humanidades & tecnologia em revista 2009
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HUMANIDADES & TECNOLOGIA EM REVISTA
FACULDADE DO NOROESTE DE MINAS-FINOM-PARACATU-MG
Ano III , vol. 3- Jan/Dez 2009
HUMANIDADES & TECNOLOGIA
EM REVISTA
Revista Acadêmica Multidisciplinar da Faculdade do
Noroeste de Minas - FINOM
ISSN: 1809 1628
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Estrutura Organizacional
Mantenedora
Centro Brasileiro de Educação e Cultura - CENBEC
Virgílio Eustáquio da Silva - Presidente
Instituição de Ensino
Faculdade do Noroeste de Minas - FINOM
Diretorias
Diretor Geral: Prof. Dsc. William José Ferreira
Diretor Acadêmico: Prof. Msc. Rilson Raimundo Pereira
Diretora Administrativa: Psic. Cleudes Sara de Oliveira
Diretora Financeira: Adm. Ananere da Silva Cruz Resende
Assessoria
Coordenadora de Comunicação Social: Nágela Caldas
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Os artigos publicados nesta revista são de
inteira responsabilidade de seus autores.
HUMANIDADES & TECNOLOGIA EM REVISTA –
ISSN: 1809 1628
Revista Acadêmica Multidisciplinar da Faculdade do Noroeste
de Minas - FINOM
EDITORA RESPONSÁVEL
Profa. Ms. Maria Célia da Silva Gonçalves
CONSELHO EDITORIAL:
Profa. Ms. Claudia Kuiawinski
Profa. Ms. Jeane Medeiros Silva
Profa. Ms. Francine Borges da Silva
Profa. Ms. Giselda Shirley da Silva
Prof. Ds. William José Ferreira
Prof. Ms. Rilson Raimundo Pereira
REVISÃO FINAL:
Anthonius Carneiro Paixão
Magda Maria Pereira
Correspondências e artigos para a publicação deverão ser encaminhados a
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Rodovia MG 188- km 167- Bairro Fazendinha- Paracatu/MG- CEP 38600-000
Caixa postal 201- Telefax (38) 33112000- e-mail: [email protected]
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CONSULTORES AD DOC
Alexandre Guida Navarro- UFMA
Augusto Rodrigues da Silva Junior -UnB
João Gabriel Lima Cruz Teixeira- UnB
Maisa Sales Gama Tobias – UNAMA/UFPA
Vanessa Maria Brasil – UnB
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FICHA CATALOGRÁFICA
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da
FINOM
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Revista Acadêmica Multidisciplinar da Faculdade Noroeste de Minas - FINOM,
vol 3. n.3/2009.
235p.
Anual
1.Ciências humanas 2.Tecnologias
ISSN:1809 1628
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SUMÁRIO
EDITORIAL ............................................................................................................................. 8
CADERNO DE HUMANIDADES ........................................................................................ 12
AS IMPLICAÇÕES DA TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO DO SÉCULO XXI .................. 13 Dalila Márcia Rezende Silva .................................................................................................. 13
O ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO NOS CURSOS DE FORMAÇÃO EM
EAD DA FACULDADE DO NOROESTE DE MINAS – FINOM:UMA PROPOSTA EM
CONSTRUÇÃO ....................................................................................................................... 31
Darcília Tiahuâna Coimbra Carvalho .................................................................................. 31 Rilson Raiumundo Pereira .................................................................................................... 31
MUITO PRAZER, EAD .......................................................................................................... 47
Jacirema Pompeu Martins ..................................................................................................... 47
SOCIEDADE EM REDES: DO PRINCÍPIO DA GLOBALIZAÇÃO À EDUCAÇÃO A
DISTÂNCIA ............................................................................................................................. 59
Thaís Pereira ........................................................................................................................... 59 Maxuel dos Santos Silva ......................................................................................................... 59
INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO: INVESTIGANDO A EXPERIÊNCIA DO COLÉGIO
CENECISTA JOÃO PINHEIRO ............................................................................................. 70
Vastí Mendes da Silva Rocha ................................................................................................ 70
A CENSURA VESTE FARDA: A MEMÓRIA DA IMPRENSA ESCRITA DE MONTES
CLAROS/MG SOBRE A CENSURA DURANTE O REGIME MILITAR 1964-1968 ......... 83
Camila Gonçalves Silva .......................................................................................................... 83
CIDADANIA E WELFARE STATE NO BRASIL: CONCEITOS E ANÁLISES
PRELIMINARES ..................................................................................................................... 96 Camila Gonçalves Silva .......................................................................................................... 96
Vítor Fonseca Figueiredo ....................................................................................................... 96
MEMÓRIAS E HISTÓRIAS: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS SABERES E
PRÁTICAS DAS PARTEIRAS TRADICIONAIS DE ARUANA DE MINAS (MG) ......... 111
Eliene Ribeiro dos Santos .................................................................................................... 111 Lúcia Rocha da Silva ............................................................................................................ 111 Maria Célia da Silva Gonçalves .......................................................................................... 111
JOÃO PINHEIRO EM PERSPECTIVA HISTÓRICA ......................................................... 138 Giselda Shirley da Silva ....................................................................................................... 138
DA ELOQUÊNCIA CONDOREIRA À LUTA ABOLICIONISTA NA POESIA DE
CASTRO ALVES .................................................................................................................. 163 Magda Maria Pereira ........................................................................................................... 163
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REFLEXÕES DOS DIRECIONAMENTOS POLÍTICOS DA QUESTÃO AGRÁRIA
BRASILEIRA ......................................................................................................................... 178
Eduardo Rozetti de Carvalho .............................................................................................. 178
A CRISE AMBIENTAL CONTEMPORÂNEA E A CRISE DE CONSENSO ................... 194 Nágila Valinhas de Castro e Souza ..................................................................................... 194 Ivani Bueno Oliveira ............................................................................................................ 194
CADERNO DE TECNOLOGIA ......................................................................................... 204
AUTENTICAÇÃO POR IMPRESSÃO DIGITAL ............................................................... 205 Liniker de Almeida Fortunato ............................................................................................ 205
Alexandre Fieno da Silva ..................................................................................................... 205
ESTUDO DO PROCESSO DE CLARIFICAÇÃO DE ÁGUAS NATURAIS UTILIZANDO
SEMENTES DE Moringa oleifera ......................................................................................... 212 Luana Loren Corrêa Oliveira, ............................................................................................ 212 Gilmar Gonçalves Ferreira .................................................................................................. 212
CADERNO DE RESENHAS ............................................................................................... 223
A CIDADE COLONIAL: UM CLÁSSICO DA HISTORIOGRAFIA SOCIOLÓGICA
BRASILEIRA ......................................................................................................................... 224
Maria Célia da Silva Gonçalves .......................................................................................... 224
A ESPETACULARIDADE ENTRA EM CENA: PERFORMANCE DAS PROSTITUTAS
DE RIACHÃO DO JACUÍPE DURANTE A LOUVAÇÃO AO GLORIOSO SÃO ROQUE
Vandeir José da Silva ........................................................................................................... 231
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO ...................................................................................... 235
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EDITORIAL
Apresentamos o 3º número da revista HUMANIDADES E TECNOLOGIA, que está
composta por 14 artigos e 02 resenhas que reafirmam a nossa constante motivação em
difundir trabalhos de pesquisa e reflexões pautados pela multidimensionalidade e pela
interdisciplinaridade. Por ser a Faculdade FINOM uma instituição que trabalha com cursos
das áreas de ciências humanas e das tecnologias, optou-se por organizar a revista em três
momentos: um Caderno de Humanidades, um Caderno de Tecnologia e um de Resenhas.
O primeiro caderno, que abre este número, é o de Humanidades e está constituído de
artigos que abordam áreas epistemológicas diversas, como Ciências da Educação, História,
Geografia e Direito, compondo, portanto, seções das áreas citadas. Com mais detalhes,
vejamos como se constitui esse caderno.
A primeira seção foi elaborada a partir de artigos oriundos das Ciências da Educação,
discutindo a formação de professores e os percursos da EAD no Brasil. Iniciamos o volume
com um sugestivo artigo da Professora Dalila Márcia Rezende Silva discutindo o impacto do
uso da tecnologia na educação no século XXI; a autora analisa a historicidade dessa
tecnologia e em que medida atua no campo da educação. Procura situar a implementação da
Educação a Distância – EAD – na legislação brasileira e verificar a contribuição dessa
modalidade de ensino na democratização da educação, conceituando-a como um processo de
ensino-aprendizagem, mediado por tecnologias, no qual educadores e alunos se encontram em
diferentes locais e tempos.
Os Professores Darcília Tiahuâna Coimbra Carvalho e Rilson Raimundo Pereira
apresentaram elementos para uma discussão sobre a importância do Estágio Curricular
vinculado à pesquisa sobre os-que-fazeres do cotidiano da prática pedagógica desenvolvida
em ambiente escolar pelos estagiários dos cursos de formação de professores nas modalidades
presencial e a distância, propondo uma reflexão sobre a necessidade e possibilidades de
desenvolver trabalhos que articulem pesquisa, estágio e cotidiano escolar, oportunizando uma
reflexão crítica do papel do professor como um ser que busca a transformação do mundo.
A geógrafa Jacirema Pompeu Martins procurou evidenciar que o uso das novas
tecnologias, em especial para a Educação a Distância no Brasil, tem crescido muito na última
década. Demonstrou que ainda há resistências quanto à aplicação das novas tecnologias de
comunicação na educação do país, encabeçada por uma parcela da academia, de educadores
brasileiros e da elite, sob a alegação da perda da qualidade e do controle do processo
educacional.
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A Professora Vastí Mendes da Silva Rocha, a partir de uma pesquisa de campo no
Colégio Cenecista de João Pinheiro (MG), chegou à conclusão que a Informática Educativa
promove uma mudança na educação, amplia e ajuda o professor na tarefa de transmissão de
conhecimentos e torna-se tão importante quanto aprender a ler e escrever, sendo básico para o
aluno o uso do computador na sala de aula.
Thaís Pereira e Maxuel dos Santos Silva estabeleceram como objetivo principal de
seu trabalho mostrar aos educadores e profissionais que trabalham com as tecnologias que sua
utilização deverá ser acompanhada por ferramenta de apoio no processo de ensino e
aprendizagem na Educação a Distância.
A segunda seção do Caderno de Humanidades é composta por artigo de História e
está estruturada da seguinte forma:
Camila Gonçalves Silva objetivou compreender a memória dos jornalistas que
atuaram na imprensa escrita de Montes Claros/MG, nos jornais Diário de Montes Claros e
Jornal de Montes Claros durante os anos de 1964-1968. O seu recorte temporal procurou
abarcar o período de maior repressão à imprensa escrita em âmbito nacional, ou seja, os
pioneiros anos do Governo Militar brasileiro, que perdurou até 1985. Nesse sentido, a autora
analisou o conceito de censura e as suas variantes: censura, autocensura, censura prévia e
censor.
Um balanço acerca dos debates conceituais relacionados ao termo cidadania e welfare
state no Brasil foi o trabalho realizado pelos historiadores Camila Gonçalves Silva e Vítor
Fonseca Figueiredo.
A partir de utilização da metodologia da História Oral, as pesquisadoras Eliene
Ribeiro dos Santos, Lúcia Rocha da Silva e Maria Célia da Silva Gonçalves discutiram as
vivências cotidianas das parteiras que atuaram na cidade de Uruana de Minas (MG) entre os
anos de 1960 e 1990, evidenciando a importância do ofício da parteira. Elas também
buscaram trazer à tona os valores, representações, orações, crenças, benzimentos, práticas e
saberes, demonstrando que essas personagens históricas tiveram grande relevância na vida da
população uruanense em uma época que a mesma não dispunha de nenhum atendimento
médico na referida cidade.
A historiadora Giselda Shirley da Silva buscou entender a história local e regional
como fator de grande relevância na construção da identidade. Para tanto, elegeu como plano
de observação de sua pesquisa a cidade de João Pinheiro (MG), balizada entre os anos 1873 a
década de 30 do século XX. Sua pesquisa contem reflexões que permitem perceber a trajetória
histórica, saberes e fazeres locais, práticas sociais, cotidiano, bem como as diferentes forças e
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contribuições que surgiram na constituição do delicado tecido social e histórico do município.
Magda Maria Pereira objetivou demonstrar que a história cultural está atenta aos
significados sociais e que não há mais separação entre a história e a literatura e que esta é
compreendida como construção de sujeitos sociais. Na perspectiva da historiadora, grande
parte dos poemas de Castro Alves apresenta ideias de reforma social, preocupando com o
papel do ser humano, negro e escravo, enfocando o abolicionismo, integrando a história e a
literatura, engendrando na poesia seu compromisso de interferir politicamente no processo
social.
A terceira seção do Caderno de Humanidades é uma contribuição da Geografia e foi
escrita pelo Professor Eduardo Rozetti de Carvalho. Nela, o pesquisador apresenta o
desenvolvimento da questão agrária brasileira com base em fontes bibliográficas e
documentais. Ainda reflete sobre a formação e o desenvolvimento da propriedade privada da
terra e sobre o processo de territorialização do capital no campo no Brasil.
É da ciência do Direito a quarta e última seção do Caderno de Humanidades que
objetivou investigar a crise ambiental contemporânea e a crise de consenso. Nesse trabalho, as
pesquisadoras Nágila Valinhas de Castro e Souza e Ivani Bueno Oliveira analisaram as
ações humanas, evidenciando que elas sempre foram guiadas pelas crenças ou cultura e,
portanto, tornaram-se determinantes na conservação ou destruição da natureza.
O Caderno de Tecnologia está assim estruturado:
Liniker de Almeida Fortunato e Alexandre Fieno da Silva assinam um artigo
intitulado ―Autenticação por impressão digital‖, no qual investigaram a necessidade de
autenticação, associando-a à possibilidade de acesso restrito a um determinado bem ou
serviço. A necessidade de segurança é a motivação para encontrar uma forma rápida,
confiável e pouco intrusiva de se realizar este processo. Os autores se propuseram a coletar
informações a respeito deste tema e desenvolver um modelo de um sistema de autenticação
com impressão digital.
Luana Loren Corrêa Oliveira e Gilmar Gonçalves Ferreira apresentam os
resultados de um estudo da clarificação das amostras de águas naturais que foi realizado
usando-se extratos preparados com sementes de Moringa oleifera de maneiras diferentes. Os
testes mostraram uma relação direta entre essas variáveis e a melhoria do processo de
clarificação da água.
Finalmente, o Caderno de Resenhas está composto por duas resenhas, sendo que a
primeira foi elaborada pela Professora Maria Célia da Silva Gonçalves, intitulada ―A cidade
colonial: um clássico da historiografia sociológica brasileira‖ e versa sobre o livro A Cidade
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Colonial (Brasília: EBRASA, 1971); a segunda é uma resenha do Professor Vandeir José da
Silva sobre o livro A louvação das prostitutas de Riachão do Jacuípe ao glorioso São Roque
(Salvador: Secretaria de Cultura e Turismo, FUNCEB, 2006).
Acreditamos que a universidade é o fórum de debates por excelência. Como
instituição de ensino, pesquisa e extensão, a universidade deve estar aberta à reflexão e ao
debate de todas as questões que envolvem o conhecimento humano. As editoras universitárias
exercem papel importante na edição e divulgação de trabalhos acadêmicos, muitas vezes de
pouco interesse para editoras comerciais. As universidades e suas editoras promovem a
publicação de revistas e trabalhos científicos, constituindo um serviço importante na
promoção do desenvolvimento cultural/social de nossas comunidades.
Enfim, o presente volume da REVISTA HUMANIDADES E TECNOLOGIA muito
honra sua tradição, revelando uma instituição que mantém constante atualização, seja do
ponto de vista dos padrões das pesquisas mais atuais, seja do ponto de vista de sua missão
técnica, educacional e científica.
Desejamos a todos (as) uma boa leitura e, mais uma vez, esperamos a colaboração de
nossos leitores como multiplicadores e disseminadores desta proposta editorial.
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CADERNO DE HUMANIDADES
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AS IMPLICAÇÕES DA TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO DO SÉCULO XXI
Dalila Márcia Rezende Silva*
Resumo: Este artigo discute o impacto do uso da tecnologia na educação no século XXI e
analisa a historicidade dessa tecnologia e em que medida atua no campo da educação. Procura
situar a implementação da Educação a Distância – EAD – na legislação brasileira e verificar a
contribuição dessa modalidade de ensino na democratização da educação, conceituando-a
como um processo de ensino-aprendizagem, mediado por tecnologias, no qual educadores e
alunos se encontram em diferentes locais e tempos. Está fundamentado em uma pesquisa
qualitativa por se tratar de uma investigação bibliográfica, isto é, textos que versem sobre o
tema, sendo que os exemplos citados serão apenas referenciais, não constituindo dados
quantitativos. Portanto a metodologia usada é a do levantamento e estudo da bibliografia de
autores que abordaram o assunto, uma vez que a pesquisa se limitou a um curto espaço de
tempo.
Palavras-chave: Educação, Tecnologia, Mídia, Educação a Distância.
Abstract: This article discusses the impact of the use of technology on education in the 21st
century and analyzes the historicity of such technology as well as in which extent it is applied
in the field of education. It seeks to situate the implementation of LDE - Long-Distance
Education in Brazilian Law and to verify the contribution of this genre of teaching in the
democratization of education, concepting it as a learning-teaching process, mediated by
technologies, in which teachers and students are in different places and time. This article is
based on a quality research considering it is a bibliographic investigation, which means texts
that examine this theme, in which the examples are shown only as references, not constituting
quantitative data. Therefore, the methodology used is the survey and studying of authors‘
bibliography that have approached the subject, as the research has been limited by a short
space of time.
Keywords: Education, Technology, Media, Long-Distance Education.
1. Introdução
As transformações tecnológicas tornaram possível o surgimento da era da
informação. Novas concepções e paradigmas foram sendo introduzidos trazendo, ao mesmo
tempo, perplexidade diante do novo e expectativas frente à riqueza de possibilidades. É um
momento de reflexão e cautela em todos os segmentos, incluindo o da educação. No entanto,
*
Licenciada em Letras pela Universidade de Brasília-UnB: Língua e Literatura Portuguesa; Língua e Literatura Francesa. Especialista em Educação a Distância pela
Faculdade do Noroeste de Minas (FINOM) e em Gestão Educacional pela Faculdade Pitágoras. Diretora Administrativa da Faculdade Tecsoma. Mantenedora do Colégio
Soma.
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como afirma Gadotti (2000, p. 3), é preciso que essa perplexidade e a crise de paradigmas não
constituam num álibi para o imobilismo. Ao contrário, caminhos devem ser apontados para o
futuro, para que a educação seja entendida como um processo dinâmico que não foge às regras
do desenvolvimento de um país.
Por outro lado, não se fala em desenvolvimento, sem correlacioná-lo à qualidade da
sua educação – educação e desenvolvimento caminham juntos e vice-versa. Nesse sentido,
educação faz parte de um sistema mais amplo, o sistema social. Ao mesmo tempo em que se
trabalha para melhorar a educação, luta-se para modificar as estruturas sociais.
Autores divergem em suas opiniões, quanto a considerar a educação como uma fase
em crise ou em transformação. Flecha e Tortajada, (2000, p. 21), refletindo sobre como será e
como deveria ser a educação nos próximos anos, não fala de crise, mas de transformação.
Apontam cinco tendências principais em duas grandes partes.
A primeira parte analisa as mudanças na entrada do novo século. A primeira
tendência, nessa primeira parte, refere-se às mudanças socioeconômicas que são produzidas
com o surgimento da sociedade da informação e quais as necessidades geradas e as
competências que serão requeridas. A segunda tendência, decorrente dessas mudanças,
aponta para os desafios que devem ser propostos para depois enfrentar a educação.
A segunda parte considera as tendências que possibilitarão uma educação igualitária
que já são uma realidade em algumas práticas educativas. Como terceira tendência,
pertencente a essa segunda parte, sustenta a necessidade de ―dar um passo indispensável em
direção a uma cultura educativa que transforme, e aqui tomamos emprestadas as palavras de
Freire, as ‗dificuldades em possibilidades‘‖ (FLECHA; TORTAJADA, 2000, p. 21). Outra
tendência seria desenvolver o conceito de linguagem dialógica que supere as concepções
construtivistas, partindo daí uma educação cujos objetivos seriam a igualdade, a solidariedade,
a aprendizagem instrumental de conhecimentos e habilidades e a transformação. Baseada na
teoria da competência comunicativa, desenvolvida por Habermas (1987, apud
FLECHA;TORTAJADA, 2000, p. 19-30), segundo a qual todas as pessoas são capazes de se
comunicar e gerar ações. Por meio do diálogo é possível comunicar e atuar no meio. A quinta
e última tendência apresenta a transformação de escolas em comunidades de aprendizagem. A
participação da sociedade pode superar os processos de exclusão que podem ocorrer na
sociedade informacional, em todos os níveis, principalmente na educação.
A sociedade da informação surge na década de 70, devido à revolução tecnológica.
De uma sociedade industrial, com o predomínio do setor secundário (indústria) e um
crescimento do terciário (serviços) em detrimento do setor primário (agricultura, pesca,
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mineração etc), um novo setor surgiu (quaternário ou informacional), mudando o processo de
produção, em que a informação é a matéria prima e processá-la é a base do sistema
econômico. Aparecem e se desenvolvem as chamadas ―sociedades da informação‖ que, junto à
busca do progresso tecnológico, trazem uma dimensão cada vez mais imaterial do trabalho e
acentuam o papel desempenhado pelas aptidões intelectuais e cognitivas (DELORS, 2001, p.
72). Com isso surgem, também, novas demandas quanto às atividades e profissões. Nesse
contexto, a escola como um dos principais agentes de socialização, foi tomada como
instrumento de medida dos males que atingem a sociedade.
A sociedade industrial postulava uma educação que transmitisse conhecimentos. Com
as transformações ocorridas no início do século XXI, o papel da escola também se transforma.
―Já não é possível pedir aos sistemas educativos que formem mão-de-obra para empregos
industriais estáveis‖, (...) mas ―trata-se, antes, de formar para a inovação pessoas capazes de
evoluir, de se adaptar a um mundo em rápida mudança e capazes de dominar essas
transformações‖ (DELORS, 2001, p. 72). Daí a posição de alguns autores sobre crise na
educação.
No entanto não há como negar, como afirma Gonçalves, em artigo intitulado
―Tecnologias X Educação, Determinismos na EAD‖, a existência de ―novos modos de
socialização e mediações inéditas, decorrentes de artefatos técnicos extremamente
sofisticados, que provocam mudanças radicais nas formas e nas instituições de socialização
estabelecidas.‖ Aí se inserindo a escola.
(...) No mundo atual, globalizado, da comunicação na velocidade da luz, marcado por um
grande desenvolvimento científico e tecnológico, por uma hipervalorização da
informação, por novas formas de organização do trabalho, por relações sociais e políticas
que traduzem a idéia de uma aldeia global é mister uma educação que possa contribuir
para inserir a participação do país, no cenário internacional e também colaborar com a
construção da cidadania do seu povo. (GONÇALVES, 2008).
Embora tais discussões, as perspectivas para a educação são otimistas. O que se
questiona é qual educação se quer para um filho, qual escola, que tipo de aluno e qual
professor. Para tanto a educação terá que ser vista e entendida dentro de um contexto de
globalização e dentro de um processo tecnológico que não tem mais voltas. É preciso que a
escola se qualifique e que disponha de políticas públicas adequadas, junto a uma sociedade
participativa, pois a tecnologia, por si só, não traz o conhecimento. Há a necessidade de
interação entre os espaços educativos para que o aluno se informe e se forme para viver
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melhor na sociedade do conhecimento. ―Como previa Herbert McLuhan, o planeta tornou-se a
nossa sala de aula e o nosso endereço‖ (Apud GADOTTI, 2000, p. 7).
Portanto há um grande desafio que se coloca para a educação que é a necessidade de
articular o mundial com o local e ao mesmo tempo respeitar e valorizar as especificidades
culturais, criando condições para a construção da cidadania e da identidade nacional dos
cidadãos. Essas condições, por sua vez, se correlacionam com a preparação do indivíduo para
o trabalho, exigindo uma formação sólida para lidar com processos perpassados pela ciência, a
tecnologia e a informação.
Para ser cidadão, isto é, para participar ativamente da vida da cidade, do mesmo
modo que para ser trabalhador produtivo, é necessário o ingresso na cultura
letrada. E sendo essa um processo formalizado, sistemático, só pode ser atingida
através de um processo educativo também sistemático (SAVIANI, 2006, p. 3).
A escolha do tema ―As implicações da Tecnologia no Século XXI‖ se relaciona aos
desafios que estão presentes nesse sistema de educação e que são enfrentados em duas frentes:
a da instituição de ensino e a do aluno – a primeira como propiciadora do ensino, a segunda
como recebedora dele. O maior desafio é exatamente o domínio do instrumental de trabalho,
através do qual se desenvolvem e avaliam atividades pedagógicas, utilizando-se com
desembaraço a moderna tecnologia da informação, visando, sempre e de maneira objetiva, a
aprendizagem do aluno.
O presente trabalho é requisito de avaliação final do Curso de Pós-Graduação em
EAD, da Faculdade do Noroeste de Minas – FINOM e tem como objetivo geral investigar o
impacto do uso da tecnologia na educação no século XXI e como objetivos específicos
analisar a historicidade dessa tecnologia e em que medidas atuam no campo da educação.
Procurou situar a implementação da Educação a Distância – EAD – na legislação brasileira e
analisar a contribuição dessa modalidade de ensino na democratização da educação. Está
fundamentado em uma pesquisa qualitativa por tratar-se de uma investigação bibliográfica,
isto é, textos que versem sobre o tema, sendo que os exemplos citados serão apenas
referenciais, não constituindo dados quantitativos. Portanto a metodologia usada é a do
levantamento e estudo da bibliografia de autores que abordaram o assunto, uma vez que a
pesquisa se limitou a um curto espaço de tempo.
Espera-se que esse estudo traga conhecimento e possa contribuir para o meio
acadêmico, como forma das pessoas procurarem capacitação pessoal e aprimoramento nas
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novas tecnologias sob a ótica do impacto sobre a educação, por ser um tema relevante no
século XXI.
Segundo Freire (2007, p. 29), ―não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino‖.
Faz parte da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. Portanto a curiosidade crítica a
respeito do tema proposto poderá suscitar cada vez mais novas indagações.
2. Tecnologias de Informação e Comunicação na Educação
Para falar de Educação a Distância é preciso que primeiro se reporte a um conceito
mais amplo: (novas) Tecnologias de Informação e Comunicação na Educação – TIC‘s, que
―compreendem soluções tecnológicas para a informação e a comunicação na educação a
distância. Ex. Internet, teleconferências, softwares educativos e qualquer outra ferramenta
tecnológica correlata.‖ (Relatório de Avaliação de Curso para oferta na modalidade a
distância, SEED, p. 28).
O avanço da tecnologia impulsiona de forma significativa a modalidade de ensino
―Educação a Distância‖, aliada à compreensão da necessidade de expansão da educação a
diversos níveis escolares, a diferentes regiões geográficas e até mesmo a diferentes espaços
físicos, possibilitando o acesso ao conhecimento. As novas tecnologias criaram novos espaços
do conhecimento – hoje, além da escola, também a empresa, o espaço domiciliar e o espaço
social tornaram-se educativos. Essas tecnologias fazem parte integrante da vida dos
indivíduos, participando de maneira inédita na história da humanidade, da socialização das
novas gerações. Com isso, tanto as instituições de ensino, como seu corpo docente, se
preocupam em se qualificarem para melhor atender esse público diferenciado.
A Educação a Distância utiliza as tecnologias como suporte fundamental no processo
de comunicação, característico do ato de ensinar e aprender. Essa modalidade tornou-se um
recurso importante para a disseminação e a democratização do acesso ao conhecimento,
atendendo a um grande número de estudantes, sem com isso reduzir a qualidade.
Com o advento das Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação – NTIC‘s, a
Educação a Distância conseguiu um avanço considerável. Através delas, o professor e o aluno,
embora separados fisicamente, se interagem no processo de ensino e aprendizagem. Surgem
―novos textos, imagens coloridas fixas e em movimento, sons ambientes, música, linguagem
oral e escrita, teatro, todas estas formas de expressão – ―linguagens‖ – (...) mixadas numa
mesma mensagem, construindo significados‖ (GONÇALVES, 2008).
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Hoje já se tem consciência que aprender não é algo que se faz apenas em salas de
aulas ou sob a supervisão de professores.
O eixo da discussão sobre educação a distância se desloca, passando a ser a mediatização
técnica da mensagem educacional e não mais a distância física entre o sujeito aprendente e
o sistema ensinante (CARMO, 1998; TRINDADE, 1992, apud GONÇALVES, 2008).
Aproxima-se o conhecimento às pessoas que moram em lugares distantes. O universo
das possibilidades de comunicação a distância, oferecido pelas tecnologias de
telecomunicações, se expande de tal forma que permite modificar os conceitos de distância
assim como os de tempo e espaço. As NTIC‘s permitem disseminar oportunidades
educacionais e pessoais que podem fazer muito para promover o desenvolvimento dos
indivíduos. Embora o conhecimento seja universal e o método para a EAD pareça coletivo, é
no âmbito do indivíduo que se processa o aprendizado. O aluno é o agente de seu
desenvolvimento.
Essas novas tecnologias não se referem apenas à Internet e seus desdobramentos e
inovações, como as tele e videoconferências. Quando se fala em mídias voltadas para projetos
educacionais, destaca-se o uso de programas televisivos, filmes, vídeos, rádio, CD-ROM,
formas midiáticas impressas como jornal, revista, apostilas, manuais, uso dos correios,
telefone etc. Portanto são muitas as mídias ou multimídias (recursos oferecidos pela
tecnologia) presentes em atividades educacionais que devem ser utilizadas com critério, para
que realmente atinjam os objetivos a que se propõem – cada suporte midiático tem cuidados e
formas de tratamentos específicos que, quando utilizado, altera a maneira como se dá e como
se faz a educação. Não há como fugir dessa realidade.
O desafio é saber qual a maneira correta de utilizar esses recursos. Portanto qual o
melhor modo de gerir e articular a tecnologia, utilizando das possibilidades de uso de mídias
que cada vez mais se tornam interativas na educação, ao ponto de alterar o conceito de
educação presencial e a distância. ―É possível que, nos próximos anos, se amplie a integração
entre essas duas modalidades. Para Tori, (2004) ‗o corolário é a convergência entre educação a
distância e educação convencional, rumo a novo conceito, que integra o potencial de
aproximação oferecido pelas tecnologias interativas ao melhor da educação tradicional‘‖
(2004, apud KENSKI, 2006). Com isso novas possibilidades de oferta educacional se criam.
Cursos semipresenciais podem ser desenvolvidos, com o uso dos recursos midiáticos e
utilização das salas de aula, em benefício da melhor qualidade do ensino-aprendizagem.
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Nesse contexto, qualquer projeto de Educação a Distância deve considerar não só os
objetivos, as necessidades e características, os professores e alunos, mas também os requisitos
de conteúdo e limitações técnicas. Implica planejar cada atividade de ensino segundo o uso da
mídia disponível e saber exatamente se cada sistema utilizado estará acessível a todos os
participantes. O uso de mídias diferenciadas permitirá, também, que um mesmo assunto seja
explorado didaticamente de várias formas, beneficiando-se do recurso que cada suporte
midiático possa oferecer.
As mídias são escolhidas a priori, bem como os tipos de materiais, equipamentos,
mobiliários e os procedimentos técnicos que serão desencadeados. Cada escolha vai gerar um
tipo de encaminhamento para o processo ensino-aprendizagem. A escolha de materiais
impressos, de forma exclusiva, envolve procedimentos diferentes daquela em que predomina o
recurso de áudio (rádio e fitas) ou de vídeos e de programas televisivos (áudio e vídeo) ou de
computador e da Internet. Assim, cada projeto educacional em educação a distância é
identificado de acordo com o tipo de mídia predominante.
Existem projetos que privilegiam o conteúdo, disponível em materiais impressos
como livros, fascículos e apostilas, como exemplo, os ―cursos por correspondência‖. Nesses,
não há muita interação entre os alunos e os professores. O material é enviado ao aluno, que o
estuda, responde os exercícios ou testes e o devolve ao professor para correção. Para alguns
desses cursos, existe o serviço de apoio por parte da instituição de ensino que consiste em
atendimento via telefone, fax ou internet (correio eletrônico).
Existem programas de Educação a Distância veiculados via rádio, fitas de áudio e
vídeo, CD-ROM e software educacionais. Nesses, o aluno, da mesma forma que nos cursos
por correspondência, só interage com o conteúdo disponibilizado na mídia utilizada. Como
exemplos dessa forma, há dois cursos de treinamentos ―conhecidos como Computer Based
Training (CBT) e Web Based Training (WBT). ―No CBT, o conteúdo é disponibilizado em
CD-ROM ou em software específico. Já no ―wbt‖ (webt) o mesmo tipo de curso fica
disponível em site ou portal, na Internet‖ (KENSKI, 2006).
Outra forma de suporte aos projetos de Educação a Distância é representada pela
videoconferência, em que a interação professor e aluno ocorre ao mesmo tempo, no mesmo
lugar (presencial) ou em espaços distintos, complementada ou não por textos e atividades
disponibilizadas em CD-ROM, apostilas impressas ou websites. No entanto a possibilidade de
interação maior acontece com a Internet. Usada de forma ―síncrona‖ (em tempo real) através,
por exemplo, da utilização de chats (conversas) e de forma ―assíncrona‖ através do correio
eletrônico, fóruns e listas de discussão, permite maior diálogo entre professores e alunos.
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―Assim, as mídias digitais passam a ser um caminho para a integração, permitindo que
projetos de Educação a Distância atinjam qualquer pessoa, a qualquer tempo e em qualquer
lugar, desde que disponha de um computador e de Internet‖ (KENSKI, 2006).
Um projeto de Educação a Distância geralmente não se restringe a uma única mídia.
É possível disponibilizar em ambientes virtuais na Internet, ao mesmo tempo, textos, vídeos,
animações, fotos etc; ou cursos disponibilizados no computador, aliados ao uso de vídeos,
imagens captadas em tempo real, e programas de rádio e televisão, bem como ao uso de
telefone e correio postal. Da mesma forma, no projeto pode ser previsto o ensino do mesmo
curso em suportes midiáticos diferenciados, seja em CD-ROM, fitas de áudio ou vídeo,
Internet, impressos etc.
Esses ambientes de suporte têm o objetivo de atender aos diversos alunos,
independentemente de suas condições de acesso. São eles que propiciam a interatividade,
cooperação e aprendizagem entre as pessoas envolvidas.
2.1 Histórico do uso de tecnologias na EAD no Brasil
A Associação Brasileira de Educação a Distância – ABED (2008), considera a
história da EAD em duas linhas de tempo as quais serão apresentadas a seguir, destacadas em
quadro, por ser uma forma didática de compreensão.
Primeira linha:
1904 Mídia impressa e correio – ensino por correspondência privado.
1965-1970 Criação das TVs Educativas pelo poder público.
1985 Uso do computador stand alone ou em rede local nas universidades.
1989 Criação da Rede Nacional de Pesquisa (uso de BBS, Bitnet e e-mail).
1994 Início da oferta de cursos superiores a distância por mídia impressa.
1996
Redes de videoconferência – início da oferta de mestrado a distância, por universidade pública
em parceria com empresa privada.
1999-2001
Criação de redes públicas, privadas e confessionais para cooperação em tecnologia e
metodologia para o uso das NTIC na EAD.
A segunda linha compreende:
1923 Rádio Educativo Comunitário.
1980
Oferta de supletivos via telecursos (televisão e materiais impressos), por fundações sem fins
lucrativos.
1985-1998
Uso de mídias de armazenamento (videoaulas, disquetes, CD-ROM etc.) como meios
complementares.
1990 Uso intensivo de teleconferências (cursos via satélite) em programas de capacitação a distância.
1995 Disseminação da internet nas Instituições de Ensino Superior, via Rede Nacional de Pesquisa.
Criação de ambientes virtuais de aprendizagem – início da oferta de especialização a distância,
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1997 via internet, em universidades públicas e particulares.
1999-2002 Credenciamento oficial de instituições universitárias para atuar em educação a distância.
2.2 Educação a Distância
Sob o enfoque do tema da tecnologia, esse artigo se direciona ao estudo da Educação
a Distância. A Educação a Distância é uma realidade no Brasil. O seu fundamento está na
legislação federal. O artigo 80 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº.
9.394, de 20 de dezembro de 1996, dispõe que ―O Poder Público incentivará o
desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e
modalidades de ensino, e de educação continuada‖ (LDB, 1996). Portanto podem ser
oferecidos tanto na educação básica, como na educação superior. Para essa, há regulamentação
específica. Traz outra implicação: nas sociedades contemporâneas, chamadas do
―conhecimento‖ ou da ―informação‖, a formação inicial torna-se rapidamente insuficiente, e as
tendências apontam para uma educação continuada (educação ao longo da vida – lifelong
education) que ―é aquela que se realiza ao longo da vida, continuamente, é inerente ao
desenvolvimento da pessoa humana e relaciona-se com a idéia de construção do ser. Abarca,
de um lado, a aquisição de conhecimentos e aptidões e, de outro, atitudes e valores,
implicando no (sic) aumento da capacidade de discernir e agir‖ (HADDAD, 2007). Com isso,
verifica-se que a educação está se transformando tanto em relação às suas finalidades quanto
às estratégias e modalidades, principalmente devido a essa tecnologia e às tendências de maior
flexibilidade de acesso, currículos e metodologia.
Ainda na seara da legislação, posteriormente, o Decreto n°. 2494, de 10 de fevereiro
de 1998, que regulamenta o artigo 80 da LDB, dispõe no artigo 1° sobre essa modalidade de
ensino, in verbis:
Art. 1° Educação a distância é uma forma de ensino que possibilita a autoaprendizagem,
com a mediação de recursos didáticos sistematicamente organizados, apresentados em
diferentes suportes de informação, utilizados isoladamente ou combinados, e veiculados
pelos diversos meios de comunicação.
A lei fala em Educação a Distância e não em Ensino a Distância, sendo clara a sua
mensagem: essa modalidade de educação deve priorizar o estudante e sua aprendizagem. Com
isso, a lei evita a tendência de um ensino como um mero processo de transmissão de
conhecimento que caracteriza atitudes passivas diante daquilo que é posto. O aluno é o centro
do processo educacional e a interação deve ser apoiada em um adequado sistema de tutoria e
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em um ambiente computacional, especialmente implementados para atendimento às
necessidades do estudante.
O Ministério da Educação criou a Secretaria de Educação a Distância – SEED –
órgão que cuida da regulamentação e supervisão da Educação a Distância, com foco na
perspectiva pedagógica da EAD. O Ministério da Ciência e Tecnologia também desenvolve
projetos e programas. Uma das iniciativas que envolveram os dois Ministérios, foi a criação da
Universidade Virtual Pública do Brasil, UNIREDE, que reúne mais de 60 instituições de
Educação Superior do País. Formaram-se outras redes de cooperação, sendo as mais
destacadas: a Universidade Virtual Brasileira; a Universidade Virtual UNIVIR.
Educação a Distância – EAD – no bojo das definições contidas no Instrumento de
Autorização de Curso para oferta na modalidade a distância é o ―processo de ensino
aprendizagem organizada de forma que professores e alunos, mesmo separados
fisicamente, se comuniquem por meio de tecnologias de informação e comunicação. Esta
separação pode aplicar-se a todo processo de aprendizagem ou apenas a certos estágios,
devendo também envolver estudos presenciais. A educação a distância implica em (sic)
novos papéis para alunos e professores, novas atitudes e enfoques metodológicos.‖
(Relatório de Avaliação de Curso para oferta na modalidade a distância, Secretaria de
Educação a Distância, SEED, p. 28).
Faz-se mister a compreensão da Educação como fundamento primeiro antes de
discorrer sobre o modo de organização: a Distância. É de importância abordar a historicidade
da EAD e a visão da mesma ―como processo de formação que contemple a dimensão técnico-
científica para o mundo do trabalho e a dimensão política e pedagógica para a formação do
cidadão‖. (Referenciais de qualidade para educação superior a distância, MEC, p. 7).
Imbernón (2000, p. 172) em uma reflexão sobre a educação e a escola para o século
XXI, cita três preocupações: a preocupação ética (reflexão sobre a pessoa que se quer ser e em
que tipo de sociedade se quer viver, bem como a classe de vida que se quer que ocorra nela); a
preocupação política (reflexão sobre educação e sociedade); e a preocupação epistemológica
(―preocupação em compreender a realidade (para dar-lhe sentido) a fim de poder encarar a sua
transformação‖). Cabe à escola criar condições de ensino voltadas para essas preocupações,
transformando-as em realidade, contribuindo para a socialização dos indivíduos e para que
estes possam ser melhores. Para isso, é preciso que a escola seja vista dentro de um processo
tecnológico.
―As transformações tecnológicas tornaram possível o surgimento da era da
informação‖ (GADOTTI, 2000, p. 3). Para o autor, novas tecnologias, centradas na
comunicação de massa e na difusão do conhecimento, foram sendo introduzidas, com
consequências que não se fizeram sentir plenamente no ensino. A aprendizagem a distância,
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sobretudo a baseada na Internet, parece ser a grande novidade educacional do início do novo
milênio. No entanto, a ―cultura do papel‖, no seu entender (GADOTTI, 2000, p. 5),
―representa talvez o maior obstáculo ao uso intensivo da internet, em particular da educação a
distância com base na Internet‖.
Dessa forma, poder-se-ia questionar sobre a formação pretendida pela Educação a
Distância. No entanto para aqueles que defendem a informatização da educação, é preciso
repensar os métodos de ensino para reservar ao cérebro humano o que lhe é peculiar – a
capacidade de pensar. Em um contexto de educação, não se pode desprezar o ensino e o
aprender, que é o objetivo maior. As propostas curriculares devem focar a formação do
aprendiz de maneira a possibilitar a sua inserção, como sujeito ativo, em uma comunidade.
Deve ensiná-lo a pensar criticamente. Para que isso ocorra, é preciso que a educação domine
mais metodologias e linguagens, nesta incluindo a linguagem eletrônica.
Segundo a Declaração Mundial sobre a Educação para Todos – Relatório para a
UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, uma proposta de
educação condizente com a formação do aluno para esse século deve organizar-se em torno de
quatro aprendizagens, que serão para cada indivíduo, ao longo de toda a sua vida, os pilares do
conhecimento (DELORS, 2001, p. 19 e s.):
I. Aprender a conhecer: adquirir os instrumentos da compreensão, ou seja,
adquirir uma cultura geral que leve o indivíduo a aprender a aprender ao longo
de toda a vida.
II. Aprender a fazer: adquirir uma competência mais ampla do que a simples
profissão, isto é, aprender a agir sobre o meio em que vive, resolvendo
problemas e se qualificando profissionalmente.
III. Aprender a viver juntos: desenvolver a capacidade de compreensão do outro,
interagindo com o grupo, fortalecendo sua identidade e a do outro e
respeitando valores, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as
atividades humanas.
IV. Aprender a ser: desenvolver a personalidade para agir com autonomia; sendo
essa a aprendizagem que integra as três precedentes.
Esses quatro pilares ou aprendizagens vêm expressos nos Parâmetros Curriculares
Nacionais ―como diretrizes gerais e orientadoras‖ (PCN‘s, 1999, p.29), devendo os currículos
contemplar conteúdos onde se priorizem a formação ética e o desenvolvimento da autonomia
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intelectual e do pensamento crítico, desenvolvendo competências básicas para uma melhor
qualidade de vida. Nessa perspectiva, tanto em relação à aprendizagem tradicional quanto à
aprendizagem a distância, o aprendiz se forma de uma maneira sólida, capaz de lidar com
processos perpassados pela ciência, a tecnologia e a informação.
2.3 Historicidade da EAD
O ensino a distância não é algo novo, pelo contrário, é uma modalidade bastante
antiga de educação. As primeiras experiências datam de 1890, na Alemanha, quando teria
sido criado o primeiro curso por correspondência que se tem notícia no mundo. Mas há fontes
que relacionam o início dessa modalidade de ensino ao século XVIII, a um jornal de Boston,
nos Estados Unidos, onde um jornal local disponibilizava matérias de ensino aos seus leitores,
anexadas em suas páginas (Revista Guia de Educação a Distância, 2008, p. 8 e s.).
A data de 1881 também é citada como iniciadora da educação a distância, quando a
Universidade de Chicago ofereceu, por correspondência, um curso de língua hebraica.
Também nos Estados Unidos, mas no início do século, há documentos de alguns filmes
educacionais e de transmissões radiofônicas, realizados por universidades norte-americanas
(id., ibid.).
A Suécia também é citada como pioneira nesse campo de ensino: Instituto Líber
Hermondes, em 1829, com 150.000 usuários (VASCONCELOS, in Apostila, CARVALHO,
2008).
Em 1840 têm-se notícias dessa modalidade de ensino na Inglaterra (Guia de Estudo,
Fundamentos em Educação a Distância, Faculdade FINOM, 2006).
Segundo estudos e pesquisas, a grande difusão da EAD se deve à França, Espanha e
Inglaterra. Serviram de modelo aos outros países, através de seus centros educacionais –
Centre Nacional d‘Enseignement a Distance, Universidad Nacional de Educación a Distancia
e Open University (id. ibid.).
No âmbito da América Latina, a Venezuela, por meio da Universidad Nacional
Abierta e Costa Rica, por meio da Universidad Nacional Estatal a Distancia, têm contribuído
para a difusão da EAD. O Canadá, mais recentemente, por meio da Tele-Université,
contribuiu para a ampliação dessa metodologia educacional (id., ibid.).
No Brasil, não há registros precisos, embora seja considerado como marco histórico
o ano de 1904, quando da implantação das ―Escolas Internacionais‖, representando
organizações norte-americanas. Entretanto a data de 1891, início das atividades do Jornal do
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Brasil, registra na primeira edição da seção de classificados do jornal, anúncio oferecendo
profissionalização por correspondência para datilógrafo (id.).
Nessa época, a educação brasileira passava por uma verdadeira crise. ―O ensino
chegou (no Brasil) a um estado de anarquia e descrédito que, ou faz-se a sua reforma radical,
ou preferível será aboli-lo de vez.‖ (Citação contida no relatório de 1906, do Dr. Joaquim José
Seabra, Ministro da Justiça e Negócios Interiores, ao Presidente da República, in Guia de
Estudos, Fundamentos em Educação a Distância, Faculdade FINOM, 2006, p. 12). Foi nesse
contexto, conturbado, que a Educação a Distância começou, embora em passos ainda lentos.
Por isso não se tem registros precisos dos primeiros experimentos da EAD no Brasil.
Geralmente os autores consideram o ano de 1923 o marco inicial (VASCONCELOS, in
Apostila, 2008).
Entretanto são tidas como referências da EAD, no Brasil, as datas que se seguem
(Guia de Estudo, Fundamentos em Educação a Distância, Faculdade FINOM, 2006;
VASCONCELOS [s.d.], in Apostila, 2008):
1923/1925
Iniciou-se a educação pelo rádio, com a fundação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, criada
por um grupo liderado por Henrique Morize e Roquete Pinto.
1936
A emissora foi doada ao Ministério da Educação e Saúde e, no ano seguinte, foi criado o Serviço
de Radiodifusão Educativa do Ministério da Educação.
1939
Surge em São Paulo o Instituto Rádio Técnico Monitor com opção no ramo da eletrônica.
1941
O Instituto Universal Brasileiro surge como grande marco, em relação à formação profissional
em nível elementar e médio e representa o início dos trabalhos na área.
1943
A Igreja Adventista lançou programas radiofônicos através da Escola Rádio Postal de ―A Voz da
Profecia‖, oferecendo cursos bíblicos por correspondência.
1946
O Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC – iniciou suas atividades e
desenvolveu no Rio de Janeiro e em São Paulo a Universidade do Ar que, em 1950 atingiu 318
localidades e 80 alunos. Em 1973, seguindo o modelo da Universidade de Wisconsin, Estados
Unidos, iniciou cursos por correspondência.
1959
No Rio Grande do Norte, a Diocese de Natal criou algumas escolas radiofônicas, que articulava o
uso do rádio às aulas presenciais, dando origem ao Movimento de Educação de Base – MEB,
marco na EAD não formal no Brasil, destinado a alfabetizar jovens e adultos do Norte e do
Nordeste do País. Esse projeto foi desmantelado pela ditadura militar.
1962
Surge, em São Paulo, a Ocidental School, de origem americana, atuando no campo da eletrônica.
Em 1980, possuía alunos no Brasil e em Portugal.
1967
Na área da educação pública, o Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM –
iniciou suas atividades em EAD, utilizando a metodologia de ensino por correspondência.
Também nesse mesmo ano, a Fundação Padre Landell de Moura criou seu núcleo de EAD, com
metodologia de ensino por correspondência, via rádio.
1970
Aparece o Projeto Minerva que consistiu em cursos transmitidos por rádio em cadeia nacional.
1974
TVE do Ceará apresenta cursos de quinta a oitava série, com material televisivo, impresso e
monitores.
1976
Através do SENAC surge o Sistema Nacional de Teleducação, cursos através de material
instrucional.
1979
O Colégio Anglo-Americano (RJ) atua em 28 países, com cursos de correspondência para
brasileiros residentes no exterior em nível de 1º e 2º graus.
A UnB ministra cursos veiculados por jornais e revistas; em 1989 transforma no Cead e lança o
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1979 Brasil/EAD.
1991
A Fundação Roquete Pinto edita o programa Um Salto para o Futuro, para a formação
continuada de professores do ensino fundamental.
1995
A Secretaria Municipal de Educação – MultiRio (RJ) ministra cursos de quinta a oitava série,
através de programas televisivos e material impresso.
2000
Aparece a UNIREDE – Rede de Educação Superior a Distância – consórcio que reúne 68
instituições públicas do Brasil.
Como se observa, nas décadas de 70 e 80, novas entidades foram criadas, sendo que
algumas já estão desativadas. A partir dessas datas, com a expansão da TV (em especial, a
experiência das TVs Educativas) e o desenvolvimento das tecnologias de comunicação, a
EAD ganha impulso. Com isso, deixa de ser considerada como ―alternativa ao ensino
presencial para se firmar como modalidade de educação regular‖ (Fontes para a educação.
Guia para jornalistas, p. 51).
No fim da década de 80 e início dos anos 90, houve um grande avanço da EAD no
Brasil, especialmente em decorrência dos projetos de informatização, bem como da difusão
das línguas estrangeiras.
Os registros históricos referentes às primeiras instituições são muito importantes sob
o ponto de vista do pioneirismo e da coragem de enfrentar a situação. Hoje há incontáveis
entidades educacionais tanto públicas como particulares que desenvolvem essa modalidade de
ensino, além de ser amplamente utilizada na formação de professores e no treinamento e
aperfeiçoamento de profissionais das áreas pública e privada. Através dessas entidades, é
possível compor um projeto de vida, raciocinar em busca da qualidade, gerar
desenvolvimento e promover a inclusão.
No entanto temos ―um grande paradoxo: de um lado, estamos na pré-história da
EAD, na Idade Média da educação em alguns bolsões da pobreza, e no século XXI nas
comunicações‖ (Guia de Estudo, Fundamentos em Educação a Distância, FINOM, 2006, p.
18). Para aqueles que vivem em grandes centros urbanos, acordar pela manhã, acessar as
notícias dos principais jornais do mundo e adicionar conteúdo ao seu conhecimento, tornou-se
uma rotina. As tecnologias da informação não deixam mais espaço para o ―eu não sabia‖.
Tudo que se pesquisa é encontrado seja na rede mundial de computadores, seja nas ondas do
rádio, da TV e dos satélites. O problema se encontra nas grandes distâncias. O desafio não
está em levar um computador àquele distante e pequeno município, ou levar uma TV. O
desafio é educar aquele cidadão com qualidade e inclusão.
A EAD, com o objetivo de buscar uma solução para educar um universo maior de
pessoas, vem a esse encontro, aproveita as tecnologias da informação, proporciona inclusão
social e dá ao cidadão oportunidade para crescer através do conhecimento e da
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profissionalização. A tecnologia e o avanço dos sistemas de comunicação estão, portanto,
permitindo que a informação chegue aos mais remotos municípios.
Por outro lado, é uma forma de democratização do ensino no país. A metodologia da
EAD ―deve erradicar a falta de oportunidades de acesso à educação, contando com a estrutura
de pólos de apoio presencial, onde são desenvolvidas atividades relativas aos cursos,
atualmente oferecidos por 25 universidades públicas, em 18 unidades da federação‖ (...)
(Democracia e inclusão na Educação a Distância, in Revista Bem Público, 2007, p. 14). Hoje
esse número já atingiu 36 instituições de ensino superior pública (Revista Guia de Educação a
Distância, 2008, p. 69).
Também é considerada por muitos como um avanço da universalização do ensino,
trazendo benefícios tais como: a capacidade de atualizar o conhecimento em tempo real; o
estímulo à autonomia dos alunos; o potencial de interatividade das novas tecnologias; e a
oferta de maior número de opções para o estudante.
Por outro ponto de vista, há fatores que contribuem para a pequena taxa de adoção da
educação a distância por algumas instituições. Um deles pode ser a existência de atitudes
negativas quanto a essa inovação educacional. Um fator que influencia as atitudes é o papel
do professor e do aluno na educação a distância, que desafia os esquemas de representação de
alunos e professores, da educação tradicional. Outro fator é a desconfiança, gerada pelo
desconhecimento que ainda prevalece a cerca da idoneidade das instituições e a incerteza
quanto à eficiência e à validade dos certificados emitidos por elas. Como afirmou Espiridião
Amim (2007), no 1º. Simpósio Nacional de Ensino a Distância, ―o desafio de dar
instrumentos para que o ensino a distância seja confiável é tão importante quanto a nossa
certeza de que a educação deve ser prioridade‖ (Democracia e inclusão na Educação a
Distância, in Revista Bem Público, 2007, p. 15).
Por isso, para que a Educação a Distância atinja seus objetivos, é necessário que as
instituições detenham programas bem definidos, recursos humanos capacitados, material
didático adequado e, principalmente, que disponha dos meios apropriados para que o
conhecimento seja levado do centro de produção até o aluno. É preciso levar em conta, como
em qualquer outro curso, as necessidades do público a quem vai estar direcionado – sua idade,
seu perfil cultural e socioeconômico, seus interesses e experiências e estar familiarizado com
os métodos de Educação a Distância.
Nesse sentido, educação é tudo. O indivíduo bem formado estará consciente de seus
direitos e deveres, tanto profissionais como éticos.
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3. Considerações Finais
Na época atual, marcada pelo papel essencial da informação e da comunicação, por
novas formas de organização do trabalho, por relações sociais e políticas que traduzem um
processo crescente de integração mundial, tem-se acentuada a importância da educação; cabe
às Instituições de Ensino, através da tecnologia, a responsabilidade de criarem condições para
que o conhecimento aconteça.
A tecnologia, entendida dessa forma, é vista como um ponto de partida na reflexão
sobre o processo de ensino-aprendizagem. Fazer um estudo sobre as questões que envolvem
essa temática, sugere um caminhar rumo a uma escola, como espaço de prática educacional
sistemática e planejada, que pode contribuir de forma decisiva para transformações sociais
que resultem em maior justiça, tolerância e diálogo, e para um desenvolvimento sócio-cultural
e ambiental harmonioso. Nesse contexto, a Educação a Distância se insere, deixando claro
que a educação escolar de natureza formal e presencial não pode continuar sendo a forma
exclusiva de acesso à escolarização.
O desenvolvimento da tecnologia proporcionou radicais transformações nos cursos a
distância. Grande parte do sucesso dessa modalidade de ensino se deve à qualidade da
tecnologia empregada, mas não se deve esquecer que o foco nos alunos e no professor ainda é
a base para qualquer empreendimento educacional, pois a tecnologia é uma importante
ferramenta, mas não é um fim em si mesma.
Referências Bibliográficas
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Artigo disponível em www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2003/ppm/tetxt5.htm, acessado em
3/6/2008.
ALVES, João Roberto Moreira. Educação a Distância e as novas tecnologias de
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BEM PÚBLICO. Educação a Distância. Revista, nº 16, Ano 4. Curitiba: Hora Pública
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O ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO NOS CURSOS DE FORMAÇÃO
EM EAD DA FACULDADE DO NOROESTE DE MINAS – FINOM:UMA
PROPOSTA EM CONSTRUÇÃO
Darcília Tiahuâna Coimbra Carvalho*
Rilson Raiumundo Pereira**
Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar elementos para uma discussão inicial sobre a
importância do Estágio Curricular vinculado à pesquisa sobre os-que-fazeres do cotidiano da
prática pedagógica desenvolvida em ambiente escolar pelos estagiários dos cursos de
formação de professores nas modalidades presencial e a distância, propondo uma reflexão
sobre a necessidade e possibilidades de desenvolver trabalhos que articulem pesquisa, estágio
e cotidiano escolar, oportunizando uma reflexão crítica do papel do professor como um ser
que busca a transformação do mundo.
Palavras-chave: Estágio curricular; Formação docente; Pesquisa.
Abstract: The objective of this paper is to present elements for an initial discussion abaut
Apprenticeship Curricular's importance linked to the research abaut you the-that-do of the
daily pedagogic practice developed in school atmosphere by the trainees of teachers' courses
formation in the modalities presencial and distance, proposing a reflection about the need and
possibilities of developing works to articulate research, apprenticeship and daily school, given
opportunity a critical reflection of teacher's paper as a being that searches for the
transformation of the world.
Keywords: Apprenticeship Curricular; Educational formation; Research.
I - INTRODUÇÃO
O Estágio Curricular, cuja finalidade é integrar o processo de formação do aluno, futuro
profissional, considerando o campo de atuação como objeto de análise, de investigação e de
interpretação crítica, tem sido um campo fecundo de mazelas denunciadas em vários estudos.
O objetivo desse estudo não é esse, mas, sim, identificar possíveis avanços na direção da
unidade teoria e prática, o estágio como campo da pesquisa e como ele vem sendo realizado
* Graduada em Pedagogia, especialista em Educação a Distância e em Metodologia e Didática do Ensino,
diretora do Colégio Cenecista de João Pinheiro (MG) e professora de Estágio Supervisionado no curso de
Pedagogia modalidade EAD da Faculdade FINOM. E-mail: [email protected]
**
Mestre em Educação Física pela Universidade Católica de Brasília. Diretor Acadêmico da Faculdade FINOM.
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nos cursos de formação de professores, em especial nos cursos de licenciatura oferecido em
EAD pela Faculdade do Noroeste de Minas – FINOM – Paracatu.
Situada na região Noroeste do Estado, a faculdade é pioneira nos cursos de licenciatura
na forma presencial e a distância.
Em parceria com a Secretaria do Estado da Educação de Minas Gerais, desenvolveu o
Projeto Veredas – Formação de Professores em Serviços nos Vales do Jequitinhonha e Mucuri
no período de 2002 a 2005, constituindo a sua primeira experiência em educação a distância.
A partir de 2006, teve a autorização do MEC para ministrar a distância os cursos de
Pedagogia, Geografia e História.
É nessa realidade da Instituição, que esse estudo pretende enveredar-se para analisar um
campo ainda muito conturbado no ensino presencial, no que diz respeito ao estágio como
pesquisa e a pesquisa no estágio, bem como, no conceito de teoria e prática e suas
considerações nos cursos de formação de professores.
Algumas indagações iniciais emergem e impulsionam a busca pela compreensão: como
a pesquisa está associada à prática do estágio? Que conceito de teoria e prática está presente
nas falas de professores e alunos? Historicamente, como ele tem sido considerado nos cursos
de formação de professores? Não será a teoria e prática mais uma ―teoria‖ nos cursos de
formação?
Essas e outras indagações provocam um questionamento ainda maior: Como fazer a
transposição para os cursos a distância de uma prática que ainda não foi bem redefinida e
provoca controversas nos cursos presenciais?
Por essa razão é que o estudo se faz necessário, na tentativa de buscar respostas
plausíveis e propostas exequíveis que possam contribuir para a construção de uma escola
capaz de oferecer à educação professores qualitativamente preparados e conhecedores da
complexidade e rigorosidade do processo ensino aprendizagem.
Para o encaminhamento dessa proposta de análise, torna-se necessário redefinir o
estágio como componente curricular de formação de professores, tendo como base a análise
da literatura pertinente e as atividades de estágios em curso.
Identificar o conceito de teoria e prática e a prática como pesquisa no processo de
graduação. Refletir sobre a prática de ensino e o estágio curricular supervisionado como
aproximação da realidade escolar e a formação de professores reflexivos.
O estágio supervisionado pretende a construção da práxis, articulado com o conceito de
prática, apontando para o fazer no campo escolar, que permita ao professor a construção e
descoberta de novos olhares alicerçados em saberes docentes bem definidos TARDIFF (2002)
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fala dos saberes da formação profissional ou pedagógicos (oriundos das ciências da
educação); dos saberes disciplinares (definidos e selecionados pela Universidade); dos saberes
curriculares (oriundos dos currículos desenvolvido pelas Instituições escolares em que atua); e
dos saberes experenciais (desenvolvidos pelos professores no exercício da profissão e na
prática construída).
Uma formação firmemente alicerçada deverá contemplar todos estes tipos de saberes: os
teóricos que servirão de âncora para os práticos nascidos da experiência pessoal e profissional
prévia.
Os cursos de licenciatura, desde as suas origens, requerem o cumprimento do estágio
curricular, diferentemente de outros profissionais dos quais exigem o cumprimento do estágio
curricular e do estágio profissional. Talvez por isso tenha se criado a expectativa de que o
estágio deve possibilitar a aquisição da prática profissional, especialmente a de dar aulas.
Ao abordar essa dicotomia, objetiva-se justificar a opção desse estudo para a questão do
estágio curricular, tema principal das indagações e anseios. Até porque o estágio profissional,
para os cursos de formação de professores, está ainda em fase de discussões não existindo na
legislação vigente, até a presente data, nada que determine sua obrigatoriedade.
Por estágio curricular entendem-se as atividades que os alunos deverão realizar durante
o seu curso de formação, junto ao campo futuro de trabalho – as escolas em seus segmentos.
Por essa razão, costuma-se denominá-lo de parte prática, e as demais disciplinas, de
parte teórica. Estágio e disciplinas são obrigatórios e compõem o currículo do curso.
Em relação aos estágios, as pesquisas têm revelado inúmeras distorções que são motivos
de denúncias e de estudos investigativos. Dentre elas, destacamos:
Número insuficiente de escolas interessadas em receber estagiários;
Dificuldade de acompanhamento do estágio devido ao grande número de alunos;
à diversidade de escolas onde estagiam e a falta de coordenador de estágios em
alguns cursos;
Os estagiários não são bem recebidos pelos professores das escolas;
Distorção nas atividades de estágio;
Dificuldade em garantir a relação teoria/ prática;
Divisão do estágio em etapas fixas e estanques;
Impossibilidade do aluno do curso noturno cumprir o estágio;
Falta de integração entre a universidade e as escolas de Ensino Fundamental e
Médio, educação infantil e Creches.
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Diante desse quadro repetitivo de constatação geral e de culpabilização, ora do aluno,
ora do professor, algumas questões parecem implícitas.
Qual o eixo articulador da relação teoria-prática na formação do professor?
Como se dá a aproximação da realidade escolar e a prática da reflexão nos cursos de
formação?
Ainda não se venceram as reflexões necessárias a essas questões básicas existentes nos
cursos presenciais de formação, e outras questões novas do atual cenário da educação vêm se
juntar a essas, e juntamente serão o objeto maior do estudo proposto.
Para colaborar com tais indagações, busca-se a palavra sempre presente do Mestre Paulo
Freire:
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que fazeres se encontram um
no corpo do outro. Enquanto ensino contínuo buscando, reprocurando. Ensino porque
busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando
intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não
conheço e comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE, 1996, p.14).
Embora muito se fale hoje em dia da formação do professor reflexivo e crítico, do
docente pesquisador da própria prática, encontrar o caminho para isso ainda é difícil.
O diálogo entre teoria e prática que se pretende dinâmico e flexível – e que é o cerne do
Estágio Supervisionado – ainda é projeto. O fato de estar lidando-se com um curso a
distância, ainda faz mais complexo esse processo.
É essa a questão maior, que vem se juntar a esse estudo: O Estágio Curricular
Supervisionado nos cursos de formação de professores em EAD na Faculdade do Noroeste de
Minas. É por essa razão que o estudo se justifica ao promover uma revisão dos projetos
concluídos ou em andamento, na tentativa de colaborar para a construção de uma proposta
que busque intervir, eficazmente, nas mazelas já denunciadas à exaustão, e, que apresente
novos olhares, que dê um ―rosto‖ novo à identidade do professor, tão necessária e urgente no
atual contexto.
É nesse contexto, que pretendemos trazer à tona as mais diversas faces que a expectativa
da construção de algo novo, em um local de reconhecida produção acadêmica, como a
Universidade, implica. A compreensão política do real significado do lugar ocupado pelo
Estágio na formação docente envolve, ainda, a necessária criação e produção de qualidade de
uma disciplina, há tempos desqualificada pelo próprio Ensino Superior, em seus cursos
presenciais.
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Para balizar o estudo proposto, alguns princípios políticos – filosóficos da Educação a
Distância deverão nortear os rumos dessa construção definindo os objetivos do Estágio
Curricular Supervisionado em EAD:
Atuar na formação a distância de profissionais, com atenção especial para a
atuação de professores na Educação Infantil e Básica;
Fomentar o acesso ao Ensino Superior daqueles que não podem estudar nos
horários regulares das instituições;
Contribuir para a interiorização do Ensino Superior de qualidade;
Instigar a consciência, a postura e a formação crítica e sólida nessa modalidade
de ensino.
Trata-se da busca de inovação no Estágio Curricular Supervisionado, envolvendo o
processo de aquisição de conhecimentos e a formação de cidadão. Desenvolver nos docentes
que buscam o curso, um ―pensar certo‖, no dizer de Paulo Freire:
O saber que a prática docente espontânea ou quase ―desarmada‖, indiscutivelmente,
espontânea produz é um saber de experiência feito, a que falta a rigorosidade metódica
que caracteriza a curiosidade do epistemológico do sujeito. Este não é o saber que a
rigorosidade do saber do pensar certo procura. Por isso, é fundamental que, na prática da
formação docente, o aprendiz de educador que o indispensável pensar certo não é
presente dos deuses nem se acha nos guias de professores que iluminados intelectuais
escrevem desde o centro do poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que supera o
ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão como formador.
(FREIRE, 1996, p.42).
É preciso, no Estágio Curricular Supervisionado e nas disciplinas que compõem o
currículo dos cursos de formação, fomentar raciocínios criativos pautados nos mais subjetivos
caminhos, ultrapassando os limites dos antigos papéis desempenhados na relação professor –
aluno, com perspectivas de alunos autônomos e de novas subjetividades docentes e discentes.
A revisão da literatura pertinente ao tema em estudo tem um papel fundamental nesse
trabalho, pois é através dela que pretende-se situar dentro da grande área de pesquisa que é o
Estágio Curricular Supervisionado, contextualizando-o nas proposições já apresentadas por
diversos autores e com as propostas que estão sendo construídas ou que já foram concluídas
no atual cenário de expansão dos cursos de formação em EAD.
Situar o presente estudo implica em selecionar autores que abordam a questão do
Estágio em cursos presenciais e outros que analisam a questão na modalidade da EAD.
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A Educação a distância teve sua expansão a partir do avanço das tecnologias de
comunicação e informação – fato que se deu nas últimas décadas. Assim, é uma modalidade
ainda em construção, carente de literatura que aborde o tema em sua profundidade e
complexidade.
A revisão proposta tem como objetivo reconhecer e dar crédito à criação intelectual de
outros autores, indicar que se qualifica como membro de uma determinada cultura disciplinar
através da familiaridade com a produção de conhecimento prévio na área; ou abrir um espaço
para evidenciar que seu campo de conhecimento já está estabelecido, mas pode e deve receber
novas pesquisas; ou ainda, emprestar ao texto uma voz de autoridade intelectual.
Através da presente revisão pretende-se reportar e avaliar o conhecimento produzido em
pesquisas prévias, destacando conceitos, procedimentos, resultados, discussões e conclusões
relevantes para esse trabalho.
Os autores selecionados preliminarmente darão sustentação à fase inicial de estudo e
terão suas contribuições mediadas pela dialogicidade entre elas, uma vez que todas, por uma
ou outra razão são relevantes. A seleção preliminar não implica em fechamento de questão.
Outros e novos autores poderão incorporar o bojo das discussões à medida que passam
contribuir para o estudo.
Na revisão da literatura optou-se pela análise temática e a análise interpretativa. A
primeira, para dar o suporte necessário para a elaboração das ideias identificando o que o
autor aborda em seu estudo; a segunda, pela sustentação da apropriação do conhecimento e
compreensão objetiva da mensagem transmitida pelo autor.
É através da análise interpretativa que se pretende explorar todas as ideias ali expostas,
associá-las com outras ideias semelhantes conduzindo a uma reflexão.
Encerradas as análises citadas, proceder-se-á a uma análise crítica, com a formulação de
juízo crítico, com uma posição a respeito ao texto a ser produzido, observando sua relevância
e contribuição dada ao tema abordado no texto.
II – O PAPEL DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO NOS CURSOS DE FORMAÇÃO
Diante dos inúmeros fenômenos no campo da formação de professores, a opção deu-se
sobre o Estágio Curricular Supervisionado. É sobre ele que será o estudo, com rigorosidade
cientifica e devotamento profissional, buscando compreendê-lo no sentido de ultrapassar as
dimensões da pura constatação dos limites e avançar nas possibilidades de superação e
transformações que favoreçam novas trajetórias.
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O Parecer número 21, de 2001, do Conselho Nacional de Educação, define o Estágio
Curricular como:
Um tempo de aprendizagem que, através de um período de permanência, alguém se
demora em algum lugar ou oficio para aprender a prática do mesmo e depois poder
exercer uma profissão ou oficio. Assim o estágio supõe uma relação pedagógica entre
alguém que já pé um profissional reconhecido em um ambiente institucional de trabalho e
um aluno estagiário [...] é o momento de efetivar um processo de ensino/aprendizagem
que, tornar-se-á concreto e autônomo quando da profissionalização deste estagiário.
Compreender o Estágio Curricular Supervisionado como um tempo destinado a um
processo de ensino/aprendizagem é reconhecer que, apesar da formação oferecida pelos
cursos de formação em sala de aula ser de fundamental importância, não é suficiente para
preparar os alunos para a docência profissional. É preciso experenciar a realidade do cotidiano
escolar, que é proporcionado pela prática do estágio.
O Estágio Curricular é campo de conhecimento, portanto, volta-se a uma visão ampla
desse. O Estágio profissional, por sua vez, tem por objetivo inserir os alunos no campo de
trabalho, configurando uma porta de entrada a esse. É um treinamento das rotinas de
determinado segmento.
Superando a tradicional redução do estágio como atividade prática instrumental, vê-se
o Estágio Curricular como campo de conhecimento e espaço de formação tendo a pesquisa
como eixo integrador.
A construção do conhecimento dá-se através da prática da pesquisa. Ensinar e
aprender só ocorrem significativamente quando decorrem de uma postura investigativa do
trabalho.
O campo do Estágio Curricular Supervisionado vem, desde sempre, marcado pela
problemática relação teoria e prática, que poderá ser equacionada na seguinte proposta: o
estágio realizado como pesquisa e como pesquisa contribuir para a formação de melhor
qualidade de professores e pedagogos.
As mudanças no contexto social, na política educacional e na legislação e o avanço do
conhecimento sobre a formação de professores, apontam para a necessidade de colocar-se o
estágio em foco de análise. Assim sendo, questões emergentes devem ser consideradas: o que
é o estágio como componente curricular? Quais as finalidades nos cursos de formação? Quais
os fundamentos que o embasam? Como ocorre sua interação com outras disciplinas? Como os
professores estão planejando, operacionalizando e avaliando o estágio? É possível realizar o
estágio com pesquisa e pesquisa no estágio.
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Buscando alternativas e repostas a tais indagações é necessário compreender essa
organização de cursos por disciplina como conhecemos hoje e que marca a escola desde suas
origens, pouco antes do final do século XIX, (alguns estudiosos usam a década de 30) quando
o conhecimento foi se ampliando e tomando formas de especialização. A escola
impossibilitada de difundir todo o acervo de conhecimentos pautou-se pela seleção de partes
desse acervo sob a forma de disciplinas dando origem aos saberes ou conteúdos escolares.
Desde então, o estágio passou a ser objeto de preocupação, principalmente na relação
curricular a partir da reforma universitária institucionalizada pela lei 5.540/68 na qual os
estudos foram voltados para as disciplinas profissionalizantes, com estágios de observação e
prática em escolas primárias.
A promulgação da Lei 5.692/71 estabelecia a qualificação obrigatória e reservava à
disciplina didática a tarefa de aproximação da realidade da sala de aula. Tal proposição tem a
sua confirmação no parecer do CFE 394/72,
A Didática compreenderá estudos relativos à metodologia de Ensino sob os aspectos de
planejamento, de execução do ato docente-discente e verificação da aprendizagem,
conduzindo à Prática de Ensino [...] Poderá ser anterior, concomitante e posteriormente à
Didática, embora não haja dúvidas de que a concomitância tem vantagens sobre as outras
duas, por manter praticamente indissociáveis a teoria e a prática – o que se deve fazer e o
que realmente se faz.
A superação da dicotomia entre teoria e prática passou, portanto, a ser um dos
instrumentos de luta pela qualidade de ensino e pelo resgate do verdadeiro papel da disciplina
Estágio Curricular Supervisionado.
Um outro aspecto importante de superação é o rompimento do ciclo tradicional dos
estágios – observação – regência – participação, cujo foco principal era apontar os supostos
erros da escola, sem que houvesse mudanças e sem acrescentar nada ao estagiário. A ênfase
era elencar os defeitos sem a preocupação de corrigi-los. Nessa visão de estágio não havia a
intervenção da Universidade e essa prática não ajudava em nada na formação do futuro
professor.
Outras experiências sucederam-se e igualmente foram relegadas por não contemplar a
participação efetiva do estagiário, mascarando a realidade a ser enfrentada.
É a partir da década de 80 que ganha corpo uma alternativa para essas discussões: o
Estágio denominado de participante, na qual se estabeleceram uma estreita relação entre as
escolas de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, e os estagiários desenvolveriam
práticas que envolvessem o corpo discente e docente das instituições de ensino através de uma
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proposta pensada e pesquisada na universidade a partir de problemas de ensino diagnosticados
nas escolas.
Com a promulgação da LBD 9394/96, a disciplina Estágio Supervisionado é
confirmada com um componente curricular articulado e orientado pelos princípios da relação
teoria e prática, dando um ―novo‖ papel aos cursos de formação de professores concebido a
partir das competências teórico -práticas acerca do processo ensino – aprendizagem e,
pertinentes à disciplina Estágio Supervisionado. Pimenta, retrata com propriedade esse
―novo‖ papel dos cursos de formação.
Para desenvolver essa perspectiva, é necessário explicitar os conceitos de prática e de
teoria e como compreendemos a superação da fragmentação entre elas a partir do
conceito de práxis, o que aponta para o desenvolvimento do Estágio como uma atitude
investigativa, que envolve a reflexão e a intervenção na vida da escola, dos professores,
dos alunos e da sociedade. (PIMENTA, 2004, p. 34).
O Estágio como pesquisa já se faz presente em grupos isolados, mas precisa ser
assumido como horizonte ou utopia a ser conquistada nos cursos de formação.
Assim, a pesquisa na vida do professor não é uma qualidade ou uma forma de ser ou
de atuar que se junte à de ensinar. É implícito na natureza do educador, a indagação, a busca,
a pesquisa.
Essa reflexão estabelece o pressuposto de que o aluno em situação de estágio, agindo
sobre o meio e recebendo a influência desse, pode elaborar e reelaborar o seu conhecimento
através da pesquisa, reflexão e troca de experiências. Esse é o momento fundamental na
formação de professores: a reflexão crítica sobre a prática.
A valorização da pesquisa no estágio, no Brasil, tem suas origens na década de 90 a
partir do questionamento da indissociabilidade entre teoria e prática e o desenvolvimento da
concepção do professor reflexivo, não como conceito de um movimento adotado pelas
escolas, mas, sim, como um atributo dos professores.
Professor reflexivo é aquele que trabalha com a prática refletida, que o possibilita
responder com situações novas às situações de incertezas e indefinições. Daí a importância da
integração entre as disciplinas que compõem a matriz curricular dos cursos de formação e
dessas com a prática vivida e vivenciada no cotidiano escolar. A transdisciplinariedade.
O primeiro papel a ser questionado é o da Universidade. Ao fornecer uma bagagem
teórica específica que exige uma visão crítica da sociedade vigente, ela parece não
conseguir formar um profissional competente, capaz de reoperacionalizar a teoria em
relação a prática. (KULCSAR in PICONEZ, 2003, p.63).
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A faculdade do Noroeste de Minas – FINOM dispõe do redimensionamento do
Estágio Curricular Supervisionado vinculado para o atendimento à comunidade
proporcionando o engajamento do estagiário na realidade, levando-o a identificar e conhecer
os desafios que a carreira lhe proporcionará, possibilitando uma reflexão madura e consciente
sobre a futura profissão.
Esse engajamento acontece desde os módulos iniciais através das disciplinas de aporte
teórico – prático, sob a forma de monitoria, trabalho voluntário e outras atividades afins
(projetos de extensão).
Prepara os estagiários, colocando-os como agentes participativos na solução de
problemas educacionais da sala de aula, abrindo novos campos de pesquisa a serem
estudados, problemas reais de nossas escolas em relação às nossas disciplinas. Esse
redimensionamento contribui sobremaneira para a formação do professor pesquisador capaz
de refletir sobre a própria prática.
3 – AS DIFERENTES CONCEPÇÕES DE ESTÁGIO: A TEORIA E A PRÁTICA –
UMA PROPOSTA EM CONSTRUÇÃO.
O Estágio Curricular Supervisionado é uma das condições para a obtenção da licença
para o exercício profissional. É considerado o momento de efetivar, sob a supervisão de um
professor experiente, um processo de ensino – aprendizagem em que ser tornará concreto e
autônomo quando da profissionalização desse estagiário (Parecer CNE 28/2001).
De acordo com os atuais dispositivos legais, é necessário refletir como se dará na
prática e, sobretudo qual a sua concepção atual, pois é inconcebível a repetição de modelos
imitativos, a reprodução de técnicas que legitimam a separação entre teoria e prática ou
realizá-lo como complementação aos conteúdos específicos de cada curso. A grande questão é
formar para a totalidade de todo o processo da educação básica da gestão e dos conteúdos até
as relações pessoais e comunitárias pertinentes ao processo.
A Universidade é, por excelência, o espaço formativo da docência, uma docência de
qualidade ainda que não seja essa uma tarefa simples.
Educadoras como Pimenta, e Lima (2004), apontam que essa é a função precípua dos
cursos de formação.
A pesquisa é o caminho para promover a ponte entre a Universidade e as escolas de
Educação Básica. Dessa interação, ter-se-á o retorno de tudo aquilo que foi pesquisado. Toda
essa prática interativa entre o pólo de formação e o lócus do trabalho, necessita ser elaborada
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e reelaborada a partir da vivência do estagiário na escola e da presença da escola na
universidade. A socialização desses estudos e experiências, a discussão dos temas
pedagógicos se concretiza em ganhos para todos.
Conceber o estágio como pesquisa, como investigação do campo de trabalho,
pressupõe um confronto direto com todos os desafios da sala de aula e com todas as ações que
permeiam o cotidiano escolar em todos os seus aspectos.
O encaminhamento que se faz necessário na proposta de estágio da faculdade do
Noroeste de Minas – FINOM para a concepção de estágio como pesquisa, pressupõe as
seguintes modalidades de atuação:
regência de Classe – iniciação profissional embasada por teorias de ensino –
aprendizagem para fazer frente às demandas que a prática pedagógica exige;
projetos de extensão – realização de atividades como seminários, minicursos,
oficinas para professores, alunos e demais atores do processo escolar;
projetos de pesquisa - pesquisas educacionais acerca de anseios e inquietações
inerentes ao processo ensino-aprendizagem e suas especificidades;
monitorias – acompanhamento em projetos de intervenção pedagógica, atuando
ao lado de educadores dos diversos segmentos da educação básica;
seminários temáticos ou projetos pedagógicos que envolvam a realidade atual da
universidade e das escolas de educação básica.
Pensando assim, ter-se-á como concepção o estágio de extensão transdisciplinar a
exemplo do que já vem sendo realizado em várias universidades do país. O estágio em total
sintonia da teoria com a prática, marcado pela indissociabilidade entre ensino, extensão e
pesquisa. Dessa forma, rompe-se com as práticas tradicionais de estágio marcados pela
ausência de diagnósticos que buscassem a resolução dos problemas, criando um vinculo de
comprometimento e envolvimento entre as instituições.
Como formação transdisciplinar entende-se a compreensão do universo e pressupõe a
formação coletiva de competências específicas:
Elaboração de projetos em educação;
Construções de modelos de diagnósticos em educação;
Aplicação de diagnósticos em educação;
Tratamento e análise dos dados;
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Construções e implementação de projetos de intervenção em educação.
De acordo com a LBD, mais que fortalecer a integração entre teoria e prática, o
Estágio tem um papel social, de elemento formador da cidadania e deve ser visto como espaço
de ação e de formação do cidadão.
Assim, é urgente repensar as práticas de estágio com o objetivo de desvinculá-las dos
modelos imitativos (PIMENTA, 2004) de aula prática, laboratório, micro-ensino –
incorporação de padrões de comportamento, de repetição de práticas equivocadas e danosas às
pessoas, às instituições e à sociedade.
Em que pese a importância dessa técnica para o desenvolvimento e treinamento de
determinadas habilidades para a ato de ensinar, é preciso considerá-la restritiva, uma vez
que a variável aí controlada é o desempenho do professor (suas características)
independente dos alunos. Além disso, sendo situações experimentais, não são
generalizáveis. (PIMENTA, 2002, p.54).
A construção de habilidades é tão importante quanto a construção de conhecimentos.
A adesão a princípios e valores éticos capazes de articular efetivamente conhecimentos e
habilidades, base da práxis engajada na relevância da significação social, capaz de gerar uma
intervenção baseada na reflexão permanente, fazendo da educação uma ciência qualificada
filosófica, cientifica, lega e politicamente.
Façamos da educação uma ciência. Um trabalho que permaneça acima e além dos
interesses políticos, pessoais ou partidários. Em que não se manipulem dados, não se
escamoteiem objetivos, nem se admita tergiversação. (ZAGURY, 2006, p.15).
Para a realização da proposta, torna-se necessário que todas as ações sejam precedidas
de diagnóstico que determinem o grau de complexidade do estudo, da intervenção necessária
e do grau de maturidade dos estagiários.
A equipe que conduz o estágio coordenando as atividades deve ser experiente para
realizar projetos que primem pela resolutividade e terminalidade. Capazes, ainda, de
manterem uma estreita relação com os coordenadores da escola campo para a tomada de
decisões coletivas.
As disciplinas que compõem as matrizes curriculares do curso e seus respectivos
professores devem manter um diálogo permanente, para que os pressupostos teóricos da
pedagogia de competências, a organização de projetos didáticos-pedagógicos e da
transdisciplinariedade possam constituir-se em uma base sólida de formação dos estagiários.
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Nessa etapa de formação é necessário ainda o estudo da organização do segmento da
educação básica em que as ações serão implementadas, bem como o estudo dos indicadores
para avaliação de competências propostas pelos órgãos que avaliam o desempenho dos alunos
na educação básica.
Após essa etapa de formação, os estagiários devem ser encaminhados ás escolas para a
realização do diagnóstico inicial, construído a partir de três eixos e realizado em três etapas:
Aspectos Institucionais;
Prática docente;
Processo de aprendizagem.
Na primeira etapa, deverá ser feita uma análise geral da instituição (infra-estrutura,
tipos de liderança, formação dos professores, relação com a comunidade, relação professor-
professor, etc).
Na segunda etapa, o foco da análise é a prática docente (a organização da sala de aula,
a interação professor – aluno, os procedimentos metodológicos utilizados pelo professor, o
emprego dos recursos didáticos (biblioteca, laboratórios, recursos áudio-visuais, recursos
tecnológicos que a escola possui e usa efetivamente).
Na terceira etapa, a analisar-se-á o processo de aprendizagem. (Como esse processo se
efetiva na escola, as maiores dificuldades apresentadas e como os alunos são receptores desse
processo).
Os dados coletados na primeira e segunda etapa devem ser tabulados, analisados e
registrados em forma de relatório. Servirão de base para os instrumentos de coleta de dados
para a terceira etapa, ou seja, a análise do processo de aprendizagem.
Com base nos relatórios é construído, então, o projeto de intervenção, objetivando
atender às necessidades diagnosticadas e analisadas nas etapas anteriores.
Os projetos de intervenção devem ser acompanhados pelos professores acadêmicos e
pelos supervisores da escola campo, observando a mediação do processo de construção de
competências para a atuação como educador.
Na proposta em curso, a Faculdade do Noroeste de Minas cuida de estabelecer:
Projetos Pedagógicos que dêem conta, a cada momento, das especificidades do
público-alvo a ser atendido pelos cursos.
Sistemas gerenciadores de controle acadêmico que atendam às especificidades
dos projetos pedagógicos e das práticas de estágio.
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Sistema de avaliação interna permanente que permita determinar, a cada
momento, o atendimento aos propósitos definidos e estabelecer novos rumos
estratégicos, se necessário, estabelecendo os caminhos a seguir no cumprimento
da missão.
O grande desafio neste momento é criar espaços verdadeiros em que o perfil do novo
professor, ultrapasse o discurso, a retórica, provocando ações concretas e efetivas,
compatíveis com as exigências da modernidade, preparando indivíduos para viverem e
produzirem na sociedade do conhecimento.
Um professor crítico-reflexivo mudará o eixo do excesso de conteúdo para contagiar
seus alunos com novas idéias, projetos ousados e desafios relevantes na busca da construção
do conhecimento.
Com essa visão, o professor terá que saber ensinar educando, terá que saber fazer
pesquisa e saber elaborar e construir projetos de ensino com pesquisa, propondo trabalhos
coletivos, reflexivos e críticos.
A Ead vem crescendo no mundo e no Brasil, embora ainda não esteja consolidada
apesar da significativa trajetória histórica que apresenta.
A experiência com a disciplina Estágio Supervisionado nos cursos presenciais serve de
suporte para todas as considerações .Embasada nessa experiência é que busca-se analisar
como essas questões serão efetivadas na educação a distância fazendo uma junção das
experiências vivenciadas com as práticas em construção na modalidade EaD.
Nessa trajetória pode-se observar como as ações vão vendo implantadas e ou
modificadas para atender uma nova realidade, um novo público com novas demandas,
exigindo discussões e novas percepções sobre a EaD.
É por essa razão que o Estágio se torna em uma questão relevante por ser uma via
presencial na educação a distância ainda com conceitos e percepções divergentes entre os
vários modelos instituídos por diversas instituições.
Embora o crescimento da EaD deve-se ao fato do avanço das tecnologias de
comunicação e informação , esse avanço não significou acesso democrático e expansão
efetiva. Por essa razão o material impresso é de fundamental importância para que o aluno
possa compreender e executar as tarefas propostas.
O ambiente virtual (AVA) é um recurso que tem proporcionado um grande auxílio na
realização do Estágio, oferecendo instruções, modelos e reflexões sobre a importância da
prática do estágio, mas nem todos têm acesso às tecnologias.
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As oficinas elaboradas pelos professores de estágio, a presença do tutor, a parceria
com as escolas têm facilitado a vida do aluno estagiário.
As discussões e análises dos problemas surgidos têm provocado mudanças e efetivado
a realização das atividades. Muito ainda precisa ser feito. Cada polo, cada grupo de alunos
possuem características próprias que devem ser levadas em conta.
Acreditando na provisoriedade desse estudo e na inconclusão das reflexões realizadas
cria-se a convicção de que os momentos mudam, de que as ideias envolvem, de que os
trabalhos aperfeiçoam-se, de que as práticas transformam-se e de que as certezas e respostas
oportunizam outras interpretações, outras respostas e outras certezas.
É nessa perspectiva de provisoriedade e de mudança que a proposta do Estágio
Curricular está sendo implantada nos cursos de formação de professores em EAD da
Faculdade do Noroeste de Minas – FINOM, determinado pelo Projeto Pedagógico do Curso e
assumido pelo coletivo de seus protagonistas, professores e alunos, possibilitando a real
articulação entre a teoria e prática, mediante o exercício da reflexão sobre a prática e, por
extensão, acreditando no potencial do aluno, estimulando a consciência da cidadania, da
reflexão crítica de si mesmo do seu papel com0 ser que busca a transformação do mundo.
“... nada é fixo para aquele que alternadamente pensa e sonha...” (BACHELARD,
1991, p.51)
REFERÊNCIAS
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Supervisão. Porto: Porto Editora, 1996.
BARBOSA, E.F. GOMES, M.E.S. A Técnica de Grupos Focais para a Obtenção de Dados
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BACHELARD, Gaston. O Direito de Sonhar. Trad. M.I. Raposo. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1991.
CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisa em Ciências Humana e Sociais. 5ª Ed. São Paulo: Cortez,
2001.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Saberes Necessários à Prática Educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
MAZAZOTTI, Alda Judith. O Método nas Ciências Sociais e Naturais: Pesquisa
Quantitativa e Qualitativa. São Paulo: Pioneira, 1998.
PICONEZ, Stela C. Bertholo. A Prática de Ensino e o Estágio Supervisionado. 9 Ed.
Campinas/SP; Papirus, 1991.
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PIMENTA, Selma Garrido. Estágio e Docência. São Paulo: Cortez, 2004.
______. Estágio na Formação de Professores. 5 Ed. São Paulo: Cortez, 2002
RODRIGUES, Auro de Jesus. Metodologia Cientifica. São Paulo: Avercamp, 2006.
SOUZA, Maria Suzana de Lemos. Guia para Redação e Apresentação de Teses. 2ª Ed.
Belo Horizonte: Coopmed, 2002.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. 18 Ed. São Paulo:
Cortez, 1992.
TARDIF, M. Saberes e Formação Profissional. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002.
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MUITO PRAZER, EAD
Jacirema Pompeu Martins*
Resumo: Como modalidade de ensino, a Educação a distância cada vez mais ganha espaço no
cenário brasileiro e mundial. Apesar de pouco conhecido e respeitado, o ensino a distância
pode vir a ser um importante diferencial para a educação no país. Por sua geografia peculiar,
uma população em crescimento, entre outros fatores, torna a missão de levar um ensino de
qualidade que abrace de maneira completa aos mais desconhecidos rincões uma tarefa árdua e
prazerosa. Fazendo uso das novas tecnologias, a Educação a Distância no Brasil, tem crescido
muito na última década. Existem resistências à aplicação das novas tecnologias de
comunicação na educação do país, encabeçada por uma parcela da academia, de educadores
brasileiros e da elite, sob a alegação da perda da qualidade e do controle do processo
educacional. Este é um outro tema. Por hora nosso intuíto é apresentar a quantos não
reconhecem na educação a distância, a importância e a validade da atuação, bem como a
valorização dos profissionais envolvidos em todo o processo. Verdadeiro exercício de
disciplina, dedicação, companheirismo e, sobretudo, de aprendizado, em todos os sentidos.
Destacamos que, nos inteiramos sobre a modalidade de ensino em outro país. Logo depois,
atuando na FINOM, pudemos nos envolver de maneira mais completa com o processo de
educação a distância, adquirindo novos e bem-vindos conhecimentos. Nessa conversa,
pretendemos dar a conhecer um pouco da história e do desenvolvimento dessa jovem senhora.
Muito prazer, EaD.
Palavras chave: Educação a distância, modalidade de ensino, oportunidade, tecnologias.
Abstract: As education modality, the Education in the distance each time more gains space in
the Brazilian and world-wide scene. Although little known and respected, education in the
distance can come to be an important differential for the education in the country. For its
peculiar geography, a population in growth, among others factors, becomes the mission to
take a quality education that hugs in complete way to the most unknown rincões an arduous
and pleasant task. Making use of the new technologies, the Education in the distance in
Brazil, has grown very in the last decade. Resistencia to the application of the new
technologies of communication in the education of the country, headed for a parcel of the
academy, Brazilian educators and the elite exist, under the allegation of the loss of the quality
and the control of the educational process. This is one another subject. For the moment our
intention is to present how many they do not recognize in the education in the distance, the
importance and the validity of the performance, as well as the valuation of the involved
professionals in all the process. True exercise of disciplines, devotion, fellowship and, over
all, of learning, in all the directions. We detach that, we make entire in them on the modality
of education in another country. Soon later, acting in the FINOM, we could involving in them
in more complete way with the education process, acquiring in the distance new and welcome
* Mestre e Licenciada em Geografia pela UFU- Universidade Federal de Uberlândia, Especialista em Educação
Ambiental pela FAZU- Faculdade de Zootecnia de Uberaba, Especialista em Teologia- ESTELAU- Escola de
Teologia para Leigos da Diocese de Uberaba. E-mail: [email protected]
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knowledge. In this colloquy, we intend to give to know a little of the history and the
development of this young lady. Much pleasure, EaD.
Keywords: Education in the distance, modality of education, chance, technologies
1 Contextualizando a história da EaD
Muitos consideram que a educação a distância se desenvolveu com o advento da
internet. Tal pressuposto não está correto, pois existe uma história bastante interessante no
decurso, até os dias atuais. As Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), apenas
facilitaram a expansão dessa modalidade de ensino que teve seu início na década de 1880, nos
EUA, quando as pessoas que desejassem estudar em casa ou no trabalho poderiam, pela
primeira vez, conseguir a instrução de um professor a distância.
O histórico da educação a distância tem seu começo com os cursos de instrução
entregues pelo correio. Eles eram chamados de estudos por correspondência, estudos em casa
usados pelas primeiras escolas com fins lucrativos, e estudos independentes pelas
universidades. Isso ocorria devido à invenção de uma nova tecnologia, os serviços postais,
resultado da expansão das redes ferroviárias. (Moore, 2010)
Na década de 1887, o bispo John Vincente, co-fundador do Movimento Chautauqua,
criou o Círculo Literário e Científico Chautauqua. A organização oferecia um curso por
correspondência com duração de quatro anos, cobrindo o material de leitura para completar o
curso. (Scott, 1999). Na mesma época, na Pensilvânia, determinada escola vocacional privada
começou a oferecer um curso por correspondência sobre segurança de minas. O sucesso do
curso foi grande e a escola logo passou a oferecer outros cursos e, em 1891 passou a chamar-
se International Coorrespondence School.
Outros exemplos de estudos por correspondência podem ser citados. A universidade
Land Grand criou um curso exclusivo para as mulheres. Em 1900, a Cornell University indica
Martha Rensselaer para seu corpo docente com a finalidade de desenvolver um programa para
mulheres da região agrícola, ao norte de Nova York. Em cinco anos o programa contava com
mais de 20 mil mulheres (Cornell University, 2001).
Também ocorreu um rápido crescimento no setor privado, muito embora as práticas de
vendas de algumas escolas particulares tenham levado o método ao descrédito. Como
consequência as escolas com fins lucrativos organizaram o Conselho Nacional de Estudos em
Casa (CHSC), para regulamentar e promover práticas éticas e profissionalismo.
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Os estudos a distância seguiam crescendo e, em 1943, as Forças Armadas dos EUA
transformam o United States Armed Force Institute (USAFI), que oferecia mais de 200 cursos
por correspondência, abrangendo disciplinas do ensino elementar e médio, de nível superior,
técnicos e vocacionais, abrangendo cerca de 500 mil alunos ( Kenski, 2009).
Quando o rádio foi apresentado como uma nova tecnologia no início do século XX,
educadores dos departamentos de extensão das universidades reagiram com otimismo diante
da possibilidade de expandir o acesso à educação aos diferentes cantos do país. Entretanto
esta possibilidade não vingou, tornando-se um instrumento de médio alcance.
A televisão educativa, em 1934, estava em franco desenvolvimento nos Estados
Unidos. Foram realizados programas voltados à saúde, astronomia e educacionais de maneira
geral. (Moore, 2010)
Com o final da década de 1960 e o inicio de 1970 houve um período de mudanças
significativas na educação a distância, resultantes de experiências com novas modalidades de
organização tecnológica e de recursos humanos, levando a novas técnicas de instrução e a
uma nova teorização da educação.
Seguindo sua trajetória, digamos de sucesso, a educação a distância chega à quarta
geração, ou melhor, às teleconferências elaboradas normalmente para o uso de grupos,
atraindo um grande número de educadores por tratar-se de um tipo de aproximação mais
adequada à visão tradicional de educação como algo que ocorre nas classes, ao contrário dos
modelos por correspondência ou de universidade aberta que eram direcionados a pessoas que
aprendem sozinhas.
Na sequência, chega a era dos satélites de comunicação. Em 10 de abril de 1965, o
lançamento do satélite Early Bird disponibilizou cerca de 240 circuitos telefônicos ou um
canal de televisão sobre o Atlântico Norte que foi considerado um milagre tecnológico, dado
o alcance que ele permitia.
Chegamos à quinta geração: aulas virtuais baseadas no computador e na internet. Os
primeiros sistemas de computação, desenvolvidos nos anos de 1960 e 1970, eram máquinas
de grande porte, instalados em salas com muitos equipamentos. Eram interligados ou
conectados a terminais com teclados, por meio de cabos coaxiais no interior de edifícios ou
remotamente usados por conexão via telefone. (Moore, 2010)
O uso de rede de computadores para a educação a distância teve grande impulso com a
chegada do word wide web, um sistema aparentemente mágico que permitia o acesso a um
documento por computadores diferentes, separados por qualquer distância, utilizando
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software e sistemas operacionais diferentes. Já na década de 1990, algumas universidades
começaram a utilizar programas baseados na web.
2 Objetivo da Educação a Distância
Como no passado, milhões de pessoas buscam o ensino a distância com vistas a
alcançar sucesso, ascensão ou novos conhecimentos. A expressão estudos independentes
descreve os cursos por correspondência para diferenciá-los das escolas com fins lucrativos. Só
nos Estados Unidos existem mais de 150 universidades proporcionando cursos. A Coréia, que
tem na educação o grande diferencial, também aposta na modalidade. Na Europa, muitos
países fazem uso da EaD como ferramenta para alcançar grande parte da população.
Finlândia e Noruega fazem parte de um grupo que aposta na modalidade de ensino. A Turquia
possui a maior universidade de ensino à distância. Podemos ainda citar: Índia, Tailândia,
Espanha, Canadá e Venezuela. Nesse direcionamento, algumas universidades brasileiras já
apostam nessa iniciativa como forma de abertura para alcançar maior número de alunos. Para
tal fim, contam com os Telecursos, nos quais a principal tecnologia de comunicação se dá por
meio de vídeo gravado e transmitido. Os materiais do curso podem ser produzidos de acordo
com a disponibilidade financeira da instituição. (Moore, 2010)
Mais recentemente foram criados espaços interativos via internet, no qual o aluno
participa ativamente junto à universidade. Os departamentos especializados em EaD ganham
espaço devido à procura por cursos, forçando seus profissionais a se capacitarem
constantemente.
A peça fundamental da EaD, sem sombra de dúvidas, é o alcance que a mesma pode
ter. Quando pensamos no Brasil, com sua multiplicidade física, nas suas características
regionais fantásticas e ao mesmo tempo intrigantes, nos vêm à cabeça a imensidão amazônica
e o árido nordestino que anos a fio sonham com a melhoria ou a chance na educação.
Governos se vão e o quadro permanece igual. Ações efetivas e os passos que são dados em
direção à expansão do ensino tornam-se mínimos em comparação com o aumento
populacional.
3 Muito prazer, EaD
A educação à distância é um processo de ensino-aprendizagem que cada vez mais
conquista espaço em diversas instituições públicas ou privadas no Brasil. Por meio dela
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ocorre um processo de democratização do ensino, proporcionando acesso qualificado a várias
pessoas que, por inúmeros motivos, em outras circunstâncias, não poderiam estudar no
modelo presencial.
Na Sociedade em rede, aprender caracteriza-se por uma apropriação de conhecimento
que se dá numa realidade concreta. Isto é, parte-se da situação real vivida pelo educando, o
que é apoiado pela presença mediadora e gestora do professor compromissado com seus
alunos e com a construção de conhecimentos, procurando responder ao princípio da
aprendizagem significativa (Behar, 2009). Esse processo pressupõe o oferecimento ao
educando de informações relevantes que possam ser relacionadas com conceitos pré-
existentes em sua estrutura cognitiva e que terminam por influenciar na aprendizagem.
Nessa perspectiva, o conhecimento pode ser concebido como resultado da ação do
sujeito sobre a realidade, ficando o aluno com o papel de protagonista no processo da
aprendizagem construída de maneira cooperativa, na qual a relação com os outros sujeitos,
professores e colegas, pode diferenciar este ou aquele saber.
Certamente não foi somente a chegada das Tecnologias da Informação e Comunicação
(TIC) que impulsionam a educação a distância. Trata-se, na verdade, de um novo espaço
pedagógico. A educação a distância pode ser definida como uma forma de aprendizagem
organizada e uma das suas características mais marcantes é, obviamente, a separação física
entre o professor e os alunos durante a maior parte do tempo. Para haver comunicação é
necessária a utilização do meio de comunicação, da mídia utilizada no curso - material
impresso, áudio, vídeo, teleconferência, videoconferência, Internet, softwares, CD-ROM, etc;
que atuam como um ―filtro‖ na comunicação, diferenciando-a da presencial. Na aula face a
face, mesmo que a participação dos alunos seja restringida por timidez, ou pelo número de
alunos na mesma sala, o professor dispõe de uma série de sinais que permitem identificar a
reação dos educandos.
Uma rápida olhada, por exemplo, revela quem está realmente fazendo anotações, refletindo
sobre um conceito complexo ou se preparando para fazer um comentário. O estudante que
está frustrado, cansado ou desatento também é facilmente identificado. O professor atento
consciente e/ou inconscientemente recebe e processa estes sinais e ajusta a aula para atender
às necessidades dos alunos. (Behar, 2009, p 213)
Existe uma grande expectativa em relação a EaD, principalmente no ensino superior,
de acordo com os programas criados pelo MEC, que gerenciam ações de âmbito nacional para
a inserção da inovação tecnológica nos processos de ensino e aprendizagem como estratégia
para democratizar e elevar o padrão de qualidade da educação brasileira. Estas ações e
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programas visam promover o desenvolvimento e a incorporação das TIC e das técnicas de
educação à distância aos métodos didático-pedagógicos convencionais. Além disso, existe o
incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento de programas e projetos voltados para a construção
de novos conceitos e práticas nas instituições brasileiras.
É fácil perceber que a modalidade possui instrumentos capazes de transformar a
educação brasileira. É sabido que sem o uso intensivo de tecnologia, as instituições não terão
condições de alcançar todo o seu potencial de formação/capacitação na educação.
Educação a distância, modelo que pode ser aplicado e adaptado às grandes distâncias
do Brasil, na verdade pode ser uma solução para quantos almejam adquirir conhecimento.
Nesse sentido, é muito fácil chegar-se à pergunta: e a qualidade, como fica? Trabalhando na
modalidade e, tendo vivenciando a experiência em outro país, não somos tolos em acreditar
que como um passe de mágica tudo vai ser resolvido. A Educação a Distância pode ser uma
excelente oportunidade de ingresso em um curso de nível superior, em localidades de difícil
acesso e também com dificuldades naturais pelas quais passam quanto às questões relativas à
mobilidade e acessibilidade. Mas existem também as dificuldades de acompanhamento nas
aulas presenciais, o acesso aos materiais, bem como a interação e execução das avaliações
propostas pelos professores.
A Educação a Distância chega com todos os seus instrumentos, ferramentas e
organização para suprir esta lacuna na Educação. Algumas Universidades no país usam a EaD
como dispositivo de expansão, não somente dos seus cursos, mas também para o alargamento
de oportunidade a quantos necessitam de acesso a educação. Em tempos de inclusão não é
lícito negar aos alunos oriundos de escolas secundárias de turmas especiais a oportunidade de
formação universitária. A Educação a Distância vem ao encontro dessa necessidade.
O uso de ferramentas tecnológicas para a geração de ensino remoto pode propiciar o
rompimento do déficit educacional e encontrar o caminho para a inclusão digital na Sociedade
da Informação. Nesse sentido, a Educação a Distância pode ser definida como uma forma de
aprendizagem organizada que se caracteriza, basicamente, pela separação física entre
professor e aluno e a existência de algum tipo de tecnologia de mediação para estabelecer a
interação entre eles. Pode ser construída em bases pedagógicas diferentes. O Decreto 5.622,
de 19.12.2005, que regulamenta o artigo 80 da LDB, também define a EaD. Ela possui
elementos e instrumentos capazes de transformar a educação brasileira, capazes também de
atingir um leque maior de estudantes. Estamos falando de uma possível mudança
paradigmática e, com isso, a emergência de um novo Modelo Pedagógico. (Moore, 2010)
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Existem passos importantes e cautelosos a serem dados. Para uma EaD de sucesso, é
preciso um espaço físico adequado com pelo menos um computador ligado à rede de internet
a fim de dar suporte aos alunos; a presença do tutor é peça chave em todo o processo e a ele
será pedido, no mínimo, a formação acadêmica na área que será estudada, de forma que possa
apoiar e tirar dúvidas, auxiliando os alunos.
Existem várias modalidades de acompanhamento virtual da aprendizagem dos alunos,
como chats e AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem), que são excelentes caminhos para
se alcançar metas. O ambiente virtual de aprendizagem em cursos a distância é o espaço que
organiza os recursos e ferramentas para acesso aos cursos, por meio da interação com os
conteúdos, realização de atividades de aprendizagem, interação com o professor e colegas.
Portanto, não pode ser confundido como simples páginas ou meros bancos de informações na
internet. Outros recursos são usados: fóruns; avaliações e auto avaliação, além do Portfólio,
um auto-retrato da caminhada do aluno, uma vez que nesse processo são relatadas suas
dificuldades e conquistas. E-mails e telefones também são parte desse universo de
aprendizagem, por meio dos quais o aluno tira as dúvidas com o professor, tornando-o dessa
forma um agente ―real‖ na sua formação.
KENSKI, (2003) destaca as principais características de um website pedagógico para
ser considerado como um ambiente virtual de aprendizagem. Têm-se características
relacionadas com a comunicação, o registro de documentos, o acesso, a socialização e a
geração de inteligência coletiva. A comunicação deve ser multidirecional e afetiva. Todos
podem falar com todos de forma autônoma e com níveis de censura e etiqueta previamente
acordados pelo grupo.
O registro de conteúdos deve ser facilitado e todos devem ter acesso aberto no tempo e
no espaço, permitindo o gerenciamento de ritmo de aprendizagem e local de conexão.
A capacidade de gerar e/ou manter laços entre os indivíduos participantes de
determinados grupos numa rede aberta promove uma rápida socialização das idéias,
permitindo uma construção coletiva. Todos podem compartilhar de um saber comum.
Decerto algumas barreiras ainda devem ser quebradas, no sentido de tornar a EaD
mais produtiva e confiável. Aos poucos as dúvidas são sanadas e procedimentos mais eficazes
vão sendo incorporados ao sistema, lembrando o que falamos no início, o país é pleno de
contrastes e de meandros. Adaptar a modalidade ao grosso das suas necessidades é uma
verdadeira arte, mas é viável.
4 EaD- Professor também aprende
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Na Educação existem dois caminhos a serem seguidos, de acordo com Paulo Freire: ou
saímos da rotina e buscamos inovar a prática pedagógica diante da inclusão, ou ficamos
discutindo que a mesma não é viável, jogando a culpa no sistema de ensino. Inclusão não se
relaciona apenas aos diferentes, tem relação direta com oportunizar o acesso à educação de
qualidade. Remover das nossas salas de aula o antigo ranço do faz de conta é de importância
maior. Assim, faz-se necessário criar condições para que efetivamente o aluno aprenda e se
faça entender.
Os desafios da sociedade da informação são inúmeros e incluem desde os de caráter
técnico e econômico, cultural, social e legal, até os de natureza psicológica e filosófica. E seus
professores devem estar preparados para isso.
Os cursos de EaD apresentam uma equipe multidisciplinar e os professores assumem
papéis diferenciados, que incluem desde a gestão administrativa destes projetos até a atuação
como professor virtual, através de teleconferências. Estes professores são produtores quando
elaboram suas propostas de cursos, conselheiros quando acompanham os alunos, parceiros
quando constroem com os especialistas em tecnologia abordagens inovadoras de
aprendizagem. Consideramos ser este um passo importante na produção de materiais.
O professor responsável por um determinado conteúdo não precisa ser um especialista
em tecnologia para operacionalizar propostas inovadoras. Ele precisa ser um usuário pleno
das tecnologias para ser capaz de propor formas de interação do seu conteúdo por outras
mídias. Um professor que esteja restrito ao entendimento de que a aula só acontece em uma
sala tradicional, não conseguirá transpor os conteúdos de sua disciplina para a metodologia a
distância com eficácia. Estamos falando aqui em algo mais do que apenas o domínio
tecnológico. É necessária uma mudança de atitude frente ao novo.
Nessa perspectiva, ao sujeito não resta apenas adquirir conhecimentos operacionais
para poder desfrutar das possibilidades interativas com as novas tecnologias. O impacto das
novas tecnologias reflete-se de maneira ampliada sobre a própria natureza do que é ciência, do
que é conhecimento. Exige uma reflexão profunda sobre as concepções do que é o saber e
sobre as formas de ensinar e aprender.
Esta mudança de atitude precisa estar presente em todos os elementos envolvidos na
construção de um curso na modalidade a distância, especificamente no que tange aos
professores que interagem diretamente com o aluno. Investigar e analisar como se realiza a
aprendizagem e quais as ferramentas possíveis de utilização para viabilizá-las é fundamental
para quem trabalha com o aluno de EaD. A complexidade das relações na EaD pode ser
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exemplificada pela quantidade de pessoal envolvido para ofertar apenas uma disciplina. Entre
tutores, autores, revisores, especialistas de EaD, webdesigners, entre outros, a formatação
final da disciplina torna-se uma construção coletiva.
É provável que o resultado final seja bem diverso do pensamento inicial do professor-
autor, e esta é apenas mais uma das inúmeras crises que acontecem ao longo do processo.
Observamos que as definições dos diferentes papéis do professor na Educação a
Distância podem variar de acordo com a Instituição que desenvolve o projeto.
Para analisar a interação dos diferentes papéis do professor nos cursos de graduação a
distância, vamos utilizar as categorias propostas pela Secretaria de Educação a Distância
(SEED) do Ministério da Educação, que são adotadas pela maioria das universidades que
trabalham com EaD.
4.1 O Tutor
O tutor é o professor que atende o aluno diretamente no pólo, orientando-o na
execução de suas atividades, auxiliando-o na organização do seu tempo e dos seus estudos.
Geralmente ele apresenta uma formação generalista vinculada à área do curso e não a uma
determinada disciplina. Uma das atribuições do tutor é tirar as dúvidas dos alunos em relação
aos conteúdos apresentados, mas precisamos considerar que dependendo da disciplina ou do
conteúdo, esta tarefa poderá não ser desempenhada com sucesso. O tutor é a figura mais
próxima dos alunos e o relacionamento entre estes dois grupos é sempre estruturado em um
grau de afetividade bastante considerável.
Em todos os estudos sobre EaD é consenso a importância do papel da tutoria no
sucesso da aprendizagem e na manutenção destes alunos no processo. Em alguns casos,
verifica-se que o papel do tutor é mais importante do que o material utilizado ou as
plataformas de aprendizagem disponíveis.
O perfil do tutor de um curso a distância exige algumas características que não estão
relacionadas apenas a uma competência objetiva. São aspectos relacionados ao
relacionamento interpessoal e à compreensão de educação que cada indivíduo constrói
internamente. Não basta apenas um discurso motivador e uma proposta de trabalho enfocando
a construção do conhecimento de forma conjunta com o aluno. É fundamental que este tutor
adquira ou desenvolva habilidades de relacionamento interpessoal que valorize um processo
de formação flexível, com abertura para o diálogo e negociação constantes durante a
aprendizagem.
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4.2 Professor formador
O professor formador acompanha e operacionaliza a disciplina durante o período em
que ela está acontecendo. Ele pode ser ou não o autor do material utilizado pelo aluno. É
responsável pela elaboração das provas e das atividades e orienta os tutores nos objetivos e
entraves do conteúdo. O contato do professor/aluno é realizado através dos chats e dos
encontros presenciais agendados para a disciplina, embora esta atuação possa variar em cada
Universidade.
O foco deste professor é superar as dificuldades dos alunos com o conteúdo específico,
buscando alternativas para facilitar o processo de aprendizagem, pensando em momentos
presenciais e no formato adequado do conteúdo a ser usado virtualmente. O papel deste
professor é estabelecer uma ponte entre a aprendizagem realizada presencialmente, a partir do
contato com o tutor e a aprendizagem realizada através das diferentes mídias propostas
(vídeo, ambiente virtual, CD-Rom, material impresso, etc.).
Este professor, na maioria dos programas de EaD, é professor oriundo do ensino
presencial da universidade e apresenta pouca ou nenhuma experiência na modalidade a
distância. Ao participar de um curso desta natureza, ele terá que desenvolver habilidades não
apenas com as ferramentas tecnológicas, mas compreender quem é o aluno de um curso a
distância e qual a melhor forma de promover sua aprendizagem. É fato que este professor
trará suas maiores qualidades e defeitos para a EaD e dependendo de quais forem, estes
poderão ser amenizados ou potencializados.
4.3 Gestor
O professor que atua como gestor em educação a distância tem a função de transpor
todo o material desenvolvido para a linguagem em EaD, orientando os tutores e professores
formadores no processo de aprendizagem, gerenciando pedagogicamente o ambiente virtual e
todas as ferramentas tecnológicas utilizadas no curso. Cabe ao gestor em EaD unificar a
linguagem em EaD do curso, considerando o projeto político- pedagógico, o público alvo e os
recursos humanos disponíveis. Este professor atua diretamente com os alunos, professores
formadores, tutores e técnicos, observando os obstáculos no processo de aprendizagem,
propondo novas estratégias e realizando avaliações constantes durante o processo.
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5 Para não concluir
Podemos afirmar que a educação a distância não é uma modalidade recente.
Entretanto, no momento atual, os olhos estão voltados para ela com maior atenção. Sabemos
que, se usada de acordo com os parâmetros de acessibilidade, pode ser uma excelente saída
para minimizar o déficit de abrangência na educação brasileira.
Por outro lado, temos a figura do professor, nas diferentes modalidades exigidas pelo
MEC, e diferentemente do julgamento de alguns, o professor da EaD é um profissional
altamente capacitado, capaz de lidar com diferentes disciplinas, ou melhor, consegue transitar
entre elas com desenvoltura e seriedade, já que conta com a aliança, competência e parceria
dos seus pares.
O papel do professor na modalidade a distância é essencial para o sucesso da
aprendizagem do aluno, independentemente do papel que esteja exercendo em determinado
momento, seja motivador, autor, gerenciador de ambiente, etc. O conjunto de suas ações
determinará a qualidade e o sucesso do curso. A modalidade, por sua própria estrutura,
incentiva o aluno a desenvolver sua autonomia, ser independente, responsável por sua própria
aprendizagem. Estas competências aumentam o nível de exigência destes alunos,
desencadeando um processo contínuo de busca pela melhoria da qualidade e novas estratégias
de aprendizagem.
A compreensão da importância dos papéis múltiplos exercidos pelos professores na
EaD poderá abrir um espaço para revermos as estruturas implementadas até o momento.
Estruturas rígidas e fortemente hierarquizadas não coadunam com espaços de aprendizagem
flexíveis e abertas, assim como modelos prontos e fechados não terão espaço em uma
educação do futuro.
Os indivíduos toleram cada vez menos seguir cursos uniformes ou rígidos que não
correspondem as suas necessidades reais e à especificidade de seu trajeto de vida.
O mais importante é que ao ouvir os atores envolvidos no processo, refletir
conjuntamente e propor novos caminhos, todos estão crescendo durante esta jornada. Ao
compartilhar experiências e saberes, cientes que o conhecimento só pode existir como
construção coletiva da humanidade, estamos dando um importante passo em direção ao
futuro: o passo de quem não tem medo de errar e compartilhar.
6 Referências
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BEHAR, Patrícia. Modelos Pedagógicos em Educação a Distância. Porto Alegre: Artmed,
2009.
CORNELL University. From domesticity to modernity. Disponível em: http//rmc,
libary.cornell.edu/homeEc/defaut.html,2001. Acessado em 22.05.2011.
KENSKI, Vani Moreira. Tecnologias e ensino presencial e a distância. São Paulo: Papirus,
2003.
MOORE, Michael G. Educação a distância: uma visão integrada. São Paul: Cenage
Learning, 2010
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SOCIEDADE EM REDES: DO PRINCÍPIO DA GLOBALIZAÇÃO À EDUCAÇÃO A
DISTÂNCIA
Thaís Pereira*
Maxuel dos Santos Silva**
Resumo: ―Na medida em que o mundo se globaliza, apenas posso entendê-lo como um todo.
E todas as coisas a partir do mundo. Se me retiram a possibilidade de compreender o mundo
como ele é, se me bombardeiam todos os dias com informações que não são corretas, estão
me tirando à possibilidade de entender não só o mundo como a mim mesmo‖ (Milton Santos).
A sociedade atual vive uma crise civilizatória, uma mudança de paradigma decorrente da
internacionalização do mercado, do processo de globalização e do avanço das tecnologias de
informação e comunicação. Essas transformações acarretam uma serie de dilemas para os
modelos educativos existentes. Ao refletirmos sobre o futuro de nossa sociedade, sobre as
mudanças que estamos vivendo, não apenas as tecnológicas, mas também aquelas que
perpassam toda a vida social. Nesse cenário a EAD surge como uma das modalidades
alternativas para superar as limitações de atendimento a alunos que por motivos pessoais não
podem estar nas universidades presidenciais. Como quase todos os países o Brasil também
vem construindo alternativas educativas capazes de atender a população e a diversidade do
país, desde o início dos séculos XX, sabe-se que as experiências iniciais de ensino a distância,
assim comprovadamente temos a eficácia da EAD em meados dos anos 1925, sendo
aprimorado cada dia mais recorrendo às oportunidades com auxilio da informação. Perante
este contexto o objetivo principal deste trabalho é mostrar aos educadores e profissionais que
trabalham com as tecnologias, que sua utilização deverá ser como ferramenta de apoio no
processo de ensino e aprendizagem na educação à distância.
Palavras Chave: Educação, Qualidade, Distância, Conhecimento, Tecnologia, Informação.
Abstract: “As the world is globalized, I can only understand it as a whole. And all the things
from the world. If I remove the possibility of understanding the world as it is, if I bombarded
every day with information that is not correct, I are taking the opportunity to understand not
only the world as myself‖ (Milton Santos). Today's society experiencing a crisis of
civilization, a paradigm shift resulting from the internationalization of the market, the process
of globalization and advancement of information and communication technologies. These
changes lead to a series of dilemmas for the existing educational models. Reflecting on the
future of our society, about the changes we are living, not just technological, but also those
that pervade all social life. In this scenario the EAD emerged as one of alternative ways to
overcome the limitations of care to students who for personal reasons cannot be in the
university president. Like almost all countries Brazil has also been building educational
* Graduada e Mestre em Geografia / Universidade Federal de Uberlândia, Pós-Graduada em Educação A
Distância pela FINOM - Faculdade Noroeste de Minas. E-mail: [email protected]
**
Graduado Análise de Sistemas, Pós-graduado em Docência do Ensino Superior/ Gestão Escolar/ Faculdade do
Noroeste de Minas E-mail: [email protected]
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alternatives capable of meeting the population and diversity of the country since the early
twentieth century‘s, it is known that the initial experiences of teaching for distance, so we
have proven the effectiveness of distance education in the mid the year 1925, being improved
increasingly using the opportunities with the help of information. Against this background the
main objective of this paper is to show educators and professionals working with the
technology, its use should be as a support tool in the teaching and learning in distance
education.
Keywords: Education, Quality, Distance, Knowledge, Technology, Information.
1. Introdução
Nos últimos tempos, o avanço da tecnologia vem sendo tão grande que nos permite
dizer que o que é avançado hoje, amanhã poderá ser obsoleto. O uso da informática na
educação é tema de discussão por autores que buscam melhorar cada vez mais o seu uso no
contexto educacional. Visto que, inúmeros programas foram desenvolvidos na área da
informática propiciando uma verdadeira revolução no processo de ensino e aprendizagem do
país, digno de grande admiração pelos envolvidos e capaz de mudar o nosso conceito de
ensino do conhecimento e aprendizagem com qualidade.
Não só o avanço da informática como as mudanças de paradigmas educacionais vêm
sendo observadas nos últimos anos. Com o tempo a educação também se informatizou e hoje
estamos presenciando um processo de mudança de modelos educacionais, a tendência atual é
a Educação à distância, na qual se apoia em uma ferramenta imprescindível, a informática.
O uso de computadores vem sendo disseminado em todos os níveis escolares, desde
o ensino básico até as universidades. No Brasil muitas escolas já foram benefíciadas com
laboratórios de informática com acesso à Internet e programas desenvolvidos para auxiliar na
aprendizagem do aluno por meio da interatividade.
Porém, basta ter recursos e projetos muito bem estruturados e salas de informática de
ultima geração? Como utilizá-los de maneira a garantir o desenvolvimento concreto do aluno?
Estamos utilizando as ferramentas da forma correta? Estas são algumas das questões
abordadas por grande parte dos educadores brasileiros, como aborda Haetinger (2003):
Atualmente percebemos grandes progressos tecnológicos e mudanças na sociedade e no
comportamento humano, o que nos propõe desafios cada vez maiores no sentido de nos
atualizarmos constantemente e transformamos a avalanche de informações a que estamos
sujeitos em conhecimento real e prático. (HAETINGER, 2003, p.9)
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Diante deste progresso tecnológico, o governo brasileiro deu início a várias ações no
sentido de instalar computadores na área educacional do ensino fundamental e médio da rede
pública, tendo em vista, o progresso da qualidade tecnológica das escolas, de maneira que
fosse possível garantir aos alunos o acesso ao conhecimento de uma tecnologia utilizada na
sociedade moderna. O governo federal criou um projeto de informática educativa, que é o
Programa Nacional de Informática na Educação (PROINFO), uma iniciativa que está sendo
desenvolvida pela Secretaria de Educação a Distância (SEED/MEC), para introduzir a
tecnologia de informática na educação regular de ensino.
Outro importante incentivo da informatização do ensino foi a implementação do
modelo de Universidade Aberta do Brasil, que levam cursos de graduação principalmente nas
áreas de licenciatura à lugares que não existem universidades e faculdades, proporcionando
oportunidade para as populações desfavorecidas do país tanto pelo fator econômico quanto
geográfico, onde o uso da informática torna-se imprescindível para este aluno.
O uso da informática na educação precisa de professores preparados e treinados para
utilizar os recursos oferecidos por este sistema tecnológico de forma significativa, pois, o uso
de software sem orientação e sem um objetivo a ser almejado, não tem gerado um
aprendizado de excelência.
O objetivo principal deste trabalho é mostrar aos educadores e profissionais que
trabalham com as tecnologias, que sua utilização deverá ser como ferramenta de apoio no
processo de ensino e aprendizagem na educação à distância.
2. Desenvolvimento
2.1. Breve Histórico da Informática na Educação do Brasil:
A História da Informática na Educação do Brasil nasceu no início da década de
1970, a partir de algumas experiências na UFRJ, UFRGS e UNICAMP. Nos anos 80 se
estabeleceu por meio de diversas atividades que possibilitaram que esta área hoje tivesse uma
identidade própria, raízes sólidas e relativa maturidade. Apesar dos fortes apelos da mídia e
das qualidades inerentes ao computador, a sua inserção nas escolas está abaixo do que se
anunciava e se desejava. A informática na educação ainda não engendrou-se na prática
educativa e, por isto, não está firmada no sistema educacional e isso é um problema grave que
se não for solucionado, poderá retardar o desenvolvimento sistemático de um mundo
globalizado. Segundo, Haetinger (2003, p.15):
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[...] a informática aplicada aos processos educacionais pode oferecer um caminho de
mudança para a velha escola. Claro que nunca encarando-a como uma ―salvadora da
pátria‖, mas como mais uma ferramenta a serviço dos professores. Estes, por sua vez,
precisam reciclar-se para utilizar o computador não apenas como uma calculadora ou
como uma ―máquina de escrever textos‖.
Neste sentido o papel do professor em momento de novidade tecnológica, deve
percorrer pelo caminho da interatividade, pois o professor deixa de ser o informante e passa a
ser o mediador do conhecimento, relacionando os dois principais focos da discussão, a
educação a distância e a informática como ferramenta do aprendizado.
Como marco do novo milênio, a internet, a partir de 1995, inseriu no mercado,
iniciando uma nova revolução, a revolução digital, a era da inteligência em rede. Na qual,
seres humanos combinam sua inteligência, conhecimento e criatividade para revoluções na
produção de riquezas e desenvolvimento social. Conforme Tapscott (1997) essa revolução
atinge todos os empreendimentos da humanidade, aprendizagem, saúde, trabalho,
entretenimento. O proveito do computador em relação aos demais recursos tecnológicos, no
âmbito educacional, está relacionado à sua característica de interatividade, à sua grande
probabilidade de ser um instrumento que pode ser utilizado para promover a aprendizagem
individualizada, visto que ele só executa o que se ordena, assim sendo, limita-se aos
potenciais e anseios humanos.
Através de softwares, por exemplo, especificamente, os editores de texto são capazes
de desenvolver várias atividades que instigam às habilidades linguísticas, tais como a escrita e
a leitura, promovendo diferentes tipos de produções. Os softwares de simulações e de
programação são extraordinários recursos computacionais que possibilitam o aprimoramento
das habilidades de lógica matemática e de resolução de problemas, os softwares gráficos
estimulam o desenvolvimento das habilidades relacionadas à criatividade, além de
disponibilizarem uma série de recursos que facilitam a criação de desenhos e representações
artísticas e existem muitas outras possibilidades de desenvolvimento intelectual utilizando as
várias ferramentas computacionais disponíveis aos alunos.
O grande diferencial do computador é sua característica interativa com o meio,
através dele é possível integrar diversas mídias e demais recursos tecnológicos, desde o rádio,
a televisão, os vídeos, as filmadoras. Sendo um recurso perfeito para trabalhar sons e, ainda
torná-los visuais conforme as descrições de seus compassos, medidas dos ritmos sonoros.
2.2 - Contribuições da Informática no processo ensino e aprendizagem
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Para o uso das novas tecnologias aplicadas à educação, deve-se considerar uma nova
postura, tanto do professor como dos alunos. O aluno através do uso dessas ferramentas
compromete-se muito mais com seu aprendizado (o que não acontecia com o ensino
tradicional, que visava apenas recepção de conteúdos). E o professor precisa estar aberto
Às mudanças na sua forma de trabalhar para não promover apenas um ensino tradicional
com uma nova embalagem. (HAETINGER, 2003, p. 21)
A informática contribui para o desenvolvimento das habilidades de comunicação e de
estrutura lógica de pensamento. O importante, ao utilizar um dos recursos tecnológicos a
disposição das práticas pedagógicas, é questionar o objetivo que se quer atingir, avaliando
sempre as virtudes e limitações de tais recursos. Levando em questão as indagações: ―Quando
usar a tecnologia em sala de aula, e como utilizar estes novos recursos?‖, respondendo estas
perguntas deve-se levar em conta um critério: a tecnologia deve ser usada na classe a serviço
dos conteúdos. Isso exclui, por exemplo, as apresentações em Power Point que apenas tornam
as aulas mais diversificadas ou não, os jogos de computador que só entretêm as crianças ou
aqueles vídeos que simplesmente cobrem buracos de um planejamento malfeito.
Do ponto de vista do aprendizado, essas ferramentas devem colaborar para trabalhar
conteúdos que muitas vezes nem poderiam ser ensinados sem elas, afirma Regina Scarpa,
coordenadora pedagógica da Revista Nova Escola (2010), cujo tema foi sobre a tecnologia
que dá oportunidades de ensino. Mas é preciso avaliar se as oportunidades são significativas.
Isso ocorre quando as tecnologias colaboram para enfrentar desafios atuais, como descobrir
informações na internet e se localizar em um mapa virtual.
Neste momento, é importante alfabetizar o aluno na tecnologia, ou seja, auxiliar o
indivíduo a aprender a usar, descrever, refletir e explicar o funcionamento dos recursos
tecnológicos e não dos equipamentos. Isso significa pesquisar e transformar nossos
equipamentos informáticos para desenvolver novos sistemas; usar a tecnologia para
compreender a tecnologia da Física, da Química, da Matemática, e não mais a história do
computador, rudimentos de lógica simbólica, noções de sistema numérico binário ou
comandos da linguagem de programação. A gestão da escola precisa estar voltada para
facilitar os processos de aprendizagem, não só dos alunos, mas de todos os seus membros,
aprimorando constantemente os mecanismos de gestão e de ensino-aprendizagem.
Porém vale ressaltar que inúmeras escolas não têm utilizado a informática de forma
adequada e a favor do processo de ensino aprendizagem, deixando os computadores já ligados
e com os programas acessados, para que os alunos, ao chegar ao ambiente de informática, de
forma mecânica, utilizem as opções do programa. Desta maneira, o aluno não realiza
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nenhuma prática de ligar o computador, abrir os programas, portanto não percebe o conjunto
das relações existentes entre as utilidades reais do computador e a técnica em si. O professor
precisará ficar atento para uma real adequação dos softwares às suas ações na sala de aula.
Muitos acreditam que só por estarem utilizando softwares educacionais já estão efetuando a
prática da informática educativa.
O uso da tecnologia computacional na educação é indiscutível como necessária, seja
no sentido pedagógico ou social. Não compete mais à escola preparar o aluno apenas para as
habilidades de linguística e lógico-matemática, apresentarem o conhecimento e valorizar
apenas a memorização. Atualmente, com o novo conceito de inteligência, em que as pessoas
podem desenvolver suas diversas habilidades, o computador aparece num momento bastante
oportuno, inclusive para facilitar o desenvolvimento destas habilidades (lógico-matemática,
interpessoal, intrapessoal, espacial, musical e naturista).
É importante lembrar que apenas a inclusão da tecnologia na escola não é indicação
de mudança. O aluno, ao usar o computador para realizar tarefas (agora bem apresentadas,
coloridas, animadas etc.), não indica que ele compreendeu o que fez, significa apenas uma
prática condicionada. A qualidade da interação aprendiz-objeto é particularmente pertinente
no caso do uso da informática e de diferentes softwares disponíveis para os processos
educacionais.
Segundo Setzer (2002), o mau uso do computador induz a indisciplina, as crianças
não têm autocontrole suficiente para dominar-se, direcionado e restringindo o uso do
computador. Além disso, a indução de indisciplina é exatamente o oposto de algo que a
educação quer obter. Segundo ele, a educação deveria ter como um de seus mais elevados
objetivos desenvolverem vagarosamente os pensamentos, de maneira que eles se tornem
livres e criativos na idade adulta. Isso não acontece se são enquadrados muito cedo em formas
rígidas e mortas, como as que exigem todas as máquinas, e muito mais os computadores, que
trabalham unicamente ao nível mental estritamente formal.
É necessário introduzir o computador nas escolas, mas para ensinar a usá-lo e
compreendê-lo é importante ensinar o princípio do funcionamento destas e de outras
máquinas, para que elas não sejam um mistério. Os professores devem encarar o computador
como uma ferramenta que finalmente pode levar os alunos a estudar. Pelo menos há uma
vantagem trazida pelo fascínio que crianças têm pelos computadores usados na educação.
Talvez o maior serviço do computador na educação tenha sido tornar óbvio o que os
críticos da educação têm afirmado e as pesquisas sobre o declínio dela têm mostrado há
décadas: professores mal orientados, com falta de entusiasmo, e falta de amor pelos alunos,
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usando métodos deficientes, baseados em filosofias ou teorias educacionais que são mais
elucubrações mentais do que reflexões impregnadas de realidade e, no Brasil, salários
desprezíveis, produzem um ensino maçante a até massacrante. O computador pode ser
considerado o alarme para todos ouvirem: é um absurdo que uma máquina possa ser mais
interessante e atrair mais a atenção do que um ser humano se tiver a sensibilidade e a
criatividade que deveria ter como professor.
Além da apropriação dos recursos da informática, a formação docente deve provocar
reflexões sobre como, quando e por que utilizar o computador, já que a nova meta da
formação é o professor crítico e criativo. Nesse contexto, o computador não pode ser visto
como ―modismo‖, mas como uma ferramenta para promover a aprendizagem. Dentro desta
perspectiva, a formação dos educadores deve favorecer uma reflexão sobre a relação entre
teoria e prática e propiciar a experimentação de novas técnicas pedagógicas. Isto não significa
jogar fora as velhas práticas, mas sim se apropriar das novas para promover a transformação
necessária.
O maior problema não diz respeito à falta de acesso à informação ou às próprias
tecnologias que permitem o acesso, e sim a pouca capacidade crítica e procedimental para
lidar com a variedade e quantidade de informações e recursos tecnológicos. Conhecer e saber
usar estas tecnologias implica na aprendizagem de procedimentos para utilizá-las e,
principalmente, habilidades relacionadas ao tratamento da informação. Capacidade para criar
e comunicar-se por esses meios.
A partir de todas as iniciativas do Projeto Educação com Computadores (EDUCOM)
criado a partir de 1983, iniciaram vários movimentos em âmbitos estaduais e municipais em
várias cidades do Brasil. O projeto EDUCOM foi a primeira ação oficial e concreta para levar
os computadores até as escolas públicas. Foram criados como centros-piloto, responsáveis
pelo desenvolvimento de pesquisa e pela disseminação do uso dos computadores no processo
de ensino-aprendizagem.
Atualmente, pesquisadores e educadores estudam diferentes formas de utilização da
tecnologia dentro de um ambiente de aprendizagem, investigando o processo de aprender e as
características do processo de conhecimento frente ao computador e à Internet, dando uma
atenção especial ao uso do computador e suas possibilidades de utilização como ferramenta
pedagógica e também como meio de entender de que forma o processo de aprendizagem se
desenvolve a partir de tais estímulos.
Mais recentemente, por meio do Programa Nacional de Informática na Educação
(PROINFO) e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN‘s), o governo brasileiro tem
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indicado a necessidade do uso das novas tecnologias nas escolas, afirmando que devem
apontar a necessidade do desenvolvimento de trabalhos que contemplem o uso das
tecnologias da comunicação e da informação, para que todos, alunos e professores, possam
delas se apropriar e participar, bem como criticá-las com ou delas usufruir. (OLIVEIRA,
1989).
O PROINFO existente desde 1997 é uma iniciativa que está sendo desenvolvida pela
Secretaria de Educação à Distância (SEED/MEC), para introduzir a tecnologia de informática
na rede pública de ensino. A proposta da informática educativa é uma forma de aproximar a
cultura escolar dos avanços de que a sociedade já vem desfrutando com a utilização das redes
técnicas de armazenamento, transformação e produção de informações.
2.3 – A informática no novo modelo de Educação (EAD)
Após a discussão sobre as contribuições positivas e negativas do uso da informática na
educação e em outros setores profissionais, volta-se ao assunto sobre a idéia central de nossa
pesquisa ―A Educação à Distância e o processo de globalização numa sociedade em redes‖.
A EAD vem se organizando nos últimos tempos passando por vários modelos, desde
via correios, por telefone até o uso de computadores e principalmente da tecnologia
proporcionada pela internet, que alia-se a esta modalidade dando-a suporte para que haja
viabilização do conhecimento e a torne um processo elaborado e qualificado.
Os modelos da Educação a Distância não dependem apenas da forma de materiais a
serem utilizados, mas principalmente do conjunto Design – Desenvolvimento – Avaliação e
Revisão como aborda Willis (1996).
Mediante a tais mudanças Barros argumenta:
Tais preocupações surgiram diante das necessidades de mudanças radicais na área do
conhecimento em função da revolução industrial, das tecnologias e de seus
desdobramentos, tendo em vista a formação de um ser autônomo que saiba raciocinar e
relacionar os conhecimentos aprendidos na escola com as necessidades profissionais e
sociais, agindo com segurança, criatividade e naturalidade. Sob esse enfoque, o processo
educativo deverá possibilitar aos estudantes uma formação geral, fazendo uso da
interdisciplinaridade; incentivando o raciocínio e a capacidade de aprender; buscando dar
significado ao novo conhecimento. (BARROS, 2004, p.129)
As tecnologias têm um grande controle para esta realidade, pois, ela possibilita que
haja menor espaço de tempo entre a comunicação aluno e professor para uma maior distância
entre os mesmos, portanto Barros (2004) afirma que:
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O domínio das tecnologias da informação e da comunicação e a capacidade para integrá-
las à prática do magistério, acrescida do grande incentivo aos cursos de educação à
distância e sua utilização na formação continuada de professores (LDB, 1996, p. 128)
As novas tecnologias possibilitaram maior agilidade a modalidade de Educação a
Distância, contribuindo para maior interatividade entre o aluno e o conteúdo a ser estudado
possibilitando o aluno desenvolver a qualquer tipo de pesquisa durante a realização de seus
estudos como aborda Jonassem:
Os programas de educação à distância usam necessariamente tecnologias para suplantar
ou substituir as instruções ao vivo, face a face. Se as tecnologias facilitam a transmissão
de instruções, elas não mudarão a natureza destas sem mudanças fundamentais nas
concepções e métodos de ensino e aprendizagem. (JONASSEM, 1996, p. 69)
As tecnologias são consideradas pontes que abrem a sala de aula para o mundo e
representam nosso conhecimento, devido às diferentes formas de representação da realidade,
podendo tomar forma mais abstrata ou concreta, estática ou dinâmica, linear ou paralela,
embora todas elas, combinadas e integradas, possibilitam a melhor apreensão da realidade e o
desenvolvimento de todas as potencialidades do educando, dos diferentes tipos de
inteligência, habilidades e atitudes. Barros (2004) contribui da seguinte forma:
O conhecimento, oriundo das tecnologias, forma um cosmos com múltiplas realidades
que o processo educativo não consegue somente pela natureza humana assimilar e criar
uma cultura educativa inserida nesta interface emergente dos conhecimentos. (BARROS,
2004, p. 132)
Portanto, a Educação a distância na atualidade apóia-se no uso de computadores e
internet, pois, o acesso aos mesmos está se tornando cada vez mais possível devido ao valor
mais acessíveis dessa tecnologia e a necessidade em que a sociedade moderna tem para se
aperfeiçoar tanto nos estudos quanto no trabalho, vivendo uma sociedade em redes.
A informática tem sido uma peça imprescindível para suprir as necessidades do
homem moderno, hoje se pode estudar, qualificar-se e até fazer compras sem sair de casa,
pois é esta a tendência do homem moderno: menos deslocamento, menos trânsito e mais
comodidade em suas escolhas.
3. Considerações finais
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A Informática na Educação pode auxiliar de forma significativa o processo de ensino-
aprendizagem, deve-se ater a forma que este processo é e será incluído na realidade de ensino.
Preparar as escolas, equipando os laboratórios e salas de aula com computadores de última
geração, programas educacionais, disponibilidade do aluno e espaço na grade horária, não
basta.
Os professores devem ser melhor preparados para saber utilizar a ferramenta
Informática como apoio fundamental para as disciplinas ministradas satisfazendo assim a
necessidade de conhecimento do aluno. Os professores devem ater-se às possibilidades que
esse recurso tem e utilizá-lo, de nada adianta ter toda a estrutura física e lógica preparada se
ela não for utilizada. É de fundamental importância preocupar em manter disponível em
tempo necessário os laboratórios para sua utilização e que este se não torne assim um
obstáculo no desenvolvimento do processo de ensino. Não se pode admitir que seja criado um
processo interno de burocratização dificultando o acesso do aluno a estas salas de informática,
minimizando o tempo de disponibilidade, ou não, demonstrando ao aluno a real necessidade
de obtenção deste novo conhecimento numa sociedade globalizada.
É necessário que os professores também tenham esta visão, é preciso que todos os
envolvidos no processo de educação seja ela a distância ou não tenham o mesmo pensamento
visando utilizar as ferramentas disponíveis pela informática como forma de apoio útil para o
desenvolvimento educacional. Para incorporar a tecnologia no contexto escolar, é necessário
verificar quais são os pontos de vista dos docentes em relação aos impactos das tecnologias na
educação.
Portanto, ao utilizar os recursos tecnológicos é necessário questionar o objetivo que se
quer atingir, avaliando sempre as virtudes e limitações de tais recursos, para que haja um
planejamento condizente com a prática pedagógica
4. Referências
ALMEIDA e VALENTE, Núcleo de Informática Aplicada à Educação - NIED /PUC-SP:
Visão analítica da informática na educação no Brasil: a questão da formação do
professor. Disponível em Acesso em: 25 set. 2009.
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professores na sociedade do conhecimento. RIVERO, C. M. L. GALLO, S. (Orgs). Bauru.
SP: Edusc, 2004. p. 125-144.
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(Proinfo). http://www.inclusaodigital.gov.br/inclusao/links-outros-programas/proinfo-
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o professor na atualidade. 8ª ed. Rev. e Ampl. São Paulo: Érica, 2008.
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INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO: INVESTIGANDO A EXPERIÊNCIA DO
COLÉGIO CENECISTA JOÃO PINHEIRO
Vastí Mendes da Silva Rocha*
Resumo: Mudanças de paradigmas tornam-se uma constante em nossas vidas. O que
prevalecia como verdadeiro é considerado obsoleto em pouco tempo. Tudo muda muito
rápido e quanto à educação não pode ser diferente. Nesse sentido, a Informática Educativa
vem para dar uma mudança na educação, ampliar e ajudar o professor nessa tarefa de
transmissão de conhecimentos e torna-se tão importante quanto aprender a ler e escrever,
sendo básico para o aluno o uso do computador na sala de aula. A Informática Educativa vem
para romper a esfera do analfabetismo tecnológico e promover conhecimento e transformação
contínua. É uma forma nova e significativa para o professor em sala de aula. Considerando
esses aspectos, o presente artigo tem como objetivo mostrar a importância do computador
como ferramenta de uso do professor. Mostrar ao professor a importância de utilizar os
recursos tecnológicos e estar se aperfeiçoando na área, bem como mostrar que a informática
pode e deve ser usada em todos os ambientes da escola, representando um método atrativo e
muito eficaz para o aprendizado do aluno, bem como uma aliada para os professores.
Palavras Chaves: Informática Educativa. Recursos tecnológicos. Projeto Educativo.
Abstract: The changes of paradigms become constant in our life. The things that was
prevailing as truth is considered archaic in a few time. Everything changes very fast and the
education can‘t be different. The Educative Computation comes to give changes in the
education, to enlarge and help the teachers in this task of transmition of knowledge. The
Educative Computation become important as to learn to read and write, and it‘s basic to the
student the use of the computer in the classroom. The Educative Computation comes to split
the sphere of the technological illiteracy and promote knowledge and continuous information.
It‘s a new and significative way to the teacher in the classroom. This article has the purpose to
show the importance of the computer as a utensil to the teacher‘s use, show them the
importance of the use of technological resources and to improve them in the area. And to
show that the computer can and must be used in all the places at the school, it‘s an attractive
and very competent method to the learning of the students and an allied to the teachers.
Keywords: Computers in Education; Technological resources; Education Project
1 Introdução
Podemos ver claramente que existem vários meios que viabilizam o uso da informática
para na escola, a exemplo dos projetos pedagógicos desenvolvidos pelos professores e
* Licenciada em Letras pela Faculdade Cidade de João Pinheiro-FCJP. Especialista em Informática na Educação
pela Universidade Federal de Lavras – UFLA. Especialista em Educação a Distância pela Faculdade do Noroeste
de Minas – FINOM. E-mail: [email protected]
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aplicados aos alunos, em que o computador oferece meios diversos como auxílio ao trabalho
docente, seja a projeções de slides ou mesmo visitas a sites que ofereçam
esclarecimento/subsídios em relação ao projeto desenvolvido. Essa tecnologia pode e deve ser
usada pela direção da escola, que deve também mostrar recursos, a ampla a área que a
informática oferece. Essa iniciativa incentiva o professor a fazer o mesmo.
Como observa Tajra (2001,p.7),
[...] ficou nítido que o computador é uma ferramenta que pode ser utilizada com sucesso
em ambientes educativos, seja por meios de projetos educacionais, seja por enfoque
disciplinares, seja pela utilização restrita da própria informática.
Muitos se sentem atraídos por essa tecnologia, outros têm medos e receios, uma vez
que não foram esclarecidos em relação às implicações do uso das novas tecnologias. Sendo
assim, questionam como poderiam usar essa ferramenta em suas aulas. Esta é uma questão
interessante, dado que tudo tem que ser conhecido e discutido. Esse é o primeiro passo e
capacitar o professor: introduzir a linguagem básica da informática para que fique mais claro
para o professor o que ele está utilizando e como será utilizado.
Para este, é imprescindível visualizar quais são as tendências para o futuro, bem como
estarem aptos para participarem de um processo ensino-aprendizagem que realmente prepara
cidadãos conscientes de seus deveres e direitos numa sociedade globalizada como a que
vivemos.
Busco evidenciar neste artigo a importância da informática como meio para educação,
bem como o que podemos fazer com o computador no ambiente educacional, pensando
questões como a implantação de projetos de informática educativa, capacitação dos
professores, o sucesso da informática educativa e inclusiva, a sala de aula com recursos
computacionais, assim como a Internet na educação.
Consideramos na discussão presente um projeto desenvolvido com os alunos Colégio
Cenecista João Pinheiro, aqui apresentado. Para o desenvolvimento do Projeto, realizou-se
primeiramente um trabalho em sala de aula voltado para a aquisição de conhecimentos
prévios ao trabalho com a máquina.
Após todo esse processo, o aluno irá para ―Estação Digital‖ onde terão contato direto
com o computador. Neste espaço, farão atividades como interpretação de textos, redações
com imagens visuais, Tempestade Cerebral (brainstorming) com fotos e imagens e acesso a
sites educativos.
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O entendimento que se tem com esse projeto é o de que, decorrentemente, o aluno
apresentará sua opinião e autoria, dado que realizará produções próprias. Em contrapartida,
estaremos também observaremos seu interesse do aluno pelo conteúdo, sendo ele ensinado
com um dos meios educativos que o professor possuirá nessa nova etapa.
Tem-se que os alunos usaram com bastante intensidade a tecnologia para apresentar
seus trabalhos, com muito cuidado e com vários pontos interessantes, usando a visualização
de imagens, a topicalização dos conteúdos que iriam abordar em suas falas. A interação entre
professores, alunos e computador foi realmente completa.
A escola tem como objetivos a formação integral do ser humano, a apropriação do
conhecimento sistematizado e a preparação para a vida em sociedade e para o mercado de
trabalho. Essas são condições essenciais que preparam o aluno para o desafio dos novos
tempos, quando é preciso compreender a realidade e nela atuar de forma consciente e a partir
da cidadania. Nesse sentido, o Colégio Cenecista João Pinheiro, resguardando as adequações
necessárias às peculiaridades local, adota o projeto Político Pedagógico da Rede Pitágoras,
que apresenta como premissas fundamentais da práxis pedagógica:
o desenvolvimento de uma atitude de curiosidade, reflexão e crítica frente ao
conhecimento e à interpretação da realidade;
a capacidade de usar crítica e criatividade, as diversas formas de linguagem do mundo
contemporâneo;
a compreensão dos processos naturais e o respeito ao ambiente como valor vital, efetivo
e estético;
a autonomia, a cooperação e o sentido de co-responsabilidade nos processos de
desenvolvimentos individuais e coletivos;
a competência para atuar no mundo do trabalho dentro dos princípios de respeito por si
mesmo, pelos outros e pelos recursos da comunidade;
a motivação e a competência para dar prosseguimento à sua própria educação de
formação sistemática e assistemática (CCJP, 2003, p. 10).
Os computadores estão chegando a nossas escolas e, ante a estes, encontram-se se
muitos professores com sentimentos que são diversos. Percebe-se uma satisfação em poderem
participar de uma realidade tecnológica, também com vistas ao futuro, então surge a
ansiedade em saber tudo que a máquina pode oferecer; tem-se o medo de não ―levar jeito‖
para usar, o medo da mudança que chega com a informática educativa.
Como se nota atualmente, a informática tornou-se uma necessidade do mundo em que
vivemos, e, sendo assim, a escola não poderia ser indiferente com a responsabilidade. De um
modo geral, tem que abrir os olhos para a realidade e tornar-se uma ―Estação Digital‖
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também. É preciso ensinar nossos alunos a conviverem com o universo dos ―bytes‖, as redes,
os dispositivos eletrônicos e digitais, e uma infinidade mais que a máquina pode oferecer.
Naturalmente, muitos são contra esse avanço tecnológico nas escolas. No entanto, esse
é um processo inevitável e, sendo assim, não podemos permanecer como meros espectadores
e unicamente críticos desse avanço. Temos que entendê-lo para podermos interferir de modo a
modificá-lo para apropriarmos dele em nosso favor. Não quero dizer que temos que formar
analistas de sistema, técnicos em computadores, mas trazer essa nova técnica para
enriquecimento de nossas atividades curriculares e extracurriculares.
A informática vem desempenhando um papel importante na educação e há um
incentivo do professor para o uso desse meio de comunicação a favor da aprendizagem,
colocando em prática muitos conhecimentos, de forma agradável e moderna, o que reflete na
fala de um dos professores que adicionou a tecnologia às suas aulas: “[A Informática] trouxe,
a princípio, uma maior atenção por parte dos alunos e uma melhor compreensão das
matérias estudadas. Para o professor, acredito que tenha trazido uma maior facilidade para
se fazer compreendido”1.
O aluno, por sua vez, se interessa mais pelo conteúdo trabalhado e desenvolve um
potencial para as aulas e para a aprendizagem. As aulas, nos laboratórios de informática, vêm
surpreendendo muito, pois além de o aluno se interessar por ela, o professor tem a seu dispor
uma maneira mais emocionante e motivante de transmitir seu conhecimento, colocando a
máquina a seu favor. “Posso dizer em relação às aulas de biologia, onde as demonstrações e
exemplos animados de processos biológicos tornam as aulas mais ilustrativas e mais fáceis
de serem compreendidas”2. Nesta era para a qual caminhamos, o recurso à Informática será o
grande diferencial de competição. Tantos os pais quanto as escolas exigirão um professor que
esteja inscrito na era da informática, que possa passar para o aluno um conhecimento
interdisciplinar.
Podemos observar que ―[...] a preocupação da Psicopedagogia na Instituição Escolar é,
exatamente, melhorar as condições de aprendizagem dos alunos professores e de toda equipe
escolar‖ (WEIS, 1999, p. 10). Essa afirmação é correta; estamos indo ao encontro de um
século das máquinas, e, no contexto da ação pedagógica e do entendimento da aprendizagem
do aluno, temos que desfrutar das tecnologias, colocando-as a nosso favor, tirando todo
proveito possível de modo a estarmos educando os jovens também com vistas ao
1 Entrevista com Paulo Bernardes, Professor de Biologia do Colégio Cenecista. João Pinheiro, 10/04/2005.
2 Idem.
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desaparecimento do analfabetismo no letramento e na tecnologia, daí a imprescindibilidade do
trabalho de profissionais da educação.
Considerando as tecnologias no contexto educacional, ―[...] é preciso entender o
computador como instrumento, e, como tal, sem preconceitos a favor ou contra, analisá-lo‖
(MARQUES, 2000, p. 21). Avaliar o computador é dever nosso. Sabemos dos benefícios que
este pode trazer para nossos alunos. As infindáveis discussões também aconteceram quando
teve origem a gráfica, que podia munir o aluno do seu texto. À maneira como isso
revolucionou e trouxe benefícios, da mesma forma temos agora com o computador como uma
polêmica, levanta poeira, suscita reformulações.
O posicionamento assumido por mim é de otimismo, vejo no computador uma
ferramenta potente para motivação dos alunos, mesmo tendo em mente que – e exatamente
por isso – ―[...] o computador é um auxiliar de luxo para suas aulas‖ (MARQUES, 2000, p.
23).
Quando Marques (2000) diz que o computador de luxo isso abre para a significação de
que, na inscrição da sala de aula, este tem as qualidades que o professor precisa, qualidades
estas que podem complementar o que faltava. Com criatividade o professor vai fazer desta
máquina um companheiro de trabalho, coadjuvante das práticas educacionais que institui.
No entanto, o professor tem certo receio de usar essa máquina em seu proveito, pois vê
um rival no tocante ao seu lugar no Mercado. No entanto, esse receio não se justifica, pois, a
máquina aproxima mais, da noção de prótese que de um robô que o substitua: uma ferramenta
capacitará o professor em relação à melhoria do ensino, uma vez que, em grande parte, a
intuição e a subjetividade é do professor. O computado é somente o material que enriquece o
contato do aluno com o objeto do conhecimento, fazendo ambos tornarem mais dinâmicos. Na
visão do professor,
O professor que de alguma forma se sentir ameaçado, tende a perder seu espaço. Ele tem
que fazer dessa ameaça um estímulo para superar as dificuldades e se aperfeiçoar. Desta
forma, procuro sempre trabalhar no sentido de acompanhar as inovações tecnológicas
na sala de aula3.
Considerando a situação de exposição oral de conteúdos, por exemplo, cabe dizer que
o computador é capaz de interagir com o aluno, mas não em todos os níveis: ele somente
recebe os dados que nós fornecemos, o ―input‖. Os dados são armazenados em sua memória
e, a partir daí, toca ao professor trabalhar com todas as possibilidades oferecidas pela
3 Entrevista com Paulo Bernardes Professor de Biologia do Colégio Cenecista. João Pinheiro, 10/04/2005.
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máquina. Da parte afetiva explanação fica encarregado o professor, que falará e ensinará o
que se deve acrescentar. No dizer do professor, “O que realmente mudou foi o fato de que
uma necessidade a princípio amedrontadora – pois ate então nada eu sabia de informática –
se tornou uma atividade prazerosa e que já está incorporada no meu dia-a-dia.”4
Esse dizer, que demonstra a passagem do medo para a instrumentalização do uso da
Informativa, concerne ao dado de que o professor tem que permanecer se educando em
relação às tecnologias para escolher o software adequado para a utilização como recurso no
processo educativo, de modo a escolher dentre eles o que permita a elaboração de diferentes
estratégias, estimulo do raciocínio, bem como a solução criativa de problemas por parte do
aluno. Desta forma, professor e aluno vão explorar conhecimentos e aproveitar este para o
próprio aprendizado e atualização, pois, essa e uma demanda atual para o professor e cabe a
este cobrar isso do aluno, tendo em vista a função educacional escolar. Estar em sintonia com
a ―Era Digital‖ não é mais uma vaidade: agora é necessidade, demanda. O aluno assim
desenvolve uma maneira saudável de utilizar a máquina, tendo seu professor como ponto
fundamental para seu crescimento e educacional e em relação ao digital.
Nós professores poderemos usar o computador para diversas atividades educativas. Na
Redação virtual, o aluno vê as imagens projetadas na tela pelo programa Power Point onde
terão uma redação chamada não-verbal, visual. Após análise de todas as figuras o aluno irá
então redigir o texto com toda criatividade que ocasionou as telas mostradas. “Tenho usado
essa tecnologia no preparo de aulas em data-show, pesquisas na Internet e aulas e debates
onlines5.
O computador a serviço da educação é uma ferramenta que, apesar de possuir defeitos,
como toda máquina, sua capacidade sobressai, constituindo-se numa excelente ferramenta
para nós educadores e amantes da arte de ensinar e aprender.
Considerando o acima exposto, as questões que nortearam esse artigo foram: Quais os
principais fatores de benefício para os alunos dessas séries? Os pais são importante no uso
dessa nova tecnologia? O contato diário com a máquina ajuda o aluno a aperfeiçoar seus
conhecimentos? O professor tem um papel de motivador? O papel da escola é importante?
Postas estas questões, os objetivos dessa pesquisa podem ser assim definidos:
Identificar os principais fatores de benefício para os alunos das séries em ter o
computador como auxiliador para sua aprendizagem;
4 Entrevista com Paulo Bernardes Professor de Biologia do Colégio Cenecista. João Pinheiro, 10/04/2005.
5 Entrevista com Paulo Bernardes Professor de Biologia do Colégio Cenecista. João Pinheiro, 10/04/2005.
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Analisar a importância do computador como material nas aulas;
Analisar o aproveitamento do aluno com esse método inovador e tecnológico;
Verificar se é importante o papel da escola;
Identificar se o professor tem um papel de motivador.
Investiguei, assim, se há necessidade de se ter a informática como aliada na tarefa de
ensinar, considerando que a tecnologia incorporada à sala de aula desperta no aluno um
interesse maior pela disciplina e pelas aulas.
2 A Informática e a Escola
Constatando que a Informática está inserida nas várias áreas da atividade humana,
podendo ser utilizada para diversas finalidades, meu propósito com esse projeto de pesquisa é
mostrar que ela também é um excelente recurso no processo ensino-aprendizagem.
Para desenvolver o seu trabalho diário em sala de aula, o educador dispunha, até
pouco tempo atrás, de alguns recursos didáticos como quadro-de-giz e outros meios
audiovisuais, embora já se pensasse na utilização de computadores como meio auxiliar do
processo de aprendizagem; mas isso, na prática, parecia um sonho.
Atualmente, o uso de computadores no processo pedagógico já é realidade e uma
conquista da escola. Seu uso não se limita mais a algumas poucas escolas privilegiadas, pois
pode ser encontrado tanto em escolas particulares como em algumas unidades das redes
públicas de ensino, uma vez que a informática tornou-se uma necessidade no mundo em que
vivemos, e a escola, dentro desse contexto, tem a missão de preparar o indivíduo para a vida,
com a responsabilidade de não fechar os olhos para essa realidade.
Acredito que é preciso, então, construir uma ponte entre as atividades curriculares e o
uso dos computadores, inovando assim a prática pedagógica, pois as aulas às vezes se tornam
rotineiras, deixando o aluno desinteressado. Inserindo-se o computador nas práticas
educativas, poder-se-á aguçar o conhecimento do aluno, uma vez este se posta como uma
alternativa frente à cobrança formal da sala de aula. Para Marques,
Assim como o livro, o vídeo e o filme, o computador não é usado apenas para motivar os
alunos e faze-los participar mais ativamente do trabalho escolar. Como outros recursos,
ele é um instrumento de comunicação de dados (MARQUES, 2002, p. 277).
A relação de ensino é uma relação de comunicação que visa formar e informar. O
computador apresenta uma nova forma de comunicar o conhecimento pressupondo a interação
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com o aluno, ou seja: esse recurso desenvolve uma espécie de diálogo entre homem e
máquina. O computador não substitui o professor – é apenas mais um recurso de que este se
vale para atingir os objetivos educacionais propostos e melhorar a qualidade do ensino.
As atividades realizadas com o apoio da informática trouxe para as minhas aulas
condições para os alunos perceberem que não vemos algo da mesma forma a partir do
mesmo ângulo, e ainda que a imagem na telinha depende do ponto de vista de cada um.
Que não existe uma verdade única nem um único caminho para a análise e interpretação
a respeito de qualquer coisa. Outro ponto positivo é a possibilidade das minhas aulas
serem mais atrativas, gerar debates e participação geral dos alunos6.
Cabe ao sistema educacional então educar para a informática, levar o aluno a exercer
cidadania na sociedade fazendo uso da tecnologia, criando condições de interpretar seus
efeitos sociais. Portanto, o emprego do computador no processo pedagógico, assim como uso
de qualquer outra tecnologia, exige do educador uma reflexão critica. Refletir criticamente
sobre o valor pedagógico da informática significa também refletir sobre as transformações da
escola e repensar o futuro da educação, considerando que o uso do computador poderá ser
usado para desenvolver a socialização ou o individualismo, a cooperação ou a competição.
Poderá ser usado também para desenvolver as estruturas de pensamentos ou para transmitir
conhecimentos. Seu uso então dependerá da concepção de educação adotada e dos objetivos
do professor.
Sob objetivos adequados, a aprendizagem, se processa por observação e descoberta, o
que permitem a reconstrução do conhecimento. Nessa perspectiva, o computador é usado para
a socialização e para o desenvolvimento das estruturas do pensamento. ―Portanto, quanto ao
uso do computador na educação, a preocupação da escola não deve ser apenas com a
aprendizagem da informática, mas da aprendizagem pela informática‖ (HAIDT, 2000, p.
280).
Nesse sentido, e pelo uso do computador que o aluno experimenta e verifica as formas
de pensamento num contexto de resolução de problemas e de comunicação, bem como
desenvolve processo que ele pode transpor para outras disciplinas. O aluno, então, deve ter a
oportunidade de manipular o computador como um suporte para suas descobertas, e o
computador como instrumento de ensino é capaz de possibilitar a introdução de praticamente
qualquer área do currículo, em qualquer momento do processo ensino-aprendizagem. Além
6 Entrevista com a professora de Redação do Colégio Cenecista de João Pinheiro, Maria de Lurdes Aguiar. João
Pinheiro 10/04/2005.
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disso, o computador, por características que lhe são próprias, apresenta muitas vantagens
sobre os instrumentos didáticos em muitas situações de ensino.
2.1 O Professor e a Informática
A informática, por sua vez, tem que ter acesso à escola pela sala dos professores,
sendo ali o canal onde será feito todo o ligamento com a escola. O professor tem que estar
disposto a se informatizar e colocar a Informática Educativa a seu favor, sendo ele um
aprendiz e um educador. Para que o professor possa dar uma aula com o uso dessa tecnologia
ele primeiramente deverá estar ciente do que será seu aliado naquela arte de ensinar sua
matéria.
O professor tem de estar ciente de que a informática é uma aliada, não uma rival, que
nunca poderá, sozinha, fazer o papel de educador. Que o calor humano, a alegria, o contágio
emocional estão no professor, o poder de encantamento está no educador não na máquina –
ela somente repassa o que foi proposto para ser passado, nada mais. Por isso a necessidade de
o professor aprender a lidar com o computador para usá-lo dentro de suas perspectivas,
fazendo de suas aulas um ―show de ensino‖. “A informática abre inúmeras possibilidades,
principalmente no tocante a pesquisa e ao acesso a várias versões sobre o assunto,
proporcionando novas leituras de mundo. Outro ponto importante é a possibilidade do uso da
imagem no ensino da História”7.
A informática educativa é uma forma de o professor estar ligado e ligando o aluno ao
mundo digital e tecnológico em que vivemos, pois no futuro próximo, quem não estiver
inserido no contexto tecnológico estará fora de circulação.
Hoje as escolas estão se preocupando mais em usar o computador, e o professor, por
sua vez, deve estar se aperfeiçoando para o uso de tal recurso, que só vem somar e multiplicar
conhecimentos, além de fazer o aluno perceber noções mais amplas de conhecimento de
mundo e do conteúdo aplicado. Como bem observa a professora de História da escola
pesquisada, “é impossível pensar a escola sem pesquisa e não existe pesquisa sem
comunicação, sem globalização, enfim, sem a informática”.
3 Informática no Brasil
7 Entrevista com a professora de História do Colégio Cenecista de João Pinheiro, Maria Célia da Silva
Gonçalves. João Pinheiro 10/04/2005
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A denominação Tecnologia Educacional (TE) não despontou no Brasil com um
conceito pronto do que seria esta. Os educadores depararam com diferentes conceitos que se
caracterizavam pela compreensão diferenciada do papel da tecnologia no processo educativo.
Em 1979 acontece o XI Seminário Brasileiro de Tecnologia Educacional. Vem aí a
primeira interligação entre educação e informática, com vistas a utilizar os recursos
computacionais nas atividades educacionais.
Desde o início do ano de 1980 é discutido o uso da informática na escola, tema
polêmico debatido em conferências, revistas, artigos e que trouxe à tona um desejo do
professor de saber o que o aluno faria com essa tão moderna tecnologia na sala de aula.
Depois, em 1982, a Comissão Especial de Educação ficou com a responsabilidade de colher
subsídios para gerar normas e diretrizes para a área da informática na educação. Até aí, isso
tudo vinha somente no papel, era somente burocracia, não se constituía em ação. Em 1981 foi
realizado em Brasília o I Seminário Nacional de Informática na Educação, promovido pela
SEI, MEC e CNPq, representando então o marco inicial das discussões sobre a informática na
educação, envolvendo, dessa forma, pessoas que estavam diretamente ligadas ao processo
educacional.
Ao mesmo tempo, se vivemos em um momento de profunda necessidade de
transformação do sistema educacional brasileiro, na expectativa de garantir uma escola
pública, democrática e de qualidade à classe trabalhadora, nossa analise da Política de
informática Educativa não pode restringir – se apenas à sua interpretação, mas antes de
tudo contribuir na perspectiva de transformação. ― Os filósofos já interpretaram o mundo
de diferentes maneiras; do que se trata é de transforma-lo (MARX E ENGELS, 2000
apud OLIVEIRA, 2001, p.54).
Entendemos a partir desse trecho que a educação necessita de mudança, de novidade,
uma mudança que funcione, métodos que sejam eficazes no auxilio da inclusão do educando e
dos educadores na era digital. Cabe a nós não só a interpretação do conteúdo como também a
propagação de seus resultados – contribuir para formação de indivíduos que estejam incluídos
no mundo da tecnologia e assim ampliar as chances deste indivíduo estar no mercado de
trabalho. O trabalho da escola é fazer com que o professor se aperfeiçoe na informática, pois
assim ele estará utilizando o método de maneira eficaz em suas aulas, colocando o aluno em
contato com a tecnologia da informática.
A informática educativa no Brasil tinha como tentativa mostrar que o computador não
seria um modismo, mas sim uma arma eficaz na educação dos alunos, formando alunos mais
capacitados e mão de obra qualificada. Tendo em mente que ―É preciso estar consciente de
que há algo além das aparências que dá o significado verdadeiro à realidade‖ (LUCKESI et al.
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1982, p. 9), era preciso mostrar para a sociedade que o computador ia além de sua aparência,
que iria trazer resultados para a educação e que seria um aliado para o professor, bem como
uma maneira inteligente e agradável de prender a atenção de nossos alunos.
Entretanto, o computador não estava sendo encarado como o salvador da educação
brasileira. Veio a tomar novas feições quando foram criados os Centros de Informática
Educativa, surgindo assim uma maior preocupação, o que levou as Secretarias Municipais e
Estaduais a darem suporte de acordo com as realidades do local.
A Informática Educativa está em andamento no Brasil até hoje, buscando rumos que
possam facilitar o contato do aluno com a máquina e dar às escolas o direito e condições de
terem professores capacitados e estações digitais para seus alunos. O Programa Nacional de
Informática na Educação (PROINFO) vai abranger no Brasil as escolas de Ensino
Fundamental e Médio, fazendo a incorporação e o processo de informatização das escolas e
de seus professores das equipes administrativas, mostrando que estes podem fazer aulas com
o uso da tecnologia, bem como incorporarem à tecnologia da Informática, tanto quanto a seus
alunos.
Conclusão
A escola precisa da Informática como aliada no processo de construção do
conhecimento, nunca podendo descartar o professor, pois ele sempre será o agente que
proporcionará a integração entre aluno e computador. É preciso mostrar a necessidade de
capacitar nossos professores e inseri-los no mundo da tecnologia, apontando que o educador
evolui com o mundo e que não pára no tempo, mas caminha junto e proporciona melhora para
suas aulas e para a vida dos alunos.
A função da escola é ter como meta principal a construção do conhecimento e, como
instituição social, deve promover o acesso aos saberes. Temos que estar cientes de que a
criança e o adolescente da atualidade convivem com a tecnologia a todo o momento. Sendo
assim, não podemos excluí-la da vida deles no ambiente escolar.
A escola não pode se alienar da sociedade. Deixar de criar espaços e projetos que
envolvam professores e alunos é condenar seus integrantes ao ―analfabetismo‖. No mundo
globalizado é fundamental que o aluno tenha essa educação na sala de aula, que ele possa
estar tecnologicamente alfabetizado e que nossos professores tenham domínio deste conteúdo.
Na era de informação e comunicação, onde tudo se atualiza a cada segundo, onde a
ampliação da informação é necessária, precisamos estar dispondo deste produto em nossas
escolas.
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Cabe a nós questionar a importância da Informática Educativa e entender que esta não
é mais uma matéria acrescentada ao currículo do aluno e do professor, voltada somente para a
nota e provas teóricas. Devemos buscar fazer com que esta aprimore as partes já desgastadas
da escola, seja uma possibilidade de transformação do ambiente escolar, onde os professores,
com empolgação e exploração do computador, aumentem as possibilidades de diferentes
caminhos para resoluções de problemas de uma forma mais rápida, motivante, rompendo
assim com descrenças dos que não cedem aos ganhos do desenvolvimento tecnológico.
Para alcançarmos essa possibilidade transformadora devemos discutir a informática
Educativa, elaborar projetos, inserir nossos alunos no mundo digital através de conteúdos que
atribuam sentidos a eles.
A Informática Educativa deve ser ampliada nas escolas e mediada sempre pelo
professor que, sendo problematizador, será um forte agente do processo de construção e
reconstrução do conhecimento.
A informática Educativa vem como dinamizadora do processo de educação, trazendo
para o professor uma forma agradável e convidativa para estar ensinando e aprendendo com
os alunos, pois, com a informática na sala de aula, o professor torna – se um mediador de
conhecimento e não uma máquina do saber.
REFERENCIAS
AGUIAR, Maria de Lurdes. Maria de Lurdes Aguiar: depoimento Abril de 2005.
Entrevistadora: V. M. da S. Rocha. João Pinheiro, 2005. Questionário com 10 perguntas
abertas. Entrevista concedida à pesquisadora para a finalização da monografia de conclusão
do curso de Letras.
BERNARDES, Paulo. Paulo Bernardes: depoimento Abril de 2005. Entrevistadora: V. M. da
S. Rocha. Pinheiro, 2005. Abril de 2005. Entrevistadora: V. M. da S. Rocha. João Pinheiro,
2005. Questionário com 10 perguntas abertas. Entrevista concedida à pesquisadora para a
finalização da monografia de conclusão do curso de Letras.
.
GONÇALVES, Maria Célia da Silva. Maria Célia da Silva Gonçalves: depoimento abril de
2005. Entrevistadora: V. M. da S. Rocha. João Pinheiro, 2005. Abril de 2005. Entrevistadora:
V. M. da S. Rocha João Pinheiro, 2005. Questionário com 10 perguntas abertas. Entrevista
concedida à pesquisadora para a finalização da monografia de conclusão do curso de Letras.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da Educação. São Paulo: Editora Cortez, 1992 –
(Coleção magistério 2º grau. Série formação do Professor).
TAJRA, Sanmya Feitosa. Informática na Educação: novas ferramentas pedagógicas para o
professor. 7. ed. São Paulo: Editora Érica, 2007.
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WEISS, Alba Maria Lemme. A informática e os problemas escolares de aprendizagem. 2.
ed. Rio de Janeiro: Editora DP&A, 1999.
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A CENSURA VESTE FARDA: A MEMÓRIA DA IMPRENSA ESCRITA DE
MONTES CLAROS/MG SOBRE A CENSURA DURANTE O REGIME MILITAR
1964-1968
Camila Gonçalves Silva*
Resumo: O objetivo de nossa apreciação será compreender a memória dos jornalistas que
atuaram na imprensa escrita de Montes Claros/MG, nos jornais ‗Diário de Montes Claros‘ e
‗Jornal de Montes Claros‘ durante os anos de 1964-1968. O recorte temporal abarca o período
de maior repressão à imprensa escrita em âmbito nacional, ou seja, os pioneiros anos do
Governo Militar brasileiro, que perdurou até 1985. Nesse sentido, analisaremos o conceito de
censura e as suas variantes: censura, autocensura, censura prévia e censor.
Palavras Chaves: Censura, imprensa, memória.
Abstract: The aim of our appreciation is to understand the memory of journalists who
worked in the press of Montes Claros, in the newspapers "Diario de Montes Claros'and
'Journal of Montes Claros' during the years 1964-1968. The time frame encompasses the
period of increased repression in the press nationwide, ie, the pioneering years of Brazilian
military government, which lasted until 1985. Accordingly, we analyze the concept of
censorship and its variants: censorship, censorship, censorship and censor.
Keywords: Censorship, media, memory.
Introdução
A presente comunicação é parte do resultado final da dissertação de mestrado
intitulada ―A censura veste farda: Elites conservadoras, policiais militares e o consentimento
da imprensa escrita à censura, durante o Governo Militar em Montes Claros de 1964-1985‖,
cuja defesa realizou-se em janeiro de 2011. A nossa pesquisa esteve vinculada ao Programa
de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora/PPGH-UFJF.
Analisamos o espaço de sociabilidade das redações de Montes Claros tendo como
base a Metodologia da História Oral. As entrevistas concedidas pelos jornalistas, fontes de
* Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de
Fora/PPGH-UFJF. Tutora dos Cursos a Distância de História e Geografia, Unidade 071-B, da Faculdade do
Noroeste de Minas/FINOM, Paracatu/MG. E-mail para contato: [email protected]
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nossa pesquisa, referem-se aos profissionais que atuaram em nosso contexto de análise, 1964
a 1968, nos jornais ‗Diário de Montes Claros‘ e ‗Jornal de Montes Claros‘. Consideramos
importante especificarmos de que modo realizamos as entrevistas. Optamos pela Entrevista
Estruturada Padronizada, conforme sugerido pelas pesquisadoras Janaína Amado e Marieta de
Moraes Ferreira em ―Usos e Abusos da História Oral‖ (AMADO; FERREIRA, 2000). A
Entrevista Estruturada Padronizada consistiu em elaborar um questionário padrão contendo as
questões mais relevantes para a pesquisa. Contudo, também propiciamos liberdade ao
entrevistado para explicar ou emitir informações, sem necessariamente seguir rigidamente o
questionário. Realizamos cinco entrevistas com jornalistas que trabalharam nos jornais
mencionados.
Além das fontes orais, o nosso aporte teórico abarca as recentes produções
historiográficas relacionadas à censura impetrada à imprensa no governo militar. Dentre as
quais se destaca as obras de Annie Marie Smith (SMITH, 2000) e Beatriz Kushnir
(KUSHNIR, 2004). Para esse artigo privilegiamos a análise do conceito de censura, e suas
variantes: censura, autocensura, censura prévia e censor para a cidade de Montes Claros, lócus
de nossa pesquisa.
„Diário de Montes Claros‟ e „Jornal de Montes Claros‟2: Repressão multifacetada:
censor, censura, autocensura e censura prévia
Consideramos primordial a discussão de alguns conceitos, que serão os pilares
constitutivos de nosso artigo. Nessa acepção, analisaremos os conceitos de censura, de
autocensura e de censor. Ressalvamos que esses conceitos serão abordados do ponto de vista
político, raramente abordaremos a censura que prevê a manutenção da moral e dos bons
costumes da sociedade. Porém, é primordial entender que a prática da censura política, nesse
contexto, também utiliza a justificativa de proteção da moral e dos bons costumes da
sociedade. Por seu turno, a análise conceitual da censura virá atrelada as nossas fontes, para
que possamos perceber a aplicabilidade das várias formas de censura nas redações dos jornais:
‗Diário de Montes Claros‘ e ‗Jornal de Montes Claros‘.
De acordo com Anne-Marie Smith, (SMITH, 2000, p. 96) a censura é todo o
impedimento ou restrição de discutir, analisar e divulgar opiniões, conceitos ou qualquer tipo
de informação em um contexto político. O cerceamento da liberdade de expressão amortece
2 Para facilitar a redação do texto, optei por utilizar siglas para designar os jornais: ‗Jornal de Montes Claros‘
como ‗JMC‘ e ‗Diário de Montes Claros‘ como ‗DMC‘.
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as possibilidades de crítica ou questionamentos pela sociedade, sobretudo daqueles que se
julgam capazes de desempenhar esse papel. Ainda nas palavras da autora, a censura:
(...) se destina a servir aos interesses dos que se encontram no poder ao gerar ignorância e
distorção, ao enfraquecer ou incapacitar um povo submisso. (...) A censura impossibilita o
escrutínio, cerceando esforços no sentido de atribuir responsabilidades aos governantes.
Sob a censura, manipulam-se a compreensão da realidade social e natural, a posição de
alguém no mundo, principalmente, com frequência, dos que detêm o poder. (SMITH,
2000, p.196)
Corroborando essa apreciação, Alexandre Ayub Stephanou (STEPHANOU, 2001)
aponta que o principal objetivo da censura, praticada no período militar, era o interesse em
encobrir as arbitrariedades e assegurar a continuidade do governo vigente. Com esse propósito
o Estado cria a chamada ‗censura oficial‘ para manter a credibilidade do governo e certificar a
conformidade social.
O autor faz menção ao pesquisador Nobert Elias, para explicar a origem do exercício
da censura, ―está no processo civilizador que constitui uma mudança na conduta e
sentimentos humanos rumo a uma direção.‖ (STEPHANOU, 2001, p. 193-194) O controle da
conduta humana, conforme Elias, é realizado por terceiros, ou seja, pelos órgãos ou
instituições que tenham essa finalidade, com o desígnio de regulamentar o comportamento e a
vida do homem de maneira uniforme e genérica. Stephanou, ao citar o cineasta Fritz Lang,
afirma que o controle literário e artístico renuncia a tudo o que pode romper com o
tradicional, sob a justificativa de manter a lei e a ordem. Para Lang, esta situação impõe ao
público a posição de infantil e imaturo, que não deve e nem tem capacidade de lidar com o
‗novo‘.
Anne-Marie Smith destaca que os elementos que compunham e defendiam o regime
militar justificavam, de variadas formas, a censura:
Para começar com a realidade, a censura simplesmente existe (...) o que seria de nossas
personalidades se não houvesse a censura interna? (...) A censura existe para passar uma
idéia, de uma sensação, do fluxo do nosso id, do nosso subconsciente, onde existem
terríveis segredos, para fatos e comportamentos.3 (SMITH, 2000, p.137)
Essa concepção remete à psicologia de Freud para justificar que, se todos os
indivíduos têm, inconscientemente, mecanismos auto-reguladores para conviver em
sociedade, o Estado também deve e pode criar instrumentos capazes de controlar a circulação
3 Nina Ribeiro: Deputado da Arena que defendeu a aplicabilidade da censura no Brasil. Citado pelo jornalista
Walter Fontoura em entrevista concedida pela autora.
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de informações em âmbito nacional. De acordo com Kushnir, esse tipo de justificativa é
próprio das sociedades modernas, em que a censura é tomada como algo psicanalítico:
Os censores seriam, assim, uma parte do superego - definido como lócus da personalidade
responsável por ideias e valores, que age inconscientemente sobre o ego contra pulsões
que provocam culpa. (...) o papel do censor, do superego, seria o de defensor, guardião,
vigilante e zelador, para que partes recalcadas do inconsciente não emergissem no
consciente. (KUSHNIR, 2004, p.157).
Para Paolo Marconi (MARCONI, 1983), Beatriz Kushnir (KUSHNIR, 2004) e Smith
(SMITH, 2001) a censura, nesse contexto, é sempre política porque ela era regulamentada e
realizada pelos setores incumbidos pelo governo de cumprirem essa função. Logicamente, ao
realizar a censura com o intuito de preservar a continuidade e legitimidade do governo, ela
acabava por atuar em outros setores, como nas artes, na música ou no cinema, sobretudo para
preservar a lei, a moral e os bons costumes. Seguindo essa acepção, compreenderemos os
impactos da censura política em nosso objeto.
Nas redações dos jornais de Montes Claros, pesquisados por nós, encontramos
indicativos de que a censura aplicada tinha o interesse em garantir a legitimidade e a
seqüência do regime. Essa censura política também objetivava, ao mesmo tempo, o controle
social, ao proibir a veiculação de matérias que pudessem atentar contra a imagem do governo
e que pudesse gerar descontentamento e manifestações sociais. De igual maneira, ao realizar
essas ações, a censura também tinha o intuito de impedir a proliferação de ideologias de
esquerda, como o socialismo e o comunismo. De certo modo, controlar a imprensa
representava manter o fantasma do ‗inimigo interno‘ distante do restante da população.
Felipe Antônio Guimarães Gabrich, que iniciou o seu trabalho como jornalista em
1963, no ‗Jornal de Montes Claros‘ e, a partir de 1965 passou a atuar no ‗Diário de Montes
Claros‘, explica que, após a instalação do governo militar, a rotina das redações foi alterada.
Primeiro, pela presença de policiais militares, segundo pela introdução da censura por esses
policiais. No trecho a seguir, evidenciamos que esse era o objetivo da censura realizada pela
corporação policial militar nas redações do ‗JMC‘ e ‗DMC‘:
(...) a imprensa de modo geral era vista como locutor da população com os políticos, ela
tinha a capacidade reivindicatória e investigativa ao mesmo tempo e o governo,
sabidamente o militar, tratou de podar isso. (...). No caso de Montes Claros
especificamente, as redações de [do Jornal de] Montes Claros e do Diário de Montes
Claros, jornais que havia na época, tinha uma veiculação não só do município mas
também o jornal. Nós fomos vigiados por um policial da PM, da Polícia Militar, então foi
para o Diário de Montes Claros um Coronel e foi para o Jornal de Montes Claros um
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Capitão. O Coronel Neto ficou no Diário de Montes Claros e veio até a ser diretor do
Colégio Tiradentes e o Capitão Lázaro que veio a ser Comandante do Décimo Batalhão
de Polícia, foi Major, Coronel, hoje ele é até aposentado e fazia o policiamento no Jornal
de Montes Claros. (GABRICH, 2009)
De igual maneira, o jornalista Haroldo Lívio, que também atuou no ‗JMC‘, destaca
que a introdução de censores, se efetivou a partir do golpe de 1964. Para Lívio, esses policiais
representaram o fim da liberdade de expressão: ―(...) em 64 veio a mordaça, né? Veio a
censura, houve censura, houve intervenção direto onde oficiais interventores nas redações,
mas isso não durou muito tempo não‖. (LÍVIO, 2009) O jornalista Jorge Nunes, que trabalhou
no ‗DMC‘ também ressalta que, logo após a instauração do governo militar, a redação do
jornal passou a contar com o censor trabalhando diariamente na redação:
―Eu atuei na imprensa em uma época muito difícil que foi na época da Ditadura Militar,
né? Eu entrei para o jornal em 62 e em 64 veio o movimento militar então foi uma época
principalmente de 64 até 71 foi uma época muito difícil para a imprensa. Porque para
você ter uma ideia nós trabalhamos no Diário de Montes Claros praticamente dois anos
com um censor na redação do jornal.‖ (NUNES, 2009)
Como podemos observar, os relatos são imprecisos ao estimar o tempo exato de
permanência desses censores, cotidianamente, nas redações. Alguns falam de dois, outros
mencionam três a quatro anos. Por seu turno, nesse caso, o que nos interessa analisar são os
motivos pelos quais esse censor permaneceu apenas durante os primeiros anos do Regime
Militar.
Nesse sentido, quando Lívio ressalta que a presença dos censores nas redações não
persistiu durante muito tempo, isso tem uma explicação. Pelo fato de os dois jornais não terem
aceitado, imediatamente, se autocensurar, tanto o ‗JMC‘ quanto o ‗DMC‘ conviveram, em um
primeiro momento, com a censura prévia, e, posteriormente, com a autocensura. Nessa
perspectiva, se faz necessária a compreensão das várias faces da censura.
Para Smith, a autocensura é a subdivisão da censura, a aceitação ‗forçada‘ das
normas impostas pela censura e a sujeição a elas no intuito de evitar punições ou pressões.
―Existe algo a dizer, você sabe disso, mas não diz. Não é o silêncio da ignorância ou da falta
de discernimento, e sim a abstenção inconsciente.‖ (SMITH, 2001: p.136) As implicações da
autocensura, segundo a autora, são as mesmas da prática da censura. A sociedade deixa de ter
acesso aos acontecimentos e aos fatos que são classificados como proibidos. É a informação
negada, para o público e para o autor do texto. A imprensa acaba sendo ‗vítima‘ e ‗agente‘ da
censura: ―O público é uma vítima evidente tanto da censura quanto da autocensura. Embora a
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imprensa seja uma vítima da censura, o enigma da autocensura é discernir se - ou melhor, até
que ponto - a imprensa é vítima ou cúmplice‖. (SMITH, 2001, p.136)
Em virtude de ter realizado esse ‗acordo forçado‘ o ‗JMC‘ alterou o seu enfoque ao
evitar os assuntos considerados ‗proibidos‘. Embora Lívio não tenha afirmado que, nesse
período, o jornal tenha mudado o seu enfoque, isso fica claro quando comparamos a postura e
o perfil do ‗JMC‘ antes e depois do golpe de 1964. Quando o jornalista Oswaldo Antunes
comprou o jornal, seu interesse era romper com o arcaísmo da imprensa local. Publicar
matérias políticas, policiais e econômicas era o seu enfoque. A postura combativa, crítica e
investigativa que o jornal ostentou, até então, foi atenuada a partir do governo militar. Para
Lívio, aceitação , a partir de meados da década de 1960, de não veicular reportagens que
pudessem atentar contra a imagem do regime é um forte indício, não apenas da autocensura,
mas de como era um ‗acordo forçado‘. Não publicar esse tipo de matéria era condição
necessária para não haver mais censor na redação:
(...) com o passar do tempo eles viram que a linha do jornal não era tão adiantada ou tão
agressiva quanto a dos grandes centros e foram afrouxando e até por fim, por final, os
interventores não estavam indo nem mais, não tava lendo nada, desapareceu a censura.
(LIVIO, 2009)
No entanto, quando o depoente expressa que com o tempo ‗desapareceu a censura‘, o
mesmo faz referência à presença cotidiana dos censores nas redações, conforme podemos
observar no trecho a seguir:
Geralmente era um oficial da PM que era encarregado disso era um sacrifício para ele ler
todas as matérias de jornais antes da impressão (risos) isso é que o que eu fico pensando.
Fizeram lá uma espécie de acordo lá com a direção se aparecesse um fato muito
importante, discutisse que eles mandariam lá um censor para fazer a avaliação da matéria.
Só tiveram cuidado de não avançar, né? Então com o tempo foi relaxando a censura.
(grifo nosso) (LÍVIO, 2009)
Confirmando essas reflexões, Beatriz Kushnir faz referência ao jornalista Bernardo
Kucinski, (KUSHNIR, 2004: p. 45) ao explicar a dinâmica da ‗aceitação‘ da autocensura. De
acordo com Kucinski, a censura em si era o tema mais proibido, chegava a ser subliminar,
sabia-se que ela estava sendo realizada, mas não era permitido comentá-la dentro e,
principalmente, fora das redações. A sua realização, na maioria das vezes, era ‗acertada‘ em
um acordo entre jornalistas e donos de jornais com os responsáveis pela realização da censura.
A intenção era clara, o instinto de sobrevivência, ou seja, evitar represálias e manter a
empresa em funcionamento:
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(...) A autocensura é a supressão intencional da informação ou de parte dela pelo
jornalista ou pela empresa jornalística, de forma a iludir o leitor ou privá-lo de dados
relevantes. Trata-se de uma importante fraude porque é uma mentira ativa, oriunda não de
uma reação instintiva, mas da intenção de esconder a verdade. (...) [Portanto] a mídia agiu
como um aparelho ideológico do Estado (...) [como um] coadjuvante dos aparelhos
repressivos do Estado. (KUSHNIR, 2004, p. 42)
Embora encontremos indicativos de que a redação do ‗JMC‘ acatou aos ditames da
autocensura, isso não significa que os profissionais da redação foram dóceis nesse processo.
Por vezes era difícil ter que aceitar que não tinha mais autonomia para exercer a sua profissão.
Apesar da resistência, a palavra final acabou sendo da corporação policial militar, como
podemos observar no trecho a seguir:
No jornal o que os repórteres faziam o editor publicava. Eu não me lembro assim de
intervenção militar ir direto assim e fechar uma redação isso não houve aqui não. O
Diretor do Jornal de Montes Claros o Oswaldo Antunes enfrentou um diálogo duro com o
comandante do Batalhão Fleury isso é até contado no livro dele que foi lançado no ano
passado, então o episódio mais forte foi esse. Um representante da imprensa e um
representante do Regime Militar. (...)Aqui em Montes Claros. Ele mandou uma intimação
para Oswaldo Antunes para comparecer no Batalhão e ele não foi... e ele foi cedendo,
cedendo... Até que ele mesmo o comandante foi lá e falou com o dono do jornal. (LÍVIO,
2009)
Da mesma maneira que a autocensura, a censura prévia era uma subdivisão da
censura. A principal diferença entre elas é que, com a autocensura nem sempre era necessária
a presença de censores nas redações, isso fazia parte do acordo. Kushnir ressalta que em
vários momentos a concessão de não haver um censor fazia parte do compromisso ‗forçado‘
entre donos de jornais e o aparelho repressivo. Não ter um censor na redação era, talvez, a
única concessão que o sistema cerceador oferecia para os jornais seguirem todas as
recomendações impostas.
De acordo com Smith, na maioria das vezes, as ordens para a realização da
autocensura não vinham assinadas, por vezes eram ordens anônimas, apenas com os dizeres
‗de ordem superior está vetado‘, ‗com cortes‘, ou somente: ‗liberado‘. (SMITH, 2001, p. 94)
Desse modo, a autocensura interfere diretamente no primeiro estágio da escrita de qualquer
matéria, o desejo de escrever sobre determinado assunto, o seu enfoque, enfim a sua liberdade
profissional. Estabelece-se então o pacto entre os donos de jornais de ter liberdade, mas com
responsabilidade.
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Não obstante, para exercer a censura prévia, era preciso o comparecimento de um
censor para garantir o cumprimento das ordens da censura. De um lado estava o jornalista,
que continuava escrevendo as suas matérias, do outro estava o censor, também realizando o
seu trabalho, e que emitia o parecer final. Em virtude desse aspecto, tanto o ‗JMC‘ quanto o
‗DMC‘ tiveram, em suas redações, censores com a função de ler todo o material produzido e
determinar o que deveria ser publicado ou não. Essa constante convivência com o censor
imputou, inclusive, na percepção do método aplicado por ele e, consequentemente, na
elaboração de maneiras para contornar a censura:
Tinha sim, ela tinha uma mesa, tinha uma cadeira, ficasse assim sentado e toda notícia
que você fazia, antes de você passar para o editor... Entre vocês? Entre nós, toda notícia
que a gente escrevia, era máquina de datilografia naquela época, né? (...) Como você a
princípio, começou a riscar, e aí nós descobrimos o que que é que ele estava riscando e
porque que ele estava riscando. Nós sabíamos, sabíamos logo e daí tratamos de criar em
todos os setores uma linguagem subliminar para fugir da conceituação que eles tinha da
conceituação, da literatura deles. Não pode falar mal do governo! (...) ‗olha tá faltando
isso, é culpa de quem?‘ Pode ser do governo e tal, você jogava as coisas no ar,
obviamente que o leitor entendia que você estava se referindo a quem você queria referir.
(QUEIROZ, 2009)
O dono do ‗DMC‘, jornalista Décio Gonçalves de Queiroz, relata que, por vezes, era
incômoda a presença do censor todos os dias na redação. Mas, era uma convivência
necessária e, só através do ‗acordo‘, é que o dono do ‗DMC‘ podia garantir a ausência do
censor na redação. Porém, seguindo a linha de pensamento de Kushnir, essa ‗liberdade‘ que a
ausência do censor imputava vinha sob a condição de ter ‗responsabilidade‘, conforme
podemos perceber na posterior citação:
E nós tínhamos que rodar todas as matérias, e tinha muita matéria que ele achava que
podia estar atacando o Regime Militar ou coisa semelhante, né? E o censor ficou lá
conosco durante uns três anos, dois... depois tiraram ele de lá. (...) E a gente também
não... a gente já era advertido que não podia exceder se excedesse eles fechavam o jornal
da gente e prendia todo mundo. Era assim a coisa toda! (Queiroz, 2009)
Assim, o censor assume a representação oficial, a personificação institucional do
aparato de controle à imprensa. Para Smith, em âmbito nacional, a presença desse
personagem na redação dependia das circunstâncias e da postura do jornal. O censor podia
estar como um agente oficial identificável ou a paisana. Pelos depoimentos não há uma
unanimidade de como esse personagem se apresentava na redação dos jornais.
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À paisana ou fardado, não havia dúvidas de que ele era um policial militar. Primeiro
porque não havia uma rotatividade, uma variação desses censores. Geralmente, o mesmo
censor trabalhava diariamente nas redações, juntamente com os demais jornalistas. Em
segundo lugar, porque em uma cidade pequena não era difícil encontrar esse mesmo policial
em outros lugares. Esses aspectos podem ser observados pelos fragmentos selecionados a
seguir. No primeiro, temos a descrição do censor realizada por Queiroz, proprietário do
‗DMC‘. No segundo, a descrição de Haroldo Lívio sobre o nível de formação dos oficiais que
desempenhavam o papel de censor nos jornais:
E nós enfrentamos, tivemos dentro do jornal um censor. Mandaram para lá um Capitão da
Polícia Militar e todo dia para... a Revolução até isso a Revolução fez. Esse militar ele
nunca foi lá vestido de uniforme, ele ia à paisana, camisa comum, calça comum, calçado
às vezes sandália e ele tinha lá um local dentro da redação que ele ficava lá dentro como
se fosse um funcionário nosso, e ninguém podia falar que ele era um censor. Todas as
matérias que o jornal ia publicar tinham que passar necessariamente pela mão dele, e ele
olhava todas as matérias dizendo: ― essa você publica, essa não!‖ (QUEIROZ, 2009)
Geralmente era um oficial da PM que era encarregado disso era um sacrifício para ele ler
todas as matérias de jornais antes da impressão (risos) isso é que o que eu fico pensando.
(...) Não eram soldados, eram oficiais, né? Gente com formação acadêmica superior. Para
fazer uma censura no jornal tem que ter uma boa noção de história, de política não era
soldado raso não. (OLIVEIRA, 2009)
Assim sendo, com a presença do censor, a personificação da censura, as ações de
resistência eram mais expressivas do que quando o jornalista está se autocensurando. A luta
era mais intensa, as tentativas de contornar as técnicas do censor, o uso de metáforas,
mensagens subliminares. Como veremos, posteriormente, o jornalista utilizava a criatividade
para expor para o leitor o que queria sem o censor perceber, fazia parte do desafio diário do
regime militar.
Por seu turno, Kushnir, em seu trabalho, apontou que os ‗cães de guarda‘ eram
pessoas treinadas para exercerem essa função. Funcionários da Polícia Federal eram treinados
e, diante da crescente demanda, foram realizados vários concursos públicos para o cargo de
censor. A autora, através da sua pesquisa, apresentou provas de que muitos jornalistas, em
busca de estabilidade profissional, prestaram concursos e se tornaram censores oficiais do
governo.
Além do mais, trabalhar como jornalista em tempos de censura, além de não ser
prazeroso, também não era rentável. Gastar material, deslocar vários profissionais e preparar
várias matérias para no fim do expediente saber que a maioria delas não chegaria às ruas era,
no mínimo, desmotivador. No caso das redações examinadas por nós, esse também era o
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desafio diário. Porém, no caso das redações do ‗JMC‘ e do ‗DMC‘ quem desempenhava a
função de censor eram membros da corporação policial militar.
O que nos interessa destacar aqui é que, a maioria dos estudos relacionados à censura
a imprensa, no contexto militar, como, por exemplo, os trabalhos de Kushnir e Smith,
explicam o processo de realização da censura a partir de um aparato repressor estruturado e
organizado. Em nosso trabalho o que acontece é justamente o contrário. A corporação da
Polícia Militar é treinada para atuar na vigilância das cidades, combater a criminalidade,
enfim, garantir a segurança social. O 10º Batalhão de Política Militar de Montes Claros-
BPMMC4 parece ter adaptado os objetivos da sua formação aos ditames da Doutrina de
Segurança Nacional, ou seja, proteger a sociedade contra o ‗inimigo interno‘. Sendo a
imprensa a ‗porta voz‘ da sociedade, vigiá-la significava combater e também ‗cortar o mal
pela raiz‘.
No entanto, a afinidade entre as categorias da censura arroladas é senão o fato de que
a regra era censurar, rotineiramente, as redações por quase todo o país. Além do mais, o sigilo
e o silêncio também faziam parte do ‗acordo forçado‘. Apenas um seleto grupo tinha
conhecimento da execução da censura, ―(...) a censura em si era um dos temas mais
censurados.‖ (SMITH, 2001: p.96) Queiroz, da mesma maneira, faz menção a esse aspecto:
―(...) ele tinha lá um local dentro da redação que ele ficava lá dentro como se fosse um
funcionário nosso, e ninguém podia falar que ele era um censor‖. (QUEIROZ, 2009) Enfim, o
silêncio parece ter sido o principal regulador dessa relação, não apenas na grande imprensa,
situada nas capitais do país, como também nas redações de uma cidade periférica no sertão
norte mineiro.
Nesse ponto, precisamos destacar um aspecto primordial para compreender a censura
realizada pela guarnição policial militar nas redações montesclarenses. Tanto o ‗JMC‘ quanto
o ‗DMC‘ não tinham uma circulação restrita à cidade de Montes Claros. Os dois impressos
saiam três vezes por semana e cobriam várias cidades da região do Norte de Minas. Desta
forma, a censura realizada pelo 10º BPMMC envolvia também uma noção de estratégia.
Controlar a imprensa representava coibir, consequentemente, a divulgação de informações,
inclusive em outras cidades da região.
Além do mais, quando foi criado, em 1956, o 10º BPMMC já possuía
responsabilidade de atuar em prol da segurança pública na região do Norte de Minas. O que a
corporação fez, ao atuar também na imprensa, foi conglomerar os seus objetivos ao novo
4Para facilitar a nossa redação utilizamos a abreviação de 10º Batalhão de Política Militar de Montes
Claros/10ºBPMMC no decorrer do texto.
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contexto, ou seja, garantir a segurança através da coibição do possível ‗inimigo interno‘ na
imprensa.
Entretanto, a censura realizada pela polícia militar de Montes Claros, como aponta
nosso trabalho, ou a censura realizada por censores concursados integrantes da Polícia
Federal, como indica Kushnir e Smith, era arbitrária. Por isso, não revelar que estava sendo
censurado, ou que o local de trabalho tinha um censor, era algo imperativo ao regime.
Ao também analisar esse aspecto, Smith aponta que o silêncio fazia parte da
preocupação do regime em manter longe da opinião pública as arbitrariedades da realização
da censura. Essas modalidades de censura, do ponto de vista jurídico, eram ilegais. O que
existia regulamentado no Brasil era a censura ‗moral‘ aos eventos de diversão, como o cinema
e o teatro. Em 1970, por exemplo, por meio da sanção do decreto nº 1.077, é que ficou
permitida a censura moral a obras literárias e revistas. O decreto não faz menção a restrições
quanto à divulgação de notícias políticas, ou seja, todo o processo era ilegal:
Era esse um aspecto da dualidade resultante do caráter repressivo do regime e do
concomitante desejo de legitimidade. O regime precisava de que a censura prévia fosse
um segredo relativamente público (quer dizer, público pelo menos na esfera da imprensa)
a fim de poder rechaçar eficazmente possíveis desafios de outras publicações. Por outro
lado, em nome da legitimidade fundamentada no apelo às instituições e direitos formais
tradicionais, o regime tinha de esconder essa violação ilegal de uma liberdade assegurada
constitucionalmente. (grifo nosso). (SMITH, 2001, p.94)
Sendo ilegal ou não, isso também não podia ser discutido nas redações. O próprio
cotidiano e as normas estabelecidas levavam a crer que isso fazia parte, institucionalmente, do
regime instaurado. O que parecia ser ilegal era ir contra as ordens do governo. Queiroz aponta
esse fato, ou seja, o conhecimento de que as redações estavam sob as regras da censura
pertencia a um grupo restrito, a população, de modo geral, não podia saber o que estava
acontecendo:
Olha, as pessoas desconfiavam, né? Mas as pessoas mais chegadas da gente, em nosso
caso muitos amigos, professores que frequentavam toda hora a redação, escritores,
jornalistas, pessoas da parte artística sabiam que tinha essa censura lá. Mas elas também
não comentavam por fora aí porque não eram do feitio... (QUEIROZ, 2009)
Por meio das análises arroladas, assim com Beatriz Kushnir, procuramos identificar a
multiplicidade de ações dos indivíduos e as variações na prática da censura aos impressos
‗Diário de Montes Claros‘ e ‗Jornal de Montes Claros‘.
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Conclusão
No presente artigo entrelaçamos análises conceituais da censura atrelada as nossas
fontes de pesquisa. Por meio da análise conceitual das variantes da censura, identificamos
características análogas da imprensa montesclarense, quando comparada com periódicos de
âmbito nacional no contexto do governo militar. Dentre elas, podemos destacar a presença
diária do censor na redação, realizando a revisão prévia de todo material produzido pelos
jornalistas. Posteriormente, com a saída do censor da redação, a partir da realização do ‗pacto
de responsabilidade‘, entre donos dos periódicos e policiais militares, identificamos a prática
da autocensura pelos jornalistas do ‗DMC‘ e ‗JMC‘.
Referências Bibliográficas:
AMADO, Janaína. FERREIRA, Marieta de Moraes. Usos e Abusos da História Oral. 3.ed.
Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, p.277.
KUSHNIR, Beatriz. Cães de Guarda: Jornalistas e censores do AI-5 à constituição de
1988. São Paulo: Boi Tempo, 2004.
MARCONI, Paolo. A censura política na imprensa brasileira: 1968-1978. São Paulo:
Global, 1980, p.56. (Passado & Presente).
SMITH, Anne-Marie. Um Acordo Forçado: o consentimento da imprensa à censura no
Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2000.
STEPHANOU, Alexandre Ayube. Censura no Regime Militar e Militarização das Artes.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001. (Coleção História).
STEPHANOU, Alexandre Ayube. Censura no Regime Militar e Militarização das Artes.
Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001. (Coleção História). Apud. ELIAS, Nobert. O processo
civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1983. v.2, p.193-194.
Fontes:
GABRICH, Felipe Antônio Guimarães. Entrevista concedida para a pesquisa em 05/09/2009.
Atuou no ‗Jornal de Montes Claros‘ e, posteriormente, no ‗Diário de Montes Claros.
OLIVEIRA, Haroldo Lívio de. Entrevista concedida para a pesquisa em 04/09/2009. Atuou
no ‗Jornal de Montes Claros‘.
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NUNES, Jorge. Entrevista concedida para a pesquisa em 09/09/2009. Atuou no ‗Diário de
Montes Claros‘.
QUEIROZ, Décio Gonçalves de. Entrevista concedida para a pesquisa em 01/09/2009. Atuou
no ‗Jornal de Montes Claros‘ e foi dono e diretor do ‗Diário de Montes Claros‘.
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CIDADANIA E WELFARE STATE NO BRASIL: CONCEITOS E ANÁLISES
PRELIMINARES
Camila Gonçalves Silva*
Vítor Fonseca Figueiredo**
Resumo: O presente artigo constitui análises e reflexões acerca dos debates conceituais
relacionados ao termo cidadania e welfare state no Brasil. Não obstante procuramos
simultaneamente empreender de modo preliminar um debate bibliográfico referente à prática
de políticas de bem estar social no cenário político brasileiro, bem como sobre a nítida ligação
das políticas sociais como forma de inserir a sociedade nos preceitos da cidadania.
Palavras-Chave: Cidadania, Welfare State, Estado.
Abstract: This article provides analysis and reflection about the conceptual discussions
related to the term welfare state and citizenship in Brazil. Despite trying both undertake a
preliminary discussion of how literature regarding the practice of social welfare policies of the
Brazilian political scene, and the clear linkage of social policies as a way to embed the
principles of citizenship in society.
Keywords: Citizenship, Welfare State, State.
Introdução
O artigo tem como objetivo analisar o conceito de cidadania e compreender seus
meandros político sociais. Além desse aspecto identificaremos no conceito de Welfare State a
sua aplicabilidade no Brasil. No intuito de compreender o significado do termo cidadania,
utilizaremos o texto de Marshall, ―Cidadania e Classe Social‖ (MARSHALL, 2008), e a obra
do autor Wanderley Guilherme dos Santos ―Cidadania e Justiça: A política social na ordem
brasileira‖. (SANTOS, 1979) Por meio desse referencial compreenderemos não apenas o
conceito, mas principalmente de que modo a cidadania é aplicada na sociedade brasileira.
* Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de
Fora/PPGH/UFJF. Tutora dos Cursos a Distância de História e Geografia, da Faculdade do Noroeste de
Minas/FINOM, pólo Paracatu. E-mail para contato: [email protected]
**
Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de
Fora/PPGH/UFJF. Professor do curso de Graduação em História do Ensino a Distância da Faculdade do
Noroeste de Minas/FINOM. E-mail para contato: [email protected]
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Neste último aspecto, utilizaremos como eixo condutor em nossa análise o texto de
Sônia Miriam Draibe, ―O Welfare State no Brasil: características e perspectivas‖, (DRAIBE,
1989) a fim de relacionar as modificações na sociedade a partir das políticas de bem estar
social. Para entender a relação entre o capitalismo e bem-estar social, utilizaremos o capítulo
―Cidadania e Classe Social‖ e o artigo ―As três economias políticas do Welfare State‖
(ANDERSEN, 1991) do autor Gosta Esping-Adersen.
No meio acadêmico, discussões em torno de políticas sociais, ou leis que têm por
objetivo regimentar as relações sociais e mercado de trabalho, entrelaçadas à economia de
determinado país, se tornaram proeminentes nos últimos anos. Contudo, textos que
entrelaçam essa linha de pensamento e estabelecem ligações com as medidas sociais que o
Estado propõe através do chamado Welfare State merecem destaque no meio acadêmico.
Nesse sentido, tomamos como justificativa plausível para enveredar nossas análises a
afirmação da pesquisadora Sônia Miriam Draibe, que explicita: ―A política social brasileira –
com uma única exceção (SANTOS, 1979) – não tem sido examinada, em seu conjunto, sob a
ótica analítica do Welfare State‖. (DRAIBE,1989: p.13). Nesse sentido, realiza diálogos com
autores que produziram textos sobre: cidadania & welfare state no Brasil, mesclando
conceitos, idéias, pensamentos análogos e discordâncias sobre o tema proposto.
Cidadania e Welfare State: Conceitos e Análises Preliminares
No dicionário de língua portuguesa o significado da palavra cidadania vem expresso:
―1- Qualidade de cidadão. 2- Indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado‖.
(WDIC, 2001.) A partir desse conceito, iniciaremos nossas análises. O autor Wanderley
Guilherme dos Santos, (SANTOS, 1979) em sua obra, realiza um construto histórico acerca
da legislação governamental relacionada ao processo de regulamentação das relações sociais
no Brasil. Para Santos, as medidas tomadas pelo Estado ao longo dos anos mudaram o
panorama organizacional das categorias profissionais, tendo como aspecto principal a
organização da classe trabalhadora por profissões, o chamado sindicato. De acordo com
Santos, os sindicatos por categoria modificaram o comportamento organizacional das
profissões e a própria regulação social no Brasil.
Essa legislação, sancionada em 1907, proporcionou o direito aos trabalhadores de se
organizarem em sindicatos conforme a categoria profissional. Nesse sentido, em âmbito
social, após essa atitude reguladora, a sociedade trabalhadora, principalmente a do setor
industrial, passou a reivindicar por outras nuances sociais, a saber:
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(...) regulamentação da jornada do trabalho, das condições do trabalho (acidentes e
higiene), do repouso do trabalho (descanso semanal e direito de férias) e da participação
dos menores e mulheres no esforço de acumulação. Como se percebe, todo o esforço de
regulamentação reivindicada pelas organizações sindicais operárias dirigia-se às
condições em que se processava a acumulação com escasso, se algum interesse por
medidas historicamente consideradas como representativas do Estado de bem-estar, isto
é, aquelas destinadas a garantir fluxo de renda aos que por variados motivos, já não
participam mais do processo acumulativo (por exemplo, aposentadoria por tempo de
serviço, invalidez, pensões devidas aos dependentes em caso da morte do membro da
família responsável pela sobrevivência desta, etc. (SANTOS, 1979, p. 21) (grifo nosso)
Conforme a citação anterior, Santos ressalta que para que a sociedade pudesse
alcançar direitos que envolvem a cidadania, essas reivindicações somente são concretizadas
quando o indivíduo está inserido no mercado de trabalho. Ao estar inserido no mercado de
trabalho o indivíduo alcança seus direitos por meio de uma legislação reguladora de suas
ações imposta pelo Estado. Desse modo, os benefícios somente são obtidos através da
chamada cidadania regulada, concretizada através do vínculo profissional, conforme podemos
evidenciar no seguinte relação:
Cidadania→ Organização dos trabalhadores em sindicatos →
Cidadania Regulada→ Vínculo profissional→Benefícios
O historiador José Murilo de Carvalho, em ―Cidadania: Tipos e percursos‖
(CARVALHO, 1996), explica que o conceito de cidadania possui variações de acordo com a
trajetória política e histórica de cada país. Carvalho cita Bryan S. Turner que define o que
seria a cidadania a partir de dois eixos de análises. O primeiro modo refere-se à cidadania
obtida de cima para baixo, e o segundo modo a cidadania obtida de baixo para cima. Os casos
de cidadania adquirida de cima para baixo são os casos de países em que o Estado incorpora
os cidadãos na medida em que amplia os direitos sociais. A cidadania alcançada de baixo para
cima é alcançada a partir das lutas e reivindicações sociais dos trabalhadores pelos direitos
humanos. Por seu turno, como veremos a seguir, no Brasil há certa predominância na
cidadania de cima para baixo.
Para Marcos Silva Santana, no artigo ―O que é Cidadania?‖ (SANTANA, 2008 ), a
história da cidadania no Brasil está diretamente ligada ao estudo histórico da evolução
constitucional do País. A Constituição imperial de 1824 e a primeira Constituição republicana
de 1891 consagravam a expressão cidadania. A segunda metade do século XX foi marcada
por avanços sócio-políticos importantes: o processo de transição democrática, a volta de
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eleições diretas, a promulgação da Constituição de 1988, ―batizada‖ pelo então presidente da
constituinte Ulysses Guimarães de a ―Constituição Cidadã‖.
Nesse sentido, como ressalta Carvalho, no Brasil, a cidadania é constituída de cima
para baixo, em que predominaria em sua constituição a cultura política súdita ou mesmo a
cultura paroquial. Isso porque a cidadania brasileira de modo geral expressa a centralidade do
aparelho Estatal no que tange a respaldá-la, fator expresso desde o período pós-
independência. Carvalho destaca que o direito pleno à cidadania e à prática da mesma, desde a
Constituição de 1824, vem expressa através do direito ao voto. O direito político exercido
através da possibilidade de escolher seus representantes se torna a mola propulsora da
cidadania após o processo de independência. Porém, a ampliação do direito ao voto a todas as
camadas da sociedade sem restrição de sexo, grau de instrução ou renda, só ocorre através do
movimento de mudanças sócio-históricas.
No texto ―Cidadania e Classe Social‖ Marshall expressa que o termo trabalhador
implica ao indivíduo o ‗status‘ de cidadão, como fica expresso na citação a seguir:
(...) Marshall nos dá uma pista adicional ao sugerir que, quando dizemos que um homem
pertence às classes trabalhadoras, ―pensamos no efeito que seu trabalho produz sobre ele,
ao invés do efeito que ele produz em seu trabalho‖. Certamente, isto não é um tipo de
definição que esperaríamos de um economista e, na verdade, dificilmente seria justo tratá-
la como uma definição ou submetê-la a um exame pensado e crítico. (MARSHALL,
2008: p.61)
Dessa forma, seguindo o raciocínio da citação anterior, para Marshall, quando o
indivíduo está inserido no mercado de trabalho, está inserido no eixo que o liga à inserção dos
seus direitos. Marshall nomeia esse aspecto de ―padrão civilizado de vida‖, que atinge
conseqüentemente os termos jurídicos, ou seja, a igualdade de direitos: ―Tal é a hipótese
sociológica latente no ensaio de Marshall. Postula que há uma espécie de igualdade humana
básica associada com o conceito de participação integral na comunidade – ou, como eu diria,
cidadania.‖(MARSHALL, 2008, p.62)
Assim podemos compreender outro aspecto do pensamento de Marshall, que
pressupõe que a desigualdade social é aceita em sua concepção de constituição de sociedade.
Entretanto, é enfático que a aceitação de sua existência ocorre simultaneamente ao passo em
que os direitos sociais regulamentados pelo Estado são concretizados, ou seja, a igualdade de
cidadania, seja reconhecida.
Para prosseguirmos com nossas análises sobre cidadania e welfare state é
interessante destacarmos a consequência da relação entre cidadania e o estado de bem estar
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social frente ao processo de evolução do capitalismo. Segundo Marshall, ―(...) cidadania é um
status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que
possuem o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status‖.
(MARSHALL, 2008, p.62)
Desse modo a cidadania exerce impacto sobre as classes sociais, entretanto tomamos
como ponto de partida, para exame, a prática da cidadania na Inglaterra, por exemplo,
(Revolução Industrial), na gestação do capitalismo. Por meio desse exemplo percebemos que
o processo do surgimento do chamado status de cidadania entrelaça-se com o surgimento do
capitalismo. O capitalismo fomenta a desigualdade social, sendo necessária a regulamentação,
por parte do Estado, de mecanismos que reduzam esse impacto.
Para Fábio Guedes Gomes, no artigo ―Conflito social e welfare state: Estado e
desenvolvimento social no Brasil‖ (GOMES, 2001, p.36), o conceito de welfare state é
compreendido como o conjunto de serviços e benefícios sociais promovidos pelo Estado na
tentativa de estabelecer ―harmonia‖ entre o movimento do mercado econômico e os agentes
sociais. A expressão Welfare State (estado de bem estar social) apenas teve proeminência nos
estudos científicos após a II Guerra Mundial:
O primeiro Estado a concretizar a prática de welfare state foi a Alemanha, a partir da
década de 1950, contexto em que o país passava por forte industrialização. Outra experiência
foi a dos Estados Unidos durante o momento da Grande Depressão em 1929. O New Deal,
resposta aos problemas surgidos com a Depressão de 1929, durante o governo de Franklin
Roosevelt (1933-45), se realizou através de medidas políticas, econômicas e sociais para
resgatar os EUA da maior crise de sua história.
No que se refere ao caminho do Welfare State no Brasil, o artigo intitulado ―A
Trajetória do Welfare State no Brasil: Papel Redistributivo das Políticas Sociais dos Anos
1930 aos Anos 1990‖, o pesquisador Marcelo Medeiros (MEDEIROS, 2001) explica que, no
Brasil, as políticas sociais anteriores ao período conhecido como Revolução de 1930 eram
rarefeitas e fragmentadas, embora o governo já esboçasse a intenção de realizar mudanças de
maneira global. Esse aspecto é comprovado através da instituição, por lei dos Departamentos
Nacionais do Trabalho e da Saúde e a sanção, em 1923, do Código Sanitário e da Lei Eloy
Chaves. Essa última refere-se a questões previdenciárias. Não existia por parte do governo
programa referente às questões epidêmicas dos centros urbanos, assim como uma rede escolar
ampla que pudesse atender todas as camadas da sociedade brasileira. Temas referentes à
habitação não eram considerados como objeto de políticas públicas, assim como a
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inexistência de programas estatais de previdência, que era essencialmente privada e
organizada por empresas e/ou categorias profissionais.
Entretanto, na década de 1920, as políticas governamentais de bem estar brasileiro
tinham por objetivo central atuar como modo de controle dos possíveis movimentos sociais de
trabalhadores. O foco, conforme Marcelo Medeiros, era favorecer, através de algumas
medidas, as categorias profissionais de maior influência política para, conseqüentemente,
limitar a capacidade de mobilização dos trabalhadores de modo geral. Medeiros cita o
pesquisador James Malloy, que em sua obra ―The Politics of Social Security in Brazil‖
(MALLOY, 1979), explica que questões referentes às políticas de seguridade social da época
tinham caráter reformista, com objetivo de satisfazer as alas defensivas dos movimentos dos
trabalhadores e diminuir o poder das organizações mais radicais. Conseqüentemente, somente
a partir da década de 1930 é notória a formação de um Welfare State no Brasil, através de
políticas sociais de caráter conservador.
Nesse sentido, Medeiros é enfático ao destacar que no Brasil, de acordo com o olhar
da perspectiva corporativista dos grupos do poder nesse período, existia uma sociedade tida
como harmônica, em que os problemas sociais eram vistos como negativos ao bem comum do
Estado. Desse modo, o autor expressa que o Welfare State brasileiro tem como uma de suas
marcas o autoritarismo aplicado na repressão aos movimentos sociais de trabalhadores.
Ainda sobre o conceito de Welfare State encontramos no texto ―As três economias
políticas do Welfare State‖ do autor Gosta Esping-Andersen, a compreensão do conceito do
estado de bem estar social. Andersen expressa que raramente existem estudiosos que não
corroboram da análise de Marshall, segundo a qual ―(...) a cidadania social constitui a idéia
fundamental de welfare state‖. (ANDERSEN, 2001). De maneira semelhante, ao explicar o
conceito de cidadania social, Marcus André de Melo ―Interesses, Atores e a construção
histórica da agenda social no Brasil (1930/1990)‖, explica que a cidadania corresponde à
garantia que o Estado moderno proporciona aos indivíduos de modo que os mesmos possam
ter o mínimo de elementos sociais. Esse mínimo seria constituído por medidas de bem estar
social, ou seja, políticas sociais redistributivas no intuito de reduzir a desigualdade social.
Para Sônia M. Draibe, o conceito de Welfare State varia de acordo com as correntes
teóricas escolhidas pelo estudioso para pautar e enveredar análises. Vários analistas
econômicos se dedicam a compreender o conceito e a relação entre as políticas públicas e o
estado de bem estar social. Draibe faz referencia a Briggs, para explicar que o Welfare State é
um poder estatal organizado na área política e administrativa no intuito de garantir uma renda
mínima do valor de seu trabalho. Além disso, tem como interesse proporcionar algum tipo de
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segurança relacionada à saúde ou à velhice, por exemplo; enfim, assegurar a todos os
cidadãos serviços sociais de modo padronizado. Nesse caso, o Estado atua como organizador
e gerenciador.
Draibe analisa a corrente anglo-saxã, encabeçada pelo pesquisador Beveridge,
segundo o qual, as políticas sociais de prática de welfare state são observadas: na garantia de
renda, saúde, educação e habitação. Ou seja, as políticas sociais devem assegurar ‗benefícios‘
sociais que envolvem desde a educação à habitação.
A autora, ainda faz referência ao pesquisador Wilenski, outro autor que reforça que o
welfare state corresponde a um padrão mínimo de benfeitorias que o Estado deve garantir, de
aspectos relacionados à educação, saúde, alimentação e habitação. Por seu turno, quando se
trata de analisar a aplicabilidade dessas ações, identificamos duas destacadas correntes: os
políticos liberais e os políticos conservadores. Os conservadores são categóricos em afirmar
que o Estado deve distribuir os recursos advindos dos impostos para proporcionar o mínimo
aos despossuídos. Já os keynesianos e marxistas corroboram da opinião de que o Estado deve
criar equipamentos próprios para executarem medidas coletivas de modo burocratizado.
Assim, Draibe conclui que tanto teoricamente como em termos de aplicabilidade,
existem grandes variações do chamado Welfare State. Contudo, a autora aponta que dentre as
correntes teóricas e as correntes que compreendem a aplicação do welfare state existem
pontos comuns que devem ser ressaltados. Em termos de definição está claro que, de acordo
com os autores, cabe a ação estatal cumprir o papel de executar políticas sociais, distinguindo-
se apenas quanto ao modo em que ocorre a intervenção e a participação do Estado. O segundo
aspecto mencionado pela autora é a atuação do Estado que procura alterar o movimento do
mercado e os resultados sociais do mesmo. Outro aspecto fundamental é a percepção da
atuação estatal na tentativa de manter a renda do trabalhador quando, por motivo temporário,
fica fora do mercado de trabalho. Nesse caso, o Estado mantém ou substitui a renda quando
esta é perdida: desemprego, velhice ou motivos de saúde, contemplando desse modo aqueles
que estão fora do mercado de trabalho ou marginais a ele.
Draibe, ainda em sua análise, divide Welfare State em três classificações: Welfare
Residual, Welfare Meritocrático – Particularista e Welfare Institucional – Redistributivo. No
Residual o Estado intervém quando necessário, no Meritocrático, parte do princípio de que
cada indivíduo no interior da sociedade deve resolver seus próprios problemas e, por último,
no Redistributivo, em que o Estado está realmente à disposição da população para estabelecer
formas de equidade e equilíbrio na distribuição de rendas.
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A pesquisadora Wanda Rodrigues, em seu artigo intitulado ―Welfare State:
constituição e crise‖ expressa que, embora as políticas de bem estar social variem de acordo
com a sua constituição histórica, e a aplicabilidade de acordo com as políticas públicas de
cada país, o conceito de welfare state possui alguns elementos de configuração análoga:
ação estatal na organização e implementação das políticas;
relação Estado / mercado, marcada pela alteração do livre movimento e dos resultados
socialmente adversos do mercado por parte do Estado;
noção de substituição da renda por perda temporária ou permanente;
referência menos ao trabalhador contributivo e mais ao cidadão (realça a noção de
direito).
A esses elementos pode ser acrescida a noção de um sistema público, nacionalmente
articulado. (RODRIGUES, 2008)
Para outros autores como Esping-Andersen, (ANDERSEN, 1991) o Welfare State é
o fruto das lutas de classes ou, mais amplamente, é uma articulação das políticas de
redistribuição, sendo esta uma reprodução de uma ordem social. Para os pesquisadores Flora
& Heidenheimer, (ANDERSEN, 1991) expressa um posicionamento durkemiano, segundo o
qual o Welfare State surge como resposta às crescentes demandas por segurança sócio-
econômica da sociedade industrial, devido ao aumento da divisão do trabalho, à expansão dos
mercados e à perda das funções de segurança das famílias na comunidade.
No Brasil, segundo Melo, (MELO, 2008) a trajetória histórica da aplicação de
políticas públicas está intimamente ligada ao fortalecimento da própria burocracia, pois seria
esta que teria como função administrar as medidas sociais. No cenário brasileiro, de acordo
com o autor, o que existe na verdade é um Welfare State à brasileira. As reivindicações
sociais ocorrem via governos denominados populistas, em que a própria sociedade não tem
apreço por reivindicar por si mesma de modo democrático, ―(...) um traço distintivo do
welfare state à brasileira: um aparato formidável de política social sem que mecanismos de
controle democrático das decisões e da gestão tenham sido instituídos (...)‖. (MELO, 2008:
p.266)
Melo analisa as políticas públicas sociais no Brasil a partir década de 1930 e,
principalmente com enfoque na Era Vargas. De acordo com o autor, a construção da
identidade da nação a partir das relações sociais se estabelece com as clivagens de classe, ou
seja, as políticas sociais estão ligadas às atitudes direcionadas ao coletivo no intuito de
realizar a integração social. Na década de 1930, até meados da década de 1945, em termos
teóricos, o que sustentava as políticas sociais era a idéia de incorporação, conforme postula
Wandeley Guilherme dos Santos. (SANTOS, 1979). Os aspectos referentes à inclusão na
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cidadania social são reconhecidos e regulamentados pelo Estado no momento em que o
indivíduo encontra-se inserido no mercado de trabalho.
Com o colapso do sistema corporativista e com o fim do governo Vargas, as políticas
públicas mudaram. As questões sociais que tinham por objetivo incorporar os indivíduos
passam a ser subsidiárias da industrialização. As políticas sociais antes do segundo governo
de Getúlio Vargas eram instrumentos de integração, posteriormente os investimentos sociais
arcaram com o preço político pago pelos arranjos clientelísticos e corporativistas que
viabilizariam a industrialização.
Nos anos 50, a agenda pública era constituída por uma dicotômica aliança entre as
elites tecnocratas fortificadas nas agências econômicas e no âmbito do Ministério do Trabalho
e pelos setores trabalhistas e de esquerda de modo geral. Essa relação tinha como objetivo
enveredar o projeto de industrialização e fortalecer o Estado, conforme podemos observar no
trecho seguinte:
O Estado é a um só tempo, o sujeito da acumulação – atuando diretamente via setor
produtivo estatal ou indiretamente via fundos públicos – e o agente da distribuição – de
rendas públicas para sua burocracia pública ou pára-pública (sindical) ou entre grupos
ocupacionais. (SANTOS, 2008, p.272.)
Durante o período compreendido entre os anos de 1946 a 1964, as políticas sociais se
confundiam com questões sindicais e trabalhistas, fator que revelava práticas contraditórias se
enviesadas aos interesses de acumulação de capital. No período do Governo Militar 1964-
1985, o eixo de discussões se desloca para os problemas de crescimento econômicos e
distribuição de renda. Dessa maneira, críticas intensas foram proferidas ao governo dos
militares por destinarem pouca prioridade às questões sociais. Como respostas a essas críticas
podemos perceber a criação de ministérios relacionados às questões sociais. Entretanto, de
acordo com Santos, (SANTOS, 2008) podemos perceber que o divisor de águas na trajetória
de mudanças no pensamento de distribuição de renda no período do Governo Militar ocorre
no processo de abertura política. Por seu turno, Melo defende a idéia de que o maior problema
das políticas públicas nesse período residiu no mau emprego ou na ausência de aplicações de
recursos na área social. (MELO, 2008)
A partir de meados dos anos 80, o eixo da discussão circunscreve-se no cenário
político e no modo operante da atuação nas políticas públicas no Brasil. Questões que
envolviam a forma de gestão, controle democrático e governamental adquiriram centralidade
nas discussões.
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O pensamento progressista assumiu a defesa do Estado para preservar o bem comum.
A valorização da democracia nos anos 80 denota uma nova definição da agenda pública para
operar as políticas do Estado. Esse seria de fato ―o modelo brasileiro de bem estar social‖. A
instalação de uma Assembleia Nacional Constituinte que organizou debates entre os Grupos
de Trabalho setoriais e incorporaram diversos segmentos da sociedade civil para o
Legislativo. (MELO, 2008)
Contudo, o fracasso do Plano Cruzado e o próprio excesso de burocracia paralisaram
as mudanças das políticas públicas. Simultaneamente ocorreu a fragmentação da coalizão
reformadora em que se trocavam cargos na burocracia executiva por favores e privilégios
políticos. Nesse sentido, Melo tece duras críticas à cultura política brasileira que emperra as
mudanças sociais, realiza esdrúxulas alianças e traz como resultado a conseqüente ausência
de consciência de classe política. Enfim, os participantes do cenário político se preocupam
muito mais com o direito de participar do que com a própria participação e repercussão de
suas decisões, somado a esse aspecto, temos, ainda, a grande falta de atitude dos seus
membros.
Para Draibe, (DRAIBE, 1989) o palco de atuação do Estado de Bem Estar Social se
consolidou entre os anos 30 e a década de 1970. Considerando que, conforme a autora, o
welfare state no Estado capitalista refere-se à forma de regulação social das relações entre o
Estado e a economia e o Estado e a sociedade. Na posterior citação, podemos compreender os
meandros desse aspecto:
Tais transformações manifestam-se na emergência de sistemas nacionais, públicos ou
estatalmente regulados de educação, saúde, integração e substituição de renda, assistência
social e habitação que, a par das políticas de salário e emprego, regulam direta ou
indiretamente o volume, as taxas de comportamentos do emprego e do salário na
economia, afetando, portanto, o nível de vida da população brasileira. (DRAIBE, 1989,
p.29)
Nesse sentido, a autora ressalta que o welfare state consiste, principalmente, em uma
forma particular de regulação social pela transformação entre o Estado e a economia. Draibe
ressalta que os governos que se destacam nesse sentido, tratam de fato de períodos que
politicamente estavam em vigência governos autoritários: 1930/1943 e 1966/1971. Governos
que salientam as teses segundo a qual as elites políticas que estão no poder buscam maneiras
de legitimar o mesmo através de políticas sociais.
Em termos de legislação, nas décadas de 1930 a 1940, salientamos a consolidação
das leis trabalhistas, criação de Institutos de Aposentadorias e Pensões. (DRAIBE, 1989).
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Além de renovações nas questões que envolvem educação e saúde que centralizaram esses em
órgãos no Executivo Federal. Nos anos 1945 a 1964 observamos o crescimento da inovação
institucional relativa à educação e à habitação. É, de fato, o momento de organização de
sistemas nacionais públicos da educação, da previdência e da saúde. Inovações políticas que
têm por objetivo criar mecanismos de participação dos trabalhadores nas empresas e também
preocupação com o futuro desses mesmos trabalhadores. O surgimento do FGTS (Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço) e o PIS-PASEP são os exemplos clássicos desse aspecto.
Conseqüentemente, dentro dessas práticas, é que se concretiza o Estado de Bem Estar Social
no Brasil, como podemos observar no seguinte trecho:
Define-se um núcleo duro de intervenção social do Estado; arma-se o aparelho
centralizado que suporta tal intervenção social no Estado; arma-se o aparelho centralizado
que suporta tal intervenção; são identificados os fundos e recursos que apoiarão
financeiramente os esquemas de políticas sociais; definem-se princípios e mecanismos de
operação e, finalmente, as regras de inclusão/exclusão social que marcam definitivamente
o sistema. (DRAIBE, 1989, p. 31.)
Draibe, em seu estudo, faz uma reflexão sobre as mudanças de comportamento de
Welfare State no intuito de identificar o perfil do mesmo. A crise do Regime Autoritário e o
processo de transição política determinaram grandes mudanças. Os reflexos mais notórios são
o surgimento de programas sociais destinados às áreas de alimentação e saúde. A nova
Constituição de 1988 consagrou em seu texto os princípios essenciais das questões de uma
política social mais justa.
As perspectivas futuras do welfare state brasileiro refletem características
particulares dos welfares state no mundo ocidental. A autora destaca três níveis de mudanças
essenciais: o político institucional; as relações entre o Estado e os setores privados lucrativo e
o não lucrativo.
No aspecto político institucional destaca-se a descentralização política administrativa
que passa a reordenar as políticas sociais. No futuro social do Estado Social brasileiro surge o
processo de municipalização do Welfare State, com programas sociais locais, como, por
exemplo, programas de merenda escolar. O aumento da participação popular é verificado nas
mudanças em termos de sociabilidade. Surgimento de conselhos comunitários que diminuem
a passividade social e criam novas redes de sociabilidade. Inserção das organizações
voluntárias no tecido social, aumento não apenas das Organizações Não Governamentais
(Ongs), como também organizações de bairros, escolas etc. Transformações também na
maneira de produzir e distribuir os bens e serviços sociais, o exemplo básico desse aspecto
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consta, por exemplo, nos mutirões de construção de casas, creches comunitárias, coleta e
processamento de lixo doméstico; etc.
Não atingindo apenas os aspectos administrativos e sociais, essas mudanças ainda
ampliam a alteração em que o Estado se faz presente no cotidiano da sociedade em geral. A
utilização de tickets na substituição do dinheiro para passagens de ônibus ou compras
referentes a alimentação, esses são mecanismos que distanciam o contato entre os indivíduos
e o Estado.
Outro aspecto salientado por Draibe reside no crescimento de programas
assistenciais do governo, a prática do assistencialismo, que passa a ser uma marca registrada
do welfare state no Brasil. Nesse sentido, impõe uma reflexão acerca do futuro do welfare
state que se amplia teoricamente, ensejando a importância de discutir a garantia dos
indivíduos a uma renda mínima e não apenas medidas ou programas assistências, ou seja, um
salário social. Remetendo, basicamente, à necessidade de uma quantidade mínima de renda
que o Estado deve proporcionar para garantir a sobrevivência de todos os cidadãos, como
podemos observar na citação posterior:
(...) as justificativas mais correntes da implantação do mínimo social remetem, é verdade,
à tese geral de garantia dos direitos sociais básicos a todos os cidadãos. Mas remetem,
muito particularmente, ao reconhecimento de que há formas de pobreza, marginalidade,
não-integração (a tradicional, mas também a nova pobreza, o contemporâneo ―estar fora
do mercado‖) que não foram e dificilmente serão amenizadas e superadas pelos
mecanismos tradicionais das políticas sociais. (DRAIBE, 1989, p.46.)
Conforme mencionamos anteriormente, para Melo, (MELO, 2008) a agenda social
de intervenção social está ligada a políticas públicas de bem estar social. O autor cita
constantemente Wandeley Guilherme dos Santos, quando analisa a cidadania regulada como
benefício pelos produtos da política social. Por exemplo, o acesso à habitação, que só era
permitido aos membros contribuintes aos Institutos de Aposentadoria e Pensão. Nesse sentido,
conforme Melo, a política habitacional passou a ser um procedimento clientelístico a partir de
1964. A política educacional também passa a ser um instrumento de incorporação dos atores
ao sistema político. A questão habitacional, a partir da segunda metade da década de 1960 se
tornou uma questão das reformas de base via reforma urbana, essencial na política de João
Goulart, objetivando integrar a população marginalizada economicamente.
Já na década de 1970 os problemas referentes às questões urbanas, como organização
comunitária, intervenção estatal e local, consumo coletivo, etc; passaram a nortear governos
conservadores, concretizando a ideia de planejamento. Nos governos militares, como já
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destacamos, houveram poucas participações do Estado em políticas destinadas aos setores de
habitação e, por esse motivo, os governos militares foram muito criticados. Como
conseqüência, a Nova República impulsionou discussões sobre a necessidade de realizar
reformas no setor de políticas sociais e, em especial, a reforma urbana. Entretanto, as
alterações demoram a se concretizar devido à paralisia decisória do governo. A partir do
governo Collor as políticas habitacionais passaram a depender dos agentes de mercado, ou
seja, este aspecto vincula-se ao que se denomina de neoliberalismo.
Na década de 1980, a constituição de 1988 nos aponta como fundamentos essenciais,
objetivos de garantir para a sociedade a cidadania. Entretanto, como destaca Robson Stigar:
Todavia, depois de 20 anos de consagrada a Carta Magna da República, observamos que,
nem se firmaram os fundamentos e nem se atingiram os objetivos, salvo no ponto
referente ao pluralismo político. Ainda assim, podemos dizer que vivemos em um Estado
Democrático de Direito, muito embora a democracia prescinda de igualdade entre as
pessoas, o que ainda está longe de acontecer. Percebemos, notadamente, que a diretriz
maior do povo brasileiro, qual seja a Constituição Federal, ainda carece de cumprimento
de objetivos e firmamento de seus fundamentos. (STIGAR, 2008, p.46).
Entretanto, as medidas referentes às políticas públicas no Brasil pouco avançaram
nesses últimos 20 anos após a sanção da constituição. Os pesquisadores Draibe e Melo
corroboram da opinião de que as políticas sociais são muitas vezes utilizadas para fins
políticos, sem a devida preocupação em perceber a efetividade real da diminuição da
desigualdade e da distribuição de renda.
Conclusão
Realizamos no decorrer do artigo não apenas um estudo sobre o conceito do welfare
state e o conceito de cidadania, mas também procuramos privilegiar em nossas análises a
prática do estado de bem estar social e cidadania no cenário político brasileiro. De modo
sucinto, ao compreender a prática de ambos, realizamos um breve histórico sobre as nuances
essenciais de nossos objetos de discussão. A cidadania nasce no momento em que o
capitalismo inicia sua escala crescente frente à economia e a sociedade. Percebemos que
políticas de bem estar social surgem, muitas vezes, diante da necessidade de tentar equilibrar
o desgaste social causado pelo capitalismo e pelo anseio social por medidas que melhorem a
qualidade de vida da sociedade capitalista.
No que se refere à história da cidadania, a sua trajetória entrelaça-se com a história
das lutas pelos direitos humanos. A cidadania é construída e exercida através daqueles que
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buscam concretizar seus direitos, suas garantias individuais e coletivas e: ―(...) não se
conformam frente às dominações arrogantes, seja do próprio Estado ou de outras instituições
ou pessoas que não desistem de privilégios, de opressão e de injustiças contra uma maioria
desassistida e que não se consegue fazer ouvir (...)‖. (SANTANA, 2008). Desse modo, a ação
governamental deve se empenhar, em primeiro lugar, em concretizar decisões políticas que
visem não apenas a garantia de condições mínimas para a sociedade se manter. É imperativo
proporcionar políticas públicas que visem a atuação da própria sociedade em alcançar sua
condição de sobrevivência, não ficando apenas na recepção das políticas públicas, mas influir
e exercê-la.
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MEMÓRIAS E HISTÓRIAS: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS SABERES E
PRÁTICAS DAS PARTEIRAS TRADICIONAIS DE ARUANA DE MINAS (MG)
Eliene Ribeiro dos Santos*
Lúcia Rocha da Silva**
Maria Célia da Silva Gonçalves***
Resumo: A partir de utilização da metodologia da História Oral foi elaborado este artigo com
o objetivo de analisar as vivências cotidianas das parteiras que atuaram na cidade de Uruana
de Minas (MG) entre os anos de 1960 a 1990. A pesquisa pretende evidenciar a importância
do ofício de ser parteira, como também trazer à tona as representações, orações, crenças,
benzimentos, práticas e saberes dessas personagens históricas que tiveram grande importância
na vida da população uruanense em uma época que os moradores não dispunham de
atendimento médico no município. Por meio das entrevistas foi possível constatar que esse
saber se tornou uma tradição na qual, o conhecimento, práticas, técnicas e crenças eram
transmitidos oralmente por parteiras que detinham maior experiência e também de mãe para
filha.
Palavras-Chave: Parteiras; Benzimentos; Representações; Memórias e História.
Abstract: Starting from use of the Oral History methodology this paper was elaborated with
the objective of analyzing the midwives' daily existences that acted in the city of Uruana of
Minas (MG) among the years of 1960 to 1990. The research intends to evidence the
importance of the occupation of being a midwife, as well as to bring to the surface the
representations, prayers, faiths, benzimentos, practices and knowledge of those historical
characters that had great importance in the life of the population uruanense in a time that the
residents didn't have medical service in the municipal district. Through the interviews it was
possible to verify this knowledge became a tradition in the which, the knowledge, practices,
techniques and faiths were transmitted vocally by midwives that possessed larger experience
and also from mother to daughter.
Keywords: Midwives; Benzimentos; Representations; Memoirs and History.
Introdução
* Licenciada em História pela Faculdade do Noroeste de Minas-FINOM, Professora de História na Rede
Estadual de Minas Gerais.
**
Licenciada em História pela Faculdade do Noroeste de Minas-FINOM, Professora de História na Rede
Estadual de Minas Gerais. E-mail: [email protected].
***
Doutoranda em Sociologia e Mestre em História pela Universidade de Brasília-UnB, Especialista em História
pela Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG, professora de Sociologia da Educação e História da África
na Faculdade do Noroeste de Minas- FINOM. E-mail: [email protected]
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O presente artigo tem como objetivo analisar as vivências cotidianas das parteiras que
atuaram na cidade de Uruana de Minas entre os anos de 1960 a 1990. O Município localizado
no Noroeste Mineiro de acordo com os dados do (IBGE, 2007), possui uma população de
2.777 habitantes em uma área de 589 km². Sua economia é baseada essencialmente na
agricultura, pecuária e no comércio. A cultura do povo uruanense é cultivada por meio de seus
costumes, crenças e tradições religiosas que são realizadas no decorrer do ano, nas quais se
destacam as festas de Romaria celebrada em homenagem a Nossa Senhora da Conceição
(Padroeira da cidade) e comemorações de Dias Santos, como o dia de São João e Nossa
Senhora Aparecida. Sendo que essas manifestações culturais por sua vez, contam com muitos
devotos inclusive algumas das parteiras aqui entrevistadas. Destacam-se também as folias de
reis, procissões, festas juninas, fogueiras, quaresma e semana santa.
Por meio desta pesquisa pretende-se evidenciar a importância do ofício de ser parteira,
como também trazer à tona os seus valores, representações, orações, crenças, benzimentos,
práticas e saberes, pois as mesmas tiveram grande interferência e destaque na vida da
população uruanense que na época não dispunha de nenhum atendimento médico local. Essas
mulheres desempenhavam diversos papéis dentro da sociedade como, por exemplo, o de ser
esposa, mãe, dona de casa, parteira e benzedeira, isso lhes acarretava muita responsabilidade,
gratidão, respeito e a confiança que as pessoas depositavam nas mesmas eram sinônimos de
que elas estavam atingindo os seus objetivos: ajudar as comadres, parentes e vizinhas que
tanto necessitavam de seus cuidados para lhes tirar a dor por meio de chás e orações ou até
mesmo acalmá-las num momento tão delicado como era a hora do parto.
Representações sociais neste trabalho entendida como definiu Sandra Pesavento,
Construídas sobre o mundo não só se colocam no lugar deste mundo, como fazem com
que os homens percebam a realidade e pautem a sua existência. São matrizes geradoras de
condutas e práticas sociais, dotadas de força integradora e coerciva, bem como
explicativa do real. Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das
representações que constroem sobre a realidade (PESAVENTO, 2005, p. 39).
Acreditamos ser esse um dos papéis do historiador da cultura, procurar trazer ao
conhecimento das pessoas a valorização dos saberes e fazeres de atores sociais muitas vezes
esquecidos pela história oficial e tanto valorizado pela História Cultural, pois com afirma
Pesavento,
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(...) no campo da História Cultural, o historiador sabe que a sua narrativa pode relatar o
que ocorreu um dia, mas que esse mesmo fato pode ser objeto de múltiplas versões. A
rigor, ele deve ter em mente que a verdade deve comparecer no seu trabalho de escrita da
História como um horizonte a alcançar, mesmo sabendo que ele não será jamais
constituído por uma verdade única ou absoluta. O mais certo seria afirmar que a História
estabelece regimes de verdade, e não certezas absolutas (PESAVENTO, Op.Cit., p. 51).
Para tanto, considerando que o ato de lembrar é fundamentalmente interpretativo,
procuramos argumentos e versões sobre o presente e passado por meio das fontes orais, que
por sinal foram de fundamental relevância. Por meio destas, buscamos resgatar lembranças
passadas através da memória individual que se manifestaram no decorrer das entrevistas por
meio dos discursos das parteiras e parturientes. Tanto a lembrança quanto a construção da
memória são aqui considerados enquanto processos individuais, ou seja, só podem ocorrer a
partir das experiências vivenciadas por cada sujeito, pois ―a arte de lembrar jamais deixa de
ser profundamente pessoal‖ (PORTELLI, 1997, p.16).
Pesquisar sobre a história cotidiana das parteiras uruanenses significa relembrar o que
estava esquecido, e é nesse sentido que a escolha desse objeto está inserida, na mudança do
fazer histórico que vem acontecendo nas últimas décadas. Esse pensamento é contextualizado
por Thompson que percebe a história como fruto das experiências, ou seja, daquilo que é
ouvido, compartilhado por elementos de uma determinada comunidade. Nas palavras do
autor:
Uma vez que a experiência de vida das pessoas de todo tipo possa ser utilizada como
matéria prima, a história ganha nova dimensão. A história oral é um método que
desvenda às crenças, os sonhos, as tradições que são fatores fundamentais para resgatar o
passado, além de extrair a história de dentro da comunidade (THOMPSON, 1998, p. 3).
História é a ciência que estuda o desenvolvimento da humanidade no tempo, por meio
do estudo das sociedades humanas, suas realizações, seu dia-a-dia, sua maneira de existir em
cada época e lugar, do passado ao presente. Transmitida de uma geração a outra pela tradição
oral, a história da vida cotidiana é encarada por alguns historiadores, como a única ―maneira‖
ou como ponto de partida na tentativa de mostrar que os valores e costumes vivenciados no
passado, é a principal base de conhecimento e fonte de pesquisa, utilizada para estudar e
explicar a evolução da sociedade.
Por meio da história, as pessoas comuns procuram compreender as mudanças por que
passam em suas próprias vidas: guerras, transformações sociais (...), mudanças
tecnológicas. Através da história local, uma aldeia ou cidade busca sentido para sua
própria natureza em mudança, e os novos moradores vindos de fora podem adquirir uma
percepção das raízes pelo conhecimento pessoal da história (THOMPSON, Op.Cit., p.
02).
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Por muito tempo, as mulheres parteiras de Uruana prestaram os seus serviços à
comunidade, mas com a chegada da medicina e outros recursos à cidade, as mesmas foram
deixadas à margem da história, sem qualquer remuneração ou até mesmo reconhecimento por
parte dos órgãos públicos pelos seus trabalhos realizados. A escolha das parteiras como objeto
de pesquisa se justifica pelo fato delas fazerem parte do contexto histórico da cidade e terem
em muito contribuído para formação do município por meio de seus conhecimentos, práticas e
saberes. No decorrer deste trabalho pretendem-se responder a alguns questionamentos sobre
as parteiras como, por exemplo, quem eram essas mulheres? Onde e quando aprenderam seu
ofício? Como a sociedade percebe as suas atuações passadas? Porque houve a desvalorização?
Qual foi o processo? Com achegada da medicina, as parturientes continuaram a ter seus filhos
em casa ou preferiram o atendimento médico? As respostas dadas a esses questionamentos
nos permitiram fazer uma reflexão sobre as trajetórias das parteiras, bem como analisar os
fatores que levaram a desvalorização do trabalho e da imagem da parteira, já que hoje as
mesmas são vistas principalmente pela medicina como pessoas sem nenhum conhecimento
científico comprovado pela ciência. Vale ressaltar que o objetivo central da pesquisa não é
desmerecer os benefícios trazidos pela medicina para as parturientes e os recém-nascidos com
o advento do parto hospitalar, mas sim, constatar a importância do papel das parteiras e a sua
responsabilidade e sabedoria ao realizar um parto, mesmo sem qualquer estudo científico
sobre o ato de partejar ou em relação ás plantas que utilizavam para preparar os chás e
banhos.
Portanto, resgatar o valor de ser parteira significa a oportunidade de conhecer novos,
costumes, experiências, práticas e acima de tudo, novas formas de organização do cotidiano,
valores e ideias transmitidas de uma geração a outra, além do que, essas mulheres parteiras
tiveram uma grande intervenção dentro da história social da cidade uruanense, pois exerceram
poderes e práticas que eram respeitados e solicitados pela população.
À medida que os historiadores passaram a considerar e valorizar as representações
culturais e o modo de vida das pessoas comuns da sociedade ocorreu à ampliação do campo
historiográfico, da mudança do fazer histórico e multiplicaram-se as ideias e interpretações
dando ênfase a outras histórias como a das mulheres que desde a antiguidade já exerciam
importantes papéis dentro da sociedade, mas não eram reconhecidas e respeitadas porque os
enfoques da história eram outros.
Nessa direção,
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O desenvolvimento da história das mulheres articulando as inovações no próprio terreno
da historiografia tem dado lugar a pesquisa de inúmeros temas, não mais apenas
focalizam-se as mulheres no exercício do trabalho, da política, do terreno da educação ou
dos direitos civis, mas também introduzem novos temas na análise, como a família, a
maternidade, os gestos, os sentimentos, a sexualidade e o corpo, entre outros (SOIHET,
2001, p.280).
De acordo com as palavras da autora Rachel Soihet pode-se perceber que por meio das
mudanças do fazer histórico e com o passar dos tempos, as mulheres foram deixando de ser
vistas apenas como donas de casa, mães de família, esposas nas quais eram voltadas apenas
para o trabalho e o lar; passaram a ser objetos de análise com identidade pessoal, dentro de
um contexto social no qual eram valorizadas as suas ideias e vivências.
Com embasamento nesse contexto, pode-se perceber que foi a partir da emancipação
da cidade de Uruana de Minas no ano de 1995, que aconteceu uma grande melhoria em todos
os setores municipais. Principalmente na área da saúde com a implantação de um posto de
saúde e a construção de uma instituição hospitalar que desde então, até os dias atuais fornece
à população assistência médica realizando consultas rotineiras como o pré-natal e internações
para tratamentos mais simples como desnutrição, viroses e ferimentos leves; mas ainda não se
disponibiliza de aparelhagem e equipamentos obstétricos adequados para a realização segura
de partos.
Mesmo com os atendimentos médicos insuficientes às necessidades das gestantes, vale
ressaltar que é indispensável a assistência médica prestada no município, porém, diante desses
benefícios resultantes da emancipação, fica clara a desvalorização que essas mulheres
sofreram, pois a partir desta época, seus serviços como parteiras não foram mais solicitados.
Mas esses fatos, ao contrário do que se deduzem não as afetaram, pois as suas queixas não são
com relação à falta de procura diante o seu ofício, mas sim pela discriminação sofrida perante
as suas práticas, seus saberes e suas crenças que muitas até hoje não são comprovadas e nem
aprovadas pela medicina.
As parteiras entrevistadas alegam terem perdido parte de sua saúde devido “a peleja”
que enfrentavam na tentativa de auxiliar a comunidade num trabalho que afinal, não era de
sua responsabilidade e sim dos órgãos governamentais e, no entanto, nunca receberam
nenhuma remuneração ou auxílio para tratamento de saúde, já que as mesmas contribuíram
voluntariamente para o bem estar da população num período em que eram precárias as
condições de vida dos moradores e os recursos médicos não eram disponíveis para auxiliá-las
com nenhum tipo de treinamento ou até mesmo dicas para tornar mais seguro o ato de
partejar. Assim, nota-se a importância de se pesquisar sobre as vivências das parteiras
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uruanenses que se descrevem como mulheres simples, mas fortes diante aos obstáculos
enfrentados no decorrer de suas trajetórias. A produção do conhecimento histórico das
parteiras da cidade de Uruana de Minas foi construída a partir dos relatos orais, que foram de
grande valia, pois valorizaram os discursos dessas mulheres que tiveram uma origem simples,
pertencentes a classes populares e adquiriram os seus conhecimentos por meio de suas
vivências, e das experiências repassadas na maioria das vezes de mãe para filha.
I - Perfil Social das Parteiras no Município de Uruana de Minas (MG)
As parteiras de Uruana de Minas são senhoras que adquiriram, com o decorrer de suas
trajetórias, um perfil de simplicidade, coragem e muita sabedoria. Conhecimentos esses, que
atribuíram às suas vidas o ofício de ser parteira. Essas mulheres, para relatar sobre o seu
trabalho, sentem a necessidade de falar das dificuldades vivenciadas por elas e pelas
parturientes, fazendo assim, uma retrospectiva de suas próprias vidas. Algumas parteiras se
emocionaram e com lágrimas na face demonstraram como a gratidão recebida por trazer vidas
ao mundo lhes proporcionava alegria.
Dona Joana Pereira da Cruz nasceu no município de Uruana de Minas, tem 80 anos,
viúva e aposentada, é considerada a parteira mais conhecida de Uruana por ter sido muito
procurada para prestar os seus serviços. Segundo Dona Joana, ela não media esforços para
atender a um chamado, muitas vezes andava quilômetros para atender uma parturiente.
Quando me chamava eu sempre ia, seja no escuro, debaixo da chuva, de madrugada nem
que fosse com a lamparina acesa (...), eu tinha muita dó das gestantes. Já cheguei a
andar até três km pra fazer o parto da mulher que há muitos dias já vinha sofrendo pra
ganhar nenê. Foi só eu chegar e fazer um chá e dá pra ela, rapidinho ela desocupô (deu
a luz).
Em suas entrevistas as parteiras fizeram questão de ressaltar a solidariedade que
existia entre as mulheres naquele tempo, além da confiança que as parturientes depositavam
nelas. Sendo assim, elas não recusavam qualquer chamado, independente do lugar ou das
circunstâncias, lá estavam elas, com fé e coragem realizando os partos, e se precisasse ainda
ficavam auxiliando a parturiente por alguns dias, com o intuito de evitar a ―quebra do
resguardo‖. Percebe-se que a preocupação das parteiras não era apenas obter sucesso na
realização dos partos, mas também zelar da saúde da mãe e do recém-nascido principalmente
durante os primeiros sete dias.
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Além de não ter prioridade de tempo para se dedicar ao trabalho de casa e cuidar da
família, as parteiras ainda se defrontavam com situações de risco, momentos em que o esforço
físico e a sabedoria eram indispensáveis. As complicações de parto já foram presenciadas por
algumas parteiras que foram entrevistadas e de acordo com os seus relatos a fé em Deus as
ajudava a superar com tranquilidade os obstáculos.
Dona Mariana de Souza Marques tem 82 anos, nasceu no Distrito do Cercado,
Município de Uruana de Minas; mora somente com sua neta Dominga de 27 anos e iniciou o
seu ofício de parteira aos 17 anos. Ela relata o quanto era difícil e cansativo realizar um parto
com complicações:
Já tive a infelicidade de vê mãe e filho quase morto (...), foi quando a criança começou a
nascer com as pernas primeiro, só restou pegar com Deus, fazer orações, muita
massagem e ir ajeitando a criança com a mão, até que ela nasceu. (...) a mãe gritou tanto
de dor que até desmaiou (...), e eu estava esgotada com dor no corpo pra tudo que é lado.
Dona Júlia Teixeira Viana nasceu na cidade de Unaí, no dia 10 de maio de 1934;
estudou até a segunda série incompleta do ensino fundamental; casou-se com 15 anos de
idade; teve sete filhos e logo após o nascimento do seu primeiro filho, aos 16 anos de idade,
iniciou o ofício de parteira devido a falta de assistência médica às gestantes do município e
também pelo fato da população ser formada por pessoas que não dispunham de condições
financeiras para se deslocar em busca das instituições médicas. Dona Júlia fala com orgulho
das suas experiências como parteira, e relata como este ofício a tornou conhecida pela
população local, e até mesmo pelas comunidades vizinhas. A mesma se emociona ao
relembrar dos muitos partos que já realizou e até mesmo das dificuldades existentes e que iam
surgindo no decorrer de sua trajetória. Segundo Dona Júlia o conhecimento que adquiriu foi
por meio dos ensinamentos repassados pelas parteiras mais velhas, na maioria das vezes
mediante a realização de um parto. Ela já realizou até dois partos em um dia, como afirma a
seguir:
Já realizei mais de 100 partos e tinha vez que mais de uma mulher dava no ponto de
ganhar o menino e agente via muitos tipos de situação (...), era mulher sentido dor forte e
não ganhava, aí agente fazia muitos remédios como o chá do hortelã miúdo, mentrasto,
folha de algodão, chá com três pimenta do reino (...). Ainda assim, tinha uns meninos que
ficava encroado e num nascia e na ânsia da dor as mulheres me apertava, eu dava
vontade de chorar, mas ficava forte e apegava com Deus(...), mas quando via que a
situação tava diferente eu mandava levar pro recurso.
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Segundo Dona Júlia, os banhos quentes feitos com mentrasto e folha de algodão,
massagem na barriga com azeite morno e o café sem doce eram estímulos de fundamental
importância para que a parturiente sentisse as contrações e a criança nascesse. No entanto, a
preocupação da parteira, não era somente com o nascimento, pois existiam casos em que logo
ao nascer o bebê começava a engolir os restos de partos e era necessária a habilidade da
parteira para “enfiar o dedo na sua garganta, puxar os resíduos, limpar e desengasgá-lo com
tapinhas nas costa”.
Logo depois, mediam-se três dedos a partir do umbigo da criança e cortava-o com uma
tesoura ou faca que haviam sido fervidas; passava-se sal ou queimava o ferimento com um
garfo quente para facilitar a cicatrização. A corajosa Dona Júlia relembra com os olhos
banhados em lágrimas da dificuldade financeira que passava quando sua primeira filha
nasceu:
(...) quando a minha primeira menina veio ao mundo eu chorei muito pro que eu e meu
esposo não tinha preparo nenhum pra receber a criança, não tinha as roupa, a casa era
coberta de palha e ás vezes até chovia dentro(...), mas eu fui forte pro que sabia que
Deus tava comigo e que amor nunca era de faltar pra aquela criança. Tinha vez que nós
ainda cuidava dos meninos dos parentes que morava mais longe da escola, pra eles
poder estudar. Muito deles era eu que tinha feito o seu parto (...), na verdade a nossa
despesa era grande, mas eu nunca desanimei de ajudar os outros.
Resgatar a memória de mulheres como Dona Júlia significa trazer à tona sentimentos,
valores e vivências de pessoas de origem humilde que almejavam um futuro melhor para as
suas famílias, mas que jamais permitiram que as dificuldades as tornassem pessoas amargas.
Ao contrário, pode-se perceber a dimensão da solidariedade dessas mulheres que abdicavam
dos seus afazeres para ajudar quem necessitava. Esta é ―a história vista de baixo‖ segundo a
percepção de alguns historiadores, como relata Maria do Pilar Vieira:
(...) liberta a história de muitos preconceitos e conduz a percepção de processos
históricos diferentes, simultâneos.(...) Traz para a cena histórica agentes sociais
antes relegados e valoriza lhes o saber e a experiência de vida, respondendo as
demandas de conhecimento feito por movimentos sociais de mulheres, de
trabalhadores, de pobres e outros (VIEIRA, PEIXOTO & KHOURY, 1998, p.11).
De acordo com as parteiras entrevistadas, elas não cobravam pelos seus trabalhos,
afinal, não prestavam os seus serviços visando pagamento, mas sim, cumprir com a missão
que Deus lhes concedeu por meio de seu dom. O ato de partejar era encarado pelas parteiras
como uma forma de prestar socorro e demonstrar amizade pelas comadres, vizinhas e
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parentes, como afirma Dona Maria Fernandes do Amaral, parteira e benzedeira de 72 anos de
idade:
(...) Algumas pessoas me dava um corte de vestido, um agrado, um pedaço de tocinho,
uns ovos, açafrão, queijo, mas dificilmente agente recebia dinheiro pro que todo mundo
era pobre (...) e umas precisava ajudar as outras, já bastava a vida dura que nós levava,
né. Hoje pode se dizer que todo mundo é rico, o recurso ta na porta (...).
Nas histórias de vida da maioria das mulheres da região o trabalho sempre esteve
presente como forma de sustento. As mulheres parteiras jamais se curvavam diante do esforço
físico; cuidavam da casa, dos filhos, da horta, faziam farinha, rapadura, tratavam dos porcos,
ajudavam o marido no cultivo do milho, feijão, arroz e algumas ainda moravam sozinhas,
devido ficarem viúvas muito cedo e sobrecarregadas com a quantidade de filhos que na
maioria das vezes ainda eram menores. Assim, ficava sobre sua inteira responsabilidade a
educação, alimentação e vestimenta dos seus filhos, ou seja, a manutenção do seu lar era de
seu inteiro dever e obrigação.
No cotidiano das parteiras, quando o assunto era trabalho, não existia diferença entre
os sexos, como ressalta Dona Joana na fala a seguir, já que quando ficou viúva tinha sobre sua
responsabilidade sete filhos para terminar de criar:
Não foi fácil pra mim conseguiu conciliar o trabalho de casa, da roça e ainda saí pra
fazer parto. Meu marido morreu com 52 anos de idade e era eu que tinha que sustentar a
casa, filhos e mais duas neta, já fui muitas vezes trabalhar na bóia fria pra arrancar
feijão, cebola, milho e até plantar capim (...).. Tudo isso pra não deixar o dicumê
(comida) faltar na panela. Mesmo assim eu não recusava nenhum chamado pro que nós
mulher sabia o sofrimento que era a vida da outra.
Essa parteira não deixa de ressaltar mais um motivo para serem solidárias com as
parturientes: o fato de ambas serem mulheres e que mesmo diante das vicissitudes das suas
vidas, elas não abrem mão do ofício de serem parteiras.
Desde a antiguidade, as mulheres já eram curadoras populares que detinha um saber
próprio transmitido por meio da tradição oral. Estas tinham o poder de devolver a saúde às
outras mulheres que também vinham de origem humilde e não tinham condições de se cuidar
a não ser por meio das parteiras e benzedeiras que detinham um bom conhecimento dos
segredos da natureza (ervas e plantas eficazes).
No século XIX além de investir em conceitos que subestimavam o corpo feminino, a
ciência médica passou a perseguir as mulheres que possuíam conhecimentos sobre como
tratar o próprio corpo e as mesmas a sofrer uma profunda exclusão e perseguição por parte da
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Igreja e da sociedade. Nesse período todo conhecimento médico existente sobre o corpo
feminino dizia respeito á reprodução; já a Igreja Católica exercia forte repressão sobre as
mulheres no sentido de que fosse obediente aos maridos, como diz o Apóstolo São Paulo na
Epístola aos Efésios: ―As mulheres estejam sujeitas aos seus maridos como ao senhor, porque
o homem é a cabeça da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja (...) como a Igreja está
sujeita a Cristo, estejam às mulheres em tudo sujeitas aos seus maridos‖ (ARAÚJO, 2007, p.
46).
Cria-se desse modo, duas culturas – a de ―dentro‖ do espaço doméstico, destinado ás
mulheres, e a de ―fora‖, dos colégios e universidades, destinados aos homens. A mulher era
então era então excluída do pensamento e do conhecimento. Mas, lentamente, percebia-se a
necessidade da entrada das mulheres nesses lugares reservados ao saber, mas a questão dos
méritos intelectuais de ambos os sexos ainda persistia.
Aos poucos, o conhecimento científico passa a assumir um lugar de importância e
retiram das mulheres alguns conhecimentos, como por exemplo, a profissão de parteira. A
cumplicidade entre as mulheres e a solidariedade feminina proporcionada pela presença de
parteiras perde espaço para dar lugar aos avanços da ciência. No entanto, alguns médicos são
obrigados a concordar que ―muitos pacientes acabavam encontrando alívio para seus males
nas mãos dessas mulheres que (...), dissertavam com desenvoltura sobre propriedades de cada
folha que utilizavam‖ (PINTO, 2002, p.444).
As parteiras uruanenses acreditam que muitos médicos e pessoas da atualidade, por já
estarem convivendo com a medicina convencional, vejam os seus trabalhos com insegurança
e as suas técnicas como rudimentares, como relata Dona Joana: ―Pros médicos os nossos
ensinamentos não valem nada, não sabemos de nada e as nossas crenças é superstição, eles
não acreditam no nosso conhecimento”.
Nesse sentido percebe-se a importância de valorizar a construção da memória sobre as
parteiras uruanenses, já que estas mulheres foram sem dúvida um suporte fundamental à
saúde da população, diante as precárias condições dos moradores consequentes da falta de
assistência e recursos financeiros, uma vez que a cidade ainda não era emancipada e a
prefeitura responsável dispunha de apenas uma ambulância que para prestar socorro deveria
ser solicitada em Unaí, já que a mesma não se encontrava disponível diariamente no
município.
A escola da história oral como metodologia de trabalho pode ser explicada porque ela
permite ao pesquisador resgatar emoções, sentimentos e vivências que ficaram na lembrança
individual ou coletiva das pessoas ao longo de suas trajetórias. De acordo com Thompson, a
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história oral permite que as pessoas de pouca expressão dentro da sociedade tenham as suas
histórias de vidas registradas e compreendidas perante a mesma.
A história oral é uma história construída em torno de pessoas [...]. Admite heróis vindos
não só dentre os líderes, mas dentre a maioria desconhecida do povo. [...] traz a história
para dentro da comunidade e extrai a história de dentro da comunidade. Ajuda os menos
privilegiados, especialmente os idosos, a conquistar dignidade e autoconfiança. Propicia o
contato - e, pois, a compreensão-entre as classes e entre gerações (THOMPSON, 1998, p.
44).
Por meio de entrevistas com algumas mulheres que receberam a assistência de
parteiras foi possível constatar a confiança, gratidão e respeito que as mesmas mantêm até
hoje com as parteiras. As parturientes relatam com emoção o quanto essas mulheres parteiras
faziam a diferença naquela época, pois as mesmas auxiliavam-nas como se fosse mãe, amiga
e médica; além de partejar, as parteiras cuidavam dos afazeres da casa, (lavavam roupas,
cozinhavam, arrumavam a casa, etc...), tratavam de animais domésticos e cuidavam dos
outros filhos das parturientes durante os primeiros sete dias. As parteiras preparavam também
chás e banhos para a mãe e o recém-nascido, como relata a Sra. Maria da Conceição Alves,
que lembra com carinho das parteiras que a auxiliou antes, durante e após os seus partos:
Os meus nove filhos nasceu nas mãos de parteiras que cuidavam de mim como se fosse
minha mãe (...). Só delas está perto da gente e fazê aquelas orações milagrosas eu já ia
acalmando pro que sabia que a minha companheira não ia me deixar no apuro ou no
sofrimento sozinha. Me sentia confiante pois elas eram para mim solução para meu
desespero naquela hora!
Outro relato que nos chamou a atenção foi o da Sra. Aparecida Nunes de Souza, que
com humildade faz questão de ressaltar a solidariedade e a amizade de tamanha grandeza que
não teria como pagar (a parturiente chora). Portanto, relembra das suas parteiras com
admiração e agradecimento:
Eu num tenho nada a reclamar das parteiras que me atendia, sempre tinha muita
paciência comigo, apesar de eu num sê muita da escandalosa elas entendia que eu tava
sofrendo, pra mim elas era muito sábia e sempre fazia tudo o que podia pela agente. Só o
fato delas serem mulher já passava mais conforto e segurança pra mim. Me lembro até
hoje do meu sofrimento de quando eu fui ganhar o meu menino, o Tonho, já tinha muitos
dias que eu estava de cama foi aí que meu marido Zé resolveu ir buscar a comande Júlia
essa mesmo que oceis foi lá, foi aí que graças a Deus e a Nossa Senhora do Parto e a
abençoada Dona Júlia que eu consegui ganhar o menino. Esse parto eu num vou
esquecer nunca, proquê pra mim foi o parto mais complicado que eu tive (...), não há
dinheiro no mundo que pague o que ela fez por mim (...).
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A Sra. Raimunda Lima da Silva de 69 anos teve seus oito filhos pelas mãos de uma
parteira que já faleceu, mas que deixou saudades. A parturiente chora ao dizer que a sua
falecida comadre Sebastiana era sempre sorridente, prestativa e sempre tinha uma palavra de
conforto para dizer quando alguém necessitava ouvi-la. Dona Raimunda chega a comparar a
parteira com a sua própria mãe:
Nunca tive o resguardo quebrado pro que sempre que eu ganhava menino, minha finada
comadre Sebastiana ficava junto deu até uns sete dias, lavando as roupas, fazendo
comida (...). Ela dava banho no recém nascido, fazia chá contra brotoejo, corca (cólica).
Cuidava deu como se fosse minha mãe (lágrimas).
Embora muitas das parteiras apresentem pouca ou nenhuma escolaridade, elas revelam
outras aptidões adquiridas com a prática, com a observação e com os ensinamentos
transmitidos ao longo de gerações. Essas mulheres costumavam trocar experiências, onde as
parteiras mais velhas procuravam orientar as novatas sobre o que consideravam mais
importantes. Porém, essas instruções geralmente eram transmitidas logo após a realização de
um parto, onde as parteiras mais experientes procuram corrigir e ensinar métodos, técnicas e
até mesmo à postura da parteira perante a parturiente que se encontra em trabalho de parto.
―Com apenas um toque eu consigo saber se o nenê está numa posição difícil ou se correrá
tudo bem”, revela a experiente parteira Dona Joana.
A maioria das parteiras entrevistadas são mães de vários filhos, também assumem a
responsabilidade de cuidar dos netos e mesmo havendo a presença masculina, eram elas que
chefiavam a casa. As parteiras sempre tinham que abandonar os afazeres do lar para ir
partejar, mas normalmente iam sem restrição por parte do marido, que tinham consciência da
importância dos trabalhos que elas realizavam. Os próprios maridos assumem que havia uma
grande necessidade de estar compreendendo a ausência da esposa quando a mesma saía para
partejar, pois segundo eles era uma questão de solidariedade como revela o senhor Jovino
Barbosa Viana, esposo de Dona Júlia:
Naquela época quase não existia carro e agente já era pobre e custava a sustentar a
família, como era que ainda ia arrumar dinheiro pra ir procurar hospital? Eu ficava era
feliz de Julinha tê esse dom (...), ela era tratada pelo povo como se fosse uma médica, aí
qualquer complicação (doença) que aparecia, mandava chamar (...). Ela não fazia feio,
curava o povo mesmo e ajudava as mulheres aliviar as dores. Eu ficava em casa
cuidando dos meninos, dos bichos (animais) e da casa quando ela saía (...), nunca
reclamei ela por causa disso, pro que assim eu tava prestando auxílio também aos meus
amigos.
Em alguns casos, existiam os maridos negligentes que não apoiavam as esposas no seu
trabalho e, portanto, não se preocupavam com a falta de segurança, os esforços físicos, o
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cansaço que as mesmas sofriam e ao contrário, acusavam-nas de não ter compromisso com o
lar. Esses, só se sentiam satisfeitos quando a esposa partejava e ganhava alguma recompensa,
pois para os mesmos o mais importante não era ajudar quem necessitava, mas sim obter lucro
com a experiência e com a sabedoria que a mesma possuía, já que para realizar um parto, a
parteira teria que abrir mão da sua família e do seu lar, muitas vezes durante vários dias. Essas
dificuldades que essas mulheres enfrentavam com a falta de apoio dos maridos e com a
conciliação do tempo com os afazeres domésticos e filhos acarretavam uma série de
transtornos perante as prestações de serviços às parturientes, porém, contudo essas parteiras
jamais recusavam quaisquer solicitações de pedido de socorro, ainda que fosse contra a
vontade de seu esposo como revela a parteira Elza Maria Correia da Silva hoje com 74 anos
de idade; que nos conta com muita emoção, como foi difícil para ela convencer o seu esposo
da importância que era os seus serviços de parteira e como era impossível renegar a sua ajuda
a sua comunidade, que apesar da falta de recurso se sentiam seguros e depositavam toda a sua
confiança em suas mãos. Isso a fazia sentir tendo como obrigação para com as gestantes que a
procuravam para ajudá-las na hora em que fossem dar a luz.
O Zé não entendia que eu só queria ajudá as muiê gestante,(...) uma veis ele chegou a me
batê na frente dos meus filhos porque eu tava ino aparar um menino meio de emergência
porque a parteira que tinha ido era ainda jovem e quase num tinha experiência (...). Eu
tinha responsabilidade com a casa e com ele, lavava a roupa, fazia cumida a tempo e a
hora, mas o Zé tinha sempre como repertório a desculpa de que num era pra mim saí
pra partejar e deixá os nossos menino jogado na casa da vizinha, enquanto eu ia cuidá
dos menino dos outros que não andava me dano nada. E tamem ele dizia que muié
quando casa é pra cuidar da casa e da família dela, e não da casa e da família dos
outros. Zé era dos mais ignorante, que Deus o tenha (...).
Pode-se compreender a história como um campo de possibilidades e é nesse sentido
que conhecer a história de mulheres que tiveram uma vivência enquanto parteiras e que foram
inseridas em um processo social, constitui-se em importante contribuição para a análise do
cotidiano que não é um terreno relegado apenas aos hábitos e rotinas, mas que se descreve
pelos diferentes acontecimentos que perpassam a vida das pessoas.
A vida cotidiana faz parte da história, mas foi somente em meados do século XX que
surgiu a Nova História, com o intuito de quebrar paradigmas tradicionais que desrespeitavam
apenas á política, aos feitos dos grandes homens e em que a história era vista como
essencialmente uma narrativa dos acontecimentos baseada apenas em documentos. Essa
quebra de paradigmas possibilitou o surgimento de novos objetos e novos olhares sobre a
investigação histórica; dentro deste contexto nasceu à possibilidade de investigação de objetos
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como as parteiras, normalmente mulheres humildes e não rara às vezes esquecidas pela
história oficial da cidade de Uruana de Minas.
Percebe-se que uma das funções do historiador é dar uma explicação global dos fatos
humanos que se traduzem nas relações econômicas, políticas, sociais, culturais, nas tradições,
etc. Pensar a história dessa forma acarreta ao historiador a necessidade de enfatizar o estudo
do cotidiano, valorizando a maneira como a população organiza seu divertimento, suas
festividades, a política, suas formas de repensar a luta cotidiana.
Não só ao poeta, mas também a historiadores incubem recuperar lágrimas e risos,
desilusões e esperanças, fracassos e vitórias, fruto de como os sujeitos viveram e
pensaram sua própria existência, forjando saídas na sobrevivência, gozando as alegrias da
solidariedade ou sucumbindo ao peso de forças adversas (VIEIRA, PEIXOTO &
KHOURY, 1998, p. 12).
Por considerar que a história não caminha sem a memória tratamos às fontes orais com
especial importância, afinal as mesmas possibilitam a rememoração do passado das parteiras
uruanenses manifestados nas entrevistas por meio de elementos que muito nos revelam e que
de forma explícita ou implícita, podem estar presentes nos discursos. Reviver a história das
parteiras por meio da pesquisa oral realizada por intermédio das recordações, lembranças e
experiências vivenciadas por essas mulheres, faz refletir sobre a evolução que ganha o papel
da mulher dentro de uma sociedade que por sua vez já descriminou, menosprezou e causou
essas mesmas de bruxaria e outros, enquanto o que essas mulheres faziam em um tempo de
poucos recursos e conhecimentos, era buscar meios dentro do que lhes estavam ao alcance,
como: plantas, ervas, animais e orações, com somente um único intuito aliviar, curar e salvar
vidas.
Porém, o que pela lógica deveria ter sido de grande reconhecimento e valor, pela
sociedade de algumas décadas atrás era tido como uma afronta a Deus, ao ser humano e a
ciência, fator que se consumava devido o fato de que a maioria das mulheres não portava
nenhum tipo de conhecimento com leituras e escritas, e mesmo não tendo estudo algum,
conseguiam por meio do dom e das experiências adquiridas com as práticas, curar variedades
de gêneros de enfermidades, seja de pessoas, ou de animais que lhes fossem encaminhadas.
Mesmo tendo total consciência do risco e das ameaças tentado contra até mesmo as suas
próprias vidas, as mesmas nunca se deixavam abater pela opressão e medo às sentenças que
lhes eram submetidas devido à insistência em continuar usando de seus saberes, orações e
rituais na intenção de salvar vidas.
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A naturalidade e a intimidade com que tratavam a doença, a cura, o nascimento e a morte
tornavam-nas perigosas e malditas. Com a acusação de curandeirismo, eram duplamente
atacadas: por serem mulheres e por possuírem um saber que escapava ao controle da
medicina e da Igreja. O tribunal do Santo Ofício foi o influente porta-voz do saber
institucional na luta contra os saberes informais e populares. Seus processos geraram um
imenso painel onde o corpo e as práticas femininas de tratamento informal de doenças
tornaram-se protagonistas importantes. (...) Se a medicina evoluía contra o que
considerava arcaísmos, ela não conseguiu, entretanto, desfazê-los. Presa à crença de que o
corpo feminino era um espaço de disputas entre Deus e o Diabo, a ciência médica
ratificava o pensamento mágico sobre os poderes do corpo da mulher. Assim, mesmo sem
o querer, a medicina proporcionou, paralelamente ao seu desenvolvimento, um território
de resistência para o saber-fazer feminino em relação à própria anatomia da mulher
(PRIORE, 1990, p. 108-113).
Diante das colocações de Mary Del Priore, e com relação ao cotidiano das parteiras
que exerceram o seu ofício durante anos no Município de Uruana de Minas, nos foi possível
perceber a tamanha coragem dessas mulheres que mesmo com um escasso conhecimento
científico, foram de grande altivez para com a sociedade na qual viviam. Para que hoje as
parteiras tivessem liberdade para expressar sobre as suas práticas e técnicas, foi preciso que
essas mulheres fossem muito perseverantes em exercer e dar continuidade ao propósito de
zelar pela vida.
Por meio das entrevistas realizadas com as parteiras de Uruana de Minas, fica fácil
interpretar o que fica implícito às palavras, pois a emoção e a precisão com a qual elas falam
de suas trajetórias deixam transparecer como era gratificante para elas zelar pelo seu próximo,
e como o ato de salvar e ajudar as parturientes a dar a luz, proporcionava-lhes satisfação e
compaixão. A humildade e a fé com a qual se apegavam para trabalhar em prol da vida,
tinham como único fundamento o bem social, sem nenhum tipo de preocupação com o que
ganhariam em troca do esforço que faziam. Essa afirmativa ganha mais ênfase através das
palavras ditas pela parteira Dona Joana que durante a toda a entrevista sempre fez questão de
ressaltar a sua preocupação com o próximo:
Olha minhas fias, eu sei dizer pro ceis que a vida num era nada fácil naquele tempo, eu
mesmo nem sei contar quantas noite eu já passei de olho arregalado, preocupada com
alguma mulher buchuda que a gente via que num tava certo. Sempre pedia pra elas
invitar extravagância, num andar de cavalo, num pegar peso e também invitar de comer
comida pesada, remosa. Parecia até que era eu que tava buchuda, era o tempo todo eu
andando pra lá e pra cá, vendo como tava os andamentos da gravideis e só
despreocupava depois que ela ganhava o menino, era uma peleja. Falano nisso num
deixo de me alembrar da minha comadre Sirva, essa era de dá dó.Sempre que imbuchava
faltava pouco era morrer de tanto que imperrengava com a gravideis, mais mesmo eu
tendo uma penca de menino, eu sempre dava de ajeitar pra ajudá ela praticamente o
tempo todo, até ela ganhá o menino, sará, e ficá boa de novo.
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A Simplicidade com a qual as parteiras falam de suas experiências, nos leva a refletir
sobre a relevância do seu papel social, enquanto mulheres que mesmo tendo sido elevadas a
um grau de desvalorização pela sociedade, se destacam pelos atos de humildade e
solidariedade que prestavam umas as outras, contribuindo indiretamente para a formação de
uma população com menos preconceito e discriminação diante os saberes e a crença que as
encorajavam perante as suas vidas cotidianas.
Trabalhar com a história e a memória de parteiras torna a pesquisa do historiador mais
curiosa e emocionante diante as descobertas que vão fluindo no decorrer da pesquisa, pois a
cada entrevista realizada, pode se perceber o quanto relembrar o passado e as vivências torna
mais claro o presente. É através dessas explicações que se pode obter um pensamento lógico
mais próximo da verdade, e do entendimento da evolução histórica enquanto formação social.
Com embasamento nessa linha de raciocínio fica mais nítida a compreensão da importância
que teve as parteiras, segundo o seu ofício, pois foram essas bravas mulheres que mesmo com
toda perseguição, não se fraquejaram e ainda que não tenha o reconhecimento merecido pelos
órgãos governamentais, são conscientes de suas participações para o bem comum.
II - As crenças: benzimentos, chás e orações na ritualização do parto
Falar sobre as crenças, os rituais, massagens, chás e orações que as parteiras
realizavam diante a emergência de auxiliar um parto, é algo muito precioso. Pois para essas
parteiras o único meio de ajuda que elas poderiam contar, eram os seus conhecimentos
adquiridos com o decorrer de suas práticas e a sua própria fé em Deus e nos Santos de suas
devoções, como por exemplo, Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora da Guia e Nossa
Senhora do Parto. De acordo com as observações realizadas com a pesquisa, foi possível
constatar como o apego às devoções trazia confiança, segurança e tranquilidade tanto para as
parteiras como para as parturientes, pois as mesmas depositavam toda a sua expectativa de
sucesso perante o ato de dar a luz, na experiência, fé e sabedoria das parteiras, e essas por sua
vez tinham como único amparo à inspiração e confiança resultantes da fé que derivavam de
seus conhecimentos, práticas e crenças.
É gratificante ter tido a oportunidade de conhecer a história de vida dessas mulheres
que por meio de suas vivências aprenderam o ofício de realizar partos, e se dedicaram ao
cumprimento desse ofício como se fosse uma missão que Deus lhes confiou. Com
embasamento nesta observação, pode-se concluir que o apoio que essas mulheres parteiras
ofereciam as parturientes amenizava o medo, o desespero e até a insegurança durante a
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realização dos seus partos, e as mesmas não passavam por dificuldades maiores, devido à
assistência que era prestada pelas parteiras que não mediam esforços em aplicar as suas
técnicas e prestar os devidos cuidados às parturientes e aos recém-nascidos.
Mesmo não sendo portadoras de um estudo comprovado pela medicina, as parteiras
possuíam um conhecimento capaz de devolver a saúde às pessoas enfermas, por meio dos
ensinamentos existentes sobre as doenças já conhecidas por elas e os remédios, antídotos
naturais que as mesmas preparavam, confiavam e consideravam viável a cura.
As condições financeiras da população eram quase sempre precárias e isso
influenciava para que as parteiras fossem tão solicitadas quando alguém estava enfermo e
necessitando de remédios, pois as mesmas detinham um grande conhecimento sobre plantas,
raízes e ervas medicinais eficazes para o preparo de garrafadas, chás e xaropes que eram
utilizados por elas com o intuito de realizar os tratamentos dos vários gêneros de
enfermidades, seja de pessoas e ou até mesmo animais que se encontrassem doentes.
Nota-se que existia uma profunda relação de amizade entre a parteira e a parturiente, o
que propiciava mais tranquilidade para ambas na hora do parto, afinal as parteiras procuravam
atender às gestantes com muito carinho e dedicação; cada parto que realizava era visto como
uma vitória atribuída às suas crenças e orações. Mesmo antes do nascimento da criança, a
parteira encarregada da realização do parto já se sentia responsável pelo parto e trabalhava
incansavelmente no intuito de fazer com que tudo corresse bem, e para se sentirem mais fortes
e seguras se dedicavam mais às orações que para elas significavam um pedido de
encorajamento e proteção divina. De certa forma as parteiras se sentiam abençoadas por Deus,
pois o seu ofício convertia-se em trazer novas vidas ao mundo o que às proporcionava um
acréscimo de autoestímulo e prestígio em suas vidas.
O ofício de parteira pode ser compreendido como uma arte que inclui saberes,
técnicas, conhecimento, criatividade, onde o único objetivo almejado é o desejo pelo bem
comum de pessoas que pertencem à uma mesma classe social e que conhecem a realidade e as
dificuldades enfrentadas com a falta de assistência médica e recursos financeiros.
Nessa época, as próprias mulheres cuidavam da saúde do seu próprio corpo e diante de
qualquer complicação as mesmas recorriam às parteiras que exerciam não apenas o ato de
partejar, mas como eram vistas como sábias benzedeiras com dom de cura, sempre buscavam
soluções para as atenderem com precisão e sabedoria, diante principalmente a quebra de
resguardo, hemorragias e outras infecções comuns em mulheres.
Essas mulheres além de conseguirem atender as pessoas adultas, como mulheres e
homens, elas também obtinham uma bagagem de conhecimento muito grande de cuidados que
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eram indispensáveis aos bebês recém-nascidos, como por exemplo, um dos cuidados mais
delicados como a cura do umbigo, que exigia segundo elas um tratamento todo especial. Para
que o umbigo sarasse sem nenhum perigo, a parteira Dona Joana faz questão de ressaltar,
como era grande a sua preocupação com o recém-nascido do momento em que cortava o
umbigo, até que o mesmo caísse e ficasse totalmente cicatrizado:
Sempre que eu fazia um parto, a minha maior preocupação era de cuidar do umbiguinho
da criança. Logo que cortava o umbigo, tratava logo de falar pra mãe da criança a mior
forma de curar o umbigo, (...) eu ensinava pra ela que era bão colocar terra de parede
umedecida com pouquinho de água, fumo torrado, pena de galinha torrada e
principalmente azeite morno, e explicava muito por causa de que o azeite queima a pele
da gente atoinha (...) Ah! Minhas fias eu não despreocupava e nem redava pé enquanto
num via o umbiguinho fica bonitinho, causa de quê é perigoso até a criança morrer se
der uma inflamação no umbigo (...).
É admirável a tamanha preocupação e atenção que essas parteiras se sobrepunham
para que aqueles que necessitassem do seu conforto e de sua ajuda encontrassem alívio e
segurança através de suas mãos, pois as orações e principalmente os benzimentos, realizados
em nome dos Santos de suas devoções, eram a garantia que essas mulheres se apegavam para
passar energias positivas àqueles que estavam passando por dificuldades ou problemas com
saúde. É impressionante como a bagagem de fé e devoção era grande, a forma em que elas
falam dos milagres recebidos através de suas orações e súplicas, a emoção implícita às
palavras nos faz refletir sobre o quanto essas mulheres que com quase nenhum tipo de grau de
escolaridade, fizeram a diferença na sociedade. O ombro amigo, a palavra de consolo nos
momentos de dor e angústia, a dedicação, a solidariedade e a compaixão diante a necessidade
do seu próximo, nos mostram como em tempos mais difíceis a mulher em si já era portadora
de uma superioridade de qualidades e sentimentos solidários, que por muitas vezes
desvalorizados e descriminados, simplesmente por ter sido realizado por mãos e criatividades
femininas.
Essas colocações ganham mais ênfase e concordância através do decorrer das
entrevistas, onde essas mulheres parteiras fazem questão de ressaltar como era nítida a falta de
reconhecimento dos homens diante de suas pelejas e dificuldades. A parteira Dona Mariana
de 82 anos de idade não se hesita em relatar como os maridos não davam o devido
reconhecimento a seus esforços.
Olha gente vou contar uma coisa pro ocêis que eu num conformava! Ocêis acredita que
os homens só tinha uma preocupaçãozinha, enquanto a mulheres estava morre num
morre pra ganhar o menino, mas depois minhas fia aguentando ou num aguentando ela
tinha de agradecer a Deus se a parteira ficasse uns dia a mais, pro quê se não só num
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quebrava o resguardo que era Deus que punha a mão (...) num era só o meu marido não!
Podia contar os que intendia , muitas de nós ia até pra roça capinar cum menino novo
(...) os home num via que agente ficava fraca, que cansava, e se agente fosse reclamar
eles ainda dizia que tinha arrumado uma mulher mole, puba de preguiça. É eu vô ser
sincera se num fosse umas pelejando e acudindo as outra, eu nem sei o que seria de nós
(...).
Percebe-se como era difícil a lida dessas mulheres, pois além de cuidar dos filhos dos
afazeres de casa, animais domésticos e partejar. Elas ainda tinham como obrigação ajudar os
maridos com os serviços braçais na roça como, capinar, roçar, ajudar na planta e na colheita
para sustentar os filhos e os animais. É notável como o esforço físico era grande e como eram
submetidas às ordens do marido, sem direito a reclamações.
A forma como essas bravas mulheres conduziam as suas vidas deixa visível a
humildade e obediência que exerciam perante seus esposos e a sua fé, pois segundo elas a
crença em Deus e nos Santos lhes fortalecia e encorajava diante os obstáculos enfrentados.
As parteiras depositavam grande confiança nos chás que preparavam cuidadosamente
para atender ás necessidades das pessoas que ás procurava. Quando as parteiras novatas não
tinham conhecimento suficiente para realizar certos tipos de chás, as mesmas buscavam
orientações e outros ensinamentos mais seguros com as parteiras mais velhas que obtinham
maior experiência, com isso o aprendizado com o preparo de chás era adquirido pela prática.
Eram diversas as variedades de remédios naturais que as parteiras utilizavam durante a
realização de partos que sofriam complicações. Esses remédios segundo as parteiras e
parturientes, foram os resultados de sucesso perante muitos partos complicados, pois em
alguns casos a parturiente passava até semanas de cama com fortes contrações sem conseguir
dar a luz, a espera de uma parteira que tivesse um conhecimento de maior relevância e
experiência com o caso, para ajudá-la, juntamente com a outra parteira que já estava
auxiliando a parturiente.
São inúmeras as situações de sufoco cujo qual já passou essas parteiras, mas vale
ressaltar que, comprovado ou não pela ciência, as massagens juntamente com os chás e as
orações, eram de suma eficácia e que quase sempre na maioria dos casos de complicações que
surtiam nas mãos dessas mulheres, eram solucionados com vitória. Considerando o número de
partos realizados pelas mãos dessas parteiras, de acordo com o número de habitantes na nossa
cidade entre a década de 70 á 80, fica visível o quanto essas mulheres obtiveram sucessos com
os seus serviços de parteiras prestados a comunidade de Uruana, pois segundo o relato das
parteiras mais velhas do município, foram raros os casos de mortes com bebês diante as
complicações com partos, e quando aconteciam incidentes como estes a parteira já constatava
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em algumas situações que o bebê não se encontrava vivo há vários dias, como relata a parteira
Dona Joana:
Já passei por muitos apuros, e nem sei contar procêis o tanto que era difícil contar
pruma mãe, que a criança tava morta, é muito sofrido (...) me lembro da minha comadre
Bastiana, ela ficou com um menino morto dentro dela mais de duas semanas e não
conseguia ganhar a criança, eu já sabia que alguma coisa num tava certo por causa de
quê ela tava muito descrente, inchando muito, o menino num mexia e eu pegava na
barriga dela e via que tava muito fria, mais o problema maior é que ela num sentia dor
de ganhar de jeito nenhum (...) aí eu peguei umas foia de menstrasto e arruda e fiz um
chá junto com três sementinha de pimenta do reino bem socada e dei pra ela tomar e
depois fui fazendo umas massagem na escadeira dela e na barriga com um pouco de
azeite morno, eu massageavam bem rápido e forte até ficar bem quente e eu pedi pra ela
ficar de coque porque a posição também ajuda muito(...) daí eu fui pelejando, pelejando
até que ela conseguiu botar a criança pra fora. A comadre Bastiana coitada sofreu
muito com essa barriga, pois o menino já tava soltando a pele, já tava apodrecendo
dentro dela (...) Ela ficou muito fraca depois que desocupô, quais que ela morre também,
mais eu cuidei dela muito tempo fazia sumo de algodão com mastruz pra ela tomar e
fazia também banho de carrapicho com raiz de capim santo, pra ajudar a limpar o útero
e retirar os resto de parto que acaba ficando quando a criança nasce morta. Apesar de
tudo que ela sofreu, graças a Deus ela ficou boa e depois disso ainda aparei mais duas
crianças dela, e ela ainda é viva até hoje (...).
Por meio das entrevistas foi possível perceber que as parteiras sempre recorriam às
orações diante às circunstâncias difíceis e depositava nas mesmas toda a sua confiança o que
acarretava uma série de resultados positivos. São várias as orações conhecidas pelas parteiras
e quase todas sempre eram usadas até mesmo antes de dar início a um parto, pois de acordo
com o que relatam as parteiras mais devotas, quem era a verdadeira parteira era Nossa
Senhora Aparecida, Nossa Senhora do Parto e Nossa Senhora da Guia, segundo elas eram
essas Santas que cuidavam e davam proteção á parteira e a parturiente para que tudo acabasse
bem.
E importante ressaltar que essas orações sempre eram bem aceitas pelas parturientes
que em muitos casos acabavam se tornando devotas e assim depositavam a sua confiança e fé
ás orações. O ato de realizar orações como auxílio diante um parto era tão freqüente que
quando uma parteira estava auxiliando um parto mais difícil, sempre eram solicitadas à
presença de uma parteira com maior conhecimento e sabedoria sobre as orações.
Certas orações eram sigilosas as parteiras novatas e até mesmo a parturiente, estas
eram oradas somente por parteiras mais velhas, porque segundo elas se a pessoa que fizesse a
oração não tivesse uma preparação espiritual muito grande, acabariam ficando fracas e
impossibilitadas de ajudar a parturiente, pelo fato da oração ser de um poder muito forte. Para
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evitar esses constrangimentos, as parteiras portadoras do conhecimento sobre essas orações
faziam sempre questão de realizá-las.
Foi fascinante ouvir a parteira Dona Mariana discursar sobre o quanto a sua devoção e
fé á fortalecia perante as dificuldades que surgiam no decorrer de suas trajetórias e como era
importante e significativo o velho amuleto de Nossa Senhora Aparecida que há anos lhe
acompanha e que a mesma faz questão de carregar no peito todos os dias:
(...) Sei que minha Nossa Senhora Aparecida nunca me abandonou, ela sempre esteve
comigo me dano proteção e alento (amparo), já passei por muita dificuldade na minha
vida pelejando com essa muiezada, mas a minha nossa Senhora é incansável e nunca
desistiu de me ajudar (...). Me alembro como se fosse hoje quando a minha comadre Zefa
começo a ganhar uma criança que insistia em nascer primeiro os pezinhos ao invés de
vim a cabeça, a mãe já tava dispersada sem saber o que o fazer, mas eu por muitas vezes
eu ia ajeitando a criança com a mão, pelejando pra vê se ela vinha nascer da maneira
certa, que era pela cabeça primeiro, mas nada resolvia (...) Quando eu vi que o trem tava
ficando cada vez mais complicado fui pro outro quarto e dobrei os meu joelho no chão e
clamei a minha Nossa Senhora que me ajudasse naquele momento de aflição (...), e voltei
lá pro quarto confiante na minha Santa e falei pra minha Comadre fica calma que tudo
ia se ressorver. Voltei a criança pra dento dela com as mão e vim ajeitando
devagarzinho até que veio as perninha di novo e eu continuei ajeitando com as mão os
bracinho até que eu vi as duas mãozinha e aí eu puxei a criança. Tenho certeza que quem
realizou aquele parto foi a minha Nossa Senhora e graças a Deus e a ela minha comadre
e a criança ficaram bem.
Os benzimentos eram tão usados pelas parteiras que mesmo antes da primeira visita ao
recém-nascido, a parteira já tinha o cuidado de benzê-lo contra quebrante e cólicas normais
aos recém-nascidos. O ato de benzer era tão rotineiro pelas parteiras que até animais como
vacas e cadelas recebiam as orações para que conseguissem parir quando o filhote não estava
na posição certa para nascer. Esses atos de benzimentos eram respeitados e requisitados pelas
pessoas que se encontravam mediantes á essas situações.
Os chás e as ervas também detinham um enorme teor de cura, pois diante a falta de
recursos financeiros, para adquirirem medicamentos farmacêuticos que tratassem as viroses
comuns em recém-nascidos, como por exemplo, a ictérica, brotoeja, resfriados, as mães
recorriam aos banhos com uma planta chamada picão e chás que eram feitos com essa mesma
planta, casinha de marimbondo e a água na qual se fervia um pedaço de telha, essa tradição
também é utilizada por muitas mães até os dias de hoje. Contra os resfriados eram feitos chás
com ervas conhecidas, como: erva-cidreira, capim santo, erva-doce, hortelã, folha de vick, etc.
Segundo as parteiras os remédios usados para combater as fortes dores de barriga (cólicas),
eram os chás preparados com folhas de poejo, marcelinha, camomila, noz-moscada, erva-
doce, e, outro método era o azeite aquecido em uma colher para massagear as costas e a
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barriga do bebê. Esses chás e massagens tinham resultados tão eficazes que até nos dias de
hoje são recomendados aos recém-nascidos por outras mulheres.
Nota-se como foi de fundamental importância para a população uruanense os saberes e
os ensinamentos adquiridos por intermédios das parteiras, como nos relata a parteira Dona
Elza Maria, que faz questão de afirmar que apesar da simplicidade com a qual eram feitos os
chás, eles eram considerados milagrosos:
Quando uma criança estava cum muita dor de barriga, as mãe sempre me procurava
desesperada sem saber o que fazer pra ataiá a cólica do menino e eu vô falar uma coisa
pro ocêis, os doutores pode até achar que nós num sabemos nada, mais uma coisa eu te
conto: esses chazinho que eu preparava era tiro e queda, era a mesma coisa de tirar com
a mão. (...), o chazinho de manuscada (noz-moscada), esse então era milagroso, eu já fiz
e ensinei tanto chá pra essa muiezada que eu me sinto até importante! (risos).
Outra prática de benzimento exercida pelas parteiras era o combate ao quebranto. Este,
segundo elas era uma enfermidade que atingia homens, mulheres e principalmente crianças e
se caracterizava pelo sintoma de mal-estar, febre, dor de cabeça e moléstia causadas pelo
suposto efeito de mau-olhado lançado por pessoas que carregam inveja ou desprezo pela
mesma. O ―mau de quebranto‖, termo pelo quais as parteiras costumam se referir á doença,
era tratado através dos poderosos benzimentos onde eram utilizadas folhas de arruda, que
segundo as mesmas é uma planta que tem o poder de tirar toda inveja concentrada na pessoa
quebrantada: ―O benzimento cum as folhinhas de arruda joga por terra qualquer moléstia
(...), é só benzê e vê a arruda ir muchano, aí num tem erro, a pessoa tava mesmo
quebrantada, mais cum a ajuda de Deus cum as força das oração, a pessoa ficava sarada”
(Dona Júlia - parteira e benzedeira). Um método recomendado ás mães dos recém-nascidos
para evitar que eles pegassem o quebranto, era amarrar ao braço da criança antes da primeira
visita, uma fita de cor vermelha.
Percebe-se que as mulheres parteiras com os seus conhecimentos sobre as doenças e o
mundo vegetal moviam-se num território de saberes transmitido oralmente que ás ligava ao
seu quintal, á horta e ás plantas, afinal, elas mantinham uma enorme intimidade com a flora
medicinal brasileira, e era baseado nessas ervas e plantas que as mesmas desempenhavam tão
bem a prática de curar pessoas enfermas que recorriam a elas quando passavam por um
momento de sofrimento. O trabalho das parteiras de benzer e curar eram muitos e bem aceitos
pela comunidade daquela época pelo fato de depositarem total confiança nos seus saberes e
até mesmo pela falta de assistência médica local, isso só resultava no seu desejo de estar cada
vez mais aperfeiçoando e buscando novos conhecimentos para poderem atender com eficácia.
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Trazer á tona as práticas e as técnicas usadas pelas parteiras nos fazem persuadir sobre
o quanto é relevante trabalhar e explorar a história por meio da recordação guardada na
memória das pessoas é impressionante como as perguntas vão ganhando vida diante as
respostas e a emoção que com somente o brilho nos olhos e lágrimas nos dão o seu
depoimento.
A confiança e a alegrias com a qual essas mulheres falam de suas vivências, deixam
visível o orgulho e a honra que elas sentem em ter sido úteis e importantes para com aqueles
que necessitavam de seus saberes. Percebe-se como é grande a satisfação que elas sentem ao
notar que a nossa intenção é dar a elas reconhecimento e prestígio, o sorriso e o brilho no
olhar deixa transparecer a humildade e a felicidade que essas simples mulheres, cuja maioria
não assina o próprio nome se elevam quando citamos que esse nosso trabalho vale um
diploma de faculdade.
É emocionante e gratificante, como elas nos dão atenção e se esforçam para relatar os
momentos mais importantes que já presenciaram enquanto parteiras, a disponibilidade sincera
com a qual elas se dispõem, prova com maior certeza a boa vontade que essas mulheres
dedicaram a vida toda para cuidar de pessoas.
Não só a filosofia vai implícita nos fatos, mas a motivação para narrar consiste
precisamente em expressar o significado da experiência através dos fatos: recordar e
contar já é interpretar. A subjetividade, o trabalho através do qual as pessoas constroem e
atribuem significado á própria existência e á própria identidade, constitui por si mesmo o
argumento, o fim mesmo do discurso (PORTELLI, 1996, p. 16.).
Com o decorrer das entrevistas as parteiras passam a se sentirem seguras e confiantes
para nos relatar sobre as suas infâncias, as dificuldades vivenciadas na adolescência, a vida
nas roças e suas relações com os vizinhos, familiares e amigos. Hoje, todas as parteiras
consultadas são senhoras idosas que na maioria das vezes são viúvas e moram sozinhas ou
com seus netos que são criados por elas. São poucas as parteiras, como no caso de Dona Júlia
que ainda tem o privilégio de ter o esposo ao seu lado e assim, ter a oportunidade de poder
recordar e relatar juntos, sobre as suas histórias de vidas, suas vivências e convivências
cotidianas, além de apresentarem a visão que tem de si mesmos e do mundo, narrando e
interpretando fatos que marcaram suas trajetórias.
É válido lembrar que a parteira Dona Júlia sempre pode contar com o apoio e
compreensão do seu esposo Jovino, além de que o mesmo também sabia preparar remédios e
realizar benzimentos e com isso por muitas vezes já a auxiliou durante o momento em que
estava prestando os serviços de parteira. Ele sempre procurava organizar as plantas e ervas
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que fossem ser utilizadas no preparo de banhos, chás e até mesmo preparava o sumo que seria
ingerido pela parturiente com intuito de ajudar a limpar o útero para que fossem evitados as
infecções com os restos de parto. O Sr. Jovino relata com muita alegria, como se sentia
orgulhoso em poder ajudar o se próximo:
Sempre que Julinha ia sozinha atender uma mulher que estava querendo ganhar nenê eu
ficava cum dó de deixar ela ir sozinha e aí eu ia cum ela pra ajudar no que fosse preciso
e que me cabeasse é claro(risos).Eu pegava as planta que ela precisava tipo
algodãozinho do mato, picão,carrapicho, era raiz de salsa, ih! Era tanta pranta, tanta
raiz que nem me alembro tudo, mais graças a Deus e Nossa Senhora Aparecida, nós
sempre era feliz no que ia fazê(...). Já binzi muita criança de quebrante, e inté quando
tava nascendo os dentinhos, as mãe ia atrais de mim, pra mode eu benzê a criança e os
dentinho nascê logo (...). Eu sabia benzê de muitas coisa, era dor de ouvido, dor de
dente, espinhela caída, sol na cabeça, era tanta coisa (...).
Além dos benzimentos que eram exercidos não somente pelas parteiras, mas também
por outras pessoas, havia as orações que eram incumbidas somente a elas de realizarem, sendo
que algumas dessas orações eram de exclusivo conhecimento das parteiras mais velhas. Essas
orações que eram recitadas mediante os trabalhos com partos são guardadas pelas parteiras até
os dias de hoje, em grande sigilo. Portanto só foi possível até então, ter acesso há uma oração,
que segundo a parteira Dona Joana, era de um grande conhecimento popular.
(...) Essa oração meninas eu sempre fazia quando havia complicação no parto e graças a
minha Nossa Senhora sempre foi muito valida eu ia pra di traz da casa no rumo do quarto
que estava a mulher passando mal e rezava bem assim: Creio em Deus pai todo poderoso
criador do céu e da terra e em Jesus Cristo seu único Fio, Nosso Senhor, que foi
concedido pelo poder do Espírito Santo; nasceu da Virgem Maria, padeceu sob Poncio
Pilatos foi crucificado, morto e sepultado; desceu a mansão dos morto; ressuscitou ao
terceiro dia. Subiu aos céus, está sentado à direita de Deus Pai todo poderoso, donde há
de vim julgar os vivo e os morto; creio no Espírito Santo na Santa Igreja Calórica, na
comunhão dos santo; na remissão dos pecado, na ressureição da carne, na vida eterna.
Amém. Pai Nosso que estais no céu santificado seja o Vosso nome, venha a nós o Vosso
Reino, seja feita a Vossa Vontade. Assim na terra como no céu o pão nosso de cada dia
nos daí hoje perdoai as nossas ofensa assim como nós perdoamos a quem nos tem
ofendido e não nus deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Amém. Ave Maria
cheia de graça, o senhor é convosco, bendita sois voz entre as mulheres e bendito é o
fruto do vosso ventre Jesus. Santa Maria Mãe de Deus rogai por nós pecadores, agora e
na hora de nossa morte. Amém. Despois de rezar isso tudo três vez, nós oferecia a Nossa
Senhora da Guia e a Nossa Senhora do Bom Parto, dizendo desse tipo: Não estou prenha
e nem parida, mais estou com as pari dentro.
Ao finalizar a entrevista com a parteira Dona Joana, foi possível perceber o quanto o
ritual do parto promovido por elas era carregado da fé em suas devoções e principalmente em
Deus, pois fica muito evidente a emoção e o respeito com o qual elas se referem às suas
religiosidades.
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III-Considerações finais
Foi possível concluir por meio do presente trabalho que as mulheres parteiras de
Uruana de Minas mantinham no seu período de atuação, experiências diversificadas mediante
os seus benzimentos, crenças e a realizações de partos. A análise e a investigação sobre as
parteiras nos fizeram perceber a importância pouco pesquisada diante as suas vivências e os
trabalhos prestados voluntariamente à sociedade. Até o presente momento, o tema parteiras
ainda não havia sido objeto de pesquisa em Uruana de Minas e foi esse fator que nos serviu
como inspiração e motivação para a realização deste trabalho, mas é válido ressaltar que no
decorrer desta pesquisa surgiram novas indagações que ainda merecem ser melhor
aprofundadas e pesquisadas.
Porém, fica incumbido a nós dar por encerrado este trabalho temporariamente, e
esperamos que a pesquisa tenha contribuído para o entendimento da vivência cotidiana das
parteiras, além de dar a elas visibilidade histórica perante a importância oculta ás suas
trajetórias perante a sociedade.
Durante a realização da pesquisa foi fácil constatar o envolvimento de dois grandes
desafios. O primeiro foi o fato de este trabalho ser inédito no município uruanense, e o
segundo foi à falta de fontes bibliográficas ou manuscritas encontradas na cidade. A falta de
documentos causou um grau de dificuldade, porém foi gratificante poder usar como fonte de
pesquisa a memória que traz a tona experiências e vivências, dando ênfase e valorizando a
oralidade e o estudo da vida cotidiana de pessoas humildes, mas que se destacam por sua
determinação em ajudar o próximo.
As informações iniciais concretizaram o que foi abordado no perfil social das
parteiras, ou seja, as suas relações cotidianas, os motivos que as levaram a exercer o seu
ofício, as suas origens, condições financeiras, escolaridade, enfim, o seu meio social. Assim, a
pesquisa possibilitou-nos conhecer as trajetórias dessas mulheres, bem como a relevância do
seu papel para com a sociedade uruanense no final do século XX, mas que deve ser até hoje
motivo de reconhecimento.
A segunda parte desse artigo buscou demonstrar todas as peculiaridades em torno do
ato de partejar, como as crenças, orações, benzimentos, técnicas e chás utilizados pelas
parteiras com o intuito de facilitar e amenizar o sofrimento das parturientes. A religiosidade
foi marcante no cotidiano das parteiras devido as suas devoções em Nossa Senhora
Aparecida, Nossa Senhora do Parto, entre outros, e a fé depositada em Deus que as
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fortaleciam mediante o seu ofício de parteira. Comprovado ou não pela ciência pode-se
perceber que as crenças e orações eram de grande valia para acalmar e de certa forma passar
segurança e confiança á parturiente.
Outro ponto a ser destacado era a forma do aprendizado do ofício de ser parteira.
Através das entrevistas foi possível contatar que esse ofício era adquirido na maioria das
vezes devido a falta de assistência médica local e por causa dessa necessidade esse saber se
tornou praticamente uma tradição na qual, o conhecimento, saberes, práticas, técnicas e
crenças eram transmitidos oralmente por parteiras que detinham maior experiência e também
de mãe para filha.
Mesmo com a emancipação da cidade em 1995, com a implantação do hospital
municipal e a assistência médica diariamente, o mesmo ainda não realiza partos devido à falta
de equipamentos indispensáveis a tais necessidades. É possível perceber que foi através da
chegada dos médicos ao município que as parteiras foram menos solicitadas para partejar,
mas, no entanto, ainda hoje algumas que residem nas zonas rurais são requisitadas por
mulheres da região para realizarem partos e benzimentos.
De acordo com os relatos das parteiras, fica notável a intimidação e opressão que
essas mulheres demonstram com relação às críticas proferidas pelos médicos mediante as suas
crenças, práticas e saberes. Essas críticas são vistas pelas parteiras como uma afronta, já que
as mesmas não têm a mesma percepção sobre a medicina, a maioria até agradecem pela
assistência prestada pelos médicos. As mesmas fazem questão de ressaltar que as pessoas que
conheceram os seus trabalhos naquele período valorizavam e respeitavam as suas atuações.
Acreditamos que por meio da análise feita sobre a influência do cotidiano e
trajetórias das parteiras uruanenses no final do século XX, estejamos contribuindo como
historiadoras, para dar visibilidade e reconhecimento a essas mulheres de pouca escolaridade,
mas que por sua vez são portadoras de muitos saberes, os quais foram esquecidos pela história
oficial da cidade de Uruana de Minas. A pesquisa nos levou a analisar sobre a importância da
história como meio de reflexão do passado para a compreensão das atuações presentes, tendo
em vista que temos como fundamento histórico à valorização das parteiras como forma de
agradecimento e admiração pelos trabalhos e pela solidariedade que elas por muitas e muitas
vezes prestaram à comunidade de Uruana.
IV-Referências Bibliográficas
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ARAÚJO, Emanuel. A arte da sedução: Sexualidade feminina na Colônia. In: PRIORE,
Mary DEL (Org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2007.
BEATRIZ, Regina Guimarães Neto. Artes da Memória: fontes orais e relato histórico. p.
99-114.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & história cultural. 2. Ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 2005.
PINTO, Benedita Celeste de Morais. Vivências Cotidianas de parteiras e “experientes” do
Tocantins. São Paulo: Copyright, 2002.
PORTELLI, Alessandro. A filosofia e os fatos: narração, interpretação e significado nas
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THOMPSON, Paul. “História e Comunidade”. In. A voz do passado: história oral. 2. ed.
Rio de janeiro: Paz e terra, 1998.
VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo, PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha, KHOURY, Yara
Maria Aun. Pesquisa em história. 4 ed. São Paulo: Ática. 1998.
V-Fontes Orais
Parteiras:
Elza Maria Correia da Silva, 74 anos, residente em Uruana de Minas MG.
Júlia Teixeira Viana, 73 anos, residente na Comunidade Pastos dos Bois Uruana de Minas -
MG.
Joana Pereira da Cruz, 80 anos, residente em Uruana de Minas - MG.
Mariana de Souza Marques, 82 anos, residente em Uruana de Minas - MG.
Maria Fernandes do Amaral, 72 anos, residente na Comunidade Beira da Ilha, Município de
Uruana de Minas - MG.
Parturientes:
Aparecida Nunes de Souza, 45 anos, residente em Uruana de Minas - MG.
Maria da Conceição Alves, 53 anos, residente em Uruana de Minas - MG.
Raimunda Lima da Silva, 42 anos, residente na Comunidade Pastos dos Bois, Município de
Uruana de Minas – MG.
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JOÃO PINHEIRO EM PERSPECTIVA HISTÓRICA
Giselda Shirley da Silva*
Resumo: Conhecer a história local e regional constitui um fator de grande relevância na
construção da identidade. O plano de observação desta pesquisa é a cidade de João Pinheiro,
aqui balizada entre os anos 1873 a década de 30 do século XX. Este artigo representa o
resultado de uma pesquisa que visa a estimular o interesse pela cidade e o conhecimento da
história e a realidade locais. As reflexões permitem perceber a trajetória histórica, saberes e
fazeres locais, práticas sociais, cotidiano, bem como as diferentes forças e contribuições que
surgem na constituição do delicado tecido social e histórico. Objetivamos com este estudo
conhecer um pouco da trajetória histórica de João Pinheiro, de suas lutas, anseios e
conquistas. Buscamos embasamento em fontes plurais, tais como a História de vida e a
pesquisa documental.
Palavras chaves: História; Cidade; Memória; Patrimônio.
Abstract: To know the local and regional history constitute as a factor of big relevance in
construction of the identity. The plan of observation for this research is the city of João
Pinheiro, limited here between the years of 1873 to 1936. This article represents the result of a
research that aims to stimulate the interest for and know the history and local reality,
reflexions that permit to perceive the historical trajectory, local knowledges and actions,
social, practices, quotidian and the different strengths and contributions that arises in the
constitution of the delicate social and historical tissue. We aim with this job to know a little
more about its historical trajectory, the battles and conquests. We searched basis in plural
sources like: life histories and documental research.
Keywords: History; City; Memory; Patrimony.
1 Introdução
As coisas tem vida.
Vidas impregnadas das vidas dos
Que fizeram manusearam, habitaram.
Nas paredes das casas, nos lustres, no ranger
De cada porta, um pouco de habitantes permanece.
A alma de um tempo... De vários tempos
Seus amores, suas dores, seus modos de viver e ver o mundo.
As coisas são vivas porque abrigam vidas...
―Muito mais do que isto, abrigam memórias...‖.
(Carlos Rangel)12
* Mestre em História Cultural pela UnB. Professora e Historiadora. Presidente do Conselho de Patrimônio
Histórico e cultural de João Pinheiro. E-mail: [email protected]
12
Diretor do Instituto de Patrimônio Histórico e Cultural de Minas Gerais- IEPHA-MG.
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O presente artigo tem como objetivo conhecer a história local e regional, percebendo-a
como um dos vetores identitários. O plano de observação é o município de João Pinheiro13
,
região do noroeste mineiro, no período balizado de 1873 à década de 30 do século XX. A
escolha dos marcos temporais deu-se por ser 1873 o ano de elevação de Sant‘Ana do Alegre à
condição de Freguesia e a década de 30 do século XX, até o final do governo de Genésio José
Ribeiro, primeiro prefeito indicado para o cargo em João Pinheiro. Entretanto, a própria
natureza da pesquisa sugeriu a flexibilização destes marcos e pautou alguns pontos de
inflexão.
Justificamos o interesse pela realização desta pesquisa por considerarmos sumamente
importante conhecer e divulgar a história e a cultura local. A importância de registrar a
história não se dá em decorrência de ser a cidade um centro de referência econômica ou
nacional. Consiste, outrossim, no fato de que este município é o palco de vivências e
experiências múltiplas que contam de um povo, de um lugar, de um tempo, constituindo,
assim, um patrimônio histórico e cultural dos pinheirenses, fortalecendo o sentimento de
pertença ao lugar e à história. De acordo com Kuyumjian:
O olhar lançado sobre uma ―cidadezinha‖ é abrigado pela noção de representação do
fazer humano cujos sinais de sua historicidade são encontrados nos percursos e sinais que
ressaltam aos olhos do observador, outras vezes o olhar se detém na relação entre cultura
e arte, responsável por abrir uma nova espacialidade das cidades, a cidade como arte, ou a
cidade construída pela arte, não menos significativa é a percepção dos modos como o
homem se apropria, inventa e reinventa as cidades (KUYUMJIAN, 2008, p.13).
Sabemos que a história das cidades é contada de forma direta por meio de narrativas
orais e escritas, bem como por formas indiretas, através do nosso patrimônio material e
imaterial, das praças, igrejas, escolas, casas, monumentos, ruas, esculturas, imagens, festas e
manifestações culturais, dentre outros. Esses registros são importantes na construção da
identidade, no sentimento de pertencimento a uma história e a um lugar, no fortalecimento das
nossas raízes. Quando perdemos nossas raízes, ficamos em relação à nossa identidade, por
isso um dos grandes desafios da humanidade é conciliar o progresso e modernidade com o
patrimônio histórico e cultural. Passado e presente... E a convivência harmônica dos mesmos,
13 João Pinheiro está localizado na porção Noroeste de Minas Gerais. Essa região constitui uma enorme vastidão
territorial que engloba 19 municípios. Possui aproximadamente 340.000 habitantes. A região noroeste divide-se
em 2 micros regiões. Micro-Região Paracatu: Brasilândia de Minas, Guarda-Mor, João Pinheiro, Lagamar,
Lagoa Grande, São Gonçalo do Abaeté, Varjão de Minas e Vazante. Micro-Região Unaí: Arinos, Bonfinópolis
de Minas, Buritis, Cabeceira Grande, Dom Bosco, Formoso, Natalândia, Uruana de Minas. O povoamento da
região deu-se em decorrência da mineração e da criação de gado. Devido à distância entre os municípios e a
capital do Estado, essa região teve que se adaptar e procurar alternativas para o desenvolvimento.
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pois um não inviabiliza o outro. Precisamos lembrar que o sentimento de identidade significa
olharmos o passado, o presente e o futuro, como bem lembrou a professora Tereza Negrão de
Mello em uma de suas reflexões: ―Identidade não é o que se foi o que se é, mas também,
aquilo que desejamos ser‖ 14
. Precisamos caminhar pela cidade de hoje e pela cidade de ontem
para desenharmos a cidade de amanhã.
Como profissional que possui na história seu espaço de trabalho, preocupo-me com o
papel que devemos desempenhar para conhecer e divulgar a história local. Constitui este um
dos fatores de relevância social de nossa atuação profissional, partindo-se do princípio de que
a ciência de nossa história é fundamental para despertar o amor pelo local e, por
consequência, a cidadania, pois só nos sentimos instigados a preservar e valorizar a partir do
conhecimento.
Durante a realização de atividades na vida acadêmica, percebemos a rala produção
historiográfica acerca dessa região do noroeste de Minas, principalmente em relação a João
Pinheiro. Pensávamos no esquecimento histórico e na necessidade de conhecermos a história
para a própria formação da identidade, fortalecimento das raízes. Conhecer é o passo principal
para preservar, fortalecer laços identitários, pois quem conhece, ama, cuida... Surge então a
ideia de problematizar e buscar compreender um pouco dessa história. Decorre, assim, dos
objetivos que nortearam este trabalho, a intenção de compartilhar o resultado desta pesquisa
com os pinheirenses, pois muitos dos estudos realizados no âmbito acadêmico não são
partilhados com as pessoas da comunidade observada em estudo. Como interessados na
produção de saber que somos, devemos levar em consideração que o conhecimento só tem
sentido se for partilhado.
Os leques abertos com a história cultural constitui um campo privilegiado para
análises relacionadas ao estudo em questão. De igual modo, a própria história oral como
metodologia de trabalho possibilita a construção da trama narrativa por meio do viés da
memória e das representações veiculadas por atores sociais que tiveram vidas partilhadas no
espaço local.
Consideramos a abordagem sob o enfoque da história local um campo privilegiado de
investigação para diversos níveis em que traçam e constituem as relações de poder entre
grupos e instituições. Campo privilegiado para análise dos imbricados processos de
sedimentação das identidades sociais em particular dos sentimentos de pertencimento e
dos vínculos afetivos que agregam homens, mulheres e crianças na partilha de valores
comuns, no gosto de se sentir ligado a um grupo (REZENIK, 2005, p. 4).
14
Frase proferida pela Profa. Dra Maria Terezinha Ferraz Negrão de Mello, professora da UnB, em um dos
colóquios com a pesquisadora para orientação da dissertação de mestrado.
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Pesquisar sobre a história de João Pinheiro representa contribuir significativamente
para o estudo da história local e regional, pois história e memória caminham juntas, sendo
estas fundamentais na construção da identidade e da própria preservação da história e cultura.
A identidade não é algo inato ela se refere a um modo de ser no mundo e com os outros.
É um fator importante na criação das redes de relações e de referências culturais dos
grupos sociais. Indica traços culturais que se expressam através de práticas lingüísticas,
festivas, rituais, comportamentos alimentares e tradições populares, referências
civilizatórias que marcam a condição humana (GOMES, 2005, p. 41).
Como mencionado, objetivamos com esta pesquisa conhecer a trajetória histórica
dessa cidade, buscando perceber quais acerca da mesma, bem como pretendemos conhecer os
indícios desse passado deixados no decorrer do tempo. Um dos principais esteios de
abordagem foi a utilização da História Oral como uma das formas de conhecer as
representações do passado por meio de relatos de história de vida. Deusdedith Júnior escreve
que nas fontes orais, o passado pode ser (re) vivido e revisitado a cada empenho feito para
construí-lo como reminiscência.
Os sentidos multiplicam-se. Aos sentidos que correspondem à época para qual as
lembranças remetem, somam-se àquelas que permitem significar os exemplos passados
no tempo presente, tempo de construção da memória - do que ocorre profunda associação
entre o trabalho da memória e o processo de construção identitária, processo este que
também se caracteriza pela prática de constante apropriação e recriação do passado [...]
Apresenta eficácia específica quando se refere ao tempo presente, permitindo que sejam
sondados sentidos possíveis que o presente atribui ao passado. Mas ela é um instrumento
para se apreender o passado ao qual se refere, pois se formula em sintonia com tradições
que, embora reelaboradas, guardam marcas do que foram. O ato de rememorar faz brotar
novos sentidos (JÚNIOR, 2008, p. 67).
A coleta dos dados foi realizada por meio de pesquisas com documentos que fazem
parte do acervo do Arquivo Público Genésio Ribeiro15
, nos Anais da Câmara Municipal de
João Pinheiro16
e histórias de vida (narrativas orais). As fontes foram analisadas à luz de
referenciais teóricos de autores que partilham do território da História Cultural.
15
O Arquivo Público Genésio Ribeiro está localizado nas dependências da Casa da Cultura Dona Geralda
Campos Romero na cidade de João Pinheiro-MG. Foi inaugurado em 06 de dezembro de 2006 e contém
documentos que fazem parte do acervo do Poder Judiciário e do Executivo de João Pinheiro. Consiste em uma
grande conquista para a população e para os pesquisadores, que podem ter acesso a essas fontes primárias.
16
Os Anais da Câmara Municipal de João Pinheiro foi um trabalho de transcrição das Atas da Câmara
desenvolvido mediante um convênio entre Câmara Municipal e o Instituto de Pesquisa do Noroeste Mineiro, sob
a coordenação do Professor Marcos Spagnuolo Souza. As Atas foram digitadas e divididas em dois volumes,
sendo que o primeiro deles engloba os anos de 1924-1981 e o segundo, de 1982 a 1999.
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Privilegiamos, ao trabalhar com narrativas orais a utilização de histórias de vida na
representação do Sr. José Benevides Costa e Dona Benedita Batista Rabelo, testemunhas
vivas da trajetória da cidade. Ecléa Bosi (2003) ressalta que uma história de vida não foi feita
para ficar guardada em uma gaveta como coisas, mas para transformar o local onde ela
floresceu. A utilização da história de vida é importante para podermos conhecer através da
memória a recriação da história. Por isso, demos a liberdade para contar suas lembranças sem
nossa interferência, acreditando que ―a memória opera com grande liberdade escolhendo os
acontecimentos no espaço e no tempo, não arbitrariamente, mas porque se relacionam através
de índices comuns‖ (Bosi, 2003, p. 15).
Essa reflexão teórica conecta-se à metodologia de história oral que, por sua vez
Possibilita novos caminhos e sentidos para o fazer historiográfico. O enfoque na
vida dos colaboradores por meio deste método permite ao historiador trazer a
baila novos efeitos discursivos, pois repensar a experiência dos indivíduos como
narradores e agentes históricos amplia as possibilidades de operacionalizar e
verticalizar o arcabouço teórico-metodológico rumo às novas construções
históricas (LIMA, 2005, p. 55).
Nesse sentido, procuramos conhecer as representações do Sr. José Benevides17
e D.
Benedita18
, buscando perceber como eles conceberam o passado e como o representam em
suas narrativas, não nos preocupando em comprovar a veracidade dos fatos narrados. Para
Bosi, ―a verdade do narrador não nos preocupou, com certeza seus erros e lapsos são menos
graves em suas consequências que as omissões da historiografia oficial‖ (BOSI, 1998, p. 37).
Buscamos desenhar, no decorrer desta narrativa, como se deu o processo histórico
local e as representações geradas por meio dos discursos de pessoas que viveram esse tempo
em análise.
2 História, memória e identidade
O tempo passado é [re] vivido na rememoração.
Walter Bejamim
A cidade de hoje é produto daquela do passado. Suas ruas e casas contam histórias,
seus velhos são testemunhas oculares dos acontecimentos de outrora. Partimos do pressuposto
17
O Sr. José Benevides Costa nasceu no município de João Pinheiro, na fazenda Valente, em 25 de abril de
1913. Integrante de uma família que residia aqui desde antes da emancipação política do município. É um
cidadão de memória invejável, um dos guardiões de nossa história, possuindo hoje 95 anos de idade.
18
Benedita Batista Rabelo nasceu em Paracatu e reside em João Pinheiro desde 1920, quando se mudou para a
cidade. Foi uma educadora que muito contribuiu para a educação em João Pinheiro.
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que tudo passa e, por isso, a memória é ponto fundamental de ligação entre a cidade de hoje e
a de ontem. Segundo Ecléa Bosi, através das histórias de vida, podemos acompanhar as
transformações da cidade.
A relva que cresce livre, a ponte lançada sobre o córrego, a divisão dos terrenos, a
primeira venda, o primeiro bazar. Os terrenos baldios, as ruas sem saída que terminam em
praças ermas inacabadas por dezenas de anos. A fisionomia amadurece, as arestas se
arredondam, as retas se abrandam e o bairro acompanha o ritmo da respiração e da vida
dos moradores. Suas histórias se misturam e nós começamos a enxergar nas ruas o que
nunca viríamos, mas nos contaram (BOSI, 2003, p. 74).
Pensando nas palavras de Bosi, esta pesquisa visa trazer à baila algumas reflexões
sobre a história da cidade, ressaltando a importância da mesma para se conhecermos sobre
nossas raízes.
Entendemos a escrita da história como uma construção humana, ―que não há
historiador que reproduza o vivido tal qual foi vivido‖ (REIS, 2002, p. 20). Consideramos
ainda que ―o que fica do passado são os discursos que nele se produziram, juntando se a ele
outros discursos que ainda serão produzidos‖ (BRITO 1994, p. 190). É preciso ver as narrativas
com olhar desconfiado, não pensando ter ali o passado tal qual ele foi, mas como ele ficou nos
discursos deixados pelos atores sociais que o produziram, sendo estes também filhos do seu
tempo. Buscamos compreender as condições e possibilidades em que se deu essa existência
através por meio das, rastros que esses discursos deixaram sobre as ações ali acontecidas,
interpretações estas que trazem imbricadas também os olhares de quem lê estas fontes. ―A
realidade contida nos documentos não está ali inerte a espera de ser decifrada. Ela é uma
construção de significados atribuídos por quem a registrou e por quem interpreta o registro‖
(PIMENTEL, 2005, p. 3).
Olhar a cidade do presente e do passado permite nos perceber as mudanças pelas quais
passou a cidade, outrora, vila de Santana do Alegre. O historiador Deusdedith Júnior (2008, p.
208), ao refletir sobre ―percursos e sinais de uma cidadezinha qualquer escreve que a cidade
pequena em geral não deve ser representada pela metáfora da infância, pois que sua extensão
decorre de outros fatores mais do que a temporalidade que a constitui‖. Não é
necessariamente a idade que determina a extensão geográfica ou a importância de uma cidade,
como também ―não podemos atribuir-lhe a condição de insuficiência de recursos como único
fator que propicia e mantêm a sua pequinês‖ (JUNIOR, 2008, loc. cit.). Uma cidade não passa
por um processo evolutivo e nem deve ser vista numa perspectiva evolutiva: ela é filha de seu
tempo, e devemos nos lembrar que elas são frutos das transformações que os seus moradores
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fazem daquele espaço de vivência e experiências a partir das táticas de resistência, da cultura,
histórias individuais e coletivas, do lugar de pertencimento. ―E também a cidade o lócus do
fazer humano, aqui, uma vez mais, retomando a noção de lugar em um sentido mais amplo
que o de espaço‖ (JÚNIOR, 2008)
2 Nos caminhos da cidade
A cidade de João Pinheiro localiza-se na região noroeste do estado de Minas Gerais. O
povoamento da região remonta aos anos 1700, quando as bandeiras em direção a Goiás
passaram por aqui. Oliveira Mello afirma que
o caminho de Goiás e a febre do ouro em Paracatu levaram o homem civilizado a
expulsar, das margens do rio Paracatu e seus afluentes, as tribos nômades que habitavam
a região, já fugitivos do litoral de onde haviam partido com a chegada dos colonos
portugueses (OLIVEIRA MELO, 2005, p. 340).
O autor fala da importância da mineração e da criação de gado para a povoação
desta porção da região noroeste, assim como atesta o pesquisador Ricardo Ferreira Ribeiro
(2006) por meio de pesquisas realizadas sobre o povoamento dessa região. O pesquisador diz,
com base na Revista do Arquivo Público Mineiro, que a ocupação das barrancas do Paracatu
por fazendas de gado datam do século XVIII sendo o capitão João Jorge Rangel um dos
primeiros a adquirir terras na região, ―o capitão, cuja primeira sesmaria, na fazenda Sta Ana,
naquele rio foi doada, foi doada em 17 de julho de 1725. Um ano depois, ele recebia nova
sesmaria na região, expandido seus domínios para a outra margem do Rio Caatinga, até a
barra do Rio da Prata‖ (Ribeiro, op. cit, p. 41).
Segundo o historiador Eduardo França Paiva (1995), o capitão Jorge Rangel já era
possuidor de terras na região desde 1720. Ribeiro faz essa afirmação ao analisar o testamento
desse capitão, datado de 1742:
Declaro que sou senhor e possuidor de nove fazendas de gado na Ribeira do Paracatu, da
freguesia da Manga, a saber, São José, Maravilha, São Jerônimo, Avereda (sic), Cana
Brava, Mandacaru, Santa Ana, Rio do Sono, Sacra Família, meus testamenteiros não
tomarão conta delas porque tenho feito doação dela (sic), por escritura, à capela de Santa
Ana [...] (RANGEL, 1742 apud PAIVA, 1995, p. 182-183)
Ribeiro (2006), ao analisar os indícios desse passado por meio do documento
supracitado, relata que uma parcela significativa dessas terras foram doadas à capela de
Sant‘Ana. No entanto, permanece a incógnita, pois o documento não cita qual das capelas de
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Sant‘Ana recebeu a doação, se seria a de Paracatu do Príncipe, construída por volta de 1736
ou a capela de Sant‘Ana da Caatinga, cuja data de criação ainda é desconhecida. É importante
refletir que em 1742, essas terras já eram divididas em fazendas, o que nos leva a crer que
havia núcleos populacionais por aqui.
Ribeiro narra que as terras localizadas à margem do rio Paracatu pertenceram a Inácio
de Oliveira Campos, marido da lendária Joaquina do Pompeu, o qual herdou as terras ―da
beira do Paracatu, incluindo as fazendas da Barra do Rio Preto, Cotovelo, novilha Brava e
Gado Bravo, tornando-se um dos principais responsáveis pelo comércio de gado verificado
pelo registro de Pitangui no final da década de 1760‖ (RIBEIRO, op. cit., p. 42).
Com base nos documentos, um dos primeiros núcleos populacionais município de
João Pinheiro do nosso município foi Sant‘Ana da Caatinga. Em 1778 a localidade já se
encontrava presente no Mapa da Capitania de Minas Gerais. Ribeiro afirma que,
seguramente, em 1806, o povoado de Santana da Caatinga já existia há muitos anos, pois,
José Joaquim da Rocha, em sua Geografia Histórica da Capitania de Minas Gerais, de
1870, já apresentava uma Tábua dos Destacamentos Militares de que tem a Capitania de
Minas Gerais, onde registra, na Comandância do Paracatu, a Guarda da Catinga. Também
no seu Mapa da Capitania de Minas Gerais com a divisa de suas comarcas e no Mapa da
Capitania da Comarca do Sabará, ambas de 1778, está assinalada a Capela de S. Anna
da Catinga, na confluência do rio do mesmo rio como o Paracatu. Em 1836, já havia se
tornado uma pequena Povoação [...] com um movimento comercial razoável. Em 1865 o
Almanaque Administrativo, Civil e Industrial da Província de Minas Geraes listava 11
fazendeiros que cultivão canna, em Caatinga. Embora 94% dos habitantes fossem livres,
certamente parte dessa propriedade contava com mão – de- obra escrava, que, em 1876,
somava 133 cativos em Santana da Caatinga, representando apenas 5% do total de
escravos do município de Paracatu. (RIBEIRO, op. cit., p. 45-46)
Outros documentos registram dados sobre essa localidade no século XIX. Ribeiro
relata que, segundo o Mappa dos Engenhos, Lojas e Vendas do Distrito de S. Anna da
Caatinga, datado de 30 de agosto de 1836, não existiam nesse distrito engenhos que
fabricassem aguardente. Havia 03 lojas de fazendas (tecidos) e molhados. As vendas que
comercializavam aguardente totalizavam 05 estabelecimentos, sendo seus proprietários: José
Jacob Eanes, Liandro José da Rª, Joanna da Sª. Joaquim Tinoco, Tereza Mª de Jesus.
Segundo documentos do Arquivo púbico de João Pinheiro,
Santana da Caatinga foi ―elevada à freguesia pelo art. 1º da Lei 909 de 08 de julho de
1.858, mas tendo o Bispado de Pernambuco negado seo concurso a creação desta
freguezia esta ella sem poder produzir seus effeitos legais” Em 1865 contava o povoado
de Santana da Caatinga com 36 casas.”. A lei nº 1993 de 13 de novembro de 1873 eleva
à categoria de vila o Arraial dos Alegres e suprime a freguesia de Sant‘ Anna da Caatinga.
Diz essa lei em seu Artigo 2º: ―Fica suprimida a freguesia de Sant’Anna da Caatinga, e
seu território incorporado à freguesia dos Alegres‖, sendo estes incorporados a Paracatu
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(MINAS GERAIS, 1836)
Ribeiro (op. cit., p. 46), ao referir-se a Sant‘Anna da Caatinga, afirma que ―ao longo
do século XIX, A Caatinga perde importância em relação à vizinha, Santana dos Alegres, até
ser incorporada ao município de João Pinheiro‖. No entanto, o investimento no comércio em
Santana da Caatinga foi muito significativo, desempenhando papel de grande relevância para
o desenvolvimento de João Pinheiro. O comércio no município tornou-se, no início do século
XX, o principal ponto de comércio com as localidades e fazendas da vizinhança sendo muito
importante para o desenvolvimento local, principalmente em decorrência de ser ali a porta de
entrada e saída de mercadorias do município. O transporte era realizado via fluvial no Rio
Paracatu, sendo Caatinga o porto de embarque e desembarque de passageiros e cargas
destinadas a Pirapora ou vindas de lá. Nesse período, começaram a ser desenvolvidas viagens
de vapores entre Pirapora, localizada às margens do Rio São Francisco e o Porto da Caatinga
e o Porto Buriti, ambos localizados no Rio Paracatu, afluente do São Francisco. Segundo
narrativas do Sr. José Benevides em Pirapora havia a estação final da estrada de ferro Central
do Brasil e para lá se dirigia o gado produzido na região, mas essas boiadas eram levadas por
terra.
Oliveira Mello escreve que o garimpo foi um dos motivos que influenciou no
povoamento da região de João Pinheiro, surgindo a cidade de Santana do Alegre próxima a
Vereda da Extrema e Capão da Água Limpa.
Nas margens da vereda da Extrema e nas proximidades do Capão da Água Limpa,
formaram nos fins do século XVIII, os bandeirantes, depois os tropeiros que buscavam a
capitania de Goiás, o primeiro pouso do homem branco nessas paragens. Não se
estabeleceram. Era apenas caminho e, demanda ao sertão bruto ou para o regresso em
busca da civilização. (OLIVEIRA MELO, op. cit., p. 341)
Os dados fornecidos pelo pesquisador supracitado relacionam-se com as narrativas de
do Sr. José Benevides e de Dona Benedita quando falaram sobre a origem da cidade.
Ginsburg (1989) ressalta sobre o papel do historiador e afirma que o mesmo trabalha
com indícios. Ao realizar seu trabalho, o historiador não lida com o passado tal como ele foi,
mas com representações do passado. Debruça sobre as caixas de arquivos e sobre a memória à
procura dos registros sobre esse passado. Partindo dessa análise, e com base nessa informação
acima disposta, podemos deduzir a presença de comércio local e moradores.
O Distrito de Santana da Caatinga está entre os primeiros núcleos populacionais da
região do atual município de João Pinheiro, estando Sant‘Anna da Caatinga, que outrora era
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freguesia, presente nos mapas da província de Minas Gerais desde o século XVIII.
Em sua viagem ao interior de Minas, o viajante Jhon E. Pohl, que visitou a localidade
no ano de 1.818. Assim descreve em seu livro ―Viagem ao interior de Minas Gerais‖: ―O lugar
conta com 30 pequenas cabanas e uma igreja em ruínas, com o teto esburacado. Os habitantes vivem
em extrema indigência. O sacerdote, que me conhecia de Paracatu, deu-me para hospedagem, o
melhor casebre do lugar‖ (POHL, 1974, p. 304).
Com base nos escritos do naturalista, a fundação da cidade de João Pinheiro remonta
ao início do século XIX, quando a região ainda pertencia eclesiasticamente ao Bispado de
Pernambuco. Todavia, de acordo com os escritos de John Phol, ―a igreja em ruínas, com teto
esburacado‖ dá-nos indícios de que já havia um núcleo populacional nestas paragens antes de
1818, quando o viajante passou por aqui. Ainda seguindo essa linha de raciocínio, Oliveira
Mello (2005) conclui: ―Através do testemunho do naturalista Pohl, vê-se perfeitamente que o
sacerdote habitava em Sant‘Ana do Alegre em 1818‖.
Conforme as narrativas de pessoas idosas, guardiãs de nossa história e memória, que
buscam nas reminiscências do passado as histórias contadas por seus pais e avós, o núcleo
populacional teve sua origem geograficamente próxima ao capão da Água Limpa, na região
onde atualmente se localiza o Bairro água Limpa, e foi ampliando o povoado para a
localidade onde hoje se localiza a Casa da Cultura, a antiga cadeia e no Largo da Matriz,
conhecido na contemporaneidade como Praça Coronel Hermógenes. Essa ampliação do
núcleo populacional passou a ser conhecida como Alegre Novo, segundo a Escritura Pública
de Adjudicação, doação e transferência do ano de 1862, cujo documento encontra-se no
Arquivo Público Municipal Genésio José Ribeiro, temos a seguinte informação:
Saibam quanto este público instrumento de escritura de Adjudicação, doação, benefício,
ou como em direito melhor tenha, virem que no ano de nascimento do nosso senhor Jesus
Cristo de mil oitocentos e sessenta e dois [...] em casa de aposentadoria de Antônio
Fernandes de Azevedo, neste Arraial e Distrito de Sant’Anna dos Alegres, para onde eu
enviei um abaixo-nomeado, [...] que vendo ai outorgantes Antonio Fernandes Azevedo e
sua mulher Dona Elmira Jocelina de Oliveira, reconhecidos de mim pelos próprios, de
que trato faço menção. Dou fé e por ele me foi dito em presença de testemunhas José
Carolino Pereira e Silva e Francisco Inocêncio da Silveira Lago, que eram senhores e
possuidores uma parte de terras nesta fazenda dos Alegres citas na povoação
denominada Água Limpa, se divide com a Fazenda de São Jerônimo. Nesta parte de
terras nasce um grande olho D’água no qual, eles, outorgantes têm parte ex-jure com o
cidadão Francisco Gonçalves dos Santos e sua mulher, as quais por eles, outorgantes
adjucam em benefício da padroeira deste lugar e dos habitantes do Alegre Novo para
que possam desfrutar como usufrutuários podendo para este fim os ditos habitantes
formarem açudes e todas as demais obras e regos se forem necessários para a condução
da dita água, no lugar que melhor fornecer aos mesmos habitantes e a referida povoação
do Alegre Novo. Cuja adjudicação eles, outorgantes fazem de suas livres e espontâneas
vontades sem coação de pessoa alguma e mesmo em ratificação a uma outra adjudicação
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da mesma água outrora feita verbalmente pelo falecido Major João Fernandes de
Azevedo pai e sogro deles outorgantes, o qual benefício o qual dão por firme e valioso
assim como empossados dele os ditos habitantes e por semelhante forma nem eles
outorgantes, seus herdeiros ou testamenteiros jamais revogarão. Para agir rogam as
justiças de sua Majestade Imperial dêem a esta escritura toda validade em direito
expresso pela cláusula que há por expressa como se cada uma em particular fizesse
especial menção e de como assim o disseram e me pedira, lhes tomassem a presente
escritura de adjudicação de água e que depois dela ser lida e acharem conforme
assinamos os outorgantes e testemunhas comigo Camilo Rodrigues de Souza...
Assinaram; Camillo Rodrigues de Souza, Escrivão da Sub-delegacia, Antônio Fernandes
de Azevedo, Elmira Jussulina de Oliveira
Podemos perceber que o Alegre Novo estava se estruturando nesse novo espaço. Este
fato está presente na preocupação com o uso da água para os moradores locais,
consubstanciada na legalização da utilização da água contida nesse documento de adjudicação
das terras onde nasce o grande olho d‘água, que tinha como objetivo possibilitar aos
moradores do Alegre Novo pudessem desfrutar como usufrutuários.
Oliveira Mello (2005) escreve que por ocasião do ano de 1870, ―Agostinho José
Ferreira Bretas, então vice-governador de Minas Gerais, através da Lei 1.713, desmembrou a
Santana dos Alegres do termo de Patos, incorporando-a ao de Paracatu‖.
A Lei nº 1993 de 13 de novembro de 1873, criada por Venâncio José D‘ Oliveira
Lisboa, presidente da província de Minas Gerais, eleva à categoria de Vila o Arraial do
Alegres, suprimindo a Freguesia de Santana da Caatinga e seu território, incorporado a
Freguesia dos Alegres. Assim, diz a Lei:
Art. 1º - Fica elevado à cathegoria de villa o arraial dos Alegres, do termo de Paracatu,
com a denominação de villa dos Alegres.
§ O município comporá a freguesia dos Alegres.
§ Ficão creados no município da referida villa todos os ofícios de justiça, sendo, porém os
1º e 2º tabelião exercidos por um só funcionário.
§ A villa será installada, logo que seus habitantes construão casas com precisas
commodidades para a câmara, cadêa e aulas de instrução primária para ambos os sexos.
Art. 2º- Fica supprimida a freguesia de Sant‘Anna da Caatinga, e seu território
incorporado à freguesia dos Alegres (MINAS GERAIS, 1873).
Podemos observar que Sant‘Anna da Caatinga foi incorporado ao território de Santana
do Alegre, permanecendo assim ate os dias atuais. Conforme a memória coletiva e as histórias
contadas oralmente, essa região, anteriormente conhecida por Santana do Alegre, deve seu
nome a Sant‘Anna, santa de devoção dos moradores e padroeira da cidade, e Alegre, um boi
bravio, curraleiro, que vivia nas cercanias do lugar e, frequentemente, ao anoitecer ia para o
Arraial e ficava a mugir horas a fio. Esta é a história contada pelos narradores deste estudo e
está presente na memória coletiva das pessoas mais velhas da região que guardam em suas
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lembranças reminiscências desse passado e, ao contar, recriam em suas narrativas as histórias
contadas pelos pelos seus ancestrais, constituindo-se em uma memória herdada. ―A memória
não é algo estático, imutável, mas à medida que relembramos, nós reelaboramos em nossas
mentes o passado, enchendo-o de significados‖ (SILVA, 2007, p. 24).
Embasando nas histórias presentes na memória, pode-se dizer que os primeiros
habitantes foram atraídos para essa região por diferentes interesses. Os fazendeiros, pelas boas
pastagens; e os garimpeiros, pelas lavras de diamante. A atividade econômica da região
desenvolveu-se com a pecuária, a lavoura e o garimpo praticado à beira do Rio Santo Antônio
que, após proporcionar alguma riqueza, sofreu declínio, sendo hoje de prática artesanal. ―Os
fundadores da cidade foram os componentes das famílias Azevedo, Gonçalves dos Santos,
Silveira, Campos Valadares, Mendonça e outros‖, diz o Sr. José Benevides.
Santana do Alegre foi elevada à categoria de município em 30 de agosto de 1911, pela
lLei nº 556, no art. 7º, (VII). Esta lei, que dispõe que dispõe sobre a divisão administrativa do
Estado e contém outras disposições, foi sancionada no Palácio da ―Presidência do Estado de
Minas Geraes‖, em Belo Horizonte, aos 28 de agosto de 1911, com a denominação ―João
Pinheiro‖ em homenagem ao ex-presidente do Estado de Minas Gerais. A lei foi sancionada
Pelos Senhores Júlio Bueno Brandão e Delfim Moreira da Costa Ribeiro. ―VII, João Pinheiro,
composto dos distritos de Santa Anna dos Alegres, que será sede, Catinga, Canna Brava e
Veredas, do município de Paracatu‖ (MINAS GERAIS, 1911). Essa emancipação político-
administrativa englobou uma área grande de terras, sendo o maior município de Minas Gerais
em extensão territorial.
Com a emancipação política de João Pinheiro, Sant‘Ana da Caatinga, que exercia um
papel econômico importante na região, passou a ser um dos quatro distritos que ficaram
anexados ao território recém-emancipado. Eclesiasticamente, ficou subordinado à Diocese de
Paracatu, permanecendo assim ainda hoje.
Segundo relatos orais de alguns moradores de João pinheiro, após a emancipação
política, o ―Capitão Speridião Simões da Cunha que já exercia o cargo de juiz de paz, passou
a administrar Santana do Alegre, em 1911. Em 1913, passou os comandos do município para
o cidadão José Campos Valadares (Juca Cordeiro). O Presidente da câmara exercia o papel de
Agente Executivo.
Segundo a Ata da Sessão Ordinária da Câmara Municipal de João Pinheiro de junho
de 1927, Genésio José Ribeiro entregou uma ―fotografia ampliada do cidadão e tenente
coronel Esperidião Simões da Cunha, primeiro presidente da Câmara Municipal desta Vila em
memória ao morto‖ (SPAGNUOLO, 1999, p. 31).
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Com base nas narrativas do Sr. José Benevides, dentre os cidadãos que exerceram
grande importância na história local destaca-se a figura de Manoel Luiz de Paula Bolina, que
exerceu o cargo de juiz de paz e também juiz municipal, cargos importantes no contexto
político local. Na visão do Sr. José Benevides, esse cidadão merece ser lembrado pelas suas
contribuições na história de João Pinheiro. O entrevistado fala com admiração, lembrando das
ações realizadas por Manoel Luiz em prol do desenvolvimento local: ―Ele foi um grande
político, pioneiro. Foi juiz municipal e juiz de paz. Só exercia esses dois cargos pessoas de
importância para a cidade. O juiz municipal era abaixo do cargo de juiz de direito. Foi
nomeado como juiz municipal pelo juiz de direito de Paracatu‖. Esses cargos eram eletivos,
votados pelos membros da própria comunidade, sendo que as pessoas que os assumiam
exerciam um poder dentro da sociedade na qual estavam inseridos.
Através da Lei Estadual nº 893 de 10 de setembro de 1925, foi concedido à vila de
João Pinheiro foro de cidade e sede de Município, com formação administrativa. Crescia a
importância da cidade no contexto local.
A cidade, como espaço de vivencia, é um local de encruzilhada, múltiplos caminhos e
experimentos diversos, valores, tradições, variadas diversos, variadas contribuições que fazem
da cidade um loccus privilegiado de experiências. Michel de Certeau (1994, p. 202)
caracteriza espaço como palco, como um ―campo privilegiado de experiências. De acordo
com ele, o espaço é um cruzamento de móveis. Animado pelo conjunto dos movimentos que
aí se desdobra‖. O lugar, nesse sentido, se torna um espaço de experiências diversas, coletivo,
transformado, histórico, vetor identitário. Para Certeau (op. cit., p. 202)―o espaço é um lugar
praticado. Assim, a rua geometricamente definida por um urbanismo é transformada em
espaço pelos pedestres‖. Assim, podemos perceber a cidadezinha de outrora não somente
como um lugar, mas como um lugar praticado, palco de lutas e conquistas, saberes e fazeres,
acomodação e resistência. Palco de acontecimentos e embates cotidianos, articulações
desenvolvidas pelo homem na arte de viver. Nesse espaço de produção de identidade, criação
de raízes em que florescem sentimentos de pertencimento ao lugar, à cultura e à história.
Politicamente, o primeiro prefeito de João Pinheiro a assumir o cargo foi Genésio José
Ribeiro, em 02 de janeiro de 1931. Já havendo assumido anteriormente a função
administrativa quando era presidente da Câmara e Agente Executivo na década de 1920,
assumiu a prefeitura em tempos difíceis, havia muito por fazer, os recursos financeiros eram
poucos e era grande a extensão territorial do município. Encontrar encontrar táticas para
minimizar as dificuldades encontradas foi um dos grandes desafios da maioria dos prefeitos
das pequenas cidades naquela época.
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É importante mencionar que na história não podemos ver o local somente no contexto
local. É necessário ver o contexto local, mas dentro de um cenário mais amplo, de forma que
sejam percebidas as influências e ideologias da época. Ao refletirmos sobre a história do
Brasil nesse contexto, podemos observar que Getúlio Vargas havia assumido a presidência do
Brasil em 1930 e várias transformações foram realizadas no contexto político e
administrativo. Uma das medidas tomadas em seu governo foi a nomeação de interventores
para os estados e a indicação de prefeitos para as cidades. Esses prefeitos indicados deveriam
administrar o município sob a vigia do Estado no qual estava inserido.
Visando a contribuir com a administração municipal, foram instalados Conselhos
Consultivos na difícil empreitada de administrar o município. Esse Conselho era composto
pelo prefeito municipal, que assumia o cargo de Presidência, e por algumas lideranças
políticas locais que ocupavam outros cargos no interior desse conselho. O cargo de
conselheiro era gratuito. Percebemos o prazer de ser um conselheiro nas palavras do
secretário, o Senhor Antônio Izidoro Sant‘anna: ―Habitante que sou deste próspero rincão,
desejo trabalhar e esforçar e trabalhar pelo progresso e prosperidade do mesmo... Por
patriotismo e amizade‖ (SPAGNUOLO, op. cit, p. 85).
Organizar o município administrativa e politicamente consistia em um desafio a ser
suplantado. A câmara municipal foi extinta em 1931 e o ex-presidente da câmara passou para
o prefeito o saldo em dinheiro do exercício de 1931. Nos documentos que contam dessa
trajetória histórica podemos observar os desafios de se administrar um município localizado
no interior do estado, com a ampla extensão territorial e poucos recursos disponíveis. Essa
realidade é percebida na Ata da primeira Sessão do Conselho Consultivo Municipal de João
Pinheiro, em sessão ordinária na primeira quinzena do mês de abril de 1931, quando o
prefeito que exercia o cargo de presidente do Conselho Consultivo devia prestar conta ao
Conselho das tomadas de decisões de seu governo, bem como enviar relatórios trimestrais
dirigidos ao ―Exmo. Senhor Secretário do Interior de Belo Horizonte a fim de consultar e
emitir sua opinião sobre o mesmo‖ (SPAGNUOLO, op. cit, p. 79). Estes relatórios tinham
como objetivo dar ao governo informações dos acontecimentos nos diferentes municípios do
Estado. Assim, consta do primeiro relatório enviado por Genésio Ribeiro, em 11 de abril de
1931, ao Ministro do Interior, em Belo Horizonte:
Na qualidade de prefeito deste município, venho apresentar a vossa excelência o relatório
dos negócios municipais, referentes aos três primeiros meses de minha gestão. Ao
assumir o cargo em dois de janeiro do corrente ano, encontrei a administração
completamente desorganizada, nenhum empregado se conservava no posto. Tinham-se
exonerado há mais de um mês e as vagas ainda não haviam sido preenchidas [...] os
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serviços públicos estavam em completo abandono, às estradas em ruínas. As ruas da
cidade cobertas de matagais e gravemente danificadas pelas enxurradas, o cemitério da
cidade servindo de pastos para os animais por haver caído parte do muro que o cerca e,
finalmente, a canalização da água que reclamava urgentes reparos. Durante o primeiro
bimestre decorrido, a prefeitura só conseguiu arrecadar a importância de três contos,
oitocentos e doze mil e oito réis (3.812$08) de um orçamento de 38.500$000, embora se
vá empregando a maior energia na arrecadação (SPAGNUOLO, op. cit., p. 79)
As contas da administração municipal eram prestadas em forma de relatórios, devendo
constar o balanço do Passivo e também do Ativo, bem como o orçamento das despesas e
receitas do município, de acordo com as leis que administravam as prefeituras.
Podemos perceber, através dos relatórios, a precariedade em que se encontrava o
município de João Pinheiro, sendo que a preocupação com a questão do abastecimento da
água apresenta-se praticamente em quase todos os relatórios de Genésio Ribeiro ao Secretário
do Interior. Conforme esse relatório, as principais medidas tomadas pelo prefeito no primeiro
trimestre de sua administração foi a limpeza e o ―conserto‖ das ruas da cidade, da estrada de
automóveis do Rio da Prata, a construção de mata-burros e a limpeza no cemitério.
O abastecimento de água até então em uso na cidade foi construído em 1907, sendo
necessário substituir a canalização antiga por uma nova. Nesse sentido, o Sr. José Benevides,
uma das testemunhas vivas desse tempo, debruça em suas reminiscências e relata: ―Os canos
eram finos, a canalização foi feita por João cordeiro. Meu pai, o Benevides, quando era
solteiro, trabalhou na canalização dela, quando eles a colocaram na primeira vez‖.
Segundo a memória coletiva, a água que abastecia a maior parte da população vinha
da Água Limpa e era distribuída através dos chafarizes dispostos em três lugares do antigo
arraial, onde a população se servia para atender suas necessidades básicas. Relata o Sr. José
Benevides: ―Tinha três chafariz onde o povo pobre buscava água para atender as suas
necessidades. As mulheres levantavam de madrugada para ir buscar água na cabeça, nas latas
e nas cabaças. Tinha um chafariz defronte da cadeia, um na Picada e o outro no largo da
Matriz. Era difícil!‖. Podemos perceber, pelos relatos do narrador, as transformações do
espaço. Bosi (2003, p. 73) escreve que ―Nas memórias de vida, podemos acompanhar as
transformações do espaço urbano‖. Conhecendo bem a realidade local e a importância da
melhoria na infraestrutura para o progresso da cidade, Genésio Ribeiro salienta em seus
relatórios a necessidade urgente de melhorar o abastecimento de água da cidade.
O meu maior desejo, como também da população da cidade, é a reforma da canalização
da água, como já tenho referido em relatórios anteriores. A atual sede de abastecimento
foi calculada para uma população que representava menos de cinco por cento da
população existente, pois em 1907, quando foi executado esse serviço, João Pinheiro era
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um pequeno arraial com menos da metade dos prédios atuais, além disso, há diversas
construções em andamento e outras em projetos com terrenos já adquiridos. O saldo em
caixa na Prefeitura é insuficiente para realizarmos o serviço necessário para o completo
abastecimento da cidade e sendo este o principal elemento para o florescimento e
progresso dos povoados (SPAGNUOLO, op. cit., p. 91 ).
Está presente na memória das pessoas mais velhas da cidade, que vivenciaram essa
época, a contribuição de Genésio Ribeiro e a preocupação com a infraestrutura na cidade de
João Pinheiro, na década de 30, do século XX, sendo o abastecimento de água potável o
grande legado de seu governo. Assim, relata o Sr. José Benevides:
O Genésio Ribeiro quando foi prefeito nos anos trinta, foi para Belo Horizonte comprar
os canos de ferro, canos grossos. Em Belo Horizonte ele comprou os canos e trouxe para
Pirapora no Trem de Ferro “Central do Brasil e de Pirapora veio para Caatinga nos
vapores que navegavam no Rio até a Ponte Alta. O Vapor que tinha o nome de
Paracatuzinho foi que trouxe esses canos até na Caatinga e da Caatinga para cá, foram
trazido de carro de boi. O tempo gasto para transportar esses canos foi três meses sem
parar, pois o carro de boi só trazia dezesseis canos de cada vez. Era muito pesado e era
muito cano. Porque um carro de boi só podia trazer cinquenta sacos de sal e dezesseis
canos dava essa carga. Ele pôs a água e ficou bom. Ele abasteceu João Pinheiro de
água. Foi um prefeito que trabalhou muito. Aqui não tinha nada
Podemos perceber como, em uma cidade do interior do sertão mineiro, distante dos
grandes centros urbanos, agregadas às outras dificuldades, como a falta de estradas, as muitas
barreiras naturais que dificultavam a entrada e saída de mercadorias no município, sendo o
transporte fluvial o meio mais utilizado para o transporte tanto de pessoas quanto de produtos.
Nesse cenário, conseguir solucionar o problema do abastecimento de água era um
desafio, pois a mesma era trazida da nascente da Água Limpa em canos que estavam muito
danificados. Para conseguir solucionar o problema, Genésio Ribeiro comprou canos de ferro
de Belo Horizonte e estes foram trazidos de trem até Pirapora (cidade localizada às margens
do rio São Francisco) que era a estação final da estrada ferro Central do Brasil. Em Pirapora,
as mercadorias eram colocadas em embarcações que faziam o transporte fluvial. No
município de João Pinheiro, esses canos de ferro foram desembarcados em Santana da
Caatinga e trazidos em carros de boi para a cidade de João Pinheiro, conforme foi relatado
pelo Sr. José Benevides.
Genésio Ribeiro, em seu relatório apresentado ao Secretário do Interior e ao
Departamento das Municipalidades, descrito na Ata da Sessão Ordinária da prefeitura de João
Pinheiro, demonstra sua satisfação ao alcançar seu maior objetivo na administração pública,
relatando que:
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desde que assumi a direção dos negócios municipais, venho empregando os meios de
melhorar o serviço de abastecimento d‘água da cidade. Não medindo sacrifício foram
paulatinamente destruídos os obstáculos encontrados e consegui inaugurar o serviço no
dia 20 de agosto de 1934. Apesar da grande crise que atravessamos, água foi distribuída
abundantemente aos habitantes da cidade que nenhuma queixa ou reclamação
apresentam. (SPAGNUOULO, op. cit., p. 106)
O problema da captação da água e sua distribuição, como podemos observar, para a
cidade de João Pinheiro daquela época foi solucionado, como se pode observar, vindo a
causar novamente preocupações somente algumas décadas após, à medida que a cidade foi
crescendo e o número de habitantes aumentando, vindo esse problema a ser solucionado na
década de 1970, quando o prefeito João Batista Franco realiza um convênio com a COPASA
passando esta a fazer a captação, tratamento e distribuição da água para a cidade.
A educação consistia também uma preocupação, pois na pequena cidade de João
Pinheiro havia somente uma escola. A construção do Grupo Escolar Presidente Olegário
significou a realização de um sonho dos pinheirenses. Sua arquitetura moderna e estrutura
ampla edificada na Praça, ―Uma das mais salientes a cidade‖ (SPAGNUOLO, op. cit, p. 98)
significava um grande avanço diante do grupo escolar até então utilizado. A obra já havia sido
iniciada em 1932 e, em 1933, em reunião da Câmara com o Prefeito, decidiu-se nomear esse
grupo escolar de ―Presidente Olegário Maciel‖, em homenagem ao grande estadista brasileiro,
o Presidente do Estado, que havia falecido em setembro de 1933.
O Grupo Escolar ―Presidente Olegário‖ começou a funcionar por ordem do Secretário
de Educação em 30 de Junho de 1934, ―funcionando regularmente, apesar de não estarem
providas legalmente todas as cadeiras. As cadeiras vagas estão providas por professoras
contratadas por falta de professores para assumir o cargo‖ (SPAGNUOLO, op. cit., p. 104). A
falta de professoras efetivas e habilitadas para trabalhar no novo grupo escolar constituiu um
um dos grandes desafios enfrentados no contexto educacional, mas na memória coletiva dos
moradores locais, a aquisição deste grupo consistiu em uma das grandes conquistas para a
cidade. Dona Benedita, narradora desta pesquisa, trabalhou neste educandário por muitos
anos. Ela conta: ―Lá eu fui professora, fui diretora. Aquela escola sempre foi um exemplo de
educação. Lá sempre houve excelentes professoras. Muitos filhos ilustres de João Pinheiro
estudavam lá‖. Com a construção desse novo grupo escolar, o antigo grupo que se localizava,
de acordo com D. Benedita, ―onde é a sede da OAB hoje, foi desativado. Muito tempo depois,
eles demoliram e fez aquele prédio para a Ordem dos Advogados‖. As escolas rurais
começam a vigorar em julho de 1935, possibilitando, assim, diminuir o índice de
analfabetismo no município. O Sr. José Benevides relata o ―Genésio Ribeiro trabalhou muito.
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A vida dele aqui foi de muita luta. Além da água, ele fez o grupo ―Presidente Olegário
Maciel‖. Muito bonito! Daquele mesmo jeito e daquele mesmo tamanho‖.
Percebemos pelo relato acima que, após conseguir melhorar a questão da água e da
educação no município, outras preocupações começaram a surgir, entre elas, viabilizar uma
melhor estrutura física e em melhor estado de conservação para sediar a sede do governo
Municipal – o Paço Municipal, situada até 1936 no mesmo prédio da cadeia.
Os bens patrimoniais estão bem conservados, à exceção do prédio onde funciona a
Prefeitura que também serve de cadeia no andar térreo, estando muito estragada e
necessitando de urgentes e inadiáveis reparos. Acho conveniente o Estado entrar em
acordo com a Prefeitura dando a esta o antigo prédio de escolas urbanas pelo atual Paço
Municipal (SPAGNUOLO, op. cit., p. 111).
O Sr. José Benevides, conta-nos acerca dessa questão: ―A Primeira Prefeitura foi junto
com a cadeia, na parte de cima e depois foi para a casa velha onde era a Escola. Quando
Genésio construiu o outro grupo, o Presidente Olegário, o grupo antigo ficou parado, uma
casa baixa, ali onde está o prédio da OAB hoje. Aquela antiga escola serviu também de
prefeitura‖.
A cidade é fruto de trabalho do homem, que transforma o espaço em que vive visando
melhorar sua vida cotidiana. Simultaneamente, a mesma surge do trabalho do homem. As ruas
da cidade, o traçado das ruas, o tamanho da mesma... Transformam-se, são remodeladas...
Casas antigas dão lugar às novas, surgem preocupações com a estética da cidade, reforma e
limpeza das ruas, preocupação em retirar os animais das ruas, melhoria no serviço de água
potável, estabelecimento do Código de Posturas normatizando a estética e o padrão das ruas e
casas da cidade ―A cidade permanece a todos, mas não do mesmo modo; a todos cabe zelar
pela cidade, mas não do mesmo modo, todos participam do fazer e do manter a cidade, mas
não do mesmo modo‖ (JUNIOR, 2008, p. 216).
Como também aponta Spagnoulo,
As ruas da cidade danificadas e carecendo em todos os tempos de cuidado por parte das
administrações [...] as ruas de outrora, cheias de mato e buracos estão em bom estado.
Mandei limpar e consertar, fazendo aterros, abaulamentos, calçadas e encascalhamento,
de maneira a tornarem-se transitáveis por veículos de qualquer espécie, o que antes era
feito com muito sacrifício e risco de prejuízo para seus proprietários (SPAGNUOLO, op.
cit., p. 91).
O traçado, as ruas da cidade, o formato das casas, toda a cidade em si constitui na
memória das pessoas que viveram e presenciaram a cidadezinha em seus primeiros anos de
emancipação e que permanece viva na memória dessas pessoas. São lugares de memória que,
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muitas vezes, ao se referirem à cidade dos tempos de outrora, os idosos lembram com
saudades daquela que já se foi, do banco da praça substituído quando a cidade foi revitalizada,
das casas dos antigos conhecidos que foram sendo demolidas para dar lugar a prédios ou a
casas mais modernas. Onde foi parar a casa do Manoel Luiz? Do Onésio Rabelo? Onde está a
Pensão do João Albano e a pensão da Dona Matilinha? Onde está a antiga Igrejinha e o
cruzeiro que ficava na sua porta? E o Cine Paroquial? Onde está? A loja do Genésio Ribeiro e
a farmácia do Astolfo Moreira, alguém sabe nos contar? Tantas perguntas... O que fizeram
com nosso patrimônio? E a máquina Remington nº 12 que o Genésio Ribeiro comprou em
1934 para melhorar o trabalho, dizendo com orgulho d‖esse instrumento de alto valor para o
serviço diário?‖ (Spagnuolo, op. cit, p. 101). O Sr. José Benevides nos conta do traçado das
ruas, do comércio, como se estes descortinassem diante de seus olhos, a João Pinheiro dos
anos 1930.
As ruas da cidade eram tortas, a não ser a praça, que era o largo da Matriz. A rua que
hoje tem o nome de João Albano era torta. Na porta da cadeia tinha outra rua que era
conhecida como a rua da Palha, ali onde hoje é o Posto Alberico. Lá na rua da Palha
tinha algumas mulheres que eram prostitutas. Tinha a rua do Sobrado onde hoje é a
Casa da Cultura. Tinha a rua dos Padres, que é a Rua Frei Carmelo, ela era cheia de
voltas, mas havia a rua. Tinha a rua Capitão Speridião que era dali de onde é hoje o
“Serve Bem’, dali para baixo. Tinha a rua da Água Limpa. Tinha a caixa d’água dela
para baixo. A cidade acabava ali de onde é hoje o Banco do Brasil e o Juca Cordeiro
morava lá. Até lá tinha as casas de telha e mais acima, tinha umas casas de palha. O
João Pinheiro era dali para baixo. A Dona Roxa Tinha a casa do Correio. Antes do
Genésio já tinha correio. Tinha a loja do Caetano Rocha que era uma grande loja. Tinha
tecido chapéu, querosene, sal. Tinha de tudo, sortida. Era uma loja de secos e molhados.
O Genésio também tinha uma loja. Bom comerciante, mas era sistemático. Um dia foi um
homem lá e olhou um freio para colocar em boca de animal para governar o animal.
Então o homem perguntou quanto custava e o Genésio deu o preço, então o homem pediu
um menos. Então ele avançou na mão do homem e tomou dele o freio e falou com ele: Tá
compro e pago! E colou de novo no lugar. Aí o sujeito foi embora e teve que arrumar um
companheiro para ir lá comprar... Não havia outro lugar para comprar.
A cidade é o lugar do fazer dos homens no tempo e no espaço. As imagens construídas
acerca da mesma são representações das pessoas que viveram, vivem, partilham vidas,
experiências e sentidos múltiplos. A cidade deixa de ser espaço para ser sentido, vetor
identitário. Nesse sentido, diz a Dona Benedita:
A cidade de João Pinheiro quando eu mudei para cá, era pequenina. As casas eram
salteadas, ralas. Onde havia uma concentração maior de casas, mais alinhadas, era no
largo da Matriz, a Praça Coronel Hermógenes. Não tinha carros, bicicletas na rua. As
pessoas eram todas unidas, havia conversas nas portas das casas no final das tardes.
Podiam-se deixar as casas abertas que não havia perigo. Era todo mundo unido.
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Pelas representações dos narradores, podemos perceber a cidade como o palco de
sentidos. As casas abertas e as conversas do final da tarde nas portas das casas permitem-nos
perceber a atribuição de sentidos dados ao lugar, às relações de confiança e vizinhança, os
laços de compadrio e amizade, os espaços transformados em lugares os quais permanecem na
memória.
Percebemos uma cidade pequena, com poucas casas e, pelas narrativas dos mesmos,
também poucos estabelecimentos comerciais. O comércio era regulado por leis que regiam o
funcionamento dos estabelecimentos locais. O agente do Executivo ordenava ao agente fiscal
da Câmara para dar o sinal indicando o horário de fechamento do comércio local. ―No sino da
cadeia, aos domingos, às doze horas em ponto. O sinal constará de doze badaladas,
anunciando meio dia e o fechamento do comércio‖ (SPAGNUOLO, op. cit., p. 48).
As casas da cidadezinha de outrora retratavam a arquitetura vigente na época, bem
como a situação econômica de seus proprietários. Casas maiores, menores, sobrados, casas
baixas, de telha, de palha, pau-a-pique, adobe, muros baixos, cercas de estacas de aroeira... O
público e o privado... Construções em andamento. As telhas foram aos poucos substituindo as
coberturas de palhas, o tijolo de alvenaria substituindo as paredes de pau-a-pique e adobe. ―A
fabricação do adobe, como a feitura das paredes, exigem certos conhecimentos do barro a ser
empregado‖ (RIBEIRO, op. cit., p. 276). Há multiplicidade de saberes na invenção do
cotidiano e na transformação do espaço de vivência. O Senhor José Benevides relata:
no tempo do governo do Genésio Ribeiro, as casas eram todas baixas. A maioria das
casas eram pequenam. Algumas delas eram com paredes feitas de madeira, barreadas de
barro, chamadas de pau-a –pique. Outras casas eram quase tudo de adobe. O telhado
era de telha curva, redonda, feita nas olarias daqui mesmo. O Zé Batista Franco tinha
uma olaria ali na beira da extrema, que fazia tijolos para vender para o povo, mas
depois do governo do Genésio. Ele fez muito tijolo e vendia para as construções da
cidade. Tinha algumas casas muradas. O muro era baixo, estaqueados de cerca de
aroeira. As casas tudo tinha esteio. Quem construiu as primeiras casas sem esteio foi o
Sinval e o Hermógenes. A primeira casa que ele fez é onde hoje é aquela casa dele lá na
Àgua Limpa. Ela era sem esteio. Tinha a pensão do João Albano que era na Praça no
Largo. Tinha também a pensão da Dona Matilinha, era ali na praça, mas cá em cima.
Casa baixa. De esteio de aroeira. Parede de adobe. Quando eu casei, eu fiquei na
Pensão do João Albano. A mulher dele era tia da Zizi, minha esposa. A mulher dele era
costureira muito boa. Algumas casas tinham banco na porta onde o povo ficava
conversando. No sobrado embaixo, tinha uma loja boa, que era do Sebastião Cordeiro. A
casa do Manoel Luiz era ali onde é o Hospital Santana.
Nas narrativas do Sr. José Benevides são perceptíveis as mudanças pelas quais foram
passando o espaço urbano da cidade, é perceptível como tudo tem uma história e se
transforma. Nesse sentido, reflete sabiamente Bosi, ―as casas crescem no chão e vão
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mudando: canteiros, cercas, muros, escadas, cores novas, a terra vermelha e depois, o verde
umbroso... Arbustos e depois árvores...‖ (BOSI, op. cit., p. 74). No entanto, mesmo com as
mudanças, permanece um sentimento de familiaridade, conhecimentos, que possibilita ler
uma relação de pertencimento e identidade.
Toda cidade tem uma igreja e, em João Pinheiro não era diferente. No largo, a
Igrejinha Matriz de Sant‘Ana se destacava no final da Praça. No entanto, essa não foi à
primeira Igreja de Santana do Alegre. De acordo com Oliveira Mello (2005), em 1818 já tinha
uma igrejinha velha nestas paragens: ―O altar dessa igreja é feito de tábuas pintadas e nem
sequer tem castiçais; as velas são espetadas em pontas de pregos. A atmosfera do interior
estava empestada pelos cadáveres enterrados‖. Ainda no século XIX foi construída a Igreja
Matriz, a qual serviu de culto até 1977, quando foi demolida.
No princípio do século XIX já se registra a existência de um pequeno arraial denominado
Sant‘Ana do Alegre, elevado a freguesia por consulta de 25 de agosto de 1813 e
resolução de 10 de setembro de 1814 de Dom Frei Antônio de São José Bastos, Bispo de
Pernambuco. Trata-se da terceira e última paróquia criada pela diocese de Paracatu de
Olinda no território da atual Diocese de Paracatu (OLIVEIRA MELLO, 2005, p. 339).
Oliveira Mello relata que é falha a documentação paroquial, mas por meio de
pesquisas, conseguiu o levantamento dos párocos que atuaram em João Pinheiro, sendo os
primeiros deles: Pe. Veríssimo José de Souza Nogueira (1865-1871), Pe João Dantas Barbosa
(1871-1874); Pe Getúlio Alves de Melo (1884-1886), Pe. João Dantas Barbosa (1886-1889),
Pe. Luiz Alberto (1897), Pe. João Dantas Barbosa (07/02/1886 a 06/11/1889), Pe. Francisco
Sales Peixoto (provisão de 06/10/1889), Pe. Afonso Ligório de Souza (provisão de
16/12/1898), dentre outros. Conta-nos o Sr. José Benevides: ―Na porta da antiga Igreja Matriz
tinha um cruzeiro grande e tinha umas três catacumbas, pois foi um dos primeiros cemitérios
de João Pinheiro‖. Segundo a memória coletiva, podemos observar que o templo da antiga
Igreja Matriz de Sant‘Ana está presente na memória e na história dos moradores que foram
testemunhos dessa história.
Consta na Ata de reunião da Terceira Sessão Ordinária do Conselho Consultivo de
João Pinheiro, do dia 14 de março de 1936, que o prefeito Genésio José Ribeiro deixou o
cargo solicitando afastamento para tratar de negócios de seu interesse particular. A partir de
então, o Dr. José Cândido de Carvalho assumiu o executivo no dia 12 de junho de 1936
(SPAGNUOLO, op. cit, p. 112). Esse médico ―prestou relevantes serviços a esta comunidade,
quer como prefeito, quer como médico‖ (idem, p. 114). A nova Câmara Municipal foi eleita e
diplomada em sete de junho de 1936, passando a realizar novamente seus trabalhos,
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substituindo o Conselho Consultivo da Prefeitura que realizou sua última reunião em 27 de
junho, no Paço Municipal, sob a presidência do Prefeito Dr. José Cândido de Carvalho, sendo
os outros membros do Conselho: Ronaldo Simões da Cunha, Alcides Pereira da Silveira,
Sebastião Mendonça Filho, Targino de Oliveira Franco.
Oliveira Mello (2005) escreve que em 1929 foi criada a Prelazia ―Nullius‖19
de
Paracatu, agregando a ela os municípios de João Pinheiro e São Romão. Com a criação da
Prelazia, os padres designados para trabalhar na nova circunscrição eclesiástica foram os
Carmelitas da Antiga Observância. Foi nomeado pelo papa Pio XI para ser o administrador
apostólico, o Padre Frei Eliseu Van de Weijer, superior das missões carmelitas no Brasil.
Oliveira Mello ressalta ainda a importância do papel desempenhado por Frei Eliseu Van de
Weijer, Frei Romeu Arcanjo e dos padres Frei Miguel Jonkers e Frei Carmelo Lambooy,
primeiros sacerdotes componentes do Clero Regular, fundadores da Prelazia Nullius, em
Paracatu, englobando, João Pinheiro e São Romão. Os padres da Ordem dos Carmelitas
ficaram em João Pinheiro até o ano de 1997. ―Com a saída de Frei Clóvis, a paróquia passa
novamente a ser administrada por padres diocesanos. E o primeiro a ser nomeado foi o padre
João César Teixeira de Melo‖ (OLIVEIRA MELLO, 2005, p. 344).
Podemos observar a incapacidade do pesquisador de abarcar a realidade e de ―dar
conta‖ do seu objeto ao pensarmos nas várias formas de abordagem que podem ser dadas ao
objeto em análise, sendo os aspectos aqui analisados uma forma de ―ver‖. No aspecto político,
conforme a Ata de Instalação e Eleição da Câmara Municipal e do Prefeito do Município de
João Pinheiro datado de 08 de agosto de 1936, a nova Câmara Municipal foi procedida por
uma eleição realizada pelos vereadores para o cargo de Prefeito Municipal. Essa eleição, em
regime indireto e secreto de votos, elegeu para prefeito o Sr. Antônio Pereira de Andrade,
sendo proclamado eleito pelo Presidente da Câmara, o Sr. Antônio Izidoro. ―Precedida a
referida eleição com as formalidades legais, verificou-se que o cidadão Antônio Pereira de
Andrade estava eleito por unanimidade (nove votos)‖ (SPAGNUOLO, op. cit, p. 114).
Antônio Pereira de Andrade assumiu a direção do município até meados da década de 1940.
Muitos são os olhares que podem ser lançados à cidade, e estes modificam-se de
acordo com os objetivos e questionamentos. Devemos ressaltar que mesmo não sendo o
recorte político o enfoque principal desta análise, consideramos importante buscar perceber as
19
Oliveira Mello relata que essa Prelazia foi criada no dia 01 de março de 1929, através da Bula Pro munere sibi
divinitus, pelo Papa Pio XI, desmembrando-a dos territórios eclesiásticos das Dioceses de Montes Claros e de
Uberaba. Os limites dessa Prelazia são os mesmos limites dos municípios que a compuseram, agregando a ela
várias Paróquias, entre elas, a de Sant‘Ana do Alegres. Essa Prelazia foi elevada à Categoria de Diocese, em
abril de 1962.
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transformações que ocorreram neste espaço de tempo no viés político e geográfico.
3 Considerações Finais
A construção desta narrativa se efetivou por meio da vontade de conhecer um pouco
da história local e a utilização de um corpus documental composto de história de vida e
pesquisa documental, valendo-se tanto da escrita como da oralidade, sendo, portanto, fruto
das escolhas e delimitações estabelecidas pela pesquisadora. Esperamos que esta contribuição
seja um ponto de reflexão para que outros trabalhos sejam construídos, estabelecendo como
objeto, a história local.
Podemos perceber que muitos são os caminhos traçados no decorrer da trajetória
histórica local, vários poderiam ser os ângulos e escolhas feitas ao falar dessa cidade, tanto no
recorte temporal quanto no tema abordado. Por meio da história oral de vida do Sr. José
Benevides e da Dona Benedita, procuramos refletir sobre uma forma de representação da
cidade. É interessante notar como as histórias de vida nos permitem perceber a existência de
muitas cidades dentro da cidade, muitos caminhos cruzados, vidas vividas.
Um dos problemas encontrados ao realizarmos esta pesquisa foi a dificuldade em
encontrar registros que contam do início das cidades desta região, sendo isto ainda um leque
aberto a investigações e questionamentos.
Em um contexto de dificuldades relacionadas à penetração do interior do país, no caso
em questão, a região Noroeste do estado mineiro, a falta de estradas, os meios de transportes
que eram ainda muito rudimentares, as muitas barreiras naturais, tais como rios, serras e
morros, dentre outros, tornavam o aumento do fluxo populacional e o desenvolvimento do
município um objetivo difícil de ser alcançado. Nesse contexto, o transporte fluvial, a
mineração e a criação de gado foram de grande importância para o povoamento da região.
Com esta pesquisa não visamos, portanto, ―conceituar‖ ou tecer uma conclusão acerca
da história da cidade, mas lançar um olhar sobre um dos muitos caminhos dessa história,
buscando perceber sentidos possíveis a partir de alguns recortes, das perguntas que foram
feitas em relação a esse objeto, dentro de um recorte temporal e de acordo com os propósitos
desta pesquisa. Outros olhares podem ser lançados a esse mesmo objeto e outras respostas
encontradas.
Os resultados aqui apresentados no decorrer deste artigo são frutos dos diálogos
estabelecidos com autores que partilham do solo da História Cultural e das incursões feitas
com outras áreas do saber, pois ―nenhum texto aparece saturado de sentido, transparente, e
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exige sempre uma decifração contínua‖ (REIS, 2002, p. 20). A intenção foi dar visibilidade a
história local visando trazer contribuições para a escrita da história.
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DA ELOQUÊNCIA CONDOREIRA À LUTA ABOLICIONISTA NA POESIA DE
CASTRO ALVES
Magda Maria Pereira*
Resumo: Os versos de Castro Alves apontam fundidas admiravelmente a efusão lírica e a
eloquência condoreira, na luta incessante pelo resgate social. Sobretudo, enfatiza os
problemas vivenciados na sociedade escravocrata no século XIX e a consolidação das lutas de
classes, e ainda, apresenta fórmulas para solucionar estes problemas sem permitir que sua
obra se tornasse um mero panfleto político. Sendo assim, objetiva-se demonstrar que a
história cultural está atenta aos significados sociais e que não há mais separação entre a
história e a literatura e que esta é compreendida como construção de sujeitos sociais. Sendo
assim, grande parte dos poemas de Castro Alves apresenta ideias de reforma social,
preocupando com o papel do ser humano, negro e escravo, enfocando o abolicionismo,
integrando a história e a literatura engendrando na poesia seu compromisso de interferir
politicamente no processo social.
Palavras-chave: Abolicionismo; Castro Alves; Poesia; História Cultural; Literatura
Abstract: Castro Alves‘ verses show fused admirably the lyric effusion and the condoreira
eloquence in the endless fight for social rescue. However, it emphasizes the problems lived in
the slavery society in twentieth century and the consolidation of the classes fights, and
moreover, it present formulae to solve these problems without allow that his work become a
mere political pamphlet. Though, the aim is to demonstrate that the cultural history is
attentive to social meanings and there is not separation between history and literature and the
second one is understood as a construction of social subject. Thus, most of Castro Alves‘s
poems present ideas of social reform, concerning about the human being role, black people
and slave, focusing the abolitionism, integrating history and literature engendering in the
poem his commitment on interfere politically in the social process.
Keywords: Abolitionism; Castro Alves; Poem; Cultural History; Literature.
Introdução
Este artigo tem como objetivo demonstrar que a história cultural está atenta aos
significados sociais e que não há mais separação entre a literatura e a história, pois estas se
compreendem na construção de sujeitos sociais sendo influenciado por fundamentos teóricos,
* Doutoranda e Mestre em Ciências da Educação, Especialista em História do Brasil, Gestão Ambiental e
Educação e Educação a Distância; Graduada em História e Geografia; Acadêmica do curso de Letras. E-mail:
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conceituais temáticos e metodológicos. Além disso, buscar-se-á mensurar a importância de
Castro Alves como um poeta a frente de sua escola literária descrevendo em seus versos as
vozes dos escravos na busca da liberdade.
Desta forma, este se torna de fundamental importância por compartilhar de parte dos
poemas sobre a escravidão no contexto histórico e literário. A ideia de liberdade era um
conceito que no século XIX ainda pertencia apenas a elite escravocrata. Castro Alves,
considerado o poeta dos Escravos, pertencente à terceira geração do romantismo brasileiro,
geração esta considerada como Condoreira demonstrando em seus versos um inconformismo
com o intuito de fazer a poesia com a função de ser um instrumento de reforma social.
1.1 A Episteme da História Cultural
O termo cultura ainda é um conceito vago. Em geral, é usado para referir-se à alta
cultura e estendido a baixa cultura para definir cultura popular.
Existe uma preocupação antropológica com o cotidiano e com a sociedade em que há
pouca divisão do trabalho encorajando o emprego da cultura em um sentido amplo. A partir
desta noção antropológica se apropriam os historiadores culturais da cultura a denominando
de antropologia histórica.
A cultura se permite a significados diversos nas diferentes disciplinas do
conhecimento, portanto, na história também provém esta diversidade de acordo com o
partícipe de cada historiador. Entretanto, podemos dizer que se encontrou uma história
cultural de tudo: dos sonhos aos grandes cientificismos. A expressão nova história cultural
teve muito sucesso nos EUA reunindo historiadores da literatura associados ao novo
historicismo. Na virada antropológica está visível a história da literatura para o que se chama
poética da cultura.
Na concepção de Darnton (1992, p.195):
A história cultural constitui uma narrativa no qual há ênfase na dimensão cultural da
experiência humana, em detrimento da análise de base estrutural enfatizada pelo
marxismo. A história cultural estabeleceu um diálogo com a antropologia simbólica, o
que pode auxiliar o historiador a redirecionar seu empenho de resolver esses problemas e
colocá-lo no caminho em busca de modelos de significados.
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Também se discute a relação entre história cultural e história social ampliando a
investigação com o objetivo de reconstruir o que há de comum entre a experiência dos grupos
de pessoas e a sua relação com a sociedade.
Em Thompson (1987, p.10):
Nos últimos anos, a história social passou por mudanças, a partir do interesse do
historiador pela cultura. Assim, historiadores passaram a se interessar por aquilo que
chamava de mediações culturais ou morais, neste sentido considera que a experiência de
classe é a forma como essas são tratadas em termos culturais: encaradas em tradições;
sistemas de valores, ideia e formas institucionais.
Todavia, a palavra cultural serve para distinguir a Nova História Cultural das demais,
inclusive a história social. Contudo construir uma história local redesenhando um espaço
urbano no contexto de história social.
Duby (1988, p.30) embasa a história social pela:
Arte da problematização se distanciando da história narrativa de fatos heróicos da
chamada escola positivista e estão em constante renovação mediante a elaboração de
novas questões, de uma releitura dos documentos e da exploração de novas fontes,
reconhecimento e prospecção de novos campos de investigação.
Lynn Hunt em ―A Nova História Cultural‖ mostra que na história o avanço para o
social, foi estimulado pela influência de dois paradigmas: o Marxismo e os Annales. Assim,
Hunt (2006, p.02) comenta que:
Com essa inspiração, os historiadores da década de 1960 e 1970, abandonaram os mais
tradicionais relatos históricos de líderes políticos e instituições políticas e direcionaram
seus interesses as investigações da composição social e da vida cotidiana dos operários,
criados, mulheres, grupos étnicos e congêneres.
Ainda em Hunt (2006, p.06), o desvio dos historiadores marxistas para a cultura é seu
interesse pela linguagem, o que admitiam a influência do que chamavam de linguística
estrutural. Argumentavam que a linguagem podia desafiar as teorias reflexivas do
conhecimento e afetar a prática dos historiadores socialistas ao focalizar as funções semióticas
da linguagem.
É perceptível que a história cultural se remodela a partir da nova historiografia literária
partindo da essência da história social e seu comportamento em sociedade.
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Vários são os historiadores que pesquisaram sobre a história da cultura, dentre eles
Michel Foucault que em parte de suas obras compreende como um modelo alternativo para a
escrita da história da cultura que incorpora uma crítica fundamental da análise marxista e dos
annales, bem como da própria história social. Vale ressaltar que o ápice desta história
aconteceu na França e foi bem representada em O Massacre de Gatos (1988) de Darnton e na
Inglaterra com a luta de Classes representada por Thompson.
1.2 Teoria literária e a relação com a História Cultural
A literatura é tradicionalmente uma arte verbal. É uma modalidade de linguagem que
tem a língua como suporte. As palavras, numa obra de arte literária adquirem valor específico
no momento em que se integram na mesma e passam a fazer parte dos elementos que
interligados e interdependentes constituem o todo ficcional. E o texto literário, a partir do
idioma, revela uma realidade apoiada em vivências humanas.
Não é difícil concluir que a literatura, apoiada num sistema de signos linguísticos que
expressam o mundo e revelam a dimensão profunda e plena desse mundo traduz o grau
cultural de uma sociedade.
Lefebve (apud, PROENÇA-FILHO, 1978, p.42) discorre sobre a linguagem literária:
propõe ao mundo uma questão que não é das que podem ser respondida pela ciência, pela
moral ou pela sociologia. Ela não se contenta com fotografar uma realidade preexistente;
ela interroga o mundo sobre sua realidade e a linguagem sobre sua obsessão de uma
adequação perfeita ao ser do mundo. Ela não é uma solução, uma fuga para fora da
linguagem e do humano, ela encarna uma nostalgia
Muito do que se afirmam na literatura pode ser aplicada às demais artes, na sua
totalidade vinculando à dualidade de aspectos que a singularizam a dimensão estética e a
dimensão epistemológica que não coincidem necessariamente.
A literatura permite pela interação com o texto através do qual se manifesta tomar
contato com o vasto conjunto de experiências acumuladas pelo ser humano ao longo da sua
trajetória.
Já entre os gregos havia uma preocupação de diferenciar três formas de conhecimento:
o histórico, o poético e o filosófico. Aristóteles afirmava que a literatura tem caráter mais
geral que a história. Ela não se preocupa em registrar fatos. Apresente acontecimentos por
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meio dos quais é possível compreender melhor o comportamento das pessoas e nesse sentido
afirmava ser a literatura mais próxima da filosofia.
Se levarmos em consideração as concepções de Aristóteles temos condições de
compreender mais os seres humanos, assim como, seu comportamento a partir das
experiências alheias refletindo no próprio comportamental, auxiliando na compreensão da
natureza de ações e sentimentos.
A partir do século XIX manifesta-se a ideologia do pensamento social e político
marcada pelo início das ciências humanas, os estudos históricos mapearam a diversidade
política social e cultural. O conhecimento histórico pareceu confirmar que a cultura distinguia
os seres humanos dos animais, as formas de cultura eram variáveis.
White (1991, p.41) afirma que:
A teoria abre uma perspectiva sobre a escrita da história mais abrangente do que as
imaginadas pelos participantes do debate sobre a natureza do discurso narrativo,
engajados no debate do conhecimento histórico. O discurso histórico não permite ignorar
as teorias gerais desenvolvidas dentro da teoria literária com bases em novas concepções
da linguagem, da fala e da textualidade.
Portanto, podemos observar que a história e a literatura são discursos que entrelaçam e
não mais divergem entre si. Barthes (apud, WHITE, 1991, p.42) concebe que:
a história científica se assemelhava ao modernismo literário em virtude de seu interesse
de seu interesse pelo inteligível, mais do que pelo real. Contudo há semelhança entre a
história estruturalista e o modernismo literário, tem implicações para a nossa
compreensão do que está envolvido em sua aparente hostilidade comum ao discurso
narrativo.
Hoje é possível reconhecer que a literatura não rejeitou a narratividade, a historicidade
explorou os limites de suas formas peculiares do século XIX expondo sua complexidade nas
práticas discursivas dominantes da cultura da alta burguesia que se popularizou em ser
chamada também de cultura popular para os desprovidos da elitização comprovando a
relevância do modernismo para um discurso histórico moderno.
1.3 Castro Alves e a Poesia Condoreira
Antônio Frederico de Castro Alves nasceu na Bahia a 14 de março de 1847 e viveu
intensamente seus vinte e quatro anos, numa família de classe média alta.
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No período em que Castro Alves começa a se interessar pelas causas sociais a Bahia
era o palco perfeito constituía na segunda maior população escravizada do Brasil, com mais
de 300 mil escravos. A economia brasileira no momento era baseada na cafeicultura
escravagista nos entremeios de Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. A presença grande
de escravos na população baiana determinaria sua formação.
Bastante liberal para época Castro Alves, pois foi o primeiro poeta e escritor a se
interessar pelas causas sociais dos escravos, seres que eram considerados aviltados e sem
alma. Desde cedo escreveu poemas e em seus versos demonstrava a grandiloquência,
mostrando-se maduro demais em relação às gerações anteriores como uma idealização
amorosa lasciva e um nacionalismo ufanista substituído por posturas críticas e realistas.
Castro Alves soube conciliar as ideias de reforma social com os procedimentos
específicos da poesia, não permitindo que sua obra fosse considerada um mero panfleto
político. Poeta da terceira geração do romantismo brasileiro, consciente dos problemas
humanos e a busca de fórmulas para solucioná-los, retratando o feio e o esquecido pelos
primeiros românticos: a escravidão dos negros, a opressão e a ignorância do povo brasileiro.
A linguagem usada por Castro Alves para defender os ideais liberais acentuava na
pontuação, as hipérboles, antíteses, apóstrofes, metáforas além de espaços geográficos como
mar, céu, o infinito, o deserto, dentre outros.
A poesia social de Castro Alves caracterizada pelos temas abolicionistas e de
libertação dos povos; incorpora o negro de forma definitiva na literatura apresentando-o como
herói e como um ser dignificado e humanizado: amoroso, ativo, sofredor, esperançoso,
oprimido e lutador. Permite-se usar uma poesia própria, retórico e discursiva na segunda
pessoa e um verbalismo irrefutável. Considerado por sua magnificência o Poeta dos Escravos,
cuja poesia chamada de condoreira, influenciada pelo francês Victor Hugo.
Os condoreiros eram comprometidos com a causa abolicionista e republicana
desenvolveram a poesia social, próximo da oratória, cuja finalidade é convencer o leitor-
ouvinte e conquistá-lo para sua causa defendida. A preocupação de deslocar o seu eu
egocêntrico para o outro, aquilo que representa mudança profunda numa escola literária (o
romantismo) que por natureza é egocêntrica.
O nome condoreirismo é dado a esta corrente associada ao condor (ave dos Andes) ou
a outras aves como a águia, o falcão e o albatroz tomadas como símbolo da geração. Aves de
vôo alto e solitário e capaz de enxergar a grande distância, os poetas condoreiros supunham
também ser dotados de capacidade e por isso são obrigados ao compromisso como poetas de
orientar os homens comuns para o caminho da liberdade e da justiça.
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Como poeta lírico caracteriza pelo vigor da paixão e a intensidade com que exprime o
amor: como desejo, encantamento da alma, como corpo; contendo um ou outro vestígio do
amor platônico e da idealização da mulher, representando uma tradição poética abandonando
o amor convencional e abstrato dos clássicos quanto ao amor cheio de medo e culpa dos
românticos, a mulher amada aqui é real, lascívia e a paixão envolvem e motivam o poeta a
traduzir o relacionamento amoroso em versos.
No poema Boa Noite de Espumas Flutuantes nota-se a vigor da paixão pela
intensidade da expressão realizada no plano físico (apud, CEREJA; MAGALHÃES, 1999,
p.118): ...Boa noite,/ mas não mo digas assim por entre beijos.../Mas não mo digas
descobrindo o peito/ ___ Mar de amor onde vagam meus desejos.
No entanto, o objetivo neste espaço é apenas citar que além da poesia social retratada
na pessoa do negro escravo Castro Alves também se supera na poesia lírico-amorosa.
1.4 A Luta Abolicionista na Poesia de Castro Alves
O poeta dos escravos encarna tendências do romantismo e a utopia libertária do século
brada contra a escravidão e a injustiça. A realidade brasileira de escravidão e maus tratos
definem sua poesia.
Os escritores desta época (século XIX) o tratavam apenas como um negro escravizado,
misturado à vida cotidiana e em posição de inferioridade não era um símbolo de beleza e sim
um simples ser aviltado. Apenas Castro Alves os reconhece dedicando parte de suas obras
para destacá-los em sua poesia. É necessário relembrar que o escravo era visto como uma
realidade presente e não como um episódio de drama, vítimas do destino da história.
A partir daqui analisar-se-á alguns dos poemas de Castros Alves da obra ―Os
Escravos‖ que retratam a luta abolicionista.
O navio negreiro
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
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No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...Qual um sonho
dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...
18-04-1868
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O poema Navio Negreiro é uma descrição do que se via no interior de um navio e
Castro Alves teve a capacidade de demonstrar as cenas como se estivesse em um teatro. Este
tema denuncia a escravização e o transporte dos negros da África para o Brasil. O poema é
um épico-dramático sendo considerada uma de suas principais realizações poéticas dentro do
contexto político ideológico procurando ser uma contestação e conscientização daquilo que
parecia ser apenas uma epopéia.
Este poema foi escrito em 1868 quando já vigorava a lei Eusébio Queiroz que proibia
o tráfico de escravos, mas a escravidão ainda persistia até 1888, o que muito contribuiu para
esta poética foi à vivência que Castro Alves tivera com negros desde criança. Tinha como
finalidade a política e o social de modo que o poeta tentava atingir o público e convencê-los
de suas idéias, argumentos e exploração das emoções.
Bandido Negro
Trema a terra de susto aterrada...
Minha égua veloz, desgrenhada,
Negra, escura nas lapas voou.
Trema o céu ... ó ruína! ó desgraça!
Porque o negro bandido é quem passa,
Porque o negro bandido bradou:
Cai, orvalho de sangue do escravo,
Cai, orvalho, na face do algoz.
Cresce, cresce, seara vermelha,
Cresce, cresce, vingança feroz.
Dorme o raio na negra tormenta...
Somos negros... o raio fermenta
Nesses peitos cobertos de horror.
Lança o grito da livre coorte,
Lança, ó vento, pampeiro de morte,
Este guante de ferro ao senhor.
Bandido negro é um poema considerado como incitação ao crime, vingança pelos
açoites e mau tratos empunhados com armas que na surdina da noite atacavam as fazendas e
enfureciam os escravocratas. Muitos senhores de escravos os temiam e portanto mantinham
capatazes os capitães do mato- para protegê-los e manter a ordem.
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Os trechos do poema são hiperbólicos evidenciando o medo branco sobre a astúcia
negra sendo perceptível pelos diálogos intertextuais a partir das metáforas contidas nas
entrelinhas.
Mãe do Cativo
Ó mãe do cativo! que alegre balanças
A rede que ataste nos galhos da selva!
Melhor tu farias se à pobre criança
Cavasses a cova por baixo da relva.
Ó mãe do cativo! que fias à noite
As roupas do filho na choça da palha!
Melhor tu farias se ao pobre pequeno
Tecesses o pano da branca mortalha.
Misérrima! E ensinas ao triste menino
Que existem virtudes e crimes no mundo
E ensinas ao filho que seja brioso,
Que evite dos vícios o abismo profundo ...
E louca, sacodes nesta alma, inda em trevas,
O raio da espr'ança... Cruel ironia!
E ao pássaro mandas voar no infinito,
Enquanto que o prende cadeia sombria! ... 24-07-1868
Mãe do cativo representa uma ambiguidade para a negra mãe: ama de leite do filho da
branca que por algum motivo não podia amamentar seu filho, mesmo que para isso fosse
necessário dar fim ao filho negro.
No poema é possível encontrar o discurso colonialista, apoiando o repúdio às
diferenças sócio-histórico-cultural e um contra discurso rompendo com esta lógica
apresentando o colonizado como uma população degenerada onde o poeta luta contra a
produção do colonizado revendo a realidade social.
―Ó Mãe do Cativo, que fias a noite‖ são gestos repetitivos da resignação, da fuga da
sua realidade como estratégia das dores da perda dos filhos e das dores trazidas pela
escravidão.
Vozes da África
(...)
Mas eu, Senhor!... Eu triste abandonada
Em meio das areias esgarrada,
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Perdida marcho em vão!
Se choro... bebe o pranto a areia ardente;
talvez... p'ra que meu pranto, ó Deus clemente!
Não descubras no chão...
(...)
Quando eu passo no Saara amortalhada...
Ai! dizem: "Lá vai África embuçada
No seu branco albornoz. . . "
(...)
Hoje em meu sangue a América se nutre
Condor que transformara-se em abutre,
Ave da escravidão,
Ela juntou-se às mais... irmã traidora
Qual de José os vis irmãos outrora
Venderam seu irmão.
11-06-1868
Neste poema há uma manifestação do negro como vítima numa África personificada,
pedindo perdão a Deus pelos crimes. Que crimes? Crime por ser negro e considerado um vil
objeto ou até mesmo aquele que mata em nome da liberdade?
Nos versos do poema é possível perceber a melancolia e o signo África é uma
metonímia para designar escravo resignado e subserviente. Portanto, clamam por sua sorte a
Deus uma metáfora, pois na história africana o cristianismo não possui regras rígidas perante
o seu sincretismo e sim demonstra dois pontos a busca pela liberdade do negro, mas também a
permissividade da exploração do negro pelo imaginário social da elite.
O poeta vê na literatura política uma forma de fazer pressão a classe dominante por
liberdade, mas em nenhum de seus poemas representa o negro como livre e sim todos são
escravos o que apresenta ideias um tanto antagônicas.
Saudações a Palmares
(...)
Palmares! a ti meu grito!
A ti, barca de granito,
Que no soçobro infinito
Abriste a vela ao trovão.
E provocaste a rajada,
Solta a flâmula agitada
Aos uivos da marujada
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Nas ondas da escravidão!
De bravos soberbo estádio,
Das liberdades paládio,
Pegaste o punho do gládio,
E olhaste rindo pra o val:
"Descei de cada horizonte...
Senhores! Eis-me de fronte!"
E riste... O riso de um monte!
E a ironia... de um chacal!...
(...)
Crioula! o teu seio escuro
Nunca deste ao beijo impuro!
Luzidio, firme, duro,
Guardaste pra um nobre amor.
Negra Diana selvagem,
Que escutas sob a ramagem
As vozes — que traz a aragem
Do teu rijo caçador! ...
(...) 08-1870
Palmares representa a busca libertária, um ideário de busca por uma terra que não
sabiamente a sua, mas do escape a mau tratos, das suas grandes perdas do filho que se foi, do
marido que nunca mais se viu, da esposa que foi acalentar outro filho como ama de leite na
casa grande. A fuga da senzala fria e imunda, sem nenhum conforto e sem sentimentos da
realidade inescrupulosas em que viviam.
Portanto, Palmares simboliza a resistência dos quilombolas e de um guerreiro que
ficou conhecido no Brasil inteiro por conduzir o escravo pelos longínquos quilombos, no
entanto é um poema solidário enfatizando Zumbi principalmente por sua coragem, além de
usar a metáfora do eu lírico para fazer uma crítica à realidade, o que não ameniza nem elimina
o sofrimento de ser escravo.
Canção do Africano
Lá na úmida senzala,
Sentado na estreita sala,
Junto ao braseiro, no chão,
Entoa o escravo o seu canto,
E ao cantar correm-lhe em pranto
Saudades do seu torrão ...
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De um lado, uma negra escrava
Os olhos no filho crava,
Que tem no colo a embalar...
E à meia voz lá responde
Ao canto, e o filhinho esconde,
Talvez pra não o escutar!
"Minha terra é lá bem longe,
Das bandas de onde o sol vem;
Esta terra é mais bonita,
Mas à outra eu quero bem!
"O sol faz lá tudo em fogo,
Faz em brasa toda a areia;
Ninguém sabe como é belo
Ver de tarde a papa-ceia!
"Aquelas terras tão grandes,
Tão compridas como o mar,
Com suas poucas palmeiras
Dão vontade de pensar ...
"Lá todos vivem felizes,
Todos dançam no terreiro;
A gente lá não se vende
Como aqui, só por dinheiro".
O escravo calou a fala,
Porque na úmida sala
O fogo estava a apagar;
E a escrava acabou seu canto,
Pra não acordar com o pranto
O seu filhinho a sonhar!
O escravo então foi deitar-se,
Pois tinha de levantar-se
Bem antes do sol nascer,
E se tardasse, coitado,
Teria de ser surrado,
Pois bastava escravo ser.
E a cativa desgraçada
Deita seu filho, calada,
E põe-se triste a beijá-lo,
Talvez temendo que o dono
Não viesse, em meio do sono,
De seus braços arrancá-lo! 1863
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Canção do africano retrata o cotidiano do negro escravo, a sua pouca expectativa, pois
a que lhe sobrará reflete apenas em pensamentos ―mudos‖ de uma fuga que nem sempre viria.
Pensar em uma senzala, principalmente em seus costumes culturais como a capoeira
que para o homem branco, o grande senhor representava uma festividade enquanto para o
negro escravo simbolizava luta, preparação para um ideal de busca de uma terra prometida
que a utopia permite alcançar.
Representa uma sociedade sórdida onde a mãe negra não sabe se seu filho fará parte
do seu amanhã, pois teme por seu dono.
A luta abolicionista de Castro Alves permeia uma cultura arraigada de poderes,
elitizada, completamente estruturada num pensamento de subserviência. São poemas que
retratam o dualismo da busca pela liberdade e o encontro da escravidão. Entretanto vivemos
ainda uma sociedade escravocrata só que os instrumentos e métodos são outros, mas que não
deixam de imperar a luta por sobrevivência.
Considerações Finais
A história cultural incide sobre a investigação minuciosa de textos, imagens e ações
para discutir as representações constituídas pelos homens em sociedade através de práticas
culturais para dar sentido ao mundo, com ênfase na literatura, na arte, na antropologia e em
outras áreas do conhecimento como é abordado em Hunt (p.29).
Portanto, há possibilidades sim entre a nova história cultural e a literatura permitindo
análises do cotidiano nas cidades e em áreas de conhecimento partindo do eu, individualismo
ou da coletividade humana.
Permite a história cultural analisar os poemas de Castro Alves na busca pelo
abolicionismo de maneira de maneira original deparando com problemas significativos dando
a eles possibilidades de solução em uma sociedade elitizada e escravocrata. Entretanto, pode
ser ressaltado na obra de Costa (2006) em a ―Justiça e o abolicionismo na poesia de Castro
Alves‖ (p.190), que esta autora esteve atenta a essa especificidade cultural, cantando a
escravidão que já no século XX contribui para montagem de uma situação ―estranha‖ nos
padrões metropolitanos, determinando uma orquestração entre as forças sociais.
Ainda permitindo a obra de Costa (2006, p.191) é possível analisar que o projeto
literário ao propagar a literatura pauta em valores que excluía o negro como uma das raças
(miscigenação) da formação da sociedade brasileira.
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Contudo, permite-se definir que Castro Alves dentro do Romantismo e da sua
eloquência prenuncia gritos por uma liberdade numa época que a sociedade era extremamente
escravocrata e por muitas vezes considerado como o epígono do romantismo.
Referências
ALVES, Antônio de Castro. Os escravos. Porto Alegre: L&PM, 2007. 136 p.
COSTA, Cléria Botelho da. Justiça e abolicionismo da poesia de Castro Alves. Projeto
História, São Paulo, n. 33, p. 179-194, dez. 2006.
DUBY, Georges. História social e ideologias das sociedades. In: LE GOFF, Jacques;
DURNTON, Robert. Os desafios da nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes,
1992.
HUNT, Lynn (org.). A nova história cultural. Trad. Jefferson Luis Camargo. São Paulo:
Martins Fontes, 2006.
NORA, Pierre. Trad. Theo Santiago. Rio de Janeiro: F. Alves, 1988.
PROENÇA-FILHO, Domício. Estilos de época na literatura: através de textos
comentados. 5. ed. São Paulo: Ática, 1978.
THOMPSON, E. P. A formação da classe operária: a árvore da liberdade. 2. ed. Trad.
Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
WHITE, Hayden. Teoria literária e escrita da história. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.
7, n. 13, 1991, p. 21-48.
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REFLEXÕES DOS DIRECIONAMENTOS POLÍTICOS DA QUESTÃO AGRÁRIA
BRASILEIRA1
Eduardo Rozetti de Carvalho**
Resumo: Apresentamos o desenvolvimento da questão agrária brasileira com base em fontes
bibliográficas e documentais. Ao qual refletimos sobre a formação e o desenvolvimento da
propriedade privada da terra e sobre o processo de territorialização do capital no campo,
buscando elaborar um resgate das formas de resistência camponesa, apontando e buscando
refletir sobre os avanços da luta pela terra no país até o governo atual.
Palavras-chave: Questão Agrária, Movimentos Socioterritoriais, Conflitos no Campo.
Abstract: We present a description of the Brazilian agrarian question on the basis of
bibliographical sources and you register. Which we reflect on the formation and the
development of the private property of the land and on the process of territorialização of the
capital in the field, searching to elaborate a rescue of the resistance forms peasant, being
pointed and searching to reflect on the advances of the fight for the land in the country until
the current government.
Keyword: Agrarian question, Socioterritoriais Movements, Conflicts in the Field.
Considerações Inicias
Compreender a realidade e o processo histórico-social do desenvolvimento da Questão
Agrária Brasileira é importante por direcionar, a relação entre o processo de modernização do
campo, a influência desse na expropriação do camponês e a força existente do agronegócio
atualmente. Fatores, estes, primordiais para entender a dinâmica de ação e atuação também
dos movimentos socioterritoriais.
Dessa forma, para fundamentar esse estudo, buscamos conhecimentos específicos
sobre a evolução em diferentes períodos da questão agrária e da Reforma Agrária até o atual
governo, lançando mão de um arcabouço teórico e metodológico de autores clássicos e
recentes debates propostos no meio acadêmico.
1 Esse artigo é parte do trabalho monográfico do autor, intitulado ―A Luta pela Terra na Região do Triângulo
Mineiro/Alto Paranaíba: da criação dos movimentos socioterritoriais aos assentamentos rurais‖, defendida em
2007 na Universidade Federal de Uberlândia – MG.
**
Bacharel e Licenciado em Geografia, Mestre em Geografia, Técnico em Meio Ambiente.
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Esperamos que o estudo aqui desenvolvido venha a somar-se a outros produzidos
sobre a temática abordada, servindo também para a abertura de novos caminhos para outras
pesquisas.
A formação da propriedade privada da terra no Brasil
Até a chegada do europeu colonizador ao Brasil, a estrutura do território brasileiro
era composta por cerca de cinco milhões de indígenas, distribuídos em mais de duzentos
povos, que utilizavam a terra com caráter coletivo. Conforme a Coroa Portuguesa se
apropriou das terras brasileiras, a forma de distribuição destas áreas consistiu na concessão de
uso para aqueles que se dispusessem a explorá-la, com a prerrogativa de que os mesmos
tivessem recursos e condições para isso. Ela destinava enormes extensões de terra (as
sesmarias) a donatários que, em sua quase totalidade, eram membros da nobreza portuguesa
ou prestadores de serviço à Coroa. Assim, a estrutura fundiária do país inicia-se sob condições
de grande propriedade rural, no caso, o latifúndio.
Celso Furtado destaca que a ―formação da estrutura agrária brasileira atual iniciou-se
em decorrência do seu tipo de colonização, ligado ao capitalismo comercial. O Brasil é o
único país das Américas criado, desde o início, pelo capitalismo comercial sob a forma de
empresa agrícola‖ (FURTADO, 1973, p. 93). No que concerne ao problema de mão-de-obra
na Colônia, o mesmo foi parcialmente ―resolvido‖ por uns cem anos, pelo menos, com a
escravização de indígenas. Porém, em decorrência da resistência indígena à escravização, esta
foi sendo substituída, especialmente a partir do século XVII, pela escravização de africanos.
Agregada a esse processo, temos a dizimação da maior parte dos grupos indígenas.
Por volta de 1598, em torno de quinze mil africanos trabalhavam nas fazendas de
cana-de-açúcar. Conforme o quadro instaurado de que todos os escravos que chegavam ao
Brasil tornar-se-iam escravos, grande parte dos mesmos formou resistências, através da
construção de quilombos, criados por escravos fugidos das senzalas.
A Coroa Brasileira, com a Independência no ano de 1822, passou a ter o domínio da
enorme extensão de terras colonizadas por Portugal. Já em 1831, com a abdicação de Pedro I,
o Brasil ficou sob o governo de uma Regência, até 1840, com a coroação de Pedro II. Foi um
momento de grande agitação social e política, em que estavam em exercício as idéias liberais,
marcados por intensas revoltas populares como a Cabanagem, a Sabinada e a Balaiada. Entre
1840 e 1889, sob o reinado de Pedro II, houve uma relativa estabilidade política no país. Foi
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nesse período que a Coroa determinou a primeira legislação que tratava do processo de posse
da terra, assegurando, no entanto, um acesso restrito a esse processo e a conseqüente
permanência dos escravos libertos e dos pobres como trabalhadores das fazendas.
A primeira Lei de Terras (lei 601) foi promulgada por dom Pedro II, em 18 de
setembro de 1850. Essa lei determinava que a propriedade privada da terra só se constituiria
através da sua legalização nos cartórios, mediante certo pagamento em dinheiro para a Coroa.
Com a lei institucionaliza-se a propriedade privada da terra no Brasil, de forma a garantir a
permanência e a consolidação legal da concentração fundiária, uma vez que aqueles que
tinham recebido as sesmarias regularizaram suas posses, assegurando a continuidade de seu
domínio, enquanto os escravos libertos e os pobres, sem recursos para a regularização de
terras, permaneceram sem a oficialização de posse de seu principal meio de trabalho.
Em 1888, com a Lei Áurea, que regulamentava a abolição da escravatura, o governo
imperial criou as bases para a substituição da mão-de-obra escrava pela dos imigrantes
europeus, através dos processos de formação de núcleos de colonização implementados nesse
período, com o intuito de resolver o problema da mão-de-obra. O fim da escravidão, de
acordo com Furtado (1973), não alterou significativamente as bases da empresa agromercantil
e a situação submissa das comunidades camponesas, uma vez que,
[...] no caso brasileiro, a propriedade da terra foi utilizada para formar e moldar um certo
tipo de comunidade, que já nasce tutelada e a serviço dos objetivos da empresa
agromercantil. A formação dessas comunidades tuteladas preparou a empresa
agromercantil para prescindir da escravidão. (FURTADO, 1973, p. 102).
Com a instituição do trabalho livre, foi determinada uma outra relação social: a
venda da força de trabalho. Aliado a isso, de acordo com Martins, esse processo ―[...] revelou
também a contradição que separava os exploradores dos explorados. Sendo a terra a mediação
desse antagonismo, em torno dela passa a girar o confronto e o conflito de fazendeiros e
camponeses [...]‖ (MARTINS, 1981, p. 32). Estabeleceu-se portanto um intenso processo de
grilagem de terras e uma expropriação cada vez mais intensa daqueles que trabalhavam a
terra, que passam a tornar-se ―sem-terra‖. Consolidam-se os latifúndios, sob a base legal da
propriedade privada da terra.
Já no decorrer do século XIX, o país passou por momentos significativos de sua
história, sem qualquer alteração substantiva na estrutura agrária. Em 15 de novembro de 1889,
a proclamação da República representou o primeiro golpe militar da nossa história, que, além
de oficiais do Exército, contou com os grandes cafeicultores paulistas.
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A evolução da questão agrária da primeira República a 1980
A primeira República foi caracterizada por uma forte dominação da oligarquia
cafeeira, pelo aumento da área agrícola trabalhada e pelo fortalecimento da força de trabalho
imigrante na terra. Porém, a estrutura agrária manteve-se estática. Vários conflitos no campo
foram travados nesse período, como o banditismo. Todavia, as lutas pela terra propriamente
ditas, situadas especificamente entre o período da proclamação da República e 1930,
apresentavam um caráter marcadamente messiânico. O misticismo e o isolamento em relação
ao mundo urbano de seus territórios eram características desses movimentos.
Os movimentos mais importantes desse período, que envolveram milhares de
camponeses e somente foram derrotados pela brutal repressão das tropas federais, como em
Canudos e o Contestado, foram liderados, respectivamente, por Antônio Conselheiro e pelo
monge José Maria. Alguns anos mais tarde, o Tenentismo, também, se constituiu como um
movimento importante, que levantou a questão da concentração fundiária, ainda que de forma
não muito definida, e tinha como liderança Miguel Costa.
O modelo agroexportador, implementado a partir do início do século XX, desencadeou
no país uma crise resultante da sua incapacidade de sustentar o desenvolvimento brasileiro. A
crise resultou na chamada revolução de 1930, que implementou um novo modelo econômico
baseado na industrialização do país: liderada por Getúlio Vargas, a ―revolução de 30‖ dá um
impulso ao processo de industrialização, introduz a legislação trabalhista e dá ao Estado um
papel proeminente no processo econômico; mas não interfere na ordem agrária. Com o fim da
―era getulista‖ e frente ao processo de redemocratização do país, a elaboração da nova
Constituição, em 1946, garante à questão agrária uma ênfase cada vez maior.
A ausência de uma política de distribuição de terras gerava fortes conflitos sociais,
além da intensificação dos movimentos migratórios de camponeses pobres habitantes de
regiões muito povoadas que, impedidos de ter acesso à terra em suas regiões, migravam para
regiões de colonização, ocupando-as como posseiros, na esperança de terem no futuro a sua
propriedade. Disseminam-se, assim, também os conflitos, muitos deles violentos, envolvendo
posseiros e grileiros — que são aqueles que falsificam títulos de propriedade nos cartórios e
se atribuem o direito à propriedade da terra.
Surgem, entre a década de 1930 e meados da década de 1950, lutas radicais pela
terra, mas de forma predominantemente espontânea e localizada, ou seja, enquanto eventos
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relativamente isolados. Somente a partir da década de 1950 surgem, no Brasil, lutas mais
abrangentes, com forte caráter ideológico e de alcance nacional. Juntamente com o debate
sobre a reforma agrária, surgem novas formas de organização camponesa sob a forma das
ligas camponesas, dos sindicatos e das várias mobilizações baseadas, especificamente, na
questão da terra e da exploração do homem do campo.
O processo de modernização da agricultura brasileira inicia-se em 1950, com o
desenvolvimento intensivo do capitalismo no campo. Nesse mesmo momento, o debate
político e acadêmico se fortalecia, e o movimento camponês expressava suas lutas em todo o
território nacional. Nesse período, com o crescimento do mercado interno e da
industrialização, ocorre uma reestruturação econômica, levando, em contrapartida, a um
amplo processo de expropriações e expulsões.
As ligas camponesas constituíram um amplo processo de mobilização e resistência
organizada dos camponeses, que trouxe à tona a discussão da questão agrária e da reforma
agrária em todo o país. Partidos políticos e entidades como o Partido Comunista Brasileiro
(PCB) e a igreja católica, também, estiveram efetivamente organizados entre os trabalhadores
rurais a partir de 1950 e 1960.
Outro movimento importante no período foi o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-terra (MASTER), no Rio Grande do Sul, entre os anos de 1960 e 1964. Nasceu de lutas
pela terra no estado, através de lideranças envolvidas na luta pela reforma agrária, sobretudo
ligadas ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O MASTER, ainda que influenciado pelas
ligas, tinha uma proposta de reforma agrária diferente: ―[...] a diferença básica era que as ligas
propunham a reforma agrária através da luta revolucionária, enquanto o MASTER queria
fazê-la de forma pacífica através de formas legais de luta e organização‖ (POLI, 1999, p. 48).
A Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) surgiu em dezembro
de 1963, a partir de um acordo entre as duas instituições, que formaram uma lista única com
candidatos de ambas, depois de um longo processo de negociação. ―A CONTAG representou
a institucionalização das associações de trabalhadores rurais e a sua vinculação ao Estado,
desembocando num enfraquecimento do movimento camponês‖ (FERNANDES, 2000, p. 16).
O golpe militar de 1964 tratou de empreender uma violenta repressão contra os
movimentos de luta pela terra, ou melhor, os movimentos que visassem a alguma
transformação social. Estabeleceu-se a militarização da questão agrária, na qual lideranças
camponesas foram presas, exiladas ou assassinadas; as organizações de trabalhadores rurais
foram fechadas, ou alguns sindicatos que restaram adotaram políticas apenas assistencialistas.
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No final do ano de 1964, é sancionada a lei 4.504, que dispõe sobre o Estatuto da
Terra e dá outras providências, incorporando, de forma separada, medidas de reforma agrária
e medidas de política agrícola. Criaram-se, então, dois órgãos distintos: o Instituto Brasileiro
de Reforma Agrária (IBRA), para cuidar da reforma agrária, e o Instituto Nacional de
Desenvolvimento Agrário (INDA), para executar a política de desenvolvimento rural. O
Estatuto da Terra, aprovado no primeiro ano do regime militar e símbolo da correlação de
forças existentes à época, representava, em termos legais, um avanço sem precedentes no que
se refere às leis agrárias. Porém, em termos práticos, ele não foi tão eficiente.
Dentre esses programas, temos: o Programa de Integração Nacional (PIN), de 1970; o
Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste
(PROTERRA), de 1971; o Programa Especial para o Vale do São Francisco (PROVALE), de
1972; o Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (POLAMAZÔNIA),
de 1974; o Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste
(POLONORDESTE), de 1974, e outros.
O período militar foi marcado por um fortalecimento das oligarquias rurais e pela
expulsão de trabalhadores das propriedades em função do barateamento de outras formas de
utilização do trabalho assalariado, como o dos trabalhadores volantes, e da intensificação do
uso da tecnologia em substituição ao trabalho humano. De acordo com Castro, ―[...] o
desenvolvimento industrial do Brasil foi diferente dos casos clássicos europeus, em que a
indústria surgia como um complemento das atividades do campo‖ (CASTRO, 1979, p. 38).
Aqui, as indústrias nasceram e expandiram-se de forma mais desvinculada do setor
agropecuário.
As questões agrária e agrícola a partir dos anos de 1980
A partir dos anos de 1980, a questão agrária ganha uma nova identidade, marcada pelo
crescimento da força dos movimentos sociais camponeses ou socioterritoriais, mesmo pela
resistência dos latifundiários e de seus representantes políticos. O debate renasce sob a
predominância do capitalismo nas relações sociais, questão polêmica nas décadas anteriores.
Pois, de maneira geral, as décadas de 1980 e 1990 marcam o aprofundamento de uma série de
tendências que vinham sendo delineadas, desde o término do período militar, e que são
passíveis de compreensão tendo em vista as novas situações impostas pelo processo de
globalização e pela hegemonia neoliberal.
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A chamada Revolução Verde definiu os rumos da nossa modernização agrícola,
alterou significativamente as bases econômicas e sociotécnicas da agricultura mundial. Tida
como possível solução dos problemas da fome, a Revolução Verde trouxe um agravamento
das desigualdades e da dependência tecnológica entre os países, além de acentuar a
deterioração do meio ambiente. Ela acentuou o interesse dos grandes proprietários pela
exploração direta e pela intensa mecanização, com a consequente expulsão de trabalhadores
rurais, parceiros e arrendatários. Está claro que, nesse processo, tem-se a necessidade de
maior flexibilidade, de investimento constante de novas tecnologias e de maior mobilidade de
capital.
Vinculando-se a esse processo global observam-se novas tendências desencadeadas
pelo processo acelerado de modernização da agricultura brasileira, como o aprofundamento
de uma integração entre os capitais, representado pela consolidação dos Complexos
Agroindustriais (CAI‘s). A constituição dos CAI‘s faz com que o processo de produzir ligado
à agricultura torne-se cada vez mais dependente da produção de outros setores da economia.
Esse padrão mais recente de desenvolvimento da agricultura é marcado profundamente pelo
processo conhecido como territorialização do capital, em que a penetração do capital
financeiro, no setor agropecuário, atribui um novo caráter à propriedade fundiária.
Vinculados a esse padrão, temos novos esquemas de integração baseados na
flexibilização, que têm, como importantes estratégias, a terceirização e a formação de
parcerias, numa tentativa de redução de custos e acúmulo de forças num cenário de
competição internacional. Todo esse processo de reestruturação agrícola traduz-se no
acirramento das contradições engendradas pelo desenvolvimento capitalista, expresso — nos
termos utilizados por Oliveira (2004) — pelas duas faces da modernidade no campo: o
agronegócio e a barbárie.
O agronegócio simboliza a mundialização da economia brasileira. Pois, para Oliveira,
o ―Agronegócio é sinônimo de produção para o mundo. Para o mercado mundial o país
exportou: papel e celulose, carnes; o complexo soja como gostam de nomeá-lo; madeira e
suas obras; sucos de frutas; algodão e fibras têxteis vegetais; frutas, hortaliças e preparações.‖
(OLIVEIRA, 2004, p. 13). Além disso, como apresenta Graziano da Silva, em 1980, ―[...] a
força com que a questão agrária brasileira ressurge [...] do fato de que ela vem sendo agravada
pelo modo como têm se expandido as relações capitalistas de produção no campo [...]‖
(SILVA, 1980, p. 11).
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Os governos democráticos do pós-regime militar e a reforma agrária
A situação agrária no pós-regime militar, com o aumento da violência no campo, da
concentração fundiária e da pobreza rural, ainda proporcionava condições para a realização de
uma reforma agrária, menos no campo institucional. Esse cenário é caracterizado mediante a
presença de proprietários de terras nos poderes Executivo e Legislativo, constituídos por
bancadas ruralistas. O Poder Judiciário sofre prejuízos na formação em direito agrário, uma
vez que está ligado, tradicionalmente, ao conservadorismo e ao poder local. As Forças
Armadas e Militares, por conseguinte, mantêm seu posicionamento de guardiãs da segurança
da propriedade privada e do processo fundiário. Para os governos que vieram depois do
período militar, a reforma agrária somente esteve presente nos programas de gestão.
Em 1985, com a posse do presidente civil José Sarney, cria-se o Ministério da
Reforma e do Desenvolvimento Agrário (MIRAD), ao qual passa a se subordinar o INCRA.
Esse ministério desenvolve o chamado ―Primeiro plano nacional de reforma agrária da nova
República‖ (1o PNRA). Mas o 1
o PNRA, porém, não foi o primeiro da história do Brasil, pois
já haviam sido decretados, ao menos, outros dois com o mesmo nome: o PNRA de 1966 e o
PNRA de 1968 — ambos enfatizando a tributação e a colonização, sem realizar nenhuma
ação próxima a uma verdadeira reforma agrária.
O 1o PNRA foi o que teve maior destaque:
A grande diferença com planos anteriores é que este escolheu a ―desapropriação por
interesse social‖ como instrumento principal a ser usado no processo de reforma agrária.
Este instrumento, previsto na nossa Constituição, dá ao Estado o direito não só de
desapropriar terras que não estejam cumprindo a sua função social, como também de
indenizar o valor dessas terras em TDA (Títulos da Dívida Agrária), pagando em dinheiro
tão-somente as benfeitorias. (SILVA, 1985, p. 76).
O 1o PNRA foi elaborado com base no Estatuto da Terra, que estabelece que a reforma
agrária ―[...] será realizada por meio de planos periódicos, nacionais e regionais, com prazos e
objetivos determinados, de acordo com projetos específicos‖ (PINHEIRO, 1999, p. 16). Seu
objetivo geral era descrito como sendo o de alterar a estrutura fundiária do país, de forma a
eliminar tanto o latifúndio quanto o minifúndio, assegurando a realização socioeconômica do
trabalhador rural. As metas do PNRA apontam um contingente de 10,6 milhões de
trabalhadores rurais sem terra ou com pouca terra. Somente nos primeiros cinco anos, as
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metas do PNRA eram de assentar 1 milhão e 400 mil famílias. Entretanto, após cinco anos de
desenvolvimento do plano, foram assentadas apenas 90 mil famílias, 6% da meta original.
O governo Collor (1990–92) apresentou, como proposta, o assentamento de 500 mil
famílias, porém assentou apenas cerca de 30 mil famílias, mediante sua política de
desmantelamento da administração pública — principalmente o INCRA — e duras repressões
aos movimentos de luta pela terra através do uso da força policial. Já o governo Itamar (1992–
94) chegou a aprovar um programa emergencial para o ―assentamento de 80 mil famílias, das
quais, entretanto, apenas 23 mil foram atendidas com a implantação de 152 projetos numa
área de 1.228.999 hectares‖ (PINTO, 1995, p. 76).
Em 1993, foi aprovada a Lei Agrária, que reclassificou as propriedades de terra no
Brasil em pequenas propriedades (até cinco módulos), médias propriedades (entre cinco e
quinze módulos) e grandes propriedades (maiores que quinze módulos), sendo que o módulo
rural representa tamanho mínimo de terra que uma família necessita para seu sustento e
progresso, mesmo ela sendo diferente de acordo com a Unidade da Federação.
A Lei Agrária colocou como imóveis passíveis de desapropriação todos aqueles que
não cumprirem a função social, exceto a pequena e a média propriedade, desde que seu
proprietário não possua outra. Em outras palavras, seriam ―sacrificadas‖ apenas as grandes
propriedades que não atingissem determinado grau de produtividade e, também, sua ―função
social‖. Mesmo assim, a Lei Agrária de 1993 ainda vem servindo, na falta de dispositivos
legais mais atuais, de embasamento jurídico relevante para a conquista de desapropriações de
terras.
O governo FHC na questão da reforma agrária
O governo de Fernando Henrique Cardoso (1994–2002) se caracterizou por ser um
governo neoliberal na implementação da política econômica. Em geral, o governo FHC
inaugurou a política agrária denominada ―Novo mundo rural‖, centrada em três questões de
acordo com premissas regidas pelo Banco Mundial: o assentamento de famílias enquanto uma
política social compensatória; a ―estadualização‖ das ações dos projetos de assentamento,
repassando responsabilidades inerentes à União para estados e municípios; e a substituição do
instrumento constitucional de desapropriação pela propaganda do ―mercado de terras‖.
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Essa política foi executada com apoio financeiro do Banco Mundial, contrariando o
preceito legal que determina a desapropriação como principal instrumento de obtenção de
terras improdutivas; sendo que o modelo do Banco Mundial promove a privatização do
território através das regras do mercado. Partindo dessa concepção, os camponeses devem
buscar maior ―eficiência‖, através de sua integração ao agronegócio — fator de contrariedade
aos princípios de luta pela terra.
Stédile destaca que ―foi através do modelo de produção agrícola implementado no
governo de FHC que [...] as grandes empresas internacionais e financeiras chegaram na
agricultura e tomaram conta do nosso comércio agrícola‖ (STÉDILE, 2003, p. 5). Pois, a
atividade agrícola era voltada para a promoção das exportações, com apoio diferencial para
aqueles produtos com melhor mercado internacional e um relativo apoio efetivo à agricultura
familiar, demonstrado através das linhas de crédito subsidiadas do governo.
Essa política do governo FHC acarretou dificuldades ao processo de reforma agrária,
mesmo ela sendo colocada como prioridade em seu plano de ação desde seu primeiro
mandato. As áreas selecionadas para a reforma agrária eram, em sua maioria, ambientes de
conflito e luta pela terra, nas quais os trabalhadores se organizavam em movimentos sociais.
Das 62.044 famílias assentadas, 45.471 estavam em áreas de conflito [...]. Dessas famílias
assentadas em áreas de conflito, 27.453 eram posseiros e 18.018, acampados — grupos de
pessoas que não têm acesso à terra e permanecem dentro de uma propriedade rural ou em
suas redondezas, à beira das estradas, em situação provisória e precária, mas organizados
pelos movimentos sociais e vivendo de forma coletiva. (BRASIL, 1997, p. 03).
Por pressões exercidas pelas entidades representativas dos trabalhadores rurais e dos
movimentos sociais, o governo federal instituiu o Gabinete do Ministro Extraordinário de
Política Fundiária, que transformou-se em Ministério do Desenvolvimento Agrário. Foram
criados, também, três programas centrais que, de acordo com os documentos oficiais, visavam
garantir a sobrevivência da pequena agricultura. São eles: o Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF); o Programa de Geração de Emprego e
Renda Rural (PROGER RURAL); e a Previdência Rural. Programas que buscaram
implementar o reconhecimento da relevância dos pequenos agricultores para o
desenvolvimento do campo e criar uma série de medidas para tratar da questão agrária.
De acordo com Fernandes:
[...] essas políticas têm o capital e o mercado como principais referências, de modo que
procura[m] destituir de sentido as formas históricas de luta dos trabalhadores. A luta pela
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terra, que tem como princípio o enfrentamento ao capital, defronta-se com esse programa,
por meio do qual pretende convencer os pequenos agricultores e os sem-terra a aceitarem
uma política em que a integração ao capital seria a melhor forma de amenizar os efeitos
da questão agrária. (FERNANDES, 2001, p. 21).
Em março de 1999, o governo federal lançou o documento ―Agricultura familiar,
reforma agrária e desenvolvimento local para um novo mundo rural‖. Alentejano aponta que
―[...] com esse documento o governo mantém os moldes tradicionais do padrão tecnológico da
Revolução Verde [que] permanecem nos projetos governamentais, inclusive para os
agricultores familiares que forem incluídos no programa‖ (ALENTEJANO, 2000, p. 09).
Além disso, as propostas de modernização apresentadas no documento voltam-se para aquela
parcela de agricultores familiares considerados em situação intermediária.
Como exemplo disso têm-se os programas Cédula da Terra, Banco da Terra, Crédito
Fundiário e Programa de Consolidação de Assentamentos, difundidos principalmente no
início do segundo mandato de FHC. Esses programas eram um mecanismo de compra e venda
de terras para fins de reforma agrária. No entanto, seu processo de arrecadação de terras e
seleção das famílias era descentralizado, ficando a cargo dos municípios, fortalecendo o poder
das elites locais e dificultando a pressão popular.
Esses programas apresentaram os seguintes problemas: aumento do valor da terra e
pagamento à vista como forma de premiar o latifúndio (a existência de um fundo de terras
inflacionou o mercado); inviabilidade econômica, impossibilidade do pagamento dos
empréstimos e endividamento dos trabalhadores rurais; as áreas adquiridas, muitas de má
qualidade, não reuniram condições de permitir a geração de renda suficiente para o
pagamento da dívida; aquisição de terras sem registro e improdutivas, portanto aptas ao
programa de reforma agrária; a compra da terra é feita por associações de trabalhadores, sem
autonomia na escolha das áreas; essas associações, muitas vezes, são organizadas pelos
próprios latifundiários e políticos locais; condições precárias de sobrevivência e abandono das
áreas; ao invés de aliviar a pobreza, a situação financeira dos participantes no programa se
agravou; denúncias de corrupção envolvendo administrações municipais, políticos e
sindicatos que teriam sido favorecidos nas transações de compra e venda de terras.
De forma geral, em seu segundo mandato, o governo FHC adotou uma política de
enfrentamento dos movimentos sociais rurais, através de leis que criminalizaram das
ocupações de terras. Além disso, boa parte dos assentamentos rurais criados foram frutos de
um processo de regularização fundiária, ou seja, ―[...] não se trata de desapropriação de terras
para assentar pessoas que não tenham acesso a esta, mas concessão de títulos para posseiros
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que há muito ocupavam tais áreas‖ (ALENTEJANO, 2002, p. 02). Ainda como destaca
Stédile, ―[...] a questão agrária torna-se ainda mais urgente, baseado em dados do INCRA, a
política adotada configurou-se num processo implementado na ―contramão‖ de uma real
reforma agrária‖ (STÉDILE, 2003, p. 19).
O governo Lula na questão da reforma agrária
A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2002 trouxe novos contornos
para o debate acerca da questão agrária no país. Porém, o primeiro ano do governo Lula —
2003 — não significou grandes avanços na questão agrária no Brasil, pois o orçamento
destinado para 2003 não foi maior que o de 2002, impossibilitando o necessário re-
aparelhamento do INCRA e o assentamento de um maior número de famílias.
O INCRA, durante o ano de 2003, construiu um conjunto de políticas para atender os
assentados em estado de precarização. Iniciou-se a elaboração de uma política de assistência
técnica; foi retomada a política de educação para os assentados e, juntamente com o
Ministério do Desenvolvimento Agrário, formou-se uma equipe de especialistas para a
elaboração do II Plano Nacional de Reforma Agrária. Pois ―[...] o II PNRA vai além da
garantia do acesso à terra. Prevê ações para que estes homens e mulheres possam produzir,
gerar renda e ter acesso aos demais direitos fundamentais, como Saúde e Educação, Energia e
Saneamento‖ (BRASIL, 2003, p. 5).
Entre as metas expostas pelo II PNRA, destacam-se:
META 1: 400.000 novas famílias assentadas;
META 2: 500.000 famílias com posses regularizadas;
META 3: 150.000 famílias beneficiadas pelo crédito fundiário;
META 4: recuperar a capacidade produtiva e a viabilidade econômica dos
atuais assentamentos;
META 5: criar 2.075 mil novos postos permanentes de trabalho.
Como destaca Fernandes,
Os primeiros oito meses de 2003, o INCRA tratou os conflitos fundiários como
problema a ser resolvido com a implantação de uma política de reforma agrária.
Desse modo, procurou solucionar os conflitos por meio do diálogo e da busca de
soluções, procurando romper com as medidas repressivas criadas pelo governo
FHC. (FERNANDES, 2003, p. 08)
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Nesse sentido, surgem desafios a serem superados para os anos de governo de Lula.
Entre eles, o de conceber a reforma agrária como política de desenvolvimento territorial, e
não como política compensatória, no que diz respeito a desconcentrar a estrutura fundiária, o
que nunca aconteceu na história do Brasil. Todos os governos anteriores conceberam a
reforma agrária como política compensatória, por meio da pressão dos movimentos sociais de
luta pela terra, resultando em assentamentos distribuídos espacialmente no país. Visto que
assentamentos isolados possuem maiores dificuldades de organização, desenvolvimento e
manutenção. Com relação ao aparato legal criado na gestão FHC — como a medida
provisória que impede vistorias em terras ocupadas —, o governo de Lula evitou adotar uma
postura tão firme, não utilizando a lei da criminalização das ocupações de terras.
Em 2004, o Estado investiu em políticas no campo, mas a reforma agrária não
deslanchou, uma vez que foram ampliados os recursos para os programas de auxílio e crédito
a famílias que desenvolviam a agricultura familiar, com ênfase nas assentadas, mas não foram
concretizadas as propostas do Plano Nacional de Reforma Agrária. Esta previa um milhão de
famílias assentadas em quatro anos inicialmente, o que, no final, foi reduzido à meta de 520
mil famílias, mostrando assim a fragilidade e os problemas que o governo enfrentava para pôr
em prática a reforma agrária.
Devemos ressaltar, também, que o orçamento da reforma agrária em 2005 foi de R$
3,339 bilhões, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), dos quais
foram executados R$ 2,884 bilhões (86,39%), até o início de 2006. Caso esses recursos
pudessem ser remanejados e utilizados nos projetos de assentamentos, que custam em média
cerca de R$ 20 mil por família assentada, poderiam beneficiar aproximadamente 23 mil
famílias. Logo, fica uma desconfiança sobre o real objetivo da reforma agrária, sendo que os
recursos foram dispostos para isso, mas não utilizados. Mesmo assim, expectativas são criadas
para o segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (2007–2010).
No geral, ocorre uma avaliação pessimista do primeiro mandato de Lula, tendo em
vista que o governo adota, de acordo com os movimentos sociais, os mesmos mecanismos e
conceitos do governo FHC. Prevalecendo o número de famílias que tiveram acesso à terra
sem levar em consideração o processo de desapropriação, obtenção da terra e até mesmo a
qualidade dos assentamentos. Sendo uma surpresa que o governo Lula siga tal conceito,
mediante as críticas feitas, durante o governo FHC, pelo partido dos Trabalhadores (PT) e
seus parlamentares à política do cumprimento de metas a todo custo e com o processo de
regularização fundiária e reposição de lotes vagos em assentamentos existentes.
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O que é evidente para o desenvolvimento da reforma agrária de 2007 a 2010 é que ela
terá um foco fundamental, conforme é destacado no plano de governo 2007–2010 de Lula,
traçando os seguintes princípios:
[...] Promover o desenvolvimento da agricultura nacional com ampliação da renda
e cidadania no campo, gerando um ambiente de produção e trabalho que garanta
ampliação da renda agrícola, oferta adequada de alimentos e geração de divisas,
com preservação dos recursos ambientais. [...] Dar continuidade ao Plano
Nacional de Reforma Agrária, mantendo a prioridade de implantar assentamentos
com qualidade, recuperar os assentamentos existentes, regularizar o crédito
fundiário, tornando a Reforma Agrária ampla, massiva e de qualidade. [...]
(PARTIDO DOS TRABALHADORES, 2006, p. 15).
São criadas, então, expectativas e possibilidades para o desenvolvimento do segundo
mandato de Lula, com o objetivo de integrar e conciliar reforma agrária de qualidade, apoio à
agricultura familiar e incentivo ao desenvolvimento do agronegócio, fatores muitas vezes
confrontantes.
Considerações Finais
Observamos que a formação da propriedade privada de terra no Brasil, começou com a
colonização portuguesa através da implantação das sesmarias, iniciando a concentração
fundiária, que se estendeu pela primeira república, pelo período militar, pelos primeiros
governos democráticos, pós regime militar, vindo a se manter nos governos mais recentes de
Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo sendo adotadas políticas
diferenciadas por esses governos.
Do período recente, no que concerne a questão agrária, constatamos que o primeiro
mandato de FHC, no que tange a reforma agrária, foi marcado pela tentativa de relação com
os movimentos, demonstrando a quantidade de assentamentos desenvolvidos naquela gestão.
Porém, lembramos que a grande parte desses assentamentos, ditos criados eram de gestões
anteriores a essa. Em seu segundo mandato, FHC promoveu o desenvolvimento de ações de
criminalização da luta pela terra, com empecilhos legais para o desenvolvimento das
ocupações, fator de revolta dos movimentos para com o governo.
O primeiro ano do mandato do governo Lula foi marcado pelo inicial apoio dos
movimentos de luta pela terra, que viram apenas a tentativa de adequação da política para a
criação de novos assentamentos. Os anos seguintes foram marcados pela retomada, ainda
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maior, das ocupações de terras, mas com o desenvolvimento relativamente maior de
assentamentos de reforma agrária, por parte do governo.
Mesmo com a ―política‖ agrária, a problemática é mantida, mediante o elevado e
crescente número de famílias nas ocupações e baixo número de assentamentos rurais
desenvolvidos. Deixamos então esse trabalho como colaboração para, quem sabe, possível
desenvolvimento de políticas que tendam a sanar a problemática da questão agrária, através
da tão sonhada reforma agrária.
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A CRISE AMBIENTAL CONTEMPORÂNEA E A CRISE DE CONSENSO
Nágila Valinhas de Castro e Souza*
Ivani Bueno Oliveira**
Resumo: As ações humanas sempre foram guiadas pelas crenças ou cultura e foram
determinantes na conservação ou destruição da natureza. A partir do século XVIII, com a
expansão do capitalismo e com a revolução industrial, passaram a existir novos agravantes
que se aliaram às questões capitais, como a ciência, o crescimento demográfico e o
individualismo que provocaram uma aceleração na exploração dos recursos naturais.
Palavras – chave: Crescimento demográfico, capitalismo, cultura.
Abstract : The human actions were always guided by the faiths or culture, that were decisive
in the conservation or destruction of the nature. Starting from the century XVIII with the
irradiation of the capitalism with the industrial revolution, started new added difficulties that
allied the capital subjects to exist, as the science, demographic growth and the individualism
that provoked an acceleration in the exploration of the natural resources.
Key words: demographic Growth, capitalism, culture.
O presente artigo tem por escopo analisar a questão da degradação da natureza no
planeta, focando questões culturais, econômicas e demográficas que se apresentam com
multifaces responsáveis pelas causas de descaso, degradação e exploração da natureza.
Devemos, assim, mencionar que as populações, desde a antiguidade, estabeleceram relações
muito próximas com a natureza por necessidade de atribuir a ela o papel de " mãe" e fonte de
vida sobre a Terra. Assim sendo, notamos que essas relações ao longo dos tempos foram se
transformando, foram tomando novos rumos que levaram o homem a observar e considerar a
natureza com propósitos diferentes, procurando mais servir-se dela, do que servi-la ou adorá-
la.
Deste modo, faz-se necessária uma nova miragem sobre a conduta humana,
considerando as atuais conseqüências que apontam no horizonte do planeta e começam a
afetar todos os países de forma ainda branda. Esses efeitos em muito se devem ao que
* Mestre em educação, cultura e organizações sociais pela UEMG-FUNEDI, graduada em Direito pela UEMG-
NIPAM. Professora no curso de Direito da Faculdade FINOM.
**
Mestre em educação, cultura e organizações sociais pela UEMG-FUNEDI, graduado em geografia pela
FACIC.
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denominamos ―evolução e crescimento‖, que levou a humanidade a acreditar no domínio
incondicional da natureza por meio da ciência e crescimento sem limites.
Falar de questões ligadas à natureza e sua preservação torna-se tema delicado, ao
passo que envolve, de um lado, os interesses econômicos e de outro, interesses ligadas à
preservação da vida e dos ecossistemas do planeta. É também considerável pensar que a
exploração e destruição dos ambientes naturais não acontecem simplesmente pela
multiplicação do dinheiro, mas também por fatores como o crescimento populacional e as
questões culturais que se aliam e influenciam fortemente essas ações.
Assim, pensar num planeta que possa oferecer melhores condições de vida, sem
desastres ecológicos, escassez de água e fome, implica ou implicará fazer alguns sacrifícios
ou abrir mão de algumas comodidades, quebrar conceitos e regras para que se possa formar
uma sociedade com base em novos paradigmas, onde cada individuo seja capaz de se sentir de
fato, parte de uma sociedade responsável por cada ser que habite o planeta.
Quando falamos de sociedade, imaginamos um grande número de pessoas as quais não
conhecemos e nem vemos seus rostos e, por conseguinte, costumamos atribuir a elas toda a
responsabilidade por danos ou fatos de grande repercussão. De certa forma, sabemos o que é
uma sociedade, mas não nos colocamos dentro dela, não nos imputamos certas
responsabilidades, pois costumamos atribuir e achar que ―a sociedade‖ irá consertar os erros
cometidos até aqui e encontrar no futuro, por si mesma, soluções para os problemas que nos
afligem no presente. Dessa forma, seguimos rumo a um futuro em que o cidadão julga a
sociedade sem julgar a si mesmo dentro dela.
A sociedade humana funciona, ou deveria funcionar, como uma sociedade
empresarial, onde todos somos sócio-responsáveis e donos de um planeta que, de um modo
capitalista, poderíamos considerá-lo nossa empresa, ou nossa casa. Numa empresa, o ato de
cada sócio ou individuo vai refletir positivamente ou negativamente na vida e na comodidade
de todo o conjunto de sócios, incluindo como prejudicado ou beneficiado o autor dos atos que,
por mais privilegiado que seja, acabará se deparando com os efeitos de suas ações – caso dos
países ricos e pobres que mais cedo ou mais tarde irão pagar as conseqüências,
independentemente do seu grau de culpa.
É possível que muitas pessoas ainda não tenham noção exata do que seja de fato uma
sociedade, apesar de sermos parte dela e muitas vezes nos colocarmos fora dela e agirmos
sem nos dar conta do quanto somos responsáveis, e recebemos os benefícios e malefícios
causados por nossas ações e omissões. Tal fato se aplica também à empresa que administra
bem seus recursos e procura mudar as regras e táticas de atuação de acordo com as condições
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oferecidas pelo mercado – que no nosso caso seria o planeta em que vivemos, o nosso campo
de atuação, onde existe o momento de investir mais, recuar ou acelerar a produção colocando
mais ou menos funcionários a postos – como a questão da superpopulação atual.
É possível observar que o mundo contemporâneo está ainda relutante aos sacrifícios
necessários para estabelecer e cumprir metas necessárias para salvar o planeta da iminente
destruição causada pelas nossas ações ao longo de séculos de exploração. Essa relutância está
em assumir de fato as culpas pelos erros cometidos - porque os acertos todos se candidatam a
autores - e promover uma política aberta que envolva toda a sociedade planetária no
cumprimento de ações necessárias ao salvamento do planeta, onde todos se dispam de
questões culturais e econômicas na busca de uma solução que dize respeito a todos os
moradores ou administradores: uma única casa ou empresa – o planeta terra.
As relutâncias não se observam somente por questões econômicas ou culturais, ou
ainda por parte somente dos países ricos, mas também pelos países pobres que, se não
contribuíram com a poluição industrial, tiveram sua contribuição ligada ao grande aumento de
suas populações, o que também provoca grandes impactos sobre a natureza, no que tange a
questões ligadas ao consumo dos recursos naturais. Anthony Giddens, menciona que se não
houver uma limitação no consumo global de matérias primas, estaremos na iminência de
exaustão de nossos recursos naturais, uma vez que grande parte de terras selvagens e aráveis
são ocupadas por benfeitorias necessárias para a vida humana.
Praticamente toda a terra cultivável é utilizada para a produção agrícola. Lugares que
antigamente eram selvas quase inacessíveis agora muitas vezes são reservas naturais,
visitadas rotineiramente por milhares de turistas. A indústria moderna, que ainda se
expande mundialmente, provocou uma disparada de demandas de fontes energéticas e de
matérias-primas. Porém, a oferta mundial dessas fontes energéticas e de matérias-primas
é limitada e alguns recursos essenciais certamente se esgotarão, caso não haja uma
limitação no consumo global. (GIDDENS, 2005, p.485)
Apesar de o grande foco estar nos impactos causados pelas questões econômicas,
ligadas aos países mais industrializadas, que são os grandes poluidores e que estariam
obrigados a diminuírem o lançamento de poluentes na atmosfera, estes teriam, por
conseqüência, a maior parcela de culpa pelo grande consumo de recursos naturais por pessoa
no planeta. Em contrapartida os países industrializados encontram refúgio em regras aceitas
pelos países em desenvolvimento, que ficam sedentos por benefícios vindos desses países,
como por exemplo, valores dos créditos de carbono ou empresas altamente poluidoras
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exportadas para seus terrenos, que darão sustento aos seus enormes batalhões de
desempregados.
Na busca de soluções e estratégias que possam salvar o planeta dos efeitos das ações
antrópicas realizadas ao longo dos últimos séculos, os encontros e fóruns se detêm ante os
interesses políticos, culturais e econômicos que acabam por anular as propostas de maiores
expressões na busca de uma solução para a situação.
O problema se agrava ao passo que cada governo, alegando motivos de necessidade de
crescimento da produção, tende a não frear o avanço, tanto econômico como populacional,
fatores que dificultam a aprovação de propostas concretas que possam galgar uma tentativa de
encontrar uma resposta científica para indicar um caminho capaz de conduzir a atual
conjectura econômica, política e social de todo o planeta a uma situação de sustentabilidade,
ou seja, continuar produzindo e crescendo economicamente de forma sustentável.
As discussões em fóruns e congressos têm demonstrado que os governos tentam
encontrar caminhos, desde que estes não conduzam a ações que visem diminuir o atual
crescimento econômico e populacional que, em teoria, para muitos, seria um retrocesso da
humanidade. Para outros poucos seria uma atitude inteligente e de vital importância para a
sobrevivência do planeta, uma vez que a população atual já supera em 30% a capacidade de
sustentabilidade do planeta.
Hobsbawm, por exemplo, sustenta um posicionamento contrário a uma proposta de
crescimento zero como forma de retrocesso humano.
Propostas como um mundo de crescimento zero, para não falar de fantasias como o
retorno à suposta simbiose primitiva entre homem e natureza, embora radicais são
completamente impraticáveis. O crescimento zero nas condições existentes plasmaria as
atuais desigualdades entre os países do mundo, uma situação mais tolerável para habitante
médio da Suíça do que para o habitante médio da Índia. Não por acaso o principal apoio
para as políticas ecológicas vem dos países ricos e das confortáveis classes rica e média
em todos os países (com exceção dos homens de negócio que esperam ganhar dinheiro
com atividades poluentes). Os pobres multiplicando-se e subempregados, queriam mais
―desenvolvimento‖ e não menos. (HOBSBAWM, 1995, p.548)
Outros fatores que podem ser considerados agravantes dizem respeito à grande
longevidade que as populações estão conseguindo atingir. Se por um lado representa uma boa
notícia, por outro os governos se tornam preocupados e desejosos do aumento da taxa de
natalidade que possa colocar na ativa, força jovem capaz de impulsionar a economia e
sustentar os fundos previdenciários, principalmente em países ricos.
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Um outro lado da moeda é a questão do superpovoamento, uma vez que a taxa de
mortalidade tanto infantil, quanto de idosos tem caído em praticamente todo o planeta, fator
que tende a aumentar a pressão sobre os recursos naturais, inchaço nos meios urbanos e
tornar-se um grande problema para os países desenvolvidos e em desenvolvimento. Se para os
países desenvolvidos é a quantidade de idosos versos a quantidade de jovens que preocupa,
para os países em desenvolvimento é a grande massa de jovens desempregados, miseráveis e
sem educação que se torna alvo das preocupações, como é o caso da maioria das populações
da África.
A iminente catástrofe mundial que desponta no horizonte já está afetando países ricos
e pobres, que continuam a insistir em barganhas políticas intermináveis para solucionarem a
questão. Um exemplo disse é, se um país em desenvolvimento vai manter suas matas de pé,
ele as mantêm não por questão de sobrevivência e preservação e sim por uma troca em moeda
representada pelos chamados ―créditos de carbono‖ que são pagos pelos países
industrializados. Esse fato talvez possa contribuir de certa forma, para que os países
industrializados se sintam mais à vontade para continuarem poluindo, uma vez que, ao
pagarem os créditos carbono, atribuem a responsabilidade ou a dividem com os países pobres
sob pagamento em moeda.
Assim, a resposta mais eficiente continua sendo a financeira; abre-se mão de algo e se
pede uma compensação em dinheiro para contrabalançar por outro lado, fator que
incrementado com a atual competição econômica e o desejo de crescimento incessante, faz
com que se forme um círculo capitalista vicioso incapaz de frear suas engrenagens sob pena
de sucumbência ou catástrofe econômica.
Dessa forma os países industrializados relutam em frear suas máquinas geradoras de
riquezas e com elas criam a necessidade de novos indivíduos que somem esforços a outros
para promoverem a continuidade do crescimento. Os países em desenvolvimento por sua vez,
tentam entrar no ciclo de crescimento dos países industrializados e com isso redobram do
planeta um suporte natural cada vez maior para suprir estas novas demandas de energias e
disponibilizá-las na produção de novos bens e serviços.
Esse ciclo, inevitavelmente, consome e provoca exaustão na capacidade natural de
produção de recursos, que em contrapartida se torna cada vez menor ante o crescimento da
demanda produtiva que é arrastado pelo aumento populacional que toma, gradativamente, as
áreas que poderiam ser utilizadas para produção.
É inevitável pensar que a crescente população mundial é fator também de uma
crescente miséria social que se espalha nos países de maior taxa de natalidade no mundo,
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exemplos clássicos, são os países africanos, onde a educação e a falta de controle do
crescimento populacional cria intermináveis crises de fome, sede e guerras.
Essas situações tornam essas populações eternas dependentes de ajuda externa para
contornarem seus sofrimentos, que são intermináveis e insolúveis. A falta de uma política que
promova ações eficientes, capazes de superar questões culturais, religiosas, éticas e
educacionais, impede ações efetivas capazes de solucionar o problema. Sem ações eficazes,
os problemas se alastram e tomam conta de países inteiros, elevando o crescimento da
miséria, da violência e outros problemas.
É importante destacar que as campanhas para acabar com a fome no mundo e os
problemas da população mais necessitada, não surtem o efeito almejado, tendo em vista o
contínuo aumento da população, principalmente da classe menos abastada.
Percebemos assim que, articulações ligadas aos impactos das ações antrópicas sobre o
planeta, tornam-se questões delicadas, ao passo que ensejam lidar com interesses políticos,
econômicos, culturais e religiosos. Como exemplo disso, poderia ser citada a questão
relacionada ao controle de natalidade que é mal visto, principalmente pela igreja católica, que
possui um posicionamento radical e arcaico para os dias atuais, levando-se em consideração o
atual e crescente número de indivíduos sobre o planeta, os quais vivem em condições de
miséria.
O controle de natalidade experimentado pela China e Índia, demonstrou que se trata de
uma situação delicada, apesar de ser considerada uma necessidade. O tema, em regra, causa
muitos transtornos e danos relacionados ao fato da interferência governamental no assunto, o
que leva à quebra de posturas éticas, religiosas e de liberdade pessoal.
Essas interferências criam atritos entre governantes e governados e, geralmente, são
má vistas, tanto pelos indivíduos envolvidos, quanto por entidades internacionais de direitos
humanos e religiosos, o que possivelmente é uma das causas de desmotivação de ações nesse
sentido.
Exemplificando isso, pode-se citar a Índia, que tentou implantar um controle interno
de natalidade no fim da década dos anos 70 do século passado1, a fim de resolver o grande
número de nascimentos e seus impactos sobre a organização interna do país. Essa atitude
sofreu uma grande resistência por parte da população e acabou por ser abandonado pela
primeira ministra da Índia, na época Indira Gandhi, o que contribuiu para que a Índia possua
atualmente um dos maiores e mais crescentes contingentes populacionais do mundo.
1 Revista Planeta – ano 38 – edição 449 – Editora Três Ltda – São Paulo
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Deste modo, notamos que os problemas contemporâneos vividos pela humanidade
globalizada com relação à crise ambiental não se relacionam somente a questões capitalistas.
Neles estão presentes, tanto interesses econômicos e políticos, quanto problemas de cunho
cultural, educacional e religioso, que de certa forma transformam os interesses globais em
interesses individuais, que entravam o bem coletivo comum.
Pode-se considerar assim que a crise ambiental vivida atualmente teve sua construção
determinante quando se começou a ter uma nova visão do mundo e da natureza com a
disseminação do capital. Isso ocorreu com a revolução industrial do século XVIII, que passou
a ser o motor fomentador de questões ligadas à posições políticas, educacionais e até mesmo
demográficas, como forma de controle de mão-de-obra disponível para atender aos interesses
econômicos.
É passível de observação que a omissão ou favorecimento ao crescimento
populacional é fruto da cultura antropocêntrica, que privilegia o ser humano sobre todas as
outras espécies, pois é considerável imaginar que num planeta de dimensões fixas, quando
uma espécie cresce exageradamente, outra terá de dar lugar a ela (BARBOSA.; DRUMOND,
1994)
Essa situação possibilitou que a indústria e o capitalismo crescessem em decorrência
do aumento populacional que procura usar essa população como possíveis clientes e
consumidores de bens e serviços cada vez menos duradouros e descartáveis. Giddens,
menciona que esse crescimento do consumo está relacionado ao aumento populacional e
também à melhoria das condições de consumo das pessoas, levando a situação a um ponto
positivo e outro negativo. O ponto positivo está na questão da melhoria da vida das pessoas e
da economia, o negativo, ao impacto que esse consumo produzirá na natureza e o
agravamento das desigualdades.
Por um lado, níveis de crescimento de consumo em todo o mundo significam que as
pessoas estão vivendo em melhores condições do que no passado. O consumo está
associado ao desenvolvimento econômico – com elevação dos padrões de vida, as pessoas
têm mais condições de arcar com comida, roupas, itens pessoais, tempo de lazer, férias,
carros e assim por diante. Por outro lado, o consumo também pode trazer impactos
negativos. Os padrões de consumo também podem causar danos à base de recursos
ambientais e exacerbar os padrões de desigualdade. (GIDDENS, 2005, p.487)
Alimentar toda esta demanda tem sido responsável por grande parte do desarranjo
climático verificado em toda a parte do globo, provocando secas e chuvas torrenciais com alto
poder de destruição, esgotamento de solos que se transformam em desertos, morte de mares,
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como o Mar Cáspio e o Mar Morto, castigados pelo intenso uso de seus rios em irrigações em
grande escala, atribuídas, principalmente, às necessidades de produção para um excessivo
contingente que demanda de lavouras que produzam cada vez mais e em maior escala.
O aumento populacional torna-se um problema multifacetado. Dele nascem as
necessidades de produção que elevam o grau de exploração dos recursos naturais, ao passo
que reduz as áreas de exploração cedidas ao assentamento de moradias, cidades e toda
estrutura necessária para fazer com que funcione todo o mecanismo e infra-estrutura de
produção, como fábricas, ruas e estradas, o que pode causar um colapso na renovação dos
recursos naturais.
A forma costumeira de agir, pensar e acreditar nas respostas das ações humanas nem
sempre foram norteadas pelo bom senso e nem tampouco pelo altruísmo. Desta forma é
considerável afirmar que muitas ações humanas equivocadas tiveram respaldo em crenças
míticas e religiosas, posteriormente migrando para os fins capitalistas, que contribuíram para
produzir genocídios, massacres e destruição da natureza em grande escala.
É considerável imaginar que desde os primórdios a inteligência humana e seu desejo
de vencer os obstáculos e as dificuldades impostas pela natureza, aliados aos fenômenos
naturais muitas vezes catastróficos, fizeram com que o homem usasse sua capacidade
intelectual para vencer estas dificuldades e se sobrepor a elas através de seu espírito criativo.
A superação das barreiras visíveis foi se tornando realidade, mas os fenômenos
incompreensíveis e catastróficos iam além das forças e da compreensão humana, o que
tornava necessária a criação de seres detentores de grandes poderes e força que prouvessem
proteção necessária para acalentar os medos e os fantasmas criados pela mesma imaginação
humana, uma vez que a imaginação humana criou deuses malignos e, logo em seguida, essa
mesma imaginação criava um deus benfeitor e mais poderoso para combater o deus maligno.
Esses seres denominados deuses, capazes de mover montanhas, destruir, matar, prover
vida e bonança, também foram responsáveis, ou atribuiu-se a eles, a responsabilidade pela
ordem de execução de várias ações cruéis ou danosas em benefício de um poder reinante.
Essas crenças culturais estiveram sempre a investir o cérebro humano da razão de suas ações,
da superação de barreiras e da busca de forças na satisfação divina pela conclusão do feito,
como relata Armstrong.
Essas ações baseadas na crença mítica ou religiosa providenciaram também o exímio
da culpa do ser humano e da responsabilidade direta pelo resultado de suas ações e investidas,
fosse do homem sobre seu semelhante ou deste sobre a natureza biótica e abiótica.
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A cultura, de certa forma, foi também responsável pelo ―progresso‖ de um povo em
detrimento de outros povos, na medida em que esta permitia e alimentava as investidas ou o
avanço de um sobre outro. Essa justificava, em regra, era dada como sagrada, fator que
livrava o autor do sentimento de culpa e ainda lhe promovia à condição de herói ou benfeitor
na sociedade, tal como as conquistas por guerras verificadas em diversos períodos da história
humana. .
Esta forma de pensar e agir levou vários povos a investir contra outros em ações que
levavam à pilhagem, aculturação e conquista de novos espaços guiados pela égide do sagrado
sobre o profano, do civilizado sobre o bárbaro errante e carente de civilização.
A cultura religiosa influenciou também o aumento populacional sobre o planeta, ao
passo que manteve e mantém, em alguns casos, proibições sobre métodos contraceptivos,
aborto e outras formas que privilegiam e incentivam famílias numerosas baseadas em
tradições antigas e arcaicas que se postam de forma indiferente às realidades atuais.
Desta forma, pode-se dizer que as culturas diferenciadas são grandes entraves ao
consenso de um acordo capaz de traçar diretrizes que possam abrir caminho para uma nova
forma sustentável de se viver no planeta, seja pela questão religiosa, educacional, ética ou
econômica, uma vez que até mesmo o conceito de progresso e desenvolvimento tem
conotações diferentes para culturas diferentes.
Isto posto, podemos concluir que o progresso pode ter um sentido muito mais amplo
do que em geral é colocado no senso comum, uma vez que tal conceito deve estar relacionado
ao crescimento humano capaz de compreender o mundo a sua volta e se relacionar com este,
aplicando e aprimorando os conhecimentos e experiências obtidas ao longo dos milênios em
busca de resultados que possam trazer conforto e comodidade, permitindo a existência e
convívio harmônico entre o homem e as outras espécies que habitam o planeta, muito antes da
existência humana.
Deste modo, a vida do planeta e a permanência do homem nele, dependerão de ações
que privilegiem o bem comum e social em detrimento dos interesses particulares. Haverá a
necessidade de se construir novos princípios comuns que superem princípios antigos
relacionados à cultura, às diferenças econômicas e sociais.
É saudável imaginar que as constantes mudanças tragam novas formas de pensar e ver
o planeta. O conhecimento e a cultura são partilhadas a todo momento e alguns costumes e
crenças acabam por ser copiados ou agregados a outras culturas. Dentro desse pensamento, é
possível visualizar que a humanidade possa mudar sua forma de ver o mundo e considerar
todas as espécies, bióticas e abióticas, como seres possuidores dos mesmos direitos à
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existência, tal como os humanos, deixando a antiga forma antropocêntrica de pensamento e
privilegiando o biocentrismo2, em que todas as formas de vida têm o mesmo valor e direito à
existência (BARBOSA; DRUMOND, 1994).
Referências bibliográficas.
BARBOSA, Holanda de N. Lívia; DRUMOND, José Augusto. Os direitos da natureza
numa sociedade relacional. Estudos Históricos, vol 7, n.14, p. 265-289. UFF, 1994.
DEAN, Warren. A ferro e fogo: A história e a devastação da Mata Atlântica brasileira.
São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
DORST, Jean. Antes que a natureza morra. São Paulo: Editora Edgard Blücher, 6ª
reimpressão, 2001.
GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Artmed, 2005.
LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. São Paulo: Cortez, 2007.
POLIGNANO, Marcos V. Et. al. Uma viagem ao Projeto Manuelzão. Belo Horizonte:
Projeto Manuelzão, 2001.
PRIMAK, Richard B; RODRIGUES Efraim. Biologia da Conservação. Londrina: Editora
Rodrigues, 2001
RIBEIRO, Maurício Andrés. Ecologizar: Pensando o ambiente humano. Brasília: Editora
Universa, 2005.
2 Biocentrismo – termo referido por ( Barbosa, Lívia; Drumond, Augusto, 1994) que considera todo e qualquer
tipo de vida com o mesmo valor da vida humana.
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CADERNO DE TECNOLOGIA
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UTENTICAÇÃO POR IMPRESSÃO DIGITAL
Liniker de Almeida Fortunato*
Alexandre Fieno da Silva**
Resumo: A necessidade de autenticação está associada à possibilidade de acesso restrito a um
determinado bem ou serviço. A necessidade de segurança é a motivação para encontrar uma
forma rápida, confiável e pouco intrusiva de se realizar este processo. Autenticar é verificar se
um indivíduo é quem ele diz ser. Uma das maneiras é verificar por meio da biometria. A
biometria é a técnica que autentica e/ou identifica uma pessoa baseada nas impressões
digitais. A vantagem desta técnica é a não necessidade de possuir objetos ou memorizar algo
para a autenticação e/ou identificação do indivíduo. É neste âmbito que surge este trabalho,
com o objetivo de coletar informações a respeito deste tema e desenvolver um modelo de um
sistema de autenticação com impressão digital.
Palavras-chave: impressão digital, autenticação, biometria.
Abstract: The need for authentication is linked to the possibility of restricted to a particular
good or service. The need for safety is the motivation to find a fast, reliable and little intrusive
to perform this process. Login is whether an individual is who he claims to be. One way is to
check through biometrics. Biometrics is the technique that authenticates and / or identifies a
person based on fingerprints. The advantage of this technique is not need to have objects or
memorize something for authentication and / or identification of the individual. It is in this
context that this work comes with the aimed to collect information regarding this issue and
develop a model of an authentication system with digital printing.
Keywords: digital printing, authentication, biometrics.
INTRODUÇÃO
Com o aumento das atividades criminosas, como roubos a bancos, seqüestros, etc., a
necessidade de identificar uma pessoa de forma mais segura e eficaz (Jain, 1999) tornou-se
imprescindível. Uma das maneiras para se determinar essa identidade é o uso de suas
características físicas e comportamentais, denominadas biometria, única de pessoa para
pessoa, e muito difícil de ser roubada ou reproduzida. Geralmente, os sistemas biométricos
incluem íris, impressão digital e face.
* Pós-graduado do curso de Tecnologia em Sistemas de Informação, Professor na Faculdade do Noroeste de
Minas. E-mail:[email protected].
**
Mestre em Ciências da Computação, UFU, Professor na Faculdade do Noroeste de Minas. E-mail:
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O problema de estabelecer uma associação entre um indivíduo e uma identidade pode
ser dividido em duas categorias: autenticação e identificação. A autenticação refere-se ao
problema de confirmar ou negar uma identidade de um indivíduo, enquanto identificação
refere-se ao problema de estabelecer a identidade, desconhecida à partida, de um indivíduo
(Jain, 1999).
Quando um empregado, ao entrar no seu posto de trabalho, passa pelo relógio de ponto
para carimbar o seu cartão ou registrar a passagem do seu cartão magnético, fornece uma
informação à organização: a que horas se apresentou ao serviço. Esta informação tem
conseqüências no custo que a sua organização irá ter com o seu salário. A pergunta que se põe
é ―como sabemos que esse empregado realmente é o último a sair com os cartões?‖.
O exemplo apresentado pode ser um tanto exagerado, mas representa uma das situações
em que a autenticação fraudulenta pode acarretar custos para uma organização. Muitos outros
exemplos podem ser apresentados: o acesso não autorizado à contabilidade de uma empresa
por alguém que obteve a palavra passe do contabilista, o acesso a um laboratório de alta
segurança, ou simplesmente o acesso a informação estratégica por alguém que se faz passar
por um utilizador legítimo.
A procura de um método de autenticação tem sido vasta, envolvendo, tradicionalmente,
sistemas que têm a ver com a partilha de um segredo entre utilizador e objeto de segurança.
Um dos problemas deste método é a transmissibilidade do segredo que, como qualquer
outro, pode ser cedido (voluntariamente ou não) por quem o conheça, a terceiros. Outro
problema deste método é a necessidade de armazenamento ou memorização do segredo.
Quando o segredo é armazenado, naturalmente herdamos o conjunto de vulnerabilidades que
o sistema de armazenamento evidencia. Quando o segredo é memorizado pode ser esquecido,
o que normalmente leva à escolha de segredos simples, que facilitem a respectiva
memorização.
Assim, existe a necessidade de complementar os métodos existentes de autenticação
com um local de armazenamento seguro e um fator inerente ao sujeito autenticado.
O projeto tem a finalidade de manter o controle de acesso a lugares restritos por meio da
autenticação biométrica, nesse caso pela impressão digital, em que guardará todas as
informações das pessoas cadastradas. O banco de dados também armazenará as informações
do máximo de digitais possíveis, no caso do aluno não ser identificado com determinada
impressão, poderá tentar com outras.
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SISTEMAS BIOMÉTRICOS
Os sistemas biométricos são usados para a autenticação de pessoas. A figura 1 ilustra
um sistema biométrico, no qual o usuário é previamente registrado e seu perfil biométrico fica
armazenado. O processo se inicia pela aquisição das digitais do usuário. Características
particulares (atributos) do exemplar são extraídas. O processo de comparação obtém uma
pontuação que representa a similaridade entre os atributos extraídos e o perfil registrado. Caso
a similaridade obtida seja superior a um limiar de comparação estabelecido previamente, o
exemplar é considerado coincidente com o perfil (Costa, 2006).
Figura 1 – Sistema biométrico para autenticação do usuário.
Como a autenticação biométrica está sujeita a imprecisão, geralmente à abordagem por
identificação produz uma lista de pessoas cujas características biométricas sejam
suficientemente similares à apresentada, e esta lista deve ser então refinada por um processo
adicional (automatizado ou manual).
Qualquer característica fisiológica ou comportamental humana pode ser usada como
identificador biométrico. As tecnologias biométricas mais utilizadas se valem da aparência da
face, do padrão das impressões digitais, do formato da mão, do padrão da íris, do padrão de
voz e das características dinâmicas da assinatura manuscrita (figura 2).
Figura 2 – Técnicas biométricas
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O sucesso de um identificador biométrico repousa na sua maior capacidade de satisfazer
a alguns requisitos de universalidade, unicidade, permanência, coleta, aceitação, precisão e
resistência à fraude. Os diversos exemplares da mesma característica biométrica, da mesma
pessoa, não são exatamente os mesmos, uma vez que mudanças nas condições do usuário
(como estado emocional, estado físico, pressa), mudanças nas condições do ambiente (como
iluminação, umidade, ruído) e mudanças nas condições do sensor alteram a qualidade dos
dados adquiridos. Assim, qualquer sistema biométrico esta sujeito a imprecisões, e a
quantificação destas imprecisões ou erros, não pode ser determinada de forma exata, mas
somente por estimativas estatísticas dos erros, que são expressos em taxas e percentagens.
IMPLEMENTAÇÃO E RESULTADOS
O projeto gerou alguns resultados, que são apresentados abaixo. Os testes foram
realizados em 4 etapas:
1 - com Banco de dados Access e imagem salva no computador;
2 - Banco de dados MySql e imagem salva no computador;
3 - Banco de dados Access e imagem capturada pelo leitor e;
4 - Banco de dados MySql e imagem capturada pelo leitor.
Teste 1: Imagens gravadas no computador
Este teste consiste em uma imagem gravada no computador do tipo Bitmap com
resolução e qualidade variada, para simular uma imagem foi utilizado um software
denominado SFinGe, criado pela empresa BioLab. Esse software gera uma impressão digital
simulando defeitos de superfície, como cortes, sujeiras, imagem com qualidade baixa, entre
outros, criamos 10 imagens variadas, como sendo do mesmo individuo, porém com cortes
diferentes, tamanhos diferentes, e qualidades diferentes.
Foi possível verificar que o software não consegue comparar imagens com tamanhos
variados, independente do banco de dados utilizado, caso tenha cadastrado no meu banco de
dados uma imagem de resolução 250 x 250 pixel.
Quanto ao banco de dados utilizado, tivemos uma pequena perda de desempenho com o
MS Access em relação ao MYSQL, e também uma grande perda de espaço em disco pelo
banco de dados MS Access. .
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Teste 2: Imagens geradas pelo leitor óptico
Esse teste consiste em verificar o desempenho e as limitações do software em relação
aos leitores suportados, sendo que neste teste utilizamos os Bancos de dados MS Access e
MYSQL com o leitor Microsoft Figerprint.
Neste teste verificamos que o software reage bem com o leitor, realizando a
autenticação em 100% dos casos, não acreditamos que o software seja capaz de realizar
sempre 100% dos casos, porém o software foi testado na feira de tecnologia de Paracatu, um
evento realizado pelo SESC, que no qual foram cadastradas mais de 60 pessoas, e o software
foi capaz de reconhecer todas as impressões digitais, no entanto foi detectada uma pequena
perda de desempenho com o banco de dados MS Access, principalmente quando o banco de
dados estava com mais de 50 impressões cadastradas, sendo que o MS Access teve cerca de 3
MB, enquanto o MYSQL não passou de 5 KB de tamanho, não chegamos a medir a diferença
de velocidade em segundos, mas foi perfeitamente notável a diferença de tempo de acesso
entre os bancos de dados.
Teste 3: Imagens em diferentes posições
Esse teste consiste em testar a autenticação com as imagens em diferentes posições,
exemplo, a imagem cadastrada no banco de dados, estava em uma posição central, com uma
rotação de 0º, e a imagem a ser comparada, estava em uma posição lateral e uma rotação de
90º.
Esse teste obteve os resultados mais satisfatórios, pois nem sempre uma pessoa colocará a
imagem na mesma posição da imagem cadastrada, aliás, de acordo com o teste, isso é muito
raro acontecer, e mesmo assim o teste foi bem sucedido, sendo que a parte visível da imagem
pelo leitor tem em média 50 minúcias (minúcias são pontos de referencias da imagem, como
bifurcação e pontos onde as linhas de uma imagem terminam).
Para um reconhecimento seguro são necessárias apenas 13 minúcias, porém, dependo da
qualidade da imagem e do tipo de impressão digital é possível reconhecer com menos. Abaixo
é ilustrado o processo de reconhecimento da imagem cadastrada com a imagem capturada
pelo leitor.
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Figura 3 - A impressão digital é capturada de um leitor.
A figura 4 ilustra o pré-processamento para obter o melhor contraste.
Figura 4 - A imagem é pré-processada (melhor contraste e clareza).
A figura 5 ilustra possíveis problemas causados pelo pré-processamento, tais como,
ruídos e defeitos, que são eliminados.
Figura 5 - Ruídos e defeitos são eliminados.
A figura 6 apresenta as características detectadas na imagem da impressão digital.
Figura 6 - As características da impressão são detectadas e analisadas.
A figura 7 e 8 apresentam as minúcias e o a representação obtida para o calculo do
ângulo das minúcias, respectivamente.
Figura 7 - Em verde: Ponto final de uma linha. Em vermelho: Bifurcação.
Figura 8 - Cálculo do ângulo das minúcias
A procura das impressões no banco de dados é baseada em algumas medidas, ou seja,
triângulos são determinados conectando-se 3 minúcias. Ângulos internos e cada ângulo das
minúcias são computados. Essas medidas não variam com a rotação e a translação. Esse
método permite que uma impressão desejada possa ser localizada no banco mesmo com
variação da posição do dedo lido em relação ao cadastrado. Por exemplo, a figura 9 ilustra
essa comparação.
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(a) (b)
Figura 9 – (a) Impressão desejada. (b) Impressão encontrada.
O método de triangulação é o que caracteriza no software a capacidade de reconhecer a
imagem mesmo estando em posições diferentes, pois a posição da imagem não alterará o
ângulo dos cantos do triangulo.
Alguns testes foram realizados com o software desenvolvido, e verificamos que uma
imagem rotacionada foi reconhecida com sucesso, tendo 129 pontos reconhecidos de um total
de 200 pontos.
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ESTUDO DO PROCESSO DE CLARIFICAÇÃO DE ÁGUAS NATURAIS
UTILIZANDO SEMENTES DE Moringa oleifera
Luana Loren Corrêa Oliveira,
Gilmar Gonçalves Ferreira**
Resumo: Novas metodologias de tratamento de água e esgoto apontam para o uso de
produtos naturais em substituição aos reagentes químicos convencionais. Neste cenário,
extratos naturais têm sido preparados com sementes de Moringa oleifera para a limpeza
alternativa da água, em regiões sem qualquer tratamento convencional. Variáveis essenciais
nesse tipo de estudo, como a ―concentração” ou “modo de preparo” do extrato por exemplo,
desempenham um papel importante na eficiência dos testes. Neste trabalho, o estudo da
clarificação das amostras de águas naturais foi realizado usando-se extratos preparados de
maneiras diferentes e os testes mostraram uma relação direta entre essas variáveis e a
melhoria do processo de clarificação da água.
Palavras-chave: Moringa Oleifera. Turbidez. Clarificação de águas.
Abstract: New methodologies of water and wastewater treatment pointed out the use of
natural products instead the use of conventional chemical reactants. On this scene, natural
extracts has been prepared using seeds of Moringa oleifera for alternative water cleaning, in
regions without conventional treatment. In this kind of research, essentials variables such as
“extract concentration‖ or ―extract preparation method‖ for example, plays an important role
for improving the efficiency of the tests. In this work, the study of the natural water
clarification was performed using different extract preparations and the tests showed a direct
link between these variables to improve the water clarification process.
Keywords: Moringa oleifera. Turbidity. Water clarification.
Introdução
Apesar da atual evolução tecnológica, em pleno século XX muitos problemas ainda
são gerados devido à contaminação e poluição das águas naturais utilizadas para o consumo.
Muitas vezes, a turbidez e os sólidos em suspensão nestas águas trazem consigo bactérias e
Graduanda em Engenharia Ambiental – Faculdade do Noroeste de Minas – FINOM. E-mail:
**
Doutor em Química - Faculdade do Noroeste de Minas – FINOM – [email protected]
Núcleo de Iniciação Científica – NIC/FINOM – Rodovia MG 188 – KM 167 – Campus JK – Paracatu – MG –
Caixa Postal 201 – CEP: 38600-000 – Telefax: (38) 3311-2000 Site: www.finom.edu.br E-mail:
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microorganismos patogênicos que podem causar danos à saúde humana e animal. É neste
cenário que milhões de crianças morrem a cada ano, com doenças transmitidas pela água não
tratada durante o consumo.
Águas de abastecimento, ou efluentes, passam por um processo de tratamento formado
por um conjunto sistematizado de operações unitárias. Dentre estas, a ―coagulação‖ e a
―floculação‖ (Foust, 1982; McCabe, 1993) desempenham papel de extrema importância, pois
são utilizadas visando o processo de clarificação das águas naturais, reduzindo-se ao máximo
a sua turbidez e a presença de sólidos em suspensão. Neste processo, as cargas das partículas
coloidais em suspensão são neutralizadas tradicionalmente, utilizando-se sais inorgânicos,
possibilitando-se assim, com o controle adequado do pH, a sua aglomeração e posterior
sedimentação. O tratamento mais comum, conhecido como ―tratamento convencional‖, é feito
com a adição de coagulantes químicos, dentre os quais o mais utilizado é o sulfato de
alumínio, Al2(SO4)3 (Ledo, 2008).
No entanto, na maioria das vezes o uso de coagulantes químicos não é uma opção de
fácil acesso. Uma dificuldade enfrentada em comunidades de pequeno porte é a
indisponibilidade de um sistema adequado para o tratamento da água de abastecimento ou
mesmo dos efluentes gerados. Nestas regiões, uma alternativa que vem sendo adotada
consiste no uso de coagulantes naturais para clarificação das águas naturais. Nestes locais, a
utilização de soluções preparadas com sementes trituradas de algumas espécies vegetais,
principalmente as espécies do gênero Moringaceae, vêm apresentando importante aplicação
na purificação de água de consumo (Remi, 1995).
Seguindo este modelo, chamado de ―química verde”, a planta Moringa oleifera tem
sido foco de vários trabalhos (Ndabigengesere et al., 1994; Pavanelli, 2001; Silva, 2006) nos
últimos anos, e a utilização de extratos de sementes de Moringa oleifera vem se tornando uma
alternativa de baixo custo, em relação ao tratamento químico convencional.
Esta planta, a Moringa oleifera, foi originalmente cultivada na Índia e atualmente é
uma espécie arbórea presente principalmente em regiões com características tropicais. Ela
pertence à família Moringaceae e são conhecidas aproximadamente quatorze espécies
diferentes da mesma (Abdulkarim et al., 2004). A planta apresenta diversidade no uso
industrial visto que todas as suas partes podem ser reaproveitadas para algum fim que varia
desde a fabricação de perfumes até a lubrificação de peças metálicas (Palada, 1996). A árvore
pode chegar a 10 metros de altura, as folhas e frutos são comestíveis, porém as raízes são
caracteristicamente abortivas (Silva et al., 2008). A atenção referente ao uso das propriedades
da planta Moringa oleifera se intensificou quando estudos comprovaram que a polpa de suas
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sementes pode agir como um coagulante natural de águas barrentas. Verificou-se que, durante
o processo de dissolução da polpa em meio aquoso, a geração de cargas positivas
possibilitaria a neutralização e o posterior agregamento dos colóides carregados
negativamente, presentes no meio aquoso, favorecendo, assim, a coagulação e posterior
precipitação. O motivo principal desta ação coagulante se deve à desestabilização por
adsorção entre as partículas coloidais em suspensão nas águas de abastecimento e moléculas
orgânicas do extrato de Moringa oleifera (Lédo, 2008; ) .
A capacidade de neutralização de cargas negativas confere à Moringa oleifera uma
grande variedade de aplicações na análise de sistemas aquosos iônicos. Extratos da polpa e da
casca da semente foram utilizados para redução do teor de Flúor em águas de abastecimento
urbano (Silva et al., 2006), em análises para clarificação de resíduos de efluentes de cafeeiro
(Matos et al., 2007) e eficiência comparativa via flotação por ar dissolvido (Lédo, 2008).
O extrato de sementes de Moringa oleifera usado para o tratamento de águas
superficiais vem sendo comparado com diversas substâncias tradicionalmente conhecidas para
este fim. Os principais compostos utilizados na atualidade são o Sulfato de Alumínio
(Al2(SO4)3), o Cloreto Férrico (FeCl3) e o Sulfato Ferroso (FeSO4). Quando comparada com
estas substâncias, os extratos de Moringa oleifera apresentaram excelente desempenho na
redução da turbidez (Matos et al., 2007), apesar de demandar um tempo maior para
concretizar o processo de limpeza, chegando em alguns casos estudados a mais de 90 minutos
de espera (Al Azharia Jahn, 1986; Matos et al., 2007). Apesar disso, este processo é
perfeitamente viável economicamente e a utilização da planta como um coagulante natural
tornou-se assim objeto de intenso estudo devido aos seus bons resultados em processos de
clarificação de águas.
Assim sendo, este trabalho teve como objetivo o estudo da ação coagulante do extrato
das sementes de Moringa Oleifera em amostras de água natural, coletadas no Rio Santa
Catarina, em Vazante - MG, observando possíveis modificações nos parâmetros físico-
químicos das amostras após o tratamento com extratos preparados com a polpa das sementes.
Desenvolvimento experimental
Os ensaios foram realizados nos Laboratórios de Controle de Poluição e Química
Geral e Inorgânica da Faculdade do Noroeste de Minas – FINOM. As amostras usadas nos
testes foram coletadas no Rio Santa Catarina no município de Vazante-MG. Tais amostras
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foram devidamente acondicionadas em frascos escuros e mantidas sob refrigeração, para
preservação do material coletado e proteção contra a radiação solar.
O extrato de Moringa oleifera utilizado foi preparado usando-se sementes recém
colhidas. As sementes foram descascadas e a polpa oleaginosa foi separada. Foram
adicionados 5 g da polpa da semente (PS) em liquidificador doméstico, juntamente com 500
mL de água destilada desionizada e a mistura processada por aproximadamente 2 minutos. A
solução foi deixada em repouso por 150 minutos para separação das fases grosseiras
formadas. Após o descanso, a fase intermediária mais límpida deste extrato foi sugada com
pipetagem automática e filtrada, utilizando sistema de filtragem a vácuo da Millipore, com
filtro de fibra de vidro de 0,8 micras de diâmetro. Obteve-se assim o extrato ―A‖.
Os testes relativos à floculação e sedimentação foram efetuados utilizando um
equipamento Jar-test padrão, marca PoliControl, com seis cubetas de 2.000 ml. Em cada cuba
foram adicionadas as amostras, e alíquotas do sobrenadante foram colhidas para a
determinação dos parâmetros físico-químicos: pH, condutividade elétrica, turbidez, sólidos
em suspensão (SS), sólidos totais dissolvidos (STD), temperatura. Quantidades iguais a 5 mL,
15 mL, 25 mL, 50 mL, 75 mL e 100 mL, foram adicionadas às cubas e iniciou-se então o
processo de agitação rápida no Jar-test, com velocidade aproximada de 150 rpm durante um
intervalo de dois minutos. Posteriormente, iniciou-se a agitação lenta do sistema a 20 rpm por
um intervalo de tempo de 5 minutos para crescimento dos flocos.
Após o período de agitação lenta, foram coletadas alíquotas do sobrenadante para a
verificação da turbidez em intervalos regulares de 15 minutos. Para uma melhor observação
dos efeitos de floculação, após a adição do extrato coagulante, o tempo de análise foi
estendido até o limite de 300 minutos. Em seguida, novas alíquotas do sobrenadante foram
colhidas para a determinação dos parâmetros já descritos anteriormente. Para os testes de pH,
sólidos totais dissolvidos (STD), condutividade elétrica e temperatura, foi utilizado um
equipamento multi-parâmetro da marca Hanna, modelo Combo Waterproof. Já os ensaios de
turbidez foram efetuados usando-se um Turbidímetro digital modelo AP2000, marca
PoliControl. A determinação dos sólidos em suspensão foi efetuada utilizando-se o sistema de
filtração a vácuo Millipore, com filtro de fibra de celulose de 0,45 micras, segundo
metodologia proposta (APHA, 1995).
Resultados e discussão
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Os testes foram efetuados utilizando-se os dois extratos preparados. Na Tabela 1,
mostrada a seguir, são apresentados os resultados obtidos durante os testes utilizando-se o
extrato ―A‖ de Moringa oleifera para coagulação e clarificação de águas naturais. A amostra
inicial (Testemunha) foi submetida inicialmente à determinação dos parâmetros físico-
químicos descritos anteriormente e, após o período de tempo estipulado na metodologia, os
mesmos parâmetros foram determinados para possíveis comparações com as amostras
tratadas com o extrato de Moringa oleifera. Percebe-se claramente pela análise da Tabela 1
que, conforme descrito na literatura, o extrato de sementes de Moringa oleifera realmente
apresenta um efeito de coagulação sobre o sistema particulado em suspensão.
Nos testes efetuados, pode-se notar que ocorre uma redução significativa dos
parâmetros relacionados ao sistema particulado em suspensão, quando comparado à amostra
inicial, principalmente SS e Turbidez, para as amostras tratadas com maiores concentrações de
extrato.
TABELA 1 - Resultado das análises com amostras tratadas com extrato de Moringa Oleifera.
Análises Inicial A1 A2 A3 A4 A5 A6
Volume de Extrato (mL) 0 5 15 25 50 75 100
Concentração do Extrato (mg L-1
) 0 25 75 125 250 375 500
Temperatura (°C) 26,8 27,5 27,1 27,6 27,3 27,4 27,5
pH 8,10 8,09 8,12 8,10 8,12 8,14 8,07
SS (mg L-1
) 51 16 15 15 11 11 7
STD (mg L-1
) 80 83 82 82 83 84 84
Condutividade (µS) 159 160 159 158 160 169 170
Turbidez (UNT) 73,0 40,5 40,5 36,1 26 23,8 12,0
Os resultados mostram que, após o período de coagulação e sedimentação dos flocos,
ocorreu uma redução de 83,6 % da turbidez natural das amostras e de 86,3 % de sólidos em
suspensão em comparação com a amostra inicial. Percebe-se, claramente, uma relação entre a
eficiência de redução de Turbidez e SS com o aumento da concentração do extrato de
Moringa oleifera em solução. O parâmetro pH não sofreu alteração significativa, indicando
que o extrato não contribui para alterações dos íons H+/OH
- em solução. A condutividade
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elétrica sofreu um pequeno aumento de 6,9 % devido, principalmente, à adição de espécies
iônicas à solução pelo extrato.
A Figura 1 mostra a curva de variação de turbidez nos ensaios efetuados, ajustada aos
dados experimentais. O ajuste foi efetuado usando-se função de decaimento exponencial de 3ª
ordem, com máxima correção de erros mediante teste de Qui-quadrado. Inicialmente observa-
se um decréscimo exponencial seguido de uma linearização final.
FIGURA 1 - Curva ajustada para a variação da turbidez durante os ensaios.
Pela figura 1 pode-se perceber que a amostra A6, cuja concentração de extrato é maior
(500 mg L-1
), apresentou uma inclinação mais acentuada nos primeiros 50-90 minutos de
teste. Esta inclinação é maior que a amostra A1, menos concentrada (25 mg L-1
). Esta
informação é útil para se verificar como varia a ―Taxa de remoção de turbidez‖ das amostras.
Pode-se demonstrar assim, com o cálculo da derivada às estas curvas, Figura 2, que a taxa de
remoção da turbidez ou ―Velocidade de remoção de turbidez‖ está significativamente
influenciada pelo tempo de sedimentação dos flocos.
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FIGURA 2 – Variação da Taxa de Remoção da turbidez durante os ensaios. O
tempo de sedimentação final foi fixado em 300 minutos com intervalo de
medida de 15 minutos.
Os testes demonstraram que a taxa máxima de remoção de turbidez, para as amostras
naturais utilizadas, inicia-se em -1,15 UNT min-1
, e varia significativamente por volta dos
primeiros 50 minutos com posterior estabilização até em um valor aproximadamente
constante e igual a -0,1 UNT min-1
, independente da concentração utilizada. Este fato é
confirmado pela linearização final, observada nas curvas do gráfico estudado na figura 1,
indicando um mesmo coeficiente angular na parte retilínia do ajuste. Vale ressaltar ainda que
o sinal ―negativo‖ nos dados representa um nível de decréscimo constante da turbidez. Assim,
esta análise sugere que a maior concentração de extrato de Moringa oleifera em solução
promove uma maior taxa de remoção de turbidez, o que efetivamente acontece por volta dos
primeiros 50 minutos de teste, decaindo em mais de 90% ao final.
Sabendo-se, entretanto, que o próprio extrato de Moringa oleifera pode interferir na
medida da turbidez da amostra durante os ensaios, um novo teste foi efetuado com o intuito de
avaliar este possível nível de interferência. As condições iniciais para este novo ensaio foram
alteradas unicamente com relação à metodologia de preparo do extrato. A solução de polpa de
Moringa oleifera triturada não sofreu o processo de descanso por 150 minutos e foi filtrada
logo após a polpa (5 g) ser triturada com o volume (500 mL) de água desionizada. Em
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seguida, o volume de extrato, correspondendo à concentração de 500 mg L-1
, foi adicionado,
obedecendo a mesma metodologia anteriormente descrita para a agitação. A turbidez da
solução foi novamente medida em intervalos regulares de 15 minutos. Com a variação da
turbidez calculou-se novamente a ―Taxa de remoção de turbidez‖ da amostra e o resultado
comparativo dos testes está descrito na Figura 3.
FIGURA 3 - Taxa de remoção de turbidez durante os ensaios, usando extratos
com metodologia modificada.
Pela observação das curvas da figura 3 pode-se verificar que existe uma mudança
significativa no comportamento do sistema em relação à velocidade de remoção de turbidez,
quando comparada ao primeiro teste, usando-se o extrato. A diferença reside no fato do
extrato utilizado nos ensaios ser preparado “com tempo de repouso” (Extrato ―A‖) e “sem
tempo de repouso” (Extrato ―B‖) antes do início dos testes. Observa-se claramente que o
extrato preparado sem o tempo de repouso interfere significativamente na velocidade de
remoção da turbidez. Pela curva da figura 3 observa-se que o decaimento na turbidez é menos
acentuado usando-se o Extrato ―B‖. Este fato pode ser atribuido à presença de turbidez
―inserida‖ na amostra pelo próprio extrato de Moringa oleifera, principalmente nas amostras
com maior concentração de extrato. Os dados mostram ainda que, apesar de ocorrer a redução
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da turbidez nas amostras tratadas com extrato ―B‖, esta redução é extremamente lenta, o que
leva a crer que este extrato inserido nas amostras possivelmente ―mascarou‖ o verdadeiro
resultado.
Entretanto, o fato que não pode ser descartado neste cenário se refere à metodologia de
preparo do extrato. Se o extrato é preparado e filtrado imediatamente, talvez não haja tempo
suficiente para a formação de todos os agregados insolúveis, oriundos do processo de
interação e diluição. Assim, provavelmente, o fato de se filtrar imediatamente à solução, após
a trituração da polpa da semente com a água, contribui-se para a não retirada destas
substâncias do extrato (―B‖) e, por consequência, irão originar os precipitados insolúveis
diretamente na amostra durante os ensaios no jar-test. No entanto, quando a solução triturada
passa por um tempo maior de descanso (aproximadamente 150 min) possivelmente ocorre a
formação de grande parte dos precipitados proteícos insolúveis e, deste modo, a sua retirada
pelo posterior processo de filtração permitirá a obtenção de um extrato (―A‖) sem ―potencial‖
de aumento de turbidez, mais coerente para o tratamento experimental das amostras naturais.
Pelos dados obtidos, pode-se inferir que a turbidez aparentemente inserida nas amostras no
segundo teste tem relação direta com o nível de agregados protéicos insolúveis produzidos in
locu pelo próprio extrato de Moringa oleifera. Em função disso, estudos futuros serão feitos
para se tentar medir o nível de interferência do aumento de turbidez fornecido pelo próprio
extrato de Moringa oleifera.
Conclusão
Com os resultados obtidos neste trabalho foi possível verificar que a semente de
Moringa oleifera é eficiente na remoção de turbidez e sólidos suspensos de amostras naturais
de água. Observou-se uma redução de 83,6% da turbidez das amostras e 86,3% de sólidos em
suspensão, após o período de sedimentação, utilizando-se o extrato de coagulante natural. A
concentração ideal analisada, para estas amostras naturais, foi de 500 mg L-1
. A condutividade
elétrica apresentou um aumento pouco significativo. Observou-se que nos primeiros 50
minutos de teste existe uma variação muito significante da taxa de remoção de turbidez,
iniciando-se com um taxa de 1,12 UNT min-1
, levando a uma estabilização da velocidade após
este período. A taxa final de remoção de turbidez é independente da concentração adotada nos
ensaios e os testes mostraram que a taxa de remoção de turbidez diminuiu em mais de 90 %
após 50 minutos da aplicação do coagulante.
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Referências bibliográficas
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CADERNO DE RESENHAS
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A CIDADE COLONIAL: UM CLÁSSICO DA HISTORIOGRAFIA SOCIOLÓGICA
BRASILEIRA
OMEGNA, Nelson. A cidade colonial. 2. ed. Brasília: EBRASA, 1971. 344 p.
Resenhado por/Reviewed by: Maria Célia da Silva Gonçalves*
O livro “A cidade Colonial”, escrito por Nelson Omegna, mereceu prefácio de Alceu
de Amoroso Lima, que classifica a obra como ―CLÁSSICA da historiografia sociológica
brasileira‖, nas palavras de Lima é:
Admirável estudo da ‗cidade colonial‘, não apenas um monumento de pesquisa histórica
sobre as origens do nosso urbanismo e muito menos uma descrição estético-sentimental
de cidades mortas em contraste com cidades vivas, mas um estudo da anatomia urbana e
social comparativa entre a semente e a flor, na análise de analogias substanciais, que
redundam num admirável tratado de sociologia dinâmica de melhor espécie.
A luta contra o domínio colonialista não terminou, continua nos dias atuais como
acontecia há 3 ou 4 séculos. É o reflexo dessa luta no ambiente da humilde POLIS colonial
que o sociólogo Omegna nos apresenta nesse magnífico tratado de sociologia orgânica. Para
ele, a sociedade colonial foi o resultado do encontro entre o Poder e o Povo. Encontros entre
autoridades e vagabundos, senhores e escravos. No embate entre as duas forças, uma
colonizadora e outra colonizada, aparece uma terceira força, a Igreja, extremamente
importante para a execução do projeto colonizador, aspecto contemplado de forma espetacular
pelo autor. Nesse encontro, o papel da cidade foi decisivo para fomentar novos pensamentos,
autonomia, ideias emancipadoras.
Omegna defende a tese de que o surgimento de grande número das pequenas cidades
pobres foi um marco característico do período colonial brasileiro. Pequenas e pobres, as vilas
coloniais vieram a exercer marcada influência na formação política e social do país, em
virtude mesmo dessa dupla maneira de ser. A dispersão dos pequenos núcleos pela amplidão
da terra foi uma solução característica da colonização portuguesa em contraste com o que fez
o espanhol, que, quando possível, se concentrava em densas populações urbanas.
*
Doutoranda em Sociologia e Mestre em História pela Universidade de Brasília-UnB. Professora de História da
África, Métodos de Pesquisa em História e Sociologia da Educação na Faculdade do Noroeste de Minas-
FINOM. Integrante do Laboratório Transdisciplinar de Estudos sobre a Performance- TRANSE/SOL/UnB. E-
mail: [email protected]
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O livro está dividido em 3 partes, intituladas respectivamente: “Alma e fisionomia da
cidade colonial”, “A cidade colonial e as classes sociais” e “A economia da cidade
colonial.” Essas partes são subdividas em capítulos, o que permite uma análise minuciosa dos
detalhes das cidades coloniais.
Sobre a “fisionomia da cidade colonial” o autor se ocupou em descrever fisicamente
o traçado da mesma. Em suas palavras:
A cidade colonial que ai resta na corografia brasileira ainda é a melhor testemunha da
epopeia da conquista e da história da colonização. Cenário em que se elaborou toda a
alquimia da vida em comunidade, é o melhor documentário vivo que ainda se podem ler e
sentir, nas horas presentes, velhas lições do passado. Cidade quieta e sonolenta, ata o
passado ao presente por misterioso vínculo e nela respiramos esquisita atmosfera de
encantamento e saudade (p.03).
O autor ressalta que nem todas as cidades coloniais tiveram história heroica, mas que
elas foram células humildes que compuseram o organismo nacional. E encontra um ponto em
comum entre elas, instituindo assim um modelo. ―Igualaram o comportamento de seus
habitantes, nas normas dos mesmos códigos legais [...] sofreram elas o mesmo processo de
diferenciação de classes; choraram no arrocho do mesmo despotismo político e econômico
[...]creram nos mesmos Santos; rogaram, em templos diferentes, aos mesmos padroeiros[...]‖
(p.04).
De acordo com Omegna, as semelhanças entre cidades coloniais eram tão grandes que
os cronistas ―passaram por aquelas vilas sem que percebessem um traço marcante e
diferente[...]usam o sintético ‗idem‘ para frisar mesmo a identidade e a semelhança, que
irmanam num mesmo quadro descritivo as cidades situadas em regiões tão distantes‖ (p.05).
Para o autor, a cidade colonial é um fenômeno natural da ecologia do continente novo,
e estudá-las se faz necessário para pensar ―os processo iguais de dinâmica, sucessão,
zoneamento, segregação e de relações e interações que ocorreram independentes das
determinações conscientes dos homens‖ (p.06).
Olhando superficialmente, há uma tendência a pensar que as cidades e vilas coloniais
foram resultados de apenas um decreto do Rei. O certo é que estes atos criavam as idades,
porém, não determinavam como seria o seu processo de formação/crescimento. De acordo
com o autor, a formação dessas cidades é resultado dos embates entre as forças sociais que
nelas coexistem.
A impressão da uniformidade na fisionomia dos povoados coloniais colhidos pelos
cronistas denuncia a descoberta de uma constância no modo de ser e de se expandir de
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nossos centros urbanos e revela a inspiração científica, idêntica à dos ecologistas de hoje,
ao estudarem as cidades modernas, de reduzirem suas características e atributos a
dominadores comuns, de vez que nelas identificam alto número de fatos e aspectos
repetidos, de traços essencialmente semelhantes, de órgãos diretivos iguais, de formas
invariáveis do comportamento coletivo e dos mesmos processos sociológicos (p.06).
De acordo com a tese sustentada pelo autor, as cidades sugiram como resposta à
necessidade de defesa ou de caminhos; poucas são as vezes em que as cidades nasceram de
planos conscientes de estratégia ou da política econômica e eclesiástica dos senhores da
metrópole.
As cidades eram, portanto, espaço simbólico do limitado em contraste com o
continente que era ilimitado.
Cercar as cidades com valados, muros, cercas ou baluartes é diferençar um campo para
uma cultura nova, um espaço que, a princípio, prescinde e até se opõe ao resto da terra.
Mas a cidade não seria as casas, as cabanas, os armazéns. É um espaço para as casas,
famílias, mas é mais ainda, é a área para o ajuntamento civil, para os comícios populares,
para os câmbios da riqueza, para as decisões dos órgãos do poder público, para os
convívios humanos. A polis para a vida política (p.08).
―As cartas régias, autorizando a fundação das vilas, impunham a obrigação de cercá-
las e definiam os planos urbanísticos a serem cumpridos‖ (p.08). Isto fica claro nas
Ordenações Filipinas, na cláusula que cria um código geral de postura Municipal, insistindo
na necessidade de demarcar a praça, ruas e rocios. ―Fora das lições oriundas das Ordenações
de Felipe II, mais nada ou quase nada tivemos, em matéria de urbanismo. O português
trimbou por ignorar a ordem no capítulo da edificação das cidades. E muito pouco atendeu
paras as lições de El-Rei Felipe!‖ (p.09). De acordo com Omegna, isso se explica por serem
homens de formação muito mais rural que citadina.
Para a criação das cidades, o primeiro problema encontrado era o da escolha do local,
o critério utilizado para a eleição do sítio era que ―a cidade deveria ser posta em pontos que
não fossem difíceis seus contactos com outras cidades, outros centros de civilização‖ (p.10).
Visavam também à criação de uma área de hinterland, para que a vizinhança de outra cidade
não lhe perturbasse a vida e ação. Uma das poucas regras urbanísticas estabelecidas pelos
portugueses na criação das cidades era que as mesmas deveriam ser construídas sobre um
morro para facilitar a defesa. ―Era conveniente que o sítio da cidade não fosse deserto [...]. E
que as terras fossem férteis ou o subsolo fosse rico‖ (p.11).
Nas Ordenações Filipinas, havia uma preocupação com as condições sanitárias, fato
este que não aparece nas determinações dos portugueses, para as construções de suas cidades
coloniais.
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Uma característica marcante do projeto de cristianizar a paisagem colonial, pode-se
fazer notar nos nomes de santos dados às cidades coloniais. ―Um traço comum a quase todas
elas é que se fundam com um número reduzido de moradores - vinte, trinta, quarenta pessoas‖
(p.13). Outro fator que merece a nossa atenção é que as cidades coloniais foram sempre fonte
de atração para a população flutuante, como os indígenas, que tiveram seu modo de vida
desestruturado. ―Nascida da declaração de uma vontade teórica de El-Rei, através de um ato
solene se funda realmente, à medida que a natureza e os naturais, que, de início, nada tinham
com ela, nela se introduzem para lhe dar seiva e sangue, vida e riqueza‖ (p.13).
Neste sentido, o autor afirma que:
A cidade colonial, algumas vezes, começava por um espaço vazio em redor do qual se
enrolava a muralha ou se cavava o velado ou se alteava os baluartes. Se tinham, num
dado e efêmero momento, um sentido tático de defesa e proteção contra investida
inimigas, tiveram por mais tempo os muros certa significação ecológica (p.16).
Os construtores importavam da Europa o modelo das cidades medievais, cercadas de
muros. Para eles, o que caracteriza o modelo de cidade era o que ele conhecia em seu país de
origem, de outro contexto histórico e temporal. ―Os muros importavam mais como marca
urbanística. [...] As Igrejas se edificavam com lentidão e pobreza. Mas os muros como órgão
vital da vila são sempre vigiados, muito falados, muito discutidos e, às vezes, até fortificados‖
(p.17). Os muros servem para dividir e categorizar os moradores, funcionado, assim como um
forte elemento definidor de status na nascente sociedade colonial. As classes de maior
prestígio moram nas áreas defendidas e policiadas. Aos índios não era permitido residirem
nesse espaço. Os negros também deveriam permanecer além dos muros. Cidade é apenas a
área cercada pelos muros, além dos muros, ficam os bairros, as aldeias, os arraiais. ―E os que
são de fora são os forasteiros, estão sob a frequente vigilância da Câmara [...]‖ (p.18).
―Nas cidades mineiras, geralmente erguidas, nos morros, as famílias mais abastadas,
porque moram nas partes mais altas, são gente de cima, os pobres, gente de baixo, porque
moram em bairros situados nos valos ou baixadas [...]‖(p.21). Por pequenas que fossem as
cidades coloniais, desde cedo pode-se notar a tessitura de sua estratificação social através das
áreas naturalmente destinadas a etnias, classes e a ofícios diferentes.
O autor ressalva que ―Euclides da Cunha, ao pintar a cidade colonial, lembra que ela
tinha três cores, falava três línguas e definia em três estádios evolutivos‖ (p.22). As cidades
funcionaram como mola propulsora à miscigenação das três culturas, devido à proximidade e
à convivência.
Na formação das cidades vão concorrer acirradamente o comércio e a Igreja, pois cada
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um destes fatores lhes emprestou sua colaboração. A princípio, é tamanha a importância do
mercador que se faz notar quando ―o povo começa a confundir a vila com o comércio, e é
comum dizer ―ir ao comércio‖ para significar ―ir à cidade‖ (p.22). O comércio e a Igreja
concorrem pela escolha da melhor área urbana; ―o comércio se instala em ´logeas´ e em
sobrados [...]. No coração das vilas, a Igreja marca o ponto alto da vila comunal‖ (p.23). As
edificações das Igrejas são quase sempre majestosas, contratando com a pobreza das casas,
atraindo para junto de si os moradores como forma de demarcar prestígio. Em toda a vila, a
praça da matriz ficou sendo a área de maior prestígio urbanístico. ―A Igreja grande, vistosa,
marca o centro citadino, porque é ela quase a única edificação de feitio e estilo realmente
urbano‖ (p.23).
Existia um planejamento para as construções das Igrejas, portanto elas eram urbanas
por excelência. ―A sua arquitetura não é filha do instinto. É uma herança cultural, transferida
dos modelos de além-mar ou de outros centros brasileiros mais evoluídos, por artistas que se
inspiram em lições de outros mestres‖ (p.24), muito embora, em não raras vezes, adaptando
esses modelos à matéria disponível na colônia. As Igrejas também serviram para definirem as
categorias sociais dos moradores por critérios como raça e profissão, fato que estabeleceu
competição entre os moradores, surgindo assim uma infinidade de Igrejas nas cidades
coloniais.
Em sua maioria, as cidades colônias estabeleceram economias de subsistência,
exceções são algumas cidades portuárias e algumas vilas mineiras, onde se instalou a
burocracia. Em poucos casos, como é o de São Paulo, o comércio ganha destaque
internacional. ―A grande maioria não vence o isolamento da primeira fase da economia
rudimentar e fechada‖ (p.29). ―O domínio rural sobre o mundo urbano impôs às cidades da
colônia a condição de serem pequenas e pobres‖ (p.33).
O autor enfatiza que ―pequenas e pobres, as vilas coloniais vieram a exercer, em
virtude mesmo dessa dupla maneira de ser, marcada influência na formação política e social
do país‖ (p.34). Dois Brasis se destacavam, um do latifúndio, outro da cidade, que
disseminavam o papel da cidadania, da luta, da proteção das leis, dos bons costumes, da
moralidade. Enquanto nos latifúndios permanecia a estrutura binária: senhor + escravos, nas
vilas se diversificavam o status de seus moradores. ―Contrabalançando a simples dicotomia
das vilas coloniais de senhor e escravos da casa-grande, a pequena vila estratificava-se em
ralas classes, que, pela sua permeabilidade e capilaridade, engendrava de algum modo um
clima à democracia social‖ (p.37). Tratando dos aspectos urbanísticos, uma das características
marcantes é o ―artificialismo manifesto na pompa das edificações oficiais ou eclesiásticas, em
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contraste com a modéstia das residências e a importância do povoado‖ (p.42). A catedral,
como até hoje, sobressaía-se na paisagem citadina, em porte desproporcional ao restante das
construções da cidade, marcando uma das características dos portugueses, o gosto pela
ostentação. ―Na beleza da Igreja punham os homens o seu orgulho. E para edificá-la se
carreavam todos os recursos de uma sociedade cheia de cuidados, inquietações e anseios
piedosos‖ (p.51).
A cultura portuguesa buscou transplantar para a colônia o modelo cristalizado das
formas das cidades europeias, por isso muitas delas eram mais ligadas aos grandes centros
ultramarinos do que ao seu espaço geográfico e nativo. Este fato fez com que as cidades
tivessem uma evolução lenta, seguindo etapas distintas, ―mas com uma explosão de força,
com um feitio material e uma organização cultural evoluídos e maduros‖ (p.53). Muito
lentamente, essas cidades vão criando características próprias e cortando o cordão umbilical
que as prendiam à metrópole.
Tentando categorizar as cidades, o autor caracteriza as cidades-aldeias, que segundo
ele são aquelas que ―vivem um regime de auto-suficiência, prescindindo até do uso da moeda
portuguesa para as suas transações, que se fazem à base de troca de gêneros‖ (p.54). Essas
vilas vão desembocar nas cidades brasileiras especializadas e latifundiárias, e
consequentemente com maior poder político, este advindo de suas organizações fechadas. As
cidades litorâneas tenderam a se tornarem centros de expansão, tendo em vista serem
privilegiadas, com a comunicação e o transporte emancipados.
As cidades marginais são aquelas cheias de homens pobres e pessoas ávidas de
fortuna, por ausência de um aparato estatal organizado. Essas cidades são marcadas pela
violência. ―O crescimento ocorre só em virtude da imigração, que empresta alta mobilidade
aos quadros sociais com o advento frequente de novos elementos humanos‖ (p.57).
De acordo como Omegna, ―a cidade aparece no processo da evolução histórica, como
fruto de um salto que o homem desse dos estágios da barbárie para os da civilização (p.63).
Na visão do autor, as cidades surgem como verdadeiro berço de civilização, "pois só depois
delas é que o homem se civiliza" (p.63), portanto a cidade tem intrínseca a Missão
civilizadora, tomando-se cada uma delas como um foco de revolução urbana.
A vitória que o português colhe é menos de militar que educacional e catequética. É menos da fortaleza da vila, em cujo seio se opera a absorção do nativo em processo sociológico de acomodação, de adaptação, de assimilação, e pelo biológico da cruza, e que funcionam, numa trama de interações fecundas, para enredar, enfeitiçar, desindianizar, branquear e converter o índio (p.65).
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As primeiras cidades que foram edificadas no Brasil tiveram como objetivo fixar um ponto
estratégico no mapa das conquistas, sendo, portanto, denominadas cidades de ocupação. Outra
tipologia de cidade abordada pelo autor é a vila agrícola ou doméstica. Talvez esse tenha sido o
primeiro tipo de cidade a aparecer. Essas cidades domésticas tinham pouco de urbano,
conservando muito dos hábitos rurais.
O autor ressalta que "a religião explica o surgimento de tantas cidades, através da
história, especialmente na Idade Média‖ (p.70). Outra vez a religião funciona como
demarcadora das áreas destinadas à cidade. Exemplificam esse fato os lugares santos, como
a cidade de Aparecida do Norte, no Estado de São Paulo e as cidades missionárias, que
surgiram por motivações religiosas, nas regiões das missões.
A economia é um ponto marcante na instituição das cidades, pois as aglomerações
geram mercado consumidor e promovem competição, incentivam o trabalhador acelerando o
ritmo criador. "A divisão do trabalho que amacia e racionaliza as concorrências no processo
de produção e permite a convivência de maiores aglomerações humanas, solidarizados seus
integrantes organicamente, à base de suas dessemelhanças" (p.79).
Para o autor, as cidades corrigem o ímpeto aventureiro das correntes migratórias e
instáveis, tornando-se assim um fator de fixação. "As cidades coloniais tiveram outro papel
saliente na elaboração dos destinos nacionais: elas racionalizaram o homem e deram-lhe um
espírito urbano que foi, em alguns aspectos, típico do Brasil" (p.86). A própria natureza da
cidade capacita-a para funcionar como órgão racionalizador do comportamento dos vizinhos.
―O fato de necessitarem viver muitas pessoas numa área estreita impõe convenções,
costumes, leis e órgãos que disciplinam a conduta coletiva" (p.87).
Durante toda a obra, o autor busca mostrar que o "espírito colonial" ficou
profundamente incrustado na nacionalidade e no povo brasileiro. Por esses motivos, é
possível observar a grande visão histórica e sociológica desse fluminense de Niterói, que
sempre acreditou que a descapitalização e a multiplicação das pequenas cidades autônomas é
ainda hoje um dos segredos do nosso futuro na construção de um país mais humano, cordial e
fraterno, apesar de todos os vícios coloniais que deixaram marcas indeléveis em nossa
estrutura social.
Por tudo isso, merece ela ser considerada como um dos CLÁSSICOS da nossa visão
do passado e de nossa projeção no futuro.
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A ESPETACULARIDADE ENTRA EM CENA: PERFORMANCE DAS
PROSTITUTAS DE RIACHÃO DO JACUÍPE DURANTE A LOUVAÇÃO AO
GLORIOSO SÃO ROQUE
BENEVIDES, Nete. A louvação das prostitutas de Riachão do Jacuípe ao glorioso São
Roque. Salvador: Secretaria de Cultura e Turismo, FUNCEB, 2006. 278 p.
Resenhado por/Reviewed by: Vandeir José da Silva*
O livro "A Louvação das prostitutas de Riachão do Jacuípe ao glorioso São Roque"
destaca-se entre os lançamentos atuais nos estudos culturais1 por se tratar de uma obra
inovadora nas Ciências Sociais, estabelecendo um intercâmbio entre os diversos campos
dessas ciências, tais como Sociologia, Antropologia e História.
Nete Benevides entra para a arena cientifica intelectual brasileira com uma obra no
mínimo original. Em um país, que até pouco tempo atrás desprezava os estudos culturais,
estudar uma manifestação cultural organizada por mulheres é sem sombras de dúvidas um
feito corajoso; quando esta manifestação é organizada por prostitutas, torna-se um ato
admirável pelo seu caráter desbravador e pioneiro. Altamirando Camancan destaca na
apresentação o fato de a edição do livro marcar ―uma abertura para um olhar humanizado e
justo sobre a vida, o trabalho, a fé e as artes praticadas pelas prostitutas de Riachão.‖
O livro é resultado da dissertação de mestrado da autora apresentado ao IPGAC na
Universidade Federal da Bahia. Foi escrito em uma linguagem clara, de fácil entendimento e
de leitura prazerosa. Didaticamente está dividido em quatro capítulos.
Na introdução, a pesquisadora se ocupou em descrever a localidade, Riachão do
Jacuípe, oferecendo inclusive as coordenadas geográficas, para que o leitor possa entender
com precisão onde fica situada a comunidade estudada.
* Professor de Antropologia e Metodologia da Pesquisa. Integrante do Laboratório Transdisciplinar de Estudos
sobre a Performance- TRANSE/SOL/UnB. Mestrando do programa de pós-graduação em História, UnB. Email:
1 Os Estudos Culturais originaram-se na Universidade de Birmingham, por volta da década de 50, quando foi
fundado o Centro de Estudos Culturais Contemporâneos. Entre os nomes de maior destaque estão Richard
Hoggart, Raymond Williams e E. P. Thompson, seguidos posteriormente por Stuart Hall. Esses autores procuram
estudar a cultura não como um espaço simbólico de dominação e reprodução das ideias dominantes, mas
fundamentalmente como um lugar de luta entre diversas culturas, vinculadas a determinados estratos da
sociedade.
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Segundo Nete Benevides, o culto a São Roque teve início na referida comunidade no
ano de 1921, momento em que Ribeirão do Jacuípe foi acometido pela peste; ―desde então, o
‗glorioso santo‘, que a crença acredita afastar a peste e curar os moribundos, goza da mesma
estima que a padroeira oficial, Nossa Senhora da Conceição‖ (p.18). Para agradecer ao santo,
no dias 14 e 15 do mês de agosto, todos os anos, a sociedade local organiza a festa em seu
louvor. A festa é composta por novenas na Matriz de Nossa Senhora da Conceição, feiras,
comidas típicas e tudo mais que é próprio das festas religiosas da cultura popular brasileira.
De acordo com a autora, foi a partir de 1930 que as mulheres moradoras da antiga Rua
do Fogo, região do meretrício jacuipense, passaram a participar das ―comemorações do
glorioso santo, também considerado, no imaginário popular, protetor das raparigas do sertão‖
(p.19). Sendo excluídas das comemorações da festa, as raparigas organizaram uma tarde de
evento, da qual passou a participar ―uma grande parcela da população economicamente menos
privilegiada, como feirantes, magarefes, lavadeiras, carroceiros e coveiros, os quais vivem as
expectativas dessa encenação anual que se acha inscrita no calendário de festas jacuipense‖
(p.19). A autora enfatiza que além da devoção, o culto ao São Roque funciona como um
espaço promovedor das sociabilidades dessas classes envolvidas na festa ―trata-se, portanto,
do espaço em que as raparigas sertanejas conquistaram para extravasar seu cotidiano oprimido
e marcado pela miséria social‖ (p.19).
Benevides salienta que o objetivo de sua pesquisa foi analisar a dimensão espetacular
dos rituais realizados por essas pessoas, ―pois é fato notório que as mulheres da antiga Rua do
Fogo e seus pares utilizam, quase como pretexto, o louvor a São Roque para conquistar este
espaço e, assim, ter acesso à brincadeira festiva durante o tempo da encenação‖ (p.20).
A autora ainda localiza a sua pesquisa no campo da Etnocenologia, pois associa
disciplinas que possibilitam a análise do comportamento humano e as ciências das artes,
interagindo num campo transdisciplinar. Salienta que o fenômeno das interpretações é
interessante do ―ponto de vista tanto artístico quanto social, considerando a opressão dos
excluídos que se afirmam como seres criativos‖ (p.27).
Para a construção do capítulo introdutório, a autora empreende minuciosa pesquisa
histórica na Biblioteca Nacional, buscando historicizar a cidade a partir de 1800, momento em
que os habitantes da região solicitaram de Portugal a criação da freguesia. No entanto, apenas
em 1878 é promulgado um código de Postura, documento que representa a instalação da
cidade.
Apesar de a cidade ter surgido sob o domínio da Igreja Católica, o culto a São Roque
em Riachão pode ser atribuído ao
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retorno de algumas moléstias aliadas às pestes sociais, tais como a miséria, o
desemprego, a violência e as drogas[...]transformando-o numa espécie de co-padroeiro,
possuidor da mesma força da Senhora da Conceição, padroeira oficial‖ (p.31). Por que a
―figura de São Roque tornou-se um exemplo de caridade cristã, um santo muito querido
junto ao povo economicamente humilde, pela generosidade com que dividiu seus bens
com os pobres e doentes, em geral pela benevolência que dedicou aos enfermos (p.32).
A autora ainda apresenta um fantástico estudo sobre o sincretismo religioso que se
desencadeia a partir da fusão de elementos da religião católica e dos cultos afro-brasileiras.
Mostrando uma analogia entre o Orixá Obaluaê e São Roque, sendo que ambos são
referências entre as pessoas que estão em busca de curas ou proteção de sua saúde.
No primeiro capítulo, intitulado “Primórdios do povoamento da região de Riachão do
Jacuípe”, é feito um amplo inventário das origens históricas e religiosas responsáveis pela
formação cultural da referida sociedade, buscando demonstrar sempre as peculiaridades dessa
região, pertencente ao semi-árido da Bahia.
O segundo capítulo, “A peste e a vida de São Roque”, investiga os motivos pelos
quais a população do Riachão do Jacuípe voltou a sua fé para São Roque. O culto ao glorioso
São Roque foi difundido em nosso país com a chegada dos colonizadores portugueses no ano
de 1500 e que na contemporaneidade mantém-se vivo em diversas cidades baianas. De acordo
com a autora, foi a presença de pestes e epidemias na região do Jacuípe o principal motivo da
fé da população no santo. Ainda, de acordo com ela, São Roque e o Orixá Obaluaiê são as
referências religiosas mais cultuadas na comunidade.
No terceiro capítulo, “Um percurso sexual no imaginário sertanejo”, Benevides
analisa a prostituição no meretrício de Riachão do Jacuípe e chega à conclusão de que o fato
que o impedimento das mulheres da Rua do Fogo em participar da procissão promovida pela
sociedade jacuipense na tarde do dia 16 de agosto, não retira dessas mulheres a capacidade
criadora. Embora excluídas da festa oficial, elas usam toda a sua criatividade para
organizarem os festejos da tarde do dia 15 de agosto.
Nesse capítulo, a autora trata com profundidade os estudos sobre gênero. Busca
demonstrar a luta das mulheres para se afirmarem enquanto atores sociais, construtoras de
suas próprias histórias. Para tal, realiza entrevista com as mulheres da Rua do Fogo e
reconstrói o cotidiano do meretrício através das falas das entrevistadas. Um bom exemplo é
quando descreve como moravam e como eram excluídas essas mulheres:
A maioria dessas raparigas moravam dentro do brega. Em cada brega, normalmente se
encontravam de dez a doze mulheres, contudo quando na época da festa ou final de
semana, havia um grande fluxo de mulheres. Nos cabarés se realizavam as micaretas,
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quando as mulheres dançavam de biquíni e sutiã, shortinho curto e mini-saia. Havia o
Carnaval do Mercado, com música de pistom, mas algumas raparigas eram impedidas de
entrar, assim quem sobrava ia dançar nos bregas (p.103).
“A espetacularidade na cena da Rua do Fogo” é o título do quarto e último capítulo
do livro. Nele são descritas a brincadeiras festivas produtoras da espetacularidade da Rua do
Fogo. Vale ressaltar que a autora utiliza uma perspectiva artística com nuances do social para
descrever as danças das raparigas, assim como a performance e a musicalidade da bandinha
que acompanha a procissão das mulheres. Existe também uma grande preocupação em
descrever o figurino e a coreografia utilizados por essas mulheres no ritual de louvação ao São
Roque. Segundo Benevides: ―assim como acontece em festas religiosas, na lavagem das
mulheres da Rua do Fogo, duas bandeiras são empunhadas durante o percurso, simbolizando
seu ofício de fé no glorioso São Roque‖ (p.115) ―[...] a porta bandeira é a autoridade maior na
organização da lavagem; observa-se solidariedade entre a divisão dos adereços, quem possui
muitos elementos alegóricos cede alguns a quem nada possui ou acha-se pouco enfeitado (a).
Alguns trocam de colares ou de turbante e produzem a maquiagem uns dos outros‖ (p.117).
A autora analisa o ritual como a possibilidade de afirmação social dessas mulheres,
porque:
para essas mulheres, que vivem à espera desse espaço conquistado para a brincadeira
festiva, São Roque funciona como um alvará que licencia o lema ‗O que é que o povo vai
dizer de nós, se estamos louvando um santo?‘ [...] como no cotidiano da cidade as
mulheres do meretrício não contam com qualquer expressão social, uma vez que existem
no limbo da sociedade e a serviço dos homens, nessa procissão emerge um sistema social
que deflagra um rito, uma rede de relações em que a memória da exclusão social se
clarifica. É fato que para muitos habitantes da cidade, a lavagem não passa de uma
‗brincadeira de puta‘, uma brincadeira sem muita importância, muito embora a tradição
popular revele a expressão criativa dessas mulheres que no passado tiveram nos
delegados de polícia os líderes da repressão [...] (p.125).
Continuado a análise do espetáculo, Benevides afirma que ―se a existência social é,
antes de qualquer coisa, teatral, a cena de que essas mulheres participam revela a sua
importância por mais simples que ela seja [...]‖ (p.131).
Sem sombras de dúvidas, esse é um livro que, através do registro de memórias
coletivas da Lavagem da Rua do Fogo, a autora traz para o debate acadêmico uma cultura e
um saber popular exercido por atores sociais excluídos da sociedade. A metodologia usada
pela autora foi a técnica da História Oral. Portanto, instrumento importante para coletar na
oralidade os sonhos e as lutas dos personagens excluídos. Seu trabalho tem o caráter de
descortinar saberes e fazeres importantes para se entender melhor a cultura do Brasil,
tornando-se uma obra obrigatória a todos os estudiosos da cultura brasileira.
HUMANIDADES & TECNOLOGIA EM REVISTA
FACULDADE DO NOROESTE DE MINAS-FINOM-PARACATU-MG
Ano III , vol. 3- Jan/Dez 2009
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO
Os trabalhos para publicação deverão ser apresentados em CD (devidamente etiquetado, com
título do texto, nome do autor e e-mail; editor Word for Windows 6.0 ou superior), acompanhados de
duas cópias impressas. A identificação do autor e da instituição deverá constar apenas no arquivo em
CD, que deverá apresentar claramente o título do trabalho científico. Os artigos devem ter entre 15 e
20 laudas e os ensaios entre 20 e 30 páginas (Times New Roman tamanho 12, folha A4), com
espaçamento entrelinhas de 1,5. As resenhas e sínteses não devem ultrapassar a 5 laudas. Os trabalhos
científicos devem ser normatizados da seguinte forma:
1) Título com as letras maiúsculas, centralizado, tamanho 12, em português e inglês;
2) Identificação do autor logo abaixo do título, tamanho 12;
3) Identificação e endereço da Instituição a qual pertence(m) completos. Todas as notas
deverão constar no rodapé.
4) Resumo em português, tamanho 12 e espaço simples, no máximo de 10 linhas;
5) Palavras – chave (máximo de cinco);
6) Abstract, tamanho 12 e espaço simples, reproduzindo o resumo em português;
7) Keywords;
8) Texto de acordo com as normas da ABNT, sem numeração nos subtítulos. A diagramação
dos textos obedecerá às normas da Revista Humanidades e Tecnologia. As citações devem
ser feitas no corpo do texto: (Sobrenome do autor, data) ou (Sobrenome do autor, data,
página). Ex.: (Saquet, 2000) ou (Saquet, 2000, p.31). Caso o nome do autor esteja sendo
mencionado no texto, indicar somente a data. Ex.: ―Desta forma, Santos (1997), mostra
elementos da ...‖.
9) Referências Bibliográficas conforme a ABNT. Bibliografia: deve constar no final do
trabalho científico e em ordem alfabética. a) Livros: SOBRENOME, Nome. Título da
obra. Local de publicação: Editora, data. Ex.: CORRÊA, Roberto. A rede urbana. São
Paulo: Ática, 1989.; b) Capítulo de livro: SOBRENOME, Nome. Título do capítulo. In:
SOBRENOME, Nome (Org). Título do livro. Local de publicação: Editora, data. Página
inicial-final. Ex.: IANNI, Octavio. Dilemas da integração regional. In: SOUZA, Álvaro
(Org). Paisagem território região: em busca da identidade. Cascavel: EDUNIOESTE,
2000. p.133-136.; c) Artigo em periódico: SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título
do periódico, local de publicação, volume, número, página inicial-final, mês(es). Ano.
Ex.: MACHADO, Lucy. Cognição ambiental, processo educativo e sociedades
sustentáveis. Faz Ciência, Francisco Beltrão, vol. 5, n.1, p.131-146, dezembro, 2003.; d)
Dissertações e teses: SOBRENOME, Nome. Título da tese (dissertação). Local:
Instituição em que foi defendida, data. Número de páginas. (Categoria, grau e área de
concentração). Ex.: RIBAS, Alexandre. Gestão político-territorial dos assentamentos,
no Pontal do Paranapanema (SP): uma leitura a partir da COCAMP. Presidente
Prudente: FCT/UNESP, 2002. 224p. (Dissertação, mestrado em Geografia).
10) Os textos deverão ser enviados após a revisão gramatical e ortográfica.