história da comunicação humana

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História da comunicação humana. E no princípio eram somente sons.... Pesquisas paleoantropológicas demonstram que o processo evolutivo que culminou na espécie humana contemporânea teve início há aproximadamente 70 milhões de anos, tendo o primeiro ancestral da família homo surgido por volta de 2,5 a 1,8 milhões de anos, o homo habilis. O que diferenciava esse primitivo homem das demais criaturas proto-humanas era, como o nome sugere, sua habilidade de desenvolver e utilizar ferramentas. Podemos supor que a comunicação entre eles era semelhante à dos demais mamíferos, ou seja, gritos, berros, urros e posturas corporais que traduziam a necessidade de comida, de acasalamento, de perigo. Foram necessários mais alguns milhões de anos para o aumento lento e gradual de nossa massa cerebral e, consequentemente, de nossa aptidão para aprender e compartilhar. Durante esse processo evolutivo, nossos primevos antepassados foram substituindo os sons e movimentos corpóreos instintivos por uma comunicação gradualmente mais sofisticada baseada em símbolos e sinais. Entre 40.000 e 10.000 anos atrás surgiu o homem de Cro-Magnon e com ele artefatos mais sofisticados, o desenvolvimento da fala e da linguagem, a formação de uma

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Page 1: História da comunicação humana

História da comunicação humana.

E no princípio eram somente sons....

Pesquisas paleoantropológicas demonstram que o processo evolutivo

que culminou na espécie humana contemporânea teve início há

aproximadamente 70 milhões de anos, tendo o primeiro ancestral da família

homo surgido por volta de 2,5 a 1,8 milhões de anos, o homo habilis. O que

diferenciava esse primitivo homem das demais criaturas proto-humanas era,

como o nome sugere, sua habilidade de desenvolver e utilizar ferramentas.

Podemos supor que a comunicação entre eles era semelhante à dos

demais mamíferos, ou seja, gritos, berros, urros e posturas corporais que

traduziam a necessidade de comida, de acasalamento, de perigo. Foram

necessários mais alguns milhões de anos para o aumento lento e gradual de

nossa massa cerebral e, consequentemente, de nossa aptidão para aprender e

compartilhar. Durante esse processo evolutivo, nossos primevos antepassados

foram substituindo os sons e movimentos corpóreos instintivos por uma

comunicação gradualmente mais sofisticada baseada em símbolos e sinais.

Entre 40.000 e 10.000 anos atrás surgiu o homem de Cro-Magnon e

com ele artefatos mais sofisticados, o desenvolvimento da fala e da linguagem,

a formação de uma embrionária organização social, dos ritos funerários, das

práticas de magia e das pinturas rupestres, consideradas como os primeiros

“escritos” da história das comunicações, em 35.000 a.C.

O homem de Cro-Magnon já possuía um raciocínio que lhe permitia

planejar e conceber, caçar de forma mais coordenada, defender-se mais

eficazmente, e explorar melhor as regiões de caça [DeFleur & Ball-Rokeach,

1993: 30]. É essa característica, o dom da fala, a particularidade do discurso

(lógos), que distingue o homem de todos os animais, nas palavras de

Aristóteles.

Gradativamente o homem começou a estender suas fronteiras e a trocar

mercadorias com habitantes de outras regiões. As cifras correspondentes a

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quantidades dessas mercadorias eram representadas por seixos de diferentes

tamanhos que foram progressivamente desaparecendo e sendo substituídos

por inscrições na própria argila e, com o tempo, foram trocadas por figuras que

representavam as quantidades de animais e objetos negociados. De fácil

compreensão entre todos os povos, esse sistema, com o tempo, apresentou

um grave problema: o volume excessivo dos símbolos que ia aumentando em

conformidade com o avanço social, econômico e cultural das civilizações.

E, então, fez-se o verbo.

Considerada a mais antiga das civilizações, o povo sumério, localizado

na região sul da Mesopotâmia, foi o primeiro a usar esse sistema pictográfico,

por volta de 3400 a.C., assim como foi o primeiro a tentar tirar de seus

caracteres a conotação com as coisas representadas. Da estilização das

imagens começaram a tentar caracterizar os sons da linguagem falada,

surgindo daí a escrita silábica. Como as ferramentas utilizadas para gravar os

pictogramas, ideogramas, e, depois, os caracteres silábicos tinham a ponta em

formato de cunha essa escrita passou a ser denominada como cuneiforme.

Esses registros eram gravados em tabuletas de argila úmida que eram postas

para secar ao sol ou cozidas numa espécie de forno, garantindo sua

durabilidade e longevidade.

[Imagem 1 – Exemplo de uma tabuleta sumeriana. In http://i-cias.com/e. o/cuneiform_img.htm ]

A escrita pictográfica era utilizada também pelos egípcios que, em torno

de 3100 a.C. desenvolveram a sua hierós glyphós, ou “escrita sagrada”, como

os gregos a chamavam. A escrita hieroglífica além de pictográfica era ao

mesmo tempo ideográfica, ou seja, além de usar imagens bastante

simplificadas para representar objetos concretos, usava-as também para

representar idéias abstratas. Empregava o princípio do rébus, o ideograma no

estágio em que deixa de significar diretamente o objeto que representa para

indicar o fonograma correspondente ao nome desse objeto.

Segundo a calígrafa Izabel Cecchini, como essas imagens eram

freqüentemente mal interpretadas, já que o mesmo som era utilizado em várias

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palavras, foram introduzidos mais dois sinais, sendo um para indicar como elas

deveriam ser lidas e outro para lhes dar um sentido geral. Os hieróglifos eram

escritos em vários sentidos, da esquerda para a direita, da direita para a

esquerda ou mesmo de cima para baixo. A colocação das palavras, do ponto

de vista gramatical, era seqüencial, primeiro o verbo, seguido pelo sujeito e

pelos objetos direto e indireto.

A escrita hieroglífica era monumental e religiosa, uma vez que era

utilizada principalmente para inscrições formais nas paredes de templos e

túmulos e para registrar os acontecimentos mais importantes do império. Para

o uso cotidiano, os egípcios desenvolveram mais dois tipos de escrita: a

hierática, por volta de 2400 a.C., escrita cursiva utilizada na maior parte dos

textos literários, administrativos e jurídicos, e o demótico, a escrita do povo, por

volta de 500 anos antes de nossa era. A escrita demótica era uma simplificação

da escrita hierática, que, por sua vez, era uma redução da hieroglífica.

[Imagem 2 – A pedra de Roseta1, no Museu Britânico. In http://i-cias.com/e.o/index.htm]

Para Melvin L. DeFleur e Sandra Ball-Rokeach [1993], os egípcios foram

os criadores da primeira mídia portátil: o papiro.

A utilização da pedra como suporte de registro tinha a capacidade da

durabilidade, mas não a da transportabilidade através do espaço, o que exigiu

dos povos antigos a necessidade de desenvolver novos meios com os quais a

escrita pudesse ser transportada mais facilmente.

Por volta de 2500 a 2200 a.C. os egípcios descobriram que podiam

utilizar as películas da parte exterior da haste da planta aquática papiro como

suporte para seus registros. Primeiro eles cortavam as películas em lâminas

muito finas e as colavam formando uma espécie de compensado de folhas.

Essas folhas eram superpostas com as fibras cruzadas para aumentar a

espessura e a resistência do produto, eram polidas com óleo, colocadas para

secar e comprimidas com uma pedra lisa.

[Imagem 3 – Papyrus of Nes-Min. In http://www.dia.org/collections/ancient/egypt/1988.10.13larger.html]

1 A pedra de Roseta foi descoberta em 1799 pelos soldados de Napoleão na cidade de Rashid (Roseta), a leste de Alexandria.e tem gravado um decreto de Ptolomeu V, datado de 196 A.C., registrado em caracteres hieróglifos, em caracteres demóticos e em caracteres gregos. A pedra foi decifrada pelo francês Jean François Champollion em dois anos, de 1822 a1824.

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Como suporte de escrita o papiro foi adotado pelos gregos, romanos,

bizantinos e árabes, provocando uma mudança significativa na organização

social e cultural da sociedade. Mas, em conseqüência das transformações

sociais e comerciais que aquelas civilizações vinham passando, o movimento

da escrita foi progressivamente afastando-se da representação mesmo que

estilizada dos objetos. Para Philippe Breton e Serge Proulx [2002], essa

separação progressiva da dimensão analógica da imagem talvez deva ser

relacionada, pelo menos no que concerne às principais línguas semíticas, à

recusa de representar Deus pela imagem, no judaísmo, ou todo ser vivente, no

islã, duas religiões que se exprimem em escrita alfabética.

Outro ponto que podemos adicionar à necessidade dessa separação

refere-se, como dito anteriormente, à imensa quantidade de caracteres

existentes tanto nas escritas cuneiforme e hieroglífica quanto na chinesa e na

dos maias, surgidas aproximadamente no mesmo período que as duas

primeiras.

Durante um bom período de tempo, os sistemas de escrita da

Mesopotâmia e do Egito atendiam às necessidades dos demais povos.

Entretanto, os grandes comerciantes que circulavam pelo Mediterrâneo não

tinham compromisso algum com essas culturas e logo perceberam as

vantagens de unir a praticidade do silabário cuneiforme, que permitia que com

poucos caracteres se escrevesse qualquer palavra, com o grafismo da escrita

egípcia, mais especificamente da escrita hierática, mais atraente tanto para ser

escrita quanto lida, principalmente nas atividades cotidianas.

Em 1905, em Serabit el Khadim, na península do Sinai, arqueólogos

descobriram 30, ou 31, inscrições, de 1600 a.C., que mostram tanto signos

hieroglíficos quanto sinais da língua semítica ocidental. Esses pesquisadores

nomearam essa escrita como proto-sinaítica e a consideram como o sistema

precursor do primeiro alfabeto consonantal, uma vez que conseguiram

identificar de maneira inequívoca as letras B, H, L, M, N, Q, T e dois sons

hebraicos, aleph e ayin.

Esse primeiro alfabeto foi criado e disseminado pelos fenícios entre 2000

e 1700 a.C e era constituído por vinte e oito letras, das quais vinte e seis eram

consoantes. Com o tempo, o alfabeto passou a ter apenas vinte e duas letras e

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foi adaptado por vários povos em consonância com suas línguas, tais como a

árabe, a hebraica, a aramaica, a tamúdica, a púnica e, principalmente, a grega.

Embora fosse utilizado por praticamente todas as culturas, o alfabeto

fenício, pela ausência de vogais, terminava por dar margem a muitas

ambigüidades. Se os semitas e fenícios provocaram uma verdadeira revolução

na estrutura social e cultural da antiguidade com a criação do alfabeto

consonantal, foram os gregos, entre os séculos VIII e IV antes de nossa era, os

responsáveis por uma das mais significativas realizações dos seres humanos:

a inserção de vogais no alfabeto fenício, sendo um dos fatores históricos

preponderantes para o desencadeamento dos grandes movimentos da ciência,

das artes e da religião.

[Imagem 4 – Tabela do alfabeto grego com os vários tipos de sinais usados pelas diferentes

polis. In http://victorian.fortunecity.com/vangogh/555/Spell/Gk-alph2.gif].

Em paralelo à evolução das formas escritas, o desenvolvimento de

outras técnicas também foi fundamental nesse processo de emancipação.

Podemos resumir esse longo período histórico parafraseando Ésquilo, em

Prometeu acorrentado: os “seres indefesos chamados humanos”, agora

dotados de lucidez e razão, aprenderam também a construir casas com tijolos

endurecidos pelo sol e a usar a madeira, foram instruídos sobre a ciência

básica da elevação e do crepúsculo dos astros e sobre a ciência dos números

e das letras, aprenderam a subjugar as bestas e a atrelar os carros aos

cavalos, a construir navios e a usar as folhas e frutos que serviriam como

alimentos, remédios e bálsamos e adquiriram conhecimento sobre as artes

divinatórias, os presságios e sobre os sonhos.

Descobriram também que era sua capacidade de produzir, armazenar e

fazer circular a informação a força motriz de sua evolução e sobrevivência

como espécie humana.

As informações começam a circular.

Os primeiros registros de um serviço postal datam de aproximadamente

2000 a.C., e foi utilizado primeiro pelos egípcios. Eram basicamente despachos

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governamentais levados por cavaleiros de uma região a outra. Os persas, os

chineses e os gregos usavam o mesmo sistema e, em casos de longa

distância, utilizavam-se de um sistema de revezamento. A cada número de

quilômetros, o mensageiro parava em uma casa postal para trocar de cavalo ou

para passar a correspondência a outro emissário que a levaria adiante.

Foram os romanos que desenvolveram o mais eficiente, seguro e

duradouro serviço postal da antiguidade, o cursus publicus. Seus mensageiros

chegavam a percorrer, por dia, 70 quilômetros a pé ou 200 quilômetros a

cavalo Havia, ainda, um sistema de inspeção constante para prevenir seu uso

abusivo pra propósitos privados.

Breton e Proulx defendem a idéia de que Roma, tanto na República

quanto no Império, foi, por excelência, uma sociedade de comunicação e nela

tudo se organizava em torno da vontade de fazer da comunicação social uma

das figuras centrais da vida cotidiana. Tanto assim que difundiram e

universalizaram, no tempo e no espaço, a cultura latina e foi o pragmatismo de

sua língua que permitiu o nascimento da idéia de informação, ou seja, de um

conhecimento que se pode elaborar, sustentar, e, sobretudo, de um

conhecimento transmissível, notadamente por meio do ensino.

A palavra latina informatio designa, de um lado, a ação de moldar, de

dar forma. De outro, significa, de acordo com o contexto, ensino e instrução, ou

idéia, noção, representação. A coexistência desses dois sentidos, segundo os

autores acima mencionados, indica que, ao contrário da cultura grega, a cultura

romana não dissociava a técnica do conhecimento.

Por essa altura, o rolo de papiro já havia sido substituído pelo

pergaminho, produto feito geralmente com peles de gado, antílopes, cabras e

ovelhas, especialmente animais recém-nascidos, por este ser mais flexível

possibilitando a dobra de suas folhas para a montagem de cadernos,

conhecidos como códices ou manuscritos. Os primeiros livros foram escritos

em pergaminho, como, por exemplo, os livros do antigo testamento, a Ilíada e a

Odisséia e as primeiras tragédias gregas. Embora o papel tenha sido inventado

na China, no ano 105, por Ts'ai Lun, um alto funcionário da corte do imperador

Chien-Ch'u, da dinastia Han (206 a.C. a 202 da era cristã) contemporânea do

reinado de Trajano em Roma, só em 1150, através dos árabes, chegou à

Espanha, onde foi criada a primeira indústria de papel da Europa.

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Ainda como códice o livro começou a ser um suporte de comunicação e,

segundo Pierre Grimal, “Em Roma, as livrarias, como as salas de declamação,

eram o ponto de encontro dos connaisseurs, que debatiam problemas literários:

os jovens escutavam, os antigos clientes peroravam, em meio aos livros cujos

rolos, cuidadosamente reproduzidos, alinhavam-se acima deles. A porta da loja

era coberta de inscrições que anunciavam as obras à venda. (...) A publicidade

estendia-se nos pilares vizinhos. Essas lojas de livreiros situavam-se,

naturalmente, nas vizinhanças do fórum”2.

Foi em Roma, também, que surgiu o primeiro verdadeiro jornal, os Acta

diurna, uma publicação gravada em tábuas de pedra e afixada nos espaços

públicos, criada em 59 a.C. por ordem de Júlio César, que registrava trabalhos

do Senado, fatos administrativos, notícias militares, obituários, crônicas

esportivas, e vários outros assuntos.

Com o fim do Império Romano e antes do advento da imprensa, foram

estabelecidos pelo menos quatro tipos de redes de comunicação, segundo

estima John B. Thompson [1998]: A primeira era a estabelecida e controlada

pela Igreja Católica; a segunda, aquelas mantidas pelas autoridades políticas

dos estados e principados, que operavam tanto dentro dos territórios

particulares de cada estado quanto entre os estados que mantinham relações

diplomáticas; a terceira rede estava ligada à expansão da atividade comercial;

e, finalmente, a constituída por comerciantes, mascates e entretenedores

ambulantes. Esses disseminavam as informações nas reuniões em mercados

ou em encontros nas tabernas.

Segundo Thompson, ao longo dos séculos XV, XVI e XVII, estas redes

de comunicação foram submetidas a dois desenvolvimentos-chave. Em

primeiro lugar, alguns estados começaram a estabelecer serviços postais

regulares que rapidamente cresceram em disponibilidade para uso geral, e, em

segundo, foi o uso da imprensa na produção e disseminação de notícias.

Dos incunábulos ao Le Journal de Paris.

[Imagem. 5 - Summa de vitiis et virtutibus – 1270 - Guilelmus Peraldus. In

www.dartmouth.edu/~speccoll/westmss/003104.shtml]

2 Apud BRETO, Philippe & Prouxl, Serge.

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[Imagem 6 - Book of hours, use of Paris. Paris: Phillippe Pigouchet for Simon Vostre, 25 April 1500.

Printed on vellum. In http://www.grolierclub.org/incunabula.htm]

Os códices, tal como os rolos de papiro e pergaminho, eram,

naturalmente, escritos à mão, daí serem denominados manuscritos, e sua

confecção, principalmente na Idade Média, entre os séculos VII a XIII, tornou-

se uma atividade essencialmente monástica, principalmente pelo alto custo do

suporte e da cópia, pela lentidão em sua confecção – um bom copista

trabalhava em média duas folhas e meia por dia – e para evitar a disseminação

do conhecimento entre os homens comuns.

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