herz, mônica. organizações internacionais - perspectivas teóricas.pdf
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sas reas de convivncia. Veja o relatrio da Comisso sobre Governana Global (Comission
on Global Governance, 1995). Veja tambm o site do Centro de Estudos sobre Governana
Global da London School of Economics, que conta com a participao de Mary Kaldor e
David Held, entre outros, e que possui diversas publicaes sobre a governana global e a
sociedade civil internacional: http://www.lse.ac.uk/Depts/global!AboutCsGG.htm.
Veja ainda o trabalho de jarnes Rosenau para uma apresentao do conceito
(Rosenau,1992, p.4).
3. O G7/G8 congrega os pases mais desenvolvidos do mundo - Estados Unidos, Frana,
Alemanha, Itlia, Japo, Canad, Gr-Bretanha e Rssia (desde 1994) - para discutir ques-
tes econmicas, polticas e de segurana. Eles realizam uma reunio de chefes de Estados
anualmente e outras reunies a nvel ministerial.
4. Para esse assunto, veja o artigo de john Ruggie (Ruggie, 1993).
5. Proibio da discriminao contra importaes de pases que produzem o mesmo produto.
6. Esse argumento desenvolvido por Michael Barnett e Martha Finnemore (Barnett &:
Finnemore, 2001).
7. O tema discutido por lan Hurd, que salienta que existem trs formas de garantir que uma
regra seja obedecida: coero, auto-interesse e legitimidade. O autor considera o conceito
de legitimidade como um dos mecanismos de ordenamento do sistema internacional (Hurd,
1999).
8. Essa discusso desenvolvida por Ricardo Seitenfus (Seitenfus, 1997).
9. Essa regra aplicada apenas aos Estados que assinaram os novos protocolos da IAEA.
10. A proposta de Abb Saint-Pierre (Project ofPerpertual Peace, 1713) inclua a criao de uma
liga de Estados e uma corte internacional, representando os Estados Europeus, com poder
para arbitrar as disputas e im por sanes caso necessrio. Emric Cruc props a criaode uma federao mundial. Ele apontava para a superficialidade das diferenas entre os
homens - cristos, mulumanos, judeus e pagos teriam lugar no desenho de sua federa-
o (Cruc, 1909). lmmanuel Kant, autor que apresentamos no Captulo 2, escreveu sobre
a formao de uma cidadania cosmopolita e de uma federao de repblicas (Kant, 1970).
11. O mar territorial foi estabelecido em trs milhas, j que esse era o alcance de um canho
baseado em terra no incio do sculo XVII.
12. Hugo Grotious foi um terico do direito internacional, tendo escrito um dos textos funda-
dores do direito internacional moderno, De Jure Belli ac Pacis, em 1625.
13. Veja o livro de lnnis Claude para essa discusso (Claude, 1984, p. 121).
14. A Corte funciona no Palcio da Paz em Haia desde 1913, lidando com disputas envolven-
do Estados, 01Gs e atores privados, direito pblico e privado. Trata-se de um aparato que
permite a montagem de tribunais de arbitragem. Veja http://pca-cpa.org.
15. Essa discusso feita por Veijo Heiskanen (Heiskanen, 2001).
CAPTULO
2
Contribuies Tericas para o
Estu do de O rganiz aes Inte rnacio nais
PRINCIPAIS QUESTOES ABORDADAS:
. . A histr ia dos estudos sobre organizaes internacionais.
. . A t eo r i a r ea l is t a e su a c o n t ri b u i o p a ra o d e b at e s o b r e o p ap e l
das organizaes internacionais.
. . As perspect ivas l iberais e a relevncia das inst i tuies.
. . O funcional ismo e a verso de David Mit rany do papel das organiza-
es internacionais.
. . O ne o fu n c i on a li s m o e o e s tu d o d a i n te g ra o r e gi o n al .
. . O marxismo e a cr tica s organizaes internacionais.
. . O co s m o p o li t i sm o e s u as q u es t es n o r m at i v as e t i ca s .
. . O c o ns t ru t i vi s m o e a l ei t u ra s o c i ol g i ca d a s o rg a n iz a es .
Introduo
A disciplina de relaes internacionais, ao longo de sua histria,
iniciada nas primeiras dcadas do sculo XX, produziu um conjunto
de teorias, conceitos e debates que visa criao de conhecimento
r
http://www.lse.ac.uk/Depts/global!AboutCsGG.htm.http://pca-cpa.org./http://pca-cpa.org./http://www.lse.ac.uk/Depts/global!AboutCsGG.htm. -
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sobre o sistema internacional. O debate terico esteve presente desde
o comeo do delineamento do estudo de relaes internacionais como
uma disciplina especfica, ainda nas primeiras dcadas do sculo XX.1
As diferentes perspectivas tericas buscam, entre outros objetivos, ex-
plicar a cooperao e o conflito entre os principais atores do sistema
internacional, a produo de mecanismos de estabilizao do mesmo
e as formas como esse sistema poltico governado, na ausncia de
aparato estatal central. Nesse sentido, as diferentes teorias, com maiorou menor nfase, tm algo a dizer sobre as organizaes internacio-
nais. Assim, apresentaremos a seguir uma descrio sucinta da contri-
buio das teorias relevantes para o estudo das organizaes interna-conais.'
A rea de estudos sobre organizaes internacionais desenvolveu-
se ao longo do sculo XX, tendo momentos de maior e menor produti-
vidade, sendo influenciada por processos histricos como a criao do
sistema ONU aps a Segunda Guerra ou o novo ativismo das organi-
zaes internacionais ao final da Guerra Fria, assim como pelo trajeto
dos debates tericos da disciplina. Comearemos com uma breve hist-
ria dessa rea de estudos.
Apontamos as principais questes associadas aos principais gru-
pos tericos da disciplina de relaes internacionais. Daremos es-
pecial nfase s contribuies das teorias ao estudo das instituies
internacionais, visto que so fundamentais para a compreenso do pa-
pel, funcionamento e impacto das organizaes internacionais. Du-
rante os ltimos 2S anos, em particular, grande parte das discussestericas no campo das relaes internacionais foi composta por ar-
gumentos sobre o papel, a origem, as dinmicas e o formato das ins-
tituies, alm de seu impacto sobre o comportamento dos Estados.
O debate sobre as organizaes internacionais est intimamente as-
sociado a essa realidade, mas apresenta peculiaridades ilustradas aseguir.
Histria da rea
As pesquisas sobre organizaes internacionais fazem parte de uma
extensa rea de estudos sobre as formas como o sistema internacional se
governa. So estudos sobre os diferentes mecanismos que garantem. ~s
relaes entre os Estados e outros atores uma certa medida de estabili-
dade e continuidade, mantendo e transformando a estrutura do sistema
internacional e, em particular, seu princpio organizacional: a soberania
dos Estados nacionais. Ao mesmo tempo, possvel delinear um campoespecfico de estudos sobre organizaes internacionais, interligado aos
trabalhos sobre instituies, integrao, regimes internacionais e outros.
A histria desse campo de estudos est ligada, por um lado, s ca-
ractersticas da agenda internacional e, por outro, s transformaes te-
ricas e metodolgicas da disciplina de relaes internacionais como um
todo. O nascimento da disciplina e o primeiro debate entre liberais e
realistas nos anos 30 e 40, em que se estabeleceu um contraste entre o
balano de poder, o direito internacional e as organizaes internacionais
como formas de gerar ordem no sistema internacional, so o marco ini-cial para a compreenso da histria desse campo de estudos.
A crena na possibilidade de progresso e no potencial da razo para
enfrentar o flagelo da guerra est na origem da disciplina no ps-Primei-
ra Guerra Mundial. Na poca, as propostas do presidente norte-ameri-
cano Woodrow Wilson e dos movimentos pacifistas, para que o direito
internacional, a arbitragem internacional ou uma organizao interna-
cional evitassem conflitos armados, estavam presentes em debates p-
blicos e nos currculos dos cursos de relaes internacionais, que eram
criados na Gr-Bretanha e nos Estados Unidos. As publicaes do pe-rodo, na maior parte voltadas para a histria diplomtica e o direito
internacional, abordavam as diferentes propostas ao longo da histria
do moderno sistema de Estados, de criao de Ligas, federaes e erga-., .. S 3 O ambiente menosnizaes internacionais que evitariam as guerra .
otimista instaurado a partir dos anos 30 favoreceu a produo de uma
literatura crtica s crenas que haviam marcado o debate pblico sobre
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as relaes internacionais at ento. Os trabalhos de Edward HaIlett Carr
e Hans Morgenthau so considerados um marco, por enfatizarem as
relaes de poder entre os Estados e estabelecerem as bases da hegemonia
do pensamento realistas que caracterizaria a disciplina (Carr, 1939;Morgenthau,1948).
O estudo das organizaes internacionais, como definidas no Ca-
ptulo 1, um fenmeno que acompanha o crescimento das OIGs aps
o final da Segunda Guerra Mundial. O otimismo inicial quanto ao seu
papel na nova arquitetura do sistema internacional, com a criao do
sistema ONU, impulsionou estudos bastante especficos. Por outro lado,
a partir da dcada de 1950, a hegemonia da perspectiva realista, que,
como veremos adiante, no confere maior relevncia s organizaes
internacionais, impediu que recursos humanos e financeiros fossem
alocados para o desenvolvimento do campo de estudos como foram
para outras reas, como estudos estratgicos.
Trabalhos sobre as OIGs, concentrando-se nos atributos formais
das organizaes, como seu mandato constitucional, procedimentos de
votao, anlise de suas cartas constitutivas e estruturas dos comits sogerados nesse perodo (Goodrich &'Simons, 1955; Knorr, 1948; Sharp,
1953; Rolin, 1954). Ao mesmo tempo, j aparecem textos indicando as
tenses entre os processos decisrios formais e a realidade da poltica
internacional. O uso do veto no Conselho de Segurana, por exemplo,
como expresso das relaes internacionais durante a Guerra Fria e o,voto em bloco na Assemblia Geral so salientados (Padelford, 1948;
Ball, 1951; Moldaver, 1957). Embora os textos do perodo j tragam
questes que sero desenvolvidas mais tarde, no h um quadro de refe-
_rnca conceitual que permita o avano de um programa de pesquisamais integrado.
Os padres de votao foram um tema particularmente explorado,
tendo os estudos sobre os padres de votao no congresso norte-ame-
ricano exercido clara influncia sobre autores como Hayward Alker e
Bruce Russet (Alker&'Russet, 1965). A forma como determinados pa-
ses tendiam a votar em bloco, ou a formao de coalizes legislativas, foi
investigada. A partir do final da dcada de 1950, o ambiente acadmico,
marcado pela chamada "revoluo behaviorista", favorecia estudos ba-
seados em dados empricos acessveis." A necessidade de reformar o
desenho institucional das organizaes tambm apontada (Finkelstein,
1955; Riggs, 1960, Claude, 1961).
Na dcada de 1960, ocorre uma separao analtica entre a discus-
so sobre mecanismos de estabilizao do sistema internacional e o es-
tudo sobre o que as organizaes internacionais fazem. Tratava-se ento
de descobrir qual seria a funo especfica das OIGs (Kratochwil &'
Ruggie, 2001). O trabalho de Inis L. Claude contribui para essa modifi-
cao, assinalando diferentes formas de governo no sistema internacio-
nal e o papel da ONU como geradora de legitimidade. Os estudos pas-
sam a abordar questes mais substantivas, concentrando-se nos proble-
mas que as OIGs podiam resolver. Diversos problemas so focalizados:
paz e segurana, segurana nuclear, assistncia ao processo de
descolonizao e ajuda ao desenvolvimento. Nos anos 70, tambm h o
enfoque no papel das organizaes internacionais na reestruturao das
relaes norte-sul ou na administrao do ambiente.Um estudo mais sistemtico dos padres de influncia que deter-
minam o contedo das resolues, os oramentos, a forma como os
Estados votam e a orientao geral das organizaes, se afastando da
tendncia a tratar as votaes na Assemblia Geral como o centro da po-
ltica mundial, editado por Robert Cox e Harold K. ]acobson, na
dcada de 1970. (Cox &']acobson, 1973). Trata-se de um trabalho
sobre oito agncias especializadas da ONU, no qual as organizaes
internacionais so analisadas como sistemas polticos distintos. Pela
primeira vez, relaes transgovernamentais so consideradas, ou seja,coalizes envolvendo partes de governos e partes das organizaes in-
ternacionais.A discusso sobre a relao entre as caractersticas do sistema inter-
nacional e o papel das organizaes internacionais torna-se uma orien-
tao marcante da bibliografia nos anos 70. A transferncia de legitimi-
dade coletiva, a formao de agenda, fruns para a formao de coali-
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zes e formas de coordenao de polticas transgovernamentais so al-
guns dos papis das organizaes internacionais abordados nesse contex-
to (Hoffmann, 1970; Nye, 1974). A crtica viso realista do sistema in-
ternacional, em particular ao tratamento exclusivo das relaes interestatais,
favoreceu o desenvolvimento de estudos sobre outros atores, como as
OIGs e as ONGIs. A maior abertura para a anlise de atores subestatais
como agncias do governo, tambm representou um impulso para a
compreenso de como interagem no contexto das OIGs.. ~s e~tudos sobre integrao regional propunham que nem as orga-
mzaoes mternacionais existentes nem os Estados nacionais seriam su-
ficientes para lidar com os crescentes problemas internacionais. O con-
ceito de integrao regional foi o nico conceito amplo capaz de estruturar
~ campo de estudos, at o aparecimento dos trabalhos sobre regimes
mternacionais nos anos 80. Entre meados dos anos 50 e meados da
dcada de 1970, as teorias de integrao foram formuladas em diferen-
tes vertentes, como o neofuncionalismo e o intergovernamentalismo,
abordadas a seguir. Contudo, a estagnao do processo de integraopoltica na Europa, frustrando boa parte das expectativas acumuladas
aps a Segunda Guerra Mundial, e as crticas epistemolgicas e concei-
tuais aos trabalhos produzidos at ento geraram uma crise nesse cam-
po de estudos, e muitas questes levariam 10 ou 15 anos para serem
retomadas. O novo mpeto integracionista na Europa, a partir da meta-
de da dcada de 1980, produziu uma retomada dos estudos sobre
integrao com o relanamento do programa de pesquisa neofuncionalista
e o desenvolvimento de outras perspectivas.
Trabalhos sobre regimes internacionais dominaram os estudos so-
bre instituies internacionais durante os anos 80, surgindo como re-
sultado de debates anteriores sobre interdependncia, sobre a manuten-
o das normas internacionais diante do suposto declnio da hegemonia
norte-americana, alm da inoperncia da ONU naquele perodo (Krasner,
1982). O tratamento de normas no contexto internacional, abandonado
com o advento da revoluo behaviorista, foi retomado pela literatura
sobre regimes. O conceito buscava responder por que, apesar dos sinais
de declnio da hegemonia norte-americana e a conseqente crise das
instituies internacionais, um conjunto de normas que regiam as rela-
es internacionais continuavam a ser respeitadas. Essa bibliografia lida
com o processo de formao dos princpios, normas, regras e procedi-
mentos, que compem diferentes regimes e seu impacto sobre o com-
portamento dos atores; a dimenso subjetiva das normas e a relao
entre regimes e cooperao internacional. 5
A Escola Inglesa, que desenvolveu o conceito de sociedade interna-
cional, buscando analisar a ordem internacional a partir da existncia
de normas e valores, tambm um marco para os estudos sobre institui-
es internacionais (Wright, 1977 e Buli, 1977). No entanto, a viso
ampla e histrica do sistema internacional, da qual partem esses auto-
res, no favoreceu o desenvolvimento de uma agenda de pesquisa sobre
instituies internacionais profcua nesse perodo.Os estudos sobre organizaes formais no galvanizaram esforos
at um perodo posterior, tornando-se marginais. Contudo, na medida
em que os regimes, em alguns casos, geram organizaes internacionais
_ e a bibliografia trata das possibilidades e/ou dificuldades da coopera-o internacional-, ela estabeleceu parmetros importantes para a in-
vestigao das organizaes internacionais. Ademais, um tratamento mais
diversificado das organizaes internacionais pode surgir, uma vez que
cada rea especfica - cada regime - requer uma forma de regulao
particular e o lugar das organizaes varia em cada uma delas. A litera-
tura sobre desenho organizacional, por exemplo, busca estabelecer a
adequao entre arranjos institucionais e problemas especficos (joyce
&Van de Vem, 1981). Os trabalhos sobre regimes continuam ocupando
especialistas, tendo se consolidado como uma rea de estudos impor-tante. Novas reas temticas foram incorporadas e atores no estatais
passaram a fazer parte das anlises, tendo alguns regimes um carter
eminentemente privado. 6
Nos anos 90, observa-se um significativo aumento do nmero de
publicaes, apresentaes em conferncias internacionais sobre orga-
nizaes internacionais, alm da presena do tema em currculos uni-
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versitrios. Ocorre uma modificao do lugar desse campo de estudos
no contexto mais amplo da disciplina de relaes internacionais, em
funo do novo otimismo sobre o papel das organizaes internacionais
no ps-Guerra Fria, mas tambm como resultado da incorporao de
novos instrumentos analticos aos estudos. As organizaes passam a
ser tratadas como atores, e abre-se uma janela para incorporar a discus-
so sobre as organizaes "como organizaes" atravs da incorporao
da sociologia das organizaes aos instrumentos analticos utilizados.
Por outro lado, o debate sobre atores transnacionas, que teve gran-
de impacto sobre a disciplina nos anos 70, foi recuperado a partir do
final dos anos 80.7 Nesse contexto, o conceito de sociedade civil global
adquire grande relevncia, permitindo uma avaliao diferenciada do
papel e do comportamento das ONGls. Eventos em que as ONGls tive-
ram um papel importante - como a Conferncia de 1992 sobre meio
ambiente, realizada no Rio de Janeiro; o debate sobre a sociedade civil
global e o processo de globalizao; alm da crescente influncia das
ONGls nas OIGs e sobre os governos nacionais - despertaram o inte-
resse de especialistas.Na medida em que as organizaes internacionais passaram a ad-
quirir um papel central na poltica internacional e a tornar-se tema de
debate pblico em diversas partes do mundo, uma bibliografia crtica
emergiu. As organizaes internacionais so veementemente criticadas
como uma fora desestabilizadora, em especial na forma de sua inter-
veno em conflitos internacionais ou porque perpetuam o subdesen-
volvimento de determinadas regies." Outros autores as vem como um
empecilho ao funcionamento normal das foras do mercado partindo
das premissas do liberalismo econmico. As deficincias administrati-vas so amplamente discutidas em fruns polticos e na bibliografia (Pitt
&Weiss, 1986). A ineficincia das OIGs como forma de administrar as
relaes entre os atores internacionais tambm discutida (Conybeare,
1980). A relao entre as organizaes internacionais e os mecanismos
de reproduo das formas de dominao capitalistas so tratadas porautores marxistas.
Realismo
A tradio realista foi, durante muito tempo, dominante na disci-
plina de relaes internacionais e, como vimos, isso explica parcialmen-
te a ausncia de uma vasta bibliografia sobre organizaes internacio-
nais at o final da Guerra Fria. Segundo essa perspectiva, os principais
atores no sistema internacional so os Estados, entendidos como atores
unitrios, que buscam maximizar seu poder e sua segurana." A ausn-
cia de uma autoridade supranacional, ou de uma hierarquia baseada emuma estrutura de autoridade, levacaracterizao do sistema internacio-
nal como anrquico. Uma distino rgida entre a esfera domstica na
qual o progresso, a ordem e a paz so possveis, e a esfera internacional
na qual reina a anarquia, a desordem e a guerra um pressuposto bsi-
co. Essa uma realidade permanente, a teoria realista no vislumbra
uma transformao da natureza do sistema internacional, embora as
relaes de poder se transformem. O aspecto central a ser analisado o
poder ou as relaes de poder; so focalizadas as capacidades dos Esta-
dos, ou seja, os recursos de poder militares, econmicos ou polticos eas relaes de poder, ou a possibilidade de influenciar ou determinar o
comportamento do outro.
Assim, autores realistas criticam a proposio de que instituies
podem mudar aspectos importantes do sistema internacional e no con-
ferem relevncia ao papel de atores no-estatais como as ONGls
(Mearsheimer, 1994; Grieco, 1988). john Mearsheimer, em particular,
dedicou-se a demonstrar a falta de evidncias empricas indicativas de
que as instituies mudam os padres de comportamento dos Estados,
especialmente na rea da segurana.A cooperao dificultada pela natureza insegura do sistema in-
ternacional. Alm do receio de que a cooperao acordada no ser res-
peitada, os realistas salientam que a ausncia de governo gera uma luta
constante pela sobrevivncia e pela independncia. Logo, impossvel
ignorar a posio dos outros atores na hierarquia de poder do sistema,
pois os amigos de hoje podem ser os inimigos de amanh. Dessa forma,
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os atores so movidos pela falta de confiana no outro e pela lgica dos
ganhos relativos. Se a posio de cada ator na hierarquia de poder do
sistema considerada fundamental, a colaborao que favorece o outro
tende a ser vista como uma possvel perda.
Na medida em que a cooperao, embora presente no sistema in-
ternacional, seja limitada pelas condies de anarquia, o papel das orga-
nizaes internacionais como atores e, por vezes, at como fruns rele-
vantes, questionado. As OIGs no tm poder nem autoridade para
fazer as decises serem cumpridas, e os Estados optam por obedecer sregras e normas criadas, de acordo com seus interesses nacionais. Elas
so tratadas como barcos vazios, existindo somente enquanto servem
aos interesses dos Estados. As organizaes so fundamentalmente ins-
trumentos usados pelos Estados mais poderosos para atingir seus obje-
tivos. Elas s exercem funes importantes quando expressam a distri-
buio de poder no sistema internacional. Apenas quando os atores mais
poderosos acordam a utilizao conjunta das OIGs para realizao de
seus objetivos esperado que elas se tomem efetivas.
Embora para alguns realistas que se concentram na anlise da es-trutura anrquica do sistema internacional as instituies internacio-
nais no meream o esforo dos pesquisadores, outros compreendem
que a relao entre cooperao e instituies deve ser analisada. O estu-
do da cooperao sob condies de anarquia a orientao dada pes-
quisa. Para autores como Robert Gilpin, Stephen Krasner e]oseph Grieco,
a distribuio de capacidades a varivel central para a explicao sobre
a natureza ou a efetividade das instituies (Gilpin, 1981; Krasner, 1991,
Grieco, 1990). A teoria da estabilidade hegemnica, por exemplo, pro-
pe que a presena de um lder poderoso fundamental para manter o
funcionamento das instituies internacionais. Apenas quando se ob-
serva a presena de um ator hegemnico, possvel garantir a criao e
o respeito pelas normas (Kindleberger, 1981). Por outro lado, outros
autores desenvolvem estudos de como os Estados usam as OIGs racio-
nalmente ou qual o desenho institucional mais racional a partir da
perspectiva dos interesses dos Estados (Gruber, 2000; Koremenos, Lipson
&Snidal, 2001).A maior contribuio da perspectiva realista ao estudo sobre orga-
nizaes internacionais est na constante contestao dos pressupostos
e resultados das pesquisas desenvolvidas por autores associados a ou-
tros grupos tericos. Seu ceticismo em relao ao papel das instituies
internacionais, particularmente quanto ao seu impacto sobre a natureza
do sistema internacional, sua preocupao com o conceito de poder e a
demanda por demonstraes empricas impulsiona, por meio do deba-te, a pesquisa sobre organizaes internacionais.
Liberalismo
A tradio liberal do pensamento sobre relaes internacionais
no pode ser tratada como um bloco coeso. As nfases so variadas e a
associao com diferentes pensadores clssicos da filosofia, do direito e
da economia poltica j indica a presena de uma ampla gama de propo-
sies sobre a natureza das relaes internacionais. Para fazer um estu-do detalhado das idias dos autores liberais, necessria uma volta aos
textos clssicos de Immanuel Kant, Hugo Grotious, Adam Smith e ]eremy
Bentham e uma anlise cuidadosa de sua apropriao e reviso pela dis-
ciplina de relaes internacionais em diferentes momentos histricos.
Observemos, portanto, a relevncia dessa tradio para o estudo das
organizaes internacionais partindo de uma idia bsica que permite
agrupar uma coleo to heterognea, ou seja, o pressuposto da racio-
nalidade como caracterstica bsica da humanidade que abre as portas
para o potencial de transformar as relaes sociais e realizar o progresso
(lembrando que a racionalidade est, em ltima instncia, depositada
nos indivduos). A crena no progresso indica que possvel transcen-
der a poltica do poder ou o carter endmico da guerra.
Uma srie de discusses sobre os caminhos para reformar o siste-
ma internacional se abre a partir deste pressuposto: um fluxo mais in-
tenso de comrcio favorece a paz, regimes polticos democrticos ou
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republicanos esto associados a relaes pacficas entre os Estados e, o
mais importante para este trabalho, a construo de instituies inter-
nacionais pode transformar as relaes entre os atores no sistema inter-
nacional. Essa ltima verso est historicamente associada s propostas
do Presidente Woodrow Wilson, 10ao final da Primeira Guerra Mundial,
que deram origem formao da primeira organizao internacional
universal- a Liga das Naes, que ser vista no Captulo 3.
A tradio liberal o fundamento de propostas que envolvem o
papel das organizaes e do direito internacionais para a gerao demais cooperao e mais ordem no sistema internacional. Como h uma
relao inerente entre razo e paz, h um enfoque nos mecanismos que
potencializam o uso da razo como o direito, a arbitragem, a negociaoe a administrao coletiva dos conflitos.
Da mesma forma que no plano domstico, pensadores liberais pro-
pem formas de controle do exerccio do poder. No plano internacio-
nal, as instituies como o direito, as organizaes e outras representa-
ro um limite ao exerccio do poder dos Estados e de sua soberania. Na
interseo entre a esfera internacional e a esfera domstica est o exer-
ccio da poltica externa, que os liberais propem tornar mais transpa-
rente, como na proposta de Woodrow Wilson de uma diplomacia aber-
ta, em contraposio diplomacia secreta das elites do sculo XIX.
Nos anos 70, o domnio realista sobre os estudos de relaes in-
ternacionais questionado, a partir de constataes sobre a crescente
interdependncia entre as sociedades e sobre a sobrevivncia das ins-
tituies criadas no ps-Segunda Guerra, mesmo em face das crises
daquele perodo, como o aumento dos preos do petrleo, o colapso
dos arranjos monetrios de Bretton Woods, o crescimento da dvida
do terceiro mundo e o declnio do poder econmico norte-americano
em relao Europa e ao japo.!' Na dcada seguinte, o chamado
neoliberalismo institucionalista desenvolveu um programa de pesqui-
sa fundamentalmente associado ao estudo de regimes internacionais,
enfrentando a compreenso de autores realistas de que as instituiesno so relevantes.
Os trabalhos de autores vinculados ao liberalismo nessa fase so
mais descritivos ou buscam construir teorias empiricamente verificveis,
atendo-se ao projeto de construo de uma cincia das relaes interna-
cionais; um movimento similar quele ocorrido dentre especialistas rea-
listas. Questes ticas so deixadas de lado. O papel das instituies
internacionais adquire lugar central, mantendo-se hegemnica a idia
de que o Estado o principal ator do sistema internacional. 12O livro de
Robert Keohane e]oseph Nye, publicado em 1977 (Keohane,Nye, 1977),
no qual o papel das instituies internacionais no contexto da inter-dependncia complexa discutido, teve um impacto marcante sobre o
debate no perodo. 13A percepo de que as instituies internacionais
podem mudar as relaes entre Estados o grande divisor de guas que
separa liberais e realistas no debate que ficou conhecido como aquele
entre neoliberais e neo-realistas dos anos 80.14
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Por outro lado, o processo de transnacionalizao tambm consi-
derado, sendo ONGls, redes de interesses e grupos de presso trans-
nacionais includos nas anlises propostas. Com o fim da Guerra Fria e
a intensificao do processo de globalizao, houve um significativo au-
mento no nmero de estudos que partem dos pressupostos liberais.
O neoliberalismo institucionalista trata o conflito e a cooperao
com apenas um aparato lgico, em contraposio tradio anterior no
campo das relaes internacionais, em que algumas correntes concen-
travam-se nas relaes cooperativas, e, outras, nas relaes conflituosas.Nesse sentido, a diviso rgida entre a nfase sobre as possibilidades de
cooperao e a inevitabilidade do conflito, que marcou o debate entre as
disciplinas no comeo do sculo XX, superada. A existncia de confli-
to e a possibilidade de coordenao de polticas no so antitticas; por-
tanto, no necessrio partir da idia de harmonia de interesses para
fazer o percurso da cooperao. Em contraposio aos autores realistas,
parte-se da premissa de que os Estados buscam melhorar sua posio
no sistema internacional, auferindo ganhos absolutos, independente daposio dos outros atores.
Os Estados, principais atores do sistema internacional, so caracte-
rizados como atores racionais movidos pelo auto-interesse. Essa litera-
tura tem como suporte terico primordial as teorias de escolha racional,
ou seja, pressupe que os atores so racionais e calculam a utilidade
(vantagens) de caminhos alternativos, escolhendo aquele que maximiza
as utilidades nas circunstncias em que se encontra. 15Da mesma forma
que os autores realistas do mesmo perodo, os neoliberais insttuciona-
listas so influenciados pela literatura que trata do papel de firmas dian-
te das imperfeies do mercado. A realidade da poltica internacional
seria anloga realidade do mercado, na qual convivem atores que bus-
cam maximizar utilidades em um contexto competitivo. Assim como as
firmas, as instituies podem corrigir problemas gerados por informa-es incompletas e altos custos de transao. 16
A incerteza que configura o sistema internacional dificulta a cons-
truo de relaes cooperativas, particularmente porque muito difcil
b _
confiar nas promessas dos atores. As instituies tm a funo de dimi-
nuir o grau de incerteza por meio da gerao de transparncia e da rea-
lizao de conexes entre diferentes questes atravs do tempo (linkage).
A maior transparncia e a existncia de conexes entre questes ajudam
a diminuir o medo da trapaa, aumentando a disposio dos atores de
envolverem-se em arranjos cooperativos. Dessa forma, a circulao de in-
formao atravs das instituies pode transformar o sistema interna-
cional (Keohane, 1984). Nesse sentido as instituies realizam os inte-
resses dos Estados.A teoria dos jogos no-cooperativos freqentemente utilizada para
mostrar como a cooperao difcil, mas possvel. Nesse tipo de mode-
lo, os atores so racionais e egostas e no h um terceiro ator que garan-
ta o cumprimento dos acordos. A presena de instituies que favore-
cem a reciprocidade e a confiana mtua fundamental (Axelrod &:
Keohane, 1985). Modelos formais, que reproduzem os interesses e as
decises dos atores, diante da possibilidade de cooperao (formao
de acordos) e/ou coordenao (estabelecimento de convenes), so
aplicados para explicar o comportamento dos atores.17 Pergunta-se comogerar cooperao - o melhor resultado do ponto de vista coletivo -,
se um comportamento no-cooperativo a escolha mais racional para
um indivduo. As relaes contnuas entre atores egostas, ou seja, a
repetio dos jogos, favorece a cooperao, uma vez que ocorre uma
"sombra sobre o futuro", ou seja, as aes do presente so influenciadas
pela noo de que a interao se repetir, passando a ser interessante
gerar a expectativa de cooperao. Estados com uma reputao negativa
tero dificuldades em serem aceitos como parceiros de mecanismos de
cooperao. Essa continuidade muitas vezes sustentada pelas institui-
es ou organizaes internacionais.
As instituies so identificadas como uma soluo possvel para
os problemas de produo de bens pblicos ou coletivos. 18A literatura
sobre bens pblicos salienta a dificuldade de prover esses bens ou esta-
belecer quem ir arcar com os custos de sua produo. As OIGs podem
criar incentivos para a produo de bens pblicos.
c
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As OIGs facilitam a ao coletiva a partir da ativao de uma srie
de mecanismos que modificam as condies do ambiente internacional.
Os mecanismos estudados diminuem os custos de transao, ou seja,
criam um ambiente que facilita as negociaes. As normas estabelecidas
diminuem os custos de transao, 19pois uma negociao j comea com
alguns parmetros estabelecidos. Ademais, as instituies favorecem o
cumprimento dos acordos, diminuindo os custos de controlar o com-
portamento dos atores, lidando assim com os problemas de aquiescn-
cia. Nesse sentido, o monitoramento, as sanes e a publicao de infor-
maes so papis cruciais que podem ser exercidos pelas organizaes
internacionais. Finalmente, as instituies estabelecem regras para dis-
tribuio de ganhos da ao coletiva. As preferncias dos atores no so
modificadas nesse processo, apenas a sua disposio de negociar e se
ater aos acordos estabelecidos.
Os liberais reformistas, por sua vez, salientam a necessidade de
transformar o sistema internacional por meio da maior democratizao
das instituies (McGrew, 2003). O dficit democrtico das organiza-
es internacionais um tema recorrente e prope-se a busca de maisrepresentatividade, transparncia e responsabilidade (Falk, 1995; Co-
misso para a Governana Global, 1995). Discutem-se assuntos como a
presena de atores no-estatais e o papel da sociedade civil transnacional,
e prevalece a viso de que a movimentao destes setores favorece a
democratizao do sistema (Rosenau, 1990, 1997).
As instituies internacionais tambm so tratadas por alguns au-
tores liberais como estruturas que constrangem e moldam o comporta-
mento dos Estados. Dessa forma, embora sejam criadas pelos Estados,
elas, ao longo da sua histria, tm um impacto sobre seu comportamen-to, inclusive limitando as opes disponveis para suas polticas exter-
nas e domsticas. O carter da hegemonia norte-americana no ps-Se-
gunda Guerra ressaltado por G.]. Ikenberry (Ikenberry, 2001). Esse
autor destaca que uma ordem multilateral foi estabelecida sob a lideran-
a dos Estados Unidos, tendo como base os princpios do liberalismo.
Todavia, como as instituies enrazam-se e os custos de substitu-las
torna-se alto, elas acabam constrangendo o prprio exerccio do poder
norte-americano.
A perspectiva liberal contempla ainda uma preocupao com a es-
fera domstica. Retomando a tradio da cincia poltica norte-america-
na, grupos de interesse so tratados como atores centrais por Andrew
Moravscik. O autor enfatiza a negociao que ocorre no mbito doms-
tico entre governo e grupos de interesse. A formao de preferncias
dentro de cada sociedade ter um impacto sobre a possibilidade de co-
operao no nvel internacional e sobre a formao de instituies inter-
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nacionais, gerando demandas que governos buscaro responder no m-
bito intergovernamental. 20 O papel exercido pela barganha poltica do-
mstica no impede que o Estado se comporte como um ator racional
com preferncias estabelecidas, quando se envolve em negociaes in-
ternacionais, j que ele exerce justamente a funo de agregar os dife-
rentes interesses internos.
As crticas s perspectivas liberais, comuns aos campos marxista e
realista, se concentram na sua incapacidade de incorporar o exerccio do
poder s anlises oferecidas, adotando assim uma postura ingnua em
face do papel das instituies internacionais (Halliday, 2000). A perda de
uma perspectiva tica e as limitaes impostas pelo modelo do ator racio-
nal so ressaltadas por inmeros autores que sero discutidos adiante.
Funconaltsmo"
O funcionalismo est fortemente associado ao nome de David
Mitrany, em particular a uma monografia de 1943 titulada A Working
Peace 5ystem (Mitrany, 1946) e criao do sistema de agncias funcio-nais da ONU no ps-Segunda Guerra." Uma agenda fortemente nor-
mativa propunha que uma rede de organizaes transnacionais, com
base funcional, poderia constranger a poltica externa dos Estados e, em
ltima instncia, evitar a guerra. O autor estabelecia pela primeira vez
uma conexo clara entre a cooperao funcional, a ser discutida no Ca-
ptulo 4, e a segurana internacional.
Essa perspectiva concentra-se em uma proposta gradualista para o
problema da ordem internacional, partindo da premissa de que a "for-
ma" segue a "funo". Hbitos de cooperao seriam constitudos emreas mais tcnicas, nas esferas econmica e social, nas quais o interesse
comum pode emergir mais facilmente. Mais tarde, o hbito de interao,
a construo de valores comuns e instituies permitiriam que a prtica
da cooperao transbordasse para a arena poltica (um processo referido
pela bibliografia como spillover). A viso positiva da crescente
interdependncia entre as sociedades, retomando a associao entre
comrcio e paz presente no liberalismo do sculo XIX, a base para a
proposta funcionalista.O bem-estar da populao no estaria sendo garantido pelo Estado
nacional, e uma maior cooperao internacional, ao satisfazer necessi-
dades nesse campo, levaria a uma transferncia de lealdade, permitindo
a construo do que Mitrany chamou de um sistema de paz. A constru-
o de uma comunidade poltica menos particularista do que o Estado-
nao, a partir de um processo de aprendizado coletivo e da administra-
o tcnica, seria o fundamento do sistema de paz.Duas avaliaes complementares esto presentes aqui. Por um lado,
a possibilidade de cooperao aumentaria quando a natureza do proble-
ma a ser enfrentado impusesse a coordenao de polticas entre as partes.
Trata-se de questes em que o fluxo de bens, pessoas e formas de comu-
nicao gera a necessidade de coordenar as diferentes aes do Estado.
O avano tecnolgico seria um grande impulsionador desse processo.
Por outro lado, a cooperao nessas esferas da ao do Estado no
representaria uma ameaa frontal soberania e no teria implicaes
para a formulao autnoma de polticas externas voltadas para o "inte-resse nacional". Assim, a cooperao torna-se aceitvel para os atores,
que reagem negativamente s propostas de transformao das relaes
entre os Estados que afetam de maneira direta o princpio da soberania.
A soberania no seria superada, como em propostas de formao de um
governo mundial, mas compartilhada; uma parcela de soberania seria
transferida para uma nova autoridade. A cooperao em reas especfi-
cas enfatizada, sendo que as prprias tarefas e necessidades delineiam
o contorno dessas reas. A realizao dessas tarefas por meio de organi-
zaes separadas que congregam especialistas e tcnicos vista de for-ma positiva.
A preocupao com as causas da guerra, central para a literatura de
relaes internacionais, est presente aqui em uma verso orientada para
questes sociais. Os conflitos armados so associados a problemas so-
ciais como: pobreza, fome, doenas e baixo nvel educacional. A coope-
rao internacional poderia enfrentar essas questes. O trabalho das or-
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ganizaes funcionais no campo da assistncia ao desenvolvimento, ainda
hoje, tem como um de seus fundamentos essa perspectiva.
Os especialistas que trabalham nas organizaes internacionais so
atores centrais pois eles teriam uma identidade profissional com colegas
de diferentes partes do mundo, que poderia vir a ultrapassar sua leal-
dade com o Estado nacional. Enquanto os diplomatas tenderiam a de-
fender o interesse nacional, os especialistas estariam em uma posio
privilegiada para levar adiante a cooperao em reas especficas, con-
centrando-se em aspectos tcnicos. Eles seriam os principais agentes do
processo de aprendizagem de cooperao, que pode transbordar das
reas tcnicas para a arena poltica. Por outro lado, abre-se a possibilida-
de de pensar o processo de interao entre agncias especficas dos go-
vernos, em vez de partir apenas da interao entre Estados como unida-
des fechadas.
As crticas mais veementes viso original de Mitrany apontam
para a necessidade de politizar o debate; a separao entre poltica e
cooperao funcional que fundamenta essa perspectiva no retrataria a
realidade. A prpria distino entre uma esfera tcnica e uma esfera
poltica pode ser questionada. A histria dos processos de cooperao
funcional indica que a opo pela cooperao, distncia ou conflito muitas
vezes emerge de objetivos polticos mais amplos. A cooperao no cam-
po tcnico no transborda necessariamente para o campo poltico -
em ultima instncia, decises polticas difceis devem ser tomadas (Haas,
1964).
Contudo, a perspectiva funcionalista avanou propostas que per-
mitem compreender a realidade da imensa rede de organizaes funcio-nais existente hoje em dia em alguns aspectos relevantes. A idia de
associar o exerccio de autoridade a agentes funcionalmente definidos,
em contraposio ao prncipio que rege o sistema internacional con-
temporneo, o qual associa a autoridade a um territrio definido, bas-
tante inovadora. Ademais, a viso de um processo de transnacionalizao
das relaes sociais tambm j est presente.
Neofuncionalismo
A partir da observao do funcionamento da CECA (Comunidade
Europia do Carvo e do Ao), da Euratom (European Atomic Energy
Community - Comunidade Europia de Energia Atmica) e da CEE (Co-
munidade Econmica Europia) e das dificuldades de levar adiante o pro-
jeto federalista no mbito da "alta poltica",23um conjunto de autores e
lderes concluiu que o funcionalismo como teoria e prtica deveria ser
reformulado e apropriado para a discusso sobre a natureza do processo
de integrao em curso na Europa Ocidental. Tratava-se de pensar a for-
ma como o processo de integrao regional europeu desafiava o sistema
de Estados territoriais e construir uma teoria que pudesse captar o caso
singular da Europa, mas tambm ter significado para processo de integrao
regional em geral." Uma combinao de objetivos federalistas e do pensa-
mento funcionalista gera uma discusso sobre as perspectivas de integrao
em setores especficos." Nos anos 50 e 60, o neofuncionalismo tornou-
se a teoria de integrao hegemnica e esteve presente nos debates pol-
ticos voltados para uma maior integrao na Europa ocidental.
Uma de suas principais premissas, baseada no funcionalismo,
que um processo gradual de integrao em reas especficas pode
transbordar para novas reas de integrao. Assim, se Estados adqui-
rem maior integrao em reas particulares, como o setor carvoeiro,
haver um incentivo para maior integrao em outras reas do setor
energtico. Ademais, a integrao em reas especficas gera apoio para
novas arenas polticas e novas formas de autoridade. medida que pro-
blemas em determinadas reas so enfrentados, o apoio s instituies
geradas aumentar. A existncia de rgos supranacionais, como a Co-
misso Europia, eleva o nvel da cooperao e da integrao, j no se
trata de encontrar um mnimo denominador comum, mas de trabalhar
com interesses comuns, possivelmente chegando formao de uma
nova comunidade poltica.Os neofuncionalistas tambm conferem um papel central s orga-
nizaes internacionais, como agentes ativos do processo de coopera-
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o, e tambm trabalham com a idia de atitudes que transbordam da
rea tcnica para a rea poltica. Contudo, se para os funcionalistas as
organizaes focalizadas no tm como referncia uma regio, os
neofuncionalistas conferem papel central s relaes regionais. Alm
disso, enquanto para os funcionalistas as agncias funcionais internacio-
nais so os atores centrais do processo de transformao que propu-
nham, para os neofuncionalistas o foco da anlise so os sindicatos,
associaes comerciais, partidos polticos e burocracias supranacionais
convivendo em constante negociao. A crescente interdependncia, daqual tambm partem os funcionalistas, s gera maior integrao no con-
texto da barganha ocorrendo entre os atores relevantes. Processos
decisrios graduais e demandas dos atores mencionados geram a trans-
ferncia de autoridade para instncias supranacionais. Em ltima ins-
tncia, a eroso da soberania do Estado transformaria as relaes inter-
nacionais, gerando o tipo de consenso encontrado em sistemas polticos
domsticos. Em contraposio ao Estado nacional, agncias
supranacionais, como a Comisso Europia, poderiam realizar funes
ligadas ao bem-estar no nvel regional (Haas, 1968; Schmitter, 1969;Lindberg &Scheingold, 1970; Nye, 1971). Ademais, os autores vincu-
lados a essa perspectiva buscaram construir estudos mais sistemticos,
baseados na anlise de um nmero limitado de variveis que concorrem
para o processo de integrao, dentro do esprito do behaviorismo
(Lindberg &Scheingold, 1970).
Assim como no caso dos funcionalistas, as crticas a essa perspecti-
va se concentram no conceito de transbordamento. A resoluo de pro-
blemas em diferentes setores no leva facilmente a transformaes no
campo poltico, em particular no que se refere identificao com umacomunidade poltica. Ademais, a predominncia dos interesses estatais
se mantm, particularmente no que se refere rea da segurana inter-
nacional, havendo grande ceticismo quanto possibilidade de realiza-
o das previses neofuncionalistas. J em 1967, Haas admitiu que o
processo gradual previsto em sua teoria havia sido interrompido por
eventos da "alta poltica", tais como a poltica europia de De Gaulle,
impedindo o avano em direo a supranacionalidade, salientando o
du lo movimento de integrao e desintegrao (Haas, 1967).26
p Os autores que adotam a viso neofuncionalista, assim como aque-
les que analisam os mltiplos nveis de governana gerados pelo pro-
o de ntegrao." percebem que est ocorrendo uma transforma-cess .. d
o na natureza da comunidade poltica. Mas essa avaliao cntica a~ . dpelos autores que trabalham com o processo de integra~o a parnr .e
uma perspectiva realista ou liberal, que afirmam a co~tInu~ preerm-
nncia do Estado. A perspectiva intergovernamentahsta ~firma q~eapenas a convergncia de preferncias nacionais pode leva.rmtegraao.
Isso porque a estrutura do sistema internacional determma o compor-
tamento egosta dos Estados, buscando sempre maximizar ~eu poder.
Os Estados guardam as portas entre as naes e o bloco regional, pre-
servando sua soberania. Autores como Stanley Hoffmann, por ex~~-
plo, criticaram a perspectiva neofuncionalista a p~rtir de uma Vl~ao
realista, salientando a centralidade dos Estados, afirmando qu~ a ~n-
tegrao regional apenas poderia ter sucesso no campo economlCO
(Hoffmann, 1996). o'Tendo como pano de fundo a renovao da integrao. eur~peIa
d d de 1980 houve uma reavaliao das teorias neofunclOnahstas;na eca a , . . 28alguns autores referem-se a isso como uma t~oria ~eo-neofunclOnahsta.
A transferncia de papis sociais, ao coletIva e mteresses dos atores _do
nvel nacional para o supranacional continua no centro das atenoes
dos tericos voltados para o estudo da integrao regional. Entretanto,
uma srie de expectativas da proposta neofuncionalista foi ~rustada, p~r-
ticularmente no que concerne ao papel crucial das autondades nacio-
nais em garantir o avano ou impulsionar o ret~ocesso do ~ro~esso de
integrao. Assim, os ciclos decisrios que levam transferncia de au-
toridade para a esfera regional so analisados deforma mais complexa,d - dgenas eenvolvendo uma srie de crises geradas por contra ioes en _
_o ti em irreversvel e naotenses exogenas. Esse processo nao e automa ICOn
homogneo para todas as reas temticas.
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Marxismo
omarxismo se desenvolveu sob uma perspectiva terica a partirdo trabalho de Karl Marx e, ao longo dos ltimos 150 anos, diversas
vertentes foram geradas. A anlise da estrutura profunda do sistema ca-
pitalista, um modo de produo que caracteriza uma parte da histria
humana, um objetivo comum aos atores marxistas. Eles partem de
uma viso da realidade social como uma totalidade, em que as relaes
sociais esto interconectadas. Uma dinmica central das relaes econ-
micas focalizada: a relao entre meios de produo e relaes de pro-
duo. A tenso entre instrumentos, tecnologias e trabalho, os quais
compem o mundo da produo, e as relaes que organizam esse mun-
do, como o trabalho assalariado e a propriedade privada no caso do
capitalismo, so o motor da histria. A perspectiva de emancipao,
associada busca da autonomia, est tambm presente na maior parte
dos escritos marxistas.
Os marxistas consideram a estrutura do sistema capitalista, o proces-
so de acumulao em uma escala global, as relaes entre classes sociais e
o interesse das elites das potncias capitalistas em manter a reproduo
do sistema elementos essenciais para a compreenso das instituies
internacionais, e, mais especificamente, das organizaes internacionais.
Os estudos sobre o imperialismo, no comeo do sculo XX, so os
primeiros movimentos explcitos de aplicao da teoria marxista com-
preenso das relaes internacionais. Lenin desenvolve o conceito de
capitalismo monopolista, salientando a diviso entre o centro do siste-
ma e a periferia menos desenvolvida." De acordo com a teoria de Lenin
(Lenin, 1964) sobre o imperialismo, as instituies internacionais so
arranjos possveis para as potncias imperialistas, em um dado momen-
to histrico, que permitem administrar a competio entre as mesmas(Fernandes, 1992).
O debate entre autores marxistas em torno da natureza do imperia-
lismo, presente no incio do sculo XX (Kautsky, 1988; Bukharin, 1972),
e reconduzido s plataformas de discusso sobre o sistema internaco-
nal a partir do final dos anos 60, versa sobre a relao entre as potncias
imperialistas, sua rivalidade ou a construo de coalizes para a repro-
duo do sistema. Nesse contexto, o domnio do capitalismo norte-ame-
ricano e a perspectiva de seu declnio so temas centrais (Poulantzas,
1974; Van der Pijl, 1984).
O debate marxista sobre o imperialismo e a bibliografia marxista
em cincias sociais ou economia desenvolveram-se parte da disciplina
de relaes internaconais." Somente a partir da dcada de 1970, o mar-
xismo adquiriu um lugar como uma teoria de relaes internacionais. Aanlise sistmica, focalizada nos padres de dominao, e a crena em
uma mudana revolucionria representam uma viso bastante distinta
das perspectivas liberal e realista dominantes na disciplina. O conflito
no opera apenas entre Estados, mas dentro e atravs dos mesmos. A
crtica ao realismo empreendida por justin Rosenberg, por exemplo,
apresenta o sistema de Estados historicamente contextualizado e pro-
fundamente marcado pelas relaes sociais ou pelo modo de produo
predominante (Rosenberg, 1994). A anarquia no uma caracterstica
natural do sistema internacional, como propem os autores realistas, aocontrrio, est associada ao modo de produo capitalista.
A discusso sobre governana global adquire aqui novo significa-
do. A manuteno de uma forma de organizao da economia poltica
internacional que garanta a reproduo do capitalismo, dominada pelo
plo norte-americano, a chave explicativa para a anlise das institui-
es internacionais que compe o triunfo do neoliberalismo nos anos
80 e 90 (Panitch, 2000; Gowan,1999). Michael Hard e Antonio Negri,
por sua vez, afastando-se da viso do processo de reproduo do siste-
ma capitalista sustentado pelo Estado nacional, ou em particular o Esta-do norte-americano, avanam a idia de um aparato de poder descen-
tralizado e desterritorializado (Hard &:Negri, 2001).
A teoria crtica, assim como o trabalho de Antonio Gramsci, bus-
cou responder frustrao dos marxistas diante da realidade europia
nos anos 20 e 30. Em contraposio ao otimismo quanto ao seu projeto
de emancipao, marxistas de todas as vertentes assistiam a ascenso do
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fascismo. Assim, tanto tericos crticos quanto Antonio Gramsci, dentre
outros marxistas, salientam que uma variedade de foras, alm daquelas
que compem o mundo da produo, molda a histria humana.
A teoria crtica, fortemente associada ao marxismo, foi introduzida
ao estudo de relaes internacionais no contexto das crticas ao
positivismo nos anos 80 (Lnklater, 1996; Cox, 1981). Esse grupo teri-
co est associado a autores da Escola de Frankfurt como: Max
Horkheimer, Theodor Adorno e ]ungen Habermas - autores que em-
preenderam uma crtica epistemologia positivista e que criticaram aidia de que produzir conhecimento consiste em investigar a regulari-
dade do comportamento, a partir de evidncias empricas e modelos
abstratos. Opuseram-se tambm ao pressuposto de que podemos ter
acesso a uma realidade objetiva e separada do observador. O debate
sobre a relao entre interesses e a constituio do conhecimento cen-
tral para esses autores. Outros eixos de conflito, para alm das relaes
de classe, so incorporados s anlises. Assim, possvel pensar diferen-
tes formas de excluso e incluso geradas por comunidades demarcadas.
Alguns autores, como Robert Cox (Cox, 1989), enfatizam a reao dosEstados do Terceiro Mundo e de movimentos polticos ao processo de
globalizao. Outros, como Andrew Linklater (Linklater, 1990), focali-
zam as relaes entre as comunidades definidas pela existncia do Esta-
do soberano e o resto do mundo. Linklater parte da concepo de
Habermas de um processo de emancipao atravs da comunicao para
propor a expanso das fronteiras morais da comunidade poltica
(Habermas, 1999). Sua viso de uma relao tica, obrigaes e direitos
que no estariam confinados pelas fronteiras do Estado-nao se aproxi-
ma da perspectiva cosmopolita, que ser analisada na prxima seo.A influncia do trabalho do marxista italiano Antonio Gramsci molda
o trabalho de um conjunto de autores que discutem a importncia de
elites globalizantes na estruturao da economia poltica global (Cox,
1986; Gill, 1994). O trabalho de Robert Cox foi pioneiro na proposio
de uma anlise gramsciana das relaes internacionais, ainda no incio
da dcada de 1980 (Cox, 1981; Cox, 1983). O tratamento do conceito
de hegemonia se distingue da forma que tradicionalmente informa a
literatura de relaes internacionais, estando associado a uma concep-
o de poder como mistura de coero e consenso. A construo do
consenso atravs das instituies da sociedade civil passa a ser um temacrucial.
Cox se refere forma consensual que o poder adquire na consti-
tuio de uma ordem mundial, podendo assim ser aceita pelas partes
dominadas. Uma determinada classe social exerce a hegemonia quando
transcende seus interesses econmicos particulares e capaz de conectardiversas aspiraes, interesses e identidades formando um bloco hist-
rico." Os intelectuais tm um papel fundamental nesse processo, de-
senvolvendo e sustentando imagens mentais, tecnologias e organizaes
que vinculam os membros de uma classe e de um bloco histrico na
formao de uma identidade comum (Cox, 1983). Enquanto a realida-
de domstica a referncia para o conceito de hegemonia, em sua con-
cepo gramsciana, especialistas em relaes internacionais buscam com-
preender sua dimenso internacional.
O FMI (Fundo Monetrio Internacional), a OMC (Organizao Mun-dial do Comrcio) ou o Banco Mundial so organizaes nas quais a atua-
o dessas elites particularmente relevante, incidindo de maneira direta
sobre as relaes entre o norte desenvolvido e o sul menos desenvolvido.
Interesses e idias dominantes so apresentados como universais e re-
produzidos a partir das OIGs, permitindo a continuidade da dominao
capitalista (Murphy, 1994). O processo de integrao europia tambm
foi interpretado luz da perspectiva gramsciana, a partir de uma crtica
s teorias neofuncionalista e intergovernamentalista. O contnuo confli-
to que gera o processo de integrao, e que poderia ter resultado emcaminhos muito diferentes, salientado (Bieler&: Morton, 2001).
Partindo de uma crtica ao sistema capitalista, tericos marxistas
salientam o papel das organizaes internacionais no processo de repro-
duo desse modo de produo. Para autores que mantm a ortodoxia
materialista, elas no so mais do que um epfenmeno das relaes
estruturais econmicas e de poder. Outros, contudo, conferem ateno
s organizaes internacionais, tratando-as como arena de formao de Estado-nao Abre-se assim o debate sobre a perspectiva de construo
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s organizaes internacionais, tratando as como arena de formao de
coalizes entre as potncias capitalistas, como produtoras de mecanismos
de submisso de Estados na periferia do sistema e como espao de forma-
o de hegemonia e reproduo das relaes de poder dominantes.
Perspectiva Cosmopolita
A relevncia do pensamento cosmopolita, uma postura filosfica e
normativa para a discusso sobre organizaes internacionais, refere-se
a dois temas centrais, tratados por um conjunto de autores: a existncia
de valores universais e o dficit democrtico. Essa viso do mundo pode
se associar ao liberalismo, perspectiva marxista, teoria crtica ou s
vertentes do construtivismo porque essas perspectivas admitem a ado-
o de uma atitude normativa e uma preocupao com a emancipao
da humanidade. A perspectiva cosmopolita a verso mais antagnica
noo de que o sistema internacional comporta um vcuo moral no
qual apenas as relaes de poder so relevantes.
A construo da democracia, que amplia lentamente o conceito de
cidadania, teve como base o Estado-nao como comunidade poltica.A crescente importncia de estruturas de autoridades internacionais cria
assim uma disjuno entre os direitos de cidadania, particularmente no
que se refere participao no processo poltico, e o lugar de onde emer-
gem muitas das normas que regem a vida de indivduos e grupos. Uma
grande variedade de problemas no pode ser administrada no contexto
domstico ou mesmo a partir da lgica de uma separao rgida entre as
esferas domstica e internacional. O trfico de drogas, as pandemias, o
uso de recursos naturais no renovveis, a alocao de lixo nuclear, a
proliferao de armas de destruio em massa, o aquecimento global,a regulao de mercados financeiros so questes progressivamente
percebidas como transnacionais, requerendo estruturas de autoridade
internacionais e transnacionais para poderem ser enfrentadas. Por outro
lado, os mecanismos de controle e participao democrticos, desen-
volvidos ao longo dos ltimos 200 anos, tm como referncia bsica o
Estado nao. Abre se assim o debate sobre a perspectiva de construo
de uma cidadania cosmopolita.A incorporao de valores universais pelas instituies internacio-
nais, ao longo dos sculos XX e XXI, tem sua base ideacional em postu-
lados sobre a humanidade. A perspectiva cosmopolita prope uma an-
lise da poltica partindo da idia de um ser humano universal. As formas
de organizao poltica para o mundo devem ter como base princpios
morais universais (Held, 2003). Podemos encontrar as origens dessa
viso no estoicismo, que incorporou anoo de uma comunidade mais
ampla do que a comunidade local, baseada em ideais humanos, aspira-
es e na capacidade de argumentao. O julgamento moral no pode-
ria assim ser baseado nos critrios de uma comunidade poltica espec-
fica. No cosmopolitismo estico, j afirmado um vnculo universal
entre os homens. Os conceitos de cidadania e Estado, com dimenso
mais universal, nascem no ocidente como resultado da especulao filo-
sfica grega e desenvolvem-se no imprio romano, sempre lembrado
posteriormente como um modelo para um governo mundial. A idias
de humanidade e imprio sobrevivem durante o perodo medieval, no
sonho da reconstituio do imprio romano. O humanismo renas-centista e a viso de reconstituio do imprio pelo imperador Habs-
burgo Carlos V retomam o tema durante a transio para a modernidade,
quando o Estado territorial ainda no havia se firmado como a forma de
organizao da poltica.Movimentos religiosos do sculo XVIe XVIIelaboraram as primei-
ras crticas ao sistema de Estados modernos, inaugurando um dos as-
pectos da tradio cosmopolita moderna. Protestantes, particularmente
calvinistas, enfatizavam a corrupo e a perverso do sistema de Estados
modernos, jesutas contrapunham a Cristandade diviso entre Esta-dos-nao. No mesmo perodo, Emric Cruc e outros faziam propostas
para a unificao da Europa, tendo em vista o estabelecimento da paz,
em contraposio ao movimento de diviso territorial imposto.
No sculo XVIII, a perspectiva cosmopolita ganha sua forma mo-
derna. A unidade crist ou imperial da Europa substituda pela dscus-
~ .srn
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so sobre os direitos naturais dos homens. Propostas universalistas, que
incorporam de formas distintas a possibilidade de traduzir a universali-
dade da comunidade humana em termos de uma organizao poltica,
so elaboradas. Os filsofos da ilustrao construram uma auto-imagem
de uma elite cosmopolita transnacional, nas palavras de Thomas Paine,
"meu pas o mundo" (Paine, 1969). A tenso entre a condio humana
de ser poltico e a concepo de cidadania nacional inicia seu trajeto.
O trabalho de Immanuel Kant (Kant, 1970) parte de sua discusso
sobre razo e seu uso pblico para apresentar a possibilidade de partici-pao em um mundo cosmopolita, em contraposio participao em
uma sociedade civil. O direito cosmopolita de se apresentar e ser ouvi-
do, atravs de comunidades polticas; a existncia de uma comunidade
universal e de uma cidadania universal so introduzidos pelo filsofo,
que marcaria grande parte da literatura de relaes internacionais assim
como de outras reas do conhecimento. As conseqncias da perspecti-
va filosfica da ilustrao atingem a soberania interna e externa do Esta-
do territorial. Isso porque suas propostas adiantavam a idia de uma
sociedade internacional de Estados, expressa em particular na defesa dodireito internacional, e porque reclamavam direitos universais inalie-
nveis, os quais o poder estatal no poderia atingir. Nesse contexto, as
propostas federativas, como aquelas defendidas por I. Kant e]. Bentham,"
tiveram maior impacto. Contudo, a idia de uma repblica universal
chegou a ser discutida por Anacharsis Cloots."
Kant acreditava na possibilidade de transformar as relaes inter-
nacionais a partir do desenvolvimento histrico da vida moral e da for-
mao de uma sociedade civil universal. Deveres e obrigaes inerentes
humanidade permitiriam a extenso das fronteiras da comunidademoral e poltica. nesse sentido que Kant adianta-se ao debate atual
sobre a necessidade de lidar com a incongruncia entre as fronteiras do
Estado-nao e a criao de normas. A fora da lei deveria prevalecer em
cada Estado, nas relaes entre os mesmos e nas relaes internacionais,
que ultrapassam a esfera interestatal. Kant no era um pacifista, como
um leitor desatento de seu panfleto, Apaz perptua, poderia concluir,
mas um legalista. Sua formulao de um direito cosmopolita, distinto
do direito internacional, refere-se s condies de hospitalidade univer-
sal e fundamentou sua crtica ao colonialismo. Para ele, discutir uma
das questes centrais para a poltica internacional- a guerra - impli-
ca repensar o conceito particularista de cidadania. Segundo o autor, a
paz seria alcanada no momento em que todos os Estados fossem repu-
blicanos (Kant).A tradio cosmopolita, em relaes internacionais, marcada pela
ofuscao da distino entre sociedades domsticas e internacional eentre estado da natureza e sociedade civil (Wight, 1991). A sociedade
internacional apresentada como uma sociedade de indivduos e a cons-
tituio ou presena de valores cosmopolitas defendida. Nesse senti-
do, o aspecto particularista da cidadania moderna questionado. A cr-
tica ao particularismo, inerente moderna concepo de cidadania,
feita por diversos filsofos polticos que reivindicam critrios universais
para a definio de direitos e deveres (Beitz, 1979). O impacto da cons-
cincia e a interdependncia entre sociedades nacionais sobre o pensa-
mento cosmopolita tm como marco a realidade nuclear. A Declaraode Montreux, por ocasio da Primeira Conferncia do Movimento Mun-
dial para um Governo Federal Mundial em 1947, e a campanha de Albert
Einstein, por um governo mundial, so exemplos representativos. Sub-
seqentemente, a preocupao com a ecologia tem o mesmo efeito. A
proposta federalista de criao de um direito mundial (e no interna-
cional), de cortes globais e de um aparato para garantir que essas leis
sejam respeitadas est presente em movimentos sociais e textos acad-
micos. Por fim, os documentos que definem os direitos humanos, desde
a Declarao Universal de 1948, podem ser inseridos na histria dasidias cosmopolitas.
David Held resume os trs elementos que caracterizam as preocu-
paes de autores hoje vinculados essa perspectiva (Beitz, 1994; Barry,
1998): o princpio do igualitarismo individualista, ou seja, cada indiv-
duo tem valor moral igual e os indivduos so as unidades ltimas de
consideraes morais; o princpio do reconhecimento recproco, ou seja,
t d t d d id t t t i i l (d li i i ifi d l li d l i
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os argu~~ntos de todos devem ser ouvidos; e o tratamento imparcial pe-
rante prticas, regras ou instituies (Held, 2003b). Ele resume sua posi-
o afirmando que o cosmopolitismo implica a existncia de um espao
tico e poltico que estabelece os termos de referncia para o reconheci-
mento da igualdade moral, capacidade de ao das pessoas e para a gesta-
o de sua autonomia e de seu desenvolvimento (Held, 2003a).
A perspectiva cosmopolita, tendo um forte carter normativo, re-
presenta um caminho fecundo para uma crtica s organizaes interna-
cionais, em particular ao seu processo decisrio. Ademais, a visouniversalista da humanidade encontra expresso concreta em' diversos
princpios, normas e regras gerados e realizados no contexto das organi-
zaes internacionais, em especial no campo poltico. O regime de di-
reitos humanos e a idia de proteo do ecossistema partem do princ-
pio do igualitarismo individualista. A Declarao Universal dos Direitos
Humanos de 1948, a Conveno sobre Tortura de 1984 ou o Estatuto
da Corte Criminal Internacional, dentre outros, representam a presen-
a, ainda que de difcil implementao, de princpios cosmopolitas. Es-
ses convivem em constante tenso com a defesa de interesses e identida-
des particulares. Finalmente, as organizaes no-governamentais po-
dem ser estudadas como parte de um movimento para formao deuma cidadania global.
Construtivismo
Um nmero crescente de especialistas em relaes internacionais
define seu trabalho como construtivista. A diversidade intelectual des-
ses autores torna a tarefa de definir o construtivismo, como corpo teri-
co, bastante difcil. Aqui, optamos por apresentar uma agenda mnimacomum aos construtivistas convencionais, segundo a categorizao dePeter Katzensten, Keohane e Krasner."
Caracterizam o conjunto de trabalhos associados perspectiva
construtivista: a nfase sobre a forma como identidades e interesses so
socialmente construdos; a influncia da sociologia; e a tentativa de
(desnaturalizar os conceitos mistificados pela literatura de relaes inter-
nacionais, como anarquia e interesse nacional. Autores construtivistas
conferem especial ateno ao processo de formao de identidades e
interesses, como esses mudam e qual a relao entre os dois. Idias,
valores, normas e crenas devem ser considerados de forma central nas
explicaes sobre o funcionamento do sistema internacional. Seu trata-
mento das instituies internacionais, e em particular das organizaes
internacionais, moldado por essas preocupaes.
Os atores no existem separados de seu ambiente social e dos siste-mas de significados compartilhados, ou seja, da cultura. Atores e estrutu-
ras sociais so mutuamente constitudos. O ambiente social em que nos
encontramos define nossas identidades como seres sociais; ao mesmo tem-
po, a agncia humana cria, reproduz e muda a cultura atravs de prticas
contnuas. No podemos nem partir das estruturas sociais para ento com-
preender os atores, nem fazer o inverso. Ademais, as conseqncias no-
intencionais do comportamento so consideradas.
As prticas discursivas e de comunicao adquirem importncia.
Elas permitem que os atores confiram sentido ao mundo e s suasatividades. As prticas discursivas e de comunicao tambm estabe-
lecem relaes de poder, j que determinam a forma como problemas
so delineados e quais perguntas so levantadas. Por outro lado, a ar-
gumentao, a tentativa dos atores de justificar seu comportamento e
a disposio de mudar sua viso a partir do processo de comunicao
tambm so estudadas."
O predomnio do debate entre realistas e liberais nos anos 80 teve
como uma de suas conseqncias a ausncia do tratamento da forma-
o de preferncias dos Estados pela literatura de relaes internacio-
nais. Esse tema extraditado da literatura, seja pelo suposto da
racionalidade estritamente utilitria e uma ontologia individualista tam-
bm utilitria, adotadas por liberais e realistas, seja pela busca de fatores
explicativos no nvel sistmico por neo-realistas. No contexto da crtica
ao positivismo, que influencia grande parte da literatura de relaes in-
ternacionais a partir dos anos 80, o pressuposto de que atores so movi-
dos por uma racionalidade instrumental e convivem em um mundo F Friedrich Kratochwil e]ohn G Ruggie (Kratochwil &Ruggie 1~86)
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dos por uma racionalidade instrumental e convivem em um mundo
com estruturas predefinidas criticado." Nesse contexto, estudar como
a racionalidade dos atores e as instituies do sistema internacional so
construdas adquire novo sentido. Dessa forma, podemos falar de um
eixo de discordncia, central disciplina a partir dos anos 80, entre
construtivistas e racionalistas, anunciado em uma conferncia da ISA
(International Studies Association), em 1988, por Robert Keohane
(Keohane, 1988). Liberais e realistas se atm a uma viso do ator racio-
nal que se move a partir de um clculo de custos e benefcios; constru-tivistas, por sua vez, se voltam para o processo intersubjetivo que pro-
duz uma viso de racionalidade, podendo adquirir diferentes formas ao
longo da histria e atravs de culturas variadas. Contrapondo-se a refe-
rncia exclusiva racionalidade instrumental e estratgica pelos racio-
nalistas, construtivistas trabalham tambm com o comportamento guia-
do por normas. Os atores consideram qual o comportamento apropria-
do em uma dada realidade social.
F Friedrich Kratochwil e]ohn G Ruggie (Kratochwil &Ruggie, 1 86)
elaboraram uma crtica perspectiva racionalista do estudo de regIm~s
'internacionais, ainda em 1986, que indica o caminho que a c.ontesta.ao
construtivista viso dominante no estudo de instituies mterna.clO-
nas tomaria. Eles salientaram a negligncia quanto ao papel de sentidos
intersubjetivos no estudo de regimes e defenderam uma agen~a de pes-
quisa que desse mais atenes s organizaes internacionaIs. Mas o
termo construtivismo e uma teoria complexa foram apresentados pela
primeira vez por Nicholas Onuf, em 1989 (On~f, 1989). AlexanderWendt tornou o debate mais acessvel em seu artigo de 1992 (Wendt,
1992) e posteriormente em seu livro (Wendt, 1999). Kratochwil tam-
bm uma referncia central para essa literatura (Kratochwil, 1989).
Para autores construtivistas, as instituies internacionais tm um
papel fundamental, podendo mudar a definio de interesses e id~nt~-
. dades dos Estados e de outros atores. Assim, as instituies no se limi-
tam a constranger o comportamento dos atores ou a modificar a gama
de opes disponveis para os mesmos. Da mesma forma, essas institui-
es se transformam. Mesmo o conceito de soberania, a mais central das
instituies do sistema internacional estaria se modificando (Reus-Smit,
1999). Se interesses e identidades so construdos socialmente, as orga-
nizaes internacionais, enquanto fruns, podem gerar um espao de
interao que constitui os mesmos. Nesse contexto, compreender o pro-
cesso de argumentao que ocorre quando diferentes atores interagem
essencial. Esse processo "produtivo", pois gera resultados, mudanas
nos interesses, nas identidades e na atribuio de racionalidade s prti-
cas sociais. As organizaes internacionais so, freqentemente, um
frum privilegiado para a realizao desse processo de argumentao.
Elas podem ainda ser atores centrais do mesmo processo. . .Na medida em que Estados so tratados como entidades SOCIaIS
embutidas em um sistema social internacional, eles podem ter seus in-
teresses e identidades moldados por uma ao produzida no mbito
internacional, possivelmente por organizaes internacionais. As polti-
cas externa e domstica dos Estados podem ser influenciadas por nor-
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mas internacionais, muitas vezes produzidas e difundidas a partir das
organizaes internacionais.
A contribuio de Wendt tem marcado o tratamento da relao entre
interesses e identidade pela literatura aqui em foco." A presena ou au-
sncia de cooperao no predeterminada pela estrutura anrquica do
sistema internacional segundo o autor. Um contnuo de identidades -
da egosta at a cooperativa - possvel, e a natureza do sistema tambm
varia." o processo de interao que explica a construo de identidades,
mas sem a formao de identidades no podemos falar em interesses, nopodemos saber o que queremos se no sabemos quem somos (Wendt,
1999). A dinmica de gestao e funcionamento das instituies deve ser
compreendida no contexto intersubjetivo e no apenas material. As orga-
nizaes internacionais so uma arena em que normas e expectativas con-
vergentes sobre o comportamento internacional so desenvolvidas. As
organizaes internacionais produzem e ensinam normas, contribuindo
assim para mudar as formas de interao no sistema internacional.
Onuf comea sua anlise da vida social com a idia de regra, ou
seja, uma proposio que afirma o que as pessoas devem fazer. As regrasprovem guias para o comportamento humano e permitem a existncia
de significados compartilhados. Por meio da linguagem, essas proposi-
es ganham realidade. Esse processo de construo est associado aos
recursos disponveis aos diferentes atores e limitado por fatores mate-
riais. Os atores movem-se em um contexto institucional em que pa-
dres estveis de regras e prlicas associadas s mesmas esto presentes.
Ao mesmo tempo, eles agem sobre esse contexto transformando-o. Onuf
ressalta ainda a importncia das conseqncias no-intencionais da ao
e os limites para as possibilidades de transformar o contexto institucional.Regras, instituies e conseqncias no-intencionais formam padres
que ele chama de estruturas.
Ao contrrio da perspectiva realista, que, como vimos, supe que
os nicos atores relevantes so os Estados, o construtivismo prope que
atores encontrados no nvel sistmico podem ser proativos. So elabora-
das explicaes do comportamento dos Estados que emergem a partir
da anlise de processos e de atores no nvel sistmico, observando-se o
papel de idias, de relaes transnacionais, de comunidades epistmcas,
entre outros. As organizaes internacionais fazem parte desse conjun-
to. Ernst Haas j havia enunciado algumas dessas questes anos antes.
Contudo, enquanto os neofuncionalistas buscavam explicar o processo
de transferncia de autoridade do Estado-nao para organizaes inter-
nacionais, enfatizando seu papel tcnico, os construtivistas objetivam ana-
lisar o processo de aprendizagem intrinsecamente vinculado poltica.
O estudo do lugar do conhecimento na compreenso do funciona-mento e relevncia das organizaes internacionais foi impulsionado
pela literatura sobre comunidades epistrnicas. Essa literatura tem um
carter mais descritivo e assim no participa do debate terico lanado
pelos autores mencionados anteriormente. Contudo, seu alcance socio-
lgico, em particular sua nfase em aspectos subjetivos, permite um
amplo espao para o dilogo. O termo aparece em um nmero especial
da revista Intemational Organization de 1992.39 Peter Haas definiu uma
comunidade epistmica como uma rede de profissionais, reconhecidos
como especialistas em uma determinada rea do saber, que adquire au-toridade sobre conhecimento relevante para a definio de polticas em
uma rea especfica. Esses grupos podem identificar interesses, delinear
debates pblicos, apontar para questes que devem ser objeto de nego-
ciao, alm de propor medidas especficas. Eles compartilham crenas
normativas (sobre como o mundo deve ser), crenas causais (sobre a
relao entre polticas especficas e resultados possveis), noes de va-
lidao do conhecimento e o envolvimento em prticas associadas a
determinado conjunto de problemas.
Ernst Haas, por sua vez, introduziu a discusso sobre a forma comoas organizaes mudam (Haas,1990). O autor busca explicar como as
organizaes definem os problemas que buscaro resolver. Ele estabele-
ce duas possibilidades bsicas: a adaptao e o aprendizado. As organi-
zaes se adaptam quando adicionam novas atividades sua agenda e
mudam gradualmente. O processo de mudana envolve os meios para a
ao. Novos objetivos so incorporados, sem ser alcanado um encaixe
lgico com os objetivos j estabelecidos. As organizaes aprendem quan- 2. A literatura ps-moderna e/ou ps-estruturalista no foi abordada, j que essa bibliografia
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do as crenas so questionadas e os objetivos e a formulao de proble-
mas so redefinidos. Nesse caso, as teorias que fundamentam as aes da
organizao so questionadas. As comunidades epistrncas tm um pa-
pel fundamental nesse processo. As mudanas ocorridas no Banco Mun-
dial seriam um exemplo desse ltimo processo. Em uma fase anterior,
havia uma preocupao com projetos de infraestrutura e hoje se observa
uma nfase sobre o alvio da pobreza e a boa governana.
medida que a perspectiva construtivista estabelece um dilogomais intenso com a literatura mais ampla de cincias sociais e busca
estudar processos sociais, a literatura sobre organizaes apresenta-se
como um conjunto bibliogrfico a ser explorado. Os estudos sobre cul-
tura organizacional desenvolvidos por socilogos e antroplogos a par-
tir da dcada de 1970 so um plo para um novo dilogo. A viso de
mundo dos indivduos que colocam em funcionamento as organizaes
internacionais incorpora regras, rituais e crenas enraizadas nas estrutu-
ras organizacionais (Barnett &: Finnemore, 1999). Devemos por fim sa-
lientar que estudos baseados na perspectiva construtivista analisam a
constituio e o funcionamento de regimes (Hasenclever et al, 2000),
assim como o processo de integrao regional (Risse, 2004).
Leituras para Continuar seu Estudo
Antje Wiener &Thomas Diez, European Integration Theory, Oxford, Oxford University Press,2004.
David Baldwin, Neorealism and Neoliberalism: The Contemporary D ebate,Nova York, ColumbiaUniversity Press, 1993.
Scott Burchill &Linklater, Andrew, Theories of Intemational Relations, Londres, Macmillan Press,1996.
Steve Smith, Ken Booth &Marysia Zalewski, Intemational Theory:Postvism &Bey ond , Cam-bridge, Cambridge University Press, 1996.
Notas
1. Para obter uma viso ampla da histria da disciplina, veja os livros de Scott Burchill &
Andrew Lnklater e Torbjorn Knutsen (Burchill &Linklater, 1996; Knudsen, 1992).
L .
no consolidou propostas sobre o papel das organizaes internacionais, embora a critica
e a desconstruo dos conceitos que fundamentam as instituies internacionais possam
ser encontradas.
3. Salientamos que durante as primeiras dcadas do estabelecimento da disciplina, a maior
parte dos textos publicados e adotados nos cursos no tinha um carter idealista, buscan-
do descrever os processos diplomticos e no apontar para um mundo em que prevalecena
a harmonia de interesses.
4. Movimento que marcou a disciplina a partir do final dos anos 50, visando a transformar o
estudo de relaes internacionais em um empreendimento cientifico, nos moldes da cin-
cia social norte-americana. A nfase sobre estudos empricos e formas de medio afastou
os especialistas de estudos voltados para interpretaes amplas da realidade internacional.Para esse ponto, veja o artigo de Michael Banks (Banks, 1984).
5. O conceito definido na p. 20, Capitulo 1.
6. Veja, por exemplo, os trabalhos de Virginia Haufler, Charles Lipson e Mark Zacher &Brent
Sutton. (Haufler, 1997), (Lpson, 1986) e (Zacher &Sutton, 1996).
7. Dentre os autores que produziram trabalhos importantes para esse debate podemos citar
Robert Keohane e joseph Nye e james Rosenau (Keohane &Nye, 1977; Rosenau, 1990).
8. Veja as publicaes da fundao norte-americana Heritage Foundation -www.heritage.org.
9. possvel estabelecer uma distino entre o realismo clssico e o neo-realismo. A verso
introduzida por Kenneth Waltz e Robert Gilpin busca produzir um conhecimento mais
cientifico, lidando com um nmero menor de variveis e propondo um programa de pes-
quisa empiricamente verificvel (Waltz, 1979; e Gilpin, 1981).
10. Presidente norte-americano entre 1913 e 1921, apresentou em 1918 seus 14 pontos para
a reorganizao do sistema internacional a partir dos princpios do liberalismo. Foi uma
liderana central durante a Conferncia de Paris (Versalhes), ao final da Primeira Guerra,
tendo proposto a criao da Liga das Naes.
11. O termo perspectivas pluralistas utilizado por muitos atores para se referir literatura que
critica a viso do sistema internacional baseada apenas nas relaes entre Estados. Os au-
tores pluralistas seriam aqueles que propem uma viso do sistema internacional como
uma rede de relaes entre Estados e diversos outros atores. Essa perspectiva est mais
prxima do liberalismo, mas nem todos os atores liberais adotam essa viso.
12. Durante os anos 80 e 90, o novo institucionalismo torna-se central para a cincia poltica
norte-americana. No perodo anterior (1950-1980), as instituies estavam ausentes das
anlises ou eram tratadas como epifenmeno, A partir do final da dcada de 1970 estudos
sobre as instituies polticas domsticas americanas iniciam um movimento que enfatiza
seu valor explicativo. O fenmeno atinge o campo das relaes internacionais no mesmoperodo,
13. Keohane e Nye discutem a perda de autonomia do Estado, dada a presena de foras
transnacionais em seu livro de 1977. Os mesmos autores retomam o tema dez anos dep