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Rian Oliveira Rezende
“Criadores de Mundos”: Uma análise do papel do designer nos Alternate Reality
Games
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
DEPARTAMENTO DE ARTES
Programa de Pós-Graduação em Artes
Rio de Janeiro, março de 2011
Rian Oliveira Rezende
“Criadores de Mundos”: Uma análise do papel do designer
nos Alternate Reality Games
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Artes da PUC-Rio.
Orientadores:Prof. Dr. Nilton Gonçalves Gamba Junior Profa. Dra. Eliane Bettocchi Godinho
Rio de Janeiro, março de 2011
à Celsimar de Rezende Figueira e Zaira de Oliveira Souza
Agradecimentos
Aos meus pais, Zaira de Oliveira Souza e Celsimar de Rezende Figueira,
por tudo que fizeram por mim. Minha formação, meu gosto pelo conhecimento,
essa dissertação e minha vida não seriam nada sem a participação deles.
Ao meu orientador, Nilton Gamba Júnior, por ter me aceitado como
orientando e por ter me ajudado a desbravar as jornadas que essa dissertação
exigiu. Também encontrei um amigo que me apoiou em todas as minhas questões.
A minha co-orientadora e amiga Eliane Bettochi, que despertou minha
paixão pelo Design e me fez acreditar que alguém vindo das Ciências Sociais
poderia contribuir nesse campo. Ela foi fundamental também nessa jornada pelo
conhecimento e me ajudou nos momentos que não sabia qual caminho seguir.
A Carlos Klimick, um amigo que surgiu inesperadamente na minha vida e
que foi fundamental na minha formação, tanto na forma de encarar a vida quanto
em acreditar que um sonho – o de estudar jogos - é possível. Agradeço todo o
apoio e as agradáveis conversas, seja sobre a ciência, a vida ou assuntos nerds.
A Alessandra Lago de Lima, minha namorada e amiga, pelo apoio
incondicional, pelas conversas, e pela eterna paciência em meus pedidos de
revisão. Obrigado por tanto me ajudar, esse trabalho não existiria sem você.
Aos amigos e companheiros de RPG: David Mello, Douglas Draia,
Marcello Martins, Harlei Liguori, Jefferson Alves, Fernando Menucci, Thiago
Bisquolo e especialmente a Mariana Brandão e Carlos Eduardo Galhardo, que
tanto me ajudaram. Agradeço ainda a Guilherme Xavier e Bruno Baère, aos
amigos de mestrado e LaDeH – sobretudo a Daniela Marçal.
Agradeço a Deus e a todos aqueles que me acompanharam e ajudaram
nessa jornada.
Agradeço a CAPES pelo apoio financeiro.
Resumo
Rezende, Rian; Gamba, Nilton; Bettocchi, Eliane. “Criadores de
Mundos”: Uma análise do papel do designer nos Alternate Reality
Games. Rio de Janeiro, 2011. 193p. Dissertação de Mestrado -
Departamento de Artes, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
A proposta desse estudo foi analisar as características narrativas dos jogos
baseados em realidades alternadas (Alternate reality games - ARGs). A narrativa
foi analisada com base no uso dos suportes e suas contribuições para as áreas do
design e da educação. No estudo, procurei explicitar como o ARG estruturou sua
narrativa a partir do uso dos suportes, assim como os canais utilizados pelos game
designers para se comunicarem com os jogadores e como eles estimularam a
comunicação entre os participantes. Também procurei responder o papel do design
no desenvolvimento dessa estrutura comunicativa e se os canais de comunicação
estabelecidos incentivaram a interatividade, e de que forma isso poderia ser
benéfico no desenvolvimento de arquiteturas lúdicas mais participativas.
Palavras-chave
alternate reality games, jogos, conhecimento, educação, design, narrativa,
imersão
Abstract
Rezende, Rian; Gamba, Nilton; Bettocchi, Eliane. “Criadores de
Mundos”: Uma análise do papel do designer nos Alternate Reality
Games. Rio de Janeiro, 2011. 193p. Dissertação de Mestrado -
Departamento de Artes, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
The purpose of this study was to analyze the narratives of games based on
alternate realities (Alternate Reality Games - ARGs). The narrative was analyzed
based on the use of props and their contributions to the fields design and
education. In the study, I tried to explain how the ARG has structured his narrative
from the use of props, as well as the channels used by game designers to
communicate with players and how they fostered communication among
participants. We also tried to answer the role of design in developing the
communicative structure and if the communication channels created have
encouraged interactivity, and how this could be beneficial for developing more
participatory recreational architectures.
Keywords
alternate reality games, games, knowledge, education, design, narrative,
immersion
Sumário
1 Introdução 10
2 Estabelecendo as bases do jogo (ou definições teóricas) 13
2.1. Nas fronteiras entre a realidade e a virtualidade. 14
2.1.1. Jean Baudrillard, O virtual e a morte da realidade pela ilusão 15
2.1.2. Pierre Lévy e o virtual, uma relação de potencialidades e
atualizações 17
2.1.3. Os ARGs entre a ilusão, a virtudalidade e a potencialidade 19
2.2. Imersão e interatividade 22
2.2.1. Lyotard e ARGs, a passagem dos grandes metanarrativas para os
pequenos relatos 22
2.2.2. Viajantes e mundos construídos 24
2.2.3. Mundos Possíveis ou Realidades Alternadas 28
2.2.4. Jogando com a crença na realidade 31
2.2.5. Mimesis & Make-Believe 33
2.2.6. Interatividade 34
2.3. Transmedia Storytelling, Media Ecology e Cultura da Convergência –
Definindo os ARGs entre a narrativa e a comunicação 38
2.3.1. Cultura da Convergência, energia híbrida e mudanças na narrativa
38
2.3.2. Narrativa Transmidiática e media ecology 40
2.3.3. Os ARGs, entre a narrativa e a comunicação 42
3 Alternate Reality Games (ARGs) 43
3.1. Terminologia 43
3.2. Como funciona e se joga um ARG 44
3.3. Tipos de ARGs. 51
3.4. Antecedentes dos Alternate Reality Games (ARGs) 57
3.4.1. Hoax: definição e história 64
4 Metodologia 72
4.1. A construção da rede social e sua análise 75
4.2. Critérios de seleção do ARG 79
5 Análise dos dados do fórum Unfiction 87
5.1. Análise dos jogadores e dos suportes utilizados 87
5.2. A narrativa do pré-jogo do World Without Oil e o uso dos suportes 93
6 Análise dos dados do site do World Without Oil 103
6.1. Semana 32: Histórias premiadas 151
7 Análise do ARG a partir do cruzamento de elementos teóricos. 157
7.1. O convite para a imersão em um novo mundo 157
8 Planos de aula do World Without Oil 172
8.1. Características gerais dos planos de aula 172
8.2. Análise do plano de aulas dos alunos 182
9 Conclusões 186
10 Bibliografia 191
“Contos de fadas são a mais pura verdade
Não porque nos contam que os dragões existem,
mas porque nos contam que eles podem ser vencidos”
G. K. Chesterton
10
1 Introdução
A exposição do senador Arthur Virgilio (PSDB) no Senado Federal em 27
de março de 20071 foi carregada de preocupação. O parlamentar havia acabado de
ler uma notícia2 sobre uma empresa que defendia a internacionalização da
Amazônia, chamada Arkhos Biotech - uma grande corporação do setor de
biotecnologia. Preocupado com a possível violação do território nacional, o
senador apresentou seus temores aos parlamentares em relação a essa companhia:
“Estou convidando essa empresa a se fazer representar em uma reunião da
Subcomissão da Amazônia, que funciona na Comissão de Relações Exteriores"3.
Porém, o encontro dos representantes da empresa com os membros do governo
brasileiro nunca ocorreu: A empresa Arkhos Biotech fazia parte de um jogo. O
senador havia sido alvo de um Alternate Reality Game (ARG)4. E é sobre esse
modelo de jogo de que se trata esse trabalho.
Meu primeiro contato com o estudo da área de jogos e narrativas ocorreu
durante a minha graduação em Ciências Sociais, quando conheci a área de estudos
relacionada aos RPGs (Role Playing Games).
A partir desse momento, comecei a me aventurar no desenvolvimento e no
estudo de jogos e seus mundos narrativos. Ainda na exploração dessa área,
comecei a ter contato com o design e com o desenvolvimento de suportes que
buscassem ampliar a imersão e interação dos participantes dentro dos jogos de
RPGs.
Buscando sempre expandir os estudos nesse campo e atento às
transformações da sociedade, tive contato com os Alternate Reality Games
(ARGs). Além de me interessar por esse tipo de jogo (como jogador), também vi
nessa nova forma de experiência lúdica questões interessantes a serem exploradas
1 http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL16083-5601,00.html 2
http://noticias.agenciaamazonia.com.br/index.php?Itemid=529&id=1018&option=com_content&task=view 3 http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u90804.shtml 4 O fato e o ARG em questão (Zona Incerta) são descritos por OLIVEIRA; ANDRADE, Um jogo de
realidades e ficcionalidades, Ciberlegenda, 2010.
11
no campo acadêmico.
Mas afinal, o que é ARG? Nesse tipo de jogo, que surgiu em meio à
convergência dos meios de comunicação, os participantes vivenciam uma história
através do uso de diversos suportes e sua estrutura narrativa busca construir um
mundo ficcional coadunado com o mundo real. Os jogadores interagem dentro
desse mundo imersivo e constroem coletivamente a narrativa ali vivida.
Ian Watt afirma, na obra “A Ascensão do Romance”, que uma
manifestação cultural é um reflexo do seu tempo e que estudar essas
manifestações permite que se conheça a sociedade de uma época. Os ARGs
parecem ter se apropriado e se inspirado nas mudanças que o mundo passou no
final do século XX. As transformações nos meios de comunicação, o surgimento
de uma sociedade em rede e as contrações nas relações de espaço e tempo foram
utilizados pelos game designers no desenvolvimento desse jogo. Os Alternate
Reality Games conseguiram atrair em pouco tempo um considerável número de
participantes e se tornaram um produto cultural estabelecido na sociedade atual.
Marco Silva (2007), invocando Lévy, diz que “devemos aprender com o
movimento contemporâneo da esfera tecnológica”5. Os ARGs se enquadram
como um produto relativamente recente dentro desse movimento, e a sua análise
pode trazer contribuições para compreendermos melhor essa manifestação cultural
e o aprendizado que ela proporciona.
Dessa forma, interessado em conhecer mais a estrutura narrativa do ARG e
como se constituem as bases do jogo de forma a permitir a intervenção dos
jogadores, busquei responder as seguintes perguntas:
De que forma o ARG estruturou sua narrativa a partir do uso dos vários
suportes? Quais foram os suportes utilizados pelos game designers para se
comunicarem com os jogadores e como eles estimularam a comunicação entre os
próprios participantes? Os canais de comunicação estabelecidos incentivaram a
interatividade? E de que forma isso poderia ser benéfico no desenvolvimento de
arquiteturas lúdicas mais participativas?
São dessas questões que trato no presente trabalho, e procurei as respondê-
las a partir das construções teóricas, método e da análise do material escolhidos.
Na busca dessas respostas, procurei delimitar o campo de pesquisa. Por
5 SILVA, M, 2007. p.69.
12
isso,o universo dessa pesquisa são os Alternate Reality Games e, dentro desse
escopo, meu recorte de análise foi um ARG com objetivos educacionais chamado
World Without Oil.
A escolha desse jogo foi motivada pelos interesses dessa pesquisa no
campo do design e da educação. Como esse ARG transitou entre essas duas áreas,
seu estudo pode contribuir para um maior conhecimento desses campos.
Na primeira etapa desse estudo estabelecemos uma base teórica que
permitiu a compreensão dos Alternate Reality Games. Para isso, buscamos auxílio
de teorias que trabalham mundos imersos e narrativos para entender como os
ARGs constroem suas ambientações e envolvem seus participantes. Utilizamos
principalmente as teorias de Richard Gerrig, Marie-Laure Ryan e Victor Neill.
Também utilizamos conceitos relacionados à interatividade, virtualidade e
realidade. Os autores que especialmente nos acompanharam nessa tarefa foram
Pierre Lévy, Jean Baudrillard e Marco Silva. Esses conceitos serão caros para
compreendermos como os Alternate Reality Games se relacionam com essas
questões durante seu desenvolvimento.
Na parte seguinte, estabelecemos quais foram os critérios de análise e a
metodologia aplicada nesse estudo. Uma grande dificuldade que enfrentamos
nesse trabalho foi documentar um jogo que se espalha por diversas mídias e
possui centenas de participantes. Para realizarmos isso, estabelecemos um método
que buscou facilitar o estudo. Inspirado na análise de redes sociais, esse método
foi composto a partir duas técnicas: a observação não-participante de um estudo
de caso ea análise qualitativa do material produzido pelos participantes em
diversos suportes do ARG estudado.
Com o método estabelecido, na próxima parte do trabalho observamos os
dados relacionados ao World Without Oil em um fórum voltado para ARGs e nas
principais páginas do jogo.
No final, buscamos sintetizar as análises e apresentar o papel do design no
desenvolvimento de estruturas que aumentem a interatividade entre os
participantes e proporcionem experiências narrativas imersivas para os jogadores
nos Alternate Reality Games.
13
2 Estabelecendo as bases do jogo (ou definições teóricas)
Nesse capítulo, serão apresentadas e discutidas as bases teóricas que
utilizarei na análise dos Alternate Reality Games.
Antes de começarmos essa discussão é importante uma definição inicial
sobre o que é um ARG, apesar de haver uma discussão maior sobre a origem do
termo e as características desses jogos num capítulo posterior, essa primeira
demarcação é importante para apresentar alguns elementos essenciais do jogo.
As bases teóricas desenvolvidas nesse capítulo são trabalhadas de forma a
estabelecer subsídios para entender esses elementos dos ARGs.
Para essa definição inicial, utilizarei o conceito de Jane McGonigal uma
das precursoras na criação e estudo dos ARGs, segundo ela esse tipo de jogo é:
“Um drama interativo jogado on-line e em espaços do mundo real que se passa em
várias semanas ou meses, em que dezenas, centenas, milhares de jogadores se
reúnem on-line, formam redes sociais cooperativas e trabalham juntos para resolver
um mistério ou um problema que seria absolutamente impossível resolver
sozinho”6.
Após essa breve definição, fica mais fácil discutirmos sobre os elementos
dos ARGs, pois além de estabelecer uma breve noção sobre o jogo, ela também
apresenta elementos importantes que serão analisados, como o fato do jogo
misturar virtualidade e realidade, além da interação entre os jogadores e o uso de
espaços virtuais.
Na primeira parte do capítulo, inicio uma discussão sobre o virtual e o
real. Nessa parte contarei com os trabalhos de André Parente e Marie-Laure Ryan
no desbravamento dos conceitos sobre realidade e virtualidade. A obra de André
Parente, O Virtual e o Hipertexto, e o livro “Narrative as Virtual Reality” de
Marie-Laure Ryan, apontam diversas correntes de pensamentos e autores que
discutiram esse tema. Me acompanham nessa discussão, especialmente os
filósofos Jean Baudrillard e Pierre Lévy.
14
Após essa discussão, serão desdobrados os conceitos de imersão e
interatividade, buscando compreender como estas categorias apresentam subsídios
para discutir os Alernate Reality Games.
Posteriormente, discuto brevemente outro aspecto dos ARGs que está
relacionado a forma que é construída a narrativa e a importância dos pequenos
relatos para a construção do jogo, para esse debate a filosofia de Jean-François
Lyotard será essencial.
Em seguida são discutidas as questões sobre mundos possíveis, mundos
virtuais, o mundo como metáfora e a imersão nos jogos.
No subtítulo, “Transmedia Storytelling, Media e Ecology e Cultura da
Convergência, definindo os ARGs entre a comunicação e a narrativa”,
inicialmente contextualizo os ARGs dentro da Media Ecology e da Cultura da
Convergẽncia, para na parte final, definir os ARGs entre os conceitos de
comunicação e a narrativa, buscando compreender os ARGs como um novo meio
de comunicação e o papel da narrativa e dos pequenos relatos(Lyotard) como guia
nessa construção.
2.1. Nas fronteiras entre a realidade e a virtualidade.
Para entrarmos na discussão sobre realidade e virtualidade, é importante
entendermos qual o significado da palavra Virtual, segundo Lévy: “A palavra
virtual vem do latim medieval virtualis, derivado por sua vez de virtus, força,
potência. Na filosofia escolástica, é o virtual que existe em potẽncia e não em
ato.” Esta definição está ligada a clássica distinção da metafisica de Aristóteles
entre potencial versus atual (existência).
Em sua metafísica, Aristóteles buscar entender a origem das coisas. Para
realizar isso, o autor analisa o organismo humano. Em sua análise, Aristóteles
percebe que o organismo é composto por diversas partes, porém, apesar dessas
partes serem distinguíveis, o organismo não é indivisível. Essa característica é a
teoria da unidade na distinção. A partir disso Aristóteles vai tentar entender como
as partes se relacionam com o todo, gerando uma coesão. Esses conceitos vão
entrar na teoria de evolução biológica de Aristóteles, onde as coisas ao nascerem,
6 JENKIS,Henry, 2008, p. 173
15
levam dentro de si as suas características e capacidades. Essas potencialidades do
corpo se forem devidamente estimuladas e alimentadas irão se tornar realidade,
atualizando as características desse corpo, transformando suas potencialidades
em atualidades. Esse conceito de virtual como algo potencial, de algo que pode
vir a tornar ser, é o conceito predominante na filosofia escolástica, e não o
conceito de virtual como algo falso, não real, que constantemente é designado
para essa palavra.
Ryan aponta que essa relação entre virtual e real era dialética, porém em
algum momento entre o século XVIII e XIX ela se tornou uma relação de
oposição entre real e virtual.
Segundo a autora, o Virtual pode ser dividido entre o falso, imitação, cópia
ou entre a potencialidade, abertura e poder. A primeira linha teórica é defendida
por Jean Baudrillard, já a segunda corrente é defendida por Pierre Lévy. (RYAN,
2004)
2.1.1. Jean Baudrillard, O virtual e a morte da realidade pela ilusão
Para Jean Baudrillard, com o desenvolvimento das tecnologias capazes de
captação e reprodução do mundo, foi-se construindo diversas representações
“virtuais”. Para Baudrillard, o virtual está diretamente ligado a produção do
simulacro, pois será a imagem do simulacro que ao imitar o real e eliminar os
referentes pela qual ela foi construída acaba tomando o seu lugar. Se por um lado,
o autor aponta que a produção de imagens virtuais levou a uma crise do sistema
de representatividade e isso proporcionou novas experiências, por outro lado essa
modificação acarretou em uma substituição do real pelo virtual, e essa troca levou
ao fim da diversidade de representações. Baudrillard afirma que: “Não há
nenhum lugar para o mundo e suas dobras” (The Perfect Crime, p. 23). Na falta do
real, o virtual se torna o hiperreal. Porém, Ryan aponta que Baudrillard
desenvolve estágios que representam a evolução do real para o virtual, e como o
simulacro vai ocupando esse espaço:
“1. É a reflexão de uma realidade profunda.”
“2. Mascara e desnatura uma realidade profunda.”
16
“3. Mascara a ausência de uma realidade profunda.”
“4. Não tem nenhuma relação com qualquer realidade, é o seu próprio
puro simulacro.”
Nessa escala, a sociedade contemporânea estaria no nível 4, onde a cultura
da ilusão teria assassinado a realidade sem deixar traços, e passamos a viver num
mundo de representações falsas, um mundo virtual que tomamos como realidade.
Essa construção teórica de Baudrillard fica explicita na seguinte passagem:
“Ao cruzar em um espaço cuja curvatura já não é a do real, nem o da verdade, a era
da simulação é inaugurada por uma liquidação de todos os referenciais – pior: com
sua ressurreição artificial nos sistemas de signos, um material mais maleável do
que o significado, que se presta a todos os sistemas de equivalências, a todas as
posições binárias, a toda álgebra combinatória. Não é mais uma questão de
imitação, nem a duplicação, nem mesmo paródia. É uma questão de substituir os
signos do real pelo o real, isto é, de uma operação de dissuadir qualquer processo
real, através do seu funcionamento duplo, programático, metastável, uma máquina
perfeita de descrição que oferece todos os signos do real a curto prazo e todas as
suas vicissitudes. Nunca mais o real vai ter chance de produzir-se, Essa é a função
vital do modelo num sistema de morte, ou melhor, de ressurreição antecipada, que
já não dá à morte nem mesmo uma chance. Um hyperreal protegido doravante do
imaginário, deixando espaço apenas para a orbital recorrência de modelos e para
simulada geração das diferenças.” 7
Baudrillard também afirma que devido a isso acabamos nos tornando
prisioneiros de nossas próprias categorias de representação, e a partir disso
Baudrillard desenvolve uma interpretação não habitual sobre a interatividade.
Segundo o autor, a interatividade é um simulacro que esconde do usuário a
fundamental passividade em que ele está realmente envolvido, assim como o
mundo fora das prisões é um simulacro de liberdade, escondendo a verdadeira
natureza prisional da sociedade. (RYAN, 2004).
Em duas discussões a respeito da realidade, Baudrillard desconfia
inclusive da sua própria teoria. Pois para o autor, após termos atingido o nível 4 da
evolução da imagem, as próprias teorias se tornam simulacros, e acabam
validando o funcionando da realidade quando inicialmente buscavam desconstruí-
la. A teoria desaparece como idéia e se torna uma coisa sobre uma coisa.
Marie-Laure Ryan, procurando desenvolver uma interpretação alternativa
da teoria radical de Baudrillard, vai dizer que a realidade virtual é a desilusão, ou
7 BAUDRILLARD, J. Simulacra and simulation, p 2. – Tradução livre do autor
17
seja, a escolha de viver no virtual. Segundo a autora, nós vivemos no nosso
modelo mental de realidade. Segundo a autora:
“Nós vivemos em um simulacro porque vivemos em nossos próprios modelos da
realidade. O que eu chamo de “mundo” é minha percepção e imagem dele.
Conseqüentemente, o que é real para mim é o produto da minha capacidade de
copiar, produção-virtual, e capacidade de criar sentido. As cópias que fazem meu
mundo podem não ser duplicações perfeitas, mas isso não faz com que ele seja
necessariamente falso, decepcionante, ou privado de referência, nessa
interpretação, o absolutamente real não desapareceu; é; um pouco, como Slavoj
Zizek define isso , “um excesso, um kernel duro que resiste a qualquer processo de
modelação, simulação ou metaforização. (Tarrying, p. 44)” 8
Segundo Ryan, nós sabemos que outros “reais” existem, porém
experimentamos essas realidades somente quando procuramos vivenciá-las, seja
no âmbito semântico ou cognitivo, porque segundo a autora, a mente é uma
infindável fábrica de significados, e significado é uma simulação racional das
coisas (RYAN, 2004). Ao procurar desenvolver essa outra visão do virtual, como
possibilidade ou mundos possíveis, Ryan se aproxima da teoria de Lévy sobre o
virtual.
2.1.2. Pierre Lévy e o virtual, uma relação de potencialidades e atualizações
Lévy em seu livro “O que é o virtual” critica a oposição construída entre
virtual e real. Para ele, esse dualismo classifica o real como algo tangível,
realizável e material, enquanto o virtual seria o futuro, a ilusão e o imaterial.
Sendo contrário a essa divisão, Lévy usa como base da sua teoria a distinção entre
possível e virtual, que Deleuze discutiu em “Différence et repétion”.
O possível seria o real, aquilo que não aconteceu. Ele está em estado
latente. “O possível é exatamente como o real: só lhe falta a existência”(Lévy, O
que é o virtual, pág 16). O autor destaca o fato do possível não ser uma ação de
criação, como é o virtual. O possível são opções prontas que somente não foram
colocadas em práticas, assim como a opção que foi escolhida para ser o “real” foi.
Para Lévy, o virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual. Para o autor, o
virtual é esse complexo problemático que pertence à entidade considerada. Se por
8 Ryan, Marie-Laure, Narrative as Virtual Reality, p.34
18
um lado, essa entidade carrega e produz suas virtualidades, ou seja, expande suas
possibilidades, suas interações e opções, por outro lado, o virtual também
constitui a entidade, ou seja, a problemática e as tensões colocadas pelo virtual
acabam elas mesmas modificando a entidade. (LÉVY, 1996).
A partir dessa construção do virtual como potencialidade, Lévy vai
apresentar o conceito de atualização. Para o autor, a atualização é a solução de um
problema que não aparecia inicialmente no enunciado. Isso faz com que a
atualização tenha um poder de criação, de desdobramento em novas alternativas e
soluções que não foram contempladas, ou visualizadas, no início do
desenvolvimento da questão. Para elucidar essa forma dinâmica Lévy exemplifica
através do desenvolvimento de um programa informático, nas palavras do autor:
“A montante, a redação de um programa, por exemplo, trata de um problema de
modo original. Cada equipe de programadores redefine e resolve diferentemente o
problema ao qual é confrontada. A jusante, a atualização do programa em situação
de utilização, por exemplo, num grupo de trabalho, desqualifica certas
competências, faz emergir outros funcionamentos, desencadeia conflitos,
desbloqueia situações instaura uma nova dinâmica de colaboração... O programa
contém uma virtualidade de mudança que o grupo – movido ele também por essa
configuração dinâmica de tropismos e coerções – atualiza de maneira mais ou
menos inventiva.”9
A partir desse exemplo, é possível perceber a semelhança entre o real e o
possível, sendo o primeiro a realização que o segundo não foi. Já entre o atual e o
virtual se estabelece uma relação dialética. O atual responde ao virtual e a
atualização é a solução de um problema que apareceu em um complexo
problemático. Já para Lévy, a virtualização seria um movimento contrário da
atualização. Segundo o autor, a virtualização é uma forma de deslocar o centro de
significado do objeto, em vez de buscarmos defini-lo a partir do que ele é, ou
melhor, por sua atualidade (solução) de um problema, a virtualização busca
compreender esse objeto/entidade através da sua consistência essencial num
campo problemático, segundo Lévy “Virtualizar uma entidade qualquer consiste
em descobrir uma questão geral à qual ela se relaciona, em fazer mutar a entidade
em direção a essa interrogação e em redefinir a atualidade de partida como
resposta a uma questão particular.” (LÉVY, 1996, o que é o virtual, p. 18).
A virtualização, também traz novas modificações e noções importantes
9 LÉVY, P. O que é o virtual, p.17
19
para a análise dos ARGs. Segundo Lévy, uma coisa ou entidade ao se virtualizar
torna-se “não presente‟, ou seja, essa coisa ou entidade rompe com os padrões
cartesianos estabelecidos de espaço e tempo. Eles ficam separados das noções
territoriais e temporais tradicionais. Isso não significa que eles (as
entidades/coisas) sejam independentes do espaço-tempo da referência, pois eles
ainda precisam de suportes físicos e seus contatos ocorrem em algum momento,
porém eles rompem com a lógica clássica dos eventos, passam a viver em
momentos de “ubiqüidade, simultaneidade, distribuição irradiada ou
massivamente paralela”. (LÉVY, 1996). Essa nova relação com o espaço-tempo é
muito utilizada pelos ARGs. Por se tratar de um jogo onde grande parte de sua
dinâmica ocorre na Internet, e por envolver normalmente jogadores de diversos
lugares do mundo, o jogo busca construir seu próprio ritmo temporal junto aos
jogadores, buscando estimular dessa forma a integração e interação com seus
jogadores. Os ARGs ao fazerem isso estimulam essa nova relação territorial e
temporal que Lévy apontou através do conceito de virtualização. Ao utilizar esses
recursos, os ARGs desenvolvem novos espaços e novas velocidades de
relacionamento entre os participantes, desenvolvendo um ritmo para as
“cronologias” estabelecidas no desdobramento do jogo, permitindo que os
jogadores estabeleçam seu próprio mundo com o jogo e uma relação própria com
esse espaço e tempo específicos.
Os conceito de virtualização será importante quando formos analisar o
ARGs, em especial os jogos com prerrogativas educacionais, pois irá permitir
observar se esses tipos de jogos procuraram utilizar o potencial dos jogadores e da
narrativa a partir da construção de múltiplas possibilidades e cenários, ou seja, se
eles virtualizaram diferentes realidades(e opções) para criarem ambientes onde os
jogadores pudessem realizar múltiplas escolhas e seguissem múltiplos caminhos.
2.1.3. Os ARGs entre a ilusão, a virtudalidade e a potencialidade
Os Alternate Reality Games, por terem como um dos seus pilares o fato de
misturarem realidade e ficção, acabam tocando nas duas fronteiras do virtual. Os
ARGs se encaixam tanto no conceito do virtual como ilusão quanto no de virtual
como potencialidade. Ao comentar de mundos ficcionais na literatura, Ryan
20
relembra bem as palavras de Aristóteles: “A função do poeta não é dizer o que
aconteceu, mas dizer as coisas que poderiam ter acontecido, isto é, aquilo que é
possível de acordo com a probabilidade a possibilidade.” 10
Será entre a probabilidade a possibilidade que a narrativa dos ARGs será
construída e irá estabelecer seus links com os participantes. O fato dos eventos
ocorridos nos ARGs se passarem como algo que ocorre no mundo real, ao mesmo
tempo em que é uma história ficcional, faz com que os jogadores sejam imersos
em uma situação de probabilidade e possibilidade. Nos jogos de Realidade
Alternada, os produtores sempre buscam produzir a história de forma que ela
fique aberta, entre o possível e o surreal, para que os jogadores construam as
pontes entre ambos os lados, dessa forma eles abrem espaço para o virtual como
potencial, pois permitem aos jogadores fazerem os desdobramentos da história.
Essa forma de desenvolver o jogo se aproxima das teorias de Roman Ingarden e
Wolfgang Iser e a corrente teórica da estética da recepção.
Essa linha teórica acredita que a produção de uma obra é incompleta, e
depende do usuário para que ela seja atualizada num objeto estético, apesar de
estar diretamente ligada à produção de texto, os fundamentos teóricos da estética
da recepção criam condições para analisar a participação e a dinâmica dos ARGs
também sobre esse ponto de vista.
Essa dinâmica de virtual como potencial ajuda os ARGs a construírem
melhor seus mundos, pois os produtores se encaixam na função do poeta
apresentada por Aristóteles anteriormente, eles constroem o que é, mas também
deixam aberto para o que poderia ser. E será a partir dessa abertura que os ARGs
vão ao encontro do que Ryan aponta em relação à literatura sobre a estética da
recepção de Iser. Para este autor, é na pluralidade de mundos que existe a
virtualidade da arte e a condição para a experiência estética, “É a virtualidade do
trabalho que dá origem à sua natureza dinâmica, e esta, por sua vez, é a condição
prévia para os efeitos que a obra suscita” 11
. Esta virtualidade da obra, que precisa
da ação do participante para se constituir, também vai ao encontro do conceito de
virtual de Lévy. O autor, ao falar da obra literária, diz que o virtual não representa
apenas o modo de ser do texto literário, mas também seu status ontológico, para
10
RYAN, Marie-Laure, Narrative as Virtual Reality, p.44. – tradução livre do autor.
11 ISER,W. Reading Process, p.50
21
ele o texto é um objeto virtual, que surgiu através de atualização do pensamento.
Segundo Lévy,
“Um pensamento se atualiza num texto e um texto numa leitura(interpretação). Ao
remontar essa encosta de atualização, a passagem ao hipertexto é uma
virtualização. Não para retomar ao pensamento do autor, mas para fazer do texto
atual uma das figuras possíveis de um campo textual disponível, móvel,
reconfigurável à vontade, e até para conectá-lo e fazê-lo entrar em composição com
outros corpus hipertextuais e diversos instrumentos de auxílio à interpretação. Com
isso, a hiperterxtualização multiplica as ocasiões de produção de sentido e permite
enriquecer consideravelmente a leitura.”12
Ryan diz que a forma de ler e o interesse do leitor, se modificaram com os
meios eletrônicos, segunda ela, o leitor seria encorajado para dois caminhos:
1) A leitura se torna muito mais utilitária.
2) A leitura se torna muito mais uma forma de descoberta acidental.
A primeira escolha é parecida com o espaço estriado, conceito apresentado
por Gilles Deleuze em Mil Platôs, esse espaço é utilizado para chegar a
determinado lugar de forma direta. Já a segunda forma de leitura, se assemelha a
escolha pelo espaço liso, que é explorado pelo prazer da jornada e pelas
descobertas que serão feitas ao longo do caminho. É importante destacar que
nessa obra considero que os participantes dos ARGs também se comportam como
leitores, tanto pelo fato de que muito do desenvolvimento da história dos ARGs se
utiliza do suporte escrito, seja ela material ou digital, como pela forma semântica
que os jogadores são convidados pelos produtores para modificar o jogo. Dentro
desse escopo, os ARGs procuraram explorar essas potencialidades para construir
mundos paralelos e a partir disso incentivarem a imersão dos jogadores em
mundos ficcionais, para entender melhor as bases teóricas que permitem
compreender como funciona esse processo é necessário se aprofundar no campo
da imersão, e para isso contarei com a “poética da imersão” desenvolvida por
Marie-Laure Ryan.
12
LÉVY, P. O que é o virtual, p.43
22
2.2. Imersão e interatividade
Ryan iniciou o projeto de desenvolver uma poética da imersão para a
literatura e mídia eletrônica, utilizarei as suas bases para adaptar o conceito para
os Alternate Reality Games e como essa poética da imersão e seu desdobramento
pode ajudar no entendimento dessa forma de jogo.
Na construção dessa base teórica, irei precisar do aporte de outras áreas.
Devido a isso utilizarei as teorias de Ryan no desenvolvimento da poética de
imersão como a psicologia cognitiva e seus conceitos de “metáfora do transporte”,
e de se “perder em um livro”, além da filosofia analítica (mundos possíveis). Para
contextualizar essa discussão, apresento inicialmente a filosofia de Jean-François
Lyotard e sua construção teórica a respeito das grandes metanarrativas e os
pequenos relatos. Também utilizarei a fenomenologia de Kendal Walton (make-
believe).
2.2.1. Lyotard e ARGs, a passagem dos grandes metanarrativas para os pequenos relatos
Um dos aspectos particulares dos Alternate Reality Games, é que os
jogadores constroem sua relação com o jogo a partir da construção colaborativa da
narrativa. Entretanto, apesar de construírem uma narrativa coletiva, os jogadores
também vivenciam sua própria história com o jogo, eles também estabelecem uma
relação particular com a atividade e com isso constroem pequenas narrativas
pessoais ligadas ao jogo. Para poder analisar melhor esse aspecto dos ARGs e o
porquê do aumento da importância das pequenas narrativas que são utilizadas no
jogo, é importante compreender o contexto filosófico que o jogo surgiu. Para isso
vamos recorrer à construção teórica desenvolvido por Lyotard em seu livro „A
Condição Pós-Moderna‟ (LYOTARD, 1988). O autor escreveu essa obra
objetivando observar as transformações que o mundo havia passado após o final
de segunda-guerra mundial (1939-45). Lyotard fundamenta sua análise em cima
da questão do saber, especificamente na forma que o conhecimento é construído e
validado. Ele faz essa análise a partir de uma perspectiva dos estudos da
linguagem.
23
Segundo Lyotard, para entender a sociedade atual, é preciso analisar a
perda gradual do lugar das grandes metanarrativas na contemporaneidade. Para
ele, ocorreu uma progressiva descrença nessas visões totalizantes da história. As
metanarrativas, que durante muito tempo serviram como guias éticos, políticos e
sociais, não possuem mais a força que tinham anteriormente.
Para fundamentar essas afirmações, Lyotard utiliza como exemplo o
Iluminismo. Segundo o autor, essa metanarrativa acreditava que através da razão e
da ciência, o homem seria capaz de se libertar e promover um progresso social e
econômico para todos. Porém, o autor argumenta que essa visão totalizante, ao
mesmo tempo em que esteve associada a determinados avanços tecnológicos,
também levou a conflitos e destruição, como as grandes guerras mundiais.
(LYOTARD, 1988)
Segundo Lyotard, assim como aconteceu com o Iluminismo, qualquer
esforço de construção de uma única narrativa capaz de legitimar toda a produção
de conhecimento entra em crise. Por conta disso, ocorrem muitas mudanças na
sociedade em função da necessidade de justificar e de validar o saber, função
antes realizada pelas metanarrativas. É importante definir o que é saber para
Lyotard. Segundo o autor, saber é um conjunto de conhecimentos que autoriza
alguém a emitir juízos de verdade, moral ou estéticos sobre determinada coisa ou
pessoa. Após delimitar seu campo e apresentar sua hipótese sobre o estatuto do
saber na sociedade contemporãnea, Lyotard apresenta seu método.
Lyotard escolheu os jogos de linguagem de Wittgenstein como base do seu
procedimento. Ele demonstra como esses jogos se baseiam no processo de
comunicação, e que a legitimação desses saberes só pode ocorrer de forma local e
contextualizada. Segundo o autor, falar é combater, no sentido de jogo, e que cada
enunciado é um lance dentro desse embate. As características dos jogos de
linguagem são apontadas por Lyotard na seguinte passagem:
“Três observações sobre os jogos de linguagem: 1 – „... suas regras não possuem
sua legitimação nelas mesmas, mas constituem objeto de um contrato explícito ou
não entre os jogadores (o que não quer dizer todavia que estes as inventem)‟; 2 –
„... na ausência de regras não existe jogo, que uma modificação, por mínima que
seja, de uma regra, modifica a natureza do jogo, e que um lance ou um enunciado
que não satisfaça as regras, não pertence ao jogo definido por elas‟; 3 – „... todo
enunciado deve ser considerado como um „lance‟ feito num „jogo‟”13
(Lyotard,
13
LYOTARD,J. A Condição Pós-Moderna, p.17
24
1988, pág 17)
Lyotard levanta a idéia da possibilidade do discurso pós-moderno ser validado
através dos pequenos relatos, do debate e do conflito. A legitimação do
conhecimento seria feita a partir de cada lance, “cuja importância é
freqüentemente desconhecida no imediato jogado na pragmática dos saberes”
(Lyotard, 1988) dessa forma o conhecimento será construído através de cada lance
reafirmando sua relação com a acepção de jogos de linguagem. A desconstrução
dessas metanarrativas abriu espaço para o pequeno relato, a pequena narrativa ao
invés, propriamente, da deslegitimação da produção teórica desvinculada das
regras de performance.
Esse tipo de produção, alicerçada na diversidade e no jogo de interações
entre as pequenas narrativas(relatos) parece ser um dos pilares dos ARGs. Dessa
forma, esse aspecto teórico é importante para observar como a história é
construída coletivamente e se realmente os jogadores também são autores da
narrativa.
2.2.2. Viajantes e mundos construídos
Uma das metáforas da experiência vivida por um leitor, e aqui utilizaremos
leitor como usuário, é a do transporte e do perder-se em um livro. Essas metáforas
foram construídas pelos psicólogos cognitivos Richard Gerrig e Victor Nell ao
explicarem o que ocorre na mente do leitor (RYAN, 2004).
Gerrig desenvolveu em seu livro “Experiencing Narrative Worlds” a
metáfora do transporte, que Ryan chama de “teoria popular de imersão”. Gerrig
constrói essa metáfora através de alguns tópicos principais que fazem analogia
com uma viagem física.
“ I. Alguém ( "O Viajante") é transportado”
Para Gerrig, ao ser transportado não significa que somente que o leitor vai
para outro “mundo”, mas que a forma e o conteúdo desse mundo vai influenciar o
25
papel do viajante no mundo, ajudando a marcar sua identidade dentro desse
ambiente.
II. “por algum meio de transporte”
Nos ARGs, o modo de transporte serão os diversos suportes, especialmente
os virtuais que vão procurar cooptar e capturar os jogadores. O famoso “buraco do
coelho(habbit‟s hole), um termo comum dentro dos ARGs para identificar o ponto
inicial que busca levar os jogadores para a história.
III. “em consequência de executar determinadas ações”
Esse ponto da teoria de Gerrig é importante, porque desfaz a idéia da
passividade do transporte e introduz um outro conceito de Gerrig, que é o de
leitura como performance. Para o autor, ao se aventurar nessa jornada o
participante não vai encontrar uma terra preexistem a sua espera, ele vai
construindo essa terra e ela vai surgindo conforme as suas ações. O leitor executa
certas ações de forma a estabelecer um “modelo de realidade”. Esse termo
cunhado por Gerrig está relacionado a representação mental que o indivíduo
desenvolve ao se relacionar com uma obra. Dessa forma, o divertimento e a
satisfação do leitor vão depender diretamente da sua própria perfomance. (RYAN,
2004). Essa teoria de Gerrig vai de encontro aos apontamentos de McGonigal que
diz que os jogadores de ARGs participam dos jogos através de performance,
inclusive a autora apresenta a idéia de jogo como performance.
IV. “O viajante vai a alguma distância de seu mundo da origem”
Nesse ponto Gerrig afirma que o leitor tem que se adaptar as regras e as
particularidades desse novo mundo, apesar dele trazer junto de si suas
experiências, ele precisa fazer igual aos Romanos e se adaptar as leis desse
mundo. Esse ponto é interessante em relação aos ARGs, porque devido ao fato
dos ARGs buscarem imitar o mundo real, de forma a não se identificarem
claramente como um jogo, eles acabam fazendo com que os jogadores vivenciam
26
leis duplas a todo momento. Algumas leis específicas do mundo estabelecido pelo
jogo e outras leis comuns à ambos os mundos, o ficcional e o real.
V. “Que faz com que alguns aspectos do seu mundo de origem se
tornem inacessíveis”
Essa etapa pode ser interpretada pela impossibilidade do viajante ter contato
com seu mundo original após chegar ao mundo imaginado e vivenciar suas leis.
Novamente nesse ponto os ARGs se diferenciam, o viajante fica a todo momento
cruzando a fronteira dos mundos, e isso será uma característica essencial para se
analisar essa forma de jogo.
VI. “O viajante retorna ao seu mundo de origem, de certa forma
alterado pela viagem.”
Essa etapa é marcada pelo retorno do viajante e de como ele foi modificado
pela experiência que viveu. Isso acontece nos ARGs, pois além de trazer na
memória as lembranças do mundo narrativo, o fato de ter convivido e interagido
com outros jogadores podem deixar marcar no viajante. Essa característica será
observada nas entrevistas com os jogadores, em especial daqueles que
participaram de ARGs ligados à motivos educacionais.
Gerrig chama os cenários desenvolvidos através da experiência do viajante
de “mundos narrativos”, porém Ryan denomina esses mundos de “mundos da
mímica”. Segundo a autora, o desenvolvimento desses mundos não está somente
ligado à ficção, mas também à não ficção.
Gerrig diz que esses mundos não estão ligados a categorias estéticas. Para
o autor, ser transportado para um mundo narrativo não depende da habilidade
narrativa (RYAN, 2004). Já Marie-Laure Ryan diz que esse processo está ligado à
linguagem e aspectos cognitivos, porém será a forma estética que irá definir isso.
Esse aspecto teórico é importante ser ressaltado, pois um dos objetivos desse
trabalho é observar se a narrativa dos ARGs está relacionada à forma que esses
tipos de jogos desenvolvem a imersão ficcional com os participantes.
Victor Nell em sua obra “Lost in a Book” diz que a experiência de imersão
está ligada a facilidade de leitura e concentração do leitor. Segundo o autor, o
27
leitor vai se identificar melhor com aquilo que seja próximo a ele. Nell também
diz que o esforço imaginativo criado pelo leitor será inversamente proporcional ao
poder literário e a criatividade da obra. Nas palavras do autor: “Certamente, a
riqueza da estrutura que o leitor lúdico cria em sua cabeça pode ser inversamente
proporcional ao poder e à originalidade literária do material de leitura”.14
Ryan diz que a imersão também pode surgir através do esforço e da
descoberta. A autora diz que será através do esforço que aquela situação se
tornará “fácil”. Segundo a autora, isso não ocorre apenas na literatura,
acontecendo também nos esportes, música e artes no geral, ou seja, em muitas
situações onde o prazer do participante ocorre apenas quando ele vence a
dificuldade que foi colocada para ele inicialmente.
Victor Nell aponta dois tipos de leitores:
1) O primeiro seria o leitor viciado, que devora um livro atrás do outro, esse
tipo de leitor bloqueia a realidade. Ele vive suas histórias no presente.
2) Já o segundo, seria o leitor que sabe viver essa imersão, ele se afunda por
alguns momentos para depois respirar. O oceano da imersão é um
ambiente onde ele não pode respirar, para poder sobreviver ele precisa
subir a superfície, tocar a realida e respirar, para novamente poder
mergulhar. Ele mantém constantemente sua ligação com o mundo real e
textual(ficcional).
Essa forma de envolvimento do segundo leitor pode ser relacionada com o que
o psicólogo J.R Hilgard afirmava: “sonhando quando você sabe que está
sonhando”.15
O relacionamento entre a leitura e outras realidades, muitas vezes
leva-se ao questionamento se o leitor/jogador poderia se descolar da realidade e
começar a se “perder” em um mundo ficcional. Esse tipo de medo foi questionado
por McGonigal em seu artigo “A Real Little Game: The Perfomance of Belief in
Pervasive Play”, onde ela busca identificar se esse tipo de situação poderia
ocorrer nos jogadores de jogos baseados em realidades alternatadas. McGonigal
entrevistou alguns dos produtores desses jogos, e esses produtores disseram que
14
NELL, Victor. Lost in a Book, p.77. – tradução livre do autor.
15 NELL, Victor, Lost in a Book, p.212
28
não identificaram jogadores que „misturaram” as realidades, porém acredito ser
interessante observar em novas situações e outros jogos se essa possibilidade pode
ocorrer. Nessa dissertação os conceitos de Nell para os tipos de jogadores e seu
relacionamento com a imersão também serão observados de forma a poder
corroborar ou identificar novas situações que McGonigal possa não ter
identificado em seu trabalho.
2.2.3. Mundos Possíveis ou Realidades Alternadas
Ao buscar um arcabouço teórico que sustente a análise das realidades
alternadas construídas pelos ARGs, novamente a companhia de Marie-Laure
Ryan, seu livro “Narrative as Virtual Reality” e a teorias de mundos possíveis
que ela utilizou para analisar os mundos textuais criados pela literatura, serão de
grande auxílio.
Para Ryan, entender os mundos possíveis é preciso observar através da
lógica e da semântica como é possível ser transportado para um mundo textual/
ficcional. Uma analogia entre os Mundos Possíveis da Ficção/Literatura e os
Mundos Possíveis da Lógica ajudam a desenvolver melhor essa estrutura teórica.
A teoria dos Mundos Possíveis foi desenvolvida por um grupo de filósofos
como David Lewis, Saul Kripke e Jaako Hintika. (RYAN, 2004).
Depois esses conceitos foram utilizados para descrever a lógica da ficção
por David Lewis, Umberto Eco, Thomas Pavel, Lubomir Dolezel, Domen Maithe,
Ruth Romen, Elana Sumino e Marie-Laure-Ryan.
Ryan aponta que há diferenças na concepção de mundos possíveis dos
filósofos e teóricos da literatura(RYAN, 2004). Segundo ela, a base da teoria dos
mundos possíveis é que a realidade (e ai também está incluído tudo que é
imaginado) é construída. E o universo é composto por diversos elementos, ou
mundos. Esses mundos possuem uma hierarquia, contendo um mundo que
funciona como o centro do sistema e os outros se relacionando com ele. Dentro
dessa estrutura, os satélites se relacionam com o sistema principal, e este sistema
principal é o mundo “real” e os satélites seriam os mundos possíveis. A ligação
entre esses mundos seria estabelecida através de uma relação de acessibilidade. O
que define essa acessibilidade é sempre um critério particular relacionado ao
29
sistema. Por exemplo, em um sistema que compartilhasse como critério de
acessibilidade as leis da física, existisse um mundo possível onde durante o dia a
lei da gravidade atuasse e durante a noite essa lei não tivesse efeito, esse mundo
seria excluído do sistema por não compartilhar um das características essenciais
ao sistema.
Essas categorizações levaram a Teoria dos Mundos Possíveis serem
duramente criticadas pela crítica pós-moderna. A crítica acusava a teoria de ser
centralizadora e segregacionista, sendo contrária a uma abertura de possibilidades
e opções que a crítica pós-moderna trouxe. (RYAN, 2004).
Contra essa hierarquização, Ryan aponta teorias que discutem “versões do
mundo” como o modelo descrito por Nelson Goodman em “Ways of World
Making” que apresenta outro caminho, bem diferente da estrutura centralizada
feito pela lógica modal.
Para buscar um novo caminho teórico para a teoria de mundos possíveis é
importante entendermos o conceito de “definição indexical da atualidade”
apresentado por David Lewis. Este autor ao analisar a oposição entre Atual x
Possível, destacada também por Lévy como apresentamos anteriores, apontou que
ela segue por dois caminhos:
1) Absoluta, em termos de origem.
2) Relativa, em termos de pontos de vista.
Na absolta o mundo atual é aquele independente da vontade / mentalidade
humana. Há um mundo real e físico, todos os outros mundos que estão
relacionados a trabalhos mentais como a imaginação e a criatividade, são mundo
possíveis (RYAN, 2004).
Já na relativa, o mundo atual é aquele do em que eu falo e estou imerso, os
outros mundos são os que não atuais, são os mundos que eu vejo de fora. Para
exemplificar melhor isso, imaginemos que a situação onde um leitor lê um o livro
“Harry Potter” de J.K Rowling, para este leitor o mundo dele é o mundo atual
enquanto o mundo habitado por Harry Potter é um mundo possível. Já por outro
lado, considerando que Harry Potter soubesse que existisse um mundo onde suas
aventuras foram transformadas em livros, o leitor seria o habitante de um mundo
possível enquanto para Harry Potter o mundo que ele habita seria o atual. David
30
Lewis defende a teoria relativa, pois isso permite que todas as particularidades
históricas, sociais e culturais de cada mundo sejam respeitadas, sem que isso
resulte num centralismo tão criticado pela teoria pós-moderna. Estes mundos
podem existir de forma individual ou coletiva.
Individualmente eles existem a partir da relação do indivíduo com a obra,
onde será a partir de sua perfomance, como apontou Gerrig, ou da atualização que
realiza com a obra como apontou Iser e Lévy, que ele irá construir sua versão do
mundo a partir das informações que ele vai obtendo ao se relacionar com a obra.
Já na forma coletiva, os indivíduos continuam construindo suas versões de
mundo, porém compartilham essas versões com leitores e dessa forma vão
desenvolvendo um mundo coletivo comum entre eles.
O conceito de mundos coletivos é de especial interesse nesse trabalho, pois
ele será utilizado para analisar os fóruns dos participantes dos Alternate Reality
Games, pois são nesses fóruns que os jogadores trocam as experiências que
vivenciam com o jogo. Dessa forma, parece ser um caminho interessante a ser
observado para verificar se os jogadores constroem um mundo coletivo ao jogar e
compartilhar entre si essas experiências.
Ryan ainda aponta dois conceitos essenciais no desenvolvimento da
imersão. Que são os conceitos de “contrafactuais” ou “expressões de desejo” e as
“declarações da ficção”. O primeiro termo, ou qual chamararei de “expressões de
desejo” está relacionada às construções que fazemos nos mundos não atuais a
partir da ficção, ou seja, nas expressões de desejo criamos as possibilidades
apresentadas pela ficção mas ainda estamos presos a uma mundo principal, nossa
estado de consciência ainda esta ligado a essa realidade. Porém, nas “declarações
de ficção” de ficção o relacionamento com o mundo é diferente, pois estas
assumem a forma de incisivas afirmações da verdade, como apontou Lewis. Nas
palavras de Ryan,
“Quando eu processo “Napoleão poderia ter ganhado a batalha de Waterloo se
Grouchy tivesse chegado antes de Blucher”, eu olho este mundo do ponto de vista
de um mundo em que Napoleon perde; mas se eu leio em um romance “Graças a
habilidade de Grouchy de se mover rapidamente ele trouxe seu exército para o
campo de batalha antes de Blucher, Napoleão esmagou seus inimigos em
Waterloo”, eu me transporto para o mundo textual e processo a sentença como a
indicação de uma fato. Ambos contrafactuais e declarações da ficção direcionam
nossa atenção para o mundo possível não atual, mas eles fazem isso de modos
diferentes: os contrafactuais funcionam como telescópios, enquanto a ficção é um
31
veículo de viagem espacial. No modo telescópio a consciência se mantém ancorada
na realidade nativa, e os mundos possíveis são contemplados de fora. No modo de
viagem espacial, a consciência se realoca para o outro mundo, reorganizando todo
o universo de ser em torno dessa realidade virtual.” 16
Será através das declarações de ficção que os mundos ficcionais deixam de
ser mundo mundos atuais não possíveis e se tornam mundos atuais possíveis, eles
passam por um processo de recentralização (RYAN, 2004) no indivíduo e esse
processo é essencial para a experiência de imersão. É interessante destacar que os
ARGs parecem utilizar para esse processo de recentralização diversos suportes e
meios de comunicação que os produtores utilizam para criar “declarações” que
reafirmem o caráter de realidade do jogo, estimulando essa reorganização
cognitiva do jogador, onde inicialmente ele teria contato com um mundo não atual
possível, e passa a ver e interagir com esse mundo como se ele fosse o seu mundo
atual. Mas, para que isso ocorra é preciso que ele também entre num jogo de
crença, não basta que ele seja transportado para esse mundo, sem que ele procure
se integrar a ele. É preciso que o jogador assuma uma postura de se engajar no
jogo em uma forma que possibilite o processo de construção lúdica da realidade.
Será através das teorias do filósofo Kendal Walton e do teórico de perfomance
Richard Schecher que buscaremos entender como ocorre esse processo. Além da
companhia desses dois pensadores, também utilizarei as teorias da pesquisadora,
de área de jogos e performance, Jane McGonigal.
2.2.4. Jogando com a crença na realidade
O teórico Richard Schecher em seu livro “Perfomance Studies – Na
introduction”(2002), afirma que há dois tipos de jogar: o “make-believe” e o
“make-belief”
O primeiro, “make-believe”, protege as fronteiras entre o que é o real e o
que é o “pretendido”. Já o segundo, “make-belief”, intencionalmente rompe essas
fronteiras.
Segundo Schecher, em nosso dia-a-dia nós estamos constantemente
16
Ryan, Marie-Laure, Narrative as Virtual Reality, p.103.
32
realizando papéis e performances, mas essas performances não são tipo “make-
believe” e sim do tipo “make-belief”. Isso ocorre porque nos “make-believe”
games as fronteiras entre o real e o ficcional são muito claras. Se você vai ao
teatro ou ao cinema, ao ver os atores, você percebe que eles estão fazendo uma
performance do tipo “make-believe”, pois eles sabem as fronteiras entre o real e o
ficcional e o público também. Já nos make-belief não há muita certeza sobre isso.
Por exemplo, um cidadão ao ser eleito presidente, precisa passar a se comportar
como um presidente se comporta. Ele não percebe ou tem noção disso, mas ele
passa a representar um papel frente ao seu público que exige que ele se comporte
e aja de determinadas maneiras, para Schecher isso é um jogo baseado no “make-
belief”, ou seja, um jogo onde os participantes não percebem que estão realizando
uma performance. Scherer molda esse relacionamento entre perfomance, jogo e
crença com a seguinte questão: “Em que grau uma pessoa acredita em sua própria
perfomance?”
Para o autor, nos “make-believe games” os jogadores “pretendem
acreditar”, já nos “make-belief” games, os jogadores “esquecem completamente
ou negam‟ suas próprias performances e estimulam eles mesmos num acreditar
“acreditar” para o real.
Será a partir dessa questão que McGonigal vai buscar desenvolver uma
nova teoria a respeito da relação dos jogadores com a crença e a performance no
jogo. Segundo ela, as fronteiras representativas são visíveis e robustas, não dando
oportunidade para que os jogadores a confundam. Para McGonigal os jogadores
trabalham para suportar a crença do jogo. Para exemplificar essa teoria, ela utiliza
uma analogia do psicólogo que estuda jogos de adultos, Michel J. Apter. Este
autor afirma que o prazer do jogo está relacionado a vivenciar uma situação de
desafio através de um ”quadro de proteção”. Segundo o autor, esse quadro de
proteção dá certeza aos jogadores de que nada irá influenciar em seu jogo, como
também os passa a sensação de que o jogo não irá fugir de controle. (McGonigal,
2003) Ele explica esse conceito através de uma analogia composta do público, o
leão e a jaula.
Segundo Apter, se os jogadores (o público) forem vivenciar uma
experiência onde exista apenas uma jaula sem um leão, eles não terão prazer
algum. Caso vivenciem essa experiência somente em um ambiente com um leão e
sem jaula alguma, eles não irão aproveitar, pois o temor e a ansiedade frente a
33
situação normalmente não irão lhe proporcionar prazer. Porém, o leão dentro da
jaula cria uma situação intermediária onde é estabelecidos um equilíbrio entre
prazer e segurança.
McGonigal afirma que nos jogos que trabalham com a realidade, os
jogadores façam a seguinte pergunta: “Que jaula?”. Dessa forma eles procuraram
estimular os outros jogadores a compartilharem a crença. Segundo a autora, esse
efeito está diretamente ligado a ação dos produtores dos jogos, buscando
estabelecer um “design imersivo” e ao fato dos jogadores compartilharem essa
idéia de “pretender acreditar” apontada por McGonigal.
2.2.5. Mimesis & Make-Believe
Em busca de um melhor entendimento de como os jogadores comportam
suas crenças na realidade ficcional estabelecida nos ARGs, além de Richard
Schechner, as teorias de Kendal Walton também serão de essencial importância
no desenvolvimento de uma ferramenta teórica que possibilite entender e analisar
melhor essa relação. O filósofo Kendal Walton em sua obra “Mimesis as Make-
Believe: On the Foundation of Representational Arts”, procura desenvolver uma
teoria da representação e uma fenomenologia da arte, buscando fazer com que o
termo representação se torne intercambiável com a ficção. Walton defende nessa
obra que a proposta central em receber todas as representações nas artes, seja
pintura, música, teatro ou literatura é participar do game de “make-believe.”17
Segundo o teórico, todos esses objetos de arte funcionam como
suportes/proposições(props) que definem regras, ações e temas do jogo para suas
audiências. Estas proposições dizem o que podemos acreditar, por quanto tempo,
e que mecanismos dispomos para demonstrar nosso “make-belief” para os outros
jogadores(McGonigal). Segundo McGonigal, estes “mecanismos de exposição”
diferem a noção de Walton de “make-believe play” das tradicionais teorias de
“suspensão da descrença”.
17
Nessa dissertação optamos por não traduzirmos os termos “make-believe” e “make-
belief”, pois ocasionaria em perda de sentido e referencial. Entretanto, em uma tradição livre e não
completa, “make-believe” poderia ser traduzido como faz-de-conta e “make-belief” como uma
crença /fé / algo que as pessoas acreditam.
34
O principal termo relacionado a esse conceito foi introduzido inicialmente
pelo poeta e crítico inglês Samuel Taylor Coleridge no livro Biographia Literaria
em 1817, segundo o autor a “total suspensão da descrença” era uma situação que
ocorria de uma forma interna, estava circunscrita no âmbito do leitor, espectador,
participante, enfim, ao indivíduo que se relacionava com algo relacionado a arte.
Já para Walton a relação é diferente, os participantes devem conduzir e
demonstrar sua crença para outros participantes é necessário essa troca para
estabelecer uma interação entre as pessoas e elas compartilharem suas crenças.
Dessa forma, haveria uma mudança de relacionamento com a obra, as pessoas
passariam de uma “suspensão interna da crença” para uma performance externa da
crença.
Para Kendal Walton, a possibilidade de “participação conjunta” é um dos
principais pontos que seduzem o individuo para um “make-believe”. Pois as
pessoas se interessaram pela arte ou evento para que possam compartilhar entre
elas suas crenças e seus jogos mentais. Para demonstrar essa relação Walton cita o
psicólogo radical R.D. Laing e sua teoria sobre a exposição poética da dinâmica
do jogo: “Eles estão jogando um jogo. Eles estão jogando de não estarem jogando
um jogo. Se eu os mostro que eles estão, eu irei quebrar suas regras e eles irão me
punir. Eu devo jogar seu jogo, de não ver que eu vejo um jogo.” Segundo Walton,
“fingir uma crença” no jogo é um elemento essencial para ser aceito na
comunidade de jogadores e uma performance externa dessa crença é fator
fundamental para essa inclusão.
Os apontamentos teóricos de Walton serão importantes para pensar como
os jogadores dos ARGs se relacionam com o jogo, além disse seus conceitos
também vão ajudar a refletir sobre as relações existentes entre os jogadores e as
comunidades que eles formam e participam.
2.2.6. Interatividade
Um aspecto importante a ser delimitado na análise dos ARGs é sobre qual
conceito de interatividade será utilizado para observar essa forma de jogo. Dentro
desse trabalho, esse conceito será entendido através do uso do suporte e da
35
abertura da obra. No desenvolvimento do conceito, as teorias e análises que
Marco Silva realiza no livro “Sala de Aula Interativa”, sobre o termo
interatividade, serão de grande valor. Além disso, as teorias de Umberto Eco e
Júlio Plaza, sobre a obra de arte aberta, também serão importantes no
entendimento e definição desse escopo teórico que será utilizado na análise dos
Alternate Reality Games.
Marco Silva, ao analisar os fundamentos da interatividade, destaca três
pontos fundamentais: a participação-intervenção, a bidirecionalidade-hibridação e
a potencialidade-permutabilidade. Silva construiu esses três binômios a partir da
obra de Arlindo Machado, Pré-cinemas & e Pós-Cinemas, buscando esquematizar
as especificidades e singularidades do termo, destacando que apesar dessa divisão
esquemática, ambos os termos se combinam, se dialogam e não independentes,
estabelecendo essa tríade como fundamental para a compreensão do conceito.
Segundo Marco Silva, a participação-intervenção significa que o indivíduo
não escolhe apenas entre opções dadas; ele pode participar ativamente do processo
comunicacional, podendo interferir na mensagem de modo sensório-corporal e
semântico.
Já a bidirecionalidade-permutabilidade significa que a comunicação é
estabelecida de forma conjunta. A emissão e a recepção são produzidas
simultaneamente, os dois pólos são emissores e receptores. Esse aspecto é bem
interessante, pois demonstra como nessa forma de comunicação é rompida a
tradicional divisão entre emissor e receptor, onde o primeiro é o criador da
mensagem e o outro é passivo na recepção.
Por fim, o conceito de potencialidade-permutabilidade está diretamente
ligado a noção de potencialidades e possibilidades, pois uma forma
comunicacional será assim identificada quando permitir que se estabeleçam
“múltiplas redes articulatórias de conexões e liberdade de trocas, associações e
significações potenciais.”. É interessante observar que a potencialidade-
permutabilidade parece estar ligada ao conceito de virtual de Lévy, pois estabelece
que uma forma de comunicação vai ter essa característica quando permitir que
ocorram desdobramentos e possibilidades frente a uma opção inicial.
Esses três aspectos teóricos da interatividade, apresentados por Marco
Silva, são importantes pois se aplicam tanto ao suporte físico como também faz
pontes com a abertura existente na obra. E para estabelecermos melhor o conceito
36
de abertura nesse trabalho e como isso pode ser usado para buscarmos entender os
ARGs, as teorias desenvolvidas por Umberto Eco e Júlio Plaza são essenciais.
Em seu livro, A Obra Aberta, lançado inicialmente em 1962, Eco apresenta
as características da poética da obra de arte aberta. Segundo o autor, a obra de arte
aberta não é uma categoria crítica, mas sim um modelo teórico para explicar a arte
contemporânea. Para ele, as modificações pela qual a sociedade passou como as
teorias da relatividade, o desconstrutivismo, as teorias da física quântica, as
mudanças na fenomenologia, levaram a uma descrença nas poéticas clássicas que
serviam como formas de entendimento da sociedade, ou seja, modelos teóricos
existentes não serviam mais explicar as diversas aberturas que ocorriam no
mundo, como as possibilidades abertas pela física quântica, a aplicação da noção
de probabilidade trazida pela física, que desmontavam os princípios de uma
estrutura rigidamente definida.
Segundo Eco, essas transformações levaram a arte a se modificar, fazendo
com que a arte contemporânea buscasse esse mundo de possibilidades. É
importante destacar que para Eco todas as obras de arte seriam abertas, porém o
que caracterizava o momento era a busca. Umberto Eco diz:
“(...) os artistas contemporâneos, voltam-se amiúde para os ideais da
informalidade, desordem, casualidade, indeterminação dos resultados, e por isso se
tentou também colocar o problema de uma dialética entre “forma” e abertura”: isto
é, definir os limites dentro dos quais uma obra pode lograr o máximo de
ambigüidade e depender da intervenção ativa do consumidor, sem contudo deixar
de ser “obra”. Entendendo-se por “obra um objeto dotado de propriedades
estruturais definidas, que permitam, mas coordenando-os, o revezamento das
interpretações, o deslocar-se das perspectivas.”18
Segundo autor, isso significa que os artistas procuraram colocar a obra de
arte como uma reação ao Acaso, ao Indeterminado e a Desordem. Mas não a
desordem destruidora e incurável, e sim aquela que busca uma ruptura com a
Ordem Tradicional, que o homem(do ocidente) via como imutável e que era o
resultado da composição final do mundo. Esse espírito apontado pelo autor será a
base do desenvolvimento da poética da obra “aberta”, que busca “promover no
intérprete “atos de liberdade consciente”, pô-lo como centro ativo de uma rede de
relações inesgotáveis, entre as quais ele instaura sua própria forma, sem ser
determinado por uma necessidade que lhe prescreva os modos definitivos de
18
ECO, U, A Obra Aberta, p. 41
37
organização da obra fruída;” (ECO, 1968).
O conceito de obra “aberta” será importante na análise dos ARGs, pois ele
proporciona um parâmetro para observar se esses jogos permitem aos jogadores
(intérpretes) realizarem seus atos de liberdade consciente, e se podem funcionar
como estimulantes no desenvolvimento das redes de relações entre os
participantes. Um ponto importante no desenvolvimento dessa categoria de
análise é estabelecer graduações que possibilitem identificar diferentes níveis de
abertura nos jogos. Para desenvolver melhor essa questão, o trabalho teórico de
Júlio Plaza pode proporcionar um auxílio importante.
Júlio Plaza procurou ampliar o conceito de Umberto Eco, estabelecendo
três níveis de abertura na obra aberta. No primeiro grau, o receptor participaria
desenvolvendo interpretações e recriações mentais da obra, ou seja, uma obra de
primeiro grau seria aquela que permite espaços e intervalos que permitissem essa
reflexão por parte do receptor. Já na obra de segundo grau, o leitor teria espaço
para também manipular a obra. Nesse nível de abertura, a obra deve ser feita de
forma a permitir que, caso o leitor deseje ir além da reflexão, ele tenha a
possibilidade de realmente manipular a obra conforme os seus desejos. O terceiro
nível de abertura é quando o receptor pode recriar a obra, fazendo modificações
ao seu gosto e a partir disso gerando uma nova obra, “onde a interatividade surge
em sua plenitude de autonomia e imprevisibilidade: dá-se o modelo (o sistema, o
programa) para que o espectador produza a obra a partir dele.”19
. Ou seja, é um
estágio aonde a abertura da obra chegou a um nível onde ela se desdobra em
novas recriações.
Essa sistematização dos níveis de abertura da obra, que Plaza desenvolveu
a partir do trabalho de Eco, somada ao conceito de interatividade de Marco Silva,
servirá de parâmetro na análise dos ARGs, buscando compreender se esses jogos
permitem interatividade e abertura, e caso isso ocorra, em quais níveis isso pode
ocorrer.
19
BETTOCHI, E., Incorporais RPG: design poético para um jogo de representação, o.27
38
2.3. Transmedia Storytelling, Media Ecology e Cultura da Convergência – Definindo os ARGs entre a narrativa e a comunicação
Nesse parte, os Alternate Reality Games (ARGs) serão contextualizados
num ambiente de Convergẽncia de Mídias (JENKINS, 2008) e analisados através
da Media Ecology. A narrativa desses jogos será o fio condutor dessa análise. A
hipótese é que os ARGs funcionam como um sistema formado por diversos meios
de comunicação, e esses meios são interligados pela narrativa. Essa narrativa
também é responsável por fazer a ponte entre o real e a ficção, e de agrupar a
comunidade de jogadores em torno do jogo. Será através de como a história é
conduzida, e os desafios propostos durante ela, que os participantes irão se
agrupar(relação social) buscando formas de resolver coletivamente(e
cognitivamente) os problemas (inteligência coletiva).
Na primeira parte são apresentados os conceitos da convergência de
mídias, media ecology e narrativa transmidiática que serão usados para entender
melhor os ARGs e defini-los entre a narrativa e a comunicação. Esses conceitos
são importantes para definir certos parâmetros para analisar os estudos de casos e
avaliar se o sistema formado pelos ARGs impactaram as relações sociais entre os
jogadores e de que forma esses participantes se reúnem para resolveram
colaborativamente problemas que seriam impossíveis resolveram sozinhos.
2.3.1. Cultura da Convergência, energia híbrida e mudanças na narrativa
Henry Jenkins, em seu estudo sobre como as mudanças nos meios de
comunicação influenciaram nas transformações culturais, aponta a Cultura da
Convergência como um produto dessas transformações. Jenkins define
Convergência da seguinte maneira:
“Por convergência refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes
midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento
migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte
em busca de experiências de entretenimento que desejam. Convergência é uma
palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas,
culturais e sociais, dependendo de quem está falando e do que imaginam estar
falando” 20
20
Jenkins, H, Cultura da Convergência, p. 27.
39
Essa convergência é construída, segundo o autor, com base em três pontos
fundamentais: as noções de convergência dos meios de comunicação, cultura
participativa e inteligência coletiva. Esses três fatores se autoalimentam
resultando em um processo coletivo. Esses conceitos serão fundamentais para
analisarmos o sistema formado pelos ARGs posteriormente.
Dentro desse contexto da Cultura da Convergência surgiram os ARGs que
dentro desse escopo teórico são entendimentos como um fruto dessas
transformações e influenciados por ela. Para analisar as características narrativas
dos ARGs e como eles funcionam como um sistema, é importante defini-los, para
isso irei utilizar a definição de Jane McGonigal uma das precursoras na criação e
estudo dos ARGs.
“Um drama interativo jogado on-line e em espaços do mundo real que se passa em
várias semanas ou meses, em que dezenas, centenas, milhares de jogadores se
reúnem on-line, formam redes sociais cooperativas e trabalham juntos para resolver
um mistério ou um problema que seria absolutamente impossível resolver
sozinho”.21
Os ARGs dentro da cultura da convergência de Jenkins, parecem se
aproximar do que McLuhan disse sobre a energia hibrida. Segundo McLuhan,
quando dois meios se encontram há a produção de uma energia e que essa energia
irá ter consideráveis consequências psíquicas, tecnológicas e sociais. O autor
também destaca a importância de entendermos os efeitos desses meios híbridos,
pois, sendo os meios extensões dos homens, eles estão diretamente ligados a nós e
por isso dependem de nós mesmos para sua inter-relação e evolução.
McLuhan também enfatiza que os meios como extensões de nossos
sentidos proporcionam relações não somente entre os nossos sentidos particulares,
como também entre si na medida que eles vão se inter-relacionando. Segundo o
autor, “O rádio alterou a forma das estórias noticiosas, bem como a imagem
fílmica, com o advento do sonoro. A televisão provocou mudanças drásticas na
programação do rádio e na forma das radionovelas.”22
. As transformações
proporcionadas pelo encontro de diversos meios que ocorrem na cultura
21
JENKINS, H. Cultura da Convergência, p. 173
22 McLUHAN, M. Os meios de comunicação como extensões do homem, p.73
40
contemporânea não se restrigem apenas na forma como os meios se comportaram
e relacionam, elas também levam a novas experiências sociais. Essas
transformações também afetaram a forma de contarmos histórias e os ARGs
parecem ser um reflexo disso. Pois, os ARGs parecem ter se estabelecido a partir
dessa inter-relação entre os meios e que procuram canalizar e utilizar essa energia
gerada desse encontro como força motriz para mover a narrativa ao longo de
diversas mídias e estimularem a comunidade de jogadores a partir disso.
É importante ressaltar que McLuhan apontou os artistas como os primeiros
a descobrirem como capacitar um determinado meio para seu uso ou como liberar
a força latente de outro meio. Considerando que o game designer é uma atividade
que exige criatividade e capacidade de inovação, é possível identificarmos os
game designers dos ARGs como responsáveis pela liberação e uso das forças dos
novos meios de comunicação para desenvolveram novas experiências lúdicas com
seus participantes. Ao fazerem isso, os game designer possibilitam que os
jogadores aproveitem esse momento de encontro dos meios, e possam se despertar
da narcose narcísica que estiveram envolvidos, e que possam desfrutar de “(...) um
momento de liberdade e libertação do entorpecimento e do transe que eles
impõem aos nossos sentidos” 23
. Os Alternate Reality Games utilizam a narrativa
para conseguirem fluir entre os diversos meios, esse tipo de narrativa foi
denominada narrativa transmidiática e na próxima parte buscaremos entender
melhor esse conceito e como pode ser estudada através da media ecology.
2.3.2. Narrativa Transmidiática e media ecology
O ponto inicial de um Alternate Reality Game é conhecido no jargão do
jogo como “habbit hole”. Esse “buraco do coelho” é o início da narrativa, ou seja,
a primeira parte da história que os jogadores têm contato e será a partir dela que
irá ocorrer todo o desdobramento da história. Por exemplo, no ARG “I love bees”
relacionado com a promoção do filme “Inteligência Artificial” de Steven
Spielberg (2001), o “buraco do coelho” foi o aparecimento do nome de uma
empresa de robótica nos créditos do trailer do filme. A partir disso, algumas
pessoas (e futuros jogadores) pesquisaram o nome da empresa em mecanismos de
23
McLUHAN, M. Os meios de comunicação como extensões do homem, p.75
41
busca e encontraram o site da empresa fabricante. Porém, ao visitarem o site eles
começaram a se envolver em uma complexa trama, e essa conspiração acabou os
levando a terem contatos com diversos meios de comunicação como telefones,
cartas, diversos suportes na internet e físicos para resolverem a história em que
eles estavam envolvidos. Esse tipo de narrativa foi definido por Henry Jenkins
como narrativa transmidiática e nessa pesquisa ela é entendida como a ponte que
une os diversos meios de comunicação que os ARGs utilizam para criar sua
história. Será sobre esse conceito sob (a ótica da media ecology) e essa ligação
que iremos desdobrar nossa discussão agora.
Henry Jenkins define narrativa transmidiática da seguinte forma:
“ histórias que se desenrolam em múltiplas plataformas midiáticas, cada uma delas
contribuindo de forma distinta para nossa compreensão do universo; uma
abordagem mais integrada do desenvolvimento de uma franquia do que os modelos
baseados em textos originais e produtos acessórios”.24
Essa nova abordagem transmidiática é uma nova forma de contar histórias,
em vez de uma história principal ser replicada por diversos meios, ela agora é
contada simultaneamente através de diversos suportes. Henry Jenkins procurou
observar principalmente do ponto de vista econômico, e de como os produtores
perceberam em como poderiam tirar um melhor proveito dos recursos de cada
meio ao fazerem isso, porém os conceitos do autor são muito próximo do que
McLuhan apontou ao dizer que os meios de comunicação não anulam uns ao
outros, pelo contrário, eles na verdade se reforçam compondo uma ambiência.
Assim como, por exemplo, o rádio trouxe contribuições para a TV, e a TV
influenciou a forma de fazer do cinema, dessa forma, os meios podem trabalhar de
forma estruturada, estabelecendo uma associação que cria um ambiente de
sinergia midiática.
Os ARGs, sendo um tipo de história transmidiática, parecem terem
percebido que podem utilizar essa sinergia, desde que aproveitam a potencialidade
de cada meio para desenvolveram uma parte da história, e através disso levarem
os jogadores a uma viagem através de diversos suportes e com isso permitirem
que eles vivenciem a história.
24
JENKINS, H. Cultura da Convergência, p.339.
42
2.3.3. Os ARGs, entre a narrativa e a comunicação
Após, compreendermos o contexto cultural e tecnológico onde se
desenvolveram os Alternate Reality Games, buscaremos definir esse tipo de jogo
entre a comunicação e a narrativa. Essa definição é inspirada nos estudos de
Eliane Bettochi sobre jogos, em especial sobre o RPG. Em suas pesquisas,
Bettochi (2006) analisou os Role Playing Games(RPGs) como um novo meio de
comunicação. Segundo a autora, essa classificação foi possível porque os RPGs
possuem os elementos apontados por McLuhan como fundamentais para definir
um meio de comunicação. Estes elementos são: tecnologia (veículo, canal e
suporte material), linguagem ou sistema simbólico (códigos e repertórios) e
condições de fruição (modos de recepção).
Como qualquer mudança em um destes três elementos é suficiente para
diferenciar um meio de comunicação de outro (COELHO, 2004), acredito que o
media ecology possa servir de ferramenta teórica na análise dos Alternate Reality
Games, pois, segundo Neil Postman:
"1. qualquer OBJETO pode vir a constituir ou representar um meio de
comunicação;
2. o AMBIENTE onde se dão as relações humanas deve ser observado
como o espaço de um CONCERTO DE MÍDIAS;
3. a mídia será estudada, desta maneira, pelo IMPACTO que alguns de
seus elementos constituintes gera." (Coelho, 2004)”
A partir dos apontamentos de Postman é possível identificar os ARGs
como um sistema de comunicação formado por diversos meios, pois essa forma
de jogo procura utilizar diversos meios de comunicação existentes para atingir seu
público e seus jogadores, e que emprega a narrativa e os pequenos relatos
realizados pelos participantes (Lyotard) como forma de interligar esses meios.
Essa categoria será utilizada para observar os ARGs analisados nessa dissertação.
43
3 Alternate Reality Games (ARGs)
No segundo capítulo, foi apresentada a base teórica de análise dos
Alternate Reality Games (ARGs). Agora, serão explicados os principais termos
utilizados no jogo, e os antecedentes históricos que inspiraram e influenciaram o
surgimento desse tipo de jogo.
3.1. Terminologia
Para podermos analisarmos melhor os ARGs é importante entendermos
algumas das suas terminologias.
Puppetmaster /Mestre do jogo:
É uma das figuras principais de um Alternate Reality Game. Ele é
responsável por criar e conduzir a história. O puppetmaster não necessariamente é
apenas uma pessoa. Pode ser um grupo de pessoas - o que é muito comum em
ARGs grandes, onde seria impossível apenas uma pessoa conduzir a história. Os
mestres também criam os enigmas, a narrativa, as personagens, inclusive
controlando e realizando o contato das personagens com os jogadores
participantes.
Cortina / Behind the Curtain
A cortina é um termo originado da expressão “atrás da cortina” (“behind
the curtain”, expressão idiomática norteamericana; a tradução mais aproximada
deste conceito seria “por debaixo dos panos”). Significa, no caso específico dos
ARGS, a separação existente entre o mestre do jogo e os jogadores. Ou seja, seria
o espaço que o mestre utiliza para criar as ligações entre os personagens e os
jogadores, e onde ele manipula essas relações.
44
Rabbit hole25
/ Trailhead / Buraco do Coelho
É a porta de entrada para o jogo. Normalmente é um site, uma mensagem,
uma ligação, enfim, um meio de comunicação que é utilizado para atrair os
jogadores para o Alternate Reality Game, , funcionando como uma espécie de
“isca” para os participantes. Nos ARGs mais complexos ou abrangentes é muito
comum que eles utilizem os mais diversos meios para atraírem a atenção dos
jogadores. Dessa forma eles conseguem cooptar jogadores em diversos espaços
midiáticos.
3.2. Como funciona e se joga um ARG
Após apresentar uma parte da terminologia dos ARGs é importante observar
como um ARG funciona. Para realizarmos isso, será feito uma breve análise
descritiva do começo do funcionamento de um Alternate Reality Game.
O ARG apresentado será o “Conspiracy For Good”. Ele foi desenvolvido
por Tim Kring, criador da série de TV Heroes, e recebeu suporte tecnológico e
patrocínio da Nokia.
O jogo é baseado na história da organização Conspiracy For Good.
Durante muito tempo, a organização foi conhecida por fazer o bem nas áreas com
mais dificuldades. Agindo sempre de forma discreta, seus membros procuravam
beneficiar a população dessas áreas. Entretanto, as ações da organização atraíram
inimigos, sendo um deles a Blackwell Briggs, uma empresa multinacional com
base em Londres que trabalha com desenvolvimento de tecnologias de ponta
relacionadas à comunicação. A Blackwell Briggs está atacando a Conspiracy For
Good, e por isso, a organização pede ajuda a Tim Kring. Devido a suas
25
Habbit hole é uma referência ao livro de Lewis Carrol “Alice no País das Maravilhas”,
onde no primeiro capítulo “Down in a Habbit Hole” a protagonista Alice é atraída por um Coelho
Branco vestido com roupas um “habbit hole” e isso funciona como o passaporte para o ínicio de
suas aventuras. Esse termo e seu simbolismo também são utilizados no filme Matrix, quando
Morpheus diz a Neo: “ I imagine that right now you're feeling a bit like Alice.“ e continua ainda no
mesmo diálogo: “You take the blue pill and the story ends. You wake in your bed and believe
whatever you want to believe. You take the red pill and you stay in Wonderland and I show you
how deep the rabbit-hole goes. Remember -- all I am offering is the truth, nothing more”.
45
habilidades narrativas, ele conta a história da organização para atrair novos
agentes e espalhar o bem no mundo.
Rabbit Hole ou o começo do ARG Conspiracy For Good
O rabbit hole do ARG começou com um post de “J$” no blog Barley
Sarcasm26
pedindo para os jogadores enviarem vídeos dizendo “Eu não sou um
membro”, o que foi prontamente atendido por centenas de participantes.
Figura 1 - Post onde “J$” convoca os participantes no blog Barely Sarcasm27
Um tempo depois, foi lançado o site www.imnotamember.com onde
apareciam os vídeos enviados pelas pessoas. Nesses vídeos, as pessoas negavam
que eram membros da organização.
26
http://barelysarcasm.tumblr.com
27 http://barelysarcasm.tumblr.com/post/456807662/im-not-a-member-video-please-help-
plz-reblog
46
Figura 2 - Vídeo gravado por participante, negando que faça parte da
organização28
28
www.imnotamember.com
47
Figura 3 - Pedido para que os jogadores gravem seus vídeos29
Neste site havia um pedido para que as pessoas entrassem para a
“Conspiracy For Good” (http://www.conspiracyforgood.com/).
Quando os jogadores entravam no site, eles encontravam um post no blog
da organização os convocando para a ação. No post “A Call to Action” era
apresentada “A Lista”, que era o ponto central do movimento, onde as pessoas
poderiam postar causas, eventos e pedidos de ajuda.
29
www.imnotamember.com
48
Figura 4 – página principal do Conspiracy For Good, local onde são
concentradas as principais informações do jogo.
O blog do Conspiracy For Good concentra ações e participantes. E a partir
dele os jogadores receberão grande parte das novas informações e irão interagir
entre si. É bastante comum que os Alternate Reality Games estabeleçam estruturas
de agregação e troca entre os participantes. Isso não significa que os designers do
jogo não utilizem outras mídias para se comunicar. Eles usam as mais diversas,
entretanto é comum que exista um lugar que sirva de ponto central das
informações do jogo.
A partir disso, surgiram novos posts no blog explicando mais sobre a
organização, suas ações e pedindo para os participantes enviarem fotos e
informações para o site.
Todos esses acontecimentos ocorreram antes de 18 de Maio de 2010. Esta
informação é crucial pois, a partir desta data, acontece um fato importante dentro
da estrutura de jogo dos ARGs. É quando o fórum “Unfiction”, formado por
jogadores de ARGs, descobre o jogo.
O momento em que uma comunidade organizada de jogadores descobre
um ARG é um marco considerável daquele jogo, pois a partir disso o nível de
49
interação e troca entre os participantes aumenta muito. Será no tópico do jogo
criado no fórum (no caso o “Unfiction”) que eles irão compartilhar as informações
que cada um receber e buscam através disso resolverem coletivamente os
problemas/enigmas que surgem ao longo do jogo.
Figura 5 - Primeiro post no fórum do Unfiction, onde um jogador anuncia a
descoberta do ARG – Conspiracy For Good – 18 de Maio de 2010 30
A partir dessa descoberta inicial, os jogadores começam a compartilhar as
informações sobre o jogo, divulgando links, mensagens e conhecimentos que
obtiveram do jogo.
30
http://forums.unfiction.com/forums/viewtopic.php?t=29573&sid=a5c5f228f356130956623203301
9c32e
50
Figura 6 - A partir do primeiro post, novos jogadores também escrevem
compartilhando as informações que obtiveram31
É importante ressaltar a palavra [TRAILHEAD] no tópico sobre o jogo.
Como foi apontado na terminologia sobre os ARGs, Trailhead, assim como buraco
do coelho/ habbit hole, funciona como o ponto de partida do jogo, um chamariz
para atrair participantes.
Quando os jogadores descobrem o ARG é que ele fica mais intenso. A
partir disso, os mestres começam a disponibilizar mais informações sobre o jogo,
que fica mais dinâmico.
Como essa dissertação irá analisar posteriormente mais profundamente
outros ARGs - com um estudo de caso dedicado a cada um deles -, seria um
desvio de foco continuar o desdobramento do ARG Conspiracy For Good nesse
capítulo. Essa descrição do jogo foi feita apenas para apresentar a dinâmica do
ARG e fazer as pontes com a terminologia apresentada e utilizada nos Alternate
Reality Games.
31
http://forums.unfiction.com/forums/viewtopic.php?t=29573&sid=a5c5f228f356130956623203301
9c32e
51
Depois dessa breve apresentação de como funciona um ARG, iremos
discutir agora as categorias ou subgêneros desse jogo. Para essa análise, o “white
paper” da IDGA (International Game Developers Association) sobre Alternate
Reality Games, e suas categorias, será fundamental.32
3.3. Tipos de ARGs.
Os ARGs surgiram a partir de produtores independentes que aos poucos
foram traçando as características desse novo tipo de jogo. Porém, conforme uma
estrutura básica foi sendo estabelecida e novas experimentações lúdicas e estéticas
testadas, esse tipo de jogo começou a ter diversas manifestações. Estas possuem
particularidades, e dentro da comunidade dos ARGs, seja de produtores ou de
jogadores, essas características são utilizadas para classificar os ARGs dentro de
determinados gêneros. Serão observados o nível de interatividade, o público e a
forma de produção/financiamento. O white paper da IDGA sobre os Alternate
Reality Games foi a base teórica nessa análise.
Promocional
Os ARGs promocionais normalmente estão relacionados ao lançamento de
algum produto ou campanha. Eles costumar receber um grande aporte de recursos
e são construídos de forma a suportar e atingir o maior número possível de
pessoas.
Essa maior abertura de público se reflete em uma história mais simples e
com menos aberturas de participação. Ela normalmente é construída de forma que
o público possa ter algum tipo de participação em qualquer momento que tiverem
contato com a história, seja no começo, meio, ou no final. Não se exige que o
público tenha que se aprofundar no jogo tendo que seguir cada pista ou
informação para acompanhar a história.
Esse gênero de ARG normalmente é produzido por uma empresa
experiente no ramo, que é contratada pela empresa interessada na divulgação do
32
http://archives.igda.org/arg/resources/IGDA-AlternateRealityGames-Whitepaper-
2006.pdf
52
produto. A empresa produtora do jogo costumeiramente é também a responsável
pela condução da história durante o seu período de funcionamento.
Os ARGs promocionais também são marcados por deixarem mais claro
que são jogos e que possuem uma ligação com uma marca/produto, deixando mais
aberto o seu aspecto de marketing, que não é escondido do jogador. Inclusive, a
relação com a marca fica explícita no próprio site principal do jogo.
ARGS Comerciais
Os ARGs comerciais se apresentam como um serviço, em que os
jogadores devem pagar uma mensalidade para que possam participar. Ao mesmo
tempo, será esse valor que irá financiar essa experiência. O primeiro ARG a tentar
estabelecer esse tipo de modelo foi o Majestic (2001) produzido pela Eletronic
Arts.
Entretanto, esse jogo sofreu um problema estrutural. Ao mesmo tempo que
se exigia que os jogadores pagassem uma mensalidade para participar do jogo, ele
tentava se apresentar aos jogadores como se não fosse um jogo, buscando atingir o
princípio de TINAG33
(This is not a game) dos ARGs. Essa personalidade dupla
não conseguiu proporcionar a imersão desejada e o jogo não obteve o público que
a Eletronic Arts esperava - e acabou sendo cancelado antes de terminar:
“Majestic atraiu uma audiência tão anêmica que a Eletronic Arts resolveu
abandonar a história no meio do caminho. Das 800.000 pessoas que inicialmente se
registraram gratuitamente para a primeira parte do jogo, apenas 71.200
completaram o processo. Esse número cai para 10.000 a 15.000 inscritos quando
chega a hora de pagar. Foi uma grande experiência, mas que custou para a EA entre
U$ 5 milhões e $7 milhões” 34
Apesar da experiência do Majestic em relação ao público não ter sido
muito bem sucedida, ocorreram outras experiências de ARGs comerciais.
Uma dela foi o ARG Perplex City produzido pela Mindy Candy. A história
33
O termo TINAG, sigla de “This is not a Game”, corresponde a um pacto entre os
jogadores de ARGs pela defesa da imersão narrativa, ou seja, apesar de saberem que é um jogo,
eles se comportam e participam dele como se não fosse um. A partir desse princípio estético, os
jogadores evitam comentar assuntos não relacionados a narrativa e que fujam do mundo ficcional. 34
http://money.cnn.com/2001/12/19/technology/column_gaming/ -
Tradução livre do autor.
53
do jogo é sobre uma civilização tecnologicamente muito mais avançada que a
nossa, que vive em um outro planeta. Essa civilização adora quebra-cabeças,
tendo inclusive os elegido como uma forma de arte.
Uma das suas principais obras de arte, “The Receda Cube”, foi roubado de
um museu e trazido para a Terra. Como essa civilização, apesar de avançada, não
consegue viajar para a Terra, mas consegue interferir nos sistemas de
comunicação daqui, eles utilizam esse canal de comunicação para pedir ajuda para
recuperar seu objeto de arte.
O Perplex City procurou funcionar com sistema de temporada, sendo que
a primeira durou de 2005 a 2007 e apresentou dois modelos de negócio: o
primeiro era um jogo de caça ao tesouro e o segundo uma história de mistério. O
primeiro era pago e prometia um grande prêmio em dinheiro no final; o segundo
era gratuito.
Ao longo da primeira temporada, o ARG teve cerca de 26 mil jogadores.
Após o término, os produtores prometeram lançar uma segunda temporada.
Entretanto, esse lançamento foi adiado diversas vezes, até que, por fim, a Mindy
Candy anunciou que não havia mais planos para produzi-la.
Os ARGs comerciais tendem a ter uma abertura de participação com
grande variação, dependendo do perfil e do público nos quais estão focados, e
qual a reação desse público frente ao serviço que estão contratando.
“Single-Player”
O ARG single-player é um subgênero que busca possibilitar aos
participantes jogarem sozinhos. Do ponto de vista teórico e estrutural, grande
parte dos ARGs podem ser jogados sozinhos, entretanto, devido a grande
complexidade da história e os múltiplos suportes utilizados, é muito difícil que
somente uma pessoa consiga acompanhar e resolver todo o jogo.
Os ARGs single-player procuraram resolver esse problema, normalmente
desenvolvendo uma narrativa e desafios mais simples. Além disso, essa forma de
jogo também procura estabelecer uma estrutura temporal bem definida e
independente, de forma que os jogadores possam jogar o ARG em qualquer
momento, sem estarem presos ao tempo do jogo. Por exemplo, se os produtores
desenvolvem um ARG que para se chegar ao seu final, o jogador deva dedicar
54
duas semanas de seu tempo, eles irão criar isso de forma que o jogador consiga
resolver os desafios do ARG quando puder dedicar seu tempo a isso. Nos ARGs
single-players o tempo do jogo não é associado ao tempo da vida real do jogador.
Dessa forma, o jogador pode jogar quando tiver tempo disponível. Nesse jogo, o
nível de exigência e dedicação é menor.
Além disso, os ARGs single-player pode ser jogados mesmo que o tempo
inicial do jogo tenha passado. Normalmente, os outros tipos de ARGs possuem
um período de tempo do jogo (algumas semanas, alguns meses e até mesmo o
período de um ano). Entretanto, ao acabar esse tempo, o jogo é encerrado e
dificilmente novos jogadores conseguirão jogar. Os ARGs single-player não são
assim: desde que sua estrutura continue online eles podem ser jogados em
qualquer momento.
Esse tipo de jogo, normalmente é muito utilizado em campanhas
promocionais, pois sua estrutura facilita o acesso para um grande número de
pessoas não acostumados a jogarem Alternate Reality Games. Além disso, o fato
dos jogos continuarem online, mesmo após o término do tempo “oficial” de jogo,
permite que novos participantes possam estar sempre o conhecendo, assim como o
elemento promocional que foi promovido por esse ARG.
Grassroots - Independentes
Os jogos "grassroots" podem ser classificados como jogos
alternativos/indies, ou seja, são feitos por pessoas interessadas em ARGs e que
não têm finalidade comercial nem promocional.
Esses jogos normalmente são feitos por jogadores ou ex-jogadores que
procuram organizar um jogo para outros participantes. Inclusive o primeiro ARG
grassroot foi um jogo feito por um coletivo de jogadores denominado "The
Jawbreakers". Grande parte destes jogadores se conheceram durante o ARG "The
Beast", quando utilizavam o nome de "The Cloudmakers".
O ARG que eles desenvolveram recebeu o nome de "Lockjaw" (2002) e
teve um considerável sucesso. O grupo de discussão formado pelos jogadores no
Yahoo chegou a ter 700 participantes. Segundo dados dos produtores35
, o site
35
http://www.christydena.com/online-essays/arg-stats/
55
principal do jogo chegou a ter 10.000 acessos únicos de IP em um único dia. Além
disso, os jogadores desse ARG também deram origem ao principal site (ARGN36
)
e forum (Unfiction)37
relacionados a esse tipo de jogo.
Os ARGs "grassroots" costumam caminhar para duas vertentes: a primeira
procura expandir a história oficial de um outro jogo mais comercial. Isso acontece
principalmente quando o jogo terminou e os jogadores desejam explorar melhor o
seu cenário ou desenvolver outras pontas da história que ficaram abertas. A outra
vertente dos "grassroots" são os jogos criados a partir do zero: os organizadores
desenvolvem um roteiro, uma história e a partir disso começam a construir todo o
desenvolvimento do jogo e seus suportes midiáticos.
Esse tipo de jogo possui um custo muito menor do que os ARGs
promocionais, e normalmente é dividido entre os organizadores e doadores.
Apesar de ter um valor de produção menor, não significa que esse tipo de jogo não
tenha qualidade.
Normalmente os autores dos jogos são pessoas com grandes
conhecimentos técnicos e jogadores experientes de ARGs, procurando
desenvolver o projeto da melhor forma possível. Entretanto, como o jogo depende
do voluntariado dos organizadores, é bastante comum que esses tipos de jogos
terminem de forma inesperada, ou que aconteça uma espécie de abandono do
jogo, quando por algum motivo alguns organizadores não conseguem mais
participar da produção.
Educacional
Outro gênero de ARG que se estabeleceu foi o “ARG Educacional”. Esse
gênero do jogo procura desenvolver sua história de forma a atingir os objetivos
educacionais estabelecidos. Essas metas são definidas pelo corpo educacional que
faz parte dos produtores do jogo. Eles definem que tema/conceito o jogo deve
trabalhar, e a partir disso os autores irão desenvolver uma narrativa que busque
incorporar esses elementos na trama.
Enquanto os ARGs promocionais procuram promover, por exemplo, um
36
http://www.argn.com/
37 http://www.unfiction.com/
56
livro ou um filme, os educacionais procuraram desenvolver uma forma de saber
ou prática.
Esse tipo de ARG normalmente possui escopos variados. Ele pode ter
poucos recursos e uma abrangência menor, como por exemplo um ARG
desenvolvido por uma biblioteca e que tem como objetivo apenas atingir esse
público, ou pode ser bem mais expansivo, como o ARG “World Without Oil” que
recebeu verbas de diversas organizações e tinha como alvo um grande número de
participantes.
Um exemplo de ARG educacional foi o Ruby‟s BeQuest38
. A história se
passa no futuro, em uma cidade fictícia denominada Deepweel. Em 2009 uma
desconhecida moradora chamada Ruby Wood deixa em seu testamento algum
dinheiro para a cidade. Ela costumava pensar que a cidade poderia melhorar a
solidariedade entre seus habitantes. Em março de 2010 seu advogado abriu seu
testamento: para que a cidade pudesse ganhar o dinheiro, ela deveria atingir 300
pontos no índice de solidariedade (índice estabelecido pelos designers do jogo).
Buscando uma forma de atingir esse objetivo, os moradores da cidade criaram um
website onde convidam as pessoas a contarem suas histórias e compartilharem
maneiras de aumentar a gentileza entre as pessoas. O jogo teve seu próprio padrão
de tempo, tendo início em 2009 e indo até 2016. Esses 7 anos passaram ao longo
dos 60 dias de duração de jogo, que teve início em 7 de março e foi até 10 de abril
de 2009.
O jogo foi desenvolvido pelo “Institute for the Future” e teve patrocínio da
United Cerebral Palsy e AARP. Seu objetivo era promover “uma única e imersiva
experiência no qual milhares de pessoas ajudam a prever o futuro da solidariedade
nos Estados Unidos”.
Os game designers trataram de criar a base do jogo, o cenário e a
ambientação. O resto deveria ser criado pelos participantes.
O conteúdo do site instigava os visitantes a darem recomendações que
contribuíssem no desenvolvimento da gentileza da cidade. Cada recomendação
que os participantes davam através de suas histórias valia um ponto no índice
solidariedade criado pelos games designers.
Um aspecto interessante do Ruby‟s Bequest é que apesar de ser um jogo,
38
http://www.rubysbequest.org/
57
ninguém está disputando com ninguém, todos trabalham de forma coletiva
buscando alcançar a meta no índice de gentileza. Dessa forma a cidade iria
conseguir satisfazer a cláusula do testamento da misteriosa Ruby‟s Wood.
Outro ARG educacional bastante interessante foi o World Without Oil. O
alternate reality game World Without Oil (WWO)39
foi um jogo lançado em 2007,
patrocinado pela Corporation for Public Broadcasting e tendo como principais
game designers Ken Eklund e Jane McGonical. Ao longo do seu período de
duração, o jogo contou com cerca de 1500 jogadores regulares e cerca de trinta
mil visitantes acompanharam o site.
WWO foi desenvolvido para que os jogadores vivessem a imersão em um
mundo onde ocorre uma súbita crise de petróleo. A partir disso, eles eram
incentivados a relatarem e compartilharem através de blogs, vídeos, áudio e toda a
forma disponível de comunicação, como eles viviam nessa situação e o que
poderiam fazer para melhorá-la.
O jogo durou 32 dias e cada dia foi contato como uma semana dentro do
tempo de jogo. Dessa forma os participantes viveram imersos numa crise de
petróleo que durou semanas.
3.4. Antecedentes dos Alternate Reality Games (ARGs)
Após ter apresentado a terminologia existente nos ARGs, suas categorias e
subgêneros, serão apresentados os antecedentes dos Alternate Reality Games.
Esses antecedentes serão baseados em experiências (principalmente jogos) que
buscaram transitar entre o real e o ficcional. Uma outra categoria de seleção dos
antecedentes foi a de que estes experimentos respeitassem um princípio
fundamental dos ARGs, que é o “TINAG”(This is not a game!) ou seja, o
princípio de que, por mais que sejam experiências ficcionais e/ou lúdicas, elas
jamais devem procurar deixar isso explícito.
Serão observadas as raízes dos ARGs nos Live Action Role Playing Game
(LARPS), nos “hoaxes” (que são uma inspiração para os ARGs), nos antecedentes
desse tipo de jogo na ficção e as influências de determinadas formas de arte nos
39
http://www.worldwithoutoil.org/
58
ARGs. Para essa tarefa, o auxílio do livro “Pervasive Games: Theory and Design”
de Markus Montola, Jaakko Stenros e Annika Waern será fundamental.
O pesquisador Markus Montola (2009), citando o game designer Martin
Ericsson(2004), diz que um dos primeiros “jogos” que rompia os limites bem
delimitados de espaço, tempo e participação foi um ancestral jogo egípcio que
possuía elementos dos “live actions”, denominado “Abydos”. Nesse “ritual
lúdico” o clímax acontecia quando o Faraó (que fazia o papel de Osíris) matava
Seth, que era representado por um hipopótamo (MONTOLA, STENROS,
WAERN, 2009). Nas palavras de Ericsson:
“Os jogos em Abydos não foram os primeiros dramas participativos e nem os
últimos. Ao longo das eras e através do globo nós achamos espetáculos similares de
“role-playing sério” desde ritos iniciáticos até carnavais.” (ERICSSON, 2004, apud
MONTOLA, STENROS, WAERN, 2009)
A questão importante a ser destacada nos “Jogos de Abydos” é o
rompimento com as barreiras estabelecidas em torno da participação, espaço e
tempo. Quando um jogo ou uma atividade rompe uma ou mais dessas fronteiras
ele se aproxima do princípio dos Alternate Reality Games de misturar realidade
com ficção.
Stenros e Montola, ao comentar sobre os “pervasive games”, apontam o
manifesto de uma empresa de Nova York ligada ao ramo, como um parâmetro
para nortear alguns dos antecedentes desse tipo de jogo.
“[Pervasive games] have their roots in the neighborhood games of childhood; in
the campus-wide games and stuntsof college; in the nerd-culture of live-action
role-playing and Civil War re-enactments; in the art-culture of Happenings and
Situationism; in urban skateparks, paintball fields and anywhere people gather
together to play in large numbers and spaces.” (Ibidem, 2009, Pervasive Games, p.
53-54)
Live Action Role Playing Game (LARP)
A origem dos Live Action Role Playing Games é confusa. Esse tipo de
jogo parece ter tido duas influências fundamentais para a sua origem40
. Uma delas
foram os grupos de “Reencenação Histórica” (do inglês Reenactment).
40
HART, 2007. http://www.le.ac.uk/ms/m&s/Issue%2014/lainhart.pdf
59
A “Reencenação Histórica” tem antecedentes em períodos distantes. Os
romanos recriavam suas batalhas nos anfiteatros, e apresentavam um espetáculo
público onde os participantes poderiam vivenciá-las. Na Idade Média os torneios
medievais, além de se inspirarem nos jogos romanos, também procuraram imitar
certos eventos romanos, procurando reconstruí-los para o público presente. As
reencenações históricas irão ocorrer em outros momentos, como em 1920, que se
procurou reconstruir a “Tomada do Palácio de Inverno” ocorrida em 1917. Esse
evento acabou influenciando Sergei Eisentein em seu filme “Outubro”.
A Reencenação Histórica também é muito forte nos EUA, segundo Lain
Hart. Os “reencenadores” surgiram logo após a Guerra Civil americana. Segundo
o autor:
“Reenactors have staged recreations of Civil War battles almost since the
conclusion of the war itself. Union veterans, as a group called the „Grand Army of
the Republic‟, started holding battlefield reunions in the 1870s. They camped in
canvas tents and publicly performed the most famous moments of the conflict,
sometimes fighting National Guardsmen who impersonated the Confederates, but
sometimes re-fighting the Southern veterans themselves”41
Esse tipo de atividade também acontece na Europa. Um exemplo disso é
“O Palio de Siena”42
, que é uma reencenação que acontece anualmente e é uma
famosa atração turística da Itália; na Inglaterra, várias datas comemorativas
possuem reencenações nas atividades e muitas têm cunho educacional.43
Hart também aponta uma característica interessante das reencenações
históricas, que são bem próximas a dos Alternate Reality Games: ele diz que a
reencenação não está só ligada ao lugar físico, e sim que os participantes
procuram ter uma experiência individual da história que depende de um esforço
do grupo, ou seja, os participantes são responsáveis por construir coletivamente a
imersão da situação histórica vivida, assim como também ocorre nos ARGs.
Outro ponto interessante destes grupos é que eles procuram recriar uma
situação ou momento histórico através da reprodução dos figurinos, cenários,
objetos, ou seja, toda a forma de produção que procure recriar o momento que eles
estão estabelecendo.
41
Kauffman apud Hart, 2007, p. 105
42 http://www.ilpalio.org/palioenglish.htm
43 http://www.historic-uk.com/HistoryUK/LivingHistory/LivingHistorySocieties.htm
60
Os grupos de “reencenação histórica”, apesar de serem uma influência
para os LARPS, possuem uma diferença fundamental em relação a estes jogos.
Eles não trabalham com situações ou personagens fictícios, procurando retratar da
forma mais real possível situações ou momentos passados. Outros eventos que
inspiraram os grupos de “Live Action” foram as Feiras Medievais e
Renascentistas, muito comuns nos EUA e Europa.
A outra influência dos LARPS são os grupos de jogos de RPG, que ao
misturarem características do “teatro do improviso” em seus jogos, começaram a
recriar algumas situações vivenciadas em suas sessões. Esse processo foi
ocorrendo ao longo dos anos 70 e 80 com diversos grupos pelos EUA. Os grupos
possuíam alguns elementos em comum, como o gosto pela ficção científica ou o
fato de jogarem jogos de tabuleiros, wargames, ou seja, compartilhavam o gosto
por jogos e procuravam criar situações que pudessem expandir essa experiência
para o mundo físico, vivenciando a ficção em espaços reais.
O uso do espaço público, a mistura de realidade e ficção e a imersão dos
jogadores dentro da história, vivenciando inclusive fisicamente essas histórias e
seus desdobramentos fazem dos LARPS um forte antecedente e elemento de
inspiração dos ARGs.
Antecedentes na Ficção
A lista de antecedentes dos ARGs na ficção pode ser enorme, já que muitas
obras procuraram incorporar elementos lúdicos e de abertura. Bryan Alexander44
(2006) procurou listar obras que procuraram misturar realidade e ficção, obras
ficcionais que buscaram se passar por relatos verídicos ou mesmo obras cujos
autores procuraram escrever através de pseudônimos e dessa forma construir um
falso aspecto de realidade sobre a obra. Seu trabalho será fundamental nessa
análise.
Segundo Alexander, G. K. Chesterton, em seu livro “As aventuras do padre
Brown” (1905), desenvolveu uma história baseada nos princípios do ARG. Nas
suas férias, o personagem principal se vê envolvido em um trama de
acontecimentos que na verdade estão sendo realizados para ele por uma agência, a
44
ALEXANDER, Bryan, Alternate Reality Games White Paper - IGDA ARG SIG, 2006
61
Agência de Aventuras e Romance Limited. É interessante observar que agência
procura estabelecer a história em sua vida sem que ele perceba, e para isso
implanta diversos atores interpretando seus vizinhos, pessoas que procuram
estabelecer amizade com ele, lugares secretos e situações que são criadas para que
ele vivencie coisas diferentes. A experiência só termina quando o padre Brown
descobre isso tudo e a partir disso a agência apresenta a conta com o valor da
experiência que ele viveu. (ALEXANDER, 2006)
A trama dessa obra poderia ser considerada um ARG, claro que com uma
característica muito mais profunda que os ARGs atuais afinal, o participante não
sabe que está fazendo parte disso. Porém, a idéia de uma situação ficcional e
lúdica que envolve o participante, fazendo essa mistura de realidade e ficção, é
uma característica bem particular dos ARGs.
Outro excelente exemplo de ARG na ficção é o filme “The Game” do
diretor David Fincher (ALEXANDER, 2006). Na obra, Nicholas Von Ort é um
banqueiro que no dia que completa 48 anos recebe um presente inusitado de seu
irmão Conrad, que permite que ele tenha um divertimento “diferente”
proporcionado pela agência “Serviços de Recreação ao Consumidor”. Quando ele
aceita isso, sua vida começa a virar de cabeça para baixo, e ele começa a ser
envolvido em uma trama em que tem que resolver quebra-cabeças, encontrar
pessoas misteriosas, ir para lugares onde nunca havia ido antes. É interessante que
apesar de ser um filme, a história é estruturada como se fosse um jogo e o filme só
avança (e o jogo também) caso Von Ort vá solucionando as questões em que ele
está envolvido.
A premissa de uma pessoa se envolvendo num jogo que acaba tomando
conta da sua vida, a necessidade de decifrar dicas e pistas para conhecer melhor a
trama que está envolvido são características comuns de ARGs e a experiência que
David Fincher desenvolveu nesse filme pode ser considerada um antecedente bem
interessante desse tipo de jogo.
Segundo Alexander, outro autor que levou a ficção para um patamar muito
próximo da experiência dos Alternate Reality Games foi o escritor canadense
William Gibson. (ALEXANDER, 2006). O autor, um dos fundadores do gênero
cyberpunk, em seu livro “Reconhecimento de Padrões” conta a história de uma
especialista em marketing chamada Cayce Polard, especialista em encontrar
“novos talentos”. Em meio uma trama que começa a envolver sua vida, ela é
62
contratada para encontrar o autor de uma série de vídeos que estão sendo lançados
e colocados de forma aleatória na internet.
Nesse ponto o trabalho de William Gibson é bastante visionário: o criador
dos vídeos espalha seu conteúdo de forma que diversas pessoas tenham que se
reunir para discutir sobre eles e compartilhar pedaços que elas tenham encontrado,
buscando dessa forma visualizar a partir de diversas partes o todo que forma o
filme. Para realizar essa tarefa os participantes se encontram em listas de
discussão para tornar mais fácil a troca de informações. O que Gibson fez de
forma pioneira nesse livro é uma das formas que os ARGs utilizam para
desenvolver sua narrativa e estimular o trabalho colaborativo de seus jogadores.
Segundo Bryan Alexander, quem também teve sua obra expandida para
além dos aspectos ficcionais foi H.P. Lovercraft. Em diversas obras, Lovercraft
faz referência a um livro chamado Necronomicon. Nesse livro há informações
sobre como invocar demônios e teria sido escrito por Abdul Alhazed. Apesar de
ambos (livro e autor) serem fictícios, existem diversas “cópias” do Necronomicon
pela internet e inclusive uma é vendida pelo site da livraria virtual amazon.com
(ALEXANDER, 2006). Muitas pessoas realmente acreditam que o livro exista e
seja verídico.
Artes e ARGs
Um outro antecendente dos ARGs foram algumas formas de arte que
romperam as fronteiras entre espaço e público. Nessa análise, o livro de Markus
Montola “Pervasive Games – Theory and Design” será de grande auxílio.
Dentre essas manifestações artísticas, podemos apontar o “Teatro do
Oprimido” e o “Teatro do Invisível” de Augusto Boal como uma manifestação
artística que se aproximou dos ARGs. Outras manifestações que se aproximam
dessa forma artística foram os “happenings” e as perfomances. Algumas
manifestações dentro dessas formas de arte quebraram a “quarta” parede de
Brecht (MONTOLA, STENROS, WAERN, 2009).
É importante fazer uma breve definição da “quarta parede”. Há dúvidas
sobre a origem do termo, mas ele teria surgido no século XX com o teatro realista.
A quarta parede seria o espaço imaginário que separa o público dos atores, uma
63
parede invisível que fica bem na frente do palco. As teorias de Brecht propõem
que essa parede seja derrubada, tirando a passividade do público e fazendo que ele
participe da peça.
O teatro do oprimido de Boal procurava fazer exatamente isso: os atores
encenavam seus textos nos lugares mais diversos, procurando estimular a
consciência e o discurso do público através de sua participação.
Segundo Boal (2002), falando sobre o Teatro do Invisível, seu público é
formado por espectadores atores. Os participantes decidem se vão assumir um
papel, ou outro, e até mesmo os dois. O importante é que Boal força essa escolha
de decisão e que isso seja algo consciente por parte do público (MONTOLA,
STENROS, WAERN, 2009).
Outra manifestação artística que se aproximou dos ARGs foram as obras
de Ray Johnson. Em suas obras, como a “Zen”, Ray Johnson procura desmontá-
las em pequenas peças e enviá-las para as galerias ou para o público. Essas obras
muitas vezes assumiam o aspecto de quebra-cabeças onde cada peça deveria ser
montada de forma coletiva pelo público. Essa resolução coletiva de quebra-
cabeças e usando espaços públicos se assemelha a alguns ARGs que utilizam
esses recursos para envolver seus participantes e desenvolver sua narrativa.
Outra autora que procurou utilizar o espaço público como parte da obra
artística foi Fiona Templeton. Em sua obra “You – The City (Carr, 1993;
Templeton, 1990), ela procurou realizar uma jornada teatral urbana onde o
espectador era levado pela cidade enquanto participava da peça e sem saber
direito quais eram as regras que definiam essa apresentação.
As conexões dessas manifestações artísticas e os ARGs são constantes.
Ambas utilizam o espaço público, sejam as ruas, galerias ou praças. Elas também
procuram estimular que o público participe, se tornando membro do evento e
misturando-se com ele. Essa mistura faz com que o público não seja somente
público, mas também parte do espetáculo, como Boal procurava fazer com seus
“espectadores atores”, dessa forma a fronteira entre e real e ficção se rompe, e
essa característica foi fundamental para o desenvolvimento dos Alternate Reality
Games.
64
3.4.1. Hoax: definição e história
Outro antecedente que serve de inspiração aos ARGs são os hoaxes. Hoax é
uma palavra dificil de definir; o mais próximo em português seria "boato, "lenda",
“rumor”. Buscando uma definição no Oxford English Dictionary , a palavra
"hoax" aparece a primeira vez em 1796 no "Grose's Dictionary", e aparece outras
vezes ao longo do século XIX. Segundo o dicionário Oxford, hoax seria: "um ato
de boato, uma decepção humorística ou maliciosa, geralmente sob a forma de uma
invenção de algo fictício ou errado, dito de forma a impor credulidade à vítima”.
(WALSH, 2002)
Como bem apontou Lynda Walsh(2002) sobre essa definição, é
interessante observar que um "hoax" não está ligado a um objeto ou alguma coisa,
mas sim a um processo, um evento. O hoax é uma ação, uma "fabricação" de uma
história e ou evento, que buscar ludibriar as pessoas buscando se passar como algo
real, quando na verdade é uma ficção.45
Para que um hoax funcione, ele deve buscar convencer seu leitor/usuário
da sua veracidade e também incentivá-lo a compartilhar aquela
história/informação para que ela se espalhe rapidamente.
Apesar da palavra "hoax" aparecer a primeira vez somente em 1796, essa
manifestação já existe há muito mais tempo. Serão apontados alguns "hoax"
famosos para exemplificar melhor esse conceito.
A Doação de Constantino foi um "hoax" produzido no século VII e que
buscava se passar como um documento do século IV. Escrito em latin, descrevia
um decreto imperial onde Constantino I, o Grande, passava seus direitos políticos
e seus domínios territoriais para o Papa Silvestre I. O documento afirmava que o
imperador passava seus domínios, que abrangiam inclusive Roma e o resto do
Império Romano do Ocidente, para o religioso em troca deste ter curado sua lepra
no século IV. Já na Idade Média havia dúvidas sobre a veracidade do documento.
Porém, em 1440 o estudioso Lorenzo Valla, através de um análise textual,
comprovou que aquele documento jamais poderia ter sido escrito nos anos 400.
Apesar disso, a Igreja manteve a afirmação de que o documento era verdadeiro até
45
WALSH, Lynda. What is a Hoax?: Redefining Poe‟s Jeux d‟Esprit and His
Relationship to His Readership,2002.
65
o século XVIII.
Outro "hoax" famoso foi o do poeta Thomas Chatertton. Chatertton foi um
poeta britânico do século XVIII que possuiu um gosto enorme pela poesia e obras
medievais. Apesar de escrever constantemente usando seu nome para o Bristol
Journal, em 1768 ele escreveu um poema chamado Elinoure e Juga e atribuiu a
autoria a um monge do século XV denominado Thomas Howley. Para dar
veracidade a história, ele disse que havia encontrado o manuscrito do poema
numa igreja. Essa peça fez um grande sucesso e Chatertton publicou outros
poemas sob o nome Howley, como An Excelente Balade of Charitie, sem nunca
ter assumido a autoria das obras.
Chatertton, após ter tido algumas das suas obras negadas, acabou se
suicidando em junho de 1770 antes de completar 18 anos. Após sua morte, seu
pseudônimo se tornou famoso, tendo inclusive tido sua obra completa publicada
em 1777, com o prefácio de Thomas Tyrwhitt, que era um perito em
medievalismo. O pseudônimo de Chatertton chegou inclusive a entrar como autor
medievalista num livro chamado História da Poesia Inglesa.
Um "hoax" mais recente e que criou grande polêmica foi o livro
"Fragmentos: memórias de uma infância em guerra: 1939-1948", escrito por
Binjamin Wilkomirski. O livro se passou como autobiográfico contando as
memórias de um judeu durante o período em que viveu em um campo de
concentração. Muito bem escrito e comovente, o livro foi considerado uma das
grandes obras literárias da humanidade, e Wilkomirski foi colocado ao lado de
grandes autores, como Homero. Diversas instituições judaícas apoiaram a obra e a
divulgaram, chegando inclusive a premiá-la. Wilkomirski se tornou uma
celebridade, dando diversas palestras e entrevistas, e durante esses eventos ele
expandia as histórias narradas no livro, inclusive dando novas referências
históricas.
Entretanto, em 1998 um jornalista suiço denúnciou a obra, dizendo que
havia levantado informações sobre Benjamin Wilkomirski e que ele não era nada
disso que havia dito. A partir dessa denúncia foi feita uma investigação em que
descobriu-se que ele não era judeu e nunca havia vivido em um campo de
concentração. Benjamin foi desmascarado. Essa obra gerou uma série de
discussões: por exemplo, críticos continuaram afirmando que ela possuía grandes
qualidade literárias e não era por ser uma “farsa” que poderia ser desclassificada
66
totalmente. Porém, essas ponderações foram minoria e o livro acabou no
ostracismo.
Essa descoberta também levou a uma grande polêmica com as instituições
judaicas. Como haviam ajudado a financiar e inclusive premiado o livro, foi uma
situação complicada quando elas descobriram a verdade.
Esse "hoax" apresentou muitas características dos ARGs, como o fato da
obra procurar se passar como verdade e de uma série de eventos (como as
entrevistas do autor) procurarem expandir a história da obra e dar credibilidade
aos fatos e acontecimentos ficcionais.
Um famoso autor que se utilizou de "hoax" foi Edgar Allan Poe, como
bem apontou Lynda Walsh. Seu primeiro "hoax" foi um conto chamado “Uma
Aventura sem paralelo de um certo Hans Pfaall” (The Unparalleled Adventure of
One Hans Pfaall), onde ele narra a história de um comerciante holandês que faz
uma viagem de 19 dias em direção a Lua utilizando um balão. Chegando lá ele
descreve o ambiente e a vida das pessoas. Poe procura aumentar a credibilidade da
sua história narrando em diversas páginas do conto o processo "científico" de
construção do balão, as características da atmosfera da Terra e como isso
possibilitou a viagem. (WALSH, 2002)
Porém, dois meses após a publicação de seu conto, Richard Adams Locke
publica outro "hoax" sobre a Lua. O conto de Locke falava de um novo
telescópio, muito poderoso, que permitiu que a superfície da Lua fosse observada.
Locke descreve o que foi visto - animais, bisões e até mesmo alguns seres
humanóides. O conto de Locke fez muito mais sucesso que o conto de Poe e isso
gerou uma série de reflexões de Poe sobre o assunto.
Os dois hoaxes sobre a Lua, citados anteriormente, compartilhavam um
tema em comum: trabalharem aspectos científicos. Segundo Walsh, isso ocorreu
devido ao período histórico em que eles foram publicados. O hoax de Poe saiu em
1844 e o de Locke, em 1845. Esse período do século XIX foi marcado por uma
grande expansão de universidades e pelo intenso desenvolvimento da ciência.
Porém, apesar dessa produção, o discurso oficial sobre as descobertas científicas
era muito mais lento do que o processo de produção de conhecimento. Dessa
forma, havia uma lacuna muito grande entre o que era produzido e o que chegava
ao público de forma oficial. (WALSH, 2002)
Essa lacuna foi essencialmente preenchida pelos jornais de divulgação
67
científica como o “American Journal of Science” ou “Siliman's Journal”.
Entretanto, mesmo os menores jornais e os mais populares possuíam colunas
relacionadas à divulgação científica. Segundo Walsh, havia espaço para
brincar/produzir entre o que hoje chamamos de “hard science” e “pseudoscience”.
Será nesse espaço que os autores irão produzir seus hoaxes, se alimentando dessa
explosão científica e o aumento do interesse do público nessa área, e também da
falta de comunicação oficial. Era mais fácil produzir hoaxes ligados à área
científica e divulgá-los como verdade. Walsh afirma que os escritores aproveitam
essa abertura retórica entre “ciência” e “imaginação” para construir suas histórias
através do hoax.
Além do período de expansão científica, outra característica histórica que
estabeleceu condições propícias para o desenvolvimento dos hoaxes foi a
Revolução Industrial. Walsh, citando Miles Orvell e seu livro “The Real Thing”,
afirma que os “hoaxes” tiveram que esperar a Revolução Industrial e duas
condições essenciais que ela trouxe para se estabelecerem. A primeira condição
está relacionada ao desenvolvimento das máquinas e sua capacidade de produção
de objetos iguais. Esses objetos produzidos em série iam parar nas casas das
pessoas. Dessa forma, o impacto das máquinas e os benefícios que esses objetos
produziam para as pessoas foram aos poucos entrando na consciência do público.
Segundo Orvell, a segunda condição foi o impacto que a expansão econômica
proporcionada pela Revolução Industrial ocasionou nas relações comerciais e
pessoais. Se anteriormente as pessoas se relacionavam com um vendedor
individual (uma mercearia, por exemplo) ou um pequeno agricultor, com quem
realizavam diversas trocas para obter seus produtos, a partir da Revolução
Industrial elas passaram a realizar repetidas relações comerciais com estranhos.
Esse novo tipo de relação transformou a base dos relacionamentos, passando de
uma confiança no “ethos” pessoal para modelos gerais ou esquemas de comércio,
ou seja, não havia mais essa relação de proximidade com quem você estava
comercializando; isso foi substituído por “como” você está comercializando. O
que importava agora era a forma e não o conteúdo. Orvell afirma que essas
condições foram essenciais para tornar o desenvolvimento de “hoax” possíveis.
Outros fatores importantes a serem considerados nas modificações que
ocorreram na sociedade e permitiram um maior desenvolvimento de hoax e sua
aceitação frente a épocas passadas são o desenvolvimento maior da imprensa e do
68
número de pessoas alfabetizadas. Ou seja, era necessário que a informação
pudesse ter um suporte onde circular e também um público leitor.
Para um hoax se estabelecer de forma completa, Boese afirma que é
necessário um escritor, um observador e uma audiência. O autor afirma que essas
características reforçam o aspecto de que um “hoax” se realiza a partir de uma
troca pública na sociedade. E será também a sociedade que irá validar o que é
verdade e o que é falso em sua cultura. Outro autor que corrobora essa visão é
Hugh Kenner, que diz que o falso, a mentira, servem para trazer o leitor de volta
ao que é real. 46
Esse contexto histórico, alguns exemplos e a origem do termo nos
primeiros dicionários contribui na compreensão de algumas características dos
“hoax”, porém ainda é necessário buscar uma definição para o termo. Lynda
Walsh irá ser de grande ajuda nessa tarefa. A autora, diante da dificuldade de
apresentar uma definição para os “hoax” devido à natureza evasiva do objeto,
procurará definir o que o “hoax” não é.
A autora diz que a dificuldade em definir um “hoax” está alicerçada no
fato de que grande parte dos elementos que compõem um “hoax” ocorrem de
forma extratextual. Segundo ela, essa realização extratextual está relacionada a
três problemas (WALSH, 2002).
O primeiro problema extratextual, é o Hoax se revelar fora do texto e da
leitura do leitor47
. O termo revelar aqui é usado no sentido de mostrar sua real
natureza - um “hoax” jamais vai dizer que ele é uma mentira. Ele só terá sua
natureza revelada de forma extratextual, através de algo ou alguém que denuncie o
que ele é. Ou seja, o “hoax” não está preso em sua obra. Ela precisa do
participante, do interator para se apresentar.
O segundo problema está relacionado às intenções do autor. Se um autor,
quando produz um texto, acredita que ele é verdadeiro, mesmo que seja um hoax,
pode-se considerar essa obra um hoax? Ou uma obra somente será um “hoax”
quando o autor assim também a identificar?
Ainda segundo Walsh, o terceiro problema é o fato do “hoax” se mover
46
Boese apud Walsh, p. 117
47 Walsher, Lynda. What is a Hoax?: Redefining Poe‟s Jeux d‟Esprit and His Relationship
to His Readership, 2002, p. 6
69
para além do texto em direção a um meio de comunicação. Para Walsh, um hoax
só se tornaria hoax num meio cuja finalidade suportasse a história ali trabalhada.
Um hoax só pode se passar como um hoax quando utiliza um meio que passe
verossimilhança. Por exemplo, o fato do “hoax” de Poe ter saído em uma revista
que além de notícias também publicava ficções, acabou dificultando seu trabalho
de enganar o público. Já o conto de Locke, por ter saído em um jornal, ganhou
mais verossimilhança. E isso é fundamental para estabelecer outro ponto essencial
para um bom funcionamento de um hoax, que é sua recepção pelo público
Walsh aponta que, devido às dificuldades de observar o que é um hoax e às
suas fugas extratextuais, um bom caminho para poder observar essa manifestação
é observar seus efeitos na comunidade, avaliando o sucesso e o impacto no hoax a
partir das transformações e reações do público na comunidade.
A autora ainda aponta o caminho literário para fazer três oposições em
relação ao que o “hoax” não é. Ela afirma que um “hoax” não é uma “paródia” ou
“burlesco” porque não procura imitar um estilo ou um autor. Aliás, Walsh destaca
que um hoax procura ao máximo fugir da sua própria textualidade ou autoridade,
procurando fugir da possibilidade do leitor identificá-lo.
Ela também aponta que um “hoax” não é uma sátira, pois apesar de
algumas vezes procurar ser crítico e de ter o objetivo de enganar como a sátira faz.
Mas ao contrário da sátira, um hoax não procura ridicularizar alguma coisa ou
alguém; foca no leitor e como ele vai se relacionar com aquela informação.
O hoax também não é ficção científica. E aqui entra um apontamento
muito interessante da autora. O que difere um hoax da ficção científica é o meio
utilizado e a forma como é recebido. Walsh diz que se um tipo de história parecida
com o hoax de Poe fosse publicado em uma revista ou em algum meio que não
estivesse relacionado à publicações de notícias, seria considerado ficção científica
(WALSH, 2002).
A partir desses apontamentos do que os “hoaxes” não são, Walsh destaca
características dos hoaxes que são essenciais para compreender como a linguagem
e a retórica têm um papel essencial nessa construção de “verdades”.
Um hoax é essencialmente um “construtor de realidades”, e para isso é
necessário que o autor saiba utilizar bem os meios que possui. Um exemplo foi
Poe utilizar um jornal, que publicava notícias relacionadas à ciência para publicar
seu hoax misturado a notícias sensacionalistas.
70
O hoax procura eclipsar / obliterar sua textualidade e autoridade para se
afastar do “autor” e se aproximar de uma notícia de jornal ou o tipo de
comunicação que ele procura fingir ser.
Será a finalidade e o modo de recepção de um meio que irá fortalecer ou
não um “hoax”. Será a forma que a informação explora ou procura se apresentar
em um meio que irá definir qual meio ou que forma utilizar. Outra característica
dos “hoax” é colocar elementos “reais” dentro de histórias ficcionais para que
corroborem com a realidade “construída” no hoax. Um exemplo disso foi Poe, que
procurou utilizar a ciência para validar seu hoax, segundo Walsh: “Poe utiliza
ciência suficiente para ganhar „credibilidade de certa maneira‟ com os leitores
„facilmente crédulos‟”. 48
Agora essa construção de realidade depende da participação do público
para ocorrer. Lynda Walsher procurou realizar essa análise do público de Poe.
Segundo ela, Poe estabelecia um público duplo de leitores. Um, formado pelas
pessoas que tomavam seus hoaxes como pura verdade e não conseguiam perceber
as dicas que Poe deixava na obra para que notassem que era um hoax. Poe
chamava essas pessoas de “ignorantes” e até mesmo dizia que esse nível de
credulidade era comparável a insanidade. De outro lado haveria o grupo de
pessoas que percebiam suas dicas. Nas palavras do próprio Poe: “alguns
indivíduos talentosos, que se reúnem em volta da cimeira, contemplando, face a
face, o espírito do mestre que está no cume”.49
Walsher destaca que apesar de normalmente os estudiosos e críticos de Poe
estabelecerem esse dualismo de público como algo elitista e arrogante por parte
dele, ela aponta que esse dualismo era uma construção retórica do autor e que
através disso Poe se demonstrava um “construtor de comunidades”. Segundo a
autora, esse grupo que percebia os hoaxes via o texto do ponto de vista do autor e
não do ponto de vista da vítima que era pega no “hoax”. Esse grupo
compartilharia a ideia de Poe de que a realidade era a imaginação, e dessa forma,
com seus “hoax” ele compartilhava com essa parcela de público seus pequenos
“pedaços de realidade”, dividia seu “jeux d'spirit” com os leitores e também
estimuláva-os a trazerem isso à tona, vendo um mundo além da superfície e a se
48
POE apud WALSH, 2002, p. 115
49 WALSH, Lynda. 2002.
71
juntando a ele no reino de sonhos. Poe não procurava somente criar excitação no
seu público, mas através dos seus hoax ele também procurava projetar e construir
a realidade e a comunidade. (WALSH, 2002)
Essa característica dos hoax (a necessidade da participação do público)
evidenciada por Poe, irá se intensificar e ser essencial para estabelecer e validar os
hoaxes e os ARGs na sociedade contemporânea.
Outro elemento fundamental para isso é o entrelugar, ou seja, o espaço
existente na lacuna entre as inúmeras informações produzidas e a dificuldade em
checar a veracidade dessas notícias.
Com o desenvolvimento de diversos meios de comunicação e o aumento
da troca e acesso a diversas informações, possivelmente aumentou o espaço do
entrelugar. Os designers de ARG procuram explorar essa lacuna para construir e
incentivar a crença dos participantes nas histórias desenvolvidas. Mas, como
apontou Walsher, os hoaxes precisam que os participantes interajam com a obra
para que ele possa acontecer - ou seja, depende de como é sua recepção frente a
obra e o suporte apresentado. Isso nos leva a pensar como acontece a recepção e a
finalidade nos suportes que “hospedam” um ARG e como os designers de
trabalham isso em busca de uma maior verossimilhança e imersão para as
histórias construídas junto aos jogadores.
Mas para buscarmos compreender isso, precisamos antes de um
ferramental teórico que nos auxilie nessa tarefa. Por isso, no próximo capítulo
desenvolvemos nossa metodologia.
72
4 Metodologia
Na análise dos dados do ARG estudado, World Without Oil, foi
desenvolvido um método composto por duas técnicas. A primeira foi um estudo
de caso baseado em uma observação exploratória e descritiva onde procuramos
identificar os jogadores com maior participação na rede social estabelecida pelo
jogo. Essa análise teve como objetivo selecionar o material de maior relevância
em meio à produção do Alternate Reality Game escolhido. Após essa etapa,
aplicamos a segunda técnica que foi uma análise quantitativa e de conteúdo da
produção dos interatores em determinados suportes do ARG estudado.
Em relação a primeira técnica, utilizamos as categorias téoricas da
metodologia de análise de redes sociais para observar os participantes com maior
atividade na comunidade.
Contextualizaremos esse recurso metodológico para ressaltar por que
essas categorias de análise de redes sociais foram escolhidas para essa primeira
parte de seleção de dados.
De acordo com Freeman, citado por Matheus, Silva e Parreiras, a análise
de redes sociais surgiu a partir da incorporação de elementos da sociologia,
psicologia social e antropologia50
. E essa linha metodológica tem como objetivo
entender como as pessoas se relacionam, abrangendo nessa análise também os
tipos e a intensidade desses laços sociais que as unem. 51
Dentro desse escopo teórico, devido a grande produção de material e dados
que um ARG produz e a incapacidade de análise total desse material sem a ajuda
de metodologias específicas, a análise de redes sociais foi de grande auxílio na
identificação dos atores sociais com maior relevância e produção dentro da rede
estabelecida por um ARG.. É necessário ressaltar que essa pesquisa não tinha
como objetivo e também fugiria do seu escopo fazer uma análise integral dessas
redes. O principal objetivo do uso dessa metodologia foi o de identificar os atores
50
Silva et al (2006) 51
WASSERMAN, Stanley, FAUST, Katherine, (1994), 1999 apud MATHEUS, Renato
73
sociais mais relevantes e a partir disso realizar o estudo de caso dando enfoque
maior na produção desses atores.
A quantificação dos dados objetivou a produção de tabelas e facilitar a
observação da produção de cada jogador. Na análise, foi feita uma quantificação
da produção e relação dos jogadores de ARGs no fórum. Essa quantificação
priorizou a observação das relações sociais entre os participantes. Apesar da
análise das redes sociais utilizar consideravelmente a matemática, esse não foi o
caminho escolhido nessa dissertação. O método da análise de redes contribuiu
com suas categorias teóricas.
Dentro do campo da análise de redes sociais os principais conceitos
utilizados são: atores, atributos, laço relacional e relação52
.
Vamos apresentar brevemente cada um desses conceitos para facilitar o
entendimento de como eles serão utilizados na análise das redes sociais
estabelecidas pelos ARGs e dos dados produzidos por essas redes. Os trabalhos de
Matheus, Silva, Parreiras, Wasserman e Faust foram essenciais na definição e
entendimento desses conceitos.
Atores
Os atores sociais e suas relações são o objeto de análise de redes. Esses
atores podem ser analisados como unidades sociais individuais (pessoas,
jogadores), ou como unidades sociais coletivas (grupos de jogadores, usuários de
um fórum, uma organização e até mesmo grupos maiores, como os moradores de
uma cidade ou país).
Atributos
Os atributos são as características individuais dos atores sociais. Apesar da
análise de redes sociais estar focada na relação entre os atores, a análise de suas
características também foi importante para entender o relacionamento dos
jogadores de ARGs no fórum e comunidade analisadas. Quando diversos atributos
de uma rede são analisados, é estabelecida a composição social de uma rede
Fabiano; SILVA, Antonio Braz de Oliveira e., 2005, p. 1.
52 Ibidem. p. 1-2.
74
social. Os atributos de uma rede social podem ser, por exemplo, o grau de
escolaridade, o sexo, nacionalidade, a idade do participante, enfim, qualquer
característica que qualifique os atores sociais estudados.
Ligação/ Laço Relacional:
O laço relacional, ou ligação, é o termo utilizado para identificar a
conexão existente entre dois atores sociais. Essas conexões podem ser as mais
variadas e dependem do foco da análise que o pesquisador pretende realizar no
grupo.
Relação
Já a análise de uma relação dentro de rede social é estabelecida a partir da
observação do conjunto de ligações/laços relacionais que o grupo analisado possui
em comum na rede social analisada. Enquanto na ligação o pesquisador observa a
conexão entre somente dois atores, na relação ele observa um conjunto de
conexões do mesmo tipo estabelecidos entre diversos atores, ou seja, o
pesquisador busca identificar os elementos em comum entre esses atores. Essas
relações podem ser, por exemplo, a troca de mensagens em um determinado
fórum, as relações de amizade em determinado grupo ou as relações entre um
grupo de jogadores que escrevem uma “wiki” para um ARG.
Essas relações também possuem duas propriedades importantes que vão
definir a forma de pesquisa e a análise do material pelo observador. Uma delas é o
direcionamento, ou seja, se a relação é baseada entre um emissor e um receptor - e
nesse caso se estabelece uma relação direcionada - ou se a relação é recíproca, em
que todos são emissores e receptores.
A segunda propriedade das relações é a valoração, quando é observado se
na relação ocorre atribuição de valor entre os participantes e/ou em que grau isso
ocorre. A partir dessa propriedade, o pesquisador vai observar se as relações são
dicotômicas, quando ele observa a rede a partir da presença ou não de valoração
nas relações. Ou valoradas, onde ele observa qual é o grau de valoração existente,
do discreto ao contínuo, a partir disso atribui-se um peso e grau de valor à relação.
75
53
No estudo realizado nesse trabalho, a observação da rede social ocorreu a
partir da relação recíproca e dicotômica. Observamos se havia uma relação intensa
entre emissor e receptor, além da presença ou não de valoração entre as
mensagens compartilhadas no blog.
A partir desses conceitos e definições, é importante definirmos também
qual será o conceito utilizado para redes sociais. Para isso, novamente o auxílio
teórico de Wasserman e Faust foi utilizado. Segundo esses autores, “Uma rede
social (do inglês social network) consiste de um ou mais conjuntos finitos de
atores [e eventos] e todas as relações definidas entre eles”. (WASSERMAN e
FAUST , 1994, apud MATHEUS, Renato Fabiano; SILVA, Antonio Braz de
Oliveira e., 2005, p. 1 )
4.1. A construção da rede social e sua análise
A partir desses conceitos, o recorte metodológico inicial dessa pesquisa
considerou que um ARG estabelece uma rede social, onde os jogadores e os game
designers são os atores sociais que se relacionam a partir do jogo e dos eventos
relacionados a ele.
Para construir os critérios que permitem identificar quem é mais atuante na
comunidade dos jogadores do ARG World Without Oil foram observados os
seguintes elementos: as participações desses jogadores no fórum e no jogo. Essa
participação se expressa na forma de produção de material relacionado ao jogo.
Em relação às participações no fórum, foram quantificados o número de
posts do usuários no principal tópico (trailhead) sobre o ARG World Without Oil
no fórum Unfiction e qual foi o tipo de mensagem produzida.
Também foram analisados os jogadores que foram responsáveis por coletar
informações e compartilhá-las com os outros jogadores.
Categorias de análise
53
Ibidem. p.1
76
Para a análise do material do ARG escolhido foram estabelecidas duas
categorias. O objetivo delas é facilitar a observação dos dados e com isso buscar
responder as perguntas e objetivos estabelecidos nessa pesquisa. A primeira
categoria se refere aos participantes do ARG e tem como finalidade mapear os
jogadores e identificar possíveis grupos de interesse. A segunda categoria é
relacionada à produção desses jogadores, buscando identificar e analisar as
linguagens e os suportes utilizados. Esse material foi observado tanto no aspecto
quantitativo quanto qualitativo.
1. Perfil do público
A primeira categoria de análise que foi observada no material foi o perfil
do público do ARG World Without Oil.
Foram observados dois grupos de jogadores que participaram do jogo. Um
grupo pertencia ao fórum que reúne jogadores de ARGs, ou seja, um grupo
formado por jogadores especializados, e o outro era formado por jogadores que
participaram a partir do site oficial do jogo, mas que não estavam ligados a esse
fórum ou a uma dedicação maior ao gênero dos ARGs.
Os dados que foram analisados em relação ao grupo de jogadores mais
dedicados são os posts ligados ao tópico principal do ARG World Without Oil no
fórum Unfiction. Já os dados relacionados ao grupo de jogadores fora do
ambiente dos ARGs estavam disponíveis no site principal do jogo
(www.wordwithoutoil.org).
2. Tipo de produção
Dentro desses dois grupos foram analisados os tipos de suporte por eles
utilizados e a produção que realizaram.
Foram observadas a quantidade de produção, ou seja, o valor total de
produção para cada suporte e também os aspectos qualitativos, ou seja, o conteúdo
dessa produção.
Nesse momento é importante resgatar os conceitos de McLuhan
apresentados no primeiro capítulo. Segundo McLuhan, um meio de comunicação
é estabelecido por linguagem (código), recepção (condições de fruição) e
77
tecnologia (suporte material, veículo e canal). A partir desses conceitos foi
observado o tipo de produção dos jogadores. Essa produção ocorre a partir da
união de um tipo de linguagem utilizada mais o suporte escolhido. Apesar da
linguagem também ter sido observada, dentro do recorte teórico dessa pesquisa o
foco principal de análise esteve no suporte utilizado.
Foi observado que tipos de suporte os jogadores utilizaram, qual foi a
participação de cada suporte, como esses suportes foram utilizados na narrativa,
na produção dos jogadores e como essas tecnologias foram utilizadas no design da
estrutura narrativa do ARG analisado.
Questões que foram observadas
Uma questão que norteou a análise das redes sociais formadas pelos ARGs
e os estudos de caso foi perceber se as ações de design (a forma que o jogo é
construído, as ligações entre os blogs e o estímulo aos participantes) possibilitou
aumentar os laços entre os participantes, fortalecendo a rede e as conexões sociais
entre os jogadores. Também foi observado se essa maior aproximação entre os
jogadores também influenciou a construção coletiva da narrativa.
Estudo de Caso
Após o processo de identificação dos jogadores mais atuantes no ARG
escolhido, foi feito um estudo de caso desse ARG com enfoque na produção de
material desses jogadores e dos game designers.
Para essa análise, o livro, “Estudo de Caso – Planejamento e Métodos” de
Robert K. Yin foi essencial como base teórica e metodológica.
Segundo Kin, os estudos de caso são uma estratégia adequada “(...)
quando se colocam questões do tipo “como” e “por que”, quando o pesquisado
tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em
fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real.” (Robert
K. Yin, p. 19)
Como os Alternate Reality Games são uma forma de jogo bem recente,
com centenas de participantes e utilizam diversos suportes para estruturar seu
conteúdo, a escolha dos estudos de caso como método buscou capacitar o
78
pesquisador com um ferramental que mais se adequasse às características do
objeto estudado.
Outro motivo da escolha pelo estudo de caso foi devido a sua
particularidade de poder lidar com as mais diversas evidências (Yin, 2005), ou
seja, a possibilidade de trabalhar com análise de documentos, observações diretas
sobre o fenômeno e entrevistas com pessoas envolvidas com o objeto estudado.
Ainda segundo Kin:
“1) Um estudo de caso é uma investigação empírica que:
investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida
real, especialmente quando
os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente
definidos
2) A investigação do estudo de caso
enfrenta uma situação tecnicamente única em que haverá muito mais
variáveis de interesse do que pontos de dados, e, como resultado,
baseia-se em várias fontes de evidências, com os dados precisando
convergir em formato de triângulo, e , como outro resultado,
beneficia-se do desenvolvimento prévio de proposições teóricas para
conduzir a coleta e a análise de dados” (Yin, pág 33)
O autor também recomenda o uso do estudo de caso exploratório quando o
objeto de estudo “tratar-se de fenômeno pouco investigado, o qual exige estudo
aprofundado de poucos casos, que leve à identificação de categorias de
observação ou à geração de hipóteses para estudos posteriores”. 54
Os Alternate Reality Games se encaixam nesse perfil, pois, sendo uma
54
Yin ,2005, apud Alves-Mazzotti, 2006 - Cadernos de Pesquisa, v. 36, n.
129, set./dez. 2006
79
forma de jogo relativamente nova e com poucas análises disponíveis, o estudo de
casos tem como objetivo compreender melhor esse objeto e com isso facilitar
estudos posteriores sobre ARGs.
Acreditamos também que a experiência de termos utilizado complementos
metodológicos, em que inicialmente foi feita a seleção e identificação dos
principais atores sociais do ARG com a ajuda da análise de redes sociais, e,
posteriormente, a observação mais aprofundada desse material através da técnica
de estudos de caso, possa também contribuir no desenvolvimento de uma
metodologia que facilite, no futuro, novos estudos relacionados aos Alternate
Reality Games. Pois uma das grandes dificuldades dessa pesquisa foi
operacionalizar uma forma metodológica coerente e válida para trabalhar o grande
volume de dados que um ARG produz, por ter muitos participantes e a utilizar os
mais diversos suportes midiáticos.
O que será observado no jogo escolhido
Nos próximos capítulos realizo o estudo de caso de um ARG baseado nas
construções teóricas feitas anteriormente. Antes de entrarmos na análise específica
do caso, é importante ressaltar quais foram os critérios e objetivos gerais
estabelecidos nessas análises. No estudo, procurei explicitar como o ARG
estruturou sua narrativa a partir do uso dos suportes, assim como os suportes
utilizados pelos game designers para se comunicarem com os jogadores e como
eles estimularam a comunicação entre os participantes. Também procurei
responder o papel do design no desenvolvimento dessa estrutura comunicativa e
se os canais de comunicação estabelecidos incentivaram a interatividade, e de que
forma isso poderia ser benéfico no desenvolvimento de arquiteturas lúdicas mais
participativas.
4.2. Critérios de seleção do ARG
Dentro desses objetivos, um grande número de ARGs se encaixariam
como possíveis objetos de estudo. Para selecionar o ARG que mais se encaixava
dentro do perfil pretendido e que permitisse obtermos dados significativos,
80
estabelecemos os seguintes critérios para a seleção: 1) pela sua repercussão e pelo
público que atraiu; 2) pela sua vanguarda tecnológica e uso diversificado das
diversas mídias; 3) a análise de um ARG que tenha trabalhado conteúdos lúdico-
educativos, e por último; 4) um ARG que possua sua documentação disponível.
ARG escolhido: World Without Oil
O ARG que se encaixou nesses critérios e foi escolhido para o estudo de
caso foi o World Without Oil. Antes de entrarmos na análise, é importante fazer
uma breve descrição do que foi o jogo, por qual motivo ele foi escolhido, ou seja,
como se encaixou nos critérios estabelecidos, quais foram os materiais produzidos
pelo jogo e quais destes serão utilizados para realizar a análise.
O que foi
O jogo World Without Oil foi um Alternate Reality Game com inspirações
em Serious Games55
, que estabeleceu uma realidade alternada em que o mundo
vivia uma grave crise de petróleo. Dentro dessa realidade, o objetivo do jogo era
motivar e movimentar os participantes a pensarem alternativas e opções para
resolveram os problemas que essa grave crise proporcionava.
Como grande parte dos Alternate Reality Games, o jogo aconteceu em um
período pré-determinado de tempo que foi definido pelos games designers em
cerca de um mês. Dessa forma, o jogo foi lançado oficialmente em 2 de março de
2007 e terminou em 1 de junho de 2007.
O jogo contou com uma equipe de game designers experientes como Ken
Eklund e Jane McGonigal. O primeiro, experiente na área de jogos e narrativa, e a
segunda participou do jogo que foi considerado o primeiro ARG, “The Beast”.
Durante esse período, os game designers desenvolveram uma estrutura capaz de
suportar e abrir espaço para as participações dos jogadores, e serão essa estrutura
e interações que iremos analisar nesse capítulo.
Mesmo após a conclusão do jogo, os designers mantiveram a estrutura do
site e incorporaram certas funções que permitem que novos jogadores ainda
55
Segundo Susi; Johannesson; Backlund (2007) existem diversas definições para Serious Games, mas
a maioria dessas definições compartilha a essência de que o Serious Games é um tipo de jogo usado com
objetivos além do mero entretenimento.
81
possam viver a experiência do jogo mesmo após seu término. Esse efeito
permanente, além do fato dos produtores terem realizado uma cópia de segurança
de todo o site, também motivou a escolha desse ARG, pois um dos grandes
problemas dos ARGs é a produção extensa que, somado à intensa dinâmica da
internet, muitas vezes faz com que algumas informações, sites, blogs, vídeos e
outros dados relacionados ao jogo saiam do ar (deixando de ficar online), o que
resulta em um grande problema para o pesquisador que lida com esses dados. Por
essas características dos ARGs, e pela peculiaridade de World Without Oil
(WWO) - de ter sido um ARG que trabalhou e se estruturou para dar uma maior
segurança a esses dados -, essas carecterísticas do WWO acabaram influenciando
na sua escolha para o estudo de caso realizado.
Porque foi escolhido
Dentro dessa pesquisa, o ARG World Without Oil foi escolhido por se
encaixar nos critérios de seleção utilizados para escolher os estudos de caso.
Em relação ao primeiro critério, ou seja:
1) pela sua repercussão e pelo público que atraiu;
O ARG WWO se enquadrou nessa categoria, pois ao longo do período que
o jogo aconteceu, cerca de 1900 jogadores se inscreveram no jogo e o site do
WWO teve cerca de 68 mil visitantes únicos - um total de 110 mil até o final do
ano. Além disso, os jogadores produziram cerca de 1500 histórias únicas. 56
Outro fator de destaque é que esse Alternate Reality Game também obteve
grande repercussão na imprensa tradicional, nos blogs e na comunidade de
jogadores. O tópico relacionado ao jogo no fórum Unfiction, que reúne jogadores
de ARGs, teve cerca de 644 posts. Além disso, o jogo ganhou diversos prêmios
como: o prêmio de ativismo na conferência “South by Southwest Interactive” em
março de 2008, obteve uma Menção Honrosa na disputa do prêmio “Prix Green
award for Environmental Art” no festival 01SJ 2008. O World Without Oil
56
http://www.worldwithoutoil.org/metaabout.htm
82
também recebeu uma “Awards Nominee” na categoria Jogos no “Webby Awards
2008” e também recebeu uma “Special Mention” na categoria “Meio Ambiente”
no Stockholm Challenge 2008..
2) pela sua vanguarda tecnológica e uso diversificado das diversas mídias;
World Without Oil foi o primeiro ARG com o objetivo de buscar utilizar as
mais diversas mídias para estimular a união e a resolução de problemas de forma
coletiva pelos jogadores. 57
Dentro da estrutura do jogo, os jogadores precisavam e eram incentivados
a utilizarem blogs, vídeos, imagens e áudios para narrarem suas histórias, além de
também acontecerem missões no “mundo real”. Devido ao sucesso do jogo e a
grande participação dos jogadores, o WWO produziu um vasto conteúdo
distribuído por centenas de posts, imagens, blogs, conversas via serviços de
mensagens, emails e a utilização dos mais diversos suportes de comunicação. Essa
produção proporcionou um vasto e interessante material a ser analisado.
3) a análise dos ARGs que tenham trabalho conteúdos lúdico-educativos,
O World Without Oil foi escolhido dentro desse critério, pois se tratou da
primeira experiência de Alternate Reality Game com objetivos “sérios” e
educacionais. Devido a essas características, o jogo buscava misturar os
fundamentos dos ARG, como o vasto uso de suportes midiáticos e a associação de
elementos reais e ficcionais, e utilizá-los para estimular a comunidade de
jogadores a pensarem e refletirem sobre um problema real do mundo. Esse ARG
também foi escolhido pelo fato dos games designers, juntamente com consultores
da área de educação, terem produzido uma estrutura de apoio de ensino, com
páginas e lições voltadas para professores e alunos. Esse material será analisado
tanto pelos seus elementos didáticos, especialmente o material produzido para
professores, como pela suas ligações com a narrativa do jogo.
57
http://www.worldwithoutoil.org/metafaq3.htm
83
Em relação ao último critério:
4) um ARG que possua sua documentação disponível.
Os ARGs são jogos que acontecem durante um período de tempo e que
normalmente produzem um vasto material. Esses elementos se espalham por
diversos suportes na Internet e fora dela. Entretanto, após o término do jogo, é
muito comum que aos poucos esses materiais se percam e se tornam inacessíveis.
Dessa forma, a preocupação que tivemos ao selecionar o ARG para nosso estudo
de caso foi a de escolher um que tivesse tido a preocupação em manter seus
materiais disponíveis. O World Without Oil se encaixou nesse critério porque seus
designers criaram um arquivo com os materiais do jogo, além de um sistema de
“máquina do tempo”, onde novos participantes poderiam vivenciar como foi cada
semana do jogo.
Documentos disponíveis
Como explicitado acima, os Alternate Reality Games são caracterizados
pelo uso intensivo de diversas mídias e plataformas que estimulam a interação e
produção dos participantes. Devido a essas características, normalmente um ARG
produz uma intensa lista de conteúdo, o que gera um problema epistemológico
pois, devido a essa fragmentação e produção intensa, se perder entre o excesso de
dados produzidos no jogo é um risco real. Frente a isso, o pesquisador deve ter um
cuidado redobrado e se concentrar mais ainda em seu foco e recorte, para que
possa captar o essencial da produção e características do ARG em estudo.
Tendo isso como foco, foi feita uma análise exploratória do ARGs
escolhido, onde inicialmente foi compilado material disponível. A partir dessas
informações, como já foi dito anteriormente, foi feito um recorte baseado em
relevância e influência dos produtores dessas informações.
Devido a grande quantidade de informação, é praticamente impossível
para apenas um pesquisador reunir todos os dados relacionados a um Alternate
Reality Game. Dessa forma os dados coletados pelos jogadores, principalmente no
fórum Unfiction, também serão utilizados e analisados nesse estudo de caso.
84
Dentre as fontes disponíveis de materiais do ARG World Without Oil estão:
O site principal do World Without Oil – www.worldwithoutoil.org
Que serviu como “hub”, fonte oficial dos anúncios e atividades dos
produtores, além de ter concentrado a produção dos jogadores. Esse site fazia o
“link” das informações que cada jogador produzia e dava destaque para as
melhores histórias.
Dentro da análise desse estudo de caso, o site será o ponto de partida para
a observação dos outros suportes e mídias que os jogadores utilizaram para
participarem e produzirem o jogo, assim como é o ponto de retorno, ou seja, o
lugar onde a produção desses jogadores recebe destaque e é compartilhada entre
os outros participantes.
Forum Unfiction
Outra fonte de dados relacionada ao World Without Oil que será utilizada
como fonte de dados é o fórum de jogadores de ARGs, forum.unfiction.com, e os
tópicos relacionados ao WWO.
Nesse fórum foram produzidos 20 tópicos relacionados ao jogo,
produzindo no total 716 repostas e esse material recebeu 107.806 visualizações
por parte dos usuários do fórum.
Desses tópicos, o principal foi o “[TRAILHEAD] worldwithoutoil.org“
que reuniu 646 mensagens e 66281 visualizações. (dados de 17/11/2010). Esse
tópico, que começou com uma desconfiança por parte de um jogador quanto a
existência do jogo (por isso a utilização da palavra “trailhead”) foi também o
tópico que funcionou como o “hub” dos jogadores no fórum, ou seja, todas as
informações que eles obtinham relacionadas ao jogo eles costumavam
compartilhar nesse tópico.
A outra fonte de informações sobre os jogadores são as histórias que eles
produziram e foram agregadas no site do World Without Oil. Essas histórias estão
mais ligadas às tarefas que os games designers lançavam como desafio para os
jogadores em cada semana de tempo do jogo. Dentro da estrutura do jogo, os
game designers estabeleceram um lugar para o jogadores adicionarem essas
85
histórias, chamado “Tell us your store”58
. Depois essas histórias eram “rankeadas”
segundo critérios estabelecidos59
que serão descritos posteriormente. As histórias
foram agrupadas no site do World Without Oil das seguintes formas: histórias
baseadas em audio, video, imagem, blog, missões, youtube e histórias que foram
premiadas. Além disso, o site possuía um mecanismo para que o jogador
encontrasse histórias perto da sua localidade geográfica. Os sites que serviram
como fontes de dados para essa análise foram os seguintes:
Audio: http://worldwithoutoil.org/search.aspx?type=audio
Video: http://worldwithoutoil.org/search.aspx?type=videos
Imagem: http://worldwithoutoil.org/search.aspx?type=images
Blogs(Posts): http://worldwithoutoil.org/search.aspx?type=blogs
Missões: http://worldwithoutoil.org/mission.aspx
WWO YouTube : http://www.youtube.com/WorldWithoutOil
'Histórias premiadas/escolhidas: http://worldwithoutoil.org/awards.aspx
Página para encontrar histórias perto da sua localidade:
http://worldwithoutoil.org/findzip.aspx
Perfis sociais e links dos personagens utilizados pelos “administradores” do
jogo.
Além das histórias produzidas pelos jogadores, durante principalmente o
pré-jogo mas também no jogo, os administradores e game designers utilizaram
perfis sociais e serviços de mensagens instantâneas para entrarem em contato com
os jogadores, especialmente no começo, quando os administradores tinham por
objetivo colocar o jogo em funcionamento. Entretanto, esse contato não se
restringiu somente a essa primeira comunicação. Dessa forma, a análise das
conversas realizadas pelos game designers com os jogadores é outra fonte de
material interessante na análise do ARG.
58
http://worldwithoutoil.org/addstory.aspx
59 http://worldwithoutoil.org/rank.aspx
86
Com todos esses elementos descritos acima, busquei compreender melhor
o funcionamento do ARG escolhido, documentando como o jogo transcorreu e
procurando responder as perguntas estabelecidas nessa pesquisa.
87
5 Análise dos dados do fórum Unfiction
5.1. Análise dos jogadores e dos suportes utilizados
A análise do principal tópico sobre o ARG World Without Oil no fórum
Unfiction, o tópico Trailhead, foi composta da observação de 647 posts.
Observamos os números de posts de cada usuário, o tipo de assunto
tratado, quais usuários obtiveram respostas de outros, os suportes utilizados e
quais foram as contribuições dos usuários para o debate realizado no fórum a
respeito do jogo.
A análise dos números de “posts”
N° de posts N° de Jogadores
647 111
A análise dos 647 posts do tópico trouxe informações interessantes. Cerca
de 111 jogadores participaram do tópico de alguma forma. Entretanto, os dez
jogadores que tiveram o maior número de posts foram responsáveis por cerca de
43,89% do total de mensagens no fórum. A partir disso é possível identificar um
grupo de jogadores que proporcionou grande parte da movimentação do fórum e
que receberá uma atenção especial na análise qualitativa.
Jogadores % de posts
10 primeiros 43,89%
outros jogadores(101) 56,11
88
Nome N° de posts % do total
coffeegirl18 42 6,49%
RedHatty 39 6,03%
cissmiace 38 5,87%
Rekidk 29 4,48%
lubbarlubab 25 3,86%
rose 24 3,71%
poeticexplosion 24 3,71%
Abilor 22 3,40%
lirath 21 3,25%
thebruce 20 3,09%
Total: 284 43,89%
10 maiores participantes
É interessante destacar que, apesar da grande produção desses jogadores,
isso não significou que eles monopolizaram o debate sobre o jogo. Nas páginas do
fórum relacionado ao tópico, as mensagens eram sempre variadas, não existindo
mensagens seguidas de apenas um jogador ou um grupo seleto de jogadores, ou
seja, todos os jogadores enviavam mensagens em uma troca constante de
informações entre eles. Esse dado fica em destaque quando observamos a tabela a
seguir, que mostra quantos usuários tiveram suas mensagens respondidas
diretamente por outros participantes.
Total
111
100%36%
Usuários que tiveram mensagens respondidas por outros
40
Ou seja, apesar de 10 jogadores, ou 9% do total, concentrarem o volume
de 43% das mensagens do tópico, cerca de 36% dos jogadores tiveram suas
mensagens respondidas por outros participantes. Essas respostas estão
relacionadas a assuntos diversos, como pedidos de ajuda, apresentações e
principalmente informações compartilhadas sobre o jogo. Ou seja, mais de um
terço dos participantes do fórum interagiram entre si diretamente, o que demonstra
que apesar de um grupo específico ter uma grande produção de mensagens, a
89
troca entre os usuários do fórum é bastante distribuída. Vale ressaltar que
consideramos mensagens respondidas aos usuários somente quando houve
menção direta ao usuário que colocou a informação.
Categorias de mensagens
Ao tabularmos os dados das mensagens, estabelecemos três categorias
relacionadas aos tipos de mensagens de interesse da pesquisa, e uma categoria
mais genérica onde foram computadas mensagens diversas: apresentações,
brincadeiras e outras informações não relacionadas diretamente ao jogo.
As mensagens foram consideradas quando os usuários faziam algum tipo
de reflexão a respeito do que escreviam, ou seja, as que apenas compartilhavam
conteúdo relacionado ao jogo, mas sem qualquer tipo de reflexão do autor sobre
esse conteúdo, não foram contabilizadas. Dentro desse aspecto estabelecemos as
seguintes categorias: reflexões sobre o jogo, onde enquadramos suposições,
questionamentos e pensamentos a respeito da história e do desenvolvimento do
jogo. Também foi observado as reflexões sobre o ARG (ou Meta Reflexões), que
foram as mensagens relacionadas à discussão do jogo em si - sua estrutura e
elementos que o compõem são os elementos “fora do jogo”, ou seja, essas
discussões ocorrem fora da realidade alternada estabelecida por um alternate
reality game. Também estabelecemos uma categoria em que foram concentradas
as mensagens relacionadas às reflexões sobre o meio ambiente, que era o tema
central desse ARG. E, por fim, a categoria que englobava informações mais
diversas. A tabela a seguir demonstra como ficou essa distribuição.
n° %
Meio Ambiente 61 9,43%
ARG/META 124 19,17%
ARG/JOGO 210 32,46%
Diversas 252 38,95%
Total: 647 100%
Categorias das mensagens
90
É interessante observar que as discussões sobre ARG relacionadas aos
aspectos do jogo (ARG/JOGO) somaram 32,46% do total de mensagens, apenas
um pouco menor que a soma das mais diversas mensagens, 38,95%. Isso aponta
que os jogadores ligados ao forum Unfiction estão mais interessados nos aspectos
narrativos e em outros elementos ligados ao jogo, principalmente nas conversas
com os personagens, as tramas, as suposições, os possíveis mistérios e quebra-
cabeças. Em terceiro lugar, com uma porcentagem mais moderada, estão as
mensagens ligadas aos aspectos meta do ARG, o que revela outra característica
desse grupo de jogadores: eles gostam de discutir sobre como o ARG poderia ser,
que elementos são atraentes, quais são as inovações, o que eles esperavam do jogo
- esses jogadores, mais especializados, preocupam-se em aprender mais sobre o
gênero e ver o que de novo foi introduzido ou reutilizado pelo jogo em questão.
Outro dado relevante é que as mensagens relacionadas às discussões Meta
apareceram principalmente no começo do tópico, ou seja, no momento em que
surgiram muitas especulações sobre o que poderia vir a ser o ARG e no final,
quando o jogo havia terminado e eles realizaram um debate sobre o que foi
interessante, o que esperavam do jogo ou o que poderia ter sido feito de diferente
do que foi realizado.
O grupo de mensagens com o menor volume de discussão foram as
relacionadas ao meio ambiente, que era o tema do jogo. Essas mensagens
também tiveram um maior volume de dados principalmente no começo e
retomaram no final do tópico, após o fim do jogo. As mensagens iniciais mostram
que, assim que os jogadores souberam do tema do jogo, houve um pequeno
brainstorm relacionado ao tema e o que eles poderiam realizar de diferente no
jogo. Quando a trama do jogo teve início, mas ainda sem a estreia oficial, essas
discussões diminuíram, demonstrando que o foco desse tipo de jogadores é a
história e o desenvolvimento da narrativa do ARG. É importante ressaltar que é
possível que a discussão sobre o tema ambiental não tenha tomado maiores
proporções dentro do fórum, após o início oficial do jogo, porque a estrutura do
ARG procurou absorver essas discussões no espaço dos blogs e da página oficial
do jogo. Entretanto, mesmo antes do início oficial do jogo, esse tema figurava
entre os mais comentados no fórum.
91
Número de pessoas que compartilharam informações relacionadas ao jogo
n° usuários 62 55,86%
Total 111 100%
Compartilharam informações relacionadas ao jogo
A análise do número de pessoas que escreveram mensagens
disponibilizando algum tipo de informação sobre o jogo mostra um percentual
alto: sessenta e duas pessoas, ou 57,66% dos jogadores, compartilharam algum
dado sobre o jogo, como por exemplo, links de sites e blogs relacionados aos
personagens, conversas realizadas com os “mestres”, seus blogs e contatos, assim
como vídeos ou mensagens relacionadas ao desenvolvimento da história.
Entre as pessoas que compartilharam informações, nós observamos os
tipos e a quantidade de suportes que foram compartilhados e quais foram os meios
utilizados para interagirem com os “puppet masters”. É importante ressaltar que o
espaço onde foram contabilizadas essas informações, ou seja, o fórum, não foi
contabilizado como suporte, uma vez que todo o material analisado utilizou-o
como suporte, logo classificar o fórum dessa forma traria redundância para o
resultado dos dados.
n' de suportes usuários Percentagem
1 25 40,32%
2 21 33,87%
3 9 14,52%
4 7 11,29%
Total: 62 100,00%
Número de usuários e suportes utilizados
Como aponta a tabela, 40,32% dos jogadores compartilharam apenas
informações sobre um tipo de suporte. Esses dados estão mais ligados aos
jogadores com poucas mensagens enviadas. Conforme a participação do usuário
92
aumenta, o seu uso de suportes também. Cerca de 59,68% dos jogadores
utilizaram dois ou mais suportes, sendo que o segundo maior grupo, 33,87%,
compartilhou e utilizou informações ligadas à duas formas de comunicação.
Essas informações, juntamente com a observação de quais foram os
suportes utilizados pelos jogadores, apresentam apontamentos relevantes. A tabela
a seguir enumera o uso dos suportes.
5% IRC
5% Wiki
Uso dos suportes
66% usaram blog
51,6% usaram IM
45% usaram blog e IM juntos
27% site
A análise da tabela demonstra que os dois suportes que serviram de base
na construção da interação com os jogadores do fórum foram principalmente o
blog e o serviço de “instant messaging” AIM60
. O blog foi o principal suporte
utilizado, seguido do IM61
, e quase a metade dos jogadores utilizaram os dois
suportes juntos.
Esses dados demonstram que, apesar dos diversos suportes midiáticos
utilizados e disponíveis, os game designers preferiram priorizar dois tipos de
suportes que possuem como característica uma maior dinâmica relacionada ao
tempo e ao contato com os jogadores Essas características desses suportes
permitiram uma maior troca entre ambos, pois no blog há o espaço para os
comentários dos usuários e isso dinamiza a comunicação entre emissor e receptor,
assim como nos programas de mensagens instantâneas há uma troca imediata de
informações entre os envolvidos. Essa relação ficará explicitada quando
observarmos como foi desenvolvida a narrativa junto aos jogadores e como
ocorreu o uso dos diversos suportes para construí-la.
60
Aol Instant Messaging
61 Instant Messaging.
93
WWO, Unfiction e rede social
A análise do material do WWO demonstrou que a rede social estabelecida
entre os atores observados, aqui entendidos como os jogadores, e os atributos (que
classificamos a partir das mensagens trocadas) teve sua base estabelecida em uma
relação recíproca entre emissor e receptor, onde praticamente todos os
participantes assumiam ambos os papéis. Um exemplo disso é que, mesmo
existindo alguns jogadores com um maior número de posts no fórum, esses
participantes dependiam de informações vinculadas pelos outros jogadores,
inclusive daqueles que tiveram poucas participações mas contribuiram com dados
relevantes. Isso também demonstrou outra característica da rede ligada à relação
de valoração existente. Em nossa análise, praticamente todos as mensagens
trocadas possuem valor para seus participantes, onde cada informação, hipótese
ou comentário relacionado ao jogo é discutido e investigado pelos outros
participantes, seja oriundo de um jogador experiente ou novato, desde que ele
compartilhe essa informação dentro das características aceitas pela comunidade.
5.2. A narrativa do pré-jogo do World Without Oil e o uso dos suportes
Nessa parte fazemos uma sucinta análise da narrativa construída no pré-jogo
do ARG e quais suportes foram utilizados nessa construção. Nessa observação, o
foco será no uso dos suportes.
Os materiais utilizados para essas observações foram o tópico do fórum
Unfiction, além das informações reunidas em uma wiki produzida sobre o jogo. 62
A primeira informação sobre o ARG World Without Oil foi encontrada em
um famoso blog ligado à área de jogos chamado Destructoid63
, em que um dos
autores, Jane McGonigal, falava sobre os seus projetos anteriores e anunciou que
o site worldwithoutoil.org estava relacionado a uma futura atividade sua.
Nessa notícia, McGonigal liberou o “trailhead” para os jogadores, ou seja,
62
http://www.argwiki.de/index.php5?title=World_Without_Oil_(ARG)_-_Trail
63 http://www.destructoid.com/gdc-2007-jane-mcgonigal-on-collective-intelligence-and-i-
love-bees-30249.phtml
94
a “isca" que poderia levar os jogadores ao jogo. Possivelmente, ter liberado essa
informação em um blog conhecido e com grande abrangência fez parte da
estratégia para logo atingir um grande número de jogadores e a informação ser
difundida.
A estratégia parece ter dado certo. Mcgonigal liberou os dados no dia 5 de
março de 2007, e já no dia seguinte o tópico relacionado ao “trailhead” era criado
no fórum Unfiction. O criador do tópico dizia que havia encontrado essa
informação no blog e que possivelmente iria participar do jogo. A partir disso, os
outros jogadores começaram as especulações.
A mensagem do site http://www.worldwithoutoil.org/preparing.htm trazia
a seguinte informação:
“We’re preparing for a crisis
Imagine eight people brought together by trouble: trapped together (with
thousands of others) in the Denver airport by a blizzard. We had a lot of time on
our hands. We talked. We bonded. Awww. How nice.
One thing we talked about a lot: how the Internet scoops the official media. It's
real obvious in a crisis. In Denver, as in the Katrina disaster, people found the
true story on the Internet. News stories and gumment bulletins can never hope to
match the agility of citizen bloggers and mobloggers, nor their honesty of people
talking one to another. Internet people are the real first responders today, the
boots on the ground.
Now, here's the thing. We eight have come to believe that a crisis is coming – on
April 30, to be precise. (An oil shock, or something to do with oil.) We have no
proof – it's just something a guy said in an unguarded moment. He may have
been putting us on. But we don't think so. We have decided to prepare.
We're getting this website ready to be the nerve center. Come here to get the
day-by-day. And this will be the place to tell your story, about your life once the
crisis hits. Nobody else can tell your story – you're the authority on that.
If it is an oil shock, no one is going to be unaffected. There will be disruption and
suffering, and probably chaos. Having a place to connect with others is gonna be
vital. We will be in it together. Nobody should suffer in silence.
– Chuckles, Gala_Teah, Gracesmom, Illiana_Speedster, Inky_Jewel, LocalBoy,
Pachinko, YuckyMuck with Dessum9 and mPathytest “64
64
http://www.worldwithoutoil.org/preparing.htm
95
Essa informação é compartilhada aos jogadores por Nico, uma das oito
pessoas que ficaram presas no aeroporto durante uma nevasca e produziram o
comunicado acima. Esse grupo avisa que a crise de petróleo irá ocorrer no dia 30
de Abril de 2007. A partir dessas informações, e do interesse dos jogadores no
jogo, no dia 9 de março um deles encontra os blogs de dois personagens: Gala
Teah e Inky Jeal. Esse jogador prontamente divulga os blogs no fórum. Já no dia
seguinte (10/03), Gala Teah deixa um comentário no blog do usuário que a
encontrou primeiro. A partir daí há a aproximação e troca de mensagens entre os
jogadores e os personagens do jogo controlados pelos “puppet masters / mestres
do jogo” através de suportes como blogs e mensageiros instantâneos.
Um exemplo dessa maior troca de mensagens ocorre no dia 11 de março,
quando Gala Teah deixa uma mensagem para um dos jogadores (mahanamatashi)
via blog:
“Hello mahanamatashi, you are an alert person, I see. And
resourceful!
Not too early to begin thinking about it. Most of the preparation for
anything is mental, don't you think?
You live in the UK, is that right? And petrol is already quite expensive?
Your country is already somewhat prepared then, perhaps. There are not
the crazy lives built upon cheap oil that we have here (I am guessing). -
GT” 65
Essa troca de pequenas mensagens constrói aos poucos a imersão junto aos
jogadores, os envolve na história, fazendo-os participarem da narrativa. Essa
construção continua quando no dia 11 de março um jogador observa a mensagem
de status de ausente de uma das personagens do jogo, mPathytest. A mensagem
era a seguinte:
“Too many things on my To Do List to chat right now, 43 Very Important
Things in fact. Okay, maybe there's only 8 things so far on my list. But
65
http://forums.unfiction.com/forums/viewtopic.php?t=18592&start=60
96
when one of them is "save the world", isn't that enough? I mean, really. :-
!”66
Essa mensagem dava uma dica que acabou levando os jogadores a um
outro suporte utilizado na construção da narrativa, nesse caso, o site
http://www.43things.com/person/mPathytest
Figura 7 – lista de ações da personagem mPathytest
Como podemos ver na imagem acima, esses suportes continuaram
servindo para dar vida aos personagens. Ao utilizarem serviços de internet que são
utilizados por centenas de pessoas, os “mestres do jogo” (que controlam essas
personagens), conseguem ir mesclando a realidade e a ficção. Pois, ao mesmo
tempo em que um personagem ficcional como “mPathtest” coloca “save the
66
http://forums.unfiction.com/forums/viewtopic.php?t=18592&start=60
97
world” como prioridade nas coisas que está fazendo, diversas outras pessoas reais
acompanham e compartilham essa atividade dela.
No dia 13 de março, Gala Teah coloca novos elementos na história ao
liberar a seguinte mensagem em seu blog:
Figura 8 – passagem do blog de Gala Time onde diz que seu site foi hackeado
Esse clima de mistério e desconfiança vai aumentar conforme novos
personagens entram na história e aumenta o ritmo de mensagens com os
jogadores. Essa intensa troca de mensagens entre os jogadores e personagens
aconteceu principalmente com o uso dos suportes de mensageiros instantâneos e
blogs. O período de maior atividade dessas informações ocorre entre os dias 13 de
março e 20 de abril.
Essas conversas serviram como estímulo aos jogadores durante o período
de pré-jogo. É importante ressaltar que o jogo tem “início” oficialmente, ou seja, o
site foi aberto para o público, no dia 30 de abril. E a participação dos personagens
controlados pelos puppet-masters, em constante interação com os jogadores,
98
foram essenciais para manter o ritmo e aglutinar uma comunidade em torno do
jogo.
Um exemplo de como as conversas estimularam os jogadores está nesse
post realizado pelo jogador “Rekidk”, onde ele conta como ficou animado com
sua primeira conversa “dentro do jogo”.
Figura 9 – Conversa do jogador “Rekidk” com a personagem “mPathytest”
99
Na conversa acima, a game designer (interpretando uma personagem)
procurou trazer o jogador para o jogo e isso o deixa muito animado e assustado.
Para obter esse efeito, ela escolheu um suporte que proporcionou uma intensa
troca de informações junto aos jogadores. As informações recebidas pelo jogador
são logo compartilhadas com os outros jogadores, já que seria muito difícil que
cada jogador conseguisse ter acesso a toda produção somente a partir das suas
fontes, e a partir dessa troca vai sendo construída a narrativa.
Essa troca de informações com os jogadores continua no dia 24/04/2007,
ou seja, seis dias antes do lançamento oficial do jogo. Os game designers
novamente voltam a utilizar um blog, um suporte que tem um alcance maior entre
os jogadores. Em uma mensagem, uma das personagens membros do grupo dos 8,
Gracesmon (Sharon,) recebeu um e-mail do mesmo Nico citado anteriormente e
logo compartilha com os jogadores.
“Dear Ms.________,
I trust you are well. I know you have been busy. Perhaps you remember
me? I remember you and your little daughter so well. You seemed frightened
of me but you needn't be.
I would like to establish your location is valid. It is so hard to trust
sometimes, no? Circumstances force us together again. I will be in touch.
"Nico"
Após essa mensagem, outro suporte é utilizado para estruturar a narrativa:
foi adicionado no Youtube um vídeo 67
em que aparece uma mulher misteriosa -
que, segundo os jogadores, é a mesma que apareceu em uma foto68
anteriormente.
No vídeo, ela faz entender que Nico quer voltar para casa. O vídeo possui partes
em inglês e outras em uma língua estrangeira, que os jogadores descobriram, após
67
http://www.youtube.com/watch?v=-Xq1WheazY4 68
http://i177.photobucket.com/albums/w222/Iniscool/04-opr-sinoil.jpg
100
muito trabalho, ser búlgaro.Eles fizeram até mesmo a tradução do búlgaro e uma
transcrição69
do áudio em inglês do vídeo.
No dia 25/04/2007, Gracesmom (Sharon) novamente aparece e
compartilha através de seu blog outras informações sobre Nico. A mensagem era a
seguinte:
“Well, here goes nothing
Nico says he needs to meet me tonight, says hes in trouble and we
(8tsoc) need to help him. He promises that nothing bad will happen, and
weird as it sounds, I believe him.
Uncle Frank's Army buddy Tom is here, he's going with me and Uncle
Frank is going to watch Grace. So don't worry! Gala knows where I’m
going and I can call her on Toms cell if theres any trouble. We need
to find out wtf is up with this guy. After all, w/o him none of us would be
here, doing this. YUcky, DON’T WORRY!!!!!!!! I will call you and Gala as
soon as I can, once I find out what he wants. “
No mesmo dia, outro membro (YuckMuck) do grupo envia uma
mensagem:
“ G's Mom called and said she's OK, she's home, and she's exhausted
and going to bed. She'll fill us in tomorrow, she only told me that 'he's not a
happy camper.' I'm not real sympathetic at the moment.”
No dia 26/04/2007, Gracesmon coloca no blog coletivo (dos 8 membros para
salvar o mundo) a seguinte mensagem:
“Apr. 26th, 2007
Nico's story
mood: guilty
69
http://wwo-mordy.livejournal.com/2007/04/25/
101
I don't know if I can remember everything he told me but I'll try to get all
the important stuff down. He's been on the lam from his company hiding
somewhere in Maine. He’s on the run because they are tracking him. They claim
he imbezzled money but he says it’s because he told us what he did and they are
mad. I don’t understand it all something to do with OPEC and price supports and
what he called "milking the old cow dry". He has more info but he needs
something in return. The company siezed all his assets, he has nothing but the
clothes on his back and a small bag. He uses public internet when he can find it.
He wants money from us (8tsoc). We "owe" him. If we hadn’t posted that picture
(sorry Pachinko!) they would never of connected it to him. There is more to the
story that we don’t know yet and he will tell us if we help him. He will be in touch
with me later to see if we agree but he can’t stay in one place long so he's on the
road again. He doesn’t want us to post any more details about him because the
company will track him down. I have told Gala and Yucky the rest of it, but please,
don’t press us for details yet.
Tom and I gave him what money we had but he says it’s not enough. I feel so
guilty now. He’s in trouble because he tried to warn us and we totally blew it. I
think we should help him now.” 70
Essa mensagem faz a última construção da base narrativa para o começo
do jogo oficialmente.
Como podemos observar, durante esse período de “pré-jogo” os game
designers procuraram envolver e estimular a comunidade formada pelos jogadores
mais especializados de ARG. Esse processo de “pré-jogo” é importante no
estabelecimento e construção do cenário do jogo, pois, se este fosse produzido
somente pelos game designers, dificilmente seria atraente para esses jogadores
especializados - uma das coisas que eles mais gostam de participar é do processo
de construção da narrativa e de um jogo que tenha uma estrutura que possibilite
isso.
Também foi observado como diversos suportes (linguagem textual,
imagética e híbrida) foram utilizados para essa construção coletiva da narrativa.
Em especial o blog, por ser um suporte que consegue ter um amplo aspecto
comunicativo, atingindo um grande número de pessoas sem que seja exigido
muito tempo por parte dos produtores, ao mesmo tempo em que é um suporte que
70
http://community.livejournal.com/worldwithoutoil/2007/04/26/)
102
mantém um canal de interatividade aberto através da possibilidade de comentários
relacionados às mensagens colocadas no blog.
Outro suporte muito utilizado no jogo foram os serviços de mensagens
instantâneas. Esse suporte realizou um outro papel, que foi permitir esse contato
bem direto entre os jogadores e os personagens. Além de expandir o mundo
narrativo, esse contato proporcionava uma maior imersão dos jogadores na
história, pois, como é um suporte que abre um contato direto com jogadores e que
é utilizado por eles para conversar com pessoas “reais”, a entrada de personagens
ficcionais em suas listas de contato ajudava a misturar e romper a fronteira
existente entre o mundo ficcional e o mundo real. Além disso, também foram
utilizados diversos outros suportes, como vídeos, imagens e e-mails. Entretanto,
esses suportes foram utilizados em número bem menor do que os blogs e
comunicação via serviço de mensagens.
Com a base narrativa construída coletivamente, as personagens membros
do 8TSC fizeram um pedido para que os jogadores ajudassem Nico, já que esse
estava em apuros por ter compartilhado informações sobre a provável crise de
petróleo. Esse pedido foi o gancho narrativo para o início das convocações, que
pediam para os jogadores produzirem histórias e materiais ligados à crise de
petróleo vivenciada no jogo. O desenvolvimento do ARG – World Without Oil
ocorreu durante trinta e dois dias, em que cada dia equivalia a uma semana de
tempo dentro do mundo ficcional do jogo.
A análise desse material será apresentada na próxima parte dessa
dissertação.
103
6 Análise dos dados do site do World Without Oil
Nesse capítulo analisaremos os dados relacionados ao site principal do
World Without Oil – www.worldwithoutoil.org. As categorias utilizadas foram as
estabelecidas no capítulo de metodologia, ou seja, iremos observar como ocorreu
o uso dos diversos suportes midiáticos por parte dos jogadores em suas produções.
Uso e distribuição dos suportes
A análise das histórias produzidas pelos jogadores ao longo dos 32 dias de
jogo (lembrando que cada dia era equivalente a uma semana do tempo ficcional da
trama) seguiu a classificação estabelecida pelos game designers, ou seja, foram
classificadas em quatro suportes: blog, imagem, áudio e vídeo. É importante
ressaltar que o jogo aceitava que os participantes enviassem e-mails contando suas
histórias, entretanto esses e-mails eram agrupados em um blog coletivo e
contabilizados como posts de blog. Dessa forma, eles foram contabilizados
também dessa forma nos dados de pesquisa.
O uso dos suportes pelos jogadores nas construções de suas histórias estão
compilados na tabela abaixo.
Suporte n° %
Blog 1274 82%
Imagem 118 8%
Áudio 86 6%
Vídeo 75 5%
Total: 1553 100%
Histórias e uso de suportes - WWO
Um dado interessante é o grande uso do blog como principal suporte
utilizado na construção das histórias. Esse suporte concentrou 82% das histórias
produzidas pelos jogadores, o que fez com os outros três suportes tivessem menos
de 19% somados juntos. Depois do blog, o suporte mais utilizado foi a imagem,
104
com 8%, seguida de áudio (6%) e vídeo (5%).
Esses dados inicialmente provocam um estranhamento, pois afinal, os
ARGs são conhecidos pelos usos de diversos suportes para construir uma
narrativa e esperávamos que esse uso tivesse uma distribuição mais equilibrada.
Porém, ao lembrarmos de como ocorreu o uso dos suportes por parte dos
jogadores do fórum, chegamos a uma situação similar. Eles utilizaram
essencialmente dois tipos de suportes para participarem do pré-jogo do World
Without Oil: o blog e o serviço de mensagens instantâneas (AIM).
Se considerarmos que o grande uso do AIM por parte dos jogadores do
fórum foi para se comunicar com os personagens do jogo (controlados pelos game
designers) durante o desenvolvimento da narrativa no pré-jogo, e que essa
interação via chat não aconteceu de forma intensa e massiça após o início do jogo,
o blog definitivamente foi o principal suporte utilizado, tanto pelos jogadores do
fórum como pelos participantes do site.
Para buscar compreender melhor porque ocorreu esse tipo de distribuição
no uso dos suportes, e também para ajudar a visualizar melhor o processo de
construção narrativa do ARG, realizamos uma análise detalhada de cada semana
de tempo do jogo, ou seja, observamos o desenvolvimento da história, semana por
semana. Para fazer essa análise de cada semana de jogo, é necessário fazer uma
breve apresentação dessa estrutura.
Estrutura narrativa do jogo
No World Without Oil, cada dia de jogo na vida real era equivalente a uma
semana no tempo ficcional do jogo.
No inicio de cada semana ficcional, os game designers utilizavam um
personagem para descrever os acontecimentos narrativos dessa semana, ou seja,
contavam a história do que estava acontecendo no jogo naquele momento.
A partir dessa construção, o personagem invocava os jogadores para que
eles produzissem e compartilhassem suas histórias através dos diversos suportes.
As histórias produzidas pelos jogadores eram incorporadas na narrativa da semana
seguinte do jogo.
Após a produção das histórias, era utilizado um sistema de pontuação que
definia as histórias consideradas premiadas.
105
“Rankeamento das histórias”
Os produtores do jogo estabeleceram uma forma de pontuar as histórias
dos jogadores. Em uma mensagem escrita por YuckMucky, ele definiu os
conceitos que balizaram as pontuações:
“HOW THE RANKINGS WORK
Scores: The way people get a higher score depends on what they contribute, and how
often. We're looking for your stories about how the crisis is affecting you, and what you're
doing to get through it.
New Faces: Here we are just saying „hi‟ to people who have sent us their first story. Well,
OK, we rank them too by how we like their stuff.
Areas: The area rankings are based on a combination of how much and how cool is the
stuff people in the area are doing, and how many people from the area are doing anything.
Sign up your neighbors!
There is a certain amount of furry logic though, not to mention I suspect some of my
colleagues will succumb to arm twisting and go in and fiddle with the scores :(
I am, however, unsusceptible ;-) “ 71
Essas três características “Scores”, “New Faces” e “Areas” buscavam
atingir ou estimular certas características nos jogadores.
Scores estimulavam a produção e a contribuição dos jogadores para a
causa. É importante ressaltar que essa contribuição obtinha mais pontos se
ocorresse de forma continua, ou seja, esse fator de pontuação buscava envolver os
jogadores na história e mantê-los participando de forma constante.
O critério “New Faces” estimulava a entrada de novos jogadores no jogo,
compensando-os prontamente em sua primeira história. Entretanto, também era
feita uma avaliação dessas histórias para não se tornar apenas uma pontuação
motivacional. Esse critério foi bem importante, pois muitas vezes jogadores de
ARG não se sentem estimulados após o jogo ter começado.
O estabelecimento de um critério de pontuação que valoriza áreas foi
claramente uma tentativa de estimular o desenvolvimento de comunidades locais e
106
de grupos que compartilhassem idéias entre si. Dessa forma, as idéias surgidas a
partir do jogo seriam mais facilmente difundidas e possivelmente colocadas em
prática por esses grupos.
Com esses critérios estabelecidos, teve início o jogo oficialmente.
Semana 1 - História - “Oil Shocker: Gasoline over $4/gal”
Com esse título, Gala_Teah72
narra a primeira semana do jogo, que
começa com um súbito anúncio de uma crise do petróleo.
Nessa narrativa, a personagem descreve como subitamente o preço da
gasolina dispara e os distribuidores alegam que estão com dificuldades de
fornecer combustível. Segundo os distribuidores, essa dificuldade é resultado de
um problema de abastecimento frente aos produtores, e por isso eles cobram uma
“renegociação” dos contratos vigentes de distribuição. De acordo com os
distribuidores, finalmente chegou o momento da tão alardeada queda final da
produção de petróleo nos EUA e, devido a isso, os preços devem se ajustar.
Esse aumento dos preços fez que com que as nações passassem a disputar
os contratos de distribuição. Os países mais fortes ou emergentes passaram a usar
todos seus recursos para conseguir contratos que suprissem suas demandas; já as
nações mais pobres, sem poder de barganha, foram praticamente excluídas do
processo.
A narrativa prossegue dizendo que funcionários do governo dos Estados
Unidos pediram calma até que sejam esclarecidos todos os acontecimentos, e que
os EUA vão trabalhar para que o fluxo de combustível se normalize.
Observadores da indústria alertam que as reservas americanas estão muito baixas
devido à redução da produção de petróleo por todos os países produtores. E
termina dizendo que mais informações serão apresentadas na próxima semana.
Convocação para os jogadores.
Após essa narrativa, Gala_Teah, conclama os jogadores para relatarem
71
http://www.worldwithoutoil.org/rank.aspx 72
Gala_Teah era uma das personagens membros do grupo 8TSOC (8 To Save Our Country).
107
através de diversos suportes, qual é o impacto nas suas finanças da gasolina
custando quatro dólares o galão. Essa chamada é a convocação para a participação
e construção da narrativa por parte dos jogadores.
Semana 1 - histórias e uso dos suportes
Analisaremos agora o número de histórias produzidas pelos jogadores e
como essas histórias foram distribuidas pelos suportes. Nas análises, sempre
utilizaremos os dados relacionados a cada semana de jogo e localizados em suas
respectivas páginas no site do WWO.
Na primeira semana de produção dos jogadores, o blog logo despontou
como o suporte com ampla preferência dos participantes - cerca de 85%, seguido
pelo áudio (9%), imagem(4%) e vídeo(3%).
É provável que o alto uso do blog como suporte na primeira semana seja
conseqüência do uso do blog pelos game designers para anunciar a primeira trama
da narrativa. Ou seja, apesar de terem pedido para os jogadores utilizarem
diversos suportes para relatarem os fatos, e terem utilizados diversos suportes no
pré-jogo, quando o jogo teve início oficialmente, os próprios game designers não
utilizaram diversos suportes para construírem a primeira parte da narrativa.
Suporte n° %
Blog 118 85%
Imagem 5 4%
Audio 12 9%
Video 4 3%
Total 139 100%
Semana 1
A primeira semana também proporcionou o maior número de histórias de
todas as semanas: 139 novas histórias foram produzidas pelos jogadores, o que
nos leva a crer que havia uma grande expectativa e espera pelo começo do jogo.
Um dado interessante é que apenas metade dos dez jogadores com maior
número de posts no fórum Unfiction participaram da produção de histórias nessa
primeira semana do jogo. Somente os jogadores coffegirl 18, RedHatty, lirath,
108
cissmiace e poeticexplosion é que produziram histórias. Ou seja, apesar da grande
participação dos jogadores no pré-jogo, nem todos se engajaram quando o jogo
começou oficialmente. Entretanto, a participação de jogadores do fórum na
primeira semana foi em um bom número, o que nos leva a pensar que houve
(ocorre) uma divisão de jogadores do fórum: aqueles que estão mais ligados ao
desenvolvimento da história, ou seja, nos aspectos narrativos, outros que estão
mais interessados no aspecto de jogo do ARG (desafios e quebra-cabeças), e um
grupo mais interessado em compilar as informações compartilhadas pelos
participantes. Ou jogadores mais ligados aos aspectos narrativos se concentram
mais nas trocas de mensagens com os personagens e em distribuir essas
mensagens com outros membros do fórum. Dentro desse grupo também existem
os jogadores interessados em compilar e organizações essas informações. E dessa
forma eles facilitam a entrada de novos jogadores e a troca de conhecimentos
entre eles.
Histórias premiadas – semana 1
Na primeira semana, três histórias foram escolhidas como as melhores a
partir dos critérios de pontuação estabelecidos. Cada história utilizou um suporte
diferente, como o blog, o vídeo e o áudio. O único suporte que não teve nenhuma
história premiada nessa primeira semana foi a imagem.
Faremos uma breve observação do que cada história procurou relatar e
como se utilizou do suporte escolhido.
A história "An analytical view of implications" 73
de GailTheActuary,
utilizou um blog para fazer uma extensa e profunda análise das conseqüências do
uso indiscriminado de petróleo e quais soluções poderiam ser adotadas para
vivermos de uma forma menos dependente dele. O que chamou atenção nessa
produção é que ela foi feita através de um blog e de um autor que costuma pensar
e discutir sobre o uso do petróleo no mundo. Ou como bem apontam as
informações do site:
Gail the Actuary‟s real name is Gail Tverberg. She has an M. S. from
73
http://gailtheactuary.wordpress.com/2007/04/22/our-world-is-finite-is-this-a-problem/
109
the University of Illinois, Chicago in Mathematics, and is a Fellow of the
Casualty Actuarial Society and a Member of the American Academy of
Actuaries.
Gail is involved with oil and other limits in several different ways:
As a researcher. Gail regularly goes back to data from government
and other web sites, and creates her own graphs and does her own analysis.
She also follows the work of others doing research.
As an actuary. Gail is interested in what the implications of reduced
oil supply is for the economy and for financial institutions.
As an educator. Gail is interested in bringing the message about
what is happening to as broad an audience as possible. 74
“
Esse perfil de um participante dessa primeira semana demonstra como o
World Without Oil agregou os mais diferentes tipos de participantes, chegando
inclusive a atrair profissionais que colaboraram com seus conhecimentos na
construção de narrativas que respondessem ao chamado invocado pelo
personagem na primeira semana do jogo. Essa troca é benéfica em relação a
produção de conhecimentos, pois a mistura de conhecimentos “especializados”
com os conhecimentos de participantes que se interessam pelo assunto, mas não
necessariamente tem uma ligação profissional com ele, pode permitir surgir novas
idéias e visões para os problemas levantados pelos temas do WWO.
A segunda história, "Oil Spike!75
” por kalwithoutoil, foi um vídeo em que
um cidadão consciente assumia o papel de um repórter que buscava informar as
pessoas sobre a crise de petróleo nas ruas de São Francisco, e também
entrevistava indivíduos que passavam pela rua e os indagava sobre que medidas
eles iriam tomar frente a essa crise.
Em seu canal de vídeos podemos obter mais informações sobre o
participante:
“I'm a concerned citizen, and I'm just trying to tell the truth about what's happening
here in SF. Is there something related to the oil crisis going on where you live? Get the
74
http://ourfiniteworld.com/about/
75 http://www.youtube.com/watch?v=mqnu2zXR4dM
110
word out. We'll help you however we can” 76
Esse participante construiu um personagem que utilizava para fazer suas
intervenções no jogo. Como em seus vídeos ele procurava relatar como se
realmente fosse um repórter fazendo reflexões sobre um mundo em crise com a
alta do petróleo, e também utilizou um site de grande acesso e público para
publicar seus vídeos, ao mesmo tempo em que ele também entrevistava pessoas
na rua que não sabiam que estavam participando de um jogo. Ao fazer isso, ele
acabou rompendo e misturando as fronteiras entre realidade e ficção.
Outros elementos interessantes na análise do relato dessa história é que
havia diversos comentários no vídeo de pessoas fora do jogo. Como esse, feito
pelo usuário “pistolpt”:
“In the video the date said May 1, 2007 but I watched it on April 30, 2007. This is very
strange..... what does it mean???? If time codes in video cameras are off this world could
completely fall apart from the seems. “ pistolpt 77
O usuário, que não sabe sobre o jogo, questiona a data em que aquilo foi
gravado, já que destoa do seu tempo cronológico e ela desconhece que o tempo no
jogo é diferente do tempo da vida “real”. Outro exemplo dessa mistura ocorre no
seguinte comentário, ainda sobre o mesmo vídeo, feito por outro usuário:
“4 dollars a gallon? What a laugh! in europe we pay over 2 euro's!!! a litre!!! now!! as we
speak!! just that you know...” feicojost 78
Esses comentários demonstram bem como o ARG World Without Oil
rompeu barreiras entre realidade e ficção e misturou personagens ficcionais com
pessoas reais. Essa produção se aproximou da definição de simulacro de
Baudrillard (1997), ou seja, foi tão perfeita que acabava confundindo-se com o
real e mesmo se passando como ele para os observadores mais incautos. Esse
mistura de fronteiras entre real e ficcional é tão intensa, que dois participantes
precisaram fazer comentários no vídeo dizendo que aquele vídeo fazia parte de
76
http://www.youtube.com/user/kalwithoutoil
77 http://www.youtube.com/watch?v=mqnu2zXR4dM
78 http://www.youtube.com/watch?v=mqnu2zXR4dM
111
um jogo. Dessa forma, eles procuraram diminuir as possíveis confusões que
pudessem ocorrer frente a outras pessoas não jogadoras.
A outra história premiada foi um relato em áudio chamado “Urban Stand
Still"79
, feita por “RockLobster”, uma das jogadores participantes do fórum
Unfiction. Nessa história, o jogador procurou narrar a situação que estava
ocorrendo no país num tom sombrio e dramático. Relatava como os preços dos
combustíveis subiram, e como as pessoas adotaram formas alternativas de
transporte, como a bicicleta. A partir disso, ela também faz uma reflexão sobre
como isso irá se desdobrar nas outras semanas, e que ela irá acompanhar isso.
Essa usuária procurou usar o suporte de áudio para dar dramaticidade a sua
história, ou seja, sem recursos de imagem, ela procurou impor um tom sério e
pesado a sua narrativa, como se fosse alguém em sua casa procurando fazer um
relato da situação complicada que o mundo passa no momento, e compartilhando
esse relato com outras pessoas através da internet. Dessa forma, quando alguém
ouve a história tem a impressão de que é uma pessoa relatando, de forma intensa,
um momento crítico pelo qual está passando devido a falta de petróleo. Além
disso, no caso de alguém que não conheça o jogo ouvir o relato, poderá
perfeitamente acreditar que se trata de uma história real, pois a jogadora procurou
imitar a forma que normalmente esses tipos de relatos foram feitos ao longo da
história, ou seja, ela procurou usufruir de um possível repertório comum de
histórias por parte dos seus ouvintes.
A observação dessas três histórias e seus participantes nos leva a alguns
apontamentos: as histórias escolhidas como premiadas foram bastante diversas,
tanto no uso dos suportes quanto as pessoas que as produziram. Além da
qualidade do material, essas escolhas possivelmente foram feitas para valorizar o
uso de diversos suportes e diversos tipos de público, pois foram escolhidos quase
todos os suportes - blog, vídeo e áudio -, além de abarcarem uma profissional
especialista, um jogador casual e um jogador dedicado a ARGs.
Essa mistura também proporcionou uma sinergia e troca entre eles. Ou
seja, a estrutura estabelecida de design para o compartilhamento de histórias, e a
forma que a narrativa aglutinou esses grupos de diferentes interesses em torno da
história do jogo proporcionou que ambos realizassem trocas de conhecimentos
79
http://www.box.net/shared/uotvt1eol5
112
entre si e buscassem pensar novas soluções frente aos problemas propostos.
Semana 2 – “NO QUICK FIX: “Chain Broken” 80
A segunda semana do jogo começa com um relato da personagem
“Pachinko”, 81
falando sobre o que deve acontecer após essa subida inicial do
petróleo e apresentando as teorias sobre os possíveis desdobramentos.
Segundo Pachinko, os representantes do governo e da indústria disseram
que essa crise será longa, pois a cadeira produtiva de petróleo quebrou em várias
partes.
Ela também avisou que agora não irá ocorrer escassez, pois o governo
disse que ainda há reservas de petróleo para pelo ao menos duas semanas.
Entretanto, o governo nada tem feito para evitar que empresas e cidadãos
acumulem combustível.
A crise de petróleo também afetou os mercados e pela primeira vez os
economistas são unânimes. .
Pachinko termina conclamando os jogadores a compartilharem suas
histórias e relatarem como é viver e o que pode ser feito em um mundo onde a
demanda por petróleo é menor que a oferta.
Semana 2 - histórias e uso dos suportes
Na segunda semana do jogo, novamente o blog foi o suporte preferido
massiçamente por parte dos jogadores. Esse tipo de produção concentrou 82%
dos trabalhos, seguindo por vídeo(8%), áudio(6%) e imagem(4%). Como
podemos ver na tabela abaixo:
80
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=2
81 Pachinko era uma das personagens membras do grupo 8TSOC (8 To Save Our
Country).
113
Suporte n° %
Blog 81 82%
Imagem 4 4%
Audio 6 6%
Video 8 8%
Total 99 100%
Semana 2
O número de histórias produzidas teve uma significativa redução do
primeiro dia de jogo para o segundo dia. O número de histórias totais passou de
139 para 99, ou seja, uma redução de 28.8% de volume.
Outro dado que demonstra essa redução do número e participação dos
jogadores em relação à primeira semana é a produção dos jogadores com mais
posts nessa segunda semana. Se antes metade desse grupo de jogadores havia
participado, na segunda semana somente um jogador (cissmiace) participou.
Entretanto, outros jogadores do fórum continuaram ativos no jogo, como nitefoll,
ararejul, jwiv, RockLobster e outros. Esses dados podem apontar que nem sempre
os jogadores que possuem as maiores participações nos fóruns dedicados a ARG
necessariamente terão as maiores participações no jogo - pelo menos não foi esse
o caso no World Without Oil.
Uma análise mais detalhada sobre os possíveis motivos dessa redução de
produção será realizada adiante.
Histórias Premiadas – Semana 2
Na segunda semana do jogo, duas histórias foram premiadas: uma
narrativa construída em um blog e outra utilizando vídeo. Novamente não foi
escolhida nenhuma história baseada em imagem e, dessa vez, nenhuma com áudio
A narrativa “Wild edibles, backyard straw bale gardening, start now!"
produzida por peakprophet, é um vídeo no qual ele narra como fazer jardinagem
no quintal de sua casa e se alimentar de plantas selvagens comestíveis. Essa ação
seria uma forma de incentivar a obtenção de alimentos sem causar grandes
problemas ao meio ambiente ou exigir muito gasto de petróleo. A observação do
vídeo levanta dois elementos interessantes a respeito dos ARGs.
A primeira questão é que o link para o vídeo que está associado ao site do
worldwithoutoil.org não está mais acessível ao público, ou seja, somente
114
convidados podem assistir. É provável que o dono do blog (peakprophet) tenha
decidido fechar o acesso. Somente com uma busca na internet utilizando o nome
de sua história, “Wild edibles, backyard straw bale gardening, start now!”, é
possível acessá-la em um site de hospedagem de vídeos Esse evento demonstra
bem como é fluido e volátil o conteúdo de um alternate reality game, ou seja,
como a internet e sua intensa dinâmica imaterial afetam a permanência dos
elementos produzidos e integrantes do jogo. Essa característica normalmente
resulta em fragmentação e dissolução desse material ao longo do tempo, ou seja,
após o término de um ARG, conforme o tempo passa, mais difícil será encontrar
os elementos constituintes do jogo. Entretanto, caso os elementos do jogo ainda
permaneçam, eles possivelmente irão provocar a confusão entre realidade e
ficção. Um exemplo disso ocorre no vídeo produzido pelo jogador peakprophet.
Nesse vídeo, os usuários continuaram comentando, seja com elogios ou com
críticas, sem mesmo saberem que aquele vídeo algum dia fez parte de um jogo.
Abaixo são apresentados alguns comentários feitos após o término do jogo e que
desconhecem o fato desse vídeo ser parte de uma produção estimulada a partir da
ficção.
“You are wonderful. I am doing exactly what you and so many are doing- we cannot continue to sustain an oil-run world. I am learning to garden. I work with my local nursery, and have joined a co-op. My goal is to be 70-80% self-sufficient in a few years. I live in Southern Calif. so that should be feasible.
We all have to do it.
whiskerchild 2 anos atrás 82”
2 anos atrás 2
“great video. Would you like to exchange ideas? I've had good success fixing nitrogen into water useing bacertia and fish. Also bat houses are a great way to turn bad bugs into valuble gueno.
BanjoNaps 2 anos atrás 83 “
No primeiro comentário, o espectador também está se preparando para
viver em um mundo sem petróleo, mesmo sem saber que esse era o tema de um
jogo. Isso demonstra que a escolha dessa ambientação foi acertada pelos
designers, pois mesmo sendo uma situação ficcional, é algo provável de acontecer.
Isso facilita a imersão na história, seja de jogadores ou mesmo de pessoas que
82
http://www.youtube.com/watch?v=HgXnR5XEvmg
83 http://www.youtube.com/watch?v=HgXnR5XEvmg
115
sequer sabiam sobre o jogo. Os designers estabeleceram aqui uma base de mundo
ficcional que pode ser facilmente confundida com o mundo real, agindo assim,
eles utilizaram os princípios de hoax que Walsh (2002) destacou. Criando uma
estrutura que confunde os usuários, e que explora o entrelugar existente entre as
notícias veinculadas e a dificuldade de reconhecer seu lastro com a realidade.
O segundo comentário também mostrar que o autor dele misturou
realidade e ficção, pois oferece a troca de experiências relacionadas a práticas
naturais de agricultura para o autor do vídeo. Mesmo que o autor do vídeo tenha
interpretado um personagem durante determinado tempo, e o lugar onde hospeda
seus vídeos não tenha nenhuma atualização de material há mais de três anos
(desde que o ARG acabou).
Outro comentário que aponta essa mistura foi feito no canal de vídeos do
peakprophet, no qual um usuário diz:
“How is your garden coming along this year so far?
rayneberry (1 ano atrás) (2010)
Como podemos notar, mesmo com o fim do jogo, seus elementos
continuam a reverberar e causar interações com o mundo não ficcional.
Próximas análises
A análise das próximas semanas foram mais resumidas do que as análises
feita nas semanas um e dois. Tomamos essa decisão para evitar que essa
dissertação ficasse excessivamente longa e com um volume de dados que
prejudicasse a leitura. Entretanto, nos preocupamos em observar todas as semanas
do jogo, de forma que permitisse o leitor ter conhecimento de como ocorreu o
processo narrativo do ARG. Associada a essa descrição, também foi realizada a
análise do uso dos suportes. Visando facilitar essa análise, ela ocorreu a partir da
comparação entre grupos de semanas.
Nessa análise, sempre que uma semana de jogo trouxe um elemento
diferente em relação aos observados na semana anterior, o componente novo
recebeu análise mais dedicada.
116
Semanas 3 a 7 - histórias
Durante o período de jogo compreendido entre a terceira e a sétima
semana, as personagens membros do 8TSOC (8 To Save Our Country) escreveram
mensagens em que descreviam e aprofundavam o cenário inicial estabelecido
junto aos jogadores.
A estrutura utilizada foi basicamente a mesma apresentada nas duas
primeiras semanas, ou seja, a apresentação de um cenário, e frente a isso, um
pedido para que os jogadores produzissem e compartilhassem algum tipo de
história que estivesse relacionada a essa situação apresentada. Os produtores
costumeiramente ressaltavam o pedido para que os jogadores utilizassem diversos
suportes para narrarem a história.
Semana 3: “PRICES JUMP: Gasoline now $4.50/Gal”
A narrativa escrita por “YuckMuck” nessa semana fala de como o preço do
petróleo e da gasolina está subindo e de como os produtores de petróleo estão
inclusive felizes com isso. Descreve também como as empresas estão repassando
diretamente esses aumentos e como isso causa revolta. Ela termina a semana
perguntando: “HOW ARE YOU FEELING WITH $4.50+ GASOLINE? WHO
DO YOU THINK IS RESPONSIBLE FOR THIS STATE OF AFFAIRS?”84
. Logo
após essa pergunta, a personagem pede para que os jogadores enviem histórias
relacionadas a esse questionamento.
Semana 4: “PAIN SKINS IN: Anger, Protests Spread”
A quarta semana do jogo começou com a narrativa feita por
IllianaSpeedster, relatando como aumentaram os protestos feitos pelos cidadãos
devido ao aumento do preço do petróleo. Alguns usuários relatam uma inflação
generalizada e o grupo está acompanhando os desdobramentos. Já no final da
narrativa ela faz novamente uma pergunta: “HAVE YOU CHANGED YOUR
84
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=3
117
LIFE? HOW?” 85
E pede para os jogadores descreverem como suas vidas foram
alteradas a partir dessa crise, utilizando todos os suportes disponíveis.
Semana 5: “RIPPLE EFFECT: Other Prices Rise”
Gracesmom nos conta na quinta semana do ARG como os preços
continuaram aumentar progressivamente e atingindo diversos itens. Ela narra
também como certos crimes têm acontecido devido à crise e ao aumento dos
preços.
A personagem questiona os jogadores sobre quanto a crise está custando a
eles a cada semana e o que deixaram de fazer devido a isso, e pede para que
relatem.
Semana 6: “IN DENIAL? We Tell Your Stories”
A narrativa dessa semana começa com “dessum9” falando sobre as
pessoas que estão se comportando de uma forma diferente frente a essa crise: são
aqueles que pouco modificaram suas ações, pensamentos e consumo frente ao que
tem acontecido. Dessum9 diz que os relatos dessas pessoas não têm chegado ao
site e ele pede para que elas se expressem, pois seu ponto de vista também precisa
ser conhecido. Ele acrescenta que esses tipos de histórias também são
interessantes de serem ouvidas.
Também são relatados problemas de falta de energia, problemas no
transporte aéreo e também as notícias que estão vindo de outras partes do mundo.
Novamente a semana termina com um questionamento: “HOW MUCH FUEL
CONSUPTION HAVE YOU *REALLY* CUT OUT OF YOUR LIFE?”, e um
pedido para os jogadores fazerem seus relatos.
Semana 7: “WARNING: „Pipeline Almost Dry‟” 86
A sétima semana do jogo fala sobre como será inevitável ocorrer falta de
85
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=4
86 http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=7
118
petróleo na próxima semana. Também são apresentados os mundos possíveis
frente à crise, ou seja, como as pessoas têm reagido frente aos acontecimentos.
Dois elementos novos são incorporados nessa semana: o primeiro é o
anúncio de um novo tipo de história: “as missões”. Nelas são propostos desafios
frente aos jogadores. Esse anúncio não deixa muito claro como funciona esse tipo
de história - isso foi realizado em semanas posteriores.
Semanas 3-7 – histórias e uso dos suportes
Apresentamos agora um breve resumo da produção e uso dos suportes
nessas semanas.
Suporte n° %
Blog 74 79%
Imagem 7 7%
Audio 8 9%
Video 5 5%
Total 94 100%
Semana 3
Suporte n° %
Blog 50 81%
Imagem 4 6%
Audio 2 3%
Video 6 10%
Total 62 100%
Semana 4
Nas semanas três e quatro, a distribuição do uso de suportes entre os
jogadores seguiu basicamente o mesmo padrão dos dias anteriores. O blog
novamente concentrou cerca de 80% da produção. O restante foi distribuído entre
os outros suportes com uma considerável variação.
Outro apontamento interessante de ser observado é a considerável redução
na produção por parte dos jogadores. Por exemplo, da terceira para quarta semana,
a produção passou de 94 histórias para cerca de 62, um redução de 34% no
volume produzido.
Suporte n° %
Blog 47 73%
Imagem 7 11%
Audio 7 11%
Video 3 5%
Total 64 100%
Semana 5
Suporte n° %
Blog 42 81%
Imagem 3 6%
Audio 4 8%
Video 3 6%
Total 52 100%
Semana 6
119
Suporte n° %
Blog 49 86%
Imagem 2 4%
Audio 4 7%
Video 2 4%
Total 57 100%
Semana 7
Como podemos observar nas tabelas acima, a utilização dos suportes
continuou seguindo um relativo padrão entre as semanas cinco e sete, e
novamente houve um pequeno declínio na quantidade de material produzido.
Durante essas semanas, a narrativa se concentrou na descrição dos
cenários e a algumas notícias e ações relacionadas à crise do petróleo. Durante
esse período, as narrativas escritas pelos personagens controlados pelos mestres
do jogo- incorporaram elementos das histórias dos jogadores no jogo, entretanto,
essa incorporação era direta. Os game designers citavam as histórias produzidas
pelos jogadores na narrativa de cada semana, entretanto eles não colocavam link
para essas narrativas. Por exemplo, na quarta semana eles relataram:
“Some bloggers are reporting noticeable jumps in the price of goods,
a result perhaps of the increasing cost to transport raw materials to factory
and especially of delivering finished goods to market. We're watching this
- more next week. “ 87
Esses blogs referenciados na passagem acima foram os utilizados pelos
jogadores para narrarem as histórias relacionadas à crise de petróleo.
Essa estrutura de incorporação indireta na narrativa vai continuar até a
sétima semana do jogo. A chamamos de indireta, pois, ao mesmo tempo em que
adiciona a participação dos jogadores na história, não há referências a quais
histórias foram utilizadas para estabelecer essa construção. Entretanto, a partir da
oitava semana do tempo ficcional do jogo, isso começa a mudar, e os mestres do
jogo começam a referenciar as histórias dos jogadores dentro da narrativa. A partir
de agora, vamos descrever melhor essas mudanças, utilizando algumas semanas
como exemplo.
120
Semana 8: “NOW IT STARTS: Shortage Spread”
A narrativa dessa semana foi produzida pela personagem dessum9 e
começa com a descrição de que a crise de petróleo está se espalhando para outros
países, principalmente o Canadá, onde inclusive há boatos de terem ocorrido
algumas operações de tropas americanas na região da cidade de Alberta.
A narrativa também descreve alguns problemas de falta de luz devido à
falta de gás natural, assim como critica a inexistência de um plano nacional de
racionamento.
Entretanto, o elemento inovador dessa narrativa foi a referência direta aos
jogadores e sua produção. Um exemplo disso é quando dessum9 faz referência a
protestos feitos por trabalhadores do ramo da indústria de automóvel, assustados
com a possibilidade de perderem trabalho frente à crise, e diz que está preocupada
com a “youporkchop”, uma das jogadoras do ARG que na trama vivencia uma
funcionária da General Motors. Quando é feita essa referência a essa jogadora
também foi colocado o hiperlink para o blog dessa participante.88
Como podemos
ver na seguinte passagem:
E a partir desse comentário e invenção dessa situação (da reação dos
funcionários e seu protesto) feita pela personagem “dessum9”, a jogadora
“youporkchop” produziu uma história em que ela relata um conflito com um
funcionário da General Motors insatisfeito.
“ Disgruntle employee set our warehouse on fire today!
87
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=4
88 http://youporkchop.livejournal.com
121
My Mom just woke me up a few minutes ago and turned on my TV.
There was live shot of a building engulfed in flames. I gasped when I saw
the caption at the bottom. "GM Supplier Warehouse On Fire". That was
our warehouse at work! I couldn't tell at first which part of the warehouse
was on fire but it appeared to be the recieving side of the warehouse which
is at the opposite end of the building from where Frank, Pam and I work.
The reporter said "a warehouse employee, who was having financial
problems and had difficulty in getting to work due to the oil shock, was
called into the office to speak with a supervisor about his performance.
The employee became enraged and left the building. He returned a few
minutes later with two large cans of gas. He proceded to dump the fuel out
of the cans onto the warehouse floor and walls of the supervisors office.
He covered himself in fuel then ignited himself on fire. The fire spread
quickly throughout the dock area. The sprinkler system helped keep the
fire in that area of the warehouse. One person is dead and several are
missing at this point..." I picked up the phone and called my boss on his
cell. He didn't answer it so I left him a message. Then I called Pam and
when I told her about it she started to cry. I called Frank and he didn't
know about it either.
Now I'm just waiting for Tom to call me back and tell me what's going
on. I'll update my journal as soon as I know more.” 89
Esse exemplo demonstra como a partir da oitava semana aumentaram as
trocas narrativas entre os mestres do jogo e os personagens, inclusive ocorrendo
situações como essa, onde as personagens controladas pelos designers criavam
situações narrativas para os jogadores e eles interagiam frente a isso.
Outros exemplos dessas interações ocorrem ainda nessa mesma narrativa,
como quando “dessum9” levanta a suspeita sobre quem estaria por trás dessa crise
de petróleo e agradece a um jogador (mtalon_wwo) por tê-la alertado sobre isso90
.
Como aponta a seguinte passagem:
89
http://youporkchop.livejournal.com/3331.html
90 http://mtalon-wwo.livejournal.com/?skip=10
122
É interessante destacar que novamente o hyperlink é utilizado sobre o
nome do jogador, de forma a direcionar para o site no qual a história foi produzida
e a partir disso permitir maiores conexões entre os jogadores e buscar estimular
mais produções, já que estas poderiam receber destaques na página principal do
jogo e participar da narrativa oficial.
Já no final da narrativa, “dessum9” disse que existe um luz para essa crise,
pois as pessoas estão se comunicando entre si e formando comunidades, e é a
partir dessa narração que ela inclui a participação de outro jogador. Como
demonstra a seguinte imagem:
A personagem faz um pedido para que os jogadores compartilhem suas
comunidades e diz que ela mesma quer entrar na comunidade do “lead_tag”, mais
um dos jogadores do ARG, que teve sua colaboração associada à narrativa
principal da semana.91
Semana 8 - Uso dos suportes
Na oitava semana a produção dos jogadores continuou distribuída
praticamente da mesma forma entre os suportes, grande preferência pelo blog e
alta variação entre os suportes restantes.
91
http://lead-tag.livejournal.com/
123
Suporte n° %
Blog 44 81%
Imagem 3 6%
Audio 5 9%
Video 2 4%
Total 54 100%
Semana 8
Também ocorreu uma mínima diminuição na produção em relação à
semana anterior, tendo sido produzidas 54 histórias em comparação com as 57
narrativas do dia anterior (ou semana dentro do tempo ficcional do jogo).
Semana 8 - Histórias Premiadas
Nessa semana, três histórias foram escolhidas: a narrativa chamada
“composting the past”92
, produzida pelo jogador nulinegvgv. A história baseada
em áudio foi produzida pelo jogador “FallingIntoSin”, e era formada por duas
partes, "Interview With CSX Railroad Executive: Part One" e "Interview With
CSX Railroad Executive: Part Two". Ambas foram escolhidas. Por último, foi
selecionada uma narrativa baseada em vídeo chamado “the shortage hits!”,
produzida por “kalwithoutoil”.
A primeira narrativa fala como produzir alimentos a partir da
compostagem de material orgânico, e como isso pode ajudar na crise de petróleo
vivenciada. A seguir apresentamos um pequeno trecho do “post” produzido por
nulinegvgv:
“There are many reasons to learn how to grow your own food. The recent peak
in global oil production will cause many problems for the gigantic agrobiz corporations
that currently farm a huge percentage of the food we eat and then ship it on average
92
http://web.archive.org/web/20070526134435/http://peakoilhasarrived.blogspot.com/2007/05/comp
osting-past.html
124
1,500 miles from the fields where it’s grown to our grocery stores. If you’re interested
in the alternative of growing your own food right in your own backyard you will have to
be able to provide the necessary nutrients your plants need year after year. As natural
gas production continues to decline it will be difficult and expensive to do so if you’re
reliant on commercial fertilizer products. So how can you produce the nutrients
necessary to grow your crops? One way is to compost.” 93
A produção do jogador foi bastante intensa e ele produziu um longo relato
onde compartilhava seus conhecimentos sobre compostagem juntamente com
alguns links e imagens relacionadas a esse tipo de técnica.
A segunda produção foi um vídeo dividido em duas partes, "Interview
With CSX Railroad Executive” Part One 94
/ Part Two 95
, onde é apresentado o
áudio de uma entrevista com um executivo de uma empresa de transportes dos
EUA, em que questiona como estão os negócios da empresa frente à crise de
petróleo e o que acontecerá com os negócios. Essa produção tem duas
particularidades: a primeira, que, apesar de utilizar um site voltado para vídeos na
internet, é uma produção apenas em áudio, tanto que foi classificada e escolhida
como tal. A outra particularidade é que essa jogadora deixou bem claro que o
vídeo fazia parte de uma produção ficcional e talvez por isso não tenha atraído
nenhum comentário entre pessoas não participantes do jogo, ou seja, não facilitou
a quebra de barreiras entre a realidade e a ficção.
O vídeo selecionado, “the shortage hits!”96
, feito por kalwihoutoil,
descreve as situações em que ele e um amigo estão vivendo frente à crise do
petróleo, Novamente o jogador utiliza o recurso de uma câmera em movimento e
dramatiza o relato para criar verossimilhança com a situação do jogo. Como
podemos ver nas imagens abaixo:
93
http://web.archive.org/web/20070526134435/http://peakoilhasarrived.blogspot.com/2007/05/comp
osting-past.html 94
http://www.youtube.com/watch?v=sytLNtqKqKY&feature=player_embedded 95
http://www.youtube.com/watch?v=WIgrnsQk0AI&feature=related 96
http://www.youtube.com/watch?v=TmY9OMBdPLc
125
As imagens retiradas do vídeo produzido por “kailwithoutoil” demonstram
como o jogador procurou retratar suas narrativa de forma a parecer que ele
realmente era um cidadão frente a uma crise do petróleo e que procurava informar
as outras pessoas sobre isso.
Semanas 9-16
No período compreendido entre as semanas nove e dezesseis são descritos
novos aprofundamentos da crise do petróleo e suas conseqüências. Outro
elemento presente marcante é uma maior incorporação da produção dos jogadores
na narrativa principal.
126
Semana 9: “CHAOS: Outages Spark $1/Gal Jump” 97
Na semana nove são descritos como o preço do petróleo aumentou ainda
mais como conseqüência de ataques realizados por grupos armados a tanques de
petróleo. Na história narrada pela personagem Gala_Teah, esses atos ocorreram
principalmente em países árabes. Em meio todo a esse caos, a narrativa descreve
algumas ações feitas pelos jogadores como, por exemplo, documentar o que está
acontecendo, identificar os problemas e buscar respostas. Segundo Gala_Teah,
essas ações são pontos de luz frente a escuridão enfrentada.
Semana 10: “HUMBLED: U.S Prestige Hits New Low” 98
Já na semana dez o principal foco narrativo foi demonstrar como a crise de
petróleo se espalhava pelo mundo, como aponta a seguinte passagem:
“What's going on internationally? Well, the news is bad. Rebel forces are emboldened in Nigeria, and blew up more pipelines and took more foreign workers hostage. The Australian secessionist struggle continues. Brazil flexed its new ethanol muscles. Romania - don't even know WHAT is happening in Romania (it borders Ukraine, so, um, yeah). Chinese warships steamed into the Straits of Malacca. Iraq remains Iraq. The only good news comes from Canada, where nothing weird happened. That we know of.” 99
Semana 11: “JOBS IN PERIL: „I Can‟t Get to Work‟”
Após a apresentação feita na semana passada de como a crise havia se
espalhado pelo mundo, na 11° semana a narrativa tem seu foco em quantas
pessoas perderam ou tiveram seus trabalhos prejudicados devido à crise. Nessa
semana também a história do jogo expande o universo para uma crise
internacional e pede ajuda de relatos sobre como as coisas estão acontecendo em
outros países. Isso possivelmente foi, por parte dos produtores, a tentativa de
internacionalização dos jogadores. A seguinte passagem apresenta isso:
97
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=9 98
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=10 99
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=10
127
“INTERNATIONAL - HELP! Lots more from isnochys on the situation in the Romanian oilfields. He seems to have some puzzles there worth solving: "fumegi"? Also this in from Zorbits in
Norway; sobering to read, since Norway is an oil-exporting country. And who here speaks French? Or knows someone who does? We have two reports in French here and here, and I'd appreciate it mightily if someone would give me just the gist. Related to their elections maybe?”
Semana 12: “TRUCK STOP: Diesel Runs Dry”
Nessa semana, a personagem “dessum9” narra como a falta de diesel
começou a parar os caminhões e conseqüentemente provocou uma crise nos
transportes, já que as mercadorias não são mais levadas de um lugar para o outro.
A narrativa continua com diversas incorporações das produções dos
jogadores e apresenta dois novos elementos. O primeiro é um maior destaque por
parte da personagem “dessum9” das histórias produzidas pelos jogadores que
utilizaram imagem e vídeo:
“PICTURES OF THE CRISIS I love pictures. And we're getting in some good ones. Empty autobahns in
Germany. Fuel prices in Poland. Petrol queues and the aftermath of looting in
Bristol. Rolling protests in San Francisco. And a scary-bad fire from OrganizedChaos. And videos too: this is a good catch by fallingintosin (where IS all that fuel coming from? Where is it going?). And this just in! More from anda_sf! Read her comics, you just have to, that's all. Get 'em in order: Weeks One, Three, Five, Seven, Nine, Eleven. Oh, and this. People starving to death down there, folks. Because they can't afford oil. Something to think about.”100
Esse maior destaque possivelmente tinha como foco aumentar as
produções baseadas em vídeo e imagem, já que as histórias que utilizavam esses
suportes continuavam em menor número.
A segunda novidade dessa semana é a maior atenção na criação de
desafios (missões) para os jogadores, agregando-as a recompensas. Isso significou
que as personagens continuaram pedindo para que os jogadores produzissem
relatos sobre as histórias vividas na crise, e os participantes que desenvolveram as
melhores histórias relacionadas aos objetivos das missões passaram a ganhar
“créditos de carbono” como recompensa. O seguinte trecho mostra o lançamento
desses desafios:
100
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=12
128
“GET YOURSELF A _______ AWARD
The idea is: fight back. Yeah, sounds GOOD. And saint3million and inky_jewel are
giving honors to the Netizen Heroes that rise to the challenge: you do one, and
they will buy a one-ton carbon dioxide offset in your name. The full story is here.
And the first challenge is: name the Award!” 101
Nessa mensagem havia um link que levava os participantes até o blog
oficial do time do jogo, onde encontravam mais informações sobre essa nova
característica :
“Okay, so here's how it works. Every few weeks, I'll post a new challenge. The
best responses will each win an official one-ton WWO Carbon Offset Award. Actually,
Evie said that the name "Carbon Offset Award" was really boring and you could probably
think of a better one. So that's your first challenge. Post suggestions for a more
interesting name for these awards in the comments. The best one will win the very first
award!
The rest of team 8TSOC will be giving out some of the awards spontaneously for other
awesome stories, so stay tuned - you never know when you might win one. Just our way
of saying THANK YOU for putting your time and energy into helping document and
understand this crisis.” 102
A partir desse momento, essas missões também passaram a fazer parte da
estrutura do jogo e igualmente foram observadas nessa pesquisa.
Semana 13: “BLACKOUT: Oil Offline, Coal Faltering”
Na décima terceira semana, Gala_Teah fala sobre uma crise de energia
que atingiu toda população e como isso agravou uma onda de calor existente, já
que as pessoas não podem mais se refrescar devido à falta de energia.
Nessa narrativa, os produtores também deram destaque às produções dos
jogadores que utilizaram telefone ou e-mail como suporte no desenvolvimento das
suas histórias. Esse destaque possivelmente ocorreu pois, apesar desse tipo de
suporte ser incorporado ao site, não recebia o mesmo destaque de outros suportes,
101
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=12
102 http://community.livejournal.com/worldwithoutoil/13324.html
129
já que não havia uma categoria específica para eles. Esse realce feito na narrativa
provavelmente foi uma forma de valorizar essa produção.
Outra questão interessante colocada na narrativa dessa semana foi um
tópico onde a personagem destacava o trabalho feito por jogadores que reuniam e
recontavam a narrativa que vinha acontecendo no World Without Oil, ou seja,
havia um grupo de jogadores que utilizavam seus blogs para centralizar as
histórias e dessa forma permitir que novos jogadores pudessem estar cientes do
que estava acontecendo.
Segue abaixo o post103
realizado pelo “Prudent RVer” onde ele
compila informações sobre as últimas ações do WWO:
103
http://prudentrver.typepad.com/3catsstalking/2007/05/what_no_diesel_.html
130
Semana 14 – “$7 AGONY: Prices Continue to Rise”
Nessa semana o destaque da narrativa feita por Inky_Jewel foi o aumento
do galão de petróleo, atingindo o valor de sete dólares. Ela destaca que, além de
131
intempéries naturais, como uma tempestade que ocorreu no Texas, esse avanço no
preço ocorreu principalmente pelo corte na opção de compra de combustível por
mecanismo de crédito. Agora só era possível adquirir através do pagamento em
dinheiro.
Semana 15 – “HARD CHOICES: Citizens Fight for Basics”
A narrativa desenvolvida por “dessum9” diz como os EUA possuem mais
petróleo do que qualquer outro país e que eles possivelmente poderiam ter uma
vida tranqüila frente à dependência de petróleo, mas isso não ocorreu pois se
tornaram totalmente dependentes do combustível. Mas, segundo o relato, os
cidadãos estão reagindo a isso e grande parte da narrativa restante procurava
demonstrar quais foram as ações que os cidadãos (jogadores) realizaram como
forma de solucionar esses problemas
Semana 16 – “SORRY: Outages of Goods, Food”
Ink_Jewel conta nessa semana como a crise afetou a produção e
distribuição de alimentos e produtos. Ela constrói a narrativa novamente com as
histórias desenvolvidas pelos jogadores na semana anterior – por exemplo, o jogo
desenvolvido por uma das participantes apresentado através de uma história em
quadrinhos104
. É interessante notar como a autora fez um trocadilho com um dos
motes de ARGs “This isn‟t a Game!”. Outra referência que ela fez, essa
especificamente para o ARG World Without Oil, foi ter criado um jogo para
resolver um problema. Segue abaixo uma parte dessa história em quadrinhos:
104
http://anda-sf.livejournal.com/2007/05/13/
132
133
Semanas 9-16 – histórias e uso dos suportes
Suporte n° %
Blog 49 86%
Imagem 5 9%
Audio 1 2%
Video 2 4%
Total 57 100%
Semana 9
Suporte n° %
Blog 52 78%
Imagem 9 13%
Audio 3 4%
Video 3 4%
Total 67 100%
Semana 10
Suporte n° %
Blog 48 80%
Imagem 8 13%
Audio 3 5%
Video 1 2%
Total 60 100%
Semana 11
Suporte n° %
Blog 33 94%
Imagem 2 6%
Audio 0%
Video 0%
Total 35 100%
Semana 12
Como podemos observar nas tabelas acima, o uso dos suportes pelos
participantes continuou seguindo, relativamente, o padrão das semanas anteriores.
Ou seja, o uso de blogs para contarem suas histórias continuou com ampla
predominância e os outros suportes tendo apenas uma pequena parcela de
produção, sendo que nestes a imagem ocupava o maior destaque.
Novamente a produção de vídeo e áudio foi bem menor do que as outras.
Isso possivelmente impulsionou o destaque, feito pelos produtores na 12° semana,
de histórias relacionadas ao uso desses dois suportes. Entretanto, esse pedido não
surtiu o efeito desejado, provavelmente afetado pela drástica redução no número
de histórias.
Durante o período compreendido entre as semanas nove e onze, o volume
de produção de histórias continuou basicamente o mesmo, entretanto, na décima
segunda semana houve uma considerável redução. (41,75%).
Suporte n° %
Blog 33 89%
Imagem 2 5%
Audio 0%
Video 2 5%
Total 37 100%
Semana 13
Suporte n° %
Blog 15 79%
Imagem 2 11%
Audio 1 5%
Video 1 5%
Total 19 100%
Semana 14
134
Suporte n° %
Blog 44 90%
Imagem 1 2%
Audio 3 6%
Video 1 2%
Total 49 100%
Semana 15
Suporte n° %
Blog 45 88%
Imagem 3 6%
Audio 2 4%
Video 1 2%
Total 51 100%
Semana 16
Nas semanas 13-16, o uso dos suportes continuou seguindo o mesmo
padrão anterior, mas o número de histórias totais voltou a aumentar. Todavia, esse
aumento jamais trouxe o volume de histórias para o patamar inicial das primeiras
semanas e ao longo do jogo ocorreu uma redução na produção de histórias. Os
prováveis motivos dessa redução serão analisados posteriormente.
Semana 17 –“FUEL RIOTS: Violence Erupts in 7 Cities”
A narrativa dessa semana relata que diversos protestos populares
irromperam em várias cidades quando a população soube que lobistas das
empresas de petróleo estiveram presentes em uma reunião feita a portas fechadas
que discutia a proposta de “National Mass Transit Iniative”, um projeto que tinha
como objetivo realizar um grande programa nacional de transporte público e que
começou a sofrer com interferências de lobistas. A personagem YuckMuck
também dizia que:
“105
É interessante observar que, no trecho em destaque acima, as histórias
referenciadas abrangeram praticamente quase todos os suportes utilizados no
jogo; apenas uma história, baseada em vídeo, não foi contemplada nessa seleção.
Semana 18 – “PEDAL PUSHING: Bicycle Riders Seek Support”
105
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=17
135
“Dessum9” narra nessa semana como o país está dividido em áreas verdes
e áreas vermelhas. As áreas verdes são os lugares onde a polícia ainda consegue
chegar onde é chamada; já nas áreas vermelhas não há mais a presença policial do
estado. Ela ilustra essa narrativa com diversas histórias dos jogadores onde eles
falam como está a situação em suas cidades e se estão vivendo em zonas verdes
ou vermelhas.
Outra questão que recebeu destaque na narrativa dessa semana foram as
“missões”. E “dessum9” fez uma compilação das missões estabelecidas por
diversas personagens e pessoas (as partes sublinhas são links para histórias dos
jogadores):
“MISSIONS
Lots for you to do, people, if you're lucky enough to live on the Green side
of the line. Chuckles has requested something this site needs more of -
photographic evidence. I like this mission from Gracesmom A LOT. And
saint3milion's 26 Things Whatever Without Oil still has plenty of play left.
Anda_sf - she gots game. Peakprophet posed this excellent reconnaissance
mission. Bodi Lane wants to seephotos of cool bikes. And FallingIntoSin
has her Changing Lanes Challenges. And look, some SERIOUS political
action from eigenseide. mPathytest explains why we all need to do this.
Shoutin' out to some brave Missioneers: First, my fave, eek in Ocean
Beach,grazing the landscape in response to platonicpimp's Guerrilla
Gardening challenge. Willwithoutoil, so locally clean.
Miawithoutoil, buying music direct. Cycleboy,vacationing without
oil. Yeebee29 answered Illiana's Mom's Day mission. Shirauo took
up pippa brighton's bright solar idea. And really bigg props to
peakprophet, who conquered X, the toughest Whatever Letter. And more
besides, sorry, I can't keep up. See all of the mission challenges and
responses HERE.”
Semana 19 – “UNFRIENDLY SKIES: Airline Travel Reorganizes‟
O destaque da história desenvolvida por “IllianaSpeedster” com as
histórias dos jogadores é sobre como a crise do petróleo afetou o tráfego aéreo.
Somente poucas empresas continuam funcionando, e praticamente todas as firmas
pequenas quebraram. A personagem também narra como os jogadores estão
resistindo a essa crise e também fala sobre as “missões de carbono”, em que são
136
oferecidos créditos de carbono para as melhores narrativas, como fica exposto na
seguinte passagem:
“CARBONEER MISSIONS
Still wishing you had a One-Ton Carbon Offset to make up for that SUV? Become a
Carboneer!
saint3million still has plenty of letters in his alphabet of Whatever Without Oil. Pick
a letter and show us what you're doing without oil!
tx_chuckles wants you to buy and prepare some local food. (Don't forget to take
along a worldwithoutoil.org sign!)
gracesmom wants you to find and document the fragile things in your community.
Stay Tuned - more Carboneer Missions are on the way.” 106
Semana 20 – “‟TRAPPED‟: Communities, Families Lack Options”
Na vigésima semana, Chuckles narra como as pessoas estão sofrendo com
a necessidade de comprar produtos - eles estão em falta e muito caros. Ele ilustra
essa narrativa com as histórias produzidas pelos jogadores relacionadas à temática
dos alimentos. É importante observar que Chuckles havia lançado uma missão
relacionada a esse tema, e essas histórias produzidas pelos jogadores são a
interação deles frente a essa missão. Chuckles termina a narrativa pedindo
novamente para que as pessoas observem a missão relacionada à comida e pensem
alternativas para a situação caótica que as pessoas estão enfrentando.
Semana 21 – “METRO AREAS: Who‟s Rising? Who‟s Sinking? Your
Stories”
Gala_Teah foca a narrativa dessa semana no transporte, falando como as
cidades que possuem transporte público desenvolvido - e ela cita como exemplo o
metrô - estão reagindo melhor em comparação às cidades que não possuem
transporte coletivo desenvolvido. Como são mais dependentes de formas
individuais de transporte, entraram em colapso mais facilmente.
Outro elemento interessante dessa semana é um trecho onde a personagem
106
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=19
137
diz que sente falta de algumas pessoas:
“PEOPLE I MISS
Rumpletoe. Warnwood: your services are still desired (or are you using your Walk
Out pack?). Fabulareine: what about BrainTeasers #5 through #10? Finding
Ulysses. ARareJul: okay, we are sending out that search party. Burnunit. Sandyjo,
whose insight regarding the homeless I found valuable. Nitefoll, last seen driving a
pedicab. Lyoko is Cool. Clearest. GailTheActuary. Inky calls me Mother Hen, but I
can't help it, I want to keep everyone in sight at all times.” 107
Essa convocação pela personagem foi possivelmente uma tentativa de
trazer novamente os participantes para o jogo, já que o WWO vinha sofrendo com
uma redução do número de participantes.
Semana 22 – “REBUILDING: What Do We Do Now?”
Nessa semana Gracesmon começa a narração da reconstrução a partir da
crise do petróleo, ela desenvolve a narrativa a partir de exemplos de soluções
encontradas pelos jogadores. Como na seguinte passagem:
“MORE GOOD IDEAS
A lot of us have been wondering how we will keep the gadgets going if the power
goes out. Megiddo Tell has one idea. Gerben1974 notes this is already going on in
Ghana. I want to hear more about the green shelters mentioned by Spinney and
transportation initiatives like the ones kevikens wrote about. Has anyone found a
horse yet?” 108
Outro elemento que “Gracesmon” incorpora na narrativa são as boas-
vindas às produções dos novos jogadores, já que o ARG sofreu com o problema
de perder participantes ao longo do jogo. Ela faz isso nesse trecho:
“NEW VOICES
A blogger from Salem, MA talks about his city and the challenges it will face in the
future. Make sure you read both Part One and Part Two. David, I'm looking forward
to the next installment. If you'd pick a hero name for yourself, I'd be grateful.” 109
Onde destaca duas histórias, apresentamos primeira:
107
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=21 108
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=22 109
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=22
138
139
Esse destaque possivelmente foi para incentivar os novos jogadores a
continuarem a produzir e participar do ARG.
Semana 23 “FOOD CRISIS: Crop Yields Way Down, Imports Dry Up”
Nessa semana, o foco da narrativa é desenvolvido na falta de alimentos e
como as pessoas estão resistindo a essa crise de comida. “Dessum9” também
mostra exemplos de iniciativas que procuraram desenvolver soluções maiores para
os problemas enfrentados e não somente soluções paliativas.
“We've seen communities that may be well on their way to taking care of
themselves. Ones with some very good, very practical ideas going. But who's going
to take care of others? We want to be addressing problems, not treating symptoms.
Let us know what you're thinking, and show us what you and your community are
doing, in your blogs, emails, videos and phone calls.” 110
Semana 24: “Plotting the New World Order” 111
Nessa semana YuckMuck apresenta um panorama internacional da crise,
descrevendo como está a situação nos principais países produtores de petróleo e
também no Canadá e Estados Unidos. No final da narrativa ela novamente
demonstra as histórias e ações de outros participantes.
110
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=23
140
Semanas 17-23 – histórias e uso dos suportes
Suporte n° %
Blog 38 88%
Imagem 2 5%
Audio 1 2%
Video 2 5%
Total 43 100%
Semana 17
Suporte n° %
Blog 40 83%
Imagem 1 2%
Audio 6 13%
Video 1 2%
Total 48 100%
Semana 18
Suporte n° %
Blog 23 79%
Imagem 3 10%
Audio 0 0%
Video 3 10%
Total 29 100%
Semana 19
Suporte n° %
Blog 20 91%
Imagem 1 5%
Audio 0 0%
Video 1 5%
Total 22 100%
Semana 20
A análise da produção e uso dos suportes das semanas 17-20 mostra uma
considerável redução da produção dos jogadores – as histórias tiveram uma queda
de praticamente 50%. Entretanto, esse impacto não alterou a distribuição do uso
dos suportes pelos jogadores, tendo o blog continuado com a maior preferência
dos participantes.
Suporte n° %
Blog 25 78%
Imagem 3 9%
Audio 1 3%
Video 3 9%
Total 32 100%
Semana 21
Suporte n° %
Blog 26 87%
Imagem 2 7%
Audio 0 0%
Video 2 7%
Total 30 100%
Semana 22
Suporte n° %
Blog 34 87%
Imagem 1 3%
Audio 2 5%
Video 2 5%
Total 39 100%
Semana 23
Suporte n° %
Blog 31 94%
Imagem 2 6%
Audio 0 0%
Video 0 0%
Total 33 100%
Semana 24
Durante as semanas 21-24 continou praticamente da mesma forma a
distribuição das histórias entre os suportes. O número de histórias aumentou um
111
http://worldwithoutoil.org/default.aspx?week=24
141
pouco em relação às semanas anteriores, possivelmente um reflexo da entrada de
novos participantes e o destaque que os designers deram a essas novas produções.
Entretanto, mesmo com esse aumento, não se retornou a quantidade de histórias
produzidas anteriormente. É provável que essa diminuição seja decorrente do
ritmo intenso do jogo, que exigia uma participação constante dos jogadores. Essa
dedicação e participação pode ter sido desgastada ao longo do tempo, já que o
jogo, nesse momento, estava em um estágio avançado de desenvolvimento, ou
seja, já havia transcorrido vinte e quatro dias desde o início do ARG.
Semana 25: “DREAM‟S END: Residents Flee Suburban Lifestyle”
O relato feito por Ink_Jewel sobre o subúrbio relata como a vida nesses
lugares foi afetada por essa crise energética. Ela começa também a falar sobre
possíveis soluções para isso e apresenta um problema sobre eficiência energética
colocado no blog coletivo do jogo. 112
Esse problema atraiu uma grande
participação dos jogadores.
A personagem também pede para que os participantes produzam mais
histórias a partir de imagens e vídeos, como aponta o seguinte trecho:
“PICTURES
We need more pictures. Pictures say a lot and MsGeek set up a place for us all to
put them. And videos too. I am trying to get more of my pictures together to put
them there.
So as Des says SPEAK UP, and tell us about what's goin' on in your blogs, emails,
videos and phone calls.
Semana 26: “ACTIVISM: „Build Community‟ Next Week! (Week 27)”
IlianaSpeedster foca a história dessa semana no tema da construção de
comunidades. Segundo ela, a crise do petróleo realmente é um forte
acontecimento que afetou tudo, mas só ocorreu porque a população há muito
tempo perdeu o controle sobre suas decisões. A personagem também relata que
após os sintomas mais fortes da crise e da “abstinência do petróleo”, a população
tem reagido e isso deve ser canalizado no desenvolvimento de comunidades mais
112
http://community.livejournal.com/worldwithoutoil/18340.html
142
fortes, trazendo novamente o poder de decisão para a comunidade. Essa busca fica
reforçada quando IlianaSpeedster lança uma missão aos jogadores:
“AN IMPORTANT MISSION
Speaking of communities, we have a new mission for everyone. We challenge you
to get out this week and show us your community. We want pictures. We want
videos. We want to actually see what your communities are really like. We want
you to show us how important your community is and how it has helped you
survive the oil crisis so far.
That's step one of your mission. Step two is the important part. We want you to
speak up and tell your local, state or national government about your community
and its needs. We need to make the government understand how important
communities are when a crisis happens. Maybe then they'll help us build even
stronger communities and prevent future crises.” 113
Esse pedido feita pela personagem objetivava estabelecer uma comunidade
entre os participantes. Para isso inclusive foi desenvolvida uma estrutura pelos
designers que permitia que o jogador quando produzisse uma história, marcasse a
região a qual aquela narrativa estava ligada. A seguinte imagem114
apresenta essa
estrutura de adicionar histórias:
113
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=26 114
http://www.worldwithoutoil.org/addstory.aspx
143
Semana 27: “RALLYCRY: Communities Agitate for Government Support”
Nessa semana seguinte do jogo a personagem dessum9 reitera a
importância do desenvolvimento de comunidades e de que as pessoas que estão
vivenciando essa crise devem procurar agir dessa maneira.
Ela também fala sobre como novas pessoas podem se juntar a essas ações,
e apresenta as produções de jogadores que facilitam aos novos participantes se
interarem do que está acontecendo ao longo dessas semanas. A narrativa também
fala sobre os podcasts que são produzidos sobre a crise e a importância de
conhecê-los para ouvir alguns relatos das experiências vividas.
“JUST JOINING US?
To catch up quick, just listen to the podcasts. To catch up even quicker, watch
thekalwithoutoil videos (and maybe supplement with great videos
144
from Chuckles,Illiana and Gala_Teah). Or the quickest yet: read the EXCELLENT
web comic seriesby Anda.”
Por fim, dessum9 dá novamente um exemplo de soluções para problemas
da comunidade, como um “banco de habilidades da comunidade”115
, desenvolvido
por um participante:
“GATHERING COMMUNITY
The ideas I treasure are the information-gathering ones, like mapping the food
resources in your neighborhood or starting a community skills bank as blueski has
done. We humans are good at info-gathering, given a push in that direction.” 116
Semana 28: “HEATING: Citizens Apprehensive As Winter Approaches” 117
O relato produzido na 28° semana do tem como foco a preparação de
cidadãos para agüentar o inverno sem aquecimento e discute idéias que surgiram
para isso. Uma delas é apresentada na semana seguinte do jogo.
Semana 29: “LOCALIZATION: Neighborhoods Plan for Spring”
O relato dessa semana começa com o debate sobre a idéia de se plantar
pequenos jardins/hortas junto às casas ou de forma coletiva. Nessa narrativa é
dito que muitas cidades alteraram seus hábitos e passaram a cuidar de jardins
como explícito na seguinte história produzida pela jogadora “Shannon”118
:
115
http://rdy2rte.livejournal.com/6548.html 116
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=27 117
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=28 118
http://cloverwithoutoil.wordpress.com/2007/05/27/whats-good-for-the-garden/
145
No final da semana, a personagem Pachinko faz uma série de
questionamentos a respeito desse tema aos participantes, esperando novos relatos
a parte dessas reflexões.
Semana 30: “CONSEQUENCES: Who Paid For Our Oil Addiction?”
Na trigésima semana de jogo, o personagem “Chuckles” começa a reflexão
sobre o período que viveram principalmente sobre as pessoas que foram
prejudicadas com essa crise, refletindo sobre como elas não souberam resolver
seus problemas coletivamente e acabaram perecendo nessa crise de petróleo.
Chuckles também diz que o trabalho que eles fizeram ao produzirem histórias e
146
situações foi importante, e que é necessário continuar trabalhando para “que nada
como isso aconteça novamente” 119
. Ele também cita uma série de ações
realizadas pelos participantes, como por exemplo, “dicas de jardinagem” 120
e
outras ações dos jogadores, como fica exposto na seguinte passagem:
“Megiddo Tell is doing his part in that community building we've been encouraging,
which is great. David Moisan has some thought-provoking points to make about
people with injuries and disabilities in a crisis situation. Tlachtga reminds us to give
thanks, but also not to let the dreariness of the process of survival overwhelm us.
AJaX has a great video of three teen guys talking about how they're doing more
bike riding to help reduce the burden on their folks. Anda has yet another awesome
comic about the crisis, this time how folks are returning to the "real world."
FallingIntoSin has a really nice welcome home video for our returning troops. And
last but not least, Mia Without Oil and Lucy1965 managed to meet up for a spot of
tea and fellowship.
Essa narrativa produzida por “Chuckles” retrata o momento em que o
viajante começa o início do seu retorno para casa, após suas aventuras no mundo
narrativo (GERRIG, 1993).
Semana 31: “TRANSIT: Struggling to Make it Work in America”
Na penúltima semana do jogo, Pachinko continua o processo de reflexão
iniciado por “Chuckles” na semana anterior. Ela inicialmente fala de como a crise
ressaltou a importância de se estabelecer bons sistemas de transporte de massa e
não mais negligenciar os meios de locomoção que utilizam trilhos.
Após essa reflexão, ela diz suas palavras finais sobre essa experiência, e
fala sobre a importância de relatar e compartilhar histórias e de como é válida essa
troca de experiência, nas palavras de Pachincko:
“FAMOUS LAST WORDS
While I felt a sort of pang as I read it, I also experienced little surprise
overdessum9's revelation today on the WWO blog. I had a feeling that it might
come to this, that we might be forced to show our hand. Which is why the time for
your stories is needed more than ever. I wrote a little earlier this evening
about legacy, and about my need for some sort of record of my days. Even good ol'
Chuckles has shown himself to be a big ol' softie as he finds himself looking
towards the future with someone new at his side. Even if you're just a kid, or if
you've struck out on your own in this big world, it's pretty difficult to deny the
importance of the storyteller in all of us. The importance of passing along our
119
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=30
147
collected knowledge and wisdom.” 121
Como essa seria a última oportunidade para pedir que os jogadores
produzissem histórias e, com isso, incorporá-las na ultima narrativa, Pachincko
faz uma convocação:
“MISSION SO POSSIBLE, MAN
Woo me, WWOsters. Gimme a call sometime, send an e-mail, light a signal
fire, start the drums a-beating. I need to hear where you are, right now. More than
you can ever know. Dial the number, give us a quick update on how you're doing
now. Send us a video from this side of the crisis.
How have you changed?
Shout-outs are necessary for: the thinkers, the teachers, the journalists.”
Após essa última convocação, tem início a última semana do ARG.
Semanas 25-31 – histórias e uso dos suportes.
Suporte n° %
Blog 20 80%
Imagem 1 4%
Audio 0 0%
Video 4 16%
Total 25 100%
Semana 25
Suporte n° %
Blog 19 86%
Imagem 0 0%
Audio 2 9%
Video 1 5%
Total 22 100%
Semana 26
Suporte n° %
Blog 20 87%
Imagem 3 13%
Audio 0 0%
Video 0 0%
Total 23 100%
Semana 27
Suporte n° %
Blog 15 68%
Imagem 2 9%
Audio 1 5%
Video 4 18%
Total 22 100%
Semana 28
No período compreendido entre essas semanas, novamente ocorreu uma
redução de produção por parte dos jogadores e uma relativa estabilidade na
escolha dos suportes pelos jogadores para expressarem suas histórias. A alteração
um pouco mais significativa foi um aumento no número de histórias relacionadas
120
http://rdy2rte.livejournal.com/7241.html 121
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=31
148
a imagem e vídeo - possívelmente um reflexo do pedido dos designers para
produzirem mais material ligado a esses elementos.
Suporte n° %
Blog 19 79%
Imagem 2 8%
Audio 0 0%
Video 3 13%
Total 24 100%
Semana 29
Suporte n° %
Blog 17 81%
Imagem 1 5%
Audio 1 5%
Video 2 10%
Total 21 100%
Semana 30
Suporte n° %
Blog 17 74%
Imagem 2 9%
Audio 4 17%
Video 0 0%
Total 23 100%
Semana 31
A produção de histórias e distribuição pelos suportes continou seguindo o
mesmo padrão anterior, como podemos observar nas tabelas acima. Na última
semana é que esses números terão consideráveis alterações.
Semana 32: “LAST DAYS: Did We Make a Difference?”
Na última semana do ARG, Gala_Teah conta que tudo está aos poucos
voltando ao normal. Os preços estão novamente baixos e a situação relativamente
calma. Entretanto, ela sabe que outras crises virão no futuro se continuarmos no
mesmo caminho e que por isso devemos trabalhar para alterar esse rumo.
A personagem coloca uma passagem de texto onde compila uma série de
links voltados aos novos possíveis participantes, para que conheçam melhor o
jogo.
“WELCOME, NEW VISITOR
Just joining us? To catch up quick, listen to the podcasts. Or watch the kalwithoutoil
videos (and maybe supplement with videos
from Chuckles, Illiana, Gracesmom andme). Or even quicker: read the EXCELLENT
149
web comic series by Anda. Best yet,get the A to Z from mPathytest. I'll try to get
Rainey Wilson to create a one-podcast summary - check back here for that. “
Gala_Teah continua a narrativa a partir da incorporação das histórias
enviadas pelos jogadores. Ela adiciona diversos exemplos sobre iniciativas e
idéias desenvolvidas por eles. Onde ela desenvolve o seguinte texto, totalmente
formado a partir das histórias desenvolvidas pelos jogadores, como demonstra
essa passagem:
“People have their creative, rebellious acts. Like cycleboy helping to shape
anindependent Michigan community. And Warnwood doing the same in LA. And
Flashmouth's dedication to bicycling in the face of a not-exactly-sympathetic
community. And just by speaking the truth about limits to growth, like
PrudentRVer, and thinking through ways to live on your own terms if our ship just
stays on the course it's on, as seen by our ever-perceptive PeakProphet.
jwiv has a checklist of practical suggestions, and he's clear that a single person can
make a difference. Such as Orangeforahead's plan to shape better (as in more
efficient) driving habits early. Megiddo Tell sees the individual efforts all adding up -
to force the oil shock as an agenda item in the upcoming Presidential debates,
maybe?
MonkeyWithoutOil makes responding to the food challenge simple and sensical.
Like Blueski, MiaWithoutOil wants to subvert the dominant paradigm - force
government to force consumer change, since we can't seem to say "no" on our
own.” 122
No final da histórias, Gala_Teah faz reflexões sobre o futuro, pensando e
levantando dúvidas se os responsáveis pelo petróleo irão buscar novas fontes de
energia. Ela também agradece aos jogadores pelas histórias compartilhadas:
“But thanks to you, and all who have told their stories through these 32 weeks, we
also have some answers. Community. Localization. Family. Information.
Conservation. Clear and unflinching vision of the problem ahead. And above all,
Change.” 123 “
Por fim, Gala_Teah narra que um outro membro dos “8 To Save Our
Country” vai continuar tentando manter a página no ar, e que as pessoas podem
continuar narrando e adicionando suas histórias ao site, contando como
122
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=32
150
sobreviverem ao choque de petróleo e com isso criando um arquivo coletivo de
histórias e sabedorias. E clamando: “"Let's SOC. Let's SOW." 124
Semana 32 – histórias e uso dos suportes
Suporte n° %
Blog 71 69%
Imagem 24 23%
Audio 5 5%
Video 3 3%
Total 103 100%
Semana 32
Na última semana de jogo, a produção dos jogadores foi muito maior do
que as realizadas nas semanas anteriores. Essa produção se aproximou inclusive
do número registrado na primeira semana do jogo. O uso dos suportes por parte
dos usuários também foi relativamente diferenciado, tendo o blog recebido seu
menor índice entre todas as semanas, e a imagem, seu maior índice. O fato da
produção de histórias ter quase voltado ao índice da primeira semana nos leva a
pensar que uma boa parte dos jogadores que haviam abandonado o jogo
“retornou” para participar do seu final. Possivelmente o ritmo intenso da narrativa
do jogo (tempo diegético) e a necessidade de que o tempo real dos jogadores
acompanhasse esse ritmo (para poder acompanhar o pedido de produção dos
designers) afastou uma boa parte dos participantes. Entretanto, esses mesmos
jogadores quiseram pontuar sua produção e participação na última semana,
aumentando, dessa forma, o número de histórias produzidas.
As histórias baseadas em imagens, porém, foram produzidas, em geral, a
partir de imagens selecionadas da internet. Houve pouca “produção” de imagens
pelos participantes, e sim, uma maior “resignificação” de imagens existentes na
internet que foram associadas ao jogo. Isso pode ter acontecido devido ao pouco
123
http://www.worldwithoutoil.org/weekly.aspx?week=32 124
“SOC” é a sigla para “Save Our Country” / “SOW” é a sigla de “Save Our World”
151
tempo disponível para o jogo de participantes que haviam abandonado e
retornaram.
6.1. Semana 32: Histórias premiadas
Na última semana do ARG, diversas histórias foram premiadas.
Possivelmente esse aumento foi reflexo do final do jogo e também do grande
volume de histórias criadas, pois a última semana teve um volume de produção
comparável à da primeira semana do ARG.
Dentre as histórias selecionadas, foram escolhidas seis histórias baseadas
em blogs, uma história que utilizou imagem como suporte e a última história
escolhida utilizou o áudio para construir sua narrativa.
A primeira narrativa, denominada “Vote Daily” 125
e escrita em um blog
pelo participante “rdy2rte”, inicialmente é o jogador falando sobre a experiência
que viveu nas últimas semanas:
“First off, I'd like to say what an amazing experience this has been to spend these weeks
with all of you. It has been a wild and crazy ride at times, but throughout it all you've been
there with news from the home-front and good ideas to share. As for "the team"- wow- it
must have been akin to herding cats- but somehow you've kept us all on track and
organized, sending in our dispatches, encouraged by your daily messages. I will miss this
for sure.” 126
Após isso, ele apresenta suas idéias sobre como o processo de votar está
relacionado à escolhas, e, a partir dessa definição, defende a idéia de que cada
escolha diária é processo de votar. E essas escolhas podem ajudar ao meio
ambiente, como ele mesmo cita nos exemplos:
“Taking the bus when I can- a vote for mass transit. Walking? Biking? A vote for less car
dependence.
Buying as little new as possible- making most of my purchases at thrift stores? A vote for
sustainability and recycling and a vote against rampant consumerism. Shopping at local
stores and not Wal-Mart? Another vote. If I shopped at Wal-Mart- well a vote in the other
direction.” 127
125
http://rdy2rte.livejournal.com/8095.html 126
http://rdy2rte.livejournal.com/8095.html 127
http://rdy2rte.livejournal.com/8095.html
152
Um outro ponto interessante nessa história, e que demonstra o potencial
dos ARGs para construírem conhecimentos, é um comentário feito muitos meses
após o fim do jogo de um professor de ciências que agradece o conteúdo do blog
do jogador:
“Comment by Anonymous
From: (Ano
nymous)
Date: August 29th, 2007 03:39
pm (UTC)
(
Link)
thanks!
As an environmental science teacher, your website has given me a new forum to reach my
kids. Thank you for the time and effort you've put into this!
Esse comentário, além de demonstrar o potencial dos ARGs de criarem
conhecimentos que vão além da situação vivida no jogo, também aponta
novamente como as fronteiras entre realidade e ficção são rompidas. E, devido a
esse rompimento, o conteúdo produzido em um blog voltado para o jogo serve
meses depois para que um professor utilize-o no desenvolvimento de atividades
junto aos seus alunos.
Uma segunda história baseada em blog premiada foi a narrativa “The
Future”, escrita pela participante “miawithoultoil”. Ela desenvolve um texto
ficcional relatando como seria o mundo em 2019. Agora, iremos apresentar alguns
trechos da narrativa:
“July, 2019
Mia wiped her brow in the early summer heat, leaving a streak of
brown earth across her face from the land beneath her feet. She
dusted off her skirt and put the last of the vegetables into the wicker
basket and headed out of the allotments. It was midsummer and
153
many of the little vegetable gardens were alive with produce.
(…)
Mia looked out of the window with Alex's arm around her, thinking
about the events since the first oil spike. She thought about the Iran
war and the bombing of Jerusalem. About Alex's stories of the corn
famine in Alberta, when the biofuel crisis kickstarted the third oil
crash and the breakup of the USA. She thought about the clashes
between Cascadia and the remaining states, about the billions
starving across the world. She thought about her mother and Greg
and nursing them during the flu crisis, and their deaths. About the
flooding of Bangladesh and the electricity riots of 2013.
(…)
"You know," she said. "I think we're ready." "Really?" Alex didn't look convinced. "Yeah," she said. "We've lived in a world without oil for 12 years, with all this doom and destruction but we've survived. Our life isn't rich compared to what my parents had, or yours. But it's rich enough. This world's not perfect, but it's ours. I think we're ready to bring a new life into it."”128
Como podemos ver nas passagens acima, o jogador construiu um relato
em que descreve um cenário futuro em um mundo que sofreu diversas crises de
petróleo. A inspiração para essa construção veio da própria narrativa do ARG - o
blog desse participante possui diversos textos em formato de ficção onde são
descritas diversas histórias inspiradas nas semanas do jogo. Outro elemento
interessante dessa história, é que o jogador utilizou e criou personagens para
ambientar seu mundo ficcional. Isso é um elemento interessante, pois
diferentemente do RPG, o ARG não exige que os participantes criem personagens.
128
http://darrkenium.blogspot.com/2007/05/future.html
154
Entretanto, como podemos ver nesse relato alguns jogadores acabam realizando
isso.
Na parte final da narrativa, o jogador comenta sobre sua própria produção
e agradece aos participantes e produtores pela experiência vivida.
[author's note: week 32 (or 632, if you like) I've been planning this for a while - a look into the future without oil (does that count as the letter 'f'?). I want to end it with a cautiously hopeful note. There is a world out there without oil where people can live their lives. It won't be as material rich as ours and it may take a lot of struggle to get there. But ultimately, we will get there, because we must. I just want to say how much I've enjoyed the experience of wwo and a big round of applause for all the guys running the site and everyone contributing. Together we created a world. That's a hell of an achievement - and I hope that it leaves our real world a little more informed and aware than it was before. I hope so.]
Outra questão que aparece nessa passagem é a fala do jogador ao dizer que
eles juntos criaram um mundo. Isso vai de encontro aos apontamentos de David
Lewis129
e seu conceito de mundo relativo coletivo. O autor diz que, mesmo que
os indíviduos se relacionem e construam os seus mundos possíveis, eles também
constroem um mundo possível coletivo a partir do compartilhamento de suas
experiências e impressões. Dessa forma, como aponta a passagem do jogador
acima, cada história representava uma parte do mundo possível e, conforme os
jogadores compartilhavam essas experiências, eles construiam o mundo possível
coletivo ligado ao WWO.
Outro relato que utilizou blog como suporte e foi premiado foi a história
“The End (semi-OOG)”, feita por “FallingIntoSin”. O primeiro elemento
interessante dessa história é o próprio “semi-OGG” do título, que significa “semi-
Out of Game”. Ou seja, no próprio título a participante deixa claro que sua
história irá romper a barreira da crença do jogo e com isso falará sobre ele (o
jogo) de forma explícita.
129
LEWIS, D. apud RYAN, 2004
155
A primeira parte da narrativa de FallingIntoSin fala sobre como foi a
experiência dela ao longo das trinta e duas semanas de jogo:
“This has been one of the most amazing experiences in my life. I want to write a proper
goodbye, but it's going to have to wait until I gather my thoughts together. I can't
believe it's been 32 weeks and that it's the last day. I've made so many wonderful
friendships, learned so many things. It's my hope that this site still stays up because
there are so many blogs, videos, emails, voicemails that I never got the chance to listen
to” 130
Após esses comentários sobre como foi a experiência do jogo, a jogadora
começa a comentar os elementos constituintes de um ARG. Ao fazer isso ela entra
numa discussão fora do jogo e deixa claro por que colocou o “semi-OOG” no
título da história. Essas reflexões sobre o ARG WWO ficam explícitas na seguinte
passagem:
“When this started, I was excited, but I kept waiting for the puzzles, the anagrams, the
hex codes, you know all the standard "Arg" components...yet as days, weeks passed I
realized this ARG was so much more than a puzzle ever could be. I had high hopes for
this event, but I never dreamed it would be come the amazing tool for change that it is.
Time passed so quickly and I find myself wishing it was longer so that I could learn more
and more about people and the changes they are making in their lives. “ 131
É oportuno observar que, ao dizer isso, essa participante deixou claro que
era uma jogadora experiente de ARGs e que conhecia os elementos que
tradicionalmente o constituem. E mesmo assim, ela gostou dos novos elementos
introduzidos no jogo. Essa opinião não será unanime entre todos os jogadores
mais experientes de ARG, como veremos posteriormente.
A participante continua agradecendo aos produtores e comentando sobre
os aspectos inovadores do design do World Without Oil, como aparece na
seguinte passagem:
“I hope that this game met every expectation that the 10 to Save our Country had for it.
You should be proud at what you have accomplished. I can't imagine what a high you
guys must be on knowing that you created a the first ARG think tank that has had a
significant impact on the changing the world. I think this game has ushered in a new
130
http://fallingintosin.livejournal.com/12325.html 131
http://fallingintosin.livejournal.com/12325.html
156
wave of building community and educating the masses in a digital world. The founders of
this ARG made history and we, the players thank you for it. “ 132
A construção ficcional se desintegra completamente nesse texto quando
uma das produtoras do jogo faz um comentário a respeito das opiniões da
jogadora sobre as características do ARG:
From: mpathytest
Date: Jun. 4th, 2007 04:07 pm (UTC)
Link
Thank you for this reflection on the game. It's the kind of message that will help lots more
alternate reality designers get more and more people interesting in saving the world through play.
You rock. And you make reality better.
Jane McG
aka mpathytest/Saint3milion”
Nesse comentário feito por “mpathytest” são rompidas várias barreiras que
constroem a crença do jogo. A primeira é que a identidade da personagem
“mpathytest” é revelada, ou seja, Jane McGonigal deixa claro que foi ela que
interpretou essa personagem, quebrando essa construção ficcional. O segundo
elemento de rompimento ocorre quando a designer também agradece sobre os
comentários feitos a respeito do design do jogo. Ao fazer isso, ela deixa explícita a
estrutura do ARG e ajuda a desmontar a crença máxima desse tipo de jogo, que é
o “TINAG – This is not a game!”. É muito provável que isso só foi feito porque o
jogo havia terminado, e, mesmo assim, o comentário só ocorreu dias após esse
término.
132
http://fallingintosin.livejournal.com/12325.html
157
7 Análise do ARG a partir do cruzamento de elementos teóricos.
7.1. O convite para a imersão em um novo mundo
Nessa parte do trabalho, faremos uma análise do desenvolvimento do ARG
a partir dos conceitos teóricos estabelecidos no capítulo 2.
Inicialmente observaremos a partir das teorias de Richard Gerrig como foi
desenvolvido convite para o mundo ficcional do jogo.
Os primeiros viajantes a serem convidados para adentrarem o mundo do
World Without Oil foram os jogadores participantes do fórum Unfiction durante o
pré-jogo do ARG, a partir de uma mensagem que funcionou como “Trailhead” e
foi deixado no blog Destructoid.
O Transporte do Viajante – “ I. Alguém ( "O Viajante") é transportado”
Na primeira semana do jogo, a personagem Gala_Teah, faz, segundo a
poética da imersão de Richard Gerrig, o convite para a grande massa de jogadores
adentrarem o mundo construído no World Without Oil.
Nesse primeiro momento da narrativa oficial, onde ela apresenta o cenário
e a situação de jogo, funciona como o transporte do viajante, ou seja, o primeiro
passo da imersão. É importante lembrar que segundo Gerrig, a forma e o conteúdo
desse mundo moldam o papel do viajante nessa ambientação. Dessa forma,
quando o design do jogo estabeleceu que a narrativa começa através de uma
mensagem de uma personagem no site oficial do jogo, os designers estão
estabelecendo esse site como o suporte básico desse cenário, ou seja, é o ponto de
chegada dos novos viajantes a esse novo mundo.
Quando a personagem convoca os jogadores para pensarem histórias e
soluções para um mundo em crise de petróleo, ela também está mostrando aos
viajantes que eles possuem o papel de construir coletivamente essa ambientação
158
II. “por algum meio de transporte”
Ao permitirem e incorporarem no jogo o uso de diversos suportes os game
designers deram múltiplos meios de transporte para os viajantes. Dessa forma,
cada jogador pode utilizar o meio de transporte que mais lhe agradasse para ir
para o mundo ficcional do jogo.
É interessante observar que a escolha desse suporte, acabou resultando em
uma maior produção dos jogadores relacionadas a esse suporte. Um exemplo
dessa escolha é a usuária “Anda” que viajou para o mundo usando a imagem
como suporte e produziu uma longa série de quadrinhos relacionadas a história do
jogo.
III. “em consequência de executar determinadas ações”
Richard Gerrig diz que o transporte do viajante não ocorre de maneira
passiva. É necessário que a pessoa que irá viajar se engaje e participe daquilo.
Pois ao viajar ele não irá encontrar o mundo completamente feito e pronto para ele
se aventurar, ele deverá construir aquele mundo junto, conforme for agindo aquele
terreno desconhecido vai tomando forma. O viajante vai construir seu “modelo de
realidade” conforme sua participação, conforme sua dedicação frente ao desafio
exposto.
Dentro desses conceitos, o design do World Without Oil estabeleceu
estruturas interessantes para essa construção do mundo e perfomance dos
viajantes.
Ao convocar a produção dos jogadores e pedir que façam seus relatos
sobre a crise do petróleo, os designers abriram espaço para uma comunicação
direta e baseada nos princípios da bidirecionalidade-permutabilidade defendida
por Marco Silva.
Pois a partir disso, os jogadores passaram a participar ativamente do
processo comunicacional do jogo, em uma constante troca de informações junto
aos game designers.
A abertura do jogo, não fica restrita somente aos aspectos
comunicacionais, a partir dessa interação, também ocorre a abertura para a co-
159
criação coletiva da história. Essa criação vai ocorrer a partir da perfomance
apontada por Guerrig, e vai de encontro ao que o Marco Silva chamou de
participação-intervenção. Um exemplo dessa estrutura que estimula a troca de
informações e de produção ocorre logo na primeira semana, quando Gala_Teah
pergunta para os participantes:“WHAT WILL $4/GAL GAS DO TO YOUR
FIANCES?”. E os jogadores produzem diversas histórias relacionadas a essa
pergunta. Os jogadores foram inclusive além disso, e criaram relatos e “partes” do
mundo ficcional que não estavam ligados aos pedidos iniciais dos game designers.
Um exemplo disso, é a seguinte narrativa feita pelo jogador “aledric”:
“Here in Australia, we are in big trouble. The bigger countries have enough
leverage to ensure that they get what they need. Australia has always been
second in line. The US has months of oil in storage in their Strategic Reserve, but
here in Australia we do not have a Strategic Reserve.
So, people in the US, if you want to see 3 months into the future, just watch
what is happening here in Australia.
If oil supplies get cut off, we have two weeks of oil stored in petrol stations
and refineries, after that, we are out.
So what does that mean? Well, for a start: No oil = no food, no electricity,
no water, no medicines.... you get the picture.
Being an analyst, I would say that threats range from losing a bit of weight
but getting by, right through to “Mad Max”. Our world is about to change. “ 133
Como fica explícito na passagem acima, o jogador foi muito além do
pedido feita pela personagem do jogo (controlada pela game designer) e expandiu
o mundo ficcional, ele incluiu a Austrália nesse cenário e narrou como ela
começou a ser afetada pela crise do petróleo. O jogador se antecipou e inovou
frente a pergunta levantada, ele não somente se limitou a respondê-la. Esses
elementos também vão de encontro ao que Marco Silva (2007) chamou
participação-intervenção, pois os participantes possuíam liberdade para
interferirem deliberadamente na mensagem enviada pelos personagens
controlados pelos game designers.
Um aspecto interessante dos ARG em relação a teoria de Gerrig, é que a
perfomance e a construção do mundo por parte do viajante é ao mesmo tempo
133
http://aeldric.spaces.live.com/blog/cns!A859FF3D2F2384E4!111.entry
160
individual e coletiva, ou seja, o mundo formado terá elementos estabelecido pelo
jogador (viajante), entretanto ele será formado a partir de diversos fragmentos
relacionados a produção de cada participante. Inclusive os outros viajantes fazem
interações na perfomance e produção dos outros jogadores enquanto elas ocorrem.
Essas interações ocorreram principalmente na forma de comentários
relacionados a produção dos jogadores. Como ocorreu, por exemplo, na seguinte
produção do jogador “jwiv”, onde ele inicia sua produção perguntando sobre a
possibilidade deles arranjarem uma arma para enfrentar a crise, e essa narrativa
dele é seguida por diversos comentários dos outros participantes.
23rd-Mar-2007 06:59 pm
So we're talking preparedness. Survival kits, hot wired power,
and other such things are fine and good if you're in suburbia, but me,
I'm in the city - Baltimore to be exact. Now, I don't think either of my
neighbors are planning on torching their Beemers, but to be blunt,
there are people that can and will take advantage of a severe crisis. So,
is now the time to pick up a few small arms and work towards making
Fortress Canton or is that a damn fine way to start a fight I won't end
up winning?
Location:Baltimore, MD
Mood:curious
Music:the fizz of a yuengling
Comments 24th-Mar-2007 04:45 am (UTC)
redhatty
Oh now, I am not in suburbia at all, Did I mention that I live in
New Orleans? And yes, having a weapon - IF YOU KNOW HOW
TO USE IT - Is a very good idea. You want to keep what is yours,
especially if you have & others don't. In a crisis situation, some
people will turn to theft to get what they need, be prepared to defend
yourself. But firearms take training for proper use, and if you don't
know how to use a gun or rifle & how to take care of it (cleaning, etc)
then a baseball bat can be just as effective. Remember, you may not
have a way to get to a hospital if there is no fuel, so you do not want
to have an accidental shooting!
24th-Apr-2007 02:50 pm (UTC)
161
rumpletoe
I can see how a gun could be useful, but I'm having a hard
time getting one. I have a toddler running around, and I'm worried
about him finding a way to get it. It seems like no matter how hard
you try to lock it away, there's still the possibility, and I'd never
forgive myself. On the other hand, if things got bad enough, that
might be the least of our worries.
25th-Apr-2007 09:52 pm (UTC) - psychological preparation
creatureattack
Aside from physical preparation, are there mental
preparations that we can make in anticipation of this sort of event?
Looking back at events like the Indian tsunami and Katrina, it
seems like there must be some sort of way to prepare our mind and
psyches for this level of trauma and stress. The people in India
who lost everything (family, homes, on and on) certainly are
suffering from lack of roof, but possibly even more so they are
suffering from psychological trauma. I wonder if there is any way
to prepare for something like that. Here is just one link I found
while I was thinking about this subject.
http://www.emu.edu/cjp/star/
1st-May-2007 02:10 am (UTC) - Make the call
Anon
ymous
Good advice from redhatty. In this situation, your window to
obtain any firearm at reasonable cost may close quickly. Consider it an
investment on many levels, especially the learning how to use it and
keep it safe part.
I think I read that 9mm ammunition is the most common and would
more than likely be available. Buy as much ammo as possible. It will
be like money if things seriously deteriorate.
I pray they won't...
1st-May-2007 02:15 am (UTC) - Re: Make the call
Anon
ymous
Below is a the random blog I chose after yours.
http://dark-ryder14.livejournal.com/672.html
Go figure.
2nd-May-2007 12:27 am (UTC)
Anon
ymous
Well... the Army has a saying.. "Never be more than arms length
away from an implement of destruction."
I would suggest a firearm... 9mm pistol for initial security should be
fine. Law enforment and the military both use 9mm in ther pistols so it
should be manufactuered practically no matter what. Also, for rifles,
162
something that can shoot a NATO round (5.56mm or .223 cal
Remington) like an AR15 should maintain it's usability.
At the very least... think about a knife. A knife is better than a fist...
Also, theres air rifles to consiter... smaller ones like bb guns can get
small game and the ammo can be bought by the tens of thousands...
there are also larger air rifles (up to 50cals!) that should work nicely as
long as you can fill a scuba tank.
Also, Bows and Arrows... or even crossbows will never get old.
But the question was also...would possessing a firearm cause trouble...
if you hoard, yes... it's you're open about it, probably... if you're
discrete... probably not.
A lot of this is basic physical security... if theres a 'civil disturbance'
and people show up with guns... it could get ugly...the solution isn't to
carry or not carry a gun... it's avoid civil disturbances! If someone
breaks into your home it's another matter.
The real issue with any weapon is that you have to be willing to use it
instantly and accept the consequences. So... pepper spray should in the
inventory before a 9mm. “ 134
Essas produções dos jogadores, estimuladas pela estrutura comunicacional
do ARG, se alinham ao que Marco Silva (2007) definiu como potencialidade-
permutabilidade. Pois segundo o autor, esse conceito ocorre quando a
comunicação permite que se estabeleça múltiplas interpretações, conexões, trocas
e associações de significado dos participantes. Dessa forma além dos jogadores
realizarem essa permutabilidade frente as situações lançadas pelos game
designers, ele também realizavam isso entre si, expandindo o processo de
potencialidades e desdobramentos na produção da narrativa e de visões do jogo.
Outro aspecto dessa expansão de potencialidades feita pelos jogadores
ocorreu inclusive antes mesmo do jogo começar oficialmente, durante a fase do
pré-jogo, muitos jogadores começaram a construir pedaços do seu mundo
ficcional antes mesmo do inicio da viagem. Como demonstra a seguinte passagem
do blog de um participante (viajante):
134
http://jwiv.livejournal.com/141962.html
163
“Not enough time.
Apr. 28th, 2007 at 6:38 PM
So, in my general checking of the worlds of the Intarweb, I came across this LJ
community: worldwithoutoil. Seems these folks have been tipped off to a definite oil
spike, or some serious event, with an exact date. I've added a few members *waves*.
People all over the world have been speculating for years. Some say we've already passed
that point and we are simply on a rolling plateau with no way to go but down. But there
have been no serious warnings of this sort. I half don't believe it. But perhaps I should. I've
been expecting a sudden crisis of some kind for a while now. In fact, I really thought it was
going to happen some time last year.
What did I do?
Not enough. Quite a significant amount, by many people's standards I expect, but I never
felt it was enough. Changed to all renewable energy. Started eating organic again. Cycled
more. Electrified my bicycle, my scooter is used once a month now. Given the wake up call
to so many people. But still not enough.
April 30th. Day after tomorrow. I don't have time to leave, and I don't think it would be
fair at this point to those around me, either. I should have done more earlier. I still feel I
would be better off elsewhere, but I know there have been plans here too. What to do?
Knowing the date, which we never knew before, doesn't necessarily help. Lifeboat
communities are a sham. Go bush, and chances are things will be so much worse. I'm going
to see how it plays out, and I have good friends here who are as aware of the potentials as I
am.
I think I'll be buying a little bit of emergency food though, just in case. And maybe a couple
of other things I'm going to be a bit more careful with. I have two days off work. Time to
get busy.
Diversos jogadores realizaram essas construções narrativas do mundo
antes do jogo começar oficialmente. Essa etapa parece ter uma forma de
preparação para a viagem que esses participantes fariam para o mundo ficcional,
como se os jogadores criassem partes desse mundo que seriam conhecidas por
eles quando chegassem (e que povoassem esse mundo). Entretanto, diversas
outras partes desse cenário e que foram construídas pelos outros jogadores,
164
criaram os espaços desconhecidos e abertos para a exploração dos viajantes.
Segundo Gerrig, após a viagem, inicia-se outro processo para o viajante:
IV. “O viajante vai a alguma distância de seu mundo da origem”
Nessa fase o viajante adentra cada vez mais o mundo ficcional e começa a
perceber sua regras e sua lógica, ele ainda traz junto a si suas memórias e
experiências, mas segundo o autor ele deve se adaptar a lógica existente do novo
mundo. Entretanto, o ARG possui uma característica interessante que é fazer o
viajante a todo momento cruzar as duas fronteiras do mundo e tenha contato com
as regras de ambos os lados.
Um exemplo da fusão dessas fronteiras ocorre quando um jogador do
ARG, procurando informações sobre o personagem Nico, ainda durante o pré-jogo
acaba esbarrando com informações do mundo “real” ou seja, informações que são
chamadas de “OOG = Out Of Game”. Esse encontro fica explícito em uma série
de posts realizados no fórum Unfiction:
poeticexplosion Veteran
Joined: 17 Jan 2006 Posts: 109 Location: Chicago
This probably has nothing to do with anything, but I figured I might as well post it just in case. I was researching the photobucket account with Nico's picture in it. The username is "InisCool", which isn't very common on Google. However, there is http://iniscool.com , which says that "The
Island of Inis Cool" is coming soon. More intriguingly, there's this:http://www.scottaltman.com/iniscool.htm The first picture makes me wonder. Probably just a coincidence, but like I always say, you never know.
_________________ Playing: Must Love Robots Played: Who is Benjamin Stove?
Posted: Mon Apr 23, 2007 12:03 am
Last edited by poeticexplosion on Mon Apr 23, 2007 12:27 am; edited 1 time in total
Esse cruzamento entre dois mundos, realizado pelo jogador
“poeticexplosion” mostra bem como essas fronteiras entre o mundo do viajante e
o mundo ficcional do ARG são tênues. Pois ao procurar sobre o jogo, ele acaba
indo parar em outros sites que não possuem relação alguma com o jogo, mas que
dentro da situação narrativa estabelecida, levanta essa dúvida entre os
165
participantes.
Essa mistura de mundos se intensifica mais ainda quando os jogadores ao
procurarem mais informações sobre “Nico”, tomando como base as informações
encontradas no lugar onde descobriram sua foto, acabam fazendo contato com
uma pessoa que provavelmente não possuía qualquer ligação com o ARG. O
próximo post mostra o caminho e as pistas que os jogadores se basearam para
irem em busca de assuntos relacionados a palavra “eclipse07”.
ararejul Boot Joined: 26 Apr 2007 Posts: 15
so has anyone asked why iniscool's photobucket pictures are all named eclipse07? it's a bit weird isn't it?
Those pictures were discovered in the same post that pachinko linked this too - http://southmovement.alphalink.com.au/commentaries/Iran-eclipse.html And it mentioned how there was a major oil spat in 1952 which was the last time the eclipse went over 'oil filled' countries.
I don't know if this is related to anything since the eclipse was in March 06 but I thought it was worth bringing up (and sorry if it's been brought up before. been doing alot of reading for this lately and it all doesn't stay in.)
Posted: Fri Apr 27, 2007 4:57 pm
A partir da busca desse termo, os próximos posts mostram como os
usuários acharam que esse “Eclipse07” poderia ser um usuário do serviço de
mensagens instantâneas (AIM) e como entraram em contato com ele. Entretanto,
provavelmente esse usuário não tinha nada a ver com o ARG, e os jogadores
passam a caracterizá-lo como “OOG = Out of Game”, como demonstram os
seguintes posts retirados do fórum Unfiction:
166
nitefoll Decorated
Joined: 20 Oct 2004 Posts: 161 Location: Edinburgh, UK
ararejul wrote:
so has anyone asked why iniscool's photobucket pictures are all named eclipse07?
There is an aim user called Eclipse07, but I've gotten no reponse, and they immediately logged off when I attempted
to chat to them? May be OOG?
_________________ http://nitefoll.livejournal.com playing: skynet watching: holo played: sky remains, BoL/SiD, ilovemaureenpickles, AOD, perplexcity, geist, worldwithoutoil
Posted: Sat Apr 28, 2007 3:52 am
chrisjill86 Boot
Joined: 20 Apr 2007 Posts: 20 Location: Orlando
I had the same thing happen to me Nitefoll...Hmmm?
Posted: Sat Apr 28, 2007 8:00 am
Essa desconfiança do em relação ao fato do usuário “Eclipse07” não
pertencer ao jogo, mostra como é confusa essas fronteiras entre real e ficcional
que o ARG estabelece. Essa dificuldade inclusive leva a uma próxima fase da
imersão apontada por Gerrig.
V. “Que faz com que alguns aspectos do seu mundo de origem se tornem
inacessíveis”
Nessa fase, Gerrig diz que após chegar no mundo ficcional e conviver com
suas leis, o viajante tem dificuldade em ter contato com o seu mundo original.
Entretanto, no ARG estudado, como os dois mundos se misturam, ocorre a
dificuldade em diferenciar o que faz parte do jogo e o que o não faz, ou como é
dito na linguagem utilizada no ARG, o que é “dentro do jogo” e o que é “fora do
jogo”. Esse tipo de situação fica exposta no seguinte post:
167
ararejul Boot Joined: 26 Apr 2007 Posts: 15
nitefoll wrote:
ararejul wrote:
so has anyone asked why iniscool's photobucket pictures are all named eclipse07?
There is an aim user called Eclipse07, but I've gotten no reponse, and they immediately logged off when I attempted to chat to them? May be OOG?
yeah sadly when i tried to search more about it it's a very common name due to the eclipse and what not. it'd be pretty hard to figure out what's oog and what's not.
Posted: Sat Apr 28, 2007 10:45 am
Como demonstra o post, ocorre uma dificuldade para os participantes em
separar o que é “OOG”(Out of Game) e o que está dentro do jogo. E essa mistura
vai influenciar vai ter influencia na última etapa de viagem de Gerrig que é o
momento em que o viajante retorna.
VI. “O viajante retorna ao seu mundo de origem, de certa forma
alterado pela viagem.”
Segundo Gerrig, essa etapa ocorre quando o viajante retorna de sua
viagem ao mundo ficcional, entretanto ele não volta o mesmo após essa jornada.
Devido as experiências que pelo qual ele passou no mundo ficcional, ele volta
transformado pelo que você passou.
Essa experiência no ARG é ainda mais marcante, pois como o viajante
habita os dois mundos ao mesmo tempo, as experiências que ele vive acabam
modificando sua relação com ambos os mundos.
Outro aspecto interessante é que as modificações que o viajante realizou,
ou seja, suas produções também deixaram marcas em ambos os mundos. Como
em muitas das vezes o material produzido pelos jogadores permanece online
mesmo após o jogo, e nem sempre esse material possui características que
168
identifiquem sua origem para as pessoas que não participaram do ARG, ele acaba
também impactando os habitantes do mundo não ficcional, que muitas das vezes
incorporam essas produções ficcionais como histórias reais.
Esse impacto e a confusão proporcionada pelas histórias se aproximam da
definição teórica que estabelecemos para o ARG entre o virtual como falso,
segundo a linha teórica de Baudrillard e o virtual como potencial como defende
Lévy (1996).
A construção do mundo narrativo feito pelo viajante se apóia nesses dois
fundamentos, pois ao mesmo tempo em que as produções dos jogadores cria um
elemento que faz parte de um universo ficcional, esse mesmo elemento é tomado
como realidade por pessoas que desconhecem o jogo. Quando isso ocorre, vai de
encontro as teorias de Baudrillard da tomada do virtual como real. Isso ficou
explícito nos comentários feitos por diversas pessoas não relacionadas ao jogo,
que inclusive continuaram comentando muito tempo depois do jogo ter terminado.
Entretanto, ao mesmo tempo essas produções também serviram como
potencialidades, como cenários futuros e desdobramentos desse próprio mundo
ficcional. Ao fazer isso, esse material se aproximou das definições de Lévy, ou
seja, o virtual como potencialidade e permitiu diversas manifestações e
desdobramentos dessas potencialidades. Um exemplo disso, foi o exemplo citado
anteriormente, que um professor de ciências utilizou a produção de um jogador
como material para suas aulas.
Essa mistura de realidade e ficção foi facilitada pelas produções dos
jogadores e ganhou força devido ao princípio estabelecido pelos designers do jogo
de estabelecer uma base aberta para essa obra. Ao utilizarem esses conceitos de
Umberto Eco, além de permitirem que os jogadores conduzissem a narrativa, eles
motivavam os participantes e os colocavam como co-criadores da obra. Como fica
explícito nos seguintes comentários feitos pelos jogadores no fórum Unfiction,
após a produção de um jogador (RedHatty) ter sido exposta na página principal do
World Without Oil:
chrisjill86 Boot
Joined: 20 Apr 2007
Posts: 20
Location: Orlando
So I am sure this is known, but the 8TSOC team has updated the website, which now contains a countdown. Just wanted to make a note of it.
Posted: Mon Apr 23, 2007 9:55 am
169
cissmiace Entrenched
Joined: 24 Mar 2007
Posts: 863
Location: Manchester UK
chrisjill86 wrote:
So I am sure this is known, but the 8TSOC team has
updated the website, which now contains a countdown. Just wanted
to make a note of it.
Wow Redhatty's blog is on the front page!
_________________ Burrzz-tok
Posted: Mon Apr 23, 2007 10:33 am
RedHatty Unfictologist
Joined: 08 May 2006 Posts: 1379
Location: x•¡Jyœ–•‹˜•VJvk
cissmiace wrote:
Wow Redhatty's blog is on the front page!
OMG - I am - Wow! Gotta admit, that is really cool!
_________________ Friend of Peeps
GUINNESS TIPPING GAME WIKI
Posted: Mon Apr 23, 2007 12:00 pm
cissmiace Entrenched
Joined: 24 Mar 2007 Posts: 863
Location: Manchester UK
RedHatty wrote:
cissmiace wrote:
Wow Redhatty's blog is on the front page!
OMG - I am - Wow! Gotta admit, that is really
cool!
Congrats! Its awesome!!
_________________ Burrzz-tok
Posted: Mon Apr 23, 2007 12:00 pm
Como podemos observar, a incorporação feita pelos designers do jogo de
um material produzido por um jogador teve uma excelente recepção pelos
participantes. Um aspecto bem interessante nisso, é que, apesar do jogador
“RedHatty” ser experiente em ARGs, sua reação ao ver seu material (e seu blog)
incorporado na página principal do jogo foi de surpresa e contentamento.
Esse tipo de reação provavelmente é resultado do fato dos designers do
jogo terem estabelecido uma estrutura que utilizasse a co-produção dos jogadores,
ou como aponta Silva, a participação-intervenção como elemento fundamental do
funcionamento do jogo.
Essa estrutura também permitiu um maior contato entre diversos tipos de
170
jogadores de ARGs. Isso ficou explícito quando RedHatty disse que após sua
narrativa ter ido para a página principal, muitos jogadores que não eram
participantes do fórum adicionaram seu blog e seu canal de vídeo, como podemos
ver na mensagem abaixo:
RedHatty Unfictologist
Joined: 08 May 2006 Posts: 1379 Location: x•¡Jyœ–•‹˜•VJvk
A tad of META
Oh Boy, To the PM's - Hey thanks for the front page
add & no I am not asking you to remove it - okay? BUT... All
of a sudden, I have, like, a TON of people adding me to their LJ's & subscribing to me on YouTube (ROFL, the only video there is from Monster Hunter Club!) and they are NOT names
from UnFiction - at least we know there is an alternate audience!
I am not sure about the "responsibility" of being in a "spotlight" position, but I do realize that I have actually lived through a smaller version of the scenario this game will portray & if anything I have done or learned from Katrina will help others to see how precarious an edge our lives are where oil & energy issues are involved, I will gladly step up
to the challenge of sharing & aware-ing
But DUDES, this is so weird!!! Awesome, but weird!!!!!
_________________ Friend of Peeps GUINNESS TIPPING GAME WIKI
Posted: Mon Apr 23, 2007 10:13 pm
Outro jogador comenta que isso provalmente é o reflexo da utilização de
conteúdos gerados pelo jogadores, e que produziu outro blog (Live Journal – LJ)
para interagir com essa estrutura:
OrangeForAHead Boot
Joined: 26 Jan 2007
Posts: 24
Location: Santa Cruz, California, United States, Earth, Sol, Orion
Spur, Milky Way
Re: A tad of META
RedHatty wrote:
All of a sudden, I have, like, a TON of people adding me to
their LJ's & subscribing to me on YouTube (ROFL, the only video
there is from Monster Hunter Club!) and they are NOT names from
UnFiction...
I think this is the beginning of the user-generated content aspect! (I made a second lj for that purpose). RedHatty, you get more than 15 minutes of SuperHero contribution to the hive! Eeeeeexcellent.
Posted: Mon Apr 23, 2007 10:28 pm
Toda a estrutura estabelecida pelos game designers procurou fazer com
que os jogadores tivessem uma atuação direta sobre a narrativa, complementando-
a e produzindo novas histórias a partir dos elementos iniciais estabelecidos. Essa
171
dinâmica estabelecida pelos designers transformou os participantes em co-autores
da narrativa e ajudou a desenvolver uma maior troca entre eles - inclusive alguns
jogadores buscaram organizar os conteúdos coletados para facilitar a entrada de
novos participantes e um entendimento melhor do jogo.
Esse aspecto coletivo, que é incentivado pelos designers e pelos jogadores,
se aproxima do conceito de participação conjuntal de Kendal Walton: a
possibilidade de construir a história coletivamente e com a cumplicidade de outros
participantes é que irá trazer os jogadores para o “make-believe” e com isso
facilitar a imersão. Os jogadores do ARG utilizam a estrutura estabelecida pelos
game designers no jogo para compartilharem suas crenças e seus jogos mentais, e
com isso construirem o mundo ficcional relacionado ao jogo. Entretanto, segundo
Walton, “fingir a crença” é um elemento essencial dentro dessa comunidade,
porém, além disso é necessário que os participantes realizem uma perfomance
externa que busca demonstrar essa crença. Essa exteriorização da crença é
realizada quando os jogadores expõem sua produção ao longo das semanas do
jogo, e também quando apresentam no fórum as pistas, teorias e informações
coletadas. Ao fazerem isso, os jogadores fortalecem essa comunidade estabelecida
ao redor do jogo e o imaginário coletivo desenvolvido entre os jogadores do
alternate reality game.
A crença estabelecida coletivamente une os designers e os jogadores em
torno de mundo imaginário comum. Isso, associado aos diversos suportes e a
recepção desses suportes pelos jogadores, é que irá permitir novos usos da
estrutura comunicacional e liberar a energia híbrida que surge do encontro de
meios diferentes. Os designers do WWO utilizaram essa energia para expandir a
narrativa e principalmente para buscar desenvolver soluções para as questões
apresentadas em cada semana do jogo.
O World Without Oil também produziu uma estrutura de apoio voltada
especialmente para o uso educacional do jogo. Será esse material que iremos
observar no próximo capítulo da dissertação.
172
8 Planos de aula do World Without Oil
Nessa parte do trabalho, iremos analisar o material produzido no World
Without Oil voltado especialmente para professores e alunos.
Infelizmente não temos dados relacionados sobre quem e como este
material foi utilizado, pois foi produzido como um complemento ao ARG e com o
objetivo de ser disponibilizado livremente a instituições e educadores que
tivessem interesse em utilizá-lo. Apesar de não termos esses dados, como esse
material foi um elemento importante do ARG e complementar aos elementos
educativos trabalhados no World Without Oil, faremos uma análise que busca
observar esses dados.
O material educativo possuía uma descrição geral que buscava apresentar
suas características e objetivos. Além desse tutorial, havia planos de aula
específicos para alunos e professores. No total foram produzidos dez planos de
aulas cada um com uma parte voltada para os professores e outra para os alunos.
Na análise desse material, iremos nos focar nos seus principais elementos
constitutivos. Isso será feito através da observação do material voltado para os
alunos e para os professores. Para realizar isso, novamente utilizaremos como
suporte teórico as proposições de Marco Silva sobre comunicação e
interatividade. Além dos apontamentos teóricos de Lévy relacionados ao conceito
de potencialidade e as teorias de Umberto Eco ligadas à obra aberta.
8.1. Características gerais dos planos de aula
Na apresentação inicial do material voltado para os planos de aula é feita
uma breve explicação do que foi o World Without Oil. São apresentados a
história, os números totais do jogo (participantes, histórias produzidas e tempo de
jogo) e como esse material produzido coletivamente pode ser usado pelos
professores através dos planos de lições.
Os principais pontos do material são:
173
Modular. Use all ten lessons or select a subset to fit a particular class agenda or
schedule.
Rearrangeable. The game is designed to evoke reactions from its students. Feel free
to rearrange the lesson order day to day to match their interests.
Flexible. We designed lessons to fit in 50-60 minutes (plus after-class reflection
time), but feel free to shorten or expand them to fit your course needs.
Self-Study. Refer students to the Student Page for a lesson (see sidebar on left), and
they will have a concise action plan. Here's an Overview to aid self-directed students
using the WWO material.
Evaluations. You can base student evaluations upon group work, personal blogs
containing their reflections, class participation, or any other method you determine.
Customizable. The WWO archive contains citizen reports that cover a vast number of
topics. We encourage you to search the archive for player-created stories on topics
that fit your course goals. Go here to see Week 32, the game's last week, and scroll
down to the tag cloud. “
A partir dessas características básicas, os designers do jogo estabeleceram uma
estrutura que apresenta aos professores um exemplo de como utilizar esse
material. Agora iremos apresentar os elementos dessa estrutura:
1. “Set the Stage”
Nessa parte é apresentado o cenário do jogo. Para isso, é sugestionado que
o professor apresente uma ou duas histórias que estejam ligadas ao WWO e com
isso traga a crise do petróleo para junto dos estudantes, buscando facilitar sua
imersão no jogo.
2. “Take Action”
Após a apresentação do cenário é pedido que os professores busquem
trabalhar um processo de reflexão com os alunos. Esse trabalho deve ser realizado
especialmente com pequenos grupos de estudantes, mas também pode ser
trabalhado com todos os alunos ao mesmo tempo. O importante nesse momento é
que os alunos pensem como agiriam frente ao cenário da crise de petróleo.
3. “Lesson Activity”
Nesse momento o educador deve trabalhar um tópico específico
relacionado à crise de petróleo que ajude a estabelecer o contexto da história e
também expanda o conhecimento dos alunos frente a essa questão, ajudando-os a
compreender quais são os elementos e as forças envolvidas nessa crise.
174
4. “Reflect”
A partir do momento que possuírem grande entendimento do que é a crise
e o que está envolvido nessa situação, os jogadores devem “reagir” dentro do
jogo. Ou seja, sua produção e reflexão devem ser incorporadas s às histórias
produzidas durante o processo oficial do ARG World Without Oil. Os produtores
do jogo também estimulam que essa produção utilize os mais diversos suportes
(blogs, vídeos, áudio, entre outros) e que esses materiais depois sejam
incorporados no site oficial do jogo, através do espaço dedicado a isso.
5. “Take It Further”
Nesse momento do plano de aula, a idéia é expandir a experiência dos
alunos frente ao mundo ficcional e aos novos conhecimentos que eles tiveram
contato no plano de aula. Aqui se busca facilitar os desdobramentos e as pontes
entre a ficção e a realidade. Como o ARG possuía a particularidade de misturar
esses elementos, o objetivo do plano de aula e, especificamente dessa etapa, é
canalizar a força produzida dessa mistura para aumentar as ligações entre os
conhecimentos teóricos apresentados aos alunos e sua utilização na realidade em
que vivem.
Análise do plano de aulas dos professores
O plano de aulas voltado para os professores teve como base as
características apontadas anteriormente. Iremos descrever e analisar agora um
plano de aula e demonstrar como foi desenvolvida a estrutura desse material
voltado para os professores.
A primeira parte do material era uma introdução e descrição do cenário,
como demonstramos na imagem abaixo:
175
Nessa primeira parte é feita uma apresentação do panorama da situação e
como os educadores podem utilizar essa narrativa no desdobramento de ações
ligadas que permitam um maior entendimento dos alunos sobre o tema.
Estabelecida essa base, são apresentados os objetivos do plano de aula. No caso
aqui observado, são apontados os objetivos relacionados ao primeiro:
Como podemos observar, o primeiro objetivo é fazer a imersão dos alunos
frente ao cenário de jogo ou, como aponta Gerrig, trazer o viajante para o mundo
176
narrativo. Esse processo de imersão será importante para os outros objetivos que
buscam expandir as noções ligadas à economia, sociedade e as mudanças que uma
crise de petróleo pode ocasionar. O estabelecimento desses parâmetros é
fundamental para estabelecer uma comunicação baseada na troca constante entre
professores e alunos, buscando atingir um dos conceitos da interatividade
abordada por Marco Silva: a comunicação tendo como base a bidirecionalidade-
permutabilidade, ou seja, um processo comunicacional onde não mais existe a
divisão entre emissor e receptor. Dessa forma, ao estabelecer esses elementos logo
no começo da atividade, será provavelmente mais fácil propiciar um ambiente em
que os alunos (jogadores) se sintam à vontade para produzir e trabalhar o
conhecimento junto com a narrativa.
Entretanto, para construir esse cenário, os game designers destacaram uma
parte do plano de aula para que o professor possa fazer o reconhecimento desse
mundo, e também possa atuar no processo de construção, colocando também seus
elementos nele. Isso é desenvolvido na parte que o professor deve conhecer antes
de trabalhar a lição:
Como podemos observar acima, os primeiros tópicos são voltados para o
reconhecimento do cenário, e depois é sugestionado ao educador que ele produza
seu material e acrescente ao cenário. Possivelmente, o objetivo disso é dar
verossimilhança ao mundo narrativo e proporcionar uma maior proximidade entre
o educador e o aluno, tornando ambos viajantes e cúmplices nesse ambiente
(Gerrig).
O começo da imersão total, ou seja, o início da viagem após os
preparativos começa na seguinte parte do plano de aulas:
177
Nessa parte, segundo os conceitos de Gerrig, a viagem já teve início e os
viajantes (professores e alunos) já adentraram o mundo ficcional. É interessante
observar que, além do texto, são utilizados outros suportes como um vídeo e uma
história em quadrinhos para construir essa imersão. Segundo McLuhan, a união de
diversos suportes serve para estimular a sinergia entre ambos e isso permite a
liberação de uma energia híbrida que resulta em transformações psíquicas, sociais
e tecnológicas. É possível que os produtores do jogo procuraram canalizar essa
energia para expandir a relação dos participantes do jogo com os conhecimentos
trabalhados nos planos de aula.
Outro elemento interessante é sugestão de que os educadores introduzam
teorias relacionadas a trabalhos cooperativos, como o conceito de Lévy de
“inteligência coletiva” (LÉVY, 1994), e os conceitos de “crowdsourcing”
(HOWE, 1996) e “jornalismo cidadão” (GILLMOUR, 2004), que são formas de
trabalho colaborativo e abertas, onde as pessoas contribuem coletivamente para
alcançar um objeto comum a todos.
Após essa construção do mundo e a chegada dos viajantes, começa o
momento em que os participantes devem agir mais diretamente nesse mundo. É o
178
que iremos observar agora:
Como podemos observar, as primeiras ações visam formar grupos de
participantes e a iniciar um questionamento inicial da situação a partir do uso de
perguntas. Posteriormente, é sugestionada a construção de pontes entre as
possíveis produções dos alunos e o material que foi produzido pelos jogadores ao
longo do World Without Oil. Dessa forma, o material que foi produzido pelos
179
participantes do jogo serve como uma fonte de conhecimento coletivo que
receberá novos acréscimos a partir dos desdobramentos produzidos pelos alunos.
Na parte final é indicado que o professor peça aos alunos para apontarem
suas percepções iniciais a respeito do tema e da crise de petróleo - ou, segundo as
teorias de Gerrig, as primeiras visões dos viajantes em relação ao mundo
ficcional. No final da experiência, essas visões iniciais serão comparadas e será
observado se os alunos mudaram suas visões sobre esses temas.
Na parte 3 do plano de aula é o momento em que o professor trabalhará
mais diretamente os conhecimentos. Essa construção de conhecimento será feita
junto à produção dos alunos ou, como afirma Marco Silva, a partir de uma
participação-intervenção dos participantes. Após essa exposição, é pedido para os
alunos participem de um “quiz” onde as questões serão problematizadas junto à
turma.
Nas partes finais do plano de aula (4 e 5) é feita a reflexão final e pedido
para que os alunos realizem novos desdobramentos do mundo narrativo, como
apontamos agora:
180
Nesse momento ocorre o processo de reflexão frente à experiência vivida e
a identificação de quais foram os aprendizados relacionados a isso. Essas
possíveis mudanças nos alunos podem ser entendidas, segundo a teoria de Gerrig,
como a fase em que o viajante retorna para casa modificado pelas suas
experiências no mundo narrativo
Esse material ainda é estabelecido no mesmo sentido que a teoria da obra
aberta apontada por Umberto Eco, pois os alunos devem construir seu
entendimento a partir dessa experiência. Ou seja, eles que completam o sentido
das vivências e conhecimentos com que tiveram contato.
Os outros elementos do plano de aula são:
“Requirements”
Onde são apresentados os pré-requisitos mínimos para poder participar da
experiência, ou seja, acesso a internet, acesso a vídeos, blogs. É recomendado que
181
cada aluno tivesse acesso a um computador conectado à internet.
“Subjects and Methods”
Esse tópico explica que os planos de aula do WWO são interdisciplinares e
quais foram as disciplinas trabalhadas. Além disso, são apontados os métodos
didáticos e narrativos que inspiraram o desenvolvimento desse trabalho.
“Educational Standards”
Nessa parte são descritos quais foram os principais parâmetros
educacionais utilizados no desenvolvimento do plano de aula.
“Sugestion: Blog”
Nessa parte do plano de aula, os produtores dizem que cada lição buscará
que os alunos reflitam sobre um tema e, devido a isso, é sugerido o uso do blog
por parte dos participantes. Esse suporte permite que os estudantes possam
trabalhar com imagens, vídeos, textos e áudio. E, a partir disso, os participantes
poderiam compartilham essas reflexões com os outros estudantes ou mesmo em
um blog coletivo da turma.
“Additional Resources”
Na parte final são apresentados alguns links relacionados ao tema
trabalhado na semana. Essas páginas levam a informações sobre petróleo em
páginas do governo, de organizações e centros de estudo. Dessa forma, os
produtores procuram expandir a possibilidade de os professores trabalharem os
conceitos da semana, e simultaneamente facilitam a aproximação das fronteiras da
realidade e ficção. Os links sugeridos foram135
:
Summary of "Peak Oil" concerns
http://www.oildepletionprotocol.org/
getinformed/oildepletion
Life Without Oil
http://www.energybulletin.net/4740.html
135
http://worldwithoutoil.org/metalesson1.htm
182
United States Department of Energy oil production and consumption statistics from
2006http://www.eia.doe.gov/emeu/cabs/
topworldtables1_2.htm
Oil Consumption by Countryhttp://www.nationmaster.com/graph/
ene_oil_con-energy-oil-consumption
8.2. Análise do plano de aulas dos alunos
O material do plano de aula dos alunos possui poucas diferenças em relação
ao voltado para os professores. As diferenças estão relacionadas principalmente ao
texto, adaptado para os alunos não terem acesso às orientações que foram
estabelecidas para os professores.
Um exemplo disso está nas seguintes imagens, que detalham a diferença
do conteúdo para professores e alunos:
Parte 1 – professores
183
Parte 1 - alunos
Como podemos observar nos materiais acima, a diferença entre ambos é a
forma como o texto foi escrito e a presença de instruções – no material voltado
para os professores - de como usar o esse conteúdo junto aos alunos.
Essa estrutura irá basicamente se repetir ao longo de todo o material,
deixando clara a existência de uma ligação entre os dois planos de aulas. No total
foram produzidas dez lições:
LESSON ONE:
Oil Crisis: Get Into The Game A global oil crisis has begun. Oil usage worldwide has increased to where the oil supply can only meet 95%
of it. Begin the inquiry into the effects of less oil in our lives.
LESSON TWO:
How Bad Can It Get? Fuel prices rise in anticipation of when actual supplies start to run short. It's clear that there is no quick fix
to the shortage. Tensions start to rise.
LESSON THREE:
Life Is Starting To Change Widespread changes are starting. Goods and services that depended on cheap oil are failing.
LESSON FOUR:
Elasticity and Collapse
184
This lesson investigates the factors that define elasticity in relation to oil – factors such as lifestyle,
geography, setting and community.
LESSON FIVE:
Oil Dependency Among Nations The oil crisis has caused some nations to reconsider their foreign policy objectives – and to aggressively
seek to acquire oil.
LESSON SIX:
Food Without Oil The impact of oil on our food supply is one of the most serious aspects of the oil crisis. Shortages are
forcing many people to look for locally grown food.
LESSON SEVEN:
Breakdown Governments have been hit as hard as anyone by the crisis, leading to the existence of red and green zones
in cities and refugee camps in the country.
LESSON EIGHT:
Preparation and Community
With problems piling up and the government unable to help, many communities across the nation are
turning inward for solutions.
LESSON NINE:
Lessons Learned Now that the crisis has stabilized, how do we go forward? How do we balance our desire for energy's
benefits with the risks and costs of procuring it?
LESSON TEN:
Your World Without Oil Help out the World Without Oil team. Script and deliver your own citizen report that communicates what is
happening to you in the crisis.
Cada lição buscava tratar de um tema através da imersão dos alunos na
situação narrada. Para facilitar essa tarefa, como observarmos anteriormente, os
designers procuraram estabelecer recomendações para o professor, ou seja, passos
que ajudassem a construir esse mundo narrativo.
Entretanto, entendemos que o material voltado para o aluno poderia ter
sido mais específico, procurando estabelecer elementos que complementassem o
material (narrativa e educativo) do professor, e não ser somente um material
adaptado para os alunos. É provável que isso pudesse aumentar a chance de
imersão dos participantes, desde que não tornasse o mundo narrativo fechado, ou
seja, que continuasse utilizando os princípios de uma obra aberta (ECO) em que
os alunos complementassem e desdobrassem os questionamentos lançados nas
185
lições.
186
9 Conclusões
Neste trabalho, procuramos observar como a estrutura do jogo construiu a
narrativa a partir do uso de diversos suportes nos Alternate Reality Games
(ARGs). Analisamos também como os designers utilizaram a imersão narrativa e
também como permitiram que os jogadores interviessem no desenvolvimento da
história. Outra questão analisada foi se a estrutura estabelecida pelos games
designers proporcionou uma interação maior entre os participantes.
Para tratar de todas essas questões, e pelo fato dos Alternate Reality Games
serem produtos ainda pouco estudados, inicialmente estabelecemos um corpo
teórico que nos auxiliou a compreender esse objeto.
Após o desenvolvimento teórico, complementamos a análise a partir do
estabelecimento dos antecedentes dos Alternate Reality Games. Com isso,
buscamos estabelecer os elementos que influenciaram esse tipo de jogo e
expandirmos o conhecimento sobre essa área.
Com teoria e antecedentes estabelecidos, pensamos em uma solução para
tratarmos o vasto material produzido por um Alternate Reality Game através de
seus inúmeros participantes e ao longo de diversos suportes. Por isso, o uso de
combinações de técnicas de pesquisa em busca do desenvolvimento de uma
metodologia que permitisse uma melhor análise do material observado e
condizente com as perguntas que orientaram esse estudo. Essa metodologia
utilizou conceitos da análise de conteúdo de redes sociais associada à técnicas de
observação não participante em um estudo de caso: o do ARG World Without Oil.
A partir desses elementos, a análise do ARG observado na pesquisa trouxe as
seguintes considerações:
A primeira é predomínio do uso de um suporte - o blog - em relação aos
outros: imagem, vídeo e áudio. Ou seja, apesar de os ARGs realmente utilizarem
diversos suportes na sua estrutura, a pesquisa mostrou que um suporte tem forte
predomínio sobre os outros – ele é a base do jogo, e foi a partir dele que os outros
suportes se interligaram. No design de novos ARGs vale a pena observar a
187
importância de se estabelecer um suporte que funcione como um “hub” - que
conecte os desdobramentos e faça as ligações com os outros suportes utilizados
durante o desenvolvimento do jogo. Esse hub também funcionou como ponto de
partida para os novos participantes, pois ele concentrava as principais informações
e acontecimentos do jogo.
Essa preferência e predomínio de um suporte frente aos demais pode ser
uma questão a ser explorada em pesquisas futuras e ajudar a entender por que em
determinados momentos uma mídia predomina sobre as demais. Isso sugere que,
apesar das diversas opções de suportes existentes, ocorre uma dificuldade do
indivíduo de conseguir dedicar sua atenção e realizar sua recepção frente a todas
elas ao mesmo tempo. Estudos sobre essa hipótese poderiam ajudar a entender por
que, em determinado momento, um suporte sobrepõe-se aos outros, funcionando
como um hub para eles.
A importância dos designers ficarem atentos ao tempo do ARG foi outra
questão levantada. Apesar desse tipo de jogo utilizar os diversos suportes e um
tempo ficcional mais intenso do que o tempo “real” para expandir a experiência
imersiva, deve-se ter cuidado para que não se desdobre o tempo diegético do jogo
de forma excessiva pois, se esse ritmo for rápido demais, o tempo “real” dos
participantes pode não acompanhar o tempo do jogo. E, nesse descompasso, o
ARG pode acabar perdendo jogadores que não conseguiram continuar jogando
devido ao ritmo acelerado do jogo. Isso acabou ocorrendo no World Without Oil e
foi o motivo de muitas críticas dos participantes do fórum.
Outro ponto surgido na pesquisa foi a identificação de possíveis tipos de
jogadores de ARG. Conseguimos identificar três possíveis grupos de jogadores:
um grupo que parece estar mais interessado no aspecto narrativo de um Alternate
Reality Game, para quem o desenvolvimento de uma boa e profunda história é a
principal preocupação. Além desse grupo, identificamos também os jogadores que
têm como foco principal os desafios apresentados durante o jogo. Esses
participantes estão mais preocupados em quais serão os problemas que terão de
enfrentar e resolver durante o ARG. Por fim, o terceiro grupo de jogadores que
identificamos são os participantes que estão mais preocupados em organizar os
materiais produzidos e coletados durante o jogo do que participarem diretamente
do ARG.
Entrentanto, apesar dessas diferenças, um aspecto observado foi que todos
188
os participantes atuaram de forma a manter a crença na narrativa. Aliás, isso
estabeleceu a comunidade em um grupo de jogadores de ARG. E para evitarem
que essa crença diminuísse e, com isso, a comunidade se rompesse, eles
trabalharam para manter esse aspecto e com isso continuarem a viver no mundo
narrativo estabelecido no jogo. Outro aspecto observado nessa pesquisa e que vai
de encontro a esse zelo pela imersão foi o fato de grande parte dos jogadores
assumirem papéis e interpretarem personagens ao longo do jogo. Isso foi um dado
interessante, pois nos ARGs não é necessário que os jogadores criem personagens
para participarem da história, uma exigência comum nos RPGs, por exemplo.
Entretanto, apesar de desnecessário, muitos jogadores criaram uma estrutura para
seus personagens.
Dessa forma, apesar da criação de personagens não ser necessária para
participar de um ARG, acreditamos ser importante que os designers procurem
estabelecer uma estrutura que facilite o desenvolvimento de personagens pelos
jogadores, se eles assim desejarem.
Em relação aos aspectos educacionais, o ARG procurou tratar os temas
objetivados ao mesmo tempo em que buscava desenvolver a narrativa. Os
designers conseguiram criar uma estrutura que incentivou reflexões e
desdobramentos produzidos pelos jogadores em relação a esses temas. Entretanto,
alguns jogadores mais ligados aos aspectos narrativos disseram que a narrativa se
tornou mais irrelevante do que os temas educacionais conforme o jogo avançava,
e que isso criou um aspecto de “trabalho de escola” no ARG. Outros jogadores
discordaram dessa visão, mas isso levanta uma questão importante para os
designers atentarem no desenvolvimento de um alternate reality game que possua
interesse educacional: a narrativa é parte fundamental da imersão e será ela que
sustentará essa comunidade de jogadores. Os elementos educacionais devem
sempre estar de acordo com o aspecto narrativo e não ofuscarem o aspecto
ficcional, caso contrário os jogadores podem se sentir “enganados” e isso resultar
em uma perda do aspecto imersivo e redução no número de participantes.
Como possíveis desdobramentos dessa pesquisa, apontamos a necessidade
de aprimorarmos o método estabelecido de análise de dados dos ARGs, buscando
aplicá-lo a diferentes tipos de ARGs e a partir disso, aperfeiçoá-lo.
Outro é o aperfeiçoamento da estrutura do jogo, possibilitanto a
incoporação das personagens criadas pelos jogadores, se estes assim desejarem.
189
Seria interessante também pensar em como incluir mais diretamente nessa
estrutura os diversos tipos de jogadores do jogo e como incorporar seus desejos
em busca de uma maior sinergia narrativa.
Essa pesquisa permitiu que adentrassemos nos mundos ficcionais dos ARGs
e os conhecermos melhor. E para essa viagem, estabelecemos conceitos teóricos
que nos permitiram traçar os caminhos iniciais e nos guiaram nessa jornada,
conceitos esses que esperamos que ajudem os próximos exploradores. Além
desses guias, buscamos estabelecer também as ferramentas que nos ajudaram em
nossas buscas - também as deixamos para outros desbravadores, com a esperança
que possam ser utéis. Por fim, retornarmos de nossa jornada com algumas
respostas e ainda com muitas dúvidas sobre esses mundos desconhecidos. Mas
novos mundos irão surgir, assim como novos exploradores ávidos por conhecê-los
e desbravá-los, e esperamos que possam encontrar nesse trabalho uma ajuda para
suas aventuras.
Pois as fusões entre mundos ficcionais e reais continuarão a acontecer, como
aponta o diálogo a seguir136
, ocorrido no dia quatro de abril de 2007, dos
senadores brasileiros a respeito da polêmica lançada pelo senador Arthur Virgílio
dias antes relacionada à ação de um ARG, reproduzida na introdução desta
dissertação:
“O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB – RR. Pronuncia o
seguinte discurso. (...)
“E quero, Sr. Presidente, trazer aqui hoje matéria publicada no site
www.amazonia.org.br, justamente de uma organização não-governamental que se
preocupa bastante com a Amazônia – discordo de muitas de suas afirmações;
portanto, é insuspeita para mim, porque não concordo com tudo que ela afirma –
e que publica o seguinte artigo: “Empresa dos Estados Unidos propõe privatizar a
Amazônia”. A data é 27 de março de 2007. O teor é o seguinte:
“O laboratório Arkhos Biotech, dos Estados Unidos, defende em vídeo o
controle
privado para “salvar a Amazônia”. E acusa o Brasil de não cuidar da
região.” (...)
136
DIÁRIO DO SENADO FEDERAL, Brasília, 4 de abril de 2007. Págs. 08513-08514. -
http://www.senado.gov.br/publicacoes/diarios/pdf/sf/2007/04/03042007/08513.pdf
190
O Sr. Arthur Virgílio (PSDB – AM) – Permite-me um aparte, Senador?
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB – RR) – Senador Arthur
Virgílio, com muito prazer, concedo-lhe o aparte.
O Sr. Arthur Virgílio (PSDB – AM) – Essa empresa é a Arkhos Biotech, que, na
verdade, é virtual. Eu próprio embarquei nessa canoa e procurei fazê-lo com o
maior humor.
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB – RR) – É interessante que
V. Exª afirme isso, porque, quando comecei, tive o cuidado de dizer que isso
estava publicado em um site de uma organização não-governamental que, embora
eu discorde em muitos pontos, é uma instituição que me parece séria e que publica
com detalhes, inclusive mostrando percentuais e a localização. Portanto, Senador
Arthur Virgílio, em vez de simplesmente acreditar que a coisa é virtual, peço que
os órgãos do Governo, no caso os encarregados da fiscalização da Amazônia,
investiguem isso(...)”.
191
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