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Novos dados sobre Halq al- Zawiya (Lagos, Portugal) Autoria: Ana Cristina Ramos e Miguel Serra Palimpsesto, Lda. [email protected] BIBLIOGRAFIA Catarino, H. (1997/1998) O Algarve oriental durante a ocupação islâmica. Povoamento rural e recintos fortificados. Al – ulyã, revista do arquivo histórico municipal de Loulé. Loulé. Nº 6 (vol. I, II e III). Diaz-Guardamino, M. e Moran, E. (2008), Entre Muralhas e Templos – A intervenção arqueológica no Largo de Santa Maria da Graça, Lagos (2004 – 2005), Câmara Municipal de Lagos, Lagos. Díaz-Guardamino, M., Morán, E. e Filipe, I. (2006), Intervenção Arqueológica no Largo de Santa Maria da Graça e a sua área envolvente (Centro Histórico de Lagos): A Igreja, o Cemitério e a Muralha junto à Porta da Vila, in Actas do 3º Encontro de Arqueologia do Algarve (Silves 20 a 22 Outubro 2005), XELB 6, vol. I, Comunicações, pp. 111 – 124, Câmara Municipal de Silves, Silves. Paula, R. (1992), Lagos, Evolução Urbana e Património, Câmara Municipal de Lagos, Lagos Serra Miguel e Diogo, Márcia (2008), Polis de Lagos. Resultados preliminares. Actas do 5º Encontro de Arqueologia do Algarve, XELB 8, vol. II :215 – 222 Entre Novembro de 2004 e Julho de 2006 decorreu na cidade de Lagos (Portugal) uma vasta operação de arqueologia urbana integrada no plano de renovação de infra-estruturas designado como programa Polis. Abrangeu integralmente as ruas do denominado núcleo primitivo” e permitiu a escavação total ou parcial de mais de duas centenas de estruturas arqueológicas, sendo a grande maioria constituída por silos colmatados com materiais enquadráveis entre os séculos XV e XVII. O conjunto que agora se dá à estampa é procedente de uma intervenção realizada em 2005 na actual Rua do Adro e, constitui uma singularidade no acervo documentado em todas as ruas intervencionadas. Trata-se de uma pequena amostra constituída por um total de 76 fragmentos cerâmicos (cerca de 5% do espólio) cujas características morfológicas e decorativas permitem a sua integração no período islâmico. Cronologicamente enquadrados entre os finais do século XI/inícios do XII e o século XIII são provenientes de contextos de aterro ou de entulhamento de silos/fossa e surgem a par de produções mais tardias de época moderna. Com respeito ao conjunto estudado, a nossa amostra é constituída por 75 fragmentos de cerâmica vidrada e não vidrada com decoração pintada e, 1 fragmento de telha com decoração incisa (digitada) de linhas paralelas onduladas. As cerâmicas não vidradas (59 fragmentos) são sobretudo produções locais/regionais maioritariamente de pastas alaranjadas e beges com engobe bege ou bege acinzentado e pintura a negro ou vermelho. Com menos frequência estão presentes pastas cinzentas escuras com decoração pintada de cor branca. A gramática decorativa é essencialmente geométrica variando entre traços oblíquos, linhas onduladas, conjuntos de reticulados, fitomórficos e dedadas, decorações perfeitamente enquadradas nos modelos decorativos de período islâmico. As morfologias identificadas correspondem quase exclusivamente a recipientes de serviço de mesa, nomeadamente, tigelas, pratos e jarrinhas e, de armazenamento e consumo como sejam os cântaros e as bilhas, cantarinhas ou infusas. Localização de Lagos no mapa da península Ibérica Área abrangida pelo programa Polis (2004-2006): “núcleo primitivo” e localização da Rua do Adro. Já quanto às cerâmicas vidradas nota-se uma maior expressão de pastas avermelhadas. Os vidrados são em geral de tom melado com ou sem pintura a óxido de manganés e correspondem exclusivamente a pratos e tigelas. Apesar da deposição secundária destes materiais, a sua presença tão evidente nesta área, em contraste com as realidades documentadas nas restantes ruas do núcleo primitivo”, leva-nos a equacionar a possibilidade de ter existido um foco de ocupação islâmica nas imediações da Rua do Adro reforçando assim a hipótese da localização desta ocupação no topo da elevação onde, posteriormente, terá sido erguida a Igreja de Nossa Sr.ª da Graça, construída em finais do século XIV e arrasada com o terramoto de 1755. A identificação de um conjunto coeso de elementos da cultura material islâmica nesta zona da cidade traduz-se ainda no fortalecimento da ideia de Lagos como a Halq al- Zawiya, referida pelo geógrafo muçulmano alIdrísí, localizada em território agrícola fértil, junto ao mar e na rota do itinerário entre Silves e o Cabo de São Vicente Sagres (Promotorium Sacro). Com efeito, as escavações até hoje realizadas na área urbana da actual cidade pouco esclarecem quanto a esta interpretação, parecendo existir um vazio no registo arqueológico entre os séculos VII/VIII e o século XIII. A ausência de indicadores de urbanismo relacionados com o período islâmico e, a escassez e dispersão dos elementos da cultura material, no que respeita a este período histórico, constituem pois uma página da história da cidade que se encontra ainda por escrever e à qual este estudo presta uma pequena contribuição. Aspecto final da escavação na Rua do Adro.

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Page 1: Halq al- Zawiya (Lagos, Portugal) - camertola.pt · 2012. 10. 25. · Diaz-Guardamino, M. e Moran, E. (2008), Entre Muralhas e Templos – A intervenção arqueológica no Largo de

Novos dados sobre

Halq al- Zawiya (Lagos, Portugal)

Autoria: Ana Cristina Ramos e Miguel Serra

Palimpsesto, Lda.

[email protected]

BIBLIOGRAFIA Catarino, H. (1997/1998) O Algarve oriental durante a ocupação islâmica. Povoamento rural e recintos fortificados. Al – ulyã, revista do arquivo histórico municipal de Loulé. Loulé. Nº 6 (vol. I, II e III). Diaz-Guardamino, M. e Moran, E. (2008), Entre Muralhas e Templos – A intervenção arqueológica no Largo de Santa Maria da Graça, Lagos (2004 – 2005), Câmara Municipal de Lagos, Lagos. Díaz-Guardamino, M., Morán, E. e Filipe, I. (2006), Intervenção Arqueológica no Largo de Santa Maria da Graça e a sua área envolvente (Centro Histórico de Lagos): A Igreja, o Cemitério e a Muralha junto à Porta da Vila, in Actas do 3º Encontro de Arqueologia do Algarve (Silves 20 a 22 Outubro 2005), XELB 6, vol. I, Comunicações, pp. 111 – 124, Câmara Municipal de Silves, Silves. Paula, R. (1992), Lagos, Evolução Urbana e Património, Câmara Municipal de Lagos, Lagos Serra Miguel e Diogo, Márcia (2008), Polis de Lagos. Resultados preliminares. Actas do 5º Encontro de Arqueologia do Algarve, XELB 8, vol. II :215 – 222

Entre Novembro de 2004 e Julho de 2006 decorreu na cidade de Lagos (Portugal) uma vasta operação de arqueologia urbana integrada no plano de renovação de infra-estruturas designado como programa

Polis. Abrangeu integralmente as ruas do denominado “núcleo primitivo” e permitiu a escavação total ou parcial de mais de duas centenas de estruturas arqueológicas, sendo a grande maioria constituída por

silos colmatados com materiais enquadráveis entre os séculos XV e XVII.

O conjunto que agora se dá à estampa é procedente de uma intervenção realizada em 2005 na actual Rua do Adro e, constitui uma singularidade no acervo documentado em todas as ruas intervencionadas.

Trata-se de uma pequena amostra constituída por um total de 76 fragmentos cerâmicos (cerca de 5% do espólio) cujas características morfológicas e decorativas permitem a sua integração no período islâmico.

Cronologicamente enquadrados entre os finais do século XI/inícios do XII e o século XIII são provenientes de contextos de aterro ou de entulhamento de silos/fossa e surgem a par de produções mais tardias de

época moderna.

Com respeito ao conjunto estudado, a nossa amostra é constituída por 75 fragmentos de cerâmica

vidrada e não vidrada com decoração pintada e, 1 fragmento de telha com decoração incisa

(digitada) de linhas paralelas onduladas.

As cerâmicas não vidradas (59 fragmentos) são sobretudo produções locais/regionais

maioritariamente de pastas alaranjadas e beges com engobe bege ou bege acinzentado e pintura a

negro ou vermelho. Com menos frequência estão presentes pastas cinzentas escuras com

decoração pintada de cor branca. A gramática decorativa é essencialmente geométrica variando

entre traços oblíquos, linhas onduladas, conjuntos de reticulados, fitomórficos e dedadas,

decorações perfeitamente enquadradas nos modelos decorativos de período islâmico.

As morfologias identificadas correspondem quase exclusivamente a recipientes de serviço de mesa,

nomeadamente, tigelas, pratos e jarrinhas e, de armazenamento e consumo como sejam os

cântaros e as bilhas, cantarinhas ou infusas.

Localização de Lagos no mapa da península Ibérica Área abrangida pelo programa Polis (2004-2006): “núcleo primitivo” e

localização da Rua do Adro.

Já quanto às cerâmicas vidradas nota-se uma maior expressão de pastas avermelhadas. Os

vidrados são em geral de tom melado com ou sem pintura a óxido de manganés e

correspondem exclusivamente a pratos e tigelas.

Apesar da deposição secundária destes materiais, a sua presença tão evidente nesta área,

em contraste com as realidades documentadas nas restantes ruas do “núcleo primitivo”,

leva-nos a equacionar a possibilidade de ter existido um foco de ocupação islâmica nas

imediações da Rua do Adro reforçando assim a hipótese da localização desta ocupação no

topo da elevação onde, posteriormente, terá sido erguida a Igreja de Nossa Sr.ª da Graça,

construída em finais do século XIV e arrasada com o terramoto de 1755.

A identificação de um conjunto coeso de elementos da cultura material islâmica nesta zona

da cidade traduz-se ainda no fortalecimento da ideia de Lagos como a Halq al- Zawiya,

referida pelo geógrafo muçulmano al–Idrísí, localizada em território agrícola fértil, junto ao

mar e na rota do itinerário entre Silves e o Cabo de São Vicente – Sagres (Promotorium

Sacro).

Com efeito, as escavações até hoje realizadas na área urbana da actual cidade pouco

esclarecem quanto a esta interpretação, parecendo existir um vazio no registo arqueológico

entre os séculos VII/VIII e o século XIII. A ausência de indicadores de urbanismo

relacionados com o período islâmico e, a escassez e dispersão dos elementos da cultura

material, no que respeita a este período histórico, constituem pois uma página da história

da cidade que se encontra ainda por escrever e à qual este estudo presta uma pequena

contribuição.

Aspecto final da escavação na Rua do Adro.