aberta
não por causa do público, mas sim porque essa forma de construção é
conveniente para a empresa (autor e produção) em termos de criação e
produção do produto, embora o feedback do telespectador seja um agente
importante nesse processo.
Contudo, a história das telenovelas, a evolução das pesquisas e suas
análises, sugerem que as informações sobre o telespectador, no seu conjunto ao
longo de anos, vêm fornecendo à empresa um conhecimento cada vez mais
refinado sobre o telespectador. Esse conhecimento se traduz hoje na evolução
do produto de teledramaturgia, com novas temáticas de interesse e uma
contínua adequação dos gêneros, horários e público telespectador. Os anos de
pesquisas têm deixado para a empresa um legado sobre seu público de novelas.
A organização considera esse conhecimento um patrimônio da empresa. Esta
visão traz uma dimensão mais ampla sobre a importância das informações sobre
o telespectador e extrapola a questão restrita das informações direcionadas a
um produto específico de teledramaturgia.
Observando desta forma, as informações sobre o público telespectador e
os resultados de suas análises, vêm fornecendo à empresa conhecimentos
fundamentais na organização e no planejamento do seu programa de maior
destaque: a teledramaturgia.
129
8. Sugestão
A televisão parece ser um vasto campo para pesquisa na área de
administração e marketing. O Projeto Globo Universidade da TV Globo da qual o
presente estudo obteve a cooperação é um canal disponível e de interesse para
estudantes e pesquisadores para o desenvolvimento de artigos, teses e
monografias sobre televisão. Essa é uma idéia que surge de uma forma mais
imediata a partir deste trabalho.
A Central de Atendimento ao Telespectador, na empresa, é um bom
exemplo de setor que possui características próprias que valem a pena ser
investigadas, no campo de marketing, pelo volume expressivo de informações
gerenciadas sobre o consumidor ou público telespectador.
Em relação ao tema presente também poderão ser realizadas outras
pesquisas. Como esta teve caráter exploratório, há espaço significativo para
pesquisas futuras, utilizando outros métodos de investigação.
A descrição a que se propôs este estudo priorizou a última fase do
processo de gerenciamento das informações sobre o telespectador: a
implementação dos resultados. Desta forma poderão ser realizadas outras
pesquisas mais detalhadas sobre as duas primeiras fases do processo: coleta e
análise; podendo considerar essas duas etapas de forma simultânea ou
independente.
Outros temas em televisão, telenovela e pesquisa de audiência, poderão ser
desenvolvidos em monografias ou dissertações, sob o ponto de vista de
marketing:
a) Pesquisas de audiência e planejamento em televisão;
b) Pesquisas de audiência e segmentação de mercado em televisão;
c) Pesquisas de audiência e o perfil do público telespectador;
d) Pesquisas qualitativas em televisão;
e) Telenovela e posicionamento em marketing;
f) Razões da audiência da telenovela - um ponto de vista de marketing;
g) Construção do produto telenovela - um ponto de vista de marketing;
h) A indústria de um bem simbólico - uma pesquisa etnográfica.
130
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