hipnose no processo penal brasileiro

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Graduação em Direito Gustavo Jacó Goedert A HIPNOSE COMO PROVA NO PROCESSO PENAL: Seria a hipnose considerada como meio de prova ilícita? São Paulo 2014

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Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie sobre Hipnose como Meio de Prova no Processo Penal Brasileiro.Trata-se de uma breve análise sobre hipnose e os meios de prova no Processo Penal Brasileiro, verificando-se a possibilidade ou não de aplicação de sessões de hipnose como forma de obtenção de provas.

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  • UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

    Graduao em Direito

    Gustavo Jac Goedert

    A HIPNOSE COMO PROVA NO PROCESSO PENAL:

    Seria a hipnose considerada como meio de prova ilcita?

    So Paulo

    2014

  • GUSTAVO JAC GOEDERT

    A HIPNOSE COMO PROVA NO PROCESSO PENAL:

    Seria a hipnose considerada como meio de prova ilcita?

    Trabalho de Graduao Interdisciplinar

    apresentado ao curso de Graduao em Direito

    da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como

    requisito parcial para a obteno do ttulo de

    Bacharel em Direito

    Orientador: Prof. Dr. Marco Polo Levorin

    So Paulo

    2014

  • Gustavo Jac Goedert

    A HIPNOSE COMO PROVA NO PROCESSO PENAL:

    Seria a hipnose considerada como meio de prova ilcita?

    Trabalho de Graduao Interdisciplinar

    apresentado ao curso de Graduao em Direito

    da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como

    requisito parcial para a obteno do ttulo de

    Bacharel em Direito

    _________________________________

    Prof. Dr. Marco Polo Levorin (Orientador)

    __________________________________

    Examinador 1

    __________________________________

    Examinador 2

    So Paulo, ___ de _______________ de 2014

  • Santssima Trindade,

    me, famlia, namorada e amigos.

  • AGRADECIMENTOS

    Tomo esta singela folha para agradecer todos aqueles que contriburam, direta

    ou indiretamente, para a realizao deste humilde trabalho, especialmente:

    Ao dignssimo professor orientador Marco Polo Levorin, que me deu apoio para

    seguir com o tema deste trabalho, alm da liberdade acadmica necessria para que

    pudesse realiza-lo.

    Ao meu pai, pelo incentivo aos estudos e por seu investimento feito em mim.

    Aos meus irmos e seus respectivos cnjuges, pelo apoio e contribuio para

    o crescimento de minha vida.

    minha namorada Valria Hasckel, por todo apoio e carinho, me fazendo

    prosseguir nesta etapa to tribulada de minha vida.

    Aos meus colegas de classe, pelos momentos compartilhados de alegrias,

    tristezas, amparo, desespero e por toda amizade construda; em especial aos meus

    amigos Fernanda Vilardi, Werner Engbruch, Catarina Possatto e Rejane Maria, pela

    amizade verdadeira que me deu foras para seguir at o presente momento.

    Aos meus amigos de escola, Paulo Felipe Ferreira Neves, Carlos Eduardo

    Amorim Cames e Felipe DEscoffier, por fazerem parte dos momentos mais especiais

    da minha vida.

    Ao querido Fbio Puentes, por ter me inspirado a curiosidade sobre a hipnose

    desde pequeno e pelo conhecimento passado.

    E a todos que contriburam de alguma forma para a minha vida pessoal e para

    a realizao deste trabalho.

  • RESUMO

    Este trabalho procura analisar a possibilidade da utilizao da hipnose como meio de

    prova no processo criminal. Para tal, realizou-se introduo separada aos temas para

    se chegar a uma interseco e posterior concluso sobre o todo apresentado. Assim,

    atravs de estudo de bibliografias sobre ambos os temas, alm do conhecimento

    pessoal do autor adquirido atravs do tempo com estudos e cursos sobre hipnose,

    tornou-se possvel a realizao da dissertao, que busca analisar os aspectos da

    hipnose com a hipermnsia, memrias falsas e a sugestionabilidade da possvel

    testemunha a se submeter ao transe hipntico, avaliando-se as informaes obtidas

    atravs dessa para sua possvel utilizao em uma ao penal. Alm disso, entra-se

    no tema da hipnose forense em contrapartida de sua utilizao como meio de prova,

    comparando-a prova ilcita e/ou ilegtima, atravs de leitura da letra de lei. Desta

    maneira se constatar que a utilizao da hipnose como meio de prova acaba por ser

    considerada como prova ilcita, devido possibilidade de se trazer ao processo

    informaes falsas e violar a intimidade do hipnotizado.

    Palavras-chave: Hipnose; Transe hipntico; Hipermnsia; Memria falsa; Prova;

    Prova ilcita;

  • ABSTRACT

    This work tries to analyze the possibility of the use of hypnosis as proof in a criminal

    trial. To this, an introduction of both subjects was made to get a conclusion through an

    intersection of all. This way, with the literature study of both issues beyond the authors

    personal knowledge developed through time with studies and classes about hypnosis,

    became possible to perform the dissertation, which seeks to examine the hypnosis

    aspects with hypermnesia, fake memories and the witnesss suggestibility in an

    hypnotic trance, evaluating the possibility of the use of the information obtained

    through this in a criminal prosecution. Furthermore, steps in to the forensics hypnosis

    subject en a counterpart of its use as an evidence, comparing it to the illegal and/or

    illegitimate evidence by reading the law references. In this way, we find that the use of

    hypnosis as evidence turns out to be regarded as illegal evidence, due to the possibility

    of bringing proceedings false information and violating the privacy of the hypnotized.

    Keywords: Hypnosis; Hypnotic trance; Hypermnesia; False memory; Proof; Illegal

    evience.

  • SUMRIO

    1. INTRODUO ..................................................................................................... 9

    2. A HIPNOSE ........................................................................................................ 13

    2.1. O que a hipnose? .................................................................................... 13

    2.2. O estado hipntico ..................................................................................... 15

    2.2.1. Nveis de transe ................................................................................... 16

    2.3. Suscetibilidade ........................................................................................... 17

    2.4. Sugestionabilidade .................................................................................... 19

    2.4.1. Rapport ................................................................................................. 20

    3. HIPNOSE E A MEMRIA .................................................................................. 21

    3.1. Hipermnsia ................................................................................................ 22

    3.2. Amnsia ...................................................................................................... 24

    3.3. Memrias falsas ......................................................................................... 25

    3.3.1. Implantao de memrias falsas ........................................................ 26

    4. DA PROVA NO PROCESSO PENAL ................................................................ 29

    4.1. Finalidade e Objeto da Prova .................................................................... 30

    4.2. Meios de Prova ........................................................................................... 32

    4.2.1. Avaliao da prova .............................................................................. 33

    4.3. A Prova Testemunhal ................................................................................. 35

    5. PROVA PROIBIDA............................................................................................. 40

    5.1. Prova ilcita ................................................................................................. 40

    5.2. Prova ilegtima ............................................................................................ 41

    5.3. Prova ilcita por derivao ......................................................................... 42

    5.3.1. Teoria dos frutos da rvore envenenada ........................................... 42

    6. HIPNOSE NOS MEIOS DE PROVA ................................................................... 46

    7. CONCLUSO ..................................................................................................... 53

    REFERNCIAS ......................................................................................................... 55

  • 9

    1. INTRODUO

    Muito impressiona o espetculo apresentado em torno da hipnose em seus

    meios de divulgao, seja pela apresentao televisionada, por vdeos postado por

    hipnlogos em sites da internet ou at mesmo em apresentaes realizadas frente-a-

    frente com o espectador.

    A sensao de presenciar uma atividade paranormal praticamente certa ao

    ver algum sendo manipulado to facilmente por outra pessoa, a ponto de se deliciar,

    por exemplo, com uma cebola crua pensando ser determinada fruta, ou agindo como

    se animal fosse.

    Porm, como todo espetculo a ser divulgado no famoso show bis tende a

    apelar para o impressionismo e a iluso, em tentativa se auferir lucro sobre algo que

    possa ser realmente simples, agregando valor, positivo ou negativo, em detrimento

    dos verdadeiros valores que algo possa realmente ter.

    Desta maneira a hipnose trabalhada. Na maioria absoluta das vezes o

    espectador iludido com a ideia de que a hipnose se trata de um poder que s o

    hipnlogo possui, onde ao hipnotizar determinada pessoa, esta ficar completamente

    merc de sua vontade e suas sugestes hipnticas.

    Acontece que a hipnose no possui a simples funo de entretenimento em um

    mundo cada vez mais desesperado por um sentimento ilusrio de alegria e diverso.

    Tal ferramenta tem e pode ter utilidades ainda nem estudadas pelo homem.

    Um dos grandes exemplos de uma utilidade prtica da hipnose no controle

    da dor. Muitos odontologistas e mdicos utilizam a hipnose como forma de enganar o

    crebro em sua percepo da dor, facilitando procedimentos sobre pacientes que

    possuem algum tipo de averso s prticas de anestesia, seja pela rejeio aos

    componentes qumicos utilizados ou at mesmo por certa fobia ao procedimento em

    si.

    Alm disso, notrio que o prprio Freud, considerado o pai da psicanlise,

    utilizou da hipnose no tratamento de alguns de seus pacientes em seus anos ureos,

    afim de descobrir memrias passadas que pudessem leva-lo ao centro de

    determinado trauma psicolgico, facilitando o processo de tratamento.

    verdade que ainda h muito mistrio sobre este tema e esta prtica, pois

    apesar da certeza de sua existncia, a hipnose no algo que se possa utilizar com

  • 10

    um certo padro sobre todos os humanos e, ainda, pouco se sabe sobre seu

    mecanismo de funcionamento dentro do crebro.

    Com isso, alm da pouca credibilidade existente sobre o tema, a hipnose acaba

    sendo um campo pouco explorado interdisciplinarmente e at mesmo pela prpria

    psicologia e medicina, vez que o prprio Freud deixou de aproveita-la nos tratamentos

    de seus pacientes.

    Assim sendo, este trabalho busca certo esclarecimento sobre a hipnose em

    seus dias atuais, sua forma de atuao, suas utilidades e como ela pode ser aplicada

    sobre o ramo do Direito.

    Mais especificamente, quer-se trazer a hipnose para dentro do processo penal,

    afim de se averiguar a possvel utilidade de uma nova ferramenta para a obteno de

    provas que possam facilitar a conduo de uma ao criminal, na tentativa de

    condenar ou absolver o ru que supostamente praticou um ato ilcito.

    Como se sabe, a hipnose pode ser classificada como ramo do mbito da

    psicologia, vez que atua diretamente com a mente do hipnotizado sem o auxlio de

    procedimentos invasivos fsico e/ou qumicos, apenas, como se ver mais adiante,

    por mtodos de relaxamento e induo ao transe hipntico.

    Aplicando-se tal atividade dentro do Direito Penal, busca-se elementos

    importantes para o desenrolar de um processo que esto diretamente atrelados

    pessoa humana em si, afastando, inicialmente, elementos fsicos que possam compor

    uma cena de crime, como, por exemplo, a arma utilizada para matar algum, mas visa

    alcanar elementos de natureza testemunhal, quer sejam as memrias de

    determinado algum que presenciou o momento do ato ilcito em si.

    Portanto, ao examinar-se a aplicao e a atuao da hipnose perante a mente

    humana e suas memrias, este trabalho busca a possibilidade da utilizao dessa

    ferramenta nos meios de prova no processo penal, com o intuito de elucidar do ponto

    de vista legal a possvel validade de informaes obtidas atravs de uma sesso de

    hipnose.

    Igualmente, a grande pergunta que se faz para o desenvolver deste trabalho :

    ser que as informaes obtidas atravs de uma sesso de hipnose so confiveis a

    ponto de serem tratadas como prova?

    Assim, passar-se- pela hipnose e pelo conceito e meios de prova, afim de se

    obter uma concluso a respeito da aplicabilidade de uma nova ferramenta que

  • 11

    possivelmente poder, ou no, facilitar as decises dos magistrados perante

    determinado fato tpico ilcito perante as provas apresentadas.

  • Dado o impacto geralmente produzido em todos os envolvidos, sejam

    hipnotizados, hipnotizadores ou observadores, a hipnose algo que merece

    ateno. (FACIOLI, 2006)

  • 13

    2. A HIPNOSE

    A funcionalidade que praticamente todos conhecem da hipnose o

    entretenimento. plausvel que todos que conhecem a hipnose porque assistiram

    em determinado programa de televiso onde, pelo poder do hipnotizador, uma

    pessoa aparece comendo uma cebola como se fosse uma ma.

    certo que a mdia sensacionalista ajuda a difundir em uma escala muito maior

    a existncia da hipnose, porm a forma em que ela apresentada que traz dvidas

    ao espectador perante sua veracidade sua utilidade1.

    Como se ver adiante, a hipnose no existe graas ao poder de determinado

    algum em conseguir dominar a mente de outra pessoa. Sua funcionalidade vai

    muito alm do mero entretenimento, podendo ser utilizada dentro dos ramos da

    Psicologia, Medicina, Odontologia e, como se pretende averiguar, dentro do Direito.

    2.1. O que a hipnose?

    A American Psychological Association (Associao Psicolgica Americana),

    define a hipnose como uma tcnica teraputica na qual clnicos realizam sugestes

    para pacientes que so submetidos a um processo, que visa seu relaxamento e foco

    mental. E que, embora a hipnose seja um tema controverso, a maioria dos clnicos

    concordam que essa possa ser uma tcnica teraputica poderosa e efetiva para uma

    larga escala de condies, incluindo dor, ansiedade e disfunes sentimentais. A

    Hipnose tambm pode ajudar as pessoas a mudarem seus hbitos, como parar de

    fumar.2

    1 H ainda muita desinformao em relao Hipnose. Grande parte da classe dos profissionais da sade, incluindo psiclogos, a classe mdica (psiquiatra e neurologistas), chega ao sculo XXI com srias dificuldades para compreender este fenmeno psquico. Muitos ainda tomam a Hipnose como algo mgico ou o hipnotizador seria detentor de algum talento inato de poder sobre o outro. Muitos confundem o processo como um mero exerccio de relaxamento muscular. As pesquisas tem avanado muito, principalmente em nvel de neuroimagem nos Estados Unidos. A mdia tem apresentado cada vez mais os avanos na utilizao desta tcnica. As apresentaes de palco tem deturpado por demais a importncia teraputica desta ferramenta ao dia a dia de cada um de ns. (SILBERFARB, 2011) 2 Traduo livre do texto retirado do site da AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. Hypnosis. APA. 2014. Disponvel em: http://www.apa.org/topics/hypnosis/index.aspx. Acesso em 22 mar. 14: Hypnosis is a therapeutic technique in which clinicians make suggestions to individuals who have undergone a procedure designed to relax them and focus their minds. Although hypnosis has been controversial, most clinicians now agree it can be a powerful, effective therapeutic technique for a wide range of conditions, including pain, anxiety and mood disorders. Hypnosis can also help people change their habits, such as quitting smoking.

  • 14

    Desta maneira, pode-se observar que a hipnose atua diretamente nas funes

    do crebro, ou seja, de alguma forma ela acaba por mudar padres cerebrais a ponto

    de modificar as aes e funes biolgicas de determinada pessoa, visto quanto a

    possibilidade de influenciar na mudana de hbitos, na sua percepo da dor, no nvel

    de ansiedade e depresso.

    Para isso, a hipnose utilizada como forma de colocar determinada pessoa em

    transe hipntico, fazendo-a com que fique suscetvel s sugestes aplicadas pelo

    hipnlogo, passando a executar a ideia oferecida como algo a ser executado pela

    prpria vontade.

    Ou seja, a hipnose um mtodo no invasivo onde, atravs de relaxamento e

    inibio dos sentidos, a pessoa que recebe determinada sugesto hipntica passe a

    interpretar a realidade da forma proposta pelo hipnlogo.

    assim que algum, sob hipnose, consegue, por exemplo, comer uma cebola

    como se ma fosse, pois dada a sugesto de que aquilo em suas mos seja uma

    fruta, seu crebro, que j possui as caractersticas visuais e organolpticas de uma

    ma, interpreta as sensaes passadas pela cebola como se fossem a ma, ou

    seja, o visual, o aroma, a textura e o sabor dessa so sentidos como se fossem desta.

    Assim sendo, vale dada a existncia da hipnose, vale ressaltar, em parte, a

    definio mais descritiva apresentada por Adriano Facioli:

    Por outro lado, a hipnose, em termos estritamente descritivos, , tambm, o procedimento de sugestes reiteradas e exaustivas, aplicado, geralmente, com voz serena e monotnica, em sujeitos que, algumas vezes correspondem, realizando-as seja no plano psicolgico ou comportamental. Esses sujeitos responsivos tambm costumam relatar alteraes de percepo e conscincia durante a induo hipntica. E, em alguns casos, respondem de modo surpreendente ao que lhes sugerido, o que pode incluir, por exemplo, anestesia, alucinaes, comportamento bizarro e ataques convulsivos. (FACIOLI, 2006, p. 16)

    Portanto, possvel afirmar que a hipnose um mtodo para induzir algum

    ao transe hipntico, ficando suscetvel s sugestes do hipnlogo, interagindo, ou no,

    de acordo com a vontade deste.

  • 15

    2.2. O estado hipntico

    Apesar de no existir uma definio realmente satisfatria para o que se chama

    de estado hipntico ou transe hipntico, este pode ser caracterizado pelo estado de

    atuao cerebral de algum que est hipnotizado, onde acaba por ficar suscetvel s

    sugestes do hipnlogo.

    Neste sentido Benomy Silberfarb explica:

    O transe um estado em que a atividade psquica certamente recebe um direcionamento especfico e muito mais intensificado, quando a realidade passa a ser apenas a sugerida pelo hipnoterapeuta ou pelo prprio paciente. Determinado por uma alta atividade psquica, na qual diferentes pensamentos podem ser articulados a partir da realidade naquele momento. [...] O transe ou estado hipntico um processo interno de transio pelo qual a atividade eletroqumica do crebro reorganizada dinamicamente, permitindo que ela se desloque suavemente entre seus estados coletivos. (SILBERFARB, 2011, p. 66)

    Perceptvel que o estado hipntico ou transe na verdade uma transio,

    assim como a prpria origem da palavra do latim transire sugere, de um estado a

    outro. Neste caso tem-se a transio do estado de conscincia, entre a viglia e o

    sono3.

    No se observa um estado de inconscincia, nem de conscincia, nem de

    sono4. Observa-se, apenas, uma alienao sensorial do hipnotizado perante o que

    est ocorrendo sua volta, que acaba por ficar voltada ao hipnotizador, interagindo,

    ento, com o que proposto por este atravs dos comandos de voz.

    Interessante tambm a definio neurolgica da caracterizao do transe

    hipntico. notrio que o crebro trabalha por impulsos eltricos. Em transe, o

    crebro apresenta uma diminuio de sua atividade eltrica, perceptvel pela

    diminuio da frequncia de suas ondas.

    3 FACIOLI, Adriano Machado. Hipnose: Fato ou Fraude? Campinas, SP: Editora Alnea, 2006, p.14. 4 O mito universal sobre a natureza do estado hipntico ainda a crena de que a hipnose sono. Embora a hipnose possa ser induzida por sugestes de sono, todos os estudos cientficos demonstram que o transe antes semelhante ao estado de viglia do que ao estado de sono. (PASSOS & MARCONDES, 1998, p. 15)

  • 16

    2.2.1. Nveis de transe

    Tem-se que o estado de conscincia, ou seja, de viglia, situa-se no nvel Beta,

    que se situa em uma frequncia de 12 a 25 Hertz5. Neste estado a pessoa encontra-

    se completamente consciente e longe de qualquer transe.

    O transe hipntico comea a surgir com a transio da frequncia Beta para o

    estado Alfa, de 8 a 12 Hz, onde se verifica um relaxamento de toda a musculatura

    corporal.

    A hipnose profunda6 pode ser realmente verificada quando o hipnotizado se

    encontra na frequncia Theta, que fica entre 4 a 8 Hz. Neste estado possvel

    perceber um aumento da criatividade.

    Abaixo disso, na frequncia Delta, que fica entre 0,5 a 4 Hz, considerado

    estado de sono profundo, onde j se perde o prprio transe hipntico7.

    Como maneira de auxiliar didaticamente, transcreve-se a lio de Silberfard

    com a Escala de Bordeaux das divises dos nveis de transe perante as percepes

    e reaes acometidas ao hipnotizado:

    Hipnoidal No estado hipnoidal h o relaxamento fsico, aparente sonolncia, tremor palpebral, fechamento dos olhos, letargia mental parcial e os membros ficam pesados. Transe ligeiro No transe ligeiro promove-se a catalepsia ocular, catalepsia parcial dos membros, inibio de pequenos grupos musculares, respirao lenta e profunda, pouca inclinao a se mover, contraes espasmdicas da boca e maxilar, simples sugestes ps-hipnticas, contraes oculares, sensao de peso no corpo e sensao de alheamento parcial. Transe mdio No transe mdio o paciente reconhece estar no transe, apresenta inibio muscular completa, amnsia parcial, anestesia das mos, iluses cinestsicas, iluses gustativas, alucinaes olfativas, catalepsia do corpo todo e hiperacuidade de condies atmosfricas. Transe profundo (sonamblico) Neste estgio o paciente abre os olhos sem afetar o transe, que se configura com pupilas dilatadas, olhar fixo, sonambulismo, amnsia completa se desejado, amnsia ps-hipntica, anestesia completa, anestesia ps-hipntica, sugestes ps-hipnticas fortes, movimentos descontrolados do globo ocular, sensao de leveza ou de estar flutuando, a voz do hipnoterapeuta aparece e desaparece, controle de funes orgnicas, hipermnsia (lembrar coisas esquecidas), alucinaes positivas dos sonhos,

    5 FACIOLI, op. cit. p. 15. 6 Em alfa, tem-se uma hipnose moderada ou mesmo leve. Em teta, o transe mais profundo. Ibidem. 7 A escala varia de acordo com alguns autores. Fbio Puentes em seu Curso de Hipnose Prtica e Clnica apresenta estado beta de 13 a 23 Hz, o estado alpha de 7 a 13Hz, o theta de 2.5 a 7 Hz e delta de 0.5 a 2 Hz.

  • 17

    hiperestesisas, sensaes cromticas, inibio das atividades espontneas. (SILBERFARB, 2011, pp. 68-69)

    O estado hipntico , tambm, defendido por alguns 8 como algo muito

    semelhante ao sonambulismo, onde, apesar da inconscincia aparente, a pessoa

    ainda se comunica com o mundo sua volta.

    Afinal, uma pessoa em um acesso de sonambulismo anda, realiza atividades e

    pode at falar ainda dormindo, sem que tenha conscincia do que esteja realmente

    fazendo no mundo externo ao vivenciado naquele momento em sua mente.

    Porm, comparando-se a hipnose ao sonambulismo, tem-se que a hipnose

    pode ser definida como um sonambulismo controlado, onde os sonhos so impostos

    pelo hipnlogo, enquanto no sonambulismo a pessoa fica merc de sua prpria

    mente, sem controle algum do que possa acabar por realizar neste estado.

    2.3. Suscetibilidade

    Passos e Marcondes dizem que a suscetibilidade Significa o quanto um

    indivduo responde bem aos procedimentos usados na induo da hipnose.

    (PASSOS; MARCONDES, 1998, p. 16).

    Ferreira, citado por Silberfarb (2011, p. 61), diz que a suscetibilidade hipntica,

    capacidade hipntica ou hipnotizabilidade, seria a habilidade que um indivduo tem de

    tornar-se hipnotizado, diferindo em sua habilidade pessoal para responder sugestes.

    A suscetibilidade nada mais que a capacidade mental individual em aceitar

    uma induo ao transe hipntico, seja em qualquer nvel de profundidade, relacionada

    indiretamente ao nvel de sugestionabilidade.

    Entre modos, uma pessoa suscetvel hipnose no ser, necessariamente,

    uma pessoa sugestionvel em nvel hipntico, podendo, ou no, interagir com as

    sugestes apresentadas pelo hipnlogo.

    8 O estado hipntico tambm j foi comparado ao sonambulismo. O primeiro a perceber essa semelhana foi um dos discpulos de Mesmer, o Marqus de Puysgur, em 1784. O transe produzido por Mesmer era uma espcie de ataque convulsivo. Durante uma sesso de magnetismo animal com um jovem campons chamado Vitor Race, Puysgur no obteve a esperada convulso e sim um estado semelhante ao sono. Com isso, Puysgur deu o nome de sonambulismo artificial a essa condio. De fato, a hipnose assemelha-se muito ao sonambulismo, a pessoa dorme, mas, de algum modo, ainda comunica-se com o mundo; um estado de transio entre estar acordado e estar dormindo [...] Durante o sonambulismo, os sonhos adquirem expresso corporal. o sonho atuando com o corpo de algum[...] (FACIOLI, op. cit., p. 26)

  • 18

    Em termos de proporo demogrfica, pode-se afirmar que de 80%9 a 95%10

    da populao mundial seja suscetvel hipnose em algum grau de transe.

    Para tanto, no final da dcada de 50, os psiclogos Andr M. Witzenhoffer e

    Ernets R. Hilgar, da Universidade Stanford, criaram a Escala de Suscetibilidade

    Hipntica de Stanford 11 , para poder precisar o grau de suscetibilidade de um

    indivduo.

    Em tal escala, a suscetibilidade medida em uma escala de zero, para

    indivduos que no respondem a nenhuma das sugestes hipnticas, a doze, para

    aqueles que so suscetveis a todas elas.

    Porm, nesta escala, a suscetibilidade mesclada com a sugestionabilidade

    do indivduo, pois dependendo da reposta dada sugesto que se verifica o grau

    de suscetibilidade desta pessoa.

    De igual modo, uma pessoa que se submete a uma sesso de hipnose, seja

    esta para fins de entretenimento ou teraputicos, o hipnlogo tambm deve proceder

    de forma a descobrir o grau de suscetibilidade e sugestionabilidade da pessoa a ser

    hipnotizada. Para isso, a complexidade da sugesto deve ir aumentando de acordo

    com a execuo de uma sugesto simples anterior.

    A ttulo exemplificativo, em um primeiro momento o hipnlogo pode vir a testar

    o nvel de relaxamento muscular do sujeito, onde poder se verificar um transe inicial

    atingido.

    Em carter televisivo, de praxe que o hipnlogo teste os espectadores

    participantes em uma sugesto de controle muscular, onde acaba por colar os dedos

    das mos dos sugestionados, fazendo com que os descolem apenas sob seu

    mando.

    Aps isso, o hipnlogo induz em transe aqueles que responderam fielmente

    sugesto do controle muscular e comea a dar outras sugestes, das mais simples,

    como, por exemplo, enrijecer determinado membro do corpo, at as mais complexas,

    como fazer algum comer uma pimenta pensando que seja algum outro alimento de

    agrado ao hipnotizado.

    9 GARATTONI, Bruno; MARTON, Fabio. Hipnose. So Paulo, junho 2009. Disponvel em: . Acesso em: 23 mar. 14. 10 PASSOS; MARCONDES, op. cit., p. 26 11 SILBERFARD, op. cit., p. 63

  • 19

    Assim sendo, define-se que aqueles que conseguem ser hipnotizados a ponto

    de no expressarem as reaes devidas ingesto da pimenta, como citado, em

    termos de ardncia na boca e consequente lacrimao, so pessoas mais suscetveis.

    Porm, apesar da grande porcentagem de pessoas suscetveis hipnose,

    menor a populao que so consideradas altamente suscetveis.12

    2.4. Sugestionabilidade

    Fortemente tida como sinnimo de suscetibilidade, a sugestionabilidade se

    volta a um momento mais especfico da hipnose, que a atuao do hipnotizado.

    Uma pessoa que est em transe hipntico fica suscetvel s sugestes

    propostas pelo hipnlogo, de modo que seu crebro, se aceitar aquela informao

    como verdade, acaba por trabalhar de modo que aquilo realmente se torne uma

    verdade para o hipnotizado, de maneira a produzir os efeitos decorrentes daquela

    sugesto.

    Neste sentido, ao parafrasear Kirsch e Braffman, Silberfarb ensina o seguinte:

    A habilidade para responder sugestes imaginativas uma caracterstica humana normal, e seu efeito substancial aspira grande importncia para a rea clnica, como direciona um esforo para essa caracterstica to importante. J a suscetibilidade hipntica, capacidade hipntica ou hipnotizabilidade seria a habilidade que um indivduo tem de tornar-se hipnotizado, diferindo em sua habilidade pessoal para responder sugestes. A suscetibilidade hipntica pode ser alterada, aumentada ou diminuda, dependendo dos inmeros tipos de instrues, como tambm de instrues repetidas. (SILBERFARB, 2011, p. 55)

    Assim, uma pessoa que suscetvel e tem alto grau de sugestionabilidade no

    transe hipntico, acaba por realizar aes que surpreendem todos os espectadores.

    Uma pessoa que possui um alto grau de sugestionabilidade, acaba por

    experimentar, atravs da hipnose, alucinaes, iluses, anestesia, amnsia,

    hipermnsia e outros13, de modo que sua mente acaba por interpretar as sensaes

    externas de acordo com a sugesto aplicada.

    12 FACIOLI, op. cit., p. 43, defende que apenas 15% da populao seja altamente suscetvel, ou seja, facilmente sugestionveis. 13 PASSOS e MARCONDES, op. cit., p. 26

  • 20

    2.4.1. Rapport

    O rapport um termo empregado para a relao harmnica entre duas

    pessoas. Neste caso entre o hipnlogo e o hipnotizado.

    Esta relao de extrema importncia para um trabalho adequado durante o

    transe hipntico, pois com a confiana na atuao do hipnlogo que a pessoa a ser

    hipnotizada acabar por aceitar mais profundamente as sugestes aplicadas,

    independentemente de sua natureza14.

    Assim, quando h a suscetibilidade, se no houver o estabelecimento do

    rapport entre as duas pessoas, as sugestes hipnticas no sero bem recebidas,

    podendo levar o hipnotizado a despertar do transe ou at mesmo acabar por entrar

    em estado de sono fisiolgico.

    Desta maneira, se faz importante a leitura da lio de Passos e Marcondes:

    O rapport o sentimento consciente de um relacionamento harmonioso,

    responsabilidades mtuas e simpatia que contribuem para a confiana do paciente no

    terapeuta e possibilidade de um trabalho cooperativo com ele. [...]

    Na ausncia do rapport no h possibilidade de se utilizar qualquer processo

    indutivo da hipnose e sua inseparabilidade to evidente que, nos casos onde o

    rapport se rompe, o paciente sai imediatamente da hipnose, ou entra em sono

    fisiolgico.

    14 Fabio Puentes ensina em seu curso que: Neste tipo, de inter-relao, as sugestes do operador so aceitas mais facilmente pelo receptor, devido credibilidade e confiana depositadas no operador.

  • 21

    3. HIPNOSE E A MEMRIA

    Estabelecida uma superficial introduo temtica da hipnose, situando a

    suscetibilidade, a sugesto, o transe hipntico e suas atuaes, importante

    direcionar o contedo deste trabalho para o tema que ser crucial concluso

    almejada.

    Para isso, traar-se- uma linha de raciocnio que passar pela utilizao da

    hipnose em busca das memrias individuais de um sujeito, atravs de suas

    percepes e sentidos experimentados durante um fato, neste caso, mais

    especificamente, ilcito.

    A busca por informaes detalhadas de determinado momento presenciado por

    algum, pode engrandecer qualquer histria a ser ouvida por outrem, de maneira a

    trazer imaginao do espectador uma imagem mais prxima ao que foi presenciado

    pelo locutor.

    Memrias encrustadas no subconsciente, escondidas por um trauma, medo,

    receio ou incerteza podem se tornar de grande auxlio para a persecuo de uma ao

    criminal, ainda mais por ser a prova testemunhal algo de grande valia para um

    processo.

    Indubitavelmente, a existncia de uma ferramenta que possa auxiliar na

    obteno de ricos detalhes sobre determinado fato, incerto ou j esquecido, algo

    que no deva ser ignorado pela falta de pesquisa no campo.

    Desta maneira, visto que a hipnose atua diretamente nas funes cerebrais de

    um indivduo, podendo gerar modificaes biolgicas como anestesia, catalepsia,

    alucinaes, iluses, amnsia e at hipermnsia, resta buscar a real possibilidade de

    se utilizar tal mecanismo em busca da verdade real sobre determinado fato.

    O reestabelecimento de informaes omissas podem mudar completamente o

    resultado de algo que definido sob provas. E vez que o testemunho tido como

    prova no mundo jurdico, se busca a aplicabilidade da hipnose para melhorar a

    preciso desse, de modo que a deciso de um magistrado possa ser proferida o mais

    prximo possvel da verdade real, e no apenas da verdade processual.

    Porm, a verdade real presenciada apenas uma vez, no exato momento da

    execuo de determinada ao que, para ser analisada e julgada em uma ao

    criminal, seja ilcita.

  • 22

    A verdade processual, por outro lado, a reconstruo, atravs dos meios de

    provas obtidos durante as fases de inqurito policial e demais momentos do processo,

    de um determinado acontecimento. Isso traz o prprio testemunho para dentro do que

    se ter como verdade processual, parte decisiva para a fundamentao da sentena

    a ser aplicada.

    E o que o testemunho seno a exteriorizao atravs de palavras, com o

    objetivo de reconstruir imagens captadas, de lapsos de memria pertencentes uma

    pessoa?

    No seria a hipnose uma forma de garantir uma melhor execuo do

    testemunho atravs de uma busca melhor pelos arquivos de memria de uma

    pessoa que presenciou, atravs de todos os seus sentidos e sentimentos, a cena de

    um ato ilcio?

    Com esta indagao procura-se esclarecer a funcionalidade da hipnose no

    campo da memria humana.

    3.1. Hipermnsia

    O estado hipntico, por concentrar os sentidos de uma pessoa em um estado

    de relaxamento, acaba por facilitar os processos de memria15.

    Ou seja, a hipermnsia no nada mais que a facilidade de algum se lembrar

    de algo, neste caso, sob hipnose.

    Afim de exemplificar melhor a atuao e a importncia da hipermnsia neste

    trabalho, transcreve-se a experimentao realizada por Cralsineck apresentada na

    obra de Passos e Marcondes:

    Primeira experimentao: Uma estudante com QI de 130 leu em 15 minutos dez pginas de Histria. Interrogada sobre questes especficas, datas, nomes, sobrenomes etc. pde responder somente 35% dos itens. Sob hipnose foi dada uma histria semelhante em igual tempo. Interrogada, respondeu 98% das questes; repetiu longas passagens; foi capaz de dar o nmero da pgina de alguns pargrafos e at a linha de certas palavras. No segundo experimento, Cralsineck separou um grupo de 10 estudantes de enfermagem com QI iguais. Deveriam memorizar 10 grupos de slavas sem-sentido, durante trs minutos. Nenhum foi capaz de repetir as slabas. Sob hipnose, um outro grupo (tanto quanto possvel igual ao primeiro) leu o mesmo grupo de slabas e obteve 96% de respostas certas. (PASSOS & MARCONDES, 1998, pp. 28-29)

    15 SILBERFARB, op. cit., p. 76

  • 23

    Da mesma maneira, toma-se a lio de Silberfarb:

    H experimentos demonstrando um aumento extraordinrio da capacidade de memorizao durante o transe, tanto para textos, cores, datas ou imagens. Tambm frequente o paciente lembrar-se de eventos ocorridos h muito tempo, s vezes com detalhes que sequer ocuparam sua ateno no momento, mas questo presentes na evocao daquela imagem mental, como dia ou noite, objetos, sensaes de textura, aromas, sons. Simplificadamente, a Hipermnesia a capacidade aumentada de lembrar de coisas esquecidas. (SILBERFARB, p. 76)

    Portanto, verifica-se que a hipnose pode levar o hipnotizado a um estado de

    hipermnsia, facilitando a extrao de memrias at ento esquecidas ou obscuras.

    Com tal evento, possvel no s a recuperao de memrias, mas do

    enriquecimento em detalhes de alguma j previamente relatada.

    de suma importncia para a oitiva de testemunha a riqueza dos detalhes

    apresentados. com a reconstruo da memria com maior proximidade realidade

    que se pode determinar com perfeio a verdade processual em si, influenciando

    diretamente na deciso de um juiz ao analisar o aspecto legal da situao.

    Neste sentido, observa-se as palavras de Marco Antonio de Barros, em sua

    obra A busca da verdade no processo penal, sobre a questo da reconstruo da

    verdade:

    Alguns filsofos e juristas dizem que o Direito no necessariamente conforme verdade, pois ele concebido como pura fico ou reelaborao formalista da realidade. E h quem sustente ser inatingvel a reconstruo dos fatos que corresponda efetivamente realidade, e por tal motivo conclui-se que somente se pode construir a verdade processual ou a verdade judicial, e esta, quando muito, representa a certeza judiciria, ou a verdade provvel, seno a verdade possvel. (BARROS, 2012, p. 29)

    O que leva uma pessoa a assumir a condio de testemunha a sua

    percepo, atravs de um dos sentidos, de algum fenmeno, direta ou indiretamente,

    relacionado com o delito16.

    Assim sendo, busca-se atravs de um estado de hipermnsia um melhor

    acesso ao contedo absorvido por alguma pessoa que percebeu determinado

    fenmeno relacionado com o delito a ser debatido.

    16 BRITO; FABRETTI; LIMA. Processo Penal Brasileio, So Paulo: 2012, Atlas. p. 199

  • 24

    3.2. Amnsia

    Se atravs da hipnose se pode aumentar a facilidade na recuperao de

    memrias, seria tambm possvel apagar algumas delas?

    Observa-se a lio de Silberfarb:

    Da mesma forma que muitas vezes esquecemos os sonhos, pode acontecer amnsia para os eventos ocorridos durante o perodo do estado hipntico. Essa amnsia pode ser sugerida com objetivos teraputicos, como aumentar a efetividade de uma sugesto ps-hipntica [...] ou proteger o paciente de uma emoo desagradvel estrategicamente desnecessrio, ou pode ser espontnea. A apresentao desse fenmeno muito variada. Alguns pacientes lembram a experincia em detalhes vivificados logo aps, vindo a esquec-los completamente depois. Outros despertam sem lembrar deles, e essas lembranas vo aparecendo em tempo varivel. Outros ainda permanecem sem lembrar, outros lembram de todas as memrias evocadas, ainda mais quanto terapeuticamente ativamos a emoo ligada a estas imagens mentais. A capacidade de desenvolver amnsia um divisor de guas entre as etapas mais superficiais e as mais profundas da Hipnose. (SILBERFARB, 2011, pp. 72, 73)

    Da mesma maneira, Passos e Marcondes defendem que O paciente pode

    apresentar amnsia ps-hipntica espontaneamente ou esta pode ser sugerida

    durante o estado hipntico, que pode ser parcial ou total. (PASSOS & MARCONDES,

    1998, p. 31).

    Em outras palavras, o fenmeno da amnsia na hipnose est mais evidenciado

    perante as sugestes realizadas em momento de transe. Assim, aps sair do transe

    hipntico, o paciente poderia ser acometido de amnsia perante a sesso, seja de

    forma espontnea ou sugerida.

    Assim, antes de despertar o hipnotizado, o hipnlogo pode sugerir que ao

    acordar, se esquea completamente da sesso, ou de alguns pontos dela, com o

    objetivo de resguardar os sentimentos da pessoa perante determinadas lembranas

    apresentadas.

    Porm, na tentativa de se apagar por completo determinada memria em

    especfico, j existente na mente da pessoa a ser hipnotizada, no h garantia de se

    provocar uma amnsia definitiva, mas apenas momentnea.

  • 25

    Para exemplificar17 tal afirmao, compara-se uma memria pele do brao. A

    tentativa se se apagar tal memria equivale a uma apunhalada para arrancar aquela

    pele. O hipnlogo consegue arranc-la, mas no lugar do machucado ir se iniciar um

    processo de cicatrizao, onde se formar pele nova.

    Com isso, diz-se que os efeitos de amnsia provocados por hipnose so

    temporrios, pois o crebro percebe que h informao faltando, e tenta recuper-la.

    3.3. Memrias falsas

    As memrias por vezes deixam a desejar. Muitos j passaram por situaes

    em que, ao relatar determinado fato em reunio de famlia ou de amigos, apresentam

    determinados acontecimentos em sua histria que acabam por ser desmentida por

    outros. Porm, o narrador pode afirmar que tem certeza de suas lembranas.

    Esse fenmeno pode acontecer naturalmente em todos, ou atravs de

    influncia de terceiros, que acabam por, voluntaria ou involuntariamente, implantando

    informaes falsas que acabam por se tornar uma lembrana realstica.

    Durante a campanha para a Presidncia dos EUA, em 2008, Hillary Clinton contou em um discurso que havia feito uma viagem assustadora Bsnia 12 anos antes. "O helicptero pousou em meio a tiros... Tivemos de correr com a cabea abaixada para os veculos que nos esperavam." Algo errado surgiu quando a imprensa procurou imagens daquele dia. Elas mostravam um pouso pacfico, e Hillary e sua filha sendo recepcionadas por estudantes. Nada do que a candidata falou havia acontecido. Hillary teria mentido descaradamente? Talvez no. Ela pode simplesmente ter cado em um truque da memria. No difcil fazer pessoas se lembrar de coisas que nunca aconteceram. Memrias falsas podem surgir quando algum nos conta uma verso incorreta do passado. Ou quando somos questionados de forma direcionada. Claro, isso ruim porque distorce o passado. Mas acredito que podemos usar as memrias falsas para nos fazer bem - ajudando a superar doenas e distrbios. uma linha que tenho estudado com alguns colegas. Em uma pesquisa, nosso objetivo foi tentar convencer voluntrios de que eles haviam se perdido em um shopping center quando crianas. Para isso, usamos informaes coletadas com os pais dos participantes, criando um cenrio baseado em histrias reais. Um quarto dos participantes disse ter se lembrado do momento em que teriam se perdido. Estudos de outros cientistas tiveram resultado semelhante. Voluntrios se lembraram de ter se afogado ou ter sido atacados por um animal quando criana, o que nunca tinha acontecido. (LOFTUS, 2010)

    17 O exemplo dado neste pargrafo de criao do autor deste trabalho. As fontes que embasam tal afirmao so desconhecidas, pois h o acmulo de informaes sobre o tema desde o ano de 2008.

  • 26

    Este pequeno texto apresenta de forma rpida e sinttica o trabalho realizado

    por Elizabeth Loftus sobre memria falsa.

    Percebe-se que tal fenmeno pode ser mais comum do que se possa imaginar,

    e que as pessoas podem acabar sendo facilmente induzidas criao de uma

    memria irreal: veja o exemplo acima acontecido com a ex-candidata presidncia

    dos Estados Unidos, Hillary Clinton.

    3.3.1. Implantao de memrias falsas

    Apesar da possibilidade da hipermnsia atravs de um transe hipntico, esta

    no se mostra nada confivel.

    Se mesmo as memrias que evocamos durante o estado de viglia j so uma reconstruo e, muito frequentemente, passveis de diversas distores, o que pode ser dito de memrias evocadas durante um transe? No so confiveis. So menos confiveis que as do estado de lucidez. O sujeito encontra-se em um estado muito sugestionvel e fantasioso. Realizar sesses de hipnose para se buscar memrias perdidas , geralmente, uma empreitada infundada e arriscada. Os estados de transe facilitam a produo de falsas memrias. (FACIOLI, 2006, p. 53)

    Por se encontrar em um estado de sugestionabilidade, ao entrar em um transe

    hipntico, a busca por memrias reprimidas pode acabar se tornando um grande

    perigo. Se uma memria no existe e ela ferozmente buscada pelo hipnlogo, tal

    memria pode acabar por ser implantada e se tornar realidade para a mente da

    pessoa.

    Fato notrio, h alguns anos, nos Estados Unidos, o que podemos chamar de um surto de implantaes de memrias. Muitos psicanalistas, mergulhados no ideal de concretude do esprito americano, praticavam uma Psicanlise selvagem que retomava a teoria abandonada por Freud, a teoria da seduo. Conduziam seus pacientes hipnose e faziam com que evocassem lembranas da infncia que estivessem relacionadas ao surgimento da doena. Vendo sexo em tudo e acreditando que um fato concreto e excepcional estava por detrs do surgimento da doena, desembocavam onde queriam: em um abuso sexual ocorrido na infncia. O grande problema era a quantidade de lares que se desfaziam com essa verdade que brotava no seio da famlia, um sujeito que tem sua doena mental determinada pelo abuso que sofrera na infncia, geralmente praticado por algum parente. (Ibidem)

    O potencial criativo da hipnose pode ajudar as pessoas a relembrarem de

    coisas importantes para uma ao judicial, ou at mesmo para uma terapia, mas

  • 27

    tambm pode ser capaz de fazer outras pessoas se imaginarem vivendo vidas

    passadas, ou futuras, viajarem em naves espaciais e serem abduzidas por

    extraterrestres, e at mesmo lembrarem de abusos sexuais que nunca aconteceram18.

    Desta feita, percebe-se o potencial negativo da hipnose em correlao

    implantao de memrias falsas.

    18 Informaes cedidas por Fabio Puentes.

  • Um fato um pedao de histria; e a histria o caminho que percorrem,

    desde o nascimento at a morte, os homens e a humanidade. Um pedao de

    caminho, pois. Mas de caminho que se fez, no de caminho que se pode

    fazer. Saber se um fato ocorreu ou no quer dizer voltar atrs. Este voltar

    atrs o que se chama fazer a histria. (CARNELUTTI, Francesco. 2009).

  • 29

    4. DA PROVA NO PROCESSO PENAL

    Provar algo, antes de mais nada, conseguir, atravs dos diversos meios

    possveis, comprovar que algo alegado verdadeiro.

    Neste sentido, v-se os prolegmenos sobre prova de alguns autores:

    Que se entende por prova? Provar , antes de mais nada, estabelecer a existncia da verdade; e as provas so os meios pelos quais se procura estabelec-la. demonstrar a veracidade do que se afirma, do que se alega. Entendem-se, tambm, por prova, de ordinrio, os elementos produzidos pelas partes ou pelo prprio Juiz visando a estabelecer, dentro do processo, a existncia de certos fatos. o instrumento de verificao do thema probandum. (TOURINHO FILHO, Manual de Processo Penal - 15. ed. rev. e de acordo com a Lei n. 12.403/2011, 2012, p. 563).

    O termo prova origina-se do latim probatio , que significa ensaio, verificao, inspeo, exame, argumento, razo, aprovao ou confirmao. Dele deriva o verbo provar probare , significando ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experincia, aprovar, estar satisfeito com algo, persuadir algum a alguma coisa ou demonstrar. (NUCCI, 2011, p. 388).

    Do latim probatio, o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz (CPP, arts. 156, I e II, com a redao determinada pela Lei n. 11.690/2008, 209 e 234) e por terceiros (p. ex., peritos), destinados a levar ao magistrado a convico acerca da existncia ou inexistncia de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmao. Trata-se, portanto, de todo e qualquer meio de percepo empregado pelo homem com a finalidade de comprovar a verdade de uma alegao. (CAPEZ, 2013, p. 372).

    Sua misso resgatar para o presente um acontecimento passado, da melhor e mais completa forma possvel, a fim de que o juiz possa se convencer do alegado e emitir sua deciso. A prova tem por funo a reconstruo do fato e de suas circunstncias, ou seja, um instrumento de busca da verdade. (BRITO, FABRETTI, & LIMA, 2012, p. 170).

    possvel concluir que a prova no processo penal tem o objetivo de se

    reconstruir determinado fato, da maneira mais prxima possvel da realidade, para

    que, atravs de seu exame por um juiz, seja referncia para compor a deciso perante

    a ilicitude de algo praticado por algum.

  • 30

    4.1. Finalidade e Objeto da Prova

    Alguns autores defendem que a finalidade e objeto da prova so a mesma

    coisa.19 Neste trabalho, a finalidade e objeto da prova sero tratadas de forma distinta,

    apesar da sua conexo direta para uma definio conjunta dentro dos aspectos da

    prova no processo penal.

    A finalidade da prova crivar o convencimento do juiz sobre determinados fatos

    alegados. a busca pela verdade em um litgio. desfazer a incerteza criada pela

    situao em debate, afim de proceder com o deslinde da ao e se determinar uma

    sentena, seja condenatria ou absolutria.

    Nas lies de Guilherme de Souza Nucci, observa-se que A finalidade da prova

    convencer o juiz a respeito da verdade de um fato litigioso. Busca-se a verdade

    processual, ou seja, a verdade atingvel ou possvel. (NUCCI, 2011, p. 392).

    Neste mesmo sentido, diz Fernando Capez que no que toca finalidade da

    prova, destina-se formao da convico do juiz acerca dos elementos essenciais

    para o deslinde da causa. (CAPEZ, 2013, p. 372)

    Ainda, o brilhantismo das palavras de Tourinho Filho reala a definio da

    finalidade da prova da seguinte maneira:

    O objetivo ou finalidade da prova, formar a convico do Juiz sobre os elementos necessrios para a deciso da causa. Para julgar o litgio, precisa o Juiz ficar conhecendo a existncia do fato sobre o qual versa a lide. Pois bem: a finalidade da prova tornar aquele fato conhecido do juiz, convencendo-o da sua existncia. As partes, com as provas produzidas, procuram convencer o Juiz de que os fatos existiram, ou no, ou, ento, de que ocorreram desta ou daquela maneira. (TOURINHO FILHO, Manual de Processo Penal - 15. ed. rev. e de acordo com a Lei n. 12.403/2011, 2012, pp. 563, 564)

    Neste diapaso, a finalidade da prova est diretamente conectada ao

    convencimento do magistrado de uma ao penal sobre os fatos alegados. S assim

    possvel a reconstruo deste e a formao da convico sobre o direcionamento

    legal a ser tomado no processo, afim da aplicao correta dos dispositivos legais em

    busca de uma sano ou absolvio para o ru.

    19 Tourinho Filho apresenta em sua obra a seguinte definio para finalidade e objeto da prova: A nosso juzo, objeto da prova a mesma coisa que finalidade da prova; vale dizer, portanto, que ela se destina ao convencimento do juiz. (TOURINHO FILHO, op. cit., p. 563)

  • 31

    O encargo do processo penal est em saber se o imputado inocente ou culpado. [...] No um mistrio que no processo, e no somente no processo penal, se faz histria. [...] As provas servem, precisamente, para voltar atrs, ou seja, para fazer ou, melhor ainda, reconstruir a histria. [...] O trabalho do historiador este. Um trabalho de habilidade e pacincia, sobretudo, no que colaboram a polcia, o Ministrio Pblico, o juiz instrutor, os juzes da audincia, os defensores, os peritos. (CARNELUTTI, 2009)

    Uma vez estipulada a finalidade da prova, h de se estudar o objeto da prova.

    Ou seja, o que considerado prova?

    Como j dito anteriormente, Tourinho Filho se ressalva o direito de igualar os

    conceitos de finalidade e objeto da prova, diferenciando, no entanto, finalidade e

    objeto de prova.

    Com isso, acaba por citar em sua obra Manzini, que definindo que objeto de

    prova so todos os fatos, principais ou secundrios, que reclamem uma apreciao

    judicial e exijam uma comprovao. Somente os fatos que possam dar lugar a dvida,

    isto , que exijam uma comprovao, que constituem objeto de prova. (TOURINHO

    FILHO, Manual de Processo Penal - 15. ed. rev. e de acordo com a Lei n. 12.403/2011,

    2012, p. 564).

    Desta maneira, importante ressaltar que tem-se por objeto da prova apenas

    os fatos alegados que tragam dvida ao processo penal, acabando por trazer ao

    magistrado julgador elementos que necessitam de apreciao para julgamento.

    Pois, se algo alegado certo e absoluto, no haveria necessidade de se trazer

    ao juzo para apreciao, visto que no influenciaria diretamente no julgamento da

    lide.

    Assim, Brito, Fabretti e Ferreira Lima, definem em sua obra que O objetivo da

    prova exatamente o de permitir a formao da convico do juiz [...]. (BRITO,

    FABRETTI, & LIMA, 2012, p. 171). Semelhante, tambm, Nucci explica que O objeto

    da prova so, primordialmente, os fatos que as partes pretendem demonstrar.

    (NUCCI, 2011, p. 392).

    Outrossim, transcreve-se a esclarecedora lio de Fernando Capez:

    Objeto da prova toda circunstncia, fato ou alegao referente ao litgio sobre os quais pesa incerteza, e que precisam ser demonstrados perante o juiz para o deslinde da causa. So, portanto, fatos capazes de influir na deciso do processo, na responsabilidade penal e na fixao da pena ou medida de segurana, necessitando, por essa razo, de adequada comprovao em juzo. Somente os fatos que revelem dvida na sua configurao e que tenham alguma relevncia para o julgamento da causa

  • 32

    merecem ser alcanados pela atividade probatria, como corolrio do princpio da economia processual. (CAPEZ, 2013, pp. 372, 373).

    Portanto, o objeto da prova caminha junto com sua finalidade, que formar a

    convico do juiz perante litgios existentes afim de se chegar a uma deciso.

    4.2. Meios de Prova

    Sinteticamente, Tourinho Filho traz em sua obra que meio de prova tudo

    quanto possa servir, direta ou indiretamente, comprovao da verdade que se

    procura no processo: testemunha, documento, percia [...]. (TOURINHO FILHO,

    Manual de Processo Penal - 15. ed. rev. e de acordo com a Lei n. 12.403/2011, 2012,

    p. 565).

    J, na viso de Clari Olmedo, citada por Nucci, meio de prova o mtodo ou

    procedimento pelo qual chegam ao esprito do julgador os elementos probatrios que

    geram um conhecimento certo ou provvel a respeito de um objeto do fato criminoso.

    (NUCCI, 2011). E, mais alm, vale a transcrio da lio de Ada Pellegrini citada pelo

    mesmo autor:

    Os meios de prova podem ser lcitos que so admitidos pelo ordenamento jurdico ou ilcitos contrrios ao ordenamento. Somente os primeiros devem ser levados em conta pelo juiz. Em relao aos meios ilcitos, preciso destacar que eles abrangem no somente os que forem expressamente proibidos por lei, mas tambm os imorais, antiticos, atentatrios dignidade e liberdade da pessoa humana e aos bons costumes, bem como os contrrios aos princpios gerais de direito. (NUCCI, 2011, pp. 389, 390)

    Neste diapaso, verifica-se que meios de prova so todas as possibilidades,

    permitidas em lei, para a obteno de informao que leve ao juiz o conhecimento

    mais prximo da verdade real sobre determinado fato, afim de se trazer ao penal

    uma deciso mais adequada para o caso em concreto.

    Desde que respeitados os limites da lei e os bons costumes, possvel concluir

    que so vlidos todos os meios de prova que tragam ao processo alguma informao

    relevante, que possa direcionar o curso do processo.

    Neste sentido, destacam-se as lies de Capez e Tourinho:

    Como sabido, vigora no direito processual penal o princpio da verdade real, de tal sorte que no h de se cogitar qualquer espcie de limitao prova, sob pena de se frustrar o interesse estatal na justa aplicao da lei. Tanto

  • 33

    verdade essa afirmao que a doutrina e a jurisprudncia so unnimes em assentir que os meios de prova elencados no Cdigo de Processo Penal so meramente exemplificativos, sendo perfeitamente possvel a produo de outras provas, distintas daquelas ali enumeradas. (CAPEZ, 2013, p. 408)

    O CPP no faz esse tipo de restrio. Contudo no limita os meios de prova. Logo, no h nenhum impedimento produo de outras provas alm daquelas indicadas nos arts. 158 a 250 do estatuto processual penal. O veto s provas que atentam contra a moralidade e dignidade da pessoa humana, de modo geral, decorre de princpios constitucionais, por isso que no pode ser olvidado. (TOURINHO FILHO, 2010, p. 238)

    Da mesma maneira, recomenda-se a leitura do caput do artigo 155 do Cdigo

    de Processo penal:

    Art. 155. O juiz formar sua convico pela livre apreciao da prova produzida em contraditrio judicial, no podendo fundamentar sua deciso exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigao, ressalvadas as provas cautelares, no repetveis e antecipadas.

    Portanto, perceptvel que a possibilidade dos meios de prova acabam por se

    tornar ilimitados, desde que respeitados a moralidade e dignidade da pessoa humana,

    decorrentes de princpios constitucionais. Isto se d perante constante evoluo

    tecnolgica e das mais diversas cincias da humanidade. Essa constante evoluo

    abre portas s mais diversas possibilidades e tcnicas para a produo de provas.

    Com isso, cogita-se neste trabalho a aplicao da hipnose em meios de prova

    para se obter informaes relevantes a cada caso em concreto. Uma vez que pouco

    se fala sobre este fenmeno no mbito do Direito, no est descartado sua

    possibilidade de aplicao na produo de provas, pois, como j comentado, e nas

    palavras de Tourinho Filho, no h, em princpio, nenhuma restrio aos meios de

    prova, com ressalva, apenas e to somente, daqueles que repugnam a moralidade ou

    atentam contra a dignidade da pessoa humana. (TOURINHO FILHO, 2010, p. 239).

    4.2.1. Avaliao da prova

    Apesar de apresentada a possibilidade ilimitada dos meios de prova, certo

    afirmar que as provas obtidas devem passar por um crivo ao ser admitida pelo

    magistrado em sua fundamentao.

    Neste momento, vale trazer tona o Princpio do livre convencimento

    motivado apresentado por Capez, onde ressalta que as provas no so valoradas

  • 34

    previamente pela legislao; logo, o julgador tem liberdade de apreciao, limitado

    apenas aos fatos e circunstncias constantes nos autos. (CAPEZ, 2013, p. 414)

    Outrossim, Machado traz em sua obra o mesmo princpio, sob o nome de livre

    apreciao da prova, explicando tratar-se do princpio que assegura s partes, e

    sobretudo ao juiz, o direito de analisar criticamente o conjunto probatrio, emitindo

    juzos de credibilidade quanto aptido e ao peso que as provas tm no

    esclarecimento do thema probandum. (MACHADO, 2012, p. 459)

    Porm, como se faz visvel luz do artigo 155 j citado, o magistrado deve ater-

    se s provas produzidas em contraditrio judicial. No significa que o magistrado

    possa fazer a sua opinio pessoal ou vivncia acerca de algo integrar o conjunto

    probatrio, tornando-se, pois, prova20.

    Portanto, apesar da liberdade dada ao magistrado em julgar perante as provas

    apresentadas, valendo-se de sua convico sobre elas, ele deve apreciar somente as

    provas apresentadas nos autos da ao, podendo, ento, avalia-las de acordo com

    seus conhecimentos para, ento, apresentar a sntese mais prxima verdade

    processual, afim de fundamentar a sua deciso.

    Feito isso, passa-se leitura das lies de Nucci e Tourinho a respeito da

    avaliao/apreciao de provas:

    So basicamente trs sistemas: a) livre convico, que o mtodo concernente valorao livre ou ntima convico do magistrado, significando no haver necessidade de motivao para suas decises. o sistema que prevalece no Tribunal do Jri, visto que os jurados no motivam o voto; b) prova legal, cujo mtodo ligado valorao taxada ou tarifada da prova, significando o preestabelecimento de um determinado valor para cada prova produzida no processo, fazendo com que o juiz fique adstrito ao critrio fixado pelo legislador, bem como restringido na sua atividade de julgar. Era a poca em que se considerava nula a fora probatria de um nico testemunho (unus testis, nullus testis ou testis unius, testis nullius). H resqucios desse sistema, como ocorre quando a lei exigir determinada forma para a produo de alguma prova, v.g., art. 158, CPP, demandando o exame de corpo de delito para a formao da materialidade da infrao penal, que deixar vestgios, vedando a sua produo atravs da confisso; c) persuaso racional, que o mtodo misto, tambm chamado de convencimento racional, livre convencimento motivado, apreciao fundamentada ou prova fundamentada. Trata-se do sistema adotado, majoritariamente, pelo processo penal brasileiro, encontrando, inclusive, fundamento na Constituio Federal (art. 93, IX) e significando a permisso dada ao juiz para decidir a causa de acordo com seu livre convencimento, devendo, no entanto, cuidar de fundament-lo, nos autos, buscando persuadir as partes e a comunidade em abstrato. (NUCCI, 2011, p. 395)

    20 (NUCCI, op. cit., p. 395)

  • 35

    Sistema da livre convico ou persuaso racional. Sem o perigo do despotismo judicial que o sistema da ntima convico ensejava e sem coarctar os movimentos do Juiz no sentido de investigar a verdade, como acontecia com o sistema das provas legais, est o sistema livre da convico ou do livre convencimento. De modo geral, admitem-se todos os meios de prova. O Juiz pode desprezar a palavra de duas testemunhas e proferir sua deciso com base em depoimento de uma s. Inteira liberdade tem ele na valorao das provas. No pode julgar de acordo com conhecimentos que possa ter extra-autos. No se inclui nessas restries o uso das mximas da experincia, produto do quod plerumque accidit do que normalmente acontece. Se o Juiz tiver conhecimento da existncia de algum elemento ou circunstncia relevante para o esclarecimento da verdade, deve ordenar que se carreiem para os autos as provas que se fizerem necessrias. O sistema entre ns chegou ao extremo de facultar ao Juiz, mesmo antes de ser iniciada a ao penal, ordenar a produo antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequao e proporcionalidade da medida, consoante a regra contida no art. 156, I, do CPP (redao dada pela Lei n. 11.689/2008). (TOURINHO FILHO, Manual de Processo Penal - 15. ed. rev. e de acordo com a Lei n. 12.403/2011, 2012, p. 578)

    4.3. A Prova Testemunhal

    Tendo apresentado uma introduo esfera da prova no processo penal

    brasileiro, passa-se a apresentar, de forma especfica, um dos meios de prova

    abrangidos: a prova testemunhal.

    Esta se faz quase que exclusiva temtica deste trabalho, por se tratar da

    hipnose algo diretamente ligado mente humana, de forma que as provas como

    exame de corpo de delito, exame papiloscpico, exame de documentos e de objetos,

    por exemplo, apesar de sua suma importncia para a boa avaliao do magistrado

    perante determinado fato, no se faz necessria a dissertao sobre esses.

    Para Capez, testemunha todo homem, estranho ao feito e equidistante das

    partes, chamado ao processo para falar sobre fatos perceptveis a seus sentidos e

    relativos ao objeto do litgio. (CAPEZ, 2013, p. 448). Para Machado, O testemunho

    [...], trata-se de uma exposio verbal, feita perante o juiz, por quem tenha cincia do

    fato criminoso ou que conhea alguma questo relevante sobre esse fato, objeto da

    acusao. (MACHADO, 2012, p. 494). Para Tourinho, Testemunhas so terceiras

    pessoas que comparecem perante a autoridade para externar-lhes suas percepes

    sensoriais extraprocessuais: o que viu, o que ouviu etc. (TOURINHO FILHO, Manual

    de Processo Penal - 15. ed. rev. e de acordo com a Lei n. 12.403/2011, 2012, p. 606).

    Para Nucci, testemunha a pessoa que declara ter tomado conhecimento de algo,

    podendo, pois, confirmar a veracidade do ocorrido, agindo sob o compromisso de ser

    imparcial e dizer a verdade. (NUCCI, 2011, p. 461). Para Brito e outros, O que leva

  • 36

    uma pessoa a assumir a condio de testemunha a sua percepo, atravs de um

    dos sentidos, de algum fenmeno direta ou indiretamente relacionado com o delito.

    (BRITO, FABRETTI, & LIMA, 2012, p. 199).

    Assim, conclui-se que testemunha toda e qualquer pessoa 21 que, tendo

    presenciado determinado fato litigioso, apresenta-se em juzo para apresentar suas

    memrias a respeito de tal.

    Veja Tourinho:

    A prova testemunhal, sobretudo no Processo Penal, de valor extraordinrio, pois dificilmente, e s em hipteses excepcionais, provam-se as infraes com outros elementos de prova. Em feral, as infraes penais s podem ser provadas, em juzo, por pessoas que assistiram ao fato ou dele tiveram conhecimento. (TOURINHO FILHO, Manual de Processo Penal - 15. ed. rev. e de acordo com a Lei n. 12.403/2011, 2012, p. 606)

    Percebendo-se a importncia da prova testemunhal para o bom caminho de

    uma ao penal, seria, esta, realmente confivel?

    Antes de se prosseguir ao debate de tal indagao, transcreve-se alguns

    artigos do cdigo penal referente prova testemunhal:

    Art. 203. A testemunha far, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e Ihe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residncia, sua profisso, lugar onde exerce sua atividade, se parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas relaes com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando sempre as razes de sua cincia ou as circunstncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade.

    Art. 204. O depoimento ser prestado oralmente, no sendo permitido testemunha traz-lo por escrito. Pargrafo nico. No ser vedada testemunha, entretanto, breve consulta a apontamentos.

    Art. 208. No se deferir o compromisso a que alude o art. 203 aos doentes e deficientes mentais e aos menores de 14 (quatorze) anos, nem s pessoas a que se refere o art. 206.

    Art. 211. Se o juiz, ao pronunciar sentena final, reconhecer que alguma testemunha fez afirmao falsa, calou ou negou a verdade, remeter cpia do depoimento autoridade policial para a instaurao de inqurito. Pargrafo nico. Tendo o depoimento sido prestado em plenrio de julgamento, o juiz, no caso de proferir deciso na audincia (art. 538, 2o), o tribunal (art. 561), ou o conselho de sentena, aps a votao dos quesitos, podero fazer apresentar imediatamente a testemunha autoridade policial.

    21 O artigo 202 do CPP diz: Toda pessoa poder ser testemunha.

  • 37

    Art. 213. O juiz no permitir que a testemunha manifeste suas apreciaes pessoais, salvo quando inseparveis da narrativa do fato.

    Atravs desta leitura, observa-se que, mesmo com a possibilidade de que

    qualquer pessoa possa prestar testemunho em juzo, h algumas regras para tal,

    principalmente a palavra de honra em dizer a verdade.

    A rigor, a testemunha estar submetida a trs deveres: o dever de comparecer, o dever de falar e o dever de contar a verdade. [...] Ter ainda o dever de falar sobre o que sabe, no sentido de que no poder trazer seu depoimento por escrito, por constituir um ato personalssimo. [...] H ainda o dever de contar a verdade ou de no silenciar sobre ela, de tudo aquilo que sentiu na ocasio dos fatos. (BRITO, FABRETTI, & LIMA, 2012, p. 200 a 202)

    Ainda, vale a lio de Capez sobre as caractersticas da prova testemunhal:

    a) Judicialidade: tecnicamente, s prova testemunhal aquela produzida em juzo b) Oralidade: a prova testemunhal deve ser colhida por meio de uma narrativa verbal prestada em contato direto com o juiz e as partes e seus representantes. [...] c) Objetividade: a testemunha deve depor sobre os fatos sem externar opinies ou emitir juzos valorativos. A exceo admitida quando a reproduo exigir necessariamente um juzo de valor. [...] d) Retrospectividade: o testemunho d-se sobre fatos passados. Testemunha dispe sobre o que assistiu, e no sobre o que acha que vai acontecer. e) Imediao: a testemunha deve dizer aquilo que captou imediatamente atravs dos sentidos. f) Individualidade: cada testemunha presta o seu depoimento isolada da outra. (CAPEZ, 2013, pp. 448, 449)

    Visto isso, percebe-se que a prova testemunhal pode estar sujeita falibilidade

    da memria da testemunha. Mas no s a esta, como tambm prpria m-f em

    testemunhar em desacordo com a verdade sobre o fato, afim de modificar o curso das

    provas de acordo com os interesses pessoais daquele que presta o testemunho.

    Porm, observa-se tambm os parmetros legais para a obteno do

    testemunho, afim de minimizar as possibilidades de corrupo, punindo criminalmente

    aquele quem presta falso testemunho, por exemplo.

    Mas, ainda escassos os meios tecnolgicos e cientficos que possam trazer ao

    processo provas suficientes para se comprovar algo, a prova testemunhal, como j

  • 38

    mencionada, de extrema importncia para o processo penal, mesmo sob a gide de

    sua falibilidade.

    Neste sentido, defende Brito, Fabretti e Lima:

    Embora possa ser considerado como um dos piores meios de prova, infelizmente a cultura processual brasileira dedica quase que exclusivamente testemunha a tarefa de reconstruir os fatos investigados em um processo penal. Um dos piores, porquanto a mente humana extremamente voltil e as memrias, a depender do tempo e das caractersticas da pessoa, so substitudas ou misturadas, entre si ou com a fantasia. (BRITO, FABRETTI, & LIMA, 2012, p. 199)

    Porm, verificar-se-, mais adiante, valendo-se da boa-f no testemunho, se,

    com a hipnose, seria possvel reduzir a falibilidade de tal prova, afim de reavivar a

    memria, muitas vezes borrada ou distorcida, de maneira a trazer de volta ao presente

    aspectos que realmente possam interessar ao processo penal.

    De qualquer maneira, notria a importncia da prova testemunhal e a

    necessidade de se continuar utilizando deste meio de prova para a soluo de um

    litgio.

    Mesmo que haja a possibilidade de se trazer ao processo uma prova falsa, esta

    pode estar presente nos mais diversos meios de prova, no somente no testemunho.

    Portanto, h que se trabalhar para a obteno de testemunhos adequados e

    pertinentes boa movimentao do processo como um todo, acreditando-se na boa-

    f, princpio fundamental do Direito.

    Logo, ainda haver uma esperana de que o testemunho dos homens venha um dia honr-los na manifestao plena da verdade. E, para isso, no precisar que os homens se tornem deuses. [...] Enfim, a testemunha, dentro de nosso Direito Penal, continua incrustada como um mal necessrio, que no podemos extirpar, sob pena de comprometermos os demais rgos do corpo do processo. (ALTAVILA, 1967, p. 128)

  • Se eu testifico de mim mesmo, o meu testemunho no verdadeiro. (Bblia Sagrada. Joo, 5:31.)

  • 40

    5. PROVA PROIBIDA

    A Constituio Federal, no inciso LVI do seu artigo 5, traz: so inadmissveis,

    no processo, as provas obtidas por meios ilcitos.

    Com tal texto legal, presente no escopo da Constituio brasileira, percebe-se

    que mesmo com a grande possibilidade dos meios de prova, ainda h certas

    ressalvas, sendo, uma delas, a prova ilcita.

    Porm, neste momento, no se fala apenas de provas ilcitas, mas das provas

    proibidas de modo geral, ou seja, tambm se fala de provas ilegtimas.

    Neste contexto, explica Capez que Prova vedada ou proibida , portanto, a

    produzida por meios ilcitos, em contrariedade a uma norma legal especfica.

    (CAPEZ, 2013, p. 375)

    5.1. Prova ilcita

    Para Barros, As provas ilcitas em sentido estrito so aquelas obtidas mediante

    violao de norma de direito material. Assim, essencialmente ilcita a prova obtida

    mediante a prtica de infrao penal (direito material), como no caso do crime de

    tortura. (BARROS, 2012, p. 153).

    Neste mesmo sentido e mais alm:

    [...] prova ilcita, ou ilicitamente obtida, de se entender a prova colhida com infrao a normas ou princpios de direito material sobretudo de direito constitucional, porque, [...] a problemtica da prova ilcita se prende sempre questo das liberdades pblicas, onde esto assegurados os direitos e garantias atinentes intimidade, liberdade, dignidade humana. (AVOLIO, 2003, p. 43) Quando a prova for vedada, em virtude de ter sido produzida com afronta a normas de direito material, ser chamada de ilcita. Desse modo, sero ilcitas todas as provas produzidas mediante a prtica de crime ou contraveno, as que violem normas de Direito Civil, Comercial ou Administrativo, bem como aquelas que afrontem princpios constitucionais. (CAPEZ, 2013, p. 376)

  • 41

    Assim percebe-se que a prova ilcita, na verdade, se d atravs dos meios de

    prova que acabam por infringir princpios constitucionais, como a intimidade, a

    liberdade e a dignidade humana.

    De mesmo modo, ao se infringir um dos princpios constitucionais, acaba-se

    por ir contra as normas penais, pois estas que regulam esses e, assim, as provas

    acabam por se tornar ilcitas.

    Naturalmente, constituem provas ilegais as que afrontam qualquer norma da legislao ordinria, por isso, envolvem tanto as penais quanto as processuais penais. Uma prova conseguida por infrao norma penal (ex.: confisso obtida por tortura) ou alcanada violando-se norma processual penal (ex.: laudo produzido por um s perito no oficial) constitui prova ilcita e deve ser desentranhada dos autos. (NUCCI, 2011, p. 391)

    5.2. Prova ilegtima

    Apesar da Constituio Federal tratar apenas de prova ilcita, h na doutrina

    que tal nomenclatura se daria ao gnero, derivando a prova ilcita em sentido estrito e

    a prova ilegtima.

    De seu turno, as provas ilegtimas so aquelas obtidas em desconformidade com as regras procedimentais. Portanto, a redao dada ao artigo em comento amplia o raio de inadmissibilidade, de tal modo que o gnero provas ilcitas passa a abranger tambm a prova que viole norma processual. (BARROS, 2012, p. 153)

    Nesse mesmo sentido, observa-se a lio de Capez, onde acaba por

    apresentar, tambm, alguns exemplos de provas ilegtimas:

    Prova ilegtima. Quando a norma afrontada tiver natureza processual, a prova vedada ser chamada de ilegtima. Assim, ser considerada prova ilegtima: o documento exibido em plenrio do Jri, com desobedincia ao disposto no art. 479, caput (CPP), com a redao determinada pela Lei n. 11.689/2008; o depoimento prestado com violao regra proibitiva do art. 207 (CPP) (sigilo profissional) etc. Podemos ainda lembrar as provas relativas ao estado de pessoas produzidas em descompasso com a lei civil, por qualquer meio que no seja a respectiva certido (CPP, art. 155, pargrafo nico, conforme a Lei n. 11.690/2008), ou a confisso feita em substituio ao corpo de delito, quando a infrao tiver deixado vestgios (CPP, art. 158). Nesse ltimo caso, a ttulo de exemplo, se houve uma leso corporal consistente em uma fratura do antebrao, nem mesmo a radiografia, a ficha mdica do paciente, o depoimento dos mdicos e a confisso do acusado podem suprir a falta do exame de corpo de delito, devido exigncia processual expressa constante do art. 158 do CPP. As provas produzidas em substituio sero nulas por ofensa norma processual e, portanto, ilegtimas, no podendo ser levadas

  • 42

    em conta pelo juiz (CPP, art. 564, III, b), o que acarreta a absolvio por falta de comprovao da materialidade delitiva. (CAPEZ, 2013, p. 375)

    Tambm preciosa a lio de Nucci ao citar Antonio Magalhes Gomes Filho

    em sua obra:

    H quem se oponha considerao de ilicitude em relao prova produzida com violao a norma processual penal. Entende-se, quando tal situao ocorrer, estar-se diante de nulidade da prova e no de ilicitude. Nas palavras de Antonio Magalhes Gomes Filho, comentando a nova redao do art. 157, caput, do CPP: No parece ter sido a melhor, assim, a opo do legislador nacional por uma definio legal de prova ilcita, que, longe de esclarecer o sentido da previso constitucional, pode levar a equvocos e confuses, fazendo crer, por exemplo, que a violao de regras processuais implica ilicitude da prova e, em consequncia, o seu desentranhamento do processo. O descumprimento da lei processual leva nulidade do ato de formao da prova e impe a necessidade de sua renovao, nos termos do que determina o art. 573, caput, do CPP (As reformas no processo penal, Moura, Matia Thereza (coord.), p. 266). (NUCCI, 2011, p. 391)

    Independentemente da posio doutrinria a respeito de provas ilcitas e

    ilegtimas, conclui-se que ambas no so bem vindas ao processo penal, por estarem

    envenenadas pela ilicitude de forma ampla.

    5.3. Prova ilcita por derivao

    Da mesma maneira que as provas ilcitas no podem ser levadas em

    considerao para a deciso do magistrado, todas as que advierem da ilcita so

    igualmente inadmissveis (NUCCI, 2011, p. 391).

    Tal inadmissibilidade das provas geradas por derivao de ilcitas presente

    no Cdigo de Processo Penal:

    Art. 157. So inadmissveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilcitas, assim entendidas as obtidas em violao a normas constitucionais ou legais. (Redao dada pela Lei n 11.690, de 2008) 1o So tambm inadmissveis as provas derivadas das ilcitas [...] (Grifou-se)

    5.3.1. Teoria dos frutos da rvore envenenada

    Essa teoria norte-americana vem embasar a inadmissibilidade do

    aproveitamento das provas derivadas de ilcitas.

    Para isso, transcreve-se a lio de Tourinho Filho:

  • 43

    Na verdade, ao lado das provas ilcitas, temos a doutrina do fruit of the poisonous tree, ou simplesmente fruit doctrine, fruto da rvore envenenada, adotada nos Estados Unidos desde 1914 para os Tribunais Federais, e nos Estados, por imperativo constitucional, desde 1961, e que teve sua maior repercusso no caso Silverthorne Lumber Co. v. United States, 251 US 385 (1920), quando a Corte decidiu que o Estado no podia intimar uma pessoa a entregar documentos cuja existncia fora descoberta pela polcia por meio de uma priso ilegal. (TOURINHO FILHO, 2010, p. 262)

    Assim, ao se analisar o nome da teoria, se compara uma prova que existe a

    partir de uma prova ilcita ao fruto de uma rvore que possui suas razes envenenadas.

    Com isso, ao gerar um novo fruto, este tambm estar eivado pelo veneno. Ou seja,

    uma prova gerada atravs de uma prova ilcita, tambm ser considerada como ilcita

    e, portanto, inconcebvel para o processo.

    Porm, apesar da equiparao prova ilcita, a prova derivada desta pode ser

    aproveitada em alguns casos.

    Sobre o alcance de tal contaminao, preciso registrar que o sistema implantado pelo legislador brasileiro inseguro, pois nega a sua caracterizao em duas situaes: a) quando no evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras; b) quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. De acordo com a regra geral, se a prova derivada da ilcita, no produz efeitos vlidos. Mas, se no h o nexo de causalidade (causa e efeito) entre uma e outra, no se cogita da existncia de contaminao decorrente de prova derivada. Note-se que a ausncia completa da causalidade que obsta a contaminao. (BARROS, 2012, p. 155)

    Destarte, percebe-se que uma prova derivada de ilcita pode acabar sendo

    purificada e aproveitada no processo criminal, assim como estabelece o artigo 157

    do Cdigo de Processo Penal em seus dois primeiros pargrafos:

    Art. 157. So inadmissveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilcitas, assim entendidas as obtidas em violao a normas constitucionais ou legais. (Redao dada pela Lei n 11.690, de 2008) 1o So tambm inadmissveis as provas derivadas das ilcitas, salvo quando no evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Includo pela Lei n 11.690, de 2008) 2o Considera-se fonte independente aquela que por si s, seguindo os trmites tpicos e de praxe, prprios da investigao ou instruo criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Includo pela Lei n 11.690, de 2008) (Grifou-se)

  • 44

    Ou seja, apesar da ilicitude derivada, desde que no evidenciado o nexo de

    causalidade entre elas ou puderem ser obtidas por outra fonte no ilcita, podem ser

    aceitas nos autos.

    Neste sentido explica Nucci:

    A prova originria de fonte independente no se macula pela ilicitude existente em prova correlata. Imagine-se que, por escuta clandestina, logo ilegal, obtm-se a localizao de um documento incriminador em relao ao indiciado. Ocorre que, uma testemunha, depondo regularmente, tambm indicou polcia o lugar onde se encontrava o referido documento. Na verdade, se esse documento fosse apreendido unicamente pela informao surgida da escuta, seria prova ilcita por derivao e inadmissvel no processo. Porm, tendo em vista que ele teve fonte independente, vale dizer, seria encontrado do mesmo modo, mesmo que a escuta no tivesse sido feita, pode ser acolhido como prova lcita. (NUCCI, 2011, p. 392)

    Na mesma linha, HC 89032/SP, Primeira Turma, rel. Ministro Carlos Alberto

    Menezes Direito, DJ, 23 nov. 2007:

    EMENTA Habeas corpus. Constitucional. Penal e processual penal. Sentena condenatria fundada em provas ilcitas. Inocorrncia da aplicao da teoria dos "frutos da rvore envenenada". Provas autnomas. Desnecessidade de desentranhamento da prova ilcita. Impossibilidade de aplicao do art. 580 do CPP espcie. Inocorrncia de ofensa aos artigos 59 e 68 do Cdigo Penal. Habeas corpus indeferido. Liminar cassada. 1. A prova tida como ilcita no contaminou os demais elementos do acervo probatrio, que so autnomos, no havendo motivo para a anulao da sentena. 2. Desnecessrio o desentranhamento dos autos da prova declarada ilcita, diante da ausncia de qualquer resultado prtico em tal providncia, considerado, ademais que a ao penal transitou em julgado. 3. Impossvel, na espcie, a aplicao da regra contida no art. 580 do Cdigo de Processo Penal, pois h diferena de situao entre o paciente e o co-ru absolvido, certo que em relao ao primeiro existiam provas idneas e suficientes para respaldar sua condenao. 4. No que se refere aos fundamentos adotados na dosimetria da pena, no se vislumbra ofensa aos artigos 59 e 68 do Cdigo Penal. A motivao dada pelo Juzo sentenciante, alm de satisfatria, demonstrou proporcionalidade entre a conduta ilcita e a pena aplicada em concreto, dentre os limites estabelecidos pela legislao de regncia. 5. Habeas corpus denegado e liminar cassada. (BRASIL, 2007)

  • Em grande nmero de casos, a hipnose interfere com a medicina legal, sobretudo no que concerne a possibilidade de um indivduo, sob sugesto hipntica, ser compelido, contra a sua vontade, a praticar atos delituosos ou a realizar, sob a ao de outrem, atos da vida contrrios aos seus interesses, sem poder reagir e muitas vezes no guardando a menor lembrana do que se passou. Assim que o assunto no pode deixar de interessar aos mdicos, aos juristas e at mesmo ao pblico em geral, que revela sempre grande curiosidade por tudo quanto se relaciona com a hipnose. (A. C. Pacheco e Silva)

  • 46

    6. HIPNOSE NOS MEIOS DE PROVA

    At agora se viu a hipnose e os meios de prova como temas separados, na

    tentativa de realizar uma breve introduo aos temas.

    Assim sendo, nesta parte do trabalho, trabalhar-se- ambas as matrias de

    forma conjunta, passando pela hipnose forense at a posterior concluso do trabalho,

    onde se avaliar, efetivamente, a possibilidade da utilizao da hipnose como meio

    de prova.

    Em um primeiro momento, vale trazer ao contexto a possibilidade apresentada

    da hipermnsia em uma sesso de hipnose, onde, atravs de um estado de

    relaxamento e de transe hipntico, o sujeito conseguiria se lembrar de mais dados a

    respeito de determinada memria.

    Existindo tal possibilidade, grande ajuda seria ao processo a possibilidade de

    se reaver memrias obscuras de possveis testemunhas, quer seja da prpria vtima,

    pois, com isso, a possibilidade de condenao ou absolvio do ru seriam melhor

    fundamentadas.

    Porm, no se pode esquecer da grande possibilidade de se reaver detalhes

    que no existiram na realidade, frutos da imaginao exacerbada presente no transe

    hipntico, onde, pela vontade de se completar as peas faltantes da histria, a mente

    acaba por criar detalhes inexistentes, afim de se criar uma conexo plausvel e

    aceitvel em todo o roteiro da histria existente. Pois, da mesma maneira que a

    hipnose pode trazer memrias reais com mais facilidade, pode, tambm, acabar por

    alterar a memria do paciente e, assim, trazer ao processo informaes falsas22.

    Com isso, extremamente recomendvel que a pessoa que servir de

    testemunha para determinado processo, jamais passe por uma sesso de hipnose

    antes de dar seu depoimento sob plena conscincia.

    Caso algum seja submetido a uma sesso de hipnose para se recordar de

    todos os detalhes de determinado fato, antes mesmo de dizer tudo o que se recorda

    em estado de viglia, a possibilidade de se distorcer as lembranas desta pessoa so

    22 While the use of hypnosis can potentially refresh the subject's memory, it may also alter that memory. ROZZANO, L. K. (1 de 1 de 1988). The Use of Hypnosis in Criminal Trials: The Black Letter of the Black Art. Los Angeles, CA, EUA. Fonte: http://digitalcommons.lmu.edu/llr/vol21/iss2/5/ p. 638

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    muito grandes, ainda mais pela existncia da vontade/necessidade de se cooperar

    com o judicirio.23

    Esse perigo pode ser ainda mais agravado quando h interesse do hipnlogo

    no testemunho e/ou no processo 24 . Pois, como j tratado anteriormente, com a

    sugestionabilidade aumentada durante o transe hipntico, ainda mais por necessitar

    de uma relao de confiana entre o hipnlogo e o hipnotizado, este pode acabar

    sendo alvo de implantao de memrias falsas, e acabar depondo coisas que no

    aconteceram de verdade.

    At mesmo, antes disso, h a possibilidade de fraude na sesso de hipnose,

    onde o paciente acaba por fingir estar sob transe e repassa qualquer informao que

    achar conveniente para o momento.

    Neste aspecto, so muito pertinente as palavras de Affonso Renato Meira, em

    sua obra Hipnose na Medicina e no Direito, onde relata:

    No ser possvel, do mesmo modo, levar os suspeitos e as testemunhas a contar a verdade? Ordenar-lhes, durante o sono hipntico, a dizer tudo quanto sabem, inclusive aquilo que pretendem ocultar? O primeiro obstculo est em encontrar, no