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HISTORIANDO A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃOPRIMÁRIA PÚBLICA NO CARIRI CEARENSE
Tania Maria Rodrigues Lopes
Introdução
Esse estudo tem por finalidade revelar concepções pedagógicas, que
nortearam a formação da professora para a instrução primária pública, no
período compreendido entre 1923 a 1960, demarcadamente na região do
Cariri, por meio da exploração e análise da experiência desenvolvida pelo
Colégio Santa Teresa de Jesus - CSTJ. Nesta região, situada ao Sul do Ceará,
cerca de 500 quilômetros da capital Fortaleza, teve início em 1923, uma
experiência pioneira de interiorização de ações para a instrução e formação
feminina para o magistério.
Para alcançar seus objetivos, este trabalho foi guiado por princípios
teóricos e metodológicos definidos, evitando, assim, que fizéssemos uma
busca movida pela emoção de mulher caririense, interessada em dar, por um
lado, visibilidade apaixonada à história de sua localidade, à qual foi palco de
algumas experiências sociais, que a colocaram em evidência, no cenário
nacional e internacional; e, por outro lado, escolher a mulher como sujeito de
sua atenção, em função do lugar que elas ocupam na sociedade, que tende a
ser, oras exaltado, oras subestimado.
Assim, como acontecia em todo o País, as grandes e pequenas
cidades sofreram o impacto das mudanças econômicas e sociais, que
fermentavam a construção nacional. As primeiras décadas do século XX, foram
marcadas pela transplantação de modelos e referenciais educacionais de
nações consideradas desenvolvidas, as quais colocaram, a educação escolar
como prioridade, tanto no debate, como na definição de políticas, investimentos
e práticas. Trata-se do momento em que se atende o apelo de criação de um
‘Brasil moderno’, enquanto nação em busca de indicadores, com perspectiva
de projeção no cenário internacional e reafirmação de sua liderança na América
Latina.
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Esse processo não se efetivou sem a ocorrência e o registro de lutas e
disputas ideológicas, avanços e recuos, fracassos, bem como de articulações e
influências internacionais. Algumas evidências históricas parecem indicar, que
houve uma submissão da Nação a um conjunto de normatizações e
ordenamentos, objetivando a regularização da oferta da instrução pública, a
organização dos sistemas, a criação e organização de instituições escolares, a
adoção de princípios pedagógicos e práticas educativas de referenciais
internacionais de sucesso, na perspectiva da qualificação de resultados.
Na história da educação, do ponto de vista sociológico, Magalhães
(2005, p. 14) afirma que a instituição escolar aparece como “principal suporte”,
pelo “conjunto organizado de práticas e ritos, exercitadas por sujeitos
qualificados em espaços e tempos qualificados”, materializadas em “contratos
societais ou individuais”, bem como produz uma “cultura profissional docente
normalmente interligadas com espaço de difusão das tecnologias de formação/
(in)formação”. Para este autor, a história da educação constituída como um
discurso do passado nos revela que as instituições escolares traduzem “toda a
panóplia de meios, estruturas, agentes, recursos, mas também as marcas
socioculturais e civilizacionais que os estados e outras organizações mantêm
em funcionamento para fins de permanência e mudança social” (id ibid., p. 15).
No centro desse discurso, as instituições escolares foram destacadas
nas reformas e políticas educacionais, do passado e da atualidade, como
também, destaque para o papel dos professores, em relação aos níveis de sua
formação, desenvolvimento e desempenho profissional, aspectos identificados
na legislação e normatização, em nível nacional e/ou local.
Para Magalhães (2005, p. 98) “na vida das sociedades, as instituições
e os profissionais que nela atuam, são parte integrante da tomada de decisões
e das reflexões sobre o presente ou o futuro, como fator de identidade”. Nóvoa
(1995, p. 15) “assinala que as instituições escolares adquirem uma dimensão
própria, enquanto espaço organizacional onde também se tomam importantes
decisões educativas, curriculares e pedagógicas”.
Os movimentos da modernidade foram marcados por processos de
articulação entre estruturas e sujeitos, por meio das instituições e dos grupos.
Nóvoa (1992, p. 12), ao analisar a trajetória histórica da docência, sua
formação e exercício profissional nos diz que hoje, “os professores vivem
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tempos difíceis e paradoxais. Apesar das criticas e das desconfianças em
relação às suas competências profissionais exige-se-lhes quase tudo”.
Desse modo, a atividade docente foi sendo ordenada politicamente,
pois “os professores são a voz dos novos dispositivos políticos de
escolarização; por isso, o Estado não hesitou em criar as condições para a sua
profissionalização” (NÓVOA, 1992, p. 16). Do ponto de vista teórico e
metodológico, portanto, sua formação está relacionada com as exigências e
demandas articuladas aos processos produtivos, que ao evoluírem tendem a
ser organizados em torno de esquemas tecnológicos mais complexos, que, por
sua vez, determinam os processos, percursos e resultados educacionais,
considerando as inovações tecnológicas e exigências econômicas.
Nesse sentido, seja em contextos mais remotos ou contemporâneos, a
formação de profissionais do magistério recebe usualmente atenção destacada
na legislação; responde a demandas da sociedade, que são inscritas no
discurso político, o qual relaciona qualidade e desenvolvimento; são tratadas
como uma “prioridade de campanhas políticas, sem, entretanto, haver
correspondência entre a retórica do palanque e a ação efetivamente
engendrada pelos poderes instituídos” (BOTO, 1996, p.17).
Recuando no tempo, nessa busca persistente pelo passado e, neste, a
história da profissionalização docente encontrei a mesma tônica discursiva do
presente, uma onda de mudança de cunho econômico, político e cultural, então
em curso, que estava, na realidade, legitimando o projeto de sociedade
nacional, que se proclamava moderna e orientada pela perspectiva de
equacionar as distâncias e desigualdades sociais (BOTO 1996, p. 16).
Nesse estudo tentar-se-á explorar em amplitude a experiência do
CSTJ com base na seguinte indagação: Que saberes e práticas foram
aplicados na instrução de mulheres e na formação de professoras?
O texto está composto pela introdução, discussão sobre a metodologia
aplicada, aspectos teóricos sobre formação de professores, considerações
finais e referências.
2. Trajetória de investigação aplicada ao estudo
Na organização e desenvolvimento do trabalho, orientado pela
indagação explicitada, procurei explorar os referenciais aplicados ao
desenvolvimento da pesquisa qualitativa, para designar a utilização de
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estratégias de investigação, que partilham determinadas características, como
anotam Bogdan e Biklen (1991, p. 16):
Os dados recolhidos são designados por qualitativos, o que significaricos em pormenores descritivos relativamente a pessoas, locais econversas, e de complexo tratamento estatístico. As questões ainvestigar não se estabelecem mediante a operacionalização devariáveis, sendo, igualmente, formuladas com objetivo de investigaros fenômenos em toda a sua complexidade e em contexto natural.
O recuo ao passado neste percurso se deu pela utilização consorciada
dos documentos, enquanto memórias impressas, que legitimam a ação
institucional e as memórias narradas de mulheres, ex-alunas da instituição,
como recurso de dar voz as protagonistas, no sentido de preservar os
significados da história de um tempo e de suas instituições.
Assim, as ideias e práticas pedagógicas aplicadas aos processos
formativos de que participaram estas mulheres, na condição de ex-alunas,
foram registradas em forma de narrativas orais, narrativas que representam
uma fonte rica de revelação e reflexão sobre as ações que permearam a
profissionalização do magistério caririense. Estas narrativas revelam ainda os
sonhos, as relações e práticas, as repercussões da experiência sobre as
realidades sociais das duas cidades.
A pesquisa bibliográfica relacionada com a investigação qualitativa
possibilitou identificar estudos sobre algumas experiências sociais e
educacionais em solo caririense, contidos em dissertações e teses defendidas
nos programas de pós-graduação da UFC e UECE.
3. ASPECTOS DO DEBATE SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
O recuo que se faz no tempo é para procurar entender as políticas
direcionadas para atender às demandas e necessidades relativas à oferta de
educação para mulheres e homens, das zonas urbanas e rurais, ao longo da
história educacional do País. Nesse recuo, nos deparamos com relatos
diversos, registrados em livros, periódicos, documentados em arquivos e/ou
acervos oficiais ou pessoais, na memória compartilhada entre gerações,
permeadas por ideias e ideais, modelos, concepções e ritos, que atravessaram
fronteiras de terras próximas e distantes.
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Nesta caminhada, os estudos e reflexões foram baseados em
contribuições de historiadores e pesquisadores da história da educação,
estrangeiros e brasileiros, em âmbito nacional e regional, destacando-se
Magalhães (2005) Nóvoa (1995), Saviani (2008), dentre outros nos ajudaram a
compreender o conceito de instituição escolar. Sobre a importância das escolas
normais e a formação de professores estudos desenvolvidos por Villela (2008),
Manoel (2011), Nóvoa (1992, 1995, 2008), Meyer (2000), Saviani (2008),
Romanelli (1985), Almeida (2007), Nagle (2001), Monarcha (2009), Boto
(1996), Cavalcante (2000, 2009, 2011), Miguel et al. (2011), Sousa (1955),
Castelo (1970), dentre outros estudos.
Vilella (2008, p. 34) afirma que, no Brasil, a criação da Escola Normal
“integra um planejamento estruturado em um potencial organizativo e
civilizatório, uma das principais alavancas da expansão e consolidação do
projeto de desenvolvimento econômico e social do País”.
A história das Escolas Normais no Brasil envolve continuidades e
rupturas, conforme registros de criação, fechamentos de portas e recriação,
entre a segunda metade do século XIX, sob o Império, e o século XX
republicano. Esse quadro reflete que até a sua consolidação enquanto política
de Estado, tais instituições passaram por períodos de ajuste e espera,
enquanto a própria sociedade nacional ia sendo formada.
A história das primeiras escolas normais criadas nos ajuda a
compreender que o principal objetivo da institucionalização da formação era
assegurar o seu controle pelo Estado, evitando o improviso no exercício
profissional, para estabelecer uma atuação referendada no domínio de
conteúdos, métodos e materiais pedagógicos capazes de viabilizarem
resultados educacionais desejados.
A normatização e regularização do ensino nas escolas normais, como
espaços de referência para o magistério foi, também, condição essencial para
qualificar o ensino público em todo o território nacional e, contribuir tanto para a
organização do ensino primário, como da profissão docente. Na concepção de
Nóvoa (1992, p. 16):
As escolas normais são instituições criadas pelo Estado paracontrolar um corpo profissional, que conquista uma importânciaacrescida no quadro dos projetos de escolarização de massas; mas é
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também um espaço de afirmação profissional, onde emerge umespírito de corpo solidário.
No decorrer do século XIX e princípio do século XX, o Estado
republicano passou a ter mais controle sobre as suas instituições educativas,
podendo baseá-la no planejamento e racionalidade técnica para fundar os
sistemas nacionais de ensino em diferentes países ocidentais, tendência que
alcança também o Brasil, onde as primeiras diretrizes tomaram de empréstimo
modelos e práticas, que transitavam da Europa e dos Estados Unidos, como
referências para os países em processo de organização política e
administrativa, pois a “ambição republicana de ‘formar um homem novo’
concedeu aos professores um papel simbólico de grande relevo” (NÓVOA,
1992, p. 17).
O marco regulatório e as primeiras orientações curriculares mostram
uma tentativa de substituição de um modelo “artesanal” de formação de
professores, baseado na tradição e imitação, características da cultura
pragmática, pelo modelo “profissional” (NÓVOA, 1992).
De acordo com Villela (2008, p. 29): “para a conquista do
reconhecimento do ofício, foi fundamental o surgimento das escolas normais,
responsáveis pelo estabelecimento de um saber especializado e um conjunto
de normas que constituíram esse campo profissional”. Estudos desenvolvidos
pelo professor Nóvoa apontam que:
As escolas normais legitimam um saber produzido no exterior daprofissão docente, que veicula uma concepção dos professorescentrada na difusão e na transmissão de conhecimentos; mas étambém um lugar de reflexão sobre as práticas, o que permitevislumbrar uma perspectiva dos professores como profissionaisprodutores de saber e de saber-fazer (NÓVOA, 1992, p. 16).
Evidências teóricas resultantes de estudos sobre a profissionalização
docente no Brasil evidenciam que, muitas iniciativas nesse campo foram
levadas a efeito pelo Estado. Como provedor direto das condições de oferta de
instrução primária e elementar, na transição Império x República, o Estado
brasileiro foi assumindo, gradativamente, o controle da educação formal,
procurando definir os conteúdos e os comportamentos, que deveriam ser
cultivados nos processos de instrução, pela escola.
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A história glamorosa das primeiras experiências assinala, que várias
escolas normais criadas estavam vinculadas a estruturas privadas de ensino,
sobretudo as ordens e/ou congregações religiosas, sob orientação
preponderante do ideário católico, mas já estavam presentes no território
brasileiro, as ordens protestantes, com suas respectivas estruturas
educacionais. Nas escolas privadas, era o próprio professor que assumia o
ônus da formação, para assegurar seu espaço profissional nos sistemas de
instrução. Esse detalhe revela a parceria do Estado para promover a
profissionalização docente.
Objetivando a preparação de professores para as escolas primárias e
elementares, matriz educacional praticada no Ceará, segundo dados oficiais,
existia em Fortaleza, três instituições em funcionamento até 1923, ano da
criação do Colégio Santa Teresa de Jesus (CSTJ) na cidade do Crato, a Escola
Normal do Ceará (ENC)1, o Colégio Imaculada Conceição (CIC) e o Colégio
Nossa Senhora do Sagrado Coração (CNSSC). Sobre o assunto, encontramos
dados de estudos realizados, indicando que estas instituições, guardavam
algumas semelhanças e diferenças, em relação aos saberes e práticas
desenvolvidas, em outras unidades federativas.
As ideias trazidas por Lourenço Filho, como pedagogo formado em São
Paulo, implementadas a partir de 1922, nos processos de formação do
professorado cearense merecem ser revistos, considerando que os modelos
até então praticados ofereciam ao futuro professor da escola primária uma
formação fundamentalmente moral e religiosa, pois por meio dela era mais fácil
ordenar, controlar e disciplinar o povo. As ideias aplicadas por ele, como diretor
da Escola Normal do Ceará, para a sua reorganização curricular tinham como
pressupostos básicos o seu “conhecimento pedagógico acumulado em anos de
leitura e estudo durante sua formação normalista”, que segundo Cavalcante
(2009, p. 19) apresentava:
1 Desde a sua fundação, a Escola Normal obteve, seguidamente, várias denominações, entreestas: Escola Normal (1884-1823), Escola Normal de Fortaleza (1924-1925), Escola Normal PedroII (1925-1938), Escola Normal Justiniano de Serpa (1938-1947), Instituto de Educação do Ceará(1947-1952), Instituto de Educação Justiniano de Serpa (1952-1960), Instituto de EducaçãoJustiniano de Serpa – Centro Educacional (1960-1961), Centro Educacional do Ceará (1961-1966). Com a Lei nº 8.559, de 19 de agosto de 1966, a escola passou a ser chamada de Institutode Educação do Ceará, denominação que perdura até os dias atuais (GUERREIRO, 2004). AEscola Normal abrigava duas instituições anexas: a Escola Complementar e a Escola-Modelo(NOGUEIRA, 2001).
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Claro alinhamento teórico com as ideias da chamada Escola Ativa,em oposição ao tradicional ensino verbalístico. Em tudo, vê-se arecomendação pela realização da experimentação, por meio deatividades de investigação científica das coisas estudadas, quedevem ser praticadas para serem bem entendidas.
Além de uma abordagem ideológica centrada no dogmatismo religioso,
observada no currículo do CIC e do CNSSC, a Escola Normal Pedro II, do
Ceará teve orientações curriculares baseadas em Escolas Normais francesas e
dos EUA. Logo, a exigência na execução do processo formativo e,
consequentemente, no exercício profissional, era que os professores
dominassem aqueles conteúdos que lhes caberia transmitir às crianças,
secundarizando uma preparação qualificada quanto ao aspecto didático-
pedagógico.
4. O CSTJ – impactos e repercussões
A reconstituição da experiência educacional caririense mostrou, desde
os primeiros contatos, dependentes de apoios bibliográficos, a começar pelos
fatos interessantes sobre a vida missionária e as obras voltadas para o
assistencialismo social e educacional empreendidos pelo Fundador da
Congregação, Dom Quintino de Oliveira Rodrigues e Silva, primeiro bispo da
Diocese do Crato.
Para chegar à gênese dessa ação educativa e saber como e quando
se integraram os elementos oração, ensino e trabalho, como os tinha entendido
o Fundador e como os praticaram as primeiras irmãs, as primeiras alunas
constituiu-se o ponto fulcral desta pesquisa. Tornou-se essencial, também,
compreender os significados da missão que a Igreja confiou ao prelado, de
forma concreta e, como ele a executou, nos anos de sua atuação como pastor
daquela região.
A historiografia produzida sobre educação no Brasil e sua relação com
instituições confessionais apontam um formato de poder pela Igreja Católica,
desde a chegada dos portugueses, por todo período Colonial, Imperial e nos
primeiros tempos da República, por meio da criação, organização e
fortalecimento de instituições voltadas para a instrução da mocidade feminina.
O objetivo dessa instrução voltada para a mulher, no cenário do
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desenvolvimento que se anunciava, era transformá-las e torná-las autênticas
disseminadoras do ideário e princípios da igreja, além de defensoras dos
interesses do Estado.
Para Almeida (2013, p. 204): “[...] A Igreja católica associava a figura
da mulher santa, feita à imagem de Maria, à pureza de corpo e espírito”.
Manoel (2010, p. 54) reforça que “a educação para o sexo feminino, lançava
suas bases no ultramontanismo2, isto é, na auto compreensão que a Igreja
Católica Romana desenvolveu após a Revolução Francesa”.
A instrução e formação da mulher representavam também, por parte
do Estado e, nos limites estabelecidos pela Igreja, ações promotoras do
desenvolvimento social das médias e pequenas cidades.
As reformas e ações levadas a efeito pelos governos do período foram
ampliando a oferta de instrução pública e apontando a essencialidade do
trabalho feminino. Segundo Almeida (2013, p. 89) a atuação da mulher no
magistério, “pela especificidade do cuidado com o outro”, passou a representar
uma das maiores oportunidades e, ao mesmo tempo, uma conquista “por ser
uma profissão considerada adequada às mulheres no desempenho do papel de
regeneradoras da sociedade e salvadoras da pátria, além de ser o exercício
profissional aceito pela sociedade”.
O acesso à educação e a possibilidade de exercerem uma profissão
representou um avanço, muito embora, a educação desenvolvida para as
mulheres, na estrutura do currículo das Escolas Normais continuou um
prolongamento da educação familiar, com base nos conhecimentos das áreas
Economia Doméstica, Música, Puericultura, Culinária, Etiqueta e similares,
voltando-se para uma formação refinada, pois o objetivo maior era um ‘bom
matrimônio’ conciliando os interesses da Igreja, cujo objetivo era “controlar
mentes e corpos” e, da família, que percebia nestes acordos matrimonias,
oportunidades de barganhas político-eleitoreiras (ALMEIDA, 2007).
2 Foi uma orientação política desenvolvida pela Igreja após a Revolução Francesa, marcadapelo centralismo institucional em Roma, um fechamento sobre si mesma, uma recusa decontato com o mundo moderno, visando à sua própria sobrevivência. O ultramontanismoapareceu exatamente como reação ao mundo moderno, isto é, aquele conjunto de novasrelações sociais de produção capitalistas, novas relações políticas, novas propostas culturais,que, começando a esboçar-se no século XVI, tomou contornos definitivos e se efetivou apósas Revoluções Industrial e Francesa. (MANOEL, 2010, pp. 54-55).
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No cariri, foram às mulheres que se encarregaram de contribuir com o
desenvolvimento da instrução pública. Até 1923, sem a qualificação
recomendada no marco legal, assumindo de forma marcante o ofício, com a
legitimação e reconhecimento social, após a criação do CSTJ.
Para uma ex-aluna “o CSTJ deu um bom contributo dentro de suas
limitações”, fez o possível dentro de suas condições objetivas, “o que foi
plantado ficou e vai se projetando ai na história ainda hoje. O trabalho do CSTJ
não foi em vão, a escola normal não existe mais” (2013).
Os relatos assinalam que o currículo posto em prática muito se
assemelhava ao efetivado na ENC, no CIC e no CNSSC, edificado no saber
intelectual e princípios básicos de formação profissional necessária ao
desempenho docente. Nesse contexto, a organização curricular do curso
normal comportava uma formação intelectual geral, envolvendo os saberes
essenciais das Ciências Exatas, Físicas e Naturais, Humanidades e Artes,
consorciadas com os conhecimentos da Educação Física, Psicologia
Educacional e Metodologia do Ensino, além dos Estágios Supervisionados
desenvolvidos como forma de aproximar teoria e prática.
Segundo as ex-alunas, a orientação política e pedagógica adotada nos
processos formativos era basicamente fundamentada no currículo padrão em
nível nacional. Havia aquelas disciplinas técnicas, ministradas por professores,
que eram escolhidos por sua competência, em um período marcado pela
carência de professores devidamente habilitados para o Magistério.
Considerações finais
Reconstituir uma história distanciada do nosso tempo, atravessada por
fragmentação e/ou dispersão de fontes pode apresentar pistas preciosas, como
também, suscitar perguntas para novas buscas. Para escrever sobre o
passado, em qualquer campo do conhecimento, há de se valer de sinais, de
vestígios, de fontes não convencionais (ALMEIDA, 2007).
A história das primeiras escolas normais criadas nos ajuda a
compreender que o principal objetivo da institucionalização da formação era
assegurar o seu controle pelo Estado, evitando o improviso no exercício
profissional, para estabelecer uma atuação referendada no domínio de
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conteúdos, métodos e materiais pedagógicos capazes de viabilizarem
resultados educacionais desejados.
Muitas vozes se levantaram para indicar as influências internacionais
relativas aos modelos de educação aplicada às mulheres, não sem o registro
de uma crítica sobre o fato de que essa educação ocorreu de maneira tardia,
se comparada às oportunidades criadas, para atender ao sexo masculino.
Nesse sentido, iniciativas isoladas de autoridades eclesiais atenderam, por
vezes, mesmo que parcialmente, uma classe socioeconômica favorecida,
oportunizando-lhes instrução e formação qualificadas e revelaram a ausência
do Estado como provedor de oportunidades educacionais, especialmente, para
o segmento feminino.
REFERÊNCIAS
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