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149 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012 Homem e espaço: interações dentro da comunidade Paraisópolis Veronica Menezes Amorim 1 Izildo Carlos Alves da Silva 2 1 Licenciada em Geografia pelo Centro Universitário Claretiano - SP. Email: <[email protected]>. 2 Mestre em geografia pela Universidade de São Paulo (USP). É professor nas redes estadual e municipal de São Paulo e também na Fundação Santo André, lecionando para turmas dos ensinos fundamental e médio. E-mail: <[email protected]>. Resumo: As interações entre homem e o espaço permitem identificar as origens e consequências dos principais problemas sociais e econômicos vividos por pessoas carentes. Este trabalho tem como objetivo identificar problemas urbanos que ocorrem dentro da comunidade carente Paraisópolis, a segunda maior do estado. Ao se identificar os principais problemas, entender suas origens, buscar detalhes sobre início de sua ocupação, assim como a gradativa mudança no decorrer do tempo, consegue-se traçar o ciclo da segregação social ali ocorrida. Como elemento integrador e humanizador, a pesquisa destaca a importância da educação, principalmente para adultos que não tiveram oportunidade de estudar na sua infância, não chegaram à alfabetização, situação que os deixam socialmente excluídos. Para tanto serão analisadas atividades da instituição de ensino, mantida pela Fundação Visconde de Porto Seguro, que promove a Educação de Jovens e Adultos. Para concluir, será apresentado um estudo de caso com aluno frequentador da EJA (Educação de Jovens e Adultos) que destacará importantes contribuições advindas do acesso à educação, tanto para ele como para sua família. Palavras-Chave: Comunidade. Paraisópolis. Educação.

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149Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012

Homem e espaço: interações dentro da comunidade Paraisópolis

Veronica Menezes Amorim 1

Izildo Carlos Alves da Silva 2

1 Licenciada em Geografia pelo Centro Universitário Claretiano - SP. Email: <[email protected]>.2 Mestre em geografia pela Universidade de São Paulo (USP). É professor nas redes estadual e municipal de São Paulo e também na Fundação Santo André, lecionando para turmas dos ensinos fundamental e médio. E-mail: <[email protected]>.

Resumo: As interações entre homem e o espaço permitem identificar as origens e consequências dos principais problemas sociais e econômicos vividos por pessoas carentes. Este trabalho tem como objetivo identificar problemas urbanos que ocorrem dentro da comunidade carente Paraisópolis, a segunda maior do estado. Ao se identificar os principais problemas, entender suas origens, buscar detalhes sobre início de sua ocupação, assim como a gradativa mudança no decorrer do tempo, consegue-se traçar o ciclo da segregação social ali ocorrida. Como elemento integrador e humanizador, a pesquisa destaca a importância da educação, principalmente para adultos que não tiveram oportunidade de estudar na sua infância, não chegaram à alfabetização, situação que os deixam socialmente excluídos. Para tanto serão analisadas atividades da instituição de ensino, mantida pela Fundação Visconde de Porto Seguro, que promove a Educação de Jovens e Adultos. Para concluir, será apresentado um estudo de caso com aluno frequentador da EJA (Educação de Jovens e Adultos) que destacará importantes contribuições advindas do acesso à educação, tanto para ele como para sua família.

Palavras-Chave: Comunidade. Paraisópolis. Educação.

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1. INTRODUÇÃO

As interações ocorridas no interior do espaço onde o homem vive e interage poderá trazer certos benefícios, o que resultará em melhoria em sua qualidade de vida. Entender como se dá o desenvolvimento urbano de determinada região carente permite identificar a origem de seus problemas sociais e econômicos.

Ao se conhecer a origem dos problemas vividos pela comunidade há a possibilidade de propor soluções com o objetivo de minimizar sofrimento e melhorar condições de vida da camada pobre da população.

Pesquisas bibliográficas e entrevistas foram utilizadas para o desenvolvimento desse trabalho, que demonstra como instituições assistencias, quer sejam particulares ou públicas, poderão intervir na vida da população carente moradora da comunidade Paraisópolis.

O assistencialismo, como única ferramenta, não servirá de base para integração dessa população. É necessário mais.

A educação de qualidade tem o poder de traçar um caminho que levará os indivíduos às práticas de cidadania, tornando-os conscientes de suas obrigações e seus direitos.

O Brasil tem uma porcentagem elevada de analfabetos, motivo pelo qual destaco o trabalho desenvolvido pela Fundação Visconde de Porto Seguro, instituição particular de educação, que mantém a Educação de Jovens e Adultos e atende a população pobre que reside em seu entorno e contribui para a erradicação do analfabetismo, oferecendo um ensino de qualidade.

À luz das concepções de Paulo Freire (1989) é possível afirmar que a leitura, fruto da educação, é instrumento de integração social, de ampliação de visão do mundo e constrói um saber que promove a todo homem um lugar ativo no mundo globalizado.

Com tais concepções, esse trabalho terá como objetivo incentivar diversas instituições e contribuir para os estudos sobre a importância do desenvolvimento social para o crescimento econômico do país.

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2. MeTODOlOgIa

Para o desenvolvimento deste trabalho foram utilizadas pesquisas bibliográficas e um estudo de caso, a partir de entrevista.

Na questão urbana e para a análise do espaço foram usadas as concepções de Milton Santos (1982, 1996), pois sua teoria geográfica do espaço explica as ações do homem em seu ambiente de convívio social. Para as características espaciais e interações da favela de Paraisópolis serviram de base a importante obra de Eduardo Marques e Haroldo Torres, São Paulo: Segregação, Pobreza e Desigualdades Sociais (2005).

Diante da importância da alfabetização, inseridas na educação de jovens e adultos, utilizei as teorias e contribuições de Paulo Freire (anos de referência), considerado especialista nessa modalidade de educação.

Por fim, a pesquisa é encerrada com entrevista feita com um aluno, morador da comunidade de Paraisópolis e frequentador da EJA. O estudo de caso agregou conhecimento e pôde confirmar a importância das parcerias assistencias que promovem uma melhoria na vida da população pobre, objeto de estudo desse trabalho.

3. DIsCUssÃO

No município de São Paulo existem atualmente inúmeros cidadãos vivendo em condições de pobreza extrema.

Diversas pesquisas demonstram uma quantidade significativa de pessoas residindo em comunidades carentes, resultado da precariedade dessa situação econômica.

A partir de pesquisas cartográficas das favelas e censos do IBGE, Marques e Torres (1995, p. 86) chegaram aos seguintes resultados, quantificando moradores pobres no município de São Paulo:

“Obtivemos em relação ao ano de 1991 uma população de 900 mil habitantes em favelas, ou 9% da população total, [...] em quanto em 2000 à cidade teria uma população total de 1,2 milhões de habitantes, resultando em 11% da população municipal”.

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Já numa esfera estadual é possível mensurar a porcentagem de pessoas pobres dos Estados brasileiros, entre eles o Estado de São Paulo, no ano de 2010, conforme gráfico a seguir:

Figura 1

Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2010 (resultados preliminares); Fundação Seade.

Do total de 16,2 milhões de pessoas consideradas extremamente pobres no país, com renda per capita inferior a R$ 70, cerca de 1,1 milhão reside no Estado de

São Paulo, o que representa 7,0% da população pobre do país, ou 2,6% da população paulista. No conjunto do país, 8,6% dos brasileiros vivem em extrema pobreza.

(SEADE, 2011, p.1)

Diante das análises desses dados e da necessidade de se entender a problemática causada pela pobreza vivenciada em comunidades carentes, é possível mensurar a importância de se estudar e avaliar as causas da pobreza e para tanto se faz necessário considerar os diversos aspectos e situações que norteiam as comunidades carentes. Conforme concepção de Milton Santos:

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A cidade, onde tantas necessidades emergentes não podem ter respos-ta, está desse modo fadada a ser tanto o teatro de conflitos crescentes como o lugar geográfico e político da possibilidade de soluções. Es-tas, para se tornarem efetivas, supõem atenção a uma problemática mais ampla, pois o fato urbano, seu testemunho eloquente, é apenas um aspecto. Daí a necessidade de circunscrever o fenômeno, iden-tificar sua especificidade, mensurar sua problemática, mas, sobretu-do buscar uma interpretação abrangente (SANTOS, 1996, p.11).

4. COMUNIDaDe PaRaIsóPOlIs

Na região metropolitana de São Paulo localiza-se a favela de Paraisópolis, considerada a segunda maior do Estado.

A Comunidade Paraisópolis está localizada numa extensa área entre a Avenida Giovanni Gronchi e a Avenida das Nações Unidas (Marginal Pinheiros).

É a segunda maior comunidade carente de São Paulo, com uma população estimada em aproximadamente 90.000 habitantes, cuja maioria não concluiu o Ensino Fundamental. Segundo dados da Fundação Visconde de Porto Seguro:

A renda média das famílias varia entre dois e três salários mínimos, com luz clandestina, água encanada em 50% de sua área, esgoto a céu aberto, poucas ruas pavimentadas e a maioria sem calçadas. As casas são de alvenaria ou madeira construídas em área de risco (2010, p.10).

A violência está presente e, atualmente, em destaque, havendo elevação do número de casos de roubos, sequestros e estupros o que provocou um manifesto chamado “SOS Morumbi”. O manifestou reuniu 3,5 mil moradores e aconteceu na Praça Vinicius de Morais, em 28 de agosto de 2011 ( Jornal DCI, 2011).

A comunidade apresenta inúmeros problemas sociais, econômicos e de falta de atuação do poder público, o que resulta em um decréscimo da qualidade de vida da população local.

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Em 1922 (Fundação Visconde de Porto Seguro, 2010, p.8) a região de Paraisópolis recebeu seus primeiros moradores. A ocupação do espaço, alterando-o para espaço geográfico, é um fenômeno importante para o entendimento da dinâmica de urbanização. Para tanto se faz necessário voltar este estudo, englobando todos os aspectos, sejam econômicos ou sociais, e no decorrer da história.

A respeito desses aspectos, Santos (1982, p.57) afirma que: “Já que a revolução da urbanização se insere em um contexto muito rápido de evolução de outros parâmetros faz- se necessário assinalar diversos outros caracteres distintos [...].”

A região ocupada pela comunidade era uma antiga fazenda de cultivo de chá. Em 1922, a grande área foi loteada. Por conta de alguns lotes vazios japoneses e paulistas ocuparam a terra.

Em 1947, grande número de nordestinos chegou à região para trabalhar na construção civil. Nessa época, duas grandes obras foram responsáveis pela migração de trabalhadores para a região: o Estádio do Morumbi e o Hospital Israelita Albert Einstein.

Os responsáveis pelas obras não ofereceram alojamento para todos os trabalhadores, fazendo com que esses acabassem ocupando os lotes vazios, construindo barracos já que a região era bem próxima as construções. Diante da aparente estabilidade financeira, com emprego e terreno disponível, a maioria dos trabalhadores trouxe seus familiares para morar no bairro.

Paraisópolis cresceu desordenadamente, sem planejamento urbano, sem estrutura, sem serviços básicos para a população e, ainda hoje, existe certa desestrutura que provoca grande segregação social, e consequente sofrimento das famílias.

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Figura 2 - Comunidade Carente Paraisópolis (2011). Poluição e lixo acumulado. Acervo do autor.

Figura 3 - Comunidade Carente Paraisópolis (2011). Poluição do córrego, esgoto sem tratamento. Acervo do autor.

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Figura 4 - Comunidade Carente Paraisópolis (2011). Becos, ausência de pavimentação, construções inadequadas. Acervo do autor.

5. PROjeTOs sOCIaIs eM PaRaIsóPOlIs

A comunidade ocupa uma área de 800.000 metros quadrados e possui atualmente entre 80.000 e 100.000 habitantes (Paraisópolis, 2011). Localiza-se na região oeste e faz divisa com um dos bairros mais nobres de São Paulo, o Morumbi.

Tal situação geográfica define a favela, segundo Marques e Torres (1995), como área de relativa segregação social. Essa afirmação baseia-se pela presença de pessoas de classe social altíssima, moradores de prédios

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de luxo e mansões em grandes condomínios que ocupam, praticamente, o mesmo das moradias precárias ocupadas pela população desprovida de recursos.

Existem para os moradores da comunidade certas oportunidades de emprego, o que resulta em uma melhoria na qualidade de vida e no acesso aos serviços básicos. A comunidade oferece vasta mão de obra à população privilegiada: babás, empregadas domésticas, motoristas, seguranças, jardineiros etc., ocupam postos de trabalhos existentes nas mansões e grandes condomínios, estabelecendo uma relação relativamente equilibrada.

[...] a estrutura das relações sociais modela a estrutura de oportunida-des dos indivíduos. Em relação à Paraisópolis, observou-se a articu-lação de três tipos de redes de relações que a tornam atrativa: a oferta de trabalho, as ações públicas (estatais e não-estatais) e as relações de caráter comunitário [...]” (MARQUES, TORRES, 2005, p.196).

Trata-se de um local que se diferencia de outras comunidades carentes, pois possui um número significativo de projetos sociais que oferecem oportunidade de trabalho, educação, serviços básicos de saúde e lazer. Vale ressaltar que não é um lugar perfeito para se viver, ainda há muito a se fazer, principalmente na área educacional, pois há ainda entre os moradores, cerca de 12.000 analfabetos. (Paraisópolis, 2011).

O entorno rico promove na comunidade uma vasta quantidade de entidade assistências, tanto oferecidas pelo governo municipal e estadual, como também, por instituições particulares. Algumas dessas entidades são referências em saúde e educação. A relação abaixo cita algumas dessas instituições que proporcionam importantes contribuições às famílias carentes:

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Em função da vasta oferta de entidades, Marques e Torres (2005, p.209) explicam que:

As redes de relações sociais (religiosas, parentesco, de vizinhança e políticas) nesse contexto funcionam com ativos, e quanto mais re-curso elas têm, mais recursos conseguem obter. Inclui-se nesses ativos a “pacificação”. A dinâmica é circular: a relativa paz de Paraisópolis incentiva o estabelecimento na favela de programas assistenciais [...].

Essa gama de oportunidades permite aos moradores da comunidade alterar sua história de vida, considerando-se que muitos têm em seu passado, históricos de fome, violência e miséria extrema e encontram em seu espaço de vivência certas possibilidades que permitirão uma melhoria significativa na qualidade de vida.

Essas novas possibilidades já permitem concluir que há um aumento na qualidade de vida dos moradores, diante das diversas oportunidades que lhes são oferecidas através dos projetos sociais inseridos na comunidade.

Porém, há de se destacar que o assistencialismo, praticado na maioria das instituições, distancia as pessoas da possibilidade de se extinguir a pobreza de forma efetiva. O assistencialismo, como única ferramenta de ajuda, não promove inclusão social, não integra indivíduos em decisões políticas e não permite desenvolvimento de senso crítico tão importante para a prática da cidadania.

Cabe destacar a importância do acesso à educação nesse processo de cidadania. A universalização da educação é tema importante e presente entre os profissionais e estudiosos da atualidade. Nações que proporcionam acesso à educação de qualidade estão fadadas a um crescimento econômico estável e mantêm a vida de seus cidadãos em equilíbrio tanto econômico como social, melhorando a qualidade de vida.

A respeito da educação Paulo Freire (1989, p.18) coloca que:

Do ponto de vista de uma tal educação, é da intimidade das consci-ências, movidas pela bondade dos corações, que o mundo se refaz. E já que a educação modela as almas e recria os corações, ela é a alavanca das mudanças sociais.

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Em nosso país, essa realidade está bem distante. Temos ainda altos índices de analfabetismo e a qualidade de ensino é inexistente.

Diante desse quadro menciono um projeto educacional, voltado para educação de qualidade que auxilia a combater as altas taxas de analfabetismo presentes na comunidade de Paraisópolis, contribuindo para inclusão social dessa população carente.

6. FUNDaÇÃO VIsCONDe De PORTO segURO

A Fundação Visconde de Porto Seguro cumpre sua função ética, cidadã e de responsabilidade social, por meio da Escola da Comunidade (EC) (Porto Seguro, 2010). A instituição promove ensino de qualidade para crianças moradoras de Paraisópolis, da Educação Infantil ao Ensino Médio. A escola mantém curso de alemão em nível básico e avançado, promove curso de artesanato para mães dos alunos, oferece oficinas de jornalismo, fotografia e diversas palestras.

A comunidade que possui entre 80.000 e 100.000 habitantes apresenta um número elevado de analfabetos, cerca de 12.000 (Paraisópolis, 2010). Número elevado, que provoca segregação social e permanência dos altos índices de pobreza na região.

Colaborando com a erradicação do analfabetismo, o colégio possui atualmente 11 turmas com 35 alunos, totalizando 385 adultos, cursando a modalidade de ensino denominada Educação de Jovens e Adultos. Os professores são altamente qualificados e a instituição proporciona, além das aulas de qualidade, participação em estudos do meio, aulas de informática, oficina de artes, entre outros. Os alunos têm acesso às salas de aulas equipadas com aparelhos informatizados, laboratórios de biologia, laboratório de informática, sala de artes, etc. Como forma de motivação, já que a maioria dos alunos chega cansada após jornada de trabalho, o Colégio oferece lanches preparados diariamente por nutricionista, uniformes e materiais didáticos.

Moacir Gadotti (2008) defende a ideia de que o analfabetismo é

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fruto da pobreza e esse representa a negação de um direito fundamental, decorrente de um conjunto de problemas sociais: falta de moradia, alimentação, transporte, escola, saúde, emprego. Acrescenta ainda que (2008, p. 11):

Quando tudo isso vai bem, a educação vai bem. Isso significa ainda que o problema do analfabetismo não será totalmente resolvido ape-nas por meio de programas educacionais. Eles precisam vir acompa-nhados de outras políticas sociais.

O analfabetismo está ligado à situação econômica e social presente em Paraisópolis e reflete uma parte da situação em que vive o país.

Em 2004, a taxa de analfabetismo do Brasil era de 11,4% [...] a mais alta entre os países do Mercosul. No mesmo ano, a taxa de analfabe-tismo da Argentina era de 2,6%, e do Chile, 3,5%. Somos um país majoritariamente de analfabetos. Como podemos sonhar com uma “aceleração do crescimento” sem elevar o nível de escolaridade e a qualidade de educação brasileira? (GADOTTI, 2008, p. 13).

Diante desses altos índices nota-se a importância de se conhecer e avaliar a situação educacional em que vive o país. Mensurar esses fatores na comunidade local já traz uma certa contribuição para a diminuição desses números, já que se consegue captar as principais causas e propor possíveis soluções.

O benefício individual, para cada cidadão e cada família carente tam-bém merece um destaque e pesquisas demonstram que “em 2002 a falta da alfabetização das mães é uma das principais causas de desnu-trição infantil”. (Pastoral da Criança apud GADOTTI, 2008, p. 10).

Existem ainda outros benefícios para os participantes da EJA – Educação de Jovens e Adultos, entre esses Gadotti (2008, p. 21) destaca:

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[...] maior confiança e autonomia no interior de suas famílias e comu-nidades; [...]; alteram suas práticas de saúde e de nutrição em benefi-cio de suas famílias; aumentam sua produção e seus ganhos usando informações recebidas nos programas de alfabetização ou acessando outras informações; participam mais efetivamente na comunidade e na política; [...]; guardam suas habilidades de alfabetização e as usam para expandir sua satisfação na vida diária.

Essas pesquisas aliadas aos dados estatísticos demonstram de forma clara os benefícios trazidos pelas instituições, quer sejam assistenciais ou em âmbito educacional. Quando as duas forças se unem, o resultado positivo se mostra, de forma ímpar.

A população ganha espaço dentro da comunidade, no ambiente de trabalho, ganha expressão e, em consequência, melhora sua autoestima e tem prazer em frequentar espaços sociais.

Com objetivo de contribuir com a pesquisa e compartilhar uma experiência vivida na comunidade Paraisópolis, realizamos uma pesquisa com uma aluna, frequentadora da Alfabetização de Adultos, da Escola da Comunidade, mantida pela Fundação Visconde de Porto Seguro. A aluna entrevistada tem vinte e quatro anos, mora em Paraisópolis há seis anos e estuda há cinco meses na série que equivale ao 5º ano do ensino fundamental (antiga 4ª série).

e - Quais os problemas presentes em Paraisópolis causam maiores transtornos para sua família?

Cr – Um dos problemas é a educação, as escolas não são boas, muitas crianças vão à escola só para bagunçar, e mesmo assim passam de ano. Os moradores colocam lixo nas ruas, barulhos nos bares (os bares funcionam até de manhã), esgoto, segurança nas escolas e outros.

e - Quais os serviços ou entidades assistenciais presentes na comunidade trazem beneficio a sua família?

Cr – O Programa Einstein na Comunidade Paraisópolis e Programas Governamentais.

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e - O que levou você a voltar a estudar?

Cr – Dificuldade para arrumar um emprego e também para ficar atenta com as mudanças que acontecem com o passar dos anos.

e - Cite quais contribuições positivas (trabalho, relacionamento interpessoal, familiar, etc) surgiram para você e sua família após iniciar os estudos na Educação de Jovens e Adultos.

Cr – Na minha casa, o relacionamento familiar mudou, hoje sentamos para conversar sobre tudo, como: educação, segurança e também o que aprendi na escola. Para mim, as contribuições foram muitas como: ter a mente mais aberta. Vejo o mundo de outra maneira, começamos a entender melhor o que se passa no mundo.

e - Houve algum ponto negativo? Algo que deva ser melhorado?

Cr – Não houve nada negativo. Acho que sempre há algo a ser melhorado, não podemos nos acomodar com o que está só bom, tem que ser ótimo.

e - Você tem hábitos de leitura? O que mais gosta de ler (livros, revistas, jornal etc.)?

Cr – Sim, tenho. Leio sempre que dá. Gosto de ler livros, com preferência para histórias românticas.

e – Em relação à leitura mencione, em uma escala de 0 a 10 (sendo 0 – não compreendo e 10 – compreendo tudo que leio) o quanto você consegue compreender o que está lendo?

Cr – Considero 8, entendo quase tudo que leio. Minha leitura melhorou muito após cursar a escola.

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e – Você está trabalhando atualmente? Em qual função?

Cr – Sim. Trabalho como empregada doméstica em casa de família.

e – Após iniciar os estudos houve alguma melhora no ambiente de trabalho?

Cr – Sim. Minha patroa disse que consigo escrever melhor os recados. Antes eu tinha até medo de atender o telefone, agora me sinto mais segura na hora de escrever os recados. Ela até me elogia. Também melhorei na hora de fazer novas receitas, consigo até aumentar a receita (dobrar os ingredientes). Participei de algumas aulas de culinária aqui no colégio, a professora ficava junto e ensinava algumas continhas para fazer a receita para mais pessoas. Isso me ajudou muito e além de limpar a casa consigo fazer novos pratos.

e – Qual é o seu objetivo profissional daqui a alguns anos?

Cr – Pretendo terminar meus estudos e procurar emprego em uma empresa. Tenho vontade de trabalhar como secretária.

e – E na comunidade, você consegue participar de algum outro projeto, freqüenta a Associação de Moradores de Paraisópolis?

Cr – Não tenho tempo de participar de outros projetos, mas quando tem algum assunto importante para resolver vou até a associação reclamar ou pedir ajuda. Temos que brigar pela nossa família sempre que possível. Também participo das reuniões quando existe algum assunto importante para nós moradores. O Gilson (presidente da Associação) sempre fala da importância da nossa presença e procuro comparecer em todos esses momentos. No colégio a professora sempre pergunta dos problemas que temos na favela e conversamos com outros colegas e com ela como resolver algumas situações.

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7. CONsIDeRaÇões FINaIs

A pobreza, exclusão social e desigualdade são problemas encontrados em comunidades carentes de todo o país. Diante de altos números da pobreza demonstrados nesse trabalho, a questão torna-se objeto de estudos e preocupação de diversos especialistas.

Foram apresentados estudos a respeito da forma de ocupação da favela de Paraisópolis, desde suas origens, até o momento atual. Essa análise serviu de pilar para o entendimento das origens da pobreza extrema. A essa análise soma-se o estudo voltado para as interações ocorridas, atualmente, neste espaço e demonstrou que a comunidade propicia certas oportunidades aos seus moradores, fruto de sua localização geográfica.

A preocupação vai além das condições inadequadas de moradia, e serviços básicos e é a partir dessa premissa que se destacou a preocupação com o resgate da cidadania e da transformação social através do acesso a educação de qualidade, considerando adultos analfabetos.

Sabe-se da existência de número elevado de analfabetos em todo o país, estudar esse grupo em uma parcela menor, ou seja, inseridos na comunidade, possibilitará entendimento de suas causas, consequências e possíveis soluções.

O trabalho demonstrou que a interação ocorrida dentro do espaço social permite uma melhoria na qualidade de vida, além dela há de se considerar a inclusão dessas pessoas na sociedade, tornando-os atuantes e participativos, o que se consegue a partir da alfabetização e do acesso à educação de qualidade.

Tais contribuições são oferecidas por entidades assistenciais que trabalham em parceria com poder o público e as instituições particulares.

Nem todos os moradores são atendidos, ainda há muito a se fazer, por isso um dos objetivos deste trabalho é o de contribuir e servir de base para o aumento e o incentivo das parcerias e que outras comunidades possam seguir esse modelo, pois o crescimento econômico do país está enraizado no acesso à educação de qualidade.

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ReFeRêNCIas

CASTRO, Leticia O. de. Uma análise dos sentidos da não-participação para os moradores de uma favela em são Paulo nos serviços prestados por organizações do terceiro setor. 2009. 173 f. (Mestrado em Psicologia Social) Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2009.

FREIRE, Paulo. a importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 23ªed. São Paulo: Cortez, 1989.

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Page 19: Homem e espaço: interações dentro da comunidade Paraisópolisclaretianobt.com.br/download?caminho=upload/cms/revista/sumarios/... · 1 Licenciada em Geografia pelo Centro ... As

167Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 2, p. 149-167, jul./dez. 2012

SÃO PAULO (Estado). SEADE. População em situação de extrema pobreza. São Paulo, 2010. Seção Retratos de São Paulo. População. Disponível em: <http://www.seade.gov.br/produtos/retratosdesp/view/pdf/var_49.pdf>. Acesso em: 26/09/2011.

Title: Man and space: interactions inside the community of Paraisópolis.authors: Veronica Menezes Amorim; Izildo Carlos Alves da Silva.

aBsTRaCT: The interaction between man and geographic space allows the identification of the origins and the consequences of the main social and economic problems of the needy ones. The purpose of this paper is to identify the urban problems that are present in the underprivileged community of Paraisópolis, the second largest slum in the state. This paper highlights the importance of education as a process to integrate people, mainly the adults who didn’t have opportunity to study during childhood. The activities to promote education to young people and adults from Paraisopolis developed by Visconde De Porto Seguro Foundation are analyzed in this paper. Concluding, a case of a student from EJA highlighting the important contributions that formal education provided him is studied. The interaction between man and geographic space allows the identification of the origins and the consequences of the main social and economic problems of the needy ones. The purpose of this paper is to identify the urban problems that are present in the underprivileged community of Paraisópolis, the second largest slum in the state. This paper highlights the importance of education as a process to integrate people, mainly the adults who didn’t have opportunity to study during childhood. The activities to promote education to young people and adults from Paraisopolis developed by Visconde De Porto Seguro Foundation are analyzed in this paper. Concluding, a case of a student from EJA highlighting the important contributions that formal education provided him is studied. Keywords: Community. Paraisópolis. Education.