heróis animalizados e animais heroificados homero entre a

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  • CLASSICAL

    AND

    BYZANTINE MONOGRAPHS

    Edited by

    G. GIANGRANDE and H. WHITE

    VOL. LXXXIII

    . NARRO & J.J. POMER (Edd.)

    BESTIARIS I METAMORFOSIS

    A LES LITERATURES CLSSIQUES

    I LA SEUA TRADICI

    ADOLF M. HAKKERT PUBLISHER AMSTERDAM

    2015

  • . NARRO & J.J. POMER (Edd.)

    BESTIARIS I METAMORFOSIS

    A LES LITERATURES CLSSIQUES

    I LA SEUA TRADICI

    ADOLF M. HAKKERT - PUBLISHER -AMSTERDAM

    2015

  • ISSN 1381-2955

    ISBN 978-90-256-1307-5

  • 3

    Heris animalizados e animais heroificados: Homero entre a tradio

    pica e o ciclo das antigas epopeias animalescas

    Rui Carlos Fonseca

    Centro de Estudos Clssicos - Universidade de Lisboa

    RESUMO: Na Grcia antiga, era comum os alunos estudarem a grandeza da epopeia

    homrica de forma ldica, a partir de breves histrias de animais, figuras que conheciam

    da fbula. O primeiro contacto com os poemas de Homero fazia-se, por isso, por acesso

    a textos de teor pedaggico que apresentavam animais a comportarem-se como os

    valorosos heris da tradio pica. Neste ensaio, pretendo explorar o universo das

    chamadas fbulas picas ou epopeias animalescas, estreitando os influxos que esse gnero

    recebe do seu modelo. O eixo estrutural de base deste estudo consiste na premissa de que

    enquanto na epopeia antiga, na homrica em particular, os heris agem muitas vezes como

    bestas ferozes, como mostram vrios smiles, nas narrativas picas animalescas, por outro

    lado, os animais so dotados de estatuto herico.

    PALAVRAS-CHAVE: Poemas picos, smiles homricos, epopeias animalescas,

    estatuto herico, comportamento selvagem.

    ABSTRACT: In ancient Greece, it was very common students learn the greatness of

    Homeric epic in a playful way, from short stories of animals, characters they already knew

    from fable. Thus, the first contact with the poems of Homer was made by reading/

    listening texts of pedagogical content that showed animals behaving as mighty heroes of

    epic tradition. In this essay, I intent to exploit the universe of the so-called epic fables or

    beast epic, tightening the influxes that this mixed gender get from its model. The

    structural axis of this study is based on the premise that while in ancient epic, the Homeric

    one, heroes often behave like beasts, as many similes show, in beast epic, on the other

    hand, animals are provided with heroic status.

    KEYWORDS: Epic poems, Homeric similes, Beast epic, heroic status, savage behavior

    Introduo

    Na histria da literatura grega antiga, a poesia homrica foi, sem dvida, fonte de

    possibilidades artsticas inesgotveis, estando, por isso, na gnese de muitos dos gneros

    poticos que surgiram na Antiguidade. Tratando-se de um monumento cultural, inscrito

    na memria colectiva dos Gregos, Homero moldou a identidade da cultura helnica e

    como tal converteu-se na base do sistema educativo. Tornou-se desde cedo objecto de

    estudo nas escolas, matria indispensvel na formao das mentes mais jovens.

  • 4

    A epopeia homrica, contudo, transforma-se por adaptao ao pblico a que se dirige

    e situao imediata que a envolve, assumindo, por isso, diferentes formas e funes: da

    recreao pardica inteno mordaz, da poesia imbica arcaica1 aos manuais

    gastronmicos2, do teatro poltico3 stira filosfica4, dos exerccios pedaggicos s

    histrias de animais.

    O pblico infantil, com exigncias de relatos menos graves e mais fantasiosos,

    adequados s suas idades, aprendia os valores hericos de que se revestia a tradio pica,

    sem escutar contudo os poemas homricos em toda a sua extenso e imponncia. Homero

    chegava s crianas sob a forma de literatura infantil, em histrias breves de animais,

    figuras que conheciam da fbula e dos objectos com que costumavam brincar, como

    defende Bertoln Cebrin (2008: 99). Os alunos iniciavam, assim, o estudo das narrativas

    picas, acedendo a composies mistas, formadas pelo cruzamento do gnero da epopeia

    com o da fbula a fbula pica ou a epopeia animalesca.

    Os cantos homricos

    Os cantos homricos descrevem com frequncia confrontos zoolgicos, mediante o

    recurso ao smile. Ocupando, no contexto das duas epopeias, uma poro de cerca de 800

    versos, a esmagadora maioria dos quais pertencentes Ilada5, o smile interrompe por

    breves instantes o assunto herico para tratar de situaes mais familiares ao

    ouvinte/leitor, baseando-se por isso em elementos da natureza e do quotidiano. Por norma

    associado a episdios blicos e de grande violncia, este ornamento potico, de uso

    tradicional na pica grega antiga, permite diversificar o tom pesado da narrativa e

    intensificar o efeito emotivo suscitado num ponto fulcral da aco6. Desse modo, a

    matria no herica mais comum nos smiles homricos abrange fenmenos naturais

    (como a fora dos ventos e das guas do mar), actividades domsticas e artesanais (como

    a tecelagem, a caa, a pastorcia, a carpintaria e a construo naval) e o mundo animal.

    1 Cf. Margites (sc. VI-V a.C.) e fr.128W de Hipnax (sc. VI a.C.). 2 Cf. de Arqustrato de Gela e de Mtron de Ptane (sc. IV a.C.). 3 Cf. Fr.63 de Hermipo e comdias de Aristfanes (sc. V a.C.). 4 Cf. de Tmon de Fliunte (sc. III a.C.). 5 Bassett (1921: 132) contabiliza cerca de 200 smiles na Ilada e 40 na Odisseia. 6 Sobre as funes e as categorias do smile homrico, vide Bassett (1921: 132-147), Coffey (1957: 113-

    132), Webster (1964: 223-239), Podlecki (1971: 81-90), Friedrich (1981: 120-137), Rood (2008: 19-43).

  • 5

    Esta ltima categoria contm uma gama alargada de contactos, quase sempre hostis,

    de criaturas do cu, da terra e da gua. Os actos de selvajaria envolvem encontros entre

    animais de uma mesma espcie e encontros entre animais de espcies diferentes, dentro

    e fora dos seus habitats de origem.

    Da minha leitura da pica homrica, contabilizo um total de 55 smiles que apresentam

    contactos entre animais, contactos que implicam uma relao de oposio, quer se trate

    de uma cena de perseguio, quer se trate de uma cena de luta efectiva (ver Anexo). Estes

    55 smiles esto distribudos de forma desproporcional em dois grandes grupos: os smiles

    homricos que descrevem confrontos entre animais da mesma espcie (dois smiles

    apenas) e os smiles homricos que descrevem confrontos entre animais de espcies

    diferentes (os restantes 53). Desta organizao em duas partes desiguais, facilmente se

    verifica uma preferncia por realidades antagnicas, ou seja, Homero coloca frente a

    frente, na esmagadora maioria das vezes, animais de naturezas e caractersticas diversas.

    O segundo grupo subdivide-se, por sua vez, em outras duas categorias, de dimenses

    igualmente assimtricas: os smiles homricos que descrevem confrontos entre animais

    dentro do seu habitat natural so 49 e os que descrevem confrontos entre animais fora do

    seu habitat natural so apenas 4. Este ltimo conjunto formado por smiles que

    apresentam seres do cu (grous, vespas, guia) a atacar seres terrestres (homens, lebre e

    cordeiro). Apesar de ter uma menor representatividade no universo homrico, esta

    categoria com animais, que transpem as fronteiras dos seus territrios de origem, que

    acaba por ser privilegiada nas epopeias animalescas. Nascido do cruzamento entre a pica

    e a fbula, o novo gnero baseia-se sobretudo no encontro inesperado entre animais de

    origens diversas, de modo a fazer-se realar o choque entre classes zoolgicas.

    As disputas entre animais no seu prprio elemento natural ocorrem com maior

    frequncia na poesia homrica: 1 smile descreve um encontro no mar (o golfinho devora

    outros peixes); 40 smiles descrevem as lutas entre seres terrestres (o leo o animal

    blico por excelncia, que surge na grande maioria dos casos, em 25 dos 40, quer como

    o animal que ataca e persegue, quer como o animal que atacado e perseguido); por fim,

    8 smiles descrevem ataques de aves de rapina contra uma ave menor ou mesmo, com

    mais frequncia, contra bandos de aves gregrias (o falco, a guia e o abutre surgem

    como aves atacantes; as pombas, os gansos, os grous e os estorninhos aparecem como

    aves perseguidas).

  • 6

    Epopeias animalescas

    Os heris das epopeias homricas comportam-se frequentemente como animais

    selvagens, em confronto com outros da mesma espcie ou de espcies diferentes. O poeta

    pretendia com tais comparaes engrandecer o carcter herico de um guerreiro, numa

    determinada situao ou episdio de maior intensidade emotiva, ao mesmo tempo que

    variava o tom da narrativa, evitando que o relato soasse montono. As personagens das

    epopeias animalescas, as feras, imitavam, por correlao temtica, comportamentos

    humanos hericos: "As much as men could behave like animals in the Homeric epic, in

    the beast epics there is an inversion and animals behave like men" (Bertoln Cebrin 2008:

    103).

    Estas lutas de animais que imitam o agir herico constituam um mtodo didctico para

    que os alunos apreendessem, num esprito divertido, normas tradicionais de conduta. Deste

    tipo de composies o nico exemplar sobrevivente foi a Batracomiomaquia, atribuda

    na Antiguidade a Homero, que estudos mais recentes datam, porm, do perodo

    helenstico7. Apesar da exiguidade das epopeias animalescas, especialmente dirigidas,

    segundo Bertoln Cebrin (2008: 95-118), a um pblico infantil em idade escolar,

    algumas fontes antigas preservam, contudo, dados sobre a existncia de outros poemas

    zoolgicos. Conhecem-se ttulos de outros trs textos que relatariam guerras entre animais

    Aracnomaquia, Geranomaquia e Psaromaquia8. Sobreviveu tambm uma

    Galeomiomaquia num fragmento textual, preservado num papiro dos sculos II-I a.C.

    com cerca de 40 hexmetros, muitos dos quais truncados.

    Das circunstncias que envolvem a produo das narrativas animalescas, compostas

    no metro pico, e dos conflitos blicos que as caracterizam, quase nada se sabe e os dados

    disponveis sobre o assunto no passam de conjecturas ou de meras hipteses de

    explicao. Os trs ttulos, o fragmento e o poema sobrevivente admitem, talvez, pensar

    na existncia de um ciclo de antigas epopeias animalescas, produzidas e divulgadas para

    efeitos recreativos e escolares. O enredo deste conjunto de poemas surgiria de encontros

    7 Herwerden (1882: 163-177); Fusillo (1988: 42); Leopardi (1998: 23-24 e 26); Torn Teixid (1999: 12;

    2007: 230); Possebon (2003: 42); West (2003: 229); Gutzwiller (2007: 133); Gonzlez Delgado (2008: 34). 8 "

    " (Pseudo-Herdoto, Vita

    Homeri 24 [West 2003: 264 e 382]).

    " : , , , ,

    , , , , , ,

    , , , , , , " (Suda, "").

  • 7

    fortuitos entre animais de diferentes espcies, a considerar o exemplo do rato Psicrpax

    na Batracomiomaquia: ao fugir de uma doninha, o ser terrestre revela, em conversa com

    uma r, temer o perigo das aves, mas por afogamento, devido ao aparecimento de uma

    hidra, que o murdeo perde a vida.

    A histria de cada epopeia animalesca desenvolver-se-ia a partir das relaes

    estabelecidas entre personagens da fbula, resultando inevitavelmente num combate (de

    ratos e rs, na Batracomiomaquia, de ratos e doninhas, na Galeomiomaquia). O evento

    blico parece constituir a marca caracterstica deste tipo de poemas (o elemento -

    na formao dos ttulos referidos aponta nesse sentido). As aventuras e as peripcias de

    outros seres, relatadas margem do episdio central de luta, representariam aluses a

    histrias celebradas noutras composies da mesma natureza, semelhana do que

    acontece com as epopeias homricas9.

    As cinco obras aqui em discusso no seriam, creio, produtos isolados, mas peas

    inseridas num ciclo temtico, de encontros entre animalejos que actuavam como heris

    numa guerra pica. Tais eplios estabeleceriam, portanto, relaes de interdependncia

    alusiva. Nesse sentido, paradigmtica a caada que uma doninha faz contra o rato-

    protagonista no comeo da Batracomiomaquia (verso 9): a perseguio funciona como

    pretexto para a paragem junto ao lago e para o encontro com a r10. O tema adquire maior

    substncia na Galeomiomaquia, desenvolvendo-se neste contexto como causa directa das

    hostilidades entre os ratos e as doninhas. Na mesma linha de pensamento, a referncia ao

    temor, no verso 49, que o rato sente pela ave de rapina traduziria nova insero no ciclo

    temtico das epopeias animalescas, num vnculo mais prximo da tradio das

    ornitomaquias11.

    9 A Odisseia, por exemplo, refere-se aos sacrifcios que Ulisses ter de realizar em honra de Posdon, aps

    o regresso a taca (cantos 11 e 23), episdio que viria relatado na Telegonia. Fmio canta entre os

    pretendentes, no palcio de Ulisses, o desafortunado regresso dos Aqueus depois da guerra (Odisseia 1),

    tema tratado nos Nostoi. Demdoco, por outro lado, conta sumariamente a histria do cavalo de madeira

    (Odisseia 8), matria que viria desenvolvida na Pequena Ilada e na Ilioupersis. A Ilada tambm se serve

    da tradio do ciclo troiano: termina com a vitria de Aquiles sobre Heitor, antecipando contudo, quer

    atravs das palavras de Ttis, quer atravs das palavras do prprio cavalo, Xanto, a sujeio do chefe dos

    Mirmdones ao mesmo destino a sua morte vem descrita na Etipida. 10 A inimizade entre o rato e a doninha ainda retomada, embora sem consequncias significativas na aco

    batracomiomaquiana, nos versos 51-52 e 113-114. "In the Batrachomyomachia 127 there is an allusion to

    a shield made out of a ferret skin. Although not necessarily, this could be an indication that the poems were

    not created in isolation, but that they took each other into account. (Bertoln Cebrin 2008: 112) 11 Fusillo (1988: 34) prefere, contudo, pensar os textos zoolgicos gregos como escolha deliberada de um

    erudito, mostrando maior resistncia a encar-los enquanto herana de uma tradio perdida.

  • 8

    Ornitomaquias

    A Geranomaquia, ou a Batalha dos Grous, e a Psaromaquia, ou a Batalha dos

    Estorninhos, sobreviveram como obras de contedo incgnito, delas apenas se

    conhecendo os ttulos, que vm enunciados, nas fontes antigas, entre outras produes

    atribudas por conveno a Homero. Da dependncia da poesia homrica poder-se-o,

    talvez, extrair algumas consideraes de relevo, no para a reconstruo das narrativas

    perdidas, mas ao menos para a melhor compreenso dos eixos temticos que as

    norteavam.

    No contexto das ornitomaquias descritas nos smiles homricos, a guia () e o

    falco ( ou ) encontram-se no grupo dos principais predadores dos cus,

    enquanto os grous () e os estorninhos (), por norma, tentam escapar

    perseguio das aves de rapina. No episdio da aristeia de Ptroclo, o filho de Mencio

    lana-se enfurecido contra os Lcios, assim como o falco veloz que afugenta gralhas e

    estorninhos (Il. XVI 581-585). E nos combates travados pela posse do cadver do

    Menecida, os Aqueus retrocedem apavorados perante o avano arrojado de Heitor e

    Eneias, tal como os bandos de aves pequenas, estorninhos ou gralhas, batem em retirada

    ao verem o ataque iminente do falco (Il. XVII 755-759). Na sucesso dos smiles que

    antecedem o catlogo das naus, um deles descreve os soldados em marcha para a guerra

    como as muitas raas de pssaros, gansos ou grous ou cisnes, que voam pela pradaria (Il.

    II 459-466). Os mesmos grupos de aves so atacados pela guia no smile em que se exalta

    a fora do ataque de Heitor contra as naus dos Aqueus (Il. XV 690-694). Por fim, o smile

    de Il. III 1-7, a abrir o canto terceiro com a marcha dos Troianos, mostra os grous, numa

    posio ofensiva atpica, a voarem contra os Pigmeus. Trata-se de um smile de excepo

    na epopeia blica, uma vez que o nico a inverter os papis habitualmente atribudos

    aos bandos de aves gregrias: os grous adoptam aqui a posio reservada s aves de rapina

    (Muellner 1990: 77)12. precisamente este smile mais afastado dos padres, que

    costumam reger as ornitomaquias homricas, que tem sido considerado como ponto de

    12 Muellner explica o contedo atpico do smile dos grous na abertura de Ilada 3, por associao figura

    no herica de Pris, em destaque nesse mesmo canto, ele que luta como um danarino no duelo contra

    Menelau, acabando por ser resgatado do campo de batalha para o leito amoroso onde o espera Helena:

    "Otherwise passive, sociable birds find themselves in an unaccustomed role, in an unaccustomed locale:

    shrieking high above the river-plains, they descend like predators upon the Pigmies. The simile likens them

    to the Trojan host, but Paris is the sole representative of the Trojan host in the narrative that follows. So the

    simile is intended to reflect upon him. Paris, though dressed like a fighter, is in fact a dancer trying to fight,

    a man who confounds the lists of war with the locus amoenus of seduction" (Muellner 1990: 90).

  • 9

    partida para a histria blica contada na Geranomaquia (Ludwich 1896: 9; Bliquez 1977:

    11; Wlke 1978: 99; Fusillo 1988: 33-34; Leopardi 1998: 29; Bertoln Cebrin 2008:

    112).

    A investida dos grous sobre os povos de anes, aproveitado de um contexto blico da

    Ilada para a criao de uma epopeia animalesca, autorizar a conceber os combates

    zoolgicos entre membros de castas diferentes. Assim, uma narrativa sobre a batalha dos

    grous no celebraria necessariamente o encontro hostil dentro do bando, mas antes o

    confronto dos grous contra uma espcie diferente de aves ou, em alternativa, contra um

    grupo de animais de um outro elemento natural (da terra ou da gua).

    muito provvel, pois, que a tradio da pica animalesca manifestasse o gosto pelo

    paradoxo, relatando num estilo grandioso um assunto menor: o choque entre feras

    incompatveis por natureza, ou seja, que apresentavam caractersticas anatmicas e

    comportamentais destoantes. O processo de construo da Batracomiomaquia, por

    exemplo, funda-se a todos os nveis, afirma Fusillo (1988: 35-36), na contaminao entre

    opostos, ao conjugar gneros literrios, a fbula e a epopeia, em aberta dissonncia.

    E ser talvez exagerado denominar por feras os agentes implicados nestes confrontos,

    se se tiver em conta que tais composies, inspiradas nos smiles homricos, seleccionam

    os animais menos notveis e os menos possantes do amplo universo zoolgico da Ilada

    e da Odisseia. Deixando de parte as bestas mais ferozes, como o leo, o animal herico

    por excelncia, aquele que excede todos os outros na impetuosidade dos ataques

    (Friedrich 1981: 120-121), o ciclo dos poemas animalescos trataria por eleio de seres

    menores e menos representados no modelo srio. Quanto s ornitomaquias, os dois ttulos

    sobreviventes sugerem aces em torno de aves que nos smiles homricos se encontram

    habitualmente atormentadas por outras que lhes so superiores, como a guia e o falco.

    Por outro lado, as batalhas que tm como cenrio os ambientes terrestre e aquoso,

    celebradas na Galeomiomaquia e na Batracomiomaquia, apresentam-se originais na

    escolha dos agentes belicosos, uma vez que as doninhas, os ratos e as rs no povoam as

    narrativas homricas. So, portanto, os animalejos, de preferncia s feras, as criaturas da

    fbula que fazem guerras maneira pica.

    Galeomiomaquia

  • 10

    A Guerra entre as Doninhas e os Ratos, temtica e estruturalmente muito prxima da

    Guerra entre as Rs e os Ratos, comea com a invocao tradicional Musa pica

    seguida do objecto do poema animalesco, a guerra que sobreveio aos roedores: "

    ] [] [] []" (Galeo. 1)13. Um mensageiro informa

    sobre a morte de Trixo, o melhor entre os ratos a roubar comida (Galeo. 4) e o primeiro

    a perder a vida na luta contra uma doninha (Galeo. 6). Ao receber a notcia, a esposa

    lamenta a sua dor, chorando copiosamente (Galeo. 15-16), numa verso animalizada do

    episdio ilidico em que a esposa de Protesilau deplora em casa, com as faces dilaceradas,

    a morte do marido, o primeiro a ser morto por um dos Drdanos em Tria:

    . (Il. II 700-702)

    .

    ,

    ] {} (Galeo. 6-8)

    Numa mudana repentina de cenrio, os deuses surgem entretanto a banquetearem-se

    no Olimpo (Galeo. 19). Entre eles, destaca-se a figura de Hermes, que deixa a morada

    celeste para voar at junto dos ratos a quem parece auxiliar na empresa blica (Galeo. 20-

    24). "Hermes involvement with the mice", prope Schibli (1983: 4), "may stem in part

    from his capacity as the god of thieves; mice were notorious little thieves". Vendo que

    vrios elementos da raa dos murdeos se renem perto de um terreno vitcola, uma

    doninha receia, em solilquio, a iminncia de um ataque e resolve preparar-se para a

    contenda (Galeo. 24-31). Depois de uma lacuna entre os versos 32-50, o texto mostra

    vestgios do que teria sido um catlogo dos ratos (pardia ao catlogo das naus da Ilada).

    O papiro termina com a cena da assembleia, na qual uma figura respeitvel, um ancio,

    hbil no conselho como Nestor, " , ["

    (Galeo. 56), iria comear a discursar. Do enredo blico, porm, nada mais se conhece,

    uma vez que apenas ficaram conservados estes cerca de 40 versos. "As the papyrus is a

    palimpsest", informa Schibli (1983: 1), "irregular remnants of the old writing impede the

    decipherment of the present writing.

    13 Sigo, para as citaes e referncias ao texto da Galeomiomaquia ou a Guerra entre as Doninhas e os

    Ratos, a edio de West (2003).

  • 11

    A poro textual sobrevivente contm topoi convencionais da tradio pica (e.g.: a

    invocao Musa, o discurso de um mensageiro, o lamento pela morte de um heri

    afamado, a interveno divina, a assembleia de soldados), assim como expresses e

    frmulas homricas (" [] [", Galeo. 13; " "

    Galeo. 55)14. A manipulao do material de Homero na elaborao destas epopeias de

    animais constitua uma forma pedaggica dirigida a um pblico escolar mais jovem, que

    assim estabelecia, defende Bertoln Cebrin, um primeiro contacto com as narrativas

    homricas. Existe, porm, uma forte tendncia para se datar a Galeomiomaquia (de que

    no se encontram quaisquer referncias antes do sculo II a.C.) da poca helenstica

    (Schibli 1983: 7 e 11). Com esta datao, o poema assume-se por conseguinte, a par da

    Batracomiomaquia, como produo sofisticada, concebida por um poeta erudito, que a

    reveste de uma complexa rede de aluses pardicas, a maior parte das quais s

    reconhecida por uma classe restrita de letrados.

    Mesmo que o gnero da epopeia animalesca tivesse dois pblicos, com idades e nveis

    de instruo distantes um do outro, o sistema educativo na Antiguidade, garante

    Gutzwiller (2007: 133), prepararia os seus formandos a apreciarem as inter-relaes com

    a poesia homrica. No contexto da cultura grega, desde a idade arcaica helenstica,

    Homero tornou-se o poeta consagrado pela tradio, a fonte onde muitos outros autores e

    artistas das mais diversificadas reas vo beber, o modelo a partir do qual emergem

    formas e gneros, inclusive a literatura pardica grega, cujo principal representante a

    Batracomiomaquia.

    Batracomiomaquia

    14 " ": Il. II 336; III 96; III 455; X 219; X 233; XIV 109; XIX 76; XXIII 889; Od. II

    157; III 330; XI 342; XVII 151; XVII 369; XX 350; XXIV 442; XXIV 451 (cf. variantes: Il. VII 170; X

    241; Od. IV 773; VII 185; VIII 25; XIV 459; XV 304; XV 439; XVI 394; XVIII 412; XX 244; XXII 131;

    XXII 247; XXIV 422).

    " ": Il. I 201; II 7; IV 69; IV 92; IV 203; IV 284; IV 312; IV 337; IV 369; V 123;

    V 242; V 713; V 871; VII 356; VIII 101; VIII 351; X 163; X 191; XI 815; XII 365; XIII 94; XIII 462; XIII

    480; XIII 750; XIV 2; XIV 138; XIV 356; XV 35; XV 48; XV 89; XV 145; XV 157; XVI 6; XVI 537; XVI

    829; XVII 74; XVII 219; XVIII 72; XVIII 169; XIX 20; XIX 341; XX 331; XX 448; XXI 73; XXI 368;

    XXI 409; XXI 419; XXII 81; XXII 215; XXII 228; XXIII 557; XXIII 601; XXIII 625; XXIV 517; Od. I

    122; II 269; II 362; IV 25; IV 76; IV 550; V 117; V 172; VII 236; VIII 346; VIII 407; VIII 442; VIII 460;

    X 265; X 324; X 377; X 418; X 430; X 482; XI 56; XI 154; XI 209; XI 396; XI 472; XI 616; XII 296; XIII

    58; XIII 227; XIII 253; XIII 290; XIV 114; XV 208; XV 259; XVI 7; XVI 22; XVI 180; XVII 40; XVII

    396; XVII 459; XVII 543; XVII 552; XVII 591; XVIII 9; XVIII 104; XVIII 388; XIX 3; XX 198; XXII

    100; XXII 150; XXII 311; XXII 343; XXII 366; XXII 410; XXII 436; XXIII 34; XXIII 112; XXIV 372;

    XXIV 399; XXIV 494.

  • 12

    O mais conhecido poema pardico que nos chegou da Antiguidade grega, a

    Batracomiomaquia ou a Guerra entre as Rs e os Ratos, considerada a obra inaugural do

    gnero heri-cmico, herdou a mesma notoriedade do modelo pico de que provm. Esta

    breve composio animalesca, de autoria e datao incertas e com uma transmisso

    textual problemtica15, celebra as errncias de um heri, que desencadearo a guerra entre

    dois exrcitos de origens muito diferentes, os ratos (seres terrestres) e as rs (habitantes

    do lago).

    Na histria que hoje se conhece, com uma extenso aproximada de trezentos versos,

    varivel entre as edies modernas, o poeta pardico imortaliza nos versos graves da

    epopeia o combate animalesco, " , " (Batrac.

    4), que compara aos feitos dos Gigantes (Batrac. 7). As Musas, como prprio do canto

    pico (de cujos recursos a poesia pardica parte, tomando porm uma orientao

    divergente), no deixam de ser evocadas, no incio da narrativa, para inspirao do tema

    e divulgao da fama entre os mortais. A aco beligerante, que se anuncia gigantesca,

    desenrola-se numa sequncia linear, desde as suas origens (o encontro fatal entre

    Psicrpax, o prncipe roedor, e Fisgnato, o soberano das rs) at ao desenlace (a fuga dos

    ratos devido interveno do exrcito dos caranguejos, que permite a vitria ranina).

    O enredo batracomiomaquiano progride em trs momentos bsicos, cada um dos quais

    com extenso aproximada de cem versos: as causas, a preparao e a execuo da guerra.

    O encontro acidental entre os dois membros da realeza resulta na morte do ser terrestre

    em meio aqutico. Essa desgraa motiva a vingana por parte das duas populaes

    animalescas, que, em conclio e por unanimidade, decidem enfrentar com armas os seus

    adversrios. Os confrontos blicos, observados de longe pelos deuses olmpicos,

    sucedem-se junto ao lago, durante um s dia, com ganhos e perdas, avanos e retrocessos

    de ambos os lados, at ocasio em que os deuses se intrometem, enviando um terceiro

    conjunto de tropas, que fazem dispersar os combatentes16.

    15 No volume 60 da revista Humanitas, Delfim Ferreira Leo publica uma recenso onde apresenta uma

    apreciao crtica traduo portuguesa da Batracomiomaquia, a cargo de Rodolfo Lopes (2008). No texto

    da recenso, o autor refere-se s problemticas contextuais dessa epopeia heri-cmica como pardia

    grande questo homrica: "Na seco seguinte, o A. dedica um espao relativamente amplo ao problema

    da "Datao e autoria" (pp. 20-27), que, no sendo to complexo quanto a famosa questo homrica, no

    deixa, ainda assim, de parodiar de certa forma, tambm a esse nvel, uma das maiores dificuldades que tm

    acompanhado a Ilada e a Odisseia, quase desde a sua origem. (Leo 2008: 329). 16 A narrativa cabe numa estrutura lgica, organizada por trades, aspecto desenvolvido exausto por

    Esteban Santos (1991: 57-71).

  • 13

    O momento culminante desta epopeia animalesca ocupado pela sucesso dos

    encontros entre guerreiros no campo de batalha. A guerra entre os dois exrcitos decorre

    por sries de combates individuais (um combatente enfrenta um adversrio), mostrando,

    perto do desfecho, imagens panormicas da refrega, com a descrio de ataques em larga

    escala. As sequncias blicas batracomiomaquianas constituem o clmax do poema, em

    grande parte devido ao facto de reunirem e aproveitarem muitos dos topoi da tradio

    pica, sobretudo os ilidicos, como as diversas formas de atacar, golpear, fugir, cair e

    morrer em batalha. So frequentes, neste conflito animalesco, tal como na Ilada, as

    investidas aleatrias contra oponentes, os combates por vingana, os combates para

    tomada e despojo de cadveres, as lutas em torno de camaradas cados, as aristeiai de

    heris, os arremessos de lanas e de pedregulhos, os golpes em rgos vitais de onde o

    sangue escorre para tingir as guas de prpura.

    A Ilada celebra uma campanha militar executada por muitos, mas que decidida por

    poucos17. Esses poucos so os heris de excelncia, aqueles que, seduzidos pelo encanto

    da morte por causa do renome que a guerra proporciona a quem a ela se entrega

    incondicionalmente, primam pela valentia, desejando morrer jovens, mas gloriosos;

    aqueles que, amados e auxiliados pelos deuses, influenciam de forma significativa o curso

    dos eventos no campo de batalha, pelejando, quer massacrando oponentes, quer por eles

    sendo atingidos. De entre os heris homricos, estes so os .

    Tambm os exrcitos animalescos da Batracomiomaquia so formados por guerreiros

    valorosos e excelentes, destemidos no combate, a ter em conta a apresentao inicial que

    deles feita, pois enquanto dos ratos se diz, logo no promio, terem marchado

    (Batrac. 6) contra as rs, estas, no lhes sendo inferiores em primazia

    blica, so qualificadas como (Batrac. 143)18. Alm desta caracterizao

    colectiva dos exrcitos, os guerreiros animalescos tambm so enobrecidos

    individualmente: a doninha uma caadora temvel e uma fera (Batrac. 51); a r

    Orignio sozinha entre a turba randea (Batrac. 257); e Meridrpax, o rato-

    heri, aparece como guerreiro (Batrac. 281), temido at pelos deuses. Atena

    chega mesmo a reconhecer o estatuto herico dos animalejos ao design-los como

    17 "The Iliad presents a world in which a battle of many may be decided by few, and in which it is only a

    few who base a claim to power on participating in battles fought by many. (Wees 1988: 23) 18 " " (Batrac. 143). com estas palavras que Embasquitro conclui

    a declarao de guerra contra as rs: exorta para a luta as que, de entre aquelas reunidas, forem as melhores.

  • 14

    "destemidos no combate", (Batrac. 195), epteto que aplicado aos exrcitos

    dos Msios e dos Mirmdones (Il. XIII 5 e XVI 272).

    Alm da valentia na guerra, os combatentes animalescos so detentores de uma origem

    aristocrtica que tambm os faz elevar ao estatuto de heris homricos. Maria de Ftima

    Silva afirma que a "celebridade de um heri passa tambm pelo registo que, dos seus

    antepassados, a poesia consagrou; logo a genealogia que enobrece e responsabiliza cada

    heri consta de um curriculum" (Silva 2005: 37). No encontro inicial entre Psicrpax e

    Fisgnato, cada um procura diminuir a honra do outro, alegando pertencer a uma classe

    ancestral mais ilustre, como nos dois duelos homricos tomados como modelo: o duelo

    entre Glauco e Diomedes e o duelo entre Eneias e Aquiles19.

    O vencedor desta disputa pela , aquele que possui um percurso genealgico mais

    longo, o prncipe roedor. Ainda que a vitria blica seja outorgada s rs, uma vez que

    contam no fim com o auxlio do soberano olmpico, o poeta pardico apresenta, como

    contraponto, a derrota ranina no mbito da linhagem e da excelncia na guerra. S

    aparentemente a dose de informao declarada pelos dois membros da nobreza sobre a

    ascendncia de que provm proporcional. Na verdade, ambos revelam a identidade dos

    respectivos progenitores (tanto o nome do pai, como o nome da me) e a terra natal:

    Fisgnato filho de Peleu e de Hidromedusa, tendo sido concebido junto s margens do

    Eridano (Batrac. 19-20 dois versos); Psicrpax filho de Troxartes e de Licmila, tendo

    nascido em Calibe (Batrac. 27-30 quatro versos). A apresentao mais extensa do

    roedor deve-se ao ornamento estilstico, ou seja, ao uso de eptetos, que falta na

    apresentao do batrquio. Troxartes aclamado como " " e Licmila

    anunciada como " ", facto que permite fazer recuar a

    linhagem real destes seres terrestres at terceira gerao (filho, pai e av: Psicrpax,

    Troxartes e Pternotrocles), quando a dos seres aquticos contempla apenas duas (filho e

    pai: Fisgnato e Peleu). A famlia com razes mais remotas a que detm maior valor

    honorfico e essa a de Psicrpax20.

    19 Brandt (1888: 6-7), Ludwich (1896: 329), Glei (1984: 123), Bernab Pajares (1988: 322), Fusillo (1988:

    92-93), Camerotto (1992: 23), Torn Teixid (1999: 330), Possebon (2003: 95-96), Sens (2006: 235-238). 20 Trs so os combatentes do exrcito dos roedores cuja ascendncia paterna divulgada no poema: o

    prncipe (Psicrpax, filho do magnnimo Troxartes, Batrac. 28), o arauto guerreiro (Embasquitro, filho do

    magnnimo Tirglifo, Batrac. 137) e o rato-heri (Meridrpax, filho do irrepreensvel Cnison, Batrac.

    261). Depois de Fisgnato, nenhum outro nome de combatentes randeos vem acompanhado pelo anncio

    da estirpe a que pertence, ausncia essa que constitui sinal, como no episdio de Tersites, de uma condio

    social inferior. Foroso , contudo, esclarecer que os nomes de duas rs combatentes, e

    , so construdos maneira de patronmicos, por integrarem na sua formao morfolgica o

    sufixo -. Cf. Torn Teixid (1999: 41), sobre o uso semntico e literrio deste sufixo.

  • 15

    O prncipe dos ratos e o soberano das rs pertencem ambos a estirpes nobres, como

    acabei de demonstrar. No entanto, estes dois animais so oriundos de meios diferentes.

    Sendo a Batracomiomaquia uma epopeia animalesca, funda-se no conflito entre seres de

    naturezas incompatveis: um vive em ambiente terrestre, o outro no recinto do lago.

    Quando Fisgnato convida o estrangeiro para um banquete no palcio aqutico, Psicrpax

    estranha o convite, lembrando as diferenas que existem entre as origens a que cada um

    deles pertence. O roedor enfatiza que ratos e rs no se alimentam dos mesmos produtos,

    pois enquanto os primeiros se deliciam com iguarias, como po, torta, presunto, figos,

    queijo, bolo-de-mel (Batrac. 34-41), os segundos alimentam-se de verduras, como nabos,

    couves, abboras, alhos verdes e aipos (Batrac. 53-55).

    Na verdade, as rs alimentam-se de insectos e no de vegetais (segundo a Histria dos

    Animais VIII 626a), mas o poeta pardico pretende contrastar dois tipos de refeio, uma

    exuberante, conseguida por furto, e outra modesta, retirada directamente do habitat

    natural. A diferena gastronmica sintomtica do contraste entre os dois protagonistas

    desta epopeia animalesca.

    Apesar da desconfiana inicial, Psicrpax acaba por aceitar a oferta de hospitalidade

    no palcio das rs, o que d origem ao relato de um acontecimento indito: o passeio do

    rato sobre as guas do lago, s costas do seu anfitrio. O rato, que nunca se tinha

    aventurado num ambiente aqutico, acaba por morrer afogado, antes de chegar ao seu

    destino. A morte deste prncipe motiva depois a guerra entre ratos e rs.

    Em torno do enredo principal e deste par protagonista formado por um ser terrestre e

    um ser aqutico, vo surgindo referncias a contactos com outros animais, o que nos leva

    a pensar que a Batracomiomaquia no seria o nico texto do seu gnero, mas uma

    composio ligada a outras, que pertenceriam a um mesmo ciclo de epopeias sobre

    animais.

    A histria abre com as aventuras, j em estado avanado, de um rato, mostrando-o a

    escapulir-se perseguio de uma doninha. No deixa de ser curioso notar que a

    Batracomiomaquia apresenta como par protagonista, como alis o prprio ttulo indica,

    um rato e uma r, mas abre com um par bem mais tradicional, o rato e a doninha, o que

    leva a pensar na ligao deste poema com outros do mesmo gnero que circulariam na

    Antiguidade. Poder-se- pensar tambm que a estratgia de o poeta pardico apresentar

  • 16

    o rato-protagonista a meio das suas peripcias no seno uma forma de imitao da

    pica homrica, da Odisseia em particular, cuja aco comea por norma in medias res21.

    A doninha no vem apenas mencionada no incio da narrativa, como meio de fazer o

    rato chegar junto do lago. Entre o menu requintado dos murdeos e a ementa mais frugal

    dos randeos, o estrangeiro de apetite voraz relata algumas aventuras por que passou,

    procurando exaltar as suas qualidades blicas e identificando a doninha como um dos

    seus principais inimigos (Batrac. 48-50, 51-52). Troxartes, o pai de Psicrpax, lamenta-

    se por j ter perdido um outro filho na sequncia da perseguio por uma odiosa doninha,

    (Batrac. 113-114). Por fim, na cena da investidura das armas, os ratos

    vestem couraas feitas a partir da pele esfolada de uma doninha (Batrac. 127-128). Estes

    cinco excertos aludem a contactos entre ratos e doninhas, anteriores aco

    batracomiomaquiana. Tais referncias inscrevem este poema no ciclo das antigas

    epopeias animalescas.

    Alm dos ratos, das rs e das doninhas, outros animais povoam a aco deste poema:

    o aor identificado como um dos inimigos do rato (, Batrac. 49), cuja fama o

    prprio se vangloria de ser conhecida por homens, deuses e at pelas aves (

    , Batrac. 26); o afogamento do rato nas guas do lago deve-se ao aparecimento

    repentino de uma hidra (, Batrac. 82); as rs armam-se para a guerra protegendo-se

    com elmos feitos a partir de finas conchas de caracol ( , Batrac.

    165); a deusa Atena queixa-se de ter ficado com dores de cabea por causa do coaxar

    barulhento das rs, no tendo conseguido dormir durante a noite e por isso ficou acordada

    at o galo cantar (, Batrac. 192); so os mosquitos que sopram as grandes

    trompetas para anunciar o comeo da guerra entre rs e ratos (, Batrac. 199); e

    os caranguejos formam o terceiro exrcito do poema, massacrando os ratos e oferecendo

    a vitria s rs (, Batrac. 294-299). Tal como os poemas homricos contm

    smiles que equiparam os heris a feras selvagens, tambm este poema animalesco

    contm um smile que, por outro lado, compara animais de pequeno porte a homens e

    deuses. Os versos 78-81 formam um smile pela negativa, fazendo meno ao mito do

    rapto de Europa por Zeus. Neste smile, o rato ocupa o lugar da jovem donzela e a r

    desempenha a mesma funo de Zeus metamorfoseado em touro (, Batrac. 79).

    21 Sobre a figura anti-odisseica de Psicrpax, vide Fonseca (2010: 45-50) e o Captulo 5 de Epopeia e

    Pardia na Literatura Grega Antiga: Recursos Pardicos e Imitao Homrica na Batracomiomaquia

    (2013: 171-190).

  • 17

    desta maneira, por meio do smile utilizado para descrever o passeio aqutico, que um

    animal de grande porte surge na aco deste eplio.

    A Batracomiomaquia centra-se na guerra de um s dia entre os ratos e as rs, mas a

    aco inclui tambm outros animalejos, que no aparecem to regularmente ou no

    chegam a ser sequer mencionados na pica homrica, como a doninha, o aor, o caracol,

    o galo, os mosquitos, os caranguejos e o touro (o nico animal de grande porte aqui

    referido). Esta epopeia animalesca , portanto, elaborada como um verdadeiro lugar de

    encontros zoolgicos: ao mesmo tempo que celebra a aco principal, relata tambm

    episdios marginais que envolvem outras criaturas. Tais episdios pertenceriam talvez ao

    enredo de outros poemas do mesmo gnero, que, como as antigas epopeias, formariam

    um ciclo de histrias interligadas umas nas outras pelo tema.

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  • 19

    Anexo

    I. SMILES HOMRICOS DE CONFRONTOS ENTRE ANIMAIS DA MESMA ESPCIE

    1 Il. XVI 428-

    430

    Luta de abutres Luta entre Ptroclo e Sarpdon

    2 Il. XVI 756-

    761

    Luta de dois lees Luta entre Heitor e Ptroclo em torno do corpo de

    Cebrones

    II. SMILES HOMRICOS DE CONFRONTOS ENTRE ANIMAIS DE ESPCIES DIFERENTES

    1. Smiles homricos de confrontos entre animais dentro do seu habitat natural

    a) No mar

    3 Il. XXI 22-26 Golfinho devora outros peixes Troianos caem nas correntes do rio Xanto

    b) Na terra

    4 Il. III 21-29 Leo devora carcaa de veado ou

    cabra e atacado por ces e mancebos

    Menelau regozija-se ao ver Pris. Preparao para

    o duelo entre Pris e Menelau

    5 Il. V 134-143 Leo ataca o curral das ovelhas mas

    ferido por um pastor

    Diomedes entre os Troianos

    6 Il. V 161-164 Leo salta para o meio dos bois e

    ataca vitela ou vaca

    Aristeia de Diomedes

    7 Il. V 554-560 Dois lees arrebatam vacas e ovelhas,

    mas so abatidos pelos homens

    Crton e Orsloco mortos por Eneias

    8 Il. VIII 338-

    342

    Galgo persegue leo ou javali

    Heitor pressiona os Aqueus

    9 Il. X 360-364 Dois galgos perseguem uma cora ou

    lebre

    Ulisses e Diomedes perseguem Dlon

    10 Il. X 485-488 Leo atira-se contra rebanhos de

    cabras ou ovelhas

    Diomedes lana-se contra os Trcios (Doloneia)

    11 Il. XI 170-178 Leo afugenta as vacas e devora-lhes

    o sangue e as vsceras

    Aristeia de Agammnon

    12 Il. XI 292-295 Galgos atiados contra javali ou leo

    Heitor atia os Troianos contra os Aqueus

    13 Il. XI 323-327 Dois javalis atiram-se contra os ces

    de caa

    Diomedes e Ulisses lutam contra os Troianos

    14 Il. XI 414-420 Ces cercam um javali

    Troianos cercam Ulisses

    15 Il. XI 473-484 Chacais volta de um veado ferido

    devoram-no. So depois afugentados

    pelo leo que fica com a presa

    Ulisses contra os Troianos

  • 20

    16 Il. XI 548-557 Ces e lavradores escorraam um leo

    do estbulo, no o deixando levar

    uma vaca

    jax cede aos Troianos

    17 Il. XII 41-50 Ces e caadores cercam um leo ou

    javali

    Heitor entre os companheiros

    18 Il. XII 143-154 Javalis aguentam a investida de

    homens e ces

    Polipetes e Leonteu aguentam a investida e

    protegem as muralhas

    19 Il. XII 290-293 Leo contra gado bovino

    Sarpdon contra os Argivos

    20 Il. XII 298-308 Leo ataca rebanhos guardados por

    ces

    Sarpdon contra a muralha

    21 Il. XIII 101-

    106

    Coras so presas de chacais,

    panteras ou lobas

    Troianos no resistem aos Aqueus

    22 Il. XIII 198-

    202

    Lees arrebataram uma cabra aos

    ces

    Ajantes levam mbrio

    23 Il. XIII 470-

    479

    Javali aguenta a chusma de homens e

    ces

    Idomeneu aguenta a investida de Eneias e incita

    os companheiros para a luta

    24 Il. XV 271-280 Veado ou bode perseguido por ces

    ou homens. Surge depois o leo que

    pe os homens e os ces em fuga

    Os Dnaos amedrontam-se ao verem Heitor nas

    fileiras de soldados

    25

    Il. XV 323-327

    Bois ou ovelhas atacados por feras

    selvagens

    Fuga dos Aqueus

    26 Il. XV 579-583 Co lana-se contra um gamo

    Ataque de Antloco

    27 Il. XV 585-590 Fera selvagem mata um co entre a

    manada de bois

    Fuga de Antloco

    28 Il. XV 630-640 Leo lana-se contra bois, devora

    uma vitela e faz dispersar as vacas

    Heitor coloca os Aqueus em fuga

    29 Il. XVI 155-

    165

    Lobos mataram um veado nas

    montanhas

    Mirmdones avanam para a guerra liderados por

    Ptroclo

    30 Il. XVI 352-

    357

    Lobos atacam cordeiros ou cabritos

    Aqueus atacam Troianos

    31 Il. XVI 487-

    491

    Leo mata um touro no meio dos bois Ptroclo mata Sarpdon

    32 Il. XVI 823-

    828

    Leo luta e vence um javali

    Ptroclo vencido por Heitor

    33 Il. XVII 61-69 Leo captura uma vaca e cercado

    por ces e pastores

    Troianos contra Menelau

    34 Il. XVII 108-

    113

    Leo escorraado do estbulo por

    ces e homens

    Menelau afasta-se do cadver de Ptroclo

    35 Il. XVII 281-

    287

    Javali dispersa ces e mancebos que o

    atacavam

    jax entre os Troianos

  • 21

    36 Il. XVII 540-

    542

    Leo que devorou um boi

    Automedonte despoja um cadver das armas

    37 Il. XVII 656-

    667

    Leo perseguido por ces e homens

    por querer arrebatar uma vaca

    Menelau parte contrariado de junto do corpo de

    Ptroclo

    38 Il. XVII 725-

    734

    Ces atiram-se contra um javali, mas

    depois amedrontam-se

    Troianos e Ajantes lutam pelo corpo de Ptroclo

    39 Il. XX 164-175 Homens atacam um leo

    Aquiles o leo ao avanar contra Eneias

    40 Il. XXII 189-

    193

    Co persegue um gamo

    Aquiles persegue Heitor

    41 Il. XXIV 41-45 Leo atira-se aos rebanhos para

    arrebatar uma refeio

    Carcter de Aquiles: s quer saber de selvajarias

    42 Od. VI 130-

    136

    Leo ataca vacas ou ovelhas ou coras Ulisses prestes a aparecer s donzelas de Esquria

    43 Od. XXII 401-

    406

    Leo acaba de comer um boi Ulisses acaba de chacinar os pretendentes

    c) No cu

    44 Il. XIII 62-65 Falco persegue outra ave Ataque de Posdon na guerra

    45 Il. XV 237-238 Falco matador de pombas Voo de Apolo

    46 Il. XV 690-694 guia ataca gansos ou grous ou cisnes Ataque de Heitor

    47 Il. XVI 581-

    585

    Falco afugenta gralhas e estorninhos Ptroclo contra os Lcios

    48 Il. XVII 755-

    759

    Falco ataca gralhas e estorninhos Heitor e Eneias atacam os Aqueus

    49 Il. XXI 493-

    496

    Pomba foge de um falco Teomaquia: rtemis foge de Hera

    50 Il. XXII 139-

    144

    Falco ataca uma pomba Aquiles persegue Heitor

    51 Od. XXII 302-

    309

    Abutres lanam-se sobre os pssaros Massacre dos pretendentes

    2. Smiles homricos de confrontos entre animais fora do seu habitat natural

    52 Il. III 1-9 Grous (aves) atacam os Pigmeus

    Grito de guerra dos Troianos

    53 Il. XVI 259-

    267

    Rapazes atormentam ninhos das

    vespas, e estas voam contra viandante

    insciente

    Mirmdones avanam para a guerra liderados por

    Ptroclo

    54 Il. XVII 673-

    681

    A guia (predador dos cus) ataca um

    animal terrestre, uma lebre

    Menelau procura de Antloco no campo de

    batalha

  • 22

    55 Il. XXII 306-

    311

    A guia (predador dos cus) lana-se

    contra um animal terrestre, um

    cordeiro ou uma lebre

    Heitor contra Aquiles

  • 284

  • 285

    ndex

    Presentaci del volum 1-2

    Heris animalizados e animais heroificados: Homero entre a tradio pica e o ciclo das

    antigas epopeias animalescas

    Rui Carlos Fonseca 3 - 22

    Les metamorfosis de Circe: genitiu objectiu o subjectiu?

    Amparo Gasent 23 - 36

    Les descripcions d'animals a la novella d'Aquilles Taci: ms enll d'unes pauses?

    Roser Homar 37 - 50

    51 - 70

    Realitat i fantasia en els textos animalstics catalans medievals

    Llcia Martn Pascual 71 - 92

    Marinela Garcia Sempere

    libes, ratapinyades i altres voltils: algunes metamorfosis a la tradici popular grega

    Rubn J. Montas 93 - 107

    Les versions franaises mdivales du Physiologos et la description de la licorne

    ngel Narro 109 - 120

    La fauna indoeuropea. Sobre els noms del llop i el camell en ie.

    Carles Padilla Carmona 121 - 133

    Monstres mitolgics en alguns fragments de Comdia Mitjana i Nova

    Jordi Prez Asensio 135 - 145

    Les metamorfosis de Tegenes i Cariclea i el bestiari de les Etipiques

    Juan Jos Pomer Monferrer 147 - 164

    Fantasa, magia y metamorfosis en el Policisne de Boecia de Juan de Silva (1602)

    Luis Pomer Monferrer 165 - 174

    El actor animalizado en las culturas parateatrales victorianas

    Ignacio Ramos Gay 175 - 187

    Paradoxografia i cientifisme a la Histria dels animals de Claudi Eli

    Jordi Redondo 189 - 206

    Bsties als oracles herodoteus

    Carmen Snchez Maas 207 - 219

  • 286

    La frontera entre realidad y ficcin en el folclore ruso

    Natalia Ilina Solovieva 221 - 238

    Et in tali bestia Mahomat Iherusalem est profectus las figuras del Burq y los ngeles

    en el viaje nocturno del Profeta

    Katarzyna K. Starczewska 239 - 252

    Literatura, histria i llegenda. Una ullada al mite de la cacera salvatge

    Josep Llus Teodoro Peris 253 - 271

    La presncia d'animals en els Himnes Homrics, entre el smbol i el relat

    Ramon Torn Teixid 273 - 282