ian fleming - a morte no japão

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  • 2osebodigital.blogspot.com

  • 3IAN FLEMING

    A MORTE NO JAPO

    Traduo deLeonel Vallandro

    EDITRA GLOBO

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  • 5S se vive duas vezes.A primeira ao nascer, e a outraQuando se olha a morte face a face.

    imitao de BashoPoetaq itinerante japons,1643-94

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  • 7A

    RICHARD HUGUES

    E

    TORAO SAITO

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  • 9PARTE I

    melhorviajaresperanosamente...

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    Tesoura corta papel

    Ajoelhada diante de James Bond, a gueixa que atendia ao nome de Folha Trmula inclinou para a frente o corpo, da cintura para cima, e depositou-lhe um beijo casto na face direita.

    Isto trapaa disse Bond com ar severo. Voc prometeu que, se eu ganhasse, me daria um beijo de verdade, na boca. Pela parte mnima.

    Suas palavras foram traduzidas por Prola Gris, a madama, que tinha os dentes laqueados de preto um sinal de alta distino e estava mais maquilada que um personagem do teatro No. Houve um chocalhar de risinhos e gritos de estmulo. Folha Trmula cobriu o rosto com as lindas mos, como quem estivesse sendo solicitada a praticar um ato de incrvel obscenidade. Mas os dedos entreabriram-se, os traves-sos olhos castanhos fixaram-se na boca de Bond, como que tomando a mira, e o corpo da moa lanou-se para a frente. Desta vez foi um beijo em cheio nos lbios, e que se prolongou por uma frao de segundo. Convite? Promessa? Bond lembrou-se de que lhe haviam prometido uma gueixa de travesseiro. No seu significado tcnico, a expresso designava uma gueixa de casta inferior. No teria proficincia nas artes tradicionais de sua profisso, no saberia contar histrias engraadas, cantar, pintar nem compor versos sobre o seu cliente. Mas, ao contrrio das colegas mais cultas, talvez consentisse em prestar outro gnero de servio dis-cretamente, claro, dentro do mais absoluto sigilo e por elevado preo. No entanto, para o gosto vulgar e asselvajado de um gaijin (estrangeiro), isso fazia mais sentido do que ser brindado com uma tanka de trinta e uma slabas que, de qualquer forma, le no poderia compreender equiparando, em primorosos ideogramas, os seus encantos aos dos

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    crisntemos que crescem nas faldas do Monte Fuji.Os aplausos com que foi acolhida essa demonstrao extinguiram-

    -se bem depressa, numa atmosfera de respeito. O homem atarracado e possante, metido numa yukata (roupo de banho) preta, que se instalara defronte de Bond, com a mesinha baixa de laca vermelha de permeio, tirou de entre os dentes de ouro a piteira de filtro Dunhill e depositou-a ao lado do seu cinzeiro.

    Bondo-san disse Tigre Tanaka, Chefe do Servio Secreto Japo-ns, quero desafi-lo agora para este joguinho ridculo, e desde j lhe garanto que no vai ganhar.

    O caro moreno e enrugado que Bond, ao cabo de um ms de convvio, j conhecia to bem, abriu-se expansivamente. O vasto sorriso apertou os olhos e reduziu-os a duas estreitas fendas, que reluziam. Bond conhecia esse sorriso. No era sorriso, e sim uma mscara com um buraco cheio de ouro.

    Muito bem, Tigre respondeu le, rindo-se. Mas primeiro, que venha mais saque! E no nestes ridculos dedais. J bebi cinco garrafi-nhas e o efeito mais ou menos igual ao de um Martini duplo. Preciso de outro Martini duplo para poder demonstrar a superioridade do instinto ocidental sobre as insdias do Oriente. No haver por a um reles copzio de vidro escondido nalgum canto, por trs dos armrios que contm os vasos de Ming?

    Ming chins, Bondo-san! A penria dos seus conhecimentos sobre porcelana corre parelha com a vulgaridade dos seus hbitos de be-bedor. Alm disso, no prudente subestimar o saque. Ns temos um di-tado que diz assim: o homem que bebe a primeira garrafinha de saque; depois a primeira garrafa que bebe a segunda, e a partir da o saque que bebe o homem.

    Tigre Tanaka virou-se para Prola Gris e trocou com ela um dilogo entremeado de risos, que Bond interpretou como uma srie de gracejos a expensas do inculto ocidental e de seus monstruosos apetites. A uma palavra da madama, Folha Trmula fz uma profunda mesura e saiu ao--dadamente. Tigre tornou a virar-se para Bond.

    Est ganhando muita cara, Bondo-san. S os lutadores de sumo so capazes de beber saque em tal quantidade sem denunciar os efeitos. Ela diz que voc , sem dvida alguma, um homem de oito garrafinhas. O rosto de Tigre assumiu uma expresso maliciosa. Mas tambm insinua que no ser um companheiro muito interessante para Folha Tr-mula quando houver terminado a nossa encantadora reunio.

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    Diga a ela que estou mais interessado na madureza dos seus pr-prios encantos. H de possuir talentos na arte de amar que sem dvida vencero qualquer languidez passageira de minha parte.

    O pesado galanteio recebeu o troco que merecia. Prola Gris profe-riu com grande rapidez e vivacidade algumas frases japonesas, que Tigre traduziu.

    Bondo-san, esta uma mulher a quem no falta certo esprito. Ela fz agora uma piada. Disse que j est legitimamente casada com um bonsan e no h lugar para mais outro no seu futon. Bonsan significa sa-cerdote, um sbio de barba grisalha. Futon, como sabe, cama. Ela fz um trocadilho em torno do seu nome.

    Havia duas horas que durava a visita s gueixas e j doam as man-dbulas de Bond, de tanto sorrir e trocar gentilezas. Longe de se divertir com a companhia das moas ou de sentir-se enfeitiado pelas impene-trveis dissonncias do samisen de trs cordas, com a sua caixa recober-ta de pele de gato, era le quem procurava desesperadamente animar a reunio. Por outro lado, percebia que Tigre Tanaka observava os seus esforos com um prazer sdico. Dikko Henderson o havia prevenido de que as festas com gueixas eqivaliam mais ou menos, para o estrangeiro, a procurar entreter um bando de crianas desconhecidas numa nursery, sob os olhares de uma governanta rgida, no caso a madama. Mas Dikko tambm acentuara que Tigre Tanaka lhe estava fazendo uma grande hon-ra, que aquilo lhe custaria uma pequena fortuna, proveniente de algum fundo secreto ou do seu prprio bolso, e que Bond devia aceitar tudo de boa mente, uma vez que tal coisa parecia representar um progresso para a sua misso. Mas podia, da mesma forma significar um desastre.

    Bond sorriu, pois, e bateu as mos em sinal de admirao. Essa bruaca velha no nada tola. Diga-o a ela pediu a Tigre.

    E aceitou o copo a transbordar de saque quente que lhe oferecia Folha Trmula ajoelhada e com os braos estendidos numa pose de aparen-te adorao, esvaziando-o em dois tremendos goles. Repetiu a faanha, obrigando a irem buscar mais saque na cozinha, aps o que bateu com o punho resolutamente na mesa de laca vermelha e disse com fingida belicosidade:

    Pois muito bem, Tigre! Vamos l!Era o velho jogo de tesoura-corta-papel, papel-embrulha-pedra,

    pedra-cega-tesoura, que as crianas do mundo inteiro conhecem. O pu-nho fechado a Pedra, dois dedos estendidos so a Tesoura, e a mo es-palmada o Papel. Os adversrios martelam simultaneamente o ar com o

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    punho fechado, por duas vezes, e ao baix-lo pela terceira vez revelam o emblema de sua escolha. A cincia do jogo est em adivinhar o emblema que o adversrio escolher e em escolhermos ns mesmos aquele que h de derrot-lo. Ganha a melhor de trs, ou mais. um jogo de blefar.

    Tigre Tanaka descansou o punho na mesa diante de Bond. Os dois contendores contemplaram-se atentamente nos olhos. Fz-se um siln-cio absoluto no pequeno compartimento de ripas recobertas de papel, permitindo ouvir claramente, pela primeira vez naquela noite, o doce murmrio do minsculo regato no jardinzinho ornamental, alm da pa-rede divisria aberta. Talvez a causa fosse esse silncio, sobrevindo aps a animada conversa e os risos, ou talvez fosse a profunda seriedade e resoluo que de repente se deixava perceber na cara temvel e cruel de Tigre Tanaka uma cara de samurai; mas o fato que Bond sentiu na pele um arrepio momentneo. Por uma razo qualquer, aquilo se tornara mais do que um simples jogo de crianas. Tigre prometera derrotar Bond. Um fracasso lhe traria considervel quebra de prestgio. At que ponto? Seria isso suficiente para estremecer uma amizade que se tornara singu-larmente real entre os dois, no decurso das ltimas semanas? Tanaka era um dos homens mais poderosos do Japo. Ser derrotado por um msero gaijin diante das trs mulheres podia significar muito para le. A derrota podia transpirar atravs das mulheres. No Ocidente, isso seria uma rid-cula bagatela, como um ministro de gabinete que perdesse uma partida de gamo em Blades. Mas no Oriente? No lhe fora preciso muito tempo para aprender com Dikko Henderson um respeito total pelas convenes orientais, por mais antiquadas e triviais que parecessem, mas ainda per-manecia na ignorncia quanto s gradaes. A conjuntura presente era um exemplo disso. Devia esforar-se por vencer esse jogo pueril de blefes e contrablefes, ou seria prefervel perder? Mas o propsito de perder re-queria a mesma habilidade em adivinhar corretamente os smbolos que o outro homem escolheria. No era mais fcil perder propositadamente do que ganhar. E, em suma, isso teria realmente importncia? Mas, por infor-tnio, em face da singular misso que trouxera Bond ao Extremo-Oriente, tinha le a inquietante impresso de que at esse joguinho idiota poderia contribuir de algum modo para o seu xito ou o seu fracasso.

    Como se fosse dotado da faculdade de vidncia, Tigre Tanaka pon-derou o problema em que se debatia o outro. Soltou um riso spero e ten-so, que era mais um grito do que uma expresso de prazer ou de humor.

    Bondo-san, entre ns, e muito mais ainda numa festa em que eu sou o anfitrio e voc o convidado de honra, manda a cortesia que eu o

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    deixe ganhar a partida que vamos jogar agora. Que digo? Isso mais do que uma simples regra de cortesia, uma obrigao. Devo, pois, pedir--lhe de antemo que me perdoe a derrota que lhe vou infligir. Bond sorriu cordialmente.

    Meu caro Tigre, no h graa nenhuma em jogar uma partida quando no se procura ganhar. Voc estaria me fazendo um grande insul-to se jogasse para perder. Mas, se me permite diz-lo, suas palavras so altamente provocadoras. Parecem-se com os motejos dos lutadores de sumo antes de comear o encontro. Se eu no tivesse tanta certeza de ga-nhar, chamaria ateno para o fato de voc ter falado em ingls. Por favor, informe ao nosso fino e distinto auditrio que eu me proponho deix-lo nobremente de quatro neste desprezvel joguinho, demonstrando assim no s a superioridade da Gr-Bretanha e particularmente da Esccia so-bre o Japo, mas tambm a da nossa Rainha sobre o seu Imperador.

    Instigado, talvez, pelo insidioso saque, Bond havia-se comprome-tido. Esse gnero de gracejo em torno das suas respectivas culturas se convertera num hbito entre le e Tigre, o qual, laureado pelo Trinity Col-lege de Cambridge antes da guerra, orgulhava-se da demokura shii dos seus pontos de vista e da sua ampla e liberal compreenso do Ocidente. Mas Bond, depois de falar, notou a cintilao repentina dos olhos escuros e lembrou-se do aviso de Dikko Henderson: Escute aqui, seu godeme tapado. Voc vai indo muito bem, mas no abuse da sua sorte. T. T. um tipo civilizado... para um japons, entenda-se. Mas no procure ir longe demais. Repare s naquela cara. Ali h um pouco de manchu, e de trtaro tambm. E no esquea que o filho daquela foi faixa preta em jud antes mesmo de ir para a sua excomungada Cambridge. E no esquea que le estava espionando para o Japo quando se dizia adido naval da embai-xada deles em Londres e vocs, seus pandorgas, o olhavam com muita simpatia porque era formado em Cambridge. E no esquea a folha de servios dele na guerra. No esquea que terminou como ajudante de ordens pessoal do Almirante Onishi e estava treinando para kami-kase quando os americanos reduziram Hiroshima e Nagasaki a p de traque e o Sol Nascente fz meia volta e afundou-se de repente no mar. E, se esque-cer tudo isso, pergunte aos seus botes por que ter sido justamente T. T., entre noventa milhes de japoneses, o homem escolhido para chefiar o Kan-Chsa-Kyoku. T bem assim, James? Manjou?

    Desde sua chegada ao Japo, Bond vinha se exercitando diligente-mente na arte de sentar-se no cho moda oriental. Fora esse outro con-selho de Dikko Henderson: Se voc conseguir se fazer aceitar por esta

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    gente, e mesmo que no o consiga, vai ver que ter de passar uma parte considervel do seu tempo sentado com o pop no cho. S h um meio de sentar-se assim sem deslocar as juntas: na posio indiana, de cco-ras, com as pernas cruzadas e firmando as beiradas dos ps no assoalho, o que as faz doer como o diabo. preciso um bocado de prtica, mas no caso de morte e voc acabar ganhando muita cara. Bond terminara por dominar mais ou menos a arte, mas nesse dia, ao cabo das duas horas que passara sentado nessa posio, sentia as juntas dos joelhos em fogo e tinha a impresso que se no mudasse de postura ficaria cambaio para o resto da vida.

    Visto que vou jogar com um mestre da sua estatura disse le a Tigre, preciso antes de mais nada assumir uma posio relaxada para que nada impea a concentrao de meu crebro.

    Ps-se em p com uma careta de dor, esticou os membros e tornou a sentar-se, mas desta vez com uma perna estendida sob a mesinha baixa e o cotovelo esquerdo apoiado no joelho flexionado da outra perna. A sensao de alvio era deliciosa. Levantou o copo e Folha Trmula encheu--o obedientemente com o contedo de uma nova garrafinha. Bond engo-liu o saque, devolveu o copo moa e descarregou de repente o punho na mesa de laca, sacudindo as caixinhas de confeitos e fazendo retinir as porcelanas. Fitou os olhos belicosamente em Tigre Tanaka.

    Pronto!Tigre fz uma reverncia, que Bond retribuiu. As moas inclinaram-

    -se para a frente, cheias de expectativa.Os olhos de Tigre perfuraram os de Bond, procurando adivinhar-

    -lhe o plano. Bond resolvera no fazer plano algum, no revelar nenhum padro de jogo. Jogaria completamente ao acaso, mostrando o smbolo que sua mo decidisse fazer no momento psicolgico aps os dois golpes preliminares.

    Trs rounds de trs? props Tigre. T bem.Os dois punhos fechados ergueram-se vagarosamente da mesa,

    malharam o ar por duas vezes, num movimento rpido e simultneo, e pularam para a frente. Tigre conservara o punho fechado: Pedra. Bond es-palmara a mo, configurando o Papel que embrulhava a Pedra. Um ponto para Bond. Renovou-se o ritual e o momento da revelao.

    Tigre mantivera-se fiel Pedra. Os dedos indicador e mdio de Bond estavam abertos imitao de uma Tesoura, que a Pedra de Tigre embotava. Um a um.

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    Tigre fz uma pausa, com o punho encostado testa, os olhos cer-rados em profunda meditao.

    Sim, isso mesmo. J o apanhei, Bondo-san. No poder me es-capar.

    Bem representado disse Bond, procurando afastar do esprito a suspeita de que Tigre se obstinaria na Pedra ou, pelo contrrio, espe-rando que le contasse com isso e jogasse Papel, mostraria a Tesoura que corta o Papel. E por a a fora. Os trs emblemas rodopiavam-lhe na cabea como os elctrons num modelo atmico animado.

    Os dois punhos ergueram-se. Um, dois, pam!Tigre veio de novo com a Pedra, que Bond embrulhou no Papel.

    Primeiro ponto para Bond.O segundo round foi mais demorado. Os dois mostraram vrias ve-

    zes o mesmo smbolo, o que os obrigava a repetir a parada. Dir-se-ia que ambos os jogadores procuravam sondar a psicologia um do outro. Mas isso era uma impossibilidade, j que Bond no tinha nenhum intuito psi-colgico. Continuava jogando a esmo. Era simples questo de sorte. Tigre ganhou o round. Um a um.

    ltimo round! Os dois adversrios entreolharam-se. Bond sorria com ar benigno e um tanto zombeteiro. Uma chispa vermelha apareceu nas profundezas dos olhos escuros de Tigre. O outro notou-a e falou de si para si: Seria mais prudente perder. Mas seria mesmo?... Ganhou o round em duas paradas consecutivas, embotando a Tesoura de Tigre com a sua Pedra, embrulhando a Pedra de Tigre com o seu Papel.

    Tigre curvou-se numa reverncia profunda. Bond curvou-se mais baixo ainda. Procurava, mentalmente, uma frase conciliatria. Eis aqui o que achou:

    Tenho de fazer com que este jogo seja adotado em tempo para tomar parte nas Olimpadas de vocs. No h dvida que eu seria escolhi-do para representar o meu pas.

    Tigre riu com uma polidez estudada. Voc joga com muita intuio. Qual o segredo do seu mtodo?Bond, que no usara mtodo nenhum, inventou rapidamente

    aquele que seria mais lisonjeiro para Tigre: Voc um homem de ao e granito, Tigre. Adivinhei que o sm-

    bolo do papel seria o que voc menos haveria de usar, e joguei dentro dessa linha.

    A pequena farsa foi aceita. Tigre curvou-se mais uma vez. Bond curvou-se em resposta e bebeu mais saque, brindando Tigre. Libertadas

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    da tenso, as gueixas aplaudiram e a madama ordenou a Folha Trmula que desse um novo beijo em Bond. A moa obedeceu. Como era suave a pele das japonesas! O seu contato parecia no ter peso. James Bond estava fazendo planos sobre a maneira de passar o resto da noite quando Tigre falou:

    Bondo-san, tenho uns assuntos a discutir consigo. No me far a gentileza de vir at a minha casa para o drink de despedida?

    Bond ps imediatamente de parte os seus pensamentos lascivos. Segundo Dikko, ser convidado a uma residncia particular japonesa era um sinal incomum de considerao. Portanto, fosse l por que fosse, le agira acertadamente em ganhar esse jogo de crianas. Grandes coisas po-deriam resultar da. Bond fz uma nova mesura:

    No h nada que me possa causar maior prazer, Tigre.

    Uma hora mais tarde estavam ditosamente refestelados em cadei-ras ocidentais, com uma bandeja de bebidas entre os dois. O reflexo das luzes de Yokohama acendia um vivo claro alaranjado ao longo do ho-rizonte e pela parede divisria completamente aberta que dava para o jardim interno penetrava o cheiro distante do porto e do mar. A casa de Tigre, como a do mais humilde assalariado japons, fora carinhosamente planejada de maneira a reduzir ao mnimo possvel a linha de separao entre os seus habitantes e a natureza. As trs outras paredes divisrias do compartimento quadrado tambm estavam inteiramente corridas, reve-lando s vistas uma alcova, um pequeno gabinete e um corredor.

    Tigre abrira as paredes corredias ao entrarem na pea. No Ocidente disse le, quando h segredos a discutir, fe-

    cham-se todas as portas e janelas. No Japo, abrimos tudo para ter cer-teza de que ningum fica escuta atrs dessas paredes finas. E o assunto que tenho a discutir consigo agora do mais absoluto sigilo. O saque est suficientemente aquecido? Tem os cigarros que prefere? Ento oua o que lhe vou dizer e d-me a sua palavra de honra de que no o revelar a ningum. Tigre Tanaka soltou a sua grande risada sria, cheia de den-tes de ouro. Se quebrasse a sua promessa, eu no teria outro remdio seno elimin-lo da face da Terra.

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    Desce o pano para Bond?

    Exatamente um ms atrs, estava-se na vspera do encerramento anual no Blades. No dia seguinte, primeiro de setembro, os scios que ain-da continuavam em Londres, violando as convenes da moda, teriam de enchiqueirar-se pelo espao de um ms inteiro no Whites ou no Boodles. O Whites era considerado ruidoso e gro-fino; quanto ao Boodles, estava cheio de velhos proprietrios rurais que no falariam de outra coisa seno da abertura da temporada de caa perdiz. Para os scios do Blades, isso eqivalia a passar um ms no deserto. Mas que se havia de fazer? Afinal, no se podia negar que os empregados tivessem direito s suas frias. Mais importante ainda era a necessidade de reformar a pintura e de subs-tituir algumas vigas podres do teto.

    M., sentado no balco envidraado que dava para a St. Jamess Street, pouco estava ligando para isso. Tinha em perspectiva duas sema-nas de pesca truta no Rio Test e, quanto quinzena restante, tomaria caf com sanduches no seu bureau. Raramente ia ao Blades, e quando o fazia era para entreter convidados importantes. No era um homem de clubes e, se lhe dessem a escolher, ter-se-ia contentado com o Snior, a maior sociedade recreativa de funcionrios civis no mundo inteiro. Mas ali era por demais conhecido e as conversas quase que s giravam em torno de assuntos da profisso. Havia, alm disso, uma poro de anti-gos companheiros de bordo com a mania de perguntar-lhe o que estava fazendo depois que se aposentara. A mentira sobre o emprego que ar-ranjara numa empresa chamada Universal Export o enchia de tdio e, embora verificvel, apresentava os seus riscos.

    Porterfield, que andava volta da mesa com os charutos, curvou o corpo para a frente e estendeu a caixa ao convidado de M. Sir James

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    Molony arqueou as sobrancelhas com um ar irnico. Vejo que os havanas continuam a entrar.Sua mo hesitou. Apanhou um Romeo y Julieta, beliscou-o de

    leve e passou-o sob o nariz. Que que a Universal Export envia a Fidel Castro em troca?

    Blue Streak?M. no achou graa e Porterfield notou isso. Como sargento-aju-

    dante, havia servido sob as ordens de M. num dos ltimos comandos des-te.

    A verdade, Sir James apressou-se le a dizer, mas sem mostrar precipitao, que os melhores charutos da Jamaica, hoje em dia, no ficam atrs dos havanas em nada. Conseguiram finalmente acertar com uma boa capa.

    Fechou a tampa de vidro da caixa de charutos e afastou-se. Sir Ja-mes Molony apanhou o perfurador que o maltre deixara em cima da mesa e aparou com preciso a ponta do seu charuto. Acendeu um isqueiro e comeou a passar a chama de um lado para outro na extremidade aberta, chupando suavemente at que o charuto ficasse aceso a seu contento. Tomou ento um sorvo de brande, outro de caf, e recostou-se na cadei-ra. Observou com ar afetuoso e irnico a testa enrugada do anfitrio.

    Muito bem, meu caro. Agora pode falar. Qual o problema?Mas M. tinha o pensamento alhures. Parecia lutar com dificuldade

    para acender o seu cachimbo. Que problema? perguntou vagamente, entre duas baforadas.Sir James Molony era o maior neurologista da Inglaterra. No ano

    anterior recebera um Prmio Nobel pela sua obra atualmente famosa, Al-guns Efeitos Psicossomticos Secundrios da Inferioridade Orgnica. Era tambm, por nomeao, especialista em doenas nervosas para o Servio Secreto e, se bem que raramente fosse chamado a desempenhar essas funes, o que s acontecia in extremis, os problemas que lhe propu-nham interessavam-no grandemente por serem ao mesmo tempo huma-nos e de vital importncia para o Estado. Alis, desde o fim da guerra esta ltima qualificao s se apresentava de longe em longe.

    M. virou-se de ilharga para o seu convidado e observou o trfego na St. Jamess Street.

    Meu amigo disse Sir James Molony, como todo mundo voc tem certos padres de conduta. Um deles consiste em me convidar de vez em quando para almoar no Blades, empanturrando-me como um ganso de Estrasburgo para depois me confiar algum medonho segredo e

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    solicitar o meu auxlio. Da ltima vez, se bem me lembro, queria saber se eu podia arrancar certas informaes a um diplomata estrangeiro sub-metendo-o a uma hipnose profunda sem que le o soubesse. Disse-me que no havia outro recurso. E eu respondi que no podia auxili-lo. Duas semanas mais tarde, li no jornal que esse mesmo diplomata havia perdi-do a vida ao fazer experimentos com a fora da gravidade numa janela de dcimo andar. O juiz de instruo pronunciou um veredicto parcial do gnero caiu ou foi empurrado. Que apito quer que eu toque desta vez em paga do meu jantar? E, abrandando um pouco, Sir James Molony ajuntou com simpatia:Vamos, M.! Desembuche logo!

    M. fitou-o nos olhos, friamente. Trata-se do 007. Ando cada vez mais preocupado com le. Voc leu os meus laudos sobre o estado de sade do rapaz. H

    alguma novidade? No. Continua na mesma. Est se desintegrando aos poucos.

    Chega tarde ao escritrio. Gazeia o trabalho. Comete erros. Bebe demais e perde muito dinheiro num desses novos clubes de jogo. Tudo isso so-mado significa que um dos meus melhores auxiliares est em vias de se tornar um risco para a segurana. Uma coisa absolutamente inacredit-vel, considerando a sua folha de servios.

    Sir James Molony sacudiu a cabea convictamente. No tem nada de inacreditvel. Ou voc no l os meus laudos,

    ou no lhes d suficiente ateno. Eu sempre disse que esse homem est sofrendo de choque.

    O neurologista inclinou-se para a frente e apontou com o charuto para o peito de M.

    Voc um homem duro, M. Num emprego como o seu, isso necessrio. Mas h certos problemas, os problemas humanos por exem-plo, que nem sempre se pode resolver a ponta de faca. Este um caso ilustrativo do que digo. A est um agente seu, no menos rijo e valente do que voc era, com certeza, na idade dele. solteiro e um bilontra in-corrigvel. De repente apaixona-se em parte, desconfio, porque a mu-lher em causa era infeliz e precisava dele. A gente se surpreende de ver como so vulnerveis, no fundo, esses tais dures. Vai da, casa com ela e poucas horas depois a mulher morta a bala por aquela espcie de su-pergangster. . . Como se chamava mesmo?

    Blofeld. Ernst Stvro Blofeld. Isso! Quanto ao seu homem, escapa com a cabea quebrada

    e nada mais. Mas ento que comea a escorregar pela ladeira abai-

  • 22

    xo e o mdico de vocs, achando que le devia ter sofrido alguma leso cerebral, o envia a mim. Pois o homem no tem nada... isto , nada de fsico choque apenas. Confessou-me que tinha perdido o gosto a tudo. Que no se interessava mais pelo seu trabalho, nem mesmo pela vida. o tipo de conversa que ouo todos os dias dos meus clientes. Trata-se de uma forma de psico-neurose que pode desenvolver-se pouco a pouco ou repentinamente. No caso do seu homem surgiu sem mais nem menos, por efeito de uma vivncia intolervel ou que le achou intolervel por nunca t-la experimentado antes a perda de uma criatura amada, per-da essa agravada, no seu caso, pelo fato de julgar-se culpado pela morte da noiva. Ora, meu amigo, como nem eu nem voc tivemos de levar s costas esse fardo, no sabemos como reagiramos nas mesmas circuns-tncias. Mas garanto-lhe que no brincadeira. E as resistncias do seu homem comeam a ceder. Eu pensei, e assim disse no meu laudo, que os perigos do cargo, as emergncias, etc, o tirariam desse impasse. Descobri que se deve procurar ensinar s pessoas que no h limite para as cala-midades que enquanto houver um alento de vida no nosso corpo te-remos de aceitar as misrias da vida. Muitas vezes elas parecem infinitas, insuportveis. Mas fazem parte da condio humana. Voc experimentou dar-lhe algum encargo difcil nestes ltimos meses?

    Dois respondeu M. lgubremente. A ambos le deitou a perder. No primeiro quase se fz matar, e no segundo cometeu um erro que punha em perigo vidas alheias. Essa outra de minhas preocupa-es. Antigamente le nunca errava. Agora, de sbito, se torna sujeito a acidentes.

    Mais um sintoma da sua neurose. E ento, que pretende fazer? P-lo no olho da rua disse M. brutalmente. Tal qual como

    se tivesse ficado invlido em conseqncia de um balao ou contrado alguma doena incurvel. Na minha seo no h lugar para crebros es-tropiados, por melhor que seja a sua folha de servio e por mais descul-pas que os senhores psiclogos apresentem em seu favor. Receber a sua penso, claro. Dispensa com louvor e o mais que segue. Procuraremos arranjar-lhe outro emprego. Uma dessas agncias de segurana que tra-balham para os bancos talvez o aceite. M. fitou em atitude defensiva os claros e compreensivos olhos azuis do famoso neurologista. E, solicitando apoio para a sua deciso: Percebe o que quero dizer, no verdade, Sir James? Estou com os quadros completamente preenchidos na Chefia, e no campo da mesma forma. No h simplesmente lugar onde colocar o 007 de modo que no venha a causar transtornos.

  • 23

    Vai perder um dos seus melhores homens. Foi um dos melhores, mas j no .Sir James Molony encostou-se no respaldo da cadeira, olhou pela

    janela e chupou pensativamente o seu charuto. Simpatizava com o tal Bond. Tivera-o como cliente talvez j por uma dzia de vezes. Tinha visto como o seu valor, as suas reservas de energia podiam arranc-lo de situa-es desesperadoras, capazes de aniquilar qualquer ser humano normal. Sabia que tais situaes punham em jogo essas reservas e a vontade de viver tornava a afirmar-se numa emergncia realmente crtica. Lembrava--se de incontveis pacientes neurticos que haviam desaparecido para sempre do seu consultrio ao irromper a ltima guerra. A grande angstia expulsara as pequenas ansiedades, o medo maior devorara o menor. Sir James decidiu-se por fim. E, voltando-se para M.:

    D-lhe mais uma chance, M. Se isso lhe pode ser til, eu assumo a responsabilidade.

    Qual a chance que tem em mente? Bem, eu no entendo muito da sua profisso, M. Nem quero en-

    tender! J tenho segredos que chegue na minha. Mas no haver algo de bruto mesmo, algum encargo aparentemente irrealizvel que voc possa dar a esse homem? No me refiro necessariamente a uma coisa perigo-sa, como um assassinato, roubar cdigos dos russos e por a a fora. Mas algo de suprema importncia e que parea impossvel. Voc tem toda a liberdade de meter-lhe a catana se assim quiser, mas o que le precisa acima de tudo de um apelo supremo aos seus talentos, algo que lhe d gua pela barba e o force a esquecer os seus aborrecimentos pessoais. le um camarada do tipo patritico. D-lhe alguma coisa que tenha uma significao real para o seu pas. Isso seria muito fcil se estalasse agora uma guerra. No h nada como a morte ou a glria para fazer um homem esquecer a si mesmo. No lhe ocorre nada que seja de uma urgncia ab-soluta, imperiosa? Se tiver isso, d-lhe a incumbncia. Talvez o faa entrar de novo nos eixos. De qualquer forma, d-lhe a oportunidade. Sim?

    O sbito retinir do telefone vermelho que h tantas semanas se mantinha calado fz com que Mary Goodnight saltasse da sua cadeira, diante da mquina de escrever, como se aquela fosse provida de um me-canismo ejetor de cartuchos. Correu para a sala contgua, deixou passar um segundo para recobrar o flego e apanhou o fone como se fosse uma cobra cascavel.

    Sim, senhor.

  • 24

    No, senhor. a secretria dele que est falando. E olhou para o seu relgio de pulso, sentindo plenamente a seriedade da situao.

    Isto no est nos hbitos dele, senhor. Espero que no demore seno alguns minutos. Quer que eu o avise para cham-lo, senhor?

    Sim, senhor.Mary recolocou o fone no lugar. Notou que sua mo tremia. Dia-

    bo do homem! Onde estaria? Oh! James, apresse-se, por favor! disse ela em voz alta. Voltou desconsoladamente para a sua mesa e sentou-se diante da mquina de escrever vazia. Olhou as teclas cinzentas com olhos que nada enxergavam, concentrando todos os seus podres mentais na mensagem teleptica que procurava enviar. James! James! M. precisa de voc! M. precisa de voc! M. precisa de voc! Seu corao falhou uma batida. O Sincrafone! Quem sabe se desta vez le no o tinha esquecido? Correu novamente sala de Bond e abriu de supeto a gaveta do lado direito. No! L estava o pequeno receptor de plstico por meio do qual poderia t-lo chamado do PABX. O instrumento que todos os funcionrios graduados da Chefia tinham a obrigao de levar consigo quando saam do edifcio. Mas havia semanas que le esquecia ou, pior ainda, desde-nhava de lev-lo consigo. Mary Goodnight tirou-o da gaveta e pespegou-o com fora bem no centro da pasta-mata-borro de Bond.

    Oh! diabos o levem, diabos o levem! exclamou em voz alta, e voltou para a sua sala com a impresso de que tinha chumbo nos ps.

    O estado de sua sade, o estado do tempo, as maravilhas da natu-reza tudo so coisas que raramente ocupam as reflexes do homem mediano antes dos trinta e cinco anos. s no limiar da idade madura que comeamos a nos fixar nessas coisas, at ento partes de um desinte-ressante pano de fundo sobre o qual se desenrolam fatos mais urgentes, mais palpitantes.

    At esse ano James Bond, a rigor, no tomara conhecimento de nenhuma delas. Exceo feita de alguma ressaca ocasional e da reparao de danos fsicos que, para le, eram o equivalente da queda de uma crian-a que se fere no joelho, nunca se preocupara com a sua sade. O estado do tempo? Simples questo de levar ou no levar consigo uma capa im-permevel ou de erguer a capota do seu Bentley conversvel. Quanto aos pssaros, abelhas e flores, as maravilhas da natureza, a nica coisa que importava era saber se no picavam nem mordiam, se cheiravam bem ou mal. Mas nesse dia, o ltimo de agosto, oito meses exatos da morte de Tracy, segundo se recordara pela manh, fora sentar-se no Roseiral da

  • 25

    Rainha Mary, no Regenfs Park, o tinha o esprito totalmente ocupado por essas mesmas coisas.

    Primeiro, a sade. Sentia-se rebentado e sabia que isso se notava na sua aparncia. Durante meses, sem confess-lo a ningum, havia tri-lhado a Harley Street, a Wigmore Street e a Wimpole Street procura de um mdico que lhe trouxesse alvio. Apelara para especialistas, clnicos gerais, charlates at para um hipnotista. Sinto-me escangalhado, dissera-lhes. Durmo mal. No como praticamente nada. Bebo demais e o meu trabalho anda por conta do Canhoto. Estou fuzilado. Faa com que eu me sinta melhor. E todos lhe haviam tomado a presso sangnea, analisado a urina, escutado o corao e o peito e formulado perguntas que le respondia sem faltar verdade; e todos diziam que no tinha nada de srio. le pagava os cinco guinus da consulta e ia farmcia mandar aviar a nova receita tranqilizadores, revigorantes, plulas para dormir. Vinha, agora, de cortar relaes com o ltimo deles, o hipnotiza-dor, cujo orculo fora, em essncia, o de que Bond precisava recobrar a sua virilidade possuindo uma mulher. Como se j no houvesse recorrido a isso! Havia as que o aconselhavam a subir a escada com cautela, as que lhe pediam para lev-las a Paris, as que indagavam com indiferena: Est se sentindo melhor agora, meu bem? o hipnotizador no era mau sujei-to, s que um pouco chato quando comeava a gabar-se de poder curar verrugas ou a queixar-se de ser perseguido pela Sociedade Britnica de Medicina; mas Bond fartara-se afinal de ficar sentado a escutar aquela voz calma e montona enquanto, de acordo com as instrues recebi-das, relaxava os msculos e fitava a lmpada eltrica descoberta. Nesse mesmo dia resolvera abandonar pelo meio o tratamento, que lhe custara cinqenta guinus, e viera sentar-se nesse jardim isolado antes de voltar ao seu escritrio no outro lado do parque, a dez minutos de marcha dali.

    Consultou o seu relgio. Trs horas e alguns minutos. Devia ter vol-tado ao servio s duas e meia. Pipocas! Fazia um calor do diabo. Enxugou a testa com a mo e secou a mo na perna das calas. Em outros tempos no costumava suar assim. As condies atmosfricas deviam estar mu-dando. Efeito da bomba atmica, por mais que os cientistas o negassem. Bom mesmo seria ir agora para o sul da Frana! Um lugar onde fosse pos-svel tomar banho de mar sempre que isso lhe apetecesse. Mas j gozara suas frias nesse ano. Aquele ms pavoroso que lhe concederam aps a morte de Tracy. Tinha ido Jamaica. Que inferno, senhores! No! Os banhos de mar no resolviam. Aqui, em suma, estava-se muito bem. Es-plndidas rosas para contemplar. Cheiravam bem e era agradvel ficar a

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    olh-las enquanto escutava o trfego distante. Agradvel, o zumbido das abelhas. Como andavam de flor em flor, trabalhando para a sua rainha! Precisava ler o livro daquele belga, Metternich ou coisa que o valha. O mesmo homem que escreveu sobre as formigas. Extraordinrio ter um propsito assim na vida. Elas no sabiam o que fossem aborrecimentos. Viviam e morriam, simplesmente. Faziam a sua obrigao e caam mortas. Por que que no se via uma poro de cadveres de abelhas pelo cho? E cadveres de formigas? Deviam morrer milhares, milhes todos os dias. Talvez fossem comidas pelas outras. Bem, bem! Estava na hora de voltar ao escritrio e ouvir a tosquiadela de Mary. Um amor de mulher! Tinha todo o direito de invectiv-lo como fazia. Mary era a sua conscincia. Mas no podia fazer idia dos seus aborrecimentos. Que aborrecimentos? Bem, bem, no vamos entrar nesse assunto agora. James Bond levantou--se, caminhou para os canteiros e leu as etiquetas de chumbo das rosas que estivera a contemplar. Essas etiquetas o informaram de que as rosas rubras se chamavam Super Star e as brancas, Iceberg.

    Ento, levando na cabea a sua sade, o calor e os cadveres de abelhas a revolver-se de mistura, numa ronda preguiosa, James Bond afastou-se na direo do alto edifcio cinzento cujos andares superiores se entremostravam por entre as rvores.

    Eram trs e meia. Apenas duas horas mais antes do prximo drink!

    Sua secretria anda numa roda viva, perguntando em toda a parte pelo senhor disse o ascensorista, apoiando o cotovelo do brao direito na alavanca de controle.

    Obrigado, sargento.Recebeu a mesma mensagem quando saiu no quinto andar e mos-

    trou o seu passe ao guarda de segurana postado atrs de uma escriva-ninha. Seguiu sem pressa pelo tranqilo corredor, demandando as salas do fundo, que tinham o sinal de Doble-Zero na porta. Entrou pela porta numerada 007 e cerrou-a emps de si. Mary Goodnight ergueu os olhos sua entrada e disse calmamente:

    M. quer lhe falar. Telefonou h meia hora. Quem M.?Mary Goodnight ps-se bruscamente em p, com os olhos a fuzilar. Pelo amor de Deus, James, acabe com isso! Olhe, sua gravata

    est torta.Caminhou para James, que docilmente a deixou endireitar a gra-

    vata.

  • 27

    E o seu cabelo est todo despenteado. Tome, use o meu pente.Bond pegou o pente e passou-o distraidamente pelo cabelo. Voc uma tima criatura, Goodnight. E, apalpando o quei-

    xo: No ter a sua gilete por a? No posso apresentar-me no cadafalso com a barba por fazer.

    Por favor, James! Os olhos de Mary brilhavam. V ao telefo-ne e fale com le. H semanas que M. no o v. Talvez seja alguma coisa importante. Alguma coisa emocionante.

    Esforava-se desesperadamente para dar um tom animador sua voz.

    sempre emocionante comear vida nova. Afinal, quem que tem medo desse Papo? Voc no vir me ajudar na minha granja de criao de galinhas?

    Mary virou as costas e cobriu o rosto com as mos. le deu-lhe uma palmadinha displicente no ombro, dirigiu-se para o seu escritrio e apanhou o telefone vermelho.

    Aqui 007, senhor. Desculpe, senhor. Tive de ir ao dentista. Sim, eu sei. Desculpe.

    Esqueci-me dele na gaveta do bureau. Sim, senhor.Largou o fone vagarosamente no lugar. Correu os olhos pelo escri-

    trio como que a dizer-lhe adeus, saiu pelo corredor em fora e subiu no elevador com a resignao de um sentenciado.

    Miss Moneypenny olhou para le com mal disfarada hostilidade. O senhor pode entrar.Bond perfilou os ombros e encarou a porta acolchoada, por trs da

    qual fora tantas vezes decidido o seu destino. Estendeu a mo cautelosa-mente para o trinco, quase como se temesse receber um choque eltrico, e entrou, fechando a porta atrs de si.

  • 28

    3

    A misso impossvel

    Com a cabea metida entre os ombros, na sua roupa azul de talhe retilneo, M. estava em p diante da ampla janela e olhava o parque l em baixo.

    Sente-se disse, sem voltar os olhos. Nada de nome, nem mes-mo de nmero!

    Bond escolheu o assento de costume, que fazia face alta cadeira de braos de M., com a escrivaninha de permeio. Reparou que no havia nenhum dossi sobre o couro vermelho diante da cadeira. E as cestinhas de Entradas e Sadas estavam ambas vazias. De repente, sentiu verdadei-ro remorso de tudo aquilo de ter sido omisso para com M., para com o Servio, para consigo mesmo. O bureau vazio, a cadeira vazia, eram a acusao definitiva. No temos nada para voc, pareciam dizer. J no precisamos de seus servios. Sentimos imenso. Tivemos muito prazer em conhec-lo, mas... a est!

    M. deixou a janela, sentou-se pesadamente e fitou os olhos em Bond. A cara enrugada de marinheiro no deixava transparecer nada. Pa-recia to impassvel quanto o couro azul polido do espaldar da cadeira vazia, antes que le se houvesse sentado.

    Sabe por que foi que o mandei chamar? Fao uma idia, senhor. Se assim deseja, pedirei a minha demis-

    so. Que raio de histria essa de que est falando? retrucou M.,

    irado. No culpa sua se a Seo Doble-Zero esteve s moscas durante tanto tempo. O nosso Servio assim mesmo. No o primeiro perodo de ociosidade que voc passa... Meses a fio sem ter o que fazer.

    Sim, mas desempenhei mal as duas ltimas misses. E sei que

  • 29

    o meu estado de sade no tem sido satisfatrio nestes ltimos meses. Besteira! Voc no tem nada. O que houve que passou um

    mau bocado. Tinha boas razes para andar um pouco abichornado. No que diz respeito s duas ltimas misses, ningum est a salvo de errar. Mas, como no posso ter gente desocupada aqui, vou tir-lo da Seo Doble-Zero.

    Bond, que cobrara alento temporariamente, sentiu-se de novo des-corooar. O velho estava sendo camarada, procurando amortecer o golpe.

    Bem, se para o senhor no faz diferena, eu desejaria ainda apresentar a minha demisso. disse le. Usei por muito tempo o prefixo Doble-Zero. Devo dizer-lhe que o trabalho de escritrio no me interessa, senhor. E que tambm no valho nada para isso.

    M. fz, ento, uma coisa indita para Bond. Levantou o punho e descarregou-o com violncia no bureau.

    Com quem voc pensa que est falando? Quem que manda aqui? Justos cus! Mando-o chamar para promov-lo e dar-lhe a misso mais importante da sua carreira e voc me fala em pedir demisso! Seu cabea de pau!

    Bond ficou apatetado. Uma vasta onda de excitao percorreu-o de alto a baixo. Que diabo de coisa era aquela?

    Peo mil desculpas, senhor disse le. Eu achava que me tinha tornado frouxo no cumprimento de meus deveres ultimamente.

    Eu lhe direi quando se tornar frouxo no cumprimento de seus deveres volveu M. dando uma nova punhada na mesa, mas dessa vez com menos fora. Agora escute. Vou promov-lo temporariamente Seo Diplomtica. Um nmero de quatro algarismos e mil libras adicio-nais por ano. Voc no deve conhecer muito bem essa Seo, mas fique sabendo desde j que s existem nela outros dois homens. Se assim qui-ser, pode conservar o seu escritrio e a sua secretria atuais. Eu preferiria mesmo que fosse assim. No desejo que a sua mudana de funes se torne conhecida. Compreendeu?

    Sim, senhor. Em todo caso, voc partir para o Japo dentro de uma sema-

    na. O chefe do pessoal est tomando pessoalmente todas as disposies. Nem sequer o meu secretrio est informado. Como voc pode ver ajuntou M., designando com a mo a mesa vazia, no temos nem mes-mo um dossi sobre o caso. Isso lhe dar uma idia de sua importncia.

    Mas por que escolheu a mim, senhor?O corao de Bond pulsava com violncia. Era esta a mais extraordi-

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    nria mudana que j se operara no seu destino! Dez minutos atrs estava no lixo, com a carreira e a existncia arruinadas; e de repente propunham coloc-lo nas alturas! Que diabo de histria era aquela?

    Pela simples razo de que a tarefa impossvel. No, no irei to longe. Digamos que o xito inteiramente improvvel. Voc tem revelado uma aptido para as misses difceis. A nica diferena neste caso que no comporta o emprego de mtodos violentos prosseguiu M. com um sorriso glacial. No h lugar aqui para esses combates a bala de que voc tanto se gloria. Ser uma luta de astcia e nada mais. Mas se voc vencer, o que eu duvido muito, ter elevado mais ou menos ao dobro as informaes que temos sobre a Unio Sovitica.

    O senhor no pode me explicar isso mais por mido? justamente o que me cumpre fazer, uma vez que no h nada

    escrito. Quanto aos materiais de escalo inferior, sobre o Servio Secreto Japons, etc, poder obt-los na Seo J. O Chefe do Pessoal recomen-dar ao Coronel Hamilton que responda s suas perguntas sem ocultar nada, embora voc no deva revelar a le a finalidade da sua misso. Entendido?

    Sim, senhor. Ora, muito bem. Sabe alguma coisa de criptografia? S o que h de mais rudimentar, senhor. Sempre preferi no me

    imiscuir nesse assunto. Seria menos perigoso no dia em que a Oposio conseguisse deitar-me as unhas.

    Pois fz muito bem. Mas agora convm saber que os japoneses so exmios na matria. Eles possuem a mentalidade talhada para essas questes meticulosas de letras e nmeros. Depois da guerra, sob a orien-tao da C. I. A., construram crebros eletrnicos incrveis, muito mais aperfeioados que os da I. B. M. e outros do mesmo gnero. E h um ano que esto lendo o que h de mais essencial na correspondncia sovitica enviada de Vladivostok e da Rssia Oriental no setor diplomtico, no naval, no aeronutico . . . tudo, em suma.

    Isso formidvel, senhor. Formidvel para a C. I. A. Mas eles no partilham conosco o que sabem? Eu julgava que

    fssemos unha e carne com a C. I. A. em toda parte! No no Pacfico. Eles o consideram como sua propriedade par-

    ticular. No tempo de Allan Dulles, pelo menos, recebamos uma smula de tudo que nos dissesse respeito, mas o novo chefe, McCone, acabou com isso. le um timo sujeito, e pessoalmente nos damos bem, mas

  • 31

    disse-me com franqueza que est cumprindo ordens... Ordens do Con-selho Nacional de Defesa. Os americanos preocupam-se com a nossa se-gurana. No posso censur-los por isso. Eu tambm me preocupo com a deles. H dois anos atrs, dois de seus melhores criptgrafos passaram para o outro lado e devem ter revelado muita coisa que ns transmitimos aos americanos. O grande mal desta nossa chamada democracia que a Imprensa se apodera de tais casos e exagera-lhes as propores at mais no poder. O Pravda no se derrete em lgrimas quando um russo passa para o nosso lado. O Izvestia no reclama um inqurito oficial. Suponho que algum no K. G. B. leve uma ensaboadela, mas pelo menos eles l podem continuar o seu trabalho sem que venha um membro aposentado do Soviete Supremo vasculhar os seus arquivos e ensinar-lhes como se dirige um servio secreto.

    Bond no ignorava que M. havia pedido demisso aps o caso Pren-derghast. Tratava-se de um chefe de posto com tendncias homossexuais que em data recente, em meio ao espalhafato da publicidade internacio-nal, fora condenado a trinta anos por alta traio. O prprio Bond fora chamado a depor e sabia que as interpelaes na Cmara dos Comuns, o processo no Tribunal de Old Bailey e as subseqentes audincias no Far-rer Tribunal sobre os Servios de Informaes haviam paralisado todas as atividades da Chefia pelo espao de um ms, pelo menos, e levado ao sui-cdio um chefe de seo, homem inteiramente inocente que tomara todo aquele caso como uma investida direta contra a sua probidade pessoal. Procurando trazer M. de volta ao assunto, Bond perguntou:

    Mas, a respeito dessas informaes que os japoneses esto ob-tendo: qual ser o meu papel nisso, senhor?

    M. pousou ambas as mos espalmadas sobre a mesa. Era o seu ve-lho gesto sempre que se chegava pergunta crucial, e ao v-lo, o corao de Bond ps-se a bater ainda mais depressa.

    Existe em Tquio um homem chamado Tigre Tanaka. Chefe do Servio Secreto l deles. No me lembro como o nome. Uma dessas impronunciveis embrulhadas japonesas. Mas um homem notvel. Pri-meiro esteve em Cambridge. Depois voltou para c e foi espio deles an-tes da guerra. Fz parte do Kempitei, a Gestapo japonesa durante a guer-ra, esteve treinando para kamikaze e a estas horas no existiria mais se no fosse a capitulao. Pois esse sujeito est de posse das informaes que ns queremos que eu quero e que a Chefia quer. Sua tarefa ir l e arrancar-lhe essas informaes. Como? No sei. Isso consigo. Mas agora pode perceber por que eu disse que no tem muitas probabilidades de

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    xito. le est enfeudado C. I. A. (Bond achou graa na velha expres-so escocesa.) Provavelmente no faz grande opinio de ns.

    O lbio inferior de M. avanou, repuxando para baixo os cantos da boca.

    Isso geral hoje em dia. Pode ser que tenham razo e pode ser que no. Eu no sou poltico. Tanaka pouco sabe a respeito do Servi-o, alm do que conseguiu adivinhar e do que lhe informou a C. I. A., e creio que isso no h de ser muito lisonjeiro para ns. Desde 1950 que no temos posto no Japo. No h intercmbio. Todo le passou para os americanos. Voc vai trabalhar com os australianos. Dizem eles que tm l um homem muito competente, e a Seo J. confirma. Em todo caso, a situao essa. Se h algum capaz de sair-se bem nessa histria, voc. Quer experimentar, James?

    O rosto de M. assumiu de repente uma expresso amistosa, o que no lhe era muito comum. James Bond sentiu-se tomado de sbita afeio por esse homem que h tanto tempo vinha comandando o seu destino e a quem, no entanto, conhecia to pouco. O instinto lhe dizia que havia coisas ocultas por trs dessa incumbncia, motivos que le no compreendia. Estaria sendo objeto de uma operao de salvamento? Se-ria a ltima chance que lhe dava M.? Em todo caso, parecia algo bastante slido. As razes eram convincentes. Impossvel, ou pouco menos que impossvel? Talvez. Por que M. no escolhia algum que falasse japons? Bond nunca fora alm de Hong-Kong. Mas a verdade que os orientalis-tas tinham tambm os seus inconvenientes muito apegados s ceri-mnias de ch, aos arranjos florais, ao Zen e coisas que tais. No. Aquilo parecia srio.

    Sim, senhor. Gostaria de experimentar respondeu. M. sacudiu abruptamente a cabea. timo. Inclinou o corpo

    para a frente e apertou um boto da rede de comunicaes internas. Chefe do Pessoal? Que nmero designou ao 007? Muito bem. le vai l agora mesmo para falar consigo.

    M. recostou-se novamente na cadeira e esboou um dos seus raros sorrisos.

    Voc no se livra do nmero sete. Desta vez so quatro setes. Bem, pode ir receber as instrues finais.

    Perfeitamente, senhor. E... hum... muito obrigado. Bond levantou-se, tomou a direo da porta, abriu-a e saiu. Foi di-

    reito a Miss Moneypenny, curvou-se e beijou-a na face. Ela ficou verme-lha e levou a mo ao lugar em que recebera o beijo.

  • 33

    Seja um anjo, Penny, e telefone a Mary dizendo-lhe que cancele tudo que tiver programado para hoje noite. Quero lev-la para jantar no Scotts. Diga-lhe que vamos comer o primeiro galo-silvestre assado da temporada. Com champanha rosado. Comemorao.

    De qu? Miss Moneypenny arregalara os olhos, cheia de al-voroo.

    Que sei eu? Do aniversrio da Rainha ou qualquer coisa. Com-binado?

    James Bond atravessou a sala e dirigiu-se para o gabinete do chefe do pessoal. Miss Moneypenny apanhou o telefone interno e transmitiu a mensagem numa voz emocionada.

    Acho que le est recuperado, Mary. Voltou a ser o mesmo ho-mem de antigamente. S Deus sabe o que M. lhe esteve dizendo. Almo-ou hoje com Sir James Molony. No fale nisso a James, mas deve haver alguma relao entre as duas coisas. Neste momento est com o Chefe do Pessoal. E Bill disse que no queria ser interrompido. Parece tratar-se de alguma misso. Bill est muito misterioso.

    Bill Tanner, ex-Coronel Tanner dos Sapadores, e o melhor amigo de Bond no Servio, levantou os olhos da sua escrivaninha sobrecarregada de papis e sorriu de prazer ante o que via.

    Pegue uma cadeira, James. Ento voc aceitou? Era o que eu esperava. Mas no deixa de ser um trabalho dos mais cabulosos. Voc acha que consegue?

    Est me parecendo que no tenho a mnima possibilidade respondeu Bond jovialmente. Esse tal Tanaka deve ser duro de roer e eu no sou muito bom diplomata. Mas por que foi que M. me escolheu, Bill? Eu pensava estar no desvio por causa daqueles dois trabalhos que deitei a perder. Estava pronto para iniciar uma criao de galinhas. Bem, agora seja bonzinho e me diga qual a verdadeira situao.

    Bill, que se havia preparado para essa pergunta, respondeu sem hesitao:

    Besteira, James. Voc atravessou tempos difceis. Isso acontece a todos ns uma vez ou outra. O que h, simplesmente, que M. o con-sidera o homem mais indicado para esta tarefa. Voc sabe que le faz uma opinio completamente infundada das suas aptides. Seja como fr, isto agora algo bem diferente das suas refregas habituais. J era tempo de deixar essa sua infernal Seo Doble-Zero. Voc nunca pensa em ser promovido?

    Absolutamente no respondeu Bond com fervor. Assim

  • 34

    que voltar desta empreitada vou pedir que me devolvam o meu antigo nmero. Mas diga-me como devo proceder neste negcio. Em que consis-te a cobertura australiana? Terei alguma coisa para oferecer a esse ardi-loso oriental em troca das suas prolas? Como ser transmitido o contra-bando para c se eu conseguir deitar-lhe as unhas? Deve ser um processo complicadssimo.

    Todo o produto do Posto H fica disposio de Tanaka. Se le quiser, pode mandar um de seus homens a Hong-Kong para participar do nosso trabalho. provvel que j esteja muito bem informado sobre a China, mas no pode ter nada que se compare nossa ligao com Ma-cau, a Rota Azul. Hamilton lhe dir tudo que fr preciso sobre isso. Em Tquio, o homem com quem voc vai trabalhar um australiano chamado Henderson Richard Lovelace Henderson. Tem um nome gozado, mas a Seo J e todos os veteranos do Japo garantem a sua competncia. Voc levar um passaporte australiano e ns tomaremos disposies para que v como auxiliar dele. Desse modo ter uma posio diplomtica e gozar de certo grau de prestgio de cara, o que, segundo Hamilton, por l um sucedneo de quase todas as qualidades imaginveis. Se voc conse-guir a muamba, Henderson a enviar a ns por intermdio de Melbourne. Vamos pr disposio dele um corpo de agentes de comunicao para esse fim. Qual a pergunta seguinte?

    Que que a C. I. A. vai achar disto tudo? uma pilhagem desca-rada, afinal de contas...

    Eles no so donos do Japo. De qualquer forma, no devero saber. Isso fica por conta do tal Tanaka. le se encarregar de organizar o sistema de comunicaes com a embaixada australiana. problema seu. Mas tudo isso est assentado sobre uma base muito precria. O princi-pal certificar-nos de que le no ir direito C. I. A. avis-la da nossa entrada em cena. Se voc fr descoberto, teremos de fazer com que os australianos assumam toda a responsabilidade. Eles j o tm feito por ocasio de outras tentativas frustradas de nossa parte para penetrar na rea do Pacfico. Nossas relaes com o Servio australiano so timas. Eles tm uma turma de primeira. E, de qualquer forma, a C. I. A. no tem as mos to limpas assim. Houve uma poro de casos em que intercep-taram nossas linhas de comunicao ao redor do mundo. E muitas vezes de maneira perigosa. Poderemos lanar isso em rosto a McCone se a ten-tativa de agora falhar. Mas, em parte, a sua incumbncia a de fazer com que no falhe.

    O que parece que estou me enredando cada vez mais na alta

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    poltica. algo que est completamente fora do meu ramo. Mas isto realmente de importncia to vital como diz M.?

    Que dvida! Se voc obtiver o que andamos buscando, vai ver que a ptria reconhecida lhe faz presente dessa granja de galinceos em que tanto fala.

    Assim seja. Ento, agora faa o favor de avisar a Hamilton que eu vou l me informar sobre o misterioso Oriente.

    Kangei! Bem-vindo a bordo! disse a bonita aeromoa da Japan Airlines, ao instalar-se James Bond, uma semana mais tarde, no confor-tvel assento de janela do Douglas DC 8, avio a turbo-hlice com quatro jatos. Era no aeroporto de Londres e a jovem vestia quimono e obi. Bond ps-se a escutar a macia fala japonesa que saa do alto-falante e devia estar dizendo as coisas de costume sobre os cintures salva-vidas e o tem-po de vo at Orly. Os saquinhos para enjo eram adornados com lindos emblemas de bambus e, segundo o folheto de viagem primorosamente impresso, os rabiscos traados aqui e ali na prateleira de bagagem acima da cabea do viajante representavam o tradicional e auspicioso motivo do casco de tartaruga. A aeromoa curvou-se diante dele estendendo--lhe um gracioso leque, uma toalhinha quente num cestinho de vime e um suntuoso menu com uma nota que oferecia venda uma variedade de cigarros, perfumes e prolas. E ento partiram, com 50 000 libras de empuxo, na primeira escala das quatro que conduziriam a boa aeronave Yoshino at Tquio, por cima do Plo Norte.

    Bond ficou contemplando as trs laranjas (no! ao cabo de uma hora chegou concluso de que eram caquis) pintados num vaso azul que tinha sua frente, e quando o avio se horizontalizou altura de 9000 metros, pediu o primeiro da srie de brandes com ginger ale que iriam sustent-lo por cima da Mancha, de um brao do Mar do Norte, do Katte-gat, do Oceano rtico, do Mar de Beaufort, do Mar de Bering e do Pacfi-co Norte. O que quer que acontecesse nessa impossvel misso, resolveu que no se oporia a mudar de pele no outro lado do mundo. E na hora em que foi admirar o urso polar empalhado em Anchorage, no Alasca, o abrao macio das asas da JAL j o havia persuadido a no se importar que a nova pele fosse amarela.

  • 36

    4

    Aula preliminar com Dikko

    O formidvel punho bateu na palma da mo esquerda com o es-trondo de um tiro de pistola calibre 45. O caro quadrado do australiano ficou quase roxo e as veias saltaram nas tmporas grisalhas. Com uma violncia controlada, mas na voz mais baixa possvel, o homem entoou furiosamente:

    Eu engrazulo, Tu engrazulas, le engrazula, Ns engrazulamos, Vs engrazulais,Todos eles engrazulam.

    Meteu a mo por baixo da mesa, mas pareceu mudar de idia e pegou o copo de saque, derramando-o pela goela abaixo de uma s as-sentada.

    Calma, Dikko disse Bond com brandura. Que bicho foi que o mordeu? E que significa essa malsoante expresso colonial?

    Richard Lovelace Henderson, do Corpo Diplomtico Australiano de Sua Majestade, correu os olhos belicosamente pelo pequeno bar apinha-do de gente, numa rua transversal Ginza, e disse pelo canto da bocarra habitualmente jovial, mas que nesse momento aparecia contorcida de ira e malevolncia:

    Fomos micrados, seu godeme burro! Esse engrazulador do Ta-naka botou um microfone aqui, debaixo da mesa! Est vendo este fio fini-nho que desce pelo p? E aquele maneta l no balco? O sujeito com um

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    brao s, que parece to distinto com o traje azul e a gravata preta? um dos homens de Tigre. Eu j os conheo pelo faro. H dez anos que vivem me seguindo. Tigre veste a todos eles como cavalheiros da C. I. A. Cautela com todo o japons que tome bebidas ocidentais e use aquela roupa. So todos homens de Tigre. No sei por que no vou at l passar uma raspa nesse safardana resmungou Dikko para finalizar.

    Bem, se fomos micrados, o Sr. Tanaka vai ouvir boas amanh de manh disse Bond.

    Bolas!volveu Dikko Henderson em tom resignado. O velho malandro j sabe o que eu penso dele. Agora vai ter tudo por escrito. Isso para ensin-lo a viver pendurado em mim. E nos meus amigos acrescentou, lanando um olhar feroz a Bond. Na realidade a voc que le est procurando sondar. E pouco me importa que me oua dizer isto. Engrazulador? Pois escute bem agora, Tigre! Este o insulto mximo l na minha terra. Pode-se usar a propsito de tudo. E, alteando a voz: Mas em geral significa um cafajeste sem prstimo, macro, biltre, men-tiroso, traidor e velhaco... sem uma s boa qualidade para contrabalanar tudo isso. E fao votos para que se engasgue com o seu ensopado de algas amanh na primeira refeio, quando ouvir o que penso de voc!

    Bond soltou uma risada. Essa torrente de pragas monumentais no cessava desde o dia anterior, no aeroporto Haneda, o Campo das Asas. Bond levara cerca de uma hora para desembaraar no posto da alfndega a nica valise que trazia como bagagem, e ao sair furioso para o recinto central, vira-se exposto s cotoveladas e empurres de uma mul-tido alvoroada de jovens japoneses, carregando bandeiras que diziam Conveno Internacional das Lavandarias. Bond, que chegava exausto do vo, deixou escapar um palavro, um s.

    Uma voz, atrs dele, repetiu o mesmo vocbulo e acrescentou al-guns mais.

    Este o meu homem! A est a maneira mais apropriada de sau-dar o Oriente! Vai precisar aqui de todas essas palavras, e ainda no che-garo.

    Bond virou-se para trs. O homenzarro de traje cinzento amarro-tado estendeu uma mo do tamanho de um presunto pequeno.

    Prazer em conhec-lo. Eu sou Henderson. Como voc o nico pommy ou bife que vem no avio, deve ser Bond. Olhe, me d essa mala. Tenho um carro a fora e bom que nos safemos o mais cedo possvel desta infernal casa de loucos.

    Henderson dava os ares de um ex-boxeador que se houvesse apo-

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    sentado na Idade madura e dado para beber. Sua roupa de tecido fino fazia barriga em redor dos msculos dos braos e das almofadas de banha da cintura. Tinha uma cara angulosa e simptica, olhos azuis um tanto frios e o nariz esborrachado. Suava em bicas (Bond iria descobrir que le transpirava constantemente) e, enquanto abria caminho por entre a mul-tido usando a mala de Bond guisa de arete, sacou do bolso traseiro das calas um leno de tecido atoalhado com que enxugou o pescoo e a face. A multido afastava-se docilmente para deixar passar o gigante e Bond seguiu-lhe na esteira at o elegante carro Topoyet que os aguardava num local de estacionamento proibido. O chofer desceu e curvou-se diante dos dois homens. Henderson desfechou uma srie de ordens em japons fluente e foi sentar-se ao lado de Bond no assento traseiro, desabando o seu peso sobre este com um grunhido.

    Em primeiro lugar vou lev-lo ao seu hotel o Okura, que o mais novo dos ocidentais. H dias um turista americano foi assassinado no Royal Oriental e ns no queremos perd-lo to cedo assim. Depois vamos beber a srio. J jantou?

    Umas seis vezes, pelo que me lembro. No se pode negar que a J. A. L. zela com muito carinho pelo estmago dos seus passageiros.

    Por que escolheu a linha japonesa? Que tal achou a velha pata--choca?

    Segundo me contaram, a ave um grou. Cheio de arrebiques, mas eficiente. Achei conveniente exercitar-me um pouco na arte da ines-crutabilidade antes de mergulhar nisto aqui disse Bond acenando para a confuso super-povoada dos subrbios de Tquio, que iam atravessan-do a uma velocidade que le qualificava de suicida.No me parece a cidade mais atraente do mundo. E por que vamos pela mo esquerda?

    S Deus sabe respondeu Henderson com ar macambzio. Os raios dos amarelos fazem tudo s avessas. Suponho que tenham entendido mal os regulamentos. As luzes das sinaleiras mudam de baixo para cima e no de cima para baixo como no resto do mundo. As torneiras giram para a esquerda. Os trincos das portas, da mesma forma. Pois se at nos prados de corrida os cavalos correm no sentido dos ponteiros de um relgio em lugar de faz-lo na direo contrria, como em qualquer outro pas civilizado! Quanto a Tquio, um lugar medonho. Ou quente de-mais, ou frio demais, ou afogado debaixo de verdadeiros dilvios. E quase todos os dias h um tremor de terra. Mas no se inquiete com isso. No tm efeito maior que o de fazer a gente sentir-se ligeiramente bbedo. Piores do que eles so os tufes. Quando comear a soprar algum, meta-

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    se no bar mais slido que encontrar e tome um porre. O pior de tudo so os primeiros dez anos. A cidade tem as suas boas qualidades para quem a conhece bem. Cara como o diabo quando se vive moda ocidental, mas eu prefiro as vielas e no tenho de que me queixar. muito estimulante, at. Mas preciso aprender a lngua e saber quando se deve fazer mesu-ras, tirar os sapatos e coisas que tais. Voc ter de aprender com exatido as praxes fundamentais, e isso bastante depressa, para poder fazer pro-gressos junto a essa gente com quem veio tratar. Por trs dos colarinhos engomados e das calas listadas, nas reparties do governo, ainda se esconde uma boa dose do velho samurai. Eu fao troa deles por causa disso e eles tomam parte na brincadeira, porque precisam compreender o meu ponto de vista. Mas isso no quer dizer que eu no me curve da cintura para cima quando sei que o que se espera de mim e quando quero obter alguma coisa. Voc se adaptar com facilidade. Hender-son falou em japons com o chofer, que vinha olhando com freqncia o espelho retrovisor. O chofer riu-se e respondeu jovialmente. o que eu pensava: arranjamos um rabo disse Henderson. Tpico do velho Tigre. Eu o informei de que voc ia hospedar-se no Okura, mas le quer certificar-se por si mesmo. No se preocupe. So as manhas do homem. Se descobrir algum dos seus espies na sua cama esta noite, ou uma espi se tiver sorte, fale delicadamente com eles e ver que logo se somem com uma mesura.

    Mas Bond dormira sozinho depois de haver bebido a srio no Bamboo Bar do Okura, e passara o dia seguinte olhando a cidade. Man-dou imprimir uns cartes de visita em que se intitulava Segundo Secret-rio do Departamento Cultural da Embaixada Australiana.

    Eles no ignoram que esse o nome de nossa seo de infor-maes, que eu sou o chefe e que voc meu assistente temporrio. No h nenhum inconveniente, pois, em pr o preto no branco dissera Henderson.

    Nessa noite foram novamente beber a srio no bar favorito do australiano o Melody, numa rua transversal Ginza, onde todo o mun-do o chamava pelo nome de Dikko ou Dikko-san, e onde foram res-peitosamente conduzidos tranqila mesa de canto que parecia ser a sua Stammtisch.

    Henderson meteu, pois, a mo por baixo da mesa e, num movimen-to vigoroso, arrancou os fios das suas conexes, deixando-os pendurados.

    Ainda hei de fazer passar um mau quarto de hora a esse tal Me-lody das dzias por causa disto falou le, com rancor. E pensar nos

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    favores que prestei ao filho duma cadela! Isto aqui era um centro favorito dos vadios da Colnia Inglesa e do Clube da Imprensa. Tinha um bom res-taurante anexo, que no existe mais. Uma vez o cozinheiro italiano pisou no gato e entornou a sopa; e vai da, le pega o gato e atira no forno. A histria se espalhou logo, est claro, e todos os protetores dos animais e outros santarres se agruparam para exigir a cassao da licena de Me-lody. Eu tratei de exercer presso sobre as pessoas influentes e consegui salv-lo, mas a freguesia abandonou o restaurante e le teve de fech--lo. Sou o nico freqentador regular que se manteve fiel casa. E agora o bandido me faz esta! Bem, suponho que neste caso tambm tenham exercido presso sobre le. Seja como fr, este ser o fim da gravao para T. T. A est outro a quem farei passar um mau quarto de hora. le de-via saber a estas horas que eu e meus amigos no tencionamos assassinar o Imperador nem lanar pelos ares a Dieta, nem nada. Dikko circun--vagou um olhar truculento pelo bar, como se estivesse planejando fazer ambas as coisas. Bem, James, vamos ao nosso trabalho. Combinei um encontro entre voc e Tigre amanh de manh s onze. Passo pelo hotel com o carro e o levo at l. Departamento de Usos e Costumes Pan--Asitics. No quero descrev-lo para no estragar as suas impresses. Ora, eu no sei exatamente o que voc veio fazer aqui. Um monto de cabogramas ultra-secretos, vindos de Melbourne. Para serem decifrados por este seu criado em pessoa. Profundamente grato! E o meu embaixa-dor, Jim Saunderson, timo sujeito, diz que no quer saber nada disso. Que seria at prefervel no se encontrar com voc. Est de acordo? No h nada de ofensivo nisso, que le muito prudente e no deseja meter a mo em casa de vespas. E eu tampouco quero tomar conhecimento da sua misso. Dessa forma voc ser o nico em cujo caf botaro o p de bambu. Mas j entendi que tenciona obter de Tigre alguma informao valiosa sem que a C. I. A. saiba de nada. Acertei? Bem, isso no vai ser canja. Tigre um carreirista com mentalidade de carreirista. Se bem que superficialmente seja cem por cento demokurasu, um tipo insidioso muito insidioso mesmo. A ocupao e a influncia dos Estados Unidos aqui parecem formar uma base slida para uma aliana nipo-americana total. Mas um japons sempre japons, a mesma coisa que com to-das as outras grandes naes chineses, russos, alemes, ingleses. O que importa a medula do indivduo, no a cara postia. E todas essas raas tm uma medula tremenda. Em comparao com ela, sorrisos ou carrancas no significam absolutamente nada. E tampouco o tempo tem qualquer significao para eles. Para os grandes, dez anos representam

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    o pestanejar de uma estrela. Est entendendo? Por conseguinte, Tigre e seus superiores, que suponho sejam a Dieta e, em ltima instncia, o Im-perador, consideraro a sua proposta sob dois ngulos principais. uma coisa desejvel no momento atual? Ou um investimento a longo prazo? Algo que possa trazer proveito ao pas dentro de dez ou vinte anos? De modo que eu, no seu lugar, me concentraria nesse ponto. Negociao a longo prazo. Essa gente, sujeitos como Tigre, que um personagem de primeiro plano no Japo, no pensam em funo de dias, meses ou anos. Pensam em funo de sculos. E, refletindo bem, eles esto com a razo.

    Dikko Henderson fz um gesto rasgado com a mo esquerda e Bond chegou concluso de que le estava ficando um pouco alegre. Encontrara um bom companheiro com quem abrir-se. Isso devia ser bas-tante raro em Tquio. Tanto um como o outro j haviam deixado para trs a oitava garrafinha de saque, mas Dikko lanara anteriormente uma base de usque Suntory no Okura, enquanto esperava que Bond passasse um cabograma incuo para Melbourne com o prefixo Informativo, o que queria dizer que le se destinava a Mary Goodnight anunciando a sua chegada sem novidade e dando o seu endereo atual. No era nada mau, porm, que Dikko ficasse um pouco envernizado. Nessa condio havia de falar melhor, com mais liberdade e, em fim de contas, com mais bom--senso. E Bond pretendia sond-lo.

    Mas que espcie de pessoa esse Tanaka? perguntou. seu inimigo ou seu amigo?

    Ambas as coisas. Mais amigo do que inimigo, provavelmente. Pelo menos o que suponho. le me acha divertido. Seus camaradas da C. I. A. no acham. Comigo le se abre. Temos certas coisas em comum. Compartilhamos a inclinao pelos deleites do samsara o vinho e as mulheres. le um grande sulto. Eu tambm tenho minhas ambies nesse setor. J consegui salv-lo de dois casamentos. O mal de Tigre o de querer casar-se com todas elas. J est pagando a trs o imposto de trepada a expresso australiana para significar alimentos. De forma que contraiu um on para comigo. Isso quer dizer uma obrigao, coisa quase to importante, no sistema japons de vida, quanto a cara ou pres-tgio. Quando a gente tem um on, no se sente feliz enquanto no o salda honrosamente, com perdo do mau trocadilho. E se um homem lhe der um salmo de presente, voc no deve retribuir com um camaro. Tem de ser com um salmo do mesmo tamanho maior se possvel, pois assim voc d um passo adiante do homem, le quem tem agora um on para consigo e voc fica em posio de vantagem moral, social e espiritual,

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    sendo esta ltima a mais importante. Ora muito bem. O on de Tigre para comigo muito forte, muito difcil de pagar. Tem pago aos pedacinhos, com vrias informaes confidenciais. Pagou agora uma prestao grande aceitando a sua presena aqui e marcando-lhe uma entrevista logo aps a sua chegada. Se voc fosse um suplicante comum, poderia ter levado semanas. le lhe teria dado uma boa dose de shikiri-naoshi o que sig-nifica faz-lo esperar, receb-lo com frieza. Os lutadores de sumo usam desse recurso no ringue para fazer com que o adversrio parea e se sinta insignificante em face do pblico. Percebeu? De modo que voc comea com esse ponto em seu favor. le deve estar predisposto a satisfazer-lhe os desejos, porque isso saldaria todo o seu on para comigo e, segundo as suas contas, amontoaria carradas de on nas minhas costas para com le. Mas a coisa no to simples assim. Todos os japoneses tm um on per-manente para com os seus superiores, o Imperador, os seus antepassados e os deuses nacionais. Esse, eles s o podem resgatar fazendo o que correto. No nada fcil, dir voc. Pois como se pode saber o que o es-calo superior julga correto? Bem, isso se resolve fazendo o que correto para o grau mais baixo da escala isto , os superiores imediatos. Dessa forma a responsabilidade passa psicologicamente ao Imperador, que tem de acomodar-se com os antepassados e os deuses. Mas le no est se in-quietando com isso, porque encarna todos os escales acima da sua pes-soa e pode, de conscincia tranqila, continuar dissecando peixes, que o seu hobby. Morou? Na realidade no to misterioso como parece. mais ou menos o mesmo sistema que vigora nas grandes empresas, na I. C. I., na Shell ou nos Servios, com a exceo de que, para estes, a escada termina na diretoria ou nos chefes de pessoal. Assim mais fcil. No se faz preciso envolver o Todo-Poderoso ou o seu bisav na deciso de bai-xar um penny no preo do frasco de aspirina.

    Isso no me parece muito demokurasu. Claro que no , seu boboca. Pelo amor de Deus, meta nessa

    cabea que os japoneses so uma espcie parte. H apenas cinqenta, ou no mximo cem anos que esto funcionando como povo civilizado, no sentido aviltado que damos palavra no Ocidente. Raspe um russo e encontrar um trtaro. Raspe um japons e encontrar um samurai, ou o que le julga que deve ser um samurai. Essa histria de samurai em sua maior parte um mito, como as potocas sobre o Velho Oeste que so im-pingidas aos americanos desde criancinhas, ou os seus cavaleiros de res-plandecente armadura na corte do Rei Artur. S porque um indivduo joga basebol e usa chapu-de-cco no quer dizer que seja civilizado entre

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    aspas. Para lhe mostrar que estou ficando um pouco floreado mas no bbedo, olhe l ajuntarei que a ONU vai colher o pai e a me das tem-pestades libertando (entre aspas) os povos coloniais. Dem-lhes mil anos, est certo. Mas em dez... no pode ser. Tudo que esto fazendo tirar-lhes a zarabatana para pr-lhes nas mos uma metralhadora. Espe-re s at que o primeiro se ponha a clamar aos cus pela fisso nuclear. Porque querem ter paridade (entre aspas) com as infames potncias coloniais. Dou-lhe dez anos para ver acontecer isso, meu amigo. E quando acontecer, eu fao um buraco bem fundo no cho e me encafuo nele.

    Bond riu-se. Isto tambm no parece muito demokurasu. Estou fornicando para o seu demokurasu, como diria o amigo

    Hemingway. Eu sou partidrio de um governo de elite. Dikko Hender-son emborcou o nono meio-litro de saque. E de uma valorizao do voto segundo a posio ocupada pelo eleitor nessa elite. E um dcimo de voto para o seu governo se voc no concorda comigo!

    Pelo amor de Deus, Dikko! Como foi que viemos parar na polti-ca? Vamos tratar de comer alguma coisa. Admito que h uma certa dose de bom-senso aborgine no que voc diz. . .

    No me fale de aborgines! Voc entende l de aborgines? Sabe que no meu pas h um movimento em marcha que em marcha nada! a todo o galope para dar o direito de voto aos silvcolas? Seu pommy poofter! Se voc me vier com mais uma dessas besteiras liberais eu lhe corto fora os penduricalhos para fazer uma gravata borboleta!

    Que um poofter? perguntou Bond mansamente. o que vocs chamariam um fresco. No.. . Dikko Henderson

    ps-se em p e dirigiu ao homem postado atrs do balco uma fiada de palavras japonesas, aparentemente lcidas. Antes que eu o condene inapelvelmente, vamos comer enguias... num lugar onde possamos ar-ranjar uma garrafa decente de plonk para acompanh-las. Depois iremos Casa do Deleite Total. E no fim de tudo eu lhe darei o meu veredicto sincero e honesto.

    Que bom traste voc est me saindo, Dikko, seu canguru! dis-se Bond. Mas eu gosto de enguias. Contanto que no sejam em gelia. Eu pago as enguias e o que vier depois. Voc paga o vinho de arroz e o tal de plonk. Mas v com calma. Pelo jeito com que o olha, o maneta, dono do bar, parece estar fazendo a sua louvao.

    Eu venho louvar o Sr. Richard Lovelace Henderson e no sepult--lo.

    Dikko Henderson sacou do bolso uma bolada de notas de mil yens

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    e ps-se a cont-las para o garon. Ao menos por enquanto.Dirigiu-se com cautelosa majestade para o balco e interpelou o

    negro de alta estatura que ali se achava, metido num palet cr de amei-xa.

    Melody, tenha vergonha nessa cara!E, digno e macio, retirou-se do bar frente de seu companheiro.

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    5

    Magia 44

    Dikko Henderson veio buscar Bond na manh seguinte s dez ho-ras. Estava visivelmente deteriorado. Com os duros olhos azuis injetados de sangue, encaminhou-se diretamente para o Bamboo Bar e pediu um brande duplo com ginger ale.

    Voc no devia ter bebido tanto saque em cima do Suntory observou Bond com brandura. Diga o que disser, no me conveno de que o usque japons faa boa mistura com qualquer coisa.

    Voc no deixa de ter seu bocado de razo, companheiro. Arran-jei um belo futsukayoi uma respeitvel ressaca, isto . Sinto na boca um gosto de muleta de urubu. Assim que cheguei em casa de volta da-quele lupanar asqueroso fui ao banheiro abrir as comportas. Mas voc est enganado quanto ao Suntory. uma aguardente preparada com ca-pricho. Fique com o mais barato, o Rtulo Branco, que vale uns quinze xelins a garrafa. Existem dois tipos mais finos, mas o barato o melhor. H tempos atrs visitei a destilaria e conheci um dos membros da famlia. le me contou uma coisa interessante a respeito do usque: que s se pode fabricar usque onde se possa tirar boas fotografias. J tinha ouvido essa? Que isso tinha qualquer coisa que ver com o efeito da luz clara sobre o lcool. Mas terei falado muita besteira ontem? Ou foi voc? Me lembro vagamente de que um de ns dois o fz.

    Limitou-se a me descompor por causa de poltica internacional e a me chamar de poofter. Mas f-lo em tom de amizade. Ningum ofen-deu ningum.

    Chi, meu Deus! Dikko Henderson, com ar contrito, passou a mo por entre o cabelo grisalho. Mas no bati em ningum?

    S naquela rapariga em cujo assento, deu uma palmada to for-

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    te que a atirou ao cho. Ora, isso! exclamou Dikko aliviado. Foi uma pancadinha de

    amor. Afinal, para que serve o pop de uma rapariga? E, se bem me lem-bro, todas elas riram s bandeiras despregadas. Inclusive a prpria. No foi mesmo? E, a propsito, como se foi voc com a sua? Parecia muito entusiasmada.

    E estava. Bom servio. Dikko engoliu o resto do seu drink e ps-se em

    p. Bem, companheiro, vamos l. No convm fazer Tigre esperar. Uma vez fiz isso e le passou uma semana sem falar comigo.

    Era um tpico dia de fins de vero em Tquio quente, mormacen-to e nublado, o ar cheio da poeira que se elevava das interminveis obras de demolio e reconstruo. Rodaram durante meia hora na direo de Yokohama e fizeram alto diante de um fosco edifcio cinzento que se pro-clamava em letras enormes o Instituto de Usos e Costumes Pan-Asiti-cos. Havia um grande movimento de japoneses a entrar e sair aodados pelas portas de uma imponncia postia, mas nenhum deles lanou um olhar a Dikko ou Bond, nem foi perguntado a estes a que vinham quan-do Dikko conduziu seu amigo atravs de um saguo onde se viam livros e postais venda, como se aquilo fosse uma espcie de museu. Dikko encaminhou-se para uma porta com o letreiro Departamento de Coor-denao, que dava para um comprido corredor com salas abertas a um lado e outro. As salas estavam cheias de jovens de ar estudioso, sentados diante de carteiras. Havia ali grandes mapas murais pontilhados de alfi-netes coloridos e infindas estantes carregadas de livros. Uma porta com o letreiro Relaes Internacionais dava para outro corredor, este com as salas fechadas e marcadas com nomes de pessoas em ingls e japons. Dobraram em ngulo reto para a direita e penetraram no Departamento de Apresentao Visual, com mais portas fechadas, seguindo at a Do-cumentao, uma grande biblioteca em forma de trio com mais gente curvada sobre as carteiras. Ali, pela primeira vez, atraram a ateno de um homem sentado uma carteira junto entrada. Esse homem ps-se em p e curvou-se sem dizer palavra.

    aqui que termina a cobertura explicou Dikko em voz bai-xa enquanto os dois prosseguiam seu caminho. At agora, toda essa gente estava de fato investigando os usos e costumes pan-asiticos. Mas estes pertencem ao pessoal externo de Tigre e realizam um trabalho mais ou menos sigiloso. Uma espcie de arquivistas. Este o lugar onde nos teriam, com toda a polidez, feito retroceder se fssemos simples pessoas

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    que se houvessem perdido.Por trs de uma divisria final de estantes que avanava pela sala

    havia uma portinha oculta, com estes dizeres: Extenso Projetada do Departamento de Documentao. Perigo! Em obras. Do outro lado vi-nha um barulho de brocas, uma serra circular cortando madeira e outros rudos de construo. Dikko abriu a porta e entrou numa pea completa-mente vazia, com um piso de tbuas primorosamente polidas. No havia ali nenhum sinal de construo. Dikko riu-se da surpresa de Bond e apon-tou para uma grande caixa metlica fixada face traseira da porta por onde haviam entrado.

    Gravador de fita. Brilhante idia, hem? Ningum desconfia. E isto ajuntou mostrando o pavimento nu da sala o que os japoneses chamam um assoalho-rouxinol. Uma relquia dos velhos tempos, para as pessoas que desejavam ser avisadas da aproximao de intrusos. Serve para a mesma finalidade aqui. Imagine pretender atravessar esta sala sem ser ouvido!

    Comearam a caminhar, e ato contnuo as tbuas artificiosamente empenadas se puseram a emitir guinchos e gemidos estridentes. Numa portinha que fazia face primeira, abriu-se uma espreitadeira e apareceu um olho a observ-los. A porta abriu-se por sua vez, pondo mostra um homem atarracado, com uma roupa europia comum, que estivera sentado diante de uma pequena mesa de pinho a ler um livro. Era um cubculo acanhado que parecia no ter outra sada. O homem curvou-se. Dikko pronunciou algumas frases em que figurava o nome de Tanaka-san. O homem tornou a curvar-se e Dikko voltou-se para Bond.

    Agora fica por sua conta e risco. Avante, meu chapa! Tigre o mandar de volta ao seu hotel. At logo.

    Diga a Mame que morri pelejando respondeu Bond. Entrou no quartinho e a porta cerrou-se atrs dele. Junto mesa de pinho havia uma srie de botes, um dos quais o guarda apertou. Ouviu-se um chiado quase imperceptvel e Bond teve a impresso de descer. O quarto era, pois, um elevador. Que sistema de engenhocas o formidvel Tigre havia erigido para se proteger! Uma autntica coleo de caixinhas chinesas. Que iria encontrar ainda?

    A descida prolongou-se por algum tempo. Quando o elevador pa-rou, o guarda abriu a porta e Bond saiu, estacando logo, cheio de confu-so. Achava-se na plataforma de uma estao de metr! Tudo sem tirar nem pr: as luzes vermelhas e verdes sobre os dois tneis escancarados, os azulejos brancos de costume a recobrir as paredes e o teto abobada-

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    do at uma banca de cigarros vazia, num nicho da parede ao seu lado! Desse nicho surgiu um homem que disse em bom ingls: Faa o favor de me seguir, capito e o conduziu ao longo de uma arcada com a inscri-o: Sada. Mas aqui todo o espao do saguo que deveria levar futu-ramente s escadas rolantes estava ocupado por bonitos escritrios pr--fabricados, esquerda e direita de um amplo corredor central. Bond foi introduzido no primeiro deles, que era ao mesmo tempo sala de espera e escritrio externo. Um secretrio deixou a sua mquina de escrever, curvou-se e entrou por uma porta de comunicao. Tornou a aparecer em seguida, curvou-se mais uma vez.

    Faa o favor de passar, capito.Bond passou e a porta cerrou-se suavemente s suas costas. A

    grande figura musculosa que Dikko lhe havia descrito caminhou para le sobre o vistoso tapete vermelho e estendeu uma mo que Bond achou dura e seca.

    Meu caro capito! Bom dia. Tenho grande prazer em conhec--lo. O vasto sorriso de dentes de ouro era acolhedor. Os olhos rebri-lhavam entre as pestanas pretas, compridas, quase femininas. Venha sentar-se. Que acha dos meus escritrios? Um pouco diferente dos de seu Chefe, sem dvida alguma. Mas o novo metr levar ainda uns dez anos a ficar pronto e h escassez de acomodaes para escritrios em Tquio. Tive a idia de utilizar esta estao desaproveitada. sossegado, isola-do e fresco tambm. Lamentarei muito quando comearem a correr os trens e tivermos de nos mudar daqui.

    Bond aceitou a cadeira que lhe oferecia Tanaka, diante do seu bu-reau vazio.

    uma brilhante idia. E gostei de ver os Usos e Costumes l em cima. Existem realmente no mundo tantas pessoas interessadas em Usos e Costumes?

    Tigre Tanaka deu de ombros. Que importncia tem isso? A literatura fornecida grtis. Nunca

    perguntei ao diretor quem a l. Americanos, suponho, e alemes. Talvez alguns suos. Nunca faltam estudiosos que se interessem por essas coi-sas. uma fantasia dispendiosa, evidentemente. Mas por sorte o dinheiro no sai dos cofres do Ministrio do Interior, a que eu perteno. Ns aqui temos de contar os vintns. Imagino que com o seu oramento acontea a mesma coisa.

    Bond presumiu que esse homem estivesse a par da verba destina-da ao Servio Secreto.

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    Menos de dez milhes de libras anuais no d para muita coisa quando se tem o mundo inteiro a cobrir.

    Os dentes de ouro rebrilharam luz de gs neon. Pelo menos nos ltimos dez anos os senhores tm economizado

    dinheiro suspendendo as suas atividades nesta parte do mundo. Sim, ns deixamos o nosso trabalho nestas bandas a cargo da C.

    I. A. So muito eficientes e prestimosos. Sob a direo de McCone como sob a de Dulles? Velha raposa! Mais ou menos. Atualmente mostram-se ainda mais inclinados a

    considerar o Pacfico como o seu jardim dos fundos. Do qual os senhores desejariam tomar emprestado o cortador

    de grama. Sem que eles o saibam.E o sorriso de Tigre tornou-se ainda mais tigrino.Bond teve de rir-se. O velhaco sabia tirar as suas concluses. Ven-

    do-o rir, Tigre riu-se tambm, mas cautelosamente. Houve um compatriota nosso chamado Capito Cook e outros

    mais que descobriram uma boa parte deste jardim disse Bond. A Aus-trlia e a Nova Zelndia so dois grandes pases. O senhor h de reco-nhecer que o nosso interesse nesta metade do mundo perfeitamente legtimo.

    Meu caro capito, foi uma sorte para os senhores ns termos atacado Pearl Harbor em vez da Austrlia. Pode duvidar de que em tal caso teramos ocupado esse pas e a Nova Zelndia tambm? So vastas e importantes reas terrestres, insuficientemente desenvolvidas. Os se-nhores no poderiam defend-las. Os americanos no o teriam feito. Se nossa poltica tivesse sido diferente, seramos hoje senhores da metade da Comunidade Britnica. Pessoalmente, nunca compreendi a estratgia que inspirou Pearl Harbor. Pretendamos conquistar a Amrica? As linhas de aprovisionamento eram longas demais. A Austrlia e a Nova Zelndia, pelo contrrio, estavam maduras e prontas para ser colhidas. Tigre Ta-naka empurrou para a frente uma grande caixa de cigarros. O senhor fuma? Estes so Shinsei. uma marca aceitvel.

    Os Morland especiais de James Bond estavam se acabando. Dentro em breve teria de passar aos artigos locais. Tinha tambm de concentrar as idias. Aquela conversa lhe dava a impresso de estar envolvido numa conferncia de cpula entre o Reino Unido e o Japo. Era grego para le. Apanhou um cigarro e acendeu-o. O cigarro queimava depressa, com um efeito semelhante a um foguete de combusto lenta. O sabor lembrava vagamente o das misturas americanas, mas era agradvel e pungente ao

  • 50

    paladar e aos pulmes, como lcool de 90 graus. Expeliu a fumaa com um ligeiro sibilo e sorriu.

    Sr. Tanaka, esses assuntos so para os historiadores polticos. Eu me ocupo com coisas muito mais triviais. E com coisas que dizem respeito mais ao futuro do que ao passado.

    Compreendo muito bem, capito. Tigre Tanaka via com evi-dente desagrado que Bond se estava furtando ao seu jogo de generalida-des. Entretanto, ns temos um anexim que diz: Fale do ano que vem e o diabo se ri. O futuro inescrutvel. Mas diga-me quais so as suas impresses do Japo. Tem se divertido?

    Imagino que a gente sempre se diverte com Dikko Henderson. Sim, um homem que vive como se fosse morrer amanh.

    uma maneira acertada de viver. le um de meus bons amigos. Aprecio muito a sua companhia. Temos certos gostos em comum.

    Usos e costumes? perguntou Bond com ironia. Exatamente. le muito seu amigo. No o conheo bem, mas desconfio de

    que viva muito s. uma conjuno infeliz, essa de ser ao mesmo tempo inteligente e solitrio. No seria bom para le casar com uma moa japo-nesa e assentar a vida? O senhor no lhe poderia arranjar alguma?

    Bond via com satisfao a conversa enveredar para os assuntos pessoais. Algo lhe dizia que estava no bom caminho. Pelo menos, melhor do que uma discusso sobre poltica de poder. Mas haveria um desagra-dvel momento em que teria de passar aos negcios. A perspectiva no lhe sorria.

    Tigre Tanaka falou como se tivesse lido os seus pensamentos : J arranjei para que le fizesse conhecimento com muitas moas

    japonesas. O resultado foi sempre negativo ou, na melhor das hipteses, efmero. Mas diga-me, capito: ns no estamos aqui para comentar a vida privada de Mr. Henderson. Em que lhe posso prestar servio? Trata--se do cortador de grama?

    Bond sorriu. Isso mesmo. A marca comercial dos fabricantes do artigo que

    tenho em vista