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UNIVERSIDADE FEDRAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA
CENTRO DE ARTES, HUMANIDADES E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
V SPPGCS
GT 3 – POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO
REFLEXÕES SOBRE UMA POLÍTICA PÚBLICA PARA O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL – UM OLHAR SOBRE O REUNI
1.
José Raimundo de J Santos
Professor CFP/UFRB Doutorando em CISO - PPGCS/FFCH/UFBA
Bolsista CAPES/UFRB
Resumo: O REUNI enquanto política pública de expansão e reestruturação das universidades fortalece a lógica das reformas anteriores, é impulsionado por razões exógenas à própria
universidade, mas que orientam a formação de novos paradigmas e interpretações sobre a universidade, o conhecimento e o mercado, interpondo-se à formação e à profissionalização, como também, à docência e à pesquisa. Mas qual seria esse propulsor exógeno para implantação de mais
uma reforma na educação superior? De fato a tendência é concordar com a afirmativa de que a reconfiguração geopolítica global é parte propulsora destas reformas, assim como a constituição de
blocos econômicos e comerciais e; a consequente fragmentação das relações de produção e, mercadorização das relações sociais e dos serviços, tal como educação. Razões que contribuíram para fazer com que a universidade deixasse de ser uma instituição social e passasse a ser planejada como uma organização, cujo caráter instrumental passa a ser o orientador regimental da mesma.
O impacto da Introdução
Para se pensar a Universidade no contexto sociopolítico brasileiro atual, torna-se necessário desviar
o olhar para uma perspectiva histórica, com o objetivo de compreender os sentidos atribuídos no
processo efetivo de implantação desta modalidade de ensino no ocidente e no país. Inicialmente,
devemos destacar que somente no século XIX as primeiras escolas de formação superior foram
implantadas no país e, isto só ocorre devido a fuga da família imperial para a colônia em virtude das
guerras napoleônicas que assolavam a Europa. Foi na Bahia onde se fundou a primeira Escola de
Cirurgia (1808) e, posteriormente, neste mesmo ano, outra instituição similar é implantada na
cidade do Rio Janeiro, onde se fixou a família imperial.
O contexto de surgimento desta modalidade de ensino na colônia portuguesa ocorre em
1 Este texto integra as discussões em desenvolvimento na pesquisa de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais da UFBA, intitulado; Saberes do Recôncavo- juventude, universidade e conhecimento.
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descompasso com o desenvolvimento da educação superior na Europa, que há longos períodos já
havia se consolidado. E é por este descompasso, promovido pelo modelo colonial português em
comparação com o restante dos países da Europa, que o processo inicial de implantação do ensino
superior no Brasil é considerado por inúmeros autores como produto de um constrangimento
político e ideológico para a época. O modelo da política colonialista imposta por Portugal,
principalmente na educação superior, impedia o desenvolvimento desta modalidade de ensino em
terras da colônia, permitindo apenas, que determinados funcionários e aristocratas pudessem
complementar seus estudos na Universidade de Coimbra, cuja formação, no século XVIII,
restringia-se aos graus de Doutor em Teologia, Direito e Medicina.
Diferentemente dos demais países da América Latina a implantação da educação superior no Brasil
ocorreu tardiamente. As instituições públicas brasileiras, na sua gênese, atenderam principalmente a
uma juventude das classes mais abastadas, enquanto que parcela significativa da população
trabalhadora e de origem popular completava seus estudos e formação nas instituições privadas de
ensino. É neste cenário, aliado a uma política internacional de redução do tamanho do Estado e
consequente esvaziamento dos investimentos públicos em direitos sociais como educação e saúde,
que observamos na década de 90, um decréscimo nos investimentos públicos na universidade e um
crescimento acelerado das instituições particulares. Paralelamente a esta mercadorização e aliado a
uma tendência global de otimização dos serviços e aumento da produtividade no âmbito da
educação superior, o governo brasileiro implanta a política nacional de avaliação institucional para
toda a educação superior, cujos objetivos estendiam-se desde os modelos organizacionais das
instituições de ensino, até mesmo a formas de avaliação docente pelos discentes. Em uma outra via
e orientado por um viés mercadologizante, o governo brasileiro, com a suposta intenção de
aumentar a inclusão no ensino superior, cria nos primeiros anos do século XXI, o PROUNI –
Programa Universidade para Todos, que objetiva fornecer bolsas de estudo para graduação nas
instituições privadas, ou seja, muda-se a fôrma mas mantém-se as ideias de redução do papel do
Estado e da superação da Educação como bem público.
A ideia de Universidade
O surgimento da universidade no contexto ocidental ocorre em consonância com a transformação
das relações de produção vigentes no período medieval, como também, pelo novo ethos
civilizatório da Idade Média, cuja emergência de novas classes e especializações práticas
profissionais, agora circunscritas nas emergentes cidades, estabelece novas necessidades e
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demandas para o processo de formação educacional. Por esta razão, e em contraposição aos centros
de formação clerical, que até então, eram responsáveis pela formação da elite pensante da época,
surgem às novas instituições de educação de caráter superior cujo objetivo era atender às demandas
desta nova sociedade civil, composta por burgueses, artesãos etc.. Neste período, as novas
instituições que surgem reforçam as características da nova classe social emergente e têm sua
gênese na organização de corporações de estudantes livres (Universidade de Bolonha) ou por
iniciativa autônomas dos Estados (Universidade de Oxford), ou, em outra via, mais conservadora,
pela manutenção de uma linhagem religiosa como a Universidade de Paris (Almeida Filho, 2007).
O surgimento das universidades na Europa do período medieval, reflete no contexto brasileiro de
fundação das primeiras instituições de educação superior no início do século XIX, na medida em
que observamos a constituição de uma nova sociedade civil na então colônia, principalmente, em
virtude da instalação da família imperial no Brasil, como também, pelo processo de reestruturação
produtiva promovido pela nova ordem mundial imposta, inicialmente, pela Inglaterra, que buscava
a expansão do mercado consumidor para sua atividade fabril emergente. O surgimento de uma nova
classe demanda um novo estilo e uma nova forma de consumir bens materiais e culturais, como
também a prestação de serviços e a capacitação dos profissionais. Logo, a implantação das escolas
de educação superior não é uma estratégia civilizatória do império português, mas sim uma forma
de atribuir à colônia uma ar de “civilidade”, quer seja, uma maior capacidade de consumir bens
materiais, culturais e simbólicos que qualifique este novo citadino e o aproxime do ideal civilizado
do homem europeu.
Desta forma, a reconfiguração política do Brasil, que na condição de colônia passa a ser a sede da
metrópole, impulsionou o ego político imperial a assemelhar-se a Europa colonizadora e, instala-se
na colônia um modelo escolástico de educação superior. Vale ressaltar que só após a independência,
em 1822, é que outras instituições isoladas de educação superior surgem, todas focadas nas
especializações práticas cujo caráter reprodutor de sua arquitetura curricular, não estava atrelado ao
desenvolvimento da pesquisa, como proposto pela reforma de Humboldt (1810). Esta característica
só emerge após a república sob a forte influência de um modelo de educação superior francesa.
Diante do exposto podemos apreender que o contexto sociopolítico de transformação e/ou
surgimento de novas modalidades de ensino está atrelado a uma transformação geopolítica da
sociedade civil. E isto está associado a reestruturação das forças produtivas para atender as novas
demandas de produção presentes no mercado. Almeida Filho (2007) observa que,
A arquitetura curricular da universidade medieval era bastante simples, em tese articulando o saber legitimado da época em um
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ciclo básico composto pelo ensino das sete artes liberais, divididas em dois blocos: o trivium (Gramática, Retórica e Dialética) e o quadrivium (Aritmética, Geometria, Astronomia e Música). Inicialmente, o único ensino especializado admitido era Teologia.
Com a organização das primeiras universidades laicas,
especialmente, no cenário norte-italiano, acrescentou-se o estudo
das Leis como formação jurídica especializada, visando à
consolidação de uma ordem mercantil, essencial ao poderio
econômico da nascente burguesia. [grifo nosso]
Daí observa-se a sobredeterminação do mercado sobre a constituição e arquitetura curricular das
novas modalidades de educação presente nas universidades. Enquanto que a universidade da era
medieval possuía uma arquitetura curricular limitada à Teologia e ao Direito (faculdades superiores)
e posteriormente medicina, no século XV. Na emergência da sociedade industrial e, sob forte
influência do racionalismo iluminista, coube as Faculdades de Filosofia, denominadas de faculdades
inferiores, tornar-se as agregadoras da formação científica. Não obstante o prestígio contemporâneo,
às artes mecânicas (engenharias) e de formação tecnológica e profissional estavam fora das
universidades e funcionavam em escolas militares ou em iniciativas isoladas do Estado, mas com
foco no desenvolvimento do mercado, como é o caso da Escola de Sagres, reconhecida como a
maior escola náutica da época.
E é neste sentido que Almeida Filho resgata o pensamento de Kant quanto a observação sobre o
caráter autônomo da universidade,
Kant argumenta com clareza que a verdade da Faculdade de Filosofia resultava do escrutínio científico do mundo e que, portanto, as faculdades inferiores deveriam ter como princípio não se ater a vontade de Deus, dos velhos mestres ou do soberano para a definição da verdade (…) O texto kantiano propõe uma reforma da instituição universitária, para que ela deixe de obedecer a princípios religiosos e políticos e enfim se constitua como espaço livre, onde não haja magister, soberano ou pontífice para atestar a verdade mesmo para as faculdades superiores, aquelas que hoje em dia parecem muito independentes.
Nesta obra de 1790, Kant observa o caráter significativo da autonomia das universidades para o
desenvolvimento do conhecimento científico e filosófico. E demonstra a necessidade que as ditas
faculdades superiores têm de dissociar-se das verdades atribuídas a ela, pelo Estado ou pela
Religião e, até mesmo, pela emergente composição da sociedade civil, que por intermédio das
demandas do mercado estabelecem as interdependências entre os saberes, as experiências e o
conhecimento, na manutenção e reprodução das estruturas sociais vigentes.
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No modelo proposto pela reforma de Humboldt, o primado da pesquisa deveria estender-se a toda
formação universitária, servindo como eixo de integração do ensino superior e, legitimando assim,
tudo o que pode ou não ser ensinado nas universidades, enquanto produto das investigações
científicas.
Não obstante, cem anos depois, na emergente nação norte-americana, ocorre outra reforma
universitária, orquestrada pela sociedade civil e representada pelo grande capital. E é em 1905,
através das recém-criadas fundações, que representavam os interesses deste mercado promissor e
desta parcela representativa do grande capital, que se desenvolveu um estudo de avaliação do
ensino superior nos EUA, com foco na área de saúde. O relatório apontava para além da análise do
ensino superior na área de saúde e, apresentava indícios fortes para uma necessária reorganização
do sistema americano de educação superior. Neste sentido, propunha a implementação de uma
arquitetura curricular flexível, antes da graduação, que possibilitasse o prosseguimento dos estudos
em mestrados profissionais e noutro, acadêmico, que permitisse acesso ao doutorado. De caráter
eminentemente departamental, esta reforma propunha também a formação de institutos e centros de
pesquisas autônomos. Contudo, nesta transformação da arquitetura acadêmica, estavam
resguardados os cursos das antigas faculdades superiores (Direito e Medicina), cuja formação
completa equivaleria ao doutorado. (ALMEIDA FILHO, 2007).
No Brasil, o século XX é marcante para a consolidação do que hoje denominamos e reconhecemos
como universidade e, neste sentido, há controvérsias no debate acerca do surgimento da primeira
universidade brasileira, em comum tem-se apenas o ano de 1934, onde ocorre a fundação da USP e
da Universidade do Distrito Federal, pelo então Secretário de Educação do Distrito Federal, Anísio
Teixeira. As duas renomadas universidades foram produto de missões específicas cujo foco
centrava-se em fornecer ao Brasil uma instituição firmada na pesquisa. A primeira reuniu
intelectuais franceses formados pela Sorbonne, a segunda reuniu intelectuais brasileiros em diversas
áreas do conhecimento, que foram instigados a implementar os princípios da educação democrática
no ensino universitário. Essa concepção democrática idealizada por Anísio Teixeira foi atropelada
pela ditadura Vargas que o afasta do projeto, nomeando um interventor a serviço do Estado, cujo
objetivo era desmontar a estrutura então pensada. Será, após a ditadura Vargas, no ano de 1946 que
se cria a rede de universidades federais, inaugurando a Universidade do Rio de Janeiro,
Universidade da Bahia e Universidade do Recife. Posteriormente, nos anos 60, a convite do
Presidente Juscelino Kubitscheck, Anísio Teixeira dedica-se a um novo projeto de universidade,
dessa vez, ajustando-se ao modelo norte americano de características pragmáticas concebe a UNB,
cuja arquitetura curricular fugia ao padrão nacional então existente. E, mais uma vez, Teixeira vê
seu projeto sendo sucateado por uma transformação no ethos geopolítico da sociedade brasileira, a
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ditadura militar o exonera e o exila, demiti professores e pesquisadores e, a então recém-criada
universidade passa a integrar o modelo vigente.
Em 1968, o acordo MEC/USAID implanta no Brasil aquilo que é considerado por especialista como
sendo a visão mais empobrecida do sistema americano de ensino (SALMERON, 1998; ALMEIDA
FILHO, 2007; RIBEIRO, 1986; TEIXEIRA, 2005). De acordo com esses autores o sistema híbrido
que foi implantado no Brasil não está em sintonia com os modelos existentes no mundo e o tempo
de formação na graduação e na pós-graduação diferem, sobrecarregando o estudante brasileiro no
seu processo de formação completa, em média estuda-se 10 anos entre graduação e Doutorado no
Brasil, enquanto que em outras praças acadêmicas isto pode variar entre 07 a 08 anos, podendo-se
estender a 10 anos para a medicina, que no Brasil pode variar entre 14 a 16 anos.
Esta digressão acerca do surgimento das universidades e das consequentes reformas a que foram
submetidas permite perceber a forte interdependência existente entre o contexto geopolítico e as
influências do mercado na determinação dos sentidos atribuídos ao ensino superior. Pode-se
observar que as reformas propostas estavam aliadas a emergência de novos atores na sociedade
civil, cujas demandas transgrediam a ordem vigente extrapolando o sentido da formação e da
profissionalização nas denominadas universidades.
De fato a construção e consolidação da universidade no Brasil está intrinsecamente associada ao
modelo político e de desenvolvimento que florescia no país como também às características
geopolíticas globais que passam a influenciar a economia local após a segunda grande guerra,
instaurando uma crise do modelo econômico, com altas taxas de inflação e crescimento baixo ou
negativo. A crise encontrou terreno propício para a propagação das ideias neoliberais, que
ganharam propulsão, deferindo severas críticas ao estado intervencionista. Dentre as medidas
neoliberais de contenção do Estado, ocorre a minimização da atuação estatal em políticas sociais,
desmonte do protecionismo e desmantelamento das instituições públicas. O discurso vigente era o
da modernização e racionalização do Estado e tinha na otimização e na elevação do desempenho
dos serviços públicos uma meta/coeficiente a ser alcançado. Esta perspectiva transplantava para o
setor público a lógica produtivista do mercado, promovendo uma forte mercadorização das relações
sociais, inclusive da educação (LIMA, AZEVEDO & CATANI, 2008).
O processo de consolidação do modelo neoliberal no Brasil, traz como referência paradigmática o
denominado ajuste fiscal, que passa a balizar o processo de transformação institucional do setor
público brasileiro. Em outras palavras, a reforma da educação superior brasileira neste período
passa por um processo de redução de investimentos públicos e, pela inserção das fundações como
órgãos de fomento e financiamento. Esta ação está aliada com as determinações dos órgãos
internacionais de gerenciamento da economia e do mercado global (BIRD, FMI, Banco Mundial,
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OMC) que diagnosticavam que o modelo universitário brasileiro atrelado à pesquisa era
abusivamente caro e, por esta razão, tornava insustentável ao Estado assegurar tal empreendimento,
confirmando, assim, esta como a principal razão da crise da educação brasileira.
Para Chauí (2003) o processo de ajuste fiscal e os modelos de reforma propostos no período
modificaram o sentido atribuído a universidade federal, cujas características do que seria uma
instituição social passam a configurar aquilo que Freitag (1996) denominou como sendo uma
organização social. Nas palavras da autora;
Ora, desde seu surgimento (no século XIII europeu) a universidade sempre foi uma instituição social, isto é, uma ação social, uma prática social fundada no reconhecimento público de sua legitimidade ou de suas atribuições, num princípio de diferenciação, que lhe confere autonomia perante outras instituições sociais, e estruturadas por ordenamentos, regras, normas e valores de reconhecimento e de legitimidade internos a ela. A legitimidade da universidade moderna fundou-se na conquista da ideia de autonomia do saber diante da religião e do Estado, portanto na ideia de um conhecimento guiado por sua própria lógica, por necessidades imanentes a ele, tanto do ponto de vista de sua intervenção ou descoberta como de sua transmissão.
…..
Uma organização [social] difere de uma instituição por definir-se por outra prática social, qual seja a de sua instrumentalidade: está referida ao conjunto dos meios particulares para obtenção de um objetivo particular. (…) não está referida a ações articuladas às ideias de reconhecimento interno e externo, de legitimidade interna e externa, mas a operações definidas como estratégias balizadas pelas ideias de eficácia e sucesso no emprego de determinados meios para alcançar o objetivo particular que a define. Por ser uma administração, é regida pelas ideias de gestão, planejamento, previsão, controle e êxito (1999:6) [grifo nosso]
E é esta perspectiva da instrumentalidade que afasta a universidade da sua característica de
mantenedora de um bem público, comum a todo e qualquer cidadão, portanto acessível a todas as
classes e pessoas. Ao incorporar o sentido da organização, ocorre um desmembramento da
criticidade e da cidadania, como também da autonomia, a universidade neste contexto atua para
manter-se e competir com as demais universidades. Aí os cidadãos são tratados como clientes que
dependem deste serviço e das políticas necessárias para assegurar sua permanência. A sua estrutura
está focada em aspectos gerencias, distanciando os docentes da pesquisa e atolando-os em
atividades de cunho gerencial administrativo, cujo objetivo é assegurar os programas de eficácia
organizacional, totalmente alheios ao desenvolvimento da pesquisa e à formação intelectual.
Assim sendo, ocorre na universidade aquilo que na sociedade manifesta-se como uma reprodução
da forma atual de capitalismo, onde a fragmentação da vida social em toda sua extensão destrói os
referenciais que orientam a formação das múltiplas identidades. Ou como argumenta Chauí (2003);
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“a sociedade aparece como uma rede móvel, instável, efêmera de organizações particulares e
programas particulares, competindo entre si”.
Democratização e interiorização do ensino superior ao Plano de Apoio aos Programas de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI).
Para tratar a questão da democratização e da importância das políticas públicas para o ensino
superior em curso no Brasil, faz-se necessário compreender de que forma estas se tornaram
necessárias. No século XX, a estrutura da universidade cuja rigidez funcional e organizacional, para
além da conjuntura do momento, estabelecia uma flexibilidade na relação do Estado com as
instituições e caracteriza a educação superior como um serviço público de uso não exclusivo do
Estado. Em tempo, vale registrar tem-se uma grande resistência destas instituições em aceitar as
demandas oriundas exclusivamente do mercado, como orientadora e regente dos currículos e
atividades acadêmicas. (Cf. Santos, Boaventura: 1997)
Há de se refletir que os avanços na universalização de direitos e de cidadania promoveram a
eclosão de identidades que passaram a clamar por oportunidades equitativas no acesso a bens e
serviços sob a tutela do Estado. Este processo revelou para as sociedades em desenvolvimento a
necessidade de formulação de políticas públicas que fossem capazes de assegurar a estes novos
personagens o acesso pleiteado, como também, revelou a existência de bolsões de desigualdade que
promoviam significativa exclusão de parcelas de indivíduos no acesso aos seus direitos. Em se
tratando da educação superior deve-se estar atento para a importância e o grau de desenvolvimento
atribuído a este nível escolarização e de formação profissional em cada sociedade e a cada época,
pois esta compreensão é que estabelece como os distintos países em desenvolvimento articulam
formas particulares de tratar o problema da democratização e universalização desta modalidade de
ensino.
Nos anos oitenta, a política de liberalização econômica em curso nos países desenvolvidos, impôs
aos países em desenvolvimento uma série de ajustes fiscais e estruturais que reconfiguram a
estrutura geopolítica global, pois ao tempo que promovem uma adequação destes países a uma nova
ordem mundial, determina aos seus governos uma série de medidas que adequariam à economia
destes países a realidade global (Cf: Silva Jr & Sguissardi, 2001). Os autores, citando Soares
(1996), apresentam algumas das diretrizes que passaram a orientar a atuação dos Estados Nacionais
de primeiro mundo em relação aos países do terceiro mundo ou em desenvolvimento. Conforme
dito:
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A preocupação destes países em relação aos países de terceiro mundo, no final dos anos oitenta e início dos noventa, revelava-se em alguns
eixos de sua concepção de desenvolvimento/crescimento, que, nos termos do chamado Consenso de Washington, assim se traduziam: 1. Equilíbrio orçamentário, sobretudo mediante a redução dos gastos
públicos;
2. Abertura comercial, pela redução das tarifas de importação e eliminação
das barreiras não-tarifárias;
3. Liberalização financeira, por meio de normas que restringem o ingresso
de capital estrangeiro;
4. Desregulamentação dos mercados domésticos, pela eliminação dos
instrumentos de intervenção do Estado, como controle de preços,
incentivos, etc.; 5. Privatização das empresas e serviços públicos
Para Sguissardi e Silva Jr, este processo de liberalização econômica tem início no Brasil, a partir de
1990, no governo de Collor de Mello. Mas é no governo de FHC que se torna mais intenso com a
criação do Ministério de Administração e Reforma do Estado (MARE), sob a regência de Bresser
Pereira.
O debate sobre a gerência do processo de liberalização econômica que influi e interfere sobre a
universidade é observada por Boaventura Sousa Santos (1997) a nível global desde os anos
sessenta. Este autor comenta que nos anos sessenta ocorre uma ruptura com o modelo de privilégios
e utilitário propagado pelas universidades, cujos fins abstratos definem as funções gerando o
aumento do corpo acadêmico e a expansão das áreas do conhecimento.
Esta (aparente?) perenidade de objetivos só foi abalada na década de sessenta, perante as pressões e as transformações a que foi então
sujeita a universidade. Mesmo assim, ao nível mais abstracto, a formulação dos objetivos manteve uma notável continuidade. Os três fins principais da universidade passaram a ser a investigação, o ensino
e a prestação de serviços. Apesar de a inflexão ser, em si mesma, significativa e de se ter dado no sentido do atrofiamento da dimensão
cultural da universidade e do privilegiamento do seu conteúdo utilitário, produtivista, foi, sobretudo ao nível das políticas universitárias concretas que a unicidade dos fins abstractos explodiu
numa multiplicidade de funções por vezes contraditórias entre si. A explosão das funções foi, afinal, o correlato da explosão da
universidade, do aumento dramático da população estudantil e do corpo docente, da proliferação das universidades, da expansão do ensino e da investigação universitárias a novas áreas do saber. (1997:
188)
Este processo que ocorreu em diversos países do globo nos anos sessenta reverbera no Brasil a
partir dos primeiros anos do século XXI. A redefinição do ethos acadêmico a partir da
democratização do acesso ao ensino superior mais o incremento no número de universidades
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públicas e federais possibilitou o aumento da população estudantil e do corpo docente e técnico
administrativo. Paralelamente, ocorre a multiplicação de ofertas de cursos nas mais distintas áreas
do conhecimento e, consequentemente, uma ampliação das possibilidades de acesso ao ensino
superior, com o surgimento de novas carreiras profissionais. O que ocorre no Brasil, não está
dissociado do que ocorreu nos países centrais na segunda metade do século XX, a influência do
modelo geopolítico global de liberalização econômica interfere diretamente nas formas como a
universidade e a educação superior vão ser tratadas por diferentes governos. Na concepção do
Ministro Bresser Pereira a reforma do Estado é assim definida:
A proposta de reforma do aparelho do Estado parte da existência de quatro setores dentro do Estado: (1) núcleo estratégico do Estado, (2)
as atividades exclusivas do Estado, (3) os serviços não exclusivos ou competitivos, e (4) a produção dos bens e serviços para o mercado.
(...) Na União, os serviços não exclusivos de Estado mais relevantes
são as universidades, as escolas técnicas, os centros de pesquisa, os
hospitais e os museus. A reforma proposta é a de transformá-los
em um tipo especial de entidade não-estatal, as organizações
sociais. A ideia é transformá-los, voluntariamente, em
“organizações sociais”, ou seja, em entidades que celebrem um
contrato de gestão com o poder executivo e contem com a
autorização para participar do orçamento público. ( Bresser
Pereira apud Sguissardi e Silva Jr, 2001:32) [grifo nosso]
Este processo de transformação das universidades em organizações sociais, como também de outras
instituições e entidades que atuam no Estado, foi denominado pelo Ministro Bresser como
“Programa de Publicização”. A partir da adesão voluntária, estas novas entidades passariam a ser
denominadas de “entidades públicas não estatais ou fundações públicas de direito privado”.
Enquanto organizações sociais seriam assim definidas:
Esta última reforma se dará através da dramática concessão de autonomia financeira e administrativa às entidades de serviço do
Estado, particularmente de serviço social, como as universidades, as escolas técnicas, os hospitais, os museus, os centros de pesquisa, e o
próprio sistema de previdência. Para isto, a ideia é de criar a possibilidade dessas entidades serem transformadas em “organizações sociais”.
Organizações sociais serão organizações públicas não-estatais – mais especificamente fundações de direito privado – que têm autorização
legislativa para celebrar contrato de gestão com o poder executivo, e, assim, poder, através do órgão do executivo correspondente, fazer parte do orçamento público federal, estadual e municipal. (Ib. Id.: 34)
Esta proposta, PEC nº 173/95, é encaminhada pelo governo ao Congresso e após sucessivos
debates, será em 2015 que o Supremo Tribunal Federal reconhece a constitucionalidade da proposta
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de reforma constitucional. A eleição de constitucionalidade da PEC ocorre durante um período de
crise do governo com cortes expressivos na pasta da Educação. Se resgatarmos a política de
reforma do estado proposta no governo FHC sob a regência de Bresser Pereira, se verifica que o
desmantelamento do estado, transferindo para o setor privado tudo àquilo que poderia ser
controlado pelo mercado, ganha notoriedade discursiva e prática com a generalização das
privatizações de empresas estatais. Contudo o debate sobre a desestatização dos serviços que devem
ser subsidiados pelo Estado, como saúde e educação, ganha eco na sociedade, em concordância com
as gestões empreendidas pelo governo do Presidente FHC.
No bojo do programa de Publicização proposto por Bresser tinha-se:
Para isto será necessário extinguir as atuais entidades e substituí-las por
fundações públicas de direito privado, criadas por pessoas físicas. Desta forma se evita que as organizações sociais sejam consideradas entidades
estatais, como aconteceu com as fundações de direito privado instituídas pelo Estado, e assim submetidas a todas as restrições da administração estatal. As novas entidades receberão por cessão precária os bens da
entidade extinta. Os atuais servidores da entidade transforma-se-ão em uma categoria em extinção e ficarão à disposição da nova entidade. O
orçamento da organização social será global. (Bresser Pereira, 1996 apud Sguissardi; Silva Jr. 2001)
REUNI
O REUNI enquanto política pública de expansão e reestruturação das universidades fortalece a
lógica das reformas anteriores, é impulsionado por razões exógenas à própria universidade, mas que
orientam a formação de novos paradigmas e interpretações sobre a universidade, o conhecimento e
o mercado, interpondo-se à formação e à profissionalização, como também, à docência e à pesquisa.
Mas qual seria esse propulsor exógeno para implantação de mais uma reforma na educação
superior? De fato a tendência é concordar com a afirmativa supracitada de que a reconfiguração
geopolítica global é a propulsora destas reformas, cujas características fundamentais podem ser
enumeradas a partir: da constituição de blocos econômicos orientados pela OMC e demais órgãos
internacionais; a consequente fragmentação das relações de produção e; a mercadorização das
relações sociais e dos serviços, tal como educação, contribuíram para fazer com que a universidade
deixasse de ser um instituição social e passasse a ser reconhecida como uma organização, cujo
caráter instrumental passa a ser o orientador regimental da mesma.
Quer seja, torna-se importante o número de matriculas e de concluintes, as baixas taxas de evasão, a
produtividade técnica e científica dos docentes na gestão e na pesquisa, ainda que, neste tipo de
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universidade, para o discente, o diploma não represente criticidade ou comprometimento com o
desenvolvimento da ciência. Portanto, as reformas do estado sempre atuam de forma abrupta na
universidade brasileira, até mesmo porque, na contemporaneidade, esta ainda não consegue romper
com os vícios do modelo híbrido imposto pela reforma MEC/USAID no auge da ditadura militar.
Assim para processarmos esta migração de instituição para organização social, observemos as
palavras de Chauí, no que tange a reforma neoliberal em curso,
De fato, essa reforma, ao definir os setores que compõem o Estado, designou um desses setores como setor serviços não exclusivos do Estado e nele colocou a educação, a saúde e a cultura. Essa localização da educação no setor de serviços não exclusivos do Estado significou: a) que a educação deixou de ser concebida como um direito e passou a ser considerada um serviço; b)que a educação deixou de ser considerada um serviço público e passou a ser considerada um serviço que pode ser privado ou privatizado. Mas não só isso. A reforma do Estado definiu a universidade como uma organização social e não uma instituição social. (2003:6)
Nesta lógica podemos observar que as motivações para a implantação do REUNI não estão
associadas há um princípio endogâmico à universidade brasileira, mas se constitui como reflexo de
um reestruturação geo-política que influi de forma abrupta nas arquiteturas curriculares das
universidades ao redor do mundo. A constituição de blocos econômicos gerou uma nova classe e um
novo ethos científico, logo um novo estilo de se fazer e se reconhecer o conhecimento como
científico, como também propiciou um certo encurtar do tempo de reflexão e criação intelectual,
fazendo com que cientistas e pesquisadores passassem a se preocupar, de forma demasiada, na
publicação do parcialmente apreendido do que na reflexão amadurecida do sentido do que está
sendo produzido como conhecimento científico. A proliferação das especialidades transformou o
todo em um conhecimento inatingível, caracterizando como generalista todo conhecimento que
buscasse extrapolar os limites do objeto reconhecido. Neste sentido, ergueram-se estantes do que
pode ser investigado nesta ou naquela instituição e, consequentemente, criou-se pequenos nichos de
especialidades que não podem ser rompidas, senão por um novo (endo)paradigma.
Foi por esta razão, que buscando reintegrar a Europa no ciclo técnico científico global, que no ano
de 1998, os ministros da educação de quatro países europeus – Reino Unido, Alemanha, França e
Itália -, assinaram uma declaração objetivando constituir um espaço europeu da educação superior
(Declaração de Sorbonne). Mais tarde, esta ação tornou-se a gênese da Declaração de Bolonha que
para além dos países supracitados reúne mais 25 estados europeus, perfazendo 29 signatários a este
pacto. Nele, os estados europeus assumem a necessidade de constituição de um espaço de ensino
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superior europeu que fosse atrativo para estudantes da própria Europa e de outros países e
continentes. (Cf. CATANI, AZEVEDO & LIMA, 2008).
Este modelo pensado pela declaração de Bolonha propunha um sistema de educação superior que
fosse capaz de promover a mobilidade e empregabilidade dos cidadãos, além de compatibilidade e
comparabilidade da educação superior em cada Estado, quer seja, estabelecia-se aí a lógica de
unificação de mercado, engendrando uma arquitetura curricular que alcançasse uma dimensão
europeia dos currículos. Vale ressaltar que não propunham uma homogeneização ou padronização,
mas sim uma harmonização que subsidiasse a mobilidade estudantil e de pesquisadores. Este
empreendimento resguarda a eleição de indicadores em múltiplas dimensões da educação superior
que permitem uma avaliação de caráter comparativo entre os países signatários. Portanto, a
reconstrução das fronteiras com base nos acordos multilaterais de integração econômica e política
foram propulsores de uma reconfiguração geopolítica e de definição das especializações e
profissões para atender a este novo espaço, União Europeia.
REUNI/BRASIL – Diretrizes e análises
Diante de tal contexto e com vistas a estabelecer uma ruptura com o descaso promovido pelo
modelo anterior, é que se cria em abril de 2007 o Programa de Apoio a Planos de Expansão e
Reestruturação das Universidades Federais – REUNI – cujas diretrizes ( i- ampliação da oferta da
educação pública; ii -reestruturação acadêmico curricular; iii – renovação pedagógica da educação
superior; iv – mobilidade inter e intra institucional; v – compromisso social da instituição e; vi –
suporte da pós-graduação ao desenvolvimento e aperfeiçoamento qualitativo dos cursos de
graduação.) estabeleciam a constituição de uma nova arquitetura acadêmica para educação superior,
subsidiando o objetivo principal que é: criar condições para o acesso e permanência na educação
superior, ao nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos
humanos existentes nas universidades federais (BRASIL, 2007). Logo, as universidades que
aderissem ao programa teriam um prazo de até cinco anos para atender ao proposto em seu plano de
reestruturação e, para tanto, teriam que elaborar um plano para atingir os objetivos e diretrizes
estabelecidos pelo programa, com as estratégias definidas para se alcançar as metas e índices neste
período. Das 55 universidades federais existentes logo após a apresentação do REUNI, apenas duas
(UFABC: criada em 2005 e a UNIPAMPA criada em 2008) não aderiram inicialmente ao programa.
Aliado ao discurso do caráter dispendioso da universidade brasileira, focada na pesquisa, pelos
órgãos internacionais, a meta estabelecida pelo REUNI para as IFE's foi de aumentar a saída da
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graduação para 90% e elevar a relação aluno professor para 18. Observa-se aí, que se trata de se
constituir um conjunto de números que revelem, com uma simples análise, o quantitativo que
produziu cada universidade em seus distintos segmentos. Estes indicadores transformam o
conhecimento numa mercadoria e as relações de aprender e saber num fetiche de atratividade para
novos alunos e professores.
Na compreensão de Ball (apud PINTO, 2011), existe a necessidade de superação das análises
deterministas, sempre focadas numa perspectiva micro ou macro acerca da implementação de
políticas públicas, ele nos propõe uma análise a partir do processo, quer seja; permite analisar o
ciclo de políticas como um método para percepção das ações por meio das práticas e, assim,
apresenta os possíveis contextos onde podemos observar o processo de intervenção e atuação do
Estado, classificando-os da seguinte forma: contexto de influência (a estratégia política e o cenário
que a envolve); contexto do texto (documentos e escritos) e; contexto da prática ( a ação, o fazer e
os resultados). Neste contexto, cabe observar a atuação de alguns dos agentes envolvidos na
formulação e implementação da política, assim tem-se a ANDIFES – Associação Nacional de
Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior – que agrega os dirigentes institucionais de
todas as universidades que aderiram ao REUNI. A ANDIFES passou a defender o programa e
percebeu neste uma forma de aumentar o número de vagas para os cursos de graduação e
consequente contratação de novos docentes, atuando como interlocutor passou a defender a política
não somente internamente à universidade, mas extrapola para a sociedade civil, apresentando
publicações e planos que se adéquam ao proposto no REUNI e no Plano de Desenvolvimento da
Educação. Outro ator de relevante papel é a ANDES – Associação Nacional de Docentes do Ensino
Superior – que observa no REUNI um plano de expansão deslocado da pesquisa e extensão,
priorizando o ensino de graduação e promovendo a precarização do trabalho docente, com
exigência de indicadores cada vez maiores de produtividade, transformando a pesquisa e a produção
do conhecimento numa mercadoria produzida em série. A UNE – União Nacional dos Estudantes –
vê na expansão e no aumento do número de vagas e entradas no ensino superior, principalmente no
turno noturno, uma vitória dos movimentos sociais e da classe trabalhadora, dá credibilidade à
interiorização e a criação de novos campi como uma forma de reduzir as desigualdades regionais de
acesso ao ensino superior.
Do outro lado, numa relação de proximidade e distanciamento têm-se os órgãos internacionais, que
no passado haviam declarado o caráter dispendioso do modelo brasileiro que opera como
impeditivo ao crescimento desta modalidade de ensino no país, cabe destacar o papel do Banco
Mundial e da UNESCO, que produzem um discurso que reitera a opinião da necessidade de
dissociação entre a pesquisa e o ensino de graduação. Ainda neste contexto transnacional tem-se
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que o processo de Bolonha assemelha-se ao modelo proposto no REUNI na medida em que
estabelece a necessidade de criação de novos ciclos formativos na graduação.
Portanto, ao analisarmos o contexto motivacional para o surgimento do REUNI temos que a
transformação geopolítica global forçou as instituições europeias a constituírem uma reforma que
lhe dessem competitividade, principalmente com relação aos EUA e Canadá e, que apesar da
secularidade de suas instituições tornou-se necessário estabelecer indicadores e variáveis capazes de
mensurar a produção docente e transformar o conhecimento de uma forma mais especializada. O
modelo transnacional de educação superior europeu demonstra a interdependência entre o mercado
e o ensino superior, pois esse servirá como mais um atrativo de mercado para novos estudantes e
novas profissões.
No Brasil o acarajé a bolonhesa, quer seja; a junção do proposto pela Universidade Nova
(ALMEIDA FILHO, 2003) e pelo REUNI (BRASIL,2007), representa a busca de construir uma
reforma de caráter paradigmático e de transformação de um ethos cultural que ainda se encontra
jovem perante as demais instituições na América Latina e em outras partes do mundo. É certo que, a
idade dos jovens que acessam ao ensino superior está cada vez menor e, que esta condição de
prematuridade no acesso, implicava diretamente na escolha das carreiras e profissões, promovendo
sucessivos abandonos e, consequentes, novas escolhas. Portanto, tínhamos um número de vagas
ociosas muito grande, como também uma exclusão significativa de parcelas expressivas da
sociedade brasileira, estudantes de origem popular, negros, oriundos do interior e/ou da zona rural
estavam cada vez mais distantes da educação superior pública e federalizada.
Em sua proposta o REUNI pretende alcançar 30% dos jovens na faixa etária de 18 a 24 anos e, no
documento produzido em agosto de 2007, intitulado: REUNI Diretrizes Gerais, afirma;
Ao lado da ampliação do acesso, com o melhor aproveitamento da estrutura física e do aumento do qualificado contingente de recursos humanos existentes nas univeridade federais, está também a preocupação de garantira a qualidade da graduação da educação pública. Ela é fundamental para que os diferentes
percursos acadêmicos oferecidos possam levar à formação de pessoas aptas a enfrentar os desafios do mundo contemporâneo, em que a aceleração do
processo de conhecimento exige profissionais com formação ampla e sólida. A
educação superior, por outro lado, não deve apenas formar recursos humanos para o mundo do trabalho, mas também formar cidadãos com espírito crítico que possam contribuir para a solução de problemas cada vez mais complexos da vida pública. [grifo nosso]
O subtexto presente nas diretrizes gerais do programa de restruturação, orienta para o mercado e para as
novas necessidades que dele demandam. Formar recursos humanos e como subproduto cidadãos críticos e
implicados com o bem comum e público. O sentido estabelecido nesta diretrizes estão em consonância com
os do processo de Bolonha, quer seja, uma arquitetura curricular flexível e desprovida de pré-requisitos, uma
16 busca constante pela inovação nos campos de atuação profissional e consequente formação, aumento das
vagas ocupadas e mobilidade estudantil.
A herança de 68, promoveu um fosso entre o ensino de graduação e pós graduação, a dissociação entre os
saberes e as experiências práticas demonstrou uma fragilidade do modelo anterior, contudo, ainda que
propondo uma reestruturação espacial e organizacional das universidades, os agentes executores do REUNI
não observaram os contextos em que parcela dos sujeitos envolvidos na construção da Universidade estavam
submetidos. Oriundos de um modelo educacional focado na profissionalização e, consequente, mobilidade
social os docentes das universidades não foram convidados para atuarem de forma protagonista neste
processo. As pesquisas, cuja produção, reflexão e análise ultrapassam a relação temporal estabelecida pelo
mercado, foram substituídas por fragmentos discurssivos que demonstram a produtividade dos docentes e,
assim, consituiu-se num indicador numérico curricular para a disputa dos editais, que a partir de então,
passaram a ser a nova forma de atração de recursos para as universidades. Os discente, convidados a escolha
de uma profissão pelo mercado, buscam na seleta disponibilidade de percursos acadêmicos, aquele que lhe
possibilitará inserção e reconhecimento no mercado de trabalho. E quando optantes pela vida acadêmica,
procedem uma nova escolha, agora na estante dos objetos possíveis de serem pensados e pesquisados, como
também financiados. Em suma, o mercado estabelece para a universidade, em especial para as formações
cujo foco está nas especializações práticas, um paradigma efêmero acerca do que é o conhecimento, mas
uma perspectiva material e concreta, acerca da forma como esta deve atuar.
À guisa de uma conclusão...
A lógica da reestruturação do ensino superior e das universidades pensadas no REUNI, resguarda-se
em princípios de isonomia e equidade social, tendo como base a propalada justiça social promovida
pela interiorização das universidades; pela reestruturação e construção de novos campi e
universidades; pelas políticas de acesso e de ações afirmativas e, até mesmo, pelo aumento
significativo de bolsas de permanência. Contanto, ainda que, propulsora de um refazer acerca das
arquiteturas curriculares, o REUNI destitui a autonomia das universidades e promove uma relação
de centro e periferia, constituindo assim, tipologias de universidades e classificando-as como
produtoras e ou reprodutoras do conhecimento, formadoras e ou repetidoras de modelos de
formação, profissionalizantes e ou responsáveis pela formação intelectual e acadêmico-política da
sociedade.
Como política pública o REUNI objetiva a expansão como forma de reduzir o impacto da ação
estatal que privilegia a manutenção das diferenças de status, pois ao tempo que possibilita uma
maior quantidade de vagas ao ensino superior, estabelece políticas inclusivas que assegurem o
acesso de camadas marginalizadas socialmente, a esta modalidade de educação. Nesta lógica, no
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contexto textual, busca-se otimizar o bem público para o acesso universal por todas as classes e não
constituí-lo como algo que atendesse a apenas uma parcela da sociedade. Logo, observa-se o caráter
híbrido que este modelo de políticas públicas têm no Brasil, pois como afirma Esping-Andersen
(1991), “os social-democratas buscaram um welfare state que promovesse a igualdade com os
melhores padrões de qualidade, e não uma igualdade das necessidades mínimas (…) Esta fórmula
traduz-se numa mistura de programas altamente desmercadorizantes e universalistas que, mesmo
assim, correspondessem a expectativas diferenciadas”. Teoricamente todos os trabalhadores
estariam aí desfrutando de um sistema universal e o produto dessa relação social seria a
solidariedade com os custos operacionais e de funcionamento do produto da política. Ou seja, se a
universidade agora é inclusiva e alcança inúmeros recantos do país, os custos de manutenção e
ampliação do sistema educacional deve ser repartido por todos e em todas as unidades da federação.
Esta premissa, ainda que de relevante importância para um tipo ideal de política pública para a
reestruturação e expansão da educação superior, não se concretiza, na medida em que, esta
instituição, universidade, representa um ethos conflitivo e que gera poder para os seus partícipes. E
esse poder representa a possibilidade de deslocamento social, cultural e econômico para parcelas
significativas da sociedade. Vale ressaltar, que por esta característica, a interdependência desta
modalidade de ensino com o mercado é cada vez mais estreita. Além do mais, a configuração
geopolítica do Estado, engajado em blocos econômicos e acordos bilaterais de comércio e
desenvolvimento, estabelece os paradigmas transnacionais e norteadores do fazer educacional e do
fazer cientifico, orientando tudo o que se pode ou não financiar e, consequentemente, produzir ou
não como forma de conhecimento.
Logo, para se gestar uma política tal qual o modelo social-democrata prevê, se faz necessário uma
avaliação geral das necessidades e desequilíbrios existentes no contexto de atuação da política. Ou
como diz Santos (1987), “políticas de desenvolvimento social, destinadas a maximizar o bem-estar
coletivo, e a equidade devem ser aferidas levando-se em consideração o fundo contrastante da
situação presente.” Pois, o modelo conceitual norteador da política e da avaliação é produzido no
âmbito do próprio Estado.
É compreensível, portanto, que os sistemas produtores de informação, refletindo tanto a preocupação predominantemente econômica dos governos, quanto o maior amadurecimento relativo da análise econômica, entre as disciplinas sociais, atentem, sobretudo, para as dimensões econômicas e demográficas, e a um nível de agregação cujo valor, como base empírica, para as análises sociais, deixa muito a desejar.
…
a escolha de políticas visando a reduzir disparidades sociais fundamenta-se não apenas no reconhecimento da existência das desigualdades, mas, sobretudo, em juízos comparativos predicados de realidades relativamente estáveis. (ib. id.)
18
Este mergulho sócio-histórico acerca da educação superior e das formas de desigualdades existentes
no país, principalmente acerca da escolaridade da população brasileira em seus diversos estratos,
não foi feito pelo Estado, ao contrário, mais uma vez importou-se a matriz de um modelo pré-
existente em detrimento da nossa própria condição de universidade. O REUNI constitui aquilo que,
à moda brasileira, foi implantado na comunidade europeia e nas universidades americanas.
Adaptou-se o modelo híbrido anterior a uma nova metamorfose do fazer universidade, isto é, passa-
se a coexistir no país dois modelos de universidade, atuando no mesmo espaço físico e social. Este
mecanismo de criar o novo paralelamente ao modelo existente, pode revelar o descrédito do próprio
Estado na política, ou a força e a importância que as elites dominantes vêm no modelo anterior, que
assegura aos seus membros a permanência nos espaços de prestígio e nos cursos de relevância
econômica e social.
Logo, a lógica que estrutura os processos de implantação e funcionamento do REUNI como política
pública voltada para o ensino superior está relacionado ao contexto geo-político de surgimento
desta, como também, ao conceito ou ideia de universidade existente no Estado brasileiro e na
sociedade. A universidade como lugar da pesquisa e do ensino através da pesquisa, está cada vez
mais distante das proposições otimizadoras estabelecidas por este programa. Por outro lado,
observa-se cada vez mais o processo de mercadorização das relações sociais e de sobrevalorização
das formações inovadoras estritamente vinculadas a uma realidade de mercado.
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