homem contemporâneo - metáforas da psicologia e da arte
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A relação entre a arte e a psicologia através das épocas.TRANSCRIPT
HOMEM CONTEMPORÂNEO
METÁFORAS DA PSICOLOGIA E DA ARTE
Henrique António Muga
2008
2
ÍNDICE
Agradecimentos
Nota prévia
Introdução
Do transcendente ao imanente: emergência da psicologia
Da representação do objecto à auto-representação: da arte clássica à arte moderna
3
4
6
6
8
1. Máquina energética, animal irracional
1.1. Modelo psicanalítico
1.2. Romantismo, simbolismo, expressionismo, dadaísmo, surrealismo,
action-painting, teatro espontâneo e teatro do absurdo
10
10
21
2. Corpo falante, máquina de reacções
2.1. Modelo dos tipos e dos traços
2.2. Modelo behaviorista
2.3. Cubismo, abstraccionismo e funcionalismo
32
32
36
37
3. Bom selvagem
3.1. Modelo humanista
3.2. Pop art, arte cinética, op art, arte psicadélica, arte de acção,
arte do comportamento, body art, arte pobre, land art e organicismo
42
42
46
4. Cientista, computador
4.1. Modelo cognitivista
4.2. Arte conceptual
54
54
56
5. Performer, músico de jazz
5.1. Pós-modernidade e modelo sistémico-informacional
5.2. Arte pós-moderna
60
60
67
A concluir 73
Referências bibliográficas 74
3
AGRADECIMENTOS
Para além do reconhecimento formal em causa, pretende-se neste ponto dar a conhecer aos
leitores todos aqueles que mais contribuíram para este trabalho.
Assim, começo por agradecer ao grande mestre inspirador deste ensaio, o psicólogo
Cândido Agra, cujas lições sobre “ética, ciência e estética” lançaram as sementes deste
trabalho.
Foi no terreno da leccionação da disciplina de Psicologia da Arte que tais sementes
germinaram, rebentaram e cresceram. As questões, pesquisas e criações dos meus ex-
alunos constituíram o adubo que alimentou e fortaleceu o processo da maturação. A todos
muito obrigado; à Sílvia Pinho, estudante de Artes Visuais - Fotografia, um bem-haja
especial pela gentil cedência dos direitos de autor do seu expressivo desenho.
Nas várias fases da poda e enxertia, o contributo de três historiadores de arte e
companheiros de missão foi fundamental. Ao Samuel Guimarães agradeço a leitura do
texto numa fase inicial, os seus comentários e as sugestões de novas referências
bibliográficas. Ao Fernando Peixoto, as apaixonadas lições informais sobre o teatro, a sua
história e interligação com a psicologia. Ao Francisco Jesus, a minha enorme gratidão pela
paciência para ler de forma atenta, profunda e rigorosa o texto numa fase final, pelas
precisas correcções, oportunas sugestões e inspiradoras reflexões.
4
NOTA PRÉVIA
Embora formalmente separadas pelo espírito positivista moderno, a ciência e a arte
mantêm afinidades, convergências temáticas, trocas de conceitos e práticas, e confluências
discursivas. Com efeito, a análise dos discursos da psicologia e da estética sobre o Homem
evidencia, a par das especificidades inerentes à natureza de cada um dos conhecimentos e à
sua evolução paradigmática, não só influências mútuas como perspectivas intersectadas.
Analisar tais relações ou, mais precisamente, cruzar os modelos de personalidade com as
correntes artísticas contemporâneas, é o objectivo deste ensaio; pretende-se reflectir sobre
a forma como o ser humano é representado ao longo do século XX e relevar as imagens do
psiquismo contemporâneo.
O sentido dos discursos partilhados por estas duas áreas do saber é traduzido em metáforas.
A metáfora (do grego metaphorá, que significa “transporte”) é, em termos gramaticais, um
tropo – o emprego de uma palavra ou frase em sentido figurado – no qual a significação de
uma palavra se transporta para outra em virtude da relação de semelhança que se
subentende. As dezenas de conceitos que actualmente encontramos radicam na clássica
definição de Aristóteles, segundo o qual a metáfora consiste em dar a algo um nome que
pertence a algo mais. Para David Leary (1994) a metáfora é não só uma figura de
linguagem, a primeira entre muitas, mas também uma forma de pensamento. Analisando o
valor heurístico das metáforas na história do pensamento e da ciência ocidentais, este autor
defende a tese de que “a linguagem e o pensamento humano são fundamentalmente
metafóricos”. A partir da noção aristotélica, Leary define a metáfora como um processo
que “consiste em dar a uma coisa o nome ou descrição que pertence por convenção a algo
mais, com base nas semelhanças entre as duas”.
Assim, metaforizar é ver algo a partir do ponto de vista de outra coisa, é pensar num
fenómeno em termos que são vistos como sugestivos de outra coisa. Trata-se de uma figura
linguística tradutora de uma forma de pensamento criativo, já que permite encarar um
fenómeno através de uma nova de perspectiva, que associa várias imagens independentes
numa só composição. Portanto o recurso à metáfora parece-nos triplamente adequado ao
objectivo proposto: em primeiro lugar, a metáfora constitui uma característica fundamental
5
do psiquismo humano; depois, ela permite fundir numa mesma imagem, discursos
emergentes de abordagens diferentes; finalmente, porque possibilita uma nova e mais
ampla perspectiva sobre o psiquismo do Homem contemporâneo.
O ensaio começa com uma introdução na qual se enquadra, por um lado, a emergência da
psicologia como o culminar de uma caminhada do transcendente até ao imanente, em
direcção à “individualidade” e, por outro, a passagem da arte clássica à arte moderna
enquanto mudança de paradigma estético, com um deslocamento da representação do
objecto para a auto-representação. Depois são propostos cinco grupos de metáforas numa
perspectiva diacrónica coincidente com os modelos de personalidade desenvolvidos pela
psicologia ao longo do século XX, e de forma tão sincrónica quanto possível com as
correntes artísticas contemporâneas.
Importa referir que tanto ao nível da psicologia como da arte, o campo de análise se
circunscreve essencialmente ao mundo ocidental; para além disso, não se pretende fazer
uma abordagem exaustiva e profunda dos modelos de personalidade1 e muito menos das
correntes e movimentos artísticos contemporâneos.
A semente deste ensaio foi lançada no contexto de uma disciplina curricular de mestrado,
designada “Ética, ciência e estética”, leccionada por Cândido Agra, corria o ano de 1995.
Germinou e começou a desabrochar no terreno da leccionação da disciplina de “Psicologia
da arte” junto de estudantes de cursos superiores artísticos, num ensejo de os ajudar a
compreender a personalidade humana por analogia com a arte. Simultaneamente foi-se
tornando cada vez mais evidente e clara a grande capacidade da arte, como refere Rudolf
Arnheim (1992), para interpretar a experiência humana ou, segundo o historiador Ernst
Gombrich (1995), de expressar uma época. Assim, espera-se que a actual configuração do
trabalho possa ser útil não só a estudantes tanto de artes como de psicologia, como a todas
as pessoas interessadas em aprofundar o conhecimento sobre o ser humano
contemporâneo.
6
INTRODUÇÃO
Tanto a psicologia como a arte moderna surgem no culminar de um mesmo processo, uma
caminhada em direcção ao indivíduo, que elege, segundo o filósofo francês Michel
Foucault (1966), pela primeira vez, no campo do saber ocidental, o ser humano como
objecto de estudo e compreensão. É o enquadramento da emergência da psicologia e da
arte moderna em tal processo que se procura delinear a seguir.
Do transcendente ao imanente: emergência da psicologia
O conhecimento humano evoluiu, de acordo com o epistemólogo do século XIX, Augusto
Comte (referido pelo filósofo Julián Marías, 1973), ao longo de três estados: teológico,
metafísico e positivo.
O estado teológico ou fictício é um estado provisório e preparatório, no qual a inteligência
procura as causas e os princípios das coisas através de explicações míticas ou religiosas, e
passa por três fases: a fetichista, na qual se personificam as coisas e se lhes atribui um
poder mágico ou divino; a politeísta, em que a alma é retirada das coisas materiais e
transferida para uma série de divindades, cada uma das quais representando um grupo de
poderes; e a monoteísta, em que todos esses poderes divinos são reunidos e concentrados
numa só entidade, chamada Deus. É um período em que predomina a imaginação e
corresponde à infância da humanidade.
No estado metafísico ou abstracto, fase de transição, o espírito humano continua a procurar
os conhecimentos absolutos mas torna-se essencialmente crítico; equivale à crise da
adolescência no desenvolvimento individual. Procurando explicar a natureza dos seres, já
não recorre a agentes sobrenaturais, mas a entidades abstractas (o princípio, a essência,
etc.), algo distinto das coisas, embora mais próximo delas; os poderes previamente
concentrados em Deus são deslocados para uma nova entidade geral, a Natureza.
Por fim, o estado positivo ou real, é definitivo. Agora a imaginação fica subordinada à
observação e à experimentação; o espírito humano apoia-se nas coisas, no que é dado e
busca apenas os factos e as suas leis; é, por exemplo, abrindo e observando os cadáveres
1 Por norma, apenas para os autores exteriores ao campo da psicologia – área de referência do autor do ensaio
– será apontada a respectiva formação ou actividade principal.
7
que se passa de uma medicina das essências para uma medicina das espécies. O espírito
positivo é relativo e nunca absoluto; o saber tem que se aproximar incessantemente do
limite ideal fixado pelas nossas necessidades, e a sua finalidade é a previsão racional.
Passa-se assim de um espaço transcendental, em que se procura descrever os fenómenos
com base num discurso ora teológico, ora metafísico, para o espaço do imanente, visando
compreender a realidade de forma científica.
A tal caminhada do saber não é alheia a revolução da estratégia do poder operada ao longo
do século XIX. Analisando o saber ao nível da rede de relações com o poder (poder
enquanto relação de forças, que está em toda a parte e não apenas localizado numa
instituição ou Estado), Foucault (1975) defende que a forma de governo que mantinha a
ordem social com o direito de conduzir à morte, dá lugar ao "biopoder", uma forma de
governo que faz viver, que gere a vida.
O poder deixa de ser exercido pela soberania e passa a ser exercido por dispositivos
corporizados em técnicas disciplinares: a repartição dos espaços vitais e dos indivíduos
por esses espaços (até ao século XVIII, a vida não era repartida; na habitação as divisões
das casas não tinham funções fixas, não havia espaços especializados; a partir de então a
estrutura da casa mudou, cada divisão assume uma determinada função, e a introdução do
corredor permite aos ocupantes deslocar-se sem ter de atravessar as várias divisões; ao
nível trabalho, e como ironizava o engenheiro norte-americano Frederick Taylor, o “pai”
da organização científica do trabalho, no final do século XIX, as fábricas eram uma grande
feira, havia que colocar “o homem certo no lugar certo”; no campo da “lixeira humana”, a
repartição dos criminosos, dos loucos, dos pedintes, etc., que partilhavam o mesmo espaço,
materializa-se no surgimento da cadeia, do manicómio e do asilo); a organização do
tempo, isto é, uma repartição económica da vida do indivíduo (é a ideia bem moderna de
que há um tempo para tudo, de que há, por exemplo, um tempo para aprender e um tempo
para trabalhar); o controlo das actividades e a vigilância consiste na sujeição do corpo a
automatismos e à disciplina; o exame sintetiza as outras técnicas, articulando o poder e o
saber; visa a norma e produz a vontade e a necessidade de conhecer o indivíduo. Ilustrativa
e paradigmática desta caminhada em direcção ao indivíduo e fundamental na emergência
da psicologia é a reforma penal operada em meados do século XIX: a pena expiatória,
aplicada até então em função da gravidade do acto criminoso, dá lugar à pena correctiva,
8
que pune em função das causas, das características do indivíduo concreto; por exemplo, o
pirómano ou o cleptomaníaco (conceitos emergentes no campo da medicina mental e
tradutores de semelhante reforma), têm uma pena diferente da de uma pessoa sem tais
patologias; torna-se pois necessário conhecer a indivíduo.
Portanto, o positivismo e o biopoder visam a cientificidade e a individualidade. Como
consequência, assiste-se não só à separação das ciências entre si, como à separação da
ciência em relação à estética e à ética, e ao afastamento de todas elas face ao senso comum.
É nesta procura da individualidade que emerge, nos finais do século XIX, a psicologia
como, de resto, as demais ciências humanas. A individualidade da psicologia é traduzida
essencialmente no constructo “personalidade”. Trata-se de um termo classicamente
originário do teatro – no latim, persona significa a máscara de teatro, no etrusco, phersu é
uma figura inteiramente mascarada, e no teatro grego, persona é o actor colocado atrás da
máscara. A filosofia escolástica adopta o termo personalitas para traduzir o que é
específico da pessoa. Objecto central da psicologia, o estudo da personalidade foi regido,
ao longo do século XX, por vários discursos, diferentes modelos e múltiplas teorias, que
seguidamente se apresenta e relaciona com as correntes artísticas contemporâneas.
Da representação do objecto à auto-representação: da arte clássica à arte moderna
Associada à rotura positivista no campo da ciência, opera-se uma outra ao nível da estética,
marcando a transição da arte clássica para a arte moderna. Com efeito, de acordo com
Foucault (1966), enquanto que a arte clássica constitui uma representação fiel do objecto, é
realista, mimética, pelo contrário, a arte moderna é essencialmente abstracta, constitui uma
representação subjectiva do próprio artista e, consequentemente, o ser humano torna-se
objecto de representação.
Paradigmática desta revolução estética é a obra de Diego Velásquez, As meninas, de 1656
[1]. Trata-se de uma das pinturas mais complexas e intrigantes da história da arte, contendo
um visível e um invisível. O visível é a princesa Margarida ao centro do quadro, rodeada
por damas de companhia e outras personagens da corte, e um artista a pintar uma tela. Esta
está voltada de costas para nós, não vemos qual o motivo da representação, é o invisível;
9
pelo olhar do pintor e demais personagens o objecto da pintura encontra-se na posição do
espectador, somos nós; se olharmos para o espelho que reflecte a tela verificamos que o
motivo é o rei Filipe IV e esposa. Temos portanto representada, simultaneamente, a arte
clássica e a arte moderna, ou seja, um pintor a representar um objecto e, ao mesmo tempo a
representar-se a si próprio e representar-nos a todos nós.
1. Diego Velázquez, As meninas, 1656
As formas e os conteúdos da auto-representação evoluíram naturalmente com a própria
evolução do ser humano e da técnica, cristalizando-se em inúmeras correntes e
experiências estéticas. Centrando-nos sobretudo na contemporaneidade, analisamos a
expressividade das principais correntes artísticas, à luz da teoria, crítica e história da arte,
em paralelo com os modelos de personalidade.
10
1. MÁQUINA ENERGÉTICA, ANIMAL IRRACIONAL
A caminhada do transcendente ao imanente em direcção ao indivíduo, conduz às forças
activas que actuam no interior da pessoa, às profundezas do inconsciente, ao mundo do
sonho e à natureza irracional do ser humano. Tal aventura inicia-se tanto na área da
psicologia, pela batuta da psicanálise nos finais do século XIX, como no campo artístico,
um século antes.
1.1. MODELO PSICANALÍTICO
É pela mão de Sigmund Freud – descendente de família judia residente na Áustria, médico,
fundador da Psicanálise – que o mito do Homem racional capaz de lutar contra os instintos
animalescos, é posto em causa, originando a terceira ferida narcísica da humanidade pós-
renascentista; depois do golpe desferido pela teoria heliocêntrica evidenciando que afinal
não habitamos o centro do universo, e do atentado Darwinista à crença numa origem
divina, surge a tese freudiana de que não mais somos amos e senhores de nós próprios mas
sim dominados pelo inconsciente.
Na viragem do século XIX para o século XX a revolução industrial, iniciada em Inglaterra
um século antes, expandia-se a pleno vapor por toda a Europa e América, acompanhada
por fenómenos migratórios do campo para a cidade. A inadaptação à máquina, os acidentes
de trabalho, a necessidade de adaptação a novos hábitos e contextos de vida, originam
pequenas psicopatologias quotidianas (lapsos linguísticos, actos falhados, etc.) e neuroses
que requerem um modelo explicativo e de intervenção. Imbuído precisamente pelo modelo
da máquina a vapor, Freud faz do psiquismo uma máquina composta por três instâncias2: o
2 Esta organização do psiquismo constitui a segunda tópica, que Freud elaborou a partir de 1920, em
substituição da primeira tópica, apresentada em 1900, e na qual distingue os sistemas inconsciente
(constituído por conteúdos recalcados – desejos sexuais inaceitáveis, impulsos imorais, motivações violentas,
experiências vergonhosas, medos, etc.), pré-consciente (conhecimentos e recordações não actualizados, mas
acessíveis à consciência) e consciente (situado na periferia do aparelho psíquico, recebendo ao mesmo tempo
as informações do mundo exterior e as provenientes do interior).
A reformulação da primeira tópica deveu-se à tomada em consideração cada vez mais intensa das defesas
inconscientes, o que não permite fazer coincidir os pólos do conflito defensivo com os sistemas previamente
definidos: recalcado – inconsciente / ego – pré-consciente e consciente (cf Laplanche e Pontalis, 1967).
11
id, o ego e o super-ego [2]. O id, componente biológica e origem de toda a personalidade, é
a parte obscura e irracional da personalidade, a sede das pulsões que se chocam entre si
pretendendo exteriorizar-se, e funciona de acordo com o princípio do prazer – visa a
satisfação imediata e total dos desejos. O ego, componente racional da personalidade, serve
de intermediário entre os impulsos do id e as interdições do mundo exterior, sendo regido
pelo princípio da realidade – analisa as condições mais favoráveis para que os impulsos
possam ser satisfeitos com segurança, garantindo a unidade e integridade do indivíduo. O
super-ego, componente moral da personalidade, é composto pela consciência, que impede
a prática de actos moralmente reprováveis, e pelo eu-ideal, que motiva à realização de
actos morais e a ser perfeito. Tendo objectivos opostos, estas instâncias relacionam-se de
forma conflituosa, gerando ansiedade, um estado de tensão que precisa de ser reduzido3,
entrando em acção os mecanismos de defesa4.
2. Aparelho psíquico (S. Freud)
3 Em analogia com o princípio da conservação da energia inerente à Física, Freud conceptualiza o psiquismo
como uma complexa rede de neurónios, produtora de energia que tem de ser libertada. 4 Alguns dos principais mecanismos de defesa teorizados por Freud são a repressão (operação psíquica
tendente a fazer desaparecer da consciência um conteúdo – ideia, afecto, etc. – desagradável ou inoportuno),
a formação reactiva (atitude ou hábito psicológico de sentido oposto a um desejo recalcado e constituído em
reacção contra ele – o pudor a opor-se ao exibicionismo, por exemplo), a regressão (retorno a um período de
vida anterior menos frustrante), a negação (processo pelo qual o indivíduo, embora formulando um dos
desejos, pensamentos ou sentimentos, até aí recalcado, continua a defender-se dele negando que lhe
pertença), a racionalização (reinterpretação de um comportamento ou sentimento para torná-lo mais
aceitável e menos ameaçador), e a sublimação (processo através do qual a energia sexual é derivada para um
alvo não sexual ou em que visa objectos socialmente valorizados, como a actividade artística e a investigação
intelectual) (cf Laplanche e Pontalis, 1967).
EGO
SUPER-EGO
ID
Inconsciente
Consciente
12
Como qualquer máquina, o aparelho psíquico necessita de energia: é a líbido, de origem
sexual e reservada no id, na fronteira entre o somático e o psíquico, que faz mover o
psiquismo. A forma como esta energia é investida, a natureza da relação com o objecto5, dá
origem às fases de desenvolvimento psico-sexual – oral, anal, fálica, latência e genital – ao
longo da infância, cujas marcas vão determinar a personalidade adulta [3].
Fase oral (até aos 18 meses): a líbido é investida na zona oral; a satisfação biológica que a sucção provoca é
acompanhada de prazer, que a criança vai querer repetir mesmo na ausência do seio; problemas vivenciados
nesta fase, como os inerentes a um desmame precoce, dão origem a uma personalidade adulta de tipo oral –
dependência dos outros para obter estima, reacção aos obstáculos através de comportamentos ligados à boca
(comida, bebida, fumo, beijo).
Fase anal (18-36 meses): com o treino da higiene, a criança apercebe-se do valor simbólico que as fezes e a
urina têm na relação com os pais (por exemplo, a retenção levará os pais a ficar mais tempo junto dela); têm
origem nesta fase o carácter anal (parcimonioso, petulante e pedante) e o carácter uretral (ambicioso e
competitivo).
Fase fálica (3-6 anos): desperta a curiosidade sexual e surge o conflito edipiano6 – desejo inconsciente que o
filho experimenta por sua mãe, a par de uma manifestação de hostilidade face ao pai; com a superação do
complexo de Édipo, os investimentos nos pais são abandonados e substituídos por identificações7; a
personalidade fálica caracteriza-se pelo exibicionismo, narcisismo, hipersensibilidade e necessidade de
realização.
Fase de latência (6-11 anos): a pulsão sexual fica adormecida; é um período de intensa aculturação, em que
se desenvolvem novas atitudes, como a vergonha e a ternura, e que está na origem do ascetismo.
5 A relação de objecto ou relação objectal designa o modo de relação do indivíduo com o seu mundo,
relação que é o resultado complexo e total de uma determinada organização da personalidade, de uma
apreensão mais ou menos fantasmática (o fantasma ou a fantasia é uma encenação imaginária em que o
indivíduo está presente e que figura, de modo mais ou menos deformado pelos processos defensivos, a
realização de um desejo) dos objectos e de certos tipos privilegiados de defesa.
O conceito foi aprofundado, na década de 1930, pela neo-psicanalista austríaca Melanie Klein, ao nível do
primeiro ano de vida da criança, defendendo que neste período as relações de objecto atravessam duas
posições: posição paranóide – nos primeiros quatro meses, a projecção simultânea das pulsões agressivas e
das pulsões libidinais nos objectos (principalmente a mãe) cliva-os em dois, o «bom» e o «mau» objecto;
posição depressiva – a partir dos quatro meses, a criança passa a ser capaz de apreender a mãe como objecto
total, simultaneamente bom e mau; enquanto que antes a criança temia ver os objectos perseguidores atacar o
ego, agora ela receia destruir e perder o objecto amado; esta angústia é combatida através de defesas
maníacas (como a omnipotência, a idealização, a identificação projectiva, etc.) e superada quando o objecto
amado é introjectado de forma estável e tranquilizadora (cf Laplanche e Pontalis, 1967). 6 Freud recupera o mito grego da tragédia de Sófocles, segundo a qual Édipo, filho de Laios, rei de Tebas,
matou o seu pai e casou incestuosamente com a sua mãe Jocasta. 7 A identificação é o processo psicológico pelo qual um indivíduo assimila um aspecto, uma propriedade, um
atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo dessa pessoa; a personalidade
constitui-se e diferencia-se por uma série de identificações. A identificação abrange na linguagem corrente
uma série de outros conceitos psicológicos, como imitação, empatia, simpatia, contágio mental, projecção,
etc. O termo projecção designa a operação pela qual o indivíduo expulsa de si e localiza no outro, pessoa ou
coisa, qualidades, sentimentos e desejos que ele ou recusa ou desconhece em si mesmo. O termo é utilizado
num sentido mais geral em neurofisiologia e em psicologia para designar a operação pela qual um facto
neurológico ou psicológico é deslocado e localizado no exterior, quer passando do centro para a periferia,
quer do sujeito para o objecto (cf Laplanche e Pontalis, 1967).
13
Fase genital (a partir da puberdade): retorno da energia libidinal aos órgãos genitais, e procura de um
companheiro para a satisfação das necessidades sexuais; o desenvolvimento de uma personalidade genital
implica a superação da ambivalência das primeiras fases (sucção-mordedura, retenção-evacuação, pai-mãe),
permitindo o pleno desenvolvimento do amor.
3. Fases do desenvolvimento psico-sexual (S. Freud)
Alvo principal dos mais críticos, a sexualidade infantil é para Freud muito importante; com
ela passa-se da animalidade para a humanidade, de um corpo que funciona de modo
instintivo para um corpo regulado de forma simbólica e imaginária.
Portanto, a razão de todo o comportamento é o desejo inconsciente, o qual não é mais do
que a pulsão sexual, a procura de prazer. Esta tese, defendida por Freud numa primeira fase
(marcada pelas obras Interpretação dos sonhos, de 1900, e Três ensaios sobre a teoria da
sexualidade, de 1905) é, contudo, posta em causa sobretudo após a I Guerra Mundial; o
confronto com o facto de os sujeitos com traumas8 de guerra tentarem esquecer os
acontecimentos traumáticos ao nível consciente, mas no sonho voltarem repetitivamente a
lembrar-se de tudo, leva-o a questionar a explicação dos sonhos9 com base no princípio do
prazer; aliás constata que esta repetição negativa funciona também em actos,
nomeadamente na neurose de destino (como no caso de uma paciente, de 35 anos, que
namorava apenas com marginais que ela sustentava e a faziam sofrer – uma repetição do
trauma infantil, uma fixação negativa à figura do pai alcoólico), e que mesmo a própria
vida psicológica normal é algo repetitiva (há uma tendência a repetir as mesmas histórias,
os mesmos amores e os mesmos erros)10
. Assim, na obra Para além do princípio do
prazer, de 1920, Freud elege a compulsão à repetição como o princípio geral do
8 O trauma é um acontecimento da vida de um indivíduo que se define pela sua intensidade, pela
incapacidade em responder-lhe de forma adequada, pelo transtorno e pelos efeitos patogénicos duradouros na
organização psíquica. 9 O trabalho do sonho engloba duas operações: a produção dos pensamentos do sonho (a partir de estímulos
corporais e de restos diurnos) e a sua transformação em conteúdo do sonho. Esta segunda operação recorre a
quatro mecanismos principais: condensação (uma representação única representa por si só várias cadeias
associativas, em cuja intersecção se encontra), deslocamento (o facto de a acentuação, o interesse, a
intensidade de uma representação ser susceptível de se soltar para passar a outras representações
originariamente pouco intensas), consideração à figurabilidade (exigência a que estão submetidos os
pensamentos do sonho – eles sofrem uma selecção e transformação que os tornam aptos a serem
representados em imagens, sobretudo visuais), e elaboração secundária (remodelação do sonho destinada a
apresentá-lo sob a forma de uma história relativamente coerente e compreensível) (cf Laplanche e Pontalis,
1967). 10
Ao nível da criação artística, Giorgio Di Genova (1994) aponta quatro artistas contemporâneos – Piet
Mondrian, Alberto Giacometti, Giuseppe Capogrossi e Andy Warol – como exemplos de compulsão de
repetição.
14
funcionamento da psique. No caso das experiências traumáticas, há inicialmente uma
repetição compulsiva e regressiva ao que aconteceu; posteriormente há uma repetição
restitutiva, que elabora o acontecimento vivido, visando o restabelecimento do equilíbrio, e
a religação11
à situação anterior ao trauma. Os principais traumas da vida humana são o
nascimento, o desmame, e as feridas narcísicas inerentes ao conflito edipiano12
; estes
traumas dão origem à pulsão de morte, o thanatos – tendência para levar os seres vivos a
um estado anterior à própria vida, traduzindo-se no ódio, na agressividade e culpabilidade
(é a pulsão oposta ao eros ou pulsão de vida – pulsões sexuais e de auto-conservação,
garantia da continuidade da espécie e da coesão interna do cosmos). São estes os
acontecimentos que é necessário organizar – construir mentalmente a ausência da mãe,
perceber que não mais vai haver quem nos pegue ao colo, elaborar o narcisismo13
– para
alcançar o equilíbrio psíquico.
Portanto, a motivação deriva não só da procura do prazer, mas também dos traumas, das
perdas, dos pontos de desligação. Trata-se de uma forma indirecta da procura de prazer, de
um prazer associado ao thanatos e ao nirvana; o prazer de nirvana14
representa a tentativa
de eliminar totalmente as tensões, a procura do prazer máximo, absoluto e imediato;
diferencia-se do prazer de constância, que é a tentativa de manter a um nível tão baixo ou,
pelo menos, tão constante quanto possível, a quantidade de excitação do aparelho psíquico.
11
Trata-se de um mecanismo que encontra um paralelo ao nível da religião; o termo “religião” (do latim “re-
ligare”) significa precisamente a religação do Homem à divindade, no caso da católica, depois da desligação
inerente ao pecado original e consequente expulsão do paraíso. Embora com outro foco de atracção, também
o ioga põe em jogo um mecanismo semelhante. Proveniente do sânscrito, yoga significa unir(-se), juntar(-se);
assim, na tradição hindu, o ioga visa a auto-realização, que ocorre quando a consciência se volta para o
interior e se une com a sua fonte – o self. 12
Numa perspectiva mais universalista (desenvolvida nas obras Totem e Tabu, de 1913, e Moisés e o
Monoteísmo, de 1939), Freud vê no complexo de Édipo a matriz da civilização: a culpabilidade consequente
ao assassínio do pai primitivo (mito criado por Freud) ou do profeta (Moisés) é a base de uma nova
organização social. Toda a religião é fundada sobre a ideia de pecado, isto é, o sentimento de culpa por não
se atingir um padrão determinado; todo o pecado pode ser expresso em termos da desobediência ao Pai ou de
profanação da Mãe. Também nos mitos, que representam sob disfarce os mais primitivos anseios e receios da
humanidade, o incesto e a castração são os temas principais. As interdições totémicas (não matar o totem, não
ter relações com um indivíduo do mesmo totem) e a sublimação a que obrigam são o motor da cultura e do
progresso. 13
A elaboração psíquica designa o trabalho de integração das excitações no psiquismo e em estabelecer
entre elas conexões associativas. O narcisismo, por referência ao mito de Narciso, o amor que se tem pela
imagem de si próprio, é diferenciado por Freud em narcisismo primário (estado precoce em que a criança
investe toda a sua líbido em si mesma) e narcisismo secundário (o retorno ao ego, da líbido retirada dos seus
investimentos objectais); assim, elaborar o narcisismo implica transformar a energia libidinal, derivando-a
para outros objectos ou ligando-a a novos afectos (cf Laplanche e Pontalis, 1967). 14
O nirvana é um conceito budista difundido no ocidente pelo filósofo alemão Arthur Shopenhauer, no
século XIX, que significa a extinção do desejo humano, o aniquilamento da individualidade que se funde na
alma colectiva, um estado de quietude e felicidade perfeita, e que a meditação e o ioga ajudam a alcançar.
15
Contudo, a satisfação do desejo nunca é total; o acesso à civilização é sempre repressivo
porque exige a sublimação dos desejos individuais; o processo de aculturação implica o
adiamento da satisfação pulsional, uma vida imaginária sem a presença do objecto do
desejo, a dessexualização. Se, do ponto de vista marxista, tal repressão é determinada pela
infra-estrutura económica, que explora e aliena as massas, a sublimação é um precioso
aliado produzido por aquela, ao mesmo tempo que a mantém e reproduz.
A realização do desejo sem esquecer o real é o objectivo da terapia psicanalítica. Assente
inicialmente no método catártico15
, a terapia criada por Freud utiliza a associação livre, a
análise da transferência e a interpretação16
como técnicas para atingir o latente, modificar
a estrutura da personalidade e produzir uma nova metáfora do desejo.
Em suma, Freud defende uma visão determinista da personalidade, inscrita no passado,
nomeadamente na primeira infância: o poder da nossa história é sempre actual, pois os
primeiros acontecimentos da nossa vida continuam a pesar sobre nós. Advoga um
dinamismo psicológico alimentado pela líbido, pelos impulsos inconscientes, pela procura
do prazer; o comportamento manifesto é uma metáfora, um símbolo, uma sombra do
inconsciente. Trata-se de uma perspectiva pessimista da vida humana, dominada pela
culpabilidade, pela frustração dos impulsos e consequente tensão, ansiedade e conflito: o
15
O método catártico é um método de psicoterapia em que o efeito terapêutico procurado é uma «purgação»
(catharsis), uma descarga adequada dos afectos patogénicos; o tratamento permite ao indivíduo evocar e até
reviver os acontecimentos traumáticos a que esses afectos estão ligados e ab-reagi-los (isto é, libertar-se deles
através de uma descarga emocional); trata-se de um processo inspirado em Aristóteles, segundo o qual a
catarse constitui o efeito produzido pela tragédia (a imitação de uma acção virtuosa que, por meio do temor e
da piedade, suscita a purificação de certas paixões). Este método foi utilizado por S. Freud entre 1880 e 1895,
período em que a terapêutica psicanalítica se define progressivamente a partir de tratamentos operados em
estado hipnótico; este, de acordo com J. Breuer, é um estado de consciência análogo ao criado pela hipnose
(sono artificial provocado quer por um medicamento quer por sugestão), e no qual os conteúdos de
consciência emergentes pouco ou nada entram em ligação associativa com o restante da vida mental (cf
Laplanche e Pontalis, 1967). 16
O método da associação livre consiste em exprimir indiscriminadamente todos os pensamentos que
acodem ao espírito, quer a partir de um elemento dado (palavra, número, imagem de um sonho), quer de
forma espontânea; visando contrariar a auto-censura, ela permite a utilização do imaginário. A transferência
designa o processo pelo qual os desejos inconscientes se actualizam sobre determinados objectos no quadro
de um certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente no quadro da relação analítica. A
interpretação é o destaque, pela investigação analítica, do sentido latente existente nas palavras e nos
comportamentos; tem a ver com o simbólico, traz à luz as modalidades do conflito defensivo e tem em vista o
desejo que se formula em qualquer produção do inconsciente (cf Laplanche e Pontalis, 1967).
16
ser humano é um ser insatisfeito17
, carente e rebelde porque tendo provado na sua infância
o fruto da árvore da vida, ele sabe que é bom e nunca o esquece.
É precisamente contra o determinismo, o mecanicismo, o pansexualismo e o pessimismo
de Freud que se insurgiram dois dos seus primeiros e mais importantes discípulos, Alfred
Adler e Carl Jung.
Alfred Adler, igualmente austríaco, funda em 1911 a Psicologia Individual e enfatiza,
referem Melvin Marx e William Hillix (1963), a vontade de poder como a mais importante
força motivadora na vida dos homens (por vezes o sexo é um sintoma dessa vontade). É
nas condições de vida da criança (que não é um pequeno animal sexual cujos desejos
incestuosos devam ser reprimidos, mas um pequeno e impotente organismo, cujas
necessidades têm de ser satisfeitas por adultos poderosos), na reacção psicológica à
inferioridade orgânica ou imaginada que se encontram as raízes da vontade de poder. A
compensação dessa inferioridade explica a natureza de muitos sintomas neuróticos (como
o complexo de inferioridade ou o complexo de superioridade) e ajuda a determinar o estilo
de vida da pessoa. Por outro lado, Adler transfere a ênfase dos instintos biológicos inatos
para as relações sociais dentro da família, como a rivalidade entre irmãos, a ordem de
nascimento, etc. Embora as experiências infantis sejam importantes, elas não são
determinantes, a pessoa tem livre arbítrio e capacidade de moldar o seu próprio
desenvolvimento; a meta principal é a superioridade ou perfeição, isto é, tornar a
personalidade um todo completo.
Carl Jung, suíço, funda em 1914 a Psicologia Analítica. Abandonando a abordagem
clínica e recorrendo ao estudo dos mitos e das produções artísticas em diferentes eras e
diversas culturas, Jung (referido por Duane Schultz e Sydney Schultz, 2001) amplia o
redutor conceito freudiano de líbido, definindo-a como uma força dinâmica mais
generalizada. Esta energia psíquica opera de acordo com três princípios: o princípio dos
opostos (todos os aspectos da psique têm o seu oposto, e essa oposição gera energia
psíquica), o princípio de equivalência (a energia nunca é perdida, mas deslocada de uma
parte da personalidade para a outra) e o princípio da entropia (há uma tendência na
personalidade para o equilíbrio).
17
Importa realçar mais uma influência da filosofia zen, que considera como uma das características básicas
17
Enquanto que Adler minimiza o papel do inconsciente, Jung amplia-o mais do que Freud,
dotando-o de uma dimensão histórica e universalista. Com efeito, Jung conceptualiza a
personalidade como um conjunto de sistemas distintos mas interactuantes, sendo os
principais, o ego, o inconsciente pessoal e o inconsciente colectivo. O ego é a concepção
que a pessoa tem de si mesma, a mente consciente em contacto com a realidade. O
inconsciente pessoal é o reservatório de material que já foi consciente, mas foi reprimido
ou esquecido por ser perturbador ou insignificante. Situado a um nível mais profundo está
o inconsciente colectivo, uma região obscura e nebulosa que contém a herança filogenética,
as experiências herdadas de espécies humanas e pré-humanas, sob a forma de arquétipos.
As estruturas arquetípicas são temas, símbolos, imagens, padrões recorrentes,
predisposições para perceber ou actuar de uma determinada maneira. Entre os múltiplos
arquétipos18
há quatro mais desenvolvidos que outros e que influenciam a psique mais
consistentemente: a persona, a anima, o animus, a sombra e o eu ou self. A persona é a
máscara apresentada por um indivíduo à sociedade, a parte dele próprio que deseja tornar
pública e que pode ou não servir à função de esconder a personalidade real. A anima e o
animus representam o reconhecimento por parte de Jung de que os humanos são
essencialmente bissexuais; a anima é a parte feminina do psiquismo do homem, e o animus
a parte masculina da psique da mulher; a complementaridade da nossa natureza é bem
ilustrada pelo símbolo do Yin-Yang [4]19
. A sombra é o lado obscuro da personalidade, a
parte do inconsciente colectivo herdada dos ancestrais pré-humanos, os instintos animais
básicos e primitivos; pode revelar-se sob a forma de comportamentos imorais, mas também
através da espontaneidade, criatividade e emoção. O eu representa os esforços do Homem
para alcançar a unidade, a totalidade, a integração de todas as partes da personalidade,
expressando-se visualmente no símbolo da mandala ou círculo mágico; o eu emerge
apenas quando os demais sistemas psíquicos se tornam suficientemente separados para
exigir uma integração, o que ocorre apenas por volta da meia-idade – um período de rotura,
da existência, a insatisfação, cuja fonte é o desejo. 18
Um arquétipo importante do povo luso é denominado por saudade. Como escreve A. Fernandes Fonseca
(1990), foi Teixeira de Pascoais, na segunda década do século XX, quem melhor definiu este arquétipo psico-
social português, a partir do sincretismo sentimental entre dois contrários: a lembrança presa no passado e a
esperança projectada no futuro; efectivamente, a saudade, como motivação e génese de um pensamento
reflexivo e como expressão de um comportamento que cultiva o passado para se projectar no futuro, parece
corresponder a “um estar no mundo” tipicamente português. 19
O lado direito, escuro, representa aspectos femininos (anima) e o lado esquerdo, claro, representa aspectos
masculinos (animus); o ponto de cor oposta em cada um dos lados indica a expressão das características do
arquétipo oposto.
18
em que o foco da personalidade muda de externo para interno, numa tentativa de equilibrar
o inconsciente e o consciente, visando a integração dos opostos e a individuação.
Opondo-se ao determinismo da infância defendido por Freud, e à semelhança de Adler,
Jung defende que a personalidade não é apenas influenciada pelo passado mas também
pelo futuro, não é somente determinada pelo que fomos mas igualmente pelo que queremos
ser20
.
4. Yin-Yang
Entre outros neopsicanalistas, referidos por Schultz & Schultz (2001), destacam-se Karen
Horney e Erich Fromm, ambos inseridos na orientação social da psicanálise, na linha de
Adler.
Karen Horney, nasceu na Alemanha e desenvolveu a sua teoria – Psicanálise Humanista –
a partir da década de 1930, altura em que emigrou para os Estados Unidos. Contestando
Freud nas suas teorias sobre a psicologia feminina (que as mulheres tinham inveja do pénis
e imagens inferiorizadas do seu corpo, ao que ela contrapõe a inveja do útero por parte dos
homens), Horney enfatiza a necessidade de segurança. Esta depende do facto de a pessoa
ser amada e desejada quando criança; quando essa segurança é enfraquecida, é induzida a
hostilidade, a qual pode ser reprimida pela criança em virtude de uma sensação de
desamparo ou medo dos pais; reprimi-la leva à ansiedade básica – uma sensação de estar
só e indefeso num mundo hostil. As formas de protecção contra a ansiedade básica – obter
afecto, ser submisso, obter poder, afastar-se dos outros – podem tornar-se impulsos ou
tendências neuróticas: aproximar-se das pessoas (personalidade submissa), movimento
contra as pessoas (personalidade agressiva), e afastamento delas (personalidade
desprendida). O objectivo da vida é a realização do self, uma ânsia inata de crescer, cujo
processo podemos moldar e mudar conscientemente.
Erich Fromm, nasceu na Alemanha e emigrou para os Estados Unidos nos anos 30, à
semelhança de Horney, com quem teve um grande caso, tendo desenvolvido as suas teorias
a partir dos anos 40. Para Fromm o dilema humano básico é a liberdade versus segurança;
no decorrer da história, à medida que as pessoas foram ganhando cada vez mais liberdade,
20
Encontramos uma posição semelhante na poética de Fernando Pessoa, segundo o qual “vivemos no
passado e no futuro, dormimos no presente”.
19
foram-se sentindo mais solitárias e alienadas; a Idade Média, uma época de pouca
liberdade individual, foi a última era de solidariedade e segurança. O desenvolvimento de
um indivíduo assemelha-se ao desenvolvimento da humanidade: à medida que a criança
vai crescendo, ganha cada vez mais independência e liberdade à custa da segurança dos
elos maternais básicos. Da tensão entre a vontade de ter liberdade e de ter segurança
resultam seis necessidades psicológicas: de ligação, de transcendência, de criar raízes, de
identidade, de uma estrutura de orientação e de um objecto de devoção, emoção e estímulo.
A meta máxima e inata da vida é a realização das nossas potencialidades.
Um retorno a Freud é a proposta que o francês Jacques Lacan desenvolve entre os anos 40
e 70. Baseado na dialéctica de Hegel, na antropologia de Lévi-Strauss e na linguística de
Ferdinand Saussure, Lacan (1966) estrutura o espaço habitado pelo ser falante em três
registos: o imaginário, o simbólico, e o real.
O imaginário é o registo em que se situa o ego, é o lugar das identificações e das relações
duais. O ego da criança, em virtude da prematuração biológica, constitui-se a partir da
imagem do seu semelhante (ego especular). Ou seja, entre os seis e os dezoito primeiros
meses, a criança, ainda num estado de impotência e de descoordenação motora, antecipa
imaginariamente a apreensão e o domínio da sua unidade corporal através da identificação
com a imagem do semelhante como forma total, nomeadamente do outro que desempenha
as funções de mãe; ilustra-se e actualiza-se pela experiência concreta em que a criança
apercebe a sua própria imagem num espelho – fase do espelho – matriz e esboço do que
há-de ser o ego.
O simbólico é o campo da linguagem, regendo o inconsciente do sujeito. A linguagem é a
causa e o efeito da cultura, onde a lei da palavra interdita o incesto e nos torna diferentes
dos animais. O simbólico é o significante, significante mais real do que aquilo que
significa, que precede e determina o significado, é o grande “Outro” (por relação com o
pequeno “outro” representado pelo semelhante) que antecede o sujeito. A linguagem
constrói o sujeito, aporta-lhe uma qualidade heurística – com a linguagem simbólica pensa-
se e relaciona-se com outros seres; estruturado como uma linguagem, operando
combinatoriamente pelos mesmos processos que geram a metonímia e a metáfora, o
inconsciente é o discurso do Outro, o desejo é o desejo do Outro.
20
O real é aquilo que, carecendo de sentido, não pode ser nem simbolizado nem integrado
imaginariamente; é o que não pode ser expresso como linguagem, não se pode representar,
porque ao re-presentá-lo se perde a sua essência, isto é, o próprio objecto. O real está
sempre presente, mas continuamente mediado pelo imaginário e pelo simbólico; é aquilo
que só pode ser aproximado, jamais capturado.
Em suma, nas miragens do eu, o imaginário; na dependência do dizer, o simbólico; na
emergência sem mediação, o real como causa. Estes três registos são condensados por
Lacan no neologismo “parlêtre” – parler (falar), lettre (letra), être (ser) – e articulados
topologicamente segundo a fórmula do Nó Borromeano21
[5], um nó composto por três
círculos entrelaçados e inseparáveis, cuja propriedade única reside no facto de que ao
cortar qualquer um deles os outros dois se desligam; assim, este nó ilustra não só a
concatenação dos três registos e a reciprocidade das suas lógicas, como a inexistência de
uma hierarquia entre eles, e a sua actuação de maneira conjunta e em uníssono. O
inconsciente não acontece num plano subjacente à consciência; pelo contrário, os planos
inconsciente e consciente relacionam-se numa dialéctica de transformação contínua. Esta
relação de dobragem entre os dois planos é ilustrada através da Fita de Moebius22
, na qual
existe uma continuidade ente o interior e o exterior, sem interrupção.
Este retorno à psicanálise clássica, deslocando o determinismo biológico e individual
freudiano para o determinismo linguístico e antropológico, constitui uma abordagem com
uma grande influência na concepção pós-modernista do psiquismo humano, como veremos
mais à frente.
5. Nó Borromeano
Para já podemos concluir que, apesar de os neopsicanalistas procurarem equilibrar o peso
atribuído por Freud e por Lacan ao passado com a valorização do futuro, o determinismo
com o livre arbítrio, e a ditadura do inconsciente com o poder do consciente, ressalta do
modelo psicanalítico uma representação do ser humano cuja história se encontra inscrita no
passado individual e da humanidade, um ser conceptualizado a partir da dinâmica de
21
O Nó Borromeano deriva o seu nome da figura inscrita no brasão de uma nobre família de Itália, os
Borromeanos, que assim selava a sua indissolúvel amizade com outras grandes famílias italianas. 22
A Fita de Moebius é um espaço topológico obtido pela colagem das duas extremidades de uma fita após
efectuar meia volta numa delas. Deve o seu nome ao matemático e astrónomo alemão August Ferdinand
Moebius, que em 1858 trabalhou este objecto, iniciando assim um novo ramo da matemática, a topologia –
estudo das propriedades de uma superfície que permanecem invariantes quando a superfície sofre uma
deformação contínua.
21
factores internos onde a dimensão inconsciente e irracional joga um papel decisivo, um ser
ambivalente, conflituoso, ansioso, neurótico, psicótico, em suma, uma “máquina
energética”, um “animal irracional”.
1.2. ROMANTISMO, SIMBOLISMO, EXPRESSIONISMO, DADAÍSMO,
SURREALISMO, ACTION-PAINTING, TEATRO ESPONTÂNEO E TEATRO DO
ABSURDO
Apesar de todas as dissidências e críticas, Freud é considerado um dos pais da
modernidade – pela possibilidade que deu ao indivíduo de falar livremente, à semelhança
do que fez Carl Marx ao nível social – e a psicanálise continua a ser a mais elaborada
teoria da mente humana, e é o modelo psicológico mais interligado a correntes artísticas,
tanto anteriores como contemporâneas e posteriores. Assim, podemos identificar na teoria
psicanalítica influências das poéticas romântica e simbolista, um grande paralelismo com
as suas contemporâneas tendências expressionistas, e repercussões directas ao nível do
dadaísmo, surrealismo, informalismo, teatro espontâneo e teatro do absurdo.
Uma primeira influência na psicanálise encontramo-la no Romantismo, corrente artística
dominante entre os finais do século XVIII e meados do século XIX. Liberto de um cliente
preciso, trabalhando para si mesmo, refere a historiadora Antonella Sbrilli (1995), o artista
romântico abandona os temas tradicionais da pintura – deuses e ninfas, cenas bíblicas,
episódios da história – substituindo-os pelo seu mundo íntimo. Tal como na filosofia do
indivíduo e da natureza de Kant e de Schelling, na poesia de Goethe e de Leopardi, e na
música de Schubert e de Beethoven, também na pintura se afirma o primado do indivíduo e
do sentimento. Ao nível da pintura, a nova estética da interioridade é materializada, entre
outros, pelo suíço Heinrich Füssli (artista que pinta o que sente, prolongando a sua análise
até às zonas mais íntimas do eu, até ao fantástico, ao inconsciente, ao irreal), pelo alemão
Caspar David Friedrich (cujas paisagens reflectem os estados de alma da poesia lírica
romântica do seu tempo) e pelo inglês Joseph Turner (cujas obras constituem visões de um
mundo fantástico banhado de luz).
22
Um outro elemento importante do mundo romântico é a recuperação da Idade Média,
época de formação das nacionalidades, e sentida como um período de religiosidade pura,
por oposição à Antiguidade pagã e ao presente materialismo. Daí a corrente neogótica no
romance, no teatro, na arte figurativa e na arquitectura. No caso desta, o historiador
Arnaldo Grau (1996) salienta o edifício do Parlamento em Londres (1835), de Charles
Barry e Augustus Pugin, e a Sagrada Família em Barcelona (iniciada em 1884), de Antoni
Gaudí, obra paradigmática da procura romântica dos elementos rústicos, primitivos e da
realização espontânea.
A influência da poética romântica na psicanálise parece bem evidente. No gabinete de
Freud, em Viena, havia uma reprodução da pintura O pesadelo (1791), de Heinrich Füssli
[6]: a imagem mostra ao mesmo tempo, o sujeito da visão (uma mulher deitada a dormir) e
as causas dessa visão (incubo e égua) e, com ela, Füssli abre o caminho para a pintura
moderna do inconsciente.
6. Heinrich Füssli, O pesadelo, 1791
Também no Simbolismo das últimas décadas do século XIX a visão do mundo é orientada
para a valorização da realidade interior. Como escreve a historiadora Maurizia Torza
(1995), para traduzir a complexidade do espírito do Homem moderno, o artista simbolista
recorre à mediação de símbolos, signos evocativos, carregados de mistério e de
indeterminação, que se prestem a múltiplos significados e interpretações. A literatura
simbolista, que tem como guias espirituais Baudelaire, Rimbaud, Mallarmé e Verlaine,
liberta-se do naturalismo, propondo novos mitos na pintura e demonstrando uma percepção
aguda dos valores então emergentes no campo das artes figurativas.
Um dos primeiros e mais importantes pintores simbolistas é o francês Odilon Redon; no
álbum de litografias Dans le Rêve (1879), Redon introduz o não-acabado, o vago, o
esfumado, potenciando assim o mistério e a sugestão; extrapola do mundo natural o
pormenor, que é reproduzido como fragmento muitas vezes isolado no vazio, num meio
sobrenatural, criando uma tensão inquietante, qual metáfora da alma bipolar que o
23
simbolismo carrega – uma alma que oscila entre o naturalismo e o espiritualismo, entre o
cientismo e as soluções fideístas23
.
Para muitos artistas o simbolismo não é só um ideal artístico, mas também uma prática de
vida, uma ética que despreza a existência burguesa, monótona e vulgar. É o caso do
parisiense Paul Gauguin que, depois de ter repudiado a velha e corrompida Europa, parte
para a Oceania em busca de uma pureza original e primordial. A intensidade pura dos
filhos da natureza é representada através de formas simplificadas e de grandes manchas de
cores vivas e contrastantes.
Partilhando inicialmente das ideias de Gauguin, o holandês Vincent Van Gogh desenvolve
um simbolismo que constitui uma resposta desesperada ao mal-estar íntimo que o
persegue, expresso através de cores vivas aplicadas em linhas sinuosas, turbilhões ou
volutas, abrindo assim o caminho do expressionismo. Na mesma senda e visando estudar a
"anatomia da própria alma”, o norueguês Edvard Munch recorre à dureza das cores, à
pesada sensualidade das linhas de contorno e às ousadas perspectivas para criar analogias e
metáforas do conflito psíquico, da angústia, da culpa e da frustração.
No campo do teatro, a interioridade é escrita e encenada por dois dos pais do teatro
moderno, o sueco August Strindberg e o russo Konstantin Stanislavski. Com efeito, e como
observa o historiador Fernando Peixoto (2006), a dramaturgia de Strindberg, o seu “Teatro
Íntimo”, desmascara todo um mundo onde a hipocrisia e a crueldade estão sempre
presentes, com tons carregados de angústia e de uma certa morbidez, exercendo uma
grande influência no expressionismo alemão; por sua vez, Stanislavski cria os verdadeiros
fundamentos da arte de representar através do “método psicotécnico”: o actor deve
aprofundar o conhecimento interior da personagem que lhe cabe interpretar, compreender
as preocupações e contradições da personagem, transpondo-as para a sua própria
personalidade, num processo de transferência psicológica.
7. Edvard Munch, O grito, 1895
Partilhando com a psicanálise uma grande parte do mesmo contexto espacio-temporal, o
Expressionismo reflecte a crise de valores que a Europa do capitalismo enfrenta e o
sentimento de perda da tradição, através da destruição da harmonia clássica e da
23
O fideísmo é uma doutrina filosófica que atribui, com vista ao conhecimento de algumas verdades, maior
24
recuperação das linguagens primitivas. Assim, refere o historiador Sandro Sproccati
(1995), a arte expressionista cria uma contradição entre o conteúdo expresso e o
significante utilizado: os temas tratados estão ligados à actualidade, constituem uma
denúncia da civilização moderna e da sociedade burguesa; em contrapartida, a forma é
simplificada, deformada, brutalizada, remetendo para modelos arcaicos ou infantis.
Nascendo sob o signo do maior mito da época – a renovação radical da existência e da
psicologia humanas – o expressionismo constitui-se como o primeiro grande movimento
artístico de vanguarda, e manifesta-se em todos os domínios da actividade criativa.
Ao nível da pintura, meio onde nasce o movimento, eivado das influências de Van Gogh e
de Edvard Munch, o expressionismo organiza-se em torno de três grupos principais: o
grupo francês Les Fauves (As Feras) e o grupo alemão Die Brücke (A Ponte), no início do
século XX; a partir da década de 1910, a formação russo-bávara Der Blaue Reiter (O
Cavaleiro Azul). O fauvismo foi assim apelidado pela violência do trabalho dos seus
membros, caracterizado pela ferocidade cromática e distorção formal; porta-bandeira do
movimento, Henri Matisse, entende a cor não como um dado exterior à consciência
humana mas como um sentimento, e a realidade como um fantasma do quadro. O Die
Brücke tem como grande mentor Ludwig Kirchner que, elegendo igualmente a cor como
meio por excelência da pintura, defende a subjectividade psicológica e a recusa de regras,
fazendo a apologia da transgressão incessante de cada obra, na medida em que é singular,
saída de uma psique individual. O Der Blaue Reiter cujo nome, como refere a historiadora
Sílvia Ferrari (2001), denuncia a permanência dos laços com a cultura simbolista, visa dar
voz à interioridade do indivíduo, uma interioridade concebida como o centro de uma força
espiritual e não das pulsões violentas que tinham inspirado os grupos anteriores, e envereda
pela reconquista da pureza da natureza e por uma dimensão lírica da cor, ou pela emoção
livre da superfície abstracta. É especialmente o caso do russo Vassily Kandinsky, cuja
pintura é construída como uma partitura musical, onde cada cor representa um estado de
espírito particular – a cor é tecla, o olhar é o martelo e a alma o piano de muitas cordas;
distanciando-se da representação da realidade através da clivagem progressiva da imagem,
Kandinsky inaugura o Abstraccionismo. Fora do campo da pintura, também adere ao grupo
Der Blaue Reiter o músico Arnold Schönberg; dando continuidade à rotura introduzida por
Gustave Mahler, Schönberg ousa pôr em causa as normas da tonalidade e da harmonia,
importância à fé do que à razão.
25
inaugurando a música atonal, uma linguagem musical baseada em doze notas só
relacionadas entre si – dodecafonia.
Se na pintura o expressionismo conheceu o apogeu antes da I Guerra Mundial, o grosso da
actividade expressionista na literatura, na arquitectura e no cinema veio depois dela.
Embora já no início do século a arquitectura Art Nouveau – caracterizada pelas curvas e
formas agitadas e pela exuberância decorativa – constituísse a expressão da personalidade
dos seus autores (como, entre outros, o belga Victor Horta e o francês Gustave Perret), é
sobretudo na década de 1920 e na Alemanha que a arquitectura reflecte o espírito
expressionista. Tal espírito, aponta Ferrari (2001), confere aos edifícios uma ênfase teatral,
realça-lhes a monumentalidade, dramatiza os espaços, decompondo-os e acentuando os
seus elementos funcionais. Entre os demais destaca-se Erich Mendelsohn, cuja obra
valoriza a plástica do conjunto, com um grande impacte óptico.
8. Erich Mendelsohn, Esquiço da Torre Einstein, 1920
No cinema, a mais jovem de todas artes, o expressionismo encontra um terreno de
aplicação muito fértil. O filme O Gabinete do Doutor Caligari [9], do alemão Robert
Wiene, constitui porventura aquele que melhor cria uma atmosfera expressionista, através
da arquitectura e dos cenários em que decorre esta história de crimes e de loucura, da
representação teatral dos personagens e do exagero da caracterização.
9. Robert Wiene, Fotograma do filme O Gabinete do Doutor Caligari, 1919
De todas as correntes, a dadaísta e a surrealista são certamente as mais coincidentes e
estreitamente imbricadas com a Psicanálise. O Dadaísmo surge durante a I Guerra
Mundial, na neutral Suíça, metamorfoseando-se no surrealismo na década de 1920. De
acordo com o historiador Walter Guadagnini (1995), o dadaísmo é mais um espírito ou
atitude comum em relação ao fazer ou pensar arte do que uma corrente, dado que a sua
marca de distinção é a autonomia criativa de cada um dos artistas envolvidos nessa
aventura; aliás, o termo dada, segundo o romeno Tristan Tsara, um dos principais mentores
do movimento, não significa nada, tal como nada há a propor, mas antes a destruir.
A poética dadaísta assenta na ironia corrosiva em relação aos estatutos que regem o
mundo, na subversão da linguagem artística tradicional, na reinvenção da relação entre os
26
objectos e as palavras adequadas para os definir, e na eleição da casualidade e do
inconsciente como motores primeiros da criação artística. Tal atitude concretiza-se através
da adopção de técnicas combinatórias, como a colagem, o assemblage (justaposição de
elementos dispares, acumulação de todo e qualquer tipo de material na obra de arte), a
fotomontagem, e da invenção de novas técnicas, como o ready-made e o rayograph. O
ready-made (já feito), inventado pelo francês Marcel Duchamp, é uma obra de arte
constituída simplesmente por objectos extraídos do quotidiano sem qualquer intervenção
por parte do artista; a célebre Fonte (um urinol invertido), de1917, traduz uma pesquisa
baseada no deslocamento do objecto do seu local e da sua função naturais. Os rayographs,
do nova-iorquino Man Ray, são fotografias feitas sem a utilização da máquina fotográfica,
pelo contacto entre os objectos e o papel sensível, em que o objecto se converte em
sombra, vestígio imaterial; deste modo, a fotografia deixa de ser um simples meio de
reproduzir o real, para se assumir também como um meio de o reinventar.
A aventura dadaísta, numa fase mais construtiva, de sistematização da alienação e da
transgressão, origina o Surrealismo. Influenciado pelas teorias freudianas (as forças
ocultas do inconsciente, a sexualidade) o poeta francês André Breton, um dos signatários
do Manifesto do Surrealismo (1924), exalta a liberdade de imaginação, eleva à categoria de
método operativo o conceito de automatismo psíquico (correspondência imediata entre o
inconsciente e a acção pictórica ou poética, sem qualquer controlo da consciência, por
forma a exprimir o verdadeiro desenvolvimento do pensamento) e exorta à oposição a tudo
aquilo que manifeste aspecto de realidade, e à fidelidade à dissonância, ao exagero, ao
sonho e à loucura.
É o que fazem, entre outros, artistas como o italiano Alberto Giacometti ao desenvolver
uma escultura que se situa na fronteira entre o objet trouvé e a encenação dos impulsos
mais recônditos do inconsciente, os espanhóis Juan Miró ao criar uma série de imagens
saídas das profundezas do inconsciente, executando obras onde a quantidade de signos e de
formas orgânicas gera um universo mágico e extraordinariamente lírico, Salvador Dalí ao
tomar a liberdade de fazer a introspecção da própria loucura, através do método paranóico-
crítico (objectivação de interpretações delirantes e ambíguas), e Luis Buñuel ao subverter a
narrativa e os conteúdos cinematográficos (veja-se O cão andaluz, 1928, estruturado em
quatro temas freudianos – a cegueira, o fetichismo, o desejo e a infância – apoiados numa
27
flutuante, incoerente e absurda narrativa, qual metáfora do inconsciente). Também entre
nós, como refere o historiador e crítico de arte José-Augusto França (1998), o surrealismo
foi acolhido com muito entusiasmo; tendo contactado em Paris, na década de 30, com
Duchamp, Miró, Picabia, o poeta e pintor António Pedro, introduziu o surrealismo em
Portugal, movimento ao qual aderiram, entre outros, António Dacosta, Mário Cesariny,
Alexandre O’Neil, Raul Perez e Cruzeiro Seixas.
10. Raul Perez e Cruzeiro Seixas, Meu jardim justiceiro (Cadavre-exquis), 1975
O fim da vida de Freud coincide com a maturidade do surrealismo; referindo-se aos
pintores surrealistas, o pai da psicanálise dizia “são loucos a 95%” e, a propósito das suas
obras, “se nas pinturas clássicas procuro o inconsciente, na pintura surrealista procuro o
consciente”.
O conceito central da teoria surrealista – o automatismo psíquico – viria a ser retomado de
forma mais profícua pela Action-painting e pelo Informalismo depois da II Guerra
Mundial. Segundo o historiador e crítico de arte Giulio Argan (1984), no segundo pós-
guerra todas as actividades artísticas e culturais são influenciadas pela filosofia da “crise”,
o existencialismo24
. É pois eivada da angústia e dor inerentes ao pós-guerra que nasce, nos
Estados Unidos (para onde tinham imigrado vários surrealistas europeus e para onde se
deslocaram os centros de valorização da arte), a corrente artística da action-painting,
também denominada por expressionismo abstracto. O termo action-painting, criado pelo
crítico de arte Harold Rosenberg, designa uma pintura não descritiva, cujo tema é o próprio
acto de pintar e cujo resultado é o conjunto de gestos que o artista imprime na tela para
exprimir as suas pulsões emotivas. Trata-se de uma arte que visa estabelecer uma relação
directa entre o inconsciente e o gesto criativo, permitindo o livre fluir do material
linguístico sem qualquer controlo ético ou estético, pelo que recorre a técnicas que
favorecem a intervenção do acaso. Jackson Pollock, um dos principais obreiros deste
24
Procedente da Filosofia da Vida, do pensamento de Husserl e de Heidegger, o existencialismo encontra no
filósofo francês Jean Paul Sartre, na década de 1940, um dos mais importantes representantes; como refere o
filósofo Jostein Gaarder (1998), Sartre defende que a existência humana é anterior ao seu significado, que a
existência precede a essência; o Homem não possui nenhuma natureza eterna, por isso estamos condenados a
improvisar; não existem nem valores eternos nem normas pelas quais nos possamos orientar, a liberdade
humana impõe-nos que existamos de modo autêntico, aqui e agora.
28
movimento (que contou também com Franz Kline, Willem De Kooning, entre outros),
salpica (a técnica do dripping) telas estendidas no chão, andando à volta delas e fazendo
jorrar a tinta directamente de latas perfuradas, instaurando com a tela uma relação mais
física do que visual.
11. Hans Namuth, Jackson Pollock, 1950
Na Europa, a tendência gestual assume um carácter mais moderado e reflexivo; o crítico
francês Michel Tapié inventa o termo art informel, eliminando o realce dado pelos
americanos ao conceito de action e destacando o efeito dessa mesma acção: a abolição da
forma. O alemão Hans Hartung, um dos pais espirituais do movimento europeu, cria uma
pintura caracterizada por manchas de tinta – tachisme – onde o impulso criativo
desenfreado se converte numa negação da figuração, associada à impossibilidade de um
controlo racional da mente. Enfatizando o valor da matéria pictórica, o francês Jean
Dubuffet aplica os materiais mais correntes como a gravilha – arte bruta – sobre telas
monocromas, mostrando a espontaneidade das crianças e dos doentes mentais, a
instintividade mais pura, imune a qualquer contaminação racional. Perseguindo um ideal
de arte como instrumento de denúncia social e de reflexão filosófica existencialista, o
irlandês Francis Bacon desenvolve uma pintura em que deforma de um modo raivosamente
gestual as imagens figurativas.
No Japão a action-painting assume um carácter de violenta performance. Em vez de
pincéis ou brochas, os artistas japoneses, como Saburo Murakami, utilizam o seu próprio
corpo coberto de tinta para o imprimir na tela, ou perfurar e destruir a tela, transformando o
gesto em violação.
No campo da escultura, a angústia existencial inerente à pintura informalista traduz-se pela
renúncia à nitidez da matéria e ao polimento das superfícies; por exemplo, as esculturas do
italiano Arnaldo Pomodoro apresentam uma superfície acidentada, sulcada de cortes
profundos que lembram feridas.
Ao nível do teatro, duas correntes fazem eco das teorias psicanalíticas, o teatro espontâneo
e o teatro do absurdo. Tal como a psicanálise, o Teatro Espontâneo surge num contexto
terapêutico, mas, ainda que influenciado por aquela, adopta uma perspectiva mais positiva
29
sobre o ser humano e desenvolve-se num contexto grupal e em ambientes naturais. Criado,
a partir da década de 1930, por Jacob Moreno – médico romeno, descendente de família
judia, tendo vivido na Áustria e posteriormente nos Estados Unidos – o teatro espontâneo
ou teatro do improviso é um jogo dramático no qual os participantes amadores improvisam
acontecimentos do dia a dia ou os seus problemas pessoais. Através da representação,
apoiada no papel (como forma de expressão e de actualização do eu), na espontaneidade
(como fonte de criatividade), na catarse25
, no encontro face a face e na interacção com o
público, os participantes expressam de forma autêntica os seus sentimentos e emoções, e
desenvolvem a sua capacidade para lidar com os problemas.
Com uma grande implantação, tanto da América como na Europa, o teatro assente na
espontaneidade conhece diversas orientações teóricas e constitui a base de abordagens quer
terapêuticas – psicodrama, teatro terapêutico – quer de desenvolvimento pessoal, grupal e
comunitário.
O Teatro do Absurdo desenvolve-se essencialmente na Europa do pós-guerra, nas
décadas de 1950 e 1960. Com raízes na patafísica26
de Alfred Jarry, é influenciado pelo
surrealismo, pela dramaturgia de Antonin Artaud, criador do Teatro da Crueldade (em
reacção contra o teatro restringido ao universo da palavra, destinado a servir o gosto
burguês daqueles que vivem no conforto, nos anos 30 Artaud propõe um teatro feito de
silêncios, de magia, de gestos e dimensões espaciais, em que não há distância entre o palco
e a plateia, entre os actores e o público, um teatro profundamente integrado com a própria
vida, na qual tudo é cruel – o esforço, a existência activa, o amor, a morte, a ressurreição –
um teatro com o qual o espectador possa identificar-se e viver momentos de transe, nos
quais se sinta violentado física e psicologicamente) e pela filosofia de Albert Camus, um
25
É neste princípio que radica uma das grandes diferenças entre o teatro espontâneo e o seu contemporâneo
teatro épico. Desenvolvido pelo dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht, também o teatro épico, científico,
ou político, tem um intuito didáctico, embora num nível sociológico (visa desmistificar as relações da
sociedade, esclarecendo o público e suscitando a acção transformadora); contudo, Brecht defende que a
catarse deve ser evitada, porque hipnotiza o espectador, impedindo-o de desenvolver uma atitude crítica em
relação à peça; assente no princípio do distanciamento (do actor que sai do papel, dos factos quotidianos
apresentados como distantes no tempo e no espaço e, consequentemente, do público), o teatro científico não
expulsa as emoções do palco, antes as eleva ao nível do raciocínio. 26
A patafísica, por definição, o que está junto do que existe depois da física, é a ciência que tem por missão
explorar os campos negligenciados pela física e pela metafísica. Assente no pressuposto de que no universo
tudo é anormalidade, pelo que a regra é a excepção da excepção, a patafísica, desenvolvida por Alfred Jarry
nos finais do século XIX, define-se como a ciência das soluções imaginárias e das leis que regulam as
excepções.
30
humanismo fundado na consciencialização do carácter absurdo da condição humana,
absurda porque incapaz de compreender racionalmente o mundo.
Tendo como principal objectivo representar no palco a crise social que a humanidade vivia,
os valores morais burgueses assentes na hipocrisia, a falta de criatividade do Homem (que
condiciona toda a sua vida àquilo que julga ser o mais fácil e menos perigoso, negando-se
a ousar, arranjando desculpas para justificar uma vida medíocre), a dramaturgia do absurdo
caracteriza-se por uma forte carga irónica, por tramas que parecem carecer de significado,
com diálogos repetitivos e falta de sequência dramática, pela intensificação das neuroses e
loucuras das personagens, pela criação de atmosferas oníricas.
Os pais e principais dramaturgos do teatro do absurdo são o irlandês Samuel Becket, cuja
obra principal, Esperando por Godot, de 1952, constitui uma metáfora da esperança inútil,
e o romeno Eugène Ionesco, cujas obras (entre as quais se destacam A Cantora Careca, de
1950, e O Rinoceronte, de 1959) espelham a solidão e a insignificância da existência
humana, ridicularizam situações banais, falam do absurdo e do irreal como partes
integrantes da realidade.
Também nos meados do século XX a cinematografia americana sofreu uma grande
influência da psicanálise. Com efeito, assinala Marc Vernet (1975), desde o método
terapêutico inicialmente utilizado por Freud (a catarse) até aos conceitos psicanalíticos
(importância da história infantil, conflito edipiano, recalcamento, deslocamento,
compulsão à repetição, etc.) foram recorrentemente adaptados ao cinema americano de
ficção, tanto ao nível dos processos narrativos como dos efeitos especiais – veja-se, por
exemplo, A Casa Encantada e Marnie (A. Hitchcock, 1945 e 1964), Feras Sangrentas (R.
Walsh, 1947) e Bruscamente no Verão Passado (J. L. Mankiewitz, 1959).
De resto o cinema narrativo é considerado um dispositivo com objectivos semelhantes aos
da terapia psicanalítica. Assim, para o filósofo Edgar Morin (1956), o mundo imaginário
que o cinema constitui é o lugar por excelência de manifestação dos desejos, sonhos e
mitos do Homem. Contudo, ressalva Félix Guattari (1975), enquanto que a psicanálise é
reservada a elites seleccionadas, o cinema transformou-se numa gigantesca máquina de
modelar a líbido social, uma espécie de “divã dos pobres”.
31
Concluindo, em perfeita sintonia com a psicanálise, todas estas correntes artísticas
assentam numa poética da interioridade, na valorização de uma realidade ora intimista e
sentimental, ora inconsciente, erótica e onírica, ora saudosista, conflituosa e angustiosa, ora
absurda e paradoxal. Derrubando o mito do Homem racional capaz de lutar contra os
instintos animais, erguem um ser a partir da sua ascendência animal (um “animal
irracional”), um animal confrontado com a domesticação e mecanização inerente ao
progresso do capitalismo, um ser torturado por conflitos e guerras, espectador de uma
existência absurda, angustiante e neurótica, um poço de energia automaticamente gerada
num campo de pólos opostos (uma “máquina energética”) dinâmico e polimorfo.
32
2. CORPO FALANTE, MÁQUINA DE REACÇÕES
Coexistindo temporalmente com a perspectiva intra-orientada, voltada para o inconsciente,
e assente numa abordagem meta-psicológica, fenomenológica, deparamo-nos, tanto na
psicologia como na arte, com uma orientação centrada no exterior, racionalista e
estruturada numa abordagem científica, psicométrica.
2.1. MODELO DOS TIPOS E DOS TRAÇOS
Depois do interior profundo, a partir da década de 1920 o discurso sobre a personalidade
deslocou-se para o exterior superficial, ou seja, da abordagem intrapsíquica da psicanálise
passou-se a uma explicação centrada no corpo, com as teorias biotipológicas e dos traços.
Tendo como principal pressuposto a determinação genética da personalidade, apesar do
papel reconhecido aos factores ambientais, o modelo dos tipos e dos traços demarca-se do
psicodinâmico pela ênfase colocada na dimensão consciente da personalidade e por uma
metodologia assente sobretudo na observação de pessoas emocionalmente saudáveis, tendo
como objectivo determinar as dimensões comuns da personalidade humana e o seu grau de
variação nas pessoas individuais.
A lógica subjacente às Teorias dos Tipos, ou seja, a explicação do funcionamento
psíquico e dos traços do carácter relacionando-os com o funcionamento e as estruturas do
corpo, remonta à antiguidade clássica greco-romana. Como refere Jacques-Philipe Leyens
(1985), Hipócrates (médico grego, considerado o “pai da medicina”) no século IV a.C. e
Galeno (médico grego) no século II d.C. propuseram quatro tipos de temperamento,
baseados nos fluidos (humores) corporais que controlariam a mente humana: sanguíneo –
um tipo animado, optimista e agradável no convívio, cujo fluido abundante é o sangue;
colérico – tipo rápido, excitável e por vezes agressivo, com predomínio da bílis; fleumático
– tipo lento, mole e frio, cujo fluido abundante é o fleuma ou muco pulmonar; melancólico
33
– tipo triste e pessimista, tendo como fluido dominante a bílis preta27
. Os traços inerentes a
estes quatro tipos foram enriquecidos pelo filósofo alemão Immanuel Kant no século
XVIII e, um século depois, Wilhelm Wundt (fisiologista alemão, considerado o fundador
da psicologia experimental) introduziu dois eixos – “emoções fortes / emoções fracas” e
“emoções rápidas / emoções lentas” – defendendo que as pessoas podem situar-se em mais
do que um quadrante [12].
12. Sobreposição dos sistemas de Hipócrates, Galeno, Kant e Wundt
Na mesma linha, mas partindo da aparência exterior do corpo, se inscrevem os estudos
fisiognomónicos – a procura de decifrar a alma através da análise do rosto – que se
desenvolveram a partir do século XVI. Situado junto da cabeça, contendo quatro dos
principais órgãos dos sentidos, o rosto surge como um intermediário entre o interior e o
exterior, como um frontispício da alma. Influenciada inicialmente pela magia e astrologia,
a fisiognomonia adopta mais tarde uma perspectiva racionalista (onde se destaca Johann
Gaspar Lavater, no século XVII, que procurou estudar as proporções da ossatura para daí
tirar inferências psicológicas), conduzindo à abordagem antropológica nos finais do século
XIX, em especial na vertente criminal desenvolvida por Cesare Lombroso.
Procurando ultrapassar o carácter ligeiro e subjectivo destas abordagens, na década de
1920, o psiquiatra alemão Ernest Kretschmer (1926) procura encontrar relações estáveis
entre características físicas e mentais, definir tipos claros e rigorosos, recorrendo ao exame
visual e antropométrico para estudar as primeiras, e ao diagnóstico psiquiátrico, para as
segundas. Propõe então três tipos morfológicos, fazendo-lhes corresponder três tipos de
personalidade [13].
TIPOS SOMÁTICOS
TIPOS PSICOLÓGICOS
27
Estes quatro tipos de temperamentos foram bastante populares na Idade Média, tendo sido usados mais
tarde para classificar diferentes povos: assim, os italianos eram sanguíneos, os árabes coléricos, os ingleses
fleumáticos e os russos melancólicos.
34
LEPTOSSÓMICO
. Estatura alta
. Costas estreitas
. Musculatura pouco desenvolvida
. Cara alongada, nariz pontiagudo
. Cabelo abundante
ESQUIZOTÍMICO
. Introvertido
. Pouco sociável
. Hipersensível
. Crítico e perspicaz
. Voluntarioso
ATLÉTICO
. Estatura média
. Musculatura muito desenvolvida
. Ombros largos
. Membros e sistema piloso muito desenvolvidos
. Crânio pontiagudo na parte superior
. Maçãs do rosto proeminentes e nariz chato
VISCOSO
. Afirmativo
. Explosivo-fleumático
. Activo
. Dominador e corajoso
. Perseverante nos objectivos a alcançar
PÍCNICO
. Estatura baixa
. Membros e pescoço curtos
. Acumulação de gorduras no ventre
. Cara mole e grande
. Nariz largo
. Olhos pequenos e enfiados
. Pele rosada
. Calvície precoce
CICLOTÍMICO
. Instável (alegre, por vezes triste)
. Sentimental
. Sociável
. Afável e mole
. Apreciador do conforto
13. Tipologia de E. Kretschmer (adaptada)
Outras teorias biotipológicas foram desenvolvidas na década de 1940 pelo norte-americano
William Sheldon e pela Escola Holando-Francesa (Heymans, Wiersma e Le Senne), esta
unicamente psicológica, mas assentando ambas nos mesmos fundamentos. Trata-se de uma
abordagem em que o psíquico é representado a partir do físico, o interior a partir do
exterior, onde o indivíduo é visto como um corpo físico que fala por si, como um “corpo
falante”, numa lógica do estilo "mostra-me o teu corpo, dir-te-ei quem és"28
. O facto de a
maioria das pessoas raramente corresponder a um ou outro tipo, e o pressuposto da
determinação hereditária da personalidade são os grandes calcanhares de Aquiles das
teorias biotipológicas.
28
Encontramos a mesma lógica na Quirologia, que procura revelar traços significativos da maneira de ser a
partir da forma e textura das mãos, das linhas e montes que atravessam a palma; idêntico pressuposto está
presente na Grafologia – enquanto extensão do próprio corpo, a escrita evidencia traços temperamentais e da
personalidade do seu autor.
35
O abandono do estudo morfológico e o enfoque sobretudo no psíquico, conduziu às
Teorias dos Traços a partir da década de 1930. Como refere Amâncio Pinto (2001), as
teorias dos traços pretendem determinar o perfil ou matriz dos traços característicos de
uma pessoa, o que a diferencia de outra e a torna única. Um traço é uma predisposição
consistente e duradoura para responder de maneira semelhante a estímulos diferentes, é um
modo característico da pessoa pensar, sentir, reagir e se comportar, é a unidade estrutural
básica da personalidade. A personalidade é constituída por um conjunto de traços, que
caracterizam o comportamento geral das pessoas.
As primeiras teorias dos traços eram constituídas por listas de adjectivos (traços mais ou
menos centrais, inerentes a diversos domínios), sendo a personalidade definida pela sua
enumeração; posteriormente, Hans Eysenck e Raymond Cattell usaram a análise factorial
para determinar as dimensões ou factores subjacentes da personalidade.
No início da década de 1960, Robert McCrae e Paul Costa desenvolveram uma alternativa
aos modelos da estrutura de personalidade de Eysenck e de Cattell, o modelo dos cinco
factores [14].
(1) Extroversão: representa o grau de interacção social, o nível de actividade e de estimulação; os valores
altos e baixos da escala são representados pelos adjectivos “loquaz - calado”, “franco - secretivo”, “sociável -
recolhido”.
(2) Amabilidade: refere-se à orientação interpessoal ao longo de um contínuo que vai da compaixão ao
antagonismo, expresso em actos e pensamentos; os adjectivos opostos representativos são “amigável -
hostil”, “não ciumento - ciumento”, “gentil - obstinado”.
(3) Consciência: identifica as pessoas organizadas, persistentes, com uma motivação dirigida para objectivos;
os adjectivos opostos são “responsável - incerto”, “escrupuloso - sem escrúpulos”, “exigente - descuidado”.
(4) Neuroticismo: avalia os indivíduos ansiosos e instáveis, propensos a pensamentos irrealistas e
dificuldades de ajustamento; os adjectivos representativos são “ansioso - calmo”, “excitável - sereno”, “tenso
- ponderado”.
(5) Abertura à experiência: identifica a tolerância, a abertura à exploração do desconhecido e da experiência
em si; os adjectivos opostos são “polido - rude”, “inteligente - não inteligente”, “sensível - não sensível
artisticamente”.
14. Modelo dos cinco factores (R. McCrae e P. Costa)
A instabilidade temporal dos traços do perfil de personalidade, constitui uma das grandes
limitações desta abordagem; por outro lado, o peso atribuído à genética significa que este
36
modelo mantém uma visão determinista da personalidade; o determinismo que Freud
localiza na primeira infância, é aqui situado a montante do nascimento. Constitui uma
perspectiva essencialmente centrada na pessoa, dando pouca atenção ao meio físico e
social, sendo posta em causa pelas teorias situacionistas e interaccionistas que à frente
trataremos, e pelo modelo behaviorista que abordamos a seguir.
2.2. MODELO BEHAVIORISTA
Contemporâneo do modelo dos traços, o modelo behaviorista29
, opera uma revolução
copérnica na abordagem da personalidade, ao deslocar a explicação da pessoa para o meio
ambiente; a personalidade não é entendida como algo interno à pessoa, resultante da
hereditariedade ou habilidades pessoais, mas antes como o resultado das influências do
meio. Tal atitude radica na teoria da evolução de Darwin e, mais directamente, na tradição
funcionalista americana dos finais do século XIX; iniciado por William James e John
Dewey, entre outros, o funcionalismo procura, com um espírito prático, estudar a função
do comportamento na sua adaptação ao meio, ou seja, as relações funcionais ou de
dependência entre antecedentes e consequentes do comportamento; opondo-se ao
estruturalismo que se centra nos elementos mentais, o funcionalismo acentua os processos
mentais como função da adaptação do indivíduo ao meio30
.
Formado na escola funcionalista, o norte-americano John Watson funda o behaviorismo na
segunda década do século XX. Num texto antológico, de 1930, Watson expressa bem a
atitude behaviorista na abordagem da personalidade: “Dêem-me uma dúzia de crianças
saudáveis … e o meu mundo especializado para as fazer crescer, e eu garanto-vos que
tomo uma ao acaso e a educo para se tornar qualquer tipo de especialista que eu queira –
doutor, advogado, … e também, é claro, pedinte ou ladrão, independentemente dos seus
talentos, … tendências, habilidades, vocações e raça dos seus progenitores”. Segundo
Watson, como referem Schultz & Schultz (2001), não há lugar para impulsos, mecanismos
29
O termo “behaviorista” é uma adaptação ao português do original em inglês behaviorist, sendo também
utilizada a sua tradução – comportamentalista. 30
É nesta lógica funcionalista que surge, nos finais do século XIX, pela mão do engenheiro norte-americano
Frederick Taylor, a Organização Científica do Trabalho; aplicando uma lógica cartesiana à análise do
trabalho, Taylor estuda os movimentos e tempos inerentes às tarefas e divide as tarefas em funções, criando a
especialização e a padronização, adaptando de forma mecanicista o operário ao posto de trabalho.
37
de defesa, motivações ou necessidades, pois não podem ser observadas e manipuladas de
maneira objectiva: a personalidade é meramente um conjunto de respostas aprendidas por
meio de estímulos, padrões de comportamentos observáveis ou sistemas de hábitos.
A teoria de Watson foi continuada, desenvolvida e testada por meio de pesquisas
laboratoriais com ratos e pombos, pelo compatriota B. Skinner, entre as décadas de 1940 e
1980. Para Skinner o conceito de personalidade não passa de uma ficção explicativa; não
faz sentido dizer, por exemplo, que uma pessoa é ou não sociável, porque ser sociável
depende da situação em que ela se encontra; uma pessoa pode ser sociável quando se
encontra no meio de um grupo de amigos e pouco sociável numa situação familiar. A
personalidade resume-se ao comportamento, cujas causas são externas ao organismo. O
comportamento é sempre uma resposta aos estímulos do meio, quer aos que antecedem o
comportamento (através do condicionamento reactivo31
, somos condicionados a reagir de
uma determinada forma aos diferentes estímulos), quer aos que se lhe sucedem (o nosso
comportamento opera uma resposta – reforço ou punição – no meio, que vai condicionar os
comportamentos futuros – condicionamento operante); as pessoas comportam-se de forma
diferente porque têm histórias diferentes de reforços e punições.
Estamos pois perante uma imagem do ser humano como um organismo vazio, determinado
e condicionado pelo meio e pelas circunstâncias que o rodeiam (um “animal de hábitos”),
meio ao qual reage mecanicamente (uma “máquina de reacções”).
2.3. CUBISMO, ABSTRACCIONISMO E FUNCIONALISMO
A lógica funcionalista e racionalista subjacente aos modelos behaviorista, dos tipos e dos
traços, manifesta-se também e de forma igualmente intensa na arte da primeira metade do
século XX, nomeadamente na pintura, na arquitectura, no design e no urbanismo. Assim, a
par da poética assente na interioridade, na angústia, na nostalgia do passado, no absurdo,
desenvolve-se uma vertente da pesquisa artística que se volta com uma confiança positiva
31
O conceito do “condicionamento” foi criado pelo fisiologista russo Ivan Pavlov por volta de 1900. Nas
suas célebres experiências com cães, o animal adquiriu uma resposta condicionada (salivar) perante um
estímulo neutro (som de uma campainha), depois deste ter sido repetidamente associado à comida.
38
para o presente, assente numa abordagem racional vinculada ao progresso técnico, em prol
de uma arte socialmente útil.
Ao nível da pintura, a análise racional da natureza é desenvolvida por duas correntes
principais: o cubismo e o abstraccionismo. Insatisfeitos com a aparência impressionista32
da realidade, os cubistas, influenciados pelos ensinamentos de Paul Cézanne, procuram a
estrutura oculta das coisas, a base geométrica da natureza. Assim, o francês Georges
Braque e o espanhol Pablo Picasso, os pioneiros do Cubismo, adoptam um modo de
representação que analisa e decompõe os objectos, como se girassem à sua volta, revelando
as suas múltiplas facetas. Como observa Sbrilli (1995a), trata-se de uma forma extrema de
realismo e de um modo de inserir na pintura a dimensão tempo, a sucessão, a duração (o
indivíduo não está parado diante dos objectos) e de um desejo de multiplicar os pontos de
vista na obra de arte, também presente na música de Igor Stravinsky e na prosa de James
Joyce, Virgínia Woolf e Gertrude Stein.
15. Georges Braque, Casas em L’Estaque, 1908
Também os Abstraccionistas assentam a sua análise na base geométrica da natureza,
nomeadamente os neoplasticistas como o holandês Piet Mondrian. Na sua pesquisa de uma
arte de relações puras, de uma pintura que exprima apenas as relações formais que o
naturalismo ocultara sob os objectos, Mondrian reduz os seus quadros aos elementos
fundamentais da percepção visual: a linha vertical, a linha horizontal, as cores primárias
inseridas em zonas rectangulares ou quadradas, mais o branco e o preto, respectivamente
como fundo da tela e como corpo das linhas. Estes elementos evocam as coordenadas
basilares da experiência humana: a linha horizontal representa o plano do solo e o eixo
formado pelo olhar; a linha vertical traduz a posição erecta e as dimensões “alto-baixo”,
com todas as suas conotações simbólicas ao nível lógico, moral e religioso.
32
Os impressionistas, como os franceses Claude Monet e Auguste Renoir, procuram, nos finais do século
XIX, reproduzir apenas a sua verdade perceptiva e sensível, captar o instante de uma realidade em constante
movimento e que, a cada mutação da luz, muda de aspecto e de verdade. Em sintonia com as contemporâneas
teorias da visão da cor (a teoria componente, de Young-Helmholtz e a teoria oponente, de Hering), os
pontilhistas, como os franceses Georges Seurat e Paul Signac, aplicam as cores puras na tela com pequenas
pinceladas, deixando a sua mistura para o olho do espectador.
39
Simultaneamente, na arquitectura são dados os primeiros passos do Funcionalismo,
sobretudo pelo norte-americano Louis Sullivan (cuja máxima, “a forma segue a função”,
significa que em toda a verdadeira experiência de arquitectura, a forma é determinada pela
função) e pelo austríaco Adolf Loos, consolidando-se na década de 1920, em particular no
contexto de dois movimentos europeus paralelos que partilham o interesse pela abstracção
pictórica e a adesão ao pensamento socialista: De Stijl na Holanda e a Bauhaus na
Alemanha.
Directamente influenciado pelo neoplasticismo, De Stijl (O Estilo), grupo fundado em
1917 por arquitectos, como Theo van Doesburg e Gerrit Thomas Rietveld, pintores e
artífices, proclama como o verdadeiro estilo a linguagem formal, construtiva, abstracta e
isenta de qualquer ornamentação. Como refere o historiador Jürgen Tietz (2000), a redução
da linguagem aos seus dados objectivos exprime uma necessidade de concreto que não é
mais do que a consciência da época; a arte deve saber responder às revoluções da técnica e
às novas exigências sociais, submetendo-se ao conceito do útil. A primeira obra de
arquitectura De Stijl é a Casa Schröder, concebida por Rietveld em 1924: numa forma
paralelepipédica limpa de toda a ornamentação supérflua, os planos de parede são
autónomos, prolongando-se para além das juntas; contudo, as grandes revoluções são a
cobertura plana, que substitui o tradicional telhado de duas ou quatro águas, e a planta
livre, que substitui a tradicional sequência de espaços fechados, permitindo assim ser
modificada pelo morador de modo flexível.
A Bauhaus (Casa da Construção), escreve a historiadora Vittoria Coen (1995), é uma
escola de artes e ofícios fundada por Walter Gropius em 1919, para fazer face ao problema
da operacionalidade artística no domínio do produto industrial e do objecto de uso, e tendo
como ideário a união entre as diferentes artes e a extinção das barreiras entre artistas e
artesãos. O edifício da Bauhaus [16], projectado por Gropius em 1926, constitui a
materialização da ideologia funcionalista inerente à escola: volumes simplificados e
livremente associados, planos totalmente brancos e reduzidos ao essencial, grandes
superfícies envidraçadas. A Bauhaus foi fechada em 1932 pela acção dos nacional-
socialistas em ascensão, tendo Walter Gropius e Mies van der Rohe emigrado para os
Estados Unidos, onde continuaram a obra funcionalista à escala dos arranha-céus.
16. Walter Gropius, Maqueta da Bauhaus, Dessau, 1926
40
No velho continente, a par e após estas duas experiências, o funcionalismo confunde-se
marcadamente com a obra teórica e prática do arquitecto franco-suíço Le Corbusier. O seu
conceito de casa como “uma máquina de viver” é concretizado através de cinco princípios
básicos – edifício assente sobre pilotis (entre os quais se pode circular), cobertura em
terraço/jardim, fachadas livres (da função de suporte, de ornamentos e de hierarquias),
janelas em banda horizontal (criando uma osmose entre o interior e o exterior), e planta
livre (da estrutura de suporte, eliminando o espaço compartimentado em divisões) – que
são aplicados pela primeira vez na célebre Villa Savoye, em Poissy (1929-1930); ao nível
da habitação colectiva, a ideologia funcionalista é implementada na Unidade de
Habitação, em Marselha (1947-1952) – um complexo de 370 habitações que procurava
satisfazer todas as necessidades dos seus habitantes num único edifício, incluindo um
hotel, um centro comercial, um jardim infantil, uma piscina, e um jardim no terraço. A sua
preocupação em adaptar a arquitectura à escala humana condu-lo à criação do Modulor –
um sistema de medidas, baseado na razão de ouro, nos números de Fibonacci33
, e nas
dimensões médias humanas, que visa estabelecer uma relação directa entre as proporções
do edifício e as do Homem [17].
17. Le Corbusier, Modulor, 1948
Em síntese, encontramos no funcionalismo (corrente dominante na prática da arquitectura
internacional – International Style – da primeira metade do século XX) uma abordagem
racionalista da arquitectura, assente na simplicidade de formas, no retorno aos volumes
elementares – cubo, cilindro, esfera – adoptando como ideário o comum, a regra, a
classificação e a tipificação, visando criar máquinas de habitar adaptadas às medidas e às
necessidades humanas.
Esta visão mecanicista da natureza humana está igualmente presente numa das mais
importantes teorias do cinema, a teoria da montagem, desenvolvida pelo alemão Sergei
33
Leonardo de Pisa, mais conhecido por Fibonacci, monge do século XIII, criou uma série de números de tal
forma que cada número é igual à soma dos dois que lhe antecedem (1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, …), descobrindo
que esta série está presente na conformação do corpo humano, nas flores, nas conchas marinhas espiraladas,
etc. Edouard Lucas, no século XIV demonstrou que a razão entre dois números consecutivos tende a
estabilizar-se em 0,618, a razão de ouro, que fora usada pelos egípcios na construção da pirâmide de Gizeh e
pelos gregos para construir o Parthenon.
41
Eisenstein na década de 1920. Como assinala o teórico Andrew Tudor (1985), a dialéctica
eisensteiniana defende a criação artística, enquanto montagem, a partir da interacção de
opostos contraditórios; o processo tese-antítese-síntese é a linha base onde assenta a teoria
da montagem. Através do conflito (gráfico, de planos, de amplitude de volumes, espacial,
de luz, de ritmo), o espectador é levado para fora de si próprio, electrificado, conduzido ao
êxtase; e é através da sua resposta emocional que o espectador compreende o conteúdo
temático do filme. Esta vontade de controlar o pensamento do espectador através de
choques emocionais, encontra posteriormente uma excelente réplica na filosofia da
“direcção de espectadores” (mais do que direcção de actores) que Hitchcock desenvolve
nas suas realizações.
Concluindo, se, como defendem os modelos biotipológico, dos traços e behaviorista, o
psiquismo e o comportamento humano são regulados a partir do exterior – ora a partir do
corpo cuja morfologia inscreve um modo de agir (um “corpo falante”34
), ora a partir dos
estímulos ambientais aos quais o Homem reage mecanicamente (uma “máquina de
reacções”), adquirindo hábitos (um “animal de hábitos”) – então um ambiente cientifica e
funcionalmente desenhado constitui o meio ideal para a adaptação do Homem em direcção
ao progresso.
42
3. BOM SELVAGEM
Depois da angústia existencial do segundo pós-guerra, a década de 1960 é marcada por um
clima generalizado de contestação, um conjunto de revoluções sociais, políticas,
económicas e culturais. É um renovar da esperança nas promessas da modernidade ou,
como refere Birgit Pelzer (2004), a utopia de transformar o destino colectivo, libertando o
indivíduo dos constrangimentos dos aparelhos e do trabalho. Tal libertação, ao nível da
psicologia, é materializada e construída pelo modelo humanista, e em termos artísticos por
um vasto e diverso conjunto de movimentos e manifestações.
3.1. MODELO HUMANISTA
O desenho de uma concepção do ser humano mais optimista do que a psicanalítica e a
behaviorista é realizado pela psicologia humanista. Assim, imbuído por ideais
renascentistas (o antropocentrismo, a unicidade do ser humano, a evolução e o progresso),
iluministas (o deísmo35
, a bondade natural do Homem, a liberdade, a tolerância) e
existencialistas (a autenticidade, o hic et nunc), desenvolve-se nos anos 60 o modelo
humanista, pela mão de dois obreiros principais, ambos norte-americanos – Carl Rogers e
Abraham Maslow.
Numa abordagem fenomenológica, centrada no presente e no self (eu), Carl Rogers
entende que a personalidade só pode ser entendida a partir do nosso próprio ponto de vista,
isto é, baseada nas nossas experiências subjectivas. Na obra Tornar-se pessoa, de 1961,
propõe uma filosofia de existência assente no conceito de “vida plena”.
Segundo Rogers, as pessoas são motivadas por duas tendências ou necessidades básicas: a
necessidade de auto-actualização e a necessidade de consideração positiva. A necessidade
de auto-actualização é o desejo de realizar as potencialidades pessoais, de actualizar o self
para tornar-se uma pessoa em pleno funcionamento. O self (conceito central na teoria
34
Ao nível artístico, o corpo há-de tornar-se, na década de 60, o próprio instrumento da arte, com o
happening e a performance, e o próprio material artístico da body art.
43
rogeriana) é o auto-conceito, a imagem do que somos, resultante da diferenciação entre o
que é parte de nós e o que são as pessoas, objectos e acontecimentos à nossa volta; o self
ideal é a imagem do que gostaríamos de ser; quanto menor a distância entre o eu e o eu
ideal mais felizes seremos. A necessidade de consideração positiva é o desejo de
aceitação, aprovação e amor por parte dos outros; esta necessidade pode impedir a
exploração das nossas próprias capacidades se pensarmos que ao fazê-lo vamos ter
desaprovação. A adaptação psicológica deriva da congruência entre o auto-conceito e a
experiência, do equilíbrio entre a necessidade de realizar o potencial e a necessidade de
aprovação dos outros.
A vida plena não é um estado fixo, de virtude, contentamento, nirvana ou felicidade; é um
processo e não um estado de ser, uma direcção e não um destino; pressupõe a liberdade e
não o determinismo. É uma abertura crescente à experiência, uma auto-actualização
constante; implica flexibilidade, criatividade e a ausência de rigidez, de preconceitos, de
imposição de uma estrutura à experiência. A vida plena é aceitar os outros (a natureza
humana é essencialmente digna de confiança, construtiva e positiva) e compreendê-los de
forma empática, sem avaliação. É ter confiança em si mesmo, ser congruente, ser
autêntico; é sair detrás das fachadas, eliminar atitudes de defesa e de duplicidade. A vida
plena é viver plenamente cada momento, é mergulhar em cheio na corrente da vida.
Desmistificando a terapia psicanalítica (para Rogers a relação terapêutica não é
necessariamente diferente de outras formas de relação), a terapia rogeriana - Terapia
Centrada na Pessoa - baseia-se na não-directividade (é a pessoa e não o terapeuta quem
determina a mudança), na aceitação positiva e incondicional do cliente e na empatia. Por
considerar que a desadaptação não está no interior da pessoa mas na relação com os outros,
a intervenção desenvolve-se preferencialmente em grupo – os denominados Grupos de
Encontro. Sendo um modelo terapêutico voltado sobretudo para a auto-actualização, criou
as bases para as actuais abordagens de intervenção designadas por “desenvolvimento
pessoal”.
De resto a filosofia rogeriana teve um grande impacto ao nível das teorias pedagógicas,
nomeadamente nas Correntes Não Directivas, que na década de 1960 procuraram aplicar
na escola os princípios de Rogers: não-directividade, auto-gestão, confiança no aluno (o
centro da sala de aula), responsabilidade e liberdade.
35
O deísmo é uma concepção filosófico-religiosa que admite a existência de Deus como criador de todas as
44
Na mesma linha, Abraham Maslow opõe-se tenazmente à ideia criada pela religião de que
o Homem é fundamentalmente pecador, e ao pressuposto freudiano de que a natureza
fundamental do Homem é constituída por instintos que, se não puderem exprimir-se, levam
ao incesto e ao assassínio, e defende a natureza animal do Homem, fazendo notar que as
emoções anti-sociais – hostilidade, inveja, etc. – resultam da frustração dos impulsos mais
profundos do amor, da segurança, da posse, que são em si mesmos desejáveis.
Considerando a psicologia anterior muito pessimista e voltada para o sofrimento, Maslow
propõe uma psicologia optimista e voltada para o amor e a auto-realização; a teoria da
personalidade que desenvolveu não tem origem em casos clínicos, mas em pesquisas com
adultos criativos, independentes e realizados.
Pressupondo que todas as pessoas nascem com as mesmas necessidades instintivas que as
capacitam a crescer, a desenvolver e a realizar o seu potencial, Maslow (referido por
Schultz & Schultz, 2001) propõe uma hierarquia de cinco necessidades inatas que activam
e direccionam o comportamento humano: necessidades fisiológicas, de segurança, de
afiliação e amor, de estima, e de auto-realização [18].
18. Hierarquia de necessidades (A. Maslow)
coisas, mas nega a sua intervenção no mundo, que seria regulado por leis inalteráveis.
Fisiológicas
Segurança
Afiliação e amor
Estima
-realização
Auto-
45
As necessidades fisiológicas são aquelas cuja satisfação é indispensável à sobrevivência,
tais como respirar, dormir, comer e abrigar-se. A necessidade de segurança é o desejo de
protecção, ordem e estabilidade, e a ausência de medo e ansiedade. A necessidade de
afiliação e amor é o desejo de pertencer a grupos, de conviver, de dar e receber afecto,
fugindo ao isolamento. A necessidade de estima é satisfeita de duas formas: precisamos de
estima e respeito da nossa parte, sob a forma de sentimento de auto-valorização, e por parte
de outras pessoas, sob a forma de reconhecimento, status ou sucesso social. A auto-
realização depende da realização e cumprimento máximos das nossas potencialidades,
talentos e capacidades.
O funcionamento da pirâmide de necessidades obedece às seguintes regras: quanto mais
baixa na hierarquia, maior será o seu poder e prioridade (contudo a ordem pode variar para
diferentes pessoas, como por exemplo no caso dos grevistas de fome); as necessidades
inferiores têm de ser, pelo menos parcialmente, satisfeitas antes que as superiores se
tornem influentes; os vários tipos de necessidades surgem em diferentes fases da vida (as
fisiológicas e de segurança emergem na infância, as de afiliação e de estima surgem na
adolescência, e a de auto-realização apenas na meia-idade).
Maslow propõe um segundo tipo de necessidades inatas – as necessidades cognitivas; estas
englobam o desejo de conhecer e de entender, e surgem no final da primeira infância,
expressando-se pela curiosidade natural das crianças. As necessidades cognitivas situam-se
fora da hierarquia, sobrepondo-se às cinco descritas: encontrar um sentido no nosso
ambiente é fundamental para interagir com o mesmo de um modo emocionalmente
saudável e maduro, e satisfazer as outras necessidades. Sugere ainda que as pessoas
necessitam de experiências esteticamente agradáveis – necessidades estéticas; quando
estas não são satisfeitas, o desenvolvimento completo da personalidade fica prejudicado.
Na fase final da sua vida, Maslow (referido por James Fadiman e Robert Frager, 2004) vai
para além do indivíduo, do pessoal, defendendo a importância da dimensão espiritual da
experiência humana, e a necessidade de uma Psicologia Transpessoal; uma teoria viável e
precisa da personalidade deve incluir não apenas as profundezas, mas também as alturas
que cada indivíduo é capaz de atingir36
.
36
A psicologia transpessoal enquadra-se no modelo perene, cujas origens próximas remontam à filosofia
perene de A. Huxley, de 1940, e que tem duas premissas essenciais: existe uma realidade ou unidade
transcendente que liga todos os fenómenos, aparentemente separados; o self individual é apenas um reflexo
46
Em suma, tanto Rogers como Maslow defendem uma perspectiva do Homem como um ser
naturalmente bom, racional, um ser em situação, em evolução e desenvolvimento
constante, aspirando a uma vida plena, a ser autenticamente o que realmente é e não uma
imagem imposta por uma sociedade hipócrita feita de máscaras e fachadas.
A influência iluminista nesta concepção do ser humano foi já referida no início;
regressamos agora às ideias de um dos seus principais mentores – o filósofo suíço Jean-
Jaques Rousseau do século XVII – para adoptar uma metáfora desta representação do
Homem. Pressupondo que o Homem nasce bom e que a sociedade é que o corrompe,
devendo portanto retornar à natureza, Rousseau defende que a origem do mal está na
sociedade civil, numa organização social assente na competitividade, na desigualdade, na
injustiça e na corrupção, advogando uma sociedade organizada a partir dos direitos
naturais convertidos em direitos civis, assente na natureza selvagem do Homem e na
vontade dos homens.
Assim, a imagem do “bom selvagem” parece-nos perfeitamente adequada para traduzir a
ética da autenticidade, do beyourself, da libertação face a todos os tipos de autoridade
(moral, religiosa e política) em direcção à auto-realização, a uma vida plena e à felicidade.
3.2. POP ART, ARTE CINÉTICA, OP ART, ARTE PSICADÉLICA, ARTE DE ACÇÃO,
ARTE DO COMPORTAMENTO, BODY ART, ARTE POBRE, LAND ART, E
ORGANICISMO
Na passagem dos anos 50 para os anos 60, refere a historiadora Paola Jori (1995), as
experiências artísticas caracterizam-se por um incontível desejo de renovação e por uma
nítida oposição a qualquer dogmatismo e ao conceito de autoridade; aspira-se a uma
liberdade total e alarga-se o campo dos instrumentos expressivos, o que explica a
proliferação de movimentos e manifestações artísticas. Contudo, e em sintonia com a
de uma unidade maior, transpessoal (nós provimos dessa unidade e baseamo-nos nela; entretanto, alienamo-
nos das nossas origens e precisamos de retornar a ela para sermos humanos plenamente saudáveis e inteiros).
Tentativa de união das psicologias individualistas ocidentais com as psicologias espirituais do oriente, a
psicologia transpessoal estuda o potencial mais alto da humanidade, as experiências unitárias, espirituais e
transcendentes. Ken Wilber, um dos seus importantes mentores, na obra The spectrum of consciousness,
1977, defende que o crescimento visa a superconsciência, através da cura de uma série de dicotomias:
consciente-inconsciente, persona-sombra, mente-corpo, organismo-ambiente.
47
psicologia humanista, todas elas partilham a valorização do presente e o ensejo de
desmistificar a arte, de a aproximar da vida e de a centrar no espectador.
Paradigmática deste clima revolucionário é a Pop Art, corrente iniciada a partir de meados
da década de 1950 em Inglaterra, onde um grupo de intelectuais e artistas unidos em torno
do Institute of Contemporary Art of London, se bate pela valorização da cultura popular de
então: as bandas desenhadas, os filmes, a publicidade, a música. Produtos da cultura de
massas, exteriores ao território artístico, estas manifestações convertem-se em obras de
arte, em especial do outro lado do Atlântico. Com efeito, as imagens publicitárias dos
objectos de consumo diário e os mitos cinematográficos e musicais são os protagonistas
das obras de Andy Warhol37
, os restos e os detritos de uma sociedade consumista, o que é
desprezado, ascende ao universo artístico pela mão de Robert Rauschenberg, as bandas
desenhadas ampliadas são citadas por Roy Lichtenstein, os objectos do quotidiano são
supradimensionados, deformados e dotados de uma vida própria por Claes Oldenburg.
Utilizando a repetição, o aumento, a fragmentação, a mudança de proporções, os artistas
pop lançam um olhar irónico ao consumismo ou, nas palavras de Argan (1984), à tendência
própria da sociedade de consumo para consumir “em efígie”, ou seja, mais a aparência das
coisas do que elas próprias; é uma sociedade cuja dinâmica é caracterizada, de acordo com
o filósofo alemão Herbert Marcuse (1955), pela dessublimação repressiva, isto é, uma
cultura que convida o id ao gozo imediato, que o incita a não adiar a descarga catártica,
uma sociedade que possibilita uma maior liberdade e satisfação das necessidades, mas essa
liberdade actua como um poderoso instrumento de dominação, adquirindo a função de
manipulação e controlo dos indivíduos, das suas consciências, dos seus desejos e das suas
necessidades.
A ênfase colocada no presente, a valorização do quotidiano exterior (depois de longas
décadas de uma poética assente na interioridade do artista), a representação de uma
natureza que, nas palavras do filósofo Roland Barthes (1980), já não é a paisagem ou o
humano mas o social e o gregário (uma primeira ameaça à ideia de pessoa, que o pós-
modernismo se encarregará de tornar real), abala consideravelmente as barreiras entre a
arte e a vida, entre a arte e o público.
37
Importa também referir o cinema underground produzido por Warhol, em oposição ao cinema industrial de
Hollywood. Trata-se de um cinema amador, sem grandes preocupações com as filmagens, que propõe séries
48
19. Roy Lichtenstein, M-Maybe, 1965
Tal como o movimento pop também a Arte Cinética e a Op Art contestam a arte elitista, e
pretendem fazer com que a arte exista para todos, procuram um tipo de arte centrada no
espectador. Inspirada nas primeiras experiências cinéticas de László Moholy-Nagy na
Bauhaus, escreve Ferrari (2001), a arte cinética constitui-se como movimento oficial na
Europa central do início da década de 1960. Trata-se de um movimento levado a cabo por
grupos – Grupo T de Milão, Grupo Zero de Dusseldorf, GRAV de Paris – porque o espírito
contestatário que os anima opõe-se à comercialização da arte e ao vedetismo dos artistas, à
atitude do artista que se confessa na tela. Reivindicando uma atitude científica, elaboram
obras dotadas de movimento próprio, accionadas por motores e ímanes, ou que exigem a
intervenção do público; deste modo não só as obras renunciam à sua estaticidade
tradicional, como os espectadores deixam de ter um papel passivo e passam a intervir na
obra de arte.
Igualmente centrada no espectador, a op art explora apenas o movimento virtual. As obras
do húngaro Víctor Vasarely, da inglesa Bridget Rilley ou do venezuelano Jesus Raphael
Soto jogam com associações cromáticas e formais que se combinam em reentrâncias e
saliências, ou se fluidificam em ondulações hipnóticas, de acordo com a posição do
observador.
20. Víctor Vasarely, Parede de alumínio (pormenor), 1963
A exploração de novas sensibilidades, como resposta à necessidade de uma revolução dos
modos perceptivos, está também presente nas experiências psicadélicas da segunda metade
dos anos 60. Como refere o crítico de arte Simón Marchán Fiz (1986), a Arte Psicadélica
colhe influências orientais (nomeadamente a valorização da natureza e da sensibilidade
corporal) e surge associada ao movimento hippie (movimento contra a cultura estabelecida
e a corrupção universal da sociedade adulta, cujo lema principal se sintetiza no «Do your
own thing» e nos slogans «Free land», «Solar energy», «Flower power», etc.), procurando
reproduzir, transmitir e estimular a natureza e essência das experiências psicadélicas. A
de imagens obsessivamente fixas e repetidas; por exemplo, Sleep (1963-1964) mostra, durante seis horas, um
homem a dormir.
49
arte, considerada como uma auto-confirmação do eu, é inserida na vida quotidiana, desde a
pintura do próprio corpo, até à criação (em interacção com o cinema e a arte lumínica) de
ambientes psicadélicos.
A crescente permeabilidade entre os campos artísticos, a democratização das novas
tecnologias da comunicação e consequente alteração da relação artista-público, a rejeição
da obra de arte enquanto mercadoria comercial, e a valorização do transitório, do precário e
da fluidez do tempo, escreve Pelzer (2004), alicerçam uma das últimas vanguardas
artísticas deste período, a Arte de Acção. Com antecedentes históricos em certas
experiências dadaístas e surrealistas e a influência mais próxima do músico norte-
americano John Cage (desde o início da década de 1950, cria eventos musicais em que
associa a música38
e a dança à pintura ou à poesia), a arte de acção ganha corpo nos finais
da mesma década, com os happenings do também norte-americano Allan Kaprow. Os
happenings são acontecimentos, eventos de vários tipos, como a execução de uma acção
quotidiana ou a produção de um objecto em especial, que envolvem ao mesmo tempo o
artista e o público; são um tipo de representação que centra a atenção não só no
comportamento humano mas também no meio circundante, no environment, palco do real e
do vulgar. Celebrando a ideia de experiência colectiva, dialógica, acessível a todos, os
happenings, assinala Marchán Fiz (1986), pretendem arrancar o público dos seus
preconceitos habituais, dos seus condicionamentos, das intencionalidades socializadas da
percepção e do comportamento. Enquanto que as acções dos dadaístas queriam chocar o
público, os happenings procuram incluí-lo, convertendo-o em co-autor, ao mesmo tempo
que o artista se torna um experimentador social.
Um dos movimentos mais activos do accionismo foi o Fluxus, grupo fundado no início da
década de 1960 pelo lituano Georges Maciunas, com o intuito de agrupar artistas de todo o
mundo (contou, entre outros, com os germânicos Wolf Vostel e Joseph Beuys, o coreano
Nam June Paik e a japonesa Yoko Ono) para repensar a música, o teatro, a dança e as artes
plásticas. Em declarada oposição ao objecto artístico tradicional e ao sistema museológico
vigente, os artistas do fluxus expressam-se sobretudo através de acções improvisadas,
38
A estética musical de Jonh Cage, refere Ana Almeida (2007), expande o âmbito musical a todos os sons
que já existem na própria vida (sons ready-made) e é bem ilustrada pela obra musical e filosófica 4’33’’,
onde as ideias de silêncio, de indeterminação e acaso são também contempladas.
50
happenings, performances (por vezes organizadas em festivais), publicações, etc.,
valorizando a criação colectiva, misturando diferentes artes, fundindo a arte e a vida.
Esta arte de acção, aponta Marchán Fiz (1986), abandona progressivamente os seus
elementos de improvisação para se centrar num processo de acções que obedece a
premissas previstas de antemão, conduzindo nos finais dos anos 60, à Arte do
Comportamento e à Body Art. As experiências “comportamentais”, que englobam
psicodramas, jogos de papéis, situações de estados psíquicos de perigo, terror, etc., visam
dissolver os padrões habituais de comportamento e provocar formas plásticas de treino e
aprendizagem perceptiva e vivencial, reflexiva e criativa, da consciência individual e
social.
O relevo da experiência corporal na arte do comportamento deu origem à body art. O
happening já utilizava o corpo humano, mas como instrumento e não como material; com a
body art, o corpo passa a ser o objecto da arte e o artista a própria obra de arte. Com
inspirações múltiplas – psicanálise, antropologia, fenomenologia e cinestesia – a body art
manifesta-se de diferentes formas, desde a simples exposição do corpo (o germânico Timm
Ulrichs, principal representante da arte do eu, expõe-se numa vitrine como obra de arte),
por vezes metamorfoseado (a dupla inglesa Gilbert & George transformam-se em
esculturas vivas recorrendo à maquilhagem para acentuar a imobilidade mímica), até às
acções masoquistas sobre o corpo (a francesa Gina Pane realiza violentas performances
retalhando o próprio corpo com uma lâmina ou abraçando rosas cujos espinhos lhe
arranham os braços, o austríaco Rudolph Schwarzkogler faz simulações de autocastração).
É a imagem social do corpo que está em causa; como explica Marchán Fiz (1986), a body
art nega o corpo-fetiche da propaganda comercial, contesta a exploração do corpo como
força de trabalho, e elege-o como veículo de libertação.
A poética da body art, espalha-se tanto nas experiências plásticas como na dança e no
teatro. Ao nível do teatro, o polaco Jerzy Grotowsky, figura de primeiro plano nas
pesquisas teatrais dos anos 60, reconduz o processo de representação a um conjunto de
fraseados corporais extraídos da própria vida; a recitação baseia-se apenas numa
gestualidade sumária e seca – o que justifica o apelido de Teatro Pobre – capaz de
envolver o espectador de forma mais directa, já que o texto seria um obstáculo à
autenticidade do espectáculo.
51
21. Rudolph Schwarzkogler, Aktion, 1965
Também de “pobre” foi apelidada a pesquisa de um grupo de artistas italianos nos finais da
década de 1960. Influenciados por Joseph Beuys (defendendo que tudo é arte e que todos
somos artistas, desenvolve desde os anos 50 uma obra motivada pela descoberta do estado
primordial das coisas e pelo restabelecimento de uma relação harmónica com a natureza),
os protagonistas da Arte Pobre ou Arte Povera associam e transformam materiais
presentes no dia a dia da sociedade moderna, desde a madeira aos materiais sintéticos e
tecnológicos, convertendo-os em obras de arte. Assim, por exemplo, Michelangelo
Pistoletto, na sua Vénus dos Trapos (1968), associa um monte de trapos multicolores com
uma clássica estátua de Vénus de costas para o espectador; o grego Jannis Kounellis, em
1969, expõe 12 cavalos, convertendo o espaço de uma galeria num estábulo. Despojando a
arte da auréola da nobreza e de misticismo que a rodeava, a arte povera torna-se um
instrumento de emancipação colectiva, através da consciencialização do espectador sobre a
situação estética, social e ambiental da sociedade tecnológica e consumista.
A arte pobre, considera Marchán Fiz (1986), tem como corolário e como réplica
anglosaxónica a Land Art. Derrubando de vez os muros dos museus e das galerias, a land
art elege os contextos naturais – montanha, mar, deserto – como espaço de intervenção.
São sobretudo os artistas norte-americanos que se aventuram em regiões mais ou menos
selvagens para aí executarem obras gigantescas, que nascem em simbiose com a natureza e
que à natureza acabarão por voltar. Um caso emblemático é a Spiral Jetty que Robert
Smithson realiza em 1970 no Grande Lago Salgado do Utah, uma grande espiral de terra,
apenas visível totalmente de cima, destinada a ser coberta pela água. Noutros casos são os
materiais selvagens que invadem as galerias, como acontece na obra de Richard Long.
22. Richard Long, White water line, 1990
Enquanto que a génese preparatória da obra é demorada, a sua duração pode ser mínima,
dependendo das condições meteorológicas, sendo o carácter efémero desta arte
compensado pelo seu registo em vídeo e fotografia. Apesar da inspiração minimalista de
muitas das enormes composições geométricas, os artistas ecológicos assumem uma atitude
52
neo-romântica: ao isolar-se do mundo civilizado para realizar obras não comercializáveis,
negam ao mercado da arte a possibilidade de transformar o original em mercadoria.
Estando em causa um protesto contra a paisagem contaminada pela civilização tecnológica
e consumista, pugna-se pelo retorno à natureza, instaurando novas relações com ela.
Tal como as intervenções da arte de acção, a land art recupera a pré-renascentista
dependência da arte face ao lugar. Com efeito trata-se de intervenções artísticas,
happenings, esculturas, etc., projectadas para um local específico – site specific. Deste
modo, refere Pelzer (2004), o ambiente torna-se inseparável da obra, o contexto material e
simbólico torna-se objecto artístico. Tal significa, na abordagem que a historiadora norte-
americana Rosalind Krauss (1985) faz da escultura, a expansão do objecto artístico no
campo e a sua fusão com a arquitectura e a paisagem.
A dependência do lugar, as preocupações com o Homem, o ambiente e a natureza têm
igualmente eco na arquitectura das décadas de 1950 e 1960. Assim, em oposição à
normalização do Estilo Internacional e à impessoalidade do cubismo e do funcionalismo,
desenvolve-se uma arquitectura cada vez mais livre nas opções formais e adequada às
necessidades individuais dos seus utentes, um estilo normalmente designado por
Organicismo. Como refere Grau (1996), a arquitectura orgânica entende o edifício como
um organismo vivo e não como uma máquina de viver, e obedece às seguintes directivas:
predomínio do sinuoso sobre o rectilíneo e o anguloso, utilização de materiais nobres e da
região, adaptação do conjunto às imposições da paisagem.
Depois de alguns dos principais mentores do movimento moderno terem já desde os finais
da década de 40 enveredado nesta direcção (Frank Lloyd Wright projecta o Museu de
Guggenheim de Nova Iorque [23] baseado numa espiral ascendente, Le Corbusier desenha
a Capela de Notre-Dame-du-Haut em Ronchamp, com uma morfologia feita de audaciosas
sinuosidades e de saliências imponentes, e Alvar Aalto assina o projecto do Baker
Dormitory do Massachusetts Institute of Technology de Cambridge conferindo-lhe uma
dupla ondulação, no plano e no perfil), a partir dos finais dos anos 50 são construídos
edifícios inspirados em organismos vivos: o Terminal TWA do aeroporto J. F. Kennedy
(1956-1962), do finlandês Eero Saarinen, com a forma de um pássaro que se eleva aos céus
com as suas asas abertas; o Teatro Filarmónico de Berlim (1956-1963), projectado pelo
alemão Hans Scharoun, tem a sala de concertos estruturada com um órgão de audição; a
53
Ópera de Sydney (1957-1973), da autoria do dinamarquês Jorn Utzon, exibe doze
imponentes coberturas elípticas que sobressaem como conchas abertas ou velas inchadas
pelo vento e prontas para navegar.
23. Frank Lloyd Wright, Museu Guggenheim, Nova Iorque, 1956-1959
Concluindo, tanto por parte da psicologia humanista como das inúmeras correntes artísticas
da década de 1960, releva-se uma representação do Homem como um criativo ser orgânico
revoltado contra a mecânica capitalista, contra a sociedade consumista e o ritmo das
cidades modernas, contra a artificialidade e a injustiça da civilização, um ser que deseja
viver plenamente o momento presente em harmonia com os outros e com a natureza, em
síntese, um “bom selvagem”.
54
4. CIENTISTA, COMPUTADOR
Paralelamente à abordagem crítica e centrada no ambiente exterior, inerente à metáfora do
“bom selvagem”, desenvolve-se uma perspectiva idealista cujo enfoque é o interior do
psiquismo, a cognição. Esta abordagem é conceptualizada pela psicologia cognitivista e
pela arte conceptual.
4.1. MODELO COGNITIVISTA
A abordagem cognitivista da personalidade constitui um retorno ao interior do psiquismo,
psiquismo já não movido por impulsos, emoções ou necessidades, mas antes regulado pela
razão e pelo pensamento. Efectivamente, estamos perante um modelo centrado nos
processos através dos quais as pessoas percebem, avaliam, aprendem, pensam, tomam
decisões e solucionam problemas. É uma abordagem que colhe influências nos modelos da
computação; como referem Fadiman e Frager (2004), o psicólogo Allen Newell e o
cientista da computação Herbert Simon defendem, em 1958, a tese de que os humanos
codificam informações simbólicas de entrada, recodificam-nas, tomam decisões sobre elas
e armazenam parte delas na memória e, por fim, descodificam e devolvem informações
simbólicas; ou seja, a mente funciona como um sistema de processamento de informações,
é um computador.
O modelo cognitivista da personalidade foi iniciado pelo norte-americano George Kelly
nos anos 50, e desenvolvido nas décadas seguintes pela via cognitivista do behaviorismo -
a teoria da aprendizagem social.
A referência aos aspectos cognitivos da personalidade não é nova; os vários modelos
anteriores reconhecem o seu papel na compreensão da personalidade. A inovação de
George Kelly é que ele descreve todos os aspectos da personalidade, inclusive os
componentes emocionais, em termos de processos cognitivos. Na sua Teoria do
Constructo Pessoal, referida por Schultz & Schultz (2001), Kelly defende que
55
interpretamos e organizamos os eventos e as relações sociais da nossa vida num sistema ou
padrão; essa interpretação ou construção pessoal39
da experiência representa a nossa visão
singular da realidade, o padrão no qual nos situamos, sendo mais importante do que a
própria realidade; é com base nesse padrão que fazemos previsões sobre nós mesmos,
sobre os outros e sobre os eventos, e assim orientamos o nosso comportamento.
Kelly considera que as pessoas agem como os cientistas: estes elaboram teorias e
hipóteses, que testam na realidade; caso os resultados da experimentação sustentem a
teoria, ela será mantida; quando os dados não a confirmam, ela terá de ser descartada ou
modificada. Como cientistas, todos nós elaboramos teorias – constructos pessoais – por
meio das quais tentamos prever e controlar os eventos da nossa vida; um constructo é uma
hipótese intelectual elaborada para explicar e interpretar os eventos da vida. Como os
cientistas, estamos constantemente a testar os constructos que desenvolvemos
relativamente às várias pessoas e situações; quando eles se revelam falsos ou inadequados,
substituímo-los por novos constructos, num processo fluido e em movimento.
A diversidade de respostas face a estímulos semelhantes leva os neobehavioristas a
questionar os aspectos internos do comportamento, isto é, a abandonar a orientação
mecanicista inicial (estímulo - resposta) e a adoptar uma orientação cognitivista. A Teoria
da Aprendizagem Social, aqui representada pelo canadiano Albert Bandura, mantém a
tese skinneriana de que o comportamento é aprendido e o reforço é fundamental para a
aprendizagem; contudo a interpretação da natureza do reforço é diferente.
Assim, de acordo com Bandura (referido por Schultz & Schultz, 2004) o comportamento
nem sempre é aprendido através do reforço directo; adquirimos comportamentos através da
observação do comportamento de outras pessoas – aprendizagem por observação ou
aprendizagem por modelagem – e das suas consequências – reforço vicariante. Isto é,
adquirimos comportamentos que vemos ser reforçados quando exibidos por determinados
modelos. A aprendizagem por observação é determinada pelos processos de atenção,
retenção, produção e processos motivacionais. O self é um conjunto de processos
39
Também no campo da psicologia social, como referimos noutro contexto (Muga, 1995), se propõe que a
realidade é socialmente construída, isto é, que a percepção e o comportamento são influenciados pelas
estruturas cognitivas; estas são organizações mentais, socialmente partilhadas, de objectos, situações,
acontecimentos, sequências de acções, etc., como por exemplo: o estereótipo, a representação social, o
esquema causal, o script.
56
cognitivos relacionados com o pensamento e a percepção; os processos cognitivos são
mecanismos mediadores entre estímulo e resposta, e exercem o controlo do
comportamento por meio da auto-regulação.
O papel do pensamento na auto-regulação do comportamento é também realçado por
outros autores. Na linha da tese desenvolvida pelos russos Vygotsky e Luria nos anos 20,
de que existe uma relação complexa entre linguagem, pensamento e comportamento, e de
que o iniciar ou a inibição de comportamentos voluntários são regulados pela linguagem
(os autores estabelecem um paralelo entre o desenvolvimento da linguagem e o
comportamento: inicialmente é a linguagem dos outros que controla e dirige; depois é a
linguagem falada do próprio indivíduo que constitui o regulador efectivo do
comportamento; finalmente, o papel auto-regulador é assumido pela linguagem interior), o
norte-americano Donald Meichenbaum (1977, referido por B. Cunha, 1982) conceptualiza
o pensamento como uma linguagem interiorizada que regula os comportamentos. Um
modelo desenvolvido a partir dos anos 80 por Bandler e Grinder, resultante do cruzamento
entre a psicologia cognitivista, a linguística, a cibernética e a informática – Programação
Neuro-Linguística – defende que ao longo da existência programamo-nos para pensar,
sentir e agir de determinada maneira, que essa capacidade depende da actividade
neurológica, e que a linguagem é estruturada e reflecte a forma como pensamos.
Portanto, a imagem do Homem que ressalta do cognitivismo é a de um ser pensante, um
“cientista” que constrói teorias sobre a realidade e que se sobrepõem à mesma (não existe
uma realidade objectiva mas sim construções dessa realidade), a de um “computador”
auto-programável, cujo hardware e software determinam a sua relação com o meio.
4.2. ARTE CONCEPTUAL
O deslocamento do exterior para o interior operado pela psicologia cognitivista encontra
um estreito paralelo no deslocamento do objecto para o conceito, inerente à Arte
Conceptual. A par dos inúmeros movimentos e experiências dos anos 60, essencialmente
centrados no exterior e na fisicalidade do objecto tangível, a partir de 1965, na América e
57
na Europa, impõe-se uma concepção de arte de cariz radicalmente idealista: o que importa
não é a aparência objectual da obra, mas a ideia, o conceito que está por detrás, que a
precede e lhe dá forma.
Como assinala Marchán Fiz (1986), a arte conceptual é o culminar da estética processual,
uma estética que de certo modo define toda a arte contemporânea; desde que a arte
substitui o princípio mimético pelo sintáctico-formal que se interessa pela reflexão sobre a
sua própria natureza, sobre os fenómenos originários de índole perceptiva, e procura
legitimar conceptualmente as suas práticas. Inspirada em fontes várias, desde a poética
dadaísta de Duchamp (que considerava a arte não tanto uma questão de morfologia como
de função, não tanto de aparência como de operação mental), a pintura inquietante e
ilusionista do belga René Magritte, até à obra teórica e prática do francês Yves Klein (em
1958 propõe uma “exposição do Vazio”, que consistia numa galeria totalmente vazia),
passando pela fenomenologia do filósofo francês Merleau-Ponty, a arte conceptual
intersecta-se com a arte da acção (nomeadamente com as experiências do grupo Fluxus), a
body art, a land art e o minimalismo americano (as instalações de Robert Morris, Dan
Favin e Sol LeWitt reduzem o objecto às suas formas geométricas essenciais, pretendendo
evidenciar as estruturas primárias do conhecimento).
A arte conceptual, arte ideia, arte projecto, situa-se na vanguarda do processo de auto-
conhecimento e auto-reflexão da prática artística. A superação da lógica da obra como
entidade física, objectual e formal, conduz à emancipação do artista da escravidão do
objecto; o artista deixa de produzir objectos e limita-se a analisar a arte e a linguagem em
geral. Um dos principais ideólogos do conceptualismo puro, o americano Joseph Kosuth,
defende que uma obra de arte é uma espécie de proposição, apresentada dentro do contexto
da arte como um comentário sobre arte; deste modo, uma obra de arte, tal como a lógica e
as matemáticas, é uma tautologia40
, isto é, a ideia de arte (ou obra) e a arte são uma mesma
coisa. Igualmente da linha conceptualista pura, o grupo inglês Art & Language, limita a
sua acção à intervenção teórica, evitando sujar as mãos com pincéis ou cores, declarando
que o artista da sociedade multimédia trata exclusivamente de problemas filosóficos.
Expoente máximo do conceptualismo rigoroso, o nova-iorquino Lawrence Weiner elabora
por escrito teoremas analíticos sobre a hipótese da obra e da arte em geral.
58
24. Lawrence Weiner, Art meets science, 1992
No conceptualismo moderado, refere Sproccati (1995a), a obra continua a existir como
objecto físico, mas pretende igualmente manifestar uma ideia ou ilustrar um conceito. O
próprio Kosuth, a par do seu purismo ideológico não se liberta completamente da
fisicalidade da obra e da relação entre a linguagem e a percepção visual; a sua obra mais
conhecida, Uma e três cadeiras, de 1966, é composta por uma cadeira, a fotografia da
mesma e um texto com a definição de cadeira extraída do dicionário; com ela o autor
pretende confrontar três modos diferentes de representar a realidade: o verbal (o mais
aculturado), o icónico (imagem mental) e a presença física (exemplo). Na mesma linha, as
instalações do italiano Claudio Parmiggiani constituem reflexões sobre a história da
pintura ou da linguagem em geral; na instalação Sinédoque41
, de 1976, o autor expõe um
quadro original de Dosso Dossi, de 1530, dedicado ao mito de Júpiter pintor, extrapola
uma das suas partes para uma tela, coloca um banco com tintas e pincéis, e convida
psicologicamente o espectador a substituir o protagonista.
Igualmente dos valores conceptuais se tinge a poesia dos anos 60 e 70, a denominada
Poesia Visual. Ao contrário da poesia concreta da década anterior, que cria composições
apenas com palavras (ao alterar a estrutura sintáctica do verso tradicional, através da
eliminação de preposições, conjunções, pronomes, etc., cria-se uma poesia concreta, feita
quase exclusivamente de substantivos e verbos), a poesia visual joga com o encontro e a
interpenetração de palavras e imagens, podendo englobar também a linguagem sonora, a
linguagem matemática, etc., com um claro predomínio do elemento plástico sobre os
restantes.
25. Mirella Bentivoglio, (Am)tiamo, 1970
Também a arquitectura dos anos 60 se aventura no terreno do conceptualismo. Como
aponta Ferrari (2001), vários arquitectos realizam projectos que prescindem da sua
execução, apresentando-se como audaciosas utopias. É o caso do austríaco Friedrich
40
Conceito lógico, a tautologia é uma proposição dada como explicação ou como prova, mas que apenas
repete em termos idênticos ou equivalentes o que já foi dito. 41
Conceito linguístico, a sinédoque é um tropo, fundado na relação de compreensão, em que se emprega o
nome do todo pela parte ou da parte pelo todo.
59
Kiesler que concebe a Endless House, uma casa que parece um casulo sobre pilares, em
que o espaço flui livremente, sem interrupções. O grupo inglês Archigram projecta uma
cidade móvel – Walking City, 1964 – dotada de apêndices que parecem patas de insecto e
se deslocam em função das suas necessidades [26]. Os seus projectos de conjuntos
habitacionais, observa o arquitecto Victor Consiglieri (2000), propõem formas imagéticas
de «não edifícios», o que libertaria o Homem das limitações do edifício monumental.
26. Grupo Archigram, Walking City, 1964
Como refere Argan (1984), o conceptualismo reduz a arte a um acto de pensamento, a um
puro conceito, ameaçando, como previa Hegel, a própria existência da arte e a sua
promoção, a par da ciência e da filosofia, ao espírito absoluto. Tal não se verificou, mas
constituiu o ponto culminante do modernismo, do vanguardismo, e a ponte para o pós-
modernismo.
Concluindo, se, como defende Marchán Fiz (1986), a arte conceptual acentua mais do que
qualquer outra tendência a actividade do espectador (a arte torna-se um processo
permanente: os índices oferecidos pela obra, os elementos sinaléticos, o inacabado,
provocam e impulsionam o processo produtivo da recepção-criação), então o estatuto de
cientista a que a psicologia cognitivista promove o ser humano, parece ser a única
possibilidade de comunicação artista-público.
Assim, a par da representação do “bom selvagem”, nos anos 60 e início dos 70, evidencia-
se uma imagem do Homem como ser conceptual, um “cientista”, um “computador”.
60
5. PERFORMER, MÚSICO DE JAZZ
O período desde os anos 70 até aos nossos dias tem sido o palco de mudanças de tal modo
profundas e globais, que é cada vez mais clara a consciência de que entrámos numa nova
fase histórica – a era pós-moderna.
Já nos anos 50 e 60, observa Steinar Kvale (1999), eram discutidos temas pós-modernos no
seio da arquitectura, da crítica literária e da sociologia; durante a década de 70 vários
filósofos franceses (nomeadamente Lyotard, Foucault, Baudrillard, Derrida, Lipovetsky)
aderiram à discussão da pós-modernidade, e nos anos 80 a temática alarga-se ao grande
público. Começamos por identificar alguns traços da idade e do pensamento pós-moderno,
para depois reflectir sobre a possibilidade de uma ciência da individualidade e da
personalidade; no ponto dois debruçamo-nos sobre a arte pós-modernista.
5.1. PÓS-MODERNIDADE E MODELO SISTÉMICO-INFORMACIONAL
Apesar da divergência de opiniões parece haver algum consenso em considerar como pós-
moderna a era subsequente às revoluções dos anos 60 e que se materializa a partir da
década de 70, desde logo ao nível económico, político e social. Assim, para o crítico
marxista norte-americano Fredric Jameson, a pós-modernidade assenta na lógica cultural
do capitalismo tardio (o capitalismo financeiro ou pós-industrial, no qual a força da
economia se desloca da produção mecânica para a indústria da informação, e da produção
para o consumo), uma lógica conservadora, incapaz de promover a transformação social.
Gilles Lipovetsky prefere o termo hiper-modernidade, pois considera que mais do que uma
rotura com a modernidade, se assistiu a uma intensificação de determinadas características
das sociedades ocidentais modernas: individualismo, consumismo, ética hedonista,
fragmentação do tempo e do espaço. Ou seja, a hiper-modernidade é a cultura do excesso,
do sempre mais, do “hiper” – hipermercado, hiperconsumo, hipertexto, etc.; todas as coisas
se tornam intensas e urgentes, o movimento é uma constante e as mudanças ocorrem num
ritmo quase esquizofrénico determinando um tempo marcado pelo efémero.
61
Para além da crise das ideologias políticas também a crença iluminista na emancipação e
progresso através da ciência é posta em causa. A ciência não dá resposta aos novos
problemas, como a sida, o desemprego, a toxicodependência, o aumento do fosso entre os
países ricos e pobres, o terrorismo, etc.; a par das condições sociais, a crise do paradigma
científico moderno é também o resultado de condições teóricas. Jean-François Lyotard, na
obra A condição pós-moderna, de 1979, entende a condição pós-moderna como a perda da
crença positivista na verdade definitiva e universal, e o desenvolvimento de uma
concepção do saber em permanente construção e relativista. Trata-se da crise do paradigma
newtoniano e da emergência de um novo paradigma; como refere o sociólogo português
Boaventura Santos (1995), as implicações da mecânica quântica e os avanços dos
conhecimentos da microfísica, da química e da biologia dos últimos vinte anos levam a
uma nova concepção da matéria e da natureza: a ordem e a necessidade dão lugar à
desordem, à criatividade e ao acidente; o determinismo e o mecanicismo são substituídos
pela imprevisibilidade, espontaneidade e auto-organização.
Um outro traço marcante do saber pós-moderno, salienta Agra (1986), é o rompimento das
fronteiras disciplinares em proveito da livre circulação de informação. A ciência torna-se
um sistema aberto42
, estabelecendo trocas entre domínios múltiplos através de importações
(de termos, conceitos, problemas), interferências, traduções e confluências; acompanhando
a informatização da sociedade, o novo estatuto do saber é marcado pela linguagem (as
ciências e as técnicas de ponta recaem sobre a linguagem – teorias linguísticas, cibernética,
informática, telemática); a ciência torna-se um nó da rede informacional.
Consequentemente, as novas disciplinas emergentes, ao invés de ser definidas por uma
região ou objecto específico, nascem mais da fecundação de uma disciplina por outra; os
exemplos são variados – astrofísica, bioquímica, neuropsicologia, etnopsiquiatria, etc.; a
ciência torna-se híbrida.
Tal hibridismo conduz à queda da oposição entre as ciências humanas e as ciências
naturais (cada vez mais as abordagens dominantes nas ciências humanas são modeladas
42
De acordo com a Teoria Geral dos Sistemas, iniciada pelos trabalhos do biólogo austríaco Ludwig von
Bertalanffy em meados da década de 1950, um sistema é um conjunto de elementos, dinamicamente
relacionados, que desenvolvem uma actividade para atingir um determinado objectivo; tratando-se de um
sistema aberto, ele opera sobre dados, informação, matéria do meio (inputs) e fornece informação, matéria,
ao meio (outputs).
62
pelos esquemas das ciências exactas – a teoria da informação pela termodinâmica, a teoria
dos sistemas pela biologia – enquanto que a nova física foge para a desordem, o
improvável, a metafísica), entre a ciência e o senso comum, a ciência e a estética, a ciência
e a ética.
A nova configuração do saber é bem ilustrada pelos filósofos franceses Gilles Deleuze e
Félix Guattari na obra Mil Platôs, de 1980, através da metáfora do “rizoma”. Em analogia
com a botânica (o rizoma é uma estrutura de planta cujos brotos podem ramificar-se em
qualquer ponto, assim como engrossar e transformar-se em bolbo ou tubérculo, ou seja, o
rizoma tanto pode funcionar como raiz, talo ou ramo, independentemente da sua
localização na estrutura da planta) o rizoma constitui uma metáfora do sistema
epistemológico onde não há raízes, isto é, proposições mais fundamentais do que outras;
modelo epistemológico no qual a organização dos elementos não segue linhas de
subordinação hierárquica, mas em que qualquer elemento pode afectar ou incidir noutro; a
estrutura do conhecimento não deriva, por meios lógicos, de um conjunto de princípios
primeiros, mas sim simultaneamente a partir de todos os pontos sob a influência de
diferentes observações e contextualizações.
No novo paradigma emergente também a natureza das relações entre o sujeito e o objecto
do conhecimento, entre o observador e o observado, adquire uma nova configuração.
Porque, frisa Boaventura Santos (1995), como é demonstrado pelo princípio da incerteza
de Heisenberg inerente à mecânica quântica, não conhecemos do real senão a nossa
intervenção nele, o objecto estudado é uma continuação do sujeito pensante e todo o
conhecimento é auto-conhecimento; como refere Edgar Morin (1977, citado por Agra,
1986), o observador também faz parte do sistema observado e o sistema observado faz
também parte do intelecto e da cultura do observador-sistema. O objecto torna-se sujeito, e
o sujeito torna-se objecto; deste modo, a positivista separação sujeito-objecto dá lugar à
fusão sujeito-objecto.
Chegamos assim a um dos slogans do pensamento pós-moderno, “a morte do sujeito”, o
desaparecimento do self, a fragmentação do eu. Baseados na teoria da desconstrução de
Jacques Derrida (é o desfazer do texto – enquanto fonte primária dos discursos políticos
sociais e culturais, enquanto meio de transmissão das ideias dos actores sociais e reflexo
63
dos seus pensamentos – a partir do modo como foi originalmente organizado ao nível
estrutural e lógico, por forma a revelar os seus significados ocultos e, assim, encorajar a
pluralidade de discursos, interpretações e verdades), vários psicólogos têm procurado
desconstruir a concepção substancializada do self no centro do mundo, ser unificado e
agente autónomo. Assim, de acordo com Patti Lather (1999), o sujeito unificado, reificado
e essencializado, assumido pelo discurso humanista, foi substituído por um sujeito
provisório, contingente e construído, um sujeito cuja auto-identidade é constituída e
reconstituída relacionalmente. Na linha de Lacan, Lars Lovlie (1999) interpreta o
desaparecimento do eu como a morte da ideia de um agente autónomo e intencional e a
emergência de um indivíduo anónimo submetido ao jogo da estrutura e ao poder da
narratividade, uma parte do texto no mundo; o self é um conjunto de performances
dramáticas, uma proliferação de papéis, uma progressiva mostra de (sur)faces. É, na
perspectiva de Neil Young (1999), um “self cebola”, uma colecção de papéis sociais
adoptados e abandonados, de identidades descartadas ou transcendidas. Numa perspectiva
ecológica, Mike Michael (1999) defende que o que morreu foi o self interior e
essencializado, o qual, pela emergência da consciência ecológica, se expande e difunde na
natureza, actuando através de narrativas e mitologias derivadas das próprias localidades e
paisagens43
.
27. Sílvia Pinho, Sem Título, 2007
A “morte do sujeito” evidencia-se também ao nível da nova estratégia do poder, que visa
cada vez mais controlar a vida sem controlar o indivíduo. Como refere Agra (1986), a
actual intervenção do biopoder exerce-se sobretudo ao nível da infra-individualidade
(através da bioprogramática – a política que antecipa o indivíduo, o prevê e decide por ele),
e ao nível da ultra-individualidade (através da biodemografia – a política das populações,
traduzida nos bancos de dados, nas câmaras de vigia, na intervenção comunitária).
43
Ao nível patológico, a questão das fronteiras do eu é também para Didier Anzieu (1985, referido por
Margarida Medeiros, 2000) uma questão central dos finais do século XX; assim, numa abordagem eto-
psicanalítica, Anzieu afirma que, enquanto no final do século XIX as patologias dominantes eram a neurose
histérica e a neurose obsessiva, o que se verifica hoje é a incidência nas patologias narcísicas e nos estados
limites: incertezas sobre a fronteira entre o Eu psíquico e o Eu corporal, entre o Eu real e o Eu ideal, entre o
que depende de si e o que depende dos outros, com bruscas flutuações destas fronteiras, acompanhadas de
quedas em profunda depressão; sentimento estranho de não habitar a sua própria vida, de ver o seu corpo e o
seu pensamento a funcionar de fora, de ser o espectador de algo que é e não é ao mesmo tempo a sua própria
existência.
64
Consequentemente, o indivíduo é cada vez menos objecto de saber, cada vez se sabe
menos sobre ele, é um ser cada vez mais misterioso.
Em suma, a partir dos anos 70 a ciência da individualidade e da personalidade tem vivido
um estado crítico, a sua possibilidade de existência afigurando-se como muito limitada. A
reacção a este estado de agonia manifesta duas tendências, opostas relativamente ao campo
de alcance, mas tendo em comum o retorno a modelos do passado. A primeira deriva da
descrença em teorias globais, capazes de oferecer uma explanação abrangente da
personalidade, conduzindo a abordagens de domínio limitado, a “teorias de faixa estreita”.
A segunda tendência adopta uma atitude inversa, procurando explicações abrangentes,
sistémicas, assumindo uma atitude eclética e de compromisso entre modelos anteriores.
Ao nível das teorias de domínio limitado da personalidade, Schultz & Schultz (2001)
destacam três abordagens. A Teoria da Necessidade de Realização, desenvolvida pelo
norte-americano David McClelland, é uma abordagem neopsicanalítica que evoca a ideia
de redução de tensão; a necessidade de realização é um impulso que fornece energia e
direcção ao comportamento em praticamente todas as situações.
Revisitando a abordagem dos traços, o norte-americano Marvin Zuckerman tem vindo a
trabalhar na Teoria da Busca de Sensação. A busca de sensação é um desejo de
sensações e experiências variadas, novas, complexas e intensas e pela disposição de correr
riscos. A busca de sensação apresenta quatro componentes: (1) busca de excitação e
aventura – desejo de participar em actividades físicas que envolvam velocidade, perigo,
novidade e desafio da gravidade, tais como salto com pára-quedas, mergulho com
aqualung ou bungee jumping; (2) busca de experiências – procura de experiências novas
por meio de viagens, música, arte ou estilo de vida não conformista; (3) desinibição –
necessidade de envolvimento em actividades sociais não inibitórias; (4) susceptibilidade ao
tédio – aversão a experiências repetitivas, a trabalhos de rotina, a pessoas previsíveis e uma
reacção de descontentamento inquieto quando exposta a situações deste tipo.
A Teoria do Desânimo Aprendido, desenvolvida pelo norte-americano Martin Seligman,
reflecte influências behavioristas e cognitivistas. O desânimo aprendido é uma condição
que resulta da percepção de que não temos controlo sobre o nosso ambiente. O modelo de
65
atribuição da falta de controlo a uma determinada causa, pode ser optimista ou pessimista:
enquanto que os optimistas atribuem os seus fracassos a causas externas, instáveis e
específicas, os pessimistas dão a si mesmos, explicações internas, estáveis e globais.
Consequentemente, se um estilo explicativo optimista tende a aumentar a sensação de
controlo e a motivação para reagir em situações futuras, um estilo pessimista difunde o
desânimo a todas as áreas da vida, podendo levar à depressão e a doenças físicas.
A par das “teorias de faixa estreita” têm sido desenvolvidas “teorias de banda larga”,
teorias ecléticas que procuram conjugar modelos anteriores. É o caso das teorias
interaccionistas, cuja abordagem tenta reunir o melhor da teoria dos traços e da teoria
behaviorista da aprendizagem social, na explicação e previsão do comportamento. Como
refere Amâncio Pinto (2001), as teorias interaccionistas são teorias ecléticas que
consideram o comportamento como o resultado da interacção entre traços e predisposições
da pessoa por um lado, e as circunstâncias da situação por outro, que em conjunto
influenciam ou condicionam o modo como o comportamento se exprime. As situações
podem ser psicologicamente fortes ou fracas: as situações fortes são bem definidas e
estruturadas e fornecem indicações bastante precisas para guiar e orientar o
comportamento; as situações fracas estão organizadas de forma ambígua e as indicações
são menos claras e precisas. Se a teoria dos traços é capaz de prever melhor o
comportamento nas situações psicologicamente fracas, o situacionismo consegue prever
melhor nas situações fortes. Por outro lado, há pessoas mais receptivas a agir de acordo
com disposições pessoais, enquanto outras são mais propensas a agir em função das
variáveis situacionistas; as primeiras revelam maior consistência comportamental do que as
segundas ao longo do tempo e em diferentes situações.
Na mesma linha, mas menos revivalista e mais consentânea com o novo paradigma
epistemológico, traduzindo a permeabilidade entre os domínios científico, ético e estético,
situa-se a Teoria Geral do Sujeito Autopoiético, desenvolvida por Cândido Agra desde
os anos 90. Partindo do conceito “poiesis”44
, e do pressuposto de que o sistema psíquico é
44
O termo poiesis é de origem grega, e significa acção criativa, produtora (diferenciando-se da praxis, acção
que não produz um objecto como resultado – ética e política); associada a esta acção está a palavra techné, da
qual derivam as palavras técnica e arte (esta, tal como a técnica também estava sujeita a regras na antiga
Grécia); assim, poiético significa produtor criador, mas sujeito a regras.
66
complexo (isto é, tem a capacidade de auto-organização e auto-regulação), Agra (1995)
coloca a questão: como é que nos produzimos a partir da interacção entre a massa
biológica (código genético aberto) e os factores sociais? O psiquismo é o vazio, nós é que
o preenchemos, auto-criando-nos. O que pode preencher o vazio psicológico? É o sentir;
criamo-nos dando sentido às nossas determinantes biológicas e sociais.
Como explicita a discípula Celina Santos (1998), há quatro estádios ou níveis de auto-
criação: (1) o nível etológico – o simples fazer, a acção pura, governada pelo estrato
fisiológico; (2) o nível etológico-ético – o ethos torna-se teknê e é integrado tecnicamente,
implicando o saber sobre as circunstâncias do acto, acto reflectido, tornado objecto de
saber, dobrado de sentido através da linguagem e da expressão, ou o fazer-saber; (3) o
nível ético-etológico – no qual já existe uma primeira dimensão auto-referencial do acto,
que faz emergir o sujeito através da dobra do saber-fazer sobre si próprio, o saber do saber-
fazer; (4) o nível ético – estádio em que o sujeito do acto ou o poder do acto é integrado
por uma função projectiva do fazer; o acto-poder ou a liberdade do agir inscreve-se numa
política geral de acção, acto-projecto orientado pela finalidade última, pelo agir ético.
O acto psicológico é tripartido, engloba o conhecimento, o julgamento, e a sensibilidade;
estas três dimensões vão-se diferenciando à medida que se sobe na hierarquia. Em todos os
níveis há o biológico e o social, isto é, o social já está no biológico; não há liberdade, o que
há é a libertação permanente. O processo de auto-criação é um processo de permanente
desconstrução da ideia de si próprio e consequente reprogramação.
Em conclusão, o discurso em torno do Homem pós-moderno apresenta-nos uma
multiplicidade de imagens: um ser provisório, contingente, improvisador, em permanente
construção num ambiente incerto; um ser relacionalmente constituído no seio da rede de
No pensamento moderno, o conceito foi primeiramente aplicado nos anos 70 pelos biólogos e filósofos
chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela aos sistemas biológicos (para traduzir a complementaridade
entre estrutura e função, e o jogo das determinações e das indeterminações, da necessidade e do acaso), tendo
depois sido alargado aos sistemas sociais e humanos.
É a partir deste conceito que F. Varela (1984, citado por Jorge Vala, 1993) cria uma bela metáfora sobre o
Homem como “músico de jazz”, músico que “toma um par de acordes que podem parecer aleatórios e que a
partir daí cria uma verdadeira fuga e improvisação, que tem uma beleza e harmonia próprias, que não está
desligada do tema proposto pelo seu encontro com o ambiente, mas que não o reflecte, como se seguisse uma
partitura”.
67
comunicação enciclopédica; um ser complexo que se (re)cria no interface entre o biológico
e o social; em suma, um “performer” com múltiplos papéis, “um músico de jazz”.
5.2. ARTE PÓS-MODERNA
Analisando a arte pós-moderna em relação com a arte moderna – relação que se entende de
rotura e negação, mas também de intensificação de algumas tendências – podemos relevar
várias dimensões.
Antes de mais, a típica obsessão modernista pela inovação dá lugar ao retorno ao passado,
à citação, à referência, à apropriação; esta nova atitude tende a intensificar a crise autoral,
já denunciada nos finais dos anos 60 por Roland Barthes e Michel Foucault; a “morte do
autor” tem como contrapartida a expansão do papel do receptor, o aumento do
protagonismo do consumidor.
O retorno ao passado, acompanhado do derrube das últimas barreiras e hierarquias entre
linguagens e géneros artísticos, dá origem a uma arte caracterizada pelo eclectismo,
nomadismo e hibridismo.
Simultaneamente, a modernista procura dos fundamentos universais da arte dá lugar à
diversidade e à contradição; com a diminuição da importância da procura da verdade, a
arte converte-se num jogo irónico-parodiante, uma celebração do nonsense cuja regra
assenta no “vale tudo”.
Por último, a morte das ideologias e das crenças cavada nos anos 60, e a substituição da
abordagem elitista da arte moderna por um desejo de ligação com grandes audiências e de
ligação da arte com a vida, coloca em posição dominante os mass media; a “perda da aura”
do objecto artístico já denunciada pelo crítico alemão Walter Benjamim nos anos 30 (perda
da autenticidade e carácter único da obra, devida à reprodução em série e sua difusão em
massa, nomeadamente da fotografia e do cinema) é assim intensificada pelo poderoso
aparelho comunicacional mediático emergente; o domínio da indústria cultural e da
civilização mediática faz com que, refere Argan (1984), a função consumo prevaleça sobre
a função produtiva e o carácter estético se desloque da informação para o modo como ela é
recebida.
68
Estas dimensões estão bem patentes nalgumas das principais correntes e pesquisas
artísticas das últimas décadas.
Paradigmática da negação do modernismo e do retorno ao passado é a arquitectura pós-
moderna. Em manifesta reacção contra o funcionalismo e o formalismo sóbrio e
homogéneo do movimento moderno, a partir dos anos 70 arquitectos como os norte-
americanos Charles Moore, Robert Venturi e Michael Graves, o italiano Aldo Rossi e o
espanhol Ricardo Bofill, actualizam os códigos da arquitectura clássica numa linguagem
lúdica, parodiante e provocante: como observa Ferrari (2001), as colunas parecem ter
perdido a estabilidade, os capitéis são enriquecidos com lâmpadas de néon, as superfícies
redescobrem a fantasia das cores, os materiais são associados sem qualquer coerência
formal ou funcional.
A preferência pela composição articulada, aliada às ousadias formais que a utilização do
computador possibilita, conduz na década de 80 ao Desconstrutivismo; com influências
das teorias de Derrida e de Lacan, o processo de desconstrução, refere Consiglieri (2000),
assenta no rompimento com todas as regras e códigos do passado, substituindo-os pelo
paradoxo da razão, pelas pregas do conhecimento – dobra – e pelo movimento topológico,
traduzindo-se na decomposição dos conceitos nas suas componentes. Esta corrente
arquitectónica, desenvolvida essencialmente pelos norte-americanos Peter Eisenman (numa
linha mais conceptual, trabalha a dialéctica da presença e da ausência, do sólido e do vazio,
do exterior e do interior) e Frank Gehry (numa vertente escultural, modelada pela
fragmentação e com referências aos nós borromeanos), caracteriza-se pela utilização de
paredes tortas, vigas inclinadas, ângulos desencontrados, fachadas torcidas, planos
interpenetrados, expressando um desafio à gravidade e à estabilidade; a fragmentação e
desestruturação do espaço traduzem o desmoronamento das noções de autoridade,
objectividade e certeza.
28. Frank Gehry, Museu Guggenheim, Bilbau, 1993-1997
Partindo do ambiente da vida diária e em reacção a um urbanismo segregacionista, emerge
na mesma década uma nova manifestação artística – o Grafitismo. Como assinala Ferrari
(2001), estamos perante uma nova realidade pictórica, que surge nos corredores do
metropolitano e nas paredes dos bairros degradados de Nova Iorque, onde se propagam os
69
tags, espécie de assinatura com que os jovens tentam apenas deixar a sua marca, sem
qualquer intenção de fazer arte. Quando o fenómeno ganha amplitude, os grafitos passam
rapidamente das paredes do Bronx para as galerias de Manhattan, perdem a agressividade
original e adoptam um vocabulário mais elaborado. É o caso das sintéticas, fluorescentes,
dinâmicas e alegres imagens de Keith Haring, ou das figuras consagradas da banda
desenhada convertidas em protagonistas de composições de grande dimensão, por Ronnie
Cutrone.
29. Keith Haring, Sem Título, 1980
É também na esfera do espaço público e como expressão da tentativa de restaurar a função
social da arte que surge nos anos 80 a Arte Pública, uma forma de arte política e activista.
Trata-se, escreve a artista plástica Carla Cruz (2005), de uma forma de arte que se encontra
em espaço público, que trata de questões públicas, e que envolve o público. Herdeira dos
happenings dos anos 50, e das intervenções situacionistas45
e de natureza site specific dos
anos 60, a arte pública, sobretudo a partir da década passada, não só intensifica a relação
com a audiência, como transforma os sítios em lugares e assume o papel de instrumento de
participação democrática. Por exemplo, em Londres, no início da década de 1990, surgiu o
Movimento Reclaim The Streets, um grupo de activistas formado para lutar contra o
império do automóvel; numa das intervenções organizada por várias células, as pessoas são
convocadas junto a uma saída de transportes públicos, o trânsito é cortado com barricadas
e camiões com potentes amplificadores e é feita a festa – uma fusão de Carnaval e
revolução, a construção de momentos extraordinários, demonstrativos de como a vida
poderia ser vivida de forma diferente.
Apelidada de obra de arte pública total pela historiadora Laura Castro (2005) é o conjunto
de intervenções realizado em Gibellina. Após ter sido destruída por um tremor de terra em
1968, esta localidade siciliana foi objecto de uma refundação orientada por urbanistas,
arquitectos, pintores, artistas murais, escultores, decoradores, num vasto projecto iniciado
dois anos mais tarde e que teve importantes desenvolvimentos na década de 80. Entre estes
destaca-se o projecto liderado por Alberto Burri, intitulado Il Cretto [30], que consiste
45
A Internacional Situacionista é uma corrente artística revolucionária dos anos 50 e 60, motivada pelo
desejo de ultrapassar as formas vigentes de arte e colocar todas as energias ao serviço da revolução. Entre
outras acções, destacam-se as situações construídas em contextos urbanos, como jogos, derivas
psicogeográficas, visando reinterpretar certos lugares ou deslocá-los da sua história.
70
numa plataforma de 12 hectares de cimento branco, instalada sobre a colina, no local da
cidade destruída; a plataforma é formada por várias placas separadas por corredores
estreitos que funcionam como evocações das vias e praças da cidade antiga. Para além da
natureza do projecto, a sua condição de arte pública é bem patente no conjunto de
colaborações envolvidas, desde o exército, que participou na destruição das ruínas e na
preparação do terreno para a implantação da plataforma, passando pelos emigrantes
italianos na América, que contribuíram com fundos, até às cimenteiras italianas que
forneceram o material.
30. Alberto Burri, Il Cretto, Gibellina, 1984
Da mesma forma que se intersecta com a política, a arte pós-moderna cruza-se também
com a ciência e a técnica. Paradigmática desta união é a Bioarte ou Arte Biológica.
Inspirada na biologia e na ciência, apresenta abordagens derivadas da vida e inteligência
artificial, da robótica e da genética. Um dos projectos mais divulgados, nomeadamente
pelas questões éticas e autorais que suscita, é o GPK Bunny, que o brasileiro Eduardo Kac
desenvolveu em 2000, um coelho fluorescente verde, criado através da engenharia
genética. No mesmo ano, os australianos Oron Catts e Ionat Zurry e o israelita Guy Bem-
Ary desenvolveram um projecto de cultivo de tecido orgânico para material das suas
esculturas. Ensaiando respostas para o retrato do Homem do século XXI, num projecto de
2002, a portuguesa Marta de Menezes rompe com a larga tradição pictórica, escultórica ou
fotográfica, e recorre à iconografia genética e neuronal, através da ressonância magnética
funcional, para revelar o perfil da actividade cerebral; na era actual, com a manipulação
genética, a cirurgia estética, e a identidade virtual, os traços de um rosto já não expressam
necessariamente as dimensões mais características de uma pessoa. Na área da robótica é de
referir o recente projecto dos “robots pintores” do também português Leonel Moura, cujo
manifesto propõe o abandono da centralidade do artista humano e de qualquer pretensão
moralista e de qualquer propósito de representação.
31. Marta de Menezes, Retratos funcionais: Patrícia tocando piano, 2002
Tal como na bioarte, o peso das novas tecnologias tem marcado a natureza de outras
tendências recentes. Com efeito, o interesse crescente pelos novos domínios de
71
investigação abertos pela câmara de vídeo, pelo computador, pela cibernética, abre
caminho à vídeoarte, à arte computadorizada e à ciberart.
Um híbrido resultante do cruzamento do cinema, da televisão e da música, a Vídeoarte
implanta-se nos anos 80 como um género autónomo, com um código expressivo próprio.
Não é cinema, argumenta Ferrari (2001), porque não sente a necessidade de narrar; pelo
contrário, a arte vídeo subverte os tempos da narrativa, acelerando-os ou afrouxando-os a
seu belo prazer; também não apresenta imagens articuladas em sucessões lógicas, mas
imagens que se repetem, se sobrepõem, se sucedem freneticamente, na mais absoluta
liberdade de associação. As vídeo-instalações do coreano Nam June Paik, o pioneiro desta
manifestação artística, cruzam a arte vídeo com a escultura e com a arquitectura, criando
espaços totalmente virtuais; a rapidez das intersecções visuais e sonoras produz uma
espécie de desvario sensorial, que evoca as condições de vida da era pós-moderna.
32. Nam June Paik, L’Olympe de Gouges in La fée électronique, 1989
Como na vida diária, o computador tem introduzido mudanças significativas e aberto
inúmeras possibilidades no domínio da arte, quer enquanto instrumento de criação ao
serviço de diferentes géneros artísticos, quer enquanto polarizador e criador de novas
expressões artísticas.
Assim, ao serviço do cinema, o computador permite criar efeitos especiais que alteraram
tanto a ficção científica como o cinema de animação; no teatro, o computador tem
possibilitado inovações no tratamento da iluminação e da cenografia; na dança
contemporânea, permite a criação de uma interacção entre os movimentos reais dos
bailarinos e uma coreografia virtual.
Mas é sobretudo enquanto instrumento de criação e suporte de comunicação que o
computador tem vindo a revolucionar o panorama artístico, estando na origem de novos
géneros artísticos. Enquanto arte criada em ambiente gráfico computacional com recurso a
processos digitais pode designar-se genericamente por Arte Computadorizada ou Arte
Digital. Um caso específico desta nova configuração artística é a Infopoesia. Herdeira da
poesia visual, a poesia digital constitui uma nova linguagem poética, derivada dos
procedimentos electrónico-digitais subjacentes. Como refere o poeta experimental
português Ernesto de Melo e Castro (1998), a infopoesia utiliza simultaneamente signos
72
verbais e não-verbais (a palavra, o som e a imagem estática ou em movimento) para,
através de instrumentos informáticos, criar estruturas poemáticas de alta complexidade
visual e semântica.
A par da revolução ao nível dos processos criativos e da natureza do objecto artístico,
também a sua relação com o público adquire uma nova configuração. Habitando
essencialmente o espaço cibernético (Cyber-art), em galerias e museus virtuais, a Arte
Virtual alarga o seu público à escala planetária, exponenciando a interacção com o fruidor,
por vezes em tempo real. Por exemplo, para comemorar a entrada no 3º milénio, o
mexicano Rafael Lozano-Hemmer desenvolveu um projecto na cidade do México, uma
imensa escultura de luz controlada pela internet; qualquer visitante da sua página web
podia participar no evento, mudando a orientação dos focos, convertendo-se em co-autor
da peça. No domínio da interactividade virtual, importa referir o projecto europeu
desenvolvido entre várias universidades e centros de arte moderna, o Museum of Pure
Form; mediante a tecnologia da realidade virtual, permite interagir com esculturas de
forma háptica, possibilitando tocar objectos normalmente apenas ao alcance dos olhos.
Em suma, a arte pós-moderna move-se num tempo alargado, do mais antigo ao mais
futurista, num espaço ilimitado, do local ao planetário, num campo desterritorializado pelas
migrações e contaminações entre diferentes instrumentos, linguagens e expressões
artísticas e pelas interpenetrações com a ciência, a política, a ética e a vida.
A multiplicidade de imagens sobre o ser humano mostra-nos um ser cuja identidade
transita entre a actividade neuronal e a intervenção ética, uma identidade fragmentada entre
o passado e o futuro, diluída entre o real e o virtual, o interior e o exterior, um ser efémero
que se desconstrói e reconstrói permanentemente, um passivo consumidor e um activo
criador no planetário espaço virtual.
Oriundas do território artístico, as metáforas do “performer” e do “músico de jazz”
relevadas do discurso psicológico, parecem-nos traduzir igualmente as representações do
Homem prevalentes na arte pós-moderna.
73
A CONCLUIR
Em termos de uma breve síntese conclusiva deste ensaio podemos relevar duas ideais
principais.
Em primeiro lugar, constata-se que, a par das especificidades inerentes aos discursos e às
evoluções paradigmáticas da psicologia e da arte, as influências e confluências entre elas
são múltiplas, evidenciando-se não só a psicologização da estética contemporânea, como
defende o historiador e crítico de arquitectura Mark Jarzombek (2000), mas também a
estetização da psicologia, num processo de progressiva convergência em direcção à
realização da totalidade e unidade do saber.
Em segundo lugar, as representações da psicologia e da arte sobre o Homem
contemporâneo parecem gravitar em torno de duas inspiradoras metáforas, a biológica e a
mecânica, ou seja, a metáfora do "animal" e a metáfora da "máquina". O ser humano é
pensado, ora como um animal irracional, um animal de hábitos, um corpo falante, um bom
selvagem, ora como uma máquina energética, uma máquina de reacções, um computador.
Após um longo período de análises segmentadas, dicotómicas – corpo-mente, emocional-
racional, consciente-inconsciente, passado-futuro – nas últimas décadas têm sido tentadas
abordagens integradas, sistémicas, multifacetadas, pós-disciplinares, que fazem do Homem
pós-moderno um sistema aberto, um complexo híbrido, um "animáquina", um ser que
procura integrar as peças do puzzle que a modernidade pulverizou, que procura dar sentido
aos territórios cujas fronteiras se volatizaram, que procura lidar com a desordem e a
incerteza através da improvisação, um ser em contínua auto-organização e recriação, um
ser autopoiético, um performer, um músico de jazz.
74
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