heráclito e o pensamento essencial 12 jan 2015

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Sumário: Introdução:.............................................. 2 a) A origem do pensamento ocidental:.....................2 b) Τό μή δῦνόν ποτε πῶϛ ἆν τιϛ λἁϴοι:..................2 c) Diferença ontológica:.................................4 d) A palavra em seu abandono e esvaziamento:.............5 e) Φύσιϛ:................................................ 6 f) O Homem histórico: ser-aí:............................7 g) O maior obstáculo:....................................9 Considerações finais:...................................11 Bibliografia:...........................................12 1

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Sumrio:Introduo:2a)A origem do pensamento ocidental:2b) :2c)Diferena ontolgica:4d)A palavra em seu abandono e esvaziamento:5e):6f)O Homem histrico: ser-a:7g)O maior obstculo:9Consideraes finais:11Bibliografia:12

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Herclito e o pensamento essencial: por uma experincia da origem

Introduo:

sempre a mesma origem, pensamento e ser.

Uma sentena como essa de sada para abordar o pensamento sobremaneira repleta de ambiguidade. Este trabalho, portanto, visa a elucidao de alguns aspectos entre outros, levantados por Heidegger em sua preleo denominada Herclito, que trazem tona a relao entre ser, pensamento e sua origem. Nosso intuito, assim, se movimenta por contribuir para que esta relao no se veja refm de uma ambiguidade como esta, relao esta que por hora ocupa o lugar de uma crnica e perseverante indiferena. Nesta preleo, o autor dirigiu seu olhar detidamente para os fragmentos de um daqueles considerado por ele como um pensador originrio; que pensou no mbito da origem[footnoteRef:1], de modo a refletir acerca do originrio; acerca do mbito a partir do qual a filosofia poderia, sim, se apresentar como o pensamento prprio do a-se-pensar, ou seja, enquanto pensamento essencial. [1: Herclito, p. 18]

a) A origem do pensamento ocidental:

A preleo trata da origem do pensamento ocidental. A observao preliminar desta preleo que se referencia aos cursos sobre Herclito realizados durantes os semestres de vero de 1943 e 1944, em sua sentena primeira, marca as caractersticas de seu tratamento: implica, portanto, uma experincia da origem, mas tambm uma experincia do pensamento, sobretudo, refletir sobre certo tipo de pensamento. No obstante, no caso em questo, o olhar estar voltado para o pensamento ocidental e especificamente grego investiga-se, contudo, o pensamento essencial, ou seja, o pensamento que pensa.

b) :

A seleo que aqui fazemos do fragmento 16 - -, entre outros de uma sequncia por ele analisada (alm de ser o fragmento interpretado como aquele que deveria ser o primeiro), se orienta pelo fato deste fragmento ter possibilitado a Heidegger desdobrar seu ensaio exatamente sobre a constituio do pensamento essencial, o a-se-pensar. Com isso, entendemos que o fragmento escapa, ao mesmo tempo, de uma metafsica que se v s voltas com os dilemas atinentes ciso entre mundos sensvel e suprassensvel[footnoteRef:2], bem como da lgica que surge na esteira dessa peculiar estrutura metafsica. [2: E, desta forma, o ser no se encontra apartado num lugar suprassensvel, tal qual tem sido, h muito tempo, interpretado e compreendido o pensamento de Plato.]

Todavia, Heidegger percebe que nas imediaes do comeo do pensamento ocidental, o termo filosofia em seu modo grego de pensar surge como ; que ele interpreta como amizade pelo que constitui o a-se-pensar. Interpretao sobre a qual ele constri uma sentena carregada de ousadia e, sobretudo desafiadora para os incautos de planto.Uma vez que nem sequer a amizade entre os seres humanos algo que se possa planejar e construir, a amizade pelo que constitui o a-se-pensar no pode ser um feito de pensadores. [footnoteRef:3] Porque Heidegger se posiciona dessa maneira? O que tem ele em vista ao dizer que a filosofia (a amizade pelo que constitui o a-se-pensar) est impossibilitada para pensadores? Qual a relao entre essa impossibilidade e o pensamento essencial? Bom, retomaremos mais adiante essas questes. Entretanto, no obstante a impossibilidade de um planejamento e construo do pensamento essencial como um feito de pensadores, tamanha impossibilidade no impede Heidegger de insistir na possibilidade de fazer a experincia da origem[footnoteRef:4], e que para ele constitui originariamente o a-se-pensar. [3: Herclito, p. 17.] [4: Herclito, p. 18.]

No necessita surpreender que trs anos mais tarde, Heidegger em Carta sobre o humanismo nos advirta sobre o risco da filosofia perder seu prestigio por no ser cincia, e desse modo estar identificada com a falta de cientificidade, por estar atrelada a interpretao tcnica do pensar. Uma interpretao, para ele, sancionada exatamente pela lgica que herdou da sofstica e de uma determinada interpretao de Plato a sua peculiar medida no decurso milenar da tradio filosfica. Mais ainda, tambm na Carta sobre o humanismo nos adverte que a metafsica por mais que tenha pensado o ser do ente e representado o ente em seu ser, deixou impensado a diferena entre ser e ente.

Na viso do autor, ao contrrio da cincia e a lgica que se lhe faz correlata, o rigor do pensar, muito mais do que exatido artificial, repousa no fato de o dizer permanecer de modo puro, no elemento do ser[footnoteRef:5], aquilo a partir do qual o pensar capaz de ser um pensar, assumindo-o e conduzindo-o para sua essncia. E, nesse sentido, no basta to somente pensar, ou ser um pensador dessa ou daquela vertente filosfico-investigativa. Requer um pensar em outro sentido, um outro percurso investigativo, que escape da estrutura metafsica tradicional e se dirija e permanea no elemento do ser, conservando-o neste elemento, no elemento do a-se-pensar. [5: Carta sobre o humanismo, p. 348.]

Heidegger procura infatigavelmente considerar uma mirade de dificuldades num horizonte de compreenso que enfim possa dar conta do a-se-pensar, da questo do ser. O ser no se questiona com a mesma medida em que se questiona o ente e muito menos se esse questionar vira as costas para o ser em seu questionamento peculiar. Mas se assim, ser que h uma medida para o questionar do ser?

No parece carecer de assentimento que em nenhum momento est em jogo alcanar uma determinao que afirme que o ente isso e o ser aquilo, sob pena de repetir o gesto ingnuo de comparar o ser com um ente qualquer, ou concretiz-lo (o ser) onticamente como outros entes em geral. Ser e ente diferem irrevogavelmente em sua essenciao. E nisto reside toda diferena.

c) Diferena ontolgica:

Ser e ente no so indiferentes. Com efeito, pensar, no sentido de um pensar que escapa dessa estrutura metafsica, diz respeito ao pensar que reclama ao homem um pensar que pertena ao ser, que no se escusa de escut-lo. E escut-lo significa, em outros termos, escutar a palavra em seu pertencimento originrio. Um escutar isento da ciso metafsica. E isento da ciso metafsica, na medida em que para o autor, se o que nunca declina algo, e se o declinar acontece, ento estamos aqui diante de um ente e de um ser. [footnoteRef:6] Ser e ente no so indiferentes, mas ao contrrio, o que permanece velado a diferena essencial entre ambos. A insistncia heideggeriana na diferena ontolgica permite assim uma abertura para compreender o sentido de dizer que a filosofia no um feito para pensadores. Uma abertura que constitui a diferena. [6: Herclito, p. 94.]

De antemo e constantemente, os pensadores constroem e planejam os seus discursos assegurados pelo logos que se desdobrou da lgica haurida a partir da ciso metafsica. Tal ciso ocasionou que se tomasse o ser em sua presena constante como ente supremo e passaram a questionar o ente enquanto ente e assumi-lo, sumariamente. O ser enquanto ser desde ento permanecendo impensado. Dessa forma, eles tomam partido de uma das partes cindidas (a parte sensvel) e no desconfiam de permanecerem obnubilados em uma abissal indiferena entre aquilo que assumido mediante sua lgica, ou seja, o ente (e a sua essncia nos liames temerrios dessa conjuntura metafsica) e aquilo que possibilita desde o incio da lgica, algo ser assumido, quer seja de um modo quer seja de outro, ou seja, o ser ( e a sua essncia no interior e no vigor de sua origem), a cada vez e sempre, como aquilo que responde (palavra) ao apelo (palavra) do que quer que venha a ser isto ou ser aquilo, aquilo que palavreia a palavra.

d) A palavra em seu abandono e esvaziamento:

Assim sendo, toda possibilidade de escuta do logos apela exatamente para aquilo que, sendo mais originrio, a palavra preparatria de toda linguagem. Pois como o autor mesmo diz: o homem deve novamente escutar, primeiro o apelo do ser[footnoteRef:7], caso contrrio, a linguagem recusa-lhe a sua essncia: a palavra a partir de onde toda palavra repousa. Com efeito, segundo o autor, a palavra de todas as palavras, o ter da linguagem, a palavra que cada um pronuncia, a palavra que se atm a toda fala e todo silncio para ns, at hoje, a mais indiferente de todas as indiferena[footnoteRef:8]. E isso decorre do fato de que a palavra, a linguagem, as expresses lingusticas em geral, h muito permanecem alienadas em locues e enunciados mopes ou surdos no tocante ao a-se-pensar [7: Carta sobre o humanismo, p. 350.] [8: Herclito, p. 96.]

Tal advertncia, conforme a preleo heideggeriana, se deve ao fato de estarmos ainda hoje, no apenas s voltas com determinaes gramaticais no que tange a nossa lida e relao com as palavras, mas, muito mais do que isso: nessa relao, as palavras consistem em algo assim como valor de troca ou uma espcie de coisa de uso, ou ainda tal e qual um instrumento de caa e pesca qualquer. E tal qual uma cmera fotogrfica, possuem a mesma funo essencial de asseguramento de objetos, decorrendo da estarem esvaziadas em sua essncia.

Na maioria das vezes, parece resoluta a opinio de que as lgicas que vigoram em tempos atuais, e que com imensa dificuldade podem negar sua provenincia genealgica da lgica formal, reinam soberana quanto ao ajuizamento de verdades no tocante a discursos de toda sorte. A lgica, no s obteve seu fundamento da gramtica, como j supracitado, mas tambm arrogou-se da interpretao maior e primeira da relao entre pensamento e palavra, a interpretao propriamente metafsica da essncia do pensamento. [footnoteRef:9] E com isso, o uso tcnico da palavra vem mantendo as palavras e a linguagem distantes daquilo que mais prximo. Percebe-se assim, que o que se caracteriza inconteste e indiferente a prpria linguagem, a prpria palavra em seu abandono e em seu esvaziamento. O esvaziamento e abandono da linguagem em seu relacionamento[footnoteRef:10] com o que permanece impensado, o a-se-pensar. [9: Herclito, p. 84.] [10: Conf. O autor observa, tal relacionamento de um tal modo irrefletido que no passa de ausncia de relacionamento, p. 85.]

e) :

Nesta preleo, Heidegger, no obstante perguntar sobre o que o logos em si mesmo, e sua relao com a determinao da essncia do pensamento, detm-se, preliminarmente, sobre o que para os pensadores originrios aquilo que permanece como a nica coisa a ser pensada: a . Pois a no se deixa restringir ao que veio a ser denominado natureza, at porque mesmo para os gregos, a natureza e cada um de seus processos, s se faz visvel em virtude exatamente do puro surgir, da . Que por sua vez, e enquanto puro surgir, diz:

aquilo em meio ao que j muito antes o cu e a terra, o mar e as montanhas, a rvore e o animal, os homens e os deuses surgem e se mostram como o que surge, de maneira a serem chamados de entes nessa dimenso[footnoteRef:11]. [11: Herclito, p. 102.]

Isto permite o autor dizer que a muito embora no aparea em todo aparecer, nem por isso se pode interpret-la como o invisvel. A , ao contrrio, exatamente o que se v originariamente, ainda que de incio e na maioria das vezes, nunca se deixe ver. A , enquanto surgimento se encontra numa relao essencial com o declnio, e assim sendo surgir de algum modo declinar, como bem descreve o autor:

Surgindo, o surgimento favorece o fechamento, e de maneira que este vigora na prpria essncia do surgimento. Em se fechando, o fechar-se favorece o surgimento de tal maneira que este vigora a partir da prpria essncia do fechamento. O favor , aqui, o favorecimento recproco da garantia que uma essncia confere outra, e na qual se preserva a garantia da essncia denominada . [footnoteRef:12] [12: Herclito, p. 147.]

Com efeito, o surgir de modo algum poderia vigorar como aquilo que vigora se j no estivesse contido e resguardado no encobrimento. Heidegger no se cansa de afirmar que sem a propiciao do fechamento e de sua essncia insistente, o surgimento teria de deixar de ser o que [footnoteRef:13]. Em outros termos, se o nunca declinar recusasse o seu favor ao encobrir-se, ento o surgir no teria de onde surgir nem onde vigorar como o nunca declinar [footnoteRef:14]. Esse o favorecimento recproco do surgimento e do fechamento. E exatamente na luz desse favorecimento recproco que os entes so de modo a corresponder, em seu ser, ao surgimento. E nesse sentido, no encobertos, se encontram, dito de modo grego, na , a essncia da . [13: Herclito, p. 165.] [14: Herclito, p. 165.]

f) O Homem histrico: ser-a:

Dissemos acima, acompanhando o escrito heideggeriano, que a filosofia - a amizade pelo que constitui o a-se-pensar - est impossibilitada para pensadores. Ou seja, de um modo ou de outro, a unidade possvel da relao entre a e o ser-a turva-se como impossibilidade para o homem na maioria das vezes em seu fosco e corrente entendimento. Decorre da, para o autor da preleo, a necessidade tambm do pensar se corresponder possibilidade de determinao do homem histrico[footnoteRef:15], o ser-a enquanto o ente que detm a possibilidade de questionamento do ser, determinao esta que se acha velada[footnoteRef:16]em sua integridade essencial. Pois com tal velamento, encontra-se recusada, ao mesmo tempo, a capacidade de pensar. [15: O homem histrico aquele que esqueceu o e o ser, medida que deixa de pensar o que se diz nessa palavra. A indiferena frente ao ser espraia-se pelo planeta. O homem se deixa arrastar pela mar do esquecimento do ser. Idem, p. 96] [16: Herclito, p. 202.]

Tentar adentrar, preliminar e compreensivamente nos fragmentos de Herclito, promove para Heidegger, ento, investigar detidamente essa capacidade para o pensamento, que, em sua viso, vem ao encontro como o a-se-pensar, isto , a prpria essncia do que se pensa e do que nesse pensamento constitui o a-se-pensar. Desta forma, pode-se perguntar, porm, o que Heidegger tem em vista quando se engaja pela remisso da palavra ao seu pertencimento originrio? Afinal, o que vem a ser um pensar em seu pertencimento originrio e em que medida o fragmento 16 proporciona uma tal remisso da palavra a sua origem?

Um pensar, diz o autor, sempre traz implicado aquele que se encontra na possibilidade de responder a uma tal convocao, neste caso, a convocao de um pensar originrio. Assim sendo, Heidegger prossegue e parece ver nitidamente que a sentena de Herclito face ao que nunca declina ningum pode manter-se encoberto - apreende em sua unidade a relao entre o que nunca declina e o homem, e ser-a. De um tal modo que nenhum homem pode se furtar ao que nunca declina. De fato, alienado desta relao, a filosofia claudica por no solucionar os problemas que a metafsica arrasta consigo, j que pensou e continua pensando a relao entre ser e ente com toda a dificuldade que horizontes com mbitos cindidos entre si enredam, desde ento. O que impossibilita pensadores diz respeito ao fato de que pensar reclama, entre o ser e os entes em geral, juno e diferena ontolgica em vez de ciso metafsica e indiferena.

Com efeito, a sentena fala em , nomeia-se um algum, e nesse algum, estamos ns mesmos implicados, todos ns seres humanos. Pelo menos o que a sentena faz soar quando traduzida, no apenas sob a forma afirmativa: face ao que nunca declina ningum pode manter-se encoberto, mas, tambm sob a forma interrogativa: como algum poderia manter-se encoberto, ao que, a cada vez, j no declina?. O prprio homem se encontra inteiramente velado. Mas, o que significa estar inteiramente velado? Em princpio e por vezes, lgico que no h grande dificuldade ou mistrio em saber o que vem a ser o homem. Desde que a questo o que o ente? fora posta na emergncia da metafsica ocidental, o homem vem assumindo saber, substantiva, positiva e progressivamente, o que vem a ser, no apenas o homem, mas os entes em geral. Sobretudo e na medida em que o que est em jogo por intermdio da pergunta o que o ente? (e na tentativa de apreender o que vem a ser cada uma das coisas) exatamente encontrar aquilo que a pergunta questiona: a essncia do ente.

Heidegger adverte que por mais que o questionamento por meio da pergunta o que o ente? v alm e questione o ser (dos entes), uma diminuta reflexo bastaria para perceber que est em questo o ente, e aquilo que o ente , e sempre o ente. Como j fora supracitado, a metafsica por mais que tenha pensado o ser do ente e representado o ente em seu ser, deixou impensado a diferena entre ser e ente. E com isso, mantm-se a indiferena, a questo do ser e de sua verdade permanece inquestionada em sua diferena.

Para Heidegger, a questo o que o ente? no exige nenhuma informao sobre este ou aquele ente, mas sobre o ser [footnoteRef:17]. O prprio homem se encontra inteiramente velado, ironicamente, por se entender tacitamente desvelado, na obviedade de seu estar presente vista, de incio e constantemente. No interior da construo , e por esta sentena ter sido haurida muito antes e no estar submissa a qualquer ciso metafsica entre o ser e o homem, o homem se encontra como aquilo que no pode se encobrir em sua relao e por meio do que nunca declina. Ou seja, ele est imerso naquilo que determina tanto o declinar quanto o no manter-se encoberto dele prprio, homem. [17: Herclito, p. 87.]

g) O maior obstculo:

Exatamente por isso o prprio homem tambm persiste em conservar-se insuspeito e insondado e se encontra, ao mesmo tempo inteiramente velado. No apenas a permanece velada. E com isso, por de algum modo encontrar suficincia nos arranjos explicativos ou adequao nas determinaes provisoriamente paradigmticas no que tange a essncia do ente que ele , o homem se encontra destitudo daquilo que corresponde ao seu carter mais essencial. O carter de ser historicamente constitudo, no meramente constitudo, de tempos em tempos e na dependncia dos ajuizamentos cientficos ou de carter antropolgico quaisquer, mas, contudo, de se ver, a cada vez, em jogo com suas possibilidades de ser. A cada vez. E isso implica dizer, ser tomado pelo precipcio da essenciao do ser, o mesmo precipcio abissal do ser do ente que ele , como ser-a propriamente dito.

Ademais, Heidegger identifica que o maior obstculo que se estabelece para a compreenso do fragmento consiste em que temos a opinio de que j sabemos, a priori, o que vem a ser o homem, na experincia de sua essncia. Precisamente a opinio de que j se sabe o que o homem o que se contrape ao fragmento. Se o homem no pode se manter encoberto em sua relao com o que nunca declina, o prprio declinar necessita ser esclarecido. o que Heidegger procura e tenta fazer, afinal de contas.

Para o pensamento comum, representar ao mesmo tempo surgir e declinar, coloc-los lado a lado, no como justaposio de coisas distintas, mas como o mesmo, se configura uma tarefa inexequvel. Supor que surgir e declinar no seja um o substituto do outro numa relao sequencial e derivativa, mas o mesmo, se torna uma presuno por demais contraditria. O que se pensa, no portanto, algo que surge e depois entra, ou mesmo provoca o declnio, mas que o surgimento j em si mesmo declnio, encobrimento.

O pensamento que pensa o a-se-pensar no se constitui a partir de um movimento de autoproduo, hauridos a partir de uma instncia interna, a partir de um sujeito inteiramente cindido metafisicamente. Mas, ao contrrio, se deixa provocar pela necessidade de pensar a partir de uma relao essencial com os entes que precisa sempre ser novamente conquistada.[footnoteRef:18] [18: Herclito, p. 126.]

Heidegger, depois do perodo da virada, tem plena convico de que o ser-a fora sobremaneira sobrecarregado de responsabilidade em Ser e tempo, uma vez que percebe que o ser no depende do ser-a para se doar, mas pode ser pensado como um acontecimento que se apresenta em seu vigor fundacional como declnio-encobrimento, em sua verdade.

Somente assim os pensamentos verdadeiros surgem. Em consonncia com a verdade do ser, e desse modo essencial, pode salvaguardar o arranjo inaparente do originrio contra a vontade da modernidade, com toda a sua mesquinharia espiritual do mundo moderno. Pois a modernidade pensa evoluo, a modernidade pensa progresso. Enquanto Heidegger pensa a questo do ser, e assim ele questiona: evoluo e progresso, para onde?

Para ele, antes de todo interesse prprio, impe-se um desafio de assumirmos, enquanto seres histricos que somos, e nessa medida de sermos historicamente e a cada vez, o privilgio de nos juntar a esse nosso ser[footnoteRef:19]. [19: Herclito, p. 386.]

O resgate dos fragmentos de um pensador originrio no diligencia por uma reconstruo historiogrfica, de maneira que se tornasse visvel, em tempos atuais, a evoluo e o progresso da filosofia, por comparaes entre posies passadas do pensamento. Uma vez que a medida usual do tempo como um antes e um depois, como uma representao cronolgica, por demais insuficiente para dar conta do que Heidegger tem em vista: de pensar o modo de ser da histria, e ao mesmo tempo, para o pensar que insiste em pensar o a-se-pensar. O autor acrescenta que

se em algum momento conseguimos pensar essencialmente, por oposio ao entendimento,(...), isso s poderia acontecer por meio de um salto. S que no no sentido de que subimos uma escada que nos conduz das pretensas baixezas do entendimento comum e, degrau a degrau, nos leva para as elevadas regies da filosofia.[footnoteRef:20] [20: Herclito, p. 130.]

Consideraes finais:

Em suma, a questo heideggeriana que solicita Herclito e seus fragmentos, e em especial este fragmento aqui selecionado - -, a questo na qual o surgimento se encontra numa relao essencial com o encobrimento, com o declnio, e assim sendo e essencialmente, surgir de algum modo declinar. No tocante ao pensamento essencial, Heidegger compreende que tal constatao tem o poder de, ao menos, parar e aquietar o pensamento comum. Com efeito, se o pensamento comum no se aquieta frente s regras lgicas do pensar, mantm-se em sua indigncia e progride intocvel quanto lgica interna dos entes. Compreendemos com tal aquietamento, um propiciar que o entendimento ou o pensamento comum abra caminho e salte para um outro pensar. E saltando para um outro pensar, salte tambm e ao mesmo tempo para a escuta pertinente e necessria da palavra em seu pertencimento originrio.

Nesse sentido, sendo uma questo que levanta e insiste na possibilidade de o prprio ser brilhar ainda hoje, tambm a questo que abre a possibilidade do homem histrico implicado na questo saltar e encontrar o ser sob a sua luz e em sua diferena. E por isso o homem tem, no apenas a possibilidade, mas a necessidade[footnoteRef:21] de retirar do ocultamento, do encobrimento, do velamento, sempre novamente, a essncia das coisas, de cada ente, inclusive de si prprio. Sobretudo por alforriar a palavra de seu jugo comercial, de seu valor de uso, de troca e como instrumento, e insistir em reencontrar a palavra preparatria de toda linguagem, em sua diferena essencial. [21: Ainda que o cotidiano, s voltas com suas certezas e lgicas, no reconhea nem a profundidade nem a fecundidade dessa necessidade.]

At porque o pensamento essencial, segundo Heidegger, ao contrrio de ser incompreensvel, o que se encontra mais prximo, e desta feita, por essncia, o mais simples. A sentena escolhida, dentre muitas, tal como Heidegger assevera, se mantm inesgotvel, e nos convoca sempre e novamente o pensamento do a-se-pensar, o pensamento essencial. A preleo trata da origem do pensamento ocidental, mas esse tratamento de modo algum quer dizer que tenhamos hoje que inventariar historiograficamente esse pensamento ocidental ou qualquer que fosse ele, de modo que sua origem possusse uma datao possvel, relevante, esquecida em um passado longnquo e inacessvel. No. Heidegger, ao contrrio, tem bastante clareza quanto ao fato de que a origem que concerne ao pensamento essencial, ao a-se-pensar, muito mais do que constrangida ao pensamento ocidental, ou grego, ou quaisquer outras instncias ao longo da metafsica ocidental e da tradio filosfica em sua historiografia, sempre a mesma origem. E assim sendo sempre em sua possibilidade de renovao, ou vigorando em sua unidade sua possibilidade de ser outra. E exatamente nesta possibilidade de ser outra e por meio dela que tambm o homem histrico encontra a possibilidade de seu salto, a sua possibilidade de saltar (em verdade, mais do que isso, insistir no salto), e encontrar o pensamento em sua essncia mais radical, por uma lgica mais originria na estrutura de sentido do ser, sob a sua luz e em sua diferena.

Bibliografia:

HEIDEGGER, Martin. Conferncias e escritos filosficos: Carta sobre o humanismo. Os pensadores. Editora: Abril Cultural, 1973.

_______. Herclito: a origem do pensamento ocidental: lgica: a doutrina heracltica do logos; traduo Marcia S Cavalcante Schuback. Rio de Janeiro, Relume Dumar, 1998.