histologia e anatomia das partes distais dos membros … · –histologia e anatomia das partes...
TRANSCRIPT
– HISTOLOGIA E ANATOMIA DAS PARTES DISTAIS DOS MEMBROS
DOS BOVINOS
Os bovinos são classificados como mamíferos quadrúpedes ungulados, isto é,
apoiam-se e movimentam-se sobre quatro membros, estando a parte distal
dos mesmos revestida por casco.
A parte distal do membro anterior de um bovino é conhecida por mão e os
seus dois dígitos são também designados por dedos, o dedo lateral e o dedo
medial (didactilia). No membro posterior, a sua parte distal designa-se de pé,
tendo estes também dois dedos, sendo lateral de maiores dimensões.
Cada membro apresenta, além dos dois dedos principais, dois dedos
suplementares ou rudimentares, encontrando-se estes últimos projectados
atrás do boleto e geralmente não estão em contacto com o solo.
– Histologia do casco
Cada dígito de um bovino e composto por três tipos de tecido: a epiderme, a
derme e o tecido subcutâneo. A epiderme é queratinizada e a derme, também
chamada de córion, é uma estrutura altamente vascularizada que tem como
função a nutrição do casco. Por último, o tecido subcutâneo que forma a
almofada digital. Além dos três tecidos referenciados, cada dígito compõem-se
ainda de três falanges e três sesamóides, tendões e ligamentos8.
O termo casco compreende a cápsula ou estrato córneo da epiderme e os
outros componentes.
– Epiderme
A epiderme divide-se em: estrato basal, estrato germinativo e estrato córneo,
este último ainda se subdivide em: em estrato externo, estrato médio e
estrato interno ou lamelar.
A epiderme é avascular, pelo que os queratinócitos da camada germinativa
dependem do suprimento sanguíneo da derme (córion) para obtenção de
oxigênio e nutrientes. Esta difusão sanguínea pode ser quebrada o que conduz
à produção de um mau tecido córneo.
A camada germinativa da epiderme e o córion têm uma íntima relação, por
consequência, qualquer lesão numa destas estruturas conduz a prejuízos na
outra.
A estabilidade estrutural do tecido córneo é resultante dos complexos
formados entre a queratina e os aminoácidos metionina, histidina, lisina e
arginina, bem como água, macro e micro-elementos (cálcio, fósforo, cobre,
zinco, enxofre cobalto, molibdénio) e uma pequena quantidade de gordura.
Externamente, verificam-se na epiderme ou tecido córneo, estruturas que
adquirem um nome próprio1 (figura 1 e 2):
- Bordo coronário ou coroa;
- Parede ou muralha;
- Palma ou sola;
- Talão;
- Linha branca.
Figura 1 – Representação esquemática da anatomia do casco, vista
palmar (Adaptado de 3).
– Derme
A derme ou córion divide-se em três partes:
- A parte coronariana ou perioplo. Esta ocupa um espaço restrito, sendo
formada por papilas vascularizadas que se orientam em direcção à superfície
do chão. O tecido córneo mole da banda coronária é produzido por células
germinativas;
- A parte parietal ou tubular localiza-se imediatamente abaixo da derme
coronariana;
- A derme lamelar é predominantemente vascular e tem muitas fibras
reticulares densas que ligam a parede dos vasos à falange distal;
– Tecido subcutâneo
O tecido subcutâneo ou sub-cutis é abundante no bulbo ou talão,
apresentando- se como uma densa camada de tecido fibroelástico,
O bulbo tem uma importante função de amortização dos impactos e, quando é
pressionado durante a distribuição de peso, expande-se axial e abaxialmente,
transferindo as forças para a parede do casco. Quando ocorrem alterações na
estrutura do talão ou quando há reduzidas forças de tensão, por exemplo, na
laminite crónica, a absorção do impacto pelo bulbo fica claramente
comprometida.
O tecido subcutâneo está ausente na maioria do córion.
– Aspectos anatómicos
Sob o ponto de vista anatómico, além das estruturas histológicas atrás
referidas, é essencial abordar as estruturas ósseas, as articulações, os
ligamentos e os tendões, pois elas estão encarregadas de suportar, distribuir e
amortecer o peso do animal no solo.
– Ossos
Quanto à constituição óssea, as extremidades distais dos membros
compreendem diversos ossos, entre o carpo (mão) ou o tarso (pé) e as
falanges distais3.
Os ossos suportam primariamente as estruturas do pé. Cada dedo é
constituído por três ossos principais:
- Falange proximal ou primeira falange;
- Falange média ou segunda falange;
- Falange distal ou terceira falange.
Existem ainda outros ossos mais pequenos, os ossos sesamóides, essenciais
para atuar como guia dos tendões.
O osso mais susceptível de ser lesado é a terceira falange, pois está mais
exposta a traumatismos ou a agentes infecciosos que podem chegar até ela
após a ocorrência de lesões e deformações na proteção córnea ou epiderme.
– Articulações
As articulações são a união entre os ossos, que estão recobertos por
cartilagem na sua parte final (figura 2). Estas estruturas estão encarregadas
de proteger a fricção entre os ossos a quando o movimento destes. A
articulação está rodeada por uma cápsula articular onde está um líquido
gelatinoso, chamado líquido sinovial, e tem como função a lubrificação
contínua, reduzindo ainda mais o atrito7.
A articulação interfalangiana distal, está totalmente encerrada na cápsula
córnea e une a segunda e a terceira falange. A unha ou dedo compreende a
terceira falange, a parte distal da segunda falange, o osso sesamóide distal ou
osso navicular, os ligamentos articulares e a parte terminal dos tendões
flexores e extensores, o córion e o tecido subcutâneo, estando todas estas
estruturas envoltas pela cápsula córnea.
– Ligamentos
Os ligamentos unem e suportam os ossos entre si. Existem vários ligamentos
que estão encarregados de prevenir que os dedos se afastem lateralmente.
Dentro destes, os mais importantes são os ligamentos cruzados5.
Sempre que um animal comece a ter alterações no caminhar estes ligamentos
sofrem estiramento e provocam inflamação com as conseqüentes
claudicações.
– Tendões
Os tendões unem os músculos aos ossos, ao contrário dos ligamentos que
contatam osso entre si. Nos membros há dois tipos de tendões (figura 2):
- Os tendões flexores ou posteriores, que têm como função elevar o pé e a
perna;
- Os tendões extensores ou anteriores, que permitem a descida gradual do pé.
Os tendões, tal como os ligamentos, são de natureza fibroelástica. Estes estão
recobertos por uma bainha fibrosa que, quando lesionada, leva a inflamações
e, quando colonizadas por bactérias conduz a um processo de tendinite7.
– Irrigação e enervação do pé
Devido à complexidade da enervação e irrigação do pé, é de grande relevância
que aqui seja mencionada, pois o seu conhecimento é de vital importância
para a conhecer a fisiopatogenia das lesões, proceder à correta instauração de
técnicas de anestesia e terapêutica1.
Pelo fato de a maioria das lesões serem encontradas nos membros
posteriores, descrevem-se aqui, ainda que de forma sucinta, os seus vasos
mais importantes e com interesse em intervenções cirúrgicas ou dolorosas no
pé, dando particular atenção aos vasos sanguíneos já que a anestesia regional
intravenosa é a que mais utilizada.
Os principais vasos arteriais que irrigam o pé são:
- As arteríolas plantar medial e plantar lateral, que são ramas da
artéria safena;
- A artéria metatársica dorsal, que se liga às artérias plantares;
- A artéria digital comum plantar III, que é um ramo da artéria
plantar medial que continua em direcção ao espaço interdigital onde
se anastomosa com o tronco principal. É encontrada quando há
amputação de um dedo.
As veias estão divididas num sistema profundo havendo, contudo, alguns
vasos importantes:
- A veia safena lateral que emerge de duas tributárias;
- A veia safena medial que é formada por duas ramos, o ramo cranial
e o ramo caudal.
As veias superficiais, abaixo do jarrete, podem salientar-se pela aplicação de
um torniquete para administração de anestésico local com o objetivo de
dessensibilizar os dedos.
Quanto à enervação do pé, está a cargo dos ramos superficiais e profundo do
nervo peronial e dos nervos plantares medial e lateral. O bloqueio destes
nervos é importante caso se opte por uma técnica anestésica que não a
intravenosa regional. Entre essas técnicas de anestesia destacam-se duas:
infiltração peri-neural dos nervos digitais plantares e bloqueio circular. Quanto
à anestesia por bloqueio nervoso, o método consiste no bloquear dos troncos
nervosos responsáveis pela enervação das extremidades distais. Procede-se à
tranquilização do paciente e à limpeza e desinfecção da zona abaixo do boleto.
O primeiro ponto de inoculação é na face anterior do boleto e o segundo
ponto é posterior e entre os dois dedos acessórios. O terceiro e o quarto
pontos de inoculação são laterais, interno e externo, cerca de dois centímetros
acima dos dedos acessórios.
Figura 2 – Esquema representativo da anatomia e histologia do dedo
(Adaptado de 3).
– ETIOLOGIA DOS PROBLEMAS PODAIS
A intensificação das técnicas produtivas com a especialização de vacas por
raças e o moderno maneio na produção leiteira trouxeram um aumento do
número de claudicações, já que os bovinos experimentaram alimentações ricas
em fatores predisponentes para que estas ocorram. Algumas repercussões nas
claudicações dos bovinos situam-se na produção, condição corporal,
fertilidade, mamites, longevidade, sacrifícios dos animais (abate), melhoria
genética e mão-de-obra. Assim, importa conhecer e identificar os fatores
contributivos para a ocorrência de tais lesões.
– Fatores biomecânicos que contribuem para claudicações
Existe uma interação entre o solo que os bovinos pisam e os seus próprios
membros, o que requer conhecimentos da mecânica de apoio, bem como
conhecimentos do próprio chão que o animal pisa durante toda a sua vida.
Muitos outros fatores interferem diretamente na biomecânica podal e as
próprias patologias nestes locais que à frente serão abordadas.
– Extremidades posteriores
Os membros posteriores, durante o período que a vaca está parada,
apresentam movimentos de balanço nas ancas de 2,5cm para cada lado. Isto
conduz a um aumento de peso nos talões externos, enquanto que os internos
ficam inalterados4.
O talão posterior externo e a respectiva unha são maiores que o interno,
assim ao apoiar em terreno duro recebe mais pressão o que conduz a uma
maior irrigação sanguínea e consequentemente a um sobre-crescimento dessa
mesma unha2 (figura 33).
Outra característica da unha posterior externa é o facto de apresentar menor
concavidade na superfície palmar em relação à unha posterior interna. A unha
interna ou medial tem um apoio mais instável em terrenos duros, assim
transmite mais peso à unha lateral. Também nos movimentos de rotação as
unhas laterais ficam mais expostas a pressões sobre as mesmas. Todos estes
fatores anátomo-mecânicos contribuem para que as patas posteriores sejam
mais acometidas por lesões em relação às anteriores, e são as unhas laterais
ou externas as mais afectadas7.
– Extremidades anteriores
Os problemas podais nas extremidades anteriores são menos freqüentes do
que nas posteriores, no entanto, quando ocorrem alterações ou patologias
podais nestes membros, são muito mais incômoda para os bovinos
contribuindo para isso o balanceio do pescoço e o aumento de peso do
pescoço e da cabeça.
Quando a claudicação é unilateral, o bovino procura voltar o pescoço para o
lado são a fim de aliviar algum peso. Nas extremidades anteriores, as unhas
que freqüentemente sofrem mais lesões são as internas ou mediais e em tais
situações, é comum os bovinos cruzarem os membros para aliviar a dor.
Pensa-se que o fato da unha medial ser mais afetada se deve ao sobre-peso
oblíquo exercido nesta unha quando o bovino estende o pescoço através das
estruturas metálicas colocadas nas manjedouras para conseguirem alcançar o
alimento.
– Outras causas de claudicação
Além dos fatores atrás abordados outros existem e que são na atualidade
considerados fatores de risco. Genericamente, podemos dividir as claudicações
pela sua etiologia em três tipos: metabólicas, mecânicas e infecciosas (figura
34).
Alguns fatores de risco para a claudicação estão relacionados com a
alimentação, a hereditariedade, as instalações, o pastoreio, a produção, a
correção de cascos, a concentração de gado, o Homem, a fase da lactação, o
clima, a umidade, a idade, os traumatismos, e a época do ano. É de grande
importância conhecer estes fatores de risco, já que podem influenciar a
estrutura e a função do casco e assim conduzir a medidas que se possam
implementar para colocar em prática métodos profiláticos para uma melhoria
da sanidade dos bovinos.
Sobre alguns destes fatores atrás mencionados se irá em seguida fazer uma
breve abordagem, tal como a algumas patologias que deles possam derivar.
– Alimentação
Existe grande consenso de que a alimentação é um fator fundamental no
desenvolvimento dos problemas podais. Manifestações de úlceras palmares e
abcessos da linha branca são ambos consequências da incapacidade do córion
para produzir uma unha saudável, e a alimentação é de grande
responsabilidade nesta ocorrência.
A laminite está associada a toxémia por ingestão de excesso de hidratos de
carbono, a acidose ruminal e, em alguns trabalhos (segundo Roberto Acuña)
também comprovaram que um excesso de proteínas em mais de 15%
aumenta essa predisposição4. Pastagens e forragens que contenham altos
conteúdos de nitratos podem de igual forma causar laminites4.
Por outro lado, as lesões traumáticas por penetração de corpos estranhos
devem- se quase sempre a um casco de má qualidade, que pode ser originado
por uma inadequada administração de nutrientes que intervêm no processo de
queratinização. A ingestão de grandes quantidades de concentrado e baixo
consumo de forragem é um fator de problemas podais. Os amidos e outros
açúcares associam-se a problemas podais, bem como a proteína de alta
degradabilidade. Alimentações ricas em proteínas e baixas em fibras
conduzem a fezes abundantes e líquidas que vão conspurcar os pisos onde os
animais se movimentam, isto predispõe ao crescimento de microrganismos e
amolecimento dos cascos, sendo assim mais facilmente atacados por esses
agentes patogénicos7.
Carência de micro-elemetos, como o cobre (Cu) e o zinco (Zn), e de vitamina
E e selénio (Se) são na atualidade considerados fatores de risco para as
doenças podais7.
– Factores genéticos
A conformação das unhas é uma característica herdada, as quais demonstra
ter alguma correlação com as claudicações.
As unhas devem ser iguais, devendo ser descartadas do efetivo todas as vacas
com diferenças acentuadas de tamanho entre elas4. A seleção genética, para
aumentar a produção leiteira, não tem sido acompanhada com a seleção para
a qualidade dos cascos e dos membros, a fim de que os animais suportem
melhor o maior peso que o melhoramento genético permitiu2. Isto porque a
heritabilidade da conformação podal é bastante inferior à heritabilidade de
outras características morfológicas e até reprodutivas.
A pigmentação do casco é uma questão racial e mesmo não sendo
cientificamente comprovado tem aceitação geral que os claros ou não
pigmentados têm menor resistência que os escuros, sendo assim mais
susceptíveis a lesões.
– Instalações
Os tipos de estábulo são um fator ambiental de capital importância no
conforto dos animais pois condiciona o seu comportamento, a locomoção e as
relações sociais.
– Estabulação fixa
Em explorações bovinas de característica tradicional, as quais ainda assentam
em sistemas de estabulação fixa, as vacas amarradas permanentemente
acedem facilmente ao alimento e por conseguinte têm locomoção nula o que
lhe permite um sobre-crescimento do casco devido à falta de desgaste. Nesta
estabulação, as claudicações podais são mais frequentes nas patas anteriores,
pois as anteriores apoiam sobre um solo mais seco. Pelo contrário, as patas
posteriores estão em ambiente conspurcado devido às dejeções e urinas,
sendo assim a carga bacteriana sobre estas unhas é bastante elevada e a
resistência do casco diminuída pelo contínuo humedecimento e ataque de
agentes corrosivos7.
– Estabulação livre
Este é o tipo de estabulação que mais interessa, já que a grande parte das
vacarias têm vindo a evoluir para este sistema, verificando-se, com o passar
dos anos, o quase desaparecimento da estabulação fixa5.
É importante que a drenagem dos pátios e passeios, onde os animais se
deslocam, seja feita corretamente de forma a evitar zonas de acumulação de
dejetos.
Uma boa qualidade da cama dos animais nos cubículos faz com que estes
permaneçam deitados durante um maior número de horas do que quando as
camas apresentam uma altura baixa, provocando desconforto. Isto obriga as
vacas a estarem mais tempo de pé, assim exercem mais tempo pressão sobre
as patas. Com um maior número de horas de descanso as claudicações nas
vacas acabam por diminuir drasticamente7.
Os cubículos mal desenhados e curtos fazem com que as vacas tenham os
membro posteriores no limite da estrutura, apoiando-se, por vezes, nas pinças
causando grande desequilíbrio e desconforto aos animais2.
As vacas leiteiras precisam de estar deitadas entre 12 a 14 horas por dia. Para
isso o tamanho dos cubículos e a qualidade da cama são dois fatores para que
isso ocorra.
– Pastoreio
As vacas em condição de pastoreio têm os cascos mais secos que as vacas
confinadas. Existe uma relação entre o conteúdo de água do casco e a sua
dureza. Um aumento de água do casco leva a uma menor resistência e
consequentemente a um maior desgaste. Quando os cascos estão expostos a
uma maior umidade dos currais, ficam amolecidos permitindo que penetrem
nestes corpos estranho como pedras ou objetos pontiagudos. Por esta razão
as vacas em pastoreio têm menor exposição a dejetos e umidade o que
contribui para a ocorrência de um menor número de patologias podais.
O exercício durante o pastoreio favorece a atividade do retorno venoso,
aumenta a produção de casco e previne a invasão bacteriana.
– Produção
Numa exploração, as vacas com maiores índices de produção leiteira têm
maior risco de sofrer claudicações, sendo esse risco acrescido na fase de
maior produção que ocorre por volta dos 70 dias pós-parto.
Também no peri-parto, produzem-se uma grande quantidade de alterações
hormonais, alimentares e de maneio que geram uma situação de stress. Se
estes processos não forem controlados podem contribuir para problemas
podais5.
– Correcção funcional dos cascos
A correção funcional dos cascos deve ser feita de forma rotineira, tentando
restabelecer as proporções normais dos mesmos, restaurar a posição dos
membros e favorecer uma distribuição equilibrada do peso. Esta correcção
deve fazer parte de um programa de medicina preventiva nos efectivos
bovinos2.
Dada a importância deste assunto, será assim apresentado um capítulo
dedicado a este tema.
– Concentração de gado
A falta de superfície de cama em estabulações livres e o número de cubículos
sensivelmente inferior ao número de animais (figura 3) tem como
consequência um tempo menor de permanência dos animais deitados. Isto
reflete-se numa má qualidade das camas e correlaciona-se com um maior
número de claudicações, sendo mais freqüentes em animais que estão um
menor número de horas deitados7.
Em estábulos com pouco espaço, a contaminação das camas por fezes e
urinas faz-se rapidamente, assim como a carga bacteriana, o que incrementa
a incidência de doenças de doenças infecto-contagiosas, bem como a sua
velocidade de difusão7.
– Higiene
A sujidade combinada com umidade tem uma elevada relação com o
aparecimento de claudicações em bovinos (figura 4). A dermatite digital e
interdigital, erosão dos talões e pododermatites com complicações sépticas.
Pátios com dejetos e camas envoltas em umidade maceram a queratina do
casco e o próprio epitélio, facilitando a penetração de agentes infecciosos.
Pátios com dejetos e camas envoltas em umidade maceram a queratina do
casco e o próprio epitélio, facilitando a penetração de agentes infecciosos.
Figura 3 – Situação de sobre-população em regime de exploração bovina intensiva.
Figura 4 – Deficiente higiene dos pisos.
– Fator humano
A indiscutivelmente aceite que a intervenção humana numa exploração de
bovinos, principalmente de leite, tem um papel preponderante na diminuição
de vacas claudicantes e patologias à claudicação associadas7.
Se os criadores de bovinos tiverem conhecimentos básicos de podologia terão
obrigatoriamente menos vacas com problemas podais, não só pelo fato de
terem sensibilidade para o problema, mas também porque têm percepção do
real interesse que se deve dar a tais doeças. Este conhecimento adquirido
alerta os criadores para encomendar os serviços técnicos de um podólogo o
que permitirá impedir que algumas patologias podais se tornem crónicas ou
incurável.
Um veterinário com conhecimento de podologia e consciente da sua
importância pode ter uma direta influência para convencer o criador de
bovinos da real necessidade de encontrar esforços para prevenir e resolver os
problemas das unhas7.
– Climatologia
É uma evidência que o calor constitui uma fonte de stress para as vacas
leiteiras de alta produção. As consequências metabólicas do stress pelo calor
conduzem ao aparecimento de problemas nas patas dos bovinos5.
Por outro lado, um clima seco é favorável para a saúde podal, visto que solos
menos úmidos estão menos predispostos a levarem as patas dos bovinos à
incidência de claudicações.
– Época do ano
Em regiões onde o pastoreio predomina, a observação de patologias podais
tem menor incidência no Verão, sendo o Inverno e a Primavera as épocas do
ano com maior prevalência, destacando-se as dermatites digitais e
interdigitais.
Em estabulação livre, as diferenças estacionais são menos notadas,
contribuindo para isso o maior stress existente.
– Humidade
A cápsula córnea é uma estrutura higroscópica e a umidade impregna-se na
queratina do casco amolecendo-o. Como consequência, diminui a resistência
mecânica e aumenta a possibilidade de ataques químicos e bacterianos7.
Pelo contrário, uma grande perda de umidade do tecido córneo torna-o duro e
quebradiço, predispondo ao aparecimento de pequenas rachas denominadas
por fissuras. A quantidade normal de água no casco deve ser de 14 a 20% e
na palma de 15 a 30%7.
– Idade
Quanto mais idade tiver um bovino, maior será a probabilidade de padecer de
problemas nas patas. As vacas velhas tendem a sofrer de problemas crónicos
nas patas com frequentes recidivas.
– EQUIPAMENTO E INSTRUMENTAL USADO EM PODOLOGIA
Para o exame e recorte das unhas em bovinos, devem ser usados métodos de
contenção e instrumentos adequados à prática da podologia. A segurança do
animal e a segurança do operador devem estar presentes, já que atos
irrefletidos podem conduzir a graves consequências físicas tanto para o animal
em observação, como para o podólogo.
Neste capítulo, serão abordados todos os meios tecnológicos disponíveis no
mercado ou, pelo menos, a sua maioria, para a prática da podologia bovina
– Troncos de contenção
Na prática clínica podem-se usar as salas de ordenha ou recorrer-se ao
posicionamento do animal em decúbito lateral a fim de conter o animal.
Todavia, estes métodos mais tradicionais e em desuso oferecem pouca
segurança ao técnico que executa o trabalho e causam-lhe desconforto devido
a ângulos incorretos de visão.
Hoje, usam-se troncos de contenção dos mais variados modelos e de diversos
fabricantes. O uso de troncos de contenção transportáveis é o método mais
seguro e cómodo5.
– Troncos de contenção Wopa
Estes troncos são de fabrico holandês, de grande qualidade e com uma
grande variedade de modelos. Podem ter um funcionamento manual ou ter
um funcionamento hidráulico, sendo estes últimos mais cômodos e rentáveis,
porém mais honorosos na sua aquisição.
Os troncos Wopa (figura 5) são verticais e permitem um ângulo de visão mais
correto para o exercício da correção dos casco, estando o animal em estação.
Figura 5 – Troncos de contenção Wopa® móveis (Adaptado de 11).
– Troncos de contenção de origem uruguaia
Neste caso, os troncos são também verticais, embora menos usados na
Europa (figura 6).
Figura 6 – Troncos de contenção uruguaios. Vista lateral e frontal (Adaptado de 4).
– Troncos de contenção tombadores-hidráulicos
Estes modelos exigem menos esforço físico por parte do técnico, porém o ângulo de
visão para a correção dos cascos é menos perfeita, acrescendo ainda o facto de causar
mais stress ao animal (figura 7). A grande vantagem é proporcionar ao técnico o
acesso a todos os dígitos ao mesmo tempo2,4.
Figura 7 – Tronco de contenção tombador-hidráulico. Modelo Fregonezzi (Adaptadode 2).
– Instrumentos usados em podologia
Os instrumentos usados em podologia são geralmente muito simples, sendo
aqui também possível encontrar diversos fabricantes e modelos.
Nestes instrumentos de corte incluem-se as tenazes de corte articuladas
(figura 13), as facas de cascos (para a mão direita e para a mão esquerda)
(figura 8) e a rebarbadora com discos especiais de corte que facilitam o
trabalho e o tornam menos laborioso.
Também neste conjunto de ferramentas se incluem o equipamento para afiar
as facas de cascos (esmerilador e pedras de afiar) (figuras 9 e 10), grosas
para acabamento do recorte podal (figura 13), tacos ortopédicos de vários
modelos (figura 14) e botas de irrigação (figura 15).
Outras ferramentas podem ser adquiridas, embora estes sejam os mais usuais
e de maior necessidade.
Figura 8 – Facas de casco
direitas e esquerda.
Figura 9 – Disco de trapo para polir
após o afiar da faca.
Figura 10 – Discos de corte
para esmerilador.
Figura 11 – Rebaixador de cascos.
Figura 13 – Tenaz de corte de
unhas (em cima) e grosa para cascos
(em baixo).
Figura 12 – Pinça de detecção de dor.
Figura 14 – Tacos ortopédicos e cola para cascos.
Figura 15 – Bota de irrigação.
– CORRECÇÃO FUNCIONAL DOS CASCOS EM BOVINOS
Para uma perfeita correção de cascos em bovinos exige-se que o técnico que
opera em podologia tenha um conhecimento correto da anatomia dos
membros. Sobre estas regiões anatômicas já foram anteriormente dispensadas
algumas páginas. Outros aspectos de grande importância são a observação da
postura corporal do animal (figura 28), a posição dos curvilhões que estão
paralelos, num animal são, abertos, quando há sobrecarga das unhas
posteriores externas e assimétricos em relação à verticalidade do úbere2,5,8:
- adiantados quando o sofrimento é na ponta da unha (pinça),
denominado neste caso de camping under (figura 27);
- quando o apoio é por detrás do úbere, posição de camping back, indica
que há lesões no talão e o animal adota o apoio mais sobre as pinças7 (figura
16).
Por último devem ser observados epitélios adjacentes às unhas e
naturalmente as próprias unhas. A observação atenta das unhas,
quanto à sua morfologia e aspecto patológico, dará indicação do tipo
de correção mais adequado e poderá obrigar a fazer algumas
alterações ao padrão típico do aparo funcional periódico dos cascos
de animais que não claudicam. Esse aparo profilático deve ser feito
de seis em seis meses. É sobre este último aspecto que vamos
centrar e orientar a nossa descrição, alicerçando oprocedimento em
suportes técnico-científicos e que, pela sua natureza, obedece a
várias etapas.
Figura 16 – Bovino em posição de camping back.
– Correcção das unhas dos membros posteriores
Nos membros posteriores, começamos por corrigir a unha interna ou
medial por ser esta a mais pequena e normal, enquanto nas unhas
dos membros anteriores começa- se a correção pela unha externa ou
lateral sendo o procedimento igual em ambas.
Deve inicia-se a correção após limpeza geral do casco com jactos de
água ou com a faca de cascos para que se possam remover todos os
resíduos de material inorgânico podendo-se assim explorar melhor
toda a região da parede axial, da sola, do talão e da linha branca.
– Unha interna
Inicialmente, medem-se 7,5cm de comprimento desde o começo da
parede dura do casco até à pinça, ou seja, desde a parede
dorsobaxial do dígito ou banda coronária até à sua extremidade
distal. De seguida, corta-se o excesso com uma tenaz em forma
perpendicular à sola, devendo a espessura da sola ficar entre 0,5 a
0,7cm de altura (figura 30) após fazer o rebaixamento da sola com
uma faca de cascos (figura 17). A sola não deve ficar mais baixa que
a medida atrás referenciada e deve respeitar-se a altura dos talões.
No entanto, encontram-se unhas internas com o comprimento
correto, não devendo, por isso, ser cortadas, apenas deve-se
proporcionar uma certa estabilidade.
Figura 17 – Medidas recomendadas
para o recorte funcional dos cascos
(Adaptado de 6).
– Unha externa
Compara-se o comprimento das duas unhas acercando-se ou
aproximando-as e toma-se como referência o comprimento da unha
interna, cortando-se de seguida a unha externa (figura 29).
Posteriormente, com o uso da faca de cascos, faz-se o abaixamento
da unha desde o talão até à pinça aproximando o mais possível esta
da unha interna em relação à altura da sola, isto permite uma
correta distribuição do peso. Cada unha ficará a suportar 50% do
peso, ou o mais próximo possível dessa proporção.
– Moldar as concavidades axiais
Estas concavidades devem ser moldadas nos dois terços posteriores
da unha, respeitando o terço anterior que é de grande interesse para
um apoio estável da unha, deixando assim uma zona onde a pressão
por suporte do peso deve ser exercida (figura 31).
– Limpeza dos talões
Toda a região dos talões deve ser limpa de erosões e tecido
necrótico. É tão frequente encontrar talões erosionados que inclui-se
a sua limpeza como parte do recorte ou correção dos cascos. Para a
correção funcional básica bastam estes passos com os respectivos
procedimentos.