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Hunters In The Snow Se fôssemos lançar um olhar sobre as pessoas deste mundo, iríamos nos perguntar infalivelmente, assim como Fiódor Dostoiévski uma vez o fez: “como pode viver sob um céu assim toda sorte de gente irritadiça e caprichosa?” No entanto, não é dessa forma que vemos as pessoas sendo retratadas em "Os Caçadores na Neve", tela de Pieter Bruegel, o Velho. Assistimos a uma sociedade camponesa que continua vivendo apesar das intempéries que a natureza, imponente ainda que majestosa, lança sobre eles. A natureza não mente nunca, é sempre franca e aberta – exprime-se de um modo muito diverso – diz que, não importa o que os homens façam, sempre estará se firmando de maneira cíclica, quer lhes agrade ou não. Trata-se de uma obra, portanto, que faz uma declaração universal: expressa a poesia da vida, a busca do homem pelo significado e propósito da sua existência, bem como sua luta por ela frente ao incontestável. Afinal, todo homem é uma incógnita em busca de autoconhecimento. Todo homem que observa o mar, o fogo, as estações, que divaga sobre o porquê de estar vivo e de que, no fim, deve morrer é, de fato, “todo homem”. Às vezes hesitamos antes de tomar certo caminho; ainda sim, são estes os devaneios que parecem mais aprovados pelo invisível. É através desse olhar que devemos explorar os trabalhos de Bruegel, pois eles sempre têm mais a dizer do que a superfície parece sugerir. “No dia 21 de maio de 1527, Charles V estava se preparando para celebrar o nascimento de seu filho, Philip, em Valladolid e em toda a Espanha. Mas os anúncios logo seriam recolhidos: o exército imperial estava saqueando Roma e sitiando o castelo Sant’Angelo, onde Clement VII residia. Soldados luteranos, a tropa fiel de sua majestade, estavam se reunindo nas praças públicas e gritando “Viva Luther Papa!”. Esses diabos estavam incendiando a cidade, pilhando corpos, estuprando as mulheres nas ruas e nos conventos. Matando em nome da diversão. Eles jogaram relíquias dentro do Tiber. Tiraram a figura de Cristo de um dos altares da Saint Peter’s e vestiram-no como um soldado. Usaram crucifixos para treinar tiro ao alvo. Degolaram um padre por se recusar a fazer a comunhão de um macaco. E ainda sim, antes que três anos se passassem, o papa iria coroar Charles, em Bolonha, em meio a pompas e celebrações que foram o marco daquele século. Charles de Luxemburgo era o neto de Maximiliano da Áustria e o bisneto de Charles da Burgúndia. Ele nasceu junto do século, em Ghent. Herdou o trono das terras baixas, ao invés daquelas da Espanha. A família de bancários Fugger financiou sua eleição ao sagrado império romano, ao invés do rei da França. Ele era mais poderoso que Charlemagne, Alexandre ou César. Iria se tornar o defensor do Cristianismo – implantar a fé católica firmemente no recém- conquistado Novo Mundo. Seu mote seria: “o sol nunca se põe no meu império”. Esse era o mote de um rei de Babel.”

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Análise do Quadro Hunters in The Snow de Bruegel.

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Page 1: Hunters In The Snow, Pietr Bruegel

Hunters In The Snow

Se fôssemos lançar um olhar sobre as pessoas deste mundo, iríamos nos perguntar infalivelmente, assim como Fiódor Dostoiévski uma vez o fez: “como pode viver sob um céu assim toda sorte de gente irritadiça e caprichosa?” No entanto, não é dessa forma que vemos as pessoas sendo retratadas em "Os Caçadores na Neve", tela de Pieter Bruegel, o Velho.

Assistimos a uma sociedade camponesa que continua vivendo apesar das intempéries que a natureza, imponente ainda que majestosa, lança sobre eles. A natureza não mente nunca, é sempre franca e aberta – exprime-se de um modo muito diverso – diz que, não importa o que os homens façam, sempre estará se firmando de maneira cíclica, quer lhes agrade ou não.

Trata-se de uma obra, portanto, que faz uma declaração universal: expressa a poesia da vida, a busca do homem pelo significado e propósito da sua existência, bem como sua luta por ela frente ao incontestável. Afinal, todo homem é uma incógnita em busca de autoconhecimento. Todo homem que observa o mar, o fogo, as estações, que divaga sobre o porquê de estar vivo e de que, no fim, deve morrer é, de fato, “todo homem”. Às vezes hesitamos antes de tomar certo caminho; ainda sim, são estes os devaneios que parecem mais aprovados pelo invisível.

É através desse olhar que devemos explorar os trabalhos de Bruegel, pois eles sempre têm mais a dizer do que a superfície parece sugerir.

“No dia 21 de maio de 1527, Charles V estava se preparando para celebrar o nascimento de seu filho, Philip, em Valladolid e em toda a Espanha. Mas os anúncios logo seriam recolhidos: o exército imperial estava saqueando Roma e sitiando o castelo Sant’Angelo, onde Clement VII residia. Soldados luteranos, a tropa fiel de sua majestade, estavam se reunindo nas praças públicas e gritando “Viva Luther Papa!”. Esses diabos estavam incendiando a cidade, pilhando corpos, estuprando as mulheres nas ruas e nos conventos. Matando em nome da diversão. Eles jogaram relíquias dentro do Tiber. Tiraram a figura de Cristo de um dos altares da Saint Peter’s e vestiram-no como um soldado. Usaram crucifixos para treinar tiro ao alvo. Degolaram um padre por se recusar a fazer a comunhão de um macaco. E ainda sim, antes que três anos se passassem, o papa iria coroar Charles, em Bolonha, em meio a pompas e celebrações que foram o marco daquele século.

Charles de Luxemburgo era o neto de Maximiliano da Áustria e o bisneto de Charles da Burgúndia. Ele nasceu junto do século, em Ghent. Herdou o trono das terras baixas, ao invés daquelas da Espanha. A família de bancários Fugger financiou sua eleição ao sagrado império romano, ao invés do rei da França. Ele era mais poderoso que Charlemagne, Alexandre ou César. Iria se tornar o defensor do Cristianismo – implantar a fé católica firmemente no recém-conquistado Novo Mundo. Seu mote seria: “o sol nunca se põe no meu império”. Esse era o mote de um rei de Babel.”

E esse seria o mundo de Pieter Bruegel.

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PIETER BRUEGEL, O VELHO

Pieter Bruegel foi um mestre da gravura e pintor holandês do século XVI, mais conhecido por suas pinturas detalhadas de paisagens e por sua visão cômica e colorida da vida dos camponeses – tema pouco comum para o período. Ele é creditado por ser o primeiro a pintar essas cenas da vida cotidiana – conhecidas como pinturas “Genre” (pronuncia-se Shawn-rah). Percebe-se que Bruegel é diferente dos outros artistas flamengos da época, pois suas obras focam na beleza e apelo pela paisagem, que funciona não apenas como um mero complemento da obra (ou seja, um simples pano de fundo), e sim como um protagonista.

No entanto, Bruegel permanece como uma figura intangível e misteriosa, pois pouco é sabido sobre quem é ele, de onde veio e o que pensava, nos deixando a mercê de deduções a partir de suas obras. Traçar a biografia de Pieter Bruegel é problemático, já que evidências documentadas sobre sua vida cobrem apenas 19 anos dela. De fato, consegue-se acompanhar o histórico de suas pinturas mais facilmente do que reconstruir sua vida. Arquivos nos fornecem apenas vislumbres de momentos distintos – sua entrada para o grupo de pintura, seu casamento, etc.

Nossa maior fonte de informações a respeito de Bruegel é, portanto, o escritor alemão Karel van Mander. Em 1604, van Mander afirmou que Bruegel nasceu em uma cidade próxima a Breda, localizada na até então moderna fronteira entre a Alemanha e a Bélgica. Entretanto, fontes de informação mais recentes acreditam que o local de nascimento do artista foi na própria cidade de Breda. Outra questão de difícil conclusão é a data de nascimento de Bruegel. Pelo fato dele ter sido inserido no grupo de pintores antuérpios em 1551, acredita-se que nasceu entre os anos de 1525 e 1530.

Pode ser visto como um pintor-filósofo, que comenta sobre os pecados e loucuras humanas e sua relação com Deus e o mundo natural. Além disso, suas obras concentram lições de moral muitas vezes escondidas (“vool scoone moralisacien” = cheias de adoráveis moralizações),

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para que elas cheguem apenas ao observador mais astuto – aquele que penetra além da superfície realista de sua arte.

De acordo com van Mander, Bruegel estudou sob a tutela do pintor antuérpio Pieter Coecke van Aelst. Foi aceito para o grêmio dos pintores antuérpios em 1551 – ganhando o título de mestre. Um grêmio funciona como uma espécie de grupo de artistas de uma determinada região, que se reúne e trabalha como um time em sua cidade. Foi durante esse período que Bruegel viajou para a Itália, onde completou inúmeras pinturas, principalmente de paisagens. Dois anos depois, retornou à Antuérpia, onde permaneceu por dez anos – teve nesse tempo uma série de trabalhos de paisagens publicados por Hieronymous Cock.

Em 1563, Pieter se mudou para Bruxelas, onde se casou com a filha de van Aelst, Mayken. Essa fortuita associação com a família Aelst trouxe a Bruegel uma proximidade com as tradições da região de Mechelen, onde temas alegóricos de camponeses eram bastante comuns. Ele retratou tantas cenas de camponeses, que às vezes referiam a ele como o “camponês Bruegel”.

Já perto do final de sua vida, Bruegel retratou personagens cada vez maiores e marcantes, utilizando para isso de provérbios e ditos populares para constituir figuras altamente sofisticadas que retratavam as condições do homem da época. Suas pinturas mais famosas, da série dos “Meses”, foram realizadas em 1565; apenas cinco restam hoje. Nela, Bruegel deu enfoque à importância da natureza, tratando o homem não como um dominante da mesma, e sim como parte dela. O homem é controlado pelas estações do ano. As pinturas são únicas – demonstram como o exterior pode conter uma atmosfera opressiva e, ao mesmo tempo, bela e sublime.

Pieter Bruegel morreu em Bruxelas, no dia 9 de Setembro de 1569. Era pai de dois meninos – ambos se tornaram pintores, no entanto, como eram muito pequenos quando o pai morreu, acredita-se que não receberam instruções de Bruegel no assunto. Diz-se que a professora de seus filhos foi sua sogra, que também era pintora.

Historicamente, Bruegel está entre os maiores de seu tempo, e colocá-lo ao lado de Jan van Eyck e Rembrandt é enfatizar a essência da pintura holandesa.

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Winter Landscape

John Berryman

The three men coming down the winter hillIn brown, with tall poles and a pack of houndsAt heel, through the arrangement of the trees,

Past the five figures at the burning straw,Returning cold and silent to their town,

Returning to the drifted snow, the rinkLively with children, to the older men,

The long companions they can never reach,The blue light, men with ladders, by the church

The sledge and shadow in the twilit street,

Are not aware that in the sandy timeTo come, the evil waste of history

Outstretched, they will be seen upon the browOf that same hill: when all their company

Will have been irrecoverably lost,

These men, this particular three in brownWitnessed by birds will keep the scene and say

By their configuration with the trees,The small bridge, the red houses and the fire,What place, what time, what morning occasion

Sent them into the wood, a pack of houndsAt heel and the tall poles upon their shoulders,

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Thence to return as now we see them andAnkle-deep in snow down the winter hill

Descend, while three birds watch and the fourth flies.

OS CAÇADORES NA NEVE, 1565

Inicialmente, pintores europeus não retratavam cenários naturais e a implicação que o clima trazia nas sociedades em seus trabalhos. Nos tempos medievais, o maior propósito da arte era glorificar Deus. De acordo com os ensinamentos cristãos, o foco era o mundo espiritual, e coisas mundanas costumavam ser rejeitadas. Não obstante, as sensações físicas que o mundo proporcionava eram desvalorizadas. Resumidamente, os efeitos combinados desses fatores resultaram em uma arte medieval que focava no significado simbólico do sujeito e de sua maneira tradicional de ser representado, em contraposição a uma representação mais realista – de como os sujeitos realmente eram.

Mesmo quando os artistas começaram a representar a terra em seus trabalhos mais realistas, o tratamento que davam ao mundo natural ainda era extremamente rudimentar. A natureza “dócil” era vista apenas como complemento para o desenvolvimento humano; já a natureza “selvagem” ainda era considerada como um desperdício, obstrutiva e improdutiva – ou seja, de pouco interesse.

Percebe-se isso principalmente em relação a cenários de inverno. Como os pintores não retratavam a natureza dita “selvagem”, os cenários de inverno eram ainda mais esquecidos. Devemos lembrar que a pintura no geral era significativamente condicionada pela arte Italiana que, por conta do clima do país, não costumava representar as duras e invernais condições climáticas. Ademais, nas sociedades agrárias pouco trabalho externo era realizado, além das caçadas necessárias para sobrevivência. As pessoas dessa sociedade permaneciam no interior de suas casas, abrigando-se do frio. O exterior simplesmente não era um lugar digno de permanência prolongada e admiração, muito menos de representação.

Não era desse ponto de vista que Peter Bruegel via a natureza. Bruegel pretendia contar histórias com suas pinturas (Pintura em Narrativa) de modo a fazer um retrato de como a natureza atingia o homem camponês, uma vez que essa era a classe mais atingidas pelas intempéries que o clima trazia consigo. Interpretações recentes sugerem que para Bruegel, essa relação entre homem e natureza é governada por princípios de ordem e harmonia. Partindo dessa observação, a pintura em narrativa buscava retratar várias coisas acontecendo na tela ao mesmo tempo pois isso é o que acontece na vida real, trazendo maior naturalidade para suas pinturas.

Ao se assentar em Bruxelas, Pieter Brugel pinta uma de suas séries mais famosas "Estações" ou "Meses", da qual apenas cinco sobreviveram até hoje – acredita-se que originalmente se tratava de uma série de seis pinturas, cada uma representando dois meses do ano. Especulações a respeito do conjunto supõem que a tela perdida seria a representante dos meses de abril e maio. A série fora encomendada por seu patrono e amigo, Niclaes Jonghelinck, um rico comerciante e negociador de peças de arte flamengo. Niclaes reuniu em vida 16 peças produzidas por Bruegel, expondo-as em sua mansão.

A série cria um retrato do clima e suas consequências na sociedade camponesa do século 16. A paisagem é pensada a fim de transformá-la em um objeto de reflexão da ordem racional que sublinha a beleza e a mudança cíclica do cenário natural.

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The Hay Harvest (A Colheita de Feno), 1565. Representante dos meses de junho e julho. Lembrando que tal período abrange, no hemisfério norte, o verão.

The Return of the Herd (O Retorno do Rebanho), 1565. Representante dos meses de outubro e novembro – corresponde ao outono europeu.

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The Wheat Harvest (A Colheita de Trigo), 1565. Representante dos meses de agosto e setembro – corresponde, em parte, ao verão.

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Gloomy Day (Dia Sombrio), 1565. Representa os meses de fevereiro e março – parte inverno, parte primavera.

Hunters in the Snow (Os Caçadores na Neve), 1565. Representa os meses de dezembro e fevereiro – inverno.

Resumidamente, percebe-se, nas pinturas remanescentes do ciclo, a maneira como Bruegel representava os tipos específicos de luz e qualidade atmosférica pertencentes a determinados meses do ano, não se atendo apenas às qualidades óbvias do clima. Há de se considerar também o fato de tais paisagens não existirem geograficamente – são todas criações da mente de Bruegel, que acumulava em suas viagens lembranças de paisagens europeias. Novamente, é notável como o pintor transformava a paisagem em um agente ativo na tela – o horizonte, sempre distante, convida o observador a divagar sobre o que há além dele e que tipos de dificuldades as sociedades mais vulneráveis estão enfrentando.

Há de se considerar individualmente então, a obra "Os Caçadores na Neve", assunto deste trabalho, pois se trata da obra mais valorizada da série Os Meses, ou As Estações. Concebida sob a técnica de pintura a óleo, com dimensões de 117 x 162 cm, se encontra hoje no museu Kunsthistorisches, em Viena, na Áustria.

A primeira vista, trata-se de uma pintura que chama muita atenção por suas cores – o branco do gelo e da neve, com o céu esverdeado, postos em contraste com as figuras dos caçadores, cães, camponeses, crianças, árvores, pássaros e as construções que receberam cores mais escuras.

É uma composição que evoca as condições severas de sobrevivência que o clima invernal impunha.

Mais detalhadamente, vê-se na tela a figura de três caçadores que acabam de retornar a vila após a tentativa de obter alguma presa para servir de alimento. Nota-se, porém, que eles não foram muito bem sucedidos, já que nas costas de um dos caçadores há apenas um pequeno animal – um coelho ou uma raposa. Fica claro também essa notável falta de sucesso

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através de suas posturas: cabeças baixas, com as costas arqueadas – claramente o cansaço de pessoas que não obtém êxito por mais de uma vez consecutiva.

Brueguel posiciona o observador próximo a essas figuras, proporcionando o que seria uma vista da vila semelhante à que eles estão tendo.

Seguindo a figura dos caçadores estão os cães, todos diferentes uns dos outros, com postura de exaustão também – não somente pela excursão que fora feita, mas também pelas condições: muita neve recém-caída que afunda seus passos e torna mais difícil a caminhada de volta à vila.

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Na extremidade esquerda da tela se encontram camponeses realizando suas tarefas diárias ao redor do fogo, enquanto uma criança assiste. O fogo parece positivamente estar começando a sair de controle. A diferença entre esse grupo e os caçadores, é que os segundos parecem ter consciência de que existe um objetivo superior na vida, em busca de uma jornada com um propósito maior – tanto que eles parecem nem notar a presença dos camponeses trabalhando.

Atrás da figura dos camponeses há uma pousada, pode-se ver que possui uma placa com as inscrições "Under the Stag" ("Sob o Veado"), e ilustrado com a imagem de Santo Eustácio. Ela está ameaçando cair a qualquer soprada mais forte de vento em sua direção.

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Os pássaros também aparecem em primeiro plano na pintura junto das árvores. Enquanto alguns permanecem em repouso em cima das árvores retorcidas pelo clima invernal, a última delas voa em direção, ao que parece, o penhasco.

Até o momento, analisando esses cinco elementos da pintura, pode-se perceber que o dia tem sido decepcionante para todos – tudo parece provisório e precário. Isso faz com que a emoção principal que emana da tela talvez seja de uma dimensão espiritual.

"Esses homens, particularmente esses três de marrom / Testemunhados por pássaros continuarão a cena e dirão / Por sua configuração dentre as árvores / (...) / Que lugar, que tempo, que ocasião da manhã / Os levaram à floresta / Uma matilha de cães / No calcanhar e as extensas hastes sobre seus ombros / Vieram a retornar assim como os vemos e / Com neve até os tornozelos descendo a colina de inverno / Descendo, enquanto três pássaros assistem e o quarto, voa".

O excerto é do escritor americano John Berryman, que buscou expor em palavras aquilo que a tela de Bruegel diz em imagem. Tanto na tela, quanto no trecho, há um retrato daquilo que ficou conhecido na Europa como a Little Ice Age, ou Pequena Era do Gelo, um período onde as temperaturas invernais caíram demasiadamente em contraste com as

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temperaturas amenas dos meses de verão. Segundo a NASA, os piores períodos foram aqueles entre 1550 e 1850, e nota três intervalos que foram particularmente mais gelados: um começando em 1650, outro em 1770 e o último em 1850 – cada um separado por um aquecimento superior dos meses de verão.

O ano de 1565 viu o inverno mais gelado que alguém consiga lembrar. O mundo se tornou branco, os pássaros congelaram, as frutas nas árvores morreram, os velhos e os jovens faleceram. Havia sido um choque. Era mais do que um inverno gelado. O clima estava mudando perceptivelmente, e são essas cenas da neve que o trabalho de Bruegel assustadoramente retrata.

Bruegel, em suas obras, faz com que exista muito a questão do zoom in e zoom out (perto e longe), ou seja, há elementos em primeiro plano, mas ainda uma ocasião inteira e emocionante acontecendo ao fundo. A arte quer ver o que está distante, perto. Então, continuando a análise de "Os Caçadores na Neve", vemos que há ainda uma série de elementos provocantes e discursivos por si só no horizonte do cenário – a figura imediata se mistura completamente com o misterioso, enevoado e intenso plano de fundo.

Os campos e lagos estão congelados. Sobre eles surgem silhuetas de patinadores no gelo – alguns participam de um jogo de hockey, outros de curling. As crianças parecem se divertir, alguns dançam, outros são arrastados divertidamente de trenó em cima do gelo – alguns camponeses apenas assistem a cena, como nós. Parece que outro mundo com outras preocupações está acontecendo logo abaixo da colina em que os três caçadores exaustos e seus cães desapontados acabam de retornar da fracassada tentativa de caça.

Há muita vitalidade em “Os Caçadores na Neve” – é uma testemunha do espírito humano. Parece ser um tema comum de Bruegel em suas pinturas: a vida pode ser desagradável, brutal e curta, e a natureza cruel e indiferente às necessidades do homem, mas a busca do ser humano por significado e propósito através da luta diária da existência é uma jornada sem fim.

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Na porção direita do quadro vemos mais camponeses exercendo suas atividades diárias. O moinho de água está congelado. Essas figuras transmitem uma sensação de desapego pessoal, nos permite contemplar a beleza, harmonia, bondade e a ordem em cenários de aparente caos e destruição. O plano do pintor parece sugerir que as atividades humanas se adaptam ao ambiente de maneira majestosa, porém indiferente, onde fazemos apenas uma pequena parte em contraste com o auge do inverno, onde a vida é, senão, majoritariamente estática.

Ainda mais no horizonte distante temos um panorama do que seria a cidade, ou vila que comporta esse povo.

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Parece um cenário tipicamente europeu: os Alpes, os lagos congelados, as casas com seus telhados pontudos acumulando neve, as árvores nuas. Bruegel com toda certeza acolheu suas lembranças de viagem pelos Alpes entre a Holanda e a Itália em 1552 e reproduziu nessa obra, permitindo que o cenário, por mais que não seja real, ao menos se pareça muito com o que há no continente.

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As imagens acima são da cidade de Engelberg, na Suiça e dos Alpes italianos. Percebe-se que a arquitetura, a disposição das casas, os lagos, são todos elementos muito semelhantes ao que encontramos na pintura “Os Caçadores na Neve”.

Trata-se de uma figura que é atemporal. Poderia acontecer, com apenas breves variações, em diversos séculos. É por esse motivo que os observadores da obra quase têm a sensação de estarem lá, sentados em um banco coberto de neve com o artista. Isso é sublinhado pela enorme quantidade de detalhes – são vinhetas da vida cotidiana. Talvez seja por esse motivo que a obra de Bruegel seja tão comercializada todos os anos como cartões de natal.

Uma observação mais geral da obra, contemplando todos os elementos nos faz percebe que existem duas diagonais no quadro. Uma delas parte dos caçadores, na esquerda baixa, até a direita alta, distante, nas colinas com neve. Esse movimento diagonal é enfatizado pelas árvores que diminuem em perspectiva. Outra diagonal que atravessa a primeira parte da baixa direita até a alta esquerda. Isso demarca a linha que divide o cotidiano daquilo que seria a visionária distância (dos Alpes).

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A composição, apesar de possuir duas diagonais que se cruzam, possui planos horizontais também que dominam o plano de fundo. Esses são marcados pelas linhas do canal congelado, dando à paisagem certa placidez e tornando pouco perceptível algumas discrepâncias de perspectiva, como o tamanho de alguns dos aldeões.

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CONCLUSÃO

“Os Caçadores na Neve” é uma pintura que nos oferece um vislumbre da luz e da sombra da existência humana. Os camponeses de Bruegel avançam sobre invernos amargos, ganhando pouca ou nenhuma recompensa. Mas nós vemos que ainda existe algo a se considerar majestoso na tela, que são os ciclos da natureza – sempre pontual e imponente. Os caçadores cansados olham uma cena cheia de alegria e brincadeiras, apesar de não participarem dela. A alegria é efêmera, ou talvez, como as crianças no gelo, ela está logo ali, ainda que fora do alcance. Podemos persegui-la, mas não há garantias de que iremos conseguir obtê-la, e mesmo se conseguíssemos, é provável que ela evapore assim como a neve no final de um longo inverno.

Vê-se que Pieter Bruegel é um verdadeiro colecionador de sentimentos. Todas suas obras ofertam retratos elevados dos mais variados tipos da sociedade de seu tempo. Através delas podemos vislumbrar o que teria sido sobreviver em cenários da natureza hostil, porém civilizada e habitada por pessoas com sentimentos tempestuosos e ambições. Mais que isso, ele também era um colecionador de paisagens, nos brindando com lembranças de suas viagens através da Europa. Bruegel indubitavelmente soube deixar um legado que se estende com efeito até hoje.

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