homa publica: revista internacional de...

253

Upload: doque

Post on 06-Oct-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Diagramação: Gabriel Lima Miranda Gonçalves Fagundes Capa: edição e montagem de Gabriel Lima Miranda Gonçalves Fagundes Revisão: Rafael Jordan de Andrade Campos

_____________________________________________________________

Homa Publica: Revista Internacional de Direitos Humanos e Empresas

Vol. 02 (Janeiro de 2018)

Juiz de Fora: Homa, 2018. Semestral.

Direito – Periódicos

ISSN: 2526-0774 - Online

ISSN 2526-9321 - Impresso

_____________________________________________________________

As opiniões expressas são de inteira responsabilidade de seus autores

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

CORPO EDITORIAL | EDITORIAL BOARD

EDITORA-CHEFE | EDITOR-IN-CHIEF

Drª Manoela Carneiro Roland

CONSELHO EXECUTIVO | EXECUTIVE BOARD

Drª Silvia Marina Pinheiro – FGV

Dr. Daniel Maurício Cavalcanti de Aragão – UFBA

Dr. João Roberto Lopes Pinto – UniRio

Drª Deisy de Freitas Lima Ventura – USP

Drª Cristiana Losekann – UFES

Dr. Carlos Lopez – Comissão Internacional de Juristas

Dr. Juan Hernandez Zubizarreta – Universidade do País Basco

CONSELHO CONSULTIVO | ADVISORY BOARD

Dr. Surya Deva – Universidade da Cidade de Hong Kong

Dr. David Bilchitz – Universidade de Joanesburgo

Drª Bonita Meyersfeld – Universidade de Witwatersrand

Dr. Sheldon Leader – Universidade de Essex

CONSELHO EDITORIAL | EDITORIAL COUNCIL

Drª Adriana de Azevedo Mathis – UFPA

Msª Ana Cláudia Ruy Cardia – PUC-SP

Dr. Anderson Vichinkeski Teixeira – UNISINOS

Ms. Assis da Costa Oliveira – UnB

Drª Bethânia de Albuquerque Assy – PUC/RJ

Dr. Bruno Milanez – UFJF

Ms. Caio Borges – USP

Msª Caroline da Rosa Pinheiro – UFJF

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Drª Denise de Castro Pereira – PUC-MG

Ms. Eduardo Bernabé Toledo – Universidade Paris 1: Pantheon-

Sorbonne

Dr. Elcemir Paço Cunha – UFJF

Drª Elizabete Rosa de Mello – UFJF

Drª Érica Guerra da Silva – UFRRJ

Ms. Fábio da Silva Veiga – Universidade de Alcalá, Espanha

Ms. Felipe Fayer Mansoldo – UFJF

Msª Flávia da Silva Scabin – FGV

Dr. Gerardo Enrique Cerdas Vega – UFRRJ

Msª Joana de Souza Machado – UFJF

Ms. Júlio Cesar de Lima Ribeiro – Universidade de Coimbra

Drª Leticia Virginia Leidens - UFF

Drª Lucero Ibarra Rojas – El Centro de Investigación y Docencia

Económicas (CIDE)

Msª Luciana Tasse Ferreira – UFF

Msª Marcelly Fuzaro Gullo – Universidade de Coimbra

Drª Maria Elena Rodriguez Ortiz – PUC/RJ

Ms. Pablo Perel – Universidad de Buenos Aires

Msª Paola Durso Angelucci – UFRJ

Dr. Raphael Carvalho de Vasconcellos – UERJ

Dr. Ricardo Prestes Pazello – UFPR

Dr. Rodrigo Salles Pereira dos Santos – UFRJ

Dr. Sergio Marcos Carvalho de Ávila Negri – UFJF

Dr. Siddharta Legale – UFJF

Drª Tayara Talita Lemos – UFJF

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

EQUIPE EDITORIAL | EDITORIAL STAFF

Ms. Luiz Carlos Silva F. Jr. – PUC-Rio

Camila Corrêa Mazorque – UFJF

Gabriel Lima Miranda Gonçalves Fagundes – UFJF

Gabriel Ribeiro Brega – UFJF

João Luís Lobo Monteiro de Castro – UFJF

Lucas de Souza Oliveira – UFJF

Maria Fernanda Campos Goretti de Carvalho – UFJF

Rafael Jordan de Andrade Campos – PUC-Rio

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Sumário | Summary

Corpo Editorial | Editorial Board ............................................................. 5

Editora-chefe | Editor-in-Chief ............................................................. 5

Conselho Executivo | Executive Board ................................................. 5

Conselho Consultivo | Advisory Board ................................................. 5

Conselho Editorial | Editorial Council ................................................... 5

Equipe Editorial | Editorial Staff ........................................................... 7

Editorial ................................................................................................... 13

Estado, democracia e o poder da corporação transnacional

| Rubens R. Sawaya ................................................................................. 17

Introdução ........................................................................................... 18

1. O Estado como condensação de forças........................................... 19

2. A democracia e o controle social .................................................... 25

3. A Corporação como braço real do capital ....................................... 29

Conclusão ............................................................................................ 37

A FIBRIA e o “novo” papel do Estado no capitalismo brasileiro: do

“estado-empresário” ao “estado-empresa”

| João Roberto Lopes Pinto | Felipe Fayer Mansoldo ........................... 41

Introdução ........................................................................................... 42

1. Tendências ....................................................................................... 44

2. Apontamentos ................................................................................. 51

2.1 Estado Capitalista .............................................................. 51

2.2 Capital monopolista........................................................... 56

3. BNDES como “centro de decisão” ................................................... 61

4. Trajetória FIBRIA .............................................................................. 65

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

4.1 Violações de direitos pela FIBRIA ...................................... 68

5. A prevalência do direito privado sobre o interesse público ........... 71

Considerações Finais ........................................................................... 79

Colonialismo e governo empresarial no sul global

| Flávia do Amaral Vieria ........................................................................ 85

Introdução ........................................................................................... 87

1. Matriz de poder colonial e neoliberalismo ..................................... 88

2. Neoliberalismo e governo empresarial ........................................... 93

3. Entendendo a arquitetura da impunidade ...................................... 98

Conclusão .......................................................................................... 104

Direitos humanos e empresas no Brasil: como as empresas mineradoras

têm afetado a proteção dos direitos humanos no território brasileiro

| Ana Cláudia Ruy Cardia ...................................................................... 109

Introdução ......................................................................................... 110

1. A atuação das empresas mineradoras e a necessária conexão com o

tema Direitos Humanos e Empresas ................................................ 112

2. Empresas mineradoras no Brasil: da tragédia de Mariana às

possíveis atividades da empresa Belo Sun no Pará ......................... 114

2.1. Dados e implicações da tragédia socioambiental ocorrida

em Mariana ........................................................................... 115

2.2. O Xingu em risco: A polêmica envolvendo a atuação da

mineradora Belo Sun no estado do Pará ............................... 119

3. Brasil sob os holofotes: O repúdio internacional ao modelo

desenvolvimentista apartado da proteção aos direitos humanos .. 124

4. A resposta do Estado Brasileiro: continuidade do desenvolvimento

na contramão da proteção aos direitos humanos ........................... 128

Conclusão .......................................................................................... 130

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Deber de vigilancia, Derechos Humanos y Empresas Transnacionales:

un repaso a los distintos modelos de lucha contra la impunidad

| Adoración Guamán ............................................................................ 138

Introducción ...................................................................................... 139

1. Breve referencia al marco teórico de la relación entre empresas

transnacionales y derechos humanos ............................................. 147

1.1. Lex Mercatoria y Captura Corporativa ........................... 147

1.2. La extensión de las cadenas de suministro .................... 153

1.3. Los obstáculos para el acceso de las víctimas a la justicia

efectiva y la reparación. ........................................................ 156

2. Las carencias del marco normativo internacional que regula la

relación entre ETN y Derechos Humanos. ....................................... 159

3. La propuesta francesa: una ley de vigilancia debida cortapisada por

la Cour Constitutionnelle .................................................................. 165

4. La prevención como elemento necesario: deber de vigilancia y texil:

el ejemplo del Informe Sánchez Candeltey sobre la iniciativa

emblemática de la Unión en el sector de la confección .................. 170

5. La prevención en el Documento de elementos para la constrcción

del Instrumento Vinculante sobre empresas transnacionales y otras

empresas de negocios y los derechos humanos. ............................. 174

A ilusão do levantamento do véu societário e a responsabilidade das

empresas por violações de direitos humanos

| Sergio Marcos Carvalho de Ávila Negri .............................................. 185

Introdução ......................................................................................... 186

1. A técnica da desconsideração e a metáfora do levantamento do véu

societário. ........................................................................................ 188

2. A teoria da desconsideração: o levantamento como exceção ...... 191

3. A fragmentação do poder empresarial e os arranjos

plurissocietários: o caso do Sistema Minas-Rio ............................... 195

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Conclusão .......................................................................................... 201

Práticas de el forum shopping entre la OMC y los TLC. El valor del

principio de la cosa juzgada en la solución de controversias

| Julián Tole Martínez ........................................................................... 205

Introducción ...................................................................................... 207

1. La cláusula de selección del foro o el forum shopping entre la

jurisdicción de la OMC y la jurisdicción de los TLC .......................... 210

2. La cláusula de exclusión del foro en la jurisdicción OMC como una

prohibición del forum shopping ...................................................... 224

3. La aplicación del principio de la cosa juzgada o “res judicata” en los

conflictos entre la jurisdicción de la OMC y la jurisdicción de los TLC

estadounidenses y europeos ........................................................... 231

Observaciones finales ....................................................................... 237

Política Editorial | Editorial Policy ....................................................... 248

Normas de Publicação | Publication Guidelines ................................. 250

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 12 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

EDITORIAL

13 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

EDITORIAL

O Homa, Centro de Direitos Humanos e Empresas

(www.homacdhe.com), em funcionamento na Faculdade de Direito da

Universidade Federal de Juiz de Fora desde 2012, com o apoio da Fundação

Ford, tem como um dos seus principais objetivos, uma vez que reflete uma

iniciativa de cunho acadêmico, contribuir para a consolidação da temática

de “Empresas e Direitos Humanos”, ou Business and Human Rights, ainda

pouco conhecida no país, e até internacionalmente, no que tange à sua

presença em matrizes curriculares e volume de pesquisas em pós-

graduação.

Desta forma, a Homa Publica – Revista Internacional de Direitos

Humanos e Empresas, assim como o Seminário Internacional que o Homa

organizou nos últimos 5 anos, são alguns dos principais veículos para a

difusão de ideias, resultados de pesquisas, assim como análises de casos

que possam apontar para as questões mais importantes relacionadas às

violações de Direitos Humanos cometidas por empresas, na atualidade, no

Brasil e no mundo. Busca-se com isso, inegavelmente, difundir reflexões e

alimentar debates capazes de revelar medidas preventivas de tais

violações, ou mecanismos mais eficazes para a responsabilização das

empresas.

Neste caminho percorrido pelo Homa até aqui, duas conclusões

parecem muito claras e ao mesmo tempo desafiadoras. A primeira é que

falar de Empresas e Direitos Humanos não significa contemplar a já familiar

Responsabilidade Social Corporativa, cuja lógica primordial viabiliza,

basicamente, a reprodução de práticas de promoção da boa imagem

empresarial. E, ainda, pesquisar a dinâmica de violações reiteradas de

Direitos Humanos perpetradas por corporações impõe a necessidade, e

aqui reside o aspecto mais desafiador, de se estabelecer como

condicionante precípua e prévia ao próprio planejamento da atividade

empreendedora, o respeito aos mais altos standards de promoção dos

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 14 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Direitos Humanos, e toda a sua sistemática de proteção, já reconhecida

nacional e/ou internacionalmente. Explica-se, portanto, a opção, no caso do

Homa, pelo posicionamento da expressão ‘Direitos Humanos” antes do

vocábulo “Empresas".

Esta primeira Revista de 2018 teve a sorte de trazer artigos que

contemplam discussões extremamente atuais, como, por exemplo, o

processo de negociação de um Tratado Internacional sobre Empresas

Transnacionais e Direitos Humanos, em curso no Conselho de Direitos

Humanos das Nações Unidas desde 2014, mediante a aprovação da Res

26/9, além do crime ambiental mais grave do país, ou talvez do mundo,

envolvendo a Bacia do Rio Doce, em dezembro de 2015, que ainda segue

sem reparação devida aos atingidos e atingidas.

O primeiro artigo, por sua vez, inaugura uma problematização mais

de fundo, e de relevância inconteste sobre a relação entre “Estado,

democracia e o poder da corporação transnacional”, de autoria do Prof.

Rubens R. Sawaya; seguindo a temática do papel do Estado, tem-se o

trabalho dos professores João Roberto Lopes Pinto e Felipe Fayer

Mansoldo, intitulado, “A Fibria e o “Novo” papel do Estado no capitalismo

brasileiro: do “Estado- empresário” ao ‘Estado-empresa”; e buscando

analisar como opera as lógicas coloniais de atuação das empresas no

chamado Sul Global, apresenta-se o artigo da doutoranda Flavia do Amaral

Vieira, “Colonialismo e governo empresarial no sul global”.

No que poderia ser considerado um segundo bloco de

contribuições, o quarto artigo faz menção, como já mencionado, ao crime

ambiental da Bacia do Rio Doce, destacando, entretanto, o papel das

empresas mineradoras no país, abordando de forma critica o modelo de

desenvolvimento adotado, intitulando-se “Direitos Humanos e Empresas

no Brasil: como as empresas mineradoras têm afetado a proteção dos

Direitos Humanos no território brasileiro”, da Prof.ª Ana Claudia Ruy Cardia.

A partir da constatação do marco de impunidade sobre o qual, muitas vezes,

atuam e prosperam as empresas transnacionais, a Prof. Adoración Guamán,

da Universidad de Valencia, nos brinda com a uma análise abrangente sobre

a necessidade de normas vinculantes, como um tratado internacional, para

15 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

a efetiva responsabilização de empresas, principalmente transnacionais,

por violações de Direitos Humanos. O seu artigo denomina-se “Deber de

vigilancia, Derechos Humanos y Empresas Transnacionales: um repaso a los

distintos modelos de lucha contra la impunidad”.

Os dois últimos trabalhos colocam em questão ferramentas

jurídicas importantes passiveis de serem utilizadas na busca de

responsabilização de empresas por violações de Direitos Humanos e na

solução de controvérsias. O Prof. Sergio Marcos Carvalho de Avila Negri, da

Faculdade de Direito da UFJF, aponta para “A ilusão do levantamento do

véu societário e a responsabilidades das empresas por violações de Direitos

Humanos”; e o Prof. Julian Tole Martínez, da Universidad de Externado

discute “El forum shopping entre la OMC y los TLC. El valor del principio de la

cosa juzgada en la solución de controvérsias”.

Uma boa leitura a todos e todas.

Manoela Carneiro Roland

Editora-chefe

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 16 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

ARTIGOS Articles

17 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

ESTADO, DEMOCRACIA E O PODER DA CORPORAÇÃO TRANSNACIONAL

STATE, DEMOCRACY AND THE POWER OF

TRANSNATIONAL CORPORATIONS

Rubens R. Sawaya1

RESUMO

O Estado se estrutura pela condensação de forças em disputa que

constituem o bloco de poder hegemônico, bem como a ideologia que esse

bloco carrega e que orienta a ação da sua burocracia de Estado, mesmo que

temporariamente e em permanente conflito. Qual o espaço para a

democracia a partir do momento em que a grande corporação transnacional

consegue influenciar e ocupar os aparelhos de Estado? A democracia supõe

que os indivíduos têm o poder de constituir o Estado e de interferir

politicamente pelo voto, supondo poderes iguais quando há, na verdade,

de um lado, indivíduos isolados e, de outro, corporações transnacionais

organizadas em instituições supraestatais globais. Como é possível a

democracia? A história demonstra que ela apenas se enfraquece.

PALAVRAS-CHAVE: Estado. Democracia. Corporações transnacionais.

Poder de classe.

1 Professor e Coordenador do programa de pós-graduação em Economia Política,

Departamento de Economia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP,

Rua Ministro Godóy, 969 – 4º andar – sala 4E17, São Paulo SP – 05015-000. E-mail:

[email protected]. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8332423408226643

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 18 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

ABSTRACT

The state is structured by the condensation of forces in dispute that

constitute the hegemonic power bloc, as well as the ideology that this bloc

carries and that guides the action of its state bureaucracy, even if

temporarily and in permanent conflict. What is the space for democracy

from the moment that the great transnational corporation succeeds in

influencing and occupying state apparatuses? Democracy assumes that

individuals have the power to constitute the state and interfere politically

by voting, supposing that they have equal power when there are, on the

one hand, isolated individuals and, on the other, transnational corporations

organized in supra-state global institutions. How is democracy possible?

History shows that it only weakens.

KEYWORDS: State. Democracy. Transnational corporations. Class power

INTRODUÇÃO

Qual é o espaço para a democracia quando o Estado é cada vez

mais apropriado pelos interesses da grande corporação agora

transnacional? O que é a grande corporação? De onde provém seu poder

supranacional? A forma tradicional de democracia representativa dilui o

poder de indivíduos que agem isoladamente – a cada um, um voto –

enquanto as corporações possuem poder institucional centralizado por

meio de organismos paraestatais que lhes confere capacidade de ocupar os

aparelhos de Estado, Estados geograficamente descentralizados,

dispersos.

O capitalismo não existe sem Estado. “O Estado [...] se revela como

um aparato necessário à reprodução capitalista, assegurando a troca de

mercadorias e a própria exploração da força de trabalho sob a forma

assalariada” (MASCARO, p.18). O processo de acumulação de capital que se

desdobra em concentração e centralização de capital, formando as grandes

19 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

corporações transnacionais, precisa do aparato jurídico-legal, institucional,

dos aparelhos de Estado, da burocracia para que esses processos ocorram

sem impedimentos. Precisam do Estado para que seu domínio sobre a

estrutura social permita que seus movimentos de expansão (concentração)

e de retração (centralização) possam ocorrer segundo seus interesses e

necessidades. Controlar os aparelhos de Estado é uma exigência interna do

próprio processo de reprodução social na forma capitalista.

O artigo está divido em três partes além dessa introdução. Na

primeira parte busca, de forma sucinta, conceituar o Estado capitalista

como resultado da condensação de forças hegemônicas em disputa que

estruturam seus aparelhos de controle e determinam as políticas que

garantem a acumulação de capital. Na segunda parte, questiona-se a

democracia formal como uma forma de controle social, realizada por

indivíduos, sobre os aparelhos de Estado: de um lado estão os indivíduos

dispersos como “iguais”, enquanto, de outro, estão as grandes corporações

transnacionais organizadas em instituições supraestatais. Na terceira parte,

busca-se identificar que capital individual constitui o que se denomina

corporação, principalmente com foco em sua forma atual transnacional,

relacionando-o com as relações de poder global que determinadas

instituições paraestatais buscam impingir sobre Estados dispersos,

colocando em xeque a democracia.

1. O ESTADO COMO CONDENSAÇÃO DE FORÇAS

Não é possível pensar o capitalismo sem Estado. Seria uma ideia

metafísica descolada da realidade concreta simplesmente porque nunca

existiu. Qualquer sociedade fundada em relações hierárquicas ou desiguais

precisa de um Estado que lhe dê coesão, que internalize as relações de

poder necessárias para a sua constituição como sociedade. É a estrutura de

poder que garante as formas de extração e acumulação de riqueza em

sociedades hierarquizadas e desiguais. É a forma política que organiza a

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 20 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

sociedade e permite sua coesão ao centralizar o conflito social, a disputa

pela riqueza, no Estado.

Se poderia dizer que quanto mais desigual é a estrutura social, mas

arraigada é a disputa pela riqueza social, mais forte e organizado deve ser

o aparato de Estado para manter a coesão e garantir e o funcionamento do

sistema, o processo de reprodução social. “Que não se possa compreender

o poder como violência (e sua forma última: o Estado centralizado), sem

conflito social, é indiscutível. [...] o poder político [supõe] a diferenciação

social” (CLASTRES, 1986, p.19). Talvez só uma sociedade imaginária sem

classes sociais, sem relações de poder seria possível sem Estado. É o Estado

que organiza a relação de poder e dominação que emerge da sociedade

concreta, que se estrutura a partir da forma como a sociedade se organiza

para produzir e reproduzir sua existência social a partir de desiguais.

O Estado capitalista tem sua existência definida a partir de

relações sociais específicas de poder e disputa pela riqueza social. Derivado

da forma específica de organização da reprodução social, se constitui

historicamente por dentro das relações de poder que se materializam no

controle dos meios de produção. É “nas relações de produção capitalista

[que] se dá [...] a organização social” que “separa produtores diretos dos

meios de produção” (MASCARO, 2013, p.18).

Como um conceito geral, o Estado capitalista é o resultado de uma

“condensação de forças” que se formam no seio das relações sociais e que

se estruturam em seus aparelhos e instituições. “Não é pura e

simplesmente uma relação; é uma condensação específica de uma relação

de forças entre as classes sociais” (POULANTZAS, 1985, p.148). São as

forças sociais em disputa que constituem e estruturam a forma de poder, o

Estado, responsável e necessário para organizar essas disputas. O Estado é

o resultado da desigualdade e da disputa. É o aparato de Estado, seus

aparelhos, sua burocracia, as instituições que fornecem o véu necessário

para a produção e a acumulação de riqueza na forma específica capitalista.

São em seus aparatos que “a ideologia dominante que o Estado reproduz e

inculca”, com a função de “constituir o cimento interno de seus aparelhos

[...]” (POULANTZAS, 1985, p.179), que garantem a reprodução social na

21 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

forma capitalista. “O Estado é [...] um momento de condensação de relações

sociais específicas, a partir das próprias formas de sociabilidade”

(MASCARO, 2013, p.19) constituídas materialmente nas pelas relações

sociais concretas.

Em uma formação social, composta por numerosas

classes sociais, e em particular, em uma formação

capitalista, onde a classe burguesa está

constitutivamente dividida em frações de classe, o

terreno da dominação política não é ocupado por uma

só fração de classe. É por uma aliança específica de

várias classes e frações de classe – aliança que em

outro lugar designei pelo termo bloco no poder. Assim,

as contradições entre as classes e frações de classe

dominantes assumem, muitas vezes, uma importância

determinada no que concerne às formas de Estado e

de Regime. [...] o bloco no poder, como acontece em

qualquer aliança, não é normalmente composto por

classes ou frações de classe de importância igual,

partilhando entre si pedaços do poder. Ele só pode

funcionar regularmente na medida em que uma classe

ou fração dominante impõe uma dominação particular

aos outros membros da aliança no poder, em suma: na

medida em que ela lhes consegue impor a sua

hegemonia e cimentá-los sob sua égide.

(POULANTZAS, 1976, p.78-79).

O Estado só está separado da lógica e das forças que o constitui e

estrutura – as relações reais de produção – na aparência. Aparecer como um

terceiro, um outro, um ser externo é central para os mecanismos de

controle. Sem essa mediação, “sem o Estado, o domínio do capital sobre o

trabalho seria um domínio direto” (Mascaro, 2013, p.18). O Estado, como

outro, impessoal, sem aparentemente representar nenhum capital

individual, garante e mantém o controle e as relações de produção em

funcionamento. Não representa nenhum capital em particular, nenhum

capitalista em particular, mas o capital em geral, na medida em que

organiza as relações capitalistas de produção dentro das normas e dos

limites do capital, campo em que as frações de classe estão em disputa.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 22 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Fornece as bases jurídicas e legais para que o processo de produção e

acumulação de capital ocorra sem violência explícita. Assim, torna-se o

mecanismo totalizador que organiza a sociedade, organiza o movimento do

capital em geral num contraditório em relação aos interesses particulares.

“As determinações materiais diretas da ordem reprodutiva do capital são

totalmente complementadas pela abrangente estrutura política de

comando das formas estatais do capital” (MÉSZÁROS, 2015, p. 87).

O Estado moderno altamente burocratizado, com

toda a complexidade do seu maquinário legal e

político, surge da absoluta necessidade material da

ordem sociometabólica do capital, e depois, por sua

vez – na forma de uma reciprocidade dialética – torna-

se uma precondição essencial para a subsequente

articulação de todo o conjunto. Isso significa que o

Estado se afirma como pré-requisito indispensável

para o funcionamento permanente do sistema do

capital, em seu microcosmo e nas interações das

unidades particulares de produção entre si [...].

(MÉSZÁROS, 2002, p.108).

Como representante do capital em geral, o Estado tem sua

existência determinada pela disputa dos capitais individuais sobre riqueza

social por um lado, e por outro, pela relação desses capitais com os

trabalhadores. Assim não pode perder sua aparência de ente autônomo.

Na totalidade social, o primado do econômico não se

faz à custa do político, mas, pelo contrário, é realizado

em conjunto, constituindo uma unidade na

multiplicidade. Tampouco essa totalidade é de

vetores causais aleatórios, como se o político gerasse

o econômico ou vice-versa. Trata-se de uma totalidade

Estruturada. (MASCARO, 2013, p.27).

Dessa forma, o Estado só está separado da lógica do processo de

acumulação, do capital em geral, em sua aparência. É necessária essa

separação para que os mecanismos de controle funcionem, para que tenha

23 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

o poder de garantir a eficiência da acumulação de capital. Toma corpo como

um terceiro, com uma burocracia aparentemente técnica, independente e

superior aos conflitos sociais concretos. Esta burocracia aparece como se

fosse desprovida de ideologia, ganha respeitabilidade e torna-se o

organizador do sistema, como braços do Estado torna sua ação concreta.

Na verdade, a burocracia estatal, como categoria social e não como classe

social específica, é “definida por sua relação com os aparelhos de Estado”

com o papel de realização de determinada ideologia que está acima dela,

elaborada pela fração de classe que constitui o bloco de poder

(POULANTZAS, 1976, p.26) em determinado momento. Apesar dessa

aparente ‘superioridade’ sobre os reais e concretos conflitos sociais, é para

dentro do Estado que esses conflitos se transportam. Assim, abriga e se

forma em determinado tempo e lugar da fração de classe que constitui o

bloco de poder.

Apesar da aparente autonomia que os aparelhos de Estado

buscam demonstrar, em cada tempo e lugar eles representam os interesses

de classe hegemônicos, que nunca são estanques ou livres de disputa, mas

que constituem, em cada momento, o bloco hegemônico de poder que

determina a ação concreta do Estado. É por dentro do Estado que se realiza

o poder. O Estado organiza e reproduz a hegemonia das frações de classe

em disputa ao fixar um campo variável de compromissos, ao impor aos

grupos sociais ou classes determinados sacrifícios com o fim de permitir a

reprodução do capital em geral, sem abandonar as relações sociais de

conflito que o constituem. É o espaço de manifestação dos conflitos entre

as frações do capital, frações de classe, levados ao interior do Estado.

Materializa-se a partir das disputas que lhe dá forma ao invadir seus

aparatos, suas estruturas e instituições sob o comando do bloco de poder,

as frações de classe social que controlam, mesmo que de forma precária e

temporária, os aparelhos de Estado. Assim, possui especificidade em sua

constituição porque é formado por frações de classe que ganham

hegemonia a partir das lutas sociais concretas e, assim, constituem o bloco

no poder. Tomar o poder é controlar os aparelhos de Estado e seus braços

burocráticos.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 24 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

“Não há um conjunto institucional padrão para a forma política

estatal. É um engano, por exemplo, associar estruturalmente capitalismo a

Estado democrático de direito”, a forma política estatal é determinada pelo

típico arranjo de classes que pode variar da democracia a ditaduras fascistas

(Mascaro, 2013, p.32-3). O único ponto unificador e que está na própria

razão de ser do Estado é seu papel como elemento central na contínua

reprodução do capital em geral. Em momentos de crise, quando não

cumpre essa função, o bloco no poder pode ser destituído.

Se o Estado capitalista é assim constituído, parece claro que as

forças de poder real se estruturam na relação entre o econômico e o

político, nunca desvinculados. O poder econômico está diretamente

relacionado ao poder político das frações de classe no bloco de poder que

determina sua ação concreta. O Estado é “atravessado necessariamente

pela [...] dinâmica das relações sociais em disputa. Instituições do Estado

podem ser apropriadas ou influenciadas de forma majoritária por pressões

de grupos ou classe específicas, fazendo com que a política estatal seja

amplamente favorável aos seus interesses” (MASCARO, 2013, p.47). O

poder de determinada classe ou grupo de interesse por dentro do Estado

se materializa no controle necessário sobre seus aparelhos, sobre a

burocracia, sobre a estrutura aparentemente autônoma, mas que realiza as

políticas econômicas e sociais concretas. Assim, não é o enfraquecimento

ou a dissolução do Estado que realmente interessa às frações de classe, mas

o controle dos aparelhos e da burocracia para, em um ambiente

aparentemente técnico democrático, implantar ou defender políticas

econômicas e sociais de seu interesse. O capital em sua forma material, a

corporação, precisa do Estado, precisa estar dentro dele.

O estabelecimento da política do Estado deve ser

considerado como resultante das contradições das

classes inseridas na própria estrutura do Estado. [...] o

Estado é o lugar de organização estratégica da classe

dominante em sua relação com as classes dominadas.

É um lugar e um centro de exercício do poder, mas que

não possui poder próprio. (POULANTZAS, 1985, p.152-

162).

25 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Portanto, no capitalismo, o Estado é o lugar do exercício do poder

de controle sobre o processo de acumulação de capital. É o lugar onde são

definidas as estratégicas e as políticas econômicas que organizam a

acumulação de capital.

O processo histórico de acumulação de capital concentra e

centraliza capital constituindo grandes corporações transnacionais que

atuam mundialmente, mas que se localizam em diferentes espaços

geográficos (Estados) segundo suas estratégias de acumulação e controle.

As corporações se centralizaram e se transnacionalizaram, os Estados

continuam dispersos e locais. As corporações precisam dos Estados

nacionais para seu contínuo processo de ocupação e reocupação do espaço.

Por isso, como frações de classe que representam, precisam adentrar os

aparelhos de Estado para garantir as políticas sociais e econômicas

amigáveis.

As grandes corporações têm surgido como

instituições controladoras predominantes no planeta,

como as maiores dentre elas alcançando virtualmente

todos os países do mundo e superando em tamanho e

poder muitos governos. Progressivamente, mais do

que o interesse humano, é o interesse das grandes

corporações que define as agendas políticas dos

Estados e dos organismos internacionais [...].

(KORTEN, 1996, p.70).

2. A DEMOCRACIA E O CONTROLE SOCIAL

A dispersão jurídica das classes sociais em indivíduos por hipótese

iguais, sem classe, com direitos e formas de representação iguais, faz com

que o Estado tome a aparência de representante geral de indivíduos

isolados, todos com poder soberano sobre ele. Ou como apontava

Schumpeter, os eleitores aparecem como consumidores dispersos em um

mercado em concorrência perfeita e os políticos como produtos a serem

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 26 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

escolhidos em uma “loja de departamentos” (SCHUMPETER, 1961, p. 344).

Essa aparência fortalece a ideia pouco real do Estado como autônomo que

representa interesses de indivíduos dispersos, quando na verdade

constitui-se como representante não de indivíduos, mas de interesses de

grupos ou classes sociais organizadas. Essa individualização permite ao

Estado se apresentar como representante de interesses coletivos

democraticamente definidos.

A dissolução das classes sociais em indivíduos – capitais individuais

(empresas) e trabalhadores – fornece ao Estado a aparência de

representante de indivíduos e não o que realmente é: o resultado da

condensação de frações de classe em conflito com diferentes graus de

poder sobre a riqueza e sobre a política que estrutura e reestrutura o bloco

de poder e sua hegemonia. De um lado, como indivíduos isolados estão os

trabalhadores dispersos ou pouco organizados se não possuem sindicatos

fortes; de outro estão os representantes do capital, corporações, empresas

e bancos que constituem as frações de classe que disputam o espaço dentro

do Estado. Estes últimos se organizam institucionalmente (CARROLL,

2010).

A democracia formal tem a função de manter essa aparência de

que o controle sobre o Estado é exercido por um povo soberano constituído

de indivíduos dotados de igual poder. O controle do Estado por meio de

estruturas burocráticas em função do bloco no poder é garantido sob a

aparência de ente coletivo técnico, que seria superior à massa social. Assim,

se de um lado os indivíduos são fracionados pela lógica da estrutura

política, de outro lado o capital, as grandes corporações, tornam-se cada

vez mais organizadas e estruturadas para disputar e ocupar de forma

precisa o bloco de poder no controle do sistema.

Na democracia capitalista, a separação entre a

condição cívica e a posição de classe opera em duas

direções: a posição socioeconômica não determina o

direito à cidadania – e isso é o democrático na

democracia capitalista – mas, como o poder capitalista

de apropriar-se do trabalho excedente dos

trabalhadores não depende de condição jurídica

27 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

privilegiada, a igualdade civil não afeta diretamente

nem modifica significativamente a desigualdade de

classe – e é isso o que limita a democracia no

capitalismo. As relações entre capital e trabalho

podem sobreviver até mesmo à igualdade jurídica e ao

sufrágio universal. Nesse sentido, a igualdade política

na democracia capitalista não somente coexiste com a

desigualdade socioeconômica, mas a deixa

fundamentalmente intacta. (WOOD, 2003, p.184).

A democracia formal encobre as verdadeiras relações de poder

que constituem o próprio Estado em sua forma capitalista. Essas relações

de poder são materialmente constituídas, relacionando poder econômico e

político que, como antes afirmado, nunca estão descolados. Claro, a

depender da capacidade de organização política em grupos fortes de

representação social, trabalhadores organizados poderiam adentrar a

disputa política e ocupar espaços importantes via democracia formal,

dentro das “formas previstas e nos termos jurídicos e políticos dados”

(MASCARO, 2013, p.87), mas nunca podem subverter a lógica política

estruturada que determina a sociedade, sem fugir da “regra política” que

em última instância garante a estrutura e papel do Estado como capitalista.

Quando essa forma política é ultrapassada ou o Estado é usurpado em sua

função como Estado capitalista, representante do capital em geral e

responsável pela preservação do processo de reprodução do sistema,

quando se “põe em xeque a reprodução social” rompe-se o jogo

democrático.

A democracia no capitalismo é sempre dinâmica e

instável nesses espaços que extravasam para além do

controle imediato da burguesia. Daí que a

possibilidade de involução democrática é uma

constante natural dos sistemas sociais assentados

sobre as formas sociais capitalistas [...] [um] ditador,

nessas situações, pode [...] atender politicamente aos

interesses da maioria das classes burguesas.

(MASCARO, 2013, p. 89).

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 28 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Isso significa que a estrutura democrática no capitalismo está

assentada em limites impostos pelo próprio capital e não pode sair deles.

Quando, por qualquer descuido democrático, os interesses da acumulação

são colocados em xeque, as frações de classe que representam esses

interesses atuam no seio da própria disputa dentro das estruturas do

Estado ou de fora para modificá-lo. Se não for possível alterar por dentro,

formas radicais podem ser adotadas.

Os Estados Unidos são [...] certamente o país onde a

retórica da governança democrática é mais

grosseiramente desmentida pela realidade política

plutocrática e cleptocrática. Depois que o Tribunal

Supremo permitiu que empresas financiassem

partidos e campanhas [...] a democracia recebeu seu

golpe final. A agenda das grandes empresas passou a

controlar totalmente a agenda política: da

mercantilização total da vida ao fim dos poucos

serviços públicos de qualidade; da eliminação da

proteção do meio ambiente e dos consumidores à

neutralização da oposição sindical; da transformação

da universidade num espaço de aluguel para serviços

empresariais à conversão de professores em

trabalhadores precários e dos estudantes em

consumidores endividados por toda vida; da

submissão da política externa aos interesses do

capital financeiro global à incessante promoção da

guerra para alimentar o complexo industrial-

securitário-militar. (SOUZA SANTOS, 2016, p.107).

Indo um pouco mais além, dada a própria estrutura do Estado

como condensação de forças em permanente disputa, bem como diante

dos riscos impostos à democracia formal mesmo com todos os seus

mecanismos de controle jurídico e institucional, o capital e as frações de

classe que o representa em cada momento deve ocupar os aparelhos de

Estado. São os Estados dispersos que em cada espaço local organizam e

permitem o processo de acumulação de capital por meio de suas políticas

29 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

econômicas e sociais. A corporação, sujeito concreto do capital, precisa se

apropriar dos mecanismos de controle para garantir sua reprodução. As

políticas liberalizantes das décadas de 1980 e 1990 marcam uma

determinada forma de controle sobre os aparelhos de Estado por

determinada fração de classe.

Os programas neoliberais da geração passada

concentraram riqueza e poder em um número bem

menor de mãos ao mesmo tempo em que arruinaram

a democracia vigente [...]. A democracia acabou sendo

debilitada à medida em que a tomada de decisão

deslocou-se para Bruxelas [...] o poder efetivo de

moldar os eventos foi em larga medida deslocado das

mãos dos líderes políticos nacionais para o mercado,

as instituições da EU [União Europeia] e as grandes

corporações. (CHOMSKY, 2017, p. 298-9).

“Hoje, os direitos das corporações transcendem aos dos meros

humanos” (CHOMSKY, 2017, p.120)

3. A CORPORAÇÃO COMO BRAÇO REAL DO

CAPITAL

As corporações constituem-se como um conjunto de empresas

produtivas e financeiras atadas entre si com um centro de controle. A

conexão entre as empresas e o controle pode ser por relações de

propriedade, participação acionária, ou/e por relações contratuais de

fornecimento (vertical) bem como de direitos de licenciamento para a

fabricação de determinados produtos (horizontal). Terceirização,

Outsourcing, fornecimento por terceiros ou concessão de direitos

contratuais para outras empresas sem relação de propriedade podem ser

formas de relação de controle por contratos. Chesnais (1996, p.33) já

apontava que “os grupos industriais tendem a se organizar como

‘empresas-rede’. As novas formas de gerenciamento e controle, valendo-se

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 30 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

de complexas modalidades de terceirização, visam a ajudar os grandes

grupos a conciliar a centralização do capital com a descentralização das

operações [...]”. As relações de controle pela propriedade são as mais

visíveis, enquanto as relações controle por contratos firmados entre

empresas independentes são difíceis de serem detectadas.

Willianson, partindo da questão dos custos de transação,

demonstra como as empresas se interligam por sistemas baseados em

contratos dentro da cadeia de valor, em processos de verticalização

(WILLIANSON, 1985, caps. 4, 5 e 11). É uma forma eficiente de

descentralizar o processo decisório e diminuir os custos da administração

sobre unidades dispersas mantendo, ao mesmo tempo, o controle

centralizado. Cada unidade se comporta de forma independente, mas

interligada contratualmente. Como aponta Cohen, nesse sentido:

Corporation is no more than a web of contracts and

other legal documents that tie together various

parties to a specific company. In a broader legal term,

a corporation (as distinct from a sole proprietorship or

a partnership) is a freestanding entity separate from

its owners. (COHEN, 2007, p.28).

Pode-se dizer que essa forma de organização da grande

corporação permite um controle estratégico centralizado, eleva a

capacidade de planejamento em meio à produção ou comercialização

descentralizada. Essa é a forma mais moderna de centralização de capital

ao garantir o controle sem envolver a propriedade. A descentralização

(WILLIANSON, 1985, p.296) também permite que a corporação cresça e se

espalhe em unidades produtivas pelo mundo sem os limites

administrativos. A corporação torna-se um “enclave” que permite o

planejamento cujo objetivo é controlar empresas relacionadas “a exemplo

do que se passa com os pequenos fabricantes e fornecedores de

componentes para automóveis produzidos para grandes multinacionais

[...]” (HODGSON, 1994, p.199).

31 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Já era conhecido o fato de que a descentralização da produção ou

vendas em unidades independentes facilita o controle estratégico central.

“Descentralização não é o contrário da centralização”, ao contrário, “leva a

centralização a um nível superior” (HYMER, 1978, p. 79). Com o

desenvolvimento das corporações por esses mecanismos “aumentou

enormemente sua capacidade para planejar em um nível mais alto [...]

cobrindo horizontes de tempo mais prolongados em um espaço geográfico

mais amplo” (HYMER, 1978, p. 79). O controle é centralizado, enquanto que

a estrutura operacional pode estar espalhada estrategicamente em

qualquer lugar do planeta (ver HYMER, 1978, p.81). Willianson e Cohen

mostram como hoje esse controle ocorre contratualmente. “A Growing

number of major companies in the high-tech sector contract out –

outsource – to specialized assemblers and manufacturers” (COHEN, 2007,

p.84).

As relações contratuais constituem formas de controle da cadeia

de valor tanto para trás, (matérias primas) como para frente (produto final).

“A mais comum versão dos investimentos diretos estrangeiros (IDE) é a

divisão do processo de produção em segmentos que distribui a produção

de diferentes partes do produto final em uma ou mais empresas

subsidiárias em um ou mais países em qualquer lugar do mundo [...]”

(COHEN, 2007, p.72). No setor automobilístico, por exemplo, o núcleo de

controle da cadeia está nas montadoras finais dos veículos, sendo que a

produção de partes peças e componentes pode estar espalhada no entorno

ou em algum outro país; no setor de confecções, o centro de controle está

na comercialização final dos produtos que distribuem sua produção por

países periféricos de mão de obra barata; no setor de commodities

agrícolas, o controle está nas empresas fornecedoras de adubos e

sementes híbridas, muitas delas também detém o controle da

comercialização. As corporações transnacionais “have been developing

globally integrated competitive strategies” (DICKEN, 1992, p. 144). “The

Constant capital ([productive] assets), variable capital (employment) and

commodity capital (sales) are located outside of its national domicile – that is,

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 32 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

the extent to which It accumulates capital in circuits that are transnational

[…]” (CARROLL, 2010, p.91).

A moderna corporação é um fenômeno que se consolida a partir

da segunda guerra na figura da empresa transnacional. É o resultado dos

processos de acumulação, concentração e centralização de capital que

ocorreram em cada espaço de acumulação, em cada Estado, em cada lugar,

como resultado da acumulação ampliada, e que se expandiu para o mundo

a partir da estrutura institucional (acordos de Bretton Woods) criada no

pós-guerra, e que se reproduz em escala global. Esses processos são o

resultado da natureza expansiva de cada capital individual (empresa,

corporação) que acumula uma massa de valor e que deve, de forma

constante, manter em valorização, recolocando-o no processo de produção.

Concretamente isso significa que cada capital individual, à medida de seu

sucesso em acumular, necessita crescer e ampliar sua base de criação de

valor constantemente. Cada empresa possui uma massa de lucros que

precisa reinvestir e, por isso, se expande continuamente sobre si mesma,

cresce, no que se denomina “processo de concentração de capital”, mas

também cresce sobre os outros capitais individuais por fusões, aquisições e

outras formas de controle, no que se chama “processo de centralização de

capital”. Esses processos conjuntos caracterizam a natureza expansiva de

cada capital individual na formação de monopólios e oligopólios, na

constituição das modernas corporações transnacionais.

Se esses processos já marcavam o movimento do capital no século

XIX em espaços locais, a partir da segunda guerra mundial tornam-se

globais. Assim, marca-se entre as décadas de 1940-70 um processo

expansivo do capital por investimentos diretos estrangeiros cruzados entre

Europa e EUA e, a partir desses centros, para países da periferia relevantes

(principalmente na América Latina). Em analisando esse movimento, Palloix

(1974) o denomina “internacionalização do capital”.

A partir da crise dos anos 1970, as corporações alteram sua

estratégia por uma onda de reestruturação global de capital. As políticas de

liberalização financeira e comercial defendidas por elas precisam adentrar

os aparelhos de Estado nos anos 1980-90, período de consolidação do

33 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

neoliberalismo. Essas políticas permitem a onda de reestruturação

produtiva mundial que envolve fusões e aquisições ao redor do planeta,

bem como a redistribuição e centralização de unidades produtivas em

determinados lugares (ver DIKEN, 1992; SKLAIR, 2001, p.75). Trata-se do

processo de centralização do capital agora global (COHEN, 2005, p.75),

como antes apontado. As políticas de liberalização comercial e financeira

defendidas durante a década de 1980 adentram os aparelhos de Estado e

sua burocracia que passa a ser dominada por economistas formados nas

teorias liberalizantes oriundas das críticas às políticas keynesianas

(ortodoxas) de administração da demanda agregada que prevalecia até os

anos 1970. As políticas neoliberais tornaram-se realidade ativa no mundo

(Wood, 2003, p. 49). A mundialização de capital dos anos 1990 se caracteriza

por processos de integração vertical da cadeia produtiva que garante um

melhor controle dos processos e mercados.

MNCs [multinational corporations] are huge

organizations with considerable control over

economic resources; they are not just business firms,

but the most complex and most highly developed

organizations in world capitalism, operating in the

most important branches and the most highly

concentrated sectors of the economy. These giant

firms and their global strategies have become major

determinants of trade flows and of the location of

industries and other economic activities […]. These

firms […] have become major players not only in

international economic but in international political

affairs as well. (COHEN, 2007, p. 53).

Segundo Carroll, entre os anos 1990 e 2000, a centralização de

capital fortaleceu a interconexão estratégica entre as grandes corporações

transnacionais dentro de um espaço centralizado de controle no Atlântico-

norte. This “[…] suggests that corporate interlocking and successful capital

accumulation are mutually reinforcing process, and that, particularly in

Europe transnational networking makes a difference. Highly networked firms

tend to remain near the top of the global corporate hierarchy and the boards

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 34 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

of firms that have managed to stay near the top […]” (CARROLL, 2010,

p.100). As 500 maiores corporações são todas transnacionais com seus

escritórios de controle centralizados na Europa e EUA. Essas grandes

corporações controlam um enorme conjunto de subsidiárias, produtivas e

comercias, espalhadas pelo mundo. Em 2015 faturavam US$ 30 trilhões,

cerca de 40% do PIB mundial apenas contando-se diretamente a relação

matriz-filial, portanto, sem contar o controle contratual. Segundo Cohen

(2007), tomando-se os dados de 2005, “77,000 multinational companies [...]

operate 770,000 individual foreign subsidiaries and affiliates” (COHEN, 2007,

p.63).

If educated guesses about the value added of MNCs in

their home countries are combined with the

estimated value added of their overseas subsidiaries,

companies having a multinational presence probably

accounted for between 50 and 80 percent of the

world’s industrial output in the early 2000s. (COHEN,

2007, p.56).

Essas corporações se fortaleceram e se centralizaram com apoio

de um aparato paraestatal institucional criado e administrado por elas

próprias e que vem se fortalecendo desde o pós II Guerra Mundial que

Carroll afirma constituir o que chama de “policy groups”.

The corporate-policy network is highly centralized [...].

Its inner circle is a tightly interwoven ensemble of

politically active business leaders; its organization

core includes the Trilateral Commission, the

Bilderberg Conference, the European Round Table of

industrialists and the World Business Council for

Sustainable development. […] The North-Atlantic

ruling class remains at the centre of the process.

(CARROLL, 2010, p.201).

Estas instituições abriram caminho político para a

transnacionalização do capital. São instituições privadas criadas pelas

35 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

corporações transnacionais que atuam em uníssono para levar ao mundo,

aos governos dispersos, para dentro dos aparelhos de Estado, as políticas

que lhes garantem a reestruturação mundial de capital em centralizações,

a acumulação de capital com controle centralizado. Carroll analisa em

detalhes o funcionamento e a origem dessas instituições. Mostra como

estão interconectadas e localizadas e como as maiores corporações

transnacionais, as 500 maiores, controlam-nas por meio da ocupação de

cargos por seus executivos. Destaca o papel dessas instituições na

estruturação da ideologia neoliberal que define as políticas e as estratégias

por dentro dos aparelhos de comando dos Estados nacionais,

subordinando-os à lógica do processo mundial de acumulação de capital e

ao processo de centralização.

[…] by the closing of twentieth century a well-

integrated transnational corporate community had

formed, and that neoliberal policy groups, themselves

vehicles of globalization, were instrumental in its

formation. […] They educate publics and states on the

virtue of the neoliberal paradigm. In short, they are

agencies of political and cultural leadership, whose

activities are integral do the formation of a

transnational capitalist class. (CARROLL, 2010, p.54-

55).

Os Estados nacionais estão dispersos, enquanto as corporações

transnacionais criaram instituições que as unificam, que formulam políticas

e estratégias globais, instituições que defendem seus pontos de vista e os

disseminam nos encontros e reuniões anuais que juntam no mesmo espaço

executivos, políticos e seus intelectuais orgânicos (principalmente

economistas).

O capital transnacional está organizado centralmente, os Estados

não. Essa dispersão de forças torna mais fácil o controle sobre os Estados

que aparecem como concorrentes dispersos disputando a atração das

corporações transnacionais para seus territórios. Como afirma Michalet

tratando dos Estados do centro, “[…] l’Etat […] deviant un simple facilitateur

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 36 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

de l’activité des enterprise” (MICHALET, 1999, 129-30). O domínio do capital

sobre a política local, pela dispersão, torna-se mais forte. Assim, por atuar

de forma organizada é capaz submeter aos seus objetivos tanto os Estados

do centro como os periféricos.

Transnational policy-planning bodies like the

European Round Table of industrialists have come to

play important roles in the constructing the consensus

within business communities that enables corporate

capital to project influence in political and cultural

domains that transect national borders. […] such

groups comprise a multi-organizational field, within

what has been called global civil society, from which

have emanated visions and policy proposals of a

broadly neoliberal character. (CARROLL, 2010, p.179).

As organizações que subsidiam o capital têm por objetivo abrir o

espaço para a acumulação ampliada mundial, para sua reestruturação, sem

deixar – ao contrário, busca impedir – que ações contra-arrestantes ou em

defesa do interesse nacional, ações que historicamente fizeram parte da

própria natureza do Estado nacional capitalista, atuem para administrar as

contradições internas do próprio processo de acumulação de capital. As

forças contra-arrestantes se enfraquecem e os próprios Estados passam a

atuar em cada espaço local para o interesse do capital transnacional.

O Estado capitalista sempre atuou como regulador do processo de

acumulação, como regulador dos contratos que permitem a apropriação do

valor criado socialmente e sua reaplicação no processo de acumulação

(WOOD, 2014, p.106). Mantém essa atividade, mas tem agora sobre sua

cabeça e dentro de seus braços burocráticos, intelectuais orgânicos

formados nas grandes universidades da Europa e EUA, principalmente

economistas ortodoxos, que atuam como “técnicos” na formulação de

políticas econômicas defendidas por essas instituições transnacionais sob o

controle do capital transnacional. Esse capital pressiona os Estados por

meio dessas organizações para garantir seu espaço para acumulação sem

limites. As “corporações atuam no mundo, enquanto as instâncias

37 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

reguladoras [Estados] estão fragmentadas em 200 países” (DOWBOR,

2017, p.47), e, por isso, têm poder de interferir política e ideologicamente

sobre eles.

O poder sobre os Estados fica claro quando as corporações Norte-

americanas com negócios na China forçam o Governo dos EUA a abandonar

“silenciosamente suas políticas de condicionalidade” que impunham

restrições econômicas ao Governo de Pequim, forçando o governo Clinton

em 1994 a suspender as medidas contra a China (veja KISSINGER, Sobre a

China, 2011 p.451). A mesma lógica pode ser vista no documentário “The

Brussells Business: Who runs Europe”2 que mostra o trabalho de lobby das

grandes corporações sobre o Parlamento Europeu.

[...] os analistas do pensamento dominante observam

despreocupadamente que “as grandes empresas

controlam totalmente a máquina de governo”

([palavras de] Robert Reich), reiterando a observação

de Woodrow Wilson [...] de que “os donos do governo

dos Estados Unidos são os capitalistas industriais

associados. (CHOMSKY, 2006, p.230).

CONCLUSÃO

Como resultado do processo histórico de acumulação,

concentração e centralização de capital, a grande corporação se tornou

transnacional. Isso significa que, como estrutura empresarial produtiva e

financeira ultrapassou as fronteiras nacionais. Algumas delas perderam

neste processo inclusive sua nacionalidade por processo de fusão,

aquisição, jointventure.

Os Estados continuam nacionais e permanecem essenciais ao

processo de acumulação de capital em suas diferentes fases tanto de

expansão como de retração. O capital como frações de classe que

2 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=QFevdq4wZRw>. Acesso em

jan. 2018.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 38 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

constituem blocos no poder sempre esteve dentro da estrutura do Estado,

de seus aparelhos, materializando a simbiose entre econômico e político. A

lógica do clássico imperialismo já demonstrava essa relação.

Como resultado da própria natureza do processo de acumulação,

concentração e centralização que caracteriza o movimento do capital no

capitalismo, a corporação tornou-se cada vez mais forte e transnacional.

Organizou-se, nesse processo, inclusive em torno de instituições que

tornaram mais explícito e eficiente seus mecanismos de pressão e controle

sobre os aparelhos de Estado, de todos os Estados. As políticas

liberalizantes que caracterizaram os anos 1990 e a primeira década de 2000

demarcam essa relação entre capital e Estado. O capital penetrou as

estruturas do Estado.

Nesse contexto, pela estrutura constitutiva do próprio Estado

capitalista, a democracia como se apresenta não é e não pode ser

substantiva porque delimitada em um espaço formal, institucional, nos

marcos da ação do Estado para a reprodução da sociedade capitalista. As

formas de organização social atuais, as formas da democracia nesses

marcos tornam muito difícil uma democracia representativa substantiva,

uma democracia que “parte do Homem e faz do Estado o Homem

subjetivado, [...] onde o homem não existe em razão da lei, mas a lei existe

em razão do homem [...] [onde] a constituição, a lei, o próprio Estado, é

apenas uma autodeterminação de um conteúdo particular de povo [...]”. O

autor ainda completa afirmando que “[...] na verdadeira democracia o

Estado político desaparece [...]” (MARX, 2005, p.50-1). Ou, como diz

Boaventura de Souza Santos, “Radicalizar a democracia significa intensificar

sua tensão com o capitalismo” (SOUSA SANTOS, 2016, p.126).

39 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARROLL, W.K. The Making of a Transnational Capitalist Class: corporate power in the 21st century. ZLondo-New York: Zed Books, 2010. CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1995. CHOMSKY, N. Os Estados fracassados: o abuso do poder e o ataque à democracia. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. CHOMSKY, N. Quem manda no mundo? São Paulo: Planeta, 2017. CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1986. COHEN, E.D. Multinational Corporations and Foreign Direct Investment: avoiding simplicity, embracing complexity. New York: Oxford, 2007. DICKEN, Peter. Global Shift: the internationalization of economic activity. London: Paul Chapman Publishing, 1992. DOWBOR, L. A era do capital improdutivo: a nova arquitetura do poder; dominação financeira, sequestro da democracia e destruição do planeta. São Paulo: Outras Palavras, 2017. HODGSON, G. Economia e Instituições: manifesto por uma economia institucionalista moderna. Portugal – Oeiras: Celta, 1994. HYMER, S. Empresas Multinacionais: a internacionalização do capital. Rio de Janeiro: Graal, 1978. KISSINGER, H. Sobre a China. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011. KORTEN, David C. Quando as corporações regem o mundo. São Paulo: Futura, 1996. MARCARO, Alysson L. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013. MARX, Karl, Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005. MÉSZÁROS, Istvan. A Montanha que Devemos Conquistar: reflexões acerca do Estado. São Paulo: Boitempo, 2015. MÉSZÁROS, Istvan. Para Além do Capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002, p.108.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 40 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

MICHALET, C-A. La séduction des Nations ou comment attire les investissements. Paris: Economica, 1999. PALLOIX, Crhistian. As Firmas Multinacionais e o Processo de Internacionalização. Lisboa: Estampa, 1974. POULANTZAS, Nicols. Classes in Contemporary Capitalism. London: NLB, 1976. POULANTZAS, Nicols. O Estado, o Poder, o Socialismo. Rio de Janeiro: Graal, 1985. SKLAIR, L. The transnational capitalist class. Oxford-UK/Victoria-Australia: Blackwell, 2001. SOUSA SANTOS, Boaventura. A difícil democracia: reinventar as esquerdas. São Paulo: Boitempo, 2016. WILLIANSON, Oliver. The Economic Institutions of Capitalism. New York: The Free Press/Macmillan, 1985. WOOD, Ellen. Democracia Contra Capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2003. WOOD, Ellen. O Império do Capital. São Paulo: Boitempo, 2014.

41 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

A FIBRIA E O “NOVO” PAPEL DO ESTADO NO CAPITALISMO BRASILEIRO: DO “ESTADO -

EMPRESÁRIO” AO “ESTADO-EMPRESA”

FIBRIA AND THE "NEW" ROLE OF THE STATE IN

BRAZILIAN CAPITALISM: FROM THE "STATE-

ENTREPRENEUR" TO THE "STATE-ENTERPRISE"

João Roberto Lopes Pinto1

Felipe Fayer Mansoldo2

RESUMO

O presente artigo foca as relações entre grupos econômicos e Estado no

Brasil contemporâneo, discutindo sobre o que seria um "novo" papel do

Estado no contexto pós-privatizações de consolidação do capitalismo

monopolista, examinando se e em que medida tais relações tem

representado uma prevalência dos interesses privados sobre os interesses

públicos através de uma colonização do direito público pelo direito privado,

e tendo por método analisar, a partir de um quadro teórico marxista, a

trajetória de relações entre o BNDES e a FIBRIA.

PALAVRAS-CHAVE: BNDES. Financiamento Público. Grandes corporações.

1 Professor da Escola de Ciência Política da UNIRIO, onde é coordenador do

ECOPOL/NELUTAS, e do Departamento de Ciências Sociais da PUC-RJ. Doutor em

Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (2004),

com doutorado sanduíche pela Universidade de Nanterre (Paris X). E-mail:

[email protected]. Currículo Lattes disponível em:

<http://lattes.cnpq.br/1548806483243192>.

2 Professor Substituto de Direito Processual Civil da UFJF, Departamento de Direito

Público Formal e Ética Profissional. Pesquisador associado ao HOMA. Mestre em

Direito e Inovação, linha de pesquisa em Direitos Humanos, pela UFJF (2017). E-mail:

[email protected]. Currículo Lattes disponível em:

<http://lattes.cnpq.br/2208552201295005>.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 42 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

ABSTRACT

This paper focuses on the relations between economic groups and the

State in contemporary Brazil, discussing what would be a "new" role for the

State in the post-privatization context of the consolidation of monopoly

capitalism, examining if and to what extent such relations have represented

a prevalence of private interests over public interests through a

colonization of public law by private law, and having as a method to analyze,

from a theoretical Marxist framework, the trajectory of relations between

BNDES and FIBRIA.

KEYWORDS: BNDES. Public Founding. Large Corporations.

INTRODUÇÃO

As privatizações nos anos 90 do século passado introduziram

novas tendências no capitalismo brasileiro que seguem e aprofundam suas

feições desde então. Certamente, não se trata de um movimento inercial,

linear sem contradições, tensões e alterações de ritmo e direção ao longo

do período. Muito embora ainda se precise avançar na reflexão sobre a

reorganização capitalista nas últimas duas décadas, estudos recentes3 são

indicativos de algumas destas tendências, das quais se destacam:

a) Mudança no padrão de atuação do Estado, como agente

econômico direto, atuando como Estado-empresário até meados dos anos

1980, para outro, em que o Estado assume um papel auxiliar na estrutura e

dinâmica dos negócios em proveito da consolidação de um capital

monopolista no Brasil.

3 Sobre estudos recentes que tratam da reorganização do capitalismo no Brasil ver

Boito, 2007; Pinto et alli, 2011; Lazzarini, 2011 e 2015; Garcia, 2012; Rocha, 2013;

Bugiato, 2016; e Campos, 2014 e 2017.

43 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

b) Formação de grandes grupos privados domésticos, de caráter

monopolístico, nos setores de commodities (mineração, siderurgia, papel e

celulose, alimentos e petroquímica), bancário e infraestrutura (rodovia,

ferrovia, geração e distribuição de energia) com forte presença do capital

público, via financiamento de bancos públicos e participações minoritárias

de empresas públicas e fundos institucionais nas firmas privatizadas

(notadamente, BNDES, Eletrobras, Petrobras, Previ, Petros e Funcef).

c) Domínio do capital financeiro sobre a estrutura de propriedade

destes grupos privados, por meio da atuação de grandes bancos, fundos de

investimento e holdings.

d) Desnacionalização de setores intensivos em capital, a exemplo do

setor de telecomunicações e eletroeletrônicos; e presença estrangeira

minoritária, mas crescente, nos setores de commodities, bancário e

infraestrutura.

e) Internacionalização do capital por grupos privados constituídos no

pós-privatização, contando normalmente com o apoio do Estado e sendo

realizada por meio de fusões e aquisições, joint-ventures, lançamento de

ações em praças estrangeiras.

O presente artigo, resultado de uma parceria entre os grupos de

pesquisa ECOPOL – “Estado, grupos econômicos e políticas públicas no

Brasil” da UNIRIO e o HOMA – “Centro de Direitos Humanos e Empresas” da

UFJF, discute a relação do BNDES com a FIBRIA, maior produtora de papel

e celulose do mundo, constituída a partir da aquisição da Aracruz Celulose

pela Votorantim Industrial, em 20094. Na verdade, a trajetória da Aracruz

até a sua aquisição pela Votorantim e o papel desempenhado aí pelo BNDES

4 Pesquisa que envolveu as professoras Manoela Roland (UFJF) e Sílvia Pinheiro

(FGV-RJ) e o professor João Roberto Lopes Pinto (UNIRIO); os pesquisadores da UFJF

Luiz Carlos Silva Faria Jr, Felipe Fayer Mansoldo, Giulia Fardim, Enya Barros, Henrique

Machado e Guilherme Dominato; a pesquisadora da FGV-RJ Bianca Fortes Villaça; e

os pesquisadores da UNIRIO Lorena Lira, Gustavo Galvão Pedro, Lucas Nasra e Tayná

Paolino. Agradecimentos ao professor Rodolfo Noronha (UNIRIO) e aos

pesquisadores, também da UNIRIO, Fernanda Abi-Chain e Vinícius Valentim, que

fizeram a revisão do texto.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 44 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

se constituem em um claro exemplo das tendências acima descritas,

permitindo, assim, melhor compreendê-las, bem como uma maior

aproximação sobre o seu sentido e direção.

1. TENDÊNCIAS

A mudança no padrão de atuação do Estado no capitalismo

contemporâneo não é, como sabido, uma particularidade brasileira. Embora

a figura do “Estado-empresário” ou “Leviatã como empreendedor” –

instrumento, por excelência, de viabilização da infraestrutura e indústria de

base necessárias ao desenvolvimento capitalista –, ainda esteja presente

em muitas economias do mundo, percebe-se uma variação de tendência a

partir dos anos 1980. A onda de privatizações do final do Século XX, seja por

meio da venda de ativos em mãos do Estado seja por meio das parcerias

público-privadas, têm levado a um reposicionamento do Estado frente aos

agentes privados, que tendem, por sua vez, a uma elevada e crescente

concentração de poder econômico. Como afirma Sérgio Lazzarini:

O declínio do modelo em que o governo agia como

empreendedor, na condição de proprietário e gestor

de empresas, foi consequência de dois choques

macroeconômicos. Primeiro, com os choques do

petróleo vieram a inflação, os controles de preços e os

prejuízos das empresas estatais. Segundo, nos

Estados Unidos, o Federal Reserve reagiu à alta da

inflação na década de 1970 com o aumento radical da

taxa de juros, o que acarretou uma série de crises nos

países em desenvolvimento (LAZZARINI, 2015, p. 54).

Assiste-se a partir daí a introdução de novas variedades de

“capitalismo de Estado”, não mais centrado no “estado empresário”,

avançando para novas formas em que o Estado se preserva como acionista

controlador, possibilitando a participação de investimentos privados

(“Leviatã como investidor majoritário”), ou, ainda, como acionista

45 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

minoritário, renunciando ao controle das empresas em favor dos

investidores privados (“Leviatã como investidor minoritário”). Embora estas

formas de participação estatal não sejam inteiramente novas, elas tendem

a ser dominantes na relação público privado no contexto pós-privatizações.

As privatizações características do período não foram, portanto,

tão abrangentes quanto retrata a literatura. Em boa parte dos casos se

trataram de privatizações parciais, em que o Estado ou se manteve como

controlador ou como investidor minoritário. Esse foi o caso brasileiro, em

que por meio de empresas públicas e fundos de pensão o Estado se

manteve como sócio de empresas privatizadas.

O desenvolvimento do capitalismo no Brasil foi, como é

interpretação corrente na literatura, capitaneado pelo Estado, na figura do

“Estado desenvolvimentista”, assegurando, via estatais e processo de

“substituição de importações”, os investimentos necessários em

infraestrutura (transporte e energia) e na indústria de base e insumos.

Este modelo se aprofunda no contexto de associação ao capital

monopolista multinacional, que passa a investir nos setores de bens de

consumo duráveis (automotivo, eletroeletrônicos), particularmente após o

Golpe Empresarial-Militar de 64 (DREIFUSS, 1984). O capital privado

nacional, tradicionalmente vinculado ao setor de bens de consumo não

duráveis (têxtil, calçados, alimentos e bebidas), amplia sua atuação, sob o

patrocínio do Estado, nos setores de insumos básicos, peças e

equipamentos, construção civil e financeiro – configura-se aí o famoso

modelo do “tripé”, segundo a nomeação dada por EVANS (1977),

envolvendo o capital estatal e o privado (nacional e estrangeiro).

Com a crise do petróleo nos anos 1970, o crescente endividamento

público e a liberalização dos mercados esgota-se a via da “substituição de

importações” e do ativismo econômico do Estado em favor das

privatizações e da chamada “inserção competitiva” no capitalismo global. O

capital privado nacional e o estrangeiro avançam sobre o capital estatal

sem, contudo, dispensá-lo como sócio garantidor de seus negócios.

Nos últimos cinqüenta anos, a concentração e centralização de

capitais por certas frações da burguesia brasileira obedeceram, pois, a dois

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 46 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

padrões de acumulação, definidos em função de formas específicas de

inserção do Brasil no capitalismo global. Um primeiro, que se estende até o

início dos anos 80, caracterizado pelo modelo de “substituição de

importações”, com forte suporte e indução de políticas concentracionistas

e de um Estado empreendedor, respondendo aos espaços abertos pela

penetração do capital multinacional nos setores mais dinâmicos da

economia. Etapa de avanço da burguesia brasileira para além dos setores

tradicionais, em direção aos setores financeiros, de insumos básicos,

agroindústria e construção civil (CAMPOS, 2014).

A segunda fase seria marcada pelo esgotamento do modelo

anterior e sua transição em direção a um padrão de inserção internacional,

no contexto de liberalização econômica e globalização dos mercados

financeiros. Quando frações da burguesia brasileira que haviam alcançado

hegemonia no período anterior aprofundam ainda mais seu processo de

concentração e centralização por meio seja de fusões e aquisições em meio

à abertura de mercado; seja do controle, via privatizações, de grande

volume de ativos públicos, ao mesmo tempo em que seguem contando com

aportes do Estado, via participações societárias e crédito subsidiado

(ROCHA, 2013).

Com efeito, tais frações consolidam posições exatamente nos

setores anteriormente sob o comando do Estado, notadamente de

indústria pesada, insumos básicos, bancos, infraestrutura e energia, além

dos setores onde já possuíam força a exemplo da construção civil e

agroindústria5. Posições societárias compartilhadas, dispostas em cadeias

verticalizadas, piramidais, com o controle centralizado invariavelmente em

holdings, caracterizam as estruturas de propriedade dos grandes grupos

privados no pós-privatização. Outra característica destes grupos privados é

5 Como exemplos mais notórios destes grupos privados: Grupo Votorantim/FIBRIA,

Gerdau, Organizações Globo/Net, Cosan, Fundo Tarpon/Perdigão/Sadia,

Vicunha/CSN, Itaú/Eucatex/Brasileira Metalurgia & Mineração, Andrade Gutierrez, La

Fonte/Oi, Odebrecht, Camargo Correa, OAS, Bradesco/Vale, Fundo Gávea

Investimentos, Grupo Ultra/Ipiranga, Banco Safra, JBS/Friboi/Seara/Vigor.

47 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

de que são de base familiar, ou seja, suas holdings controladoras são de

propriedade de membros de uma ou mais famílias6.

Suportadas por fundos públicos, como no caso do papel

desempenhado pelo BNDES, BNDESPAR e fundos de pensão das estatais,

as frações hegemônicas da burguesia brasileira teriam alcançado a partir

daí e, mais ainda, no contexto pós-crise financeira de 2008, um caráter

monopolista, mantendo com o capital transnacional posições

compartilhadas e/ou de divisão de mercado. Na última década, a chamada

política das “campeãs nacionais” representou o reforço das posições destas

frações monopolistas da burguesia brasileira no setor de commodities

(notadamente, mineração e siderurgia, papel e celulose, agronegócio),

onde teríamos “vantagens comparativas” no mercado globalizado.

Como decorrência desse caráter monopolista da burguesia

brasileira e também de políticas públicas nesta direção – por meio do

Itamaraty e BNDES –, assiste-se o processo recente e agressivo de

internacionalização ou multinacionalização de empresas brasileiras,

particularmente em direção à América Latina e África, exponenciado na

última década (GARCIA, 2013; BUGIATO, 2016)7.

De uma fase à outra, o Estado vê reduzida a sua atividade

econômica, assumindo um papel auxiliar na estrutura e dinâmica dos

negócios em favor da formação de um capital monopolista. Se no primeiro

momento, assiste-se, de certa forma, a uma ascendência do Estado sobre a

burguesia interna, no segundo, o Estado se vê em meio a uma forte disputa

por hegemonia entre diferentes frações do capital monopolista (Boito,

2007; Bugiato, 2016)8.

6 Como no caso das famílias Ermírio de Moraes (Votorantim), Camargo Correa,

Odebrecht, Setubal/Vilela/Moreira Sales (Itaú), Roberto Marinho (Globo), Lázaro

Brandão (Bradesco), Andrade Vieira (Andrade Gutierrez), Jereissati (La Fonte),

Ometto (Cosan), Irmãos Sobrinho (JBS), Steinbruch (Vicunha), Gerdau, Safra.

7 Apenas na primeira década deste século, o estoque de investimento direto no

exterior por empresas brasileiras mais do que quadruplicou, ultrapassando os US$

200 bilhões.

8 Embora estejamos aqui de acordo com as leituras que apontam para um

fortalecimento da “burguesia interna” a partir das políticas operadas pelos governos

Lula e Dilma, o que o presente trabalho pretende problematizar é, exatamente, a

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 48 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

No plano retórico, esta mudança do papel do Estado tende a

alimentar um debate tão recorrente quanto pouco esclarecedor em torno

das disjuntivas “capitalismo de Estado” e “capitalismo de negócios”,

“(neo)desenvolvimentismo” e “social-liberalismo”, ou, ainda,

simploriamente Estado e mercado. Tais disjuntivas são falaciosas pelo

simples motivo de que o capitalismo, como admitem até os mais

empedernidos neoliberais, não pode prescindir do Estado. Por outra parte,

o “dilema” se torna ainda mais falso, senão anacrônico, quando se constata

que, na verdade, ele encobre hoje disputas entre frações da burguesia

monopolista sobre os recursos financeiros, legais e administrativos do

Estado, bem como sobre a natureza e os objetivos da intervenção

governamental.

Os (neo)liberais, críticos cínicos9 da presença do Estado na

economia, alegam que quanto maior ela for maior será o risco de

intervencionismo, dirigismo, autoritarismo e ineficiência econômica. O

liberal Lazzarini se vale, na obra Capitalismo de Laços (2011), do termo de

Andrei Shleifer da “mão espoliadora” referindo-se ao caráter prejudicial da

participação do Estado nos negócios.

Não reconhecem que uma maior presença do Estado em serviços

e infraestrutura sociais, por exemplo, seja necessária, nem tampouco que

tal presença possa também assegurar o abastecimento de bens essenciais

e induzir à geração de empregos. Contudo, nos dias que se seguem, a tal

crítica liberal ao “capitalismo de Estado” parece se dirigir, agora, a um outro

alvo. Para além da função propriamente econômica, uma maior participação

do Estado implica estender o alcance do direito público sobre o direito

privado. Eis aí o que os liberais, porta-vozes das oligarquias financeiras,

idéia de uma “retomada do papel do Estado”, discutindo os limites e a natureza da

“nova” atuação do Estado em favor de uma acumulação, agora em bases

monopolísticas.

9 Cínicos no sentido atribuído por Sloterdijk, que observa o cinismo como “falsa

consciência esclarecida” ou “consciência infeliz”, que “não se sente mais aturdida por

nenhuma crítica ideológica; sua falsidade já está reflexivamente conformada”

(SLOTERDIJK, 2012, p. 32).

49 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

pretendem desconstruir: a função pública do Estado, subordinando-o ao

direito privado, aos interesses monopolistas do capital financeiro10.

Como afirmam Dardot e Laval:

Não basta constatar a continuidade do Estado, ainda é

preciso analisar de perto seus objetivos e os métodos

que emprega. Muito freqüentemente esquecemos

que o neoliberalismo não procura tanto a ‘retirada’ do

Estado e a ampliação dos domínios da acumulação do

capital quanto à transformação da ação pública,

tornando o Estado uma esfera que também é regida

por regras de concorrência e submetida a exigências

de eficácia semelhantes àquelas a que se sujeitam as

empresas privadas (DARDOT E LAVAL, 2016, p. 272,

grifo dos autores).

Esta mudança conduz, segundo os autores, a uma subversão dos

fundamentos democráticos do Estado de direito, conduzindo mesmo a

sociedade a uma realidade de “pós-democracia”. “Essa mutação

empresarial, afirmam Dardot e Laval, não visa apenas a aumentar a eficácia

e reduzir os custos da ação pública; ela subverte radicalmente os

fundamentos modernos da democracia, isto é, o reconhecimento dos

direitos sociais ligados ao status de cidadão (...) É essa nova concepção

‘desencantada’ da ação pública que leva a ver o Estado como uma empresa

que se situa no mesmo plano das entidades privadas, um ‘Estado-empresa’

que tem papel reduzido em matéria de produção do ‘interesse geral’” (Op. Cit.,

p. 274, grifo nosso).

Quando, com as privatizações, o Estado deixa o controle de

empresas acomodando-se ao papel de sócio minoritário, isso significa, na

verdade, uma “reprivatização” ou uma “dupla privatização”. Ao abrir mão

do controle, sem deixar de participar da empresa privatizada, mas agora de

10 Vale dizer que, mesmo partindo de raciocínio diverso, os partidários do

“neodesenvolvimentismo”, ao não qualificarem o significado da “maior presença do

Estado” nos governos Lula e Dilma, correm o risco de, igualmente, justificarem a

desconstrução da função pública. Argumentamos nesta direção em outro artigo

(Pinto, 2017).

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 50 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

forma minoritária, o Estado torna-se sócio da empresa, abdicando da sua

função pública. Parece ser este, exatamente, o ideal dos liberais hodiernos,

ou seja, menos Estado e mais recursos públicos para assegurar a rentabilidade

do negócio.

Não por acaso, Lazzarini defende, entre os modelos de

“capitalismo de Estado”, justamente o modelo do “Leviatã como investidor

minoritário”. Nas palavras do autor, “em nossa opinião, esse modelo de

capitalismo de Estado está menos sujeito aos problemas de agência e às

injunções sociais que afligem as empresas sob a propriedade e o controle

integral do governo. Além disso, a intervenção política deve ser baixa ou

mínima (embora presente) nesta forma de propriedade estatal”

(LAZZARINI, 2015, p. 19, grifo nosso)11. Nestes termos, a participação do

Estado só valeria enquanto favorecesse os negócios, ou seja, desde que o

Estado assuma uma lógica de mercado, eminentemente comercial, em vez

de pública.

Estaríamos assistindo, como afirmam Dardot e Laval, o domínio da

“razão neoliberal” sobre todas as esferas da vida social, inclusive sobre o

próprio Estado:

Resulta desta primazia absoluta do direito privado,

afirmam os referidos autores, um esvaziamento

progressivo de todas as categorias do direito público

que vai no sentido não de uma ab-rogação formal

destas últimas, mas de uma desativação de sua

validade operatória. O Estado é obrigado a ver a si

mesmo como uma empresa, tanto em seu

funcionamento interno como em sua relação com os

outros Estados. Assim, o Estado, ao qual compete

construir o mercado, tem ao mesmo tempo de

construir-se de acordo com as normas do mercado

(DARDOT E LAVAL, 2016, p. 378, grifo nosso).

11 Lazzarini parece aqui fazer um “acerto de contas”, uma revisão de suas próprias

idéias, apresentadas em sua obra “Capitalismo de Laços”, de 2011. Nela, o autor

desenvolve uma análise crítica sobre os “laços” entre Estado e agentes privados no

contexto pós-privatizações. Embora crítico do Governo Lula, que teria acentuado tais

relações, Lazzarini atribui ao Governo FHC a introdução deste novo padrão de

atuação do Estado no capitalismo brasileiro.

51 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Embora se trate, efetivamente, de um novo papel assumido pelo

Estado, pode-se ressalvar que, apesar das mutações na natureza da ação

pública, o Estado segue favorecendo a acumulação capitalista. Pois bem, o

fato é que as transformações na natureza da ação do Estado, tornado

“Estado-empresa”, correspondem justamente a mudanças no padrão de

acumulação capitalista, sob o atual domínio do capital monopolista,

financeiro. Antes de prosseguir na análise do desenvolvimento recente do

capitalismo brasileiro à luz do caso da FIBRIA, importa, pois, apresentar

alguns referenciais teórico-conceituais acerca das definições de Estado

Capitalista e capital monopolista empregadas neste trabalho.

2. APONTAMENTOS

2.1 ESTADO CAPITALISTA

Sem nos perdermos em digressões teóricas, importa por clareza

político-conceitual fazer aqui remissão ao pensamento marxista de Nicos

Poulantzas sobre o Estado capitalista. Para ele, a materialidade do Estado,

ao mesmo tempo em que é constitutiva das relações de produção, também

é “condensação de uma relação de forças entre classes e frações de classe”.

Mas, como reconhece o autor, os poderes de classe não são redutíveis ao

Estado e sempre transcendem seus aparelhos. A primazia cabe, pois, à luta

de classes, pois “na complexa relação luta de classes/aparelhos, são as lutas

que detém o papel primordial e fundamental” (POULANTZAS, 2000, p. 36)12.

Compreender o Estado desse modo (como

condensação de uma relação), vai dizer Poulantzas, é

evitar os impasses do eterno pseudo dilema da

discussão sobre o Estado, entre o Estado concebido

como Coisa-instrumento e o Estado concebido como

12 Para uma boa síntese sobre a trajetória do pensamento de Poulantzas acerca do

Estado capitalista ver Codato, 2008.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 52 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Sujeito. O Estado como Coisa: a velha concepção

instrumentalista do Estado, instrumento passivo,

senão neutro, totalmente manipulado por uma única

classe ou fração, caso em que nenhuma autonomia é

reconhecida ao Estado. O Estado como Sujeito: a

autonomia do Estado, considerada aqui como

absoluta, é submetida a sua vontade como instância

racionalizante da sociedade civil. Concepção que

remonta a Hegel, retomada por Max Weber e a

corrente dominante da sociologia política (a corrente

'institucionalista-funcionalista'). Ela relaciona esta

autonomia ao poder próprio que o Estado passa a

deter e com os portadores desse poder e da

racionalidade estatal: a burocracia e as elites políticas

especialmente (Op. Cit., p. 131).

Tal compreensão dissipa, igualmente e por completo, a suposta

dualidade liberal entre Estado e mercado13. Sobre a relação do Estado com

as classes dominantes, o autor argumenta que o Estado assume o papel de

representar e organizá-las (a burguesia) enquanto tais. Importa assinalar

que, para ele, a burguesia se apresenta sempre como que dividida em

frações de classe, seja pelo lugar ocupado na produção (financeiro,

industrial, comercial); seja pela convivência entre diferentes modos de

produção, como na persistência da classe proprietária de terra; pela

distinção entre capital monopolista e não-monopolista; ou, ainda, pela

distinção entre burguesia internacionalizada e burguesia interna.

13 Muito embora, para efeito da análise aqui proposta, a referência seja Poulantzas,

não se deve perder de vista o alinhamento desta perspectiva com a visão de “Estado

ampliado” de Gramsci. Nas palavras deste autor “a formulação do movimento de

livre-câmbio baseia-se num erro teórico cuja origem prática não é difícil identificar,

ou seja, baseia-se na distinção entre sociedade política e sociedade civil, que de

distinção metodológica é transformada e apresentada como distinção orgânica.

Assim, afirma-se que a atividade econômica é própria da sociedade civil e que o

Estado não deve intervir em sua regulamentação. Mas, dado que sociedade civil e

Estado se identificam na realidade dos fatos, deve-se estabelecer que também o

liberalismo é uma ‘regulamentação’ de caráter estatal, introduzida e mantida pela via

legislativa e coercitiva” (GRAMSCI, 2000, p. 47).

53 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Cabe, pois, ao Estado organizar e unificar a diversidade conflituosa

das frações burguesas como classes dominantes, configurando o que

Poulantzas nomeia de “bloco no poder”. No dizer do autor, “em termos

corretos, o Estado capitalista, através do jogo interno das suas instituições,

torna possível, na sua relação com o campo da luta política de classe,

relação esta concebida como fixação de limites, a constituição do bloco no

poder” (POULANTZAS, 1977, p. 225).

A dominação política das classes ou frações de classe burguesas,

expressa no “bloco no poder”, não se dá sem conflito no seu interior, cujo

equilíbrio instável se faz, invariavelmente, sob a direção de uma classe ou

fração hegemônica no interior do “bloco”, assegurada igualmente pelo

Estado.

Sem cair no terreno das argumentações abstratas e formalistas é

o próprio autor que faz a indagação: “Como se estabelece concretamente

esta política do Estado em favor do bloco burguês no poder?”

(POULANTZAS, 2000, p. 130). Poulantzas rejeita aí qualquer interpretação

instrumentalista do Estado, como se houvesse uma dependência direta da

máquina estatal relativa a essa classe ou fração hegemônica. Na verdade,

argumenta Poulantzas, “o Estado pode preencher essa função de

organização e unificação da burguesia e do bloco no poder, na medida em

que detém uma autonomia relativa em relação a tal ou qual fração e

componente desse bloco, em relação a tais ou quais interesses

particulares” (Op. Cit., p. 129).

Tal “autonomia relativa” seria conferida pelas contradições

existentes entre as frações no interior do bloco no poder e delas também

em relação às classes dominadas. Contradições essas que se expressam no

seio do Estado, assumindo a forma de contradições internas entre os

diversos ramos e aparelhos do Estado. “É o jogo dessas contradições na

materialidade do Estado que torna possível, por mais paradoxal que possa

parecer, a função de organização do Estado... Essa autonomia não é, assim,

uma autonomia do Estado frente às frações do bloco no poder, ela não

advém da capacidade do Estado de se manter exterior a elas, mas a

resultante do que se passa dentro do Estado” (Op. Cit., p. 136 e p. 138).

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 54 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Bem entendido, Poulantzas reconhece que as diferentes frações

no interior do bloco só participam da dominação política na medida em que

estão presentes no Estado, ou seja: “Cada ramo ou aparelho de Estado...

constitui a sede do poder, e o representante privilegiado, desta ou daquela

fração do bloco no poder, ou de uma aliança conflitual da algumas dessas

frações contra as outras” (Op. Cit., p. 135). A organização da unidade do

bloco no poder se faz, portanto, por meio de:

Toda uma cadeia de subordinação de determinados

aparelhos a outros, e pela dominação de um aparelho

ou setor do Estado, o que cristaliza por excelência os

interesses da fração hegemônica sobre outros setores

ou aparelhos, centros de resistência de outras frações

do bloco no poder (Op. Cit., p. 140).

No contexto atual do capital monopolista, que Poulantzas já em

1979 identificava com o avanço neoliberal e a derrocada do “Estado-

Providência ou Estado bem-estar”, o autor argumenta que a hegemonia da

fração monopolista no interior do bloco se expressa por meio do controle

de dispositivos e aparelhos que centralizam o poder no interior do Estado14:

A unidade-centralização do Estado, em favor

atualmente do capital monopolista, se estabelece

portanto, vai dizer o autor, por um complexo

processo: por transformações institucionais do Estado

de tal forma que alguns centros de decisão,

dispositivos e núcleos dominantes, só podem ser

permeáveis aos interesses monopolistas instaurando-

se como centros de orientação da política de Estado e

como pontos de estrangulamento de medidas

tomadas 'alhures' (porém dentro do Estado) em favor

de outras frações do capital” (Op. Cit., p. 140, grifo

nosso).

14 O autor chega também a ressalvar que, muito embora o domínio monopolista

tenda a restringir a autonomia do Estado, mesmo neste caso ela estaria presente.

55 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Aqui, Poulantzas diverge em relação à visão althusseriana de que

os “aparelhos ideológicos de Estado” atuam sempre de forma “negativa”,

seja pela repressão ou doutrinação ideológica. A eficácia do Estado estaria

aí no que “proíbe, exclui, impede de fazer, ou então no que engana, mente,

oculta ou faz crer”. Aí residem duas ordens de problema, segundo

Poulantzas. De um lado, tal perspectiva não reconhece a presença do poder

político na economia, perdendo-se, assim, de vista o quanto o Estado

“introduz-se no próprio cerne da reprodução do capital”.

De outro, “o maior inconveniente é que isso reduz a especificidade

do aparelho econômico de Estado, diluindo-a nos diversos aparelhos

repressivos e ideológicos, e torna impossível a localização da malha do

Estado onde por excelência se concentra o poder da fração hegemônica da

burguesia” (Op. Cit., p. 32, grifo nosso)15.

A centralidade dos “aparelhos econômicos de Estado”, no

contexto do capitalismo monopolista, implicaria em uma subordinação de

todas as outras funções de Estado à função econômica, configurando o que

o autor nomeia de “estatismo autoritário”. Como afirma o Poulantzas,

“essas funções seguem, numa certa medida, sua lógica própria. Elas não

podem mais estar submetidas à organização do consentimento: elas

colocam em causa a imagem do Estado garantia do bem-estar e interesse

geral, pois denunciam a subordinação do Estado aos interesses do capital”

(Op. Cit., p. 170, grifo nosso). Como de resto se verifica, hoje, na forma como

o Estado brasileiro se subordina à lógica privada em favor da acumulação

em bases monopolistas, abdicando de sua função pública16.

Tais aparelhos se confundem com os “centros de decisão”, que

representam o lócus privilegiado de atuação das frações monopolistas da

burguesia. Constituem-se, como já dito, na “sede do poder”, representante

15 Este inconveniente, segundo Poulantzas, também estaria presente no

pensamento gramsciano.

16 Ressalte-se aqui a semelhança do argumento de Poulantzas com a constatação

feita por Dardot e Laval e anteriormente citada sobre a forma assumida, atualmente,

pelo Estado de “Estado-empresa”, com papel reduzido em matéria de produção do

interesse geral.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 56 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

privilegiado desta ou daquela fração do bloco no poder, ou de uma aliança

conflitual de algumas dessas frações contra as outras17.

No caso brasileiro, tomamos aqui o BNDES como um destes

“centros de decisão” representante dos interesses de frações monopolistas

da burguesia brasileira18. Isso porque, o BNDES assume um papel destacado

no fortalecimento do capital privado nacional ao longo de todo o período,

mais especialmente a partir de 1974, quando assegura uma fonte firme e

estável de recursos via gestão do PIS-PASEP. Como afirma Lazzarini, “antes

de 64, quase 100% dos empréstimos se destinavam ao financiamento de

projetos públicos, fossem diretos, de órgãos governamentais, fossem

indiretos, de empresas estatais. Por volta de 1970, porém, o setor privado

já recebia quase 70% dos empréstimos, e, no final da década, os projetos

públicos ficavam com menos de 20% dos empréstimos” (LAZZARINI, 2015,

p. 280-281).

Antes, porém, de resgatar a trajetória do BNDES como “centro de

decisão” na formação de uma burguesia monopolista no País, cabe fazer

uma breve remissão à categoria de capital monopolista, financeiro.

2.2 CAPITAL MONOPOLISTA

O capital monopolista se define, de um lado, pela concentração da

produção e do capital, tendo por consequência a formação de monopólios,

ou melhor, oligopólios, que exercem controle sobre os mercados; e, de

17 Importante dizer que, para Poulantzas, a hegemonia de frações da burguesia

monopolista não se dá apenas pelo controle de aparelhos burocráticos, de órgãos do

Estado, mas também por meio de dispositivos legais, bem como da materialidade das

próprias políticas governamentais.

18 Certamente, o Estado brasileiro conta com outros “centros de decisão”, a exemplo

de outros “aparelhos econômicos” como o Banco Central, Ministério da Fazenda,

Conselho Monetário Nacional, Conselho de Política Monetária, Banco do Brasil a

Caixa Econômica Federal. Poulantzas argumenta que, em razão de disputas por

hegemonia entre as frações monopolistas da burguesia no interior do bloco no

poder, podem ocorrer mudanças dos “centros de decisão”, ou seja, deslocamento do

poder de um aparelho para outro em razão de alteração na relação de forças entre

as frações monopolistas.

57 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

outro, a interpenetração dos bancos com a indústria, subordinando o

capital produtivo ao capital financeiro.

A concentração e centralização de capitais levando à criação de

firmas monopolistas na indústria e conduzindo, igualmente, à ascensão de

um moderno sistema de crédito em poucos bancos que concentravam as

poupanças de toda a comunidade resultou na vinculação entre os capitais

industrial e bancário, em proveito deste. “A fusão dos dois resultou do fato

de não terem as empresas monopolistas para onde se voltarem de modo a

obter os vultosos financiamentos de que necessitavam para facilitar sua

acumulação, ao passo que os bancos não tinham alternativa lucrativa senão

investir na indústria seus grandes fluxos de fundos” (BOTTOMORE, 1983, p.

48).

Lenin já vislumbrava em 1916 a emergência do capital financeiro,

particularmente na Alemanha, Inglaterra, França e EUA19. Como afirma o

autor “o capital financeiro é o resultado da fusão do capital de alguns

grandes bancos monopolistas com o capital de grupos monopolistas de

industriais” (LENIN, 1982, p. 88).

Entre os elementos definidores do capital financeiro, o referido

autor enumera: a) concentração da produção e do capital atingindo um grau

de desenvolvimento tão elevado que origina os monopólios cujo papel é

decisivo na vida econômica; b) fusão do capital bancário e do capital

industrial, e criação, com base nesse “capital financeiro”, de uma oligarquia

financeira; c) diferentemente da exportação de mercadorias, a exportação

de capitais assume uma importância muito particular; d) formação de

uniões internacionais monopolistas de capitalistas que partilham o mundo

entre si.

As formas de interpenetração do capital bancário junto ao capital

industrial foram também identificadas por Hilferding e Lênin, já no

nascedouro do capital financeiro. Tal interpenetração, traduzida em

domínio pelo capital bancário, se dava pela emissão e propriedade de ações

19 Em sua obra, Lenin desenvolve de modo crítico alguns dos argumentos que já

estavam presentes na obra “O Capital Financeiro” (1910) de Rudolf Hilferding,

primeiro a formular o conceito, analisando em particular o caso alemão.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 58 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

das empresas, bem como de “ligações pessoais”, em que controladores e

administradores dos bancos exerciam o controle e os assentos nos

conselhos de administração das indústrias.

O estudo realizado por Lenin é bastante esclarecedor sobre a

estrutura do capital financeiro, naquele momento ainda em formação. Para

além da constatação da forma assumida pelo capitalismo monopolista, o

estudo antecipa, em muitos aspectos, as implicações deste novo padrão de

acumulação capitalista, que alcança pleno desenvolvimento somente

oitenta anos depois de sua publicação.

“O capital financeiro, vai dizer Lenin, concentrado em algumas

mãos e exercendo o monopólio de fato, obtém da constituição de firmas,

de emissões de títulos, dos empréstimos ao Estado etc., enormes lucros,

cada vez maiores, consolidando o domínio das oligarquias financeiras e

onerando toda a sociedade com um tributo em benefício dos monopolistas

(...) o monopólio, logo que tenha se constituído e reúna milhões, penetra

forçosamente em todos os domínios da vida social, independentemente do

regime político e de todas as outras ‘contingências’ (...) A supremacia do

capital financeiro sobre todas as outras formas de capital significa a

hegemonia dos que vivem de rendimentos e do oligarca financeiro” (Op.

Cit., p. 52,54 e 58, grifo do autor).

Em que pese a importância e validade destes estudos pioneiros

sobre o capital financeiro, bem como de outros que buscaram um maior

aprofundamento sobre as características do capital monopolista como no

estudo de SWEEZY e BARAN (1966) sobre o caso americano, eles não dão

conta da complexidade assumida hoje pelo capital financeiro. Um dos

limites destes estudos está na identificação do capital financeiro com os

bancos e do capital industrial com as empresas cujas atividades são apenas

industriais.

Como afirma BOTTOMORE (1983, p. 50), “tal identificação significa

que formas de articulação entre o capital de financiamento e o capital

industrial que não estão compreendidas nos laços entre os bancos e

empresas ficam excluídas da análise teórica (e de boa parte da investigação

empírica), embora o conceito de capital financeiro pretenda ser mais geral”.

59 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Escapariam, assim, do conceito não apenas outras formas de capital

financeiro, que não o bancário propriamente, como também a forma com

as grandes corporações contemporâneas integram no seu interior as

dimensões financeiras, industriais e comerciais.

Bom exemplo da debilidade empírica resultante dessa

restrição teórica são as modernas empresas

multinacionais, que abrangem a produção industrial,

as atividades comerciais e as atividades bancárias das

transações monetárias e de controle dos fundos de

investimento (na forma de lucros retidos e de reservas

e na forma de empréstimos tomados nos mesmos

grandes mercados monetários de que se valem os

bancos). Elas integram o capital de financiamento e o

capital industrial (e mercantil), mas, como isso ocorre

dentro delas próprias, o conceito de capital financeiro

definido em termos de bancos e empresas não pode,

a rigor, lhes ser aplicado” (Op. Cit., p. 50).

Mais recentemente, com as privatizações e a liberalização

financeira, a dinâmica do capital financeiro se globaliza e se internaliza na

dinâmica dos grupos econômicos, alcançando uma escala e um poderio que

desconhecem fronteiras e Estados nacionais. Como afirmam Dardot e Laval:

A passagem do capitalismo fordista ao capitalismo

financeiro foi marcada também por uma sensível

modificação das regras de controle das empresas.

Com a privatização do setor público, o peso cada vez

maior dos investidores institucionais e o aumento dos

capitais estrangeiros na estrutura de propriedade das

empresas, uma das principais mudanças do

capitalismo foram os objetivos perseguidos pelas

empresas sob pressão dos acionistas. De fato, o poder

financeiro dos proprietários da empresa conseguiu

dos gestores que estes exercessem pressão constante

sobre os assalariados com o intuito de aumentar os

dividendos e as cotações na bolsa. Segundo essa

lógica, a ‘criação de valor acionário’, isto é, produção

de valor em proveito dos acionistas como determinam

os mercados de ações, torna-se o principal critério de

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 60 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

gestão dos dirigentes. (DARDOT; LAVAL, 2016, p.

200).

Os referidos autores apontam também as implicações sociais do

domínio exercido pelo capital financeiro. “O fortalecimento do capitalismo

financeiro, vão dizer, teve outras consequências importantes, sobretudo

sociais. A concentração de renda e patrimônio acelerou-se com a

financeirização da economia” (Op. Cit., p. 201). Não por acaso, o alentado

estudo de Thomas PIKETTY (2014) revela, com base em séries históricas de

vinte países – especialmente EUA, França, Reino Unido, Alemanha e Japão

–, uma “elevação espetacular da desigualdade” de renda e riqueza a partir

dos anos 1970, retomando ao final da última década a patamares de finais

dos críticos anos 1920.

No caso brasileiro, a interpretação corrente é que não chegamos a

constituir um capital financeiro nos termos clássicos, de articulação entre

capital bancário e industrial. TAVARES (1973) argumenta que o movimento

de concentração no setor bancário e industrial brasileiro se realiza sem que

se estabeleçam maiores vinculações entre os setores. “Os dois processos

não foram simétricos, tendo-se desenvolvido até agora com dinâmicas

distintas. Do mesmo modo, não tem havido articulação definida entre a

ação dos principais grupos financeiros, até pouco tempo atrás

majoritariamente nacionais, e a ação das maiores empresas industriais dos

ramos mais dinâmicos (...) Assim, aquela articulação entre capital financeiro

e industrial que permitiria algo semelhante a um processo integrado de

acumulação no pólo capitalístico da economia não parece estar ainda em

vias de realização no Brasil” (Op. Cit., p. 247 e 252).

Com efeito, a formação de um capital monopolista, ou melhor,

oligopolista no País teria se apoiado em políticas protecionistas e

concentracionistas do Estado, bem como por meio do fundo público, em

especial via BNDES. MANTEGA e MORAES (1979) apontam para o papel

desempenhado pelo Estado, já naquele momento, na formação de um

capital monopolista nos setores bancário e financeiro; da construção civil; e

61 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

do setor da indústria pesada. Contudo, a dimensão monopolista e

financeira do capital no Brasil teria se consolidado somente com as

privatizações, não apenas por meio da incorporação pelos grupos privados

do patrimônio público, mas também pela introdução de diferentes

mecanismos financeiros que tendem a exercer o controle, via holdings,

sobre os grupos20.

3. BNDES COMO “CENTRO DE DECISÃO”

Como afirma Poulantzas, alguns “aparelhos econômicos” do

Estado atuam como “centros de decisão” ou “centros de orientação da

política de Estado”, à medida que permeáveis aos interesses monopolistas.

Argumentamos aqui sobre como o BNDES se forjou historicamente como

um destes “centros de decisão”.

Já no I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) de 1971, ao

BNDES seria destinado o papel de impulsionar a empresa brasileira e

capacitá-la para se tornar ‘a grande empresa nacional’. Destaque aí para o

Fundo de Modernização e Reorganização Industrial (FMRI), voltado para

financiar projetos de fusão, incorporação e reorganização técnica e

administrativa, favorecendo a concentração e ganhos de escala. Como

afirma MARTINS (1985), o BNDES cumpriu o papel de “demiurgo da

burguesia nacional”.

Será também em 1974 que o BNDES cria três subsidiárias (FIBASE,

EMBRAMEC E IBRASA21), que atuam como holdings voltadas a alavancar, no

contexto de substituição de importações do II PND, o capital de grupos

20 Sem esquecer dos bancos, que vão também participar dos leilões das

privatizações, na maioria dos casos para logo em seguida realizarem seus ganhos no

mercado, mas também permanecendo como proprietários de importantes empresas,

como no caso do Bradesco na Vale e do Itaú na Brasileira Metalurgia & Mineração,

maior produtora de nióbio do mundo.

21 Foram assim criadas a Mecânica Brasileira S.A. (Embramec), a Insumos Básicos S.A.,

Financiamento e Participação (Fibase) e a Investimentos Brasileiros S.A. (Ibrasa),

voltadas a capitalizar empresas nacionais através de participações acionárias e

financiamento a acionistas.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 62 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

privados nacionais, especialmente nos setores de bens de capital e insumos

básicos – estas subsidiárias serão posteriormente em 1982 fundidas em

uma única holding, o BNDESPAR.

Ao mesmo tempo, com o objetivo de fortalecer a empresa

nacional, o BNDES inaugurou, a partir de 1975, a modalidade de

empréstimos com correção monetária fixa, já que o choque de custos

provocado pela crise do petróleo levara a um aumento de preços, já em

1974, da ordem de 34%. Através do Decreto-Lei nº 1.452, o BNDES passou

a refinanciar o valor da correção monetária que excedesse 20% a.a. No

entanto, nos anos seguintes, a inflação continuou a se acelerar. Na prática,

isso significou um processo de doação de recursos públicos ao setor

privado, estimado em US$ 3,2 bilhões (TAVARES, 2010).

Embora o BNDES se concentrasse no fortalecimento do capital

privado nacional, a dimensão associada deste ao capital estrangeiro fazia

com que muitas vezes este último também se beneficiasse dos

financiamentos do Banco. Vale lembrar, que, muito embora a Lei 4.131 de

1962 regulamentasse a proibição de financiamento de empresas

estrangeiras por bancos públicos, o BNDES financiava, através do Fundo de

Financiamento para Aquisição de Máquinas e Equipamentos Industriais

(FINAME, criado em 1964) a compra por empresas nacionais de máquinas e

equipamentos de grupos estrangeiros. Ademais, como já assinalado, muitas

das empresas nacionais financiadas pelo BNDES, no período, contavam com

participação de capital estrangeiro22.

Com o esgotamento do modelo de ‘substituição de importações’

no contexto da crise da dívida e descontrole inflacionário, o BNDES se

tornou proprietário de empresas em dificuldades financeiras em finais dos

70, a exemplo da Aracruz Celulose, como veremos mais adiante. O Banco

irá, no intuito de se capitalizar, vender algumas destas empresas na

22 As restrições impostas pela Lei 4.131 foram, em boa medida, revogadas pelo

Decreto 2.233, de 1997, que franqueou o financiamento público a empresas

estrangeiras que atuem em atividades de interesse nacional. Sem esquecer a Emenda

N. 06/1995, que tornou sem efeito o Art. 171 da Constituição de 88, que diferenciava

empresa brasileira de empresa de capital nacional.

63 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

segunda metade dos anos 80, o que o habilita a ser o gestor do Plano

Nacional de Desestatização nos anos 90, bem como o principal financiador

e sócio dos consórcios vencedores dos pregões das privatizações.

Na última década, o Banco se torna um dos maiores bancos de

desenvolvimento do mundo em volume de recursos e exponencia seus

aportes aos grandes grupos privados no Brasil, através do crédito

subsidiado e/ou de participações acionárias via BNDESPAR, consolidando o

modelo de participações minoritárias. Constituiu-se aí como um dos

principais instrumentos da política das “campeãs nacionais”. Além de

patrocinar processos de fusões e aquisições no contexto pós-crise

financeira de 2008, o Banco tem financiado a internacionalização de

empresas brasileiras, inclusive através de sua própria internacionalização

como instituição financeira23.

O BNDESPAR fechou o ano de 2015 com uma carteira de ações

compreendendo 116 empresas, totalizando R$ 67,3 bilhões. De modo

similar ao que acontece no caso das operações de crédito, as participações

do Banco se concentram nos setores de Petróleo e Gás, Mineração, Energia

Elétrica, Papel e Celulose, e Alimentos e Bebidas, que ficaram 82,6% da

carteira, com destaque para a liderança do setor de Papel e Celulose, que

sozinho ficou com 22,5%. Segundo consta do próprio Relatório

Administrativo do BNDESPAR, em 31 de dezembro de 2015, o BNDESPAR

possuía representantes em 12 (doze) Conselhos Fiscais e 45 (quarenta e

cinco) Conselhos de Administração no universo de 116 empresas em que

mantinha participação acionária24.

Já no contexto do “Golpe de 16”, que inaugura o ilegítimo Governo

Temer, os conflitos no interior das frações monopolistas da burguesia

brasileira tendem a reorientar a atuação do Banco em favor, sem descurar

23 Em 2013, o BNDESPAR detinha participações em 15 das 30 empresas brasileiras

mais intercionalizadas.

24 Para uma análise mais detalhada dos principais desembolsos do Banco, bem como

das participações do BNDESPAR, no período de 2008 a 2013 ver Pinto 2014a; Pinto

2014b.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 64 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

de todo dos setores da burguesia monopolista interna, de frações

monopolistas profundamente financeirizadas e internacionalizadas.

Evidência disso, o papel assumido pelo BNDES no âmbito do

“Programa de Parceria para o Investimento” (PPI) de patrocinar, via

financiamento e modelagem de projetos, parcerias público-privadas no

setor de infraestrutura (geração e distribuição de energia, saneamento,

portos, aeroportos, rodovias e ferrovias), com regras que asseguram

elevadas taxas de retorno e abertura para investidores estrangeiros,

incluindo aí fundos de investimento25.

Embora ainda prematuro, talvez se possa dizer que o BNDES, a

despeito de se manter como um importante “aparelho econômico de

Estado”, sofre um sensível deslocamento de seu poder, no contexto do

Governo Temer, em favor do Ministério da Fazenda, do Planejamento e do

Banco Central, artífices das reformas e ajustes fiscais draconianos em curso

no País. Vale dizer que os desembolsos do Banco em 2016 retrocederam

aos patamares de 200226.

As medidas anunciadas pelo Governo Temer no final do primeiro

trimestre de 2017 apontam não apenas para um esvaziamento do papel até

aqui desempenhado pelo Banco, mas também para um reforço da lógica

financeira a presidir os negócios. A aproximação progressiva da taxa de

longo prazo, operada pelo Banco, com a taxa de títulos públicos, além da

disponibilização dos recursos do FAT para bancos privados, são claramente

medidas que reduzem enormemente a margem de atuação do BNDES em

proveito da banca privada.

25 Importante chamar a atenção que, mesmo antes das privatizações propostas por

Temer, as concessões para agentes privados no setor de saneamento já estavam em

curso, inclusive com a presença de fundos de investimento (ver a este respeito

<https://www.facebook.com/pg/proprietariosdosaneamento/photos/?tab=album&

album_id=1147546435366441>, acessado em 10 julho de 2017).

26 Uma das medidas do Governo Temer que, deliberadamente, atuaram na retração

da capacidade financeira do Banco foi a exigência de antecipação de R$ 100 bilhões

relativos aos repasses realizados pelo Tesouro.

65 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Cabe, pois, na sequência verificar de que forma o caso da

FIBRIA/BNDES pode ajudar a jogar luz sobre o novo papel que vem

assumindo o Estado no capitalismo brasileiro.

4. TRAJETÓRIA FIBRIA

As constatações preliminares do estudo ECOPOL/HOMA, em

relação à prevalência do direito privado sobre o público na relação entre o

BNDES e a FIBRIA, dizem o quanto é incontornável expormos e debatermos

publicamente os vínculos institucionais dos “aparelhos econômicos de

Estado” com as “frações monopolistas da burguesia”27. Vínculos estes que

põem por terra a presunção liberal de dissociação entre economia e política

e que são responsáveis por estreitar e minar a democracia e o campo dos

direitos sociais.

Antes, contudo, de avançarmos nas questões mais sensíveis

levantadas pelo referido estudo, importa reportar a trajetória que dá

origem à FIBRIA Celulose SA, líder mundial na produção de celulose de

eucalipto, com fábricas localizadas em Três Lagoas (MS), Aracruz (ES),

Jacareí (SP) e Eunápolis (BA), onde mantém a Veracel em Joint-

Operation com a finlandesa Stora Enso. Em sociedade com a Cenibra, opera

o único porto brasileiro especializado em embarque de celulose, Portocel

27 As denúncias no âmbito da Operação Lava-Jato, embora centradas em partidos e

empresas, ajudam a explicitar quão institucionalizadas são as relações privilegiadas

entre grupos privados e “aparelhos econômicos” do Estado brasileiro, independente

do partido de governo de plantão. Para Poulantzas, os “partidos de governo” se

misturam e se vinculam à burocracia pública representante dos interesses

monopolistas. Nas palavras do autor “em razão da politização direta da

administração, é da mesma maneira que os funcionários se agrupam junto ao partido

dominante, que este último introduz na administração seus homens de confiança. (...)

Daí decorre uma série de conseqüências: o bloqueio na circulação do pessoal político;

a criação de toda uma série de interesses corporativistas multiformes baseados na

ocupação de postos, na distribuição de sinecuras, o desvio de dinheiros públicos para

fins partidários, o tráfico de influências entre o partido dominante e o Estado, o

farisaísmo do partido dominante. Traços que sempre caracterizaram o Estado

burguês, mas que tomam atualmente dimensões prodigiosas” (POULANTZAS, 2000,

p. 242, grifos nossos).

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 66 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

(Aracruz, ES). Em 31.12.2016, o valor dos ativos totais da FIBRIA somavam

R$ 34,4 bilhões.

Como foi dito acima, a trajetória da FIBRIA é bastante emblemática

da dinâmica do capitalismo no Brasil, especialmente do papel

desempenhado aí pelo Estado, no caso pelo BNDES. Como a empresa foi

constituída a partir da aquisição, em 2009, da Aracruz Celulose pela

Votorantim Industrial, cabe remontar a própria trajetória da Aracruz28.

Em 1972 foi constituída a Aracruz Celulose, em Barra do Riacho,

município de Aracruz-ES, pela família Lorentzen, de origem norueguesa. Já

em 74, o BNDES aprova um financiamento da ordem de US$ 400 milhões

para a implantação da fábrica de celulose de fibra curta branqueada,

contemplando mais de 55% do valor do projeto. Um ano depois, o BNDES

torna-se sócio da Aracruz, com 38,2% do capital da empresa.

Em meio à crise dos anos 70, a participação do BNDES na Aracruz

chegou a alcançar em 1977, 48% do capital da empresa, configurando um

controle acionário pelo Estado. No contexto das primeiras privatizações

ocorridas no Governo Sarney, o BNDES, que naquela altura detinha 40% do

capital, vende em 1988 para o Banco Safra 28% de suas ações, ficando com

12,5% do capital. Neste momento, a família Lorentzen/Arapar amplia sua

participação de 10% para 28% e a Cia. Souza Cruz assume outros 28%.

Em 1996, a Cia. Souza Cruz vende sua participação na Aracruz para

o grupo Mondi Brazil Limited, subsidiária da Anglo American Corporation.

Já em 2001, a Votorantim Papel e Celulose (VCP)29 adquire, por US$ 370

milhões, as ações da Mondi Brazil, configurando a partir daí a seguinte

28 O presente resgate histórico da Aracruz Celulose teve como fontes principais o

próprio site da FIBRIA e o documento “Aracruz Celulose SA: Uma estratégia

financeira de emissão de ADRs” (disponível em <http://pensa.org.br/wp-

content/uploads/2011/10/Aracruz_celulose_uma_estrat%C3%A9gia_financeira_de

_emiss%C3%A3o_de_ADRs_19971.pdf>). Contou, ainda, com o processo aberdo no

Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) relativo ao ato de

fusão/aquisição da Aracruz pela VID, conseguido pela equipe da pesquisa por meio

da Lei de Acesso à Informação.

29 A Votorantim Celulose e Papel (VCP) foi constituída em 1988.

67 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

estrutura societária: Arapar/Grupo Lorentzen (28%), Arainvest/Grupo Safra

(28%), VCP (28%) e BNDESPAR (12,5%).

Importante assinalar que desde 1992, ações da Aracruz passaram

a ser negociadas na bolsa de Nova York. O mesmo ocorre com a VCP, a partir

de 2000. Em 2003, o grupo Moreira Salles e os Almeida Braga compraram

49% da Arapar, por meio da São Teófilo Representação e Participações SA;

e o Fundo Gávea Investimentos de Armínio Fraga adquiriu 6% também da

Arapar.

Em meio à crise 2008, a Aracruz sofre um prejuízo de R$ 2,13

bilhões por aplicações em derivativos cambiais. As operações com

derivativos pela Diretoria Financeira era conhecida de todos os acionistas

controladores da empresa, segundo declaração do ex-Diretor Isac Zagury,

afastado depois que o prejuízo veio a público30. Um caso exemplar de como

a lógica financeira está presente no interior de grandes grupos privados no

País e, neste caso, avalizada pelo fundo público.

Enfim, em 2009, a VCP adquire as participações da Arapar/São

Teófilo e Arainvest, assumindo 84% do capital da Aracruz. Para tanto, houve

necessidade do aumento de capital da empresa no valor de R$ 4,3 bilhões,

constituindo na operação uma nova empresa, a FIBRIA, com 29,4% do seu

capital controlado pela Votorantim Industrial (VID) e 30,4% sob controle do

BNDESPAR – o BNDES injetou R$ 2,4 bilhões na operação.

Embora na configuração societária da nova empresa o BNDES

detivesse maioria acionária e, portanto, se constituísse em controlador da

FIBRIA, neste mesmo ano VID e BNDESPAR assinam um acordo de

acionistas, que vincula os 29,4% das ações da VID e 20,6% das ações do

BNDESPAR, conferindo controle acionário à VID. O referido acordo com

validade de cinco anos foi renovado em 2014 por igual período. Em

setembro de 2015, o BNDES reduz sua participação na FIBRIA para 29,1%31.

30 Ver em <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,aracruz-sabia-das-

operacoes-com-derivativos,283663>.

31 Em 2016, a FIBRIA adquiriu participação minoritária na canadense CelluForce, que

opera a maior fábrica de um tipo especial de celulose conhecido como nanocristalina

(CNC).

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 68 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Já o grupo Votorantim – atual controlador da Fibria e que também

atua nos setores de mineração e siderurgia, cimento, cítricos, energia,

agroindústria e financeiro – está presente em 23 países, com ativos totais

no final de 2016 no valor de R$ 79,6 bilhões e e é controlado pela holding

Hejoassu Administração S.A.. Tal holding é, por sua vez, controlada por

outras quatro holdings – Jemf Participações S.A., Mrc Participações S.A.,

Aem Participações S.A. e Erman Participações S.A. –, de propriedade de

membros da família Ermírio de Moraes e que detém, cada uma, 25% da

Hejoassu.

Os dois maiores financiamentos do BNDES para a Aracruz, na

última década, totalizam R$ 893 milhões, correspondendo, em média, a

70% do valor total do projeto; com taxas de, no máximo, 9% ao ano; e

carência chegando, em alguns casos, a oitos anos. Tais contratos voltados

para o plantio de eucalipto foram enquadrados, de forma no mínimo

questionável, no Programa de Dinamização Regional do BNDES, que

oferece condições especiais de crédito para investimentos em áreas de

baixo IDH32.

4.1 V IOLAÇÕES DE DIREITOS PELA FIBRIA33

Até o ano de 2013, a FIBRIA possuía 846 mil hectares de terras no

Brasil, sendo mais da metade dessa área ocupada pelo plantio de eucalipto.

Os impactos do monocultivo dessa planta já são conhecidos: a drástica

redução dos recursos hídricos das bacias, a retirada dos nutrientes

presentes no solo, o aumento da erosão e a diminuição da biodiversidade

da área.

32 Estas informações de contratos de financiamento do BNDES para a Aracruz foram

obtidas pela equipe da pesquisa também por meio da Lei de Acesso. Foram

analisados pela equipe os dois maiores contratos do BNDES com a FIBRIA até abril

de 2016. Um no valor de R$ 297,2 milhões, contratado em 21.12.2005 e outro, no

valor R$ 595,9 milhões, contratado em 28.11.2006 – com a antiga Aracruz Celulose.

33 Esta seção se serviu de estudo realizado pela pesquisadora Lorena Lira.

69 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

A chegada da Aracruz ao estado do Espírito Santo remonta ao

período da Ditadura Militar quando o Governo federal, vinculado a

iniciativas locais, apoiou projetos para acelerar a industrialização do estado.

A região do Sapê do Norte, designada para o plantio das primeiras mudas

de eucalipto, teve sua escolha justificada por condições edafoclimáticas

(relativas ao solo e clima) favoráveis ao desenvolvimento da planta, pela

topografia que permitia a mecanização e pela facilidade de acesso tanto ao

sistema viário quanto ao mar (DALCOMUNI, 1990, p. 188 apud DDHH, 2010).

A área era ainda tomada como economicamente inexpressiva,

subdesenvolvida e de escasso povoamento. Tais premissas escondiam a

presença dos povos indígenas e quilombolas que habitavam as terras e a

partir delas preservavam suas formas de vida. Por representarem um

empecilho às ambições extrativistas da empresa, essas comunidades foram

vítimas de processos de expulsão empreendidos pela Aracruz e, em

diversas vezes, apoiados pelo Estado brasileiro.

Desde o início, os processos de remoção dos povos tradicionais

geraram consequências dramáticas. Aqueles que não foram obrigados a se

mudarem para o meio urbano, ficaram limitados a uma pequena extensão

de terra, como é o caso dos Tupiniquim e dos Guarani que, em 1979,

encontravam-se ‘ilhados’ em 40 hectares das terras que lhes restavam e que

a Aracruz alegava serem de sua propriedade (MARACCI, 2008, p.190 apud

DDHH, 2010).

Somente em 2002, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)

foi instaurada pela Assembleia Legislativa do Espírito Santo para investigar

irregularidades nos processos de licenciamentos ambientais pela Aracruz

Celulose. A CPI trouxe à tona a violência empregada pela empresa na

usurpação de terras indígenas na cidade de Aracruz e de quilombolas nos

municípios de São Matheus e Conceição da Barra. Alguns meios

fraudulentos de apropriação das terras dos povos tradicionais foram

apontados. De acordo com depoimentos colhidos pela Comissão, os

moradores foram levados a entregar seus documentos a um suposto

agrimensor que prometia produzir títulos das propriedades. Para Barcellos,

a estratégia de desaparecimento da documentação visava impedir que

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 70 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

indígenas e quilombolas tivessem instrumentos para contestar o despejo

imposto das terras (2008 apud DDHH, 2010). Além disso, indígenas das

aldeias de Macacos e Irajá foram retirados a força da região. A CPI foi

encerrada sem produzir documentos conclusivos.

Em novembro de 2013, o Ministério Público Federal do Espírito

Santo ajuizou ação civil pública contra a FIBRIA S/A, o BNDES e o Estado do

Espírito Santo requerendo a anulação dos títulos de terras concedidos na

década de 70 à sua antecessora, a antiga Aracruz Celulose S/A.

Posteriormente, em 2015, outra ação civil pública foi ajuizada para

abranger terrenos não constantes da primeira ação.

Nas ações, a empresa é novamente acusada de ter obtido, de

forma fraudulenta, os títulos que correspondem ao domínio de milhares de

hectares de terras devolutas e de ocupação quilombola nos municípios de

São Mateus e Conceição da Barra (ES). O processo de grilagem das terras

teria se dado pela ação de funcionários da empresa que, passando-se por

pequenos agricultores para receber os títulos do governo estadual, os

transfeririam em seguida para a Aracruz.

Além da indisponibilidade dos imóveis transferidos à FIBRIA, o

MPF demanda que, sendo reconhecida a indicada fraude, as terras sejam

tituladas em favor das comunidades quilombolas, quando comprovada a

ocupação tradicional dessa região, de acordo com a Lei Estadual no 5623/98.

Em 2014, o juiz federal Nivaldo Dias (1ª. Vara Federal de São

Mateus/ES) determinou, em caráter liminar, a suspensão de operação de

financiamento do BNDES em favor da FIBRIA nos Municípios de Conceição

da Barra e São Mateus (ES). A ação se baseia em Inquérito Civil Público,

aberto em 2010 para apurar possíveis fraudes, ocorridas nos anos 70, na

legitimação da posse de terras devolutas e de ocupação quilombola nos

referidos municípios34. Tanto BNDES quanto Fibria recorreram.

34 Em 2015, a FIBRIA foi alvo também de denúncias de violação de direitos

trabalhistas. No dia 25 de agosto daquele ano, empregados das fábricas de Três

Lagoas, no Mato Grosso do Sul, tornaram públicas demissões praticadas pela

empresa no contexto de formação do sindicato dos trabalhadores florestais na

região. Segundo relatos de trabalhadores, a FIBRIA também oferece precárias

71 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Recentemente, em setembro de 2017, o juiz reviu esta decisão,

restringindo a proibição de financiamento para plantio de eucalipto e

produção de celulose apenas em relação aos imóveis citados na petição

inicial do MPF. Por outro lado, a Procuradoria obteve importante vitória no

TRF da 2ª Região, que determinou a inversão do ônus da prova nas

respectivas ações. Os processos seguem seu trâmite, ainda longe de um

desfecho.

5. A PREVALÊNCIA DO DIREITO PRIVADO

SOBRE O INTERESSE PÚBLICO

Neste breve resgate da trajetória da FIBRIA fica evidente, de um

lado, o papel do Estado, via BNDES, de formação e sustentação de uma

burguesia monopolista no setor de papel e celulose. De outro, o papel

deliberadamente minoritário e auxiliar assumido pelo Banco em um

poderosíssimo grupo econômico, detentor de graves passivos sociais e

ambientais35. Como a nossa história é pródiga em demonstrar, a formação

do capital monopolista tem se sustentado na precarização das relações de

trabalho; espoliação dos territórios urbanos e recursos ambientais;

privatização dos serviços e fundos públicos; e violação de direitos

humanos36.

Ao mesmo tempo, a atuação do Banco em favor da formação de

grandes oligopólios, com estruturas de propriedade verticalizadas e

concentradas, contraria, por sua vez, o próprio estatuto do BNDESPAR, que

condições de trabalho, com ambientes habitados por animais peçonhentos,

maquinário velho e danificado e não cumprimento dos horários de almoço dos

funcionários (WRM, 2015).

35 Vale assinalar que no inciso I do art. 5 do Estatuto do BNDESPAR, que define as

formas de apoio financeiro, está dito: “I – subscrição e integralização de valores

mobiliários e, em se tratando de ações, preferencialmente em proporções

minoritárias” (grifo nosso).

36 A Votorantim também é detentora de passivos sócio-ambientais em outros

setores em que atua, como no caso da mineração de zinco nas cidades mineiras de

Vazante e Três Marias, com graves impactos na região, conforme MENDONÇA (2009).

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 72 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

estabelece como um de seus objetos sociais: “IV - contribuir para o

fortalecimento do mercado de capitais por intermédio do acréscimo de

oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital

de empresas” (grifo nosso).

O papel desempenhado aí pelo BNDES demonstra o quanto

também é ilusório o discurso de que o Banco “escolheria”, “elegeria” seus

sócios candidatos a oligopólios ou as “campeãs nacionais”. Na realidade, se

trata de vínculos históricos e institucionais entre a burocracia do Banco e a

burocracia de grandes grupos privados. O controle de que fala Poulantzas

dos “aparelhos econômicos de Estado” pelas frações da burguesia

monopolista se processa, como visto, de diferentes formas: participações

societárias, acordos de acionistas, presença em conselhos de

administração, migração entre ocupantes de órgãos públicos com o setor

privado e vice-versa (“porta giratória”)37.

Como já foi dito, até finais de 2015 a União, por meio do BNDES e

de sua subsidiária integral, o BNDESPAR, possuía a maioria das ações com

direito a voto da FIBRIA, o que poderia no limite caracterizar uma

“Sociedade de Economia Mista”, sujeita ao direito administrativo público –

com controle externo, via TCU; concurso público para admissão de pessoal;

37 Todas essas formas de conexão entre o público e o privado remontam ao conceito

de “anéis burocráticos” de CARDOSO (1975), segundo o qual “não se trata de lobbies

(forma organizativa que supõe tanto um Estado como uma sociedade civil mais

estruturados e racionalizados), mas de círculos de informação e pressão (portanto,

de poder) que se constituem como mecanismo para permitir a articulação entre

setores do Estado (inclusive forças armadas) e setores de classes sociais” (Op. Cit.:

208). Já DREIFUSS (1984) parece avançar na percepção do mesmo fenômeno, ao se

referir a “anéis burocrático-empresariais”. O autor argumenta “acrescentou-se a

qualificação de empresarial ao conceito de Fernando Henrique Cardoso por dois

motivos: primeiramente, os ‘burocratas’ em sua maioria eram empresários, apesar de

ocuparem posições burocráticas. Em segundo lugar, e talvez o fator mais

significativo, é que esses anéis tendem a ser mais permanentes do que o termo de

Cardoso sugere, e favorecem, quase exclusivamente, a interesses empresariais

específicos contra outros setores da sociedade civil. A base lógica dos anéis

burocrático-empresariais é influenciada em alto grau por suas conexões empresariais

regulares e não por normas burocráticas de comportamento, ou por efêmeras e

eventuais ligações econômicas” (Op. Cit.: 110). Sobre o conceito e a prática da “porta

giratória” ver DIAS, A.C. et. al., 2015.

73 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

e regime de contratação por licitação38. Mas, como se sabe, o acordo de

acionistas entre VID e BNDESPAR assegura o controle acionário à VID. Pelo

dito acordo, a Votorantim tem o direito de nomear 5 representantes no

Conselho de Administração da empresa e o BNDESPAR apenas 239.

Embora com presença minoritária no Conselho, o BNDESPAR tem

direito de veto sobre um conjunto de matérias, da aprovação do orçamento

anual até operações acima de R$ 20 milhões. Vale notar que entre as

referidas matérias, não consta qualquer menção a aspectos sociais ou

ambientais. Longe disso, o acordo prevê que os acionistas orientarão suas

decisões segundo princípios, entre eles: “os recursos da Companhia e de

suas Controladas serão geridos de modo a assegurar o maior retorno

possível para seus acionistas”.

Vale dizer que os limites ao exercício do interesse público quando

da participação majoritária ou minoritária do Estado em empresas de

capital aberto também estão dados pela própria Lei das Sociedades

Anônimas. Em seu Art. 115, a Lei das S.A. estabelece que “o acionista deve

38 De acordo com o art. 5 do Decreto-Lei 200/67, que dispõe sobre a organização da

Administração Federal: “III - Sociedade de Economia Mista - a entidade dotada de

personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de

atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a

voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta”

(grifo nosso). Com a venda de participações na FIBRIA em finais de setembro de 2015,

o BNDESPAR recua de sua posição majoritária em benefício da Votorantim, por uma

diferença de apenas 0.3%. Para além de razões econômicas, esta venda pode ter um

sentido de precaução do Banco frente a possíveis implicações de deter maioria

acionária em uma empresa privada.

39 O acordo de acionistas entre BNDESPAR e Votorantim define como controle, “o

poder de uma ou mais pessoas de controlar direta ou indiretamente, através de

títulos valores mobiliários ou direito de voto ou através de acordo deter direitos que

lhe assegurem de modo permanente a preponderância nas deliberações sociais e o

poder de eleger a maioria dos administradores” (grifo nosso). Contudo, em recente

e esclarecedor artigo sobre o “Controle das empresas semiestatais”, o procurador

federal Murillo Giordan Santos afirma o seguinte “ainda que o Estado detenha a

maioria do capital votante, a empresa poderia ser controlada por particulares

detentores de parcelas minoritárias do capital votante, caso houvesse acordo de

acionistas nesse sentido. No entanto, esses acordos de acionistas não têm o condão

de alterar o regime jurídico aplicável a essa espécie de empresa, pois elas

permanecerão públicas de acordo com o disposto no art. 5, III, do Decreto-Lei

200/67” (SANTOS, 2015, p. 64).

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 74 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo

o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros

acionistas”. Emblemático, neste sentido, foi a aplicação, em maio de 2015,

de multa pela Comissão de Valores Mobiliários à União que teria infringido

o art. 115, ao ter votado em situação de conflito de interesses em

assembleia geral extraordinária da Eletrobrás realizada em 3/12/201240.

Como se vê, a atuação do BNDES na FIBRIA mostra-se totalmente

alinhada aos interesses comerciais da empresa. Em dezembro de 2013, o

Conselho de Administração, com a presença dos representantes do BNDES,

aprova a venda pela FIBRIA, por R$ 1,6 bi, de 210 mil hectares de terras

localizadas nos estados do MS, SP, ES e BA para a Parkia Participações SA,

permanecendo a FIBRIA com operadora das florestas por até 24 anos nas

áreas envolvidas na transação.

O diretor presidente da Parkia é Charles Wanderley Maia, que

acumula a mesma função na Arapar Participações SA, como revela o Diário

Oficial do Estado do Rio de Janeiro, de 27.11.2013. Vale aqui lembrar que a

Arapar, além da família Lorentzen, conta com os Moreira Salles e o Fundo

Gávea de Armínio Fraga. Os outros dois diretores da Parkia são sócios da

Brookfields Brasil Ltda., subsidiária do fundo bilionário de investimentos

canadense Brookfields.

A referida operação se mostra bastante questionável já que a

FIBRIA cedeu quase um quarto de suas terras em proveito de um grupo

financeiro, cujos controladores são antigos donos da própria Aracruz e

também capitais estrangeiros. Neste caso, algo que representaria uma

violação do parecer da Advocacia Geral da União, que desde 2010

suspendeu a possibilidade de estrangeiros comprarem terras no Brasil.

40 Nessa AGE, a União se manifestou a favor da renovação antecipada de contratos

de concessão de geração e transmissão de energia elétrica celebrados entre: de um

lado, subsidiárias da Companhia (como concessionárias), e, de outro, a própria União

(como poder concedente). Ver o processo em

http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2015/20150526-1.html (acessado em 08

de fevereiro de 2016).

75 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Contudo, o caráter subordinado do BNDES em relação aos

interesses da empresa fica, ainda mais patente, quando se verifica que o

próprio Banco recorre da decisão do Juiz Nivaldo Dias, em favor da

continuidade do financiamento, alegando que o seguimento da atividade

no local não impediria a entrega das terras, caso fosse reconhecido o direito

dos quilombolas. O juiz manteve a decisão liminar num primeiro momento,

já que a grilagem das terras estaria suficientemente comprovada e não

caberia ao banco público financiar plantio de eucalipto em terras griladas.

O BNDES seguiu, tal como a FIBRIA, apresentando recursos, chegando-se a

situação atual, em que houve um recuo por parte do juiz, que, embora não

tendo ainda conferido a sentença, restringiu a abrangência da tutela

provisória anteriormente concedida.

O alinhamento do BNDES à dinâmica dos negócios dos grupos que

apóia se revela também na fragilidade da política socioambiental do banco

(PINTO, 2012; CONECTAS, 2014). Como os referidos estudos demonstram,

o Banco acaba por se limitar a observar a formalidade das licenças

ambientais, não se atendo nem mesmo, como determina a legislação

ambiental, às condicionantes previstas no processo de licenciamento.

Os vínculos institucionais entre FIBRIA e BNDES são

representativos de mecanismos pelos quais frações da burguesia

monopolista asseguram seus interesses junto aos “centros de decisão”, ou

melhor, aos “aparelhos econômicos de Estado”, levando ao reforço da

concentração e centralização de capitais em prejuízo do direito e fundo

públicos. Como se pode verificar de forma cabal no caso do BNDES na

FIBRIA, o padrão de participação minoritária do Estado, consagrado no pós-

privatizações, serve abertamente à acumulação privada às expensas do

interesse público, haja visto que não há sequer um regime jurídico a regular

tal modelo de participação estatal.

SANTOS (2015) parte, exatamente, da constatação de que “não há

no Brasil disciplina legal sobre o regime jurídico dessas sociedades

semiestatais” ou “empresas semiestatais”, ou seja, “empresas em que o

Estado detém participação minoritária no capital social”. A partir desta

constatação, o autor discute quais seriam as formas possíveis de controle.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 76 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Em princípio, a participação minoritária de empresas estatais em uma

empresa privada se justificaria no sentido de promover alguma finalidade

pública, ou seja, “melhorar o desempenho das atividades compreendidas

em seu objeto social”.

No caso do BNDES, controlador do BNDESPAR, seu objetivo

primordial é o de, conforme o Art. 3 de seu Estatuto, “apoiar programas,

projetos, obras e serviços que se relacionem com o desenvolvimento

econômico e social do País”. Resta, então, indagar se fomentar um grupo

monopolista como a FIBRIA é proporcionar desenvolvimento aos

brasileiros. Seria o caso, aqui, de parafrasear o embaixador Juracy

Magalhães e atualizar sua ironia, afirmando “o que é bom para a FIBRIA é

bom para o Brasil”41.

O cumprimento da finalidade social poderia ser assegurado,

argumenta Santos, por meio da participação de representante das estatais

e suas subsidiárias no conselho de administração das “empresas

semiestatais”. Algo que, como constatado no caso da participação de

representantes do BNDES no Conselho da FIBRIA, não parece se traduzir na

defesa de interesses públicos.

Uma via de controle seriam os próprios órgãos de fiscalização, a

exemplo dos tribunais de contas, que poderiam verificar a eficiência dos

negócios que elas mantêm com as estatais, o que permitiria ao órgão de

controle solicitar informações e documentos das “semiestatais”. No

entanto, tais órgãos não possuiriam competência para formular

determinações e recomendações às “empresas semiestatais”. Sobre este

ponto, importante ressalvar um pequeno avanço obtido com a nova Lei das

Estatais, a Lei 13.303/2016.

O § 7º do Art. 1º da referida Lei estabelece que “na participação

em sociedade empresarial em que a empresa pública, a sociedade de

economia mista e suas subsidiárias não detenham o controle acionário,

essas deverão adotar, no dever de fiscalizar, práticas de governança e

41 “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil. ” A frase do embaixador

Juracy Magalhães era usada para ironizar os “entreguistas” nos anos 1970 a 90.

77 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

controle proporcionais à relevância, à materialidade e aos riscos do negócio

do qual são partícipes”. Para tanto, a Lei determina a produção de uma série

de documentos e relatórios sobre as condições e o desempenho da

empresa em que o Estado é minoritário42.

Se isso abre uma maior possibilidade de controle pelos órgãos de

fiscalização, não se pode dizer que se trata de um grande avanço já que a

própria Lei confere às empresas estatais e suas subsidiárias a possibilidade

de imporem sigilo, confidencialidade sobre suas informações, restringindo

enormemente a transparência e as possibilidades de controle. A título de

exemplo vale reproduzir aqui o Art. 88 do Capítulo III “Da Fiscalização pelo

Estado e pela Sociedade”. Diz o referido artigo, “as empresas públicas e as

sociedades de economia mista deverão disponibilizar para conhecimento

público, por meio eletrônico, informação completa mensalmente

atualizada sobre a execução de seus contratos e de seu orçamento,

admitindo-se retardo de até 2 (dois) meses na divulgação das informações”.

Já o seu § 1o , estabelece o seguinte: “a disponibilização de informações

contratuais referentes a operações de perfil estratégico ou que tenham por

42 Vale aqui elencar o conjunto das informações exigidas pela Lei, previstas nos

incisos do § 7 do Art. 1: I - documentos e informações estratégicos do negócio e

demais relatórios e informações produzidos por força de acordo de acionistas e de

Lei considerados essenciais para a defesa de seus interesses na sociedade

empresarial investida; II - relatório de execução do orçamento e de realização de

investimentos programados pela sociedade, inclusive quanto ao alinhamento dos

custos orçados e dos realizados com os custos de mercado; III - informe sobre

execução da política de transações com partes relacionadas; IV - análise das

condições de alavancagem financeira da sociedade; V - avaliação de inversões

financeiras e de processos relevantes de alienação de bens móveis e imóveis da

sociedade; VI - relatório de risco das contratações para execução de obras,

fornecimento de bens e prestação de serviços relevantes para os interesses da

investidora; VII - informe sobre execução de projetos relevantes para os interesses

da investidora; VIII - relatório de cumprimento, nos negócios da sociedade, de

condicionantes socioambientais estabelecidas pelos órgãos ambientais; IX -

avaliação das necessidades de novos aportes na sociedade e dos possíveis riscos de

redução da rentabilidade esperada do negócio; X - qualquer outro relatório,

documento ou informação produzido pela sociedade empresarial investida

considerado relevante para o cumprimento do comando constante do caput.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 78 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

objeto segredo industrial receberá proteção mínima necessária para lhes

garantir confidencialidade”43.

Outro meio de controle, consagrado na Constituição de 88, foi

igualmente enfraquecido pela nova Lei das Estatais. Conforme estabelece

o inciso XX do Art. 37 da Constituição, a participação de empresa pública

em empresa privada depende de autorização legislativa em cada caso.

Embora já bastante flexibilizado na prática, o referido dispositivo legal

perde sua validade com o advento da nova Lei.

Novamente, vale checar o que diz a Lei no § 2º do Art 2º: “§

2o Depende de autorização legislativa a criação de subsidiárias de empresa

pública e de sociedade de economia mista, assim como a participação de

qualquer delas em empresa privada, cujo objeto social deve estar

relacionado ao da investidora, nos termos do inciso XX do art. 37 da

Constituição Federal”. E segue afirmando: “§ 3o A autorização para

participação em empresa privada prevista no § 2o não se aplica a operações

de tesouraria, adjudicação de ações em garantia e participações

autorizadas pelo Conselho de Administração em linha com o plano de

negócios da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas

respectivas subsidiárias”. Ou seja, a participação minoritária de empresas

estatais em empresas privadas passa a ser, então, uma decisão exclusiva do

Conselho de Administração da estatal, reduzindo, por óbvio, drasticamente

as possibilidades de controle.

Uma outra forma por meio da qual o direito público perde sua

“validade operativa” em favor dos interesses privados, no caso de

participações minoritárias do Estado em empresas privadas, diz respeito a

prerrogativas jurídicas conferidas a partir da natureza pública de um ente.

Como esclarece MANSOLDO (2017, p. 71, grifo nosso), “dentre tais

43 Como afirma MANSOLDO (2017, p. 65), “o dispositivo não possui abrangência

suficiente, porém, para estabelecer um regime jurídico que discipline o fenômeno

das empresas privadas com participação estatal, silenciando acerca de assuntos que

lhes seriam pertinentes, como a escolha do sócio privado, a celebração de acordos

de acionistas ou outros mecanismos de compartilhamento de controle das

companhias”.

79 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

instrumentos destaca-se a suspensão de segurança, que permite solicitar ao

respectivo tribunal que seja sobrestado o cumprimento de uma liminar ou

ordem desfavorável concedida por um juiz de primeira instância por

implicar ‘grave lesão à ordem, à segurança ou à economia públicas”44.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As constatações preliminares do estudo ECOPOL/HOMA, em

relação à prevalência do direito privado sobre o público na relação entre o

BNDES e a FIBRIA, dizem o quanto é incontornável expormos e debatermos

publicamente os vínculos institucionais, formais ou não, dos “aparelhos

econômicos de Estado” com as “frações monopolistas da burguesia”.

Vínculos estes que põem por terra a presunção liberal de dissociação entre

economia e política, Estado e mercado, e que são responsáveis por estreitar

e minar a democracia e o campo dos direitos sociais45.

Aos que pretendem fazer frente a este domínio monopolista, resta

escaparem à armadilha pendular Estado versus mercado, sob o risco de

justificar e reproduzir o que se pretende combater, soçobrando em um

“neoliberalismo de esquerda”. Dardot e Laval são precisos neste sentido:

“sem ousar regogizar-se abertamente, a esquerda

pega-se espreitando os sinais precursores de um

retorno do pêndulo a uma regulação direta da parte

44 Mansoldo ressalva que “embora pela literalidade do dispositivo tal medida seja

permitida somente às ‘pessoas jurídicas de direito público’, há um elastecimento do

conceito para garantir legitimidade ativa a concessionárias ou permissionárias de

serviço público, embora sejam pessoas jurídicas de direito privado”. Não é também

novidade o quanto o judiciário brasileiro tem se valido do referido dispositivo,

contrariando direitos sociais e ambientais de populações atingidas por mega-

empreendimentos ligados à política estatal, invariavelmente com participações do

BNDES – o caso da construção da Usina de Belo Monte em Altamira-PA é

emblemático a esse respeito.

45 Como sugerido no Relatório Final da CPI do BNDES no Senado, em fevereiro de

2016: “o desempenho do BNDES não pode ser medido como se um banco privado se

tratasse embora obedeça à regulação bancária e de Mercado de capitais o BNDES é

um executor de políticas públicas cujos fins não se confundem com a quitação dos

financiamentos que concede”.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 80 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

dos governos. Presta pouca atenção ao fato de que este

‘retorno’ se opera em benefício de um Estado

empresarial” (DARDOT e LAVAL, 201, p. 396, grifos

nossos).

Trata-se, antes, de fazer avançar a democracia sobre a alta

administração do Estado (BNDES, Banco Central, Caixa Econômica Federal,

Ministério da Fazenda, Banco do Brasil, Eletrobras, Petrobras, Judiciário

etc.), desvinculando estes “aparelhos econômicos” dos interesses

monopolistas e financeiros e pondo-os à serviço do público, do comum, sem

o que não apenas persistirá a tal da “corrupção”, mas também o

aprofundamento da desigualdade social e perda de direitos. Importa, por

exemplo, redirecionar o BNDES para o financiamento à infra-estrutura

social – transporte de massa e saneamento público; e o Banco Central para

a redução da taxa de juros, a maior do mundo e que engorda grupos

financeiros empoleirados na alta burocracia fazendária do Estado,

estrangulando os gastos sociais. Enfrentar o assalto do Estado pelo 1% mais

rico é, como já disse o geógrafo David Harvey, o desafio de toda e qualquer

democracia neste limiar de século.

81 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOITO JR., Armando. Estado e burguesia no capitalismo neoliberal. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, (28) pp. 57-73, jun. 2007. BUGIATO, C. Martins. A política de financiamento do BNDES e a burguesia brasileira. Tese de Doutorado. Campinas: Departamento de Economia da UNICAMP. 2016. CAMPOS, Pedro H. P. Estranhas catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988. Niterói: Eduff. 2014. _______ e BRANDÃO, Rafael V. da M. Os donos do capital: a trajetória das principais famílias empresariais do capitalismo brasileiro. Rio de Janeiro: Autografia. 2017. CARDOSO, Fernando H. Autoritarismo e Democratização. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1975. CDDH. Estudo e Relatório de Impactos em Direitos Humanos de Grandes Projetos (EIDH/RIDH): o caso do monocultivo de eucalipto em larga escala no norte do Espírito Santo. Conceição da Barra/São Mateus. 2010. CODATO, Adriano. Poulantzas, o Estado e a Revolução. Revista Crítica Marxista. Campinas: Unicamp, (27), pp. 65-85. 2008. CONECTAS. Desenvolvimento para as pessoas? O financiamento do BNDES e os direitos humanos. São Paulo: Conectas. 2014. DARDOT, P.; LAVAL, C. A Nova Razão do Mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo. 2016. DIAS, A.C. et. Al. The Revolving Door: Evidence from the United Kingdom, Germany, France, Spain, Belgium, Greece and Brazil. Working Papers. Lisbon School of Economics and Management. Universidade de Lisboa. 2015. DREIFUSS, René Armand. 1964, a conquista do Estado. Petrópolis: Vozes.1984. EVANS, Peter. A tríplice aliança. As multinacionais, as estatais e o capital nacional no desenvolvimento dependente brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar. 1977. GARCIA, Ana S. A internacionalização de empresas brasileiras durante o governo Lula: uma análise crítica da relação entre capital e Estado no Brasil

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 82 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

contemporâneo. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, Instituto de Relações Internacionais da PUC. 2012. GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere: Maquiavel; Notas sobre o Estado e a política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, Vol. 3. 2000. HILFERDING, Rudolf. O Capital Financeiro. São Paulo: Nova Cultural. 1985 LAZZARINI, S. G. Capitalismo de laços. Rio de Janeiro: Elsevier. 2011 _______ e MUSACCHIO, A. Reinventando o Capitalismo de Estado: O Leviatã nos negócios: Brasil e outros países. São Paulo: Portfolio-Penguin. 2015. LENIN, V. I. O Imperialismo: fase superior do capitalismo. São Paulo: Editora Global. 1982. MANSOLDO, Felipe Fayer. Discutindo desenvolvimento e direitos humanos: a atuação do BNDES sob a perspectiva poulantziana de Estado e seu reflexo nas violações aos direitos humanos por empresas. Dissertação de Mestrado. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, Dissertação de Mestrado. 2017 MANTEGA, G.; MORAES, M. Acumulação monopolista e crises no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1980 MARTINS, Luciano. Estado e burocracia no Brasil pós-1964. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1985. MENDONÇA, Maria Luisa. O verdadeiro perfil do Grupo Votorantim. In: INSTITUTO ROSA LUXEMBURG. Empresas transnacionais brasileiras na América Latina: um debate necessário. São Paulo: Expressão Popular, pp. 175-186. 2009. MPF. Justiça mantem liminar que suspende financiamentos do BNDES à FIBRIA Celulose. Disponível em: <http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_geral/mpf-mantem-liminar-que-suspende-financiamentos-do-bndes-a-FIBRIA-celulose>. 2014. Acesso em: 11 mar. 2016. MPF. MPF/ES entra com ação contra antiga Aracruz Celulose por grilagem de terras públicas. Disponível em: <http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_meio-ambiente-e-patrimonio-cultural/mpf-es-entra-com-acao-contra-FIBRIA-s-a-antiga-aracruz-celulose-por-grilagem-de-terras-publicas>. 2013. Acesso em: 11 mar. 2016. PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca. 2014.

83 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

PINTO, João R. L. Et alli. O BNDES e a reorganização do capitalismo brasileiro: um debate necessário. In: MAGALHÃES, Raphael de Almeida (org.). Os Anos Lula: um balanço crítico 2003-2010. Rio de Janeiro: Editora Garamond, pp. 249-286. 2011. PINTO, João R. L, (Org.). A ambientalização dos bancos e a financerização da natureza: um debate sobre a política ambiental do BNDES e a responsabilização das instituições financeiras. Brasília: Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais. 2012. _______. O BNDES e a expansão do capitalismo brasileiro: corporações e setores privilegiados – Parte 1. Jornal dos Economistas. Rio de Janeiro: Corecon-RJ, (301), pp. 10-12. 2014a. _______. O BNDES e a expansão do capitalismo brasileiro: corporações e setores privilegiados – Parte 2. Jornal dos Economistas. Rio de Janeiro: Corecon-RJ, (302), pp. 10-12. 2014b. _______. Contra a privatização do BNDES: qual a melhor defesa?. Jornal dos Economistas. Rio de Janeiro: Corecon-RJ, (334), pp. 12-13. 2017. POULANTZAS, N. O Estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro/RJ: Graal. 2000. _______. Poder político e classes sociais. São Paulo, ed. Martins Fontes. 1977. ROCHA, Marco A. M. da. Grupos Econômicos e Capital Financeiro: uma História Recente do Grande Capital Brasileiro. Tese de Doutorado. Campinas, Instituto de Economia da UNICAMP, Tese de Doutorado. 2013. SLOTERDIJK, Peter. Crítica da Razão Cínica. São Paulo: Estação Liberdade. 2012. SOARES, Murillo Giordan. Controle das empresas semiestatais. RIL Brasileira. Brasília: Senado Federal, (208), pp. 61-79. 2015. SPERS, Eduardo E. Et alli. Aracruz Celulose S.A.: uma estratégia financeira de emissão de ADRs. São Paulo: Fundação Instituto de Administração/Pensa.1997. SWEEZY, P. e BARAN, P. Capitalismo Monopolista. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1966. TAVARES, M. C. Et alli. Memórias do Desenvolvimento: o papel do BNDE na Industrialização do Brasil – Os anos dourados do desenvolvimento, 1952-1980. Rio de Janeiro: Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento. 2010.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 84 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1973. WRM. Brasil: aprovada a liberação comercial do primeiro eucalipto transgênico. Disponível em:<http://wrm.org.uy/pt/artigos-do-boletim-do-wrm/secao1/brasil-aprovada-a-liberacao-comercial-do-primeiro-eucalipto-transgenico/>. 2015. Acesso em: 11 mar. 2016. WRM. Brasil: Justiça mantém liminar que suspende financiamentos do BNDES à FIBRIA Celulose, empresa certificada pelo FSC. Disponível em: <http://wrm.org.uy/pt/artigos-do-boletim-do-wrm/secao3/brasil-justica-mantem-liminar-que-suspende-financiamentos-do-bndes-a-FIBRIA-celulose-empresa-certificada-pelo-fsc/>. 2014. Acesso em: 11 mar. 2016.

85 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

COLONIALISMO E GOVERNO EMPRESARIAL NO SUL GLOBAL

COLONIALISM AND ENTREPRENEURIAL

GOVERNANCE IN THE GLOBAL SOUTH

Flávia do Amaral Vieira1

RESUMO

Ao remontar às raízes que interligam os territórios latino-americanos,

sobretudo o brasileiro, às lógicas operativas do capitalismo transnacional,

nos aliamos a tese de Quijano, segundo a qual, a globalização em curso é,

em primeiro lugar, a culminação de um processo que começou com a

constituição da América e do capitalismo colonial/moderno e eurocentrado

como um novo padrão de poder mundial. Nesse cenário, com o avanço do

neoliberalismo e as grandes ondas de privatização, as corporações

transnacionais se tornam uma das mais poderosas instituições do nosso

tempo, com o apoio estratégico dos Estados. Um “mercado mundial”

formado por um entrelaçamento de coalizões de entidades públicas e

privadas promovem diferentes interesses de poderes estatais e

econômicos, consolidando um “governo empresarial”, que exerce papel

central na exploração e transferência das riquezas do Sul global para o

Norte. Paralelamente a este processo, violações de direitos humanos

causadas por estas empresas passam a ser cada vez mais contestados pela

sociedade civil e por fóruns internacionais, objetivando romper com que

vem sido chamado de “arquitetura da impunidade”, a partir da imposição

de termos como governança e autorregulação. A partir de pesquisa

1 Doutoranda em Direitos Humanos pelo Programa de Pós-graduação em Direito da

Universidade Federal do Pará, PPGD-UFPA, Brasil. E-mail: [email protected].

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 86 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

bibliográfica, este artigo pretende analisar como operam as lógicas

coloniais de normatização da atuação dessas empresas no Sul Global.

PALAVRAS-CHAVE: Colonialismo. Neoliberalismo. Sul global.

ABSTRACT

In summing up the roots that link Latin American territories, especially

brazilian ones, with the operative logics of transnational capitalism, we

agree with Quijano's thesis that globalization is, in the first place, the

culmination of a a process that began with the constitution of America and

colonial/modern and eurocentric capitalism as a new world power

standard. In this scenario, with the advance of neoliberalism and the great

waves of privatization, transnational corporations become one of the most

powerful institutions of our time, with the strategic support of the states.

A "global market" formed by an interlocking of coalitions of public and

private entities promotes different interests of state and economic

powers, consolidating a " entrepreneurial governance" that plays a central

role in the exploration and transfer of wealth from the global South to the

North. Parallel to this process, civil society are aiming to break with what

has been called "architecture of impunity", that prevents accountability of

transnational corporations for human rights violations, from the imposition

of terms such as governance and self-regulation. From a bibliographical

research, this article intends to analyze how the colonial logics of

normalization of the performance of these companies operate in the Global

South.

KEYWORDS: Colonialism. Neoliberalism. Global south.

87 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

INTRODUÇÃO

Na atualidade, constata-se que existe uma tensão crescente entre

a expansão da economia na globalização e os direitos humanos. Os

problemas emergem da existência de fortes assimetrias entre as

corporações – o poder econômico – e as populações, ou entre corporações

e Estados, que geram situações de abusos, delitos e violações de direitos

humanos, com notória semelhança às lógicas da colonialidade.

A partir de pesquisa bibliográfica, este artigo pretende analisar

como operam as lógicas coloniais de normatização da atuação dessas

empresas no Sul Global. Estamos de acordo com Dardot e Laval quando

afirmam que a análise do neoliberalismo deve ser precisa, documentada,

circunstanciada e atualizada para ter eficácia política (DARDOT; LAVAL,

2016, pg. 07).

Assim, partimos do pressuposto de que há um grande déficit nos

estudos sobre neoliberalismo e direitos humanos, que é a reflexão sobre a

natureza substancialmente colonial do neoliberalismo. Ao remontar às

raízes históricas, epistêmicas, político-econômicas, culturais e ideológicas

que interligam os territórios latino-americanos às lógicas operativas do

capitalismo transnacional, alia-se a tese de Quijano, segundo a qual, a

globalização em curso é, em primeiro lugar, a culminação de um processo

que começou com a constituição da América e do capitalismo

colonial/moderno e eurocentrado como um novo padrão de poder mundial

(QUIJANO, 2005, pg. 123).

À expansão das políticas econômicas neoliberais na América

Latina, a partir dos anos 1980, favoreceu a entrada de investimentos e

acionistas internacionais, mercantilizaram e colocaram à disposição destas

corporações setores básicos da vida das pessoas. Assim, transnacionais

passam a exercer domínio e monopólio sobre os recursos naturais em

praticamente todas as esferas, controlando a maioria dos setores

estratégicos da economia mundial, sendo que algumas delas passam a

exibir poder econômico superior ao valor do produto interno bruto (PIB) de

alguns países.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 88 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Nesse sentido, verifica-se que a relação entre os sujeitos de Direito

com o Estado constitucional moderno, passa a ser substituída por

obrigações contratuais privadas e despolitizadas, nas quais a parte mais

fraca se encontra mais ou menos à mercê da parte mais forte (SANTOS,

2007, pg. 80).

Mesmo que, ao longo do século XX, com o processo de

democratização das relações sociais e a entrada em cena das camadas

populares na arena política, tenham se promovido algumas balizas ou

condições necessárias para a realização dos direitos humanos e sociais na

contemporaneidade (MATHIS, 2016, pg. 123), estas empresas gozam de um

sistema denominado arquitetura da impunidade, que impede que sejam

responsabilizadas por violações de direitos humanos.

A arquitetura da impunidade se fundamenta em instrumentos de

autorregulação e no discurso neoliberal da boa-governança. A hipótese

central é que a ausência de instrumentos que regulamentem de fato, que

imponham sanções e responsabilização de empresas transnacionais por

violações de direitos humanos no mundo evidencia padrões de relação

coloniais entre o Sul global e o Norte global, sede das corporações.

Nesse sentido, primeiramente apresentaremos uma reflexão

sobre a matriz de poder colonial da atualidade, em seguida sobre o

neoliberalismo e a égide do que é chamado por Dardot e Laval (DARDOT;

LAVAL, 2016) como governo empresarial, para apresentar uma crítica à

arquitetura da impunidade que impede a responsabilização de corporações

transnacionais por violações de direitos humanos.

1. MATRIZ DE PODER COLONIAL E

NEOLIBERALISMO

A América latina tem sido um dos principais alvos da ofensiva

imperialista articulada pelos Estados centrais e grandes corporações

transnacionais no contexto da globalização neoliberal, através da aplicação

89 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

de políticas neoliberais e da ação recolonizadora na região (CARVALHO,

2012, pg. 741).

Diante dessa problemática, alia-se a tese de Quijano, segundo a

qual a globalização em curso é, em primeiro lugar, a culminação de um

processo que começou com a constituição da América e do capitalismo

colonial/moderno e eurocentrado como um novo padrão de poder mundial2

(QUIJANO, 2005, pg.117).

“Em primeiro lugar, o atual padrão de poder mundial é

o primeiro efetivamente global da história conhecida.

Em vários sentidos específicos. Um, é o primeiro em

que cada um dos âmbitos da existência social estão

articuladas todas as formas historicamente

conhecidas de controle das relações sociais

correspondentes, configurando em cada área um

única estrutura com relações sistemáticas entre seus

componentes e do mesmo modo em seu conjunto.

Dois, é o primeiro em que cada uma dessas estruturas

de cada âmbito de existência social, está sob a

hegemonia de uma instituição produzida dentro do

processo de formação e desenvolvimento deste

mesmo padrão de poder. Assim, no controle do

trabalho, de seus recursos e de seus produtos, está a

empresa capitalista; no controle do sexo, de seus

recursos e produtos, a família burguesa; no controle

da autoridade, seus recursos e produtos, o Estado-

nação; no controle da intersubjetividade, o

eurocentrismo. Três, cada uma dessas instituições

existe em relações de interdependência com cada

uma das outras. Por isso o padrão de poder está

configurado como um sistema. Quatro, finalmente,

este padrão de poder mundial é o primeiro que cobre

2 Um dos eixos fundamentais desse padrão de poder é a classificação social da

população mundial de acordo com a ideia de raça, uma construção mental que

expressa a experiência básica da dominação colonial e que desde então permeia as

dimensões mais importantes do poder mundial, incluindo sua racionalidade

específica, o eurocentrismo. Esse eixo tem, portanto, origem e caráter colonial, mas

provou ser mais duradouro e estável que o colonialismo em cuja matriz foi

estabelecido. Implica, consequentemente, num elemento de colonialidade no

padrão de poder hoje hegemônico (QUIJANO, 2005, pg. 117).

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 90 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

a totalidade da população do planeta”. (QUIJANO,

2005, pg. 123).

De acordo com Catherine Walsh, o termo colonialidade se refere a

“uma matriz de poder global que tem classificado de forma hierarquizada

populações, seus conhecimentos e sistemas cosmológicos de vida de

acordo com um padrão eurocêntrico” (WALSH, 2010, pg. 15).

Nesse sentido, Grosfoguel destaca que colonialidade e

modernidade constituem duas faces da mesma moeda, se reconhecermos

que a revolução industrial europeia só foi possível graças às formas

coercivas de trabalho na periferia, o que significa que ao mesmo tempo que

no Norte global surgiam direitos, leis e instituições da modernidade, como

o Estado-nação, a cidadania e a democracia, no Sul global vivia-se sobre o

paradigma da dominação/exploração (GROSFOGUEL, 2008, pg. 125).

A primeira ilação a tirar do deslocamento da nossa

geopolítica do conhecimento é que aquilo que chegou

às Américas nos finais do século XVI não foi apenas um

sistema económico de capital e trabalho destinado à

produção de mercadorias para serem vendidas com

lucro no mercado mundial. Essa foi uma parte

fundamental, ainda que não a única, de um “pacote”

mais complexo e enredado. O que chegou às Américas

foi uma enredada estrutura de poder mais ampla e

mais vasta, que uma redutora perspectiva económica

do sistema-mundo não é capaz de explicar. Vendo a

partir do lugar estrutural de uma mulher indígena das

Américas, o que então surgiu foi um sistema-mundo

mais complexo do que aquele que é retratado pelos

paradigmas da economia política e pela análise do

sistema-mundo. Às Américas chegou o homem

heterossexual/ branco/ patriarcal/ cristão/ militar/

capitalista/ europeu, com as suas várias hierarquias

globais enredadas e coexistentes no espaço e no

tempo [...] (GROSFOGUEL, 2008, pg. 122).

Para Grosfoguel, continuamos a viver sob a matriz de poder

colonial, através da colonialidade global, na qual os povos não-europeus

91 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

permanecem vivendo sob exploração e dominação europeia/euro-

americana, arraigadas e enredadas na divisão internacional do trabalho e na

acumulação do capital à escala mundial (GROSFOGUEL, 2008, pg. 126).

Ainda que não estejam sujeitos a uma administração colonial, o regime da

colonialidade global atualmente é imposto pelas instituições financeiras

internacionais e pelas corporações.

A hierarquia étnico-racial global é parte integrante do

desenvolvimento da divisão internacional do trabalho no sistema

capitalista3. Nesse sentido, identifica-se a continuidade das relações

centro-periferia, agora instituídas por intermédio da reconfiguração

territorial e dos fluxos de capitais direcionados aos países da periferia do

capitalismo, através dos frequentes deslocamentos de capital e do avanço

das grandes corporações transnacionais e conglomerados financeiros

(ASSIS, 2014, pg. 619), expandindo a ocupação territorial do capital.

Estado e o mercado representariam, nesse esquema,

dimensões complementares de um processo unitário

que impulsiona a expansão do capitalismo por meio da

perpetuação das relações centro-periferia. Se, antes, a

posição de centro era exercida por uma dominação e

uma influência política derivada do poder dos Estados,

agora seria mais adequado conjeturar que as relações

de dependência são resultado do poder econômico de

grandes corporações transnacionais e conglomerados

financeiros, que se ancoram na lógica de mercado e na

influência política dos Estados de origem para fazer

valer sua força de constrangimento (ASSIS, 2014, 620).

3Atualmente, as zonas centrais da economia-mundo capitalista coincidem com

sociedades predominantemente brancas/europeias/euro-americanas, tais como a

Europa Ocidental, o Canadá, a Austrália e os Estados Unidos, enquanto as zonas

periféricas coincidem com povos não-europeus outrora colonizados. O Japão é a

única exceção que confirma a regra, na medida em que nunca foi colonizado nem

dominado pelos europeus e, à semelhança do Ocidente, desempenhou um papel

activo na construção do seu próprio império colonial. A China, embora nunca

colonizada na sua totalidade, viu-se periferizada pelo uso de entrepostos coloniais

como Hong Kong e Macau, e por intervenções militares diretas (GROSFOGUEL, 2008,

pg. 127).

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 92 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Assim, embora a colonialidade nunca tenha estado ausente,

através do termo recolonização, se identifica o salto quantitativo do

imperialismo que vem ocorrendo nos países da América Latina, através de

variadas ações que buscam subordinar os Estados periféricos

politicamente, economicamente, e militarmente, agravando as

desigualdades sociais.

A partir da análise da entrada destes investimentos diretos no

controle e apropriação de recursos naturais, constata-se que regressão

primário-exportadora verificada no Brasil, assim como em outros países

latino-americanos, são amostras da continuidade de um processo dotado

de raízes estruturais. De acordo com esse raciocínio, os preços de mercado

e a troca desigual são mecanismos arbitrários por meio dos quais as

economias centrais extraem energia e exportam entropia para suas

periferias, em um intercâmbio desigual vigente no sistema-mundo colonial-

moderno (ASSIS, 2014, pg. 623).

A resposta neoliberal propunha que o “desenvolvimento” devia

fundamentar-se na especialização da produção tradicional agrícola dirigida

ao exterior (exportação), e, portanto, orientada para o mercado (livre

comércio internacional). Nesse sentido, recolonização na América Latina

constitui um processo amplo, diversificado e que atende aos interesses das

grandes corporações transnacionais dos Estados centrais, podendo ser

apreendida de inúmeras maneiras.

Neste cenário, com o objetivo de atender às exigências do modelo

de desenvolvimento e do processo de reestruturação econômica do capital,

em nível nacional e internacional, verifica-se o recrudescimento das

estratégias de desregulamentação, flexibilização, expansão em larga escala

do processo de terceirização e subcontratação do trabalho e informalização

de amplos setores da economia, que implicam mudanças substanciais nas

relações sociais de trabalho e, consequentemente, um processo de

precarização das relações sociais de trabalho e perdas de direitos sociais

(MATHIS, 2016, pg. 132).

93 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

As mediações e o controle sobre os diferentes

governos dos Estados periféricos são assegurados,

dentre outras formas, pela manutenção das relações

assimétricas de poder e pela garantia de que os

contratos firmados com as instituições financeiras

internacionais não serão quebrados. Outrossim, o

controle sobre as populações pobres da periferia

(através da coerção, da cooptação e do

consentimento) continua sendo uma das tarefas mais

importantes dos governos burgueses locais. A

associação de interesses entre as classes dominantes

imperialistas e periféricas visa assegurar a

manutenção das condições de espoliação sobre a

classe trabalhadora e, ao mesmo passo, garantir a

ininterrupção dos fluxos de bens e capitais em direção

aos espaços centrais do capitalismo mundial

(CARVALHO, 2012, pg. 746).

Através dessas práticas, o neoliberalismo consolidou a

dependência e a subordinação neocolonial na reprodução e acumulação

assimétricas necessárias para seu projeto. O colonialismo neoliberal se

expressa radicalmente na exploração econômica tanto da força de

trabalho, via precarização dos direitos trabalhistas e relações de trabalho;

como também na exploração ilimitada da natureza, identificada no

extrativismo; e nas condições socioeconômicas e ambientais em geral, a

exemplo da ampliação das periferias urbanas (PUELLO-SOCARRÁS, 2013,

pg. 48).

2. NEOLIBERALISMO E GOVERNO

EMPRESARIAL

Deleuze, quando discutia as sociedades de controle, elaborou uma

definição para o capitalismo atual, que não seria mais dirigido a produção,

relegada ao Terceiro Mundo, mas seria um capitalismo de sobre-produção:

compra produtos acabados, ou monta peças destacadas, não vende

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 94 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

serviços, compra ações; e conquista mercados através de especialização,

colonização ou por redução dos custos de produção. De acordo com o autor,

Estado ou potência privada, são agora figuras cifradas, deformáveis e

transformáveis, de uma mesma empresa que só tem gerentes (DELEUZE,

1992, pgs. 223-4).

No mesmo sentido, Foucault identifica que no neoliberalismo, a

análise econômica deve encontrar como elemento de base a empresa; a

economia deve ser feita de unidades-empresas, assim como a sociedade

(FOUCAULT, 2008, pg. 310).

O sistema neoliberal é instaurado por forças e poderes que se

apoiam uns nos outros em nível nacional e internacional. Oligarquias

burocráticas e políticas, multinacionais, atores financeiros e grandes

organismos econômicos internacionais formam uma coalizão de poderes

concretos que se valem de todos os meios e os registros, seja financeiros,

diplomáticos, históricos, culturais, etc., para promover os interesses

misturados dos poderes estatais e econômicos, exercendo função política

em escala mundial (DARDOT; LAVAL, 2016, pg. 286). Hoje, a relação de

forças pende inegavelmente a favor desse bloco oligárquico.

No Brasil, o processo de privatização massivo das empresas

públicas teve início na década de 90, em seguimento as políticas de ajuste

fiscal e neoliberal do Consenso de Washington4, tendo em vista o

4 A denominação Consenso de Washington faz referência a um documento

apresentado pelo Institute for International Economics em uma reunião em

Washington DC. em 1989, com propostas de reformas que já vinham sendo aplicadas

em alguns países da América Latina e que eram consenso entre os membros do

Congresso e governo estadunidense, tecnocratas das instituições financeiras

internacionais, agências econômicas do governo norte-americano e o Federal

Reserve Board (BANDEIRA, 2002, pg. 35).Este conjunto de políticas

macroeconômicas previa um amplo programa de reformas estruturais dirigidas aos

países da periferia (OLIVEIRA, 2011, pg. 146), com recomendações de que o Estado

se retirasse da economia, seja como empresário ou como regulador das transações

domésticas e internacionais, a fim de que toda a América Latina se submetesse às

forças do mercado. A adoção de tais medidas constituiria condição fundamental para

que estes Estados pudessem renegociar a dívida externa e receber qualquer recurso

das agências financeiras internacionais, como o Bando Mundial e Fundo Monetário

Internacional. A ratificação da proposta neoliberal tornava-se condição para negociar

qualquer cooperação financeira externa, bilateral ou multilateral, de forma que os

95 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

favorecimento da internacionalização do capital e a concentração industrial

da produção (FILHO; SILVA, 1999, pg. 395). As grandes ondas de

privatização, desregulamentação e diminuição de impostos desde os anos

1980 deram crédito a ideia de um desengajamento do Estado, liberando a

ação dos capitais privados nos campos regidos até então por princípios não-

mercantis (DARDOT; LAVAL, 2016, pg. 271).

Com efeito, o discurso do livre mercado está ligado a um mito.

Desde Lipmann, constata-se que aqueles que mais defendem a ideia do

laissez-faire, vide os países desenvolvidos, são os mesmos que, por meio de

direitos aduaneiros e combinações, organizaram a vida industrial de seus

países em sistemas de empresas submetidos a um controle altamente

centralizado (1935, pg. 43), isto é, já se tratava da natureza da intervenção

governamental e seus objetivos.

Assim, constata-se a necessidade de abandonarmos a armadilha

histórica da separação da esfera dos interesses privados e do Estado

(DARDOT; LAVAL, 2016, pg. 271), afinal a economia de mercado não

poderia funcionar sem a densa rede de dispositivos sociais, educacionais,

científicos e militares5 herdados dos períodos anteriores do capitalismo.

Quando a gestão dos dispositivos administrativos e sociais ficam

nas mãos do Estado, ela contraria a lógica de mercado quanto ao papel dos

preços e à pressão da concorrência. Assim, no neoliberalismo, devem custar

menos e se orientar para as exigências da competição econômica, enquanto

campanhas midiáticas contra a gestão burocrática e o peso dos impostos,

países teriam que sujeitar suas respectivas políticas econômicas e decisões de

investimentos à fiscalização internacional, por meio das condicionalidades. Os

principais países latino-americanos ficaram diante do seguinte dilema: ou declaravam

moratória ou se submetiam aos órgãos intergovernamentais de regulação financeira.

A quase totalidade dos governos acabou optando pela segunda alternativa (SINGER,

1996, pg. 164).

5 Dispositivos são estratégias de relações de forças sustentando tipos de saber, e

sustentadas por eles (FOUCAULT, 1994, 300). Isto é, são discursos, instituições,

organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, etc; elementos

discursivos e não discursivos que coordenam estratégias e relações de poder de

grupos e indivíduos. Para Deluchey, a estratégia pode ser relacionada com a luta de

classes (DELUCHEY, 2016, pg. 189).

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 96 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

contribuem para a desvalorização daquilo que antes dependia da ação

pública e da solidariedade social (DARDOT, LAVAL, 2016, pg. 273). Para

esses autores, essa imposição à ação pública dos valores, práticas e o

funcionamento da empresa privada, instituem uma nova forma de governo,

o governo empresarial.

Com esse governo empresarial, o mercado não se impõe

simplesmente porque “invade” os setores associativos e de Estado, mas

porque se tornou um modelo universalmente válido para pensar a ação

pública e social. Hospitais, escolas, universidades, tribunais e delegacias são

considerados empresas da alçada das mesmas ferramentas e das mesmas

categorias (DARDOT; LAVAL, 2016, pg. 313).

Essa redução da intervenção política a uma intervenção horizontal

com atores privados introduz a uma mudança de perspectiva, criando o

“Estado-empresa”, que tem um papel reduzido em matéria de produção do

“interesse geral” (DARDOT; LAVAL, 2016, pg. 274). Esse falso equilíbrio

possibilitou o crescimento das empresas transnacionais, grandes

corporações empresariais e os conglomerados financeiros que têm se

valido do poder econômico para expandir e incorporar novos espaços nos

circuitos de acumulação do capital (ASSIS, 2014, pg. 616).

O discurso em prol da importância de investimentos estrangeiros

e das empresas transnacionais nos países em desenvolvimento se

fundamenta em um argumento segundo o qual os intercâmbios comerciais

permitiriam diminuir as disparidades entre as nações, reduzindo a distância

entre pobreza e riqueza. No entanto, ao largo prazo não foi obtido este

resultado, a desigualdade social se acirrou, em um processo de

concentração da riqueza nas mãos de poucos.

No Brasil, pesquisa desenvolvida pelo Consórcio Latino-americano

de Pós-Graduação em Direitos Humanos aponta diversos problemas com

relação ao cumprimento dos direitos humanos nestas empresas no Brasil,

como: presença de trabalho análogo à escravidão; trabalho infantil; déficits

no acesso à justiça e informação; violações do direito à liberdade sindical,

entre outros; e comprometendo mais ainda este cenário, problemas sérios

97 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

de articulação institucional no combate à estas práticas e de fiscalização

pelos órgãos responsáveis6.

Ademais, Dardot e Laval destacam que, nesse cenário, verifica-se

que as crises do neoliberalismo são oportunidades para as classes

dominantes, ao permitirem a intensificação da produção, com custos

menores e com legislações mais flexíveis, comprimindo cada vez mais a

sociedade através do desmonte de direitos sociais, de forma que se destaca

sua notável capacidade de auto-fortalecimento.

Compreender politicamente o neoliberalismo

pressupõe que se compreenda a natureza do projeto

social e político que ele representa e promove desde

os anos 1930. Ele traz em si uma ideia muito particular

da democracia, que, sob muitos aspectos, deriva de

um antidemocratismo: o direito privado deveria ser

isentado de qualquer deliberação e qualquer controle,

mesmo sob a forma do sufrágio universal. Essa é a

razão pela qual a lógica não controlada de auto-

fortalecimento e radicalização do neoliberalismo

obedece, hoje, a um cenário histórico que não é o dos

anos 1930, quando ocorreu uma revisão das doutrinas

e das políticas do “laissez-faire”. Esse sistema fechado

impede qualquer autocorreção de trajetória, em

particular em razão da desativação do jogo

democrático e até mesmo, sob certos aspectos, da

política como atividade. O sistema neoliberal está nos

fazendo entrar na era pós-democrática (DARDOT;

LAVAL, 2016, pg. 08).

Assim, a experiência histórica revela que as relações econômicas

entre países estabelecidas a partir da expansão das relações mercantis e o

processo de acumulação são assimétricas, e na verdade tem relação direta

com a produção de condições que não propiciam desenvolvimento.

6 Resultados preliminares de pesquisa ainda em andamento realizada pelo Consórcio

Latino-Americano de Pós-graduação em Direitos Humanos, com apoio da Clínica de

Direitos Humanos da Amazônia, Universidade Federal do Pará, e Fundação Ford.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 98 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

3. ENTENDENDO A ARQUITETURA DA

IMPUNIDADE

Nesse cenário, verifica-se que até o próprio conceito de direito

moderno, entendido como norma universalmente válida que emana do

Estado e é por ele imposta coercitivamente caso necessário, encontra-se

em transformação (SANTOS, 2007, pg. 82). As empresas não são mais meros

atores coadjuvantes do cenário internacional. A concretude do poder

econômico, e, portanto, da influência destes sujeitos em todas as instâncias

governamentais – incluindo a elaboração normativa, não pode mais ser

ignorada por analise formal da adequação de empresas enquanto

responsáveis por violações de direitos humanos (HOMA, 2015, pg. 07).

Nesse sentido, a exigência de que Estados sejam capazes de

controlar transnacionais em territórios em que o capital destas empresas

tenha mais relevância que o poder estatal se torna um grande desafio

(SELVANATHAN, 2015). Inclusive, em inúmeros acordos bilaterais,

empresas tem direitos garantidos perante Estados, sem que, por outro

lado, os indivíduos tenham a mesma garantia perante as atividades

empresariais (HOMA, 2015, pg. 08).

O discurso destas corporações, que fundamenta o que atualmente

vem sido chamado de “arquitetura da impunidade”7, baseia-se no

voluntarismo, na proposição de uma modalidade de regulamentação

eufemisticamente denominada “lei branda” (soft law), de caráter

conciliatório. De acordo com esta ótica, empresas, de forma autônoma e

voluntária, limitariam e controlariam sua ação direta ou indireta para evitar

violações aos direitos humanos.

Trata-se de uma perspectiva baseada também no discurso da

teoria da nova governança, que assenta a premissa de que o Estado não

7 “Arquitetura da impunidade” é como alguns denominam (BERRON; BRENNAN,

2012) uma rede de acordos, tratados e leis que ampliam os direitos dos “negócios”,

como a ocupação direta de cargos em organizações internacionais ou a pressão via

governos nacionais que defendem os interesses econômicos de suas empresas

(STIGLITZ, 2014).

99 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

pode ser o único encarregado de enfrentar os desafios sociais urgentes,

devendo envolver outros atores nessa tarefa, em uma literatura que

enfatiza a “regulação reativa”, cooperação informal, associações público-

privadas e processos multistakeholders (RUGGIE, 2014, pg. 09). Para Dardot

e Laval, o termo governança se tornou palavra-chave da nova norma

neoliberal (DARDOT; LAVAL, 2016, pg. 275).

Para esses autores, a nova norma concorrencial implicou o

desenvolvimento crescente de formas múltiplas de concessão de

autoridade às empresas privadas, de forma que atualmente identificam um

cenário de coprodução público-privadas das normas internacionais, sempre

favoráveis aos grandes grupos oligopolistas (DARDOT; LAVAL, 2016, pg.

277), que compõem a arquitetura da impunidade.

Assim, a empresa torna-se fundamento da

organização da “governança” da economia mundial

com o apoio dos Estados-locais. Hoje são os

imperativos, as premências e as lógicas das empresas

privadas que comandam diretamente as agendas do

Estado [...]. Isso quer dizer que as políticas

macroeconômicas são amplamente o resultado de

codecisões públicas e privadas, embora o Estado

mantenha certa autonomia em outros domínios,

mesmo que essa autonomia tenha sido enfraquejada

pela existência de poderes supranacionais e pela

delegação de inúmeras responsabilidades públicas a

um emaranhado de ONGs, comunidades religiosas,

empresas privadas e associações. (DARDOT; LAVAL,

2016, pg. 278).

Aparentemente, remete-se a ideia de uma privatização da

fabricação da norma internacional e a uma normatização privada necessária

a coordenação das trocas de produtos e capitais. Para Dardot e Laval, a

governança de Estado visa oficialmente a fazer com que as entidades

privadas forneçam bens e serviços de forma supostamente mais eficiente e

outorga ao setor privado a capacidade de produzir normas de

autorregulação no lugar de lei (DARDOT; LAVAL, 2016, pg. 278).

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 100 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

As lógicas de regulação indireta e híbrida são passíveis de ser

encontradas em todos os processos nos quais especificações técnicas são

necessárias ao comércio mundial. Dentro dessa configuração, os Estados

não têm mais do que um papel de subordinado ou assistente e interiorizam

suficientemente esse papel para não ter mais condições de definir políticas

sociais, ambientais ou cientificas sem a concordância – ainda que tácita –

dos oligopólios (DARDOT; LAVAL, 2016, pg. 282).

Assim, é com os recursos do Estado, e com retórica tradicional,

utilizando termos como “interesse nacional, segurança do país, o bem do

povo”, que os governos, em nome de uma concorrência que eles mesmos

construíram e desejaram, conduzem politicas vantajosas para as empresas

e desvantajosas para seus assalariados (DARDOT; LAVAL, 2016, pg. 282).

Nesse sentido, o debate sobre a atuação dos poderes econômicos

no Brasil e seu possível impacto sobre a democracia, isto é, a análise sobre

os efeitos estruturantes da participação política dos atores econômicos na

economia e na sociedade do país se mostram urgentes, a partir do

reconhecimento da complexidade da interação Estado-empresas e da

identificação de um processo de captura corporativa.

[...] alguns descrevem como a “captura corporativa”,

ou captura da política/democracia por parte dos

poderes econômicos, fenômenos que não se limitam à

participação dos “ricos” na política – a velha

plutocracia weberiana –, mas que se referem a uma

maior promiscuidade facilitada pela dependência dos

políticos nos sistemas democráticos competitivos, ou

seja, a possibilidade de sua eleição depende dos meios

econômicos para a realização das campanhas

eleitorais, ao mesmo tempo que o exercício dos

cargos (executivos e legislativos) é condicionado

pelos compromissos para a viabilização da futura

reeleição ou de uma “retirada digna” da gestão

pública – ilustríssimos ex-premiers europeus são,

atualmente, consultores de grandes empresas.

(BERRON, 2014, pg. 01).

101 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Isto é, nesse processo, atores econômicos tentam “capturar” as

instituições de representação política nacionais e supranacionais de modo

que seus interesses se transformem em decisões públicas (leis e normas,

políticas públicas, programas governamentais, licitações, decisões

judiciais)8 que favoreçam primordialmente os interesses das empresas

(VIGENCIA, 2016, pg. 07).

Para tratar deste tema, Boaventura de Sousa Santos retoma sua

tese de que o pensamento moderno é um pensamento abissal (SANTOS,

2007, pg. 71). O autor caracteriza este sistema através de distinções visíveis

e invisíveis estabelecidas por meio de linhas radicais que dividem a

realidade social em dois universos distintos, através da elaboração de duas

categorias dicotômicas fundadas na distinção entre as sociedades

metropolitanas e os territórios coloniais: regulação/emancipação9 e

apropriação/violência10.

8 O enfraquecimento ou a diluição de regulações que controlam a conduta de

determinado setor econômico, o conhecimento antecipado de planos ou programas

governamentais, a participação em conselhos ou comissões encarregadas de

desenhar ou implementar políticas públicas, o financiamento de campanhas políticas,

o lobby e a promoção de bancadas parlamentares no Congresso, bem como a

contratação de políticos e funcionários públicos são alguns dos mecanismos

utilizados por empresas para influenciar as decisões políticas (VIGENCIA, 2016, pg.

11).

9 De fato, a dicotomia “regulação/emancipação” se aplica apenas a sociedades

metropolitanas. Seria impensável aplicá-la aos territórios coloniais, aos quais se

aplica a dicotomia “apropriação/violência”, por sua vez inconcebível de aplicar a este

lado da linha. Contudo, a inaplicabilidade do paradigma “regulação/emancipação”

aos territórios coloniais não comprometeu sua universalidade (SANTOS, 2007, pg.

72).

10 A apropriação e a violência assumem formas diferentes nas linhas abissais jurídica

e epistemológica, mas em geral a apropriação envolve incorporação, cooptação e

assimilação, enquanto a violência implica destruição física, material, cultural e

humana. Na prática, é profunda a ligação entre a apropriação e a violência. [...]. No

tocante ao direito, a tensão entre apropriação e violência é particularmente

complexa em virtude de sua relação direta com a extração de valor: tráfico de

escravos e trabalho forçado, uso manipulador do direito e das autoridades

tradicionais por meio do governo indireto (indirect rule), pilhagem de recursos

naturais, deslocação maciça de populações, guerras e tratados desiguais, diferentes

formas de apartheid e assimilação forçada etc. (SANTOS, 2007, pg. 75).

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 102 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

O argumento do autor é que esta realidade permanece até a

atualidade, o pensamento moderno ocidental segue operando mediante

linhas abissais que separam o mundo subumano, de tal modo que os

princípios da humanidade não postos em causa por práticas desumanas.

Assim, as colônias representam um modelo de exclusão radical que

permanece no pensamento e nas práticas modernas tal como no ciclo

colonial (SANTOS, 2007, pg. 76).

Ademais, o autor ainda acrescenta que, de acordo com sua análise,

a lógica da apropriação/violência se desloca num movimento complexo,

ganhando força em detrimento da lógica da regulação/emancipação numa

extensão tal que o domínio desta última não só se encolhe, como também

se contamina internamente pela primeira (SANTOS, 2007, pg. 77). Assim, a

“regulação/emancipação” é cada vez mais desfigurada pela presença e pela

crescente pressão da “apropriação/violência” em seu interior (SANTOS,

2007, pg. 79).

Nesse sentido, para Boaventura Santos, o soft law destinado às

empresas transnacionais, lei cujo cumprimento é voluntário, seria a

manifestação mais benevolente do ordenamento “regulação/

emancipação”, trazendo consigo a lógica da apropriação/violência sempre

que estejam em jogo relações de poder muito desiguais (SANTOS, 2007, pg.

82).

O soft law, esta lei eufemisticamente denominada “branda” por

ser branda com aqueles cujo comportamento empreendedor é considerado

regular, e dura com aqueles que sofrem as consequências do seu não-

cumprimento, apresenta semelhanças intrigantes com o direito colonial,

cuja aplicação dependia mais da vontade do colonizador do que de qualquer

outra coisa (SANTOS, 2007, pg. 82).

Constata-se o fenômeno do “regresso do colonizador”, que implica

a ressuscitação de formas de governo colonial, sendo que a expressão mais

evidente desse movimento pode ser concebida como uma nova forma de

governo indireto, que emerge em diversas situações em que o Estado se

retira da regulação social e os serviços públicos são privatizados, de modo

103 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

que poderosos atores não-estatais adquirem controle sobre a vida e o bem-

estar de vastas populações (SANTOS, 2007, pgs. 79-80).

A necessidade de regulação das empresas nasce do poder

ontológico do Direito. O direito, prescreve o que constitui uma ordem

razoável aceitando e validando algumas partes da vida coletiva, ao mesmo

tempo que proíbe, excluindo outros, tornando-os invisíveis. A lei e os

direitos ligam a linguagem com coisas ou seres; eles nomeam o que existe

e condenam o resto à invisibilidade e à marginalidade (COSTA DOUZINAS,

2013).

O destaque cada vez maior às obrigações em direitos humanos de

atores não estatais, o reconhecimento crescente de direitos econômicos e

sociais, e campanhas fora do âmbito das Nações Unidas contra o potencial

destrutivo de projetos de desenvolvimento de grandes corporações, que

impulsionaram o surgimento de novas formas de responsabilização de

instituições financeiras por danos ambientais e sociais; são descritos por

Feeney como os principais motivos para que a partir dos anos 70, o tema de

direitos humanos e empresas passasse a integrar a agenda internacional

(FEENEY, 2009, pg. 175).

Nesse contexto, houve diversas tentativas de Estados e da

sociedade civil para elaborar parâmetros globais de responsabilização de

empresas envolvidas em violações de direitos humanos. Apesar da abertura

de novos fóruns de discussão, e de tentativas de base principiológica

estabelecidas pela ONU, OIT, OECD, ou em nível privado, constata-se que

são insuficientes frente ao poder das transnacionais (UGALDE, 2013, pg.

174) e não são capazes de modificar o cenário de impunidade perante

violações de direitos humanos.

Em 26 de setembro de 2014, durante a 26ª sessão do Conselho de

Direitos Humanos da ONU foram aprovadas duas Resoluções sobre o tema

de empresas e direitos humanos, uma que garante a continuidade ao

enfoque dos princípios orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos e

busca aprofundar sua implementação, enquanto a outra estabeleceu a

criação de um Grupo de Trabalho encarregado de elaborar um projeto de

instrumento vinculante sobre o tema.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 104 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

A partir dos debates em torno deste Grupo, que já realizou duas

sessões, surgiu uma possibilidade de reconhecimento das empresas

transnacionais como sujeitos de direitos e deveres perante o Direito

Internacional, passíveis, portanto, de responsabilização diante da violação

de Direitos Humanos. Em outubro de 2017, ocorrerá a terceira sessão do

grupo e a expectativa é que se iniciem as negociações.

Nesse sentido, constata-se o início de um processo de

reconhecimento público de que violações de direitos humanos não são

cometidas unicamente por instituições e aparatos do poder do Estado, mas

são cometidas também por atores privados e outras entidades, como as

empresas transnacionais, no neoliberalismo.

CONCLUSÃO

Este artigo teve por objetivo analisar como operam as lógicas

coloniais de normatização da atuação das corporações transnacionais no

Sul Global. Assim, partimos do pressuposto de que havia um déficit nos

estudos sobre neoliberalismo e direitos humanos, que seria a reflexão

sobre a natureza colonial do neoliberalismo

Constatou-se que a expansão das políticas econômicas neoliberais

na América Latina, a partir dos anos 1980, favoreceu a entrada de

investimentos e acionistas internacionais, mercantilizou e colocou à

disposição destas corporações setores básicos da vida das pessoas, através

de privatizações massivas, incluindo serviços públicos essenciais para o

gozo dos direitos humanos e coesão social.

Nesse sentido, aliou-se a tese de Grasfoguel, segundo a qual ainda

vivemos sob a matriz de poder colonial, através da colonialidade global,

imposta pelas instituições financeiras internacionais e pelas corporações,

de forma que, identifica-se a continuidade das relações centro-periferia

(2008).

Adotando o pensamento de Dardot e Laval, reconhecemos que o

Estado e os setores privados se encontram em coalizão, articulando um

105 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

governo empresarial (DARDOT; LAVAL, 2016). O discurso destas

corporações e do Estado no neoliberalismo fundamenta o que atualmente

vem sido chamado de “arquitetura da impunidade”, baseado no

voluntarismo e na boa governança, em um sistema com semelhanças

intrigantes com o direito colonial, destacadas por Santos (SANTOS, 2007).

Com efeito, concluímos que violações de direitos humanos não são

cometidas unicamente por instituições e aparatos do poder do Estado.

Nesse sentido, sob a perspectiva da teoria crítica das relações

internacionais e dos direitos humanos, o debate sobre a arquitetura da

impunidade das empresas transnacionais e sobre a captura corporativa do

Estado e da democracia no Brasil se tornam urgentes para os processos de

luta pela efetivação de direitos humanos.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 106 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSIS, Wendell Fischer Teixeira. Do colonialismo à colonialidade: expropriação territorial na periferia do capitalismo. CRH, Salvador, v. 27, n. 72, p. 613-627, Set./Dez. 2014. BRENNAN, B.; BERRÓN, G. 2012. Hacia una respuesta sistémica al capital transnacionalizado. América Latina en Movimiento, Quito, ALAI, n. 476, jun. 2012. (Capital transnacional vs Resistencia de los pueblos). Disponível em: <http://alainet.org/publica/476.phtml>. Último acesso em: dezembro de 2016. CARVALHO, Marcos Cesar Araujo. A Reconfiguração das relações de poder na américa latina: recolonização e resistências em um contexto neoliberal. In Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-9788. Depósito Legal: B. 21.741-98 Vol. XVI, núm. 418 (61), 1 de noviembre de 2012. DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Trad. Mariana Echalar. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2016. DELEUZE, Gilles. Post-Scriptum sobre as sociedades de controle, In Conversações, 1972-1990, São Paulo: Ed. 34, 1992 [1990], 219-226. DELUCHEY, Jean-François Yves. Sobre Estratégias e Dispositivos Normativos em Foucault: 1. Considerações de Método. Revista da Faculdade de Direito da UFG, v. 40, 2016, p. 175-196. DOUZINAS, Costa. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009. ________________.Seven Theses on Human Rights: (7) Cosmopolitanism, Equality & Resistance. In. Critical Legal Thinking. 2013. Disponível em: <http://criticallegalthinking.com/2013/06/13/seven-theses-on-human-rights-7-cosmopolitanism-equality-resistance/> Acesso em 20/12/2016. FEENEY, Patricia. A Luta por Responsabilidade das Empresas no Âmbito das Nações Unidas e o Futuro da Agenda de Advocacy. SUR. Revista Internacional de Direitos Humanos, v.6, n.11, p. 175-191, 2009. FILHO, Nelson Siffert; SILVA, Carla Souza. As Grandes Empresas nos Anos 90: Respostas Estratégicas a um Cenário de Mudanças. In: GIANBIAGI, Fábio Giambiagi; MOREIRA, Maurício Mesquita (Org.). A economia brasileira nos anos 90. 1. ed. Rio de Janeiro: BNDES, 1999.

FOUCAULT, Michel. Nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008, “Aula do 14 de março de 1979”, p. 297-327.

107 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

GROSFOGUEL, Ramón. Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global, Revista Crítica de Ciências Sociais [Online]. 80 | 2008, colocado online no dia 01 outubro 2012, criado a 11 agosto 2017. URL : <http://rccs.revues.org/697> ; DOI : 10.4000/rccs.697> HOMA- UFJF. Tratado sobre Direitos Humanos e Empresas: duas questões principais. 2015. Disponível em: <http://homacdhe.com/wp-content/uploads/2015/11/Artigo-Tratado-sobre-Direitos-Humanos-e-Empresas-Duas-Quest%C3%B5es-Principais.pdf> Acesso em 29/12/2016. LIPPMANN, Walter. The permanent new deal. In The New Imperative. Londres: Macmillan. 1935. MATHIS, Adriana de Azevedo. Impactos da mineração e direitos humanos em Carajás/Pará. In. Homa Publica: Revista Internacional de Direitos Humanos e Empresas Vol. 01 (Novembro de 2016) Juiz de Fora: Homa, 2016. Págs. 122-139. PUELLO-SOCARRÁS, José Francisco. Ocho tesis sobre el Neoliberalismo (1973-2013). In. O neoliberalismo sul-americano em clave transnacional: enraizamento, apogeu e crise. Organizado por Hernán Ramírez. – São Leopoldo: Oikos; Editora Unisinos, 2013. Págs. 13-57. QUIJANO, Anibal. Colonialidad del Poder, eurocentrismo y America Latina. Disponvível em <http://www.clacso.org/wwwclacso/espanol/html/libros/lander/10.pdf>. Acesso em: 20 de dezembro de 2016. RUGGIE, John G. A UN Business and Human Rights Treaty? 2014. Disponível em: <www.hks.harvard.edu/m-rcbg/CSRI/UNBusinessandHumanRightsTreaty.pdf>. Acesso em 01/01/2016. SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. Novos estudos. - CEBRAP, São Paulo, n. 79, p. 71-94, Nov. 2007. Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002007000300004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 21 Dec. 2016. SELVANATHAN, Puvan J. The Business and Human Rights Treaty Debate: Is Now the Time. The Kenan Institute for Ethics. Janeiro de 2015. UGALDE, Koldo. Los Acuerdos Marco Internacionales (AMIs) ¿Oportunidad para reequilibrar poder frente a las empresas transnacionales (ETNs)? Una visión desde la EU. In. Empresas transnacionales en América Latina. Análisis y propuestas del movimiento social y sindical. Coordinación: Juan Hernández Zubizarreta et. al. Junio de 2013. p. 173-185

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 108 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

WALSH, Catherine. Development as Buen Vivir: Institutional arrangements and (de)colonial entanglements. Development, 2010, 53(1), págs. 15–21.

109 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS NO BRASIL: COMO AS EMPRESAS MINERADORAS TÊM

AFETADO A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO TERRITÓRIO BRASILEIRO

HUMAN RIGHTS AND BUSINESS IN BRAZIL: HOW

MINING COMPANIES ARE AFFECTING HUMAN

RIGHT PROTECTION IN THE BRAZILIAN

TERRITORY

Ana Cláudia Ruy Cardia1

RESUMO

O presente trabalho objetiva analisar o impacto das empresas mineradoras

nacionais e transnacionais que operam no Brasil, verificando se suas

atividades estão alinhadas com os princípios, regras e recomendações de

Direitos Humanos e Empresas elaborados pelos organismos internacionais.

Da análise do desastre ambiental provocado pela Samarco na cidade de

Mariana, estado de Minas Gerais, às ambições desenvolvimentistas vistas

nas tentativas de instalação da mina a ser operada pela empresa canadense

Belo Sun Mining Corporation nas áreas adjacentes à usina hidrelétrica de

Belo Monte, Pará, o presente artigo procura demonstrar que há evidências

claras de que tanto as empresas de mineração operando no Brasil quanto o

Estado brasileiro caminham na contramão do desenvolvimento de um

amplo espectro de proteção aos direitos humanos decorrente da atividade

empresarial.

1 Mestre e Doutoranda em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professora da Faculdade de

Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie (FD-UPM). Advogada.

[[email protected]].

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 110 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

PALAVRAS-CHAVE: Brasil. Direitos Humanos e Empresas. Direito

Internacional. Empresas Mineradoras.

ABSTRACT

The present work aims to analyze the impact of national and transnational

mining companies operating in Brazil, verifying whether their activities are

in line with the Human Rights and Business principles, rules and

recommendations given by international bodies. From the analysis of the

environmental disaster provoked by Samarco in the city of Mariana, Minas

Gerais state, to the developmental wishes viewed in the attempts of

installment of the mine to be operated by the Canadian mining company

Belo Sun Mining Corporation in the adjacent areas of Belo Monte

hydroelectric power plant, Pará, the present paper seeks to demonstrate

that there is clear evidence that both mining companies operating in Brazil

as well as the Brazilian State go against the development of a broad

spectrum of human rights protection arising from business activity.

KEYWORDS: Brazil. Human Rights and Business. International Law. Mining

Industries.

INTRODUÇÃO

A necessidade de proteção dos direitos humanos é, na sociedade

internacional pós-moderna, uma premente realidade, em especial se

considerado o atual estágio da globalização, em que novos atores e sujeitos

de Direito Internacional Público interagem direta e quotidianamente.

É neste contexto fático que se insere a imprescindível observância

às atividades desempenhadas pelas empresas transnacionais. Com capital

em alguns casos superior ao Produto Interno Bruto de alguns Estados, as

corporações apresentam atualmente grande força interventiva naqueles

111 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

sujeitos Direito Internacional, sendo ainda mais intensa em sociedades em

desenvolvimento. No caso específico das indústrias extrativistas, verificou-

se nos últimos anos um incremento de suas atividades ao redor do globo, o

que também as projeta para e as inclui no cenário ora descrito.

A atuação de empresas mineradoras no plano internacional

provoca notáveis alterações no meio ambiente, posto que a extração de

minérios demanda modificações drásticas na topografia dos territórios

explorados. Ademais, um aspecto que merece destaque quanto à atuação

de empreendimentos dessa natureza é o crescente número de violações

aos direitos humanos decorrentes diretamente da exploração dessa

atividade, muitas vezes apoiada por Governos, em seus ímpetos

desenvolvimentistas, mas com impactos desconhecidos pela população

diretamente por eles afetada.

É essa a questão geral que o presente trabalho objetiva avaliar,

tendo por contexto a atuação de empresas mineradoras no Estado

Brasileiro. Da análise da tragédia provocada pela empresa Samarco nos

Municípios de Mariana e Bento Gonçalves, estado de Minas Gerais, e demais

localidades do estado do Espírito Santo - bem como de suas consequências

à população daqueles locais -, à polêmica envolvendo o início das obras de

exploração de minérios pela empresa Belo Sun no Rio Xingu, no estado do

Pará, o presente trabalho intenta demonstrar que o panorama de

desenvolvimento adotado pelo Estado Brasileiro caminha em descompasso

com a normativa internacional de Direitos Humanos e Empresas, assim

como com as obrigações internacionalmente assumidas perante os

Sistemas Global e Interamericano de Direitos Humanos.

Será utilizado o método qualitativo de análise de fontes primárias

e secundárias, bem como o método indutivo para o alcance das principais

conclusões, tendo como linha condutora a visão de Zygmunt Bauman

(BAUMAN, 2011, p. 32, 78) de globalização e de pós-modernidade, bem

como de suas potenciais consequências negativas para a proteção aos

direitos humanos.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 112 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

1. A ATUAÇÃO DAS EMPRESAS MINERADORAS E

A NECESSÁRIA CONEXÃO COM O TEMA

DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS

Nos últimos anos, verificou-se na sociedade internacional uma

intensificação da atividade extrativista mineral (UNITED NATIONS

ENVIRONMENT PROGRAMME, 2016, p 14-16). Beneficiadas por legislações

muitas vezes pouco impositivas de medidas protetivas ao meio ambiente,

ou mesmo por Poderes Judiciários pouco combativos às eventuais

violações, as empresas dessa natureza passaram a integrar o rol de sujeitos

responsáveis por grandes violações aos direitos humanos e ao meio

ambiente.

Seja por meio de práticas destrutivas dos ecossistemas locais, seja

pela ocorrência de descasos para com a população residente nos entornos

dos projetos de mineração - que se traduzem não apenas em potenciais

contaminações ao ambiente em que se localizam as comunidades próximas,

mas também pela ausência de consulta às populações sobre os eventuais

riscos e impactos socioambientais da atividade das empresas mineradoras,

além de potenciais explorações aos direitos trabalhistas daqueles que

atuam diretamente nas minas e na criminalização das populações locais -, a

realidade atual se resume na ocorrência de um grande número de violações

aos direitos humanos e ao direito ambiental por parte das empresas

mineradoras (KEMP, BOND, FRANKS, COTE, 2010, p. 1553-1562). Acidentes

trágicos como o rompimento das barragens de rejeitos da mina de ouro de

propriedade da empresa Aurul S.A. em Baía Mare, Romênia (UNITED

NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME/OFFICE FOR THE CO-

ORDINATION OF ENVIRONMENTAL AFFAIRS, 2000, p. 6-7), em 2000, ou

mesmo o vazamento dos rejeitos da barragem pertencente à mina de

Mount Polley, no Canadá (AUDITOR GENERAL OF BRITISH COLUMBIA,

2016, p. 3), de propriedade da empresa Imperial Metals, comprovam a

existência de um descompasso entre a atuação das empresas mineradoras

113 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

e a aplicação efetiva dos direitos humanos internacionalmente

consagrados.

As consequências de tais atividades, contudo, não passam

despercebidas aos olhos da sociedade internacional, das organizações da

sociedade civil e dos Sistemas Regionais de Proteção aos Direitos Humanos,

que buscam alcançar a efetiva reparação dos danos socioambientais

ocasionados por tais coroporações. A fim de mitigar esse desacerto

verificado no plano interno dos Estados, um extenso rol de normas

internacionais foi elaborado nas últimas décadas. De natureza vinculante

ou mesmo com caráter de soft law (NASSER, 2006), é sabido que algumas

empresas e Estados acabaram por aderir a tais regras na tentativa de

adequar seus padrões de atuação aos standards protetivos desenvolvidos

na esfera internacional.

Neste cenário de normas do ramo do Direito Internacional

reconhecido como Direitos Humanos e Empresas e que se aplicam à

realidade das mineradoras, é possível mencionar os Voluntary Principles on

Security and Human Rights, estabelecidos em 2000 e destinados

especificamente ao setor de indústrias extrativas, com diretrizes para

Estados, empresas e organizações não-governamentais (VOLUNTARY

PRINCIPLES ON SECURITY AND HUMAN RIGHTS, 2000); a Extractive

Industries Transparency Initiative e o Kimberley Process Certification Scheme,

criados em 2003 (BAUMANN-PAULY, NOLAN, 2016, p. 147-160); os

Princípios do Equador (EQUATOR PRINCIPLES, 2013), estabelecidos em

2006 pela International Finance Corporation (INTERNATIONAL FINANCE

CORPORATION, 2012), instituição ligada ao Banco Mundial destinada à

promoção de empréstimos financeiros ao setor privado, que intenta

garantir a sustentabilidade social e ambiental dos projetos financiados por

aquele Banco, bem como o estabelecimento de uma política de divulgação

de informações sobre o andamento daquelas iniciativas (CARDIA, 2015, p.

83-91). Outros bancos multilaterais de desenvolvimento, como o Banco

Interamericano de Desenvolvimento, também contam com salvaguardas

socioambientais para projetos desenvolvidos por mineradoras (BANCO

INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2015).

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 114 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Também aplicáveis às mineradoras são as diretrizes da OCDE,

assim como, no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), verifica-

se a existência do Pacto Global e dos Princípios Orientadores da ONU sobre

Empresas e Direitos Humanos (CARDIA, 2015, p. 91-175). Mais recente,

também, é a discussão no sistema onusiano sobre a elaboração de um

tratado sobre a matéria2.

Uma vez verificada a conexão entre a atividade desempenhada

pelas empresas mineradoras e a imprescindível proteção aos direitos

humanos e ao meio ambiente, comprovada mediante a existência de um

número razoável de normas internacionais relacionadas à proteção dos

direitos humanos decorrentes da atividade empresarial, passa-se à conexão

de tais pressupostos ao modelo de desenvolvimento adotado pelo Estado

Brasileiro e demonstrado pelo posicionamento do País nos casos

envolvendo mineração, especificamente nos estados de Minas Gerais e

Pará.

2. EMPRESAS MINERADORAS NO BRASIL: DA

TRAGÉDIA DE MARIANA ÀS POSSÍVEIS

ATIVIDADES DA EMPRESA BELO SUN NO

PARÁ

Apesar da miríade de projetos de mineração existentes no Brasil,

o presente trabalho se desenvolve diante da análise das consequências

socioambientais verificadas pelo desempenho negligente da empresa

Samarco no estado de Minas Gerais, assim como das ambições

desenvolvimentistas do projeto encabeçado pela companhia Belo Sun

Mining Corporation, no Pará, a fim de traçar um panorama de atuação de

2 HOMA. Tratado sobre direitos humanos e empresas: duas questões principais.

Disponível em:

<http://homacdhe.com/wp-content/uploads/2015/11/Artigo-Tratado-sobre-

Direitos-Humanos-e-Empresas-Duas-Questões-Principais.pdf>. Acesso em: 12 Set.

2017.

115 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

tais empreendimentos no Brasil e que conta com a conivência do próprio

Estado Brasileiro.

2.1. DADOS E IMPLICAÇÕES D A TRAGÉDIA

SOCIOAMBIENTAL OCORRIDA EM MARIANA

Em 05 de novembro de 2015, registrou-se o rompimento da

barragem de rejeitos de “Fundão”, localizada no Município de Mariana,

cidade histórica do estado brasileiro de Minas Gerais. A barragem, de

propriedade da empresa Samarco - uma joint venture entre a empresa

brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, estabelecida em 1977 -,

fazia parte de um conjunto de tanques de contenção de resíduos de mesma

natureza, conhecidas como barragens de “Santarém” e “Germano”.

O acontecimento em comento afetou a vida de cerca de três

milhões de pessoas que vivem na região, deixando desabrigadas

aproximadamente trezentas famílias e ensejando o óbito e o

desaparecimento de número maior que vinte pessoas. No Município de

Bento Rodrigues, também no estado de Minas Gerais, foram destruídas

80% das casas. Estima-se o vazamento de 62 milhões de metros cúbicos de

lama tóxica provenientes da exploração de minérios por referidas empresas

naquela região3.

O ocorrido em Mariana se constitui atualmente como a maior

tragédia da história com barragens dessa natureza4, sendo duas vezes

maior que o segundo pior acidente do tipo, ocorrido no ano de 2014 na mina

canadense de Mount Polley, na Columbia Britânica. Isso porque o despejo

3MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. MPF denuncia 26 por tragédia em Mariana.

Disponível em:

<http://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/noticias-mg/mpf-denuncia-26-por-

tragedia-em-mariana-mg>.Acesso em: 14 Nov. 2017. 4 AGÊNCIA BRASIL. Desastre em Mariana é o maior acidente mundial com

barragens em 100 anos. Disponível em:

<http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-01/desastre-em-mariana-e-o-

maior-acidente-mundial-com-barragens-em-100-anos>. Acesso em: 31 Jul. 2016.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 116 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

dos rejeitos atingiu a Bacia do Rio Doce, que cruza os estados de Minas

Gerais e Espírito Santo, desembocando no Oceano Atlântico.

As consequências ambientais foram as mais diversas possíveis.

Com a tragédia, verificou-se uma mudança no curso do Rio Doce, que ainda

hoje apresenta o risco de sofrer alterações em seu padrão de inundação,

ocasionando novos danos. Verificou-se também a contaminação e a morte

de peixes e de espécies da flora que acompanham aquele Rio. O despejo de

rejeitos tóxicos no Oceano Atlântico afetou o ecossistema marinho,

ensejando novos danos que certamente extrapolarão as fronteiras

nacionais. A proporção dos danos ambientais tende a aumentar na medida

em que os rejeitos avançam por aquele Oceano, assim como na medida em

que a lama que se alastrou se assenta nos locais pelos quais passou,

ocasionando a impermeabilização dos solos atingidos e,

consequentemente, ampliando sua acidez.

Quanto às implicações econômicas, a contaminação das águas do

Rio Doce provocou não apenas o desabastecimento da região, afetando a

agricultura, as indústrias siderúrgica, metalúrgica e o comércio das regiões

atingidas, como também trouxe implicações para a população que tinha sua

renda garantida pela pesca (IBAMA, 2015, p. 4-5).

Na tentativa imediata de reparar os danos provocados, medidas

judiciais e extrajudiciais foram tomadas. No plano judicial, foram propostas

ações civis públicas e de indenização. Extrajudicialmente, a Samarco foi

notificada e multada pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e

Desenvolvimento Sustentável do estado de Minas Gerais (SEMAD) e pelo

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

(IBAMA) ao pagamento de mais de 300 milhões de reais por danos

ambientais ocasionados em decorrência daquela tragédia, além da

suspensão de sua licença ambiental. Ademais, foi celebrado um Termo de

Compromisso Socioambiental Preliminar pelo Ministério Público de Minas

Gerais e pelo Ministério Público Federal com a empresa Samarco

(MINISTÉRIO PÚBLIO FEDERAL, 2015), na tentativa de encontrar formas

para mitigar os impactos ocorridos. Dos termos de referido acordo, aquela

empresa teve de prestar caução socioambiental de um bilhão de reais para

117 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

garantir a realização de medidas de prevenção, contenção e reparação de

danos ocasionados5.

Foram também conduzidas investigações pela Polícia Civil do

estado de Minas Gerais e pela Polícia Federal. O Ministério Público Federal

e o Ministério Público do Estado de Minas Gerais deram início às

investigações logo após a ocorrência do rompimento da barragem de

Fundão. A Promotoria do Município de Mariana abriu inquéritos

relacionados à proteção dos direitos humanos dos desabrigados. Uma

denúncia criminal foi feita ao final de 2016 perante a Justiça Federal, sendo

citados vinte e dois réus e quatro empresas (Samarco, Vale, BHP Billiton e

VogBr) por homicídio no caso da tragédia ora em comento6.

No decorrer das investigações, constatou-se que em nenhum

momento a população residente nas regiões atingidas foi consultada sobre

os possíveis impactos ambientais decorrentes das atividades lá

desenvolvidas, não podendo, portanto, participar da elaboração de

políticas públicas e fiscalização das atividades governamentais de proteção

ao meio ambiente. Nota-se, portanto, o completo descaso daquelas

empresas para com a saúde e a segurança da população local, bem como

para com a proteção do meio ambiente.

Passados dois anos de referida tragédia, um número expressivo de

pessoas permanece desabrigada, sem ter podido retomar sua vida com

normalidade, sendo que algumas famílias, inclusive, ainda não foram

indenizadas pelos danos ocasionados7. Ademais, estudos mais recentes de

5 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. MPMG e MPF assinam

Termo de Compromisso Preliminar com a Samarco, garantindo montante mínimo

de R$ 1 bilhão para tutela ambiental emergencial. Disponível em:

<https://www.mpmg.mp.br/comunicacao/noticias/mpmg-e-mpf-assinam-termo-de-

compromisso-preliminar-com-a-samarco-garantindo-montante-minimo-de-r-1-

bilhao-para-tutela-ambiental-emergencial.htm#.Vw6fkfkrJD9>. Acesso em 14 Nov.

2017. 6MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Denúncia. Disponível em:

<http://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/docs/denuncia-samarco>. Acesso em:

14 Nov. 2017. 7 AGÊNCIA BRASIL. Atingidos em Mariana ainda não sabem quando serão

indenizados pela Samarco. Disponível em:

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 118 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

avaliação dos impactos do material despejado no meio ambiente para o

ecossistema e para as populações trouxeram o alerta de que as águas

permanecem impróprias para consumo e utilização na agricultura. O teor

de rejeitos nas águas está ainda relacionado à possibilidade de

contaminação dos indivíduos que a consumirem e até mesmo de doenças

mais graves, tais como câncer do trato digestivo e bexiga (UNIVERSIDADE

FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO, 2017, p. 119). O meio marinho também

apresenta altos indícios dos rejeitos de ferro e redução das comunidades

de fitoplânctons, zooplânctons e utros microorganismos, potencializando

os efeitos negativos supramencionados.

No plano judicial, em março de 2017 foi homologado parcialmente

na justiça estadual de Minas Gerais um Termo de Ajustamento Preliminar

entre o Ministério Público Federal e as empresas Samarco e suas acionistas

Vale e BHP Billiton8, que aceitou as garantias oferecidas pela Samarco e

suspendeu alguns dos processos em andamento contra a empresa.

O IBAMA manteve a aplicação de suas multas administrativas,

rejeitando todos os recursos interpostos pela Samarco9 para questionar o

valor pecuniário atribuído às violações ao meio ambientes decorrentes do

desastre que, como visto, não teve nenhuma característica meramente

acidental.

As famílias, as principais afetadas, também têm tido pouca

participação nas medidas de reparação e o comércio local permanece à

míngua com a ausência de cuidados. Apesar do ocorrido ter chocado as

sociedades brasileira e internacional por sua magnitude socioambiental, o

<http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-11/mariana-um-ano-depois-da-

tragedia-atingidos-nao-sabem-quando-serao-indenizados>. Acesso em: 15 Nov.

2017. 8 VALE. Vale informa sobre a homologação parcial do Termo de Ajustamento

Preliminar celebrado em 18/01/2017 com o Ministério Público Federal. Disponível

em: <http://www.vale.com/brasil/PT/investors/information-market/press-

releases/Paginas/vale-informa-sobre-a-homologacao-parcial-do-termo-de-

ajustamento-preliminar.aspx>. Acesso em 01 Set. 2017. 9 IBAMA. IBAMA nega recursos da Samarco. Disponível em:

<http://www.ibama.gov.br/noticias/422-2017/1164-ibama-nega-recursos-da-

samarco>. Acesso em 01 Set. 2017.

119 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Governo Brasileiro pouco fez para amenizar a situação daqueles que mais

sofreram com a tragédia, assim como com o território fisicamente

afetado10, afastando-se de suas obrigações nacional e internacionalmente

assumidas de proteção aos direitos humanos e ao meio ambiente.

2.2. O X INGU EM RISCO: A POLÊMICA ENVOLVENDO A

ATUAÇÃO DA MINERADORA BELO SUN NO ESTADO DO

PARÁ

Além do retrato de destruição demonstrado pela tragédia ocorrida

em Minas Gerais, outra situação afronta a proteção do meio ambiente e das

comunidades indígenas e ribeirinhas da região norte do Brasil, mais

precisamente localizadas na Volta Grande do Rio Xingu, no estado do Pará.

Nessa mesma localização – já evidentemente afetada pelas obras da usina

hidrelétrica de Belo Monte (DE FRANCESCO, CARNEIRO, 2015, p. 8) – é

planejada a construção da maior mina de ouro a céu aberto do Brasil.

O projeto, denominado “Projeto Volta Grande”, é idealizado pela

empresa Belo Sun Mineração Ltda., subsidiária brasileira da empresa

canadense Belo Sun Mining Corporation, pertencente ao grupo

Forbes&Manhattan Inc., e intenta a extração de mais de cinquenta

toneladas de minério de ouro, com investimentos superiores a um bilhão

de dólares para os aproximados onze anos de exploração mineral (BRANDT

MEIO AMBIENTE, LTDA., 2012, p. 2-9). A área de referido projeto está

localizada no município de Senador José Porfírio, próximo à comunidade da

Vila da Ressaca e a 50 quilômetros da cidade de Altamira, além das

comunidades indígenas dos Juruna e Arara e de povos indígenas isolados

pela mata local. Se aprovado, o projeto demandará o reassentamento das

10 FOLHA DE SÃO PAULO. Autoridades e funcionários pedem a volta da Samarco

em audiência pública. Disponível em:

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/05/1886595-autoridades-e-

funcionarios-pedem-a-volta-da-samarco-em-audiencia-publica.shtml>. Acesso em:

15 Nov. 2017.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 120 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

famílias das localidades mais próximas, que sobrevivem do garimpo

(BRANDT MEIO AMBIENTE, LTDA., 2012, p. 40), da pesca e da agricultura

(MAGALHÃES, CUNHA, 2017), na região ribeirinha (INSTITUTO

SOCIOAMBIENTAL, 2015).

Com a promessa de que a instalação da mina de ouro gerará

aproximadamente dois mil e cem empregos diretos e seiscentos indiretos

ao longo de sua existência, além do aumento de renda para a região com o

recolhimento de impostos e royalties (BRANDT MEIO AMBIENTE, LTDA.,

2012, p. 2-38), a empresa tem desde 2012 demandado a aprovação de seu

projeto perante as autoridades locais mediante a apresentação de seus

relatórios de Impacto Ambiental, dentre outras documentações previstas

na legislação ambiental brasileira (MACHADO, 2013).

A resistência, contudo, tem ganhado forma em documentos

emitidos pelos mais variados órgãos nacionais, que questionam a lisura do

procedimento de concessão das licenças necessárias ao início das obras do

Projeto Volta Grande, especialmente em relação à necessária consulta dos

povos indígenas que serão afetados pelo empreendimento, em

consonância com a Convenção nº 169 da Organização Internacional do

Trabalho, a qual o Brasil é signatário (HOMA, 2016, p.143-169). Em relação

à proteção dos povos indígenas, em 2012, a Fundação Nacional do Índio

(FUNAI) emitiu relatório técnico a ser preenchido pela empresa quanto aos

possíveis impactos às comunidades indígenas já afetadas por Belo Monte,

alertando para a necessidade de observância do procedimento às regras

dispostas no tratado supramencionado. Tem sido também questionada

judicialmente a forma de aquisição das terras para a operação do

empreendimento, bem como a realização de um estudo de impacto que

considere as interpéries já provocadas pela usina hidrelétrica de Belo

Monte, que, somente durante seu período de instalação, reduziu em 80% a

vazão do Rio Xingu no trecho afetado pelas obras, além dos consequentes

impactos socioeconômicos trazidos à população local.

Apesar das mais variadas objeções ao projeto, o Conselho Estadual

de Meio Ambiente, juntamente com a Secretaria Estadual de Meio

Ambiente e Sustentabilidade do estado do Pará (SEMAS/PA), expediu, em

121 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

2014, licença prévia de operação. Tendo em vista a situação ora

apresentada, o Ministério Público Federal solicitou perante a Justiça

Federal a suspensão do procedimento de licenciamento ambiental, pedido

que foi atendido também em 201411, sob a justificativa de que seria

necessária a realização de consulta prévia às comunidades indígenas

impactadas.

Inobstante a decisão judicial que proibiu a continuidade do

licenciamento ambiental, em fevereiro de 2017 a SEMAS/PA concedeu a

licença de instalação do procedimento à empresa canadense,

especialmente sob o argumento de que o empreendimento traria

prosperidade econômica à região, com geração de empregos e uma

arrecadação de mais de sessenta milhões de reais em royalties em seus

anos de opeação, sendo que sessenta e cinco por cento deste total seria

destinado ao município12.

Imediatamente após a emissão da licença de instalação pela

SEMAS/PA, o Ministério Público Federal publicou uma Recomendação no

sentido de que seria necessária, para a concessão da licença, a elaboração

de um plano de vida para as populações tradicionais moradoras da região,

assim como uma análise pormenorizada de sinergia e sobreposição de

impactos das obras conduzidas pela empresa mineradora e pelo consórcio

construtor das obras da usina hidrelétrica de Belo Monte13. Atitude

semelhante foi praticada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos,

11TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA SEXTA REGIÃO. Processo nº 0002505-

70.2013.4.01.3903. Subseção Judiciária de Altamira. Juiz Paulo Mitsuru Shiokawa

Neto. Julgado em 17.6.2014. 12 SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE DO ESTADO DO PARÁ.

Projeto Volta Grande recebe licença de instalação. Disponíel em:

<https://www.semas.pa.gov.br/2017/02/02/projeto-volta-grande-recebe-licenca-

de-instalacao/>. Acesso em: 14 Nov. 2017. 13MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Recomendação 01/2017/GAB1. Disponível em:

<http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/documentos/2017/recomendacao-

semas-li-belo-sun>. Acesso em 01 Set. 2017.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 122 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

que, seguindo as recomendações da FUNAI, solicitou à SEMAS/PA

informações sobre os impactos às populações indígenas da região14.

Diante da ausência de posicionamento pela SEMAS/PA a respeito

dos questionamentos feitos pelos órgãos públicos nacionais, com a

consequente manutenção da licença concedida à Belo Sun Mineração Ltda.,

medidas judiciais foram solicitadas perante os tribunais estaduais e

federais. Em ambos os processos ajuizados, a licença de instalação

concedida pela SEMAS/PA foi suspensa, de forma que, por ora, não é

possível à empresa mineradora Belo Sun Mineradora Ltda. promover

qualquer atividade na região.

Em março de 2017 foi organizada pelo Ministério Público Federal

uma audiência pública para ouvir a população e as empresas a respeito dos

impactos já sofridos com a instalação da usina hidrelétrica de Belo Monte e

possivelmente ocasionados pelo início de um eventual projeto de

mineração na região. Na ocasião, compareceram os representantes dos

principais órgãos públicos atuantes na proteção dos direitos do meio

ambiente e dos cidadãos, representantes de organizações do terceiro setor

- que realizam importante trabalho in loco de denúncia dos acontecimentos

na região -, pesquisadores de universidades locais, assim como emissários

da empresa Belo Sun. Apesar de convidados, não apareceram ao encontro

os principais representantes da empresa Norte Energia, responsável pela

construção de usina hidrelétrica de Belo Monte, maior geradora dos

impactos socioeconômicos e ambientais atualmente na região. Na ocasião,

confirmou-se o que trouxeram as decisões judiciais mais recentes: a

situação de pobreza e miséria já verificadas entre os povos das regiões

afetadas foi potencializada pela construção da hidrelétrica de Belo Monte,

que, com a redução da vazão do Rio Xingu para a realização de suas obras,

14MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E CIDADANIA. CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS.

Recomendação do Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH. Relatório

do Grupo de Trabalho sobre população atingida pela implementação da UH Belo

Monte e pelo projeto de instalação da Mineradora Belo Sun. Disponível em:

<https://www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/nsa/arquivos

/oficio_cndh_ndeg_74_-_a_semas-pa.pdf>. Acesso em: 01 Set. 2017.

123 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

afetou diretamente o modo de vida das comunidades ribeirinhas que

dependiam econômica e socialmente do rio para o desenvolvimento de

suas atividades, assim como das populações indígenas, que veem no rio sua

principal fonte de subsistência e de realização de rituais específicos de suas

tribos15.

O caso envolvendo a mineradora Belo Sun demonstra os esforços

dos órgãos públicos nacionais e das organizações da sociedade civil na

proteção do meio ambiente e das comunidades ribeirinhas da Volta do

Xingu, trazendo uma pequena perspectiva positiva para uma população já

tão vitimizada pelos impactos de obras civis de grande porte e também

assustada com as possíveis consequências negativas advindas de

experiências como a já analisada tragédia ocorrida em Mariana. Ademais, a

resistência que se verifica nas decisões judiciais é uma amostra de como

tem sido possível tentar salvaguardar o respeito aos direitos humanos

diante da atuação de empresas no Brasil, assim como a preservação do

bioma amazônico (NOBRE, 2014).

Não se deve, contudo, depositar apenas no funcionamento de tais

órgãos toda a esperança de um desenvolvimento sustentável no País. Isso

porque, se considerados os percalços envolvendo a construção da usina

hidrelétrica de Belo Monte - com alguns dos impactos já mencionados -,

apesar da existência de mais de vinte e cinco ações judiciais intentadas

somente pelo Ministério Público Federal contra a continuidade das obras16

pelos mais variados motivos – ausência de consulta aos povos indígenas,

ausência de avaliação de impactos ambientais, inexistência de licitação para

existência de consórcio, dentre outros -, é sabido que, em alguns casos,

15 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Moradores do Xingu mais impactados por Belo

Monte vivem na incerteza e na pobreza. Disponível em:

<http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias-pa/moradores-do-xingu-

mais-impactados-por-belo-monte-vivem-na-incerteza-e-na-pobreza>. Acesso em: 12

Set. 2017. 16 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Processos Caso Belo Monte. Disponível em:

<http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-

imprensa/documentos/2016/tabela_de_acompanhamento_belo_monte_atualizada

_mar_2016.pdf/>. Acesso em: 15 Nov. 2017.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 124 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

decisões do Poder Judiciário Brasileiro tem sido confrontadas em nome da

continuidade das obras.

A tragédia envolvendo a empresa Samarco, em Mariana, e a

polêmica em torno da atuação da empresa canadense Belo Sun Mineradora

Ltda. no estado do Pará são apenas dois exemplos do modelo adotado pelo

Estado Brasileiro para promover seu desenvolvimento em relação à

mineração. Tais questões, problemáticas aos olhos dos órgãos públicos e

privados nacionais, não passaram despercebidas pelos principais

representantes de Direito Internacional que atuam com os temas

correlatos à discussão ora apresentada. É o que se verá a seguir.

3. BRASIL SOB OS HOLOFOTES: O REPÚDIO

INTERNACIONAL AO MODELO

DESENVOLVIMENTISTA APARTADO DA

PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS

Todas as ações promovidas para condenar a Samarco, a Vale e a

BHP Billiton por suas atividades extremamente gravosas ao meio ambiente

demonstram que as tentativas empresariais de buscar o desenvolvimento

econômico devem vir acompanhadas de rigorosos processos de due

diligence, bem como de fiscalizações periódicas, seja por parte de seus

dirigentes, seja por órgãos nacionais de controle ambiental e de proteção

aos direitos humanos.

Esse foi o entendimento do Grupo de Trabalho da ONU sobre

Empresas e Direitos Humanos em relatório publicado após a visita feita ao

Brasil em dezembro de 201517 e serviu também de pressuposto para a

denúncia do Estado Brasileiro feita à Comissão Interamericana de Direitos

17 UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS. Statement at the end of visit to Brazil by the

United Nations Working Group on Business and Human Rights. Disponível em:

<http://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=16891&

LangID=E>. Acesso em: 09 de abr. 2016.

125 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Humanos - órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos

encarregado da proteção dos direitos humanos no continente americano -,

por quinze organizações da sociedade civil durante o 158ª Período

Extraordinário de Sessões daquele órgão.

Na denúncia apresentada à Comissão Interamericana de Direitos

Humanos18, foram trazidas informações referentes a treze casos

envolvendo a atuação de empresas mineradoras no País cujas atividades

extrapolam a proteção aos direitos humanos e ao meio ambiente. Dentre

os casos apresentados, incluía-se o caso da barragem de “Fundão”.

Nos comentários gerais relacionados à participação do Estado

Brasileiro na extração de minérios, denota-se que o País tem adotado

postura conivente com a atividade desordenada das empresas

mineradoras, em especial em virtude de benefícios econômicos

provenientes da China, maior importadora do minério nacional na

atualidade. Além disso, o incremento da demanda de minérios – com o

aumento verificado de 630% nas importações globais - e a escolha, pelo

Brasil, desse modelo de política de exportação, tem resultado no

enfraquecimento de leis de licenciamento ambiental e na redução de

impostos às empresas do setor, bem como na fiscalização da atividade

desempenhada pelas empresas denunciadas. Não obstante, os

financiamentos por bancos públicos, como o BNDES, aos empreendimentos

de mineração – que se concentram nas mãos de um pequeno número de

empresas - têm também crescido exponencialmente, sem que haja

verdadeira fiscalização sobre a destinação dos recursos, bem como sobre a

idoneidade das empresas quanto à proteção dos direitos humanos.

Ademais, o modelo econômico relacionado à mineração no Brasil

atualmente visa, com o pagamento de royalties aos governos estaduais e

municípios afetados, criar forte dependência socioeconômica das

populações que vivem no entorno dos empreendimentos, população essa

18CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Afetações aos Direitos Humanos devido à

Mineração no Brasil. Disponível em:

<http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/informe_audie%CC%82ncia-

minerac%CC%A7a%CC%83o%20revisado.pdf>. Acesso em: 31 Jul. 2016.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 126 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

que, em geral, carece de recursos e de compreensão dos verdadeiros

interesses ocultos dos entes públicos e privados envolvidos. Como forma

de agravar a situação já existente, a denúncia apresentada ainda menciona

os entraves trabalhistas provocados pela terceirização da mão de obra nos

locais de exploração mineral.

Em especial em relação ao ocorrido em Mariana, a denúncia

destaca que a Samarco não possuía nenhum sistema de emergência e alerta

às populações em caso de rompimento das barragens, assim como

estimativa acurada sobre o total de populações atingidas por uma tragédia

daquela natureza19. Após o ocorrido, a denúncia também explicita que

pouco foi feito em prol das comunidades afetadas tanto pelas empresas

envolvidas quanto pelo Estado, em especial no que diz respeito à

transmissão de informações às populações sobre as condições locais, bem

à sua assistência social.

As conclusões da denúncia apresentada à Comissão

Interamericana de Direitos Humanos trazem importantes lições não apenas

ao Estado Brasileiro, mas também às demais empresas mineradoras

atuantes no Brasil e no plano global. Isso porque a combinação de todos

estes descasos resulta na violação de uma série de direitos, como direito à

moradia, direito a um trabalho digno, direito à integridade cultural, direito

à vida, direito ao território e direito à consulta livre, prévia e informada de

populações indígenas, todos eles consagrados na Convenção Americana de

Direitos Humanos, pilar central do Sistema Interamericano de Direitos

Humanos e com teor semelhante às Convenções que embasam outros

sistemas regionais e o próprio sistema global de proteção aos direitos

humanos.

Entende-se, portanto, que as situações ora sob comento servem

de alerta ao demais Estados desenvolvidos e em desenvolvimento que

adotam modelos econômicos semelhantes ao brasileiro, pautado na

exportação de matérias-primas e inobservância à dignidade e aos direitos

19IIdem, p. 30.

127 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

das populações diretamente afetadas pelos empreendimentos de

exploração mineral.

Por fim, vale lembrar que a Comissão Interamericana de Direitos

Humanos possui postura bastante atuante no continente americano na

tentativa de garantir a punição e coibir futuros abusos ocasionados por

empresas mineradoras20, o que cria a tendência de que novos casos

envolvendo o impacto socioambiental da atuação de empresas

mineradoras venham a ser analisados perante aquele órgão, bem como,

eventualmente, sejam encaminhados para a Corte Interamericana de

Direitos Humanos em casos contenciosos. Em relação à Corte

Interamericana de Direitos Humanos, sua jurisprudência é especialmente

rica quanto à necessária observância dos direitos dos povos indígenas em

sua relação sagrada com o território físico, assim como quanto à sua

necessidade de consulta21.

20 INTER-AMERICAN COMMISSION ON HUMAN RIGHTS. 153 Period of Sessions.

Disponível em:

<http://www.oas.org/es/cidh/audiencias/Hearings.aspx?Lang=es&Session=136>.

Acesso em: 31 Jul. 2016. 21 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS Caso de la Comunidad

Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Série C, nº 79. Sentença de 31 de

Agosto de 2001. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Série C nº 125.

Sentença de 17 de junho de 2005. Caso de la Comunidad Moiwana Vs. Surinam.

Série C nº 124,. Sentença de 15 de junho de 2005. Caso comunidade Indígena

Saehoyamaxa Vs. Paraguay. Série C nº 146. Sentença de 29 de Março de2006. Caso

del Pueblo Saramaka Vs. Surinam. Série C nº 172. Sentença de 28 de Novembro de

2007. Caso Comunidad Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguay. Série C nº 214.

Sentença de 24 de Agosto de 2010. Caso de los Puebrlos Indígenas Kuna de

Madugandí y Emberá de Bayano y sus Miembros vs. Panamá. Série C nº 284.

Sentença de 14 de Outubro de 2014.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 128 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

4. A RESPOSTA DO ESTADO BRASILEIRO:

CONTINUIDADE DO DESENVOLVIMENTO NA

CONTRAMÃO DA PROTEÇÃO AOS DIREITOS

HUMANOS

Inobstante a análise pormenorizada das situações fáticas

envolvendo a ocorrência do desastre ambiental de Mariana e a ambição da

empresa canadense Belo Sun em desenvolver seu projeto de mineração na

região do Xingu, com possíveis e quase certos impactos socioambientais às

populações de ambas as localidades, é certo que o Estado Brasileiro pouco

tem feito para permitir a responsabilização dos agentes envolvidos, assim

como para garantir a efetiva aplicação das normas relativas ao

licenciamento de grandes obras com potenciais impactos ao meio ambiente

e à população local.

Ao contrário: nos últimos anos, os Poderes Executivo e Legislativo

têm caminhado na contramão da proteção dos Direitos Humanos, por meio

do estabelecimento de normas, políticas e expedição de decretos que

visam garantir às empresas um processo facilitado de obtenção de

autorizações de implantação e operação de projetos de mineração, com

afrouxamento das regras socioambientais anteriormente instituídas.

No Plano Legislativo, a chamada Agenda Brasil, estabelecida pelo

Senado Federal, trouxe algumas determinações de modificação de marcos

legais tradicionais que, na visão daquele órgão, se mostram como entraves

ao desenvolvimento econômico do País.

Dentre as modificações pretendidas, encontra-se: (i) a revisão e a

implementação do marco jurídico do setor de mineração como forma de

atrair investimentos produtivos; (ii) a revisão dos marcos jurídicos que

regulam áreas indígenas, como forma de compatibilizá-las com atividades

produtivas; (iii) a revisão da legislação de licenciamento de investimentos

na zona costeira, áreas naturais protegidas e cidades históricas como forma

de incentivar novos investimentos produtivos; (iv) a eliminação de vistos

turísticos para mercados estratégicos, com vistas à estimular o

129 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

desenvolvimento turístico por meio do aproveitamento do câmbio

favorável e da realização de megaeventos; (v) a simplificação do

licenciamento para a construção de equipamentos e infraestrutura turística

em cidades históricas, orla marítima e unidades de conservação,

melhorando a atração de investimentos; (vi) o estabelecimento de processo

de celeridade para o licenciamento ambiental de obras estruturantes; (vii)

a simplificação de procedimentos de licenciamento ambiental, com a

consolidação ou codificação da legislação do setor, que é, nas palavras

daquele documento, complexa e muito esparsa; dentre outros22.

Em relação aos atos do Poder Executivo, em julho de 2017, o

Presidente da República, Michel Temer, editou três medidas provisórias23

voltadas à regulamentar o setor minerário em relação ao recebimento de

royalties das empresas mineradoras, sob a justificativa de incrementar o

Produto Interno Bruto do País e gerar novos empregos. Em agosto de 2017,

um decreto expedido pelo Presidente determinou a extinção da Reserva

Nacional de Cobre e seus Associados, localizada entre os Estados do

Amazonas e Pará, região da Floresta Amazônica de alto potencial minerário

e em que se encontram territórios de floresta nativa, bem como tribos

indígenas demarcadas. A justificativa para tal determinação foi justamente

a de se buscar atrair novos investimentos minerários no país. Contudo, após

pressões da sociedade brasileira, referido decreto foi revogado24.

22 SENADO FEDERAL. Agenda Brasil. Disponível em:

<http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/08/12/agenda-brasil.>.

Acesso em 22 ago. 2017. 23 BRASIL. Medida Provisoria nº 789, de 25 de julho de 2017. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Mpv/mpv789.htm>.

Acesso em: 15 Nov.2017. BRASIL. Medida Provisória nº 790, de 25 de julho de 2017.

Dispnível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-

2018/2017/Mpv/mpv790.htm>. Acesso em: 15 Nov. 2017. BRASIL. Medida

Provisória nº 791, de 25 de julho de 2017. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Mpv/mpv791.htm>.

Acesso em: 15 Nov. 2017. 24 G1. Renca: Governo revoga decreto que liberava mineração em reserva na

Amazônia. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/decreto-que-

revoga-extincao-da-renca-e-publicado.ghtml>. Acesso em: 15 Nov. 2017.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 130 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Da análise dos acontecimentos mais recentes resta evidente que,

apesar da atual existência de regras rígidas para a concessão de

licenciamento ambiental e punição de empresas e pessoas físicas por danos

ao meio ambiente e violações aos direitos humanos decorrentes da

atividade corporativa, tais regras já estão também na pauta de revisão por

parte dos poderes Legislativo e Executivo nacionais.

CONCLUSÃO

O presente trabalho intentou demonstrar a magnitude do impacto

socioambiental de empresas mineradoras, em especial em Estados em

desenvolvimento, que flexibilizam suas regras em prol de obtenção de

recursos, esquecendo-se da contrapartida imprescindível de proteção aos

direitos de seus cidadãos. A comprovação de tal hipótese se deu mediante

a análise de casos concretos verificados no Estado Brasileiro, em especial

da tragédia provocada no estado de Minas Gerais pela empresa Samarco,

assim como da querela envolvendo o início das obras de mineração no

estado do Pará, na região do Rio Xingu, no proketo intentado pela

mineradora canadense Belo Sun Mining Corporation. Apesar dos

desacertos verificados em Minas Gerais, novamente o Estado Brasileiro tem

ignorado os possíveis riscos advindos da instalação das obras de mineração

no estado do Pará, riscos estes que foram comprovadamente expressos nos

Estudos de Impacto Ambiental daquela obra e alertados pelas principais

autoridades locais envolvidas no processo de liberação da licença ambiental

da empresa.

Os exemplos estudados no presente trabalho fazem parte de um

modelo de desenvolvimento estrutural adotado pelo Brasil – que

claramente caminha na contramão do desenvolvimento sustentável e da

proteção aos direitos humanos. Confirma-se, assim, a premissa

estabelecida por Zygmunt Bauman em sua analogia às “baixas colaterais”:

são as camadas mais desfavorecidas economicamente pelo processo de

globalização que acabam se descompensando pelos danos ocasionados

131 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

pelas atividades desempenhadas em nome do progresso (BAUMAN, 2013,

p. 11-12). Além disso, denota-se a desídia das empresas mineradoras para

conduzir processos dignos de proteção aos direitos humanos também

quando da ocorrência de tragédias envolvendo os locais de exploração de

minérios. Esse padrão de atuação do Brasil foi, como visto, exposto

internacionalmente em mais de uma ocasião, seja diante do sistema global,

seja diante do sistema regional de proteção aos direitos humanos, mas não

tem sido suficiente para impedir que o País continue orientando suas

políticas com a finalidade de proteger tais empreendimentos em

detrimento de sua população. Salta aos olhos, portanto, a desídia de o

descaso do Estado Brasileiro para com seus cidadãos, assim como para com

a sua diversidade ambiental e bioma diferenciado. Em nome de um

pretenso progresso, o Brasil acaba se prostrando aos interesses dos

Estados desenvolvidos tecnologicamente, como exportador de matéria-

prima bruta, impossibilitando seu desenvolvimento em áreas estratégicas

à população e sua real evolução rumo a um modelo sustentável.

Espera-se, apesar dos retrocessos, que a possibilidade de

responsabilização internacional do Estado Brasileiro seja suficiente para

que órgãos nacionais como o IBAMA, a FUNAI, a Defensoria Pública e o

Ministério Público Federal, além de, não menos importante, organizações

da sociedade civil, continuem levando adiante sua atuação perante o Poder

Judiciário Brasileiro na tentativa de denunciar os abusos praticados pelas

indústrias mineradoras, demonstrando para a sociedade os impactos

negativos que uma posição puramente desenvolvimentista e afastada da

proteção aos direitos humanos podem trazer.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 132 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGÊNCIA BRASIL. Desastre em Mariana é o maior acidente mundial com barragens em 100 anos. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-01/desastre-em-mariana-e-o-maior-acidente-mundial-com-barragens-em-100-anos>. Acesso em: 31 jul. 2016. ______. Atingidos em Mariana ainda não sabem quando serão indenizados pela Samarco. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-11/mariana-um-ano-depois-da-tragedia-atingidos-nao-sabem-quando-serao-indenizados>. Acesso em: 15 Nov. 2017 AUDITOR GENERAL OF BRITISH COLUMBIA. An Audit of Compliance and enforcement of the mining sector. Canada: 2016. Disponível em: <http://www.bcauditor.com/sites/default/files/publications/reports/OAGBC%20Mining%20Report%20FINAL.pdf>. Acesso em: 14 de Nov. 2017. BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO. Inter-American Development Bank Sustainability Report 2015. Disponível em: <https://publications.iadb.org/handle/11319/7532?locale-attribute=pt>. Acesso em: 31 jul. 2016. BAUMAN, Zygmunt. A ética é possível num mundo de consumidores? Tradução Alexandre Werneck. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. ______. Danos Colaterais: desigualdades sociais numa era global. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. BAUMANN-PAULY, Dorothee . NOLAN, Justine. Busines and Human Rights: from principles to practice. Nova Iorque: Routledge, 2016. BRANDT MEIO AMBIENTE LTDA. Relatório de Impacto Ambiental (RIMA): Projeto Volta Grande. Pará: 2012. Disponível em: <http://www.sema.pa.gov.br/download/2BSML001-1-EA-RIM-0002_RIMA_REVISADO.pdf>. Acesso em 15 Nov. 2017. BRASIL. Medida Provisoria nº 789, de 25 de julho de 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Mpv/mpv789.htm>. Acesso em: 15 Nov.2017. ______. Medida Provisória nº 790, de 25 de julho de 2017. Dispnível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Mpv/mpv790.htm>. Acesso em: 15 Nov. 2017.

133 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

______. Medida Provisória nº 791, de 25 de julho de 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Mpv/mpv791.html>. Acesso em: 15 Nov. 2017. CARDIA, Ana Cláudia Ruy. Empresas, direitos humanos e gênero: desafios e perspectivas na proteção e no empoderamento da mulher pelas empresas transnacionais. Porto Alegre: Buqui, 2015. CONECTAS DIREITOS HUMANOS. Afetações aos Direitos Humanos devido à Mineração no Brasil. Disponível em: <http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/informe_audie%CC%82ncia-minerac%CC%A7a%CC%83o%20revisado.pdf>. Acesso em: 31 Jul. 2016. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicaragua. Série C nº 79 . Sentença de 31 de agosto de 2001. ______. Caso Comunidad Indígena Yakye Axa Vs. Paraguay. Série C nº125. Sentença de 17 de junho de 2005. ______. Caso de la Comunidad Moiwana Vs. Surinam. Série C nº 124. Sentença de 15 de junho de 2005. ______. Caso comunidade Indígena Saehoyamaxa Vs. Paraguay. Série C nº 146. Sentença de 29 de Março de2006. ______.Caso del Pueblo Saramaka Vs. Surinam. Série C nº 172. Sentença de 28 de Novembro de 2007. ______. Caso Comunidad Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguay. Série C nº 214. Sentença de 24 de Agosto de 2010. ______. Caso de los Puebrlos Indígenas Kuna de Madugandí y Emberá de Bayano y sus Miembros vs. Panamá. Série C nº284. Sentença de 14 de Outubro de 2014. DE FRANCESCO, Ana. CARNEIRO, Cristiane (Org.). Atlas dos impactos da UHE Belo Monte sobre a pesca. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2015. Disponível em: <https://www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/nsa/arquivos/atlas-pesca-bm.pdf >. Acesso em: 14 Nov. 2015. EQUATOR PRINCIPLES. The Equator Principles June 2013. Disponível em: <http://www.equator-principles.com/resources/equator_principles_III.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2016.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 134 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

FOLHA DE SÃO PAULO. Autoridades e funcionários pedem a volta da Samarco em audiência pública. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/05/1886595-autoridades-e-funcionarios-pedem-a-volta-da-samarco-em-audiencia-publica.shtml>. Acesso em: 15 Nov. 2017. G1. Renca: Governo revoga decreto que liberava mineração em reserva na Amazônia. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/decreto-que-revoga-extincao-da-renca-e-publicado.ghtml>. Acesso em: 15 Nov. 2017. HOMA. Centro de Direitos Humanos e Empresas (Org). Direitos Humanos e Empresas: O Estado da Arte do Direito Brasileiro. Juiz de Fora: Editar Editora Associada Ltda, 2016. ______. Tratado sobre direitos humanos e empresas: duas questões principais. Disponível em: <http://homacdhe.com/wp-content/uploads/2015/11/Artigo-Tratado-sobre-Direitos-Humanos-e-Empresas-Duas-Questões-Principais.pdf>. Acesso em: 12 Set. 2017. IBAMA. IBAMA nega recursos da Samarco. Disponível em: <http://www.ibama.gov.br/noticias/422-2017/1164-ibama-nega-recursos-da-samarco>. Acesso em 01 Set. 2017. ______. Laudo Técnico Preliminar: Impactos ambientais decorrentes do desastre envolvendo o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. Minas Gerais: 2015. Disponível em: <http://www.ibama.gov.br/phocadownload/barragemdefundao/laudos/laudo_tecnico_preliminar_Ibama.pdf>. Acesso em: 14 Nov. 2017. ______. Mineradora Samarco é multada em R$ 250 milhões por catástrofe ambiental. Disponível em: <http://www.ibama.gov.br/publicadas/samarco-e-multada-em-r250-milhoes-por-catastrofe-ambiental>. Acesso em 08 abr. 2016. INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Dossiê Belo Monte: Não há condições para a licença de operação. São Paulo: 2015. Disponível em: <https://www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/dossie-belo-monte-site.pdf>. Acesso em: 14 Nov. 2017. INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION. International Finance Corporation’s Policy on Environmental and Social Sustainability. Washington: 2012. Disponível em: <http://www.ifc.org/wps/wcm/connect/7540778049a792dcb87efaa8c6a8312a/SP_English_2012.pdf?MOD=AJPERES>. Acesso em: 25 jul. 2016. INTER-AMERICAN COMMISSION ON HUMAN RIGHTS. 153 Period of Sessions. Disponível em:

135 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

<http://www.oas.org/es/cidh/audiencias/Hearings.aspx?Lang=es&Session=136>. Acesso em: 31 Jul. 2016. JUSTIÇA GLOBAL. Organizações e movimentos da sociedade civil repudiam acordo assinado entre mineradoras Samarco/Vale/BHP e os Poderes Públicos. Disponível em: <http://global.org.br/programas/organizacoes-e-movimentos-da-sociedade-civil-repudiam-acordo-assinado-entre-mineradoras-samarcovalebhp-e-os-poderes-publicos>. Acesso em: 08 de abr. 2016. KEMP, Deanna. BOND, Carol J. FRANKS, Daniel M. COTE, Claire. Mining, water and human rights: making the connection. Journal of Cleaner Production. 18 (2010), pp. 1553-1562. Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/Carol_Bond2/publication/222202471_Mining_water_and_human_rights_Making_the_connection/links/0f31753b35a5ce70b1000000.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2016. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasieliro. 21ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. MAGALHÃES Sônia Barbosa. CUNHA, Manuela Carneiro da (Coord.). A expulsão de ribeirinhos em Belo Monte: relatório da SBPC. São Paulo: SBPC, 2017. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E CIDADANIA. CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS. Recomendação do Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH. Relatório do Grupo de Trabalho sobre população atingida pela implementação da UH Belo Monte e pelo projeto de instalação da Mineradora Belo Sun. Disponível em: <https://www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/nsa/arquivos/oficio_cndh_ndeg_74_-_a_semas-pa.pdf>. Acesso em: 01 Set. 2017. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. MPMG e MPF assinam Termo de Compromisso Preliminar com a Samarco, garantindo montante mínimo de R$ 1 bilhão para tutela ambiental emergencial. Disponível em: <https://www.mpmg.mp.br/comunicacao/noticias/mpmg-e-mpf-assinam-termo-de-compromisso-preliminar-com-a-samarco-garantindo-montante-minimo-de-r-1-bilhao-para-tutela-ambiental-emergencial.htm#.Vw6fkfkrJD9>. Acesso em 14 Nov. 2017. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Denúncia. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/docs/denuncia-samarco>. Acesso em: 14 Nov. 2017. ______. Moradores do Xingu mais impactados por Belo Monte vivem na incerteza e na pobreza. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias-pa/moradores-do-xingu-mais-impactados-por-belo-monte-vivem-na-incerteza-e-na-pobreza>. Acesso em: 12 Set. 2017.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 136 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

______. MPF denuncia 26 por tragédia em Mariana. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/noticias-mg/mpf-denuncia-26-por-tragedia-em-mariana-mg>. Acesso em: 14 Nov. 2017. ______. Processos Caso Belo Monte. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/documentos/2016/tabela_de_acompanhamento_belo_monte_atualizada_mar_2016.pdf/>. Acesso em: 15 Nov. 2017. ______. Recomendação 01/2017/GAB1. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/documentos/2017/recomendacao-semas-li-belo-sun>. Acesso em 01 Set. 2017. ______.Termo de Compromisso Socioambiental Preliminar. Vitória: 2015. Disponível em: <http://www.pres.mpf.mp.br/anexosNoticia/ID-002834__TERMO%20SAMARCO.pdf>. Acesso em 14 Nov. 2017. NASSER, Salem Hikmat. Fontes e normas do direito internacional: um estudo sobre a soft law. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. NOBRE, Antônio Donato. O futuro climático da Amazônia: relatório de avaliação científica. São José dos Campos: ARA:CCST-INPE:INPA, 2014. SENADO FEDERAL. Agenda Brasil. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/08/12/agenda-brasil.>. Acesso em 22 ago. 2017. SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE DO ESTADO DO PARÁ. Projeto Volta Grande recebe licença de instalação. Disponíel em: <https://www.semas.pa.gov.br/2017/02/02/projeto-volta-grande-recebe-licenca-de-instalacao/>. Acesso em: 14 Nov. 2017. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA SEXTA REGIÃO. Processo nº 0002505-70.2013.4.01.3903. Subseção Judiciária de Altamira. Juiz Paulo Mitsuru Shiokawa Neto. Julgado em 17.6.2014. UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Global material flows and resource productivity: Assessment Report for the UNEP International Resource Panel. Paris, 2016. Disponível em: <http://unep.org/documents/irp/1600169_LW_GlobalMaterialFlowsUNERepo>rt_FINAL_160701.pdf>. Acesso em: 29 Jul. 2016. UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME/OFFICE FOR THE CO-ORDINATION OF HUMANITARIAN AFFAIRS. Spill of liquid and suspended waste at the Aurul S.A. Retreatment Plant in Baia Mar. Genebra: 2000. Disponível em:

137 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

<https://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/43CD1D010F030359C12568CD00635880-baiamare.pdf>. Acesso em: 14 de Nov. 2017. UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS. Brazilian mine disaster: “This is not the time for defensive posturing” – UN rights experts. Disponível em: <http://www.ohchr.org/en/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=16803&LangID=E>. Acesso em: 07 abr. 2016. ______. Statement at the end of visit to Brazil by the United Nations Working Group on Business and Human Rights. Disponível em: <http://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=16891&LangID=E>. Acesso em: 09 de abr. 2016. UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO. Monitoramento da influência da Pluma do Rio Doce após o rompimento da Barragem de Rejeitos em Mariana/MG – Novembro de 2015: Processamento, Interpretação e Consolidação de Dados. Vitória: 2017. Disponível em: http://www.icmbio.gov.br/portal/images/stories/Rio_Doce/relatorio_consolidado_ufes_rio_doce.pdf. Acesso em: 01 Set. 2017. VALE. Samarco, Vale e BHP Billiton assinam acordo com a União e governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Disponível em: http://www.vale.com/samarco/PT/Paginas/samarco-vale-bhp-billiton-assinam-acordo-uniao-governos-minas-gerais-espirito-santo.aspx?gclid=CICw3aupjMwCFQFkhgodRsUEkQ. Acesso em 08 Abr. 2016. ______. Vale informa sobre a homologação parcial do Termo de Ajustamento Preliminar celebrado em 18/01/2017 com o Ministério Público Federal. Disponível em: <http://www.vale.com/brasil/PT/investors/information-market/press-releases/Paginas/vale-informa-sobre-a-homologacao-parcial-do-termo-de-ajustamento-preliminar.aspx>. Acesso em 01 Set. 2017.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 138 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

DEBER DE VIGILANCIA, DERECHOS HUMANOS Y EMPRESAS TRANSNACIONALES: UN REPASO A LOS DISTINTOS MODELOS DE LUCHA CONTRA

LA IMPUNIDAD

DUTY OF SURVEILLANCE, HUMAN RIGHTS AND

TRANSNATIONAL CORPORATIONS: A REVIEW

OF THE DIFFERENT MODELS OF FIGHT AGAINST

IMPUNITY

Adoración Guamán1

RESUMEN

El texto parte de la afirmación la necesidad de elaborar normas vinculantes

a nivel internacional sobre empresas transnacionales y derechos humanos

que pongan fin a la impunidad de la que gozan las primeras cuando,

directamente o a lo largo de los distintos eslabones de su cadena de

suministro, provocan violaciones de estos derechos, así como asegurar la

reparación de las víctimas. El sector del textil, fundamentalmente en los

eslabones de las cadenas de suministro situadas en distintos países de Asia,

es uno de los que presenta un mayor índice de vulneraciones de los

derechos humanos en general y laborales en particular. Por este motivo, el

artículo utiliza el ejemplo de este sector para evidenciar tanto el impacto

de estas violaciones como la ineficacia de los mecanismos actualmente

vigentes para prevenir las mismas. Esta afirmación se cohonesta en el

artículo con el reconocimiento de la existencia de marcos normativos ya

vigentes, como la ley francesa, e iniciativas en curso, como la Iniciativa

Sánchez-Candeltey, que suponen un avance en el establecimiento de

normas vinculantes que sujeten la actuación de las empresas

transnacionales al respeto de los Derechos Humanos. Sin embargo, y esta

1 Universitat de València

139 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

es la tesis fundamental del artículo, estas iniciativas continúan siendo

parciales para el control de entidades como las ETN, que por su actividad

transnacional escapan con facilidad del control establecido en marcos

normativos estatales o regionales. En este sentido, se argumenta en el

artículo que el elemento imprescindible para alcanzar el fin de la impunidad

y avanzar hacia la erradicación de fenómenos como el de esclavitud

moderna es la aprobación de un Instrumento internacional jurídicamente

vinculante, como el que se está negociando en el marco de la Resolución

26/9.

PALABRAS CLAVE: Diligencia debida. Prevención. Deber de vigilancia.

Textil. Derechos humanos. Empresas transnacionales.

INTRODUCCIÓN

En septiembre del año 2012 se produjo un incendio en una fábrica

de textil en Karachi, Paquistán. Murieron 260 trabajadoras/es y 32

quedaron heridas. El local de la empresa, Ali Enterprises, tenía bloqueadas

las salidas de emergencia, las ventanas enrejadas y una única salida. Debido

a estas circunstancias, las personas que trabajaban allí se vieron atrapadas

en el fuego y murieron asfixiadas o quemadas2. Menos de un año después3,

el 24 de abril de 2013 se desplomó en Daca (Bangladesh) un edificio de ocho

plantas, llamado Rana Plaza, provocando 1.129 fallecidos, la mayoría,

obreras textiles de grandes marcas internacionales de moda. El edificio

estaba construido para albergar un centro comercial y no las cinco fábricas

2 Sobre este caso vid. la información disponible en

https://www.ecchr.eu/en/our_work/business-and-human-rights/working-

conditions-in-south-asia/pakistan-kik.html y en la web de la Campaña Clean Clothes. 3 Entre ambas catástrofes, el 24 de noviembre de 2014 se produjo el incendio en la

empresa Tazreen Fashions en Bangladesh, donde trabajaban 1150 personas. Las

víctimas mortales fueron 112 y las heridas 200. Por sus similitudes con los otros dos

casos comentados va a omitirse el análisis de este en concreto.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 140 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

de ropa que radicaban en él, por lo que el uso inadecuado provocó el

deterioro rápido de la infraestructura. Los desperfectos y el peligro de

derrumbe antes de la catástrofe eran evidentes pero, a pesar de las

protestas de las y los trabajadores, los directivos de las fábricas se negaron

a interrumpir el trabajo, con la connivencia de los responsables políticos

municipales.

Ambos casos tienen una serie de características comunes,

compartidas por otros desastres acaecidos en los últimos años, que se

encuadran en el marco teórico sobre el que se sustenta este artículo y su

hipótesis de partida, que no es otra que la necesidad de elaborar normas

vinculantes a nivel internacional sobre empresas transnacionales y

derechos humanos que pongan fin a la impunidad de la que gozan las

primeras cuando, directamente o a lo largo de los distintos eslabones de su

cadena de suministro, provocan violaciones de estos derechos, así como

asegurar la reparación de las víctimas.

Las características fundamentales que comparten los dos

desastres son las siguientes:

1) En los dos casos, el principal cliente de la empresa local es una o

varias empresas radicadas en un país del Norte que desarrollan una

actividad transnacional, en cuyas cadenas de suministro se inserta la

empresa local. En el primer caso se trata de la empresa KiK, asentada en

Alemania4, para la cual Ali Enterprises producía el 75% de su material y con

la que mantenía una relación comercial desde el año 2007. En el segundo

caso, Rana Plaza, las empresas radicadas en el edificio producían para firmas

tan conocidas como Benetton, El Corte Ingles, Loblaw, Primark, y Walmart.

2) En ambos casos, las empresas matrices habían anunciado su

compromiso de vigilar que sus proveedores respetaran determinados

estándares relativos a la seguridad y salud de sus trabajadores. De facto,

como demuestra el caso KiK, se habían hecho distintas auditorías. En agosto

4 La empresa se define así misma como “One of the world's greatest fashion & home

discount retailer”. La información sobre sus productos se encuentra en:

<http://www.kik.de/>.

141 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

de 2012 la empresa RINA Services S.p.A. emitió el certificado SA8000 para

la empresa pakistaní, tras la auditoría realizada por una de sus empresas

subcontratadas en Pakistán (Renaissance Inspection and Certification

Agency (RI&CA). Además, y mandatadas por KIK, se realizaron otras cuatro

auditorías entre 2007 y 2017.

En ninguno de los dos casos las auditorías reflejaron la realidad en

la que se trabajaba en las empresas donde se produjo la catástrofe. Como

detalla una experta independiente que realizó una serie de entrevistas a

trabajadores de Ali Enterprises5, en aquella empresa las empleadas

trabajaban en las siguientes condiciones: inexistencia de medidas de

seguridad, primeros auxilios y salidas de incendios; trabajo infantil; jornadas

de trabajo de entre 11 y 13 horas, con horario nocturno y en domingos y

pago a destajo; no afiliación a la seguridad social ni contrato de trabajo por

escrito; prohibición de sindicación, huelga y negociación colectiva, etc. Este

relato coincide con las condiciones de trabajo denunciadas reiteradamente

en numerosos documentos de la Campaña Clean Clothes.

Se trata de condiciones de trabajo que pueden enmarcarse en

algunas de las expresiones de la llamada “esclavitud moderna” tal y como

la ha definido la OIT:

Por trabajo forzoso puede entenderse el trabajo que

se realiza de manera involuntaria y bajo amenaza de

una pena cualquiera. Se refiere a situaciones en las

cuales personas están forzadas a trabajar mediante el

uso de violencia o intimidación, o por medios más

sutiles como una deuda manipulada, retención de

documentos de identidad o amenazas de denuncia a

las autoridades de inmigración.

5 Vid. el informe de Zehra Khan, General Secretary of the Homebased Women

Workers Federation presentada en el juicio a la empresa KiK, disponible en

<https://www.ecchr.eu/en/our_work/business-and-human-rights/working-

conditions-in-south-asia/pakistan-kik.html>.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 142 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Según la estimación mundial sobre la esclavitud moderna se

estima que en cualquier momento dado de 2016, 24,9 millones de personas

han estado sometidas al trabajo forzoso. De ellas, 16 millones son

explotadas en el sector privado, por ejemplo, en el trabajo doméstico, la

industria de la construcción, la agricultura y el textil; 4,8 millones de

personas son víctimas de la explotación sexual forzosa; y 4 millones de

personas se encuentran en situación de trabajo forzoso impuesto por el

Estado.

Además el trabajo forzoso afecta en forma desproporcionada a las

mujeres y niñas, que representan el 99 por ciento de las víctimas en la

industria sexual comercial y el 58 por ciento en otros sectores.

Cabe señalar también que las empresas implicadas en la industria

del textil en Bangladesh firmaron el “Accord on Fire and Building Safety in

Bangladesh” en mayo de 2013. El texto, como se describe en su página web,

es un “acuerdo independiente legalmente vinculante entre marcas y

sindicatos destinado al objetivo de trabajar hacia una industria del textil en

Bangladesh segura y saludable”. Además, también en 2013 y de manera

paralela se formó la “Alianza” (Alliance for Bangladesh Worker Safety) un

acuerdo vinculante de 5 años entre empresas del textil de procedencia

norteamericana, a diferencia de las que firmaron el acuerdo anterior que

eran europeas, impulsada por dos Senadores con el objetivo de mejorar la

seguridad en las empresas del textil de Bangladesh.

Sin embargo, y más allá de la mejora de las condiciones de

seguridad en el trabajo, la industria del textil en Bangladesh continua hoy

en día manteniendo los rasgos señalados anteriormente en cuanto a los

reducidos niveles salariales y a la quiebra de los derechos de libertad

sindical. La Campaña Clean Clothes ha realizado diversos informes al

respecto en los que señala esta situación y exige una actuación a la Unión

Europea y a la OIT. Como veremos, existe la voluntad por parte del

Parlamento Europeo de impulsar una “Iniciativa emblemática” en el sector

del textil que todavía no ha sido aceptada por la Comisión Europea.

3) La tercera característica común a ambos casos ha sido, y es, las

dificultades que las víctimas han tenido para el acceso a la justicia y la

143 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

obtención de reparación. En el caso KiK, el 13 de marzo de 2015, cuatro de

las víctimas presentaron una demanda para la compensación por los daños

ante un tribunal de Dortmunt. El tribunal alemán aceptó la jurisdicción y

declaró la gratuidad del proceso para las víctimas. La demanda tanto la

compensación por los daños como la disculpa y el compromiso de la

empresa de asegurar la seguridad en sus proveedores. En septiembre de

2016, y tras una negociación mediada por la OIT la empresa accedió a pagar

un total de $5.15 millones pero rechazó admitir su responsabilidad. Las

víctimas se reafirmaron en la exigencia de justicia, no de caridad, y el

proceso sigue adelante, apoyado por múltiples ONG y entidades de

derechos humanos6. La base de su reivindicación se sustenta en el

incumplimiento de la empresa alemana de su deber de cuidado y de

vigilancia debida, considerando que la empresa alemana debe ser

considerada jurídicamente responsable por una omisión con consecuencias

desastrosas.

El 29 de agosto de 2017 un tribunal de Dacca condenó al primer

responsable por la tragedia del Rana Plaza, Sohel Rana, dueño del complejo,

a tres años de cárcel y una multa de 625 dólares. Hasta el momento, no se

ha conseguido determinar la responsabilidad de las corporaciones

transnacionales que tenían acuerdos comerciales con las empresas cuyos

locales estaban en el Rana Plaza y cuyas trabajadoras murieron en el

siniestro. No obstante, de manera paralela a la vía jurisdiccional, en octubre

de 2013 se estableció la Comisión de Coordinación del Rana Plaza, presidida

por la OIT y compuesta por representantes del gobierno, sindicatos,

empresas del textil implicadas y ONG7, el objetivo de esta Comisión era

6 Sobre este caso se remite al análisis publicado en:

<https://www.ecchr.eu/en/our_work/business-and-human-rights/working-

conditions-in-south-asia/pakistan-kik.html> y en

<http://grundundmenschenrechtsblog.de/supply-chain-liability-the-lawsuit-by-

karachi-claimants-against-retailer-kik-in-historic-perspective/>. 7 En concreto la comisión se compone de los siguientes actores: Ministerio de Trabajo

y Empleo; Bangladesh Garment Manufacturers’ Association (BGMEA); Bangladesh

Employers Federation (BEF); National Coordination Committee for Workers’

Education (NCCWE); IndustriALL Bangladesh Council; Bangladesh Institute of Labour

Studies (BILS); IndustriALL Global Union; y las siguientes marcas: El Corte Ingles,

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 144 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

desarrollar y vigilar el cumplimiento del Understanding for a Practical

Arrangement on Payments to the Victims of the Rana Plaza Accident and their

Families and Dependents for their Losses8.

En este acuerdo las partes firmantes ser comprometieron a

cooperar para determinar las pérdidas que debían ser cubiertas, asegurar

la debida asistencia a las víctimas y familiares para que pudieran presentar

adecuadamente las quejas para ser atendidas, ofrecer la asistencia técnica

necesaria durante todo el proceso, etc. En enero de 2014, la OIT creó el

Fondo fiduciario de donantes del Rana Plaza a fin de apoyar los esfuerzos

de la Comisión para financiar el sistema. En junio de 2015 la OIT anunció que

se habían recaudado los 30 millones de dólares estimados para pagar las

compensaciones a las más de 2.800 millones de víctimas que habían

presentado quejas. La lista de donantes y las cantidades, de aquellos que la

han hecho pública, está en la página web de la Comisión de Coordinación9.

Cabe destacar por ejemplo que Benetton ha “donado” 1,100,000 $; Auchan

1,500,000 $; BRAC USA (que incluye entre otras marcas a Gap Foundation o

Walmart) 2,480,000 $; Inditex 1,633,430 $, etc.

En este caso, y bajo los focos de la opinión pública internacional

despertada por la magnitud del desastre, se ha conseguido una reparación

económica establecida y liquidada a través de la Comisión. Sin embargo, las

personas físicas y jurídicas que aumentaron su tasa de ganancia

presionando a las empresas locales para aumentar la producción y reducir

los gastos sociales y de prevención y que por tanto deberían ser

consideradas culpables tanto por esta presión como por la omisión del

deber de vigilancia, es decir, el conjunto de ETN señaladas (KiK, El Corte

Inglés, Benetton, Primark, etc) siguen impunes.

Los ejemplos relatados y sus características comunes permiten

determinar cuatro afirmaciones iniciales que enmarcan la hipótesis

Loblaw, Primark, así como la Clean Clothes Campaign, vid: https://ranaplaza-

arrangement.org/ 8<https://ranaplaza-arrangement.org/mou/full-

text/MOU_Practical_Arrangement_FINAL-RanaPlaza.pdf>. 9 <https://ranaplaza-arrangement.org/fund/donors>.

145 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

sugerida, es decir, la insuficiencia de las normas actuales para prevenir las

violaciones de derechos humanos por las actividades de las ETN y la

necesidad de normas que eviten la impunidad de las mismas y aseguren la

reparación de las víctimas. Estas tres afirmaciones de partida son:

- Las violaciones de DDHH por parte de las ETN y OEN no solo no

se han reducido en los últimos años sino que se han refinado y se han

convertido, en algunos sectores, en algo casi consustancial a la evolución

de la economía global y, como veremos, de los flujos de inversión extranjera

directa.

- Las vías de prevención de las violaciones de derechos humanos

existentes que dependen de la voluntariedad de las empresas privadas, por

ejemplo los sistemas de códigos de conducta y auditorías voluntarias, son

insuficientes.

- Existen enormes obstáculos para el acceso a la justicia de las

víctimas, que están superándose con grandes esfuerzos en casos muy

particulares. La reparación por tanto todavía depende de circunstancias

vinculadas al caso concreto.

Ninguna de estas tres afirmaciones de partida es novedosa, al

contrario, esta situación está siendo denunciada desde hace décadas. Es

cierto que el caso Rana Plaza fue considerado como un “wake-up call” y tras

la tragedia, como ocurrió en su día con el caso Bophal, empresas, gobiernos

y organizaciones internacionales, espoleados por las ONG, se apresuraron

a adoptar pactos y protocolos para evitar nuevos desastres y proveer

compensación a las víctimas. Sin embargo, como para el sector del textil

indican los informes de la Campaña Clean Clothes10 y como para el conjunto

de sectores nos relatan las diferentes organizaciones de afectadas y

víctimas, las violaciones de derechos humanos por ETN y la imposibilidad de

10 Sobre este caso se remite a la abundante información disponible en:

https://cleanclothes.org/ua/2013/rana-plaza y el resto de informes de la Campaña;

también la OIT ha multitud de informes, fundamentalmente en el marco de la

Campaña “Improving Working Conditions in the Ready-Made Garment Sector”,

financiada por Canadá, Holanda y Reino Unido y lanzada en Octubre de 2013.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 146 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

las víctimas de obtener reparación se siguen sucediendo. El ejemplo más

reciente lo vuelve a mostrar el caso Chevron/Texaco, tras la desestimación

de la demanda de exequator presentada por las víctimas ante un tribunal

de Brasil, afirmando la separación de la personalidad de las entidades

jurídicas, es decir, la no vinculación de Chevron Corporation con sus

subsidiarias11.

A lo largo de las siguientes páginas, y tras el necesario recorrido

por el marco teórico de la cuestión, abordaremos algunas de las iniciativas

ya existentes, en el plano estatal y regional, para centrarnos finalmente en

el estado de la cuestión en el ámbito de Naciones Unidas contrastando dos

puntos de vista, el que afirma la suficiencia del marco actual, es decir los

Principios Rectores12 y el que sostiene la necesidad de un Instrumento

internacional jurídicamente vinculante sobre empresas transnacionales y

derechos humanos, como el que se está elaborando por el Grupo de Trabajo

Intergubernamental de Composición Abierta, presidido por el Ecuador en

el marco de la Resolución 26/913.

11 Sobre esta última sentencia, vid. <http://texacotoxico.net/chevron-se-esconde-

nuevamente-tras-el-velo-societario-para-evadir-su-responsabilidad-en-violaciones-

de-derechos-humanos-dictamen-de-la-justicia-brasilera-comprueba-la-estructura-

de-impunidad-que-pr/>. 12 “Principios Rectores sobre las empresas y los derechos humanos: puesta en

práctica del marco de las Naciones Unidas para “proteger, respetar y remediar”

(Naciones Unidas, A/HRC/17/31, 27 de marzo de 2011). Para una visión crítica de

estos principios se remite, entre otras muchas fuentes, a Esteve, J.E., “Los Principios

Rectores sobre las empresas transnacionales y los derechos humanos en el marco de

las Naciones Unidas para «proteger, respetar y remediar»: ¿hacia la responsabilidad

de las corporaciones o la complacencia institucional?, en Anuario Español de Derecho

Internacional, vol. 27, 2011; así como a la bibliografía citada en Guamán, A., González,

G,. El fin de la Impunidad, Icaria, Barcelona, 2017. 13 Resolución A/HRC/RES/26/9 “Elaboración de un instrumento internacional

jurídicamente vinculante sobre las empresas transnacionales y otras empresas con

respecto a los derechos humanos”: adoptada con votación en el Consejo de Derechos

Humanos (CDH) de las Naciones Unidas el 26 de junio de 2014. Disponible en

<https://documents-dds-

ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/082/55/PDF/G1408255.pdf?OpenElement>.

147 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

1. BREVE REFERENCIA AL MARCO TEÓRICO DE

LA RELACIÓN ENTRE EMPRESAS

TRANSNACIONALES Y DERECHOS HUMANOS

El Conjunto de principios para la protección y la promoción de los

Derechos Humanos, para la lucha contra la impunidad (actualizado en

2012)14, ha definido impunidad como la “ausencia, de iure o de facto , de la

imputación de la responsabilidad penal de los autores de violaciones de los

derechos humanos, así como de su responsabilidad civil, administrativa o

disciplinaria, de modo que aquéllos escapan a toda investigación tendente

a permitir su imputación, su arresto, su juzgamiento y, en caso de

reconocerse su culpabilidad, a su condena a penas apropiadas, y a reparar

los perjuicios sufridos por sus víctimas”15.

A efectos de desarrollar las aristas de este fenómeno de

impunidad, es importante remarcar las circunstancias que se conjugan para

generar una armadura jurídica a medida de las empresas transnacionales.

1.1. LEX MERCATORIA Y CAPTURA CORPORATIVA

En primer lugar, y como marco general, la impunidad de las ETN se

vincula con una arquitectura jurídica conocida como Lex Mercatoria16. La Lex

14 Economic and Social Council, Commission on Human Rights,

E/CN.4/2005/102/Add.1, Updated Set of principles for the protection and promotion

of human rights through action to combat impunity, p. 6. 15 Como ha señalado Özden, esta definición se refiere a las violaciones de derechos

civiles y políticos cometidos por agentes del Estado pero puede ampliarse tanto a las

violaciones cometidas por ETN como a la totalidad de Derechos Humanos,

incluyendo así, evidentemente, los derechos sociales, económicos, culturales y

ambientales. Özden, M., Impunidad de Empresas Transnacionales, CETIM, Ginebra,

2017. 16 El término Lex Mercatoria no es en absoluto pacífico, ni en cuanto a su definición ni

en cuanto a su contenido. Desde el ámbito iuslaboral, el texto más reciente es el de

Hernández Zubizarreta, J., Ramiro, P., Contra la Lex Mercatoria, Icaria, 2016. Desde el

punto de vista de la filosofía del derecho, López Ruiz, ha definido esta Lex Mercatoria

como “un conjunto normativo disperso, con carácter supranacional, que goza de un

alto grado de autonomía respecto a los ordenamientos jurídicos estatales, y que

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 148 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Mercatoria ha sido definida por autores como Hernández Zubizarreta como

un nuevo orden económico y jurídico global que reinterpreta y formaliza el

poder de las multinacionales mediante la utilización de: usos y costumbres

internacionales; normas de los estados nacionales; un conjunto de

convenios, tratados y normas de comercio e inversiones de carácter

multilateral, regional y bilateral, como son por ejemplo el CETA (Acuerdo

Integral sobre Economía y Comercio o Acuerdo Económico y Comercial

Global) o el non nato TTIP (Tratado Transatlántico de Comercio e

constituye un grupo de reglas adecuadas para la regulación de las relaciones

económico-privadas internacionales, especialmente, de los contratos

internacionales a los que se puede aplicar directamente en lugar de las disposiciones

de los ordenamientos nacionales. En ese sentido, por nueva Lex Mercatoria hoy se

entiende un derecho creado por las grandes empresas transnacionales, las law firms

y ciertas agencias privadas internacionales sin la mediación expresa del poder

legislativo de los Estados, y formado por reglas destinadas a disciplinar de modo

uniforme, más allá de la unidad política de los Estados, las relaciones comerciales y

financieras que se establecen dentro de la unidad económica que constituye el

mercado global”, vid. Hernández Zubizarreta, J., Ramiro, P., Contra la Lex Mercatoria,

Icaria, Barcelona, 2015; Hernández Zubizarreta, J., “Lex mercatoria”; OMAL 2012.

http://omal.info/IMG/article_PDF/Lex-mercatoria_a4803.pdf; López Ruiz, F., “El

papel de la societas mercatorum en la creación normativa: la Lex Mercatoria”, en CEFD,

n.20 (2010). Desde el derecho mercantil o del derecho internacional privado, pueden

destacarse los aportes de: Calvo Caravaca, A.L. y Carrascosa González, J. : “Los

contratos internacionales y el mito de la ‘nueva lex mercatoria’” Estudios sobre

Contratación Internacional. Colex, Madrid, 2006, pp 55-80. David, R.: Le Droit du

Comerce internacional. Reflexions d’un comparatiste sur le droit international privé.

Economica, Paris, 1987, pp 134-136. Deumier, P. : Le droit spontané. Economica,

Paris, 2002. Draetta, U. : Il diritto dei contratti internazionali, Padova, Cedam, Vol III,

1988. Feldstein de Cárdemas, S,. : Contratos internacionales. Abeledo-Perrot, Buenos

Aires, 1995. Goldman, B. :« Frontières du droit et lex mercatoria », Archives du

Philosophie du Droit, T 9, 1964, pp 171 y ss. « La lex mercatoria dans les contracts et

l’arbitrage internationaux :réalité et perspectives », Journal de Droit International,

Vol 106, 1979, pp 475-505. Fernández Rozas, J.C. : Ius mercatorum. Autoregulación y

unificación del derecho de los negocios transnacionales. Colegios Notariales de

España, Madrid, 2003. Ferrarese,MªR. : « La lex mercatoria tra storia e attualità :da

diritto dei mercanti a lex per tutti ? ». Sociologia del Diritto, Milan, 2005. Filali, O.: Les

principes généraux de la lex mercatoria. Contribution á l’étude d’un ordre juridique

anational. LGDJ, Paris, 1992. Galgano, F. : La globalización en el espejo del Derecho,

op cit. Gondra Romero, J.Mª. : « La moderna Lex Mercatoria y la unificación del

Derecho del comercio internacional ». RDM, nº 127, 1973, pp 7-38. Sánchez Lorenzo,

S. y Juenger, F.K.: “Conflictualismo y lex mercatoria en el Derecho internacional

privado”. REDI, 2000, vol LII, pp 15-47. Silva, J.A. (Coord) Estudios sobre lex

Mercatoria. UNAM, Mexico, 2006.

149 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Inversiones)17; las resoluciones de los mecanismos de resolución de

controversias Inversor-Estado (ISDS); los Códigos de Conducta Empresarial

y un largo etcétera.

Debe recordarse que la gran mayoría de estos mecanismos se

vincula con la obsesión de muchos gobiernos por la atracción de la inversión

extranjera, que los ha lanzado a la generación desbocada de una extensa

red de acuerdos de comercio e inversión, lo cual provoca una doble

consecuencia: por un lado, la obsesión mencionada arrastra a las economías

en desarrollo a una dinámica de feroz competencia, rebajando sus normas

laborales (se trata de los fenómenos calificados como regulatory competion

y race to the bottom) y dando ventajas de todo tipo a los inversores

extranjeros.

En esta línea también debemos considerar parte de la Lex

Mercatoria las normas que regulan las llamadas Zonas Francas de

17 Estos acuerdos incluyen mecanismos llamados de “cooperación reguladora” que

implican una redefinición del sistema de producción de normas con la introducción

de los llamados stakeholders con carácter protagónico.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 150 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Inversión18 y el fenómeno de las “maquilas”19, eminentemente vinculadas a

la industria del textil. Por otro lado, los acuerdos de comercio e inversión

permiten, como veremos, la existencia de vías de escape amplísimas

respecto de las jurisdicciones nacionales (los mecanismos de solución de

controversias inversor-Estado) que únicamente pueden utilizar los

inversores extranjeros para proteger sus intereses.

Evidentemente, este conjunto de elementos y estrategias no

configura un fenómeno aislado sino que forma parte de lo que Rodotá

18 Según la OIT, una ZFI es un espacio dotado por lo general de incentivos especiales

para atraer a los inversores extranjeros. En el mismo se instala una planta de una

empresa donde los materiales importados se transforman en mayor o menor medida

antes de ser de nuevo exportados. En el modelo tradicional, se suele exportar la

totalidad de la producción de estas zonas. Los incentivos económicos que las ZFI

ofrecen a las empresas incluyen la exención de algunos o todos los aranceles e

impuestos y el acceso a las instalaciones y servicios de las manufacturas destinadas

a la exportación. Además, algunos países las eximen del cumplimiento de la

legislación aplicable en materia laboral. Es evidente que estas han proliferado

rápidamente en las últimas décadas. La mayor parte se concentran en Asia, donde

tan solo en China encontramos más de 300 ZFI. Los gobiernos, movidos por el deseo

de aumentar sus exportaciones y de aprovechar las cadenas mundiales de suministro,

han seguido respaldando la expansión de las ZFI. Se calcula que alrededor del 20 por

ciento de las exportaciones de los países en desarrollo procede de estas zonas. Hay

noticias de que en ellas las jornadas laborales son largas y se vulneran

sistemáticamente los principios de libertad sindical. En muchos países, el

cumplimiento de la legislación laboral en las ZFI ha sido deficiente. En algunos casos,

los salarios tienden a ser más elevados en las ZFI; no obstante, la comparación de las

condiciones de trabajo dentro y fuera de estas zonas arrojan resultados dispares. Vid.

OIT: Manual sindical sobre las zonas francas de exportación, Oficina de Actividades

para los Trabajadores (Ginebra, 2014). 19 Con un enfoque eminentemente centroamericano, es posible afirmar que “la

maquila es un sistema de producción, en general bajo la forma de subcontratación,

en el que se transforman insumos intermedios y materias primas importadas, por

medio de procesos que en muchos casos (aunque no necesariamente) tienen escaso

valor agregado, cuyos productos finales se comercializan en el exterior. Para realizar

estas operaciones, el estado exonera al productor de una serie de requisitos que

debe cumplir el resto de las empresas ubicadas en el país. Estas facilidades y

exoneraciones son fundamentalmente de carácter aduanero y de manejo de divisas,

aunque luego veremos que existen otros incentivos adicionales”. Sobre esta

cuestión, vid. OIT, ACT/EMP, la industria de la maquila en Centroamérica. Disponible

en

http://www.ilo.org/public/english/dialogue/actemp/downloads/publications/spanis

h/maquila/capi-1.pdf.

151 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

definía como la crisis del moderno Estado nacional y del sistema tradicional

de fuentes y que otros muchos autores han calificado como crisis del

“imperio de la ley”; en otras palabras, el paso de una realidad caracterizada

por las leyes parlamentarias y las dinámicas normativas concentradas en el

Estado nación hacia un modelo caracterizado por las interacciones

multinivel y multistakeholder. Como señalaba el jurista italiano, junto con

los sujetos públicos tradicionales concurren en la actualidad una amplia

diversidad de actores privados con sistemas propios de producción de

reglas, o con capacidad para influir en las dinámicas de producción de

normas jurídicas, que cobran un protagonismo cada vez mayor. Nos

encontramos ante una modificación del sistema de regulación pública que

“se reestructura desde sí mismo y cede poder hacia el exterior”, una nueva

distribución del poder político y jurídico que se produce en los distintos

niveles de producción normativa20.

20 Es importante señalar que esta nueva distribución no tiene como ejes únicamente

los extremos poder privado/poder público sino también los planos estatal y

supranacional. En concreto, ya son numerosas las contribuciones doctrinales que

señalan como la Unión Europea, a través de, entre otros mecanismos, el semestre

europeo y las recomendaciones por país, está influyendo directamente en la

regulación estatal de materias que quedan fuera de sus competencias. Sobre esta

cuestión vid., en extenso: Hernández Zubizarreta, J., “El Estado Social de Derecho y

el capitalismo: crisis de la función reguladora de la norma jurídica”, en Hernández

Zubizarreta, J., et alt. (eds) Empresas transnacionales en América Latina: Análisis y

propuestas del movimiento social y sindical, UPV/EHU, Hegoa y OMAL, 2013; Guamán

Hernández, A., Noguera Fernández, A., Derechos sociales y austeridad, la UE contra

el constitucionalismo social, Bomarzo, Albacete, 2015. Respecto de la relación entre

las normas laborales y la globalización ecónomica, tema de moda en la década

pasada, se remite a los clásicos: Perulli, A., Diritto del Lavoro e globalizzazione, Cedam,

Padova, 1999 : Valdés Dal-Re, F., “Transformaciones del derecho del trabajo y orden

económico globalizado”, Revista andaluza de relaciones laborales, Nº 12, 2003, pp.

131 y ss.; Valdés Dal-Re, F., “Soft law, Derecho del trabajo y orden económico

globalizado”, RL, Nº 1, 2005, pp. 37 y ss.; Baylos Grau, A. “Globalización y Derecho del

Trabajo: Realidad y Proyecto”, Cuadernos de Relaciones Laborales Nº 15, 1999, pp.

19 y ss.; Olivas, E., "Desordenes sociales y ajustes constitucionales", en Lima Torrado,

J. Olivas, E., Ortíz Arce De La Fuente, A. (coord.), Globalización y Derecho. Una

aproximación desde Europa y América Latina, Dilex, Madrid, 2007; Faria, El derecho en

la economía globalizada, Trotta, Madrid, 2001; Alonso, L.E., Trabajo y Ciudadanía,

estudios sobre la crisis de la sociedad salarial, Trotta, Madrid, 1999; Alonso, L.E.,

Trabajo y posmodernidad, el empleo débil, Fundamentos, Madrid, 2000; Sanguineti

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 152 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

De hecho, siguiendo una vez más al autor italiano, debemos

recordar que en el espacio global actual lo que llama la atención, el

verdadero problema, no es la ausencia de reglas, sino la imposibilidad

efectiva de aplicar las que hemos considerado tradicionalmente como Hard

Law y la proliferación de lo que, a pesar de denominarse Soft Law, está

superando la eficacia coactiva del primero. Así, el poder normativo de lo

público se reduce frente a la regla de la fuente privada y de la aplicación

“voluntaria” de normas autónomas, derivadas directamente de los actores

económicos interesados. La llamada desregulación es más bien una re-

regulación donde el Derecho Internacional de los derechos humanos,

categoría en la que incluimos evidentemente los derechos laborales21,

pierde peso frente a las normas derivadas del poder privado orientadas a la

regulación del comercio y las relaciones económicas. Como ha señalado

Esteve, la captura corporativa conlleva la politización de la justicia y, con

ello, el cuestionamiento de las bases de los Estados de Derecho.

Cabe señalar por último en la construcción de esta compleja y

amplia Lex Mercatoria ha jugado un papel fundamental el fenómeno de la

“Captura Corporativa”, es decir, las formas y vías por las que la élite

económica controla las decisiones de los Estados en su propio beneficio.

Raymond, W., García Laso, A., Globalización económica y relaciones laborales,

Ediciones de la Universidad de Salamanca, Salamanca, 2003 21 Se da así por superado el debate respeto de los Derechos Económicos, Sociales y

Culturales (DESC) en cuestiones relativas a su alcance y justiciabilidad como derechos

humanos y la responsabilidad de estado en su promoción, protección y defensa. La

evolución hacia la plena afirmación de la idea de la universalidad e indivisibilidad de

los derechos humanos es ya clara e incontrovertible, siendo comúnmente aceptado

que sin el goce efectivo de los derechos económicos, sociales y culturales, los

derechos civiles y políticos se reducen a meras categorías formales y que solo el

reconocimiento integral del conjunto de derechos humanos puede garantizar la

existencia real de todos y cada uno de ellos. Esta idea, y la falacia de la distinta

naturaleza, ha sido elaborada ya tanto desde el punto de vista doctrinal como en el

plano normativo, con el desarrollo del PIDESC y en especial con la Declaración y

Programa de Viena, aprobado por la Conferencia Mundial que se llevó a cabo en esa

ciudad en 1993, firmada por 171 Estados. Sobre la cuestión vid., Noguera Fernández,

A., Los derechos sociales en las nuevas constituciones latinoamericanas, Tirant Lo

Blanch, Valencia, 2010 y Pisarello, G., Los derechos sociales y sus garantías. Trotta.

Madrid, 2007

153 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Según ha señalado la RED-DESC, la captura corporativa puede definirse

como:

La influencia indebida que las corporaciones ejercen

sobre las instituciones públicas nacionales e

internacionales, manipulándolas para que actúen de

acuerdo con sus prioridades, a costa del interés

público y la integridad de los sistemas necesarios para

respetar, proteger y hacer realidad los derechos

humanos y proteger el medio ambiente. Dada su

naturaleza, esta captura corporativa actúa como una

significativa causa de los abusos de derechos humanos

por parte de las empresas22.

Así, el fenómeno iría en contra del propio mandato del artículo 21

(3) de la Declaración Universal de Derechos Humanos el cual establece que

“la voluntad del pueblo es la base de la autoridad del poder público”. Como

ha señalado Esteve, la captura corporativa conlleva la politización de la

justicia y, con ello, el cuestionamiento de las bases de los Estados de

Derecho.

1.2. LA EXTENSIÓN DE LAS C ADENAS DE SUMINISTRO

La otra arista de la impunidad deriva del comportamiento

empresarial deliberadamente dirigido a difuminar su responsabilidad a

través de las estrategias de descentralización, diferenciación patrimonial,

constitución de sociedades dominantes y filiales y diversificación de las

mismas así como de las distintas partes de la producción en distintos países.

Como es evidente, a medida que aumenta el tamaño de las corporaciones

transnacionales y de sus cadenas de suministro, se acrecienta su impunidad

por cuanto se obstaculiza la determinación de los responsables de la

22https://www.escrnet.org/sites/default/files/proyecto_de_captura_corporativa_sp

anish_0.pdf

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 154 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

violación de los derechos humanos por las actividades realizadas a lo largo

de las cadenas de suministro.

Veamos algunas cifras: según el Índice de Transnacionalización de

la Conferencia de las Naciones Unidas sobre Comercio y Desarrollo

(UNCTAD), las 100 primeras empresas multinacionales del mundo tienen,

en promedio, más de 500 filiales en más de 50 países. Su estructura de

propiedad posee 7 niveles jerárquicos (es decir, los eslabones de propiedad

con las filiales pueden cruzar hasta 6 fronteras), unas 20 sociedades de

cartera que presentan filiales en múltiples jurisdicciones, y casi 70

entidades en centros de inversión extraterritoriales23. La UNCTAD estimaba

también, en su informe sobre las inversiones en el mundo de 201324 que

alrededor del 80 por ciento del comercio mundial (medido en términos del

valor bruto de las exportaciones) estaba ya entonces relacionado con las

redes internacionales de producción, las cadenas de suministro, de las

empresas transnacionales.

Es este un buen momento para entrar brevemente en la cuestión

de las cadenas de suministro y su relación con la complejidad organizacional

de las empresas transnacionales, la Inversión Extranjera Directa y las

dificultades de determinar la responsabilidad jurídica a lo largo de estas

cadenas.

La OIT ha definido “cadena de suministro” como:

Toda organización transfronteriza de las actividades

necesarias para producir bienes o servicios y llevarlos

hasta los consumidores, sirviéndose de distintos

insumos en las diversas fases de desarrollo,

producción y entrega o prestación de dichos bienes y

servicios.

Esta definición incluye las operaciones de Inversión Extranjera

Directa (IED) efectuadas por las empresas multinacionales, tanto en filiales

23 UNCTAD, Informe sobre las inversiones en el mundo 2016. Nacionalidad de los

inversores: retos para la formulación de políticas. 2016. 24 UNCTAD, Informe sobre las Inversiones en el Mundo 2013: Las cadenas de valor

mundiales, la inversión y el comercio para el desarrollo. 2013.

155 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

que les pertenecen en su totalidad como en empresas mixtas en las que la

multinacional tiene la responsabilidad directa de la relación de trabajo.

También incluye el modelo cada vez más predominante de abastecimiento

internacional, en cuyo marco las obligaciones de las empresas principales

se fijan en los acuerdos contractuales (o, a veces, tácitos) que suscriben con

los proveedores y con las empresas25.

La Conferencia de las Naciones Unidas sobre Comercio y

Desarrollo (UNCTAD) ha estimado en su Informe sobre las inversiones en el

mundo de 201326 que alrededor del 80 por ciento del comercio mundial

(medido en términos del valor bruto de las exportaciones) estaba ya

entonces relacionado con las redes internacionales de producción de las

empresas multinacionales.

Como señalaba el informe de la OIT sobre cadenas de suministro27,

es innegable que los problemas relativos a las violaciones de derechos

humanos y en particular a las indignas condiciones de trabajo ya existían en

muchos países antes de su incorporación a las cadenas mundiales de

suministro. Sin embargo, es igualmente evidente que la actividad de estas

cadenas ha contribuido a perpetuar o agravar dichos problemas y ha hecho

surgir nuevas dificultades para asegurar el respeto a los derechos humanos.

En primer lugar, como ya hemos mencionado se han acrecentado

los problemas a la hora de determinar los vínculos entre la matriz o empresa

principal de la cadena de suministro y las actividades de las empresas de su

cadena.

En segundo lugar, la extensión de estas cadenas no sólo tiene una

importancia cuantitativa sino también, evidentemente, geopolítica, dado

que existe una clara relación entre el grado de participación en estas

cadenas y la mayor presencia de Inversión Extranjera Directa en las

25 OIT (2016), El trabajo decente en las cadenas mundiales de suministro, Conferencia

Internacional del Trabajo, 105.ª reunión, 2016 Informe IV.

http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---

relconf/documents/meetingdocument/wcms_468096.pdf 26 UNCTAD, Informe sobre las Inversiones en el Mundo 2013: Las cadenas de valor

mundiales, la inversión y el comercio para el desarrollo. 2013. 27 OIT (2016), El trabajo decente en las cadenas mundiales de suministro, op. cit.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 156 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

economías en desarrollo. Las mismas atraen un volumen cada vez mayor de

los flujos de inversión internacional y absorbían más de la mitad de la IED

mundial en 2012. De hecho, y principalmente a raíz del auge de China e India

y de su participación en las cadenas mundiales de suministro, se ha

duplicado la oferta de mano de obra a disposición de la economía mundial,

es decir, en el marco de estas cadenas28.

1.3. LOS OBSTÁCULOS PARA EL ACCESO DE LAS

VÍCTIMAS A LA JUSTIC IA EFECTIVA Y LA REP ARACIÓN .

Los fenómenos anteriores se combinan para obstaculizar el

derecho a la tutela judicial efectiva a las víctimas, o situando a las ETN en

una posición de ventaja, provocando así la impunidad de estas últimas. En

concreto, como han remarcado diversas Observaciones Generales de

órganos de Derechos Humanos de Naciones Unidas, podemos destacar los

siguientes obstáculos: la falta de instrumentos jurídico/procesales para

juzgar adecuadamente este tipo de hechos y actores, dado que la actividad

transnacional y la movilidad de las ETN provocan, por ejemplo, una mayor

dificultad para acceder a la información y pruebas para sustanciar las

demandas, muchas de las cuales están en manos de la empresa demandada;

las dificultades de probar el vínculo entre los actores económicos

implicados en el Estado donde se comete la vulneración y el de origen; la

28 Ibidem. Es cierto que, como ha evidenciado el más reciente informe de la UNCTAD

(2017), a lo largo del año 2016 los flujos hacia las economías en desarrollo

experimentaron un descenso del 14% pero, aun así, la IED sigue siendo la fuente de

financiación externa más importante y constante para las economías en desarrollo,

por delante de las inversiones de cartera, las remesas y la asistencia oficial para el

desarrollo http://unctad.org/es/PublicationsLibrary/wir2017_overview_es.pdf. Por

otro lado, y en concreto en relación con el textil, la OIT ha afirmado que Asia se ha

convertido en la fábrica del textil mundial, concentrando el 59.5 por cien de las

exportaciones de textil y zapatos. Vid. Huynh, Phu

Employment, wages and working conditions in Asia's garment sector : finding new

drivers of competitiveness /

Phu Huynh ; ILO Regional Office for Asia and the Pacific. – Bangkok : ILO, 2015

157 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

falta de asistencia jurídica y de ayudas económicas para hacer las demandas

viables económicamente29; la falta de mecanismos adecuados de

cooperación jurídica internacional y los costes de la litigación

transnacional30; la utilización en algunas jurisdicciones del forum non

conveniens31, etc.

En concreto, merece la pena subrayar que la aplicación del forum

non conveniens es, junto con la descentralización y deslocalización a través

de las cadenas de suministro, uno de los principales obstáculos señalados

por la doctrina especializada que impiden el acceso de las víctimas a la

justicia, en este sentido es apropiado realizar unas cuantas precisiones

sobre ambas, en este apartado y en el siguiente. La doctrina del foro de no

conveniencia ha sido definida como el poder discrecional de un tribunal

para declinar la jurisdicción bajo el argumento de que el foro apropiado

para el procedimiento está en el extranjero y que el foro nacional es

inapropiado. En palabras del TJUE, citando jurisprudencia de la House of

Lords:

En virtud de la excepción de forum non conveniens, tal

como se aplica en Derecho inglés, un órgano

jurisdiccional nacional puede inhibirse en favor de un

órgano jurisdiccional situado en otro Estado, que es

asimismo competente, si considera que

objetivamente éste es un foro más adecuado para

conocer del litigio, es decir, que el litigio puede

resolverse ante éste de forma más adecuada, habida

cuenta de los intereses de las partes y de los objetivos

de la justicia32

29 Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/GC/24, General

Comment No. 24 (2017): on State Obligations under the International Covenant on

Economic, Social and Cultural Rights in the Context of Business Activities, para. 42. 30 Ibidem, para. 43. 31 Ibidem. 32 Sentencia de 1 de marzo de 2005 del TJUE, asunto 281/02) con cita de la sentencia

de 1986 de la House of Lords, Spiliada Maritime Corporation/Cansulex Ltd., 1987, AC

460.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 158 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Se trata de una doctrina adoptada fundamentalmente en

jurisdicciones del Common Law, que, según indican diversos autores, en

principio tiene la utilidad de corregir el foro o criterio de competencia

judicial internacional en un caso concreto cuando no existe vinculación

entre las partes o el litigio y el lugar donde se presenta la demanda o esta

es escasa33. Sin embargo, la utilización de esta doctrina por las ETN está

teniendo como consecuencia el retraso o incluso la evasión de la

responsabilidad jurídica por parte de estas empresas que evitan ser

juzgadas en el lugar de residencia de las matrices (y del capital) para afirmar

que el foro conveniente es el lugar donde se cometió la violación de los

derechos humanos, lugar en el cual la filial correspondiente o ya no existe

o no tiene capital.

Más allá de esta cuestión, y vinculada con ella, otro de los

principales límites para la reparación de las víctimas es la negativa a aceptar

el principio de extraterritorialidad. En este sentido, la afirmación de la

limitación territorial de las obligaciones estatales respecto de los mismos

está provocando importantes vacíos en su protección, que se agudiza con

la creciente movilidad transnacional del capital y de los actores económicos,

subrayando, por tanto, la importancia del fortalecimiento de las

obligaciones extraterritoriales a fin de encarar los desafíos de la

globalización34.

Además, como señalan Julio Prieto y Gabriela Espinoza hay otros

factores que se suman a la dificultad para obtener el acceso a la justicia

33 Hernández, A., “Accidentes aéreos y forum non conveniens. Algunas cuestiones en

torno al asunto Honeywell en España”, Cuadernos de Derecho Transnacional

(Octubre 2012), Vol. 4, Nº 2. Como señala esta autora, los requisitos para que se

pueda aplicar esta doctrina son los siguientes: el juez debe de ser competente; debe

existir un foro alternativo para el demandante; se debe verificar que el segundo

tribunal es competente para resolver el litigio; el foro alternativo ha de ser adecuado;

el tribunal que declina la competencia debe verificar que el demandado se somete al

segundo tribunal y que si éste decide no entrar a conocer el asunto, el que declinó

debe retomarlo. Las partes deben presentar las pruebas y argumentos que permitan

al tribunal que declina la competencia tomar esta decisión en base a los criterios

anteriores. 34 Declaración Viena+20 OSC, adoptada en Viena el 26 de junio de 2013.

159 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

como es la disparidad de fuerzas entre las ETN, que invierten millones en la

defensa jurídica, y las víctimas o sus organizaciones.

2. LAS CARENCIAS DEL MARCO NORMATIVO

INTERNACIONAL QUE REGULA LA RELACIÓN

ENTRE ETN Y DERECHOS HUMANOS.

Desde la década de los setenta, la necesidad de controlar la

actuación de las ETN respecto de los derechos humanos y de la naturaleza

ha estado presente en los debates político-normativos tanto a nivel

nacional como internacional. Como señala Compa, en 1976 y tras la grosera

y evidente intervención de las ETN americanas en el golpe de Estado en

Chile35, las empresas con actividad transnacional comenzaron a dotarse de

códigos de conducta para lavar su imagen. Además, y como es bien sabido,

desde Naciones Unidas, la OCDE y la OIT, entre otras instancias, se lanzó el

debate y la producción de textos relativos a la relación entre las actividades

de las ETN y los Derechos Humanos. Sin embargo, ya se ha señalado en los

epígrafes anteriores que, a pesar del progreso alcanzado en el

reconocimiento y la institucionalización de los derechos y sistemas de

Derechos Humanos, lo cierto es que la primacía de los mismos no cuenta

todavía con los mecanismos de garantía que permitan la adecuada

protección de las víctimas.

35 Otros autores como Esteve nos recuerdan que tanto el golpe contra Salvador

Allende en Chile (1973) como el anterior contra Jacobo Arbenz en Guatemala (1954)

no se habrían llevado a cabo sin la intervención de empresas transnacionales como la

United Fruit Company y la International Telephone and Telegraph. Vid., Esteve, J.E.,

“Los Principios Rectores sobre las empresas transnacionales y los derechos humanos

en el marco de las Naciones Unidas para «proteger, respetar y remediar»: ¿hacia la

responsabilidad de las corporaciones o la complacencia institucional?”, Anuario

Español de derecho internacional, Nº27, 2011. Para un recorrido por un amplio

conjunto de violaciones de los derechos humanos cometidos por las empresas

transnacionales se remite a, Gómez, F., “Empresas transnacionales y derechos

humanos: desarrollos recientes”, en Lan Harremanak Especial/Ale Berezia 2006 (55-

94).

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 160 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

El problema se está poniendo sobre la mesa de manera cada vez

más enfática tanto por los actores sociales como en el seno de las

instituciones internacionales. Así, el creciente impacto de las actividades

empresariales en el disfrute de los derechos humanos ha sido reconocido

en múltiples ocasiones por los mismos mecanismos de control de Naciones

Unidas. El Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales señaló en

2011 que:

las actividades empresariales pueden perjudicar al

disfrute de los derechos reconocidos en el Pacto. Los

ejemplos de problemas en este sentido son múltiples,

desde el trabajo infantil y las condiciones de trabajo

peligrosas hasta los efectos nocivos para el derecho a

la salud, el nivel de vida, incluido el de los pueblos

indígenas, y el medio ambiente natural, y los efectos

destructivos de la corrupción, pasando por las

restricciones de los derechos sindicales y la

discriminación que sufren las trabajadoras 36.

Reconociendo esta situación, es una afirmación ya común entre los

documentos generados por los organismos de control de los instrumentos

internacionales de derechos humanos que la obligación de proteger

requiere que los Estados adopten medidas para velar por que las empresas

o los particulares no priven a las personas del acceso a los derechos

humanos37. En particular, se ha remarcado en múltiples ocasiones que los

36 Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, E/C.12/2011/1, Declaración

sobre las obligaciones de los Estados partes en relación con el sector empresarial y

los derechos económicos, sociales y culturales, para. 1; en un sentido similar, v. gr.

Asamblea General, A/65/223, Report of the Special Rapporteur on the situation of

human rights defenders: “Non-State actors are thus included and therefore have a

responsibility to promote and respect the rights enshrined in the Declaration and,

consequently, the rights of human rights defenders”, para. 9; Committee on

Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/AZE/CO/3, Concluding observations, on

the third periodic report of Azerbaidjan (2013), para. 15; Comisión de derechos

humanos, E/CN.4/2004/94/Add.1, Informe presentado por la Sra. Hina Jilani,

Representante Especial del Secretario General sobre la situación de los defensores

de los derechos humanos 37 Entre otros documentos que contienen esta afirmación, vid., respecto del derecho

a la alimentación adecuada: Committee on Economic, Social and Cultural Rights,

161 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Estados deben proteger los derechos humanos de todas las personas bajo

su jurisdicción, en el contexto de las actividades empresariales llevadas a

cabo por empresas de titularidad pública o privada38 y que existen

responsabilidades específicas respecto de las empresas de titularidad

pública39 o de aquellas que reciban importantes apoyos y servicios de

organismos estatales40.

Pero más allá de esta responsabilidad estatal de control de las

actividades empresariales, ya son numerosos los documentos que parten

del reconocimiento del deber de las empresas de respetar los derechos

humanos y de hacer frente a las consecuencias negativas de su vulneración

o afectación41. Así, el Comité de Derechos Económicos, Sociales y

Culturales42 ha remarcado que las empresas tienen responsabilidades

respecto a la realización de los derechos humanos, entre otros, de los

siguientes derechos: salud43, alimentación44, agua45, seguridad social46,

E/C.12/1999/5, General Comment No. 12 (1999): The right to adequate food, para.

15. 38 Comité de Derechos Económicos, Sociales y Culturales, E/C.12/2011/1, Declaración

sobre las obligaciones de los Estados partes en relación con el sector empresarial y

los derechos económicos, sociales y culturales, para. 3. 39 Vid. sobre esta cuestión: Asamblea General, A/RES/56/83, Resolución 56/83 sobre

la responsabilidad del Estado por hechos internacionalmente ilícitos. 40 Consejo de derechos humanos, A/C/17/31, Principios Rectores sobre las empresas

y los derechos humanos: puesta en práctica del marco de las Naciones Unidas para

"proteger, respetar y remediar". 41 Consejo de derechos humanos, A/C/17/31, Principios Rectores sobre las empresas

y los derechos humanos: puesta en práctica del marco de las Naciones Unidas para

"proteger, respetar y remediar", paras. 12 y 13. 42 Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/GC/24, General

Comment No. 24 (2017): on State Obligations under the International Covenant on

Economic, Social and Cultural Rights in the Context of Business Activities, para. 2. 43 Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/2000/4, General

Comment No. 14 (2000): The right to the highest attainable standard of health, paras

35 y 42: 44 Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/1999/5, General

Comment No. 12 (1999): The right to adequate food, paras. 19-20. 45 Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/2002/11, General

Comment No. 15 (2002): The right to water, paras 23 y 24. 46 Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/GC/19, General

Comment No. 19 (2008): The right to social security, paras. 45, 71.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 162 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

derecho al trabajo47, el derecho a unas condiciones de trabajo dignas,

adecuadas, justas y favorables48.

Más aun, el establecimiento de obligaciones directas a las

empresas en normas internacionales no es algo inédito. El Código

Internacional de Comercialización de Sucedáneos de la Leche Materna

(OMS/UNICEF, 1981)49 es un claro ejemplo de esto, pero también grandes

convenios como el Convenio sobre los Derechos del niño, cuyas

obligaciones, según ha interpretado su comité:

se extienden en la práctica más allá de los servicios e

instituciones del Estado y controlados por el Estado y

se aplican a los actores privados y a las empresas. Por

lo tanto, todas las empresas deben cumplir sus

responsabilidades en relación con los derechos del

niño y los Estados deben velar por que lo hagan.

Además, las empresas no deben mermar la capacidad

de los Estados para cumplir sus obligaciones hacia los

niños de conformidad con la Convención y sus

protocolos facultativos50.

47 Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/GC/18, General

Comment No. 18 (2006): The right to work, para. 52. 48 Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/GC/23, General

Comment No. 23 (2016):

The right to just and favorable conditions of work, paras. 74-75. 49 Vid. entre otras disposiciones las siguientes: “5.2 Los fabricantes y los

distribuidores no deben facilitar, directa o indirectamente, a las mujeres

embarazadas, a las madres o a los miembros de sus familias, muestras de los

productos comprendidos en las disposiciones del presente Código.

7.3 Los fabricantes o los distribuidores no deben ofrecer, con el fin de promover los

productos comprendidos en las disposiciones del presente Código, incentivos

financieros o materiales a los agentes de la salud o a los miembros de sus familias ni

dichos incentivos deben ser aceptados por los agentes de salud o los miembros de

sus familias” 50 Comité de los Derechos del Niño, CRC/C/GC/16, Observación general Nº 16 (2013)

sobre las obligaciones del Estado en relación con el impacto del sector empresarial

en los derechos del niño, para. 8. Vid en un sentido similar: V. Gr., entre otros, los

siguientes documentos: Asamblea General, A/65/223, Report of the Special

Rapporteur on the situation of human rights defenders: “Non-State actors are thus

included and therefore have a responsibility to promote and respect the rights

enshrined in the Declaration and, consequently, the rights of human rights

defenders”

163 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Tampoco es algo descabellado la pretensión de establecer

responsabilidades de carácter extraterritorial, pues el Comité de Derechos

Económicos, Sociales y Culturales ha remarcado que los Estados deben

tomar medidas para impedir que empresas vinculadas a su territorio o en

su jurisdicción vulneren los derechos humanos en el extranjero,

evidentemente sin atentar a la soberanía ni menoscabar las obligaciones de

los Estados de acogida51. En esta línea, el mismo Comité ya ha establecido

obligaciones extraterritoriales específicas para los Estados respecto de

actividades empresariales en diversos Comentarios Generales sobre, entre

otros, los derechos al agua52, a la seguridad social53, a condiciones justas y

favorables de trabajo54, etc.

A pesar de todo el conjunto de doctrina y evidencias, así como de

las diferentes propuestas en materias concretas, es bien sabido que el

marco internacional general de la relación entre ETN y Derechos Humanos

viene marcado por los Principios Rectores de 2011, también conocidos

como Principios Ruggie. No va a hacerse un recorrido en este momento por

las carencias que suponen unos principios que, como señalan autores como

Deva, Esteve o Zubizarreta, son en realidad “pura tautología”55 o “una

51 Vid. mutatis mutandis sobre los derechos sociales: Comité de Derechos

Económicos, Sociales y Culturales, E/C.12/2011/1, Declaración sobre las obligaciones

de los Estados partes en relación con el sector empresarial y los derechos

económicos, sociales y culturales, para. 5. 52 Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/2002/11, General

Comment No. 15 (2002): The right to water, paras 31 y 33. 53 Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/GC/19, General

Comment No. 19 (2008): The right to social security, para 54. 54 Committee on Economic, Social and Cultural Rights, E/C.12/GC/23, General

Comment No. 23 (2016):

The right to just and favorable conditions of work, para. 70. 55 Remarca Esteve el primer párrafo del texto que contiene los principios y que

merece la pena recordar “En ningún caso debe interpretarse que estos Principios

Rectores establezcan nuevas obligaciones de derecho internacional ni que restrinjan

o reduzcan las obligaciones legales que un Estado haya asumido, o a las que esté

sujeto de conformidad con las normas de derecho internacional en materia de

derechos humanos”. Vid. Esteve, J.E., “Los Principios Rectores sobre las empresas

transnacionales y los derechos humanos en el marco de las Naciones Unidas para

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 164 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

versión sofisticada del Global Compact” o “la Responsabilidad Social

Corporativa anclada en la arquitectura jurídica de Naciones Unidas”. Más

aun, es perfectamente posible afirmar que estos Principios suponen un

status quo marcado por la voluntariedad en el ámbito del cumplimiento

respecto de las obligaciones de Derechos Humanos que está perpetuando

los problemas y generando indefensión a las víctimas, sin enfrentar

obstáculos como la permanente utilización torticera por parte de las ETN

de las doctrinas del forum non conveniens o del principio de la personalidad

jurídica separada (el velo corporativo) para eludir las responsabilidades por

las violaciones de derechos humanos. En otras palabras, la “Paz Ruggie” es

solo paz para las ETN.

Así, haciendo un parlalismo con una frase de Servais respecto de

las normas de la OIT es necesario coincidir en que:

Proclamar una interdicción del trabajo infantil sin

adjuntar una amenaza de sanción en caso de

inejecución corresponde a la expresión de una

esperanza, de un mensaje político por seguro

importante pero sin alcance jurídico. No se debe

subestimar su repercusión, pero sí destacarse su

carácter circunstancial. El empleo de medios jurídicos

asienta un designio a más largo plazo que entraña la

voluntad de dar duración a tal política mediante su

consagración en diversos textos y de recurrir, cuando

sea necesario, a la sanción propia del Derecho.

Ante a esta realidad, la necesidad de transitar del paradigma de la

voluntariedad a la conclusión de instrumentos vinculantes es una exigencia

que ha sido sostenida de manera fundamental por centenares de

organizaciones aglutinadas bajo el paraguas de la “Campaña Global para

Reivindicar la Soberanía de los Pueblos, Desmantelar el Poder de las

Transnacionales y poner Fin a la Impunidad” o bajo la más amplia “Alianza

por el Tratado”. La plasmación jurídica de esta demanda está cristalizando

«proteger, respetar y remediar»: ¿hacia la responsabilidad de las corporaciones o la

complacencia institucional?”, Anuario Español de derecho internacional, Nº27, 2011

165 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

en el ámbito nacional, regional e internacional, con alcance diverso, como

veremos en las siguientes páginas.

3. LA PROPUESTA FRANCESA: UNA LEY DE

VIGILANCIA DEBIDA CORTAPISADA POR LA

COUR CONSTITUTIONNELLE

El 12 de abril de 2012, en un acto de campaña, François Hollande,

entonces candidato a la presidencia de la República, prometió que si

resultaba elegido impulsaría una ley donde se plasmarían los principios de

responsabilidad de las empresas matrices respecto de las actividades de sus

filiales que provocaran daños ambientales y sanitarios.

Antes del depósito de las primeras proposiciones de ley, en 2013,

una pluralidad de actores sociales e institucionales (sindicatos, patronales,

académicos, miembros de diferentes ministerios, ONG etc..) habían

celebrado ya numerosas reuniones, seminarios y conferencias sobre el

posible contenido de esta ley, un proceso de participación y debate

colectivo que acompañó el trabajo preparatorio de los parlamentarios56.

Entre noviembre de 2013 y abril de 2014 se presentaron cuatro

proposiciones de ley similares, relativas al mismo tema, con el objetivo de

modificar el Código de comercio para incluir una obligación de prevenir los

daños contra los derechos fundamentales que pudieran cometer las

empresas en el curso de sus actividades, estableciendo también una serie

de sanciones.

Nadie ignoraba la dificultad jurídica de este objetivo que venía

además espoleada por los intereses político-económicos del sector

empresarial y sus aliados. Mientras las ONG abogaban por una ley , el

MEDEF57 y los lobbies insistían en los problemas “técnicos” que iban a

presentarse y que se centraban fundamentalmente en tres aspectos:

56 Para un análisis del recorrido de la ley se remite a la documentación recopilada y

elaborada por la asociación Sherpa: <https://www.asso-sherpa.org/accueil>. 57 El MEDEF es la principal patronal francesa.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 166 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

imposibilidad de realizar la reforma en el ámbito francés (necesidad de una

actuación internacional, no estatal); erosión de la competitividad de las

empresas francesas y problemas de carácter jurídico respecto de

cuestiones como el derecho a la libertad de empresa o al principio de

legalidad de los delitos y las penas. Todas estas aristas se resaltaron

insistentemente a lo largo del debate legislativo y en el posterior juicio de

constitucionalidad.

El 21 de febrero de 2017, tras años de intensa negociación, de

múltiples renuncias respecto del texto original y rodeada de una amplia

movilización de la sociedad civil, se aprobó la Loi relative au devoir de

vigilance des sociétés mères et des entreprises donneuses d’ordre.

Posteriormente, la ley fue recurrida ante el Conseil Constitutionnel que

estimó tanto el interés general de su contenido como la constitucionalidad

de las obligaciones que establecía para las empresas, pero que, como

detallaremos en las páginas siguientes, consideró inconstitucionales

algunas disposiciones de la norma relativas a las multas que podían

aplicarse a las empresas en caso de incumplimiento de las obligaciones que

establece la ley.

El objetivo general de la norma es, en palabras de Dominique

Potier, uno de los dos diputados socialistas que propuso una de las cuatro

proposiciones, que finalmente fue la tramitada, acabar con la desconexión

completa entre el poder económico y la responsabilidad jurídica58. Para

ello, la norma opta por modificar el art. Art. L. 225-102-4 del Código de

Comercio e incluir un instrumento de prevención, el “plan de vigilancia”,

que deberá ser establecido por las empresas que se encuentran bajo de su

ámbito de aplicación.

En concreto, el plan de vigilancia debe ser adoptado por:

Cualquier empresa que dé empleo el cierre dos años

consecutivos, al menos cinco mil trabajadores, en ella

58 Assemblée Nationale, N° 2628, Rapport fait au nom de la Commission des Lois

constitutionnelles, de la législation et de l’administration générale de la République

sur la Proposition de Loi (n° 2578), relative au devoir de vigilance des sociétés mères

et des entreprises donneuses d’ordre.

167 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

y sus subsidiarias directas o indirectas con domicilio

social en el territorio francés, o por lo menos a diez mil

trabajadores entre la empresa principal y sus filiales

directas o indirectas, con domicilio social en el

territorio francés o en el extranjero.

La ley detalla el contenido del plan que debe incluir las medidas de

vigilancia razonables orientadas a identificar los riesgos y prevenir

violaciones graves de los derechos humanos y las libertades

fundamentales, la salud y la seguridad de las personas y el ambiente que

sean resultado de las actividades de la empresa y las empresas que

controla, directamente o indirectamente, así como las actividades de los

subcontratistas o proveedores con quien existía una relación comercial

establecida cuando se realizaron las actividades concernidas, en los casos

en que estas las actividades se vinculan a la relación comercial entre las

empresas mencionadas. Es particularmente interesante que la ley no optó

por la siempre complicada cuestión de definir el concepto de “control

empresarial” sino que derivó la cuestión a la propia normativa mercantil,

incluyendo la coletilla “en el sentido de la sección II del artículo L. 233-16”.

Respecto de la elaboración del plan, la norma señala que este debe

ser desarrollado en colaboración con las partes interesadas en la empresa.

Debe destacarse de nuevo el carácter amplio del término “partes

interesadas”, donde entran evidentemente en su caso a través de iniciativas

de múltiples partes dentro las cadenas o nivel territorial. Aun así, la norma

establece una serie de medidas que deben ser incluidas en el plan de

vigilancia:

1. Un mapa de riesgos para su identificación, análisis y priorización;

2. Un procedimiento de evaluación periódica de la situación de las

filiales, subcontratistas o proveedores con los cuales se mantiene

una relación de comercio, según el mapeo de riesgos;

3. Las acciones de reducción del riesgo o la prevención lesiones graves;

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 168 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

4. Un mecanismo de alerta y recogida de informes relativos a la

existencia y actualización del riesgo, establecido en consulta con los

sindicatos representativos en la empresa;

5. Un dispositivo de seguimiento de las medidas puestas en práctica y

una evaluación de su eficacia.

Además, es obligatoria la publicación del plan de vigilancia y del

resultado de su aplicación efectiva.

Tras la descripción del plan, la norma incluyó una serie de

mecanismos para asegurar su complimiento. En el apartado segundo, se

establece que:

“Cuando una de las empresas obligadas a respetar las

obligaciones según el apartado I no cumple en el plazo

de tres meses siguientes al requerimiento, el órgano

competente podrá, a petición de cualquier persona

que demuestre un interés en la actuación, obligarle,

en su caso bajo multa coercitiva, a respetarlos. El

presidente del tribunal, actuando de urgencia, puede

ser solicitado para el mismo propósito”.

En el texto originalmente aprobado, se incluía la posibilidad de que

el juez pudiera condenar a la empresa a pagar una multa civil, con una

cantidad que no podía superar los 10 millones de euros. El juez debía el

importe de la multa en proporción a la gravedad de la infracción y en

consideración a las circunstancias de los mismos y la personalidad de su

autor. El texto original también incluía la previsión de que en el caso de

incumplimiento de las obligaciones definidas, el infractor debía a reparar el

daño que el cumplimiento de estas obligaciones podría haber evitado. En

este caso, el importe de la multa prevista se podría aumentar hasta tres

veces, dependiendo de la gravedad y las circunstancias de la violación y el

perjuicio. Estos incisos fueron declarados no conformes a la Constitución

francesa por la decisión del Conseil Constitutionnel n° 2017-750 DC de 23 de

marzo de 2017.

169 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Es interesante atender al contenido de esta resolución respecto de

la constitucionalidad de este inciso de la norma. Los demandantes adujeron

cuatro motivos de inconstitucionalidad basados en la quiebra de los

siguientes principios: el principio de claridad de la ley; el valor

constitucional de accesibilidad e inteligibilidad de la ley; la

proporcionalidad de las penas; el principio de responsabilidad. El Conseil

Constitutionnel por su parte afirmó que la ley tenía un interés general claro

y validó la obligación de establecer el plan de vigilancia y las medidas de

control relativas a la posibilidad de que el juez estableciese una medida

cautelar y la responsabilidad por no cumplir la obligación establecida en la

norma.

Sin embargo, la sentencia consideró que diversos términos de la

norma eran imprecisos (medidas de vigilancia razonable o acciones

adecuadas a la atenuación de los riesgos), otros eran muy vagos (derechos

humanos y libertades fundamentales) y otros muy amplios (el ámbito

subjetivo). Todo esto impedía estimar constitucionalmente adecuada la

inclusión de la multa.

Debe señalarse que, según argumentó el Conseil Constitutionnel, la

ley prevé un triple mecanismo para asegurar el respeto de las obligaciones

que impone. Cualquier empresa sometida a la norma puede ser objeto de

un requerimiento para que ponga en práctica el contenido de la ley, si no lo

hace, la persona interesada que elevó el requerimiento puede acudir ante

un juez que a su vez puede establecer una medida cautelar o poner una

multa a la empresa. Además, como hemos visto, el texto original preveía

que el no cumplimiento de las obligaciones de vigilancia podía provocar la

responsabilidad de la sociedad y en este caso la multa se multiplicaría por

tres. Al considerar poco claras las obligaciones establecidas, el Conseil

indicó que no era aceptable el establecimiento de dichas sanciones.

A pesar del carácter, sin duda moderado de la norma y de la

paulatina reducción de su contenido, tanto en la tramitación como en el

posterior juicio de constitucionalidad, la ley sigue sufriendo la fuerte

oposición por parte de la patronal, que se ha centrado en las posibles

consecuencias de la misma respecto de la competitividad de las empresas

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 170 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

francesas. En contra de este parecer, las organizaciones sociales y diversos

académicos de renombre, como el Profesor Antoine Lyon-Caen, han

defendido el texto íntegro y la constitucionalidad del mismo. Tras la

sentencia del Conseil constitutionnel y la reciente entrada en vigor del texto

solo podemos esperar a la puesta en práctica del mismo para evaluar el

resultado.

4. LA PREVENCIÓN COMO ELEMENTO

NECESARIO: DEBER DE VIGILANCIA Y TEXIL:

EL EJEMPLO DEL INFORME SÁNCHEZ

CANDELTEY SOBRE LA INICIATIV A

EMBLEMÁTICA DE LA UNIÓN EN EL SECTOR

DE LA CONFECCIÓN

El llamado Informe “Sánchez Candeltey” fue aprobado el 27 de

abril de 2017, por una contundente mayoría de 505 votos a favor, sumando

así a un amplio conjunto de grupos parlamentarios. Liderado por la

eurodiputada Lola Sánchez y su equipo, el Informe es, sin duda, el

documento más relevante de los señalados hasta ahora y el que, gracias a

un procedimiento de redacción participativo y a una hábil negociación, ha

obtenido un amplio consenso a pesar del carácter avanzado de su

contenido59.

El Informe se constituye como una reivindicación de la necesidad

de actuar de manera urgente y contundente respecto de las condiciones de

trabajo en la industria de la confección a efectos de atajar la situación de

vulneración de los derechos humanos de las trabajadoras de las largas

cadenas de suministro de las grandes marcas del textil. En este sentido, el

texto realiza una clara interpelación a la Comisión para que responda a la

59 El texto del informe está disponible en:

<http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-

//EP//TEXT+REPORT+A8-2017-0080+0+DOC+XML+V0//ES>.

171 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

promesa de presentar una “iniciativa emblemática a escala de la Unión

Europea para fomentar la gestión responsable”.

La Comisión realizó aquella promesa ante la necesidad de

responder a la alarma social generada por la tragedia del Rana Plaza, y, sin

embargo, cuatro años después la inacción de la Comisión hizo que el

Parlamento tuviera que actuar. Así, en palabras de Lola Sánchez:

no podemos cerrar los ojos si nuestras ropas se

producen a costa de gran sufrimiento. Solo normas

obligatorias pueden garantizar que los productos

vendidos en Europa respetan la dignidad y los

derechos de millones de trabajadores. La UE dispone

de las herramientas para actuar, pedimos a la

Comisión que lo haga.

Como análisis general, podemos afirmar que el Informe da un paso

más allá de los contenidos del “Corrao”, con una apuesta más firme por los

instrumentos vinculantes que generen obligaciones para las empresas y

que permitan acabar con la impunidad con la que operan y la violación de

los derechos humanos en la industria del textil, con amplio tratamiento,

como es lógico, de las cuestiones laborales. En este sentido es destacable

que el Informe incluya la Resolución 26/9 entre las primeras referencias

normativas, tras los Principios Rectores y tras unos extensos

considerandos, y que se dirija directamente a la Comisión Europea para

exigirle la adopción de normas vinculantes orientadas a asegurar el respeto

de los derechos humanos en las cadenas de suministro del textil.

Ya mencionábamos en el apartado tercero de este libro que la

experiencia demuestra cómo el trabajo en esas cadenas se caracteriza por

la elevada presión sobre los salarios y las condiciones laborales, por la

violación frecuente de los derechos y por la inseguridad de las relaciones

de trabajo. Se han documentado abusos de derechos humanos en estas

cadenas durante más de dos decenios y se han denunciado condiciones de

trabajo deficientes, infracciones del salario mínimo, imposición forzada de

horas extraordinarias, trabajo infantil, acoso sexual, discriminaciones,

exposición a sustancias tóxicas y represalias contra trabajadores que

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 172 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

intentaban sindicarse. Sabemos que existen condiciones análogas a la

esclavitud en diferentes sectores de la economía mundial vinculados a

estas cadenas y en particular a las llamadas Zonas Francas Industriales. En

concreto, es importante subrayar que las mujeres ocupan una parte

creciente de la mano de obra en estas cadenas y son víctimas de

discriminaciones, acoso sexual y otras formas de violencia. En una situación

de igual doble precarización se encuentran los trabajadores migrantes. Es

cierto que, en un extremo de la cadena, los beneficios aumentan pero en el

otro extremo se sitúan la vulnerabilidad y la impotencia, tanto de las PyME

como de las y los trabajadores afectados. Y es igualmente cierto que con

estas cadenas se consigue externalizar la responsabilidad y se construye

una trama jurídica para asegurar la impunidad de las matrices.

En este sentido, el Informe pide a la Comisión que avance en el

Pacto alcanzando tras el desastre de Rana Plaza, a tres bandas con el Estado

de Bangladesh y la OIT, en materia de sostenibilidad y seguridad en el

trabajo, y que fiscalice su efectivo cumplimiento. Es más, dada la

potencialidad del Pacto, se insta a la Comisión a que celebre acuerdos

parecidos con otros Estados en los que las cadenas de suministro de las

empresas europeas de confección tienen presencia, como Sri Lanka, la India

o Pakistán. Al mismo tiempo, se pide a la Comisión que presente una

iniciativa legislativa similar al Reglamento de minerales en cuanto a la

diligencia debida, pero aplicable esta vez a las cadenas de suministro de las

empresas de confección, siguiendo como eje rector las nuevas directrices

de la OCDE en la materia. Además, tal propuesta legislativa ha de

extenderse a todo el amplio campo de los derechos humanos, incluida la

necesidad de garantizar la seguridad en el trabajo, un sueldo digno o la

libertad sindical.

En toda la propuesta legislativa que insta el Informe se recalca

continuamente, además, la necesidad de incorporar la perspectiva de

género como un criterio esencial y rector, dada la mayor conculcación de

DDHH que padecen las mujeres en las cadenas del sector textil y su especial

vulnerabilidad.

173 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Se pide asimismo a la Comisión que se cree una base de datos

comunitaria donde se contenga toda la información relativa al

cumplimiento de los derechos humanos por las empresas europeas del

textil y el seguimiento, o no, que hayan realizado de los criterios de

diligencia debida. Medida esta que, además de ser disuasoria para las

transnacionales, permite a los consumidores finales tener información

detallada de los productos que compren, pudiendo ello facilitar la

concienciación e impulsar las iniciativas de consumo (y comercio) justo. A

tal fin, pide el Informe que se incorpore en la iniciativa legislativa de la

Comisión la posibilidad de crear un etiquetado europeo que certifique el

cumplimiento de la normativa de diligencia debida y que acredite la

procedencia como “moda justa” de los productos textiles y de confección.

A sabiendas de que buena parte de las causas de la vulneración

constante de los derechos humanos en las cadenas de suministro vienen

amparadas por las deficiencias, en ocasiones notorias, de los Estados de

Derecho nacionales (de origen), el Informe solicita que la Comisión apoye la

consolidación de éstos y la lucha en ellos contra la corrupción, al tiempo que

cumplan fielmente con las obligaciones en materia laboral y social

derivadas de los Convenios OIT para la garantía de unos salarios justos

tanto para los trabajadores como para sus familias. Mediante la asistencia

financiera y técnica de la Comisión y de la Unión en los programas de

desarrollo, se solicita también que tales objetivos sean fines de dichos

programas, para poder con ello condicionar, o al menos alentar, a los países

de origen para que hagan cumplir los derechos humanos y laborales de los

trabajadores, reforzando las labores de inspección y sanción sobre las

empresas subsidiarias.

Nuevamente, además, se solicita a la Comisión que en todos

aquellos acuerdos internacionales de comercio e inversión que negocie, ya

sean bilaterales o multilaterales, incorpore la condicionalidad de su

ratificación respecto a la aprobación ulterior, por parte de los países

productores, de las normas de la OIT y del cumplimiento efectivo de los

derechos humanos, aumentando la seguridad jurídica y la fiscalización de

las cláusulas sociales de tales tratados. Algo que, recalcamos, es de suma

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 174 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

importancia, y más habida cuenta de la relevancia que están cobrando los

acuerdos de libre comercio entre la UE y terceros Estados tras la asunción,

por parte de aquélla, de personalidad jurídica internacional y de

competencias en la materia (Tratado de Lisboa). El Informe, para reforzar la

vinculatoriedad y eficacia de las cláusulas sociales y de derechos humanos

en tales acuerdos, insta a que se establezcan mecanismos de control y

vigilancia de su cumplimiento, tanto ex ante como ex post, y que, en caso

de reiteración en la conculcación, la UE pueda incluso denunciar el acuerdo

o suspenderlo de conformidad con las previsiones del Derecho

Internacional.

5. LA PREVENCIÓN EN EL DOCUMENTO DE

ELEMENTOS PARA LA CONSTRCCIÓN DEL

INSTRUMENTO VINCULANTE SOBRE

EMPRESAS TRANSNACIONALES Y OTRAS

EMPRESAS DE NEGOCIOS Y LOS DERECHOS

HUMANOS.

Como es bien sabido, en el año 2014, la apuesta firme en Naciones

Unidas de Estados como Ecuador, Sudáfrica y sus aliados para conseguir la

adopción de un instrumento internacional jurídicamente vinculante sobre

empresas transnacionales y derechos humanos, consiguió la aprobación de

la Resolución 26/960 y la creación del Grupo de Trabajo Intergubernamental

de Composición Abierta, presidido por Ecuador hasta la fecha.

La Resolución 26/9 obtuvo 20 votos a favor, 13 abstenciones, y 14

en contra. Es importante señalar que la Resolución contó con grandes

60 Resolución A/HRC/RES/26/9 “Elaboración de un instrumento internacional

jurídicamente vinculante sobre las empresas transnacionales y otras empresas con

respecto a los derechos humanos”: adoptada con votación en el Consejo de Derechos

Humanos (CDH) de las Naciones Unidas el 26 de junio de 2014. Disponible en

<https://documents-dds-

ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G14/082/55/PDF/G1408255.pdf?OpenElement>.

175 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

aliados en sus inicios, así, votaron a favor tanto China como Rusia, India o

Venezuela; mientras, todos los países de la UE presentes, como Alemania,

Francia, Italia, Irlanda y la República Checa, junto con EE.UU., entre otros se

posicionaron en contra, Chile, México y Perú se abstuvieron en la votación

inicial.

Aquella votación fue una etapa fundamental en un camino que

cientos de organizaciones sociales y miles de activistas llevaban años

transitando y que, por fin, entraba con fuerza en el ámbito del debate entre

los Estados, de la mano de Ecuador y con la Treaty Alliance y la Campaña

Global totalmente implicadas en el proceso. Tras la celebración del Tercer

Grupo de trabajo, en octubre de 2017 es posible afirmar que la participación

activa de los cientos de entidades en el proceso de elaboración del Tratado

está siendo imprescindible para que el camino de la Resolución 26/9

continúe.

El texto finalmente adoptado es un documento conciso, que parte

del reconocimiento de la labor realizada anteriormente, con mención

expresa de las Normas de 2003, y que señala con claridad que la

responsabilidad principal de promover y proteger los derechos humanos

implica también el reconocimiento de la responsabilidad misma de las

empresas transnacionales.

En este marco, la Resolución establece cuatro directrices, una

respecto del contenido y tres respecto del procedimiento. Empezando por

esta última cuestión, cabe señalar que la Resolución enmarcó las

obligaciones de los tres primeros grupos de trabajo. Los dos primeros, que

tuvieron lugar entre el 6 y el 10 de julio de 201561, y entre el 24 y el 28 de

61 El informe entero de esta primera sesión puede encontrase en: https://documents-

dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G16/018/25/PDF/G1601825.pdf?OpenElement. Un

resumen realizado por el Centro del Sur puede encontrarse en

https://es.southcentre.int/question/comienzan-discusiones-historicas-en-torno-a-

la-elaboracion-de-un-instrumento-juridicamente-vinculante-sobre-las-empresas-y-

los-derechos-humanos/ y en el South Bulletin de 23 Nov. 2015, Issues 87-88

https://www.southcentre.int/wp-content/uploads/2015/11/SB87-88_EN.pdf

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 176 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

octubre de 201662, debían consagrarse a deliberaciones constructivas sobre

el contenido, el alcance, la naturaleza y la forma del futuro instrumento

internacional; en el tercero, que se celebró entre los días 23 a 27 de octubre

de 201763, la Presidencia del Grupo de Trabajo presentó un documento de

“elementos para el proyecto de instrumento internacional jurídicamente

vinculante sobre empresas transnacionales y otras empresas con respecto

a los Derechos Humanos” preparado bajo el mandato de la Resolución 26/9

y sobre la base de las dos primeras sesiones y el inicio de las negociaciones

sustantivas64. Más allá de las directrices respecto del contenido de los tres

primeros grupos, la Resolución no se pronuncia sobre cómo organizar el

resto de las sesiones necesarias hasta alcanzar el objetivo de la resolución,

el Instrumento Vinculante. Teniendo claro este objetivo, la omisión de una

referencia estricta respecto de qué contenido debían tener la cuarta y

sucesivas reuniones de trabajo parece coherente con el respeto a la

dinámica de del grupo y con la necesaria prudencia para no predeterminar

a muchos años vista un proceso tan complejo como dinámico.

La Resolución establece también las características del Grupo que

crea. Se trata de un grupo de trabajo intergubernamental de composición

abierta sobre las empresas transnacionales y otras empresas con respecto

a los derechos humanos, cuyo mandato será elaborar un instrumento

jurídicamente vinculante para regular las actividades de las empresas

transnacionales y otras empresas en el Derecho Internacional de los

Derechos Humanos. Esto significa que los trabajos se abren a todos los

Estados miembros de Naciones Unidas, a los que tienen la categoría de

observador, a las ONG con estatus consultivo ECOSOC y a otros actores

como organizaciones internacionales o institutos de derechos humanos.

Todos pueden participar aportando insumos orales o escritos. Por otro

62 El informe entero de esta segunda sesión puede encontrase en:

https://documents-dds-

ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G17/000/99/PDF/G1700099.pdf?OpenElement. 63 Los documentos de trabajo relativos a este Tercer Grupo pueden encontrarse en

<http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/HRCouncil/WGTransCorp/Session3/L

egallyBindingInstrumentTNCs_OBEs_SP.pdf>.

177 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

lado, en la Resolución no se marca una fecha para el cierre de los trabajos,

que durarán hasta que se adopte el instrumento o se decida abandonar la

negociación. Por último, como decíamos en el apartado anterior el texto

deja claro el objetivo que se persigue, que no es otro que la regulación de

las actividades de las empresas transnacionales y otras empresas con la

finalidad de evitar las vulneraciones de derechos humanos y la impunidad

de estas entidades.

El Documento de Elementos presentado por la Presidencia consta

de nueve partes. En primer lugar el Documento contiene un Marco General,

donde se incluyen los posibles contenidos del Preámbulo, los Principios, los

Propósitos y los Objetivos del futuro Instrumento Vinculante. A

continuación el Documento centra la atención en el ámbito de aplicación

(derechos, actos y actores); el tercer apartado son las obligaciones

generales, distinguiendo entre las de los Estados, las de las ETN y otras

empresas de negocios (según se establece en la Resolución 26/9) y aquellas

de las Organizaciones Internacionales; el cuarto apartado se centra en las

Medidas Preventivas; el quinto se centra en la Responsabilidad Legal,

incluyendo la administrativa, civil y penal; el sexto apartado se refiere al

acceso a la justicia, recursos efectivos y garantías de no repetición; el

séptimo se refiere a la jurisdicción, tema clave porque en el se integra,

aunque no se refiera expresamente, la cuestión de la extraterritorialidad;

el octavo la cooperación internacional, es decir, a los mecanismos de

cooperación transfronteriza en investigación, jurisdicción y ejecución de

sentencias; en el noveno se ubican las distintas opciones para desarrollar

los necesarios mecanismos de promoción, implementación y monitoreo y el

décimo incluye las Disposiciones finales.

Es importante señalar que en la misma sesión se presentaron

diversos insumos por parte de las organizaciones sociales y otras entidades.

Uno de los insumos más relevantes es la propuesta de Instrumento

elaborada por la Campaña Global65, un texto “de máximos” elaborado

65 El texto de esta propuesta de la Campaña se elaboró mediante un procedimiento

participativo donde intervinieron las organizaciones y asociaciones que forman parte

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 178 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

mediante un procedimiento participativo donde intervinieron las

organizaciones y asociaciones que forman parte de la misma así como

diversos juristas y académicas/os expertos en la cuestión.

Si comparamos el contenido del Documento de Elementos con el

de la Campaña Global, observamos que el primero de ellos tiene un

contenido menos extenso y una redacción deliberadamente amplia o

incluso ambigua en algunos apartados. Como se señala en la valoración

comparativa de HOMA coordinado por Manoela Roland66, el texto de la

Presidencia es menos ambicioso e incisivo que el de la campaña, tiene un

carácter menos incisivo y más “prudente” en algunas cuestiones, evita

incluir determinadas palabras, como por ejemplo “extraterritorialidad”,

aunque utiliza expresiones similares.

La calculada ambigüedad de determinadas partes del texto de la

Presidencia es innegable, más si se compara con un texto de máximos como

es el presentado por la Campaña Global. Así, como veremos a lo largo de los

próximos epígrafes hay numerosos elementos que introduce la propuesta

de la sociedad civil que faltan en el Documento de Elementos. La

explicación de esta parquedad, como también señala Roland, es clara. En

primer lugar, el texto era un documento para el debate presentado por una

Presidencia que, necesariamente, debía dar cabida a opciones distintas a

efectos de permitir la discusión y evitar un bloqueo total en el Tercer Grupo

de trabajo, siguiendo además el espíritu “diplomático” habitual en UN (que

por cierto en esta ocasión se vio considerablemente mermado en particular

de la misma así como diversos juristas y académicas/os expertos en la cuestión. El

documento resultante, denominado “Contribución escrita del Centro Europa-Tercer

Mundo (CETIM) y del Institute for Policies Studies/Transnational Institute a la 3ª

sesión del grupo de trabajo intergubernamental sobre empresas transnacionales y

otras empresas comerciales con respecto a los derechos humanos (23- 27 de Octubre

de 2017), puede encontrase en el enlace:

http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/HRCouncil/WGTransCorp/Session3/C

ETIM-TNI_SP.pdf. 66 HOMA publicó antes de la tercera sesión un interesante estudio comparativo del

Documento de Elementos de la Presidencia y de la propuesta de Instrumento de la

Campaña, que puede encontrarse aquí: <http://homacdhe.com/wp-

content/uploads/2017/10/COMPARATIVE-ANALYSIS.pdf>.

179 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

por la actuación de la UE). Era necesario por tanto un texto que navegara

adecuadamente entre las líneas rojas fundamentales (v. gr. establecer

obligaciones directas a las empresas o supeditar el contenido de los TBI al

respeto de los Derechos Humanos) y la preservación del campo de

negociación para no perder aliados en el camino. Por añadidura, estaba

también claro que la participación de la sociedad civil y sus aportaciones

iban a ser la baza fundamental, como así fue, para poner en la discusión las

propuestas que o bien no estaban en el Documento de Elementos o bien no

se habían incluido de manera suficientemente explicita.

Más allá de la valoración de este documento, debe también

recordarse que el mismo fue una propuesta de la Presidencia, no de la

República del Ecuador. De hecho, la Delegación de este país (encabezada

por Carola Íñiguez, Subsecretaria de Asuntos Multilaterales) mantuvo una

postura en las sesiones del Grupo de Trabajo mucho más dura, apostando

sin ambages por la inclusión expresa de la extraterritorialidad e incluso por

una Corte específica para tratar las violaciones de derechos humanos

cometidas por las ETN.

En el concreto ámbito de la prevención, el documento sigue en su

parte cuarta la línea marcada por la mencionada ley francesa. En concreto,

el texto señala como la prevención es una vía fundamental por la que se ha

logrado una mayor participación del sector empresarial en la identificación

y prevención de violaciones o abusos a los derechos humanos. De manera

acertada, el documento de elementos señala que el plus del instrumento es

recoger las experiencias existentes y dotarlas de obligatoriedad jurídica.

En este sentido, el documento busca obligar a los Estados Partes a

adoptar medidas normativas y de otra índole para exigir a las ETs y OEs que

diseñen, adopten y apliquen políticas y procesos eficaces de debida

diligencia, incluidos códigos de conducta, e identifiquen y aborden los

impactos en materia de derechos humanos resultantes de sus actividades.

El ámbito de aplicación de estas medidas son todas las ETs y OEs

en su territorio o jurisdicción, incluidas las filiales y todas las demás

empresas relacionadas a lo largo de toda la cadena de suministro. Además,

y como herramienta fundamental, similar a la experiencia francesa, todas

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 180 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

las ETs y OEs implicadas deberán adoptar un "plan de vigilancia"

“consistente en procedimientos de debida diligencia para prevenir las

violaciones o los abusos a los derechos humanos, que incluirán, entre otras

cosas, la evaluación del riesgo de violaciones o abusos a los derechos

humanos para facilitar su identificación y análisis; un procedimiento de

evaluación periódica de las empresas filiales en toda la cadena de

suministro en relación con el respeto a los derechos humanos; acciones

dirigidas a la reducción del riesgo; un sistema de alerta temprana; un

conjunto de acciones específicas para corregir inmediatamente tales

violaciones o abusos; y un mecanismo de seguimiento de su

implementación, sin perjuicio de otros procedimientos legales,

responsabilidades y recursos reconocidos en el instrumento”.

El documento de elementos también incluye entre las medidas de

prevención, las consultas con los actores relevantes y la obligación de

adoptar medidas que proporcionen a las empresas implicadas información

relevante sobre las obligaciones contenidas en el instrumento. Para

terminar el documento obliga a los Estados a adoptar medidas para

asegurar que las ETs y las OEs de su jurisdicción informen periódicamente

sobre las medidas que han adoptado para prevenir las violaciones y abusos

a los derechos humanos.

Las disposiciones sobre prevención que incluye el documento de

elementos no suscitaron, en términos generales, un debate enconado en el

tercer Grupo de Trabajo celebrado en octubre de 2017. Otras partes del

documento, fundamentalmente las relativas al ámbito subjetivo, las

responsabilidades directas establecidas a las empresas o las

responsabilidades extraterritoriales así como la posibilidad de incluir una

Corte Internacional específica fueron en cambio temas especialmente

controvertidos.

Debe tenerse en cuenta que, en el ámbito de la protección,

respeto, reparación y promoción de los Derechos Humanos, el

establecimiento de medidas para prevenir las violaciones es un elemento

sustancial de la máxima importancia dado que ningún sistema de

responsabilidad y reparación va a devolver a las víctimas a la situación

181 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

previa al sufrimiento provocado por la violación del derecho. En este

sentido, deben remarcarse la oportunidad de la norma francesa y de la

iniciativa del Parlamento Europeo en tanto que son un paso más allá de la

voluntariedad que ha marcado hasta el momento las disposiciones sobre

vigilancia debida contenidas en los códigos empresariales y acuerdos

alcanzados entre los distintos actores implicados. Subrayando la necesidad

de estas iniciativas, debe afirmarse a la vez que toda actuación que no tenga

carácter global va a suponer el mantener espacios abiertos a la impunidad

de las ETN, dado que su propia naturaleza está marcada por su capacidad

de movimiento que les permite la realización de un permanente dumping

social y de Derechos Humanos, eligiendo los foros para instalarse en

función de las obligaciones más o menos laxas que se les impongan. Por

ello, reafirmamos así la tesis inicial de que, en el momento actual, la única

vía para una imposición efectiva de medidas preventivas que sujeten

realmente la acción de las ETN es la aprobación de un Instrumento

internacional jurídicamente vinculante que además integre las vías

efectivas para obligar a Estados y ETN al cumplimiento de las obligaciones

directas que se impongan en el mismo.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 182 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

REFERENCIAS

AMERICAN FEDERATION OF LABOR-CONGRESS OF INDUSTRIAL ORGANIZATIONS (AFL-CIO). Responsibility Outsourced: Social Audits, Workplace Certification and Twenty Years of Failure to Protect Worker Rights. 2013. Disponible en <https://www.ituc-csi.org/responsibility-outsourced-social>. APARICIO TOVAR, J.; VALDÉS DE LA VEGA, B. (Dir.) La Responsabilidad Social de las Empresas en España: concepto, actores e instrumentos. Albacete: Bomarzo, 2011. AUGENSTEIN, Daniel; UNIV. DE EDIMBURGO .Study of the Legal Framework on Human Rights and the Environment Applicable to European Enterprises Operating Outside the European Union. 2009. Disponible en <http://ec.europa.eu/growth/tools-databases/newsroom/cf/itemdetail.cfm?item_id=3334> BARRET, E. The doctrine of Forum non Conveniens. 35 Cal. L. Rev. 380, 1947. BERRÓN, G. Economic Power, Democracy and Human Rights. A New International Debate on Human Rights and Corporations. Sur Journal. No.20, 2014. CLEAN CLOTHES CAMPAIGN. European Union and the Bangladesh garment industry: The case for a trade investigation. 2017. CLEAN CLOTHES CAMPAIGN. Four years after Rana Plaza: Steps in the right direction but a lot remains to be done. 2017. Disponible en <https://cleanclothes.org/news/2017/04/21/four-years-after-rana-plaza> CLEAN CLOTHES CAMPAIGN. Who pays for our clothing from Lidl and KiK?, A study into the impact of buying practices of the discounters Lidl and KiK in Bangladesh and the precarisation of working conditions in German retailing. 2008. Disponible en <https://cleanclothes.org/resources/national-cccs/lidl-kik-eng.pdf/view> CUZACQ, N. Commentaire des propositions de loi relatives au devoir de vigilance des sociétés mères et des entreprises donneuses d'ordre. Revue de droit du travail, Nº. 4, 2014, págs. 265-266. DEVA, S. Regulating Corporate Human Rights Violations. Humanizing Business. New York: Routledge, 2012. ESTEVE, J.E. La estrecha interdependencia entre la criminalidad de las empresas transnacionales y las violaciones al derecho internacional de los

183 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

derechos humanos y del medio ambiente: lecciones del caso Bhopal. Revista electrónica de estudios internacionales (REEI), Nº. 32, 2016 ESTEVE, J.E. Los Principios Rectores sobre las empresas transnacionales y los derechos humanos en el marco de las Naciones Unidas para «proteger, respetar y remediar»: ¿hacia la responsabilidad de las corporaciones o la complacencia institucional? Anuario Español de derecho internacional, Nº27, 2011. GARCÍA, M. A. Acuerdos Globales Multilaterales, una nueva expresión del derecho transnacional del trabajo. RDS, Nº70, 2015. El texto del acuerdo puede encontrarse en: <http://bangladeshaccord.org/wp-content/uploads/the_accord.pdf>. GUAMÁN, A. La cooperación reguladora. GUAMÁN, A. TTIP: el asalto de las multinacionales contra la democracia. Akal, 2015 GUAMÁN, A.; CONESA, J. El CETA al descubierto: las consecuencias del Tratado entre la UE y Canadá sobre los derechos sociales. Albacete: Bomarzo, 2016. GUAMÁN, A.; JIMENEZ, P. Los acuerdos comerciales como estrategia de dominación del capital. Las amenazas del CETA y del TTIP, editorial Pol·len, 2016. HERNÁNDEZ, A. Accidentes aéreos y forum non conveniens. Algunas cuestiones en torno al asunto Honeywell en España. Cuadernos de Derecho Transnacional, Vol. 4, Nº 2, Ouctubre 2012. NICOL, D. The constitutional protection of capitalism. Oxford: Hart Publishing, 2010. OIT. Global Stimates for Modern Slavery, forced labour and forced marriage. 2017. Disponible en <http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/@dgreports/@dcomm/documents/publication/wcms_575479.pdf>. PRIETO, J.; ESPINOZA, G. A binding treaty on corporate responsibility: a global solution to address the problem of corporate impunity. Lessons learned from Aguinda vs Chevron. HOMA Publica: International Journal on Human Rigths and Business, Nº2, 2017. PRINCE, P. Bhopal, Bougainville and OkTedi: Why Australia's Forum Non Conveniens Approach Is Better. 47 1CLQ, 1998.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 184 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

REINECKE, J.; DONAGHEY, J. After Rana Plaza: Building coalitional power for labour rights between unions and (consumption-based) social movement organisations. Organization, 22, Nº. 5, 2015. RODOTÀ, S. Códigos de conducta: entre hard y soft law, Real Pérez, A., (Coordinadora), Códigos de conducta y actividad económica, M. Pons, Madrid, 2010 SERVAIS, J.M. Algunas reflexiones más sobre una cuestión espinosa: la responsabilidad social de las empresas. Derecho PUCP, N. 64, 2010. TERWINDT, C.; SAAGE-MAASS, M. Liability of Social Auditors in the Textile Industry. European Center for Consitutional and Social Rights. 2016. ZHENJIE, H. Forum Non Conveniens: An Unjustified Doctrine. Netherlands International Law Review, Nº 48, 2001. ZUBIZARRETA, Juan Hernández. Las empresas transnacionales frente a los derechos humanos. Historia de una asimetría normativa. Vitoria: Ed Egoa, 2009.

185 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

A ILUSÃO DO LEVANTAMENTO DO VÉU SOCIETÁRIO E A RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS POR VIOLAÇÕES DE DIREITOS

HUMANOS

THE ILLUSION OF LIFTING THE CORPORATE

VEIL AND THE RESPONSIBILITY OF COMPANIES

FOR HUMAN RIGHTS VIOLATIONS

Sergio Marcos Carvalho de Ávila Negri1

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a utilização da técnica da

desconsideração da personalidade jurídica, conhecida como levantamento

do véu societário, nas situações envolvendo a responsabilização de

empresas pela violação de direitos humanos. Para tanto, partindo-se da

relação entre neoextrativismo e subdesenvolvimento, busca-se

demonstrar que a desigual distribuição do risco ambiental e empresarial

para as comunidades locais se agrava com o modelo da limitação da

responsabilidade adotado para a empresa plurissocietária. Procura-se

ressaltar as limitações da técnica da desconsideração em um contexto em

que a fuga da responsabilidade por parte das empresas transnacionais se

vale de novos arranjos e instrumentos jurídicos.

PALAVRAS-CHAVE: Levantamento do véu societário. Desconsideração.

Direitos Humanos e Empresas

1 Professor Adjunto do Departamento de Direito Privado da Faculdade de Direito da

Universidade Federal de Juiz de Fora e membro do corpo docente permanente do

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da mesma Instituição. Doutor e Mestre em

Direito Civil pela UERJ. E-mail: [email protected]

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 186 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

ABSTRACT

The present study aims to analyze the use of corporate entity disregard

technic, known as piercing the corporate veil or lifting the corporate veil, in

situations involving the liability of companies for the violation of human

rights. Thus, starting from the relation between neo-extractivism and

underdevelopment, it is sought to demonstrate that the unequal

distribution of environmental and business risk to local communities is

aggravated by the model of the limitation of responsibility adopted for

multi-company society. The paper seeks to emphasize the limitations of the

disregard technic in a context in which the escape of responsibility by the

transnational corporations uses new arrangements and legal instruments.

KEYWORDS: Lifting the corporate veil. Corporate entity disregard. Business

and Human Rights

E se a Companhia de Mineração de Céu Azul não vier ao meu resgate?

Se a refinaria de açúcar não vier me salvar?

Quem vai me salvar?

Midnight Oil

INTRODUÇÃO

O apego à abstração é uma das características da gramática

jurídica. Além de intencionalmente descontextualizar o discurso jurídico, a

fé nas categorias, como pessoa jurídica e autonomia societária, é

responsável pelo ocultamento de conflitos sociais no tranquilo paraíso dos

conceitos. O desprezo pelo concreto esconde, em nome de uma falsa

neutralidade, obstáculos reais que inviabilizam as reivindicações por justiça

187 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

e a determinação de quem são os verdadeiros responsáveis pelas violações

de direitos humanos.

Além da dificuldade no reconhecimento da qualidade de atingido

e de vítima dos danos causados, destaca-se, também, a luta, nem sempre

assinalada, pelo difícil enquadramento jurídico das sociedades empresárias

responsáveis pelas violações. Em contexto neoextrativista, a ilusória

fragmentação jurídica da unidade econômica das sociedades transnacionais

representa uma estratégia utilizada, por vezes, para promover a fuga da

responsabilidade e a transferência desigual do risco empresarial para as

comunidades locais em países subdesenvolvidos, como aconteceu no caso

Bowoto. v. Chevron Corporation.

Em maio de 1998, 100 manifestantes ocuparam a plataforma de

Parabe na Nigéria em protesto contra a Chevron. Quando estavam

deixando o local, foram surpreendidos por soldados e representantes da

companhia que atiraram contra o grupo, com ajuda de helicópteros

alugados pela própria empresa. As forças de segurança mataram dois

manifestantes e torturaram um dos líderes do movimento. No ano

seguinte, o governo da Nigéria lançou um ataque às aldeias de Opia e

Ikenyan, incendiando casas e matando várias pessoas. Na ocasião, a

Chevron Nigéria havia auxiliado diretamente as forças militares com o

empréstimo de helicópteros, embarcações e caminhões, pilotados pelos

próprios funcionários da empresa (EUA, District Court, N.D. Califórnia.

Bowoto v. Chevron Corp., 2007).

Em 1999, um grupo de nigerianos propôs uma ação contra a

Chevron Corporation no tribunal distrital da Califórnia. Em um dos vários

julgamentos envolvendo o caso, o juiz Illston, tendo em vista o volume e o

conteúdo das comunicações entre as empresas no próprio dia dos

protestos, considerou a Chevron responsável pelos danos causados pela

sociedade da Nigéria, argumentando, para tanto, que a suposta

independência jurídica das sociedades não passava de uma ficção, já que os

indícios demonstravam que a Chevron exerceu mais do que o grau usual de

direção e controle que uma sociedade exerce sobre suas subsidiárias (EUA,

District Court, N.D. California. Bowoto v. Chevron Corp., 2007).

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 188 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

No caso Bowoto v. Chevron Corporation pode-se afirmar que a

técnica da desconsideração da personalidade jurídica foi utilizada? Em que

consiste esta técnica descrita, desde a sua origem, por meio de metáforas

como o levantamento do véu societário? A desconsideração da

personalidade mostra-se útil mesmo quando não se constata a confusão de

esferas jurídicas entre as sociedades? Qual o papel da desconsideração em

um cenário econômico marcado pela suposta fragmentação do poder

empresarial nos mais variados arranjos plurissocietários? O presente

trabalho, a partir de um estudo exploratório, propõe-se a responder a essas

questões para contribuir com o debate sobre a utilização da técnica do

levantamento do véu societário em um futuro Tratado Internacional de

Empresas e Direitos Humanos.

Como marco teórico, vale-se da relação estabelecida por Eduardo

Gudynas (2009, 2012) entre neoextrativismo e subdesenvolvimento. Como

observam Milanez e Santos (2013), uma das características desse

paradigma neoextrativista é a promoção da distribuição desigual dos

recursos e dos riscos ambientais para as populações locais. De acordo com

a hipótese adotada no trabalho, afirma-se que a limitação da

responsabilidade das sociedades empresárias tem exercido um papel

decisivo, embora pouco destacado, neste processo de transferência de

riscos e danos para as vítimas das violações de direitos humanos.

1. A TÉCNICA DA DESCONSIDERAÇÃO E A

METÁFORA DO LEVANTAMENTO DO VÉU

SOCIETÁRIO.

Em 1929, o juiz Benjamin Cardozo afirmou que a doutrina do veil

piercing encontrava-se “enveloped in the mists of metaphor”.

(VANDEKERCKHOVE, 2007, p. 136). Como essas metáforas dificultam a

análise dos pressupostos que determinam a utilização da desconsideração,

há a necessidade de revelar não o “véu da pessoa jurídica”, mas as

189 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

estruturas que se encontram presentes nas decisões que se valem dessas

figuras de linguagem.

A utilização de metáforas para expressar a técnica da

desconsideração não representa uma particularidade presente apenas nos

Estados Unidos. Como destaca Courir (1997), na Alemanha, a possibilidade

de se afastar a personalidade jurídica para responsabilizar os sócios é

também descrita com um termo figurado: Durchgriff, que remete à ação de

atravessar alguma coisa.

O tema da desconsideração (Durchgriff) na Alemanha, como

observa Zorzi (2002), articula-se em três níveis diferentes. A princípio, há o

debate acerca do que a doutrina daquele país chama de

Durchgriffsprobleme. Nesse ponto, o importante é determinar em que

situações seria possível recorrer à técnica da desconsideração. Desse modo,

quando a análise se volta para os problemas da desconsideração, busca-se

investigar quais são os pressupostos que permitem ao juiz afastar a

personalidade jurídica da GmbH, correspondente, no Brasil, à sociedade

limitada. Atualmente, são destacados três tipos de casos: a confusão de

atividades e patrimônios, as relações de domínio nos grupos societários e

as situações de subcapitalização. (RIBEIRO,2009, p.160)

Uma vez conhecidos os pressupostos, cumpre investigar o

método. Em que consiste exatamente desconsiderar a personalidade

jurídica? Tradicionalmente, observa-se o afastamento momentâneo da

autonomia patrimonial da sociedade para imputar aos sócios uma

responsabilidade que, a princípio, seria da própria pessoa jurídica. Com

efeito, nessa situação constata-se a utilização da desconsideração para a

determinação da responsabilidade, isto é, uma Durchgriffshaftung

(RIBEIRO,2009, p.160).

A separação entre os problemas (Durchgriffsprobleme) e o método

(Durcgriffshaftung) permite um terceiro nível de análise: a investigação da

existência de técnicas alternativas à desconsideração para fins de

responsabilidade (Durcgriffshaftung). A utilização desse modelo faz com

que a técnica tenha o seu campo de incidência reduzido, na medida em que

nem todas as situações descritas, inicialmente, como hipóteses de

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 190 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

desconsideração serão solucionadas pela via da disregard. Ao retratar essa

tendência, Zorzi (2002) recorre à imagem de uma pirâmide invertida,

formada por uma base ampla, na qual se encontram todas as situações

descritas como hipóteses de desconsideração; e por um vértice, constituído

pela técnica da disregard, que não representa mais a principal via para a

solução de todos aqueles problemas.

Nos casos envolvendo a responsabilidade de empresas

transnacionais pela violação de direitos humanos praticados pelas suas

subsidiárias mostra-se importante separar a técnica da desconsideração de

outras medidas também adotadas, como, por exemplo, a responsabilidade

direta e a técnica do due diligence. Ainda que existam variações, a

desconsideração se apresenta, por vezes, como um mecanismo indireto de

responsabilização, acionado nas situações de abuso, fraude ou desvio de

função na utilização da técnica da personificação em concreto.

A diferença entre a desconsideração e outra forma de

responsabilização não representa um debate apenas teórico. O estudo dos

casos envolvendo a responsabilidade de empresas trasnacionais por

violação de direitos humanos demonstra a importância de se reconhecer as

limitações na utilização da técnica da disregard. No Caso Bowoto v. Chevron,

o tribunal norte-americano considerou que a sociedade Chevron Nigeria

Limited deveria ser considerada um agente da Chevron Texaco Petroleum

Overseas, que foi considerada, assim, responsável pelas graves violações de

direitos humanos praticadas pela sociedade localizada na Nigéria.

Já no conhecido desastre ocorrido em Bhopal na Índia em 1984,

envolvendo a liberação de 40 toneladas de hidrocianato pela empresa de

pesticidas Union Carbide India Limited, a aplicação da desconsideração foi

rejeitada em várias ocasiões com o argumento de que a sociedade não

poderia ser considerada um alter ego da empresa Union Carbide

Corporation, que controlava cerca de 750 filiais em todo o mundo. Não

havia, segundo as decisões, a demonstração de que a sociedade mãe

controlasse efetivamente o patrimônio das outras sociedades e as suas

atividades cotidianas, limitando-se apenas a intervir nas decisões de maior

relevância. Como destaca Antunes (2013), na época quase 4 mil pessoas

191 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

tiveram morte imediata e cerca de 8 mil nas duas semanas seguintes, sendo

que ainda hoje as pessoas da localidade continuam a desenvolver uma

variedade de doenças.

Em um sistema pautado na responsabilização direita da sociedade

mãe pelos atos praticados pelas sociedades subsidiárias não haveria, em

tese, a necessidade de se mostrar que a separação entre as duas sociedades

representa uma ficção ou outras hipóteses de abuso. A utilização da técnica

da desconsideração esconde, por vezes, um modelo que, no lugar de

reforçar a responsabilização, lhe reserva o papel de um remédio que,

excepcionalmente, servirá para calibrar a regra da limitação da

responsabilidade. A compreensão desse modelo pressupõe a separação da

técnica da chamada teoria da desconsideração.

2. A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO: O

LEVANTAMENTO COMO EXCEÇÃO

Quando a técnica da desconsideração passou a ser utilizada no

sistema da civil law, os juristas notaram a necessidade de apresentar uma

teoria que fosse capaz de domesticar todas as situações que envolviam a

desconsideração. Nesse processo, destaca-se a contribuição de Serick

(1958), que em 1953, formulou, a partir da experiência dos tribunais

alemães e norte-americanos, o que se denomina de teoria da

desconsideração, que passou a ser aplicada em vários ordenamentos

jurídicos, inclusive no Brasil.

A grande preocupação de Serick (1958) era evitar uma excessiva

generalização do instituto. A possibilidade de se afastar a alteridade

subjetiva, considerada a principal característica da pessoa jurídica, não

poderia ser feita apenas por questões de equidade, como acontecia até

então, com base em fórmula vagas e imprecisas. Além de ressaltar o caráter

excepcional da desconsideração, Serick (1958) destacou que ela poderia ser

invocada quando a estrutura formal da pessoa jurídica tivesse sido utilizada

de forma abusiva. O abuso ocorreria quando, por meio da pessoa jurídica,

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 192 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

se tentasse burlar o cumprimento da lei, de obrigações contratuais ou

prejudicar fraudulentamente terceiros.

Com a tradução da obra para o italiano e o espanhol, não demorou

para que a chamada teoria da desconsideração se tornasse o principal

referencial para a sistematização da técnica, de criação jurisprudencial,

voltada para combater os abusos e fraudes perpetrados por meio da pessoa

jurídica. A principal crítica ao trabalho pioneiro de Serick (1958) se deve ao

seu unitarismo, já que o autor tinha elaborado uma teoria geral da

desconsideração que se estruturava em torno de um conceito unitário de

pessoa jurídica, sem levar em conta, para o desenvolvimento de sua

concepção, a especificidade dos tipos que se estruturavam em torno

daquele rótulo.

A presença constante da disregard no discurso jurídico não

significa, contudo, que os problemas relacionados à sua utilização tenham

sido solucionados. Da confusão patrimonial, passando pela

subcapitalização, até chegar aos problemas que envolvem os grupos

societários, constata-se a presença de diferentes casos, que apresentam

como traço em comum apenas o fato de se relacionarem com uma

sociedade personificada. Se, a princípio, a teoria de Serick (1958) conferia à

desconsideração um caráter excepcional, atrelando-a ao caso de abuso,

atualmente, o instituto pode ser invocado no Brasil quando a pessoa

jurídica representa simples obstáculo para a reparação dos danos causados

ao consumidor.

A ampliação dos pressupostos da desconsideração, apoiada em

requisitos cada vez mais flexíveis não foi, contudo, capaz de apagar o

modelo tradicional que confere à desconsideração um caráter excepcional.

A afirmação, em vários julgados no Brasil, de que a desconsideração

representaria uma exceção à regra da limitação da responsabilidade ilustra

a presença do pensamento de Serick (1958), como se vê em decisão do STJ:

Convém assinalar, para logo, que a ‘Disregard’ é

medida de caráter excepcional [...] no caso ora em

análise, é incontroverso que o capital social foi

integralizado e que as atividades da sociedade foram

193 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

encerradas, em função da morte do sócio-gerente, em

05 de agosto de 2000. Contudo, não houve a regular

‘baixa’ do registro na junta comercial. Tal

circunstância, porém, não implica, por si só, em fraude

ou abuso de direito e, tampouco, desvio de finalidade

ou confusão patrimonial que justificasse a

desconsideração da personalidade jurídica da

empresa (BRASIL, STJ, 2010).

A ideia de que a desconsideração é uma exceção que, quando

aplicada, confirma a regra da limitação da responsabilidade não está

presente apenas nos países influenciados pela tradição romano-germânica.

Na jurisprudência dos Estados Unidos, a disregard (desconsideração)

somente é aplicada em casos excepcionais, quando, por exemplo, resta

demonstrado que a sociedade controlada não passa de um alter ego da

controladora. Na verdade, a regra geral do veil piercing americano resulta

da velha máxima do juiz Sanborn no caso United States v. Milwaukee

Refrigerator Transit Co.:

A sociedade será considerada uma pessoa jurídica

como regra geral, e até que suficiente razão contrária

apareça; mas quando a noção de pessoa jurídica é

usada em detrimento da ordem jurídica, para justificar

o injusto, proteger a fraude, ou amparar o crime, o

direito irá considerar a companhia como uma

associação de pessoas (SANBORN apud CLAUSEN,

1987, p. 23.) 2

Enquanto a primeira parte da formulação se destaca pela sua

clareza, ao determinar a não aplicação de uma regra geral do ordenamento,

o que acabou contribuindo para sua ampla difusão; não se pode deixar de

2 Texto original: “A corporation will be looked upon as a legal entity as a general rule,

and until sufficient reason to the contrary appears; but, when the notion of legal

entity is used to defeat public convenience, justify wrong, protect fraud, or defend

crime, the law will regard the corporation as an association of persons”.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 194 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

notar, na sequência, a vagueza e indeterminação da segunda parte,

revelando um problema que sempre acompanhou a desconsideração: a

dificuldade em se precisar os requisitos para a sua aplicação.

Neste ponto reside um dos paradoxos da desconsideração: a

técnica reforça e, por vezes, naturaliza o mito da separação patrimonial e

jurídica. Ainda que a decisão impute responsabilidade aos sócios, o recurso

à disregard reforça que a unidade jurídica da sociedade personificada deve

ser preservada como regra. Esse tipo de abordagem impede, por vezes, uma

crítica estrutural ao próprio processo da limitação da responsabilidade dos

sócios. Crítica que nas situações de violações de direitos humanos por

empresas mostra-se fundamental, uma vez que as vítimas, nesses casos,

suportam, involuntariamente, a transferência do risco presente no

exercício da atividade empresarial.

A limitação da responsabilidade, ao contrário do que o nome possa

sugerir, não tem como destinatária à pessoa jurídica, mas os sócios que se

arriscaram ao investir no exercício de determinada atividade econômica.

Quando se fala da limitação da responsabilidade da sociedade, o que se

busca, na verdade, ao contrário do sentido estrito do termo, é garantir a

restrição dos riscos no exercício de determinada atividade. Ao mesmo

tempo, o destaque ao aspecto funcional, em detrimento do estrutural,

revela que não há propriamente uma limitação, seja da dívida ou da

responsabilidade. Na verdade, o que se verifica é a transferência do risco

para os credores que se relacionam com a sociedade, ainda que

involuntariamente, como ocorre com as vítimas de um ato ilícito

extracontratual.

A crítica ao tratamento da limitação da responsabilidade não

representa algo novo. Essa crítica está inclusive presente em julgados no

Brasil que se valem da chamada teoria menor da desconsideração no direito

do consumidor e no direito ambiental. Acontece que o rótulo da

desconsideração, que acompanha esses julgados, impede um debate mais

amplo sobre os próprios fundamentos da limitação da responsabilidade nas

sociedades. Essa omissão permite a transposição da limitação da

responsabilidade para situações que são qualitativamente diferentes,

195 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

como acontece, por exemplo, quando grupos societários se valem do

argumento da autonomia societária e jurídica para se afastar da

responsabilização pelo dano causado por outras sociedades.

3. A FRAGMENTAÇÃO DO PODER EMPRESARIAL

E OS ARRANJOS PLURISSOCIETÁRIOS: O

CASO DO SISTEMA MINAS-RIO

A técnica da desconsideração da personalidade jurídica foi

pensada para um modelo de sociedade personificada isolada. No século

XIX, a sociedade limitada foi apresentada como um novo modelo societário,

que seria capaz de estimular a entrada de pequenos comerciantes no

mercado ao reduzir o risco no exercício da atividade empresarial. Essa nova

forma resultava da combinação de três figuras: personalidade jurídica,

autonomia patrimonial e limitação da responsabilidade dos sócios.

O sucesso da “sociedade limitada”, cujo modelo se estrutura na

combinação perfeita daqueles elementos, criou, contudo, a ilusão de que a

autonomia patrimonial e a limitação da responsabilidade dependessem

sempre da intermediação da pessoa jurídica. Do ponto de vista histórico,

não resta dúvida de que os três termos citados tiveram um

desenvolvimento autônomo. A lógica desse arranjo se pautava na

identificação da unidade econômica com a unidade jurídica. A

personificação da união de pessoas para o exercício da atividade econômica

e partilha do resultado na forma do lucro permitia, por sua vez, uma visão

unitária do patrimônio e da própria responsabilidade.

A desconsideração da personalidade jurídica surge como uma

forma de se ajustar, em concreto, o desvio de função desse modelo, que,

como logo se percebeu, poderia ser utilizado para a realização de condutas

abusivas e fraudulentas. O levantamento do véu societário é, na sua

origem, dependente do arquétipo da sociedade personificada isolada,

dotada, assim, de autonomia jurídica e econômica.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 196 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

A concentração empresarial, já no início do século XX, já

demonstrava os problemas desse modelo. As empresas Standard Oil

Company e US Steel Corporation se apresentavam como grandes empresas

monolíticas, que foram formadas a partir da fusão e incorporação de outras

sociedades. A formação de grandes conglomerados fez com que o Estado

procurasse impor limites a esse processo de concentração do poder

econômico (MUNHOZ, 2002). Como resposta, observa-se uma nova fase no

processo de concentração que, no lugar de se pautar apenas no

crescimento interno, vai se caracterizar pela integração das empresas por

meio dos grupos de sociedades. Nesta nova forma de organização da

atividade empresarial, a unidade econômica passa a conviver com a

diversidade jurídica fazendo com que a empresa societária seja substituída

pela empresa plurissocietária (ANTUNES, 2012).

A desconsideração pensada para o modelo de sociedade isolada é,

por vezes, transposta para os casos envolvendo a violação de direitos

humanos por grupos societários, que representam a principal forma de

organização da empresa contemporânea. A utilização da desconsideração

nestes casos tem como base a falsa premissa de que a condição de sócio

exercida por um indivíduo seria idêntica àquela em que uma sociedade

participa do capital de outra sociedade. O reconhecimento da diversidade

de situações que envolvem o grupo societário, como o exercício do poder

de controle, seria importante para se analisar isoladamente as próprias

razões que justificam, ou não, a limitação da responsabilidade na empresa

plurissocietária.

Ao contrário da sociedade isolada, na participação intersocietária

ganha destaque o conceito de direção unitária, responsável pela

manutenção da unidade econômica em meio a diversidade jurídica. A

direção unitária se materializa no interesse voltado para a orientação da

atividade empresarial como um todo. Esse interesse, por sua vez, se

desdobra em vários aspectos como a determinação de estratégias comuns

ao grupo, o estabelecimento de uma política geral em áreas como finanças,

produtos, marketing e pessoal, a supervisão sobre a execução de tarefas no

grupo e o estabelecimento de mecanismo de controle interno e de

197 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

gerenciamento do risco. Em razão da dificuldade no enquadramento das

situações que caracterizam a direção unitária, ganha destaque a análise da

política financeira do grupo relacionada à distribuição dos lucros,

constituição de reservas e formas de financiamento.

A direção unitária se mostra presente tanto nos grupos de

subordinação, caracterizados pela menor independência econômica das

sociedades, quanto nos grupos de coordenação, marcados por uma gestão

mais compartilhada. Embora exista certa confusão entre os termos, a

direção unitária não se confunde com o controle. Essa separação, ainda que

incerta, se mostra importante, já que nem todas as formas de direção

unitária se valem de instrumentos de controle. Acontece que o legislador

ao tentar disciplinar os grupos se afasta, por vezes, dos efeitos práticos dos

diversos arranjos para se concentrar apenas nas formas de sua constituição.

A distinção entre grupos de direito e grupos de fato é um exemplo desta

opção. A Lei 6404/76 define o grupo de direito como aquele constituído a

partir do contrato, da convenção de grupo. Essa opção revelou-se infeliz já

que esse formato se mostra distante da prática empresarial. Já os grupos

de fato seriam aqueles caracterizados pelo efetivo exercício do poder de

controle de uma sociedade sobre a outra, sem a necessidade de um

contrato formalizando tal relação (PRADO,2005).

A técnica da desconsideração não é capaz de revelar a

complexidade que marca os grupos societários. O problema se agrava ainda

mais quando se nota que, atualmente, as empresas se valem de

instrumentos mais sutis nos processos de fragmentação da atividade

empresarial em uma nova fase da Lex Mercatoria (ZUBIZARRETA, RAMIRO,

2015).

A diversificação promovida pelas formas de direção não

representa apenas um meio para se garantir a melhor utilização de bens, a

pulverização do controle permite a alocação de recursos disponíveis a

diversas iniciativas sem deixar rastros, promovendo uma

compartimentalização das atividades em unidades distintas. Esse processo

de separação dos riscos, que já foi tratado como a fuga da responsabilidade,

se tornou uma estratégia para empresas que exercem atividades

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 198 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

tradicionalmente associadas a graves violações de direitos humanos, como

a mineração.

Como destaca Coelho (2015), a mineração tem relação direta com

o subdesenvolvimento, sendo que, por vezes, até mesmo o aprofunda ao

reproduzir estruturas de concentração de renda e exploração de

trabalhadores em “circuitos econômicos exclusivos e, por isso, excludentes

das populações locais, principalmente de grupos de baixa renda” (COELHO,

2015, p.57.).

O Sistema Minas-Rio pode ajudar na compreensão desse processo

de fragmentação do poder empresarial e transferência do risco

empresarial. Acompanhando a circulação de modelos produtivos, o projeto

Minas-Rio foi inspirado na construção de uma matriz comum que reunisse

os processos de produção, distribuição e consumo.

O projeto se pautava na integração de uma mina a um porto por

meio de um mineroduto de 525 quilômetros, que passa por 32 municípios

diferentes, nos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, interligando a

cidade de Conceição do Mato Dentro (MG) até o Complexo Logístico e

Industrial do Porto do Açu, no norte fluminense (RJ) (BARCELOS, 2014).

Em 2008, a mineradora Anglo American adquiriu todos os direitos

do projeto Minas-Rio até então controlado pelo Grupo EBX do empresário

Eike Batista. A restruturação da MMX, pertencente ao grupo EBX, não

promoveu, contudo, a completa separação dos projetos. Mesmo sendo uma

sociedade distinta, com autonomia jurídica, a Anglo, por meio de alianças

estratégicas, participa, ainda que indiretamente, de aspectos importantes

do projeto do complexo portuário.

A cisão parcial da MMX e a transferência dos direitos do Sistema

Minas-Rio para a Anglo geram a falsa ideia de autonomia dos projetos, mas

não são suficientes para esconder os traços da conexão inicial. Isso ocorre

porque toda a restruturação societária foi realizada conjuntamente com a

formalização de novas alianças e conexões. A primeira, e geralmente a mais

importante, diz respeito à indevida divisão do licenciamento ambiental,

comprometendo, assim, a análise da totalidade dos impactos causados. A

segmentação se transforma, por vezes, em estratégia para dificultar a

199 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

responsabilização das sociedades envolvidas no empreendimento (NEGRI,

VERDE, FERREIRA, 2015).

A existência de sociedades distintas, dotadas de personalidade

jurídica, bem como a ausência de uma relação direta de controle entre a

Anglo e a Prumo, que atualmente administra o porto, contribui para

mascarar o forte elo existente entre os empreendimentos e as novas

alianças, contratualmente formadas, entre as sociedades empresárias

(NEGRI, VERDE, FERREIRA, 2015).

A utilização da desconsideração em um caso como o Sistema

Minas-Rio seria insuficiente para a devida responsabilização das sociedades

empresárias. Como a Anglo não participa do capital da Prumo, o

levantamento do véu societário dificilmente alcançaria a sociedade

responsável pela mina em Conceição. Da mesma forma, a responsabilização

da Anglo por eventuais danos causados na atividade de mineração poderia

não ser estendida à sociedade responsável pelo complexo portuário.

Da mesma forma, imagine se a Anglo, responsável pela mina, e a

Prumo, que administra o Porto, apenas compartilhassem parte dos seus

administradores. A técnica da desconsideração se mostra incapaz de

enfrentar uma situação que é cada vez mais comum: administradores de

diversas sociedades atuando de forma coordenada por meio do

compartilhamento de um controle gerencial. O chamado interlocking

ocorre, por exemplo, quando existe uma relação entre duas ou mais

empresas por meio da inclusão do mesmo profissional nos conselhos de

administração das sociedades. O compartilhamento das informações,

nestes casos, pode caracterizar um controle gerencial entre as sociedades

distintas, caracterizando, assim, o chamado grupo pessoal (FRAZÃO,2015).

Embora não constatada no caso do Sistema Minas-Rio, a

desconsideração tem sido utilizada nos casos de subcapitalizacão material,

quando ocorre a constituição de sociedades com recursos insuficientes

para o exercício da atividade (MIOLA, 2007). Os riscos associados à

exploração da atividade de mineração nem sempre são devidamente

mensurados pelas empresas responsáveis pelo empreendimento. A

alocação de recursos entre sociedades pertencentes a um mesmo grupo

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 200 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

sempre representou um tema de difícil regulação. Para permitir a

distribuição de recursos entre as sociedades, são utilizados diversos

negócios jurídicos, como contratos de mútuo ou comodato, prestação de

serviços, transferência de tecnologia. Frequentemente, os valores são

ajustados com base apenas na lógica da organização interna do próprio

grupo, comprometendo, assim, o patrimônio das próprias controladas

(MUNHOZ, 2002).

Por fim, uma das questões mais importantes diz respeito à

utilização da desconsideração para a responsabilização da própria Anglo na

Inglaterra pelos danos causados no sistema Minas-Rio. E aqui reside um dos

principais problemas da desconsideração. Ao contrário da ideia do due

diligence, a técnica da desconsideração estimula a sociedade-mãe a se

afastar dos negócios realizados pelas suas filiais ou a não deixar qualquer

rastro de existência desta interferência para não ser responsabilizada.

Como foi destacado no caso Bowoto v. Chevron Corporation, para a decisão

que determinou o levantamento do véu societário foi determinante a prova

apresentada pelos autores da intensa comunicação das sociedades nas

datas em que foram praticadas as violações. A interferência permitiu ao juiz

reconhecer a falta de independência da Chevron Nigéria em suas decisões,

o que, por sua vez, foi decisivo para a responsabilização da Chevron nos

Estados Unidos.

A fragmentação do poder empresarial inaugura, assim, uma nova

fase da fuga da responsabilidade por empresas transnacionais, com novas

formas de controle e participação, que restam intocadas quando o modelo

de responsabilização se concentra apenas na velha desconsideração da

personalidade jurídica. Formas contratuais de controle, participação de

fundos de investimento nas sociedades empresárias e até mesmo a

ausência de controladores definidos exigem novos remédios que se

mostrem efetivamente capazes de responsabilizar a unidade econômica

que se esvai na ilusória diversidade de sujeitos jurídicos.

201 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

CONCLUSÃO

A responsabilização dos arranjos plurissocietários e transnacionais

ainda se pauta nos instrumentos destinados às sociedades isoladas, como

acontece com a desconsideração, que se mostra incapaz, na maioria dos

casos, em lidar com a atual dinâmica empresarial.

O modelo regulatório tradicional ainda apoiado no dogma da

autonomia societária não consegue disciplinar de forma satisfatória a

responsabilidade da empresa transnacional. O problema se agrava quando

se percebe uma tensão entre o sujeito jurídico, retratado na legislação, e a

unidade de um ente econômico que se estrutura sob a forma de complexos

arranjos de sociedades individuais sediadas em diferentes países.

É importante reconhecer o paradoxo que envolve a

desconsideração: a sua utilização contribui com a naturalização do mito da

separação societária. Da mesma forma, é preciso também confrontar a

disregard com técnicas alternativas, como, por exemplo, o dever de

diligência que, se acompanhado de deveres precisos e claros, pode obrigar

as empresas transnacionais a controlar e acompanhar as atividades

realizadas pelas suas filiais.

O reconhecimento das limitações da técnica da desconsideração

mostra-se crucial para o sucesso de qualquer estratégia regulatória. Não se

trata de descartar a desconsideração, mas apenas de reconhecer as suas

próprias limitações. Em um contexto em que a forma jurídica contribui com

a fuga da responsabilidade, é preciso contornar as abstrações presentes na

linguagem jurídica e atacar diretamente a injusta estrutura que legitima a

desigual transferência do risco empresarial para as vítimas das violações de

direitos humanos por parte das empresas.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 202 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, José Augusto Engrácia. A responsabilidade da Empresa Multinacional. In: KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante (coord.). Direito Empresarial: os novos enunciados da Justiça Federal. São Paulo: Quartier Latin, 2013. _______. Estrutura e responsabilidade da empresa: o moderno paradoxo regulatório. In: Revista Direito GV, São Paulo, v. 1, n. 2. jun-dez 2005. _______. The governance of corporate groups. In: ARAUJO, Danilo Borges dos Santos Gomes de; WARDE JR., Walfrido Jorge (org.). Os grupos de sociedades: organização e exercício da empresa. São Paulo: Saraiva, 2012. BARCELOS, Eduardo (Coord.). O Projeto Minas Rio e seus impactos socioambientais: Olhares desde a perspectiva dos atingidos. [s. L.]: Encontro de Intercâmbio das Comunidades em Resistência Ao Projeto Minas-Rio, 2014. BECKER, Luzia Costa; PEREIRA, Denise de Castro. O Projeto Minas-Rio e o desafio do desenvolvimento territorial integrado e sustentado: a grande mina em Conceição do Mato Dentro. Recursos Minerais & Sustentabilidade Territorial, Rio de Janeiro, v. 1, p.229-258, 2011. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n 846331/RS-(2006/0096483-0) 23/03/2010. Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. In Diário de Justiça de 06/04/2010. CLAUSEN, Nis. Use of the American Doctrine of Piercing the Corporate Veil: An Argument in Danish Business Law, 5 Int'l Tax & Bus. Law.44 1987. Disponível em: <http://scholarship.law.berkeley.edu/bjil/vol5/iss1/2>. Acesso em: 21 set. 2016. COELHO, Tádzio Peters. Projeto Grande Carajás: Trinta anos de desenvolvimento frustrado. Marabá: Editora iGuana, 2015. COURIR, Edoardo. Limiti alla responsabilità imprenditoriale e rischi dei terzi. Milão: Giuffrè,1997 EUA. District Court, N.D. California. Bowoto v. Chevron Corp. Supp. 2d 1010 N.D. Cal. 2007. Disponível em <http://www.courtlistener.com/opinion/2416225/bowoto-v-chevron-corp/>. Acesso em: 21 set. 2016. FRAZÃO, Ana. Grupos Societário no Direito do Trabalho: critérios de configuração de consequências. Revista semestral de direito empresarial, n 16, jan-jun, Rio de Janeiro: Processo, 2015.

203 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

GUDYNAS, Eduardo. Diez tesis urgentes sobre el nuevo extractivismo: contextos y demandas bajo el progresismo sudamericano actual. Trabalho-Alternativas a uma economia extractivista, CAAPP & CLAES, Quito, 2009. Disponível em: <http://www.ambiental.net/publicaciones/GudynasNuevoExtractivismo10Tesis09x2.pdf>. Acesso em: 21 set. 2016. GUDYNAS, Eduardo. Estado compensador y nuevos extractivismo. Las ambivalências del progresismo sudamericano. Revista Nueva Sociedad n. 237, enero-febrero de 2012. Disponível em: <http://www.nuso.org/upload/articulos/3824_1.pdf>. Acesso em: 21 set. 2016. MILANEZ, Bruno. O novo marco legal da mineração: contexto, mitos e riscos. In: MALERBA. Juliana (Org.). O Novo marco legal da mineração no Brasil: Para que? Para quem? v.1, Rio de Janeiro: Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional, 2012. MILANEZ, Bruno; SANTOS, R. S. P.. Neoextrativismo no Brasil? Uma análise da proposta do novo marco legal da mineração. Revista Pós Ciências Sociais, v. 10, p. 119-148, 2013. MIOLA, Massimo. Capitale Sociale e Tecnichedi tutela dei creditori. In: ROSSI, Guido. La società per azionioggi. Tradizione, attualità e prospetttive. Milão: Giuffrè.2007. MUNHOZ, Eduardo Secchi. Empresa contemporânea e direito societário. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira. 2002. NEGRI, S. M. C. A., VERDE, R. G. V., FERREIRA, L. F., Arranjos empresariais plurissocietários e a violação de direitos humanos: análise do instrumental jurídico utilizado em casos envolvendo o Porto do Açu. 2015. In: II Seminário Internacional de Direitos Humanos e Empresas, Juiz de Fora, 2015. PRADO, Viviane Muller. Grupos societários: análise do modelo da Lei 6.404/1976.In: Revista Direito GV, São Paulo, v. 1. n. 2, p. 005-028. Jun - dez 2005. RIBEIRO, Maria de Fátima. A tutela dos credores sociais da sociedade por quotas e a “desconsideração da personalidade jurídica”. Coimbra: Almedina, 2009. SERICK, Rolf. Apariencia y realidad en las sociedades mercantiles: el abuso de derecho por medio de la persona jurídica. Tradução de José Puig Brutau. Barcelona: Ediciones Ariel, 1958.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 204 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

TEUBNER, Gunther. “Unitas Multiplex”: a organização do grupo de empresas como exemplo. In: Revista Direito GV, São Paulo, v. 1, n. 2, p. 077-109. jun-dez 2005. VANDEKERCKHOVE, Karen. Piercing the Corporate Veil (European Company Law Series). New York: Wolter Kluwer, 2007. ZUBIZARRETA, Juan Hernández; RAMIRO, Pedro. Contra la lex mercatória Propuestas y alternativas para desmantelar el poder de empresas transnacionales. Barcelona: Icaria. 2015.

205 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

PRÁTICAS DE EL FORUM SHOPPING ENTRE LA OMC Y LOS TLC. EL VALOR DEL PRINCIPIO DE

LA COSA JUZGADA EN LA SOLUCIÓN DE CONTROVERSIAS

PRACTICES OF THE FORUM SHOPPING

BETWEEN THE WTO AND THE FTA. THE VALUE

OF THE PRINCIPLE OF RES JUDICATA IN THE

SETTLEMENT OF DISPUTES

Julián Tole Martínez 1

RESUMEN

No hay duda que en el contexto de la globalización económica existe una

gran disposición a conflictos o superposiciones de instrumentos

internacionales, de sus obligaciones o derechos e inclusive de sus

jurisdicciones. El análisis de estos fenómenos se hace más complejo si se

tiene en cuenta la actual proliferación de instrumentos internacionales de

naturaleza comercial (acuerdos preferenciales, zonas de libre comercio,

uniones aduaneras, etc.), cada uno, con un mecanismo de solución de

controversias que puede llegar a generar conflictos o superposiciones con

el régimen jurídico de la OMC. Con un aspecto a tener en cuenta, no existe

una relación de jerarquía de una fuente de producción jurídica sobre otra

(como en si ocurre en el Derecho interno), a menos que esté contemplada

de forma expresa en un instrumento o que se pueda deducir de forma

implícita de su contenido normativo por medio de una actividad

interpretativa. Del amplio abanico de instrumentos que regulan el comercio

1 Doctor y máster en Derecho internacional económico de la Universidad de

Barcelona (España), investigador y catedrático de Derecho internacional de la

Universidad Externado de Colombia.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 206 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

internacional, esta disertación centrará su atención en el análisis de las

normas de conflicto incorporadas en los diferentes tratados de libre

comercio (en adelante TLC) celebrados entre países latinoamericanos y los

Estados Unidos, concretamente, el TLC de América del Norte de 1994, el

TLC con Chile de 2004, el TLC con la República Dominicana y Centroamérica

de 2006, el TLC con Perú de 2009, el TLC con Colombia de 2012 y el TLC con

Panamá de 2012, además, los Acuerdos de Asociación Económica de países

latinoamericanos y la Unión Europea, entre ellos, el TLC con México en

2000, el TLC con Chile de 2005 y el TLC con los países andinos de 2013,

finalmente, se incluirá en el examen las normas de conflicto del régimen

jurídico de la OMC, y así se llegará a concluir la utilidad que puede tener el

principio de la cosa juzgada o res judicata respecto a los efectos del fórum

shopping.

PALABRAS CLAVE: Solución de controversias. TLC. OMC. Forum Shopping.

ABSTRACT

In the context of economic globalization there is a great propensity to

conflicts or overlaps between the international agreements, of its

obligations or rights and even their jurisdictions. The analysis of these

phenomena becomes more complex when taking into account the current

proliferation of international instruments of commercial nature

(preferential agreements, free trade areas, customs unions, etc.), each with

a mechanism for dispute settlement, and these international instruments

can generate conflicts or overlaps with the legal framework of the WTO.

With an aspect to consider, there is no hierarchical relationship of a source

of legal production on another (as if it is under domestic law), unless

expressly provided for in an instrument or can be deduced from implicitly

its normative content through an interpretive activity. From the wide range

of instruments governing international trade, this discussion will focus on

the analysis of the conflict rules incorporated in the various Free Trade

Agreements (FTA) concluded between Latin American countries and the

207 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

United States, specifically the NAFTA, the FTA with Chile, the CAFTA-DR,

the FTA with Peru, the FTA with Colombia and the FTA with Panama, also

the Economic Partnership Agreement (EPA) of Latin American countries

and the European Union, including the EPA with Mexico, the EPA with Chile

and the EPA with the Andean countries, in addition will be reviewed the

conflict rules of the WTO law. In the end, will conclude on the usefulness of

the principle of res judicata to resolve the effects of forum shopping.

KEYWORDS: Dispute settlement. FTA. WTO. Forum Shopping.

INTRODUCCIÓN

En el contexto de las actuales relaciones del comercio

internacional existe una mayor propensión a conflictos entre normas del

sistema multilateral del comercio, o lo que en este escrito se denomina el

“Derecho de la OMC”2, y otras normas internacionales (en materia de medio

ambiente3, de derechos humanos, de normas laborales, de normas

comunitarias, de normas regionales, etc.). El aumento de estos

instrumentos internacionales, de los cuales se tiene noticia todos los días,

hace necesaria una clarificación de sus complejas relaciones en el marco del

Derecho internacional, pues como tratados independientes tienen un

mismo rango jurídico, esto es, son normas donde no existe una relación de

2 El término “derecho de la OMC” puede definirse a grandes rasgos como el cuerpo

normativo contenido en los “acuerdos abarcados” y demás instrumentos de la OMC. 3 En efecto, existe un importante número de autores que analizan los conflictos de

normas de la OMC con Acuerdos de Medio Ambiente, entre ellos: MARCEAU,

Gabrielle. “Conflicts of Norms and Conflicts of Jurisdictions: The Relationship

between the WTO Agreement and MEAs and Other Treaties”, Journal of World Trade

Vol. 35, No. 6, 2001; BRACK, Duncan y GRAY, Kevin. Multilateral Environmental

Agreements and the WTO, Report of the Royal Institute of International Affairs, 2003;

BUSSE, Mathias. “Trade, Environmental Regulations and the World Trade

Organization: New Empirical Evidence”, Journal of World Trade Vol. 38, No 2, 2004,

pp. 285-306; WIERS, Jochem. Trade and Environment in the EC and the WTO, A Legal

Analysis, Europe Law Publishing, Groningen, 2003, entre otros.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 208 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

jerarquía intrínseca o superioridad de una fuente de producción jurídica

sobre otra4 a menos que este contemplada de forma expresa en su

instrumento, o que se pueda deducir de forma implícita de su contenido

normativo por medio de la actividad interpretativa.

Bajo este panorama, una de las discusiones más significativas que

se da en el marco del Derecho de la OMC son los efectos de las relaciones,

los solapamientos o las superposiciones normativas con los Acuerdos

Comerciales Regionales (en adelante ACR) que regulan procesos de

integración, que según Davey y Sapir generan situaciones calificadas de

“doble incumplimiento”, pues, vulneran tanto obligaciones de un ACR como

obligaciones de la OMC. Esto explica que los mecanismos de solución de

diferencias multilaterales y regionales tengan jurisdicción sobre la misma

medida5, y que se pueden activar de manera simultánea o sucedánea6.

4 En palabras de COMBACAU, la normativa internacional es relativa debido a que su

ámbito de aplicación varía de acuerdo a los compromisos de cada Estado. Cfr.

COMBACAU, Jean et SUR, Serge. Droit international public, Coll. Domat droit public,

8ème éd., Paris, Montchrestien, 2008, p. 26. Además, las normas internacionales de

ninguna manera se diferencian entre sí por su valor jurídico, sus efectos dependen

en última instancia de la voluntad o la aceptación de cada Estado. Para DUPUY, se trata

de un triple fenómeno de no-diferenciación o, más exactamente, de equivalencia: (a)

equivalencia de las normas jurídicas entre sí, (b) equivalencia de las normas para la

expedición de estas, y (c) equivalencia de las fuentes del derecho internacional entre

sí. Cfr. DUPUY, Pierre-Marie, Droit international public, 9é éd., Éd. Dalloz, 2008, pp. 15-

16. 5 DAVEY, William y SAPIR, André. “The Soft Drinks Case: The WTO and Regional

Agreements”, World Trade Review, Vol. 8, Nº 1, 2009, p. 23. El problema de la

superposición se refleja en la famosa disputa “MOX PLANT” que enfrenta a Irlanda y

Reino Unido por autorización del reprocesamiento de combustible nuclear en una

planta ubicada en el Mar de Irlanda, cuestión que fue impugnada en tres

jurisdicciones diferentes que operaban bajo tres regímenes internacionales

independientes. 6 Tal escenario, modifica el tradicional análisis individual de los instrumentos

internacionales, sus instituciones u órganos, llamando la atención sobre todo la

proliferación de mecanismos de solución de diferencias. Cfr. PAUWELYN, Joost.

“Bridging Fragmentation and Unity: International Law as a Universe of Inter-

connected islands”, Michigan Journal of International Law Vol. 25, summer 2004, p.

904. Asimismo, cfr., GRUPO DE ESTUDIO DE LA COMISIÓN DE DERECHO

INTERNACIONAL. “Fragmentación del Derecho internacional: dificultades derivadas

de la diversificación y expansión del Derecho internacional”, Naciones Unidas,

209 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Para encontrar algunas respuestas a los cuestionamientos de estas

relaciones, solapamientos o superposiciones es necesario analizar los

propios acuerdos de la OMC y de los ACR, e inclusive el Derecho

internacional general. Así lo entiende Pauwelyn, al señalar que:

[...] few if any will question today that WTO

agreements set out legally binding rules part of public

international law (PIL). The WTO is not some economic

bargain between governmental trade elites without

normative value. It is a legally binding treaty squarely

within the wider corpus of international law. As

compared to the original GATT, the WTO has, indeed,

been ‘legalized’ and, like the proverbial lost son, been

re-introduced into the broader family of PIL. During

this process the system had a lot to learn from PIL [...].

(PAUWELYN, 2014, p.1)

Lo anterior también se reconoce por el Órgano de Apelación de la

OMC, al expresar en el asunto Estados Unidos-Gasolina que el Derecho de la

OMC no se debe interpretar en forma “clínicamente aislada” de Derecho

internacional7. Se debe subrayar, además, que la influencia y la referencia

al Derecho internacional incluye los principios generales del derecho y las

normas relativas a la resolución de conflictos.

Con el propósito de delimitar el objeto de análisis de las

discusiones que se presentan en las relaciones entre el régimen jurídico de

la OMC y de los ACR, en este documento se centra en estudio de las normas

de “conflicto de jurisdicciones o competencia”8 incorporadas, primero, en

Documento A/CN.4/L.682, 2006, Asamblea General, 58 período de sesiones, 13 de

abril de 2006. 7 Informe del Órgano de Apelación, en el asunto Estados Unidos – Pautas para la

gasolina reformulada y convencional (WT/DS2/AB/R), adoptado el 29 de abril de 1996,

p. 17. 8 Para ZAPATERO, los conflictos entre jurisdicciones internacionales pueden ocurrir

entre las decisiones (actos) o la jurisprudencia (actos reiterados) de diversos

procedimientos; además, existen tres tipos de conflictos posible: (a) entre el

contenido sustantivo de un determinado acto adoptado por un mecanismo de

solución de diferencias con un acto de otro mecanismo; (b) entre el contenido

sustantivo de un acto específico de un mecanismo de solución de diferencias con la

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 210 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

el Derecho de la OMC, y segundo, en los Tratados de Libre Comercio de:

América del Norte (TLCAN) de 1994, Chile y los Estados Unidos (en adelante

TLC Chile-EEUU) de 2004, la República Dominicana, Centroamérica y los

Estados Unidos (en adelante CAFTA-RD) de 2006, Perú y los Estados Unidos

(en adelante TLC Perú-EEUU) de 2009, Colombia y los Estados Unidos (en

adelante TLC Colombia-EEUU) de 2012 y Panamá y los Estados Unidos (en

adelante TLC Panamá-EEUU) de 2012; además, los Acuerdo de Asociación

Económica de: la Unión Europea y México (en adelante TLC México-UE) de

2000 y la Unión Europea y Chile (en adelante TLC Chile-UE) de 2005.

Agotado el mencionado estudio, se presentaran algunas reflexiones en

torno al valor que tiene el principio general del derecho de la cosa juzgada

o res judicata; y sí este principio permite dar respuesta a los vacíos y a las

limitaciones de las “normas de conflicto de jurisdicciones”.

Para entender mejor estas cuestiones, a continuación, se examinan

las normas de conflicto de jurisdicción del Derecho de la OMC y de los TLC

estadounidense y los TLC europeos, que pueden presentarse de dos

maneras: a.- cláusula de selección del foro, o b.- cláusula de exclusión del foro.

1. LA CLÁUSULA DE SELECCIÓN DEL FORO O EL

FORUM SHOPPING ENTRE LA JURISDICCIÓN

DE LA OMC Y LA JURISDICCIÓN DE LOS TLC

Como bien lo advierte Kwak y Marceau, los conflictos de

jurisdicciones entre mecanismos de solución de diferencias que permiten

elegir entre diversos procedimientos pueden llevar a dificultades

relacionadas con el forum shopping, en especial, cuando las partes

contendientes tienen la posibilidad de optar entre dos órganos judiciales o

entre dos jurisdicciones diferentes por los mismos hechos, bien sea

jurisprudencia de otro; y (c) entre los contenidos sustantivos de jurisprudencia de

diferentes mecanismos de solución de diferencias. Cfr. ZAPATERO, Pablo, Derecho

del Comercio Global, Madrid, Civitas, 2003, p. 381.

211 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

accionándolos en paralelo o en secuencia. Circunstancias que generan

problemas en dos niveles: que dos foros reclamen o se atribuyan la

“jurisdicción final” sobre el asunto, y que estos foros puedan llegar a

soluciones diferentes o incluso resultados opuestos.

La posibilidad de elegir foros o forum shopping9, en términos del

profesor Shany, es una manifestación legítima de la autonomía de una

parte, que contribuye a una mayor utilización de los sistemas judiciales, y

además es un efecto del llamado fenómeno de la fragmentación del

Derecho internacional que con frecuencia tiene diferentes puntos de

encuentro o interacción, entre ellos el ámbito de la solución de

controversias concurrentes, dando paso a la presencia de múltiples

procedimientos simultáneos o secuenciales10. Existen otras lecturas del

fenómeno, como la posición del profesor Zapatero, que entiende:

[...] la concurrencia de acuerdos internacionales, así

como la coordinación de sus respectivos

procedimientos de solución de diferencias como un

asunto complejo y, por ello, se hace difícil llegar a

articular un compromiso jurídico definitivo sobre las

“pasarelas” entre los sistemas jurídicos y

jurisprudenciales. (ZAPATERO, 2003, p. 231)

9 En el presente estudio se asume el concepto amplio de forum shopping, es decir, de

acuerdo a la definición que encontramos en Black's Law Dictionary, “when a party

attempts to have his action tried in a particular court or jurisdiction where he feels

he will receive the most favourable judgment or verdict”. Cfr. BLACK, Henry y

GARNER, Bryan, Black's Law Dictionary, 9th edn, West Publishing, 2009. 10 SHANY, Yuval. The Competing Jurisdictions of International Courts and Tribunals,

International Courts and Tribunals Series, Oxford University Press, 2004, p. 230 y ss.

De hecho, para algún sector de la literatura especializada del Derecho internacional

el auge y superposición de tribunales internacionales es un “luxury problem”, ante

todo bienvenido, ya que múltiples tribunales es mucho mejor que una ausencia total

de los mismos. Cfr. HIGGINS, Rosalyn. “A Babel of Judicial Voices? Ruminations from

the Bench”, International and Comparative Law Quarterly, Vol. 55, 2006; SREENIVASA

RAO, Pemmaraju. “Multiple International Judicial Forums: A Reflection of the

Growing Strength of International Law or its Fragmentation?”, Michigan Journal of

International Law, Vol. 25, 2004; KARAGIANNIS, Syméon. La Multiplication des

Juridictions Internationales : Un Système Anarchique ? Société Française pour le Droit

International ed., 2003.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 212 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Aún más crítica es la posición de Guillaume (ex presidente de la

Corte Internacional de Justicia), quien expresa su preocupación acerca de

la posibilidad de que el forum shopping pueda dar lugar a un “mercado”

impulsado por el deseo de competir entre los foros para ser el más

“popular”, que a su vez puede afectar negativamente a la calidad de las

decisiones judiciales.

Independientemente de la posición doctrinal que se asuma, para

hablar del forum shopping es necesario que se cumplan ciertas condiciones,

como son:

Que las partes en conflicto se encuentren vinculadas por más de

un régimen jurídico internacional o ratione personae;

Que las normas de estos regímenes regulen la misma cuestión de

fondo en controversia o, en otras palabras, que exista una

identidad ratione materiae, y finalmente,

Que estas normas existan o interactúen al mismo tiempo, es decir,

una superposición ratione tempori.11

De las anteriores condiciones, la requiere más reflexión para

determinar si existe forum shopping entre el mecanismo de la OMC y los

procedimientos de los TLC estadounidense y europeos es la ratione

materiae12, en tanto que es posible encontrar cualquiera de las siguientes

situaciones:

11 Para profundizar en las condiciones que tiene el forum shopping, cfr. PAUWELYN,

Joost y SALLES, Luiz Eduardo. “Forum Shopping before International Tribunals: (Real)

Concerns, (Im) Possible Solutions”, Cornell International Law Journal, Vol. 42, 2009;

PIÉROLA, Fernando y HORLICK, Gary. “Dispute Settlement in the WTO and in ‘North-

South’ Agreements of the Americas: Considerations for the Choice of Forum”,

Journal of World Trade, Vol. 41, No. 5, 2007; SHANY, Yuval, The Competing

Jurisdictions of International Courts and Tribunals, cit., nota 15; PAUWELYN, Joost.

“Going Global or Regional or Both? Dispute settlement in the Southern African

Development Community (SADC) and Overlaps with other Jurisdictions”, Minnesota

Journal of Global Trade, Vol. 13, No. 2, 2004, pp. 231-304. 12 La primera (ratione personae) y tercera (ratione tempori) condición se explican por

sí mismas. Todos los Estados partes en un TLC estadounidense o europeo están

vinculados por los Acuerdos de la OMC e interactúan al mismo tiempo. El segundo

requisito (ratione materia) requiere más atención, pues depende de qué se entiende

por la “misma controversia”, ya sea controversia de iure o controversia de facto. Cfr.

213 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Normas de los TLC que sean independientes de las normas de la

OMC, o, en otras palabras, las obligaciones, prohibiciones o

derechos de los TLC no se reconocen o no están reguladas por las

normas multilaterales.

Normas de los TLC que van más allá de las normas incorporadas en

la OMC, o las llamadas disposiciones OMC-plus.

Normas de los TLC que son una confirmación de las normas de la

OMC, donde se encuentran las normas de remisión.

Normas de los TLC que están implícitamente extraídas de las

normas de la OMC, es decir, aquellas normas en los TLC que, sin

hacer un renvío a normas multilaterales, las reproducen

literalmente.

En este complejo catálogo normativo que se relacionan de

diferentes maneras entre sí, se pueden presentar potenciales conflictos

entre tratados y/o superposición de jurisdicciones13. Así, por ejemplo,

respecto a controversias en el primer y el segundo tipo de normas no hay

ningún problema, ya que tan sólo pueden ser juzgadas mediante los

procedimientos señalados en los TLC estadounidense y los TLC europeos.

Por el contrario, para las diferencias concernientes a las dos últimas normas

(que confirman o que reproducen normas de la OMC) existe la posibilidad

de elegir entre la jurisdicción de la OMC o la jurisdicción de los TLC antes

señalados.

Dicho esto, un punto de partida lógico para determinar el alcance

y las posibilidades del forum shopping es considerar los términos en que

cada TLC estadounidense y europeo bajo estudio regula estas normas de

PIÉROLA, Fernando y HORLICK, Gary, “Dispute Settlement in the WTO and in ‘North-

South’ Agreements of the Americas: Considerations for the Choice of Forum...., supra. 13 En la discusión de cuestiones de jurisdicción, la doctrina especializada utiliza a

menudo el término conflicto de manera intercambiable con superposición. Cfr.

PAUWELYN, Joost. “Going Global or Regional or Both, cit., nota 18, p. 231; KWAK,

Kyung y MARCEAU, Gabrielle. “Overlaps and Conflicts of Jurisdiction between the WTO

and RTAs, cit., nota 13, pp. 465-524; HENCKELS, Caroline. “Overcoming Jurisdictional

Isolationism at the WTO-FTA Nexus: A Potential Approach for the WTO”, The

European Journal of International Law, Vol. 19, No. 3, 2008.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 214 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

conflicto de jurisdicciones14. Sin duda, existe una regla general en estos

acuerdos: la incorporación de cláusulas de selección del foro; así se observa

en los artículos 2005.1 del TLCAN, 22.3(1) del TLC Chile-EEU, 20.3(1) del

CAFTA-RD, 21.3(1) del TLC Perú-EEUU y 21.3(1) del TLC Colombia-EEUU, en

los cuales se reproduce de manera análoga que:

[...] cualquier controversia que surja en relación con

estos tratados y cualquier otro acuerdo de libre

comercio al que las partes contendientes pertenezcan

o el Acuerdo sobre la OMC, la Parte reclamante podrá

elegir el foro para resolver la controversia.

Como se puede advertir los TLC estadounidenses establecen una

cláusula de carácter uniforme, redactada para no excluir ulteriores

mecanismos de solución de diferencias que, al mismo tiempo, permite que

las diferencias puedan resolverse mediante tres foros: a) el sistema de

solución de diferencias de la OMC, b) el propio mecanismo del acuerdo, y,

c) en otros procedimientos de cualquier acuerdo en el que las partes en

conflicto sean signatarias15.

Hay que precisar que la cláusula de selección del foro en el TLCAN

tiene algunas ambigüedades respecto a los demás TLC estadounidenses, ya

que en el párrafo 2 del artículo 2005 se regula que las diferencias se

resolverán “normalmente” en el marco del TLCAN cuando: a) La parte

demandada prefiere resolverla bajo el Capítulo XX y b) los fundamentos

invocables, tanto en el procedimiento de la OMC como del TLCAN, sean

14 Según el profesor MUS, mediante las normas de conflicto se determina la posición

jurídica de alguna o todos los preceptos del tratado negociado en relación con

algunas o todas las normas de otros tratados en vigor o futuros. Cfr. MUS, Jan B.

“Conflicts between Treaties in International Law”, Netherlands International Law

Review Vol 45, No 2, 1998, pp. 227-232. 15 Es necesario aclarar que el TLCAN en su artículo 2005.1 solamente regula dos foros,

es decir, los mecanismos del propio TLCAN y el sistema de solución de diferencias de

la OMC. Cfr. LEÓN STEFFENS, Avelino. “La elección del foro en el Tratado de Libre

Comercio de América del Norte y los resultados de la Ronda Uruguay del GATT”, en

LÓPEZ AYLLÓN, Sergio, El futuro del Libre Comercio en el Continente Americano,

análisis y perspectivas, Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), Instituto

de Investigaciones Jurídicas, México, 1997, pp. 305 y ss.

215 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

“sustancialmente equivalentes” (Artículo 2005.2 del TLCAN). A pesar de la

ambigüedad en la redacción de la norma (concretamente en los enunciados

“normalmente” y “sustancialmente equivalentes”) la cláusula de selección

del foro, en la práctica, se aplica en aquellos todos los casos en que el TLCAN

no incorpora una cláusula especial de exclusión del foro, que impida acudir al

sistema de solución de diferencias de la OMC16. Estas cláusulas rigen para

los siguientes ámbitos:

Sector agropecuario y medidas sanitarias y fitosanitarias (Sección

B del Capítulo VII,);

Medidas relativas a normalización, concretamente, en las

diferencias sobre estándares relativos a la protección de la vida o

la salud humana, animal o vegetal, o del medio ambiente y,

además, cuestiones de hecho relacionadas con el medio ambiente,

la salud, la seguridad o la conservación, incluyendo las cuestiones

científicas directamente relacionadas (Capítulo IX); y

Tratados en materia ambiental y de conservación (Artículo 104).

Estas cláusulas de foro exclusivo en el TLCAN no tienen, en

principio, ninguna ventaja para México, toda vez que limita sus

posibilidades de acudir al mecanismo de la OMC en los temas más

sensibles para el comercio.

La cláusula uniforme en los TLC estadounidenses determina que la

elección del foro únicamente corresponde a la “parte reclamante”, dado

que es en su escrito presentado ante a la Comisión (cuando las partes no

han logrado resolver el asunto por medio de las consultas) y,

posteriormente, en su escrito que incorpora el mandato o los términos de

referencia17 donde se define el alcance o la naturaleza de la controversia, al

16 El artículo 2005.3 del TLCAN regula cláusulas especiales de exclusión del foro que

dan “primacía” al mecanismo de la OMC en caso de que la parte demandada “[...]

solicite por escrito que el asunto se examine en los términos de este Tratado, la parte

reclamante podrá solo recurrir en lo sucesivo y respecto de ese asunto, a los

procedimientos de solución de controversias de este Tratado”. 17 El mandato o los términos de referencia tiene diferentes efectos jurídicos: (a)

moviliza el aparato institucional del procedimiento de solución de controversias

(dado que ni el panel o grupo arbitral ni la Comisión pueden iniciar este

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 216 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

identificar: quién origina la controversia (parte demandada), qué provoca el

incumplimiento de las obligaciones o la medida incompatible o qué anula

beneficios (objeto de la controversia) y dónde se dirime la solución de la

controversia (selección del foro)18. Lógicamente esta legitimación de la

“parte reclamante”, sólo procede para las controversias en los TLC

bilaterales, dado que la regla varía cuando se trata acuerdos plurilaterales

(como el TLCAN o CAFTA-RD)19.

Adicionalmente, estas cláusulas de selección del foro de los TLC

estadounidenses tienen una estructura de doble vía: “derecho-deber”. Por

un lado, otorga a la parte reclamante la posibilidad de elegir el foro que más

le convenga para solucionar su controversia y, por otro, le exige que una

vez se haya decidido por un foro no podrá acudir a otro u otros foros para

resolver la misma controversia. Es importante aclarar que, para efectos de

aplicar estas cláusulas, las consultas en los procedimientos de solución de

controversias de los TLC en estudio no son consideradas como una

actuación contenciosa, por tanto, la posibilidad de elegir el foro no finaliza

procedimiento); (b) delimita el alcance o naturaleza de la controversia, es decir,

define el objeto (la medida u otro asunto que origina la reclamación e indica las

disposiciones del Tratado que considere aplicables) y sujetos procesales (determina

quienes son la parte reclamante y la parte demandada), y (c) radica la competencia o

la vía procesal, por la cual se resuelve la controversia. Cfr. TOLE MARTÍNEZ, Julián.

Solución de controversias en los TLC. Aportes del Derecho de la OMC, Universidad

Externado de Colombia, Bogotá, 2014. 18 Según el profesor WITKER en el Derecho procesal general y en los mecanismos de

solución de controversias el factor objetivo constituye uno de los criterios

orientadores más importantes para atribuir la competencia. Cfr. WITKER, Jorge.

“Panorama general de solución de controversias en el comercio internacional

contemporáneo”, en WITKER, J. (Coord.): Resolución de controversias comerciales en

América del Norte, Universidad Nacional Autónoma de México, Instituto de

Investigaciones Jurídicas, México, 1997, p. 36. 19 En efecto, cuando una controversia se presenta en un TLC plurilateral los países

demandantes deben realizar consultas con el fin de convenir un foro único. Si las

partes no llegan a un acuerdo el procedimiento a seguir será según los términos del

TLC. Cfr. artículo 2005.2 TLCAN.

217 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

hasta que la “parte reclamante” recurra a la Comisión20 o solicite el

establecimiento del panel21.

Al igual que en los TLC estadounidenses, los TLC europeos

incorporan la cláusula de selección del foro; por ejemplo, el párrafo 4 del

artículo 189 del TLC Chile-UE señala que:

[...] a) Si una Parte pretende reparar el incumplimiento

de una obligación en virtud del Acuerdo de la OMC,

deberá recurrir a las normas y procedimientos

correspondientes del Acuerdo de la OMC, las cuales

serán aplicables no obstante lo dispuesto en el

presente Acuerdo.

b) Si una Parte pretende reparar el incumplimiento de

una obligación en virtud de esta Parte del Acuerdo,

deberá recurrir a las normas y procedimientos del

presente Título”.

En esta cláusula del TLC Chile-UE22 las partes en la controversia

pueden elegir, de acuerdo con la fuente de la obligación que genera la

disputa, tanto el procedimiento de la OMC como el mecanismo de este TLC;

asimismo, su elección se encuentra limitada por un deber: iniciado el

procedimiento en uno de los foros, no se podrá recurrir al otro.

20 Artículo 2005.6 del TLCAN. Para profundizar en el tema, cfr. OJADA DE KONING,

Rodrigo. “Solución de controversias conforme al artículo 2005 del TLCAN tras la

Ronda Uruguay”, Memoria del XIX Seminario Internacional de Derecho Internacional

Privado y Comparado, Universidad de Guanajuato, 1998, p. 277. 21 Artículo 22.3 (2) del TLC Chile-EEUU, artículo 20.3 (2) del CAFTA-RD, artículo 21.3

(2) del TLC Perú-EEUU y artículo 21.3 (2) del TLC Colombia-EEUU. 22 Respecto a la posición chilena sobre la cláusula de selección del foro, el informe

emitido por la Cámara de Diputados de Chile se señala lo siguiente: “[m]uchas de

estas áreas son similares a las de la OMC. Son ‘OMC compatibles’ y en algunas áreas

son simplemente ‘reproducción de la OMC’, en tanto son necesarias para el

cumplimiento de lo acordado bilateralmente, que va más allá de la OMC”. Cfr.

CÁMARA DE DIPUTADOS DE CHILE. “Informe de la Comisión de Relaciones

Exteriores, Asuntos Interparlamentarios e Integración Latinoamericana de la Cámara

de Diputados de Chile, sobre el proyecto de acuerdo aprobatorio del Acuerdo por el

que se Establece una Asociación entre la República de Chile, por una parte, y la

Comunidad Europea y sus Estados Miembros por la otra”, Boletín 3147-10.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 218 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Por otro lado, también es posible encontrar una cláusula de

exclusión del foro en el párrafo 4 del artículo 189 del TLC Chile-UE, al señalar

que:

[…]a menos que las Partes acuerden otra cosa, si una

Parte pretende reparar el incumplimiento de una

obligación en virtud de esta Parte del Acuerdo que sea

en esencia equivalente a una obligación en virtud de la

OMC, deberá recurrir a las normas y procedimientos

correspondientes del Acuerdo de la OMC, que serán

aplicables no obstante lo dispuesto en el presente

Acuerdo23.

Como se puede advertir, el TLC Chile-UE limita la libertad de

selección del foro de la parte reclamante y dota al mecanismo multilateral

de cierta “primacía” frente al mecanismo bilateral, siempre que se trate de

una controversia donde concurran dos elementos:

La voluntad de las partes contendientes (quienes tienen un

margen de acción para acordar resolver el asunto conforme al TLC

Chile-UE, sin recurrir al sistema de solución de diferencias de la

OMC), y

la naturaleza de las obligaciones en conflicto, “en esencia

equivalente”, que hasta el momento la jurisprudencia de la OMC

no ha logrado aclarar la ambigüedad de este tipo de enunciados24.

En cuanto al TLC México-UE determina en el párrafo 4 del artículo

47 de la Decisión No. 2 de 2000 y en el párrafo 2 del artículo 43 de la

Decisión No. 2 de 2001 del TLC México-UE, que:

[…] El recurso a las disposiciones del procedimiento

de solución de controversias establecido en este título

23 Artículo 189.4 (c) del TLC Chile-UE. 24 Desde la perspectiva de DELPIANO “[s]i bien no existe aún un criterio definido para

entender cabalmente la expresión ‘en esencia’, seguramente habrá de entenderse

como aquella medida que provocaría el mismo perjuicio, tanto en la normativa OMC

como en la normativa del TLC. Cfr. DELPIANO LIRA, Cristián, “La cláusula de exclusión

de foros del Acuerdo de Asociación entre Chile y la Unión Europea en el mecanismo de

solución de controversias de la OMC, cit., nota 32, p. 268.

219 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

será sin perjuicio de cualquier acción posible en el

marco de la OMC, incluyendo la solicitud de un

procedimiento de solución de controversias.

Nuevamente esta cláusula de selección del foro del TLC México-UE

reproduce el deber de las partes en la controversia de una vez se haya

escogido un foro o procedimiento no se podrá acudir a otro u otros. Desde

la perspectiva chilena25 y mexicana26 está “opción única y definitiva”

parecería obvia y simple (tal como se establece en la mayoría de TLC

estadounidense), no obstante, fue preciso un importante esfuerzo en las

negociaciones con la Unión Europea ya que, en otros acuerdos previos, los

países europeos tradicionalmente mantienen abiertas todas las vías o foros

de solución de controversias de una manera alternativa y simultáneamente.

Ahora, una de las cláusulas de selección del foro más clara se

encuentra en el párrafo 2 del artículo 310 del TLC Andino-UE, que a la letra

reza:

[…] Las controversias relativas a una misma medida

que surjan en virtud de este Acuerdo y en virtud del

Acuerdo sobre la OMC, podrán ser resueltas de

conformidad con este Título o con el ESD a discreción

25 El informe emitido por la Comisión de Relaciones Exteriores, Asuntos

Interparlamentarios e Integración Latinoamericana de la Cámara de Diputados de

Chile, a propósito de la regla de exclusión de foros subraya que: “[p]or primera vez

en la Unión Europea aceptaron cierta lógica de opción única y definitiva. Pero en los

temas que son propiamente OMC, se irá directamente a la OMC. En los temas que

sean sustancialmente equivalentes a la OMC, se decidirá caso a caso si se lleva a lo

bilateral o a la OMC. Los temas que sea solamente bilaterales van al acuerdo

bilateral”. Cfr. CÁMARA DE DIPUTADOS DE CHILE, “Informe de la Comisión de

Relaciones Exteriores, supra, p. 43. 26 En este sentido, el profesor CRUZ MIRAMONTES apunta que “(…) tuvimos la

oportunidad de manifestar inmediatamente nuestro rechazo a la pretensión de los

europeos de manejar un mismo asunto al mismo tiempo en dos foros: en el de la OMC

y en el que se estableciese en el TLCEU. Difícilmente entendimos en ese momento

cómo es que solicitaban algo que constituía una aberración jurídica. (…) Nuestra

opinión prevaleció; sin embargo, (…) no significó necesariamente que hayamos

obtenido un éxito”. Cfr. CRUZ MIRAMONTES, Rodolfo. Las Relaciones Comerciales

Multilaterales de México y el Tratado de Libre Comercio con la Unión Europea, Instituto

de Investigaciones Jurídicas de la Universidad Nacional Autónoma de México, México

DF, 2003, p. 196.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 220 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

de la Parte reclamante. No obstante, cuando una

Parte haya solicitado el establecimiento de un grupo

especial de conformidad con el artículo 6 del ESD o un

grupo arbitral de conformidad con el artículo 303,

dicha Parte no podrá iniciar otro procedimiento sobre

la misma cuestión en el otro foro, excepto cuando el

órgano competente en el foro escogido no adopte

una decisión sobre el fondo de la cuestión por razones

de procedimiento o jurisdicción”.

Esta cláusula contiene la obligación del Grupo Arbitral de decidir

sobre el “fondo” de la controversia, para ello es necesario que la decisión

cumpla con determinadas características como ser razonable, congruente y

fundada en derecho, especialmente en los preceptos del TLC.

Adicionalmente, el artículo 310.3 del TLC Andino-UE establece que:

“Las Partes entienden que dos o más controversias

versan sobre una misma cuestión, cuando involucren a

las mismas partes en la controversia, se refieran a la

misma medida y versen sobre la misma violación

sustancial”.

Una novedad importante de este precepto es que admite un

concepto amplio de diferencias, o controversia de facto, que se delimita en

función de la “medida comercial” u “otras cuestiones” que son objeto de la

diferencia, sin restringir esta noción al “fundamento jurídico” o norma

concreta del instrumento señalada en el mandado o en los términos de

referencia (una controversia de iure).

En definitiva, la efectividad de los mecanismos de solución de

diferencias, así como sus deficiencias o lagunas de las normas de conflicto

de jurisdicciones, tienen un papel esencial a la hora de elegir el foro. Es por

esto, que resulta necesario hacer un breve comentario sobre el grado de

eficacia o las dificultades en la aplicación de esta norma de conflicto

regulada en los TLC estadounidenses y europeos, pues a primera vista

parecería que la estructura de la cláusula de selección de foro sería

razonablemente eficaz para resolver los conflictos jurisdiccionales entre la

221 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

OMC y los TLC estadounidenses y europeos dado que sus objetivos son

prevenir procedimientos paralelos (parallel proceedings) y procedimientos

sucesivos (relitigation). No obstante, en la práctica se presentan diferentes

problemas en su aplicación; así, por ejemplo, una cuestión clave, que limita

la eficacia de la cláusula de selección del foro o del fórum shopping, se

encuentra en que sólo se aplica a los procedimientos en relación con la

“misma controversia” o la identidad ratione materiae.

El alcance de esta limitación dependerá de cómo los Grupos

Especiales y el Órgano de Apelación de la OMC o de cómo los paneles de

los TLC estadounidenses o europeos interpreten el término “controversia”.

Para resolver estas cuestiones, generalmente se parte de la distinción entre

un concepto restrictivo o controversia de iure, que se define por el

fundamento jurídico señalado en el mandado o los términos de referencia,

y uno más amplio o controversia de facto, que se delimita en función de la

medida comercial u otras cuestiones que son objeto de la diferencia. De

modo que si alguno de los órganos resolutorios, ya sea de la OMC o de los

TLC, interpreta el término controversia en un sentido restrictivo, la cláusula

de selección del foro será ineficaz, puesto que los alegatos jurídicos de

violación o incumplimiento de las obligaciones convencionales específicas

no serán las mismas.

Desafortunadamente, la jurisprudencia de la OMC arroja muy poca

luz respecto al predominio de los dos conceptos: de facto o de iure. Un

ejemplo del este aserto se encuentra en el asunto Brasil - Programa de

financiación de la exportación para Aeronaves, que para determinar si se

habían celebrado consultas en relación con la “misma controversia” en dos

asuntos, el órgano resolutorio de la OMC examinó si se trataba de la misma

práctica27. Bajo tal interpretación se puede inferir que para determinar en

27 Textualmente el Grupo Especial señaló que “(…) consideramos que las consultas y

la solicitud de establecimiento se relacionan fundamentalmente con la misma

‘diferencia’, porque se refieren esencialmente a la misma práctica, es decir, el pago

de subvenciones a la exportación en el marco del PROEX”. Cfr. Informe del Grupo

Especial, en el asunto Brasil - Programa de financiación de las exportaciones para

aeronaves (WT/DS46/R), adoptado el 14 de abril de 1999, párrafo 7.11

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 222 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

qué casos dos diferencias son las “mismas” es importante mirar más allá de

si el asunto legal o los fundamentos jurídicos (controversia de facto) son

idénticos, es decir, se aplica un concepto amplio de la controversia de iure.

Empero, en otras decisiones los órganos resolutorios de la OMC

han cambiado su posición aplicando un enfoque legalista o restrictivo,

como se puede observar en el asunto India - Medidas que afectan al sector

del automóvil, donde el Grupo Especial incorporó a su interpretación la

noción de cosa juzgada para determinar si la controversia en cuestión era la

“misma” en comparación con un pronunciamiento anterior,

específicamente, el asunto India - Restricciones cuantitativas. Estas

referencias mínimas fundadas en la cosa juzgada, definen el alcance del

enunciado la “misma controversia” a partir de la identidad de las medidas

concretas en litigio y los mismos fundamentos jurídicos, adoptando la

noción de controversia de iure.

Otro problema de la eficacia de la cláusula de selección del foro en

los TLC estadounidenses o europeos se encuentra en que difícilmente

podrá ser aplicada o respetada por los órganos resolutorios de la OMC28, ya

que el artículo 3.7 del ESD de la OMC establece como objetivo del

mecanismo de solución de diferencias “conseguir la supresión de las

medidas de que se trate si se constata que estas son incompatibles con las

disposiciones de cualquiera de los acuerdos abarcados”. Este enunciado

tiene implicaciones concretas para esta cláusula29, pues el Derecho de la

28 En este sentido, TRACHTMAN manifiesta que la voluntad de los negociadores del ESD

no fue establecer una jurisdicción que pudiera aplicar cualquier norma como derecho

sustantivo, sino sólo el Derecho de la OMC. Adicionalmente, el autor considera que

el tenor del ESD “[...] leaves no room for defenses based on another law”, y que “(…)

references to respect for the covered agreement, and consistency with the covered

agreements and their objectives in Articles 3.4, 3.5, 3.7, 3.8, 19.1, 22.2 and 22.9 of the

DSU would be absurd if other international law were applicable”. Cfr. TRACHTMAN,

Joel. “Jurisdiction in WTO dispute settlement”, en YERXA, R. y WILSON, B. (Eds.): Key

Issues in WTO Dispute Settlement: The First Ten Years, Cambridge University Press,

2005, pp. 138-139. 29 Existen otras normas del Derecho de la OMC que dificultan la aplicación de la

norma de conflicto de los TLC, como por ejemplo el artículo 7 del ESD que establece

el denominado “mandato de los grupos especiales”, el cual exige: “Examinar, a la luz

de las disposiciones pertinentes (del acuerdo abarcado [de los acuerdos abarcados]

223 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

OMC incorpora de manera directa y clara una obligación para los Grupos

Especiales y el Órgano de Apelación: analizar si la medida de que se trata es

compatible o no con los “acuerdos abarcados”, excluyendo de este examen

las medidas que sean incompatibles con disposiciones que no se

encuentren en dichos acuerdos.

Sobre esta base jurídica se podría argumentar que la aplicación de

la cláusula de selección del foro incorporada en los TLC excedería las

funciones de los Grupos Especiales y el Órgano de Apelación de la OMC. De

ahí que, como mínimo resulte cuestionable plantear la posibilidad de que

uno de estos órganos resolutivos multilateral decline su jurisdicción

teniendo como fundamento jurídico de su decisión una norma del TLC30.

Esta posición restrictiva del ESD es compartida por un amplio sector de la

literatura especializada y por la propia jurisprudencia de la OMC, pues

consideran que las controversias en materia comercial presentadas ante el

régimen jurídico de la OMC serán resueltas exclusivamente por el

mecanismo multilateral (artículo 23 del ESD), con el objeto de preservar sus

derechos y obligaciones, y de otorgar a este régimen la seguridad y

previsibilidad necesarias31.

que hayan invocado las partes en la diferencia), el asunto sometido al OSD por

(nombre de la parte) en el documento […] y formular conclusiones que ayuden al

OSD a hacer las recomendaciones o dictar las resoluciones previstas en dicho

acuerdo (dichos acuerdos)”. Otros ejemplos, son los artículos 7.2, 11 y 17.6 del ESD. 30 No se puede desconocer que las normas del ESD dificultan la incorporación y

aplicación de otras normas de Derecho internacional, en particular de los TLC

estadounidenses y europeos, puesto que “la operatividad práctica de las fuentes del

Derecho internacional dentro del mecanismo de solución de diferencias de la OMC

se ve influida o afectada por el modelo de norma aplicable que se le ha asignado”.

Cfr. ZAPATERO, Pablo, Derecho del Comercio Global, cit., nota 12, p. 76. 31 En tal contexto, vale la pena recordar, que esta es una interpretación desde un

enfoque restrictivo de la norma aplicable en la OMC, la cual entiende que el ESD

discurre en todo su cuerpo normativo sobre la idea de que cualquier asunto sometido

al conocimiento de un Grupo Especial o del Órgano de Apelación deben ser resueltas

aplicando las disposiciones de los acuerdos abarcados, en principio, sin incluir en ellas

disposiciones más amplias de Derecho internacional. Cfr. TRACHTMAN, Joel. “The

Domain of WTO Dispute Resolution”, Harvard International Law Journal, Vol. 40,

spring, 1999, pp. 342 a 349; KUYPER, Pieter Jan. “The Law of GATT as Special Field

of International Law”, Netherland Yearbook of International Law, Vol. XXV, 1994;

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 224 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Para profundizar en estas cuestiones, en el siguiente apartado se

examina la cláusula de exclusión del foro regulada por el Derecho de la OMC,

la cual limita e incluso puede anular la eficacia de la cláusula de selección del

foro de los TLC estadounidenses y europeos.

2. LA CLÁUSULA DE EXCLUSIÓN DEL FORO EN

LA JURISDICCIÓN OMC COMO UNA

PROHIBICIÓN DEL FORUM SHOPPING

Aunque la mayoría de los acuerdos comerciales prevén diferentes

normas de conflicto entre jurisdicciones que tratan de impedir la posible

superposición o sucesión de estos foros32, parece ineludible que el propio

sistema de solución de diferencias de la OMC, y cada uno de los TLC

estadounidenses y europeos contemplen un mecanismo que se convierte,

parafraseando a Zapatero, en el “[...] vértice jurisdiccional de su particular

pirámide jurídica”. No es de extrañar, por tanto, que la OMC regule un

procedimiento de solución de diferencias de naturaleza cuasi-automática y

obligatoria. Esta naturaleza se puede comprobar en el párrafo 1 del artículo

MARCEAU, Gabrielle, “Conflicts of Norms and Conflicts of Jurisdictions, cit., nota 2;

entre otros. 32 Hoy por hoy las relaciones entre los procedimientos de solución de controversias

en el orden jurídico internacional no acostumbran crear estructuras de coordinación

efectiva, ya sea de forma horizontal o verticalmente. En este sentido, JENNINGS

comenta que “[t]here is no kind of structured relationship between most of them.

There is not even the semblance of any kind of hierarchy or system. They have

appeared as need or desire or ambitions promoted yet another one. In this particular

respect, contemporary international law is just a disordered medley”. Cfr. JENNINGS,

Robert. “The Judiciary, International and National, and the Development of

International Law”, International and Comparative Law Quarterly Vol. 45, No. 1, 1996.

Para profundizar en estos temas, cfr. ZAPATERO, Pablo. “Modern International Law

and the Advent of Special Legal Systems”, Arizona Journal of International &

Comparative Law, Vol. 23, No. 1, 2005, p. 73; ABI-SAAB, Georges. “The Proliferation

of Adjudicatory Bodies: Dangers and Possible Answers, Implications of the

Proliferation of International Adjudicatory Bodies for Dispute Resolution”, ASIL

Bulletin: Educational Resources on International Law, Vol. 9, 1995, p. 21.

225 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

23 del ESD, que contiene la cláusula de exclusión del foro33 a favor del

mecanismo multilateral cuando se trate de cualquier asunto de

interpretación o aplicación de su régimen jurídico34, salvo en los casos de

arbitraje autorizado por el ESD y bajo el control del Órgano de Solución de

Deferencias35. Simplemente, con el hecho de que un Miembro alegue que

una medida ha generado un “[...] incumplimiento de obligaciones u otro tipo

de anulación o menoscabo de las ventajas resultantes de los acuerdos

abarcados, o un impedimento al logro de cualquiera de los objetivos de los

acuerdos abarcados”36, tiene derecho a iniciar el procedimiento,

33 La cláusula de exclusión del foro adquiere especial relevancia en el actual contexto

del Derecho internacional privado y del Derecho internacional, cada vez más

fragmentado, con un mayor número de acuerdos y de procedimientos para resolver

diferencias. Para entender mejor esta cuestión, cfr. VON MEHREN, Taylor. “Theory

and Practice of Adjudicatory Authority in Private International Law: A Comparative

Study of the Doctrine, Policies and Practices in Common- and Civil-Law Systems”,

Recueil des Cours / Collected Cours of the Hague Academic of International Law, Vol.

295, 2002; FAWCETT, James (Ed.). Declining Jurisdiction in Private International Law,

Oxford Monographs in Private International Law, 1995. 34 El artículo 23 del ESD materializa la intención de las partes de fortalecer el régimen

multilateral del comercio, estableciendo la obligación a los Estados miembros de

recurrir al mecanismo de solución de diferencias, lo cual ha sido interpretado por la

jurisprudencia como una “cláusula exclusiva para la resolución de diferencias”. Cfr.

Informe del Grupo Especial, en el asunto Estados Unidos – Artículo 301 a 310 de la Ley

de Comercio Exterior de 1974 (WT/DS152/R), adoptado el 22 de diciembre de 1999,

párrafo 7.43. Regularmente destacado por la literatura especializada como uno de

los cambios significativos introducidos por la Ronda Uruguay. Cfr. KESSIE, Edwini.

“Enhancing Security and Predictability for Private Business Operators under the

Dispute Settlement System of the WTO”, en Journal of World Trade, Vol. 34 N° 6,

2000, p. 1. 35En este caso, OLIVEIRA señala que: “(…) the arbitral report, since it is issued within

the WTO rules, could be enforced by the DSB. It remains to be seen what would be

the treatment given to it in practice and if an arbitral report would have the same

legal status as panel reports. (…) In addition, both TRIPS (Art. 64) and the SPS

Agreement (Art. 11) expressly foresee the possibility of referring disputes to other

international organizations or other means of peaceful settlement of disputes for

claims based on their provisions”. Cfr. OLIVEIRA, Barbara. “The Relation between

WTO Law and Public International Law: The applicable law in Dispute Settlement at

the WTO”, University College London LLM Programme, 2005, p. 9, disponible en: SSRN:

http://ssrn.com/abstract=903052 36 Artículo 23.1 del ESD de la OMC. Como se puede observar, el régimen multilateral

del comercio establece un sistema de solución de diferencias de autoreferencia que,

según LIÑÁN NOGUERAS, “(…) continúa siendo un modelo con tendencia autónoma,

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 226 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

excluyendo así la competencia de cualquier otro foro o mecanismo para

examinar las reclamaciones por violación del régimen de la OMC37.

Otro ejemplo de la naturaleza cuasi-automática y obligatoria se

encuentra en el párrafo 1 del artículo 2 del ESD, que reconoce al sistema de

solución de diferencias de la OMC como un “elemento esencial para aportar

seguridad y previsibilidad al sistema multilateral de comercio”, y agrega

que “[l]as recomendaciones y resoluciones del OSD no pueden entrañar el

aumento o la reducción de los derechos y obligaciones establecidos en los

acuerdos abarcados”. Así, una consecuencia que podría extraerse de la

norma transcrita es que cualquier decisión que declinara la jurisdicción del

OSD en favor de la jurisdicción de un TLC podría acarrear la reducción de los

derechos y obligaciones, dado que estos son determinados en los

“acuerdos abarcados” y no en otras normas otras normas del Derecho

internacional38.

manteniéndose implícitamente la no aplicación de un eventual recurso a los medios

de solución de controversias externas a la OMC”, de ahí que para este autor el

mecanismo multilateral representa “(…) uno de los más notorios exponentes de las

tendencias ‘funcionalizadoras’ de los sistemas de solución de controversias, esto es,

de la tendencia a estructurar sistemas propios para un ámbito más o menos concreto

de relaciones internacionales”. Cfr. LIÑÁN NOGUERAS, Diego Javier. “El Derecho

Económico Internacional (II): El comercio Internacional”, en DÍEZ DE VELASCO

VALLEJO, Manuel, Instituciones de Derecho Internacional, 16ta Edición, Tecnos,

Madrid, 2007, p. 634 37 En efecto, un Miembro de la OMC tiene derecho a iniciar el procedimiento cuasi-

automática, no tienen la obligación de demostrar un interés económico específico o

jurídico, ni presentar ninguna prueba de la repercusión en el comercio de la medida

impugnada con el fin de iniciar el mecanismo de solución de diferencias (artículo 3.8

del ESD). A este respecto, la profesora STEGER argumenta que el artículo 23 debe

interpretarse en el sentido de que el ESD tiene “(…) not only compulsory jurisdiction

over matters arising under the covered agreements, [but that] it also [has] exclusive

jurisdiction over such matters”. En consecuencia, una vez que se realice la solicitud

de un grupo especial o del Órgano de Apelación, este órgano resolutorio se establece

automáticamente y su fallo es jurídicamente vinculantes para las partes. Cfr. STEGER,

Debra. “The Jurisdiction of the World Trade Organization”, American Society of

International Law Proceeding, Vol. 98, 2004, pp. 142-143. 38 Este argumento se encuentra en el Informe del Órgano de Apelación, en el asunto

México-Medidas fiscales sobre los refrescos y otras medias (WT/DS308/AB/R),

adoptado el 6 de marzo de 2006, párrafo 53. Adicionalmente se debe tener en cuenta

el artículo 2.4 del ESD, el cual señala que las recomendaciones o resoluciones del OSD

“tendrán por objeto lograr una solución satisfactoria de la cuestión, de conformidad

227 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Ser el vértice jurisdiccional de su particular pirámide jurídica genera

un nuevo matiz de complejidad, que se relaciona con las cuestiones de

superposición o conflicto de jurisdicción y, en últimas, con el tema de la

jerarquía de las normas de Derecho Internacional. De ahí que la cláusula de

exclusión del foro de la OMC es, para el profesor Trachtman, una asignación

horizontal de la competencia39 que constituye una expresión de la

importancia que los Miembros de la OMC dan su régimen jurídico.

De la cláusula de exclusión del foro se pueden extraer dos

cuestionamientos importantes que se presentan en las relaciones entre los

procedimientos de solución de diferencias de la OMC y d los TLC en estudio:

primero, ¿será suficiente con invocar la norma de conflicto entre

jurisdicciones que determine el foro en los TLC estadounidenses o europeos

para que un Grupo Especial o el Órgano de Apelación declinen su

competencia o suspendan un procedimiento ante el foro de la OMC?, y

segundo, ¿cómo puede el artículo 23 del ESD de la OMC y su proceso casi-

automático ser compatible con la preferencia o, en algunas circunstancias,

la exclusividad dada al mecanismo de solución de controversias de uno de

estos TLC, cuando se trate de obligaciones que son similares en estos dos

regímenes?

Estos interrogantes no tienen una respuesta única, tan solo es

posible aducir, desde un punto de vista estrictamente normativo, que el

con los derechos y las obligaciones dimanantes del presente Entendimiento y de los

acuerdos abarcados”, de ahí que dichas las resoluciones no deben anular ni

menoscabar las ventajas resultantes de los acuerdos abarcados para ninguno de los

miembros. 39 En términos de TRACHTMAN una asignación horizontal de la competencia también

tendría diferentes complicaciones jurídicas que ponen en entre dicho la validez de la

prioridad o la exclusividad de una jurisdicción sobre otra, ya que los TLC

estadounidenses y europeos a la luz del Derecho internacional, como cualquier

tratado, disfrutan del mismo status jurídico y son regímenes independientes a la

OMC. De manera que en caso de presentarse una controversia entre Estados, que

sean al mismo tiempo parte de la OMC y de un TLC, podrían activar cualquiera de sus

mecanismos en forma paralela o sucedánea y, por tanto, dos foros y sus órganos

resolutivos tendrían competencia para reclamar la jurisdicción final sobre el asunto,

con la posibilidad de que lleguen a diferentes, o incluso, decisiones contradictorias.

Cfr. TRACHTMAN, Joel, “Institutional linkages: Transcending ‘Trade and…’”, the

American Journal of International Law, Vol.96, No.1, 2002, p. 79.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 228 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

artículo 23 del ESD contiene una cláusula específica que excluye otras

jurisdicciones para solucionar cualquier controversia sobre violaciones o

incumplimiento del Derecho de la OMC40. En tal sentido, el profesor

Fernández Pons señala que “[...] no es fácil que una jurisdicción creada con

el específico cometido de preservar los derechos y las obligaciones

dimanantes de los acuerdos de la OMC llegue a aplicar [...] otras normas

internacionales sobre las previsiones de los acuerdos abarcados”41.

Asimismo, otro sector de la literatura especializada, particularmente

Marceau, opina que:

[…] Article 23 of the DSU reflects the clear intention

of WTO Members to ensure that WTO adjudicating

bodies can always exercise exclusive jurisdiction on

any WTO-related claim. The WTO forum is always a

‘convenient forum’ for any WTO grievance; in fact, it

seems to be the exclusive forum for WTO matters42.

Tan es así que esta autora subraya que “[t]he WTO will thus often

“attract” jurisdiction over disputes with (potential) trade effects even if

such disputes could also be handled in fora other than that of the WTO”43.

Igualmente, Pauwelyn entiende que:

40 Gran parte de la literatura especializada y la jurisprudencia de la OMC entiende que

el artículo 23 del ESD busca que las controversias en materia comercial sean resueltas

exclusivamente por la OMC, con el objeto de otorgar al régimen multilateral de

comercio la seguridad y previsibilidad necesarias. En esta línea, KUYPER ha comentado

que “(…) el carácter cerrado del sistema ha sido reforzado por las nuevas

disposiciones del artículo 23 del ESD. Este artículo enfatiza fuertemente que los

Miembros de la OMC deben buscar reparación a las violaciones de obligaciones bajo

la OMC y sus anexos solo a través del sistema de solución de controversias del DSU y

deben suspender concesiones u otras obligaciones solo en concordancia con las

normas del DSU”. Cfr. KUYPER, Pieter Jan. “The Law of GATT as Special Field of

International Law, cit., nota 43, p. 251. 41 FERNÁNDEZ PONS, Xavier, La OMC y el Derecho Internacional. Un estudio sobre el

sistema de solución de diferencias de la OMC y las normas secundarias del Derecho

internacional general, Marcial Pons, Barcelona, 2006, pp. 156 y ss. 42 KWAK, Kyung y MARCEAU, Gabrielle, “Overlaps and Conflicts of Jurisdiction

between the WTO and RTAs, cit., nota 13, p. 8. 43 Ibídem, p. 3.

229 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

[…]much like a vacuum cleaner sucks up its

surrounding environment; the new, compulsory and

fully automatic WTO dispute settlement system can

suck up just about any dispute that is even

tangentially related to trade. Any WTO Member has

the full and automatic right to sue any other WTO

Member about any alleged trade restriction.

Tanto Marceau como Pauwelyn tienen la razón cuando señalan

que la amplitud de la competencia del ESD de la OMC significa que es

posible “attract” o “suck up” la jurisdicción sobre muchas controversias

comerciales. Pero, esto no implica que la competencia del procedimiento

de la solución de diferencias de la OMC sea tan amplia como esta

terminología podría sugerir, ya que el artículo 23 del ESD no puede prohibir

a los órganos resolutorios establecidos por los TLC, o cualquier otro

tratado, conocer una controversia de su competencia o suspender un

procedimiento sobre las reclamaciones derivadas de sus propias

disposiciones que se ejecutan en paralelo o se solapan con las normas de la

OMC44. El procedimiento de solución de diferencias de la OMC no está

diseñado para ser el único foro. Se trata, por el contrario, de jurisdicciones

horizontales que no están subordinadas entre sí, es por esto que la

jurisprudencia o las decisiones de los órganos resolutorios de la OMC y del

TLC pueden no sólo colisionar, sino también competir entre sí. No obstante,

esta observación jurídica, en la práctica parece poco probable que un Grupo

Especial o el Órgano de Apelación de la OMC pueda negarse a ejercer su

jurisdicción sobre una controversia basándose en la aplicación de una

cláusula de selección del foro, incluso cuando la disputa pudiera ser

interpretada como “engañosa”.

44 GRAEWERT, Tim. “Conflicting Laws and Jurisdictions in the Dispute Settlement

Process of Regional Trade Agreements and the WTO”, Contemporary Asia Arbitration

Journal, No. 1, 2008, p. 293-294. Asimismo, SHANY observa que: [...] Article 23 of the

DSU does not explicitly preclude referring disputes about the “interpretation” of

WTO-covered agreements to an external court or tribunal. Cfr. SHANY, Yuval. “The

Competing Jurisdictions of International Courts and Tribunals, cit., nota 15, p. 184.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 230 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Retomando el análisis de las posiciones de Marceau y Pauwelyn, se

haya conclusiones diametralmente opuestas de acuerdo con el enfoque

que cada uno asume. Por un lado, Pauwelyn sostiene enfáticamente que las

cláusulas de selección o exclusión del foro de los TLC podrían ser aplicadas

por los órganos resolutorios de la OMC, alegando que:

[…]in the end, applying such clauses is nothing

extraordinary. All that one would then be doing is

giving effect to the explicit agreement between the

disputing parties themselves [...] On the contrary, to

not give effect to such FTA forum exclusion clauses

would go against the sovereign will of the disputing

parties, waste resources through duplication of

proceedings and create unpredictable trading

relations, potentially even conflicting rulings from

different international fora.

Por otro, Marceau, completamente en desacuerdo con Pauwelyn,

enfatiza que:

If [forum selection clauses] exist in an RTA and

reference to the WTO dispute settlement is

addressed nothing seems to stop the WTO panel to

proceed over a claim of WTO violation even if this

would be contrary to the wording [of the] one RTA

treaty.

Si bien el régimen jurídico de la OMC no prescinde, de entrada, la

aplicación de las cláusulas de selección del foro o exclusión del foro de otros

tratados, sus previsiones y teleología sí limitan la aplicación de estas

normas ajenas al Derecho de la OMC o non-WTO Law. Más exactamente, las

normas del ESD de la OMC hacen que otras disposiciones internacionales

solo sean relevantes para la solución de controversia en la medida que no

vulneren los “acuerdos abarcados”. Sin embargo, esto no impide que los

Grupos Especiales o el Órgano de Apelación en el ejercicio de sus facultades

discrecionales puedan resolver hipotéticos conflictos entre las previsiones

231 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

de la OMC y los TLC bajo estudio, aplicando las cláusulas de selección del

foro o exclusión del foro que son vinculantes para las partes en controversia.

Este punto de vista se enfrenta a diferentes obstáculos, en

especial a la lógica jurídica de la solución de controversias del comercio

internacional, en la cual: ¿la resolución de un particular conflicto entre

tratados dependerá de qué órgano es el que conoce del conflicto?, ¿de los

límites que impone la norma aplicable para resolver el conflicto?, y ¿de

cómo es interpretada y empleada la norma aplicable? Cualquier respuesta

a estos cuestionamientos de los conflictos entre las jurisdicciones de la

OMC y de los TLC estadounidenses y europeos, desde una visión realista, se

dará caso por caso. Es más, según el profesor Zapatero, estas preguntas

[...] no se resuelven, pues, con una respuesta unívoca

sino con una respuesta relativa ‘en’ y ‘desde’ una

perspectiva: la perspectiva de cada mecanismo de

solución de diferencias o, si se prefiere, del régimen

internacional en el que éste está inserto.

3. LA APLICACIÓN DEL PRINCIPIO DE LA COSA

JUZGADA O “RES JUDICATA” EN LOS

CONFLICTOS ENTRE LA JURISDICCIÓN DE LA

OMC Y LA JURISDICCIÓN DE LOS TLC

ESTADOUNIDENSES Y EUROPEOS

Ahora, frente a la pregunta ¿cuál es el valor jurídico del principio de

la cosa juzgada o res judicata en los conflictos entre jurisdicciones de la OMC

y los TLC? Aquí nuevamente se encuentran, parafraseando al profesor

Zapatero, “respuestas relativas”. Desde la perspectiva del Derecho de la

OMC, técnicamente es poco probable que se aplique el principio de la cosa

juzgada en un conflicto jurisdiccional con los TLC bajo estudio. De hecho, los

órganos resolutorios de la OMC solamente han utilizado este principio

cuando la decisión anterior es de un Grupo Especial o del Órgano de

Apelación de la OMC, teniendo en cuenta además que se trate de las

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 232 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

mismas partes o ratione personae, las mismas medidas concretas en litigio y

los mismos fundamentos jurídicos o ratione materiae. Tal como ocurrió en

el asunto India - Medidas que afectan al sector del automóvil, donde el Grupo

Especial incorporó a su interpretación la noción de cosa juzgada para

determinar si la controversia en cuestión era la misma en comparación con

el pronunciamiento anterior del asunto India - Restricciones cuantitativas a

la importación de productos agrícolas, textiles e industriales. Concretamente,

el Grupo Especial señaló que:

[...] para que el principio de res judicata sea de algún

modo aplicable en la solución de diferencias en la

OMC debe haber, como mínimo, una identidad

fundamental entre el asunto anteriormente resuelto

y el presentado al siguiente grupo especial. Esto exige

que haya identidad tanto entre las medidas como

entre las alegaciones relativas a ellas. También es

imprescindible, a los efectos del principio de

res judicata o cosa juzgada la identidad de las partes.

Según Davey y Sapir, incluso en ese caso donde se podría esperar

que el Grupo Especial basara su decisión en el principio de la cosa juzgada o

utilizara la noción del precedente para resolver el mismo, no lo hizo45. La

jurisprudencia de la OMC se ha limitado a señalar que un determinado

informe y su interpretación “generan expectativas legítimas para los

Miembros” 46. Por consiguiente, la jurisprudencia de la OMC y gran parte de

45 Para ilustrar su aserto, DAVEY y SAPIR citan el Informe del Órgano de Apelación, en

el asunto Comunidades Europeas - Derechos antidumping sobre la importación de ropa

de cama de algodón originario de la India, párrafo 5 del artículo 21

(WT/DS141/AB/RW), adoptado 8 de abril de 2003, párrafos 78-100. Cfr. DAVEY,

William y SAPIR, André. “The Soft Drinks Case: The WTO and Regional Agreements, cit.,

nota 7, p. 14. El tema del precedente en la jurisprudencia de la OMC se puede

profundizar, cfr. JACKSON, John H., Sovereignty, the WTO, and changing

fundamentals of International Law, Cambridge, Cambridge University Press, 2006, pp.

176 y ss.; JACKSON, John H. The Jurisprudence of GATT & the WTO, Cambridge,

Cambridge University Press, 2002, pp. 125-129. 46 Informe del Órgano de Apelación, en el asunto Japón - Impuestos sobre las bebidas

alcohólicas (WT/DS8/AB/R, WT/DS10/AB/R, WT/DS11/AB/R), adoptado el 4 de octubre

de 1996, otro informe trascendental para este tema es el asunto Estados Unidos –

233 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

la literatura especializada consideran que las controversias en materia

comercial presentadas ante el régimen jurídico de la OMC serán resueltas

exclusivamente por el mecanismo multilateral (artículo 23 del ESD), con el

objeto de preservar sus derechos y obligaciones, y de otorgar a este

régimen de la seguridad jurídica y previsibilidad necesaria. Bajo esta lógica,

a la decisión de un órgano ajeno al régimen multilateral del comercio que

tenga por objeto interpretar las obligaciones contenidas en los “acuerdos

abarcados” de la OMC no se le dará, en principio, ninguna “cortesía judicial”

o reconocimiento como a un asunto que ha hecho tránsito a cosa juzgada.

En esta misma línea, el profesor Pauwelyn al analizar el asunto

México - Medidas fiscales sobre los refrescos y otras bebidas y el asunto

Estados Unidos - Madera blanda, reconoce que “[a]lthough clearly dealing

with the same broader dispute on lumber or sweeteners, the different

rulings out of NAFTA and/or the WTO are not, strictly speaking, in a relation

of res judicata”. Claro está, el mismo autor subraya que “[...] the absence of

res judicata should not lead one tribunal to completely ignore the work of

the other”47. Parecería que sin importar que se presenten en ambas

jurisdicciones (OMC/TLC): las mismas las partes y la cuestión en litigio esté

relacionada, jurídicamente hablando, el “derecho aplicable” no es el mismo;

los alegatos de defensa específicos que presentan las partes en la

diferencia solo derivan de uno de los tratados, o los plazos, los derechos

procesales, todo ello conlleva a soluciones que pueden o no ser diversas en

las dos jurisdicciones. De ahí que resulta poco probable que, en la práctica

de la jurisdicción de la OMC, se logre aplicar el principio de la cosa juzgada,

así las disposiciones controvertidas sean reproducidas literalmente en los

dos foros.

Sin embargo, esta respuesta no está del todo acabada, ya que los

conflictos entre la jurisdicción de la OMC y la jurisdicción de los TLC son más

que un simple ejercicio teórico o un hecho aislado, como se demuestra en

algunas diferencias, como el asunto México - Medidas fiscales sobre los

Medidas antidumping definitivas sobre el acero inoxidable procedente de México,

(WT/DS344/AB/R), adoptado el 30 de abril de 2008. 47 Ibídem, p. 5.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 234 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

refrescos y otras bebidas, el asunto Estados Unidos - Madera blanda, el asunto

Argentina - Derechos antidumping definitivos sobre los pollos procedentes del

Brasil, en el asunto Brasil – Medidas que afectan la importación de

neumáticos recauchutados, entre otras. La complejidad de las relaciones

entre el régimen jurídico de la OMC y los TLC en estudio exige mayores

esfuerzos hermenéuticos frente a sus conflictos de jurisdicciones, por esto,

no se entiende la visión “miope” de los órganos resolutorios de la OMC,

quienes son renuentes a aplicar la cosa juzgada, que exige no solo la

coincidencia en las partes en los dos foros, también el mismo objeto o

petitum, y la mimas causa de la acción o causa petendi. Esta última condición

interpretada en sentido estricto, solo se cumple cuando los fundamentos

jurídicos de la decisión previa del procedimiento regulado en por un TLC

correspondan a normas de remisión al régimen jurídico de la OMC, o sean

normas reproducidas literalmente de la OMC. Desde esta perspectiva es

acertada la interpretación de Pauwelyn y Salles, cuando apuntan que:

[…]the reluctance of WTO panels and the Appellate

Body to apply the principle of res judicata is difficult to

understand. If the Appellate Body decides to apply

judicial principles on burden of proof, good faith, and

due process - on which nothing is explicitly said in the

DSU- there is no reason for it to reject the principle of

res judicata. The WTO reluctance to apply the

principle of res judicata is all the more surprising

because res judicata is only rarely triggered in

international litigation48.

Por otra parte, sin desconocer la importancia de la interpretación

de los órganos resolutorios de la OMC sobre la norma de conflicto, no se

debe perder de vista la existencia de una presunción de legalidad respecto

48 Para PAUWELYN y SALLES, esta situación podría cambiar “(…) if tribunals were willing

to soften the three criteria for res judicata to apply. To do so they could borrow from

common law notions such as “issue estoppel” or civil law notions such as “related

actions”. Cfr. PAUWELYN, Joost y SALLES, Luiz Eduardo. “Forum Shopping before

International Tribunals, cit., nota, 17, pp. 102-104.

235 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

a las decisiones de los paneles de los TLC, que se derivan directamente de

los instrumentos internacionales que los han creado49.

Otro escenario para el principio de la cosa juzgada se presenta en

la jurisdicción de los TLC, específicamente en las decisiones del panel en el

marco del Acuerdo de Libre Comercio entre Canadá y Estados Unidos –

ALCCEU- de 1989 y del TLCAN de 1994, en donde existen diferentes

asuntos que aluden a las disposiciones del GATT de 1947 y de la OMC,

incluso se apoyan o utilizan la interpretación hecha por los Grupos

Especiales y el Órgano de Apelación de estas normas que, además de

considerarse como un criterio auxiliar de interpretación, en algunos casos

han llegado a actuar como un argumento de autoridad. De hecho, parece

razonable afirmar que en ocasiones estas decisiones de los órganos

resolutorios de la OMC han operado como un auténtico “precedente”50

para la jurisdicción de los TLC. Así, por ejemplo, en el asunto Estados Unidos

- Regulación de la Langosta51, el panel examinó la controversia en la

interpretación del artículo XI y del artículo III del GATT de 1947 (que se

incorporan mediante normas de remisión, en el artículo 407 y el artículo 501

del ALCCEU). En este caso, el panel señala explícitamente que algunas

49 Aunque la decisión de los órganos resolutorios no tenga el mismo estatus que una

disposición del tratado en virtud del Derecho internacional, la validez y fuerza

vinculante de dicha decisión se deriva del Tratado constitutivo que define la

competencia de cada uno de ellos. Por tanto, un Estado sujeto al mismo tiene la

obligación convencional de darle cumplimiento. Cfr. International Court of Justice

Reports of judgments, in the Certain Expenses of the United Nation, advisory opinions

and orders, Advisory opinion of 20 July 1962, p. 168. 50 A pesar de que el stare decisis o precedente no se reconoce de manera explícita en

los TLC estadounidenses, la tradición jurídica de Common Law impulsa a sus paneles

a tener en cuenta las decisiones de los Grupos Especiales del antiguo GATT y de los

órganos resolutorios de la OMC. 51 En estricto sentido, en este asunto la controversia se presenta entre dos

posiciones, “Canada argued that the 1989 amendment is a border measure imposing

a prohibition on imports of Canadian sub-sized lobsters and is therefore in violation

of GATT Article XI. The United States argued that the 1989 amendment is rather an

internal measure applied to the marketing and sale of sub-sized lobsters and is

therefore subject to GATT Article III. Cfr. Informe final del Panel del TLCAN, en el

asunto Estados Unidos - Regulación de la Langosta (USA 89-1807-01), adoptado el 25

de mayo 1990, párrafo 8.1.1.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 236 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

decisiones de los Grupos Especiales del GATT constituyen precedente52, y al

mismo tiempo modera su interpretación al señalar que:

[…]some members of the Panel consider that the

wording of GATT Articles III and XI provides the basic

elements necessary to classify a measure.

Nevertheless, they were of the opinion that, in

addition to the GATT language, the interpretation

given to these GATT Articles by the drafters of the

Agreement and by Panel Reports provides helpful

comments on the scope of Articles XI and III53.

52 En efecto, el panel examinó como precedentes el Informe del Grupo Especial del

GATT, asunto Canadá - Aplicación de la Ley sobre el examen de la inversión extranjera

(IBDD 30S/151-182), adoptado el 7 de febrero de 1984; Informe del Grupo Especial del

GATT (L/4687), en el asunto Comunidades Europeas - Programa de precios mínimos de

importación, licencias y depósitos de garantía de determinadas frutas y hortalizas (BISD

25S/68/107), adoptado el 18 de octubre de 1978 e Informe del Grupo Especial del

GATT (L/6309), en el asunto Japón - Comercio de semiconductores (BISD 35S/116-163),

adoptado el 4 de mayo de 1988, y determinaron que “there is no GATT Panel

precedent in which a complete prohibition on the sale, use or transportation of imported

products, as is the 1989 amendment in regard to Canadian sub-sized lobsters, was held

to fall within Article III”. Cfr. Informe final del Panel del TLCAN, en el asunto Estados

Unidos - Regulación de la Langosta…, supra, párrafo 8.3.3. Ahora bien, en decisiones

posteriores del panel del ALCCEU matiza su posición respecto a la jurisprudencia del

GATT como “precedente”, al determinar que esta no le es vinculante, sino que

constituye “panel opinion pursuant to GATT”, es decir, como meras “opiniones”. Cfr.

Informe final del Panel del TLCAN, en el asunto Estados Unidos - Magnesio puro y

aleación (USA-92-1904-03), adoptado el 16 de agosto de 1993, p. 9. 53 Ibídem, párrafo 8.3.1 (cursiva fuera del texto). Otro caso donde podemos evidenciar

la interacción a través de las normas de remisión en la jurisprudencia del ALCCEU es

el asunto Canadá-Requerimientos para el desembarco del salmón y del arenque de la

costa del pacífico, en el cual se analiza el conflicto de aplicación del artículo XX (g) y

artículo XI del GATT incorporados mediante las normas de remisión, en el artículo 407

y el artículo 1201 del ALCCEU. Es más, un miembro del panel llega a señalar que “(…)

did not believe that existing GATT rules or previous GATT decisions provide a clear

basis for reaching a judgment in the present case as to whether the landing

requirement constitutes a restriction within the meaning of Article XI:1, and was not

prepared to make a decision on this issue. This member was of the view that the

consistency of landing requirements with GATT rules raises conceptual issues that

may deserve further consideration by the GATT Contracting Parties”. Cfr. Informe

final del Panel del TLCAN, en el asunto Canadá - Requerimientos para el desembarco

del salmón y del arenque de la costa del pacífico (CDA-89-1807-01), adoptado el 18 de

octubre de 1989, párrafo 6.14

237 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Bajo este panorama, aunque no exista ningún informe de los

paneles de los TLC que aplique el principio de la cosa juzgada, es probable

que en el futuro se aplique este principio para evitar decisiones sucedáneas

de que puedan ser diferentes o contradictorios con los informes de la

jurisdicción de la OMC que resuelvan una “misma controversia”.

OBSERVACIONES FINALES

Existe una ineludible realidad en la regulación del comercio

internacional: una constante fragmentación, que se configuran a partir de

una pluralidad de regímenes jurídicos y sus mecanismos de solución de

diferencias, los cuales normalmente interactúan de manera horizontal en el

marco del Derecho internacional, a menos que el propio régimen

reconozcan expresamente la subordinación o la mayor jerarquía jurídica de

otro régimen. Justamente por ello, las relaciones entre el Derecho de la

OMC y los TLC pueden generar, según Zapatero, “perspectivas jurídicas

divergentes respecto a una misma cuestión”54, que ni si quiera pueden ser

resueltas del todo por las normas generales sobre conflictos entre

tratados55. Estas cuestiones tampoco han sido resueltas, hasta el momento,

por el Derecho de la OMC o su sistema de solución de diferencias, no existe

una clara posición de sus órganos resolutorios sobre diferentes problemas:

54 En otras palabras, para el profesor ZAPATERO en la pluralidad de regímenes

internacionales no se observan las normas generales sobre solución de conflictos de

tratados (artículo 30 de la Convención de Viena), debido a que “[e]l funcionamiento

de estas relaciones tienen origen en las particulares políticas jurisdiccionales,

legislativas (p. ej. diseño de la norma aplicable), hábitos y actitudes (colectivas e

individuales) de los operadores legales que actúan en su seno y puede o no

corresponder con las soluciones que prescribe la aplicación de las normas generales

sobre conflictos de tratados”. Cfr. ZAPATERO, Pablo, Derecho del Comercio Global,

cit., nota 12, pp. 410-411. 55 En este sentido, SINCLAIR señala que las normas generales sobre conflictos entre

tratados del artículo 30 de la Convención de Viena no son “enteramente

satisfactorias”, ya que estas contienen un modelo simplificado que no responde de

forma correcta a las actuales necesidades del orden jurídico internacional. Cfr.

SINCLAIR, Ian McTaggart. The Vienna Convention on the Law of Treaties, Manchester

University Press, 2da. Ed, 1984, p. 98.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 238 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

el Derecho aplicable, los conflictos de jurisdicciones o la propia noción de

controversia. Por tanto, se trata de “soluciones jurídicas no definidas”56 o

“soluciones a medias”, que no tienen una respuesta única en la práctica.

Justamente, es posible encontrar respuestas diferentes dependiendo del

régimen desde el que se realiza el análisis.

De no resolverse esta fragmentación o, mejor, de continuar la

ausencia de coherencia, los mecanismos de solución de controversias de los

TLC en estudio y de la OMC inevitablemente llegan y seguirán llegando a

aproximaciones diferentes sobre idénticas cuestiones sustanciales y

procedimentales. Como de hecho ya ha ocurrido en algunas decisiones de

los órganos resolutorios multilaterales y del TLCAN que se han solapado o

han sido contradictorias; un ejemplo de ello, son los mencionados asuntos

sobre los azúcares entre Estados vs México y la madera entre Estados Unidos

vs Canada. También se observa estos conflictos de jurisdicción con otros

procesos de integración, como el MERCOSUR, donde en el asunto Argentina

- Derechos antidumping definitivos sobre los pollos procedentes del Brasil y en

el asunto Brasil – Medidas que afectan la importación de neumáticos

recauchutados, la jurisdicción de la OMC llego a decisiones contrapuestas

respecto a la decisión de la jurisdicción del MERCOSUR, lo cual tiene el

potencial no sólo para crear problemas de ausencia de una jurisprudencia

coherente, sino también una amenaza para la estabilidad y previsibilidad

del sistema de comercio internacional. Desafortunadamente es probable

que estas cuestiones continúen sin resolverse, como los TLC continúan

creciendo cualitativa y cuantitativamente57, mientras que la Ronda de Doha

56 En opinión del profesor HUDEC, en ocasiones, en el Derecho internacional

económico se encuentra normas con apariencia de soluciones jurídicas en las que, en

realidad, no se ha llegado a ninguna solución. Cfr. HUDEC, Robert. “International

Economic Law: The Political Theatre Dimension”, University of Pennsylvania Journal

of International economic Law, Vol. 17, No. 1, spring 1996, p. 9. 57 Así se observa en la poca, pero discutida, jurisprudencia de los paneles de estos

acuerdos, específicamente en el TLCAN, que según MORGAN, “[…] It should be noted

that there has been 32 cases among NAFTA parties in the WTO, compared to only 3

sate-state cases among these countries in the NAFTA forum. However, not

surprisingly, under NAFTA Chapter 19 (Binational panels for Antidumping and

Countervailing duties) there have been 58 disputes”. Cfr. MORGAN, David. “Dispute

239 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

permanece en una larga soñolencia. Es aquí donde tiene importancia el

principio de la cosa juzgada o res judicata, que puede ser una opción para

aportar claridad y seguridad respecto a este tipo de solapamientos entre

jurisdicciones.

Settlement under PTAs: Political or Legal?”, Legal Studies Research Paper No. 341,

University of Melbourne Law School, 2007, p. 253. Asimismo, cfr. DAVEY, William,

“Dispute Settlement in the WTO and RTAs: A Comment”, en BARTELS. L. y ORTINO,

F. (Eds.): Regional Trade Agreements and the WTO Legal System, Oxford University

Press, New York, 2006, pp. 350-351.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 240 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

REFERENCIAS

ABI-SAAB, Georges. The Proliferation of Adjudicatory Bodies: Dangers and Possible Answers, Implications of the Proliferation of International Adjudicatory Bodies for Dispute Resolution, ASIL Bulletin: Educational Resources on International Law, Vol. 9, 1995, p. 21. GARCÍA, Ignacio Bercero. Dispute Settlement in European Union Free Trade Agreements: Lessons Learned?, en Bartels, L. and Ortino, F. (eds): Regional Trade Agreements and the WTO Legal System, Oxford University Press, New York, 2006., pp. 399-401. BLACK, Henry; GARNER, Bryan. Black's Law Dictionary, 9th edition, West Publishing, 2009. BLANC ALTEMIR, Antonio. “El Acuerdo de Asociación entre la Unión Europea y Chile: Algo más que un Tratado de Libre Comercio”, Anuario de Derecho Internacional de la Universidad de Navarra, Vol. XX, 2004, pp. 35-110. BRACK, Duncan; Gray, Kevin. Multilateral Environmental Agreements and the WTO, Report of the Royal Institute of International Affairs, 2003. BUSSE, Mathias. Trade, Environmental Regulations and the World Trade Organization: New Empirical Evidence. In: Journal of World Trade Vol. 38, No 2, 2004, pp. 285-306. CÁMARA DE DIPUTADOS DE CHILE. Informe de la Comisión de Relaciones Exteriores. P. 43. CARRILLO SALCEDO, Juan Antonio, “Reflections on the Existence of a Hierarchy of Norms in International Law”, European Journal of International Law Vol. 8, No. 4, 1997. CHARNEY, Jonathan. “Is the International Law Threatened by Multiple International Tribunals?”, Recueil des Cours. Collected Courses of the Hague Academy of International Law, Tome 271, 1998, p. 129. COMBACAU, Jean et SUR, Serge. Droit international public, Coll. Domat droit public, 8ème éd., Paris, Montchrestien, 2008, p. 26. COMPA, Lance; DIAMOND, Stephen (eds.) Human Rights, Labour Rights, and International Trade, University of Pennsylvania Press, Philadelphia, 1996. CRUZ MIRAMONTES, Rodolfo. Las Relaciones Comerciales Multilaterales de México y el Tratado de Libre Comercio con la Unión Europea, Instituto de

241 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Investigaciones Jurídicas de la Universidad Nacional Autónoma de México, México DF, 2003, p. 196. DAVEY, William; SAPIR, André. The Soft Drinks Case: The WTO and Regional Agreements, World Trade Review, Vol. 8, Nº 1, 2009, p. 23. DAVEY, William, Dispute Settlement in the WTO and RTAs: A Comment, en Bartels. L. y Ortino, F. (Eds.): Regional Trade Agreements and the WTO Legal System, Oxford University Press, New York, 2006, pp. 350-351. DELPIANO LIRA, Cristián. La cláusula de exclusión de foros del Acuerdo de Asociación entre Chile y la Unión Europea en el mecanismo de solución de controversias de la OMC, Revista Chilena de Derecho, Vol. 33, No. 2, 2006, pp. 259 – 284. DUPUY, Pierre-Marie, Droit international public, 9é éd., Éd. Dalloz, 2008, pp. 15-16. FAWCETT, James (Ed.). Declining Jurisdiction in Private International Law, Oxford Monographs in Private International Law, 1995. FERNÁNDEZ PONS, Xavier, La OMC y el Derecho Internacional. Un estudio sobre el sistema de solución de diferencias de la OMC y las normas secundarias del Derecho internacional general, Marcial Pons, Barcelona, 2006, pp. 156 y ss. GANTZ, David. “Dispute Settlement under the NAFTA and the WTO: Choice of Forum Opportunities and Risks for the NAFTA Parties”, American University International Law Review Vol. 14, No. 4, 1999, p. 1101 y ss. GRAEWERT, Tim. Conflicting Laws and Jurisdictions in the Dispute Settlement Process of Regional Trade Agreements and the WTO, Contemporary Asia Arbitration Journal, No. 1, 2008, p. 293-294. Grupo de Estudio de la Comisión de Derecho Internacional. “Fragmentación del Derecho internacional: dificultades derivadas de la diversificación y expansión del Derecho internacional”, Naciones Unidas, Documento A/CN.4/L.682, 2006, Asamblea General, 58 período de sesiones, 13 de abril de 2006. GUILLAUME, Gilbert. Advantages and Risks of Proliferation: A Blueprint for Action, Journal of International Criminal Justice, Vol. 2, 2004, pp. 300-303. HENCKELS, Caroline. Overcoming Jurisdictional Isolationism at the WTO-FTA Nexus: A Potential Approach for the WTO, The European Journal of International Law, Vol. 19, No. 3, 2008. HIGGINS, Rosalyn. A Babel of Judicial Voices? Ruminations from the Bench, International and Comparative Law Quarterly, Vol. 55, 2006.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 242 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

HUDEC, Robert. International Economic Law: The Political Theatre Dimension, University of Pennsylvania Journal of International economic Law, Vol. 17, No. 1, spring 1996, p. 9. Informe del Grupo Especial del GATT (L/4687), en el asunto Comunidades Europeas - Programa de precios mínimos de importación, licencias y depósitos de garantía de determinadas frutas y hortalizas (BISD 25S/68/107), adoptado el 18 de octubre de 1978. Informe del Grupo Especial del GATT (L/6309), en el asunto Japón - Comercio de semiconductores (BISD 35S/116-163), adoptado el 4 de mayo de 1988. Informe del Grupo Especial del GATT, asunto Canadá - Aplicación de la Ley sobre el examen de la inversión extranjera (IBDD 30S/151-182), adoptado el 7 de febrero de 1984. Informe del Grupo Especial, en el asunto Brasil - Programa de financiación de las exportaciones para aeronaves (WT/DS46/R), adoptado el 14 de abril de 1999, párrafo 7.11. Informe del Grupo Especial, en el asunto Comunidades Europeas - Medidas que afectan el comercio de embarcaciones comerciales (WT/DS301/R), adoptado el 3 de septiembre de 2003. Informe del Grupo Especial, en el asunto Estados Unidos - Artículo 301 a 310 de la Ley de Comercio de 1974 (WT/DS152/R), adoptado el 22 de diciembre de 1999. Informe del Grupo Especial, en el asunto Estados Unidos – Artículo 301 a 310 de la Ley de Comercio Exterior de 1974 (WT/DS152/R), adoptado el 22 de diciembre de 1999, párrafo 7.43. Informe del Grupo Especial, en el asunto India - Medidas que afectan al sector del automóvil (WT/DS146/R), adoptado el 21 de diciembre de 2001, párrafo 7.66. Informe del Grupo Especial, en el asunto India - Restricciones cuantitativas a la importación de productos agrícolas, textiles e industriales (WT/DS90/R), adoptado el 6 de abril de 1999. Informe del Órgano de Apelación, en el asunto Comunidades Europeas - Derechos antidumping sobre la importación de ropa de cama de algodón originario de la India, párrafo 5 del artículo 21 (WT/DS141/AB/RW), adoptado 8 de abril de 2003, párrafos 78-100.

243 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

Informe del Órgano de Apelación, en el asunto el asunto Estados Unidos – Medidas antidumping definitivas sobre el acero inoxidable procedente de México, (WT/DS344/AB/R), adoptado el 30 de abril de 2008. Informe del Órgano de Apelación, en el asunto Japón - Impuestos sobre las bebidas alcohólicas (WT/DS8/AB/R, WT/DS10/AB/R, WT/DS11/AB/R), adoptado el 4 de octubre de 1996. Informe final del Panel del TLCAN, en el asunto Canadá - Requerimientos para el desembarco del salmón y del arenque de la costa del pacífico (CDA-89-1807-01), adoptado el 18 de octubre de 1989, párrafo 6.14 Informe final del Panel del TLCAN, en el asunto Estados Unidos - Regulación de la Langosta (USA 89-1807-01), adoptado el 25 de mayo 1990, párrafo 8.1.1. Informe final del Panel del TLCAN, en el asunto Estados Unidos - Magnesio puro y aleación (USA-92-1904-03), adoptado el 16 de agosto de 1993, p. 9. International Court of Justice Reports of judgments, in the Certain Expenses of the United Nation, advisory opinions and orders, Advisory opinion of 20 July 1962, p. 168. JACKSON, John H. The Jurisprudence of GATT & the WTO, Cambridge, Cambridge University Press, 2002, pp. 125-129. JACKSON, John H. The World Trading System, Law and Policy of International Economic Relations, 2da Ed., MIT Press, Cambridge, MA y London, 1997, p. 25 y ss. JACKSON, John H., Sovereignty, the WTO, and changing fundamentals of International Law, Cambridge, Cambridge University Press, 2006, pp. 176 y ss. JENNINGS, Robert. “The Judiciary, International and National, and the Development of International Law”, International and Comparative Law Quarterly Vol. 45, No. 1, 1996. KARAGIANNIS, Syméon. La Multiplication des Juridictions Internationales : Un Système Anarchique? Société Française pour le Droit International ed., 2003. KESSIE, Edwini. “Enhancing Security and Predictability for Private Business Operators under the Dispute Settlement System of the WTO”, en Journal of World Trade, Vol. 34 N° 6, 2000, p. 1. KUYPER, Pieter Jan. “The Law of GATT as Special Field of International Law”, Netherland Yearbook of International Law, Vol. XXV, 1994.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 244 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

KUYPER, Pieter Jan. “The Law of GATT as Special Field of International Law, cit., nota 43, p. 251. KWAK, Kyung ; MARCEAU, Gabrielle. Overlaps and Conflicts of Jurisdiction between the WTO and RTAs, en Bartels, L. y ORTINO, F. (Eds.): Regional Trade Agreements and the WTO Legal System, Oxford University Press, New York, 2006, pp. 465-524. LEÓN STEFFENS, Avelino. La elección del foro en el Tratado de Libre Comercio de América del Norte y los resultados de la Ronda Uruguay del GATT, en LÓPEZ AYLLÓN, Sergio, El futuro del Libre Comercio en el Continente Americano, análisis y perspectivas, Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), Instituto de Investigaciones Jurídicas, México, 1997, pp. 305 y ss. LIÑÁN NOGUERAS, Diego Javier. El Derecho Económico Internacional (II): El comercio Internacional, en DÍEZ DE VELASCO VALLEJO, Manuel, Instituciones de Derecho Internacional, 16ta Edición, Tecnos, Madrid, 2007, p. 634. MARCEAU, Gabrielle. “Conflicts of Norms and Conflicts of Jurisdictions: The Relationship between the WTO Agreement and MEAs and Other Treaties”, Journal of World Trade Vol. 35, No. 6, 2001. MARIÑO MENDEZ. Fernando. Derecho internacional público, Trotta Ed., 4ra ed., Madrid, 2005. McRAE, Donald. The WTO in International Law: Tradition Continued or New Frontier? In: Journal of International Economic Law Vol. 3, No. 1, 2000, pp. 27-41. MOORMAN, Yasmin. Integration of ILO Core Rights Labour Standards into the WTO, Columbia Journal of Transnational Law Vol. 39, No. 2, 2001, pp. 555–583. MORGAN, David. Dispute Settlement under PTAs: Political or Legal?, Legal Studies Research Paper No. 341, University of Melbourne Law School, 2007, p. 253. MUS, Jan B. Conflicts between Treaties in International Law, Netherlands International Law Review Vol 45, No 2, 1998, pp. 227-232. OJADA DE KONING, Rodrigo. Solución de controversias conforme al artículo 2005 del TLCAN tras la Ronda Uruguay. Memoria del XIX Seminario Internacional de Derecho Internacional Privado y Comparado, Universidad de Guanajuato, 1998, p. 277. OLIVEIRA, Barbara. The Relation between WTO Law and Public International Law: The applicable law in Dispute Settlement at the WTO, University College

245 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

London LLM Programme, 2005, p. 9, disponible en: SSRN: <http://ssrn.com/abstract=903052> Pautas para la gasolina reformulada y convencional (WT/DS2/AB/R), adoptado el 29 de abril de 1996, p. 17. PAUWELYN, Joost; SALLES, Luiz Eduardo. Forum Shopping before International Tribunals: (Real) Concerns, (Im) Possible Solutions, Cornell International Law Journal, Vol. 42, 2009. PAUWELYN, Joost; SALLES, Luiz Eduardo. “Forum Shopping before International Tribunals, cit., nota, 17, pp. 102-104. PAUWELYN, Joost, ‘Opening-up’ the WTO: What Does it Mean for China? en Duke Law Faculty Scholarship, Paper 1591, 2006, p. 7, disponible en: <http://scholarship.law.duke.edu/faculty_scholarship/1591> PAUWELYN, Joost. Adding Sweeteners to Softwood Lumber: the WTO–NAFTA ‘Spaghetti Bowl’ is Cooking. In: Journal of International Economic Law, Vol. 9, No. 1, 2006, p. 4. PAUWELYN, Joost. Bridging Fragmentation and Unity: International Law as a Universe of Inter-connected islands. In: Michigan Journal of International Law Vol. 25, summer 2004, p. 904. PAUWELYN, Joost. Choice of jurisdiction: WTO and regional dispute settlement mechanisms: Challenges, options and opportunities. International Centre for Trade and Sustainable Development (ICTSD): dialogue on the “Mexico Soft Drinks dispute: Implications for regionalism and for trade and sustainable development”, 2006, p. 6, disponible en: <http://www.ictsd.org/dlogue/2006-05-30/dialogue_materials/Joost_Pauwelyn_speaker_notes.pdf> PAUWELYN, Joost. Going Global or Regional or Both, cit., nota 18, p. 231. PAUWELYN, Joost. How Binding is WTO Rules? A Transatlantic Analysis of International Law, Duke Law Faculty Scholarship, Paper 1315 presented at the University of Tübingen, Conference on Changing Patterns of Authority in the Global Political Economy, 14-16 October 2004, p. 1, available at: <http://scholarship.law.duke.edu/faculty_scholarship/1315> PAUWELYN, Joost. The Role of International Law in the WTO – How Far can we go? In: American Journal of International Law, Vol. 95, No 3, 2001. PETERSMANN, Ernst-Ulrich. Dispute Settlement in International Economic Law-Lessons for Strengthening International Dispute Settlement in Non- Economic Areas. In: Journal of International Economic Law Vol. 2, No. 2, 1999, pp. 189-248.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 246 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

PTERSMANN, Ernst-Ulrich. The WTO Constitution and Human Rights, Journal of International Economic Law, Vol. 3, 2000, pp. 19-25. PIÉROLA, Fernando; HORLICK, Gary. Dispute Settlement in the WTO and in ‘North-South’ Agreements of the Americas: Considerations for the Choice of Forum. Journal of World Trade, Vol. 41, No. 5, 2007. RACHTMAN, Joel. Jurisdiction in WTO dispute settlement. En Yerxa, R. y Wilson, B. (Eds.): Key Issues in WTO Dispute Settlement: The First Ten Years, Cambridge University Press, 2005, pp. 138-139. SHANY, Yuval, The Competing Jurisdictions of International Courts and Tribunals. PAUWELYN, Joost. Going Global or Regional or Both? Dispute settlement in the Southern African Development Community (SADC) and Overlaps with other Jurisdictions. Minnesota Journal of Global Trade, Vol. 13, No. 2, 2004, pp. 231-304. SHANY, Yuval. The Competing Jurisdictions of International Courts and Tribunals, International Courts and Tribunals Series, Oxford University Press, 2004. SINCLAIR, Ian McTaggart. The Vienna Convention on the Law of Treaties, Manchester University Press, 2da. Ed, 1984, p. 98. SREENIVASA RAO, Pemmaraju. Multiple International Judicial Forums: A Reflection of the Growing Strength of International Law or its Fragmentation? In: Michigan Journal of International Law, Vol. 25, 2004. STEGERr, Debra. The Jurisdiction of the World Trade Organization. American Society of International Law Proceeding, Vol. 98, 2004, pp. 142-143. TISTOUNET, Eric. The Problem of Overlapping among Different Treaty Bodies. en Alston, P. and Crawford, J. (eds.): The Future of UN Human Rights Treaty Monitoring. TOLE MARTÍNEZ, Julián. Solución de controversias en los TLC. Aportes del Derecho de la OMC, Universidad Externado de Colombia, Bogotá, 2014. TRACHTMAN, Joel. Institutional linkages: Transcending ‘Trade and…’. In: The American Journal of International Law, Vol.96, No.1, 2002, p. 79. TRACHTMAN, Joel. The Domain of WTO Dispute Resolution. Harvard International Law Journal, Vol. 40, spring, 1999, pp. 342 a 349. TREBILCOCK, Michael and OWSE, Robert. Regulation of International Trade. Routledge Edition, 3rd, 2005.

247 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

VON MEHREN, Taylor. Theory and Practice of Adjudicatory Authority in Private International Law: A Comparative Study of the Doctrine, Policies and Practices in Common- and Civil-Law Systems. Recueil des Cours / Collected Cours of the Hague Academic of International Law, Vol. 295, 2002. WIERS, Jochem. Trade and Environment in the EC and the WTO, A Legal Analysis, Europe Law Publishing, Groningen, 2003. WITKER, Jorge. Panorama general de solución de controversias en el comercio internacional contemporáneo. En WITKER, J. (Coord.): Resolución de controversias comerciales en América del Norte, Universidad Nacional Autónoma de México, Instituto de Investigaciones Jurídicas, México, 1997, p. 36. YA QIN, Julia. Managing conflicts between rulings of WTO and RTA Tribunals: reflections on the Brazil-Tyres case. Legal Studies Research Paper Series No. 09-24, Wayne State University Law School, October-2009, p. 37 ZAPATERO, Pablo, Derecho del Comercio Global, Madrid, Civitas, 2003, p. 381. ZAPATERO, Pablo. Modern International Law and the Advent of Special Legal Systems. In: Arizona Journal of International & Comparative Law, Vol. 23, No. 1, 2005, p. 73.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 248 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

POLÍTICA EDITORIAL | EDITORIAL POLICY

A chamada de artigos para a publicação no periódico Homa Publica –

Revista Internacional de Direitos Humanos e Empresas encontra-se

permanentemente aberta; trabalhos podem ser enviados para análise e

possível publicação a qualquer tempo.

Ressalvadas hipóteses excepcionais de publicação a convite, serão aceitos

trabalhos de autores e autoras de todas as áreas do conhecimento, sem

limite de coautoria por trabalho, exigindo-se titulação de mestre ou doutor

para envio de trabalhos individuais.

Serão aceitos trabalhos de graduandos(as), graduados(as) e mestrandos(as)

desde que em coautoria com mestres e/ou doutores(as). A avaliação se fará

através do critério do duplo cego por pares (double-blind peer review),

podendo ser solicitadas adaptações e correções nos trabalhos para

publicação.

A Revista Internacional de Direitos Humanos e Empresas publica somente

trabalhos inéditos e originais, e que não estejam em avaliação em nenhum

outro periódico simultaneamente. Os autores e autoras devem declarar

essas condições no processo de submissão. Caso seja identificada a

publicação ou submissão simultânea em outro periódico o artigo será

desconsiderado. A submissão simultânea de um artigo científico a mais de

um periódico constitui grave falta de ética do autor ou autora.

O acesso ao conteúdo integral da Revista Internacional de Direitos

Humanos e Empresas é livre a todos os usuários. Todo o material existente

nas publicações da revista pode ser livremente copiado, compartilhado e

reproduzido, desde que seja respeitada a integridade do conteúdo (sem

modificações) e que o uso se destine a fins não comerciais, especificadas a

fonte e a autoria.

A identificação de eventual hipótese de plágio acarretará a imediata

desqualificação do trabalho para publicação, sem prejuízo de outras

medidas juridicamente cabíveis.

Dessa forma, exige-se dos avaliadores o conhecimento e habilidade de

leitura e compreensão de textos em inglês ou espanhol. Serão enviados

249 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

trabalhos para avaliação sempre que estes forem recebidos em nosso

sistema, cuidando para que esse número não ultrapasse o limite de 2 por

semestre (Caso seja necessária a avaliação de trabalhos acima do limite

estabelecido, o conselho editorial entrará em contato para verificar a

disponibilidade excepcional para avaliação).

Os critérios de avaliação serão definidos posteriormente e serão enviados

juntamente com os trabalhos quando enviados para avaliação.

Abaixo, alguns exemplos de temas relacionados direta e indiretamente (rol

não-taxativo) com o tema Direitos Humanos e Empresas:

Agenda Nacional e Internacional em Direitos Humanos e Empresas

(Processo de Elaboração de Instrumento Internacional vinculante sobre

Direitos Humanos e Empresas; Acompanhamento da aplicação e

implementação dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos

Humanos; Elaboração de Planos Nacionais; Acompanhamento das

atividades do Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Empresas e

Direitos Humanos; Tratado dos Povos; Articulação de movimentos

sociais e organizações não-governamentais para enfrentamento do

tema; Direitos Humanos e Empresas e Sistemas Internacionais de

Proteção dos Direitos Humanos);

Financiamento Público e Grandes Empreendimentos (Políticas de

financiamento do BNDES; Bancos de desenvolvimento, Parcerias

Público-Privadas, responsabilidade de entidades financiadoras por

violações de Direitos Humanos);

Casos concretos de violações de Direitos Humanos por empresas no

Brasil e no mundo;

Empresas e Violações de Direitos Humanos em suas diversas dimensões,

incluindo relações de Gênero, Raça e Sexualidade;

Movimentos Sociais e violações de Direitos Humanos;

Teoria Crítica dos Direitos Humanos;

Mecanismos judiciais e extrajudiciais de responsabilização de empresas

por violações de Direitos Humanos.

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 250 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

NORMAS DE PUBLICAÇÃO | PUBLICATION GUIDELINES

Os artigos, resenhas e estudos de caso submetidos para publicação

em Homa Publica – Revista Internacional de Direitos Humanos e

Empresas poderão ser enviados em português, espanhol ou inglês, e serão

publicados no idioma do envio, podendo, excepcionalmente, ser

traduzidos.

Os trabalhos submetidos possuem os seguintes limites mínimos e máximos

para sua análise pelo Corpo Editorial e eventual publicação:

Artigo Científico: Cada texto deve ter entre 25.000 – 60.000 caracteres

(incluindo espaços) – Incluindo-se notas de rodapé e referências

bibliográficas;

Estudo de Caso: Cada texto deve ter entre 15.000 – 25.000 caracteres

(incluindo espaços) – incluindo-se notas de rodapé e referências

bibliográficas;

Resenha Crítica: Cada texto deve ter entre 7.000 – 15.000 caracteres

(incluindo espaços) – incluindo-se notas de rodapé e referências

bibliográficas;

Os trabalhos devem obedecer às seguintes diretrizes:

1. Formatação da página: papel A4; margens superior e inferior: 2,5 cm;

margens esquerda e direita: 3,0 cm.

2. Formatação do parágrafo: alinhamento: justificado; espaçamento

entre linhas: 1,5 cm; espaçamento antes e depois do parágrafo: 1,5 cm;

Formatação das notas de rodapé: espaçamento entre linhas: 1 cm.

Formatação de eventual citação no corpo do texto: espaçamento

entre linhas: 1 cm, com afastamento à esquerda de 3 cm, somente.

3. Formatação do título do trabalho: Arial, tamanho 12, negrito, em

maiúsculo e centralizado.

4. Formatação do corpo do texto e das notas de rodapé: Arial,tamanho

12 e tamanho 10, respectivamente; destaques devem ser feitos

somente em itálico.

251 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

5. Formatação dos subtítulos: Arial, tamanho 12, negrito, alinhado à

esquerda; cada item deve ser numerado com algarismos arábicos,

excetuando-se introdução e conclusão.

6. As páginas devem ser numeradas no cabeçalho, à direita.

7. A primeira página do trabalho deve conter:

título do artigo no idioma original e em Inglês, sempre que este

não for o idioma original.

nome completo dos autores alinhado à direito abaixo do título,

separado por espaçamento duplo.

primeira nota de rodapé contendo: principais titulações do autor;

Instituição de Ensino Superior a que o autor seja vinculado;

unidade da respetiva instituição; departamento; endereço de

correio eletrônico e link de currículo público.

resumo de até 120 palavras no idioma original e em Inglês

(abstract);

três a cinco palavras-chave, no idioma original do artigo e em

Inglês, separados por ponto e finalizados por ponto.

8. Direitos autorais: ao submeter um artigo, o autor está de acordo

com que seus direitos autorais sejam transferidos ao Homa Publica

– Revista Internacional de Direitos Humanos e Empresas, se e

quando o artigo for aceito para publicação.

9. As notas de rodapé devem ter caráter exclusivamente explicativo, não

devendo ser utilizadas para citações; excetuando-se os casos de

citação de endereço eletrônicos, que devem ser indicados nas notas

de rodapé, junto com a página da citação (se houver) e a data de

acesso ao material.

10. As citações bibliográficas devem ser realizadas pelo sistema

AUTOR/DATA, contendo, no corpo do texto, sobrenome do autor em

maiúsculo/data da publicação/número de página (ex: MARX, 1982, p.

353);

11. Citações jurisprudenciais devem, ao menos, conter: tribunal, órgão

julgador, natureza e número do processo, relator e data do

HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS 252 Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018

julgamento, nesta ordem. Exemplificativamente: STJ, Xª T., REsp

xxx.xxx, Rel. Min. Jxxxx Sxxxxx, j. em xx.xx.xxxx; TJRS, Xª C.C., Ap. Cív.

xxxxxxx.x, Rel. Des. Cxxxx Dxxxxx, j. em xx.xx.xxxx (ou,

alternativamente, publ. em xx.xx.xxxx).

12. Os arquivos devem ser enviados em dois formatos: em formato .DOC

ou .DOCX. (editável), contendo a identificação do autor; e em .PDF,

sem a identificação do autor.

13. Ressalvadas hipóteses excepcionais de publicação a convite, os

artigos submetidos para avaliação devem ser inéditos, tanto em

meio impresso quanto digital e tanto em português quanto em

outros idiomas, sob pena de não publicação.

14. A cessão para publicação será gratuita. Não se exigem taxas de

processamento de artigo (APCs) ou de submissão.

15. A seleção dos trabalhos para publicação é de competência do Corpo

Editorial da revista e de pareceristas por ele escolhidos, em sistema

de dupla revisão cega por pares (double-blind peer

review). Sugestões de cunho científico poderão ser feitas pelos

pareceristas, e, se acolhidas pelo autor, ensejarão nova análise.

16. Os trabalhos em língua estrangeira deverão obedecer às mesmas

diretrizes exigidas pelo presente edital.

17. Referências Bibliográficas: As referências completas deverão ser

apresentadas, em ordem alfabética e no final do texto, de acordo com

o seguinte modelo: SOBRENOME, Nome. Título do Livro. Cidade de

Publicação: Editora, ano de publicação. (ex:GOMES, L. G. F. F. Novela

e sociedade no Brasil. Niterói: EdUFF, 1998.)

253 HOMA PUBLICA: REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E EMPRESAS Homa Publica: International Journal on Human Rights and Business

Vol. 02 | Nº 01 | 2018