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Avenida Presidente Vargas, 417/9º. andar, sala 909 CEP 20071-003 - Rio de Janeiro – RJ CNPJ: 10.269.919/0001-39 Email: [email protected] GT 07 Mercados Agroalimentares e Reconfigurações Socioeconômicas nos Territórios Rurais Circuito curto e construção social dos mercados: a trajetória dos alimentos dos agricultores e agricultoras familiares da Feira Agroecológica de Mossoró-RN Zildenice Matias Guedes Maia¹ Cimone Rozendo de Sousa² 1 Doutoranda em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Norte; [email protected] 2 PhD em Sociologia/Professora Adjunta do Departamento de Ciências da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, [email protected] Resumo: As diversas estratégias de comercialização desenvolvidas por organizações de agricultores familiares em todo território nacional consistem na construção de espaços em que a ação dos intermediários é minimizada. Assim, o objetivo da pesquisa é compreender o circuito curto de comercialização na Feira Agroecológica de Mossoró-RN a partir da trajetória social dos alimentos produzidos pelos agricultores e agricultoras familiares dos Assentamentos Favela, Jurema, Paulo Freire e Comunidade Serra Mossoró. Palavras-chaves: Circuito Curto de Comercialização. Produção Agroecológica. 1. Introdução As feiras agroecológicas estão presentes em várias partes do Brasil, constituindo uma ligação entre produção, consumo das famílias agricultoras e comercialização. Os estudos apontam que tais experiências têm fortalecido a agricultura familiar de base ecológica, conferindo aos agricultores e agricultoras maior autonomia à sua condição de camponês (SCHMITT, 2013; SCHOTTZ, 2014). Abordar sobre a importância das feiras agroecológicas na constituição da autonomia camponesa, em especial na garantia da segurança alimentar, constitui-se um dos temas que embora bastante discutidos, precisam ser aprofundados, perpassando, sobretudo, por conceitos como sustentabilidade ambiental e social. O acesso às feiras agroecológicas para os consumidores representa a possibilidade de resgatarem a culinária e os hábitos alimentares regionais, imprimindo a valorização de tais experiências, e assim estabelecerem laços de confiança que comumente não se fazem presentes no modo de alimentação e agricultura convencional (POLLAN, 2008). A venda direta a consumidores trata-se de uma prática milenar que foi secundarizada com intensidade a partir do século XX, como consequência do modelo de modernização da agricultura, assim como do processo intensivo de industrialização e especificação agrícola, instituindo a agroindustrialização alimentar. Configura-se assim, o modo de comercialização dos alimentos em cadeias longas, onde o sistema de transportes e as técnicas de conservação dos alimentos se estabelecem como modelos “modernos”, incorrendo aos agricultores e agricultoras a condição de trabalhadores operários para manter essa lógica de produção. Ademais, os consumidores das cidades intensificam o consumo a alimentos comprados nas prateleiras dos

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Avenida Presidente Vargas, 417/9º. andar, sala 909 CEP 20071-003 - Rio de Janeiro – RJ

CNPJ: 10.269.919/0001-39 Email: [email protected]

GT 07 – Mercados Agroalimentares e Reconfigurações Socioeconômicas nos Territórios

Rurais

Circuito curto e construção social dos mercados: a trajetória dos alimentos dos

agricultores e agricultoras familiares da Feira Agroecológica de Mossoró-RN

Zildenice Matias Guedes Maia¹

Cimone Rozendo de Sousa²

1 Doutoranda em Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Norte;

[email protected] 2 PhD em Sociologia/Professora Adjunta do Departamento de Ciências da Universidade Federal

do Rio Grande do Norte, [email protected]

Resumo:

As diversas estratégias de comercialização desenvolvidas por organizações de agricultores

familiares em todo território nacional consistem na construção de espaços em que a ação dos

intermediários é minimizada. Assim, o objetivo da pesquisa é compreender o circuito curto de

comercialização na Feira Agroecológica de Mossoró-RN a partir da trajetória social dos

alimentos produzidos pelos agricultores e agricultoras familiares dos Assentamentos Favela,

Jurema, Paulo Freire e Comunidade Serra Mossoró.

Palavras-chaves: Circuito Curto de Comercialização. Produção Agroecológica.

1. Introdução

As feiras agroecológicas estão presentes em várias partes do Brasil, constituindo uma

ligação entre produção, consumo das famílias agricultoras e comercialização. Os estudos

apontam que tais experiências têm fortalecido a agricultura familiar de base ecológica,

conferindo aos agricultores e agricultoras maior autonomia à sua condição de camponês

(SCHMITT, 2013; SCHOTTZ, 2014).

Abordar sobre a importância das feiras agroecológicas na constituição da autonomia

camponesa, em especial na garantia da segurança alimentar, constitui-se um dos temas que

embora bastante discutidos, precisam ser aprofundados, perpassando, sobretudo, por conceitos

como sustentabilidade ambiental e social.

O acesso às feiras agroecológicas para os consumidores representa a possibilidade de

resgatarem a culinária e os hábitos alimentares regionais, imprimindo a valorização de tais

experiências, e assim estabelecerem laços de confiança que comumente não se fazem presentes

no modo de alimentação e agricultura convencional (POLLAN, 2008).

A venda direta a consumidores trata-se de uma prática milenar que foi secundarizada

com intensidade a partir do século XX, como consequência do modelo de modernização da

agricultura, assim como do processo intensivo de industrialização e especificação agrícola,

instituindo a agroindustrialização alimentar. Configura-se assim, o modo de comercialização

dos alimentos em cadeias longas, onde o sistema de transportes e as técnicas de conservação dos

alimentos se estabelecem como modelos “modernos”, incorrendo aos agricultores e agricultoras

a condição de trabalhadores operários para manter essa lógica de produção. Ademais, os

consumidores das cidades intensificam o consumo a alimentos comprados nas prateleiras dos

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supermercados. É a partir da década de 1990 que intensifica-se a demanda para a produção

orgânica, pois a população humana encontra-se insatisfeita com os efeitos nocivos à saúde

humana e ao meio ambiente do modelo de produção alimentar dominante (DAROLT, 2013).

De acordo com Pollan (2008), no início do século XX, médicos e profissionais

observaram que onde se abrisse mão da alimentação tradicional em prol da dieta ocidental,

haveria uma relação direta com o surgimento de doenças ocidentais, tais como obesidade,

diabetes, doenças cardiovasculares e câncer.

Assim, o autor citado propõe outra forma de pensar o alimento e de se relacionar com

ele, sobretudo em uma perspectiva sistêmica, pois o alimento está além dos compostos

químicos, diz respeito também a um conjunto de relações sociais e ecológicas. Um caminho

possível de percorrer é comprar alimentos diretamente ao produtor, nas cadeias agroalimentares

curtas, pois nesses locais os alimentos não são processados, e também não vieram de longas

distâncias. A diferença entre as cadeias alimentares curtas do pequeno produtor, e longas e

complexas da industrialização da alimentação é apontada por Pollan (2008, p. 175):

Numa cadeia alimentar longa, a história da identidade da comida

(Quem a cultivou? Onde e como foi cultivada?) desaparece na

corrente indiferenciada das mercadorias, de modo que a única

informação comunicada entre consumidores e produtores é o preço.

Numa cadeia alimentar curta, aquele que vai comer pode tornar

conhecidos do fazendeiro seus desejos e suas necessidades, e os

fazendeiros podem transmitir a quem vai comer as distinções entre

alimentos comuns e extraordinários, e as muitas razões por que os

alimentos extraordinários valem o que custam. O alimento recupera

sua história e um pouco de sua nobreza quando a pessoa que o

cultivou o entrega a você. Portanto, eis uma subdivisão da regra saia-

do-supermercado: aperte a mão que o alimenta.

A relação entre alimentos cultivados de forma ecológica sustentável e a saúde humana é

relevante. De modo que, sabe-se que solos mais saudáveis são mais nutritivos e, portanto,

resultam em alimentos mais ricos em nutrientes e indicados para a dieta humana. A valorização

dos conhecimentos tradicionais e culturais sobre os alimentos é muito importante, assim como

conhecer o contexto cultural, ideológico e ambiental de onde advém o alimento.

Frente a isso, nos últimos anos tem-se intensificado a discussão sobre soberania e

segurança alimentar, e nesse sentido, a agroecologia constitui-se como a forma de produzir que

apresenta condições favoráveis para acreditar no trabalho da agricultura familiar. Assim, a

agroecologia vai apontando para novos caminhos em que a produção de alimentos não está

voltada apenas para atender a nichos de mercado. Nesse sentido, afirma Cassarino-Perez (2013,

p. 175):

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Assim, o que se procura desenvolver são iniciativas que estruturem

processos diferenciados de desenvolvimento rural, baseados na

construção de sistemas agroalimentares alternativos em escala local,

que visem e realizem articulações regionais, nacionais e

internacionais, tendo como um dos pilares de sustentação a construção

de circuitos de proximidade de comercialização e a valorização dos

mercados locais.

Assim, o objetivo da pesquisa é compreender o circuito curto de comercialização da

Feira Agroecológica de Mossoró-RN a partir da trajetória social dos alimentos produzidos pelos

agricultores e agricultoras familiares dos Assentamentos Favela, Jurema, Paulo Freire e

Comunidade Serra Mossoró. Assim, nossas inquietações levaram-nos a buscar responder em

que medida a Feira Agroecológica de Mossoró tem se configurado como uma estratégia de

acesso ao mercado agroalimentar, e qual sentido que essa experiência de venda direta ao

consumidor tem proporcionado a esses atores sociais. De acordo com Appadurai (2008, p. 27),

para entender a mercadoria em seu sentido antropológico, é necessário ir além da visão marxista

da mercadoria, em que há um domínio da perspectiva da produção, para então, “concentrar-se

em toda a trajetória, desde a produção, passando pela troca/distribuição, até o consumo”. Desse

modo, o autor está afirmando é que a trocabilidade de qualquer coisa na situação mercantil

constitui um traço social relevante.

Para tanto, realizamos a pesquisa com uma abordagem essencialmente qualitativa. Os

dados foram obtidos mediante realização de entrevistas semiestruturadas junto aos participantes,

além de registros fotográficos e diário de campo. A coleta de dados foi realizada nos

assentamentos e comunidade, e observações nos dias de comercialização da FAM. Os dados

estão relacionados aos aspectos ambientais, produtivos e tecnológicos, a trajetória dos

agricultores e agricultoras, no sentido de compreender como se deu o contato com a

agroecologia, a dinâmica de construção da FAM, e qual sentido essa experiência tem conferido

a esses atores sociais, sobretudo, no acesso a mercados agroalimentares.

A FAM foi criada em 2007 e já era acalentada por um conjunto de agricultores e

agricultoras e entidades de assessoria, concretizando-se em junho do referido ano. Atualmente, a

feira se realiza aos sábados na Praça do Museu Lauro Escócia, iniciando na madrugada com a

chegada dos feirantes e dos consumidores. Para sua abertura, contaram com o apoio do

SEBRAE-RN, e de professores da Universidade Federal Rural do Semi-Árido. É relevante

estudar a agricultura familiar, pois no Brasil vivem mais de quatro milhões de agricultores e

agricultoras familiares e camponeses, sendo que 50% destes vivem no Nordeste, e maior parte

no Semiárido. Nessa região, a população tem sofrido ao longo da sua história com o cenário de

seca, desnutrição, e muitas dessas pessoas não tem acesso a água e alimentos básicos nos

períodos de estiagem (BAPTISTA; CAMPOS, 2014). Desse modo, compreendemos que é

relevante compreender também de que forma a agroecologia vem se conformando como uma

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prática que orienta esses atores para o processo de transição, ao mesmo tempo em que os

possibilita a construírem coletivamente mercados alternativos.

1.1 Circuitos Curtos de Comercialização: construção social de mercados

Os circuitos curtos diferem das grandes cadeias de produção, onde os países em

desenvolvimento destinam grandes áreas para a monocultura, como por exemplo, soja e milho,

e através de uma grande rede de construção de estradas e aeroportos, esses alimentos são

levados para outros países, configurando assim, o modelo agro exportador (BAVA, 2016).

Assim, abordar sobre os circuitos curtos de comercialização leva-nos a discutir sobre

aspectos que se colocam como pano de fundo para entender a abordagem socioeconômica que

tenciona agricultores e agricultoras familiares a desenvolverem estratégias de comercialização

que operam sobre valores e princípios que se distinguem das práticas econômicas

convencionais, que vem sendo refletidas sob outra lógica distinta dos impérios alimentares

(PLOEG, 2008). Nesse sentido, considera Bava (2016, p. 180) “surgem novas vozes que

defendem que o desenvolvimento nos dê vida, não produtos; que propõe produzir aquilo que

precisamos, não aquilo que as empresas querem que consumamos para atender à sua ganancia

por lucro”.

Desse modo, um número considerável de pessoas no Brasil se vê diante do desafio de

ter que desenvolver estratégias que orientem para escolhas de reprodução social que possibilite

a garantia da sua sobrevivência, além de lhes conferir empoderamento. Os circuitos curtos

podem ser compreendidos dentre as estratégias criadas pelos agricultores e agricultoras para a

construção de mercados em que a ação de intermediários é minimizada. Logo, a definição de

Circuito Curto é apresentada por Souza-Seidl e Billaud (2015) que afirmam:

Por fim, os CC emergem como um diferencial para os agricultores

ecológicos em geral. Se por um lado, os agricultores em circuitos

longos têm que se adequar à um padrão de produção e de comércio,

por outro, a conformação dos CC não somente reforça a existência de

relações positivas entre agricultores e consumidores, mas também

descortina a presença de uma diversidade de modos de produção e de

agricultores (orgânicos, agroecológicos, biologiques, etc) no sistema

agroalimentar, que em meio a regiões fortemente urbanizadas, buscam

harmonizar produção com preservação do meio ambiente (SOUZA-

SEIDEL; BILLAUD, 2015, p. 5).

Os circuitos curtos são percebidos ainda como um caminho percorrido por diversos

atores sociais, caracterizados por maior envolvimento de agricultores e agricultoras familiares,

entidades e organizações civis, com a finalidade de que o agricultor(a)/produtor(a) esteja mais

próximo aos consumidores, de modo a beneficiar o desenvolvimento local e regional,

articulando cadeias produtivas, e valorizando a mão de obra local. Assim, compreende Bava

(2016, p. 181):

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Por circuitos curtos entendemos a busca pela aproximação entre os

locais de produção e consumo de bens e serviços; a redução da escala

das distancias percorridas pelos produtos a serem transportados; a

diminuição da necessidade de uso de redes de transporte, energia e

logística; a utilização de mão de obra do território; o financiamento

em condições acessíveis aos micro e pequenos empreendedores com

novos mecanismos de intermediação financeira; a maior participação

dos atores sociais nos processos de decisão política, o maior cuidado

com o meio ambiente do lugar em que vivem.

Entende-se desse modo que, os circuitos curtos envolvem também a valorização de

saberes e práticas tradicionais e culturais nascidas na sociedade civil, que demonstram a

resistência de atores e movimentos sociais que procuram sempre voltar as suas ações para

combater a pobreza e dinamizar a prática da agricultura familiar. Ao serem fortalecidas essas

experiências, objetiva-se à longo prazo o desenvolvimento local com vistas a sustentabilidade

socioambiental e econômica (BAVA, 2016).

Para a segurança alimentar, representa acesso a um alimento produzido localmente, e

que, portanto, percorreu uma escala de distância e tempo menores, além da valorização de

espécies e produção alimentar local e regional, e a comercialização que é feita pelo agricultor

(a)/produtor(a) diretamente ao consumidor (BAVA, 2016).

No Brasil não há ainda uma definição clara de Circuito Curto, contudo na França, os

representantes do setor agroalimentar utilizam o termo para caracterizar os circuitos de

distribuição em que há a relação direta entre produtores e consumidores, ou até no máximo um

intermediário nessa relação. No Brasil, percebe-se que os agricultores que obtêm êxito com a

comercialização em circuitos curtos, vendem sua produção em pelo menos dois canais, feiras e

programas de governo. Um aspecto identificado nos circuitos curtos é a autonomia do

agricultor. E autonomia em diversos aspectos, desde a produção a comercialização, perpassando

também pela autonomia na gestão (DAROLT, 2013).

Nesse sentido, apresentamos a Feira Agroecológica de Mossoró a partir dos

Assentamentos e Comunidade investigados que pode ser identificada como um circuito curto de

comercialização e apresentamos ainda a comercialização pelos agricultores e agricultoras.

2. A Feira Agroecológica de Mossoró: agricultores e agricultoras construindo alternativas

de mercados agroalimentares

Afirma Poulain (2013) que a diversidade local não desapareceu do cenário alimentar,

assim os particularismos regionais e nacionais se constituem enquanto recursos que reivindicam

para si a característica de apresentar as peculiaridades culinárias típicas. No início dos anos

1960 surge na França uma série de iniciativas de atores locais que reivindicam a valorização dos

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pratos rústicos e artesanais, significa resgatar as práticas culinárias tradicionais no contexto

cultural do qual se originam.

Compreendemos assim que as feiras agroecológicas favorecem ao resgate da culinária

tradicional, ao passo que se configura também como um circuito curto de comercialização e

pode ser percebido ainda como um espaço de defesa da comida produzida de forma sustentável

social e ambiental.

No caso da Feira Agroecológica de Mossoró, para que esse alimento esteja disponível

aos sábados, percorre uma trajetória em que a produção nos assentamentos e comunidades é

realizada pelas famílias agricultoras, sendo válido ressaltar que as realidades de produção,

condição de solo, de recursos tecnológicos, de divisão da produção, de acesso a água e a terra,

são diversificadas em cada localidade.

Quando os agricultores e agricultoras começaram a produzir de forma agroecológica,

contaram com o SEBRAE para implantar a Produção Agroecológica Integrada e Sustentável –

PAIS¹. Em todas as unidades de produção da FAM, o PAIS encontra-se ativo. Nas figuras 1 e 2

é apresentado o PAIS do Assentamento Jurema, de responsabilidade do agricultor Irailson

Moisés.

As imagens apresentam o sistema de mandala do PAIS onde o agricultor cultiva

hortaliças que são comercializadas no Assentamento e na feira aos sábados. O agricultor feirante

chama-se Irailson Moisés da Silva, conhecido como Lilio, tem 32 anos, Ensino médio

incompleto, mora no Assentamento Jurema há 15 anos e participa da feira desde o seu início. A

família é composta por sua esposa e dois filhos de 8 e 3 anos. Atualmente é o presidente da

Associação de Produtores e Produtoras da Feira Agroecológica de Mossoró – APROFAM. O

agricultor conta com ½ hectare na Bodega do Bode, local onde está o PAIS, e é filho de

Figuras 1 e 2: Agricultor 1 do Assentamento Jurema, Mossoró-RN.

¹PAIS – Produção Agroecológica Integrada e Sustentável – é uma tecnologia social que propicia aos agricultores familiares produzir sem

o uso de agrotóxicos, com a preocupação de preservar o meio ambiente e proporcionar segurança alimentar e geração de renda por meio

da inclusão socioprodutiva. Tecnologia social porque é uma técnica reaplicável, desenvolvida na interação com a comunidade e que

representa efetiva transformação social (SEBRAE, 2013).

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assentado. No lote conta com 15 hectares para criação de abelha e conta com poucos cajueiros;

produz na área de parceiro de 15 hectares com criação de caprinos, ovinos e abelha.

No Assentamento Jurema a maior dificuldade é o acesso à água, ele não conta com esse

recurso em disponibilidade suficiente para garantir o crescimento da produção, e mesmo a

manutenção da produção que tem, sendo realizada com muita dificuldade. O acesso diário é

uma caixa de água com 5 mil/litros, mas água salgada, e por isso a necessidade de testar a

cultura para saber qual a que melhor se adapta as suas condições endafoclimáticas. Nesse

sentido ele fala “aqui eu não consigo produzir alface direito, coentro eu não produzo com água

salgada, então assim, hoje eu tenho água, mas não é suficiente ainda para o que a gente queria”.

Na feira comercializa algumas hortaliças como alface, cheio verde, pimentão, cenoura, e

também carnes de caprino e aves. O acesso a cidade não é difícil, ao contrário, dos

assentamentos e comunidades participantes, pode-se considerar que o Assentamento Jurema é o

que tem melhor acesso a cidade. O agricultor conta com transporte próprio.

É possível que a procura por alimentos agroecológicos, deve-se também aos hábitos

alimentares e suas mudanças na contemporaneidade que passaram a ser alvo de distintas

correntes teóricas que tentam de alguma forma dar conta desse novo contexto socioalimentar. O

que é evidenciado, contudo, é que embora surjam teorias que apontam para uma padronização

alimentar, como por exemplo, a Mcdonaldização, outras apresentam uma leitura que apontam

uma variedade alimentar (POULAIN, 2013).

Quando perguntamos o que o motivou para produzir de forma agroecológica, ele relatou

que desde sua infância teve contato com a agricultura através do seu avô, e esse nunca foi

adepto de insumos agrotóxicos, produzia para o consumo familiar sem insumos artificiais. Em

diversos momentos faz-se a relação de ausência de agrotóxico com a agroecologia. Nesse

sentido, ele relatou:

Assim, meu contato com a terra vem desde criança, porque meu avô,

meu bisavô eram agricultores, eles tinham um roçado muito grande e

eles botavam a gente para trabalhar, aí passou para meu pai, e meu pai

passou para mim que a gente deveria continuar com isso, com o

contato que a gente tinha com a terra.

Percebemos que nesse Assentamento, apenas uma família produz sob o enfoque da

agroecologia, e poucos produzem ao menos para a susbsistência. Irailson em seu relato

considera que o problema está no fato da produção dos demais assentados terem se voltado,

quase que exclusivamente, para o caju. Segundo Irailson, não houve estudos prévios por parte

dos órgãos governamentais competentes sobre as condições, sobretudo, de solo para orientar a

produção, assim praticamente todos os assentados acessaram a empréstimos e financiamentos

para investirem apenas nessa produção. Hoje, em sua maioria, os cajueiros não renderam, e

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assim, os agricultores desse assentamento em grande parte, estão desmotivados para acreditarem

em outra forma de produção.

Atualmente Irailson é presidente da APROFAM e também da Associação dos

Agricultores e Agricultoras no Assentamento Jurema, ocupando assim, atividades de liderança.

O local onde realiza a produção e comercialização no Assentamento é na Bodega do Bode que

trata-se de um espaço coletivo do Assentamento que foi cedido para que ele mantenha o seu

PAIS. Segundo o agricultor essa concessão foi realizada através de Assembleia e consta em Ata.

A dinâmica de produção do Assentamento Favela difere do que evidenciamos no

Assentamento Jurema, em alguns aspectos. O assentamento conta a produção agroecológica de

seis mulheres, e a maioria delas está participando da Feira Agroecológica de Mossoró desde o

seu início. A entrevistada foi Luana Clementino da Costa, tem 32 anos, nível superior

incompleto, atualmente é graduanda de Serviço Social. Integra a feira desde o seu início. O

assentamento Favela fica a 26 km de Mossoró. Para a produção agroecológica, Luana conta com

15 hectares, e além da Feira, comercializa com o PNAE² e o PAA³, faz o processamento de

popas e doces, conta com a mão de obra familiar, e só contrata mão de obra externa à família

quando precisa.

Quando perguntamos a Luana se há divisão de produtos para a comercialização na feira,

ela respondeu:

Tem alguns solos que não dá, por exemplo, para produzir a beterraba,

a cenoura, e a gente tem alguns solos que tem como produzir. Então, a

gente não proibiu ninguém de produzir o que quisesse, mas eu tenho o

compromisso de, por exemplo, trazer a cenoura. Eu não posso deixar

de ter o coentro, a alface e a rúcula.

A alimentação da família de Luana antes da feira, em relação ao que produziam era

mais das hortaliças, e ela relatou que durante boa parte da sua vida viu o seu pai produzir e

vender os produtos com preço muito abaixo do que valiam, pois nesse tempo, o atravessador era

o único meio de escoamento da produção, assim ela relata “o atravessador chegava e comprava

do preço que queria, hoje, a gente não faz isso, não faz”.

A possibilidade de acesso a outros mercados é relatada por Luana como um caminho

para a autonomia, pois afirma que a feira e o PNAE, por exemplo, possibilitam que ela tenha

locais de comercialização de seus produtos, que em sua narrativa, possibilitam melhores

condições do que as que tiveram seus pais:

Em 2014, o feijão que eu produzi deu para vender na feira e no PNAE,

enquanto o feijão estava a R$ 6,00, eu apurei mais dinheiro do que no

ano que eu vendi 30 sacos. Porque quando eu chegava na COBAL

(Companhia Brasileira de Alimentação), eu vendia à preço de banana,

porque era só o que eles tinham para me dar.

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Durante a entrevista Luana mencionou que há demanda para outro mercado para os

participantes da FAM. Trata-se da entrega a domicílio, assim ela fala “esse tem um potencial

muito grande, porque tem pessoas que não tem como ir a feira, porque é cedo, e não querem ir

em um sábado cedo demais, então a gente tem esse potencial”. As figuras 5 apresenta o dia de

comercialização na FAM.

Nesse sentido, afirmam Bové e Dufour (2001) que os camponeses diversificam suas

atividades, e nesse sentido, estabelecem relação direta com o consumidor. Essa relação pode ser

percebida de diversas formas, venda direta dos produtos agrícolas nas feiras agroecológicas,

pequenos circuitos de distribuição, dentre outros. É mister salientar que essas atividades estão

sempre relacionadas à essência da condição camponesa, além de valorizar o espaço rural,

renova as relações sociais entre campo e cidade.

No Assentamento Paulo Freire, o agricultor entrevistado foi Sueldo Vicente de Morais

(figura 8), 43 anos, ensino médio incompleto. Mora no assentamento há 15 anos, desde o

momento da ocupação. Hoje, ele e sua família moram no lote (figura 7), pois consideraram a

necessidade de estarem mais próximos da produção, além do problema do acesso a água para

produção, compreenderam que mudando-se para o outro lado da agrovila, teriam melhores

condições de sustentarem sua produção. A família de Sueldo é composta por sua esposa,

Aldeiza Ferreira da Silva, 40 anos e seus filhos, Suan Alisson da Silva Morais, 24 anos Suan,

graduando em Licenciatura em Educação no Campo na Universidade Federal Rural do Semi-

árido.; Alexsandro da Silva Morais, 19 anos, estudante, e Suziane da Silva Morais, 10 anos,

estudante. Sobre a condição de agricultor, ele ressalta que foi forte o exemplo da sua mãe:

Minhas raízes de querer morar no mato vem da minha família, da

minha mãe. Quando eu tinha a idade dessa minha menina, ela criava,

Figuras 5: A agricultora Luana comercializando na FAM.

²PNAE: Programa Nacional de Alimentação Escolar foi implantado em 1955, contribui para o crescimento, o desenvolvimento, a aprendizagem, o rendimento escolar dos estudantes e a formação de hábitos alimentares saudáveis, por meio da oferta da alimentação escolar

e de ações de educação alimentar e nutricional (BRASIL, 2015). ³ PAA: O Programa de Aquisição de Alimentos promover o acesso à alimentação e incentivar a agricultura familiar

(http://www.servicos.gov.br/servico/programa-de-aquisicao-de-alimentos-da-agricultura-familiar-paa).

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plantava (a sua mãe). O quintal da gente era a coisa mais linda, e aí eu

fui crescendo e vi que a natureza, se a gente cuidasse, preservasse com

certeza você tem do que sobreviver.

Sueldo e sua família moram no Assentamento desde o momento da ocupação em que

exerceu a função de coordenador de grupo, depois coordenador regional e em seguida estadual,

exercendo essas atividades pelo período de 2 anos. Após esse período ele foi fazer por indicação

do MST, no ano de 2003, um curso de agroecologia na Paraíba.

No momento em que se estabeleceu com a família em definitivo no Assentamento, e

que não foi possível continuar o curso de Agroecologia, passou 2 anos trabalhando na cidade

como empregado, mas sempre com a pretensão de trabalhar a produção agroecológica no

Assentamento, e assim, motivou a esposa a iniciar com outras mulheres no Assentamento a

produção agroecológica de responsabilidade das mesmas. As mulheres não prosseguiram com

essa experiência, a maioria desistiu, restando apenas Aldeiza. Diante dessas dificuldades,

Sueldo e sua esposa decidiram continuar, e nesse momento a Prefeitura e o SEBRAE

disponibilizaram o PAIS, e eles ganharam uma caixa de 5.000 lt².

Sueldo e sua família contam com 10,5 hectares, mas produzem em 1,5 hectare,

desenvolvem apenas atividades agrícolas, e considera que sua produção sempre foi isenta de

agrotóxicos. No início da produção a finalidade era observar o comportamento das plantas nos

três anéis de produção, como atenderia a utilização de composto, biofertilizante, calda nutritiva,

repelente. A mão de obra para a produção é exclusivamente da família. Apesar das dificuldades

para produzir sob os princípios agroecológicos, ele afirma que decidiu colocar os

conhecimentos em prática.

Figuras 6 e 7: Sueldo e sua família no Assentamento Paulo Freire

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Sobre o trabalho com a terra, Sueldo diz se sentir muito bem, pois “a terra e a água são

as bases da vida, porque sem a terra a gente não consegue produzir o alimento para sobreviver, a

parte de massa, e sem a água também a gente não consegue”.

Toda a família de Sueldo participa da produção agroecológica e optaram por dividir a

produção, ao passo em que há tarefas conjuntas. O agricultor apresenta uma trajetória com a

agroecologia que antecede a sua participação na FAM, inclusive ele já tinha demanda de

clientes antes de se integrar a essa forma de comercialização. Os limites da produção são

evidentes em sua narrativa, pois ele afirma que falta assistência técnica que assista ao agricultor

que produz com a agroecologia. Além da problemática ao acesso a água que tem limitado muito

a produção. Como ele já tinha clientes antes de se integrar a FAM e devido ao problema da falta

de água para produção, ele não comercializa na feira todos os sábados, tem consumidores que

compram diretamente a ele no próprio local da produção, assim como ele já tem a prática de

levar esse produto até ao consumidor. Na pesquisa realizada por Souza-Seidl e Billaud (2015)

foi evidenciado que as experiências de Circuitos Curtos são mais eficazes quando o contato

entre agricultores e consumidores é fortalecido por estratégias de organização social e de

animação da sociedade local como um todo, envolvendo agricultores, sociedade e governo.

Ferrari (2011) destacou em sua pesquisa que os empreendimentos de circuito curto são

importantes, sobretudo, porque favorecem a reprodução social e econômica dos agricultores e

agricultoras familiares catarinenses, evidenciando que as cadeias curtas se constituem como

uma dimensão chave nos processos de desenvolvimento rural contemporâneos. Assim, pode-se

considerar que a agroecologia pode duplamente favorecer a esse novo cenário. Pois, por um

lado possibilita aos agricultores orientarem suas práticas considerando os princípios de

sustentabilidade e ao mesmo tempo lhes possibilita a comercialização direta da sua produção,

aproximando-os assim dos consumidores que veem nesses espaços oportunidade de adquirir

alimentos saudáveis que trazem também a reconhecimento social do campo.

A agroecologia induz a uma visão holística sobre o campo, no sentido de reconhecer os

diversos atores sociais que estão presentes nesse espaço, e ainda a importância desses atores

assumirem sua condição de autonomia frente ao modelo hegemônico de produção alimentar.

Sabe-se ainda que nos últimos anos a agroecologia não esta mais na condição de pequena

produção, ao contrário, cada vez mais no Brasil e em diversos países as experiências de

agricultura sustentável se estabelecem com maior altivez, e se firmam como modelo sim, para a

transição agroecológica (CASSARINO-PEREZ, 2013).

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Na Comunidade Rural Serra Mossoró o agricultor entrevistado foi Francisco da Luz

França, conhecido como França. Ele tem 58 anos, ensino médio completo, e mora na

comunidade com sua esposa Maria José que trabalha com ele na produção e comercialização. A

comunidade fica localizada a 20 km de Mossoró. Francisco Luz conta com 3 hectares para a

produção (figuras 11 e 12), mas atualmente produz em 1 hectare. Em sua propriedade só realiza

atividades agrícolas e conta com mão de obra contratada que o ajuda em um horário. Além de

comercializar na FAM, ele também tem acesso aos mercados institucionais do PNAE e PAA e

não realiza processamento da sua produção. Na FAM ele comercializa hortaliças, e em especial,

o tomate cereja é um dos produtos que segundo ele, adaptam-se muito bem as condições do seu

solo.

Francisco acessou ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar –

PRONAF - para otimizar a produção de cabra e hortaliça. Antes de trabalhar com a

agroecologia, Francisco relatou que teve experiência de trabalhar com agricultura irrigada, o que

ele considerou uma experiência sem êxito “nós tivemos só prejuízo, deixamos de mão. O meu

pensamento era trabalhar para mim mesmo”. Dentre as culturas que Francisco trabalhou antes

da produção agroecológica, citou melancia e pimentão, nesse tempo, ele relatou que era muito

intensa a presença do atravessador. Sobre as dificuldades desse tempo, Francisco relaciona,

também, a ausência de assistência técnica. O convite para conhecer a produção agroecológica

veio do SEBRAE que estava capacitando agricultores e agricultoras para participarem de feiras

agroecológicas. Sobre essa fase, ele relembra:

Terminei o curso e eu não sabia nem se era para modificar esse tipo de

produção, nem sabia que tipo de produção era, não sabia se era para

orgânico ou o que era, se ia continuar com o convencional. Aí quando

terminou a capacitação eu fui entendendo o que era e o trabalho que

eu ia ter. Aí eu disse, meu Jesus, será que vai dar certo, mas se estou

aqui, vou continuar, porque você vem trabalhando no convencional, aí

Figuras 11 e 12: Propriedade produtiva de Francisco Luz, Comunidade Serra Mossoró.

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muda para o orgânico em que nada de veneno você vai usar, a

primeira que você acha é que não vai dar certo. Quer dizer como você

vai combater os insetos, se você já está acostumado com aquele

problema e com o sistema convencional. Mas eu disse, a gente já está,

então deixe estar. Só em eu mesmo ir direto ao consumidor já é muita

coisa já.

Francisco e sua esposa participam da FAM desde o seu início, e nesse momento inicial

a feira contava com quinze barracas, foram capacitadas vinte pessoas, mas na hora de produzir

restaram apenas cinco. No começo ele relata que tinha pouca produção, mas mesmo assim

insistia em ir, nesse sentido, ele afirmou que pensava “rapaz eu tenho que ir para ver primeiro o

que o cliente quer para eu poder produzir”. Segundo o agricultor, nesse tempo não dava nem

para custear a despesa com o transporte, tinha feirante que o aconselhava a desistir.

No que se refere às mudanças percebidas através do resgate da cultura tradicional em

relação à comida, Fonini (2014) evidenciou em sua pesquisa que estas experiências conferem

aos atores o acesso a alimentos saudáveis, aumento na renda, ampliação da autonomia,

considerando que os agricultores e agricultoras determinam o que produzem e o fazem com

propriedade, o acesso a comercialização em cadeias curtas, uma estreita relação humana com a

natureza, e com os alimentos, além do estreitamento dos laços com os consumidores.

Francisco é um dos agricultores mais conhecidos, além da trajetória na feira desde o seu

início, foi por muito tempo presidente da Associação dos Produtores e Produtoras Rurais da

Feira Agroecológica de Mossoró - APROFAM. É comum a maioria dos consumidores

comprarem a ele, ou mesmo passar em sua barraca para conversar, aos sábados. Sobre a relação

agricultor e consumidor, Francisco afirma:

Tem consumidor que entende, sabe qual é o trabalho e como é o

trabalho. Porque a gente lida com vários tipos de consumidores. Tem

os consumidores que conhecem o trabalho e sabem em que época que

ele pode ter aquele produto, e tem consumidor que não entende, ele

quer saber se tem o produto. A consciência do cliente influi. Quer

dizer, quando você está comprando a gente, da agricultura familiar,

não é só comprar, você não está comprando um produto que apenas

lhe servindo, mas que está servindo a uma cadeia de agricultura

familiar.

Ferrari (2011) evidenciou que os atores participam e acessam de diferentes mecanismos

de comercialização, e que assim re-espacializam e ressocializam os alimentos, sendo essa uma

das características mais importantes das cadeias agroalimentares curtas. Na comercialização

face-to-face percebeu-se uma economia de regard (respeito e confiança).

Quando perguntamos sobre como ele se sente ao trabalhar com a terra, em sua fala ele

traz a realização em fazer o que gosta. Sobre as tecnologias a que tem acesso para produzir, ele

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ressaltou que tem percebido que está precisando fazer algumas mudanças, como por exemplo, a

utilização de compostos, a adesão ao minhocário, pois estava tendo muitos problemas com as

mudas, e agora precisa aderir para a sua unidade produtiva sombrites, pois o sol em alta

temperatura tem prejudicado as folhas.

Sobre a relação com o espaço urbano, Francisco compreende que a procura dos

consumidores da cidade pela FAM, em sua maioria, são pessoas que já tiveram problemas de

saúde relacionados aos alimentos industrializados/convencionais.

Francisco é muito atuante na APROFAM e em outras cooperativas. Muitas vezes, ele

considera que isso é um problema, pois tem que conciliar a produção com as demais atividades

das entidades e organizações de que participa. Sobre o acesso aos mercados institucionais e a

participação na FAM, Francisco considera:

Não dá para o agricultor esperar só por Programa do Governo.

Ninguém sabe como vai ficar daqui para diante, a gente não depende

só de Programa de Governo, porque eu vou falar sincero, não existe

outra coisa melhor para a agricultora familiar do que feira, ninguém

me venha dizer que venha colocar para mercado. Isso para mim e pela

experiência que eu tenho, o sistema é esse, lhe dar diretamente com o

consumidor. Então se a feira se acabar, a gente não sabe nem que

rumo tomar.

Francisco considera que a produção agroecológica foi o acerto da sua condição de

agricultor, pois mesmo com os desafios, a possibilidade de plantar em policutivo confere maior

autonomia ao agricultor e agricultora familiar. As imersões em campo nos possibilitaram muitas

inquietações, sobretudo, as que dizem respeito às condições de produção dos agricultores e

agricultoras que integram a FAM, o pouco acesso a água e as tecnologias adequadas são uma

problemáticas constantes em todos os assentamentos e comunidades investigados.

Considerações Finais

Característica peculiar na modalidade de circuito curto, as feiras agroecológicas, é a

proximidade e estreita relação agricultor-consumidor. Pois nesses espaços, os consumidores

assumem um novo perfil, participam da feira, mas participam também dos momentos que as

antecedem, no plantio, na convivência com as comunidades rurais. Além de romper com um

perfil de consumidor meramente passivo, comum nos moldes da comercialização via grandes

redes varejistas.

Evidenciamos que a Feira Agroecológica de Mossoró é um circuito curto de

comercialização, e que de distintas formas, os alimentos que aí são comercializados percorrem

uma trajetória social que lhes confere um sentido antropológico, conforme Appadurai (2008).

Evidenciamos igualmente, que as unidades de produção encontram-se em processo de

necessárias melhorias, assim como o processo de comercialização, pois, mesmo diante dos

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avanços da FAM ao longo dos seus nove anos de existência, aspectos importantes como o da

divisão da produção ainda não foi estabelecido por parte dos agricultores e agricultoras.

Referências

APPADURAI, Arjun. A vida social das coisas: a mercadoria sob uma perspectiva cultural.

Editora da Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2008.

BAPTISTA, Naidison; CAMPOS, Carlos H. Caracterização do Semiárido Brasileiro. In:

CONTI, Luiz; SCHROEDER, Elson; MEDAGLIA, Vicente Rah (orgs.). Construindo saberes,

cisternas e cidadania: formação para convivência com o semiárido brasileiro. IABS. Brasília,

2014.

BAVA, Silvio Caccia. Circuitos Curtos de Produção e Consumo. Disponível em:

<http://br.boell.org/sites/default/files/downloads/silvio_bava.pdf >. Acesso em: 06 mar. 2016.

CASSARINO-PEREZ, Julian; FERREIRA, Angela Duarte Damasceno. Agroecologia,

construção social de mercados e a constituição de sistemas agroalimentares alternativos: uma

leitura a partir da redeEcovida de agroecologia. In: NIERDELE, Paulo André; ALMEIDA,

Luciano de; VEZZANI, Fabiane Machado (orgs.). Agroecologia, práticas mercado e políticas

para uma nova agricultura. Curitiba: Kairós, 2013.

DAROLT, Moacir Roberto. Circuitos curtos de comercialização deAlimentosecológicos:

reconectando produtores e consumidores. In: NIERDELE, Paulo André; ALMEIDA, Luciano

de; VEZZANI, Fabiane Machado (orgs.). Agroecologia, práticas mercado e políticas para

uma nova agricultura. Curitiba: Kairós, 2013. p.138

FERRARI, Dilvan Luiz. Cadeias Agroalimentares curtas: a construção social de mercados de

qualidade pelos agricultores familiares em Santa Catarina. Tese Doutorado em

Desenvolvimento Rural – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Ciências

Econômicas, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural, Porto Alegre, 2011,

345p.

FONINI, Regiane. Agrofloresta: mudanças nas práticas produtivas e hábitos alimentares. Rev.

Agriculturas, v. 11, n. 4 dez. 2014.

PLOEG, Jan D. V. D. Camponeses e Impérios Alimentares: lutas por autonomia e

sustentabilidade na Era da Globalização. Porto Alegre. UFRGS Editora, 2008.

POLLAN, Michael. Em defesa da comida: um manifesto. Rio de Janeiro: Intríseca, 2008.

POULAIN, Jean-Pierre. Sociologias da alimentação: os comedores e o espaço social

alimentar. 2. ed. Florianopólis: Ed. da UFSC, 2013.

SCHMITT, Claudia Job; GRISA, Catia. Agroecologia, mercados e políticas públicas: uma

análise a partir dos instrumentos de ação governamental. In: NIERDELE, Paulo André;

ALMEIDA, Luciano de; VEZZANI, Fabiane Machado (orgs.). Agroecologia, práticas

mercado e políticas para uma nova agricultura. Curitiba: Kairós, 2013.

SCHOTTZ, Vanessa. Em defesa da alimentação adequada. Rev. Agriculturas. v. 11, n. 4, dez.

2014.

SOUZA-SEIDL, Renata et BILLAUD, Jean-Paul. O casamento entre os circuitos curtos e a

agricultura de base ecológica como elemento chave de sustentabilidade agrícola em metrópoles.

In: SOUZA-SEIDL, Renata et BILLAUD, Jean-Paul (orgs.). Redes de Agroecologias:

experiências no Brasil e na França, 2015, p. p. 134-170.