guilherme studart - notas para a historia do ceara - 05

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  • 8/6/2019 Guilherme Studart - Notas Para a Historia Do Ceara - 05

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    . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

    Captulo V

    GOVERNO DE BORGES DA FONSECA. O OUVIDOR CARNEIRO ES. CRIAO DE VILAS E FREGUESIAS. DEVASSA INSTAURADACONTRA VITORINO SOARES. CAPTULO DA QUEIXA COMRELAO AO ASSASSINATO DE HOMEM DE MAGALHES. OOUVIDOR DIAS E BARROS. A QUESTO DAS PROPINAS. COSTA

    TAVARES.

    MORTO Homem de Magalhes, foi necessrio dar-lhesubstituto.Recaiu a escolha do Conde de Vila-Flor, que ento era o

    Governador e Tenente-General de Pernambuco, em Antnio JosVitoriano Borges da Fonseca,1 homem de sua confiana e reputadodigno do posto.

    Eis como o Tenente-General d conta da nomeao ao Mi-nistro Francisco Xavier de Mendona Furtado:

    Em 24 de Janeiro do corrente ano faleceu o Capito-Mor doCear, Joo Baltasar de Quevedo Homem de Magalhes, e como o oficiala quem competia a comandncia da Capitania durante a demora de me-

    1 Theberge d-lhe o nome de Antnio Vitorino Borges da Fonseca. ( Esb. Hist.,pg. 176.)

    Sumrio

    Pgina anterior

    http://hist_ceara-00.pdf/http://hist_ceara-04.pdf/
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    lhor providncia era um subalterno do destacamento, que guarnece a

    Praa da mesma, me pareceu indispensvel dirigir interinamente a go- vernar aqueles domnios o Tenente-Coronel do Regimento do ReiAntnio Jos Vitoriano Borges da Fonseca, porque fiando na honra ecapacidade que lhe reconheo todo do certo o achei capaz de entre-gar-lhe semelhante emprego, qual foi exercitar a 28 e o ir continuandoenquanto V. Ex me no segurar S. Majestade manda o contrrio, aquem rogo a V. Ex faa sabedor deste sucesso para que na sua determi-nao tenha exerccio a minha obedincia, que tambm ser inseparveldos preceitos de V. Exa, que Deus guarde muitos anos. Recife de Per-

    nambuco 6 de abril do 1765. Conde Copeiro-mor.O recm-nomeado nascera no Recife a 25 de fevereiro de

    1718, sendo seus pais o Mestre-de-Campo da Infantaria de OlindaAntnio Borges da Fonseca, portugus, e Dona Francisca Peres deFigueiroa, pernambucana.

    Era, portanto, primo legtimo do ex-governador Tenente-Co-ronel Pedro de Morais Magalhes.

    No se tratava de um nome novo na milcia, no vinha ele ao

    Cear fazer as primeiras armas. Bem moo ainda, aos 18 anos, tomouparte na expedio, que fora em socorro da Colnia do Sacramento eda voltou feito tenente; elevado ao posto de capito, mereceu ser despa-chado comandante (1741) da guarnio da ilha de Fernando do Noro-nha, no havia muito restaurada do poder dos franceses, e foi durante oseu comando que se fizeram as fortificaes da dita ilha; de volta de umpasseio, que empreendera a Portugal, recebeu as nomeaes de sargen-to-mor, ajudante-de-ordens do Governador de Pernambuco, Tenen-

    te-Coronel (Patente Rgia de 27 de outubro de 1755) finalmente Gover-nador do Cear.Nomeado a 26 de maro, Borges da Fonseca prestou no dia

    imediato o juramento de seu cargo nas mos do Conde Copeiro-mor noPalcio das Duas Torres, e, embarcando a 28, tomou posse perante aCmara do Aquiraz a 25 do ms seguinte.

    Era este capito-mor, diz Araripe, homem ativo e anima-do de bons desejos. Chegando Capitania logo reconheceu a falta deorganizao da autoridade pblica sem agentes e meios, com que pudes-se levar a efeito as suas ordens e pensamento. Portanto ao Governador

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    de Pernambuco exps a palpitante necessidade de criar agentes do poder

    e regularizar a marcha da administrao, e antes de findo o primeiro anodo seu governo, competentemente autorizado, havia ele criado em todasas freguesias da Capitania um comandante, a cujo cargo estivesse o bomgoverno e quietao dos moradores e execuo das Ordens Reais.

    de 17 de maio o Regimento aos comandantes de freguesias,a cuja criao refere-se Araripe.

    A medida posta em prtica vinha satisfazer uma urgente ne-cessidade qual a de incumbir a agentes de confiana a imediata execuodas ordens emanadas do capito-mor em regies infestadas por bandosde malfeitores e ociosos, que, sem domiclio certo, escapavam a toda es-pcie de justia e, portanto, de correo; como complemento dela foiendereada em data de 22 de julho de 1766 uma Ordem Rgia ao Go-

    vernador de Pernambuco estatuindo que os vadios e facinorosos, queviviam a vagabundear pela Capitania, se ajuntassem em povoaes cveiscom mais do 50 fogos, repartindo-se entre eles com justa proporo asterras adjacentes, sob pena dos refratrios serem considerados salteado-res e inimigos comuns e como tais severamente punidos.

    Em virtude das disposies contidas nessa Ordem foi que secriaram as vilas de Sobral, Quixeramobim, S. Bernardo de Russas, S.

    Joo do Prncipe.Uma origem mui semelhante a que teve a poderosa Roma, em

    princpio verdadeiro valhacouto de ladres e criminosos, e aps avassa-ladora do universo.

    Pena que somente na primeira parte ficasse a semelhana.Joo Brgido2 supe sem razo que a Ordem Rgia de 22 de

    julho mandava que fossem elevadas categoria de vilas os povoados daCapitania, que tivessem 50 fogos. No h tal. Outros fins visava ela,como ficou explicado.

    Ao mesmo tempo que procurava aumentar a populao dasdiversas vilas, incorporando-lhes homens vlidos embora estragadospela indolncia e pelo vcio, foi empenho de Borges da Fonseca retirardas brenhas os indgenas e alde-los convenientemente. O nmero dos

    Notas para a Histria do Cear 257

    2 Res. Cron., pg. 108.

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    silvcolas a que aproveitou sua boa vontade pde computar-se em mais

    de quatro mil, notadamente as relquias da importante tribo dos Paiacus,ou Baiacus, errantes pela ribeira do Chor e que foram recolhidos na al-deia de Montemor-o-velho, tudo de acordo com uma deliberao do go-

    verno de Pernambuco, que traz a data de 30 de abril de 1765. Sobre issodisse eu alguma cousa no captulo anterior.

    Joo Brgido em seu Resumo Cronolgico3 diz que o governode Pernambuco mandara recolher os Naiacus4 dispersos pela ribeira doChor vila de Montemor-o-novo, ordenando que fosse preso quem

    opusesse embarao a esta medida e o remetessem para o Aracati, a fimde ser enviado dali para Pernambuco.

    O perodo transcrito encerra o erro de confundir-se Monte-mor-o-velho ou Misso dos Paiacus com Montemor-o-novo ou Baturit,a antiga Misso de Nossa Senhora da Palma.

    De boa mente eu aceitaria que s por ligeira troca de adjeti-vos Joo Brgido cometera tal equvoco, ainda mais por haver uma ate-nuante em seu favor, porque por ocasio de sua ereo em lugar a aldeia

    dos Paiacus foi batizada realmente de Montemor-o-novo da Amrica,mas afirmando o mesmo Resumo Cronolgico5 que a 14 de outubro de1764 celebrou-se a inaugurao da vila de Montemor-novo ou Baturit, antigaaldeia dos Paiacus, tirasse-me do corao toda vontade de absolv-lo doengano.

    A data 14 de outubro de 1764 aceita pelo Resumo Cronolgicocomo tendo sido a da inaugurao da vila de Montemor-o-novo ou Batu-rit tambm est errada; o dia em que foi ereta essa vila 14 de abril e

    no 14 de outubro, como se poder ver no respectivo documento.Como um meio de dar fora, facilitar e regularizar o servio

    da administrao, ainda embrionrio, gostava Borges da Fonseca de per-correr as vilas da Capitania, e por muitas vezes fez residncia no ditoMontemor, em Mecejana e em Arronches.

    258 Guilherme Studart

    3 Pg. 106.4 Naturalmente erro tipogrfico.5 Pg. 105.

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    Um dos resultados dessas excurses anuais, que punham sob

    os olhos do governador as necessidades das diversas localidades e obri-gavam-no a ligar a elas ateno imediata, foi a criao de novas freguesi-as e vilas; da vem a criao da freguesia de Almofala (1766), a elevaoda aldeia dos ndios Jucs vila com o nome de Arneirs (1767), da po-

    voao de Caiara vila com o nome de Vila Distinta e Real de Sobral(a 5 de julho de 1773) e a de Curua vila com o nome de Granja(1776).

    Tambm em 1778 foi instalada por desmembrao da fregue-sia de Misso Velha a de Nossa Senhora da Penha de Frana na aldeiado Miranda, hoje Crato, criada em maro de 1762, e 2 anos depois, a 20de junho foi criado o novo curato da vila de Santa Cruz do Aracati peloBispo D. Toms da Encarnao Costa Lima por informaes e a pedidodo Visitador Pe. Manuel Antnio da Rocha.

    A criao da vila de Sobral deu ensejo a um novo engano deJoo Brgido, e, pois, mais uma vez sou forado a contraditar uma afir-mao do seu Resumo Cronolgico.

    Diz ele:6 5 de julho de 1779 Ordem do Governador de

    Pernambuco mandando erigir a vila de Sobral no lugar denominadoCaiara.

    Em primeiro lugar, o que se deu foi um acesso na ordem ad-ministrativa, o governo julgou uma povoao capaz de gozar das regali-as de vila, no mandou erigir uma vila numa localidade, que tinha pornome Caiara; em segundo lugar, pesa-me deixar consignado que aque-las linhas equivalem a atrasar de cerca de sete anos a realizao de acon-tecimentos, sobre os quais abundam os documentos.

    O que est apurado que a 14 de novembro de 1772, o Go-vernador de Pernambuco, Manuel da Cunha Meneses, autorizou ao Ou-vidor Carneiro e S a erigir em vila a povoao de Caiara e a 5 de julhode 1773 realizou-se a solenidade, levantando-se nesse dia o pelourinho.

    Aberto o primeiro pelouro, saram eleitos Juzes Ordinrios oSargento-Mor Sebastio de Albuquerque Melo e Capito Manuel Josdo Monte, vereadores os Capites Vicente Ferreira da Ponte, Manuel

    Notas para a Histria do Cear 259

    6 Pg. 114.

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    Ferreira Torres, Manuel Coelho Ferreira e Procurador Antnio Furtado

    dos Santos.No entretanto diz o Major Joo Brgido que a ordem para acriao da vila de 1779! No tempo em que j era Ouvidor Dias e Bar-ros!

    Uma diferena de quase sete anos.Em que estribou-se ele para dizer assim? Verdade que Pom-

    peu caiu no mesmo engano7 e o ilustre Senador aquele a quem de pre-ferncia socorre-se o aludido cronista.

    Que a vila de Montemor foi inaugurada a 14 de abril e no a14 de outubro de 1764 como escreveu Joo Brgido, que a vila de Sobralfoi ereta a 5 de julho de 1773 e no existiu portanto a Ordem de 5 de ju-lho de 1779, que cita o dito Joo Brgido, demonstram com exubernciaos seguintes documentos:

    Termo em como se levantou o pelourinho na Real Vila deMontemor-o-novo da Amrica.

    Aos 14 dias do ms de abril do dito ano de 1764 na praa

    pblica e termo dela, onde foi o dito doutor e ouvidor-geral e correge-dor desta comarca Vitorino Soares Barbosa, comigo escrivo do seucargo, pelas trs horas da tarde do mesmo dia, estando a todos osmoradores da terra e de fora, logo no meio da dita praa e centro dela,depois de repetidas todas as ordens de Sua Majestade Fidelssima, queacima esto copiadas, imediatamente mandou o dito ministro levantar opelourinho que no dito lugar estava feito e posto no em que havia deficar, e em claras e inteligveis vozes aclamou esta dita vila, dizendo asseguintes que o porteiro do seu juzo Joo Pinheiro proferiu tambm:

    Real, real! Viva o nosso augusto soberano fidelssimo Rei o Sr. D. Jos Ide Portugal, que mandou criar esta vila, cujas vozes repetiu o mesmopovo e circunstantes dele, como fiis vassalos, em reconhecimento doque receberam pela merc da sua criao, e logo o mesmo ministro adenominou por Vila Real de Montemor-o-novo da Amrica, declarandoque o seu orago ficava sendo a Me Santssima a senhora da Palma dasua prpria freguesia e que o padroeiro da dita freguesia era o Senhor S.

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    7 Ensaio Estatstico. Pg. 276.

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    Joo Nepomuceno, e que a ambos deviam por tal reconhecer e festejar,

    pedindo-lhe o aumento dela, e tambm determinou que junto ao ditopelourinho se fariam todas as arremataes, que houvessem e mais atosque se devessem celebrar em pblico; e para constar todo referido man-dou fazer este termo que assinou com o dito porteiro o mais pessoas danobreza e povo que sabiam escrever. E eu Elias Pais de Mendona, escri-

    vo nomeado para esta diligncia o escrevi, Barbosa, O padre Teo-dsio de Arajo e Abreu, Incio Moreira Barros, Joo Roiz de Freitas,

    Francisco Simes Tinoco, Toms Pinheiro de Melo, Francisco Tei-

    xeira de Magalhes e Almeida, Francisco Barbosa de Sousa, Jos dosSantos e Silva, Amaro Rodrigues Moreira, Cipriano Ferreira Vieira.Termo do levantamento do pelourinho na povoao de Cai-

    ara.Aos cinco dias do ms de julho de mil setecentos e setenta e

    trs anos nesta povoao da Caiara, Capitania do Cear Grande, no ter-reno do meio dela onde veio o Doutor Ouvidor-Geral e Corregedor daComarca, Joo da Costa Carneiro e S, comigo escrivo do seu cargo

    adiante nomeado, e maior parte das pessoas mais capazes do povo destetermo, e sendo no lugar do pelourinho, que o dito ministro mandou fa-zer, e a por mim escrivo foi comunicado a todas as pessoas presenteso transcrito da Carta do Excelentssimo Governador de Pernambuco,edital e ordem de Sua Majestade Fidelssima, tudo copiado na certidoretro, depois do que por ordem do dito ministro em voz alta e inteligvelpelo meirinho geral da correio Joo dos Reis foi dito trs vezes Real!Real! Viva o nosso Rei Fidelssimo, o Senhor Dom Jos de Portugal!Cujas pala-

    vras repetiu todo o povo em sinal do reconhecimento da merc que rece-biam do mesmo Senhor pela ereo desta nova vila de Sobral. E de tudopara constar mandou o dito ministro fazer este termo em que assinoucom todos os que presentes estavam. E eu, Bernardo Gomes Pessoa,escrivo da correio, o escrevi. Carneiro e S. Bento Pereira Viana.

    Jernimo Machado Freire. Jos de Xerez Furna Uchoa. Sebastio deAlbuquerque Melo. Lus de Sousa Xerez. Alexandre de HolandaCorreia. Vicente Ferreira da Ponte. Manuel Coelho Ferreira. Josde Arajo Costa. Manuel da Cunha. Antnio Miguel Pinheiro. Joo

    Marques da Costa. Feliciano Jos de Almeida. Manuel Ferreira Torres.

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    Andr Jos Moreira da Costa Cavalcante. Manuel de Sousa de Car-

    valho. Miguel lvares Lima. Antnio de Carvalho e Sousa.Termo da faco do pelouro e abertura de um dos que fo-ram eleitos para servirem cargos da repblica at o fim deste correnteano nesta Vila Distinta Real de Sobral.

    Aos cinco dias do ms de julho de mil setecentos e setenta etrs anos nesta Vila Distinta Real de Sobral, Capitania do Cear Grandee em casas da aposentadoria do Doutor Ouvidor-Geral e Corregedor daComarca, Joo da Costa Carneiro e S, onde eu, escrivo de seu cargo,fui vindo, e sendo a, depois de ter o dito ministro levantado o pelouri-nho, e criado vila, e procedido o pelouro das pessoas que deviam ocuparos cargos de Juzes ordinrios e rfos, vereadores e procurador doConselho, e estando presentes a maior parte das pessoas principais desta

    vila e termo, houve o mesmo ministro por aberto um dos pelouros dosque haviam de servir no remanescente do presente ano, no qual seachou estarem eleitos para Juzes ordinrios o Sargento-Mor Sebastiode Albuquerque Melo, e o Capito Manuel Jos do Monte, para verea-dores o Capito Vicente Ferreira da Ponte, o Capito Manuel Coelho

    Ferreira, para Procurador Antnio Furtado dos Santos, e para Juiz derfos Gregrio Pires de Chaves, como consta da mesma pauta infron-te, e por se acharem presentes os Juzes, e Vereadores, e procurador doConselho, lhes mandou o dito ministro passar suas cartas de usanaspor no duvidarem da aceitao dos seus respectivos cargos, de que fizeste termo em que assinou o dito ministro somente. Bernardo GomesPessoa, escrivo da correio, o escrevi. Carneiro e S.

    Como documentos de importncia igualmente ficam aqui

    consignados os autos de criao e diviso do Curato do Aracati de queacima falei.Porque se ache impedido por molstia o R. Secretrio, o es-

    crivo da Vara do Novo Curato desta Vila de S. Cruz do Aracati copieneste Livro assim a Proviso de diviso, que veio do Exm Revm Sr.Bispo como tambm o termo, que em virtude dela se fez da mesma di-

    viso e desmembraram deste novo Curato do seu antigo das Russas paraque assim fique entendido o R. Cura da Russas dos Limites, e dos Fre-gueses que lhe pertencem para os curar e atender com o pasto espiritual.

    Vila do Aracati, em 28 de julho de 1780. Rocha Visitador.

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    Manuel Rodrigues Pereira Escrivo da Vara do novo Curato

    desta Vila de Santa Cruz do Aracati por S. Ex Revm que Deus guardeetc. etc.Certifico que revendo o livro da criao do novo Curato

    desta Vila de Santa Cruz do Aracati nele fls. 2 achei a proviso do teorseguinte:

    Dom Toms da Encarnao Costa e Lima, Cnego Regrantede Santo Agostinho, por merc de Deus e da Santa S Apostlica Bispode Pernambuco e do Conselho de Sua Majestade Fidelssima, que Deusguarde.

    A todos os nossos amados sditos sade e paz para sempreem Jesus Cristo, Nosso Senhor. Por ser do nosso cargo e Pastoral ofcioatender as necessidades dos nossos sditos e fazer apascentar o rebanhoque nos foi entregue, vigiando sobre ele, para que no perea faltan-do-lhe a Luz do Evangelho, a Doutrina Santa e a freqncia dos Sacra-mentos e por nos constar que grande poro deste nosso rebanho nafreguesia das Russas padece falta do Pasto Espiritual por ser muito vastoe dilatado o termo dessa freguesia e no poder o prprio proco, ainda

    que diligente, acudir por si mesmo com pronto remdio a todas as suasnecessidades, cuja falta nos tem j proposto o nosso Reverendo Doutor

    Visitador daquela repartio e o mesmo Senado da Cmara do Aracatirequerendo-nos diviso de parquia para utilidade dos povos e maioraumento da mesma vila:

    Portanto desejoso ns de acudir com pronto remdio as ne-cessidades destas nossas ovelhas, e querendo apascent-las do melhormodo que nos possvel com o saudvel pasto da Doutrina Crist e to-

    dos os Sacramentos: atendendo a grande extenso da freguesia de Nos-sa Senhora do Rosrio das Russas, e que pode muito bem sustentar doise mais procos, e ser a Vila do Aracati a ela anexa a mais populosa e demaior comrcio em toda a Comarca do Cear, pois contm em seus li-mites quatrocentos fogos e mais de mil pessoas de comunho; confor-mando-nos com as Ordens de Sua Majestade Fidelssima pelo Conselhode Ultramar de 13 de dezembro de 1746 e pela Mesa da Conscincia eOrdens de 14 de dezembro do mesmo ano, que nos concede e mandafazer divises ainda nas igrejas coladas quando a necessidade o pedir:com madura ponderao havemos por dividir a freguesia das Russas e

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    criar e erigir em novo Curato a Vila de Santa Cruz do Aracati, fican-

    do este desmembrado da sua antiga freguesia de Nossa Senhora do Ro-srio das Russas, da qual o desanexamos pelas nossas presentes letrase lhe consignamos por termo o que prudentemente arbitrar o nosso Re-

    verendo Doutor Visitador, a quem cometemos os seus limites, o qualatender muito a que na diviso de seu distrito no fique notavelmentedesfalcada a freguesia das Russas. E para que chegue a notcia de todosesta nossa diviso e saibam os procos de uma e outra freguesia o quelhe pertence e a quem devem administrar os Sacramentos e todo o maispasto espiritual, mandamos passar a presente Proviso de diviso a qual

    se registrar nos Livros das duas freguesias, Russas e Aracati, depois deser publicada nas principais trs missas Conventais da nova Matriz, queser a Igreja de Nossa Senhora do Rosrio da mesma Vila do Aracatipelas boas informaes que temos da sua capacidade e haver j nela Sa-cramento.

    Dada em Olinda sob nosso Sinal e Selo das Nossas Armasaos 20 de junho de 1780. E eu o Padre Alexandre Bernardino dos Reis,Secretrio de Sua Excelncia Reverendssima a fiz escrever e subscrevi.

    Dom Toms, Bispo de Pernambuco.E no se continha mais em dita Proviso de diviso, que beme fielmente copiei neste Livro prprio em que se achava lanada conformea Portaria retro do muito Reverendo Senhor Doutor Visitador reeleito,Manuel Antnio da Rocha.

    E logo mais abaixo estava o termo de diviso, que do teorseguinte:

    Termo de diviso do novo Curato desta Vila da Santa Cruz

    do Aracati, desmembrado do da freguesia de Nossa Senhora do Rosriodas Russas.Aos vinte e um dias do ms de julho de mil e setecentos e

    oitenta anos nesta Vila de Santa Cruz do Aracati em casas de residnciado Muito Reverendo Senhor Visitador reeleito Manuel Antnio daRocha onde este se achava e foram convocados os oficiais da Cmara emais pessoas das principais da mesma vila aos quais logo o dito Reve-rendo Senhor Visitador apresentou a Proviso de diviso do Excelents-simo e Reverendssimo Bispo Diocesano Dom Toms da EncarnaoCosta e Lima de 20 de junho do ms pretrito, neste Livro exarada e

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    publicada j em trs dias festivos, dizendo que por ela lhe cometia o

    mesmo Senhor a diviso e criao desta freguesia da Vila de Santa Cruzdo Aracati em novo Curato, desmembrado do antigo e capital da Matrizdas Russas, para que lhe prestassem os seus pareceres a fim de que onovo Curato ficasse com extenso proporcionada e comodidade parasustentao do seu proco e mais operrios que a ele viessem, e aqueleantigo nunca defraudado e desfalcado e sim com a mesma e igual como-didade, e ambos os procos contentes e satisfeitos, cujas concordatas epareceres ouvidos pelo dito Reverendo Senhor Visitador, atentos que-les que lhe pareceram mais conformes e acomodados a boa razo e dis-

    cernncia: determinou que o novo Curato desta Vila da Santa Cruz doAracati compreendesse em seus limites alm da dita vila e termo da Bar-ra do Jaguaribe rio acima por uma e outra parte at finalizar na ponta decima da ilha chamada Por, compreendendo da mesma sorte da parteda serra a fazenda do Estreito, e pelo riacho das Russas acima por uma eoutra parte a confinar na fazenda de Bento Pereira com um desagua-douro, que fica na estrada das Russas que faz barra e desgua no mesmoriacho, atravessando linha reta para a ponta da referida ilha Por, inclu-

    indo juntamente o riacho chamado Palhano, Matafresca, Cajuais, Reti-ros e Capelas neste distrito compreendidas.E pelas ordens, que tem o mesmo Excelentssimo Senhor Bis-

    po e Sua Majestade pelos Conselhos do Ultramar e da Mesa da Conscin-cia em dita Proviso apontadas de decotar ainda nas freguesias coladasquando a necessidade o pedir, determinou outrossim o mesmo Reveren-do Senhor Visitador, e por lhe ser requerido, anexar e adir a esta nova fre-guesia todos os moradores somente do lugar da Paripueira a confinar

    com o crrego dos Cavalos por serem eles mal curados espiritualmentepelo seu Reverendo Proco da freguesia de So Jos de Ribamar da Vilado Aquiraz pela grande distncia, que medeia do tal lugar a aquela Matriz,quando de outra sorte ficam aqueles moradores muito mais vizinhos aeste novo Curato, onde j h muito recorrem e procuram todo o bem es-piritual e da Igreja.

    Mais determinou o mesmo Reverendo Senhor Visitador, depo-is de ouvidos os convocados, que o Santo Titular da Nova Matriz fosse amesma Senhora do Rosrio j nela colocada; sendo juntamente advertidosos novos fregueses paroquianos de que ficavam obrigados e sujeitos a con-

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    correrem em todo tempo com o maior zelo pra o culto da mesma nova

    Matriz, sustentao do seu proco e mais operrios necessrios para a ad-ministrao dos Sacramentos, o que por eles ouvido assim o prometeramfazer, sujeitando suas pessoas e bens: de que tudo para constar mandoudito Reverendo Senhor Visitador fazer este termo, em que assinou com osoficiais da Cmara, e convocados, e eu Jos de Castro Silva, Escrivo daCmara, que por impedimento do Reverendo Secretrio atual da Visita des-ta Comarca, o Padre Joo Batista da Conceio Rocha, o escrevi. Manuel

    Antnio da Rocha, Visitador reeleito, Jos Roiz Pinto, Pedro Jos da CostaBarros, Manuel Rodrigues da Silva, Mateus Ferreira Rabelo, Bernardo PintoMartins, Jos Montenegro de S, Manuel Rodrigues Pereira, Jos RibeiroFreire, Jos Rodrigues Pereira Barros, Venncio Jos Ferreira, Jos Incio deSousa Uchoa, Jos Francisco Bastos, Jos Lopes da Silva, Antnio NunesFerreira, Antnio Rodrigues Lapa, Joo de Arajo Lima, Jos Baltasar Au-geri, Lzaro Lopes Bezerril, Domingos Nunes Vieira, Francisco de Brito eMeneses, Francisco do Rego e Melo, Reinaldo Francisco de Sousa, Jos deMatos Silva, Francisco da Costa Maia, Jos Gomes dos Santos. E no secontinha tambm mais em dito termo de diviso da nova Parquia, que

    bem e fielmente copiei neste livro do prprio em que se achava pela mes-ma Portaria retro do muito Reverendo Senhor Doutor Visitador reeleitoManuel Antnio da Rocha, a que tudo me reporto. Vila do Aracati, aos 28de julho de 1780. Manuel Roiz Pereira, Escrivo da Vara.

    Como de dia a dia faz-se menos certa a histria religiosa doCear convm conservar-se todo e qualquer documento que venha a es-clarec-la.

    Aquele Carneiro e S, a quem Cunha Meneses dirigia-se, fora

    nomeado Ouvidor do Cear por C. R. de 12 de junho de 1769. Araripe8chama-o Joo da Costa Correia S, mas o nome verdadeiro Joo daCosta Carneiro e S. O dia da sua posse 1 de janeiro de 1770. DoCear foi despachado para a Relao da Bahia.

    A ele foi cometida a tarefa de tirar residncia a Vitorino Soa-res Barbosa. Tirar residncia era o mesmo que sindicar dos atos de al-gum e dar conta deles a um funcionrio superior.

    266 Guilherme Studart

    8 Hist. do Cear, pg. 106.

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    Vitorino Soares Barbosa amargurara os dias do Governador

    Homem de Magalhes, com quem vivera em aberta hostilidade, e estavaa merecer tambm de Borges da Fonseca as mais terrveis acusaes;acrescia ainda que o povo da Capitania fizera para o Reino queixas e re-clamaes contra seu procedimento e entre os captulos de acusao fi-gurava o de lesar ele a Fazenda Pblica de parceria com o Padre Jos Pe-reira de Melo.

    A Corte de Lisboa cerraria os ouvidos s lamentaes o aosprotestos se os latrocnios, de que havia queixumes, recassem to-so-mente sobre o povo, a eterna besta de carga, mas plutomania do ouvi-dor, diziam os acusadores, no escapavam nem arcas do tesouro e por-tanto foi julgado de necessidade tomar prontas e severas medidas, apsde apurada a verdade.

    Com esse fito Manuel da Cunha Meneses dirigiu por ofcio de23 de dezembro de 1769 ao novo ouvidor ordenando-lhe que, logo quechegasse Capitania, inquirisse e averiguasse do procedimento de seuantecessor com especialidade na parte, que se referia aos contatos lesi-

    vos Fazenda Real.

    Havendo, diz ele, meu antecessor Conde de Povolide dadoconta a S. Majestade por carta de 15 de dezembro do ano prximo pas-sado, dirigida pela Secretaria de Estado da Repartio da Marinha e Do-mnios Ultramarinos, das importantes quantias, que se estavam devendo Real Fazenda na Provedoria do Cear e os colonos, que haviam entreo Provedor da mesma Fazenda Vitoriano Soares Barbosa e o Padre JosPereira de Melo, o que constar a V. Mce. pela cpia inclusa da dita car-ta, foi Sua Majestade servido ordenar pela dita Secretaria de Estado em

    Carta de 5 de abril do presente ano, que tendo-se verificado os fatos de-duzidos na referida Carta mandasse logo suspender ao dito ministropelo ouvidor desta Capitania e seqestrar-lhe todos os seus bens e os doPadre Jos Pereira de Melo e praticar os mais procedimentos que cons-tam da mesma carta, de que com esta vai cpia. Chegou esta Real De-terminao no primeiro de outubro do presente ano a tempo que confe-rindo eu com o dito meu antecessor para sua devida execuo se achouo obstculo de que por causa da distncia de mais de duzentas lguas,que mede desta capital a do Cear, no foi possvel a meu antecessor ter

    verificado aqueles fatos mencionados, que necessitavam de maior averi-

    Notas para a Histria do Cear 267

  • 8/6/2019 Guilherme Studart - Notas Para a Historia Do Ceara - 05

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    guao, que fizessem indultveis, para logo se proceder na forma referi-

    da; acrescentou mais a ponderao da falta, que fazia nesta Capitania dePernambuco o seu ouvidor, por ser a sua assistncia precisa a outras de-pendncias do Real Servio a que devia pessoalmente acudir; se tornouo expediente entre mim e o dito meu antecessor de que como VossaMerc se achava j provido no lugar de Ouvidor do Cear e prximo aaportar nesta capital, fosse Vossa Merc encarregado da averiguao dosfatos referidos, e achando-os certos, procedesse na forma da dita RealDeterminao.

    Nestes termos ordeno a Vossa Merc que logo que chegar Capitania do Cear sem perda de tempo indagar com o maior segredoe cautela se entre o provedor, seu antecessor, e o dito Padre Jos Pereirade Melo havia as malversaes e coluses em que eram scios em pre-juzo da Real Fazenda; e achando serem certas, proceder voc logo devida execuo da forma que aponta a Real Determinao, que constada referida carta de 5 de abril; servindo de princpio da devassa os pa-pis, que acompanhavam a carta de meu antecessor da data de 15 de de-zembro, que vai por cpia e de tudo me dar Vossa Merc conta indivi-

    dual para fazer presente a S. Majestade.Deus guarde a V. Ex. Recife 23 de dezembro de 1769. Ma-

    nuel da Cunha Meneses. Sr. Dr. Joo da Costa Carneiro e S, Ouvi-dor-Geral e Provedor da Fazenda da Capitania do Cear.

    Porquanto S. Majestade servido ordenar por carta da Se-cretaria de Estado da Repartio da Marinha e Domnios Ultramarinosda data de 16 de julho do corrente ano, de que com esta vai cpia, quehavendo de se estar devassando pelo Pernambuco das desordens, que

    havendo praticado na Capitania do Cear o ouvidor dela e o ClrigoJos Pereira de Melo, se juntasse a mesma devassa do Cear, e a dita le-vasse se no procedeu a ela em razo de no estarem verificados os fa-tos de dvidas na conta de meu antecessor e apontados na carta da Se-cretaria de Estado de 5 de abril, os quais determino de presente ao novoministro que vai substituir o referido os averige, e sendo certos proce-da na forma determinada na referida carta de 5 de abril. Ordeno ao ditonovo Ministro Dr. Ouvidor-Geral Joo da Costa Carneiro e S que autu-ando a dita cpia autntica da carta de 16 de julho acima referida e jun-tamente a representao e queixas dos moradores do Cear e represen-

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  • 8/6/2019 Guilherme Studart - Notas Para a Historia Do Ceara - 05

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    tao nela inclusas, inquira por modo de devassa sobre o contedo ne-

    las, e do que achar a respeito das queixas dos ditos moradores me darparte para eu o fazer presente a S. Majestade. Recife 23 de dezembro de1769. Rubrica de V. Ex.

    Ilm Exm Sr. Pela carta de 16 de julho do ano passado emque veio inclusa a cpia da de 5 de abril dirigida a meu antecessor, foi S.Majestade servido determinar as providncias a respeito das desordens,que na Capitania do Cear praticava o Ouvidor Vitorino Soares Barbosajunto com o Clrigo Jos Pereira de Melo; porm devo dizer a V. Ex oque se oferece a este respeito.

    Como os fatos deduzidos na conta de meu antecessor noque respeitava ao colono do dito clrigo e ouvidor no os achei verifica-dos, e a Real Ordem de S. Majestade que determina que no caso de veri-ficados os ditos fatos devia vir o ouvidor desta comarca a suspender odito ministro e seqestr-lo todos os bens e os do dito Clrigo Jos Pe-reira de Melo, remetendo o primeiro cadeia do Limoeiro e o segundoo fizesse embarcar para o Reino; conferindo com o dito meu antecessoresta matria, e ponderando a distncia do longo caminho, que medeia

    desta Capitania quela e falta que o ouvidor desta comarca fazia aos po-vos dela assentamos que estando a chegar o novo ouvidor para o Cear,poderia este mesmo Ministro examinar os ditos fatos e coluses, de quehavia meu antecessor dado conta, e achando-os verificados executasse aReal Determinao mencionada; assim o pratiquei, como V. Ex ver daInstruo e Portaria, que passei ao dito novo ouvidor, que construiu dascpias juntas tanto respeito das ditas coluses como do novo Requeri-mento, que os moradores do Cear haviam feito a S. Majestade, que mefoi remetido com a dita carta de 16 de julho.

    Da resulta, que houver desta diligncia, darei conta a V. Expara que fazendo-a presente a S. Majestade determinar o mesmo Senhoro que for mais conveniente a seu Real Servio.

    Deus guarde a V. Ex muitos anos. Recife de Pernambucoem 7 de fevereiro de 1770. Ilm Exm Sr. Martinho de Melo e Castro.Manuel da Cunha Meneses.

    Como v-se, dupla era a incumbncia, que trazia Carneiro eS a respeito de seu antecessor; tinha que verificar a verdade do que sedizia das malversaes por ele praticadas como exator da Fazenda, e to-

    Notas para a Histria do Cear 269

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    mar conta e sindicar da acusao que lhe faziam alguns moradores da

    Capitania, de magistrado corrupto e tirano.Era crucial que nas indagaes, a que tinha de proceder, Car-neiro e S consultasse, como o fez, o juzo do governador a respeito doacusado, se bem que primeira vista parecesse isso um passo intil ouantes um ato de parcialidade, porquanto Borges da Fonseca j se haviapronunciado abertamente em acusador de 11 de setembro de 1768, sen-do para notar que esse ofcio reproduzia conceitos j emitidos a 12 e 15de maro do ano anterior.

    chegada, porm, de Carneiro j havia Borges da Fonsecamudado de opinio sobre Vitorino Soares; o acusador de 11 de setem-bro de 1768 convertia-se em advogado a 14 de janeiro de 1770.

    Aos olhos de Borges da Fonseca no era mais o ouvidor uminstrumento nas mos do Escrivo Elias Pais de Sousa e Mendona, noera mais o magistrado venal e ladro, a cujas desenvolturas arrojadas, frenti-cas e ridculas deviam-se o atraso da Capitania, os prejuzos das vilas dos

    ndios, as desordens na arrecadao e administrao da Fazenda Real; j

    tudo explicava-se pela enfermidade de que o ex-ouvidor fora acometidoem Lisboa, um achaque de que se devia queixar Capitania por alguns forososexcessos em que ele [Vitorino] facilmente proporia e que lhe adquiriram bastantesmulos.

    Sapientibus est mutare consilium diz um adgio, mas essa contra-dio de Borges da Fonseca com relao ao Ouvidor Vitorino valeu-lheacres reparos do Ministro Francisco Xavier de Mendona Furtado,como se poder verificar da nota posta no ofcio de 11 de setembro de1768.

    O que diria Mendona Furtado dos nossos homens de hoje,que mudam de opinio como de camisa e giram merc dos interessescomo as ventoinhas aos caprichos da brisa? De indivduos sei eu queso instrumentos dceis dos dios e paixes alheias e esto a contradi-zer-se a cada instante e nem por isso abandona-os a confiana do gover-no nem faltam-lhes crculos de louvaminheiros; indivduos aponta como dedo a conscincia pblica, que em 24 horas so amigos e inimigos deuma idia, so catlicos e ateus, republicanos sans-culottese monarquistas doregime absoluto, e no obstante corteja-os o favor oficial so eles os apro-

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  • 8/6/2019 Guilherme Studart - Notas Para a Historia Do Ceara - 05

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    veitados para os empregos rendosos e s comisses honorficas, e no per-

    dem ensejo de espezinhar os homens virtuosos e de carter sem jaa.Se ao menos possussem esses bedunos da poltica uma se-quer daquelas grandes qualidades, que resgataram os erros de um Mira-beau ou de um Wentworth...

    O que vale que no maior nmero os homens, a que me refi-ro, so ou sero outros tantos Olibrius.

    Mendona Furtado revelou-se injusto com o governador. certo que no comeo da administrao Borges da Fonseca havia se ma-

    nifestado em oposio desabrida contra o ouvidor, mas com o andardos tempos julgou dever partilhar da opinio diversa. Onde seu crime?Pior seria, e muito menos lhe deveria perdoar o tribunal da Histria, sereconhecendo a leviandade ou a injustia de suas acusaes houvessepersistido em acabrunhar a vtima s com o receio de ver-se apanhadoem contradio.

    Aps rigorosas investigaes Carneiro e S proclamou a ino-cncia de Vitorino do crime, que se lhe imputava de scio do Padre JosPereira; no ser isto bastante para atenuar tambm o procedimento de

    Borges da Fonseca?Vejamos o ofcio em que o Ouvidor d conta do resultado

    das pesquisas feitas:Ilm e Exm Sr. Em observncia da Ordem expedida por V.

    Ex com a data de 23 de dezembro do ano prximo passado em que meordena que logo que chegue a esta Capitania do Cear sem perda detempo indague e averige com o maior segredo e cautela se entre o Pro-

    vedor meu antecessor Vitorino Soares Barbosa e o Padre Jos Pereira de

    Melo havia malversaes e coluses em que eram scios em prejuzo daReal Fazenda, e se acha serem certas as ditas desordens procedesse logo adevida execuo na forma, que aponta a Real Determinao, que constada carta de 5 de abril expedida pela Secretaria de Estado da repartio daMarinha em que Sua Majestade manda executar o que nela se contm.Entrando logo nesta diligncia como V. Ex me manda com o maior cui-dado, cautela, e vigilncia, indagando extrajudicialmente e pelo meio quejulgava mais conveniente achei no ter na verdade coloios, ou negocia-es o Provedor da Fazenda com o dito Padre Jos Pereira de Melo eisto me constou plenamente pela residncia, que tirei ao mesmo Prove-

    Notas para a Histria do Cear 271

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    dor da Fazenda Vitorino Soares por Ordem de Sua Majestade. Esta

    mesma me afirmou o Tenente-Coronel Antnio Jos Vitoriano, que in-terinamente governa esta Capitania e est aqui h cinco anos, o pergun-tei nesta matria, e me respondeu na carta, que remeto a V. Ex. Cons-ta-me porm que nos primeiros anos que o ministro veio para estaCapitania tivera alguma amizade com o dito Padre Jos Pereira de Meloe que este com incrvel astcia e m atividade cobrava fatos, que a suacredibilidade e falta de perspectiva do dito ministro no atingia a cousaalguma, causa porque s caiu em descuido bem diferentes de roubos,interesses, ou coluios, que houvesse de ter cometido, motivos estes porque no executei procedimento algum na forma que manda a Real De-terminao de 5 de abril, por no ver, como dito tenho a V. Ex verifica-dos os fatos mencionados na mesma ordem de coluios, e roubos RealFazenda. Consta-me tambm que o dito Padre Jos Pereira est de-

    vendo Fazenda Real a quantia que pelo documento junto, que to bemremeto a V. Ex constar pelo qual se v estar o mesmo Padre Jos Pereiraseqestrado e penhorado em todos os seus bens e me afirmam ter amesma dvida alguns fiadores abonados e que pelo discurso do tempo

    vir a ter a Real Fazenda a sua efetiva cobrana. Em outros muitos di-versos tempos tm havido iguais devedores por lhe no ser fcil fazeremlogo seus pagamentos por secas, que sobrevm e deterioramento de ga-dos que do contnuo est sucedendo. Estes so os fatos que tenho ob-servado, e V. Ex mandar o que for servido. Deus guarde a V. Ex pormuitos anos. Vila do Aquiraz, 2 de fevereiro de 1770. De V. Ex MenorServo. O Ouvidor da Comarca Joo da Costa Carneiro e S.

    Em vista de tal ofcio Manuel da Cunha Meneses dirigiu-se

    nestes termos a Martinho de Melo e Castro:Em carta de 7 de fevereiro prximo precedente dei conta a

    V. Exa do que tinha obrado a respeito da Real Ordem de 5 de abril doano passado, dirigida a meu antecessor. Das cartas originais inclusas ver

    V. Exa no se verificar os fatos e coluios, de que havia dado conta meuantecessor, o que V. Exa se servir pr na Real presena de S. Majestadepara o mesmo Senhor determinar o que for de seu Real agrado.

    Deus guarde a V. Exa muitos anos. Recife de Pernambucoem 29 de maro de 1770.

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    O outro acusado, o Padre Jos Pereira,9 no conseguiu defen-

    der-se e mostrar-se limpo de culpa, e da carta de Carneiro e S viu-seque foram-lhe os bens submetidos a seqestro.Este seqestro fora executado a 8 de abril de 1769, correndo

    o processo perante o prprio Vitorino Soares Barbosa a requerimentodo Dr. Felix Alexandre da Costa Tavares, procurador da Coroa e Fa-zenda. O motivo invocado foi o pagamento de 4.058$618, que o padreestava a dever dos dzimos das ribeiras de Russas e Ic.

    Apregoou ao ru o porteiro do auditrio Jos Pinheiro: no

    tendo ele comparecido nem pessoa alguma apresentando-se em seu lu-gar, foi condenado revelia e fez-lhe seqestro nos bens Francisco deOliveira Guerra, Meirinho-Geral da Ouvidoria e Correio.

    Tudo isso se encontra no auto de seqestro do qual examineiuma cpia existente nos Arquivos de Biblioteca Nacional de Lisboa, es-crita por Paulo Teixeira da Cunha, Escrivo da Fazenda Real e Matrcu-la, Contador da gente de Guerra da Capitania do Cear, que concertou-acom o Escrivo de rfos, Incio Jos Gomes de Oliveira.

    Restava ao ex-ouvidor o processo por queixa, que lhe moviamos moradores da Capitania, o qual na minha opinio ainda antes umrequisitrio contra Jos Pereira de Melo do que a pessoa, que se in-tentava perder ou inutilizar.

    Foi mandado proceder por Ordem de 16 de julho de 1769,assinada por Mendona Furtado, a que Cunha Meneses fez dar execu-o por Ordem de 23 de dezembro.

    Tudo isso se verifica bem nos documentos seguintes:

    Auto de Devassa, que mandou fazer o Dr. Ouvidor-Geral oCorregedor da Comarca, Joo da Costa Carneiro e S, em observncia daOrdem do Ilm e Exe Sr. Manuel da Cunha Meneses, Governador e Ca-pito-General de Pernambuco, e mais Capitanias anexas. Escrivo Pessoa.

    Ano do nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo de mil se-tecentos e setenta aos oito do ms de fevereiro do dito ano nesta vila de

    Notas para a Histria do Cear 273

    9 Era pernambucano e tinha a alcunha de Palangana. Naturalmente pertencia fam-

    lia de que trata a carta de 14 de junho de 1759 escrita a Homem de Magalhespelo governador de Pernambuco.

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    So Jos de Ribamar do Aquiraz, Capitania do Cear Grande, em casas

    da aposentadoria do Doutor Ouvidor-Geral, e Corregedor da ComarcaJoo da Costa Carneiro e S onde eu Escrivo do seu cargo vim; a porele me foi dito que em observncia da Ordem do Ilustrssimo e Exce-lentssimo Senhor Manuel da Cunha Meneses, Governador e Capi-to-General de Pernambuco, e mais Capitanias anexas, devia proceder adevassa pelos captulos e representao, que o mesmo Senhor lhe entre-gara sobre os procedimentos, e queixas que fizeram os moradores destaCapitania do seu antecessor Vitorino Soares Barbosa, que tudo logo meentregou para eu fazer este auto, e nele incorporar a dita ordem, e cpia

    da carta da Secretaria de Estado, e captulos, a que eu Escrivo satisfiz, elogo mandou notificar testemunhas para se proceder na forma da ditaOrdem, e de tudo fiz este auto em que assinou, Bernardo Gomes Pes-soa, Escrivo da Ouvidoria Geral, e Correio, o escrevia. Escrivo Car-neiro e S.

    Porquanto S. Majestade, servido ordenar por carta da Se-cretaria de Estado da Repartio de Marinha e Domnios Ultramarinos,da data de 16 de julho do corrente ano, de que com esta vai cpia, que

    havendo de se estar devassando pelo Ouvidor de Pernambuco dasdesordens, que havia praticado na Capitania do Cear o ouvidor dela, eo Clrigo Jos Pereira de Melo se juntasse mesma Devassa a conta erepresentao dos moradores da mesma Capitania do Cear; e a ditaDevassa se no procedeu a ela em razo de no estarem verificados osfatos deduzidos na conta do meu antecessor, e apontados na carta daSecretaria de Estado de 5 de abril, os quais determino de presente aonovo ministro que vai substituir o referido os averige, e sendo certos

    proceda na forma determinada na referida carta de 5 de abril. Ordenoao dito novo Ministro o Dr. Ouvidor-Geral Joo da Costa Carneiro e Sque autuando a dita cpia autntica da carta de 16 de julho acima referidae juntamente a representao, e queixas dos moradores do Cear, erepresentao nela inclusas, inquira por modo de devassa sobre o conte-do nelas e do que achar a respeito das queixas dos ditos moradores medar parte para eu a fazer presente a S. Majestade. Recife de Pernambu-co em 23 de dezembro de 1769. Manuel da Cunha e Meneses.

    Pela cpia inclusa da carta, que na data de 5 de abril do pre-sente ano dirigi ao antecessor de V. S. ficar V. S. entendendo o que S.

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    Majestade foi servido determinar quanto s desordens, que haviam pra-

    ticado na Capitania do Cear o ouvidor atual da mesma Capitania, e oClrigo Jos Pereira de Melo, e as providncias que mandou dar a esterespeito: E porque novamente chegaram Real Presena do mesmoSenhor a conta e representao inclusas dos moradores da mesma Capi-tania do Cear, servido que V. S.a fazendo ajuntar a referida conta, erepresentao Devassa, que em conseqncia da referida carta deveachar-se tirando o ouvidor dessa Capitania, lhe ordene pergunte nelapelos fatos deduzidos nelas; para que sendo tudo presente ao mesmoSenhor, possa resolver o que for servido. Deus guarde a V. S.a Palcio deN. Sra da Ajuda a 16 de julho de 1769. Francisco Xavier de MendonaFurtado. Sr. Manuel da Cunha e Meneses.

    A queixa dada do Ic e traz a data de 1 de abril de 1769;consta de 90 captulos acusatrios, e assinada por Joo Bento da Silvae Oliveira, Pedro Antnio Pereira Maia, Domingos Alves de Matos,

    Jos Roiz Pinto, Manuel Ferreira Braga, Francisco Pinheiro do Lago,Joo Lopes Raimundo, Jos Roriz de Matos, Francisco Roberto, Ma-nuel Roriz da Silva, Jos de Xerez Furna e Jacinto Coelho Frazo.

    Assim comeam eles sua representao:Senhor. Representam a V. Majestade, em nome dos mora-

    dores da Comarca do Cear Grande, as pessoas ao diante assinadas amisria e consternao em que vivem oprimidos os vassalos sujeitos Real Coroa Portuguesa, moradores na dita comarca; pois sendo providoo Dr. Vitorino Soares Barbosa no lugar de ouvidor, e devendo cumprircom as obrigaes de seus cargos, na forma de seu Regimento, paraconservao e paz dos povos, o tem obrado tanto pelo contrrio no es-pao de onze anos, que est exercendo, que pelos fatos que tem pratica-do, expressos nos Captulos inclusos, parece indigno do Real Servio, emerecedor da mais severa demonstrao.

    Porque nos persuadimos que a Real Clemncia e inteno deto catlico, e piedoso monarca no destruir seus vassalos mas simconter seus povos em justia e temor de Deus mandando-lhe adminis-trar reta e igual por seus ministros: E nesta confiana esperamos mere-cer a ateno e piedosa clemncia de V. Majestade por meio desta repre-sentao para alvio da nossa opresso dignando-se mandar tomar um

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    exato conhecimento dos referidos fatos por ministro desinteressado,

    para vir no conhecimento da misria, e calamidade em que vivemos.So pois, Senhor, a menor parte dos fatos e incivilidades,que este ministro tem dobrado nesta Capitania com poder disposto eabsoluto os seguintes captulos.

    O Capito-Mor Joo Lopes Raimundo, o Sargento-Mor Jos deXerez Furna, Manuel Ferreira Braga e o Coronel Joo Bento da Silva eOliveira declararam, quando interrogados, que tais captulos de acusao nosouberam, nem para eles cooperaram e menos neles se assinaram.

    Trinta foram as testemunhas no processo a saber:Licenciado Manuel Ribeiro do Vale, Tenente-Coronel Joo

    Batista da Costa Coelho, Capito-Mor Jernimo Dantas Ribeiro, Juiz derfos Capito Jos Ferreira Ramos, Sargento-Mor Maral de CarvalhoLima, Coronel Francisco Correia de Azevedo, Sargento-Mor ManuelCarneiro Rios, Escrivo do Juzo Eclesistico Licenciado Francisco Fer-reira Castro Roque Correia Marreiros, Tabelio pblico Antnio Gomesde Freitas, Escrivo da Vara do Meirinho-Geral Capito Matias Tavaresda Luz, Escrivo do Juzo dos Ausentes Licenciado Apolinrio GomesPessoa, Capito-Mor Jos de Xerez Furna Uchoa, Juiz Ordinrio da Cai-ara, Ribeira do Acaracu, Capito-Mor Paulo Jos Teixeira da Cunha,Manuel Ferreira Braga, Almoxarife da Real Fazenda, Tenente-CoronelMatias Pereira Castelo Branco, Capito-Mor Joo Lopes Raimundo,

    Alferes Incio de Lacerda Seabra, Capito Lus de Lavor Pais, Tenen-te-Coronel Manuel Ribeiro Campos, Tenente-Coronel Antnio Fernan-

    des Bastos, Juiz Ordinrio do Ic, Sargento-Mor Joo Ferreira Lima,Manuel da Silva Chaves, Capito Francisco Xavier de Oliveira Campos,

    Joo de Alvedo, Coronel Joo Bento da Silva e Oliveira, Doutor FlixAlexandre da Costa Tavares, Procurador da Coroa, Capito FranciscoFerreira Lima, Antnio Carvalho do Vale, Escrivo da Cmara derfos.

    para notar que uma das testemunhas, o Coronel Joo Ben-to, figura tambm entre os signatrios da queixa.

    Serviu como escrivo Bernardo Gomes Pessoa.

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    O captulo da queixa, que tem o ttulo 79, o que se refere ao

    suposto assassinato do Governador Joo Baltasar de Quevedo Homemde Magalhes.Como curiosidade histrica transcrevo-o aqui ipisis litteris:

    Captulo 79. Que se intromete em toda a qualidade de Governo ouseja Eclesistico, secular ou militar, e tem grande dio a todos os maisque Governam, e pelo grande dio, que tinha ao Captulo-Mor Gover-nador Joo Baltasar de Quevedo Homem de Magalhes lhe traou amorte em um vomitrio infeccionado de veneno, para cujo efeito coo-peraram o Ld Jos Pereira de Melo seu scio por roubos e insultos, que

    tem feito nesta Comarca, o Coronel Joo Dantas, Manuel Pereira deSousa e o Mdico o Dr. Jos Baltasar Augeri, que todos eram acrrimosa favor do ouvidor, e contrrios ao capito-mor, o que foi notrio atodo o povo da Capitania, e ficou to denegrido que achando-se ali umcapito do Acaracu e percebendo ser aquela morte feita com veneno lhemeteu na boca o basto de prata da bengala e imediatamente ficou pretocomo um carvo; e assim ficou o Dr. Ouvidor sua vontade, e lhe re-matou seus bens, que todos se repartiram entre ele e os mais oficiais as-

    sim da mesma Provedoria como da Ouvidoria, e deles se esto servindoe lhe subnegou onze mil cruzados em dinheiro, que tinha o defunto emum cofre.

    Testemunhas o Ajudante Francisco de Paiva Machado, Ma-nuel Ferreira Braga, o Alferes Paulo Jos Teixeira da Cunha, o Ld Fran-cisco Ferreira Castro, o Capito Antnio da Cunha, o Coronel JooBento da Silva de Oliveira, o Capito Francisco Pinheiro e todo o povodo Aracati.

    Singular maneira de comprovar o envenenamento a introdu-o de um pouco de prata na boca do cadver.

    Fala-se muito na gua-tofana, nos filtros dos Brgias, nosps da Brinvillier: eis uma susbstncia a acrescentar lista das drogasclebres o vomitrio infeccionado de Vitorino Soares e do mdico

    Augeri.No ser por demais fazer conhecidos tambm os depoimen-

    tos, que a respeito ofereceram as testemunhas apresentadas no libelo:1 Manuel Ferreira Braga, homem branco, casado e morador

    nesta vila do Forte, Almoxarife da Real Fazenda, de idade que disse ser

    Notas para a Histria do Cear 277

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    de quarenta e cinco anos pouco mais ou menos, testemunha jurada aos

    Santos Evangelhos em um livro deles em que ps sua mo direita e pro-meteu dizer a verdade.E perguntado ele testemunha pelo contedo no Captulo se-

    tenta e nove disse que verdade que o Doutor Vitorino Soares Barbosatinha apetecimento de governar e administrar a justia e o governo pol-tico, porm que o no culpava por falta do que Deus dele no fiara,principalmente no tempo em que faltara o defunto Capito-Mor JooBaltasar de Quevedo, e que outrosim sabe por ouvir dizer, e no ver porse achar ento em Pernambuco, que era voz pblica dizerem tudo o quecontm este artigo a respeito da morte do dito capito-mor porm eletestemunha nada viu verificado e nem acreditava pelo conhecimentoque tem desta terra no decurso de vinte e sete anos, na qual raras vezesse fala a verdade, e a outros disse que ele nunca soubera destes captu-los, e nem os assinara e menos para eles cooperara, e se diz ele os assi-nara que no tem dvida mostrar a falsidade da sua firma em juzo oufora dele, e que do dinheiro do dito capito-mor no sabe o que tinha enem o que se lhe achou, e ele no disse.

    2 O Capito-Mor Paulo Jos Teixeira da Cunha, homembranco, vivo e morador nesta vila do Forte, que vive de sua agncia, deidade que disse ser de cinqenta e seis anos, pouco mais ou menos, tes-temunha jurada aos Santos Evangelhos em um livro deles em que pssua mo direita, e prometeu dizer verdade.

    E perguntado pelo Captulo setenta e nove disse que nuncaviu, nem ouviu dizer que o Doutor Vitorino Soares se intrometesse nosgovernos alheios e menos que cooperasse para a morte do defunto Joo

    Baltasar capito-mor que foi desta Capitania, pois certo e sem dvidaalguma que o dito capito-mor morreu de uma hidropisia e o mais quecontm este captulo tudo contra a verdade pois tal nunca sucedera eele no disse.

    3 O Coronel Joo Bento da Silva e Oliveira, homem branco,casado e morador nesta Vila do Ic, que vive de seus negcios e gados,de idade que disse ser quarenta e quatro anos, pouco mais ou menos,testemunha jurada aos Santos Evangelhos em um livro deles em queps sua mo direita e prometeu dizer a verdade, e do costume disse sercompadre do Doutor Vitorino Soares Barbosa.

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    E perguntado ele testemunha pelo contedo no auto e cap-

    tulos desta devassa, que todos lhe foram lidos e declarados pelo minis-tro, disse que ele testemunha no assinara os ditos captulos e menossoubera deles seno agora por chamado para este depoimento, e s sabepor ver que o dito Doutor Vitorino Soares Barbosa enquanto serviu deouvidor sempre obrara em tudo retamente por ser muito diligente noservio de Sua Majestade Fidelssima, bom despachador das partes, mui-to limpo de mos e exatssimo na cobrana da Real Fazenda em que seempregara com grande zelo e atividade, e ele nem disse por no sabernada do que os ditos captulos contm.

    Diante de provas tais no admira que se desmoronasse o edi-fcio da iniqidade.

    As outras testemunhas dadas pela acusao deixaram de serouvidas, por motivo de ausncia diz o ouvidor.

    Nos demais quesitos pode-se dizer que o processo revelou-setambm um triunfo para o ru.

    No obstante, o Governador Montaury numa daquelas suas

    clebres objurgatrias contra os ouvidores de seu tempo escreveu hor-rores contra Vitorino a propsito da morte de Homem de Magalhes, oque no faria por certo se houvesse folheado a correspondncia oficialde seu imediato antecessor, cuja opinio sobre o caso se manifesta clarano perodo seguinte de uma sua carta de 16 de maio de l765:

    Tomando posse do governo desta Capitania, fui plenamenteinformado da grande necessidade, que havia de se passar mostra s tro-pas milicianas, porque o capito-mor defunto Joo Baltasar de QuevedoHomem de Magalhes por causa das molstias que padecia e de que ul-timamente veio a morrer, as no passara de cinco anos a esta parte, es-tando por este motivo vagos muitos postos, os distritos confundidos esem listas, e tudo to desordenado que nem as milcias sabiam quaiseram os seus cabos, nem estes conheciam os seus soldados.

    Para corrigir essas irregularidades e faltas de disciplina e parapreencher certas vagas a que se refere nessa sua carta de que acabo deaproveitar-me para defesa de Vitorino Soares, foi que Borges da Fonse-ca fez a escolha de Jos Pereira de Melo, ouvida a Cmara do Aquiraz,para sargento-mor de ordenanas.

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    Quaresma Dourado provera nesse posto a Agostinho de Bu-

    lhes e Melo, que havia 5 anos estava preso e no fizera confirmar a pa-tente em Lisboa, o que equivalia a nulidade dela, por isso Borges daFonseca necessitando de um auxiliar para passar a mostra das tropas en-quanto o tempo o permitia procedeu a nomeao de Pereira de Melo erequisitou para Lisboa a confirmao de sua patente.

    Do mesmo modo haviam praticado os capites-mores da Pa-raba e Rio Grande com Joo Nunes e Manuel Antnio Pimentel deMelo.

    Assim concluiu-se a devassa geral que havendo comeado noAquiraz a 8 de fevereiro foi encerrada no Ic a 17 de novembro e reme-tida a Cunha Meneses a 19 de novembro de 1770.

    Possuo cpia de todas as suas peas, que ponho disposiode quem quiser consult-as.

    Ainda desta feita ficou comprovada a inocncia do magistra-do acusado, a quem com verdade e justia s se poderia assacar a pechade nimiamente irascvel e ignorante: mesmo assim no estava encerradopara ele o elo das infelicidades e amarguras, com que o destino apra-zia-se em acabrunh-lo.

    A Vitorino Soares com certeza ningum recordaria o anel dePolicrato.

    Ao tempo em que efetuava a devassa, longo e complicadoprocesso no qual foram ouvidas pessoas de toda hierarquia, algumas de-las vindas das mais longnquas localidades, o Ouvidor Carneiro e S jul-gou necessrio transportar-se da vila do Aquiraz Fortaleza, a fim deexaminar a escriturao dos livros da Ouvidoria e conhecer da maneirapela qual o servio se ia fazendo naquela repartio.

    O exame revelou a insuficincia intelectual, a falta de habilita-o do respectivo escrivo, o que levou o ouvidor a requerer que viessealgum oficial dos Contos de Pernambuco a reduzir ordem e clareza os de-sordenados e confusos livros da Provedoria.

    At aqui nada afetava os interesses de Vitorino Soares. Acon-teceu, porm, encontrar Carneiro e S numa lista imensa de devedoresda Fazenda, e conquanto a maior parte dessas dvidas estivesse perfeita-mente garantida afigurou-se-lhe, e nesse pressuposto confirmaram-no

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    pessoas de maior exceo, que vista dos tempos calamitosos, que a Ca-

    pitania atravessava, seria de mais em mais difcil a efetiva cobrana delas.Ora, havendo uma Ordenao Rgia que fazia os ouvidores responsve-is nos seus bens por todo e qualquer desfalque, que a Fazenda viesse aexperimentar, entendeu ele dever mandar notificar a seu antecessor paraque no sasse da Capitania at resoluo do Governador de Pernambu-co, porque no parecia justo que fosse ele responsvel do prejuzo, que poderia resul-tar da omisso de outrem.

    Procedamos leitura dessa pea:Ilm e Excelentssimo Sr. Logo que conclu a residncia de

    meu antecessor e pude expedir outras dependncias que faro necess-ria a minha presena na vila do Aquiraz, passei a esta da Fortaleza, ondereside a Provedoria a dar execuo s ordens, que para ela me distribuiu

    V. Ex e no foram necessrios muitos dias para que eu viesse no conhe-cimento da insuficincia, e falta de inteligncia do escrivo dela, e doqual no posso esperar que se executem perfeitamente as escrituraesdas casas da Real Fazenda; pelo que parece seria de utilidade mesmaReal Fazenda que viesse aqui por algum tempo algum oficial dos Contos

    dessa capital a reduzir a ordem e clareza os desordenados, e confusos li-vros desta Provedoria. Ainda de maior o cuidado que me causa a co-brana da grande soma de dvidas atrasadas, que a V. Ex constar da re-lao junta, pelas insuperveis dificuldades que nela me ponderam algu-mas pessoas que julgo de crdito, e me asseguram que s duas, ou trsdvidas se julgam falidas mas que muitas podero vir a ser pelo lapso dotempo, por se no poderem fazer execues nos bens existentes dos de-

    vedores, e seus fiadores por falta de quem os arremate, s sim nos fru-

    tos e rendimentos das mesmas fazendas existentes; razo esta por que seno poder concluir a sua cobrana com a brevidade e prontido que sedeseja, causa desta desordem a qualidade de arrematantes e fiadores queaqui se costumava admitir, abuso este que se acha j evitado com a ad-

    vertncia que V. Ex me fez. Nestas circunstncias me parece deviamandar notificar ao meu antecessor para que no sasse desta Capitaniaat resoluo de V. Ex a quem sou obrigado a representar-lhe porqueno parece justo que seja eu responsvel do prejuzo que poder resultarda omisso de outrem. Desejava merecer de V. Ex sua ressalva pelo quepertence falncia destas dvidas atrasadas em que fico com a maior vi-

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    gilncia em as cobrar como igualmente pronto em executar todas as or-

    dens que por V. Ex me forem determinadas. Deus guarde a V. Ex. Vilada Fortaleza, 1 de maro de 1770. De V. Ex menor servo. O Ouvidorda Comarca do Cear Joo da Costa Carneiro e S.

    Nuvens negras, portanto, acumulavam-se sobre a cabea deVitorino Soares; j no era pouco estar sob a presso de uma devassapor fatos os mais depoentes, dos quais precisava mostrar-se inocente,

    vinham agora os escrpulos do ouvidor engendrar para a vtima novosdissabores.

    Em resposta a aquele seu oficio de 1 de maro de 1770 emque comunicava o alvitre tomado, recebeu Carneiro e S a seguinte carta:Recebi as duas cartas de Vossa Merc de 2 de fevereiro e de

    1 de maro e devo dizer a Vossa Merc sobre a primeira que fico na in-teligncia do que obrou a respeito ordem de S. Majestade de 5 de abrildo ano passado, o que tudo pus na presena do mesmo Senhor e peloque respeita a segunda, como Vossa Merc no declara os motivos queo obrigaram a mandar notificar a Vitorino Soares Barbosa, que foi seu

    antecessor, para no fazer viagem para este Recife d ocasio a suspeitarque o dito ministro est incurso em alguma daquelas matrias, que aVossa Merc mandei indagar com a maior cautela e recomendao. Nes-tes termos no me resolvo a mandar sair dessa comarca dito seu ante-cessor sem Vossa Merc primeiro me fazer presente o motivo da notifi-cao, que lhe mandou fazer para que vista do merecimento do ditoexecutar as Reais Ordens de S. Majestade, que me esto incumbidas.

    Tambm com a maior brevidade me mandar Vossa Merc a devassaque resultou da queixa, que os moradores dessa Capitania fizeram a S.Majestade contra o dito seu antecessor: tudo espero que Vossa Mercexecute sem perda de tempo pois estes casos no permitem a mnimademora. Deus guarde a Vossa Merc. Recife, 11 de maio de 1770. Ma-nuel da Cunha Meneses.

    Como v-se, o Governador de Pernambuco manteve a notifi-cao feita ao ex-ouvidor, porm sentindo a pouca clareza das explica-es dadas exigiu de Carneiro e S mais amplas informaes, o que esteprocurou satisfazer em Ofcio com data de 2 de julho, endereado deCaiara e recebido em Pernambuco a 15 do ms seguinte.

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    Cumpria ao governador dar conta tambm para Lisboa de to-

    das essas ocorrncias, e f-lo ento nos seguintes termos:Ilm Exm Sr. Em carta de trinta de maro10 do correnteano dei conta a V. Ex do que havia praticado a respeito do Bacharel Vi-torino Soares Barbosa, ouvidor que foi da Capitania do Cear, com osdocumentos originais de que agora fao presente as cpias n 1; comodepois acresceu a notificao, que o ouvidor atual daquela Capitania fezao dito Bacharel Vitorino Soares Barbosa para no sair de l sem minhaordem na qual no explicava claramente as dvidas por que procedera adita notificao, fui obrigado a responder o que Consta do n 3 em vir-tude do que declarou em carta de 2 de julho do corrente ano, cujo origi-nal envio com o n 4, que o motivo daquele procedimento no fora peloachar incurso em algumas das matrias em que o supunha delinqente aordem de S. Majestade de 5 de abril do ano passado, mas sim porque ti-nha achado algumas dvidas da Real Fazenda sem aquela segurana, quepresentemente tenho feito observar na conformidade das Ordens de S.Majestade, as quais se acham j remediadas pelo mesmo ouvidor atualcomo na dita carta n 4 faz meno.

    Nestes termos tenho determinado ordenar que se lhe levan-te a suspenso e que seja obrigado a fazer viagem a esta capital, aondefao teno demor-lo at Real Determinao de S. Majestade depoisque lhe for presente a resulta da Devassa a que o mesmo senhor man-dou proceder contra o mesmo Bacharel Vitorino Soares Barbosa naqueixa, que dele fizeram os moradores daquela Capitania, cujo procedi-mento ainda no foi possvel averiguar-se como consta da dita carta n 4no fim dela.

    V. Ex se servir pr o referido na Real Presena S. Majesta-de para o mesmo senhor determinar o que for servido.

    Deus guarde V. Ex muitos anos. Recife de Pernambuco em22 de agosto de 1770. Ilm Exm Sr. Martinho de Melo e Castro. Manuelda Cunha Meneses.

    Ilm Exm Sr. A queixa que os moradores da Capitania doCear fizeram a S. M. do Ouvidor Vitorino Soares Barbosa, que me foi

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    10 engano de Cunha Meneses: a carta tem data de vinte e nove.

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    remetida com carta de 16 de julho do ano passado para a sua averigua-

    o, mandei fazer esta pelo ouvidor da dita Capitania, na forma que avi-sei em carta de sete de fevereiro, e pelo que me responde o mesmoouvidor na carta que fao presente a V. Ex consta ser preciso na oca-sio da Correio fazer as indagaes necessrias para dar completa sa-tisfao ao informe, que deve fazer dos fatos na dita queixa apontados,e logo que esta diligncia chegar a meu poder executada a remeterei a V.Ex para ser presente a S. Majestade.

    Deus guarde a V. Ex muitos anos. Recife de Pernambucoem 30 de maro de 1770. Ilm Exm Sr. Martinho de Melo e Castro. Ma-nuel da Cunha Meneses.

    Ilm Exm Sr. Em carta de 22 de agosto do ano passado pusna presena de V. Ex o que se me oferecia a respeito do Bacharel Vito-rino Soares Barbosa que foi ouvidor na Capitania do Cear e conclua aminha carta dizendo a V. Ex que determinava lhe fosse levantada a sus-penso em que eu o tinha detido naquela Capitania, e que viesse em di-reitura a esta capital aonde ficaria demorado at a Real Determinao deS. M. depois que lhe fosse presente a Devassa, que o mesmo senhor foi

    servido ordenar-me mandasse proceder contra o dito Bacharel a respei-to da queixa, que dele fizeram os moradores da dita Capitania.

    A dita Devassa e captulos nela autuados remeto inclusa a V.Ex e como da mesma se prova a falsidade com que o autor dos captu-los intentou perder ao dito Bacharel, o que bem expressa a carta originaldo ouvidor atual daquela Capitania, que fez a diligncia, no pargrafo 8que tambm remeto incluso, e os fatos antecedentes contra ele argidosse no haverem verificado como j dei conta em carta de 30 de maio do

    ano passado, acrescendo mais os ditos de algumas testemunhas, que ju-ram no terem sabido aos ditos captulos ainda que neles vinham nome-ados por autores me pareceu vista de to claras e evidentes provas dainocncia deste Bacharel e que tudo o que se lhe maquinou foi em diode vingana e razes particulares resolver-me o permitir-lhe a licenapara se embarcar para esse Reino nos primeiros navios, que deste portosarem; na inteligncia de que a Real Piedade de S. M. haver por bemque eu assim execute por no vexar com mais demora nesta capital um

    vassalo, que das acusaes que lhe fizeram lhe no resultou culpa, o quetudo espero por V. Ex na Real Presena do mesmo senhor e o mesmo

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    navio em que o dito Bacharel se transportar darei parte a V. Ex. Deus

    guarde V. Ex muitos anos. Recife de Pernambuco em 18 de janeiro de1771. Ilm Exm Sr. Martinho de Melo e Castro. Manuel da Cunha Me-neses.

    Ilm Exm Sr. Dei conta a V. Ex em carta de 18 de janeirodo corrente ano da disposio em que ficava de no embaraar nesta ca-pital ao Bacharel Vitorino Soares Barbosa que serviu de Ouvidor do Ce-ar a recolher-se a Lisboa, em razo de se no provar na Devassa, quecom a mesma carta remeti a V. Ex, cousa alguma do que lhe foi maqui-nado em uns captulos que contra ele se ofereceram em nome dos mo-

    radores daquela Capitania e como na dita carta asseverei a V. Ex dariaparte do navio em que o dito Bacharel iria embarcado, satisfao nestacertificando que se transporta na nau N. Senhora do Rosrio e S. Jos, quena presente ocasio faz viagem deste porto para Lisboa. Deus guarde a

    V. Ex muitos anos. Recife de Pernambuco 18 de maro de 1771. Ilm eExm Sr. Martinho de Melo e Castro. Manuel da Cunha Meneses.

    Levantada a suspenso imposta a Vitorino Soares orde-nou-lhe o governador que se transportasse para Pernambuco a fim de

    aguardar a o resultado da Devassa a que se procedia na Capitania, or-dem que foi executada sem deteno.Como no se apressaria o infeliz magistrado em abandonar o

    teatro de suas amarguras e humilhaes! O Cear lhe era sinnimo de de-sastres de toda ordem, era justo que lhe no merecesse a lgrima da sauda-de. Onde o homem encontra a tranqilidade, o conforto e a considerao, aque tem jus, a apraz-se em construir sua urbe, entregar-se aos gozos e scarcias geradas na doce temperatura do lar, em exercer em benefcio da co-

    letividade as energias de que se sente dotado, e sorri-lhe a idia de ter a se-pultura sob o cu de seus amores; a Vitorino Soares, porm, nada prendiaao Cear, que no lhe dera o bero, cujo progresso lhe era quase indiferen-te, onde os dias correram-lhe amargurados e cheios de desiluses.

    Quanto mais do que o de Vitorino devem sangrar os cora-es daqueles, que tudo do ao Cear amor, inteligncia, servios eno colhem de seus concidados, dos filhos de sua ptria querida senoa indiferena quando no os apodos e as perseguies!

    No entanto a Devassa prosseguia com muita morosidade,aproveitando-se o ouvidor da Correio, que estava fazendo, para proce-

    Notas para a Histria do Cear 285

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    der a indagaes, que lhe dessem base a um informe justo e inteligente,

    segundo v-se de sua comunicao a Manuel da Cunha Menezes em cartaescrita da vila do Aquiraz e que traz a data de 4 de fevereiro de 1770, masafinal, como ficou dito acima, Carneiro e S e Cunha Menezes conclurampor afirmar a inocncia de Victorino Soares Barbosa, a quem alis, semdvida por ignorar os documentos, que ora dou luz da publicidade, Ara-ripe empresta pssimos qualificativos pg. 105 de sua Histria do Cear.

    Livre dos botes da maledicncia, retirou-se Vitorino SoaresBarbosa para Lisboa no navio Nossa Senhora do Rosrio e S. Jos, que zar-

    pou do Recife a 18 de maro de 1771.Encerrou-se dessa sorte um dos captulos mais curiosos da

    histria do governo de Borges da Fonseca.Apesar de tratar-se de um processo em que o ru era magis-

    trado, o procedimento de Carneiro e S em todo seu curso escapa aqualquer suspeita de parcialidade.

    Ele foi um juiz ntegro e severo. Prova-o a linguagem de seusofcios ao governador da Capitania, e ao Capito-General de Pernambu-

    co: prova-o entre outros atos seus que praticou com Joo Bento da Silvae Oliveira, Juiz Ordinrio e Coronel da Cavalaria do Ic, o aliciador de

    ndios e soldados para tropelias e distrbios, aquele mesmo que figurouna Devassa contra Vitorino.

    Representando contra esse potentado os moradores da ribeirado Salgado, Carneiro e S sindicou dois fatos, que se lhe atribuam, e achan-do-os exatos e conformes queixa demitiu-o do cargo de Juiz e escreveuao Capito-Mor da vila, Joo Lopes Raimundo, para que lhe retirasse o co-

    ronelato, o que tambm foi executado com gudio da populao.Igual conceito de integridade no me merece Jos da Costa

    Dias e Barros, imediato sucessor de Carneiro e S, nomeado por CartaRgia de 4 de outubro de 1776 e empossado a 14 de maro do ano se-guinte, alis magistrado enrgico e a quem se devem importantes medidastomadas contra os criminosos e facnoras, que infestavam a Capitania.11

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    11 Diz Theberge (Esb. Hist., pg. 103) que a posse de Jos da Costa Dias e Barros foia 13 de maio; diz Araripe (Hist. do Cear, pg. 107) que foi a 14 de outubro.

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    Esse, sim, pintam as crnicas como demasiadamente avarento

    e pouco escrupuloso em negcios de dinheiro.O que sei dele d razo ruim fama, de que gozou na colniasob esse ponto de vista.

    Que foi juiz parcial demonstra-o a parte saliente por ele to-mada no processo de responsabilidade instaurado contra o escrivo daProvedoria, o pernambucano Antnio de Castro Viana, por denncia de

    Joo Alves de Miranda Varejo, processo que tantos desgostos acarretoua Andr Ferreira Guimares e ao prprio Varejo, que viu-se forado a

    fugir para a Bahia e depois para Lisboa; que era vido de dinheiro pro-vam o referido processo e a questo das propinas por lutos oficiais eluminrias, que agitou no seu tempo as Cmaras da Capitania.

    Esse negcio de propinas foi motivo s vezes para extorsesdos ouvidores.

    A morte da Rainha-Me, Dona Mariana Vitria, deu ocasio aque mais uma vez fossem em nome da lei assaltados os magros cofresdas diversas Cmaras.

    Como j disse, era ento o protegido da morte o OuvidorDias e Barros, o mesmo que locupletara-se por ocasio do falecer D.Jos I, havendo de cada Cmara a quantia de 108$400.

    Exigidas as propinas pela morte da Rainha-Me, recebeu eleboa quantia da maior parte das vilas; resistiu, porm, ao pagamento Cmara de Fortaleza, alegando ser esta capital e fazendo constar (cartade 26 de junho de 1782) ao ouvidor as dificuldades financeiras em quelaborava para ocorrer at s despesas de mero expediente, mas ele j porsi, j por um seu procurador, Antnio de Castro Viana, parcial em todos oscontratos e negcios, como pblico nesta Capitania (diz o Ofcio dos Camaris-tas datado de 27 de setembro de 1783) levou a questo ao Tribunal da

    Junta da Administrao e Arrecadao da Real Fazenda em Pernambu-co, o qual por despachos de 26 de fevereiro e 16 de maio de 1782 orde-nou que as Cmaras satisfizessem as propinas exigidas.

    A de Fortaleza, todavia, no descorooou e fez valer suasqueixas perante o trono, alcanando afinal que fosse decidido que erailegal a pretenso do ouvidor, o que moveu-se a escrever um ofcio doagradecimento, que tem a data de 27 de setembro de 1783. A tudo isso

    Notas para a Histria do Cear 287

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    referem-se tambm os ofcios de Azevedo de Montaury datados de 10

    de novembro e 15 de janeiro de 1785.No era somente por ocasio dos lutos nacionais que osouvidores recebiam propinas; ganhavam tambm das alegrias. Era entoo imposto chamado para luminrias.

    Segundo vejo em ata da sesso de 26 de julho de 1777, escritapelo Escrivo Miranda Varejo, o mesmo Dias e Barros recebeu da C-mara de Fortaleza 20$480, importncia de 16 libras de cera, razo de1$280 cada libra, para luminrias pelo casamento do Prncipe da Beira.

    Os Juzes Ordinrios e os oficiais das Cmaras diziam-seigualmente com direito a propinas nos lutos e regozijos pblicos, caben-do-lhes a metade do que recebiam os ouvidores. assim que segundo aata j citada, os 1 e 2 Juzes Capites Joaquim Ferreira da Silva e Joa-quim Alves Ferreira, os Vereadores Agostinho de Sousa Leal, ManuelRodrigues Barreto, Jernimo Fernandes Tabosa, o Escrivo Miranda Va-rejo e o Procurador Gregrio Alves Pontes receberam cada um 54$000para luto e 10$240 para luminrias.

    Mais tarde obedecendo ao provimento do ouvidor A. F.dAlmeida Guimares em Correio de 1785 acordou (sesso de 20 demaro de 1786) a Cmara de Fortaleza em exigir deles a reposio dasquantias recebidas.

    pg. 117 de seu Resumo Cronolgico diz Joo Brgido Nesteano [1783] tendo havido luto oficial pelo falecimento de uma pessoaReal, o Ouvidor Barros fez a Cmara da Fortaleza pagar-lhe as despesasque com ele fizera. O governo portugus o obrigou a restituir, bem queno tivesse mais razo do que o ouvidor.

    Essas seis linhas do Resumo encerram mais de uma inexatido.Em 1783 no houve luto por falecimento de pessoa Rgia. A

    morte mais recente na Real famlia havia sido a da irm de Carlos III, eo luto oficial por ela foi em 1781. Provam-no o requerimento de propi-nas feito pelo Ouvidor Barros Junta da Real Fazenda de Pernambucoe o despacho dela em 26 de fevereiro de 1782; provam-no a certidodesse requerimento e despacho passado em 6 de maio de 1782 peloEscrivo da Conrreio, Jos de Barros de Arajo, e o ofcio do dito ou-

    vidor em data de 12 de maio requerendo Cmara da Fortaleza as pro-

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    pinas a que suponha-se com direito; provam a carta da Cmara da For-

    taleza Rainha em data de 18 de maro o ofcio de 7 de agosto aosmembros da Junta da Real Fazenda, mostrando quela a impossibilidadeem que achava-se de distrair qualquer quantia de seu cofre, e explicandoa estes os motivos por que no dera execuo ao despacho de 26 de fe-

    vereiro.Assentado que no houve luto oficial algum em 1783, fcil

    demonstrar agora que ao Ouvidor Barros (era melhor que Joo Brgidodissesse ex-ouvidor, porque assim evitaria que algum supusesse que o

    Cear tinha ento dois ouvidores ao mesmo tempo, Andr Ferreira eDias e Barros) a Cmara da Fortaleza no pagou quantia alguma almdas propinas por morte de D. Jos I, sucedida a 24 de fevereiro de 1777trs dias depois do casamento de seu neto com a infanta D. Maria Bene-

    vides.Provam-no, exuberantemente, todos os documentos j acima

    citados, prova-o ainda o ofcio de 27 de setembro de 1783 em que os Ca-maristas Domingos Roiz da Cunha, Antnio de Sousa Uchoa, Bernardode Melo Uchoa, Vicente Ferreira Forte e Lus Barbosa de Amorim agra-decem Rainha a graa, pela qual eximia-os do pagamento das propinasexigidas pelo ouvidor por motivo do falecimento da Rainha-Me.

    O ouvidor, certo, lanou de todos os recursos j por si jpor amigos e parentes para haver de todas as Cmaras o que, dizia ele, alei facultava-lhe receber; aquelas Cmaras que podiam pagar ou noqueriam entrar em luta, mandaram os 108$ exigidos, a do Aquiraz envi-ou-lhe 60$ por no ter outro rendimento seno o contrato das carnes eeste no encontrar arrematante, as de Soure e Mecejana nada puderam

    dar, finalmente a de Fortaleza recusou tambm entregar sua cotizao.Como eu j disse, o ouvidor reclamou para o Tribunal Superior,

    que mandou que fosse o pagamento efetuado, mas os vereadores afeta-ram a questo Rainha, que a decidiu em favor deles.

    O ouvidor, portanto, no fez a Cmara da Fortaleza pagar-lheas despesas com o luto de 1781.

    Fica tambm prejudicada a 3 parte da afirmao do ResumoCronolgico, pois o governo portugus no poderia obrigar o ouvidor arestituir o que nunca recebera.

    Notas para a Histria do Cear 289

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    Manda, todavia, a justia que eu consigne que a Borges da

    Fonseca e sobretudo ao Ouvidor Dias e Barros deve-se a construo decadeias em Aracati, Sobral e Aquiraz e de pontes sobre os rios Coc eTamatanduba.

    Outros servios de Dias e Barros h que no deixarei em ol-vido mesmo porque verberei suas ruins qualidades e condio essenci-al num historiador a inteira imparcialidade. Deles os mais importantesforam: para combater e dispersar os facnoras que abundavam no distri-to de Crates e Serra dos Cocos, extremas da Capitania, partiu ele paral, o que ningum havia ainda feito, com tropa militar e de ndios, e dis-persou a uns e prendeu a outros ficando mais tranqilo aquele remotodistrito; deu vila do Crato um provimento para o regulamento e afora-mento de casas e s do Ic e Sobral provimentos para aforamentos deterras; dotou finalmente as diversas Cmaras de livros de que careciam,os quais lhe foram enviados por Jos Csar de Meneses pelo barco cujomestre era Jos lvares.

    Depois destas providncias escritas diz um pouco imodes-tamente Barros da Silva a el-Rei em carta de 25 de junho de 1779, eu as

    tenho feito executar de tal sorte que tenho a complacncia de haveracertado em fazer, dentro de dois anos, que aqui resido, um servio muitoconsidervel a esta comarca.

    Por todas as partes se trabalha nas referidas obras (cadeiasetc.) a que eu mesmo tenho dado os riscos e plantas e todas as disposi-es para se promoverem ao estado que a todos parecia impossvel; porcarecer esta comarca de todos os meios e subsdios, a que a minha dili-gncia com muita dificuldade fez aprontar. J se v grandes levas de pre-

    sos criminosos para o presdio da Fortaleza, j se respeita a Justia, e vocessando os insultos com a captura e fuga dos insolentes. J os viajantese comboeiros cruzam comodamente toda a comarca e acham as estra-das abertas e pontes bem fabricadas nas mais importantes passagensdos rios, que eram invadeveis com as cheias.

    O provimento sobre o estabelecimento dos foros das casasdo Crato e seu regulamento tm a data de 7 de janeiro de 1778 e com-pem-se de 7 , o dado para a vila do Ic tem a data de 26 do mesmoms e consta de 8 e o dado na audincia geral da Correio da vilade Sobral para estabelecimento do patrimnio da Cmara da vila nas

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    terras da serra de Meruoca e Uruburetama do ms de julho ainda do

    mesmo ano.A Dias e Barros sucedeu na Ouvidoria Andr Ferreira deAlmeida Guimares, cujos atos sero referidos e comentados no captu-lo desta obra dedicado ao governo de Coutinho de Montaury, comquem ele serviu.

    Leio, contudo, no Esboo Histrico (pg. 193) de Theberge eno Ensaio Estatstico (pg. 276) de Pompeu que o Dr. Jos da CostaDias e Barros foi substitudo por Flix Alexandre da Costa Tavares

    em 20 de junho de 1780, e a este seguiu-se Andr Ferreira de Almei-da Guimares em data de 26 de maio de 1782; leio igualmente a mes-ma afirmao num trabalho do meu colega do Instituto, Sr. Joo Ba-tista Perdigo de Oliveira, trabalho que tem o ttulo: O Resumo Cro-nolgico para a Histria do Cear pelo Sr. Major Joo Brgido dos Santos.

    Ligeira Apreciao.12 chegada a vez de tomar a defesa do Major Joo

    Brgido.No conheo papel pblico ou documento em que Flix Tava-

    res figure em cargo diferente daquele que ocupou na Capitania, isto , ode procurador da Coroa; ao contrrio, dos documentos que possuo, s sepode inferir que Andr Ferreira substituiu imediatamente a Barros e Silva.

    Para resolver a questo dois deles bastam.O primeiro um longo e interessante ofcio, escrito de Sobral

    em 5 de janeiro de 1787 pelo Dr. Manuel de Magalhes Pinto e Avelarde Barbedo ao Ministro dos Negcios Ultramarinos.

    Esse ofcio comea assim A Sua Majestade e a Vossa Exce-

    lncia tendo-se dado h seis anos a esta parte repetida contas pelo Capi-to-Mor desta Capitania do Cear contra os ouvidores, que nela tmservido, e por infelicidade minha indo-se perpetuando aquela eterna de-sordem, que no pde compor posto que enviado para este fim, me re-solvo com a mais profunda submisso e respeito a pr na presena de

    V. Ex a origem toda desta antiga perseguio e jurado dio contra osouvidores.

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    12 Revista do Instituto do Cear, 1888, pg. 40.

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    De acordo com o plano traado, entra Manuel de Magalhes a

    descrever detalhadamente os acontecimentos havidos na Capitania a da-tar da chegada do escrivo da Fazenda Real, Antnio de Castro Viana, em1770, e faz saliente o papel, que neles representaram os Ouvidores Ba-charis Joo da Costa Carneiro e S e Jos da Costa Dias e Barros.

    Depois de ter narrado a fuga de Miranda Varejo para Lisboae as sindicncias feitas pelo Ouvidor Dias e Barros e o Escrivo Francis-co Rodrigues Paiva nos livros e mais papis a cargo de Antnio Viana,prossegue Manuel Magalhes nos seguintes termos:

    Nesse tempo aconteceu nomear-se para capito-mor destaCapitania Joo Batista de Azevedo Coutinho de Montaury e para ouvi-dor o Desembargador Andr Ferreira de Almeida Guimares, e foi esteltimo encarregado etc.

    Dada a hiptese de ter sido Flix Tavares Ouvidor do Cearem 1780, como se explica o silncio absoluto de que o cerca Manuel deMagalhes Pinto e Avellar no seu minucioso relatrio dos fatos e doshomens da Capitania? Como se explica que os papis da questo Castro

    Viana e Varejo passassem das mos de Barros e Silva para as do De-sembargador Andr Ferreira, segundo se v claramente do aludido rela-trio, tendo havido entre eles um outro ouvidor, a quem caberia tam-bm o dever de zelar a Real Fazenda, de sindicar de fatos, que caam sobsua alada, e de intervir, portanto, na questo?

    Outro documento h, que derroca igualmente a afirmao dePompeu, Theberge e Joo Perdigo.

    ele de data mais antiga e de no menor valia.Trata-se daquela representao endereada Rainha pelos ca-

    maristas da vila da Fortaleza em data de 27 de setembro de 1783, emque lhe agradecem t-los dispensado de pagar propinas reclamadas peloOuvidor Dias e Barros por morte da Rainha-Me D. Mariana Vitria,representao de que o leitor j tem notcia.

    Para provar tamanha luz que esse documento derrama sobreo ponto discutido no necessito de transcrever seno a parte final dele,que diz:

    E porque a pobreza deste Senado to manifesta que final-mente no tem a Casa de Cmara os precisos aparatos, que se fazem in-

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    dispensveis para o seu ministrio, que para o exerccio das variaes e

    acrdos do Conselho fizemos arrendar uma casa particular, trrea,como j se fez representao de 18 de maro do ano prximo passado:e como quer que o dito Bacharel Jos da Costa Dias e Barros houvessedeste mesmo Senado semelhante propina de cento e oito mil-ris pelofalecimento do nosso augustssimo rei o senhor Dom Jos o primeirode saudosa memria, como juntamente mais a quantia de vinte mil qua-trocentos e oitenta ris, que na mesma ocasio recebeu deste Senado,importncia de dezesseis libras de cera lavrada para luminrias pela festi-

    va demonstrao do casamento do nosso serenssimo Prncipe da Beira,

    cuja propina se faz bem verossmil a no podia haver de todas as Cma-ras, como a houve, por no haver to bem ttulo algum a este respeito.

    Assim rogamos incessantemente a V. Majestade queira porsua Real piedade e clemncia, por benefcio, e bem deste Senado man-dar que o dito Bacharel Jos da Costa Dias e Barros reponha todasaquelas ditas propinas pelas haver recebido sem que lhe pertencessem: eporque o sobredito proximamente se retirou para essa Corte, e cidadede Lisboa, por uma portaria do General de Pernambuco estando retido

    nesta Capitania e com termo passado para no sair dela pelo exatssimo,e prudentssimo Ministro (Andr Ferreira de Almeida Guimares), quenesta mesma Capitania serve de provedor da Real Fazenda, que a divinaprovidncia nos destinou e V. Majestade foi servido conceder-nos, nos para o bem, e alvio dos seus habitantes, como temos experimentado,como ainda para o aumento da Real Fazenda de V. Majestade, pois seacha o dito ministro, desde que tomou posse do seu ministrio com omais incansvel zelo ocupado nas arrecadaes da mesma Real Fazenda

    e finalmente conhecendo com o maior desvelo dos descaminhos, que namesma haviam do tempo do seu antecessor, e do escrivo, que ento eraAntnio de Castro Viana, que para cujo fim o havia retido at a finalaveriguao de to importante particular.

    Nessa representao no h uma referncia sequer a Flix Ta-vares; antes afirma-se que, j estando na Capitania o Ouvidor AndrFerreira, conservava-se ainda nela por ordem superior seu antecessorDias e Barros a fim de responder por crime de peculato, ordem que eleconseguiu burlar, retirando-se para Lisboa. Proximamente se retirou paraessa Corte, dizem os vereadores.

    Notas para a Histria do Cear 293

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    Diante das concluses e raciocnios, a que se prestam os do-

    cumentos por mim apresentados, a que reduz-se a suposio de que foiundcimo Ouvidor do Cear o Procurador da Coroa do tempo de Vito-rino Soares?

    Esse Bacharel que figura numa ata de vereao, a de 1 de se-tembro de 1779, da Cmara de Fortaleza como procurador do secretrioultramarino, ainda em 1783 vivia na vila do Aquiraz, como se depreendeda proposta de seu nome feita por Montaury