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HISTÓRIA DA ESCOLA PÚBLICA NO BRASIL: AS PUBLICAÇÕES DE TEIXEIRA MENDES E MIGUEL LEMOS COMO FONTES DE PESQUISA
João Carlos da Silva/UNIOESTEi
Introdução
Muito já se escreveu sobre o positivismo. Trazer o tema novamente à discussão não
deixa de ser uma escolha ousada e um tanto arriscada diante do nível da produção verificado.
No entanto, as pesquisas acerca do tema continuam abrindo espaços para novos discursos,
enfoques, recortes e leituras. Tal opção somente poderá ser compreendida se considerar esta
questão, importante para o nosso tempo. Entendemos que o campo historiográfico, por conta
do processo de especialização do conhecimento em curso, acha-se em crescente
fragmentação, povoado por setores, cada um com sua particularidade. O fenômeno da
“história despedaçada” não afeta somente a história da educação, mas está presente nos mais
diferentes campos, denominada por François Dosse (2003) de A história em migalhasii. O
pesquisador, ao ignorar os fundamentos teórico-metodológicos que lhe possibilitem entender
a totalidade, como conseqüência, oculta a essência do passado. Assim alerta-nos Kosik (1976,
p. 51): “[...] a totalidade sem contradições é vazia e inerte, as contradições fora da totalidade
são formais e arbitrárias”.
Atualmente, a pedagogia, particularmente a história da educação tem sido campo de
disputa desta especialização, muitas vezes marcada pelo caráter utilitarista, devido às
exigências e aos valores da sociedade atual e do papel que essa disciplina deve cumprir no
estudo do passado e na formação dos professores. Verifica-se, ainda nos cursos de pedagogia
certo desprestígio nas abordagens teórico-metodológicas que buscam entender a educação de
modo amplo e situado historicamente.
A discussão desta tese de doutorado foi motivada por preocupações com as questões
nacionais, procurando compreender a história da educação brasileiraiii. Concomitante a esse
processo, na condição de professor da área da história da educação brasileira, achamos
importante centrar a pesquisa em obras clássicas. Além disso, estamos vinculados ao grupo de
pesquisa HISTEDBR/UNICAMP - História, Sociedade e Educação no Brasil – GT de
Cascavel/ Região Oeste do Paraná, no sentido de explorar as fontes primárias para
compreender a história da escola pública no Brasil.
Um breve balanço da historiografia educacional brasileira revela que a
passagem do século XIX para o século XX, ainda, acumula um potencial de pesquisa. Tem
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sido consenso, na historiografia, o entendimento de que nesse momento as lutas, entre
diferentes grupos de interesse buscavam hegemonia no que diz respeito ao Estado e ao
controle do processo educacional no Brasil. Muitos desses contingentes não aparecem nos
referenciais, nem mesmo são citados, sobretudo pela historiografia tradicional. Porém, ao
privilegiar as realizações dos vencedores, esta perspectiva acabou por negar ou desqualificar a
ação de instituições, no momento de embates, contrariando toda tentativa da tese pacifista do
período.
Sanfelice (2005, p. 102), ao tratar sobre a questão do público e do privado na história
da educação brasileira, alerta para as confusões entre o entendimento da “escola pública” e da
“escola estatal” em uma sociedade de classes. Na sociedade capitalista, o público se contrapõe
ao privado. A rigor, o público refere-se ao Estado, não necessariamente àquilo que diz respeito
à população. Neste sentido, a história da escola pública, em que naquela instituição o Estado é
educado pelo povo, ainda está por acontecer.
O Brasil foi terreno fértil para o desenvolvimento do positivismo, fincando raízes na
fundação da República, com base no lema positivista Ordem e Progresso, inscrito na bandeira
brasileira. Esta corrente surgiu no movimento das tendências cientificistas do século XIX, e
exerceu seu domínio no pensamento europeu na segunda metade do século XIX. Enquanto
método e doutrina filosófica inspirou-se no messianismo utópico-científico, formulado por
Francis Bacon, ao reivindicar um sistema de educação livre das elaborações metafísicas,
voltado para a valorização do ensino e da ciência positiva.
No Brasil, em sua faceta mais ortodoxa, o positivismo desenvolveu-se, por
intermédio das interpretações de Miguel Lemos (1854-1917) e Teixeira Mendes (1855-1927),
fundadores e autoridades da Igreja Positivista do Brasil. Foram eles que marcaram as posições
oficiais do Apostolado Positivista do Brasil (APB), cuja criação é datada de 1876. Após sua
institucionalização definitiva em 1881, seus seguidores iniciaram intensa atividade, sobretudo
nas duas últimas décadas do Império, e que se estenderam ao longo da Primeira República.
Foi nesta época que o APB centrou esforços na formação da opinião pública, bem como na
tomada de decisões do governo, naquilo que consideravam como projeto educativo, isto é,
regeneração da humanidade.
O positivismo significou para as elites brasileiras, no final do século XIX, um novo
paradigma, por colocar o país na rota da modernização, numa dinâmica regida pelas
transformações nas relações de trabalho. O Apostolado estava voltado aos mais diversos
temas da época, como abolição da escravatura, a constituição federal, política externa, saúde
pública, separação do Estado da Igreja, papel da mulher na sociedade, a situação das
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populações indígenas, ortografia da língua portuguesa, legislação trabalhista e educação.
A reforma das instituições políticas foi uma das principais bandeiras do Apostolado,
no qual cabia à educação a tarefa de auxiliar a formação de novos hábitos, assim como da
mentalidade e do caráter, disseminando padrões morais e intelectuais. Isto porque, para
Comte, o mundo vivia uma crise moral que abalava o mundo moderno, que exigia mudanças.
Para o filósofo francês, não se tratava de uma crise social devido ao processo de introdução da
maquinaria na produção e sua conseqüência social, como alertava Marx, mas uma crise
exclusivamente de natureza moral e intelectual dos indivíduos.
Segundo Paim (1987), a presença do positivismo no Brasil pode ser distinguida em
duas fases: o momento de sua propaganda e o da sua prática científica. O positivismo, ao
tornar-se filosofia de Estado ou paraestatal, sobretudo durante o Governo Provisório (1889-
1891), passou a exercer influência nos encaminhamentos das principais decisões políticas
tomadas, especialmente nas três primeiras décadas da República. Ivan Lins (1967, p. 11)
considera que a difusão do positivismo no Brasil não pode ser resumida somente à ação de
Teixeira Mendes e de Miguel Lemos, fundadores da Igreja Positivista (IP). Alguns até
aderiram às idéias gerais da doutrina de Comte e seu método sem levá-las à prática de um
credo. Muitos exaltavam a validade de sua filosofia, mas poucos profetizaram suas idéias.
No final do século XIX, um quadro pré-revolucionário foi detectado por diferentes
visões de mundo: em Tocqueville, Democracia na América (1982, p. 582), ao afirmar em,
1835, que “a Europa dormia sobre um vulcão”; em Marx & Engels (1982, p. 21), em 1848,
em seu Manifesto do Partido Comunista, ao denunciar ao mundo “[...] um espectro ronda a
Europa – o espectro do comunismo”; em Comte, ao afirmar, no Curso de Filosofia
Positivista, em 1830 (2000, p. 39-40), que era preciso terminar com o “[...] estado de crise no
qual se encontram, há muito tempo, as nações mais civilizadas”, entendido como um estado
de “anarquia” espiritual, mental e intelectual, no qual a humanidade estava vivendo e que
precisava ser contido. Esses autores fizeram diferentes encaminhamentos teórico-
metodológicos, no sentido de pôr fim à crise generalizada face às contradições do capitalismo.
A Igreja que iremos estudar é a Igreja Positivista do Brasil (IPB). Ela pode ser
considerada como uma instituição ligada à Igreja Positivista na França, reconhecida como
capital mundial do positivismo. Ainda que inspiradas sobre os mesmos postulados, vale
ressaltar que a Igreja no Brasil, enfrentava questões diferentes da que a Igreja enfrentava na
Europa. Enquanto os positivistas franceses enfrentavam a rebelião proletária, no Brasil, os
positivistas ainda estavam se confrontando com as forças oligárquicas do Império, que
lutavam para não perderem seu poder econômico e político. Fundada em 11 de maio de 1881
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por Miguel Lemos.
Sobre as Fontes
A produção da Igreja Positivista do Brasil (IP) reúne uma farta publicação de
material entre 1870 a 1927, fase de intensa atividade do Apostolado. As publicações do
Apostolado Positivista (AP) se davam por meio de livros, folhetos, periódicos positivistas
brasileiros e estrangeiros, além de artigos em jornais, muitas vezes reproduzidos em jornais
do exterior. Os periódicos, fontes das quais iremos utilizar no desenvolvimento deste trabalho,
constituem-se em forma de Circulares e Boletins. As Circulares foram publicadas no Rio de
Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. Em nossa pesquisa, utilizaremos a coleção completa
de 1881 a 1898, organizada por Miguel Lemos e Teixeira Mendes. As Circulares eram uma
espécie de revista do grupo para disseminar os ideais positivistas. Somam-se a isto, as obras
de Augusto Comte e de outros autores publicadas pela IPB, além dos escritos pelos núcleos
positivistas regionais e artigos em jornais produzidos por membros e simpatizantes da Igreja.
As correspondências trocadas entre positivistas religiosos brasileiros e estrangeiros
também constituem fontes importantes para compreender as ações do Apostolado no Brasil.
Seus conteúdos abordaram os mais diferentes temas: a abolição da escravatura, a separação do
Estado e da Igreja Católica, as relações internacionais, a situação das populações indígenas, a
proteção dos animais, o papel da mulher na sociedade, a saúde pública, a jornada de trabalho,
as leis trabalhistas, a obrigatoriedade da vacinação, a organização do Estado e do regime
republicano, a constituição federal, a liberdade de imprensa, os conflitos entre nações, política
internacional, a questão religiosa, a incorporação do proletariado na sociedade, a ortografia da
língua portuguesa, entre outros.
Nesse conjunto de temas, a educação teve um tratamento direto e indireto. Direto,
mediante a publicação de folhetos específicos a respeito da instrução pública, nos seus
diferentes níveis de ensino; indireto, espalhados no conjunto dos documentos. As publicações
da IP podem ser divididas em dois grupos: o primeiro inclui as publicações realizadas no
período entre 1881 a 1927, denominado de período heróico, que corresponde ao ano de
fundação da Igreja Positivista e da morte de Teixeira Mendes e de Miguel Lemos, fase de
maior atividade do Apostolado. Podemos, ainda, definir um segundo grupo que abrange as
publicações após 1928, por meio da iniciativa da delegação executiva, responsável pela
direção da IPB, após a morte dos dois apóstolosiv.
O acervo da IPB, no Rio de Janeiro, ainda que de preservação precária, de difícil
acesso e manuseio, dado seu estado de conservação, abriga uma vasta quantidade de
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documentos, com registros importantes sobre as atividades de Miguel Lemos e Teixeira
Mendes. Ambos expressavam a visão ortodoxa da plataforma política dos positivistas. No
trabalho de levantamento das fontes, foi possível coletar materiais nos seguintes arquivos: no
Paraná: Biblioteca Pública do Paraná (BPP), Museu Paranaense (MP), Arquivo Público do
Paraná (APP) e Biblioteca da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e no Centro Positivista
do Paraná (CPP). No Rio de Janeiro, levantamos material junto à Igreja Positivista do Brasil
(IPB), Biblioteca Nacional (BN), Museu da República (MR), Arquivo Nacional (AN) e
Centro de Pesquisa e Documentação/Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV). Outras fontes
também foram localizadas na Capela Positivista de Porto Alegre (CPPA) v. Nas citações, será
mantida a ortografia da época, visando manter a originalidade das fontes.
As Circulares anuais do APB se caracterizavam como órgão informativo da Igreja
Positivista (IP), dirigidas aos cooperadores do subsídio, um dos fundos na manutenção da
Igreja. Foi um veículo de propaganda, uma espécie de revista do Apostolado para difundir sua
plataforma política, bem como suas idéias educacionais. A primeira Circular data de 1881,
assinada por Miguel Lemos. Era recorrente, nessas Circulares, a divulgação dos princípios do
Apostolado e das bases de organização da IP, assuntos que, geralmente, abriam as Circulares,
acompanhadas por uma análise de conjuntura econômica e política. Encerravam as Circulares
com apresentação de relatórios financeiros da Igreja, publicação das finanças e divulgação dos
títulos das últimas publicações.
Com relação aos Boletins, foram localizados números não subseqüentes. Alguns
exemplares eram impressos na tipografia de propriedade do Jornal do Commercio, outros
eram rodados na tipografia do próprio Apostolado Positivista do Brasil. Muitos dos textos
eram transcritos de jornais e revistas da época. Os periódicos ainda apresentam em suas
páginas divulgação de relatórios, conhecimentos técnicos e pedagógicos, análise de
conjuntura, informação sobre eventos, conselhos e sugestões aos governantes da época,
apelos, projetos, discursos, exposição de problemas, apresentação de soluções, teciam criticas
e apresentavam projetos de leis, além de divulgar novas publicações do Apostolado.
Os membros do Apostolado utilizavam-se das Circulares e dos Boletins para
publicizar suas propostas acerca da educação brasileira. Consideravam que cabia aos
positivistas o dever de esclarecer e alertar a população sobre as conseqüências que as decisões
do governo poderiam causar à sociedade. As publicações do Apostolado se completavam com
traduções das obras de Augusto Comte e de outros autores indicados pelo próprio filósofo
francês, para a formação de mentes positivas, devendo compor o acervo da Biblioteca
Positivistavi.
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Ao analisar essas fontes, interessa-nos verificar a visão de educação contida em seu
conteúdo. Entre seus objetivos estava manter os laços entre diretores da Igreja e seus
seguidores, especialmente os contribuintes, de modo a manter a divulgação e a disseminação
da filosofia positivista. Na Biblioteca Nacional, foram encontrados sete exemplares dos
boletins do ano de 1938 e três exemplares de 1939. Sua primeira edição é de 1938, fundado e
dirigido por Nelson Nogueira, no Rio de Janeiro.
Em função dos objetivos da pesquisa e do objeto em questão, pretendemos trabalhar
com parte da documentação indicada. Segundo Kosik (1976), visitar as fontes tem sentido na
medida em que visa destruir no cotidiano a pseudoconcreticidade, desvendando a essência de
sua aparência. A investigação do fenômeno deve realizar a passagem do pensamento mítico (o
aparente) para o pensamento dialético (a essência). No processo de pesquisa das fontes exige-
se ler “nas linhas e entrelinhas”, atentos a perguntas feitas a elas. Sendo testemunhos que
possibilitem compreender o mundo e a vida dos homens, todos os tipos de fontes são válidos
(LOMBARDI, 2004, p. 156).
O processo de pesquisa deve colocar o pesquisador sempre em situação de
incertezas, devendo ficar atento ao rigor dos conceitos teóricos e à procura de respostas para a
problemática por ele formulada. Entender a complexidade do real, por estar em uma
sociedade cada vez mais diversa e pluralista, significa levar em consideração as dúvidas,
incertezas e erros que aparecem pelo caminho, sobretudo em relação às questões teórico-
metodológicas e aos objetos investigados. Parece ser este o desafio atual daqueles que se
enveredem pela historiografia educacional.
Concordando com as palavras de Fontana (2004, p.18), é preciso um projeto de
construção de “uma história de todos”, que utilize as “armas da razão” para “combater os
preconceitos da irracionalidade” que se apresentam no discurso histórico, que serve em última
instância, como legitimador da ordem social injusta que se apresenta.
Produzidos em um tempo de significativas mudanças econômicas, sociais e culturais
da sociedade brasileira, os periódicos registram e expressam uma perspectiva de sociedade
sob a ótica do trabalho. Em 1881, surgiu o primeiro periódico, criado pelo Apostolado
Positivista por intermédio de Teixeira Mendes e Miguel Lemos, contando com alguns nomes
importantes da política e do positivismo da época.
Desde seus primeiros números, foram publicadas versões nas línguas portuguesa e
francesa no sentido de dar mais visibilidade junto aos seus simpatizantes. Também recorriam
a outros autores para assegurar aos periódicos, fonte de informação aos interessados.
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Entre a Proclamação da República, 1889, a 1920, os periódicos adquiriram maior produção,
circulação e divulgação de informações sobre idéias políticas, científicas, ideológicas e
pedagógicas. Este período é marcado pelos ideais que exaltavam a construção de uma nação
calcada em um projeto nacional de moderno.
Inspirando e sendo inspirados pelo acontecimento de seu tempo, os periódicos
colocavam-se como veículo de propaganda ideológico do positivismo. Expressava o
compromisso com a divulgação da idéia de que o processo educacional é fundamental para as
futuras gerações, especialmente na formação da juventude e na preparação de mulheres e
homens, para desse modo, enfrentar os desafios da vida urbana e moderna.
Em seus conteúdos, eram recorrentes algumas palavras de ordem, traduzidas em
campanhas e propostas, apresentadas como questões fundamentais para a época a serem
enfrentadas a todo custo, como: “modernizar o país”, “sanear o país”, “educar o cidadão”,
“moralizar a sociedade”, “elevar a moral da população”, “organizar a família”. Tais mudanças
desejadas traduziam, também, uma postura de parte de intelectualidade brasileira, que, ao
valorizar determinados temas julgados como relevantes no momento, difundiam e (re)
criavam projetos e idéias que as elites urbanas entendiam como necessários para o “povo
brasileiro”. Esses ideais ganhavam o sentido de promoverem reformas na sociedade brasileira,
num processo de polemização e debate.
Essas iniciativas deflagraram um movimento em favor da modernização, um
esforço para serem implementadas entre as esferas locais, regionais, nacionais. Buscavam um
alcance mundial no sentido de atingir outros países, especialmente da América do Sul. A partir
do material levantado, periódicos, biografias, opúsculos, pinçamos indicações que ajudaram a
esclarecer realidades, fatos e interesses em jogo que agitavam a sociedade brasileira do
período.
Entendemos que os periódicos foram importantes e continuam tendo importância,
ao permitirem o conhecimento da produção intelectual de uma época, naquilo que explicaram
e ou que deixaram de explicar. Vamos às fontes e aos seus conteúdos para identificar os
elementos de uma época, desvelar nas estrelinhas, qual era o entendimento do Apostolado
Positivista acerca do Brasil e de suas propostas educacionais.
A imprensa consiste em um espaço de comunicação, servindo como veículo de
divulgação das principais representações sociais, e os periódicos são parcelas desta imprensa.
Seus textos refletem uma concepção de uma determinada parcela da sociedade letrada,
portanto, não correspondem integralmente à realidade da época, mas colocam-se como uma
representação deste real, isto é, uma fração de um todo significativo.
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O periódico por ser um veículo de divulgação rápida de notícias, de idéias, de
programas e de propostas, dada sua capacidade de informação, trabalhava naquele momento
no sentido de construir um consenso e padronização nas formas de pensamento ao serem
colocadas suas propostas. Dado seu direcionamento ideológico, nem sempre alcançava,
plenamente seus objetivos diante de outros projetos e idéias que se colocavam em disputa
naquele momento.
Caracterização dos periódicos
Os periódicos apresentam divisão editorial diferenciada em suporte papel jornal,
muitos de preservação precária, sobretudo aqueles depositados na Biblioteca Nacional.
Muitos deles foram micro filmados e estão guardados no Arquivo Nacional. Sua diagramação,
em formato de um livreto, apresenta paginação diferenciada e tamanho de 12 x 19
centímetros. Na capa, contém na sua primeira linha do cabeçalho, o número da publicação,
em letras pequenas e centralizadas, duas fases principais: a denominada fórmula sagrada, O
Amor por princípio, e a Ordem por baze; O progresso por fim; e as máximas relativas à
existência pessoal, Viver para outrem e Viver ás claras. Logo abaixo, em letras grandes, o
título do periódico, destacando o tema principal a ser discutido em seu conteúdo. Nas linhas
subseqüentes, os dados complementares, incluindo o ano da publicação, os editores
responsáveis, geralmente Teixeira Mendes e Miguel Lemos. Finalmente, em seu roda-pé,
consta a cidade, endereço completo, o mês e, na última linha, o preço do exemplar.
Algumas Circulares apresentam estrutura completa com capa, contracapa e folha de
rosto. Outras apresentam estrutura mais resumida e organização simplificada, sem a
delimitação de uma capa, contracapa e folha de rosto. Nestas, constam dados referentes
somente ao número da publicação, o responsável pela edição, neste caso, a Igreja e
Apostolado Positivista do Brasil, em letras pequenas e centralizadas, as duas frases principais:
a denominada fórmula sagrada e as duas máximas relativas à existência pessoal se repetem.
Logo na seqüência, inicia um texto corrido, com um título em destaque. Na primeira página,
aparece a inscrição - Apostolado Positivista no Brasil, caracterizando-a como Circulação
Anual, e o respectivo ano.
Outros exemplares dos periódicos apresentam em formato menor, no estilo
brochura. Neles, as contracapas trazem as conferências públicas do Templo da Humanidade, a
serem realizadas durante o ano, além de catálogos das publicações. Há ainda, publicações em
forma de panfletos, que apresenta um breve resumo do positivismo, baseada nas obras de
Augusto Conte. As publicações tinham periodicidades definidas e seqüenciadas. As edições
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eram realizadas em forma de texto corrido, sem inter-títulos e ilustrações. Em sua maioria,
apresentavam quantidade de páginas variadas, contendo ao final seus respectivos autores.
Alguns textos destes periódicos foram publicados previamente nos principais jornais
da época, como, por exemplo, no Jornal do Comércio. Geralmente, a página dois apresentava
epígrafes com referências a frases de filósofos. Algumas publicações fazem referências, nas
duas últimas páginas, às obras de Augusto Comte, Teixeira Mendes, entre outros autores
positivistas. Além disto, faziam esclarecimentos sobre a aquisição de publicações anteriores,
que podiam ser adquiridas mediante o envio de um determinado valor em dinheiro.
Algumas Circulares ao iniciar a edição, apresentam as bases e os princípios da
organização da Igreja e do Apostolado Positivista do Brasil. Outras têm um quadro indicativo
do número de contribuintes da Igreja, responsáveis pelo fundo de manutenção das publicações
e de outras despesas da instituição.
Com as publicações, o grupo positivista ortodoxo participava ativamente do debate
político que permeou a passagem do Império para a República. Suas Circulares iniciaram em
1881, mantendo sua regularidade até por volta de 1920. À medida que o debate se acirrava, as
publicações da IP ganhavam maior volume. Nos Catálogos levantados junto à Igreja
Positivista, ao Museu da República e da Capela Positivista de Porto Alegre, verificamos
alguns dados importantes no mapeamento destas publicações da época.
Entre 1881-1927, é o período de maior publicação de folhetos e livros, totalizando
aproximadamente 434 números. Entre 1928 a 1981, fase em que ocorre um refluxo das
atividades do Apostolado foram 117 publicações. Incluem-se, ainda, as participações dos
positivistas em jornais entre 1881-1950. Somam-se a esse volume, as publicações de 1893 a
1957, do núcleo sul-rio-grandense de positivistas religiosos e publicações de iniciativa
individual de membros ou simpatizantes da IPB. Destacam-se, ainda, as publicações
positivistas estrangeiras, especialmente na Argentina, Chile, Inglaterra, Paris, Irlanda e
Romênia.
Os fundos documentais, como relatórios, correspondências e discursos, fazem parte
deste importante acervo. No conjunto desses documentos, muitos assumiam um caráter
panfletário dado o fervor que as discussões exigiam. A escravidão, eixo principal dos debates
produzia outras idéias sobre as novas relações que os indivíduos deveriam estabelecer acerca
do trabalho. Identificamos junto ao Arquivo da IPB e na Biblioteca Nacional, uma quantidade
considerável de material iconográfico como gravuras, bustos, fotografias, fac-símile e
pinturas.
Os Boletins eram publicados sempre que algum assunto tornasse importante sua
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elaboração e divulgação, não havendo, portanto, uma periodicidade. As Circulares tinham um
caráter mais restrito, dirigido aos filiados da Igreja Positivista, enquanto que os Boletins de
informação oficial procuravam atender ao público em geral, com resumos sobre os fatos e
realizações do Apostolado. Ambos não revelavam seus registros de tiragem, a circulação e
abrangência incluíam várias regiões do Brasil, bem como países da América do Sul. Nesse
sentido, esses veículos possibilitavam uma comunicação mais rápida com filiados e
simpatizantes do Apostolado. Ficou evidente que o acervo da Igreja e Apostolado Positivista
congrega um farto material ainda a ser explorado por pesquisas futuras.
Os textos, aos expressarem uma leitura do passado, aponta os “erros” do Império em
relação às políticas centralizadoras de Estado, sobretudo no campo da educação. Os anos de
1870 a 1900 foram o período de maior destaque nos textos dos periódicos. Os textos, muitas
vezes, faziam um balanço do Império e de suas instituições, ao mesmo instante tempo em que
procuravam forjar perspectivas com o advento da República, apontando reformas
consideradas necessárias pelos denominados jacobinos exaltados.
A questão educacional nos periódicos
À medida que a idéia de república ganhava maior adesão, surgia à preocupação, nos
meios intelectuais, com a formação do cidadão republicano. Esse processo tornou-se evidente
com o aparecimento de projetos pedagógicos diversos, vinculados às várias vertentes
republicanas. Em comum, estava a ênfase nos valores cívicos e nacionais, especialmente nas
escolas, nas comemorações coletivas e nos cultos aos símbolos da República.
No tratamento das fontes, identificamos que a questão educacional é referenciada de
maneira específica em algumas publicações. Caberia à educação, segundo eles, a tarefa de
auxiliar à formação de novos hábitos, da mente e do caráter para disseminar novos padrões
morais e intelectuais, visando à construção de uma unidade nacional em torno do projeto
republicano e positivista.
Nos periódicos, o tema da educação era abordado no sentido de divulgar e propagar
propostas educacionais de cunho moral e religioso. Ao alinhar essas diretrizes, estavam
defendendo a laicidade do ensino, já que seus editores opunham-se às intervenções do
governo na organização do ensino, posicionando-se, abertamente, contrários à obrigatoriedade
de freqüência na escola. O processo educacional deveria acontecer prioritariamente na
família, tendo a mãe como a primeira educadora.
Mendesvii (1913b), por exemplo, destaca a importância dada à educação primária,
como instrumento importante para o desenvolvimento da criança, estimulando nelas o
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sentimento das coisas úteis para a vida. Em outro texto (1902a) viii, polemiza a questão da não
obrigatoriedade de freqüência do ensino nas escolas. Na abordagem educacional, verificamos,
ainda, que a preocupação era difundir uma concepção de sociedade e de educação, ao criticar
as primeiras iniciativas do Governo Provisório, do que, propriamente, exigir realizações
imediatas na organização e estruturação do ensino.
Os periódicos, como veículo de informação da Igreja Positivista, centravam atenção
na difusão do positivismo religioso, enaltecendo seu poder político e o sentido modernizador
das suas idéias. Ainda que os periódicos se apresentassem como um veículo de propaganda
positivista, não exaltavam os rituais positivistas de acordo com a ortodoxia comtiana. Junto
aos leitores, buscavam oferecer uma divulgação mais geral acerca dos princípios de Comte, ao
mesmo tempo em que afirmavam as posições da IP perante o Estado republicano. Nesse
sentido, os periódicos atuavam como instrumento político–doutrinário, empenhados em
defender uma linha ideológica em favor da liberdade do ensino, preocupações em torno das
quais o Apostolado Positivista se dedicava.
A posição do Apostolado era reivindicar uma sociedade regida por um novo modelo
educacional, consubstanciado na racionalidade emergente, com a finalidade de adaptar os
indivíduos às novas necessidades econômicas, políticas e sociais da época. A educação era
tomada como um processo em si, desvinculada de qualquer outro setor da vida, com suas
próprias leis. Assim, o sucesso ou o fracasso dos indivíduos seria decorrente de suas
tendências e inclinações inatas e naturais, devendo a pedagogia desenvolvê-las. Caberia então,
à pedagogia a missão de adaptar os indivíduos à sociedade. No conjunto das propostas
educacionais do Apostolado, a pedagogia é compreendida como um instrumento de
desenvolvimento da criança, fazendo dela futuro cidadão.
Os periódicos, apesar de não se aterem á publicações exclusivas no campo
educacional, reservaram edições com aproximadamente 15 artigos que abordavam,
diretamente, da temática educacional, sob a ótica política, econômica, pedagógica e legal.
Reconhecendo a educação como assunto relevante, alguns periódicos deram-lhe tratamento
especial, publicando edições exclusivas acerca da questão educacional. O tema da educação é
recorrente em diferentes edições dos periódicos ao tratar de outras temáticas. Aberta a outros
colaboradores, as reflexões publicadas nos periódicos, mesmo tratando de variadas temáticas,
convergiam para o campo educacional. As principais reflexões procuravam tecer uma
avaliação crítica da educação, levantando os problemas educacionais, apresentando propostas
que entendiam adequadas para os desafios da época.
Alguns traços característicos marcam os periódicos. O primeiro deles diz respeito à
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questão da não-obrigatoriedade do ensino nas escolas, isto é, a intervenção e a
responsabilidades do Estado nas políticas educacionais. Esta temática permeava todas as
referências acerca da discussão educacional, afinal, estava em jogo articular a educação na
configuração da nação republicana emergente.
Outro tema recorrente refere-se à necessidade de encaminhar á educação moral aos
indivíduos. O papel pedagógico da mulher, como educadora das futuras gerações, e o lar
como a primeira escola do indivíduo, recebeu destaque nas questões educacionais. Tratava-se
de dissipar qualquer tendência violenta existente nos indivíduos, mediante a difusão da
educação pelos sentimentos.
O laicismo teve tratamento diferenciado, ao procurar negar toda uma tradição
católica presente no pensamento educacional brasileiro, considerada elemento que impedia a
modernização educacional e nacional, e que, portanto, deveria ser eliminada. O caráter
anticlerical foi uma marca que articulou as posições do Apostolado nos debates educacionais.
Outro traço presente nas idéias educacionais do Apostolado é a crítica ao caráter
imitador das mudanças educacionais, por considerar que suas ações preocupavam-se,
meramente, em seguir os modismos dos países centrais sem apresentar soluções definitivas
aos graves problemas da área. Neste aspecto, os representantes do Apostolado entendiam que
as saídas deveriam ser buscadas nas próprias experiências do país, de acordo com a realidade
nacional. Nesta direção, defendiam a necessidade de modernizar os métodos pedagógicos,
banindo todos os métodos considerados antiquados e implementar um ensino laico. Para
tanto, alguns periódicos indicam conselhos disciplinares às famílias com as devidas
prescrições metodológicas de ensino, mediante o aprendizado com a prática. Nesse prisma,
eram delineados caminhos que enfocavam concepções acerca da criança, do professor, da
escola, dos métodos, dos conteúdos e das novas orientações pedagógicas.
Na defesa de sua linha pedagógica, a criança deveria ser o objeto central de todas as
atenções. Pode-se observar, portanto, que, sob o ponto de vista editorial, tanto as Circulares
quanto os Boletins, periódicos principais do Apostolado, foram utilizados como um
importante meio de construção de consenso entre os positivistas em favor das idéias do
Apostolado. Nesse sentido, os periódicos serviram como estratégia para ganhar a adesão de
intelectuais e políticos da época, visando orientar, estimular e informar seu público-alvo,
positivistas e simpatizantes, acerca do projeto político-educacional da Igreja Positivista.
O termo Apostolado refere-se exclusivamente às atividades e ações de Miguel Lemos
e Teixeira Mendes, o que não significa desconsiderar a participação de outros membros ou
confrades da Igreja. Optamos por privilegiar os dois apóstolos por entender que ambos
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expressaram de maneira mais rigorosa, a plataforma política dos positivistas. Delimitamos
para este estudo o período entre 1870 a 1930, o primeiro ano, corresponde ao ano de fundação
efetiva da IPB, o segundo, o ano da morte de Teixeira Mendes, e que marca o período
apostólico de militância dos representantes do Apostolado.
Como expressa o próprio termo, Apostolado designa a existência de uma organização
formal, isto é, um grupo, cuja ação está centrada para uma missão comprometida com a
difusão de determinada doutrina, considerada sagrada pelos seus líderes. Os republicanos
viam nas idéias gerais do positivismo uma importante força de modernização, que atingia as
instituições e outros setores no âmbito social e político. Sobre a presença do Apostolado na
instauração da República, Viotti da Costa (1985, p. 294), considera que sua influência na
sociedade brasileira foi muito restrita, ainda que as idéias positivistas difundissem aquilo que
se poderia chamar de concepção positivista de vida.
No final do Império, o contingente de positivistas era significativo. Alguns exaltavam
os ensinamentos de Augusto Comte, mesmo que com pouca clareza de seu conteúdo. Outros
reconheciam o caráter inovador desta filosofia, expressando suas idéias políticas, econômicas
e educacionais. Apenas uma minoria declarava-se ortodoxa. A rigor, a IP apresentava-se como
integrante de uma Santa Aliança, abarcando diferentes matizes, mas que expressavam um
objetivo comum: derrubar a Monarquia. A fundação do Partido Republicano em 1870 foi o
momento em que o ideal republicano se transformou em partido político, ganhando um
projeto mais orgânico, com um conjunto de propostas a ser implementado.
Embora fosse um grupo reduzido, o Apostolado exerceu poder de veto em questões
importantes, como a organização da universidade. No final do século XIX, houve um
expressivo crescimento do positivismo ao ganhar cada vez mais adeptos nos mais diferentes
segmentos da sociedade brasileira: na academia, na imprensa, nos quartéis, nas escolas, no
parlamento, além de comerciantes e industriais. Segundo Paim, o APB exerceu influência
mais efetiva depois da proclamação da República, com relativo sucesso, ao ser representado
por Demétrio Ribeiro como Ministro da Agricultura, ainda que com algumas reservas, e
Benjamin Constant como Ministro da Guerra, posteriormente ministro da Instrução, na
formação do Governo Provisório.
Tema recorrente entre os positivistas foi a necessidade de elaborar e propor medidas
de natureza pedagógica, social e política para inserir os escravos recém-libertos e imigrantes
na vida republicana. Buscava-se garantir o estabelecimento da Ditadura Republicana como
instrumento da ordem e do progresso. Com esse intuito, a IP saiu em defesa de uma renovação
político-social em torno de temas como educação, saúde, problemas sociais, processo de
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produção, organização do Estado, jornada de trabalho, proteção social, condições de trabalho
e seu bem-estar social do trabalhador.
Hobsbawm (1997, p.66), em A era do capital, ao analisar as transformações
econômicas ocorridas entre 1848-1875, assim define o período:
O período do final da década de 1840 até meados da década de 1870 iria provar não ser, contrariamente ao desejo convencional de alguns, o modelo de crescimento econômico, desenvolvimento político, progresso intelectual e realização cultural que iria, apesar de tudo, terminar por sobreviver com algumas melhoras, no futuro indefinido, mas ao invés de tudo isso uma espécie de interlúdio. Entretanto, suas realizações globais eram, de qualquer forma, extremamente surpreendentes. Nesta era, o globo estava transformado, dali em diante, de uma expressão geográfica em uma constante realidade operacional. História, dali em diante, passava a ser história mundial.
No Brasil, a entrada e expansão da doutrina positivista no período pré-republicano
ocorreu pela imprensa, no parlamento, nas escolas, na literatura e na academia, em suas
diferentes formas de adesão, produzindo um clima de grande entusiasmo por seu conteúdo de
modernização das idéias. Sua disseminação no campo educacional deu-se, também, nos
documentos oficiais em decorrência das reformas educacionais do Colégio Pedro II, feitas por
Benjamin Constant.
O século XIX foi um período de intensos debates em torno da organização de um
sistema público de ensino, sobretudo na Europa, com repercussões no cenário brasileiro
(CURY, 2001, p. 38). A educação foi eleita como instrumento de modernização para enfrentar
aquilo que se identificava como sendo “as forças conservadoras”, consideradas como entraves
para o encaminhamento de um projeto de modernização. Tal projeto tinha como eixo a
ordenação de um poder nacional de exaltação dos ideais de progresso sem renúncia às
liberdades. Naquele contexto, caberia à educação a tarefa de auxiliar na formação dos hábitos,
das mentes, do caráter e dos padrões morais e intelectuais. Aos olhares dos positivistas, as
mulheres e os proletários representavam a sabedoria natural, desinteressada, carregada de
amor e virtude. Ambos tinham a missão de disseminar a paz e o amor na constituição da
harmonia social.
A passagem da Sociedade Positivista do Rio de Janeiro (SPRJ) para Centro
Positivista Brasileiro (CPB) e, finalmente, para Igreja Positivista do Brasil (IPB) mostrou- se
significativa no contexto da modernização das idéias pedagógicas. Foi um instante de negação
da concepção católica e da busca de uma promessa laica de sociedade.
Em 25 de novembro de 1880, Miguel Lemos recebeu o grau de aspirante ao
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sacerdócio da humanidade, fundando a Sociedade Positivista do Rio de Janeiro, que deu
origem à Igreja e Apostolado Positivista do Brasil (IAPB) ix. Tinha entre seus objetivos
desenvolver o culto, organizar o ensino da doutrina e intervir nos negócios públicos. Em
1881, a IP contava com 53 membros efetivos, cujos representantes passaram a atuar-nos mais
diversos setores da sociedade, no parlamento, na educação, na imprensa, e na economia.
Nessa época, havia importante participação dos positivistas no movimento republicano e na
elaboração da Constituição Federal de 1891, quando fizeram valer o lema comtiano “Ordem e
Progresso”.
Para aqueles positivistas, a educação deveria estar a cargo da Igreja da Humanidade,
não devendo ocorrer qualquer intervenção do poder temporal no campo do poder espiritual. A
questão do ensino superior entre os positivistas também mereceu amplo debate, marcando
posições contrárias à criação da universidade. Teixeira Mendes, por exemplo, temia que a sua
implantação no Brasil causasse o enfraquecimento da Religião da Humanidade. O ensino
superior era entendido como algo sem sentido para a realidade brasileira, ao não cumprir seu
papel na formação de profissionais.
Notas
i Professor no Colegiado de Pedagogia/UNIOESTE. Membro do grupo de pesquisa HISTEDBR-GT Cascavel. Doutorando pela Faculdade de Educação/UNICAMP ii A abordagem adotada pelo autor, publicada no final do século XX (reeditada em 2003), representou uma reviravolta no mundo da história. François Dosse explicita em sua obra as diferentes posturas e adaptações da Escola dos Annales desde sua primeira geração, em que seus fundadores, Marc Bloch e Lucien Febvre, propõem uma ciência empírica, sem dogmas, uma verdadeira "guerra em movimento", com total negação à filosofia da história e seu aspecto positivista, típico do século XIX. Mas não apenas isso, a escola se propunha a uma abordagem que não fosse sobretudo política. Dentro do contexto histórico, os anos 30 do século XX, se destacavam, a princípio, pelo aspecto econômico, que passou a suplantar o aspecto político, levando até mesmo a se medir o sucesso político em função do desenvolvimento econômico e não mais o inverso. Segundo ele, a História que nasceu no berço da religiosidade da Idade Média, com o desenvolvimento das cidades, passou a ser escrita por monges contratados pelos reis, como foi o caso de um monge de Saint Michel, no século XV. Posteriormente, a história tornou-se política, permanecendo dessa forma até o século XX. Segundo o autor, os membros da Escola dos Annales se apoderaram de todos os lugares estratégicos de uma sociedade dominada pelos meios de comunicação de massa. Falava-se, então, do cotidiano de pessoas comuns, de mulheres, de imigrantes. Ver François Dosse (2003). iii A temática em questão articula-se ainda aos estudos preliminares desenvolvidos como professor na área de história da educação do Curso de Pedagogia/UNIOESTE, Cascavel, por meio do projeto de pesquisa: Benjamin Constant e o Projeto Republicano Positivista para a Educação Brasileira, no período de 01/3/2000 a 1/3/2003, e que marcaram a elaboração do projeto para o doutorado, onde objetivamos identificar, numa perspectiva histórica, as principais idéias educacionais de Benjamin Constant, em consonância com as transformações ocorridas na passagem do Império para a Republica. No relatório final, apontamos a necessidade de buscar fontes primárias que dessem suporte documental para melhor compreender o debate historiográfico do período. Outro aspecto relevante na definição do objeto relaciona-se às discussões que estavam sendo travadas na reformulação do projeto político-pedagógico do Curso de Pedagogia da UNIOESTE, em que se colocou a necessidade de repensar o papel da disciplina de História da Educação Brasileira, no conjunto das disciplinas.
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iv No conjunto das publicações, são utilizadas diferentes denominações em relação às responsáveis pela edição dos periódicos: Apostolado Positivista, Igreja e Apostolado Positivista do Brasil, Apostolat Positiviste du Brésil, Centro Positiviste du Brésil, Église et Apostolat Positiviste du Brésil, Église Positviste du Brésil, Igreja Pozitivista do Brasil, Ordem e Progresso, Religião da Humanidade, Religion de l’Humanité, Religion of Humanity, República Occidental. v O Catálogo da Capela Positivista de Porto Alegre, publicado pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), refere-se às diferentes publicações da Igreja, ainda inexploradas, a saber: publicações positivistas estrangeiras na Argentina, Chile, Inglaterra, Irlanda, Paris e Romênia. Existem, ainda, as obras de Augusto Comte, obras que compõem a Biblioteca Positivista, recomendada por Augusto Comte, divididos em diferentes temas como Ciência, História, Filosofia, Moral e Religião. Destacam-se periódicos publicados no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. Compõem, ainda, esse conjunto os periódicos positivistas estrangeiros publicados a partir de Buenos Aires, Santiago do Chile e Paris, Anais da I, II, III, IV e VII Reunião de Positivistas realizadas entre 1978 a 1984, em Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Vitória, respectivamente. O mesmo Catálogo refere-se as Intervenções positivistas em jornais (1881-1950), Fundos Documentais e material Iconográfico. A partir de 1930, observou-se um arrefecimento do positivismo, portanto, um decréscimo no número das publicações de 1930, 52 títulos; 1940, 26 títulos; 1950, 8 títulos e 1960, 3 títulos. Nas décadas de 1930 e 1940, existe uma porcentagem elevada de publicações políticas e mistas, versando sobre o militarismo e a II Guerra. O Catálogo publicado pelo Museu da República se refere a Folhetos, Livros e Periódicos. Para maior detalhamento, consultar MOUSSATCHÉ, Iara (Org.) Igreja positivista do Brasil: acervo bibliográfico compilado por Iara Moussatché 2. ed. Ver. Ampl. Rio de Janeiro. Museu da República, 1994. LEAL, Elisabete da Costa; PEZAT, Paulo Ricardo. Capela positivista de Porto Alegre: Acervo bibliográfico, documental e iconográfico. Porto Alegre: FUMPROARTE - Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS, 1996. LEAL, Elisabete da Costa. Fé científica e poder político: a Igreja positivista do Brasil e a consolidação da primeira república, p 04. In: Congresso Internacional Latin American Studies Association – LASA. Dallas, março de 2003. vi O acervo da “Biblioteca Positivista” recomendado por Augusto Comte é composto, em seu conjunto, por 150 títulos divididos em diferentes temas, como Poesia (30 Volumes), Ciência (30 Volumes), História (60 Volumes), Filosofia, Moral e Religião (30 Volumes). Os livros de Filosofia, Moral e Religião da Biblioteca Positivista são Política e a Moral (de Aristóteles), A Bíblia Sagrada completa, o Alcorão completo, A Cidade de Deus e As Confissões de Santo Agostinho, Tratado sobre o Amor de Deus (por São Bernardo), A Imitação de Jesus Cristo (o original latino com a tradução em versos de Corneille). O Catecismo (de Montpellier), Exposição da Doutrina Católica (por Bossuet), Comentário sobre o Sermão de Jesus Cristo (por Santo Agostinho), A História das Variações Protestantes (por Bossuet), O Discurso sobre o Método (por Descartes), Novum Organum (por Francis Bacon), Interpretação da Natureza (por Diderot), Os Pensamentos escolhidos (de Cícero, Epicteto, Marco Aurélio, Pascale e Vauvenargues), Conselhos de uma Mãe (por Madame de Lambert), Considerações sobre os costumes (por Duclos), O Discurso sobre a História Universal (por Bossuet), Bosquejo Histórico (por Condorcet), O Tratado do Papa (De Maistre), Política Sagrada (por Bossuet), os Ensaios Filosóficos (de Hume), Dissertação sobre os surdos e os Cegos (por Diderot), Ensaios sobre a História da Astronomia (Adam Smith), A Teoria do Belo (por Barthez), Ensaios sobre o Belo (por Diderot), As relações entre o físico e o Moral do Homem (por Cabanis), O Tratado sobre as Funções do Cérebro (por Gall), Cartas sobre os Animais (Georges Leroy), O Tratado sobre a Irritação e a Loucura (por Broussais), A Filosofia Positiva, Política positiva, Catecismo Positivista e a Síntese Subjetiva de Augusto Comte (condensada por Miss Martineau). Ver. COMTE, Augusto. Catecismo Positivista, (2000) vii MENDES, Raimundo Teixeira. O ensino primario official e a regeneração humana. Rio de Janeiro: Igreja e Apostolado Positivista do Brasil, 1913b (CPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação – Fundação Getúlio Vargas Acervo Fundo Igreja Positivista (FIP). viii MENDES, Raimundo Teixeira; LEMOS, Miguel. Contra o ensino obrigatório. Rio de Janeiro: Igreja e Apostolado Positivista do Brasil, 1902a. p7. (CPDOC - FIP) ix A sede atual da Igreja Positivista está localizada na Rua Benjamin Constant, 74, Rio de Janeiro, Bairro da Glória. A direção executiva tem como Presidente: Danton Voltaire Pereira de Souza, Secretário: Clóvis. Todos os domingos, ás 10:00 horas, são apresentadas prédicas dominicais, com hasteamento das bandeiras nacionais do Brasil e da França. Sua sede, também conhecida como Templo da Humanidade, foi o primeiro edifício construído no mundo para difundir a Religião da Humanidade. Em resolução decidida no dia 15 de São Paulo de 208 (4 de junho de 1997), a delegação executiva da IPB instituiu uma página na Internet a fim de ampliar seus contactos com o público nacional e internacional.
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