história do direito 11 08 2010

279
 H E D

Upload: amanda-martins

Post on 21-Jul-2015

584 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

H i s t r i a d o E s ta d o de Direito

Copyright 2010 Jos Luiz Borges Horta Edio: Joana Monteleone Assistente editorial: Vitor Rodrigo Donofrio Arruda Reviso: Projeto grfico e diagramao: Marlia Reis Capa:

[2010] Todos os direitos reservados Alameda Casa Editorial Rua Conselheiro Ramalho, 694, Bela Vista cep 01325-000 So Paulo sp Tel. (11) 3012-2400 www.alamedaeditorial.com.br

H i s t r i a d o E s ta d o de Direito

Jos Luiz Borges Horta

Coleo Direito e Cultura Prof. Dr. Arno Dal Ri Jr. (ufsc) Prof. Dr. Carlos Eduardo de Abreu Boucault (unesp) Prof. Dr. Daury Cesar Fabriz (ufes) Prof. Dr. Joaquim Carlos Salgado (ufmg) Prof. Dr. Jos Luiz Borges Horta (ufmg), Coordenador da Coleo Profa. Dra. Mari Brochado (ufmg) Prof. Dr. Nuno M. M. dos Santos Coelho (usp) Prof. Dr. Ricardo Marcelo Fonseca (ufpr)

Para Lili, que gostaria de ser abelha para produzir mel, e adoa nossa vida com carinho e ternura infinitos.

Para meu pai, pelas canes de ninar.

Para minha me, pelos inspirados adgios.

Qualquer sociedade em que no esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separao dos poderes, no tem Constituio. [Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, 1789, art. 16].

Es ist der Gang Gottes in der Welt, da der Staat ist. G.W.F. Hegel [O Estado o caminhar de Deus no Mundo; Filosofia do Direito, adendo ao 258].

Na experincia jurdica no se verificam, por via de regra, rupturas inexorveis. Miguel Reale [Nova Fase do Direito Moderno, p. 109]

A doutrina do Estado de Direito provavelmente o patrimnio mais relevante que, hoje, nos incios do terceiro milnio, a tradio poltica europia deixa em legado cultura poltica mundial. Danilo Zolo [In: O Estado de Direito, p. 51]

Sumrio

Prefcio ..........................................................................................[Prof. Dr. Antnio Carlos Wolkmer, da Universidade Federal de Santa Catarina]

Palavras iniciais .......................................................................... i. A Histria e o Estado ................................................................ 1. O pndulo da Histria do Estado ....................................................Histria do Direito, Filosofia do Direito e Histria do Estado. O apolneo (liberdade) e o dionisaco (poder) na histria do Estado. A roda da fortuna. O Estado e a liberdade como destinos do homem (Hegel).

2. Do Estado ideal ao Estado histrico: essncia e existncia do Estado ...noo de Estado. Estado ideal. Estado real. O Estado como idia manifesta na Histria

3. O Estado de Direito, do logos ao topos .............................................Estado Moderno. A soberania como elemento formal do Estado. Positividade e estatalidade do Direito. Personalidade jurdica do Estado. Elemento material do Estado. Origem da expresso Estado de Direito. Objeto da investigao: o Estado de Direito. Legitimidade formal: democracia. Legitimidade material: consagrao aos direitos fundamentais. Constitucionalismo. Gnese histrica dos direitos fundamentais. Geraes de direitos fundamentais. Ncleo indivisvel de direitos fundamentais. Estado de Direito: limites utilizao do termo.Estado de Direito e direitos fundamentais

10|

Histria do Estado de Direito

4. Itinerrio do texto ..........................................................................A histria e os paradigmas do Estado de Direito: liberal, social, democrtico. Histria e Filosofia, do Direito e do Estado. Dialtica e tridimensionalidade. A norma como reao do valor aos fatos. Linha narrativa: fundamentos sociolgicos, fundamentos axiolgicos, estrutura jurdica. Direes metodolgicas do texto

ii O Estado Liberal ................................................................... 5. Fundamentos sociolgicos........................................................................Estados Nacionais. As Revolues Burguesas: Revoluo Americana, Revoluo Inglesa, Revoluo Francesa. O modelo liberal-burgus e a era do vapor

6. Fundamentos axiolgicos ........................................................................Renascimento. Do jusnaturalismo ao jusracionalismo. Contratualismo. Hobbes. Locke. Rousseau. Kant. Liberalismo: liberdade como autolimitao e liberdade como autonomia. Liberalismo, democracia e racionalidade

7.Estrutura jurdica ........................................................................................Direito e racionalidade. Direito Moderno, primeira fase. Soberania nacional. Constitucionalizao e codificao. O Code Napoleon e a Escola da Exegese. A Escola Histrica e o retorno ao romanismo. A Jurisprudncia dos Conceitos.. O Positivismo Analtico. O sculo do positivismo

7.1 O Constitucionalismo clssico ......................................................O constitucionalismo. Constitucionalismo clssico: temrio. Direito Constitucional do Poder e Direito Constitucional da Liberdade. Limitao do poder: federalismo, separao de poderes

7.2 A primeira gerao de direitos fundamentais Direitos ............Direitos do Homem e do Cidado: o individuo e o Estado. Direitos de Liberdade. Liberdades civis, direitos individuais. Liberdades polticas, direitos polticos. Direitos de primeira gerao: esboo de classificao. Direitos do cidado nacional. Historicidade dos direitos fundamentais: concepo generacional e evoluo dos direitos

8. A era da formalizao ...............................................................................Liberdade e formalizao como oposio ao arbtrio. O primado da lei. O Estado Abstrato

iii O Estado Social ....................................................................... 9. Fundamentos sociolgicos .......................................................................A falncia do modelo liberal-racionalista. O progresso da indstria e a extratificao so-

Jos Luiz Borges Hortacial. A era da eletricidade. O movimento socialista. A doutrina social da Igreja. A Primeira Grande Guerra. A Revoluo Russa. O advento de Weimar. Intervencionismo Estatal. Keynes. A crise de 1929. Roosevelt e o New Deal. Democracia de Partidos

|11

10. Fundamentos axiolgicos ......................................................................Igualdade contempornea e o valor trabalho (Hegel). Igualdade material. Socialismo, Marxismo, Social Democracia. Democracia formal e democracia substantiva: discursos ditatoriais. O ecletismo do Estado Providncia

11. Estrutura jurdica.......................................................................................O Estado Intervencionista. Direito Moderno, segunda fase. Soberania estatal. Hipertrofia do executivo. Surgimento do Direito do Trabalho. A teoria do ordenamento jurdico. A Jurisprudncia dos Interesses. Antiformalismos

11. 1 O Constitucionalismo social ......................................................A Constituio de Weimar. Constituio material. A polmica Kelsen-Schmitt.Teoria sociolgica da Constituio. Teoria normativa da Constituio. Heller e a sntese da Teoria da Constituio. Constituio Social e Constituio Econmica

11.2 A segunda gerao de direitos fundamentais ...........................O bem-estar e a interveno do Estado: os direitos de segunda gerao. Os Direitos Sociais como direitos de credito. Direitos da Igualdade. Direitos Sociais, Culturais, Econmicos: diferentes enumeraes. O socialismo e a exacerbao dos direitos sociais. Integrao das geraes de direitos

12. A era da materializao............................................................................A dignidade humana e a materializao dos direitos: o Estado prestacionista

iv O Estado Democrtico ......................................................... 13. Fundamentos sociolgicos .........................................................................A escalada blica e a guerra fria: impactos culturais e econmicos. O ocaso do socialismo e o triunfo do mercado e da burocracia financeira. O novo imperialismo e a descrena na soberania dos Estados: a globalizao. O ataque ao Estado, aos custos pblicos e ao servio pblico, s estatais e presena do Estado na Economia. Privatizao, Reforma do Estado. Teoria e prtica da esfera pblica no estatal. Subsidiariedade. O discurso habermasiano. Energia atmica, eletrnica, ciberntica: a era da informtica. Exame de caso: o Brasil de Bresser Pereira. Heteronomia das universidades, publicizao da educao e da sade. Contornos ideolgicos das crise governamental brasileira. O ataque ao Direito: pluralismo e flexibilizao. O Estado poitico e a burotecnocracia: os golpes de Estado institucionais. A cultura e a reao globalizao

12|

Histria do Estado de Direito

14. Fundamentos axiolgicos........................................................................A ONU e a Declarao Universal dos Direitos do Homem: a Fraternidade. Solidariedade. Universalizao da cidadania: o Estado universalista de Direito. Dignidade humana e respeito ao ambiente. O ecologismo. Diferena e desigualitarizao. Realizao plena da pessoa humana. O antigo conceito socialista de Estado democrtico de Direito (Elas Daz). Neosocialismo, neoliberalismo e flexibilizao ideolgica. Participativismo

15. Estrutura jurdica .....................................................................................A imprecisa terceira fase do Direito Moderno. A falsa noo de soberania difusa. Jurisprudncia dos Valores, Jurisprudncia dos Princpios, Jurisprudncia dos Problemas. O ps-positivismo e o Estado principialista. Axiologia Jurdica, Tridimensionalidade, Culturalismo. Novidades na Teoria do Direito, na Hermenutica Jurdica, no Direito Internacional

15.1 O constitucionalismo democrtico ............................................Efeitos acadmicos da desestatizao. O internacionalismo. Constitucionalismo e jusfilosofia. A primazia hermenutica dos princpios constitucionais. Novas perspectivas do constitucionalismo, no marco do Estado de Direito

15.2 A terceira gerao de direitos fundamentais ............................A redescoberta da pessoa. A universalizao dos direitos da humanidade. A terceira gerao de direitos fundamentais: o advento dos direitos difusos. A utopia humanista e universalista da fraternidade. Concepo generacional e indivisibilidade de direitos. Especificao e complexificao dos direitos: o processo histrico em marcha. Falsidade da noo de quarta e quinta geraes de direitos. A caminho da universalizao de direitos como perspectiva futura

16. A era da plenificao ...............................................................................A crise do Estado e a sua superao: fraternidade, direitos de fraternidade e Estado democrtico de Direito. A plenitude dos ideais e da pessoa humana

v O Estado e a Histria .............................................................. 17. Do Estado histrico ao Estado ideal.......................................................O padro jusfilosfico de anlise do Estado de Direito (sntese das concluses do texto). Estado de Direito e Estado democrtico: a caminho da liberdade. Universalidade e ocidentalidade dos direitos fundamentais: origens remotas, geraes e desafios

Referncias Bibliogrficas ..............................................................

Prefcio

Membro da Escola Jusfilsofica Mineira, Jos Luiz Borges Horta congrega a tradio do debate jurdico-poltico e a vocao da leitura tica-filosfica. Defensor do Estado enquanto ambiente por excelncia de realizao da liberdade e crtico irredutvel do discurso neoliberal, o Professor Horta promotor irrefrevel do debate crtico sobre os significados e o papel do Estado. Entusiasta de uma abordagem culturalista e civilizacional dos fenmenos jurdico e poltico, ele rompe de certa maneira com uma perspectiva formalista, ocupada em descrever institutos, e promove uma releitura histrica luz dos valores e das circunstncias culturais que deram ensejo aos seus desenvolvimentos. Professor dos cursos de Direito e de Cincia do Estado da Universidade Federal de Minas Gerais, Jos Luiz Borges Horta conta com uma slida experincia docente e desponta no cenrio jurdico mineiro como importante liderana intelectual. Integrante da linha de pesquisa Direito, Razo e Histria do Programa de Ps-graduao em Direito da ufmg, ele divide-se entre a direo dos Seminrios Hegelianos, ao lado do Professor Joaquim Carlos Salgado, e o ministrio das disciplinas Filosofia do Estado e Histria do Direito, alm de congregar um crescente grupo de pesquisas, dedicado a investigao dos mais diversos temas: da tradio tica grega e crist histria do direito romano, do idealismo alemo ao Estado contemporneo, da tradio jusfilosfica mineira ao dilogo entre civilizaes, entre muitos outros. Provocador inveterado do debate intelectual, o Professor Horta tem estimulado, de forma inovadora, uma pesquisa jurdica que rompe radicalmente com o exame ensimesmado dos institutos e categorias jurdicas e se alimenta profundamente dos sabe-

14|

Histria do Estado de Direito

res da Filosofia, da Histria, da Poltica e da Antropologia, a fim de repensar o Direito luz da tradio cultural que o engendra, a qual no cindvel em campos distintos do saber, mas que, em verdade, precisa de cada um deles para ser pensada em sua totalidade. Desse modo, abre espao para uma ampla gama de pesquisas que procura situar o jurdico diante do religioso, do tico, do poltico e do pensamento filosfico. A tudo isso, alia-se um forte carter de engajamento poltico e acadmico, que se revela desde cedo em sua longa experincia junto ao movimento estudantil, e uma aguda preocupao com a produo de conhecimento jurdico de vanguarda que no se descuide da tradio. Profundo conhecedor da tradio poltica brasileira e debatedor constante do cenrio poltico nacional, o Professor Horta foi responsvel pela reinaugurao da conceituada Revista Brasileira de Estudos Polticos, criada na dcada de cinqenta pelo Professor Orlando de Carvalho e na qual publicaram renomados nomes nacionais e internacionais. Atualmente, dirige o projeto de pesquisa Direito, Cultura e Civilizaes, inaugurando no cenrio nacional uma pesquisa que procura discutir o novo panorama mundial de embate de civilizaes e o contexto cultural de desenvolvimento do Direito ocidental face s experincias ticas de outros povos. Esta Histria do Estado de Direito, que vem finalmente a pblico, fruto de intensas pesquisas com as quais o autor obteve, no ano de 2002, seu grau de doutor junto ao Programa de Ps-Graduao em Direito da ufmg. Profundamente revisada e atualizada, ela apresentada a estudantes e professores como um suporte fundamental para o estudo do Estado moderno e dos Direitos fundamentais. Trata-se de um indito panorama que apresenta os trs momentos de formao do Estado moderno atravs do movimento pendular que se alterna entre as foras antagnicas da liberdade e do poder. Mais do que uma simples descrio histrica dos eventos e dos institutos jurdicos, o que se faz uma histria do conceito e dos significados do Estado, considerando o plano das idias e dos valores que o forjou, mas sem perder de vista as conjunturas sociais e culturais que o produziram. Em cada momento do Estado de Direito Estado Liberal, Estado Social e Estado Democrtico conjugam-se os seus respectivos fundamentos sociolgicos e axiolgicos com a estrutura jurdica que deles resulta. Com isso, o Professor Horta oferece-nos um extenso repertrio de fatos e conceitos que nos explicam o desenvolvimento do Estado contemporneo. Trata-se de uma histria da formao do conceito do Estado,

Jos Luiz Borges Horta

|15

que considera o embate e a contradio de idias e valores no seio do processo histrico da vida poltica e jurdica que o engendra. Conforme prope o autor, trata-se de examinar a estrutura jurdica de cada momento do Estado de Direito enquanto resposta dos valores afirmados em face dos fatos histricos. Nesse sentido, Jos Luiz Borges Horta, em sua Histria do Estado de Direito, nos apresenta um rico panorama delineado no s a partir de circunstncias histricas, mas do contexto espiritual, situando cada momento do Estado moderno no plano axiolgico geral do seu alvorecer e, ainda, no seu plano jurdico particular. Em cada um dos momentos do Estado de Direito, aps o exame dos fatos e dos valores, passa-se a uma anlise exaustiva das principais correntes jurdicas, do movimento constitucionalista e das geraes de direitos fundamentais. Trata-se, pois, de uma obra de grande utilidade para estudantes e pesquisadores, que passam a dispor de um excelente guia para melhor compreender o Estado de Direito e os Direitos fundamentais em seu desenvolver histrico. Prof. Dr. Antonio Carlos Wolkmer Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina

Palavras iniciais

A ttulo de prlogo, registro meus mais sinceros agradecimentos queles que contriburam diretamente para a construo deste trabalho, originalmente defendido (em 2002) como Tese do Doutorado em Filosofia do Direito junto Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, mas enriquecido, nos anos que se seguiram, pelo debate frutuoso que o magistrio e a Academia nos permitem. Este texto deve ser considerado como um tributo liderana intelectual de Joaquim Carlos Salgado, que orientou a tese original e inspira, preenchendo de sentido tico, a Escola Jusfilosfica mineira. Naquela ocasio, sem a presena criativa e luminosa de Marcelo Maciel Ramos e Saulo de Oliveira Pinto Coelho, ento acadmicos, depois doutorandos sob nossa orientao, no teria sido possvel conceber e produzir a tese afinal defendida. Aos dois, minha terna e infinita homenagem de gratido. Concorreram para a elaborao da tese original, de mltiplas formas e entre tantos, Elza Maria Miranda Afonso, Antnio lvares da Silva, Marlene Franklin Alves (Univale), Roberto Luiz Silva (Escola Superior de Advocacia), Renato Amaral Braga da Rocha (Ministrio da Educao), Mari A. Brochado Ferreira, Daniela Muradas Reis, Gionete Evangelista da Conceio, Maria Elisa Americano do Sul Barcellos, Jos Leonardo Aguiar, Lzaro Henrique Romio, Ricardo Machado Rocha e Odyr Barreira Neto, alm dos meus pais, Walkyrio Horta (in memoriam) e Divina Apparecida Marques Borges, de Alice Ferreira Pio e da sempre presente Maria Marques (in memoriam), doce av que me trouxe o exemplo de amor e o legado da devoo a So Judas Tadeu.

18|

Histria do Estado de Direito A reconstruo do texto, para sua publicao, deve-se a uma confluncia de fato-

res e pensadores, amigos e interlocutores. Nelson Nogueira Saldanha, gigante da Universidade Federal de Pernambuco, e os mineiros Pedro Paulo Christvam dos Santos, decano do Curso de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto, Arthur J. Almeida Diniz e Aloizio Gonzaga de Andrade Arajo examinaram o trabalho, em pertinentes argies em muitas formas presentes na verso enfim publicada. Maria Helena Damasceno e Silva Megale tantas portas me abriu na ufmg que tive o auxlio da Pr-Reitoria de Pesquisa em seu Programa de Auxlio Pesquisa dos Recm-Doutores, que propiciou infraestrutura ao nosso Gabinete de Pesquisa e da Pr-Reitoria de Graduao em seu Programa de Bolsas de Graduao. A Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais (fapemig) agregou s nossas atividades um importante grant, na via do Programa Pesquisador Mineiro. A fapemig, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (cnpq) e a Fundao Professor Valle Ferreira tm me permitido agregar equipe de pesquisa grandes colaboradores, com suas bolsas de iniciao cientfica. De modo especial, agradeo a Bruno Nogueira de Carvalho e a Hermano Martins Domingues, primeiros colaboradores a se engajarem na dura tarefa de rever o texto, e a Gabriel Lago de Souza Barroso, que tanto me ajuda e ilumina. Esse texto revisto e publicado, antes de mais nada, para que meus orientandos e colaboradores possam nele encontrar abrigo: para Marcelo, Saulo, Bruno, Hermano, Gabriel, mas tambm para Karine Salgado, lder Miranda-Costa, Morton Luiz Faria de Medeiros, Paulo Roberto Cardoso, Felipe Magalhes Bambirra, Daniel Cabaleiro Saldanha, Jos de Magalhes Campos Ambrsio e Joo Paulo Medeiros Arajo. Se o trabalho vem a lume, anos depois de defendido, deve-se sensibilidade da casa editorial que o acolhe e a um ltimo mas no menos importante fator: a presena balsmica, radiante e inspiradora de Emanuel Figueiredo. Meu carinhoso beijo, a todos; espero que possam se orgulhar do texto, ao menos parte do quanto me orgulho de poder contar com vocs. Belo Horizonte, vero de 2009 Jos Luiz Borges Horta

capitulo i

A Histria e o Estado

fortuna imper atrix mundi O For tuna, velut luna statu var iabili s, s emper cres ci s aut decres ci s

[fortuna, imperatriz do mundo Fortuna, s como a Lua mutvel, sempre aumentais e diminuis] [C ar mina burana ]

1. O pndulo da Histria do Estado

Pensamos na Histria do Direito no como a estril e cansativa descrio do advento e do desenvolvimento de institutos jurdicos, de resto temrio vasto e frutuoso que abre os apetites dos publicistas, privatistas e processualistas (ou seja, dos cientistas do Direito), mas como a compreenso a um tempo construtora e a outro reconstrutora do universo cultural de que emerge a ordenao jurdica da vida humana1. , portanto, o locus privilegiado da reflexo totalizante, sinttica, a englobar toda a pliade de elementos (fticos e normativos, de modo mais imediato, mas sobretudo, com olhos mais penetrantes, axiolgicos) na evidente contradio do plano da cultura. Ora, se pleno de conflitos o orbe cultural, ento a Histria do Direito muito mais uma Filosofia que uma cincia, na medida em que cuida essencialmente dos antagonismos axiolgicos e dos conflitos ideolgicos (de justificao, diro os auto-intitulados ps-modernos) que, em nossa seara, informam e traduzem a complexa face do jurdico. A Histria do Direito , assim, sntese, e no anlise; antropolgica, no sociolgica; filosfica, no cientfica; poltica, no tcnica; axiolgica, no epistemolgica.1 Tragamos conosco a preciosa lio de Ricardo Marcelo Fonseca: Essa qualidade histrica do fenmeno jurdico, que a liga de modo direto com os valores da sociedade e com as razes histricas que nela pulsam, que possibilitam tematizar uma cultura jurdica, essencialmente histrica e correlacionada s vicissitudes do tempo e do lugar onde ela se manifesta. Fonseca, Ricardo Marcelo. Os juristas e a cultura jurdica brasileira na segunda metade do sculo xix. Quaderni Fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno, Milano, Giuffr, n. 35, 2006, p. 343. O autor integra, ao lado de jushistoriadores de projeo internacional, a seo Hacia un marco metodolgico-conceptual de la cultura jurdica da instigante coletnea Narvez H., Jos Ramn, Rabasa Gamboa, Emilio (coord). Problemas actuales de la Historia del Derecho en Mxico. Mxico: Editorial Porra / Tecnolgico de Monterrey, 2007, p. 1-124.

22|

Histria do Estado de Direito

Por isso, a Histria do Direito , seno fundamentalmente, uma Histria do Estado, tomado este como a realidade cultural de que aquele emerge. Propomos uma Histria do Direito e do Estado construda com forte cores filosficas. assim que a Histria do Direito pode deixar o campo meramente instrumental e atingir o plano central o corao, diramos de uma Filosofia do Direito e do Estado. Nietzsche, com genial inspirao, chamou a ateno do Ocidente para a existncia de duas vertentes da alma humana, que pretendeu representar nas figuras mitolgicas dos deuses Apolo e Dionsio2: Apolo representa o lado luminoso da existncia, o impulso para gerar as formas puras, a majestade dos traos, a preciso das linhas e limites, a nobreza das figuras. Ele o deus do princpio da individuao, da sobriedade, da temperana, da justa medida, o deus do sonho das belas vises. Dionsio, por sua vez, simboliza o fundo tenebroso e informe, a desmedida, a destruio de toda figura determinada e a transgresso de todos os limites, o xtase da embriaguez3. Um assegura ponderao e domnio de si; o outro envolve pelo excesso e vertigem4; pensamos no esprito dionisaco como fora viva, e no esprito apolneo como razo, medida, ordem, equilbrio. O poder de Dionsio; a liberdade, de Apolo: A histria do pensamento ocidental um embate entre a liberdade e o poder5. Identificamos na histria ocidental uma tenso permanente entre a matria em dionisaca ebulio e a forma apolineamente forjada. O mundo grego, assim, legounos o olhar sobre o poder, a plis, a democracia; j Roma, com o poderoso racionalismo estico (apolneo), descobre a pessoa e o direito. O medievo, alienao do Esprito, todo ele dionisaco, soturno, imerso em trevas das quais emerge o poder absoluto da Igreja, e a seguir o absolutismo do Estado Moderno. O Estado liberal de Direito a reao do apolneo, com a formalizao das liberdades e o cerceamento do poder; o Estado social o retorno dionisaco, e por vezes barrocamente contraditrio, do poder, ora mais, ora menos embriagado de si.2 Nietzsche, Friedrich Wilhelm. O nascimento da tragdia do esprito da msica. In: Obras incompletas. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. 4. ed. v. i. So Paulo: Nova Cultural, 1987. (Os pensadores). 3 Giacoia Jnior, Oswaldo. Nietzsche. So Paulo: Publifolha, 2000, p. 34. 4 Marton, Scarlet. Por uma filosofia dionisaca. Kriterion, Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais, n. 89, jul. 1994, p. 10. 5 Salgado, Joaquim Carlos. O Estado tico e o Estado Poitico. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 27, n. 2, abr./jun. 1998, p. 9.

Jos Luiz Borges Horta

|23

Para onde oscilar o pndulo da histria? Ser o Estado democrtico de Direito a sntese, j em Nietzsche ansiada, das foras e desejos que movem o homem e seu mundo? Como nos Carmina Burana, que Carl Orff musicou em 1937 a partir de textos poticos annimos do sc. xiii redigidos em latim, antigo alemo e antigo francs6, a fortuna nos espreita, a todo tempo. Surge majestosa ao abrir da cantata, mas retorna, ao final. a irresistvel fora do destino, representada na mstica da Roda da Fortuna, em permanente movimento, elevando uns, submergindo outros. E o destino que nos permite viver no Estado, que, para Hegel, a razo na terra7, e s nele o homem livre8: O Estado no feito, ele vem a ser e, longe de resultar da deciso de vontades individuais conscientes, em seu devir que estas podem desenvolver-se9. assim que, na perspectiva hegeliana, fora do Estado, o homem estar fora da sua essncia10, j que o Estado a realizao da liberdade concreta. Fora dele o mundo selvagem11. Vivemos o renascer da barbrie, muitas vezes perpetrada com a fora do prprio Estado, mas sem dvida imperante na fragilidade do Estado de Direito, que urge evitar: No h nenhum modo de triunfar sobre o caos, seno a conjugao de esforos na construo do Estado da plenitude humana: Hegel espera agora do movimento da histria a realizao do desejo humano de liberdade12. Cabe-nos escolher se pretendemos ser os arautos do apocalipse humano na fragmentao total da sociedade, ou os evangelistas do futuro libertrio, igualitrio e fraterno dos ideais de sempre: Seremos uma repblica de cidados quando formos uma nao de profetas13.6 Pahlen, Kurt. A pera. Trad. Aldo della Nina. So Paulo: Boa Leitura, [s.d.], p. 396. V. tb. Della Corte, A., Pannain, G. Historia de la Msica. T. iii. 2. ed. Barcelona: Labor, 1965, p. 1747. 7 Hyppolite, Jean. Introduo Filosofia da Histria de Hegel. Trad. Jos Marcos Lima. Rio de Janeiro, Lisboa: Elfos, Edies 70, 1995, p. 95. 8 Hyppolite, Introduo ..., cit, p. 107. 9 Bourgeois, Bernard. O pensamento poltico de Hegel. Trad. Paulo Neves da Silva. So Leopoldo: Unisinos, 2000, p. 93. 10 Salgado, Joaquim Carlos. A Idia de Justia em Hegel. So Paulo: Loyola, 1996, p. 402. 11 Salgado, A Idia de Justia em Hegel, cit., p. 412. 12 Bourgeois, O pensamento ..., cit., p. 67. 13 Unger, Roberto Mangabeira. A Alternativa Transformadora; como democratizar o Brasil. Rio de Ja-

24|

Histria do Estado de Direito A leitura histrica que apresentamos a seguir contempornea de si mesma.

O autor participante de um mundo em marcha, e portanto no possui qualquer distanciamento cientfico do objeto analisado; ao contrrio, se escreve uma Histria do Estado de Direito (no a, mas uma), por pretender somar-se ao esforo dos intelectuais hodiernos para compreender o mundo e, em o compreendendo, concorrer para sua suprassuno no futuro (tambm ele) em construo, e superar a falsa dicotomia proposta em Marx e Engels na 11 Tese sobre Feuerbach (xi - Os filsofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa transform-lo14). S possvel transformar o mundo trazendo-o ao plano da compreenso, e a compreenso, como a Hermenutica Filosfica15 nos ensina, no se faz apartada do universo simblico do autor. Segue-se, portanto, nossa profisso de f no Estado, manifestado na mais elevada obra ocidental: o Estado de Direito16.

neiro: Guanabara Koogan, 1990, p. 399. 14 Marx, Karl, Engels, Friedrich. A Ideologia Alem; Feuerbach. Trad. Jos Carlos Bruni, Marco Aurlio Nogueira. 2. ed. So Paulo: Livraria Editora Cincias Humanas, 1979, p. 14. 15 Para uma iniciao hermenutica filosfica e sua riqueza, v. Grondin, Jean. Introduo Hermenutica Filosfica. Trad. Benno Dischinger. So Leopoldo: EdUnisinos, 1999. 16 Se verdade que Hegel pretendeu compr, em seu sistema filosfico, tanto os eflvios do racionalismo iluminista quanto os do romantismo alemo, o presente texto pertence a uma via (ou a um tempo) de reflexo talvez ainda muito afeta ao legado iluminista. Para o texto e para o autor, ao menos ao tempo da redao original do trabalho, a tarefa revolucionria ainda estava por consolidar-se, no sentido mesmo das reflexes de Grossi, Paolo. Mitologias jurdicas da modernidade. Trad. Arno Dal Ri Jnior. 2. ed. Florianpolis: Boiteux, 2007.

2. Do Estado ideal ao Estado histrico: essncia e existncia do Estado

Pensar o Estado como objeto de conhecimento implica aceitar por tema central o problema de sua conceituao1; como todo conceito em matria filosfica, o Estado pode ser tomado em duas grandes dimenses2: a ideal, ou puramente conceitual, e a emprica, ou real. A partir de Plato, com a pertinente construo do mundo das idias, toma corpo a meta grega de buscar na natureza as respostas para as grandes aporias da humanidade. Enganam-se, contudo, os que presumem que o mundo das idias, tal como concebido originariamente, integra o plano do Esprito: O mundo das idias platnico natural, como o fora o logos de Herclito, apreensvel pela razo, e as idias ali presentes permanecem universalmente, no espao e no tempo.1 Lourival Vilanova reala a importncia epistemolgica do conceito de Estado; cf. Vilanova, Lourival. O problema do objeto da Teoria Geral do Estado. Recife: Faculdade de Direito da Universidade do Recife [Universidade Federal de Pernambuco], 1953, p. 61. (Tese, Ctedra de Teoria Geral do Estado). 2 Danilo Marcondes, comentando o clebre afresco de Rafael Sanzio, A Escola de Atenas, anota a recorrente diviso da Filosofia Ocidental entre legatrios de Plato e de Aristteles: o afresco [pintado em 1510 no Vaticano para o papa Julio ii] rene os mais importantes filsofos gregos da Antigidade, tendo ao centro as figuras de Plato, que aponta para o alto e segura o texto do Timeu, e de Aristteles que aponta para o cho e tem em suas mos a tica. Os filsofos e sbios se dividem em dois grupos que representam, por um lado, a tendncia abstrao e espiritualidade, Pitgoras e Parmnides, p.ex. prximos a Plato, e da esttua de Apolo; e por outro lado, os que representam o interesse pelas coisas prticas e pela cincia natural, p.ex. Euclides e Cludio Ptolomeu, prximos a Aristteles. [Cf. Marcondes, Danilo. Iniciao Histria da Filosofia; dos pr-socrticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p. 144]. De fato, talvez somente apaream como pensadores de sntese os idealistas alemes, como se ver, inclusive, neste captulo.

26|

Histria do Estado de Direito Igualmente naturalstica a perspectiva de Aristteles, que, porm, em leitura

empirista, somente aceitar o dado a ser conhecido se identificado no plano da realidade: a existncia do objeto condio para sua inteligibilidade. Com Aristteles e seus legatrios, a investigao da realidade contrape-se, vigorosamente, metafsica idealstica, socrtico-platnica. Entre uma e outra vertente, paira o estudioso: Que Estado pode interessar ao terico? Qual o objeto de uma Filosofia do Estado? Ao falarmos em Estado, que afinal deve ser tratado como central: a idia de Estado ou o Estado concreto? Como tantos, Dalmo Dallari, aceitando a existncia do Estado como uma constante no curso do tempo, fala em formas fundamentais que o estado tem adotado atravs dos sculos3: Estado antigo, Estado grego, Estado romano, Estado medieval etc. Aloizio Andrade, em contrapartida, questiona a afirmativa de que o direito e o estado so conseqentemente objetos culturais desde sempre existentes na vida social4, e afirma, com Manuel Garcia Pelayo e Carl Schmitt, que o Estado um conceito histrico, que surge com a idia e a prtica da soberania, a partir do sculo xvi5. Antnio Carlos Wolkmer, em perspectiva claramente inspirada em Herman Heller6 mas marcada pelas categorias marxianas, ao rejeitar a universalidade da Teoria do Estado, parece causticamente afastar a universalidade da prpria idia de Estado, ao afirmar que concepes reducionistas [...] induzem crena de uma teoria geral e universal do Estado ao longo dos tempos [...] Ora, o Estado, enquanto fenmeno histrico de dominao, apresenta originalidade, desenvolvimento e caractersticas prprias para cada momento histrico e para cada modo de produo7.3 Dallari, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 17. ed. So Paulo: Saraiva, 1993, p. 51 et. seq. 4 Andrade Arajo, Aloizio Gonzaga de. O Direito e o Estado como estruturas e sistemas; um contributo Teoria Geral do Direito e do Estado. Belo Horizonte: Movimento Editorial da Faculdade de Direito da ufmg, 2005, p. 21. 5 Andrade Arajo, O Direito..., cit., p. 34. Cf. tb. Quinto Soares, Mrio Lcio. Teoria do Estado; o substrato clssico e os novos paradigmas como pr-compreenso para o Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 120. 6 Segundo o grande constitucionalista alemo, no se poderia falar numa Teoria geral do Estado, universal e atemporal, mas sim numa Teoria do Estado especfica para a vida estatal que se nos rodeia. Cf. Heller, Hermann. Teora del Estado. Edio e prlogo de Gerhart Niemeyer. Trad. Luis Tobo. Mxico: Fondo de Cultura Econmica, 1992, p. 19. 7 Wolkmer, Antnio Carlos. Elementos para uma crtica do Estado. Porto Alegre: Fabris, 1990, p. 21.

Jos Luiz Borges Horta

|27

Joo Maurcio Adeodato, por sua vez, critica a pretenso de estender a todos os Estados o modelo jurdico de Estado Moderno eurocentrado8. Assistem, portanto, slidos argumentos a ambas as correntes, aqui brevemente exemplificados; no entanto, tomar qualquer uma delas importa em abandonar o exame do Estado em sua totalidade. Cumpre descobrir alternativas para compreender o Estado abstrato, fruto do pensar, e o Estado concreto, decorrncia da vida. Assim, Hegel reconhece uma tenso entre o Estado ideal e os estados reais9, introduzindo, conforme acentua Jean Hyppolite10, conceitos-chave na tentativa de compreenso da oposio entre natureza e positividade e, bem assim, entre Razo e Histria. No sistema hegeliano, aparece a ntida oposio, que urge ultrapassar, entre o natural, apreensvel pela racionalidade, e o construdo no plano real (o posto ou positivo, apresentado ao exame emprico). Esse contraste, e.g. na anlise das teses contratualistas, leva Hegel a contundentes crticas ao jusnaturalismo abstrato11 e a seus fautores. Afirma Hyppolite: Em resumo, o Estado ope-se natureza. Ora, precisamente esta oposio que Hegel pretende transcender12. preciosa, nesse sentido, a lio de Joaquim Carlos Salgado: O Estado no , portanto, nem a realidade emprica, situado no mundo da contingncia histrica, nem o Estado ideal [...] existente to-s na mente subjetiva como projeo ideal no futuro13. Em Hegel, o Estado idia, mas idia manifesta na Histria. O tema central da filosofia hegeliana a Histria14, tomada como espao privilegiado de manifestao do Esprito, do Absoluto. Lembra Hyppolite que, em qualquer Estado real, h j a idia do Estado15, de vez que a idia do Estado [...] permanece imanente a todas as realizaes histricas16.8 Adeodato, Joo Maurcio. Filosofia do Direito; uma crtica verdade na tica e na cincia, atravs de um exame da ontologia de Nicolai Hartmann. So Paulo: Saraiva, 1996, p. 8. 9 Bourgeois, O pensamento..., cit., p. 90. 10 Hyppolite, Introduo..., cit.., p. 35 et. seq. 11 Hyppolite, Introduo ..., cit, p. 57 et. seq.; Salgado, A Idia de Justia em Hegel., cit., p. 342 et. seq. 12 Hyppolite, Introduo ..., cit, p. 67. 13 Salgado, A Idia de Justia em Hegel, cit., p. 405. 14 Para uma percepo do papel da histria no pensamento hegeliano, uma boa indicao talvez seja recorrer fonte: Hegel, G. W. F. Filosofia da Histria. 2 ed. Braslia: EdUnB, 1999. 15 Hyppolite, Introduo ..., cit, p. 77. 16 Hyppolite, Introduo ..., cit, p. 79.

28|

Histria do Estado de Direito Na Histria, o Estado pode manifestar-se, no somente como uma conseqncia

de fatores antropolgicos, como talvez quisessem Lawrence Krader17 e Carlos Campos18, mas como e eis o ponto o destino19 da humanidade: O Estado o fim ltimo do indivduo e o indivduo fim ltimo do Estado20. A idia essncia manifestada na Histria. O evolver histrico permite, assim, a concretizao da essncia da essncia: manifestar-se. Alis, j que o Estado se impe como destino humano e elemento basilar do mundo cultural, podemos afirmar, com Salgado: A histria [...] a histria do Esprito, vale dizer, a histria a histria do Estado21. Assim, as idias de direito e de Estado existem desde sempre; manifestam-se, nos termos possveis, desde a Antigidade. Podemos ento aceitar que, desde que o homem abandona o nomadismo e pretende fixar-se em um territrio, ali estabelecendo uma comunidade e um modo de produo que possibilite atender s suas necessidades22, ele espontaneamente caminha para obter um mnimo de estabilidade. , talvez, o Estado em germinao, que no mundo grego atinge a bela totalidade registrada por Hegel23 e no evolver do Ocidente a permanente promessa do Estado Moderno. Interessa-nos, enfim, perquirir o Estado histrico, fruto da conjuno de elementos abstratos e concretos, soma do ideal de Estado e de sua realidade histrica, decorrente dos imperativos racionais, mas presente no devir dos povos.

17 Krader, Lawrence. A formao do Estado. Trad. Regina Lcia M. Morel. Rio de Janeiro: Zahar, 1970. 18 Campos, Carlos lvares da Silva. Sociologia e Filosofia do Direito. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p. 113-121. 19 Cf. Hyppolite, Introduo ..., cit, p. 43; e Bourgeois, O pensamento ..., cit., p. 23. 20 Salgado, A Idia de Justia em Hegel, cit., p. 421. 21 Salgado, A Idia de Justia em Hegel, cit., p. 396. 22 Miracy Gustin diligentemente estuda a temtica das necessidades humanas em tese de doutoramento, tradicionalmente consideradas sob quatro aspectos: sobrevivncia, integrao societria, identidade pessoal, maximizao de competncias [cf. Gustin, Miracy Barbosa de Sousa. Das necessidades humanas aos direitos; ensaio de Sociologia e Filosofia do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 23-4]. A autora afirma, no entanto, a autonomia como necessidade bsica e universal [Gustin, Das necessidades..., cit., p. 30 et seq.] 23 Cf. Hyppolite, Introduo ..., cit, p. 78; e Bourgeois, O pensamento ..., cit., p. 41.

3. O Estado de Direito, do logos ao topos

Se podemos aceitar a presena do Estado antes da Modernidade, imperativo, no entanto, frisar que, dentre as diversas manifestaes verificadas no curso dos milnios, aquela que mais se aproxima (ou mais pode se aproximar) da idia de Estado, sem dvida o chamado Estado Moderno, cuja fora reconhecida universalmente. A mais que abalizada voz de Cabral de Moncada conceitua: Aquilo a que hoje, desde Machiavel, chamamos Estado, lo stato, o Estado moderno nacional e soberano preciso notar no seno uma dessas formas ou figuras da vida poltica.

30|

Histria do Estado de Direito

Sabe-se como esse Estado foi sendo forjado, pouco a pouco, na Europa ocidental, a partir de fins da Idade-Mdia, e sobretudo como se robusteceu para c do Renascimento. [...] o Estado moderno [...] apenas um grau mais adiantado numa escala de formas polticas1. Jos Pedro Galvo de Sousa, e.g., aceita falar em estado antigo e em estado moderno, mas questiona a identificao de estado medieval: Entre o Estado centralizador, que fra o Imprio de Roma, e os estados nacionais modernos, nascidos sob o signo do poder absoluto e da centralizao, a sociedade poltica medieval oferece um exemplo mpar de sociedade descentralizada diante da qual no teria sentido uma teoria do Estado, no sentido comumente dado a esta expresso2. As razes do Estado Moderno, segundo sua perspectiva, estendem-se at a Idade Mdia, com Marslio de Pdua e sua invocao paz: A preocupao de Marslio [...] era o restabelecimento da segurana interna nas cidades italianas, e de suas liberdades, numa vida tranqila que permitisse aos seus habitantes dedicarem-se despreocupadamente aos afazeres de cada dia. E isso s seria possvel mediante a ao enrgica de uma autoridade ordenadora e pacificadora, removidos os obstculos paz 3. Podemos, de fato, identificar em tal apelo ordem o ponto inicial de uma interessante via de pensamento que, passando por Maquiavel, Bodin e Hobbes, acaba por consolidar uma nova ordem poltica4. Desde o nascedouro, o Estado Moderno identificado mediante um elemento formal que se apresenta essencial sua identificao: a soberania5. Leciona Nelson Sal1 Moncada, L. Cabral de. Do conceito e essncia do poltico. Revista Brasileira de Estudos Polticos, Belo Horizonte, ufmg, n. 30, jan. 1971, p. 8-9. 2 Sousa, Jos Pedro Galvo de. O totalitarismo nas origens da moderna Teoria do Estado; um estudo sobre o Defensor Pacis de Marslio de Pdua. So Paulo: Saraiva, 1972, p. 26. 3 Sousa, O totalitarismo..., cit., p. 150. 4 Sousa, O totalitarismo..., cit., p. 83. 5 F. A. Freiherr von der Heydte aponta como primeiros estados do Ocidente a Inglaterra de Henrique ii Plantageneta (1154-89), a Frana de So Lus ix (1226-1270), a Siclia de Frederico ii Hohenstafen (1212-1250) e a Castela de Fernando, o Santo (1217-1252) e seu sucessor, Afonso, o Sbio (1252-1258) [Die Geburtsstunde des souvernen Staates, p. 54-5, apud Sousa, O totalitarismo..., cit., p. 61], estados nacionais integrantes de um padro que ento emergia na Europa e inspiraria o Estado moderno [Strayer, J.R. The medieval origins of the modern State, p. 12, apud Sousa, loc. cit.]. Galvo de Sousa acrescenta, com toda razo, a primognita

Jos Luiz Borges Horta

|31

danha: O Estado moderno, como se sabe, havia nascido em termos absolutistas: a superao das antinomias feudais se deu com a concentrao do poder e com o robustecimento das dinastias 6. A soberania traduz-se na propriedade central do Estado, desde a Modernidade; a partir de ento, somente as comunidades polticas cujas ordens normativas no devam validade a nenhuma ordem superior sero reconhecidas como estados. Na formulao clssica relativizada pelos tericos que a seguiram de Jean Bodin, a soberania o poder absoluto e perptuo de uma repblica7. O ponto central da soberania parece ser a temtica da construo da ordem normativa a que devem respeito o povo (soberania no plano interno) e os demais povos (soberania no plano internacional). Paulo Bonavides8 inspira-nos um jogo de preposies: soberania do Estado frente aos iguais9, exercida no Estado sob as demais ordens sociais. (E Reale caracteriza a soberania como sntese de independncia e de supremacia10.) Tal vontade suprema e soberana suprema potestas deflui, segundo Bonavides, do papel privilegiado do Estado como ordenamento poltico monopolizador da coao incondicionada11. Em Direito e Coero12, Edgar da Matta-Machado exaustivamentePortugal de Afonso I (1128-1185). Como percebemos desde a reflexo de Manuel Garcia-Pelayo [GarciaPelayo, Manuel. Frederico ii de Subia e o Nascimento do Estado Moderno. Trad. Amilcar de Castro. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Estudos Polticos, 1961], comum na doutrina o elogio Siclia de Frederico ii de Subia como o grande marco do aparecimento do estado moderno; Burckhardt considera Frederico ii o primeiro homem moderno que subiu a um trono [Burckhardt, J. Die Kultur der Renaissance in Italien, p. 13, apud Sousa, O totalitarismo..., cit., p. 64]. Poderamos discutir a existncia de algo como uma soberania rudimentar, presente em qualquer comunidade. Reale, no entanto, adverte com firmeza contra o erro muito comum de pensar que soberania seja o poder mais alto existente por natural necessidade em toda e qualquer convivncia humana [...] O aforismo ubi societas, ibi supremitas apenas o dado inicial do problema tcnico da soberania [Reale, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5. ed. So Paulo: Saraiva, 2000, p. 132]. 6 Saldanha, Nelson. O Estado moderno e o constitucionalismo. So Paulo: Buchatsky, 1976, p. 63. 7 Bodin, Jean. Los seis libros de la Repblica. Trad. Pedro Brava Gala. 2. ed. Madrid: Tecnos, 1992, p. 47. 8 Bonavides, Paulo. Cincia Poltica. 10. ed. So Paulo: Malheiros, 2001, p. 126. 9 Lembra Miguel Reale a clebre formulao de Ruy Barbosa, em Haia, estabelecendo o princpio da igualdade dos Estados soberanos. [Reale, Teoria do Direito..., cit., p. 195]. 10 Reale, Teoria do Direito..., cit., p. 202. 11 Bonavides, Cincia Poltica, cit., p. 123. 12 Trata-se de tese de Ctedra, excepcionalmente bem construda, em que Matta-Machado prope no somente uma Filosofia da Coero como uma Sociologia da Coero, tomada a coero como um el-

32|

Histria do Estado de Direito

analisa a conexo do Direito com o Estado titular do monoplio da coero, com o fito de, como bom tomista, afastar do Direito tanto a coercitividade quanto a estatalidade; no afasta do Estado, no entanto, a fora que caracteriza sua presena histrica. A partir de Joaquim Carlos Salgado13, podemos afirmar que poder o atributo mediante o qual uma vontade condiciona outras vontades; isso se d mediante consentimento, atravs da coero legitimada pela ordem jurdica ou por meio de violncia coativa (ilegal). Assim, o Estado o seu poder; sem essa caracterstica essa coercitividade que transfere ao seu ordenamento jurdico definitivamente no podemos falar em Estado. Leciona Gerson Boson, comentando Jellinek: O Estado , pois, assim, a associao maior de finalidades constantes, a organizao mais perfeita e inteligvel, j que dentro de si mesma encerra todas as demais associaes e constitui a unidade social mais forte e necessria14. A questo da formulao da positividade jurdica j surge em Bodin, como sublinha Miguel Reale: No amanhecer do Estado Moderno, esse esprito penetrante que foi Jean Bodin tocou em um elemento capital do problema jurdico do Estado quando escreveu que a marca diferenciadora da soberania nos dada pelo poder de legislar15. A necessidade de vincular Estado e Direito em forma essencial, de que nos fala Portillo y Pacheco16, marca caracterstica de significativa parcela de doutrinadores que, desde Bodin, secularizaram o Direito, acabando por submeter sua validade17 noemento acidental do Direito. A verso original de 1956: Matta-Machado, Edgar de Godi da. Direito e Coero. Belo Horizonte: ed. A, 1956. [ com base em Matta-Machado que afastamos a indevida sinonmia entre coero e coao; cf. Matta-Machado, Direito e Coero, cit., p. 11 et seq.]. mesma corrente de no coercitivistas de fundo jusnaturalstico associa-se Arnaldo Vasconcelos, para quem a coercitividade apenas uma pseudocaracterstica da norma jurdica: Vasconcelos, Arnaldo. Teoria Geral do Direito. V 1: Teoria da Norma Jurdica. 3. ed. So Paulo: Malheiros, 1993, p. 141-3. 13 Salgado toma o poder, no como impulso, mas como vontade determinante, dirigida racionalmente, e [...] esse poder se garante pela fora (para determinar a vontade do outro com sua aceitao). Salgado, O Estado tico e o Estado Poitico, op. cit., p. 38. 14 Boson, Gerson de Britto Mello. Filosofia do Direito; interpretao antropolgica. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p.228-9. 15 Reale, Teoria do Direito..., cit., p. 204-5. 16 Portillo Y Pacheco, Jos Lopes. Gnesis y teoria general del estado moderno. Mxico: Porra, 1949, p. 658. 17 O inspirado trabalho de Alexandre Travessoni Gomes O fundamento de validade do Direito dividido em trs partes: validade material (at Kant), validade transcendental (Kant) e validade formal (cujo extremo , evidentemente, Kelsen). V. Travessoni-Gomes, Alexandre. O fundamento de validade do Direito; Kant e Kelsen. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000.

Jos Luiz Borges Horta a dados metafsicos, mas fora simblica do Estado.

|33

Em outras palavras, afirma Miguel Reale: A soberania no seno o poder que tem o Estado de decidir em ltima instncia sobre a positividade do Direito, declarando e atualizando o seu direito objetivo18. E, mais adiante: Todas as definies de soberania, dadas pelos que aceitam a tese do Direito resultante do Estado, podem ser, em ltima anlise, reduzidas a esta: soberania o poder originrio e exclusivo de produzir Direito Positivo19. O Estado, tomado como soberania organizada20, emerge fulgurante na Modernidade, afirmando sua personalidade: O Estado surge quando um povo, alcanando certo grau de evoluo ou certo estdio de integrao social, se declara livre, afirma perante os outros povos a sua personalidade, e se prov de meios capazes de traduzir essa afirmao no domnio concreto dos fatos21. A questo da personalidade jurdica do Estado, tema tradicional das cincias jurdicas desde Laband e Jellinek22, aceita at mesmo por jusnaturalistas do porte de Jacques Maritain e Matta-Machado23, pode ser antevista na formulao originria de Maquiavel, como parece atestar Galvo de Souza: A palavra Estado, designando a sociedade poltica, cunhara-a Maquiavel, que se servia de igual vocbulo j conhecido dos romanos, como expresso da condio jurdica da pessoa24. Harold Laski, em ensaio dedicado relao estatalidade-religiosidade, vale-se de dados objetivos: A realidade da personalidade do Estado uma fora a que no podemos resistir25. Por sua vez, Reale sintetiza: O Estado Moderno [...] essencialmente [...] sobe18 Reale, Teoria do Direito..., cit., p. 204. Em outra passagem, menos preocupado com os aspectos jurdicos da questo, mas sem deles descurar, assim o autor refere-se soberania em dimenso poltica: Soberania o poder que tem uma Nao de organizar-se livremente e de fazer valer dentro de seu territrio a universalidade de suas decises para a realizao do bem comum [Ibid., p. 140]. 19 Reale, Teoria do Direito..., cit., p. 247. 20 Sampaio Dria, A. Problemas de direito pblico, So Paulo, 1919, p. 127, apud Reale, Teoria do Direito..., cit., p. 163. 21 Reale, Teoria do Direito..., cit., p. 145. 22 Cf. Dallari, Elementos..., cit., p. 103-7. 23 Matta-Machado, Edgar de Godi da. Elementos de Teoria Geral do Direito; introduo ao Direito. 3. ed. Belo Horizonte: ufmg, 1986, p. 315-24. 24 Sousa, O totalitarismo..., cit., p. 21. 25 Laski, Harold J. El problema de la Soberana. Trad. Armando Bazn. Buenos Aires: Siglo Veinte, [s.d.], p. 13.

34|

Histria do Estado de Direito

rano, como pessoa jurdica por excelncia26. Apenas a perspectiva da soberania, no entanto, parece pouco para compreender a totalidade tica que constitui o Estado: preciso preencher de contedo o poder do Estado. Chegamos, ento, aos elementos materiais do Estado e com eles ao verdadeiro objeto de nossos estudos: o Estado de Direito, cuja finalidade tica reside e deve residir na promoo dos direitos fundamentais. no mnimo controversa a origem da expresso Estado de Direito27. Manoel Gonalves Ferreira Filho acompanha Friedrich von Hayeck: A expresso Estado de Direito posterior sua esquematizao. devida a Welcker, aparecendo pela primeira vez em 181328. Em passagem mais detalhada, registra: A locuo Estado de Direito foi cunhada na Alemanha: o Rechtstaat. Aparece num livro de Welcker, publicado em 1813, no qual se distinguem trs tipos de governo: despotismo, teocracia e Rechtstaat. Igualmente foi na Alemanha que se desenvolveu, no plano filosfico e terico, a doutrina do Estado de Direito. Nas pegadas de Kant, Von Mohl e mais tarde Stahl lhe deram a feio definitiva29. O erudito Nelson Saldanha, no entanto, associa-se a Arturo Sampay (e Pablo Lucas Verd30): Ao que consta, a expresso Rechtstaat (Estado de Direito) surgiu com R. Von Mohl, que em 1832 publicou o volume inicial de sua obra Die Polizeiwissenschaft den Grundsaetzen des Rechtstaates (A cincia poltica baseada no Estado de Direito)31. No obstante, corrente nos crculos hegelianos, de Jean Hyppolite32 a Paulo Me26 Reale, Teoria do Direito..., cit., p. 202. 27 No obstante, como registra Antonio Enrique Perez Luo, exista um amplo acordo entre aqueles que tm abordado o estudo do Estado de Direito em sua dimenso histrica em marcar a origem moderna dessa idia na filosofia poltica de Immanuel Kant; cf. Perez Luo, Antonio Enrique. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitucin. 5. ed. Madrid: Tecnos, 1995, p. 214. 28 Ferreira Filho, Manoel Gonalves. Direitos Humanos Fundamentais. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1999, p. 2. 29 Ferreira Filho, Manoel Gonalves. Estado de Direito e Constituio. 2.ed. So Paulo: Saraiva, 1999, p. 5. Em sentido semelhante, v. Perez Luo, Derechos Humanos..., cit., p. 219. 30 Verd, Pablo Lucas. La lucha por el Estado de Derecho. Bolonia: Real Colegio de Espaa, 1975, p. 21. 31 Saldanha, O Estado moderno..., cit., p. 40. No mesmo sentido, v. Portillo Y Pacheco, Jos Lopes. Gnesis y teoria general del estado moderno. Mxico: Porra, 1949, p. 655. 32 Hegel, G.W.F. La phnomnologie de lesprit. Tome ii. Trad. Jean Hyppolite. Paris: ditions Montaigne, 1941, p. 44 (Hyppolite vale-se do termo tat du droit).

Jos Luiz Borges Horta

|35

neses33, a traduo da expresso Rechtszustand, utilizada por Hegel na Fenomenologia do Esprito34, de 1807, como Estado de Direito. interessante anotar o parentesco etimolgico entre staat e zustand, palavras alems de razes greco-latinas, onde aparece a partcula st, cuja carga semntica traduz exata e precisamente a idia de estabilidade35. Ora, descobrimos em Michelangelo Bovero que Hegel utiliza a expresso Rechtzustand em oposio a Naturzustand, nelas representando o estado civil contraposto ao estado natural, a situao jurdica, decorrente do ingresso na vida civil, apartada da situao natural de luta pelo reconhecimento36. Tratar-se-ia, assim, de estado jurdico, de situao de juridicidade; de certa forma, o Estado de Direito pode ser considerado construo etimolgica de Hegel, carregando em si o legado do filsofo: finalidade tica e destino histrico. Conforme anota Salgado37, em Hegel o Estado de Direito (e bem assim o Esprito) vive trs grandes momentos histricos. Aparece no mundo tico greco-romano (Esprito imediato), em que se tornam unas a vida privada e a vida pblica, o interesse individual e o interesse da plis, o cidado e o Estado; caminha para a Idade Mdia (o Esprito estranho a si mesmo), em que o Esprito se aliena do Homem, uma vez que o poder transferido a outro (Deus), o que acaba estimulando a construo, em Maquiavel, de um Estado tcnico, em anttese com o antigo Estado tico Imediato38; e, finalmente, a partir da Revoluo Francesa emerge o Esprito certo de si mesmo39 o Estado tico Mediato40, ou Estado de Direito propriamente dito, tomado no mais como momento abstrato, mas como efetiva encarnao do Esprito, e com pretenses de universalidade41, momento em que o Esprito consciente de si: o homem ps33 Hegel, G.W.F. Fenomenologia do Esprito. Parte ii. Trad. Paulo Meneses. 2. ed. Petrpolis: Vozes, 1993, p. 31. 34 Hegel, G.W.F. Phnomenologie ds Geistes. 2. ed. Frankfurt: Ullstein, 1973, p. 270. 35 Presente, e.g., nas palavras Estado, instituio, constituio, estico etc. 36 Bobbio, Norberto, Bovero, Michelangelo. Sociedade e Estado na Filosofia Poltica Moderna. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 4. ed. So Paulo: Brasiliense, 1994, p. 118-20. 37 Salgado, Joaquim Carlos. O Aparecimento do Estado na Fenomenologia do Esprito de Hegel. Revista da Faculdade de Direito, Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais, a. 24, n. 17, out. 1976, p. 184 et seq. 38 Salgado, O Estado tico..., op. cit., p. 49. 39 Salgado, O Aparecimento..., op. cit., p. 185. Cf. Hegel, Fenomenologia do Esprito, cit., p. 100 et. seq. 40 Salgado, O Estado tico..., op. cit., p. 50. 41 Salgado, O Aparecimento..., op. cit., p. 191.

36|

Histria do Estado de Direito

revolucionrio sabe de seu poder, agora recuperado, e se reconhece como livre. esse terceiro grande momento na histria do Estado e do Esprito que nos interessa investigar, no presente trabalho. A partir das revolues burguesas (na Inglaterra, em 1688, nos Estados Unidos, em 1776, e sobretudo na Frana, em 1789), o Ocidente passa por transformaes profundas: O mundo tomou, ento, conscincia de que uma democracia seria vivel a partir do homem comum, em que as nobrezas, reinados e classes dirigentes passariam a conviver com uma burguesia poderosa e enriquecida42. Para Salgado, o que caracteriza o Estado de Direito a partir da Revoluo Francesa a legitimidade43, aqui comparecendo menos como um dado emprico e mais como um gesto de respeito ao povo e nao. Ser legtimo o Estado que se estruture democraticamente, e ilegtimas sero as teocracias e autocracias a ele precedentes. A legitimao pretendida por Salgado ocorre em dois planos, a saber o plano tcnico legitimao pela origem no consentimento e o plano tico legitimao pela finalidade: os Direitos Fundamentais44. (Salgado conceber o Estado democrtico de Direito como a adequada sntese do elemento formal e tcnico, a democracia, com o elemento material, a consagrao de direitos.) Ora, se o Estado origina-se, como pretenderam os contratualistas desde Plato para quem os reis e os povos [...] juraram-se reciprocamente45 , de um consenso social, preciso que ele signifique um progresso tico para a sociedade. Isso somente se d quando o Estado assume verdadeiramente sua mais alta teleologia: eis o Estado de Direito ps-revolucionrio, cuja finalidade [...] volta a ser [como no perodo clssico] tica: a declarao e realizao dos direitos fundamentais46. O Estado de Direito , assim, a forma poltica que confere aos direitos fundamentais primazia axiolgica: no h norma jurdica mais importante que aquelas que, ao consagrarem direitos, tornam-se nucleares a todo o ordenamento jurdico. Anota Salgado: Estado de Direito no apenas o que garante a aplicao do direito privado, como no Estado romano, mas o que declara os direitos dos indivduos e estabelece a forma do

42 Martins, Ives Gandra da Silva. O Estado de Direito e o Direito do Estado. So Paulo: Bushatsky, 1977, p. 37. 43 Salgado, O Estado tico..., op. cit., p. 51. 44 Salgado, Joaquim Carlos. Instituies de Direito Pblico. Belo Horizonte: Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, 2000. (Disciplina ministrada em curso de especializao). 45 Plato, As leis, 684a, apud Bobbio, Bovero, Sociedade e Estado..., cit., p. 62. 46 Salgado, O Estado tico..., op. cit., p. 51 [Grifos nossos].

Jos Luiz Borges Horta exerccio do poder pelo povo47.

|37

Veja-se que o Estado de Direito no somente estabelece um fim tico, como constri um mtodo para atingi-lo. O Direito, bem como toda a tcnica jurdica, constitui o caminho mais adequado para a consecuo do ideal tico consubstanciado no Estado de Direito. Em Kant, pensador sntese de sua gnese, o comprometimento metodolgico do Estado com o Direito evidente: Um Estado (civitas) a unio de um conjunto de homens debaixo de leis jurdicas48. A compreenso da proteo do direito como finalidade suprema do Estado, de uma teleologia jurdica do Estado49, marca a Era das Revolues, como bem registra Manoel Gonalves Ferreira Filho: Assim, a primeira meta que visaram, na reformulao institucional realizada depois da vitria das respectivas revolues, foi estabelecer um governo de leis e no de homens, como est na Constituio de Massachusetts (art. 30)50. Emerge, assim, toda uma nova perspectiva de vida poltica, fundada, por um lado, em elementos materiais de grande nobreza os direitos fundamentais , e por outro, em sofisticadas tcnicas de estruturao e controle do poder o constitucionalismo. Nelson Saldanha, em interessante estudo, estabelece a ntima conexo entre o Estado de Direito e o constitucionalismo que, a um tempo, o interpreta, e a outro, critica: Uma vez que se considere o pensamento constitucional propriamente dito como um fenmeno do Ocidente contemporneo, torna-se evidente sua interligao com o movimento chamado constitucionalismo [...] [que] corresponde historicamente ao que se chama Estado de Direito [...], embora [...] as duas expresses no sejam sinnimas: o constitucionalismo aparece mais como um movimento, um processo, uma tendncia a um tempo doutrinria e institucional; o Estado-de-Direito, mais como um tipo, um modelo, uma estrutura a que o Estado moderno chegou51. Sobre o forte nexo entre Estado e Direito, mediatizado sobretudo pela Consti-

47 Salgado, O Estado tico..., op. cit., p. 51. 48 Kant, Immanuel. La Metafsica de las Costumbres. Trad. Adela Cortina Orts y Jess Conill Sancho. 2. ed. Madrid: Tecnos, 1994, p. 142. 49 Bonavides, Paulo. Teoria do Estado. 3. ed. So Paulo: Malheiros, 1995, p. 43-4. 50 Ferreira Filho, Direitos Humanos ..., cit., p. 1. 51 Saldanha, O Estado Moderno..., cit., p. 39-40.

38|

Histria do Estado de Direito

tuio52, registra o jusfilsofo pernambucano: Temos ento o Estado-de-Direito como aquele em que o limite e o fundamento da ao estatal se encontram na ordem jurdica e essencialmente na base desta, a constituio53. Tal Estado, produto de uma era de imensas aspiraes, acabou por tornar-se o mais significativo padro de organizao social j registrado na histria humana: Historicamente e em consonncia mesmo, talvez, com seu timbre racionalista-leigoburgus a noo de Estado-de-Direito assumiu pretenso universal54. O denso magistrio de Joaquim Carlos Salgado traduz a complexidade da estrutura e dos fundamentos do Estado de Direito, desafio s geraes que se sucedem no mister de preench-lo de sentido e dot-lo de expedientes: O Estado de Direito , assim, o que se funda na legitimidade do poder, ou seja, que se justifica pela sua origem, segundo o princpio ontolgico da origem do poder na vontade do povo, portanto na soberania; pelo exerccio, segundo os princpios lgicos de ordenao formal do direito, na forma de uma estrutura de legalidade coerente para o exerccio do poder do Estado [...]; e pela finalidade tica do poder, por ser essa finalidade a efetivao jurdica da liberdade, atravs da declarao, garantia e realizao dos direitos fundamentais, segundo os princpios axiolgicos que apontam e ordenam valores que do contedo fundante a essa declarao55. Em verdade, a questo do reconhecimento de direitos fundamentais j afligia os antigos, ao se perguntarem, desde pr-socrticos e sofistas, acerca da natureza, do homem, da natureza do homem e, como salienta Salgado, da igualdade essencial entre todos os homens conceito pitagrico56. Fbio Konder Comparato desenvolve reflexo significativa acerca do nascedouro dos52 Com erudio, Nelson Saldanha anota: Aristteles teria considerado a constituio como a alma do Estado. que a politeia (traduzvel por constituio no sentido amplo desta palavra) estaria correspondendo forma da polis, e forma, na linguagem posterior da escolstica, significou entre outras coisas a alma, na metafsica medieval. Saldanha, O Estado Moderno..., cit., p. 16. A propsito, Fbio Konder Comparato registra que a politeia, na concepo grega, [...] exprimia [...] a estrutura social, sendo portanto, como disse Iscrates, a alma da cidade [Aeropagtica, 14]. Comparato, Fbio Konder. A afirmao histrica dos direitos humanos. So Paulo: Saraiva, 1999, p. 95. 53 Saldanha, O Estado Moderno..., cit., p. 44. 54 Saldanha, O Estado Moderno..., cit., p. 45. 55 Salgado, O Estado tico..., op. cit., p. 53. 56 Salgado, Joaquim Carlos. A Idia de Justia em Kant; seu fundamento na liberdade e na igualdade. 2. ed. Belo Horizonte: ufmg, 1995, p. 46.

Jos Luiz Borges Horta

|39

direitos fundamentais: O curso inteiro da Histria poderia ser dividido em duas etapas, em funo de determinada poca, entre os sculos viii e ii a.C., a qual formaria, por assim dizer, o eixo histrico da humanidade. Da sua [de Karl Jaspers] designao, para essa poca, de perodo axial (Achsenzeit). No centro do perodo axial, entre 600 e 480 a.C., coexistiram, sem se comunicarem entre si, cinco dos maiores doutrinadores de todos os tempos: Zaratustra na Prsia, Buda na ndia, Confcio na China, Pitgoras na Grcia e o Dutero-Isaas em Israel. Todos eles, cada um a seu modo, foram autores de vises do mundo, a partir das quais estabeleceu-se a grande linha divisria histrica: as explicaes mitolgicas so abandonadas [...] No sculo v a.C., tanto na sia quanto na Grcia (o sculo de Pricles), nasce a filosofia, substituindo-se, pela primeira vez na Histria, o saber mitolgico da tradio pelo saber lgico da razo. [...] a partir do perodo axial que o ser humano passa a ser considerado, pela primeira vez na Histria, em sua igualdade essencial [...] Lanavam-se, assim, os fundamentos intelectuais para a compreenso da pessoa humana e para a afirmao da existncia de direitos universais, porque a ela inerentes57. A partir de Jos Luiz Quadros de Magalhes58, podemos apontar trs grandes momentos na, digamos, pr-histria dos direitos fundamentais: a) o mundo grego, com a busca da relao entre direitos e a natureza; b) o mundo romano-cristo, conectando direitos e Deus e construindo o conceito cristo de pessoa, to enfatizado por Matta-Machado59 e para Comparato a igualdade essencial da pessoa [crist] que57 Comparato, A Afirmao..., cit., p. 8-11. 58 Magalhes, Jos Luiz Quadros de. Direitos humanos na ordem jurdica interna. Belo Horizonte: Interlivros, 1992, p. 25 et seq. 59 O memorvel trabalho de Edgar da Matta-Machado, com o qual tornou-se livre-docente, na dcada de 1950, intitula-se Contribuio ao Personalismo Jurdico, e trata o conceito de pessoa humana como central construo do Direito [Cf. Matta-Machado, Edgar de Godi da. Contribuio ao personalismo jurdico. Belo Horizonte: Del Rey, 2000]. Em linha semelhante, Aloizio Andrade situa a criao do Direito enquanto tal no mundo romano em funo exatamente da noo de pessoa moral como fundamento do poder poltico [Cf. Andrade Arajo, O Direito e o Estado..., cit., p. 407 et seq.]. Elza Maria Miranda Afonso nos ensina: A concepo de pessoa, que se desenvolveu com o cristianismo e que constitui o ncleo das doutrinas humanistas que floresceram sob a denominao Personalismo, precede, de muitos sculos, formulao dos direitos do homem [...] Foi, entretanto, depois da Segunda Guerra Mundial, que o termo personalismo passou a designar uma corrente de pensamento de carter tico-poltico, que se ope ao individualismo e ao coletivismo, na sua concepo de pessoa [Afonso, Elza Maria Miranda. Prefcio. In: Matta-Machado, Contribuio..., cit., p. 14-5]. Em trabalho recente, tambm Arnaldo Afonso Barbosa prioriza a pessoa em suas investigaes: Barbosa, Arnaldo Afonso. A Pessoa em Direito; uma abordagem crtico-construtiva referenciada no evolucionismo de Pierre Teilhard de

40|

Histria do Estado de Direito

forma o ncleo do conceito universal de direitos humanos60 , um mundo marcado por divergncias profundas e heris como um Antnio de Montesinos, um Bartolomeu de Las Casas, um Francisco de Vitria, cujo combativo humanitarismo os faria defensores, j em pleno sc. xvi, da inslita tese de que os ndios tambm possuem alma61; c) o mundo da Razo, que nesta fundamenta o Direito e que acaba por produzir a teoria dos direitos fundamentais como a conhecemos. As cincias jurdicas, entretanto e apesar do extremo relevo da matria, ainda no foram capazes de estabelecer conceitos e categorias precisos para os Direitos Fundamentais, conforme anota Jos Afonso da Silva: A ampliao e transformao dos direitos fundamentais do homem no evolver histrico dificulta definir-lhes um conceito sinttico e preciso. Aumenta essa dificuldade a circunstncia de se empregarem vrias expresses para design-los, tais como: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos pblicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades pblicas e direitos fundamentais do homem62. Igual comentrio tece o renomado mineiro no tocante ao ainda mais complexo tema da classificao dos Direitos Fundamentais: Encontram-se nos autores classificaes e mais classificaes dos direitos fundamentais sob variados critrios que mais confundem que esclarecem63. fato, como lembra Comparato, que os direitos humanos foram identificados com os valores mais importantes da convivncia humana64; mas so valores tornadosChardin. Belo Horizonte: Movimento Editorial da Faculdade de Direito da ufmg, 2006. 60 Comparato, A Afirmao..., cit., p. 19. 61 H recente publicao para introduzir o leitor nos horrores perpetrados in nomini patri contra os nativos da Amrica, e na forte oposio que em especial os espanhis encontraram em parte dos idealistas cristos: Las Casas, Bartolom de. O Paraso Destrudo; a sangrenta histria da conquista da Amrica espanhola. Trad. Heraldo Barbuy. Porto Alegre: l&pm, 2001. Sobre a sangrenta colonizao da Amrica, v. o interessante captulo A expanso europia ultramarina: o fim da unidade medieval, em Diniz, Arthur Jos Almeida. Novos Paradigmas em Direito Internacional Pblico. Porto Alegre: Fabris, 1995, p. 99 et seq. V., ainda, o interessante ensaio Wolkmer, Antnio Carlos. Humanismo e cultura jurdica latino-americana. In: Wolkmer, Antnio Carlos (org). Humanismo e Cultura Jurdica no Brasil. Florianpolis: Fondazione Cassamarca, Fundao Boiteux, 2003, p. 19-39. 62 Silva, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9. ed. So Paulo: Malheiros, 1992, p. 161. 63 Silva, Curso..., cit., p. 167. 64 Comparato, A Afirmao..., cit., p. 25.

Jos Luiz Borges Horta

|41

normas de cumeada, sob os aspectos formal e material, no tom empregado por Salgado: Os direitos fundamentais so aquelas prerrogativas das pessoas, necessrias para uma vida satisfatria e digna, garantidas nas Constituies65. Verifica-se um lento processo de construo e consolidao dos direitos fundamentais, das revolues dos sculos xvi e xvii, que os consagraram, aos nossos tempos, em que ocupam papel de relevncia central no debate poltico-jurdico66. Fala-se em momentos sucessivos, em geraes de direitos, com contornos precisos: direitos de primeira gerao (individuais e polticos), direitos de segunda gerao (sociais) e direitos de terceira gerao (aqui, chamaramos de difusos, por falta de termo mais adequado)67. Veja-se Ferreira Filho: Na verdade, o que aparece no final do sc. xvii no constitui seno a primeira gerao dos direitos fundamentais: as liberdades pblicas. A segunda vir logo aps a primeira Guerra Mundial, com o fito de complement-la: so os direitos sociais. A terceira, ainda no plenamente reconhecida, a dos direitos de solidariedade68. A sedutora tese das geraes de direitos, pela qual os direitos se positivaram historicamente em fases precisas e marcadamente distintas, recebe, ao menos no plano do Direito Internacional, as mais contundentes crticas de Antnio Augusto Canado Trindade: Entre as [...] categorias de direitos [...] s pode haver complementariedade e no antinomia, o que revela a artificialidade da noo simplista da chamada terceira gerao de direitos humanos; os chamados direitos de solidariedade, historicamente mais recentes, em nosso entender interagem com os direitos individuais e sociais, e no os substituem, distintamente do que a invocao inadequada da imagem do suceder das geraes pretenderia ou pareceria insinuar69.65 Salgado, Joaquim Carlos. Os Direitos Fundamentais. Revista Brasileira de Estudos Polticos, Belo Horizonte, ufmg, n. 82, jan. 1996, p. 17. 66 Pablo Lucas Verd fala nos direitos humanos como religio civil: Verd, Pablo Lucas. Los derechos humanos como Religin Civil. Derechos humanos y concepcin del mundo y de la vida. Sus desafos presentes. In: Grau, Eros Roberto; Guerra Filho, Willis Santiago (orgs). Direito Constitucional; estudos em homenagem a Paulo Bonavides. So Paulo: Malheiros, 2003, p. 516-539. 67 Os mais afoitos, contudo, surpreendidos ora pelos avanos da democracia, ora pelos aprimoramentos tecnolgicos, reconhecem direitos de quarta e at mesmo de quinta (?!) gerao, como veremos. 68 Ferreira Filho, Direitos Humanos..., cit., p. 6. 69 Trindade, Antnio Augusto Canado. A Questo da Implementao dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais: Evoluo e Tendncias Atuais. Revista Brasileira de Estudos Polticos, Belo Horizonte, n. 71, jul.

42|

Histria do Estado de Direito Existe forte razo para a confessa resistncia de internacionalistas tese das ge-

raes de direitos: enquanto no plano interno a tese das geraes comprovvel, como se pretende no presente trabalho, no plano internacional a proteo aos direitos sociais (de segunda gerao), nomeadamente o direito ao trabalho, obteve reconhecimento antes de parte significativa dos direitos individuais e polticos. Tal vis de anlise, todavia, improcedente, uma vez que os direitos sociais puderam ser facilmente universalizados e protegidos internacionalmente exatamente em virtude do momento histrico em que surge a comunidade internacional de naes, no primeiro ps-guerra do sculo xx: por um lado, anlogo, como se ver, ao surgimento do Estado social de Direito no mundo capitalista, e por outro, ao avano do totalitarismo de esquerda, marcado pela idia de obter democracia econmica e social ainda que em detrimento das liberdades individuais e da democracia poltica. Naquele momento, s poderia haver consenso planetrio, mesmo, em torno dos direitos centrais poca: os direitos sociais, de resto proclamados at mesmo pelos regimes de exceo, militar ou fascista, que vicejaram no sculo xx e que absolutamente no podem ser considerados Estados de Direito70. O alerta de Canado Trindade de grande relevo, sobretudo na defesa que entabula da aparentemente contraposta tese do ncleo indivisvel de direitos fundamentais, de modo a consagrar a idia da interdependncia recproca do conjunto dos Direitos Fundamentais, e pode representar um aporte considervel de reflexo para a Filosofia1990, p. 20. 70 Assim, a investigao do Estado socialista, das ditaduras militares, do nazi-fascismo, e mesmo dos Estados fundamentalistas, na medida em que estes no consagram os Direitos Fundamentais em sua plenitude (e portanto no se afirmam como Estados de Direito), definitivamente no consta de nossas cogitaes. No fazem sentido, para ns, rogata maxima venia, comentrios como: O Estado fascista verdadeiro Estado de Direito, pois se apia nos valores tradicionais, ainda que vistos a partir de novas perspectivas polticas. Analogamente, a revoluo nacional alem criou o tipo do Estado nacional de direito (nationale Rechtsstaat). O Estado nacional de direito respeita a santidade do direito pasme-se! Cf. Verd,. La lucha..., cit., p.18. [Engenhosamente, alis, Antnio Paim, Jos Osvaldo de Meira Penna e Ubiratan Borges de Macedo referem-se ao socialismo como internacional-socialismo, em jogo retrico com a consagrada expresso nacional-socialismo. Cf. Paim, Antnio. Evoluo histrica do liberalismo. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987, p. 91]. Rejeitamos, vigorosamente, a afirmativa preliminar de Kelsen, de resto tambm afastada por Perez Luo: Kelsen expressamente conclui que todo Estado, pelo mero fato de s-lo, Estado de Direito; cf. Perez Luo, Derechos Humanos..., cit., p. 223. [Perez Luo cita Kelsen, Hans. Allgemeine Staatslehre. Berlin: Springer, 1925, p. 91-100].

Jos Luiz Borges Horta do Direito e do Estado.

|43

na sntese entre as duas teses, (frise-se) apenas aparentemente opostas, que se percebe a real importncia da evoluo histrica das categorias de Direitos Fundamentais, sem descurar da imediata justaposio de cada categoria a um ncleo compacto, indivisvel, que bem poderia ser representado pela imagem71 de um objeto composto de trs camadas (cada uma correspondendo a uma gerao), em permanente giro e, portanto, pela prpria fora centrpeta atraindo novos direitos, ao tempo em que as camadas se amalgamam de modo inquebrantvel72; veja-se:71 A imagem aqui inserida foi construda, a pedido do autor, pelo designer Lus Daniel Timo. 72 Por inquebrantvel, pode-se entender, com reflexos nos limites de reformabilidade constitucional, ptreo.

4. Itinerrio do texto

nosso desafio perceber como os Direitos Fundamentais vieram impondo-se na contemporaneidade e de que forma marcam as diferentes fases histricas por que vem passando o Estado ps-revolucionrio. Mrio Quinto quem afirma: Para se construir o conceito de Estado, h de se observar a mudana de seus paradigmas no processo histrico, promovendo-se, luz dos direitos fundamentais, uma reflexo sobre a gnese do Estado moderno, as suas transformaes1. O Estado Moderno, soberano, constitucionalizado no Estado de Direito, recebe da Histria sua mais elevada ratio: os Direitos Fundamentais.

1 Quinto Soares, Teoria do Estado, cit., p. 119.

46|

Histria do Estado de Direito

No Estado de Direito, a ntima conexo entre Estado e Direito evidncia inconteste; mais do que isso, trata-se de uma relao fundada em padro tico lentamente construdo, em especial nos recentes sculos, e norteado pela concepo ocidental de direitos fundamentais. A anlise dos diferentes padres, ou paradigmas, que o Estado de Direito psrevolucionrio tem assumido deve considerar, portanto, a hiptese de que, afinal, os direitos fundamentais venham ocupando papel nuclear na estruturao do Estado. No caminhar da Histria, percebemos com maior nitidez os diferentes contornos que o Estado de Direito vem tomando de sua consagrao como forma poltica, sobretudo com a Revoluo Francesa, aos tempos hodiernos, parece-nos conveniente visualizar trs etapas sucessivas de evoluo. o que se poderia chamar paradigmas2. A caminho da Liberdade, os homens consagraram valores complementares, traduzidos em momentos sucessivos numa histria coerente. Parece-nos que o Estado de Direito possui trs grandes momentos (e seus conseqentes paradigmas): 1. O Estado liberal de Direito, forjado na Era das Revolues; 2. O Estado social de Direito, exigido desde meados do sculo xix (sobretudo, com o Manifesto Comunista de 1848) e consagrado, como se ver, na Repblica alem de Weimar, cuja constituio data de 19193; 3. O Estado democrtico de Direito, esboado na Declarao Universal dos Direitos do Homem de 1948, e ainda em processo de construo (intelectual, normativa e ftica). No nos pode bastar, entretanto, a constatao histrica da existncia de tais fases; preciso preench-las, dando-lhes contedo jurdico: Trata-se, assim, de descrever2 O termo grego paradigma vem sendo banalizado com assustadora voracidade por juristas ferrenhamente interessados em transformar o Direito numa subespcie da Sociologia. A mitificao da idia de paradigma acaba por acobertar seu relevo epistemolgico. Aqui, concebemos paradigmas como modos de ver, entendendo que o modo de ver ou a representao de um dado so condicionados pelo contexto em que se encontra o observador (e at mesmo pela linguagem em que se expressa) e, se no principalmente, pelas questes que tal contexto histrico determina como essenciais ao debate cientfico. Desse modo, os paradigmas so como lentes com as quais se observa um dado: com lentes tridimensionais, a tela de cinema ganha contornos realsticos por vezes apavorantes, lunetas aproximam distantes estrelas, microscpios permitem mergulhos no infinitesimal, lentes cncavas permitem ver realidades que as lentes convexas escondem; todas elas so tremendamente teis, mas revelam apenas determinadas facetas da realidade usualmente, as facetas consideradas centrais naquele momento. Assim com os paradigmas, como compreendidos no jargo cientfico contemporneo. 3 Registre-se tambm, como constituio social, o texto mexicano de 1917.

Jos Luiz Borges Horta

|47

os valores jurdicos fundantes de cada um dos paradigmas e o campo por excelncia da revelao de tais valores a doutrina dos Direitos Fundamentais. Por hiptese, assim, tm-se que as trs geraes de direitos fundamentais concedem fundamento jusfilosfico aos trs paradigmas de Estado de Direito. Mrio Quinto tem a ntida intuio de tal hiptese em sua tese de doutoramento, em que constata que os Estados de direito [...] concretizam diferentemente os direitos fundamentais4, chegando mesmo a sugerir uma metdica de direitos fundamentais peculiar a cada paradigma5. No se trata, vale encarecer, de opor cada gerao anterior, como se uma gerao pudesse ser inteiramente superada por outra, e tampouco de imaginar radicais rupturas entre um momento e outro da histria do Estado. Nelson Saldanha mostra a enriquecedora liga produzida pela dialtica da Histria: Entendemos [...] que a expresso Estado-de-Direito procedente, por indicar uma experincia moderna, que s no contexto histrico-social moderno seria possvel. Realmente o chamado Estadode-Direito como realidade histrica se insere em uma seqncia cumulativa (uma espcie de Aufhebung no sentido hegeliano). Ele recolhe e confirma, aps a Revoluo Francesa, a unificao administrativa que vinha do Ancien Rgime e que caracterizou a consolidao do Estado moderno; ele monta uma estrutura constitucional baseada na diviso de poderes e nas garantias de direitos, e essa estrutura prossegue no Estado ocidental mesmo aps a queda do liberalismo clssico, ou seja, dentro dos Estados sociais e socializados6. Na realidade, o processo histrico, lento mas preciso, imps ao Estado de Direito (e bem assim aos Direitos Fundamentais que lhe do razo de ser) uma evoluo gradual, contnua e nada traumtica: Os mencionados direitos de segunda e terceira geraes funcionam como garantias dos direitos de primeira gerao, enquanto os ideais de igualdade e de fraternidade (ou solidariedade) que queles informam, como4 Quinto Soares, Mrio Lcio. Direitos Fundamentais e Direito Comunitrio; por uma metdica de direitos fundamentais aplicada s normas comunitrias. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 58. 5 Quinto Soares, Direitos Fundamentais..., cit., p. 60 et seq. 6 Saldanha, Nelson Nogueira. Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 95. Aufhebung traduz-se como princpio da suprassuno, segundo o qual a unidade do discurso dialtico traz em si a particularidade das categorias, e cada categoria tem como ponto de partida a realidade preexistente. V. Vaz, Henrique Cludio de Lima, SJ. Escritos de filosofia V; introduo tica filosfica 2. So Paulo: Loyola, 2000, p. 19.

48|

Histria do Estado de Direito

se ver, a rigor existem para assegurar a liberdade originalmente fundante dos direitos de primeira gerao. Estado liberal, Estado social, Estado democrtico de Direito surgem, assim, como etapas sucessivas de formalizao, materializao e plenificao do Estado de Direito, como se pretende mostrar no presente trabalho. O grande desafio dos estudos jusfilosficos a construo de um mtodo prprio. Nosso estudo exigiu um especial apuro na elaborao de um adequado vis de anlise, uma vez que inserido na complexa seara da Filosofia do Direito e do Estado, de tradicional presena no Ocidente, como bem registra Cabral de Moncada: Em todos os tempos a Filosofia do Direito foi tambm Filosofia do Estado. Os grandes filsofos, desde Plato e Aristteles at Hegel, ocuparam-se de uma ou de outra, embora, por vezes, dando-lhes nomes diferentes7. Epistemologicamente, a Filosofia do Direito e do Estado disciplina jusfilosfica e, como tal, parte do Direito, tomado como campo do saber. Exige, portanto, um mtodo jurdico de abordagem. Propomos, para tanto, uma compreenso dialtica da tridimensionalidade do Direito, alis j aceita por Miguel Reale, que afirma a natureza dialtica da unidade do Direito8.7 Moncada, L. Cabral de. Do conceito..., op. cit., p. 7. 8 Reale, Miguel. Filosofia do Direito. 18. ed. So Paulo: Saraiva, 1998, p. 543. Por dialtica, aqui, no podemos tomar a poderosa dialtica hegeliana, assim traduzida por Henrique de Lima Vaz: Hegel procede a uma ampla exposio do conceito da Liberdade segundo sua estrutura dialtica, ou seja, em nvel ainda abstrato, desdobrando-se nos momentos da universalidade, da particularidade e da singularidade. [...] A dialtica da Liberdade se apresenta, pois, como o prembulo lgico necessrio para a reta compreenso do itinerrio dialtico do Esprito Vaz, Henrique Cludio de Lima, SJ. Escritos de filosofia IV; introduo tica filosfica 1. So Paulo: Loyola, 1999, p. 393-4. Vaz toma a Dialtica no sentido hegeliano como mtodo do desenvolvimento do conceito a partir dele mesmo. [...] nesse sentido o princpio do movimento do conceito como particularizao do universal, dissolvendo-o e, ao mesmo tempo, produzindo-o (como singular concreto) [VAZ, Escritos de filosofia IV, cit., p. 391]. Lima Vaz [Vaz, Escritos de filosofia V, cit., p.22] cita os 31 e 32 das Grundlinien der Philosophie des Rechts Linhas fundamentais da Filosofia do Direito, de 1821 de Hegel, onde a dialtica surge como desenvolvimento e progresso imanente; cf. Hegel, G.W.F. Princpios da Filosofia do Direito. Trad. Orlando Vitorino. 2. ed. Lisboa: Guimares, 1976, p. 46-8. Em Hegel, a tradicional estrutura dialtica tese-anttese-sntese sofistica-se: o momento inicial o da universalidade abstrata, que, ao conjugar-se com a particularidade, tornase universalidade concreta, ou singularidade. Pensamos originalmente em analogicamente visualizar realeana, no mbito do Direito, a universalidade como o valor, a particularidade como o fato, a singularidade como a norma. Assim, buscvamos conferir real estrutura dialtica ao fenmeno da juridicidade. Essa manobra conceitual, simptica e inspirada, no no entanto capaz de traduzir a complexa teia de exerccios mentais que

Jos Luiz Borges Horta

|49

Reale refere-se a um campus nomogentico em que a incidncia de um complexo axiolgico (valorativo) sobre um complexo ftico gera um leque de normas possveis, uma das quais [...] se converter em norma jurdica, dada a interferncia do Poder9. Pensamos que a norma a reao do valor ao fato. Os fatos, a realidade viva, ao contradizerem os valores, idealidade abstrata, reclamam destes uma reao decidida: os valores se agigantam, ento, ao construrem as normas como seus instrumentos. A norma, assim e j em Miguel Reale, representa uma soluo temporria (momentnea ou duradoura) de uma tenso dialtica entre fatos e valores, soluo essa estatuda e objetivada pela interferncia decisria do Poder em dado momento da experincia social10. Ora, a estruturao do ordenamento jurdico, os processos de nomognese, [se do] num desenvolvimento dialtico de implicao e polaridade11, como prope Reale; sua dialtica de implicao e polaridade bastante instigante: Poder-se-ia dizer, num smile de certa maneira imperfeito, que o fato, como elemento que condiciona o agir do homem, o fator negativo [...]. A tendncia a constituir e realizar fins o fator positivo, ou o plo positivo do agir. Os dois, porm, se exigem e se implicam: a norma a centelha que resulta do contato do plo positivo com o negativo12. Um e outro plo, e sua implicao, no entanto, s podem ser compreendidos em conexo dialtica, como parte de um todo tridimensional: A situao de maior destaque que a norma efetivamente apresenta no processo de jurisdicidade explica, at certo ponto, a tendncia que tm muitos juristas de, aos poucos, esquecer os dois outros fatores do processo o fato e o valor para pensar que a norma possa existir por si mesma, como entidade distinta do ponto de vista lgico e ntico. Na realidade, porm, fato e valor [...] esto um em relao com outro, em dependncia ou implicao recproca, sem se resolverem um no outro. [...] Se o valor e o fato se mantm distintos,envolve a dialtica hegeliana como mtodo de conhecimento da Cultura. Assim, tornamos a Reale, e a partir de sua dialtica o texto se pode estruturar. Sobre o pensamento de Reale, orientamos Pinto Coelho, Saulo de Oliveira. O Idealismo Alemo no Culturalismo Jurdico de Miguel Reale. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da ufmg, 2009, p. 29-137 (Tese, Doutorado em Direito). 9 Reale, Filosofia do Direito, cit., p. 553. 10 Reale, Filosofia do Direito, cit., p. 554. 11 Reale, Filosofia do Direito, cit., p. 570. 12 Reale, Filosofia do Direito, cit., p. 573.

50|

Histria do Estado de Direito

exigindo-se reciprocamente, em condicionalidade recproca, podemos dizer que h entre eles um nexo ou lao de polaridade e de implicao. [...] Nasce dos dois elementos um processo, que denominamos processo dialtico de implicao e polaridade, ou, mais amplamente, processo dialtico de complementariedade13. Existe, reconhece-se, evidente anterioridade lgica dos valores14, como abstraes. No obstante, do ponto de vista cronolgico, muitas vezes o valor somente se manifesta ante o confronto com o fato: O valor parece subjazer at o momento em que desafortunada circunstncia reclame sua emergncia. Por isso, em nossa exposio, vamos tratar, sempre, primeiro dos fatos, para ento situarmos os valores. O contexto aparece antes do contedo valorativo, e ento se produz a estrutura normativa. Cada um dos trs paradigmas de Estado de Direito ser desenvolvido a partir da seguinte linha narrativa: i) fundamentos sociolgicos, com a anlise da ambincia ftica e do contexto histrico concreto lembra Reale que o fato [...] que condiciona o aparecimento de uma norma jurdica particular nunca um acontecimento isolado, mas um conjunto de circunstncias15; ii) fundamentos axiolgicos, trazendo a referncia aos ideais de ento, manifesto em autores e obras representativas do perodo, sem, no entanto, qualquer prete