hegelidealismo - gonçal mayos - pensamento

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P E NS A M E NT O •

Vamos agora especif icar alguns dos sentidos mais correntes que ostermos idealismo

ou idealista tern, venda depois se podem ser apli cados ou nao a Hegel.

o id ea lis ta filo s6 fic o n ao n em v is io na rio n em q uirn erlc o

Pensamen to

idealisia e habitua lmente s lnonimo de «vls ionar io» e de «quimer ico», daquele t ipo de

pessoa que voluntariamente ou por tendencia natura l costuma viver num mundo pro-

prio ef ict icio ou que pouco tem aver com 0 real. Alguern que sonha ou imagina mundos

ir reais e que esta mais preocupado com 0 futuro do que com 0 aqui eo agora.

GON C ;: A L MAYO S

Apesa r dos conhecidos equivocos provocados por pessoas que fracassara m na com preen-

sao de Hegel, este sentido de idealista tern, indiscutivelmente, uma apllcacao muito dificil

ao nosso autor. Pelocontrario, Hegel preocupa-se primordial mente - e assim 0manifesta

muitas vezes - com a realidade historica, com 0 que efectivamente existe aqui e agora,

e deprecia, com grande sarcasmo, asvis6es do alern ou dos mundos ficticios.

Qua l e o ide alism o de Hege l?«Na o bra ma is i de al is ta d e H eg el

existe 0 m in imo d e i de al is mo e 0 maximo

de mater ial ismo».

Lenine

Hegel sustenta que atarefa maxima de um filosofo e compreender e conhecer 0seu tempo

ea sua sociedade.Assim, prop6e-se conhece-los, numa ampla vertente politlca, na sua Filo-

so fia do Diretto; nassuasorigens e factos historlcos, nas t icoesde F i loso fiada Histo ria Un ive r -

sal; na estruturacao sistematica, global e r igorosa do seu saber,na Enc idoped ia das Cien-

cias Filos6ficas;natradlcao fllosoflca a parti r daqual compreende a propr ia f ilosofia e ados

seusconternporaneos, na sua His t6 r ia da F i loso fia ; na reconstrucao do periplo cognosciti-

voque necessaria mente qualq uer consciencia tem de levar a cabo para poder compreen-

der,de forma correcta, 0 propr io tempo, na sua Fenomeno log ia do Esp ir ito ,etc.

Hegel e um f ilosofo ideali sta. Assim cornecarn habitua lmente as apresentacoes de

Hegel nas encic lopedtas, nos manuais enos dlcionanos. Naturalmente, t ra ta-se de

uma grande verdade, mas costuma confundir 0 publico, pols nao e clare 0 significado

exacto do idealismo na filosofia. Por tanto, temos de cornecar a nossa abordagem

ao pensamento e a obra de Hegel def in indo 0 que e idealismo e que t ipo de ideali sta

era Hegel.

Em primeiro lugar, temos de alertar 0 le itor de que muito dif ic ilmente Hegel se insere

na maior parte dos sentidos habituais de idealismo. Alern disso.o seu pensamento, a sua

filosofia e a sua pessoa sao,frequentemente, menosprezados por carecerem total mente

das componentes simpaticas que normalmente acompanham aqueles que vulgarmente

denominamos idealistas.

As g randes oreocupacoes de Hege l. Nao e surpreendente que as principais

preocupa~6es de Hegel sejarn, por exemplo, a Revolucao Francesa; a Reforma Protes-

tante; 0 t ipo de vida e eticidade na Grecia Classica, especialmente em cor itraposicao as

da sua propr ia epoca: 0 papel e sentido da rel igiao e,concretamente, do crist ianismo;

a necessidade de elaborar um sistema coerente e completo do saber ; a const itulcao

alerna e as reformas inglesas ...

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Por isso, Lukacstem razao quando no seu livro o Jovem Hegel recorda que 0modo hege-

l iano «de se posic ionar relat ivamente aos grandes acontec imentos h is t6 ricos da sua

epoca possui ainda outra caracterist ica que 0 distingue de todos os seus conternpora-

neos no ambito f ilos6f ico. Hegel nao e apenas 0 fi l6so fo que , naAlemanha, tem a mais

profunda e adequada cornpreensao do essencial da Revolucao Francesa e do periodo

napoleonico, como tarnbern 0 unico pensador alernao do per iodo que abordou ser ia -

mente os problemas da Revolucao Industrial, ocorr ida em Inglaterra, e 0 unico que

naquela altura relacionou os problemas da economia dassica inglesa com os proble-

mas da f ilosof ia da dlalect ica».

da humanidade na htstoria, que acabara por alcancar 0 conhecimento mais adequado,

pelo menos em relacao ao correspondente estado humano de desenvolvimento.

Ale rn d isso , Lukacs cons idera que Hegel culmina a fi loso fia c lassica a le rna e a d ia lec-

tica, sendo, por conseguinte, 0 pensador chave para a «cr ise de crescimento er rtao

dominante nas c ienc ias da na tureza, nas impor tantiss imas descobertas que al te ra -

ram as bases da ciencia natu ra l, naor igem da nova c ienc ia qu im ica, na abordagem do

problema da genet ica nas diversas investigacoes blologkas, etc.; sao factores que de-

sempenharam um papel realmente dec isi vo na coristl tuicao da dialec tica no seio da

f ilosof ia classica alema »,

A declarada contianca no progresso humano, que se tornara. inclusive, um lugar comum

do seculo X I X , e abordada por Hegel de uma forma mui to mais rigorosa e preocupada

com pormenores e acontec imentos concretos do que, por exemplo , por Condorcet ou

Auguste Comte. Alem disso, perante 0 opt imismo muitas vezes ingenuo destes, Hegel

nunca seesquece que os confl itos sao lnevitaveis, assim como as suas consequenclas

negat ivas. Hegel mostra-se muito realista, consciente dofundo tragico do progresso edo

desenvolvimento hist6rico - aquilo a que chamamos 0 seu pantragicismo - e, inclusive,

sarcastlco . «As epocas fe lizes sao paginas em branco no l ivro da histor ia», diz.

Deve reconhecer-se, cer tamente , que estas preocupacoes sao mui to pouco comuns

entre filosofos especutativos, embora sejarn absolutamente cen trais no prime iro terce

do sec. X IX e ainda ho]e. Paraisso,as respostas que Hegel deu a estas questoes, mesmo

sendo frequentemente expressas na sua linguagem complexa, partem sempre de uma

analise rigorosa e realista, nao recorrendo,em caso algum, nem pressupondo interven-

coes magicas do alern ou de outros elementos visionaries.

A confian~a em ul tima lnstancia na razao e no progresso e, segundo Hegel, a unica

forma de explicar 0 mundo e a sua h is to r!a sem recorrer a tmaglnacoes, postula~6es

de interven~6es divinas, milagres ou elementos maglcos, a casualidades inexplicaveis

e a uma serie de expli cacoes - ainda muito correntes na sua epoca - muito mais vl sio-

narias e qutmericas.Asslrn, por exemplo, nega-se a argumentar, partindo da interven-

cao pessoa l de Deus no mundo, a pressuposi~ao do famoso estado de natureza, tao

importante para Hobbes, Locke ou Rousseau, as historias sagradas, os mitos, etc.

Id ea lis mo n ao e a hs tra cc ao n eb ulo sa e n ao c on cre ta

A h i s t6 ri a, 0 p ro gre ss o e a ra za o. Por um lado, um dos seus aspectos mais cri -

t icados - que 0 espir ito universalse realiza no mundo e na histor!a e que e possivel atin-

gir 0 saber absoluto na medida em que seesta a al tu ra da rea lizacao e fectivamente

obt ida por aquele - e uma formu lacao cer tamente ambiciosa, e mesmo retumbante,

que, por outro lado, era fr equente numa epoca de grandes esperancas e de grandes

confl itos comofoi aquela que seseguiu a Revolu~ao Francesa.Assim, Hegel esta a afir-

mar - como farao outros mais tarde - a sua plena confianca no progresso linear e racional

Idealista tarnbem secostuma aplicar aquele que esta sempre preocupado com coisas abs-

tractas, nebulosas e nao concretas eque, por conseguinte, esta totalmente absorto edes-

conhece 0 mais proximo, 0 concreto e 0 imediato. Embora 0 seu est ilo possa ser muito

abstracto e,por vezes,use conceitos que possam parecer aos leigos bastante nebulosos,

Hegel tarnbern nao seinsere nesta def in icao, pela simples razao deque tenta sobretudo

encontrar e compreender 0 mais concreto, nao seperdendo em meras abstraccoes

Certamente, para Hegel, a explica~ao do concreto costuma implicar a elabora~ao tecni-

cade nocoes que, mui tas vezes,nos parecem - como ele reconhece - mu ito abstractas

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A MT A l / i . t D f V . . t . l M ~ ( 1 7 . 9 2 ) no q u a l a s t ro p o ~ r e v C i / ( J c i o n / i r J a , f r a n c e s f 1 5 d e r r a t a r o m 0e X f r c i t o p n 1 5 s i o n o ,

o b ra d e J , B . M a m o / s se a p a r t i r d e u m a p i n t u r - a d e H o r a c e V e m e t ( 1 8 3 1 ) : E s t a v l t d r l q e n ch e u H e g eld e e n t / , l ~ r 0 5 m o e e s p e ra n fa , p a is d e s e j a v a q u e a r e v Q / u ~ i i Q 51 ? a / a r g a ~ s e a t o d D a A l e m a n h D ,

p a r a q u e e r to vo/t05se a e n tr or n a l i n h o dlifrerlt~ d a h l s t6 r 1 a , d u q u a l c O M I r J e r O v u q u e iln /r IH o id o h d d e cD d a s.

o , i d e o / I s t a ' H e g e l [0 1 1 1 f i l o s o f o q u e . I J aA / e m G n h o , m r J i s p r o / u n d a e a d e q I l Q d o c o m p r e e n s i i o t E V e d o Els e n d a /

d a R e v o l u , li o FrrmmD e d o p e r io d o n o p o lr o n /c o . Q

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• H E G E L P E N SA M EN T O •

e obscuras. A abstraccao e uma condicao da l inguagem e nao apenas dafi losofia, porque,

como referiam osescolastlcos medievais, e impossivel dizer 0completamente individual.

Poisos termos l inguisticos - incluindo, em certo sentido, os nomes propr ios que usamos

para um grande nurnero de pessoas para nos denominarmos a nos propr ios - sao todos

universais, refer indo-se a um conjunto de elementos e,portanto, correspondendo a umaabstraccao destes.

malmente as mais abstractas. E um paradoxo que, embora um bebe acr edite que ao

dizer «papa» ou «mama» esta a designar, sem nenhum t ipo de duvida ou erro, osseus

pessoais e individuais pais, na realidade todas ascr ianc;:as- inclusive em diferentes l in-

guas, quer se parec;:am ou nao - estao a usar os mesmos termos gerais e abstractos

para designarem seres individuais. E0 mesmo acontece quando comec;:am a querer

descrever 0 mundo e a dizer que isso «e tal coisa. ou «de tal cor » e aquilo «e ou nao e »

assim.

Abstraccao e genera Ii za~ao dos termos. Nas primeiras «figuras da conscien-

cia» da Fenomenologia do Espirito, Hegel aprofunda esta questao e salienta a enor-

me abstr accao e generalidade dos termos com que ingenuamente tentamos desig-

nar 0 que temos perante os olhos: os determinativos isto, isso ou aquilo. Efectivamente,

por muito satisfeitos que nos sintamos ao referir algo e dizer que nos referimos a

isto, na realidade nao selecclonamos nada de forma prec isa e basta, para evidenc iar

esta lirnitacao, que alguer n pergunte, assinalando um pouco depois: «ah, e isto?».

Facilmente sepode pensar numa situacao em que um nurnero indefinidamente enorme

de pessoas respondesse em unissono, apontando em direccoes cont rarlas. «nao. e

aquilo!».

Ao contra r io daquilo que nos parece, comec;:amos sempre - defacto, nunca 0 abando-

namos totalmente - pelo que e abstracto e geral. A melhor f ilosofia tem como tarefa

conseguir for jar termos simul taneamente abstractos e concretos , como ser iam para

Hegel «espir ito universal» ou "«dialect ica», ou para Marx «capital» ou «modo de pro-

ducao». Pois nao esquec;:amos que, para Marx, 0 capital nao e apenas, como se pensa

muitas vezes , «dinheiro no banco» ou, inclusive, propriedades.joias, maquinarias,casas

e solares, mas tarnbem osconhecimentos que podem ser usados na producao, 0 «saber

fazer», as patentes e procedimentos tecnicos: alern disso, tambern sao capital as neces-

sar ias relacces socia is, a lgumas das quais - iron icamente - encont raram 0 seu prin-

cipal capital num feli z casamento . ..

Na Fenomenologia e na Ciencia da ioqica, Hegel recorda-nos que, para podermos

falar de qualquer coisa, por mais evidente que nos pareca, devemos usar termos

bastante abs tractos e gerais. Em primeiro lugar, devemos dizer que e, ou seja, que

e um se r ou um ente. algo que qualquer coisa e, inclusive em cer to sent ido tambern

o nada, na medida em que falamos del a e e algo no nosso discurso. No entanto 0

nada, que parece algo muito concreto, pavorosa e per igosamente concreto, na reali-

dade e algo bastante abstracto, pois tudo aquilo que nao e ou deixou de ser coinci-

de em ser isso. nada. Paradoxalmente, 0 ser eo nada sao termos muito gerais e abs-

tractos, pols de todas as coisas sem excepcao - como referia Parrnenides - pode

dizer-se, pelo menos, que ou e ou niio e, ou seja, ou e ser ou e nada.

H eg el e M a rx , m u ito p ro xi m os . Como vemos , nao existe uma grande diferen-

ca entre a abstraccao do idealista Hegel e a do mater ialista Marx; algo que parece

muito tangivel e calculavel, como 0 capital e na realidade um conceito muito abst rac-

to. No entanto, tarnbern e um conceito def inido precisamente para poder falar daqui lo

que na producao pode ser decisivo, mas nao e irabalho - outr o conceito muito abs-

t racto e geral que designa desde 0 descansado pensar, imaginar ou conceber ao arduo

esforc;:ofisico ou ao aborrecido ester dependente do que aconteeer de tantos pesados

trabalhos aetuais.

A s c ria nc as u sam o s te rm os a bs tra cto s. E uma grande ve r dade que, nao

surpreendendo, nao deixa de ser facil constatar 0 facto de as designacoes ou palavras

que nos parecem mais concretas - e que os bebes ut ili zam em primeiro lugar - sao nor -

Desta forma, Hegel , tal como Marx, recorda-nos que e mui to complicado falar em con-

cr eto das coisas aparentemente simples que temos diante dos olhos e que, para nos

refer irmos a elas, devemos usar termos que, muitas vezes , parecem excess ivamente

abstractos e pouco intuitivos.

 

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• H E G E L P E N SA M E N T O •

o id eal ismo fi lo s6 fic o nao imp lic a poe tiz a r ou embele zar a r ea lid ade

Tarnbern secostuma acreditar que 0 ideali sta e aquele que poetiza a realidade e aten-

ta imaginar melhor ou mais bela do que realmente e.Na linha do que estamos a argu-

mentar, e evidente que a f ilosofia hegeliana nao pretende, deforma alguma, nem poe-

tizar nem embelezar a realidade, pelo menos alern da crua beleza e da traglca poesia •resul tante da sua cornpreensao racional.

nal da realidade - Weltgeist: 0 «espiri to universal» ou «do mundo». 0 sistema hegel iano

e panloqico , dado que tudo nele tem de ser logico e racional ate ao pormenor, tendo

uma est ranha, gelida e magnif icente beleza, porque cer tamente e0 panlogicismo mais

profundo, consequente e omnicompreensivo da historia da humanidade.

Hegel nao acredita que 0 mundo ou a hls toria reais precisem de ser embelezados,

poetizados e decorados com pormenores que escondam a sua gellda racionalidade,

pois esta sempre mais alern e prescinde tota lmente do consolo sent imenta l. Aquilo

que chama com alguma vaidade ou grandiloquenc!a «saber absolute. contern, para

Hegel, a profunda beleza da i de ia - que e,segundo a sua definlcao, tanto 0 conceito

realizado como a realidade conceptuali zada - , que e a beleza da razao, da f ria logica

da razao.

Um s is tema s im u Ita n e amente b ela e tra glc o. Contudo, na medida em que

na o pretende esconder nem dissimular nada, inclusive nada do ter rivel, inumano e

rnlseravel que os homens fazem uns aos outros, 0 sistema hegeliano tarnbern tem a

pavorosa e sinistra beleza da sua vlsao pantraqica, pois poder iamos dizer que nada do

pantraqico humano Ihe e alheio.

U m m undo «belo». Para Hegel,o seu sistema fllosofico, de alguma forma, expressa

ou evidencia esta beleza do mundo e da histor !a. Natu raImente, nao 0 faz com recursos

poeticos nem com vas decoracoes, porque pensa que 0mundo e belo,mas nao no sent i-

do decorati vo: nao e arnavel, nem sent imenta l, nem tem preocupacoes para com 0 lei-

tor sensivel; pelo contra r io,tem 0 peso macador e absorvente de um mecanismo loglco

conceptual que, a sua maneira, funciona na perfelcao.

No sistema hegeliano, todas as t r a ged i e s , rn i se r i a s e desgracas humanas estao dissecadas

para serem conhecidas e para sal ientarem a sua necessidade naquele contexte, circuns-

tancias e estado de desenvolvimento do espirito. Foiesta posicao de Hegel que escandali-

zou (mas ao mesmo tempo fascinou ter rivelmente) pensadores como Rosenweig, que,

depois de aprofundar, fascinado pela explicacao panlogiscista hegeliana, e escrever0 rneri-

torio ensaio Hegel e ° Estado, refere que esse panlogicismo, na realidade, trivializa,justi-

f ica e banaliza a t ragedia da humanidade e dos indiv iduos concretos ; ou seja,em certo

sentido, podemos dizer que 0 panlogicismo hegeliano provoca uma perversa justlflcacao,

trivialidade e banalizacao da sua propria e valiosa visao pantragica.

Perante essa beieza descarnada, metafis ica e abstracta, Hegel afi rma que todas aspart i-

cular idades ou pormenores sentimentais decorativos ou circunstanciais sao r idiculos.

Como aquele que, num campo de exterminio, quisesse par uma cortina que escondesse

ou suavizasse a v isao das carnaras de gas ou dos fornos crematories. ou pior, pensar

que ass im ter ia embelezado, de alguma forma, 0 mundo. 1550, sabemos todos, nao e

mais do que uma maneira de fugir da realidade ou, inclusive, da nossa consciencia pesada,

e Hegel condena sempre qualquer fuga da realidade.

Nem a ltr uismo n em in co nfo rm ismo

Hegel tarnbern nao e um ideal ista no sentido de alguern totalmente movido pelo altruis-

mo.A sua filosofia nao aspira a gerar ou a promover 0 bern-estar do proximo; alern disso,

o discurso dos uti li taris tas ea valori zacao da uti li dade acima de tudo parecem- lhe uma

forma fil isteia de degradar a filosofia.

Um s is tema s im ulta ne am en te b ela e 1 6g ic o.Pela sua natureza,osistema

hegeliano 50 e belo na medida em que consegue fazer br ilhar a logica profunda e racio-

Concorda com Kant nofacto de afelicidade nao ser 0 principal objectivo humano,e muito

menos 0 daf ilosofia . A dignidade humana nao esta no usuf ruto nem na fel iz sat isfacao,

mas sim em senti r a chamada do dever,do intelecto, do conhecimento e da racionalidade.

 

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• HEGELP ENS AM ENT O •

Na mesma l inha de Mandev il le , Hegel pensa que muitas vezes a satis facao alt ru ista,

gratuita e sistematica das necessidades do proximo e uma forma de a impedir deganhar

a sua dignidade, de conquistar aquila a que tem direi to, de ser verdadeiramente senhor

da sua v ida e de ser um verdadeiro suje ito humano.

valoracao, que acredita ser in fini tamente superior ao mundo em que Ihe calhou viver.

Hegel afirma sarcasticamente que ho]e em dia nao existe nada melhor do que a seu

rnundo, a seu tempo, a sua realidade e que aquele que e melhor e simplesmente quem

compreende melhor a seu mundo, a seu tempo, a sua realidade e que, por tanto, e capaz

de sereconci liar com estes.Apenas a verdadeiro f llosofo sepode reconci liar com a histo-r ia, com a humanidade e com aquila que Ihe calhou, porque a verdadeira reconci liacao

tem como condlcao a cor recta compreensao da rac ionalidade - inclusive daqui lo que

nos surpreende, nos repugna au nos violenta.

A fe lic id ad e e 05 g ra n de s h omen s. Hegel d iz f requentemente que na histo-

r ia podemos com provar que a fel ic idade e contra r ia aos grandes fei tos e que a comodi-

dade nao existe na v ida dos herois que fazem a histor ia. Setivessem sido fel izes au se

alguern alt ru ist icamente Ihes t ivesse resolvido a seu conf li to , a sua tarefa, a seu desa-

f lo , simplesmente nao ter iam levado a cabo nem vivida nada daquilo par que asvalori-

zamos. Parale lamente, e de acordo com a crua lucidez hegel iana, preocupar-se com a

proximo nao e,de facto, a pr incipal caracter is ti ca dos grandes homens, ass im como a

dialect ica da histor ia nao tem em conta a bem-estar dos individuos par ti cu lares. Hegel

pensa que a alt ru ismo, a prati car a bem au, inclusive, t rabalhar pela moralidade nao foi

a que deu a fama a Napoleao, a Julio Cesar, a Alexandre Magno, a Car los Magno, etc.

«Asepocas fel izes sao paginas em branco no l ivro da histor ia», diz numa das suasfrases

mais cruets.

Ape sa r d e t ud o , s er a Hege l id e alis ta ? Tendo em conta a que dissemos, parece

que Hegel nao e detodo ideal ista; certamente, nao a compreendemos quando sepreten-

de interpretar a seu pensamento a partir da per cepcao popular de idealismo ate ago-

r aanalisada, pelo que nao a podemos englobar nela. No entanto, existe um sentido

mais tecnico, mais f ilosofl co e mais profunda de ideal ismo que permite defacto com-

preender e descrever a pensamento hegel iano. Estesentido e a usado na Alemanha de

finais do sec.XVIII e in ic io do XIX, e que Hegel define par considerar a ideia como a prin-

cipia do conhecimento.

I de a lismo nao e in c on fo rm ismo Ideal ista esta relacionado com ideia, com considerar as ideias como a base de todo 0

possivel conhecimento. Entao, a ideal ismo procuraria nas ideias a cornpreensao mais

autentica de toda a realidade. Existem, porern, muitas formas de consider ar a ideia

como principia do conhecer e do procurar a par tir dela a verdadeir a cornpreensao da

realidade. Vamos entao estudar a forma como Hegel e ideali sta e a seu peculiar idea-

lismo.

Finalmente, Hegel tarnbern nao e ideal ista no sentido de ser um acerr t rno inconformista.

Pensaf r iamente que seha-de acabar par aceitar - e,por tanto, quanta mais depressa

se aceitar, melhor - a r ealidade das coisas, sendo esta aceitacao do mundo um valor

posit ive, porque no fundo e racional- nao esquecarnos que esta e a sua verdadei ra

aposta ideal ista. A «alma bela» au a «consciencia d esg ra ca da - - como, par vezes,as de-

nomina -, que se negam a aceitar a mundo tal como eau que insistem em esperar mui-

to mais «deste seu rnundo», representam para Hegel uma forma muito superficial e

deficiente de enfrentar a v ida eo mundo.

Em ult ima instancia, apesar de reconhecer toda a sua complexidade dia lec tlca. Hegel

exige a reconc il lacao com a realidade e condena a inconformis ta zeloso da sua f ic tic ia

A id eia e o e sp irit o. Ao contrar io do mater ialista Marx, Hegel e simultaneamente

ideali sta e espi ri tual is ta, porque valoriza de um modo superior a importanc!a da ideia

e do espirito, pais para ele sao a essencia da r ealidade, aquilo que torna alga verda-

deir o. Contudo, ele nao quer dizer - como muitas vezes se pensa - que toda a real i da-

de seja apenas a que nos entendemos par ideia au por espirito, au seja, uma coisa

puramente mental au dotada apenas do tipo de exlstencia de uma ocorrencia, de

 

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CO~! IE G u i O s MmIo(2 ) c o m o i rn p e m d w d o S a c m

~ no G errm in kop e/o p u p a

II! (795-816) M e r n Romd,n6 dill

r ie N a ta l d e 8 0 0. s eg lln d o l im ag r o v u r o deMat i N l i u s Merfrm.

o v e l h o b S 9 3 ' T 6 s o j . p u b i l c o d o

n o H i s t D I is c h e ( IO J ' l IG l d e . J c h o

L l J d w ig G r J t tf r ie d ( F r o n if v rl , 16 ~

NO j U ¢e s s o b r e F l l o s o f l a d a

H ls tM a U n i v er S a I, H e g e l

I de n ti Ji co u 0 S a c ra Impirlcl

f t J r o J i n g l o como vm momento

h l r t d f i r o d e C I J /l c I/ lo ¢ o e n t re

/ ro cm ri o e monarqllla 1e(Jr/o/,

e n t r e .0 v e r d o d e I:l b j e c t l v a

e 0 l ib e rd a d e n o E r to d o olno/Ilt

C c m w d o , J o I no fIla obm A R U l l i

n o H i rt O r fo (18]0) queoliOldoll

em profu/lrildr;(ie 05 j i g ~ f!lS

r i a s g l a n d e s p~I,(molidode5

c o m o (arlos Mogno. <)

 

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• HEGEL P ENSAMENTO •

Quando Hegel afirma que a ideia, a razao ou 0 espir ito universal movem 0 mundo, a

hist6ria eos homens nao quer de modo algum dizer que qualquer uma das suas ocor -

rencias ou fantasias - embora possam parecer muito espir ituais ou, inclusive, racionais

- tenham tal poder. Apesar de reconhecer que todo 0 verdadeiro conhecimento etoda

a plena reconci ltacao com a confl ituosa realidade so se pode obter por interr nedio da

ideia - por tanto, e ideali sta - , da razao - por tanto, e r acionalista - e do espir ito - por -

tanto, tarnbern e espiritualista.

giao e a arte, Hegel denomina «espiri to absolute». Assim, por intermedio da humanida-

de que ref lexivamente aspira a formular de modo rac ional uma fi losofia que abranja

tudo at ravesda ideia - eo seu desenvolvimento num sis tema integrado - , pode dizer-se

que 0espir ito universal setorna consciente de sie seautoconhece. Existem momentos

de grande conv iccao e orgulho pelo seu pensamento em que Hegel d iz: a f ilosofia que

agora e absoluta, tern- ria voces diante dos olhos e sabe-lo-ao se lerem atentamente

os meus l ivros.

uma vlsao, de uma irnaginacao ou de uma fantasia. Como se diz habitualmente, a

estas «leva-as 0 vente», pois correspondem mais a aparencia superficial e sao precisa-

mente aquilo que nao se deve confundir com a verdadeira realidade, que e, pelo con-

tr arlo.o permanente ou 0 verdadeiro que ha nela.

A ideia eo conceito e a realidade d a substancia que e sujeito

D a r az ao a o e sp irito u niv er sa l. No entanto, insist imos,o espir ito universal so

sepode conhecer a si mesmo atraves da razao intelectiva da humanidade. Precisamente

por isso, a razao, que e aqui lo que caracter iza e def ine a humanidade, e 0 sinal da sua

superioridade ontol6gica perante 0meramente mineral , vegetal ou animal- 0 que de

uma forma ou de outra e ainda, e para sempre, inconsciente, i rref lexivo e pre-raclonal.

Desta forma, Hegel refere que a humanidade, como sediz tradicionalmente, e 0 genero

ou a espec le superior , pols e a unica que pode adquir ir0

pleno e verdadeiro conheci-mento do mundo. Assim, soem e atraves da humanidade e daf ilosof ia que alguns indi -

v fduos concretos formulam e que 0 espir ito universal adqulri ra consciencia de sie sera

plena mente a «substancia que e sujel to», Sem a humanidade reflexiva e racional, e sem

af ilosofia que elabora um sistema completo a par tir da ideia verdadeira, 0 espirito uni-

versal seria, segundo Hegel, uma especie de deidade ou motor meramente natural e

material que nunca saberia de si mesmo, pois, totalmente cego e inconsciente, nao

conheceria 0 seu poder criador.

Para Hegel, so0espirito e realmente activo, tanto na hist6ria como na natureza. E simul-

taneamente a substancia eo sujeito u lt imo detudo, por isso,def ine 0 espirito univer-

sal , que rege 0 mundo - as duas traducoes que se complementam do termo aler nao

Weltgeis t- , como a substantia que e sujei to. Desenvolvendo Espinosa e uma longa tra-

dicao metafis ica, Hegel propoe pensar a substantia como 0 principio criador que eterna-

mente rege as coisas, mas que e,def in it ivamente, um pouco parade, fossi li zado e sem

evolucao.O espirito universal e a substancia que 0cria eque move tudo, e 0motor ultimo,

mas este tarnbern esta em movimento, em desenvolv imento e evolucao.

Alern disso, nao e uma substanc ia cega ou inconsc iente de si propr ia . isso poderia pen-

sar-se da natureza - uma especie de rnaquina perfeita, mas somente maqulna -, porern,

nao do espir ito, que e princ ip io e substancla ulti rnos. Segundo Hegel, 0 espir ito uni-

versal e do mundo, a lern de substancia criadora e de motor ul timo, tambern e sujei to

de tudo e de si mesmo. Atr aves da hist6ria, que e a sua cr iacao e 0 seu pr6pr io desen-

volvimento, 0 espirito universal conquista 0 seu pleno autoconhec imento atraves da

humanidade e do saber fi losofico des ta - que, conjuntamente, mas superando a reli -

Tentando evi tar cai r no pante ismo, Hegel assoc ia a perspec tiva ideal is ta e espir i tua-

lista que sintetizamos como trindade crista - porque e necessar io pensar simulta-neamente, e como um todo, as i r e s pes soas , 0 Pai,0 Filho e 0 Espirito Santo. Considera

que a trindade crista, analisada especulativamente - como, por exemplo, faziam

alguns misticos alernaes, como Eckhart ou Boehme -, seaproxima da sua teoria dialec-

t ica do espir ito universal, da substancia que e suje ito, do criador que se autoconhece

atraves da sua cr iacao. Segundo Hegel, a ideia e 0 conceito supremo que e realidade

efect iva, porque e a unica coisa que permite captar, compreender e s is tematizar 0

conhecimento dessa substancia sujeito espiritual que se cria e autoconhece cons-

 

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• H E G E LP E N SA ME N TO •

A id eia e c on ce ito r ea liz ad o e re alid ad e c on ce ptu aliz ad a

guerras, muitas tendencies ancestrais humanas ou muitos inveterados bloqueios cul tu-

rais.A barbar ie e a desumanidade nao jus tif icam reduzi r tudo a uma daudicacao niilis-

ta culpada, a algo rational. incompreensivel , cego, sem nenhum sentido, sem nada que

possamos aprender - em primeiro lugar para poder muda- lo nofuturo ou, pelo menos,

nao voltar a cair no mesmo erro.

tantemente - nos seus varies momentos ou figuras - ao longo do seu desenvolvi-

mento, que e a historia universal.

Hegel e ideal ista porque 50 Ihe interessam ascoisas ou as existencias que tern uma

razao, que sao compreensive is , que sao racionais e que tern espir ito. 0 ideal ismo deHegel baseia-se no facto de a realidade poder ser conhec ida racionalmente como 0

desenvolvimento slncronico da ideia num sis tema f ilosofico - especialmente, na sua

for rnulacao mais "pura", naCiencia da L6gica. Contudo, a realidade tarnbern pode ser

conhecida racionalmente como um desenvolvimento diacronico, historico e empir ico,

por exemplo na filosofia hegel iana da historia, na sua historia dafi losofia, na evolucao

da arte e da estet ica ou naevolucao da aprox imacao humana aosagrado, ao numenico

e ao absoluto religioso.

E precisamente por estas consideracoes que Hegel pensa que 0 criterio mais decisivo

da autentl ca realidade e 0 facto dese poder conhece- la , descobr ir que responde a uma

lei oculta, que sepossa dar uma explicacao racional dela. Hegel sabe, com certeza, que

isso nao evi ta necessa r iamente que essa realidade efectiva continue a ser tao barbara,

selvagem, cruel e desumana, como antes de fazer 0 esforco de a pensar filosoficamen-

teoComo temos v indo a dizer, 0 idealismo hegeliano nao tem nada a ver com ideias

peregrinas, como 0 f il osofo poder mudar a realidade neste sent i do, poder fazer que 0

que fo i nao tenha sido ou que devamos considerar como moral, justo etico, desejavel. ..

algo que nao 0 e,pelo s imples facto - porern impor tante - de que f ina lmente tenhamos

conhecido as suas causas ultimas.

Asdeflnicoes comuns de espirito ou de ideia opoern-se ao conceito demateria, de rea-

l idade f isica, de existenc la efect iva no mundo dos sent idos e das coisas. No entanto,

Hegel nao pensa desta forma: a ideia nao se opoe a mater ia ou a existencia f is ica. A

verdadeira realidade tem uma existencia sensive l, mater ia l, empir ica, mas nao e ape-

nas mater ia sensivel, mas tambern e conceito, logos, racionalidade, espir ito. Alern de

exist ir , mostra tarnbern a razao da sua existencia, a logica do seu ser empir ico.

A id eia e o o bje ctiv o u ltim o d o fil6 so fo

A p ro cu ra d e um a e xp lic ac ao r ac io na l. Segundo Hegel, por detras de tudo,

por detras de toda a autentica realidade, existe aos olhos especializados dos filosofosuma profunda razao que se pode conhecer e compreender. Naturalmente, isso nao

implica que qualquer eventualidade, c ir cuns tancla passageira ou dis torcao caot ica

sejar n uma realidade plena mente efectiva e que se possam compreender a par tir da

ideia rac ional . Hegel nao duvida deque existam coisas que carecem detodo 0 sentido,

de toda a logica e de toda a racionalidade. Contudo, por mais barbaras , cruets e desu-

manas que sejam, Hegel opoe-se a que deixemos de pensar, conhecer, compreender e,

f inalmente, dominar osacontecimentos mais decisivos da historla humana, como muitas

Naturalmente, Hegel sabe que, a primeira vista, ntnguern e capaz de compreender 0

sentido das coisas. E humano que andemos muitos anos perdidos ent re elas e as tome-

mos como acidentes irracionais, inclusive como meras tor turas ou subtis enganos. 50

os loucos ou os incultos fanatizados confundem a realidade com a sua mania ou com

a sua doenca, fazendo destas paranoicamente a unlca realidade, por muito que choquem

com ela ou que Ihes falhe a sua teoria. Por um lado, tomam os moinhos par gigantes e,

por outre, tomam quem 05 contradiz - inclusive 0 medico que os trata ou 0 familiar

que os acarinha - por traidores.

Nao indo tao longe, remontando aos estoicos e a Espinosa, Hegel tambern nega que

aquele que se confronta com a realidade apenas a par tir da sua emotiv idade, dos seus

sent imentos e das suas paix6es a possa conhecer . Nesse caso, so captara do mundo

 

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• HEGEL P ENS AM EN TO •

aquilo que sepassecom ele,ou com assuas ernocoes, mas nao a sua verdade profunda.

Paraconhecer a realidade e captar a racionalidade do mundo, e necessario conternpla-lo

e analisa-lo em termos filosofkos. So0 frio e lucldo olhar da filosofia podera finalmente

compreender de forma racional, com ostons cinzentos dos conceitos filosoficos, aquilo

que inevi tavelmente seviveu com ascontrastantes cores dos dramas existenciais, pols,

como diz Goethe, «cinzenta e a ciencla e verde, a arvore da vida».

No fundo, exis tem muitas coisas, reais e percept ive is , que sao assim. Hegel nunca diz

que tudo, sem excepcao, e real e racional. Pelo contra r io,0 que e verdadeiramente sig-

n if icativo,o que e efec tiva e permanentemente real e rac ional e relativamente pouco.

No entanto, e issoque da sent ido atudo sem excepcao, pois no fundo e aestrutura logi-

co-racional do todo. Alern disso, e impossivel conhecer de forma racional qualquer coi-

sa que este ja radicalmente separada das outras e considerada a par tir dessa radica l

excisao .

o p on to d e v is ta d o fi 1 6s ofo .Contudo, para poder passar do verde ou das bri lhan-

tes cores da vida para 0cinzento da ciencia e da filosofia, e necessarlo distancla cri tica e

profunda elaboracao dialectics e conceptual. E por isso que - afirma Hegel- muitas pes-

soas f racassam na sua tentat iva de compreender a realidade, como aquele servo que,

acostumado aver 0 heroi nu, cansado, descontraido e com todas assuas humanas debili-

dades a flor da pele, nao compreender como esse homem pode ser tao valorizado ou

importante fora de casa.0 olhar superficial e imediato do servo nao pode captar nogrande

homem0

que qualquer historiador capta facilmente. Hegel tem sempre muito presenteo ditado aler nao que recorda que nao existe nenhum grande homem aos olhos da sua

criada de quarto. Hegel interpreta-o no sent ido de que em tal caso nao exis te nenhum.

grande homem, mas nao porque realmente nao oshaja. mas porque a perspectiva a parti r

da qual 0 servo 0 contempla 0 impede de reconhecer a sua grandeza.

ParaHegel, 0conhecimento, averdade e a racionalidade sao algo que remete para0 todo,

o qual seexpressa em pr imeiro lugar como ideia. E um holista que quer pensar a reali -

dade na sua hgacao dia lectka tota l, negando-se a rac ionali zar em termos de atornos

compreensivos separados, divididos, sem relacao entre si, como ilhas incornunicavels.

Hegel acredita que apenas a parti r do desenvolvimento da filosofia ao longo da hlstoria,

que na sua epoca - nao necessar ia mente no futur o - culmina com 0 seu sistema espe-

culativo, dialectico e global, se pode cornecar a compreender 0 mundo, a conhecer a sua

racionalidade, a explicar a necessidade que 0 move e, inclusive, 0 fim que evidencia. So

atraves da evolucao da filosofia, superior a arte ou a rellglao, se desenvolve eficazmentea ideia fllosofica atraves da qual 0 mundo mostrara a sua racionalidade dialectica.

I nd iv id u um e st in ef ab i! «. Emtermos arqueologicos, mesmo a mais val iosa peca

arqueologka - pensemos, por exemplo, na escultura da Vit6r ia de Samotrdcia - perdegrande parte do seu valor sefor isolada do est rato, do contexto e das outras pecas que

a acompanham. Certamente, pode conservar grande parte do seu valor estet ico, mas

tera perdido 0 seu valor cognoscitivo e explicativo, 0 seu sentido hlstorico, social ou filo-

sofl co - melhor d izendo, assim isolada nao nos podemos aperceber tota lmente deles.

Esta ideia torna-se ainda mais c lara sepensarmos na infin idade de pequenos indic ios

e ruinas que consti tuem 99% das descobertas arqueologicas, sendo a par tir do signi-

f icado das suas relacoes - e nao deles iso ladamente considerados - que se const roi 0

conhecimento arqueologico.lndividuum est inejabile, diziam os escolasticos medievais

e,certamente, nenhuma ruina part icu lar tem sent ido ou s igni fi cado se nao informa ou

remete para outras e,atraves delas, para 0 todo cul tural e social do qual sao um vestigio.

A est ru tu r a 16gi co -r ac io na Id o todo . Este e 0 idealismo de Hegel, que e idealista

e que confia na razao humana. Deprec ia toda a presumivel realidade na qual nao se

possa encontrar uma razao e per rnaneca como um mero acaso ou acidente, a lgo vazio,

mudo, carente de qualquer signif icado; embora de momenta se possa ver e tocar , aca-

bara por desaparecer sem deixar rasto nem recordacao.

Idea I ismo versus re a I i smo. Paraacabar com a questao do verdadeiro sentido em

que Hegel e um ideal ista, recordaremos uma frase de Fichte - outro ideal ista. Esteafir -

maya que 0 idealista - 0 sabio - e aquele que se atreve e seesfcrca por procurar a ideia

- a mensagem racional , a explicacao global, poder iamos dizer - que existe por det ras

de alguma coisa, dequalquer existencia, dado que nao seconforma com que ascoisas

mater ia issejarn so isso- coisas materia is - , querendo-as descobr ir tambern como coi -

 

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~ DA 'iW ffifDocH ( 1 7 7 4 · r ! 4 0 } ) plntou 0 M o n g e j u n to a e m a r emf!' I S08e rBlnA l I i m i f r m ' o d e s o l o f o o do Imemfdadt

do 'Ill e do mar q ue t O O e i t J 0figum do rI1fH1g~ q ue ~ 5 Jm u i ta fU ' Om tn tt Imogem do plnlVr qu e nela st reamhtce;

t ro n if or m o 0 qUQdro I lu m a C l I ll fi s sa o d o I n d ls s o lr . m d uflld(ldl! eMi t ' vida, olftta r l l s f Q , que n o o sd p in to ( ) q u e 'IE

I r J / o m , romo w mbem () self inWiDr.obsol'll!!ndo, d es te m od o, a J mO !j em d o f I' Q / id o d e E l o g lO d o PO ' mu it of romdntrws

Il111lempordnl'05 deH~ , esto ollro /O i r x p o s l o em B e r l i m e odquilida p e l o f{'i d l1 P n i n J a . S!aotlrclle khl&5l!(

und Got ten, Sdl lon Cl!ar /ot tenbuf! j , 8er l lm. 0

 

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• HEGEL

sas espir itua is . Portanto, cons idera-as enquanto coisas para um ser li vre - que e0 eu,

que e sujeito substancial-, 0 qual reali za a sua l iberdade em e atraves delas.

Pelo contra rio,0 realista, aquele que seautodegrada em escravo das coisas e que tarnbern

setorna, por conseq uencia, coisa, secoisifica, e aquele - vem dizer Fichter - que e inca-

paz de descobrir 0 significado espiritual que existe nas coisas e - vem dizer Hegel-

esquece que remetem e sao por tadoras da substanc ia que e sujei to . Ass im, seguindo

o exemplo dos vestigios arqueologicos, qualquer deles -quer seja um diamante ou a mais

bela estatua de Fidias - , considerados coisi ficadamente, sem espir ito nem perspicacia.

saos implesmente mais uma pedra, um pedaco decarbona ou de mar rnore que so inte-

ressam porque alguern pode tropecar neles e cair.. .pedras no caminho.

Id ea lis ta s e m ate ria lis ta s: a m eta fo ra d e M a rx . Como 0 lei tor pode cons-

tatar, 0 ideali smo f ilosof ico do que falamos e de que Hegel foi defensor acer rimo nao

e totalmente incompativel com0

mater ialismo, nem ingenuamente desconhecedordas suas boas razoes. Por isso, alguns dos gra ndesmaterialistas da histor ia - penso, por

exemplo, em Feuerbach ou em Marx -foram profundos conhecedores e discipulos rnais

ou menos directos de Hegel . Marx elogiou Hegel , comparando-se a ele e dizendo que

a unica coisa que fez foi co locar Hegel , por d ireito, «sobre os seus pes».Contudo, e evi-

dente que esta afirmacao implica que Hegel tanto t inha pes como cabeca, que setinha

pr eocupado tanto com a realidade e a materia como com a ideia eo espirito.

A rnetafora de Marx nao refere que Hegel apenas sepreocupa com a cabeca e que pres-

c inde totalmente dos pes, mas que da prioridade excessiva a primeira em detrimento

dos segundos. Salienta de igual modo que Marx pensa em simesmo como dando mais

prior idade ao material e aos pes do que ao espiritual, ao conceptual e a cabeca, mas

Marx tarnbem nao prescinde radicalmente de nada. E um hegeliano que, revolucionaria-

mente - e isso nao se pode negar - e contra 0 sentimento geral da sua epoca, inverte

relat ivamente as prior idades dentro de uma analise total izadora e omnicompreensiva

muito proxima da hegeliana. Marx sabia per fe itamente que Hegel nao era,de facto, 0

ideal ista transcendente do mundo e da nossa realidade como frequentemente nos que-

rem fazer acreditar.