história da ciência nos cursos superiores de química ... · 1 o interesse do prof. h. rheinboldt...
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História da Ciência nos cursos superiores de química: diagnóstico e formação
continuada de professores
Maria Helena Roxo Beltran – [email protected]
CESIMA/ Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência PUCSP
1. Intodução
Este trabalho visa a analisar alguns dados sobre o perfil de professores que ministram
disciplinas ligadas à História da Ciência em cursos de licenciatura e bacharelado em química
nas regiões sul e sudeste de nosso país, bem como seu envolvimento nas ações de formação
continuada promovidas no âmbito do projeto “História da ciência e ensino: abordagens
interdisciplinares no Ensino Superior (diagnóstico, formação continuada e especializada de
professores)”, apoiado pelo Programa Observatório da Educação – OBEDUC (CAPES/INEP
processo no. 23038.002603/2013-47).
Contribuições que a história da ciência pode trazer ao ensino vêm sendo consideradas por
diversos pesquisadores, bem como nos textos legais brasileiros, destacando especialmente a
relevância dessa área do conhecimento na formação de professores para se desenvolver a
visão de ciência como conhecimento historicamente produzido.
Entretanto, em termos de Brasil, ainda são poucos os professores e pesquisadores com
formação especializada em História da Ciência, já que é recente em nosso país a criação de
Programas de Pós-Graduação especialmente voltados a essa área, sendo o primeiro deles o
PEPG em História da Ciência da PUCSP, recomendado pela Capes em 1999.
Com o propósito de contribuir para formação continuada no campo da História da Ciência,
especialmente junto a professores que atuam em cursos superiores, ou seja, os formadores de
professores, foi realizado, com base nos dados do e-mec - base organizada pelo Inep -,
levantamento das instituições e dos cursos de graduação que oferecem disciplinas
relacionadas à História da Ciência. Com isso foi elaborado um diagnóstico que envolve dados
sobre a formação dos professores encarregados, bem como dados referentes a ementas das
disciplinas que ministram.
As ações de formação continuada vêm sendo realizadas tanto em cursos a distância, quanto
em cursos presenciais de imersão. Notou-se que os espaços de formação continuada têm sido
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usufruídos e aprimorados por professores não só das regiões sul e sudeste, mas também das
outras regiões do país.
Assim este trabalho apresentará alguns resultados do diagnóstico referente aos cursos de
química, bem como ao envolvimento dos professores desses cursos nas ações de formação
continuada.
2. Alguns dados sobre as disciplinas relativas a História da Ciência em cursos superiores
de Ciências Naturais e Matemática
A elaboração de diagnóstico sobre professores e disciplinas relativas a História da Ciência
por eles ministradas constinui um dos eixos do projeto supracitado em desenvolvimento junto
ao PEPG em História da Ciência d PUCSP, com apoio da Capes/Inep/Obeduc.
Na primeira etapa da produção desse diagnóstico foi utilizado o sistema e-Mec
(http://emec.mec.gov.br) do Ministério da Educação para se apurar quantos e quais eram os
cursos de Física, Biologia, Química e Matemática, existentes nas regiões Sul e Sudeste do
país, as quais foram selecionadas na delimitação deste estudo. O levantamento desses dados
foi realizado por integrantes de nosso referido Projeto OBEDUC e envolveu professores,
mestrandos, doutorandos e estudantes de graduação da PUCSP, bem como professores do
Ensino Básico de escolas públicas e particulares.
Esse primeiro levantamento mostrou os cursos oferecidos das áreas mencionadas nas duas
regiões. Iniciou-se, então, a segunda etapa voltada a averiguar quais desses cursos possuíam
disciplinas de História da Ciência e/ou afins. Para isso foi necessário buscar grades e ementas
de cursos nos sites das Instituições de Ensino. Em alguns casos foi necessário obter e/ou
complementar esses dados através de e-mail e telefonemas.
O grande empenho da equipe permitiu a compilação dos dados necessários à realização do
diagnóstico que realizaremos a seguir, com foco nos cursos de química.
O gráfico apresentado abaixo mostra que há uma presença considerável de disciplinas
relacionadas a História da Ciência nos cursos de Ciências Naturais e Matemática das regiões
sul e sudeste. Cabe ressaltar que a coleta de dados foi realizada antes da expansão dos IFES
em cujos cursos, sabemos, há grande presença de disciplinas relativas a História da Ciência
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No entanto quando analisamos o valor percentual por área, a que apresenta o maior índice é a
Química. Foram listados 675 (seiscentos e setenta e cinco) cursos de Química nas duas
regiões, dos quais 263 (duzentos e sessenta e três) ou 39% (trinta e nove por cento) tem
alguma disciplina de História em sua grade curricular.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
SÃO PAULO RIO DEJANEIRO
ESPIRITOSANTO
MINASGERAIS
PARANÁ SANTACATARINA
RIO GRANDESUL
28%
16%20%
63%
7%
16%
9%
Percentual de cursos com disciplinas de HC:
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
40%
Física Biologia Química Matematica
32%
26%
39%
24%
Percentual de disciplinas de HC por Área:
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Além disso, na região Sudeste a área que possui o maior índice de disciplinas relacionadas à
História da Ciência é a Química, seguindo a média do conjunto de dados. Nessa área existem
534 (quinhentos e trinta e quatro) cursos listados, dos quais 248 (duzentos e quarenta e oito)
ou 46% (quarenta e seis por cento) possuem disciplinas de História da Ciência. Pode-se
atribuir esse destaque considerando-se a valorização da História da Química entre os
pioneiros dos cursos de química na USP, especialmente dos professores H. Rheinboldt e
Simão Mathias1. Além disso, desde 1986 a Proposta Curricular do Estado de S. Paulo já
considerava a história da ciência como um dos três pilares do ensino de química2. Na
sequência vem as áreas de Física com 34% (trinta e quatro por cento); Biologia com 33%
(trinta e três por cento e finalmente a Matemática com 30% (trinta por cento).
Já na região Sul há um panorama diferente, pois, a área com o maior percentual de disciplinas
de História da Ciência é a Física com 28% (vinte e oito por cento). Dos 155 (cento e
1 O interesse do Prof. H. Rheinboldt pela bhistória da química reflete-se em seu livro A história da balança, recentemente republicado. Sobre o Prof. Simão Mathias, basta dizer que é o patrono do CESIMA/PUCSP 2 Os outros dois pilares seriam a experimentação e o cotidiano.
0%
10%
20%
30%
40%
50%
Física Biologia Química Matematica
34% 33%
46%
30%
Percentual de disciplinas de HC por Área na região Sudeste:
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cinquenta e cinco) cursos oferecidos, 44 (quarenta e quatro) possuem disciplinas relacionadas
à História da Ciência3. Mas, em segundo lugar temos a Química com 11% (onze por cento).
A partir desses dados pode-se perceber um maior interesse dos cursos de química pela
história da ciência. Além disso, como será visto a seguir, parece também haver maior
envolvimentos dos professores de química com a história de sua ciência.
3. Alguns dados sobre as atividades de formação continuada em História da Ciência e
Ensino
A formação continuada é o segundo eixo de desenvolvimento deste projeto. As principais
ações neste eixo são as Escolas de Verão (curso presencial de imersão com duração de 20
horas) e os cursos EaD em História da ciência e Ensino. Os dados que analisaremos a seguir
referem-se à Escola de Verão 2015 e ao primeiro curso de 36 horas, totalmente a distância,
oferecido a professores do ensino superior entre 8 de abril e 18 de junho de 2015.
Em relação aos professores participantes na Escola de Verão 2015 e o curso de extensão EaD
oferecido no primeiro semestre de 2016, predominou a inscrição de professores da região
Sudeste (68%), conforme os dados que se seguem:
3 Este e outros dados do diagnóstico referentes aos cursos superiores de física estão sendo analisados por M. Pantaleo Jr. em sua tese de doutorado desenvolvida no âmbito deste projeto sob orientação de F. Saito.
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
Física Biologia Química Matematica
28%
4%
11%9%
Percentual de disciplinas de HC por Área na região Sul:
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Isso pode ser compreendido por se tratar de atividade presencial, realizada na PUCSP, S.
Paulo, Capital. Vários participantes dessa Escola de Verão também se inscreveram para o
curso EaD, entre os quais oito foram selecionados. O gráfico a seguir mostra as áreas dos
participantes inscritos, revelando mais uma vez um grande interesse por parte dos professores
de química.
Por Região
Norte 3
Nordeste 14
Centro-oeste 2
Sudeste 120
Sul 37
7
Foram aplicados questionários ao início do curso de extensão, constituído por algumas
questões informativas e diretas e duas questões abertas. Ao final do curso foi aplicado outro
questionário composto por duas questões abertas.
Considerou-se para análise os dados dos participantes que responderam aos dois
questionários e realizaram as atividades de elaboração de plano de ensino, num total de 9
professores entre os 24 inicialmente inscritos.
A partir das respostas às questões diretas e informativas chegou-se aos seguintes gráficos:
0
5
10
15
20
25
30
Biologia Física Mat Química
Participantes por área
9
Analisando-se os dados recolhidos pode-se notar que os professores selecionados cursaram
licenciatura em química. Entretanto, apenas metade deles teve em seu curso disciplinas
relacionadas a História da Ciência e/ou participou de atividades de formação continuada
nessa área. Isso indica a relevância de se propor tais atividades aos professores de ensino
superior dedicados à formação de professores. Além disso, é interessante notar que um terço
desses professores também atuam no ensino médio dando aulas de química. Também no
ensino superior sua ação se dá especialmente em disciplinas relacionadas à química e a
práticas de ensino, disciplinas pedagógicas e, principalmente, estágio supervisionado. Apenas
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uma disciplina específica de “História e Epistemologia da Química” foi relacionada nas
respostas dos professores. Assim, pode-se inferir que a história da química é principalmente
abordada em cursos de caráter pedagógico e nos estágios, sugerindo que se tende a valorizar,
na formação de professores, a aplicação de abordagens históricas enquanto práticas didáticas.
Isso é corroborado pela análise das respostas às questões abertas, como será visto a seguir.
Para análise, selecionamos as questões abertas de cada um dos questionários referentes às
expectativas em relação ao curso (primeiro questionário) e à verificação de mudanças quanto
à percepção sobre história da ciência (segundo questionário), apresentadas aos participantes
da seguinte forma:
O que você espera do Curso de Extensão em História da Ciência?
O que mudou na sua percepção de História da Ciência após a realização do curso?
As respostas dos professores a essas questões abertas foram analisadas, numa primeira
abordagem, por meio da metodologia de mineração de textos, desenvolvida por
pesquisadores da URGS, a qual utiliza o aplicativo Sobek4. Os diagramas obtidos a partir
desse aplicativo mostram os termos mais citados no texto, bem como a frequência com que
são citados e, o que é bastante interessante, as relações entre eles.
Aplicamos o Sobek ao conjunto das respostas dos participantes selecionados às duas questões
abertas. A primeira respondida antes do curso EaD e a segunda, após. Apresentamos a seguir
os diagramas obtidos.
Inicial
4 MACEDO, Alexandra ; AZEVEDO, Breno ; BEHAR, Patricia ; REATEGUI, Eliseo . Acompanhamento da interação e produção textual coletiva através de mineração de textos. Informática na Educação
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Final
Pode-se notar que, como era de se esperar, a expressão mais frequente, nos dois momentos,
foi história da ciência, já que as questões se referiam explicitamente a isso. Entretanto as
relações entre essa expressão central – História da Ciência – e os outros termos, mudam do
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primeiro para o segundo momento. Inicialmente, encontra-se História da Ciência ligada a
“espero”, “aprender”, “melhorar”, “curso”, refletindo, evidentemente, as expectativas dos
participantes. Entretanto, não há ligação direta desse termo com “química” ou com “sala de
aula”. Já no diagrama obtido a partir das respostas referentes a mudanças de percepção sobre
História da Ciência, essa expressão também aparece em sua forma abreviada, e, na totalidade,
aparecem relações diretas com “ensino”, “química” e “sala de aula”. Acrescendo-se à análise
desses diagramas, dados colhidos ao longo do curso, na realização pelos professores das
atividades propostas, podem-se verificar mudanças na visão do próprio papel da história da
ciência no ensino. A história da ciência deixa de ser um elemento adicional, um adorno ou
enfeite, para ligar-se ao conteúdo da química na sala de aula.
4. Considerações Finais
Esta análise preliminar, relacionando dados referentes a cursos superiores de química e o alto
interesse mostrado por professores de química nas ações de formação continuada fornecidas
no âmbito de nosso projeto OBEDUC, sugere que a inserção de disciplinas relacionadas a
história da química pode ter um componente oriundo da tradição dos pioneiros fundadores
dos cursos de química no Brasil, na primeira metade do século XX. Entretanto, pode-se notar
que ao final do curso de formação continuada os professores ultrapassam a tradição,
mostrando que relações entre história da química e ensino devem ser estabelecidas.
5. Bibliografia
Alfonso-Goldfarb, A. M., M. H. M. Ferraz, M. H. R. Beltran & A. P. dos Santos (Orgs.). Simão
Mathias – cem anos: química e história da química no início do século XXI. São
Paulo: EDIT-SBQ, PUC-SP, 2010, p. 9-14.
Beltran, M. H. R.. “História da Ciência e Ensino: Algumas considerações sobre a Construção de
Interfaces”. In: Geraldina P. Witter; Ricardo Fujiwara. (Orgs.). Ensino de Ciências e
Matemática. São Paulo: Ateliê Editoral, 2009, 179-208.
Beltran, M. H. R. Fumikazu Saito, Lais. S. P. História da Ciência para formação de professores.
São Paulo: Livraria da Física, 2014.
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Beltran, M.H.R & F. Saito. História da ciência, epistemologia e ensino: uma proposta para atualizar
esse diálogo. In I. Martins & M. Giordan, orgs, Atas do VIII ENPEC, 2012, disponível em
http://www.nutes.ufrj.br/abrapec/viiienpec/resumos/R1396-1.pdf
Macedo, A.; Azevedo, Breno ; Behar, Patricia ; Reategui, Eliseo . Acompanhamento da interação e
produção textual coletiva através de mineração de textos. Informática na Educação
(Impresso), v. 33, p. 33-45, 2011.
Rheinboldt, H. A história da balança; A vida de J.J. Berzelius. S. Paulo: EDUSP/Nova Stella, 1988.
São Paulo (Estado), Secretaria da Educação, Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas.
Proposta Curricular para o Ensino de Química : 2o. Grau. São Paulo, SE/CENP, 1988.
Autores: Hiroyuki Hino, Márcia Ferraz, Natalina Sicca.