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Hélio Oiticica e Lygia Clark
Neoconcreto
“A vida existe pois a vida
não basta”
Ferreira Goulart.
Hélio Oiticica e Lygia Clark, expoentes do experimentalismo nas artes plásticas nos anos 1960 e 1970 no Brasil
construíram percursos que nasceram na pintura e se projetaram para o espaço tridimensional. Cada um a seu
modo construiu intenso cruzamento arte-vida e ambos nutriram grande admiração mútua. Como vetor motriz
comum, o conceito de “não-objeto” formulado pelo crítico Ferreira Gullar os articula na superação de uma arte
de cunho geométrico-representacional para a proposição de experiências artísticas vivenciais centradas no
corpo.
Ambos participaram do Grupo Frente e do grupo Neoconcreto.
Lygia e Hélio na performance “Diálogos de Mão”
Hélio Oiticica é um artista cuja produção se
destaca pelo caráter experimental e inovador.
Seus experimentos, que pressupõem uma ativa
participação do público, são, em grande
parte, acompanhados de elaborações
teóricas, comumente com a presença de
textos, comentários e poemas. Pode-se, de
acordo com o crítico Celso Favareto, identificar
duas fases na obra de Oiticica: uma mais
visual, que tem início em 1954 na arte
neoconcreta (RJ) e vai até a formulação dos
Bólides, em 1963, e outra sensorial, que
segue até 1980.
Hélio Oiticica Pintor, escultor,artista plástico e performático de aspirações anarquistas.
Hélio Oiticica inicia, em 1954, estudos de
pintura com Ivan Serpa, no Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro - MAM/RJ. Essas
aulas são essenciais porque possibilitam a
Oiticica o contato com materiais variados e
liberdade de criação. Em 1957, inicia a série
de guaches sobre papel denominada, nos anos
1970, Metaesquemas. Segundo Oiticica, essas
pinturas geométricas são importantes por já
apresentar o conflito entre o espaço
pictórico e o espaço extra-pictórico,
prenunciando a posterior superação do
quadro.
Com as Invenções, de 1959, o artista marca o
início da transição da tela para o espaço
ambiental, o que ocorre nesse ano com os
Bilaterais - chapas monocromáticas pintadas
com têmpera ou óleo e suspensas por fios de
nylon - e os Relevos Espaciais, suas primeiras
obras tridimensionais. Nessa época produz
textos sobre seu trabalho, sobre a arte
construtiva e as experiências de Lygia Clark.
Embora não tenha participado da 1ª Exposição
Neoconcreta nem assinado o Manifesto
Neoconcreto, em 1960 participa da 2ª
Exposição Neoconcreta no Rio de Janeiro e
pensa sua produção em relação à Teoria do
Não-Objeto, de Ferreira Gullar.
Em 1960, cria os primeiros Núcleos, também
denominados Manifestações Ambientais e Penetráveis,
placas de madeira pintadas com cores quentes
penduradas no teto por fios de nylon. Neles tanto o
deslocamento do espectador quanto a movimentação das
placas passam a integrar a experiência. Em continuidade
aos projetos, Oiticica constrói, em 1961, a maquete do
seu primeiro labirinto, o Projeto Cães de Caça, composto
de cinco Penetráveis, o Poema Enterrado, de Ferreira
Gullar, e o Teatro Integral, de Reynaldo Jardim. É uma
espécie de jardim em escala pública para a vivência
coletiva que envolve tanto a relação com a arquitetura
quanto com a natureza. A maquete é exposta, no mesmo
ano, no MAM/RJ, com texto de Mário Pedrosa, mas a
obra nunca chega a ser construída. Até esse período
sua obra é primordialmente visual. O espectador está
presente nos Núcleos, mas há um desenvolvimento
dessa questão com suas primeiras estruturas
manuseáveis, os Bólides - recipientes que contêm
pigmento - resultado, em 1963, da vontade de dar corpo
à cor e acrescentar à experiência visual outros estímulos
sensoriais.
No fim da década de 1960 é levado pelos
colegas Amilcar de Castro e Jackson Ribeiro a
colaborar com a Escola de Samba Estação
Primeira de Mangueira. Envolve-se com a
comunidade do Morro da Mangueira e dessa
experiência nascem os Parangolés. Trata-se de
tendas, estandartes, bandeiras e capas de
vestir que fundem elementos como cor,
dança, poesia e música e pressupõem uma
manifestação cultural coletiva.
Posteriormente a noção de Parangolé é
ampliada: "Chamarei então Parangolé, de agora
em diante, a todos os princípios formulados aqui
[...]. Parangolé é a antiarte por excelência;
inclusive pretendo estender o sentido de
'apropriação' às coisas do mundo com que
deparo nas ruas, terrenos baldios, campos,
o mundo ambiente enfim [...]".
Em 1967, as questões levantadas com o
Parangolé desembocam nas Manifestações
Ambientais com destaque para as obras
Tropicália, 1967, Apocalipopótese, 1968, e
Éden 1969. A Tropicália apresentada na
exposição Nova Objetividade Brasileira, no
MAM/RJ, é considerada o apogeu de seu
programa ambiental - é uma espécie de labirinto
sem teto que remete à arquitetura das favelas e
em seu interior apresenta um aparelho de TV
sempre ligado. Depois que o compositor
Caetano Veloso passa a usar o termo tropicália
como título de uma de suas canções, ocorrem
diversos desdobramentos na música popular
brasileira e na cultura que ficam conhecidos
como tropicalismo.
1968
O Projeto Éden - composto de Tendas, Bólides
e Parangolés como proposições abertas para a
participação e vivências individuais e coletivas -
é apresentado em Londres em 1969, na
Whitechapel Gallery. Considerada sua maior
exposição em vida, é organizada pelo crítico
inglês Guy Brett e apelidada de Whitechapel
Experience. Com essa espécie de utopia de
vida em comunidade, surge a proposição
Crelazer, ligada à percepção criativa do lazer
não repressivo e à valorização do ócio. Em
1970, na exposição Information realizada no
Museum of Modern Art - MoMA em Nova York,
Oiticica desenvolve a idéia dos Ninhos como
células em multiplicação ligadas ao crescimento
da comunidade. Depois de breve período no Rio
de Janeiro, em 1970, ganha bolsa da Fundação
Guggenheim e instala-se em Nova York,
fazendo de suas residências grandes Ninhos.
Volta ao Brasil em 1978 e participa de alguns
eventos coletivos, como o Mitos Vadios,
organizado pelo artista plástico Ivald Granato.
No ano seguinte, organiza o acontecimento
poético-urbano Caju-Kleemania, proposta para
participação coletiva no bairro do Caju, no Rio
de Janeiro. Em homenagem a Paul Klee, realiza
o contrabólide Devolver a Terra à Terra, que
consiste em trazer terra preta de um lugar e
colocá-la numa fôrma quadrada sem fundo
sobre uma terra de outra coloração. Em 1980,
ano de sua morte, propõe o segundo
acontecimento poético-urbano Esquenta pr'o
Carnaval, no Morro da Mangueira.
Em 2009 um incêndio na residência de César Oiticica,
destrói parte do acervo de Hélio Oiticica.
Lygia Clark é uma das fundadoras do Grupo
Neoconcreto. Gradualmente, troca a pintura
pela experiência com objetos tridimensionais.
Após 1976 se afasta da produção de objetos
estéticos e volta-se sobretudo para
experiências corporais em que materiais
quaisquer estabelecem relação entre os
participantes. A poética de Lygia Clark
caminha no sentido da não representação e da
superação do suporte. Propõe a
desmistificação da arte e do artista e a
desalienação do espectador, que finalmente
compartilha a criação da obra. Na medida em
que amplia as possibilidades de percepção
sensorial em seus trabalhos, integra o corpo à
arte, de forma individual ou coletiva.
Finalmente, dedica-se à prática terapêutica.
Lygia Clark Pintora e escultora brasileira contemporânea que autointitulava-se "não artista".
Lygia Clark trabalha com instalações e body art.
Em 1954, incorpora como elemento plástico a
moldura em suas obras como, por exemplo, em
Composição nº 5. Suas pesquisas voltam-se
para a "linha orgânica", que aparece na junção
entre dois planos, como a que fica entre a tela e
a moldura. Entre 1957 e 1959, realiza
composições em preto-e-branco, formadas por
placas de madeira justapostas, recobertas com
tinta industrial aplicada a pistola, nas quais a
linha orgânica se evidencia ou desaparece de
acordo com as cores utilizadas.
A radicalidade com que explora as potencialidades
expressivas dos planos, leva-a a desdobrá-los,
como nos Casulos (1959), que são compostos de
placas de metal fixas na parede, dobradas de
maneira a criar um espaço interno. No mesmo ano,
participa da 1ª Exposição Neoconcreta. O
neoconcretismo define-se como tomada de
posição com relação à arte concreta
exacerbadamente racionalista e é formado por
artistas que pretendem continuar a trabalhar no
sentido da experimentação, do encontro de
soluções próprias, integrando autor, obra e
fruidor. Inicia, em 1960, os Bichos, obras
constituídas por placas de metal polido unidas por
dobradiças, que lhe permitem a articulação. As
obras encorajam a manipulação do espectador, que
conjugada à dinâmica da própria peça, resulta em
novas configurações. Em 1963, começa a realizar
osTrepantes, formados por recortes espiralados em
metal ou em borracha, como Obra-Mole (1964),
que, pela maleabilidade, podem ser apoiados nos
mais diferentes suportes ocasionais como troncos
de madeira ou escada.
Sua preocupação volta-se para uma participação
ainda mais ativa do público. Caminhando (1964) é
a obra que marca essa transição. O participante cria
uma fita de Moebius [August Ferdinand Moebius
(1790-1868), matemático alemão]: corta uma faixa
de papel, torce uma das extremidades e une as
duas pontas. Depois a recorta no comprimento de
maneira contínua e, na medida em que o faz, ela se
desdobra em entrelaçamentos cada vez mais
estreitos e complexos. Experimenta um espaço sem
avesso ou direito, frente ou verso, apenas pelo
prazer de percorrê-lo e, dessa forma, ele mesmo
realiza a obra de arte. Inicia então trabalhos
voltados para o corpo, que visam ampliar a
percepção, retomar memórias ou provocar
diferentes emoções. Neles, o papel do artista é de
propositor ou canalizador de experiências.
Em Luvas Sensoriais (1968) dá-se a redescoberta
do tato por meio de bolas de diferentes tamanhos,
pesos e texturas e em O Eu e o Tu: Série Roupa-
Corpo-Roupa (1967), um casal veste roupas
confeccionadas pela artista, cujo forro comporta
materiais diversos. Aberturas na roupa
proporcionam, pela exploração táctil, uma sensação
feminina ao homem e à mulher uma sensação
masculina. A instalação A Casa É o Corpo: Labirinto
(1968) oferece uma vivência sensorial e simbólica,
experimentada pelo visitante que penetra numa
estrutura de 8 metros de comprimento, passando
por ambientes denominados "penetração",
"ovulação", "germinação" e "expulsão".
A partir de 1976, dedica-se à prática terapêutica,
usando Objetos Relacionais, que podem ser, por
exemplo, sacos plásticos cheios de sementes, ar ou
água; meias-calças contendo bolas; pedras e
conchas. Na terapia, o paciente cria relações com
os objetos, por meio de sua textura, peso, tamanho,
temperatura, sonoridade ou movimento. Eles
permitem-lhe reviver, em contexto regressivo,
sensações registradas na memória do corpo,
relativas a fases da vida anteriores à aquisição da
linguagem.
Cildo Meireles 1975
Bibliografia
http://www.lygiaclark.org.br
http://www.leonardo.info/isast/spec.projects/osthoff/osthoff.html
http://enciclopedia.itaucultural.org.br
http://www.forumpermanente.org/painel/coletanea_ho/ho_sperling
http://www.concretosparalelos.com.br/?p=990
FAVARETTO, Celso. A Invenção de Hélio Oiticica. São Paulo: Edusp, 1992. p. 49.