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 Robótica Das Máquinas Gregas à Moderna Robótica Industrial J. Norberto Pires Departamento de Engenharia Mecânica Universidade de Coimbra [email protected]  http://robotics.dem.uc.pt/norberto/  

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  • Robtica Das Mquinas Gregas Moderna Robtica Industrial

    J. Norberto Pires

    Departamento de Engenharia Mecnica

    Universidade de Coimbra

    [email protected]

    http://robotics.dem.uc.pt/norberto/

  • J. Norberto Pires 2002, publicado no Jornal Pblico, caderno de Computadores de 1 e 8 de Julho de 2002

    1

    The motions of men must be such as to suggest their dignity or their baseness.

    Leonardo da Vinci

    Inventing is mixing brains and materials.

    The more brains you use, the less materials you need.

    Charles F. Kettering

    Robtica industrial: histria e evoluo

    O termo Rob (robot) vem do Checo robota que significa trabalho, e foi usado pela primeira vez em

    1921 por Karel Capek no seu romance Rossums Universal Robots. Os robs de Capek eram mquinas

    de trabalho incansveis, de aspecto humano, com capacidades avanadas mesmo para os robs actuais.

    A fantasia associada aos robs e que nos oferecida pelos

    romances de fico cientfica, filmes, banda desenhada e

    desenho animado, est to longe da realidade que os

    actuais robs industriais parecem no mais que verses

    primitivas dessas fantsticas mquinas (por exemplo, o

    C3PO, o R2-D2, os clones e aquelas fantsticas mquinas

    de guerra capazes de caminhar dos filmes da srie Star

    Wars, o Exterminador e o Cyberdyne T1000 dos filmes

    Terminator I e II, o Bishop do filme Allien II, etc.).

    Apesar disso, essa fantasia no nova. Corresponde a um

    dos grandes sonhos do homem desde os tempos mais

    remotos: reproduzir-se a si prprio por meios mecnicos

    criando um escravo ideal, isto , capaz de executar as

    tarefas humanas, incansvel e obediente. Como escreveu o

    grande inventor americano de origem Croata Nicola Tesla

    no virar do sculo [9]:

    I conceived the idea of constructing an automaton which would mechanically represent me, and which

    would respond, as I do myself, but, of course, in a much more primitive manner, to external influences.

    Such an automaton evidently had to have motive power, organs for locomotion, directive organs, and

    one or more sensitive organs so adapted as to be excited by external stimuli .

    Grandes pensadores da nossa histria comum se dedicaram a imaginar, projectar e construir

    mecanismos capazes de copiar alguma(s) das capacidades humanas. De entre aqueles cujos trabalhos

    chegaram aos nosso dias, vale a pena salientar Ctesibius, Leonardo da Vinci, Nicola Tesla,

    Os primeiros trabalhos sobre robs talvez tenham sido os relgios de gua com figuras mveis (Fig. 3),

    projectados pelo engenheiro Grego Ctesibius (270 AC). O seu trabalho teve seguidores como Philo de

    Byzantium (200 AC), discpulo de Ctesibius e autor do livro Coleco de Mecnica onde descreve o

    trabalho do mestre, Hero de Alexandria (85 AC) conhecido como o grande engenheiro Grego e inventor

    do motor a vapor, e o engenheiro Romano Marcus Vitruvius (25 AC). Em todo o caso, os seus trabalhos

    tinham um carcter meramente ldico ou esttico.

    Figura 1 Rob de Capek.

  • J. Norberto Pires 2002, publicado no Jornal Pblico, caderno de Computadores de 1 e 8 de Julho de 2002

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    Figura 2 Robs de filmes de fico cientfica.

  • J. Norberto Pires 2002, publicado no Jornal Pblico, caderno de Computadores de 1 e 8 de Julho de 2002

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    Figura 3 Relgio de gua.

    curioso verificar que apesar dos grandes conhecimentos evidenciados pela cultura Grega em anatomia

    humana, o que era bem evidenciado pela perfeio e realismo da sua estaturia, isso no tenha sido

    aproveitado para projectar mecanismos que reproduzissem algum trabalho til. Poderemos argumentar

    que no precisavam, dada a enorme abundncia de escravos, ou que no possuam a tecnologia

    necessria. So factos. No entanto, isso nunca foi impedimento para os espritos inventivos, inteligentes

    e dedicados, como sem dvida eram os Gregos e que lhes permitiu criar uma cultura que influenciou

    muitos outros povos e culturas, chegando assim aos dias de hoje. A verdade que eles davam muita

    importncia parte ldica, esttica e contemplativa. Faltava-lhes a noo de aplicabilidade prtica dos

    seus conhecimentos e criaes [4]. A noo de aplicabilidade foi a contribuio dos rabes e de homens

    como Badas-Zaman IsmaIl bin ar-Razzaz al-Jazari (1150? - 1220?; datas estimadas) no livro A Cincia

    dos Mecanismos Engenhosos, onde descreve inmeros mecanismos da sua autoria ou baseados nos

    estudos dos Gregos (compilados no incio do sculo IX pelos trs Banu Musa por ordem do Khalif de

    Bagdad Abdullah Al-Manum (786-833)). Dois exemplos simples aplicados higiene pessoal [4] [3] [7]: A

    figura 4 mostra um dispositivo desenhado para encher um lavatrio depois de accionada uma alavanca

    (no representada explicitamente). Quando accionada, a gua do lavatrio flui para o reservatrio

    abaixo onde existe uma bia que acciona o mecanismo da figura de mulher para voltar a encher o

    reservatrio. Os pormenores no so explcitos, mas no difcil perceber que antecipa os modernos

    autoclismos. Na figura 5, est representado um projecto mais sofisticado e complexo que representa

    uma fonte com uma ave (neste caso um pavo, smbolo de luxo e poder). Accionando uma pea mvel

    colocada na cauda do pavo (pea que funcionava como vlvula simples tudo/nada, vedando ou

    libertando o fluxo de gua) a gua saa pelo bico do pavo e caa no lavatrio. medida que a gua suja

    ia enchendo o reservatrio colocado por baixo do lavatrio, a primeira bia fazia sair um boneco,

    representando um criado, que trazia sabo; a segunda bia accionava um segundo criado que trazia a

  • J. Norberto Pires 2002, publicado no Jornal Pblico, caderno de Computadores de 1 e 8 de Julho de 2002

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    toalha. Accionando a torneira (provavelmente com o p) esvaziava-se o reservatrio e os criados

    recuavam.

    Figura 4 - Lavatrio de mos.

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    Figura 5 - Fonte animada.

    Estes dois exemplos so bem a demonstrao de que os rabes tinham preocupaes de utilidade das

    suas criaes, mantendo no entanto uma grande preocupao e interesse no aspecto esttico e

    fantstico; as suas criaes destinavam-se a Califas e Sultes, que alis os sustentavam, e portanto

    tinham de ser faustosas para satisfazer os desejos de opulncia dos seus patres.

  • J. Norberto Pires 2002, publicado no Jornal Pblico, caderno de Computadores de 1 e 8 de Julho de 2002

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    O grande Leonardo da Vinci (1452 - 1519)1 tambm se dedicou largamente ao estudo da robtica [2]

    [7]. Devo confessar que descobri o gnio de Leonardo quando iniciei a compilao desta nota de reviso

    histrica. Fiquei abismado com as capacidades, interesses e universalidade deste homem do

    renascimento. Dotado de um intelecto superior, o artista Leonardo da Vinci percebeu que a viso era um

    meio fundamental para adquirir conhecimento, estudar e perceber os fenmenos naturais: Saper Vedere

    (saber ver) era a chave para desvendar as criaes naturais e com esse conhecimento imaginar e

    projectar mecanismos que tentavam reproduzir as caractersticas naturais em que estava interessado.

    Desenvolveu um invulgar poder de observao que aliado sua enorme e reputada capacidade para

    desenhar objectos tal como eram, se tornou no seu principal instrumento de investigao. Anotava os

    seus estudos de forma grfica (o texto servia para complementar os grficos e esquemas) nos seus

    cadernos de apontamentos (Codex Atlanticus, Ms.B. Ms.I., , hoje guardados no Museu da Histria da

    Cincia - Florena, Itlia, ou pertencentes a coleces particulares como o caso do Codex Leicester que

    pertence a William (Bill) Gates, fundador da Microsoft).

    Teve acesso aos desenhos e projectos dos Gregos, documentados pelos rabes em publicaes que

    estavam j traduzidas. Fez estudos de anatomia humana e animal (nomeadamente de aves, na tentativa

    de reproduzir o seu voo), tinha conhecimentos de mecnica e projectou e provavelmente construiu

    mecanismos que reproduziam movimentos e funes humanas [6] [8] [2]. No entanto, poucos desses

    desenhos chegaram at hoje e muito poucos sobre o projecto secreto de um rob foram encontrados. Do

    seu maior livro de apontamentos, o Codex Atlanticus, faltam algumas pginas precisamente na altura em

    que parecia preparar-se para projectar um rob (fig.6). Isso levou alguns investigadores a especular que

    as pginas em falta continham os estudos para um rob espectacular de aspecto humano (uma cavaleiro

    andante com uma armadura Germano - Italiana tpica do Sc. XV). Teria sido projectado entre 1495 e

    1497 [8], mais ou menos na altura em que pintou A ltima Ceia e elaborou a decorao da Sala delle

    Asse do castelo da famlia Sforza em Itlia (O ambiente retratado nos tectos e paredes da sala, uma

    floresta de rvores altas, com as cpulas pintadas no teto e os tronco nas paredes, parece ser o

    ambiente adequado para um cavaleiro andante mecnico). Era, ao que se pensa, capaz de mover a

    cabea e braos, levantar-se e sentar-se, abrir e fechar o maxilar da armadura, emitir sons, etc. Teria

    pelo menos dois sistemas de juntas diferentes: pernas com trs graus de liberdade (joelhos, tornozelo e

    anca) e braos com 4 graus de liberdade (ombro, cotovelo, pulso e mos). A fonte de energia era

    hidrulica, recorrendo a canais que passariam por debaixo da sala. Mas ele poderia ter pensado em usar

    tambm molas e/ou contrapesos. Este projecto seria o corolrio lgico dos seus estudos de anatomia e

    mecnica.

    Pode ser que ainda um dia sejam encontradas as folhas perdidas do Codex Atlanticus numa qualquer

    biblioteca europeia ou coleco particular. No entanto, Leonardo da Vinci conhecido pelos seus estudos

    incompletos e pela forma peculiar como escrevia os seus apontamentos da direita para a esquerda, como

    a imagem num espelho, de uma forma em que parece falar consigo prprio e no para eventuais

    leitores. Os seus apontamentos so uma espcie de monlogo, que ele no sentiu a necessidade de

    publicar embora isso fosse j possvel na sua poca. Por qualquer razo pode ter destrudo essas pginas

    e desmontado todos os mecanismos relacionados com elas, de forma a que no fossem reproduzidos. Ou

    outros o fizeram por ele, por razes polticas ou religiosas.

    1 Modelos de realizaes de Leonardo da Vinci, reprodues dos seu livros de apontamentos, estudos e pinturas podem ser vistos no Museu Nacional da Cincia e da Tcnica em Coimbra. Essa informao foi recolhida pelo fundador e criador do Museu Professor Doutor Mrio Silva (1901-1977), do Departamento de Fsica da Universidade de Coimbra (ver Revistas do Museu Nacional da Cincia e da Tcnica, nmeros de 1971 a 1977).

  • J. Norberto Pires 2002, publicado no Jornal Pblico, caderno de Computadores de 1 e 8 de Julho de 2002

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    Seja como for, Leonardo da Vinci ainda no dispunha na altura de duas peas fundamentais: acesso a

    componentes construdos com grande preciso (talvez por isso tenha desenhado e talvez construdo

    mquinas ferramenta que lhe permitissem construir os seus componentes com a preciso necessria

    fig.7) e uma fonte de energia suficientemente forte e permanente que permitisse mover os seus

    mecanismos (embora tenha feito estudos para resolver o problema - fig.8). Apesar do seu esprito

    inventivo, da sua inteligncia superior e das enormes capacidades e sentido prtico, o lendrio Leonardo

    da Vinci no poderia sozinho corporizar uma autntica revoluo industrial.

    Figura 6 - Estudos de Leonardo da Vinci para um rob antropomrfico.

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    Figura 7 - Exemplos de estudos de vrios mecanismos.

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    Figura 8 - Carro movido pela energia armazenada numa mola.

    Nicola Tesla (1845-1943) deu uma contribuio pioneira e visionria para a evoluo da robtica. Tesla

    trabalhou com o grande inventor Thomas Edison e era um inventor brilhante, incansvel e dedicado. Era

    o arqutipo do inventor: solitrio, distrado, abstrado das coisas normais da vida, com uma dedicao

    exclusiva e quase doentia ao seu trabalho e visionrio. Sonhou (e no assim que tudo comea) com

    autmatos capazes de tarefas s possveis a seres vivos inteligentes. Para isso, os autmatos

    necessitavam de um elemento correspondente ao crebro humano. Como isso era complicado, lembrou-

    se de usar o seu prprio crebro para comandar o autmato; nas suas prprias palavras [9]:

    But this element I could easily embody in it by conveying to it my own intelligence, my own

    understanding. So this invention was evolved, and so a new art came into existence, for which the name

    teleautomatics has been suggested, which means the art of controlling movements and operations of

    distant automatons. .

    Para demonstrar as suas ideias, construiu um modelo de um barco submersvel (fig. 9) controlado

    distncia usando impulsos hertzianos codificados (controlado por rdio, portanto). Podia comandar o

    barco para virar direita ou esquerda, submergir e emergir, etc. Apesar de ter demonstrado

    publicamente a sua inveno no Madison Square Garden de Nova York (1898), perante uma assistncia

    espantada, no conseguiu obter fundos para continuar as suas investigaes. Morreu pobre em 1943

    com uma pequena penso do governo Jugoslavo.

  • J. Norberto Pires 2002, publicado no Jornal Pblico, caderno de Computadores de 1 e 8 de Julho de 2002

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    Figura 9 Nicola Tesla e esboos do seu submarino telecomandado.

    Ento o que isso da Robtica?

    Basta abrir um qualquer livro de Robtica, ou consultar qualquer Organizao Internacional da rea que

    l aparece qualquer coisa to tipo:

    A robot is a re-programmable multi-functional manipulator designed to move materials, parts, tools, or

    specialized devices, through variable programmed motions for the performance of a variety of tasks

    Robot Institute of America, reproduzida no livro Robotics Control, Sensing, Vision and Intelligence,

    Fu, Gonzalez, Lee, MacGraw Hill, 1987.

    Embora correcta, apesar de demasiado restrita a robs manipuladores, penso que no transmite a ideia.

    Por isso, gosto de faz-lo de outra forma.

    Gosto de comear pelo princpio, percorrer a histria de relance e extrair dois ou trs pensamentos que

    permitam delinear o quadro, e estimular a curiosidade de quem me ouve ou l para descobrir o resto.

    O principio, ao contrrio do que muitos pensam, no foi nem neste sculo, nem neste milnio, nem no

    milnio passado. Foi anterior nossa era, no local onde quase tudo da nossa civilizao comeou: a

  • J. Norberto Pires 2002, publicado no Jornal Pblico, caderno de Computadores de 1 e 8 de Julho de 2002

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    Grcia antiga, por volta de 300 AC. um choque para quem tem dos robs a imagem dos filmes ou dos

    desenhos animados. Um choque comparvel ao que experimentam quando vm um rob actual, se

    apercebem das suas limitaes, nomeadamente quando confrontam essa realidade com os fantsticos

    C3PO, R2D2 do filme a Guerra das Estrelas.

    Fig. 10 Fico e realidade.

    Uma vez, num trabalho industrial numa empresa, um dos robs que instalamos cometia

    sistematicamente um erro numa determinada situao. Era um erro de programao, de sincronizao

    com os PLC que controlavam os transportadores de peas, mas um dos operadores tinha uma explicao

    mais fantstica. Dizia ele: O rob faz aquilo porque como a pea j passou, e ele viu e no teve tempo

    de a apanhar, ento .... Como se o rob fosse um ser vivo, capaz de pensar e cometer erros de anlise,

    de tomar opes no pr-programadas.

    Eu prprio tenho da robtica uma imagem de mquinas soberbas, fortes, incansveis (como as de Karel

    Capek), obedientes (Sim, norberto san ...), e no entanto fascinantes. E esse fascnio no aparece

    naquela definio. Lamento mas no aparece.

    Costumo pegar em 3 perodos da histria da robtica para delinear a ideia. Dos Gregos e dos rabes

    retiro a ideia fundamental: ... mecanismos engenhosos.

    Na verdade a robtica muito de mecnica, de movimentos, de mecanismos para os transmitir, e de

    engenho para os imaginar e construir. Mecanismos Engenhosos ... sem dvida um bom comeo.

    Depois passo por Leonardo (Sc. XVI) , e retiro da sua contribuio as ideias:

    ...preciso ... e ... fonte permanente de energia ...

    Ele percebeu que os robs necessitavam de peas construdas com preciso, mas tambm teriam de ser

    movidos por uma fonte de energia permanente qualquer. Nada disso tinha ele na altura, isto ,

    mquinas ferramenta e uma fonte de energia (elctrica, pneumtica ou hidrulica).

    Finalmente, detenho-me em Nicola Tesla, no inicio do sculo XX, o maior inventor de todos os tempos.

    Um tipo fabuloso. Ele percebeu que depois de tudo isso eram necessrias as ideias e a inteligncia (no

    fundo, aquilo que nos faz diferente dos outros seres vivos). Os robs teriam de ser computorizados,

    cheios de electrnica e software, de forma que pudessem ser comandados, instrudos. So estes

    elementos que nos permitem pr em prtica e explorar boas ideias, e nos acabam por fascinar tanto.

  • J. Norberto Pires 2002, publicado no Jornal Pblico, caderno de Computadores de 1 e 8 de Julho de 2002

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    Gosto por isso de dizer que a robtica uma cincia de mecanismos engenhosos genricos, de preciso,

    movidos por uma fonte permanente de energia e flexveis, isto , abertos s ideias, um estimulo

    imaginao. Um estimulo to atraente que cativou grande parte dos melhores pensadores da nossa

    histria comum, isto , daqueles cujo trabalho constitui o capital da humanidade, aquilo que deixamos

    para o futuro.

    Robs Manipuladores Industriais

    O advento de mquinas ferramenta capazes de produzir componentes com elevada preciso (Sc. XIX),

    a disponibilidade de vrias fontes de energia para actuao (hidrulica, pneumtica e elctrica), os

    conceitos sobre transmisso mecnica, motores, suspenses, a disponibilidade de sensores, etc.,

    permitiu construir, entre outras, mquinas que permitiam emular o brao humano. dessas mquinas

    e sua evoluo que nos ocuparemos a seguir.

    O brao humano constitudo por uma junta de trs graus de liberdade (o ombro), seguida de uma

    junta de um grau de liberdade (o cotovelo) e por fim outra junta com trs graus de liberdade (o punho).

    Tem portanto, 7 graus de liberdade, redundante ( no tem configuraes singulares).

    A existncia de configuraes singulares significa perda de mobilidade nesses pontos, pelo que uma

    estrutura livre de singularidades seria em primeira anlise prefervel. No entanto, a grande maioria dos

    robs manipuladores tem geralmente seis eixos: os necessrios para atingir qualquer posio/orientao

    no espao de trabalho do rob. Se as configuraes singulares forem conhecidas possvel evitar passar

    por elas mantendo assim o rob manipulador controlado.

    Como num brao humano, os robs manipuladores usam geralmente as primeiras juntas para

    posicionar a estrutura formada pelas juntas seguintes, denominada punho, que utilizada para orientar

    o elemento-terminal. As juntas utilizadas para posicionamento formam a estrutura denominada brao:

    no homem correspondem s juntas ombro e cotovelo. Um rob manipulador tambm usa as juntas do

    brao para a funo de posicionamento e as juntas do punho para a funo de orientao. Existem cinco

    tipos principais de braos em robtica de manipulao: cartesiano, cilndrico, polar, revoluo e SCARA.

    As juntas que seguem o brao formam, como j se disse, a estrutura denominada punho, por analogia

    com o brao humano. O punho tem geralmente duas configuraes: pitch-yaw-roll (YXZ) como o

    punho humano, ou roll-pitch-roll (ZYZ) tambm denominado punho esfrico. Este ultimo tipo de punho

    o mais usado em robtica de manipulao, devido sua maior simplicidade. No entanto, uma estrutura

    que apresenta configuraes singulares as quais depois de identificadas podem ser evitadas, mantendo

    assim o rob manipulador controlado.

    Os primeiros trabalhos em robtica de manipulao podem ser encontrados alguns anos aps o fim da

    segunda guerra mundial. Mquinas do tipo Master-Slave foram introduzidas e desenvolvidas para

    manipular materiais perigosos como os materiais radioactivos (1940-50). Podemos citar o gantry-robot

    desenvolvido pela General Mills Corporation - USA (1950), o Planetbot (1957) que foi o primeiro rob

    manipulador comercial com coordenadas polares e o rob desenvolvido por Norman Diedrich no Instituto

    Case da Western Reserve University (Cleveland - USA) que foi o primeiro manipulador elctrico com

    juntas de revoluo.

    O primeiro rob industrial, o Unimate, foi desenvolvido por George Devol e Joseph Engelberger na

    companhia americana Unimation Inc. (1959-62). Esse rob era programado atravs de um computador e

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    podia ser usado em vrias aplicaes desde que devidamente reprogramado e equipado com as

    ferramentas prprias. Embora muito poderosa para poca, tornou-se bvio que a flexibilidade e

    adaptabilidade desta nova ferramenta poderia ser largamente melhorada usando retroaco sensorial.

    A investigao e desenvolvimento levada a cabo durante os anos 50 e 60 conduziu ao desenvolvimento

    dos primeiros robs controlados por computador (com retroaco sensorial), como o T3 (Tool of The

    fuTure) produzido pela Cincinatti Millacron (1974), comercializado a partir de 1978, (a diviso de

    robtica da Cincinatti foi comprada pela ABB que ainda tem esta linha de produtos - robs

    manipuladores), o brao de Stanford (fim dos anos 60 incio dos anos 70) e que deu origem mais tarde

    ao PUMA da Unimation Inc (1978), que usava tambm retroaco de fora e visual, o manipulador da

    IBM (1975) e o SCARA (Selective Compliance Assembly Robot Arm) desenvolvido 1978-79 e produzido

    por vrios fabricantes (o primeiro dos quais foi a Sankio Seiki).

    (1)

    (2)

    (3)

    Figuras 11 Unimate (1), T3 (2) e Puma (3).

    Os manipuladores mecnicos evoluram muito desde essa altura e vrias tcnicas de controlo foram

    propostas para os controlar. No entanto, muito trabalho tem ainda de ser feito nomeadamente em

    termos de programabilidade, controlo de fora, retroao visual, integrao sensorial e at sobre a novas

    estruturas mecnicas e novos materiais conduzindo a robs mais leves e flexveis.

  • J. Norberto Pires 2002, publicado no Jornal Pblico, caderno de Computadores de 1 e 8 de Julho de 2002

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    Actualmente, um rob manipulador industrial constitudo por vrios elos rgidos ligados em srie por

    juntas, tendo uma das extremidades fixa (base) e outra livre para se mover (elemento-terminal). As

    juntas so geralmente actuadas por motores elctricos (actualmente so geralmente motores tri-fsicos

    sncronos), embora tambm se usem actuadores pneumticos e hidrulicos. Um sistema de controlo

    computorizado usado para controlar e supervisionar o movimento do rob, recorrendo a informao

    sensorial para obter o estado do rob e do ambiente (posio das juntas recorrendo a sensores de

    posio, fora de contacto usando sensores de fora/momento, distncia a objectos, etc.). Isto , o

    software de controlo de movimento que corre nesse sistema, utiliza a informao sensorial para calcular

    os sinais de controlo necessrios para obter o movimento desejado, e enviar esses sinais aos actuadores.

    Apesar de alguma sofisticao, os robs actuais so utilizados em vrios ambientes de produo

    automatizados, executando tarefas repetitivas em linhas de montagem.

    Figura 12 Vrios robs manipuladores disponveis actualmente.

    Sistemas Flexveis de Produo e Robtica de Manipulao Industrial.

    A robtica trata de mquinas multifuncionais e reprogramveis que podem executar tarefas

    normalmente associadas a seres humanos, possuindo tambm a capacidade de identificar alteraes nas

  • J. Norberto Pires 2002, publicado no Jornal Pblico, caderno de Computadores de 1 e 8 de Julho de 2002

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    condies e restries colocadas pela tarefa e/ou pelo meio envolvente, decidir quais as aces que

    devem ser tomadas e planear a sua execuo.

    O desenvolvimento deste tipo de mquinas introduziu um elevado grau de flexibilidade nos ambientes de

    produo actuais, dada a sua flexibilidade de utilizao em diferentes tarefas atravs de simples

    adaptaes: mudana de ferramenta e reprogramao. Hoje em dia, os sistemas de produo

    automatizados so fundamentais para as economias modernas, visto que a sua riqueza (o seu Produto

    Nacional) depende essencialmente das suas instalaes de produo: a riqueza cultivada ou extrada

    emprega tipicamente menos de 10% da populao activa e contribui muito pouco para a riqueza

    nacional. Por isso, os sistemas de produo actuais so cada vez mais sistemas flexveis. A

    automatizao rgida que caracterizou as dcadas 50-80 (denominado perodo de ouro para a produo

    industrial), constituda por mquinas dedicadas de elevada capacidade de produo, no se adapta aos

    novos tempos. Actualmente, a enorme diversidade de produtos, o desaparecimento das fronteiras

    comerciais, aliada exigncia de maior qualidade a mais baixo preo, torna o ciclo de vida dos produtos

    muito curto. Assim, as empresas funcionam geralmente com produes em pequena/mdia escala

    (small/medium batch manufacturing) em que a definio do produto feita muitas vezes pelo cliente

    (job-shop manufacturing). Isso incompatvel com sistemas de produo rgidos, vocacionados para

    produo em larga escala de um determinado produto ou tipo de produto. Para alm disso, as

    caractersticas de mercado favorecem a denominada Zona da Robtica, e muito por isso que se tem

    assistido a uma robotizao crescente das estruturas produtivas (Quadro I).

    Quadro I: Evoluo dos stocks operacionais de robs desde 1995 a 1999, com previso para 2003. Pas 1995 1999 2003 Japo 387290 402212 384700 EUA 66286 92860 155400 Alemanha 51375 81203 109500 Frana 13276 18163 28200 Sucia 4459 5595 Reino Unido 8314 11537 14900 Dinamarca 672 1169 Austrlia 1840 2871 Taiwan 3849 6422 Portugal ~600 ~900 CEE 114699 176210 262300 ... ... ... ... Total 615100 742500 892200

    Dados do World Robotics 2000, editado pela IFR (Federao Internacional de Robtica) e pela ONU (Organizao das Naes Unidas). Os dados relativos a Portugal no so publicados e so estimados pelo autor.

  • J. Norberto Pires 2002, publicado no Jornal Pblico, caderno de Computadores de 1 e 8 de Julho de 2002

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    Mercado Global.

    Produtos defnidos em parte pelos clientes.

    Produtos tecnolgicamente densos e complexos.

    Produes em pequena/mdia escala.

    Melhor qualidade a mais baixo preo.

    Flexibilidade e agilidade.

    Organizao.

    Standards

    Equipamentos programveis.

    Sistemas de informao e apoio deciso.

    Automao Programvel.

    Robtica.

    Computao Industrial.

    Responder a mercados em permanente evoluo, onde a concorrnciaResponder a mercados em permanente evoluo, onde a concorrncia global e no local. global e no local. Figura 13 Mercado e consequncias ao nvel de organizao produtiva.

    Custo por Unidade

    Volume

    TrabalhoManual

    Automao DedicadaRob

    Zona da Robtica Industrial

    A Zona da Robtica Industrial

    A robotizao parece ser um factor importante para volumes de prA robotizao parece ser um factor importante para volumes de produo intermdios, como os que oduo intermdios, como os que caracterizam o mercado de muitos produtos. caracterizam o mercado de muitos produtos.

    PequenaPequena MdiaMdia GrandeGrande

    Figura 14 A Zona da Robtica.

  • J. Norberto Pires 2002, publicado no Jornal Pblico, caderno de Computadores de 1 e 8 de Julho de 2002

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    Os robs manipuladores, dada a sua facilidade de programao e adaptabilidade a diferentes situaes e

    condies de funcionamento, podem executar uma grande diversidade de tarefas muitas delas de uma

    forma quase humana. Tambm isso contribui para explicar a razo pela qual estas mquinas so cada

    vez mais usadas nas actuais instalaes de produo.

    O que estes nmeros evidenciam com clareza so as "motivaes" e os "custos" da introduo de robs

    num qualquer processo produtivo. As "motivaes" apesar de interessantes so ainda algo limitadas e,

    os "custos" so ainda grandes no plano econmico e essencialmente no plano operacional.

    Motivaes

    Exigncia de maior qualidade a mais baixo preo. Diversidade de produtos: vrias opes geralmente definidas pelos clientes, num mercado altamente

    concorrencial e globalizado.

    Densidade de componentes por produto, recorrendo frequentemente a miniaturizao. Ciclo de vida dos produtos muito curto.

    Isto requere sistemas produtivos altamente flexveis, caracterizados por produes em pequena/mdia

    escala (small/medium batch manufacturing) orientadas para as exigncias dos clientes (job shop

    manufacturing). Nestes sistemas os robs desempenham um papel fundamental dado que:

    So sistemas programveis, possuindo ambientes de programao relativamente poderosos. possvel definir posies, trajectrias e outras aces que podem ser repetidas continuamente com

    elevada preciso e repetibilidade. Alis essa a essncia dos robs actuais, isto , so estruturas

    com um controlo preciso de movimento e algumas capacidades de programao que permitem

    definir esses movimentos e repeti-los.

    Possuem capacidades IO e de comunicaes o que permite coordenar aces com outros equipamentos, e serem integrados com os sistemas informticos e de gesto existentes na

    instalao produtiva.

    Custos

    Os robs so equipamentos relativamente caros. No entanto, a maior parte do esforo econmico vai para os restantes equipamentos de uma clula e que proporcionam o ambiente para a operao

    do rob: autmatos, transportadores, sensores inteligentes, software, etc.

    Necessidade de pessoal tcnico especializado. Os robs retiram determinadas tarefas aos humanos, dado que as executam com maior eficincia. Mas por outro lado, exigem engenheiros especializados

    para o projecto e desenvolvimento de novas clulas, e operrios capazes de programar, utilizar e

    manter os sistemas.

    Aumento de complexidade. A robotizao e de uma forma geral toda a automatizao, aumenta a complexidade dos sistemas. O grau de complexidade aumenta ainda se incluir-mos as tarefas de

    programao e sequencializao de tarefas dentro da clula tendo em vista determinado tipo de

    produo.

    As "motivaes/vantagens", apesar de alguma sofisticao, precisam ainda de ser reforadas,

    nomeadamente ao nvel tcnico criando mquinas mais inteligentes, mais leves (e com elementos

    flexveis) e mais fceis de programar, por exemplo usando um ambiente grfico integrado e standard

    que permita projectar, simular e programar clulas robotizadas (existem produtos comerciais que tentam

    implementar essa ideia com maior ou menor sucesso). Os "custos" so ainda altos, nomeadamente

    devido falta de pessoal tcnico especializado nas empresas.

  • J. Norberto Pires 2002, publicado no Jornal Pblico, caderno de Computadores de 1 e 8 de Julho de 2002

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    Fig. 15 Viso de um futuro prximo??

    Sucessos recentes, como o Asimo da Honda e outros, introduziram alguma excitao ou seduo porque

    finalmente se torna evidente que possvel ter um C3PO dentro de alguns anos. Se acham que o

    caminho percorrido desde as mquinas gregas foi fantstico, pois o que se aproxima de forma

    vertiginosa ser uma autentica revoluo at na forma como vivemos.

    J. Norberto Pires

    Departamento de Engenharia Mecnica

    Universidade de Coimbra

    [email protected]

    http://robotics.dem.uc.pt/norberto/

    Leituras Suplementares

    [1] A. Kusiak, "Modelling and Design of Flexible Manufacturing Systems", Elsevier Science Publishers,

    1986.

    [2] C. Pedrettii, Leonardo Architect, New York:Rizzoli International Publications, 1981.

    [3] H. Geduld e R. Gottesmann, Robots Robots Robots, Boston: New York Graphic Society, 1978.

    [4] J. Hayes, The Genius of Arab Civilization, Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1983.

    [5] JB. Waldner, "CIM, Principles of Computer Integrated Manufacturing", John Wiley & Sons, 1992.

    [6] M. Rosheim, In the Footsteps of Leonardo, IEEE Robotics and Automation Magazine, June 1997.

    [7] M. Rosheim, Robot Evolution: The Development of Anthrobots, New York: John Willey & Sons,

    1994.

    [8] M. Rosheim, Robot Hands,New York: John Willey & Sons, 1996.

    [9] N. Tesla, My Inventions: Autobiography of Nicola Tesla, Willinston, VT: Hart Brothers, 1983.

    [10] United Nations e International Federation of Robots, World Industrial Robots 2000: Statistics and

    Forecasts, New York: ONU, 2000.