gênese do estado do amapá
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO UFRJCENTRO DE CINCIAS MATEMTICAS E NATURAIS CCMNPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA PPGG
DOUTORADO EM GEOGRAFIA
Territrio Federal e minerao de mangans:
gnese do Estado do Amap
Rio de Janeiro
2009
INDIRA CAVALCANTE DA ROCHA MARQUES
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INDIRA CAVALCANTE DA ROCHA MARQUES
Territrio Federal e minerao de mangans:
gnese do Estado do Amap
Tese submetida ao corpo docente do Programa de Ps-Graduao em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito parcialpara obteno do grau de Doutor em Geografia
Orientadora: Prof. Dr. Maria Clia Nunes Coelho
Co-orientador: Prof. Dr. Cludio Antonio Gonalves Egler
Co-orientadora: Prof. Dr. Rosa Acevedo Marins
Rio de Janeiro
Maro 2009
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MARQUES, Indira Cavalcante da Rocha. Territrio Federal e minerao de mangans: gnese do Estado do Amap / Indira Cavalcante da Rocha Marques. 2009. 286 f.: Il.
Tese (Doutorado em Geografia) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Geocincias, Rio de Janeiro, 2009.Orientadora: Maria Clia Nunes Coelho
1. Minerao Industrial do Mangans. 2. Autonomia poltica, econmica e financeira. 3. Regionalismo 4. (Re)organizao espacial. Teses. I. COELHO, Maria C. Nunes (Orient.). Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Ps-graduao em Geografia. III. Titulo
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Maria, Maria um dom
Uma certa magia
Uma fora que nos alerta
(...)
Mas preciso ter fora
preciso ter raa
preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura dor e alegria
Mas preciso ter manha
preciso ter graa
preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter f na vida
(Milton Nascimento e Fernando Brant)
s Marias
MARIA do Socorro
MARIA Clia
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Todo dia de viver
para ser o que for
e ser tudo
(Beto Guedes e Ronaldo Bastos)
Ao Gil e Mariana, pela fora e delicadeza de
mostrar-me que .a vida bela
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AGRADECIMENTOS
Chegar a esse momento a certeza da superao de grandes desafios, s possvel porque contamos com o apoio de um enorme nmero de pessoas.
O apoio no se limitou apenas Academia, mas familiares, instituies, amigos e demais colaboradores.
Ao agradecermos a alguns seremos injustos com os demais. Mesmo assim, incorreremos nesta injustia. Gostaria, ento, de agradecer a algumas pessoas em especial.
minha , por entender minha ausncia e por apoiar-me constante e integralmente. No citarei nenhum em especial, justamente porque todos so muito .
Maria Clia, pela admirao que cultivo e que extrapola a eficincia acadmica rigor cientfico, solidariedade humana e exemplo de perseverana na vida. Muito obrigada.
queles que a Academia aproximou do corao: Roberta, Neto, Ana Clara, Patrcia, Elis, Rafael, Glria e demais colegas do curso; Toms; Sandro, Andra e aos colegas do CPDA.
Aos demais membros da banca, em especial Cludio Egler e Rosa Acevedo, pelas colaboraes indispensveis no decorrer do trabalho.
Ildione e Nildete, fundamentais ao PPGG.
s Instituies: Governo do Amap, UFRJ, IBGE e, entre tantas, quelas que nos cederam informaes e espao em suas bibliotecas.
Aqueles que lutam por uma sociedade sem explorao, onde nossas crianas tenham a certeza do futuro; particularmente os amigos militantes do PSTU e aos seus familiares.
Aos que no mediram colaborao: Luiz Cludio, Edna Alves, Valdirene Picano, Paula,Dbora Saraiva, Graa Leal, Udio Silva.
Aos amigos que a vida nos presenteou: famlia Cartagnes e demais presenteados pela Mariana.
queles que o espao e a pressa no nos permitiram citar.
Famliaespeciais
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RESUMO
Territrio Federal e minerao de mangans: gnese do Estado do AmapMARQUES, Indira Cavalcante da Rocha.
. 2009. Tese (Doutorado em Geografia) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
Em 1943 o Presidente Getlio Vargas criou o Territrio Federal do Amap e em 1945 foram descobertas as reservas de mangans na Serra do Navio - AP. O minrio foi explorado pela Icomi, numa associao com a multinacional Bethlehem Steel Company. Esta produo mineral deu funo econmica a uma rea onde a economia era muito frgil, reorganizando o espao e colaborando decisivamente para a consolidao do TFA. A elite poltico-administrativa local elaborou o projeto de um estado minerador-industrial, onde a transformao do Territrio Federal em Estado do Amap seria conseqncia de sua autonomia econmico-financeira. Este projeto encontrou muitas contradies e foi sucessivamente sendo fragilizado. Diante das mudanas mercado internacional do mangans, a Icomi e o Grupo Caemi diversificaram suas atividades no Amap, introduzindo novos processos tecnolgicos na produo do minrio e iando outras empresas. Apesar disso, dos pagos e do elevado rendimento econmico da empresa, sua atuao no TFA no foi suficiente para concretizar o progresso nas propores prometidas em torno da minerao industrial. No decorrer da dcada de 1980 as ra do Navio entraram em exausto, levando a companhia mineradora a encerrar formalmente suas atividades em 1997. Anteriormente, desde o final dos anos 1970, o movimento regionalista vinha incorporando elementos de crtica ao governo federal e a busca pela elevao do Amap a estado deixava de ter a minerao como sustentao principal. Diferentemente do senso comum, a relao entre Icomi e TFA foi fundamental para consolidar o Territr Federal e construir as bases para a criao do Estado do Amap, ocorrida com a Constituio de 1988.
Palavras-chave: Minerao industrial do mangans. Autonomia poltica, econmica e financeira. Regionalismo. (Re)organizao espacial.
royalties
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ABSTRACT
MARQUES, Indira Cavalcante da Rocha. Federal Territory and mining of manganese: genesis of the State of Amap. 2009. Tese (Doutorado em Geografia) - Federal University ofRio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
In 1943, President Getlio Vargas established the Federal Territory of Amap in 1945 and
reserves of manganese were discovered in Serra do Navio. The ore was exploited by Icomi, in
association with the multinational Bethlehem Steel Company. This mineral production
provided the economic basis in an area where the economy was very fragile. It led to a spatial
reorganizing and contributed decisively to the consolidation of the Federal Territory of
Amap (TFA). The political and administrative elite developed a project for a mining-
industrial state, where the transformation of the Federal Territory of Amap into the State of
Amap as a consequence of its economic and financial autonomy. This project encountered
many contradictions and was repeatedly being weakened. Facing the changes in the
international market of manganese, the Icomi and Caemi Group diversified its activities in
Amap, introducing new technological processes in the uction of ore and creating others.
In spite of this, the royalties paid and the high economic return of the company, was not
sufficient to achieve progress, as promised by the mining industry. During the 1980s the
mines of Serra do Navio became exhausted, leading to t mining company to formally
terminate its activities in 1997. Previously, from the late 1970s onwards, the regionalist
movement was incorporating elements of criticism regarding the federal government and the
pursuit of statehood of Amap but no longer using the of economic development
based mainly on mining. Contary to common sense, the relationship between the TFA and
Icomi was essential to consolidate the Federal Territory and build the foundations for the
creation of the State of Amap, which took place with the new Constitution of 1988.
Keywords: Mining industry of manganese. Autonomy of policy, economic and financial.
Regionalism. Spatial (re)organization.
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LISTA DE SIGLAS
AMCEL Amap Florestal e Celulose S. A.
Arena Aliana Renovadora Nacional
BASA Banco da Amaznia
BIRD Intenational Bank for Reconstruction and Development
BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico
Brumasa Bruynzeel Madeiras Sociedade Annima
Cadam Caulim da Amaznia
Caemi Companhia Auxiliar de Empresas de Minerao
CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
CEA Companhia de Eletricidade do Amap
Cepal Comisso Econmica para Amrica Latina e o Caribe
CINAL Comrcio, Indstria e Navegao
CFA Companhia de Ferro Ligas do Amap
CFCE Conselho Federal de Comrcio Exterior
CFEM Compensao Financeira pela Explorao Mineral
CME Comisso de Mobilizao Econmica
CMBEU Comisso Mista Brasil-EUA
CNG Conselho Nacional de Geografia
CNI Confederao Nacional da Indstria
CNMM Conselho Nacional de Minerao e Metalurgia
CNP Conselho Nacional do Petrleo
CNPIC Conselho Nacional de Poltica Industrial e Comercial
CODEPA Companhia de Dend do Amap
CPE Comisso de Planejamento Econmico
CPI Comisso Parlamentar de Inquritos
COPRAM Companhia de Progresso do Amap
CSN Companhia Siderrgica Nacional
CTEF Conselho Tcnico de Economia e Finanas
CVRD Companhia Vale do Rio Doce
DIP Departamento de Impensa
DNPM Departamento Nacional de Produo Mineral
DNC Direo Nacional do Comrcio
Dasp Departamento Administrativo do Servio Pblico
EXIMBANK Export Import Bank of Washington
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FERUSA Ferro, Union Brasil S.A
FMI Fundo Monetrio Internacional
Fiesp Federao das Indstrias do Estado de So Paulo
GTFA Governo do Territrio Federal do Amap
GETAT Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IBAD Instituto Brasileiro de Ao Democrtica
IBRD/BIRD International Bank for Reconstruction e Development / Banco Internacional
para Reconstruo e Desenvolvimento (Banco Mundial)
ICM Imposto sobre Circulao de Mercadorias
ICMS - Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios
ICOMI Indstria e Comrcio de Minrio S. A.
IEPA Instituto de Pesquisas Cientficas e Tecnolgicas do Estado do Amap
IPES Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais
IRDA Instituto Regional de Desenvolvimento do Amap
IUM Imposto nico sobre Minerais
JPE Jaakko Poyry Engenharia
JK Jucelino Kubitschek
MDB Movimento Democrtico Brasileiro
MDC Movimento Democrtico Brasileiro
MECOR Ministrio Extraordinrio para a Coordenao dos Organismos Regionais
MINTER Ministrio do Interior
MPPEA Movimento Popular Pr-Estado do Amap
ONU Organizaes das Naes Unidas
PDA Plano de Desenvolvimento da Amaznia
PDC Partido Democrtico Cristo
PDT Partido Democrtico Trabalhista
PGC Programa Grande Carajs
PIB Produto Interno Bruto
PIN Programa de Integrao Nacional
PMDB Partido do Movimento Democrtico Nacional
PNB Produto Nacional Bruto
PND II Plano Nacional de Desenvolvimento
Proterra Programa de Redistribuio de Terras
PSD Partido Social Democrtico
PT Partido dos Trabalhadores
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PTB Partido Trabalhista Brasileiro
Sema Secretaria Estadual de Meio Ambiente
SPVEA Superintendncia do Plano de Valorizao Econmica da Amaznia
Sudam Superintendncia do Desenvolvimento da Amaznia
Suframa Superintendncia da Zona Franca de Manaus
TF Territrios Federais
TFA Territrio Federal do Amap
TCU Tribunal de Contas da Unio
UDN Unio Democrtica Nacional
UFPA Universidade Federal do Par
UHCN Usina Hidreltrica Coaracy Nunes
URSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Reservas de mangans conhecidas no bloco ocidental 127
Tabela 2: Mangans exportado em 1958-1959 por unidades da federao, em
toneladas 138
Tabela 3: Evoluo da produo da Icomi e dos pagos, em 1957-
1997 168
Tabela 4: Exportao da regio Norte para o exterior, 1958 (Valores FOB a
preos de 1974) 169
Tabela 5: Renda interna da indstria da regio Norte e do Amap, 1959 e
1970, em Cr$ 1.000 173
Tabela 6: Destino do mangans amapaense (toneladas), 1957-1997, Anos
selecionados. 177
Tabela 7: Distribuio do valor da produo do mangans amapaense (%) 182
Tabela 8: Reinvestimentos da Icomi/Caemi no Amap US$ 1.000 de 2003 183
Tabela 9: Recursos programados no I Plano de Desenvolvimento do Amap/
II Plano Nacional de Desenvolvimento, 1975-1979 201
Tabela 10: Participao do Imposto nico sobre Minerais (IUM) na receita
total arrecadada em Macap, em Cr$ 215
Tabela 11: Valor da produo mineral e do IUM, 1988 216
Tabela 12: Participao percentual do Amap nas exportaes minerais
brasileiras, 1957-2000, intervalos selecionados 217
Tabela 13: Saldo comercial e participao do Amap nas exportaes da
regio Norte, US$ 1.000 FOB 218
Tabela 14: Participao do PIB amapaense em relao ao PIB do Norte; da
Indstria do Amap em relao a do Norte e da Indst. Amap em
relao do PIB do Amap (em %) 219
Tabela 15: Evoluo do funcionalismo pblico no Amap, 1944-1993 (anos
selecionados) 220
Tabela 16: Empregados diretos no Amap da Icomi e de empreendimentos
associados, 1957-1999 (anos selecionados) 220
Tabela 17: Evoluo demogrfica amapaense, 1950-2000 224
royalties
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Tabela 18: Produo da economia amapaense, a partir da somatria dos
principais produtos de cada ramo produtivo, 1962, em Cr$ 230
Tabela 19: Receita arrecadada por municpio, anos selecionados 236
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LISTA DE MAPAS E FIGURAS
Mapa 1: Localizao do Amap 2
Mapa 2: Brasil e seus territrios federais em 1945 67
Figura 1: reas fronteirias de conflito territorial entre o Brasil e outros
pases 69
Figura 2: Organograma do Plano de Organizao Administrativa do TFA de
1944 84
Figura 3: Futuro da Amaznia dependeria da explorao do ferro do Amap 123
Figura 4: Complexo Icomi no Amap 150
Figura 5: Localizao das minas de mangans da Serra do Navio 151
Figura 6: Manchete principal do prometendo transformar o
TFA num grande parque industrial 160
Figura 7: Emprstimo do Eximbank seria, primeiramente, para o ogresso
do Amap 161
Figura 8: Proporo dos principais produtos da produo amapaense por
municpio, 1962 229
Figura 7: Relao entre a populao rural e urbana do Amap, 1950-1990 233
Figura 8: Diviso poltico-administrativa do Amap 1943, 1956 e 2000 228
Figura 9: Depsito de rejeitos de mangans em Santana 241
Figura 10: Lago artificial surgido da extrao de mangans na mina
Terezinha-6 243
Figura 11: Minrio de baixo teor descartado na Serra do Navio 244
Figura 12: Aterro para onde seriam transferidos os rejeitos do de
Santana 245
Jornal Amap
-
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1: Principais produtos da produo dos municpios amapaenses em
1962 231
Grfico 2: Evoluo da populao urbana e rural do Amap, 1940-1990 234
Grfico 3: Comparativo da populao do TFA e de Macap, 1950-2000 234
-
ANEXOS
Anexo 1: Figura do Contestado Franco-BrasileiroAnexo 2: Figura do esboo das reas de ocorrncia mineral no Amap, anos
1940
283
284Anexo 3: Quadro de ocorrncias minerais divulgadas no Amap 285Anexo 4: Canteiro de obras da hidreltrica de Paredo (Icoaracy Nunes),
anos 1960 286
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SUMRIO
1 INTRODUO
2 O REGIONALISMO COMO QUESTO IMPORTANTE NO ESTUDO
DO AMAP
3 DA SITUAO COLONIAL FUNDAO DO TERRITRIO
FEDERAL DO AMAP
4 DO FERRO AO MANGANS
1
1.1 LOCALIZANDO O AMAP E ESTUDOS J REALIZADOS 1
1.2 A MINERAO NO AMAP 6
1.3 PROBLEMATIZAO 7
1.4 PERSPECTIVAS TERICO-METODOLGICAS: UNIDADE HISTRICA
E REGIONALISMO 11
1.5 SOBRE AS FONTES 15
18
2.1 REGIONALISMO COMO DISCUSSO TERICA 18
2.2
2.3
REGIONALISMO E AUTONOMIA NO AMAP
IDENTIDADE E REGIONALISMO NO AMAP
29
33
41
3.1 O AMAP NO PERODO COLONIAL E NO BRASIL IMPERIAL 41
3.2 DO REORDENAMENTO TERRITORIAL CENTRALIZAO
POPULISTA VARGUISTA 46
3.3 CENTRALIZAO, REORDENAMENTO TERRITORIAL E
SEGURANA NACIONAL: O AMAP NA FUNDAO DOS
TERRITRIOS FEDERAIS 59
3.4 FRAGILIDADE DOS ESTADOS AMAZNICOS E A RELAO ENTRE
PAR E AMAP 71
3.5 A INSTABILIDADE DOS TERRITRIOS FEDERAIS 75
3.6 QUESTES ECONMICAS E ADMINISTRATIVAS NO NOVO
TERRITRIO FEDERAL 82
3.7 POPULISMO E DISPUTAS POLTICAS LOCAIS 87
3.8 AUTONOMIA COMO PRODUTO DO PROGRESSO ECONMICO 94
97
4.1 POLMICAS EM TORNO DA INDUSTRIALIZAO, DO ESTADO, DO
CAPITAL ESTRANGEIRO E DA MINERAO 97
4.2 O AMAP NO CENRIO AMAZNICO DAS DCADAS DE 1940 E 1950 108
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4.3 O CONTRATO COM A HANNA EXPLORATION COMPANY NO
AMAP 112
4.4 O MANGANS AMAPAENSE NO CENRIO DAS DISPUTAS
INTERNACIONAIS 125
4.5 DA DESCOBERTA DO MANGANS AO CONTRATO COM A ICOMI 129
4.6 A ICOMI E O PROJETO DE ESTADO MINERADOR-INDUSTRIAL 153
4.7 A ICOMI COMO RECURSO POLTICO DESENVOLVIMENTISTA 160
165
5.1 A EVOLUO DA PRODUO DA ICOMI 166
5.2 ICOMI, DISPUTAS LOCAIS, LIMITAES ECONMICAS E
INTENSIFICAO DA CAMPANHA AUTONOMISTA 185
5.2.1 A Produo do Mangans e o Cenrio Poltico Amapaense no Perodo de 1960
a 1964 185
5.2.2 Do Golpe Militar ao Final dos Anos de 1970: Diversificao da Produo da
Icomi e Enfraquecimento da Campanha Autonomista 194
5.2.3 As Contradies do Projeto do Estado Minerador-Industrial 203
5.2.4 A Retomada da Campanha pela Transformao do Amap em Estado e a
Diminuio da Importncia Relativa da Minerao no Movimento
Autonomista 206
5.3 A ICOMI NO MOMENTO DE CRIAO DO ESTADO DO AMAP 213
223
6.1 A PRESENA DA ICOMI NA (RE)ORGANIZAO ESPACIAL DO
AMAP 223
6.2 A QUESTO FSICO-SCIO-AMBIENTAL NA EXPLORAO DO
MANGANS
240
248
260
282
5 PRODUO DA ICOMI E A AUTONOMIA DO TFA: DAS
CONTRADIES TRANSFORMAO DO AMAP EM ESTADO
6 ICOMI, (RE)ORGANIZAO ESPACIAL E QUESTO FSICO-
SCIO-AMBIENTAL NA EXPLORAO DO MANGANS
AMAPAENSE
7 CONCLUSO
REFERNCIAS
ANEXOS
-
1
Que papel teve a empresa Indstria e Comrcio de Minr S.A. (Icomi) na
consolidao do Territrio Federal do Amap (TFA) e na sua transformao em estado da
Federao brasileira? Eis a questo que nos intrigou nesta tese.
1.1 LOCALIZANDO O AMAP E ESTUDOS J REALIZADOS
O Amap, com seus 142.814,585 km, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatstica (IBGE, 2008), est situado numa rea de fronteira internacional do Brasil, mais
especificamente na Amaznia Oriental e na desembocadura do rio Amazonas, tendo o Estado
do Par como limite ao sul/sudeste (rio Amazonas) e ao sul/sudoeste (rio Jari); ao
norte/nordeste, seu limite o oceano Atlntico e, ao oeste, faz fronteira com a
Guiana Francesa, havendo ainda uma pequena parcela de territrio ao extremo-oeste que
tem como limite o Suriname (Mapa 1).
Diversos estudos j foram realizados sobre o Amap. Co objetivos e pontos de
origem diferentes, eles nos ajudaram no apenas a contextualizar o desenvolvimento desse
estado como tambm nos serviram de referncia para a construo de outra perspectiva
analtica diferente da linha condutora comum presente nesses trabalhos.
Arthur Reis (1949) estudou os primeiros anos logo aps a criao do Territrio
Federal do Amap (TFA), comparando as informaes disponveis sobre o que existia antes
dessa criao com as primeiras transformaes que ocorriam. O autor enalteceu a fundao
desse e de outros Territrios Federais (TF) colocando-a como expresso do progresso para a
regio.
1 INTRODUO
-
2
: Digital Chart of the World (www.maproom.psu.edu/dew), Arruda (1997), Esri (www.esri.com/lega/copyright-tradmarls.html), Anurio Estatstico IBGE, 1992. Elaborao de Luiz Barbosa e Indira Marques.
Fonte
Mapa 1: Localizao do Amap.
-
3
A obra de Arthur Reis foi publicada em 1949, pouco dep da assinatura do contrato
de explorao do mangans amapaense pela Icomi e, na prtica, antes da instalao da
empresa no Amap. Portanto, a Icomi inexistia por ocasio deste trabalho. Isso ,
evidentemente, um elemento que ajuda a entender as limitaes do estudo, pois as
informaes disponveis eram incipientes e frgeis, dadas as fragilidades dos levantamentos
feitos pelo Territrio. Outra limitao deve-se ao objetivo de necessariamente enaltecer o
novo Territrio, de construir um discurso performtico que o justificasse, o que obscureceu
em parte a possibilidade de uma interpretao crtica a criao do TFA e sobre seus
primeiros anos de existncia. Em todo caso, se desconsiderarmos o relatrio feito pelo
governador Janary Nunes no final de 1944, o trabalho de Reis foi o primeiro estudo de maior
envergadura feito sobre o Amap.
Fernando Santos (1998), por sua vez, estudou a histria do Amap concentrando-se na
figura do primeiro governador do Territrio, Janary Nunes, e no fenmeno dele decorrente: o
janarismo. A Icomi foi abordada no trabalho, mas com um elemento bastante secundrio
na histria amapaense do perodo, de modo que a empresa representava muito mais um dado
do que um elemento a ser estudado e problematizado. Assim, as variveis explicativas dos
fenmenos que marcaram o TFA foram localizadas, por esse autor, nos processos em torno da
figura do ex-governador amapaense, perdendo-se a possibilidade de localizar-se na frtil
interseco entre Icomi e governo do Amap.
Daniel Brito (1994) estudou criticamente a Icomi e as s nas relaes
socioambientais introduzidas pela empresa, entretanto u seu estudo na empresa em si,
relegando ao segundo plano, por exemplo, a elite poltico-administrativa. Esse autor seguiu,
assim, um movimento inverso ao de Santos. Apesar disso e ainda que de forma secundria,
analisou o papel do governo no desenvolvimento do processo de explorao mineral a partir
da Icomi, discutindo, alm dos impactos sociais e ambientais, as limitaes do projeto para o
-
4
desenvolvimento regional. Porm, quando se props a fazer uma anlise da relao entre
governo do Territrio e empresa, ele tomou essa relao como algo dado, e no como um
processo que foi construdo e, ao mesmo tempo, construiu o estado amapaense.
Jadson Porto (2003) estudou as transformaes econmico-institucionais, em cujo
contexto analisou a Icomi e a consolidao do TFA. Ele constatou que a presena da Icomi
produziu transformaes, contudo essa constatao apareceu muito mais como um dado do
que como uma problematizao da relao entre o Territrio e a Icomi. Alm disso, Porto
efetuou uma periodizao que, na prtica, separou o TFA do Estado do Amap, como se
fossem dois processos diversos e distintos.1 Afora isso, localizou e destacou a gnese do
Territrio, mas no a problematizou, tampouco examinou a relao Icomi-Amap com a
ateno necessria para o entendimento daquilo que ele prprio props-se a fazer: estudar as
principais transformaes econmicas e institucionais no intervalo temporal que vai da
fundao do Territrio ao ano de 2000.
Jos Drummond e Maringela Pereira (2007) procuraram fazer correlaes entre a
Icomi e o TFA, chegando a falar rapidamente de um papel fundador da empresa em relao
ao Amap. O estudo desses dois autores foi bem fundamentado em informaes quantitativas,
mas tornou-se fundamentalmente descritivo e pouco problematizou os dados disponveis. O
resultado foi que, apesar de afirmarem que fariam uma anlise isenta, acabaram em inmeros
momentos tendo como preocupao central enaltecer a presena e o papel desempenhado pela
empresa no Amap.
Evidentemente que cada autor citado se props objetivos e focos especficos, de modo
que isso marcou cada trabalho em si. No colocamos em questo a importncia desses
estudos, inclusive recorremos a eles sempre que necessrio, mas, para alcanarmos os
propsitos desta tese, tivemos de questionar as interpretaes que analisaram a Icomi a
1 Evidentemente no deixamos de constatar que h fases especificidades diferentes entre o TFA e o Estado do Amap, mas buscaremos comprovar que so partes compone e um processo longo, no linear.
-
5
fundao do estado amapaense como processos distintos. Partimos justamente daquilo que
elas negaram e o transformamos em objeto de estudo, ou seja, reexaminamos o processo
histrico e a evoluo geogrfica amapaense, evidenciando a relao entre TFA e Icomi como
a gnese do Estado do Amap. Nesse movimento de construo, no se poderia examinar a
histria da formao poltica e econmico-financeira do Amap de forma linear. A anlise
deveria necessariamente ser complexa. Fomos ao passado para entender as relaes que
explicavam o presente, na tentativa de desconstruir mitos.2
O perodo da fundao do Territrio Federal do Amap e da instalao local da Icomi
ganhou destaque como ponto de partida para compreender a busca das autonomias
econmico-financeira e poltica do Amap,3 que se configuraram tambm como
manifestaes regionalistas. No objetivamos fazer um balano da atuao da empresa no
Amap de modo a enveredar pelo caminho da crtica exacerbada de sua presena, tampouco
fazer sua defesa ufanista. Por outro lado, no poderamos nem negar a importncia da
empresa na configurao da realidade existente no que oje constitui essa unidade federativa,
nem sequer deixar de observar os srios problemas decorrentes dessa presena, entre os quais
se destacava o fato de que a riqueza por ela extrada pouco promoveu em termos de
desenvolvimento local duradouro sociedade amapaense. Esse mesmo procedimento tambm
foi adotado no tocante ao governo do Territrio Federal do Amap.
Assim, examinamos privilegiadamente a relao entre empresa e governo do Amap
no processo de autonomia dessa unidade federativa. A busca por esse processo de
emancipao poltica e econmico-administrativa foi um elemento fundamental na
constituio do movimento regionalista.
2 O que no quer dizer que o presente explica-se apenas pelo passado; se pensssemos assim, estaramos desconsiderando os fenmenos e atores atuais na compreenso da realidade hoje existente.3 Apesar de falarmos em autonomias (no plural), compreendemos o processo como um s. Depende do perodo em anlise, a busca da autonomia do Amap (e o discurso em torno dela) sustentou-se mais em elementos econmico-financeiros ou em polticos. Nos primeiros anos de criao do TFA, foram os elementos econmico-financeiros que se destacaram.
-
6
1.2 A MINERAO NO AMAP
O Amap desde h muito j contava com uma produo mineral, destacando-se a
explorao artesanal de ouro. Em 1934, o Departamento de Produo Mineral
(DNPM) constatou a presena de mangans no rio Amapari. Quando o governo do Territrio,
na figura de Janary Nunes, assumiu a administrao do Amap, desenvolveu-se uma poltica
ativa no sentido de descobrir e explorar reservas minerais. Em 1945, anunciou-se a descoberta
de reservas de ferro no rio Vila Nova, o que originou contrato de pesquisa e explorao
entre o governo do Territrio e a empresa estadunidense Hanna Exploration Company, que
no evoluiu para uma produo mineral efetiva. Ainda em 1945, descobriram-se reservas de
mangans na Serra do Navio. O governo do Territrio abriu licitao para a sua explorao, e
a Icomi, sediada em Minas Gerais, saiu vitoriosa.
O contrato de estudo de viabilidade da explorao das foi assinado em 1947
entre a Icomi e o Governo do Territrio Federal do Amap (GTFA), sendo que em 1950, ele
foi revisado e por meio de tal reviso a empresa passou a ter a prerrogativa de explorao
dessas reservas e, tambm, a possibilidade de associar-se a empresas estrangeiras para tal.
Logo em seguida reviso contratual, a Icomi associou-se norte-americana Bethlehem Steel
Company num contexto de polmicas acerca da participao do capital estrangeiro na
economia brasileira.
As primeiras exportaes de mangans ocorreram em 1957 e constituram o principal
elemento propulsor da produo econmica amapaense e, at meados dos anos 1960 pelo
menos, a principal fonte, para a regio amaznica, de isas oriundas do mercado
internacional.
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7
Afirmamos desde j que a presena da Icomi foi um elemento importante para a
consolidao econmica do novo Territrio. De outro lado, o governador Janary atuou
ativamente junto ao Congresso Nacional e Presidncia da Repblica a fim de reunir os
elementos necessrios ao incio e continuidade da explorao de mangans do Amap. A
partir de meados dos anos 1960, a Icomi procurou diversificar sua produo, recorrendo a
outros produtos e atividades. A produo de mangans entrou em crise nos anos 1980,
exaurindo-se na dcada seguinte. Em 1997, a empresa solicitou oficialmente ao DNPM o
encerramento dessa produo no Amap.4
Ainda na dcada de 1960, surgiram propostas de elevao do TFA categoria de
estado, prolongando-se essa discusso pelas dcadas seguintes. Isso culminou no debate no
Amap sobre a sua manuteno como territrio federal ou sua ascenso federativa, formando-
se correntes defendendo argumentos favorveis a uma e a outra posio. Em 1988, o Amap e
os demais territrios, exceo de Fernando de Noronha, foram transformados em estados.
1.3 PROBLEMATIZAO
Com a descoberta do mangans, o Amap, para alm de fronteira internacional,
transformou-se em fronteira econmica. Estendemos nossa pesquisa at o final dos anos 1980,
quando se criou o estado. Nossa anlise norteou-se principalmente pelas seguintes questes:
quando, como e por que o Amap se transformou em um estado, em uma unidade federativa
autnoma? O Amap foi desde o incio uma realidade geogrfica e histrica (pr-existente) ou
trata-se de uma unidade socialmente construda, imposta por decreto? No processo de
inveno do Amap, qual era o significado das riquezas minerais, ento recm-descobertas?
Qual foi o papel desempenhado pela Icomi no processo? Como foi construda a perspectiva
4 A exausto de uma mina de explorao superficial acontece todas as vezes que a relao entre estril e minrio torna-se desfavorvel para a empresa que a explora, face ao preo baixo do minrio.
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8
autonomista no Amap? Mais especificamente: qual foi o papel da Icomi na construo da
autonomia econmico-financeira e poltica do Amap?
Evidentemente no queremos reduzir a consolidao do TFA e sua transformao em
estado somente ao papel da Icomi; queremos, antes, destacar a devida importncia da
empresa, pois ela estabeleceu uma relao de funcional com o espao do TFA,
implantando, por exemplo, a infraestrutura para a extrao e a transformao do minrio de
mangans (dinamizando a economia e a demografia locais) e, com isso, tornou-se elemento
importante para a construo da perspectiva autonomista, tanto pelo seu contedo concreto
quanto pelo seu vis simblico.
Como o Estado foi criado com a Constituio de 1988, pode parecer contraditrio
ressaltar a importncia da Icomi no processo de autonomia do Amap justamente na fase de
encerramento de suas atividades, quando seu papel econmico e simblico no acalantava,
nem sustentava mais a perspectiva antes propagandeada grandiosidade e de
desenvolvimento do Amap a partir do discurso do projeto mineral-industrial. Ao contrrio. A
empresa despertava crticas e ressentimentos em grande parte dos amapaenses, fosse em
funo dos problemas fsico-ambientais ou do fato de ela havia levado as reservas
mangans exausto. O Amap ficara longe da propaganda desenvolvimentista feita em torno
desse empreendimento. Quando apresentamos nossa problemtica a amapaenses e
pesquisadores, de imediato surgiu um questionamento e crtica: como voc quer fazer
tal anlise, se o papel de destaque da Icomi foi anter ao perodo em que o TFA se
transformou em estado? Desse modo, a Icomi s teria sido importante para o Territrio do
Amap, e no para a sua constituio em estado. Foi justamente isso que quisemos descortinar
comprovando que a empresa foi to importante para o TFA quanto para sua transformao
futura em estado.
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9
Foi com a significativa explorao do mangans pela Icomi que o Amap consolidou-
se como um Territrio Federal e depois reuniu condies para afirmar-se como estado.
Tratava-se de fazer existir um territrio visto como uma entidade social e economicamente
vivel, mas em processo de construo como instituio que tinha um projeto de progresso
que se materializaria no futuro estado.
Como ento foi possvel destacar tal importncia da Icomi nos projetos de
transformao do Amap em estado? Primeiro, devemos compreender que a transformao do
Territrio Federal do Amap em estado no foi algo repentino, fruto do presente,
simplesmente. O estado amapaense, com seu territrio geogrfico, sua identidade e
organizao espacial, administrativa e institucional, fruto de uma construo histrico-
geogrfica de longa durao. Faz-se assim necessrio entender o passado no sentido de refletir
sobre a consolidao do Territrio e sua transformao em estado, reconstruindo e
problematizando a sua gnese, o significado das suas riquezas naturais e o papel
desempenhado pela Icomi.
Um instrumento importante que nos ajudou neste movimento analtico foi a
perspectiva de unidade histrica aplicada Europa por Febvre (2004),5 que nos permitiu
pensar o Amap e refletir sobre quando se achavam reunidos seus elementos constitutivos
enquanto organizao poltica, econmica e geogrfica. Mais precisamente, refletimos quando
se teve a gnese histrica do estado amapaense. O estudo da gnese histrica permitiu-nos
analisar e destacar dois elementos, que acreditamos fundamentais, pr-condicionais
elevao do Amap condio de estado, unidade da Federao: o TFA e a Icomi. Assim, no
compreendemos o processo de formao histrica do TFA um fenmeno parte do
Estado do Amap. Territrio e estado amapaense so partes da evoluo de um mesm
processo histrico-geogrfico, com momentos e particularidades prprios, verdade, mas um
5 Publicado primeiramente na Europa em 1999.
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10
mesmo processo. Estudamos, portanto, a gnese do Estado do Amap na relao entre a Icomi
e o TFA desde o estabelecimento da empresa no espao amapaense.
Na tentativa de entender e descortinar as relaes entre TFA e Icomi, entre seus
elementos sociais e o projeto poltico regionalista, recorremos, entre outros, ao discurso dos
governantes e dos empresrios, o que nos possibilitou observar a movimentao das foras
polticas e econmicas no desenvolvimento do Amap at sua culminncia em estado. Mais
que isso: como a Icomi e o projeto de um estado sustentado na promessa da industrializao
mineral serviram, primeiro, proposta desenvolvimentista e autonomista e, depois, deixaram
de ser importantes para tal. Utilizamos o conceito de regionalismo como mais um elemento
para estudar a gnese histrico-geogrfica da autonomia amapaense.
No estudo das polticas autonomistas, evidenciamos as relaes externas
(particularmente, entre TFA e governo federal) e internas (entre TFA e Icomi, por exemplo)
nestas ltimas, as relaes entre aes e propagandas o governo local e da Icomi, visando,
por um lado, unir objetivos e suscitar na sociedade do TFA o sentimento de se ver como
amapaense (fator importante na sua individualizao em relao s demais unidades da
Federao brasileira) e, por outro, despertar o interesse pela autonomia dessa unidade
federativa. Assim, nosso campo de estudo partiu da geografia e dialogou com a histria e a
poltica.
Em sntese, as questes centrais que nortearam a construo da tese proposta foram:
quando, como e por que o Amap se constituiu em unidade autnoma da Federao? Qual foi
o papel desempenhado pela Icomi nesse processo? Para tal, trabalhamos, entre outras, com a
premissa de que a Icomi desempenhou papel fundamental na viabilizao econmica e
poltica do Territrio Federal do Amap e, nesse processo, em sua transformao em estado
da Federao.
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No perodo em anlise, a problemtica amapaense em questo pode ser resumida em
dois problemas interligados: o de gnese de um territrio federal, associado localizao e
ocorrncia mineral, ou seja, de um territrio federal (cuja criao foi politicamente imposta
pela sua condio de fronteira internacional) que tinha a meta de viabilizar-se como uma
entidade financeira e administrativamente mais autnoma possvel; outro de cunho
regionalista, subjetivo, bem como de organizao poltica do espao interno e regional. Esses
dois aspectos de um mesmo processo compunham a luta por uma entidade social, territorial e
administrativamente autnoma. Em outras palavras, a problemtica amapaense em questo
estava situada na interseco da poltica, do desenvolvimento extrativo mineral e das
aspiraes regionalistas de fazer-se ver e tornar-se autnomo, do ponto de vista tanto
econmico-financeiro quanto poltico.
1.4 PERSPECTIVAS TERICO-METODOLGICAS: UNIDADE HISTRICA E REGIONALISMO
Com base no levantamento histrico que realizamos, foi possvel afirmar que o Amap
foi muito menos um fato em si (a criao do Territrio Federal e depois do estado) e muito
mais um processo socialmente construdo, entendido na perspectiva das relaes estabelecidas
entre os atores envolvidos nessa construo. Para o fim deste muito nos ajudou a
perspectiva metodolgica da unidade histrica6 apresentado por Lucien Febvre (2004).
Objetivamos entender que o Amap estado foi uma construo social, real, e no algo dado
por natureza ou conseqncia simples do presente.
Tal como Febvre, que procurou destacar que a noo de Europa era uma noo real e
viva (FEBVRE, 2004, p. 61), portadora de uma solidariedade comum, de uma civilizao
6 Enquanto uma construo social que se pode saber quando surgiu e com quais foras sociais, ou seja, que se pode precisar sua gnese histrica. Neste sentido, no devemos confundir com uma unidade federativa, que uma diviso poltico-administrativa de um pas.
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comum,7 interessou-nos saber com quais elementos geogrficos e sociais foi constitudo o
Amap. Quais eram as foras polticas e sociais que o de fora e de dentro, que lhe
deram, entre outras, sua forma poltica, econmica e cultural? O que queremos evidenciar
com esta perspectiva metodolgica que a compreenso do presente necessita de um
conhecimento preciso do passado, no sentido de desvendar uma gnese que no se inicia com
um fato em si, tal qual a data de criao do Estado do Amap, por exemplo.
Um movimento terico que buscou analisar o movimento histrico da sociedade, mas
partindo da geografia e, portanto, do territrio (enquanto conceito geogrfico), foi realizado
por Moraes (2000). Esse autor usou como objeto emprico a categoria formao territorial
para apreender o movimento histrico da sociedade. O conceito de territrio, no contexto do
Estado-Nao, destacou-se como uma escala analtica que objetivou uma relao entre
sociedade e espao, uma viso angular especfica da histria. Nessa abordagem o territrio foi
apresentado como um espao dotado de uma historicidade prpria, que corresponderia
espacialidade de uma dada formao econmica e social, ou seja, todo territrio tem uma
histria que explica sua conformao e sua estrutura atual. Para apreend-la necessrio
equacion-la como um processo (MORAES, 2000, p. 21).
A formao territorial foi, assim, apresentada por Moraes (2000) como um objeto de
pesquisa de anlise histrica retrospectiva, uma vez que o autor buscou a gnese dos
conjuntos espaciais contemporneos que no passado no necessariamente possuam unidade
e integrao. Tomaram-se os territrios atuais como resultado de uma histria cuja lgica foi
atribuda e os estudos dos processos de formao territorial indicaram que
seus resultados foram construes de natureza diversas: blicas, jurdicas, ideolgicas e
polticas. O territrio, enquanto uma construo poltica teve tambm de ser reintegrado por
meio de pactos e disputas sociais. At por isso, a formao territorial apresentou ainda uma
7 Na perspectiva do autor, a civilizao era algo que por natureza tendia ao universal uma homogeneizao no sentido de se ver como iguais.
post festum
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13
face ideolgica, resultando em construes discursivas que comandam tanto a conscincia dos
lugares quanto sua produo material. A questo federativa, o regionalismo e a
municipalizao exemplificaram bem o contedo de tais sociais de ordenamento
poltico do poder no espao que, por sua vez, expressaram pactos territoriais.
A anlise de Moraes (2000) e, particularmente, a de Febvre (2004), chamam a ateno
para a discusso da identidade. Featherstone (1998) interpretou-a a partir da anlise da
comunidade/nao no contexto da globalizao. A comunidade nacional foi inveno, porm
no foi criada do nada, ao contrrio, sustentava-se necessariamente em um estoque comum de
mitos, heris, eventos, paisagens e memrias que deveriam ser organizados e que assumiam
um papel crucial na construo do nacional. A relao diferenciao externa entre ns e
eles unificava as estruturas internas dos grupos; aparentando para quem visse de fora a
localidade de fora uma imagem unificada e homognea dessa cultura. A cultura local era
internamente sedimentada pelas experincias cotidianas e pelas crenas comuns, mas a
integrao dessas crenas e do sentimento de pertencimento, de particularidade tornava-se
mais definida no contato com o outro. Foi por meio do contato que os grupos criaram,
recriaram smbolos e formaram uma imagem unificada sua, afirmando sua identidade em
relao ao outro.
Ortiz (2005), ao estudar a cultura brasileira e a identidade nacional, afirmou que toda
identidade define-se em relao a algo que lhe externo. Alm da dimenso exterior, a
identidade possui outra dimenso interna, que o que os identifica. Identidade foi entendida,
nessa compreenso terica, como algo que se construiu, como uma construo simblica. Ela
no espontnea. Essa viso eliminou da anlise questes sobre falsidade ou verdade do que
era produzido, pois, existiria no uma identidade autntica, mas uma pluralidade de
identidades, construdas por diferentes grupos em diferentes momentos histricos.
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14
Entender a identidade significava, ento, compreend-la como projeto que se vincula
s formas sociais que a sustentam (ORTIZ, 2005, p. 13 . Foi dessa forma que o autor
entendeu o que seria a identidade nacional. Na sua tica, foi o Estado que delimitou o
quadro de construo dessa identidade, constituda por meio de uma relao poltica. Isso
implicava afirmar que existia a histria da identidade e da cultura brasileira que correspondia
aos interesses dos diferentes grupos sociais na sua relao com o Estado. A questo
fundamental a respeito da identidade nacional consiste em saber quem o artfice desta
identidade e desta memria que se querem nacionais? A que grupos sociais elas se vinculam e
a que interesses elas servem? (ORTIZ, 2005, p. 39). Tudo isso deve ser considerado quando
se analisa o processo de autonomia do Amap.
A elaborao da identidade regional foi um elemento importante no movimento
regionalista. Assim, as questes levantadas por Ortiz foram tambm pertinentes para a anlise
do regionalismo no Amap, reforando a compreenso colocada por Featherstone (identidade
relacional) e tornando mais complexa, a partir de sua incorporao, a noo de unidade
histrica.
No Amap, a construo da identidade foi importante para a existncia de um
movimento regionalista, e particularmente autonomista, conduzido por uma elite poltica em
formao, cujas aes e cujo discurso buscaram, primei afirmar o TFA como uma unidade
da Federao brasileira e, posteriormente, elev-lo condio de estado brasileiro. O estudo
do regionalismo possibilitou-nos visualizar a ao poltica na relao entre o governo do TFA
e a Icomi. Pela importncia do tema, o regionalismo ser abordado em seo especfica.
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1.5 SOBRE AS FONTES
Nossa abordagem do objeto de estudo partiu de uma caracterizao dos processos
histrico-geogrficos, polticos e econmico-financeiros, incluindo elementos da organizao
administrativa, espacial, demogrfica, simblica e cultural do Amap. Desse modo, o trabalho
situou-se na fronteira entre a geografia, a economia e a histria do Amap e manteve dilogos
com a poltica. Destacamos, portanto, duas rbitas que se interligaram: a gnese e a
organizao do espao, ou seja, a relao entre tempo e espao.8
A busca das autonomias polticas e econmico-financeiras foram fundamentais para
a construo do Estado do Amap. Assim, para alcanar nossos objetivos, trabalhamos com
trs fontes de informaes, alm do levantamento da literatura e da consulta de documentos
oficiais. Primeiro, estudamos a evoluo e a diversificao da produo da Icomi (exportao,
receita, pagos e novos empreendimentos), relacionando-as, em diversos momentos,
com o desenvolvimento da demografia local, a arrecadao fiscal, o valor dos principais
ramos produtivos do Territrio e a (re)organizao espacial (originando novos ncleos
populacionais ou dinamizando outros j existentes). Recorremos a uma srie de dados
secundrios (anurios, censos, estatsticas e publicaes da Icomi, Receita Federal e outros),
analisando-os no sentido de compreender a dinmica da relao entre o TFA e a Icomi na
construo do Amap estado.
A respeito dos dados sobre a produo do mangans (qua exportada, receita e
), constatamos algumas diferenas entre os montantes dos valores divulgados pela
8 Nossa ateno especial concentrou-se naquele que foi o maior empreendimento produtivo do setor privado no Amap o complexo Icomi. Sua importncia para a transformao do Amap em estado levou-nos a no dar a mesma ateno a outro projeto de explorao de recursos naturais implantado no Territrio: o projeto Jari. Esse projeto foi significativo no ltimo perodo do Amap como territrio federal, porm no teve o mesmo impacto sobre a dinmica econmico-espacial amapaense. Por conta disso e da nossa concentrao no objeto proposto para a tese, o projeto Jari foi abordado apenas superficial e rapidamente. Alm disso, outro tema abordado de forma bastante secundria foi a questo ambiental. A r m se deve a que nosso objeto no enfatizar essa temtica com destaque.
royalties
royalties
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empresa e aqueles registrados pela Receita Federal. Alm disso, os dados colhidos na empresa
apresentaram uma srie histrica menor. Por causa disso, optamos por seguir os dados da
Receita Federal.
As informaes sobre a evoluo demogrfica (quantidade de habitantes, populao
rural e urbana, concentrao populacional) e sobre a formao de novos municpios foram
retiradas dos censos demogrficos e dos anurios estatsticos do IBGE e dos anurios
estatsticos do governo do Amap.
Em relao arrecadao fiscal, no foi possvel construir uma srie histrica
confivel. A razo principal, mas no nica, foi que, muitos anos, a Receita Federal e os
anurios do IBGE no apresentaram nmeros especficos o TFA, incluindo sua
arrecadao tributria na arrecadao do Estado do Par. Nesse caso, optamos por fazer um
levantamento, ainda que incompleto, nos anurios estatsticos do Amap.
Os demais dados sobre a economia (valor da produo dos setores produtivos,
produo do extrativismo mineral em relao economia amapaense e do Norte e outros)
foram levantados juntos aos anurios do IBGE e do Amap, do Atlas do Amap de 1966
(elaborado tambm pelo IBGE) e dos planos de desenvolvimento do Amap.
Eventualmente, na impossibilidade de ter acesso a outras fontes, recorremos a
informaes presentes em outros trabalhos realizados sobre o Amap: Porto (2003),
Drummond e Pereira (2006) e Leal (2007a, 2007b).
A segunda fonte em que nos apoiamos foi o , que foi fundado pelo
governo do Territrio em 1945 e se manteve at o final dos anos 1970. Ele funcionava, na
prtica, como o rgo oficial desse governo, apresentando posies governamentais,
discursos, documentos (como os contratos de explorao mineral) e reprodues do
e de matrias de jornais do Rio de Janeiro, de So Paulo e de Belm do Par.
Por meio dele, tivemos acesso a documentos at ento inacessveis, estatsticas e posies dos
Jornal Amap
Dirio
Oficial da Unio
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principais atores polticos envolvidos diretamente com a idia de autonomia, relacionados
com o nosso objeto de pesquisa. Essa fonte foi de enor importncia para nossa pesquisa,
dada a falta de informaes estatsticas, documentais histricas registradas sobre o Amap.
Embora a Biblioteca Pblica de Macap no conte com alguns de seus exemplares, o vasto
levantamento que realizamos (trs dcadas contnuas) ajudou-nos muito a fazer a anlise
histrica necessria complementada por outros jornais, como o (incio dos
anos 1960), o e o na dcada de 1980, entre outros.
Finalmente, como terceira fonte, alm do dilogo com pesquisadores,9 entrevistamos
algumas pessoas que viveram e atuaram no intervalo temporal que compreendeu nosso objeto
de estudo: familiares de personalidades polticas dos anos 1940 a 1970, funcionrios da
Icomi, o ex-governador do Amap Annibal Barcellos e o ex-governador do Par e ex-ministro
Jarbas Passarinho. As entrevistas foram conduzidas no ntido de perceber-se o movimento
dos principais atores presentes no processo de emancipao poltica do Amap, a relao
destes com a populao em geral, os discursos e interesses em questo e, ainda, a utilizao
do aparato governamental para alcanar o objetivo autonomista.
Alm de Macap, nossa pesquisa incluiu instituies de Belm do Par (Arquivo
Pblico, jornais locais, Universidade Federal do Par UFPA), IBGE, etc.), do Rio de Janeiro
(Ministrio da Fazenda, IBGE, Ministrio do Exrcito e bibliotecas de universidades) e de
Braslia (Senado e Cmara Federal).
9 Maria Clia Coelho, Alusio Leal, Rosa Acevedo, Gilberto Marques, Maurlio Monteiro e outros.
Voz Catlica
Informativo Amap Jornal do Dia
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O regionalismo possui diferentes dimenses, como a econmica, a poltica, a
simblica. Privilegiamos aqui aquelas que facilitam o do Amap como uma
construo poltica, histrica, geogrfica e cultural.
2.1 REGIONALISMO COMO DISCUSSO TERICA
A discusso sobre regio e regionalismo bastante variada em suas abordagens e
assume diferentes perspectivas metodolgicas em diversas correntes tericas e em diferentes
campos do conhecimento cientfico.10
No seu sentido mais comum para a economia, em grande medida regionalismo a
reao de uma regio que se atrasou no desenvolvimento econmico que, para muitos,
foi sinnimo de industrializao capitalista. A regio tornou-se, nessa abordagem, o lugar das
reivindicaes, e tanto ela quanto o regionalismo foram apresentados como se fossem
homogneos, de onde se retirou a vontade regional, representao do interesse de todos.
Furtado (1999), apesar das suas contribuies para a economia poltica brasileira,
incorreu, pelo menos nas suas primeiras elaboraes, na estreiteza da elaborao acima
exposta. Para os que raciocinaram segundo esse esquema, o regionalismo reduziu-se a um
conjunto de reivindicaes da regio atrasada com o objetivo de alcanar o nvel de
desenvolvimento (ou de industrializao) das regies que se industrializaram. O progresso e a
superao do atraso e da desigualdade dependeriam da ao estatal e, em particular, do
planejamento pblico. Evidentemente, dependendo da corrente terica, o papel do Estado
10 A ttulo de constatao rpida da diversidade de abordagens, basta lembrar a elaborao de Werlen (2001), queanalisou o regionalismo, no com base no espao ou na regio, mas a partir do sujeito. Sustentado nos conceitos de Giddens (1991), Werlen incorporou o regionalismo aos quadros da globalizao, numa relao contraditria entre moderno e pr-moderno, destacando uma modernidade tardia.
2 O REGIONALISMO COMO QUESTO IMPORTANTE NO ESTUDO DO AMAP
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19
recebeu mais ou menos destaque na soluo dos desequilbrios no caso das vertentes
liberais, esse papel foi mais discreto, pelo menos teoricamente.11
Nas diversas abordagens do regionalismo, trs esferas assumem maior importncia.
Alguns autores destacaram muito mais uma em detrimento de outra. Estes elementos eram:
(1) a dimenso poltica, que inclua o debate sobre po dominao, opresso/alienao e
ideologia; (2) a dimenso territorial, expressada na definio de regio, ponto de partida para
os diversos autores, que ora a negam, ora tentam conceitu-la; (3) finalmente, a dimenso da
cultura, abordada sob o aspecto da representao, que destacava a identidade e o simblico.
Gottman (1952) entendeu o regionalismo como a tendncia de um setor para
individualizar-se em um espao habitado. Mas a capacidade de individualizar-se, prpria
dessa viso do regionalismo, permitiu geografia regional incorporar a iconografia (dimenso
simblico-cultural) s suas anlises. O autor destacou a importncia do estudo do sistema de
movimento (circulao no espao, que podia ser de ordem poltica, econmica, cultural, etc.)
e do sistema de resistncia ao movimento (iconografia) para a criao da diferenciao na
superfcie do globo. Para Gottman, o movimento constante de multides no parecia catico;
pelo contrrio, o movimento tornava um pas suficientemente dinmico, permitindo organizar
o espao. Ao longo desse processo, o espao diferenciou-se, regionalizou-se. Entretanto, essa
diferenciao por meio do movimento teve de incorporar princpios abstratos, ou seja, fez-se
necessrio acrescentar smbolos nos quais os indivduos acreditavam. Esses smbolos foram
ignorados ou negados por outros indivduos.12
11 Qual o problema da abordagem economicista? Foi justamente cair no determinismo econmico, depositando uma expectativa exacerbada e uma neutralidade inexistente no planejamento e nos planejadores, deixando de levantar questionamentos bsicos de grande significncia. Quem ou o que produziu aquela realidade desigual? Quem tem a prerrogativa do ato de planejar?12 Foi assim que a iconografia tornou-se, em geografia regional, uma barreira de resistncia ao movimento, possibilitando a criao de plo de diferenciao. Neste sentido, o autor ressaltou que no h fronteira escrita na natureza que separe dois povos de maneira completamente eficiente. Da a importncia dos princpios abstratos (lembranas coletivas) que so responsveis pelos cdigos sociais comuns, que unem os indivduos, estabelecendo laos e fixando-os no espao, criando unidades (regies) numa rea de circulao.
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20
Na concluso de Gottman, foi a trplice associao de circulao, movimento e
iconografia que explicou a diferenciao do espao e sua organizao, pois essa trplice
associao permitiu compreender que a delimitao do mundo devia-se mais s barreiras que
estavam na subjetividade dos indivduos do que a todas as caractersticas fsic presentes no
espao.
Para Bourdieu (1989), os critrios de identidade regional ou tnica na prtica social
eram objetos de uma dupla representao. Eram (lngua, sotaque e
outros elementos), ou seja, eram atos de representao e de apreciao, de conhecimento e de
reconhecimento, aos quais os indivduos aplicavam seus interesses e seus pressu stos. Eram
tambm , coisas (emblemas, bandeiras, insgnias, etc.) ou atos, que
seriam estratgias destinadas manipulao simblica tinham por objetivo determinar a
representao mental que o grupo podia ter destas propriedades e de seus portadores. Assim,
as lutas em defesa da identidade tnica ou regional seriam um caso particular das lutas de
classificaes, luta pelo monoplio de fazer ver e fazer crer, de dar a conhecer e de fazer
reconhecer, de impor a definio legitima das divises do mundo social e, por este meio, de
fazer e de desfazer os grupos (BOURDIEU, 1989, p. 113).
Nessa luta, o que estava em jogo era o poder de impor uma viso do mundo social por
meio dos princpios de di-viso, que no grupo realizavam o sentido e o consenso sobre o
sentido, em particular sobre a identidade e a unidade o grupo. O princpio de di-viso, tal
como apresentado por Bourdieu, era um ato propriamente social que introduzia uma ruptura,
uma fronteira, que separava ns e eles no mundo social. Mas o ato de traar as fronteiras
deveria ser realizado pelo indivduo de maior autoridade, que, ao faz-lo, traria existncia
aquilo por ele enunciado.
representaes mentais
representaes objetivas
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21
Em Bourdieu, o discurso regionalista era um discurso ,13 que buscava
impor como legtima uma nova definio das fronteiras, de conhecer e de se fazer reconhecer
a regio contra a definio dominante. Desse modo, o ato de classificar, quando conseguia
fazer-se reconhecer, institua uma realidade usando do poder de revelao e de construo
exercido pela objetivao no discurso. Mas a eficcia discurso performativo, que pretendia
fazer existir o que ele enunciava no prprio ato de enunciar, era proporcional autoridade
daquele que enuncia. Porm, essa eficcia no dependia apenas do reconhecimento dessa
autoridade, dependia tambm do nvel em que o discurso, ao apresentar ao grupo a sua
identidade, estava fundamentado na objetividade desse grupo, isto , nas propriedades
econmicas ou culturais que seus membros tinham em comum.14
Nesse movimento terico, o regionalismo foi apenas mais um caso das lutas
propriamente simblicas, na qual os atores podiam estar em estado de disperso,
individualmente, ou em estado coletivo, organizados. O que estava em jogo era a conservao
ou a transformao das relaes de foras simblicas. os atores entravam na luta
simblica de forma isolada, eles no tinham outra alternativa a no ser aceitar a definio
dominante da sua identidade ou buscar a assimilao da identidade dominante como sendo a
sua. J a luta em estado coletivo pela transformao das relaes de fora simblica tem como
objetivo, no a eliminao das caractersticas estigmatizadas/negativas, mas a apropriao
coletivamente do poder sobre os princpios de construo e de avaliao da sua prpria
identidade, do qual o grupo tinha abdicado em favor do dominante enquanto aceitava ser
negado ou negar-se. Desse modo, o estigma produz a revolta contra o estigma
(BOURDIEU, 1989, p. 125).
13 A representao foi comparada ao desempenho teatral.14 Para Bourdieu, a oficializao teve a sua realizao na manifestao, ato pelo qual o grupo tornava-se visvel, manifesto para com ele prprio, comprovando assim sua existncia como grupo conhecido e reconhecido que aspirava institucionalizao. Desse modo, o mundo social tambm representao e vontade, e existir socialmente tambm ser percebido como distinto (BOURDIEU, 1989, p. 118).
performativo
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22
A reivindicao regionalista seria, assim, uma resposta ao estigma que produzia o
territrio do qual aparentemente ela fora produto, ou seja, se a regio no existisse como
espao estigmatizado, como atrasado, definido pela distncia econmica e social em relao
ao centro, no teria de reivindicar sua existncia.
O movimento regionalista visava sustentar sua prtica identidade regional que
foi simblica e historicamente construda por diferentes atores sociais interessados em fazer
valer sua existncia. Essa existncia, como assinalou urdieu, era produto do discurso
regionalista (diramos ns: era tambm produto desse discurso), ou seja, de um discurso
performativo que buscava impor como legtima uma nova definio das fronteiras e dava a
conhecer e fazia reconhecer a regio. Assim, o regionalismo tinha em vista universalizar
valores, constituindo-se a universalizao como a estratgia de legitimao.
Do que apresentamos de Bourdieu, podemos concluir que smbolos eram
instrumentos de integrao social, e o regionalismo era um exemplo de luta simblica, na qual
o grupo dominante construa a imagem da regio como algo do interesse de todos; porm esse
grupo falava da regio de acordo com sua viso e seus interesses e esforava-se para fazer
dessa viso particular a viso de todo o grupo (identidade), buscando desse modo a integrao
social de que falamos.
Castro (1989a) analisou a prtica regionalista no Nordeste brasileiro tendo como um
dos objetivos evidenciar a importncia do territrio como base para a ao poltica. Tal estudo
definiu o espao como produto e mediador das relaes sociais e destacou que este, para
realizar-se, precisou de uma base territorial concreta o territrio, suporte fsico fornecido
pela natureza, em que a sociedade organizou-se e construiu o seu espao.
Para a autora, a dimenso territorial era ao mesmo tempo uma unidade geogrfica,
uma unidade social e uma unidade poltica (CASTRO, 1989a, p. ). O espao era definido
como espao-territorial. Ele era pensado com base em seu contedo e social, mas a
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materializao dos processos histricos (a produo do espao) no era homognea, pois a
sociedade relacionava-se de forma diferente e com recursos diferentes com a ureza,
produzindo espaos diferenciados. Essa compreenso impunha a existncia da noo de
fraes de espao dentro do espao total. A regio, partindo dessa compreenso, seria uma
frao do espao total, constituiria um nvel de anlise do territrio. Esse nvel no era
estabelecido de forma arbitrria; pelo contrrio, era fruto do acontecer particular do fato
social, ou seja, fazia parte da totalidade socioespacial, embora fosse definido pelo lugar em
que ela ocorria. Nesse sentido, a compreenso da regio deve apoiar-se na contextualizao da
identidade regional.15
Havia dois nveis de identidade em Castro: um era o imediato, estruturado
individualmente (topofilia) e o outro era o coletivo, estruturado na dinmica das relaes
sociais denominado pela autora regio de vivncia ou identidade regional. Nesses termos, a
regio era uma frao estruturada do territrio. Por apresentar estrutura, uma regio
especfica possua uma identidade que a diferenciava das demais regies. Essa frao
personalizada possibilitava a sua delimitao com base na compreenso da especificidade que
ela continha. Assim, a regio era concreta, observvel, delimitvel e socialmente construda
(CASTRO, 1989b, p. 391). A regio era, ento, o espao vivido da identidade fsica, cultura
econmica. Contudo, Castro lembrou que esse carter especfico e diferenciado da regio no
significava o seu isolamento, pelo contrrio, a regio era o espao da interao com a
sociedade global.16
15 De modo geral, a identidade territorial, em Castro, foi um fundamento extremamente importante para a anlise da regio, pois a diferenciao espacial define-se na identidade que se realiza nas relaes homem-meio (CASTRO, 1989a, p. 15). Partindo dessa compreenso e apoiada no conceito de topofilia de Bachelard, que evidenciou a relao afetiva entre o indivduo e o lugar, a autora procurou mostrar que o espao em sendo a morada do homem estabelece com ele os seus laos (CASTRO, 1989b, p. 390).16 Santos (1985) evidenciou o carter especfico da regio, onde ela apresentava uma combinao localizada de uma estrutura especfica de demografia, de estruturas sociais, de receitas, de consumo, etc. Ela um local que tem seguimentos e momentos, pois evolui na histria. Contudo, apesar de destacar as especificidades da regio, Santos no a concebeu como um ente autnomo; ao contrrio, para ele, a regio seria parte do sistema nacional, uma subunidade do todo nacional.
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Castro tambm destacou a diferena entre a regio de vivncia e a r io definida por
critrios poltico-administrativos. A regio de vivncia era construda pelas relaes
territoriais, econmicas, sociais e culturais. Por outro lado, a regio administrativa estava
relacionada com os nveis administrativos de poder territorial. Essa escala administrativa
podia englobar diferentes regies de vivncia, como poderia inibir ou incentivar identidades
regionais. Assim, a regio moldada pelas imposies objetivas da natureza e da sociedade e
redefinida pelas imposies subjetivas das relaes de poder (CASTRO, 1989a, p. 19).
Esses dois nveis de regio no eram necessariamente excludentes, ao contrrio, eles
podiam complementar-se e mascarar-se entre si, dando legitimidade regio poltica. A
integrao entre esses dois nveis decorria da arbitragem das alianas e coalizes das elites
das diferentes regies de vivncia que compunham a regio poltica. Logo, a regio enquanto
construo histrica era forjada pelos atores mais importantes desse processo. Assim, o papel
desempenhado pelas elites era fundamental, tanto para definir o carter da regio como para a
projeo de sua imagem.
A questo da imagem evidenciou que a regio, alm de uma forma concreta, foi
tambm representao e ideologia. Essa representao foi apropriada e reelaborada pela elite,
que construiu um conjunto de idias que foi reassimilado coletivamente como ideologia. Essa
ideologia, elaborada a partir da base regional com um fim especfico, constituiu uma
dimenso do regionalismo, que se manifestou como conscincia regional.
Castro destacou ainda que as opes ideolgicas das el laes com o poder
central eram elementos fundamentais dos meios de articulao da poltica regional. As elites
tanto podiam estabelecer alianas com o poder central o que as tornava beneficirias da
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situao de marginalidade econmica ou poltica quanto confrontar-se com ele, se isso lhes
trouxesse benefcios.17
Qual a importncia da elite local no processo em anlise? Pa Castro, a elite tinha a
tarefa de remover as barreiras que dificultavam a atuao do Estado entendido pela autora
como facilitador da expanso do capital. Assim, o Estado apoiava-se nas elites locais,
estabelecendo alianas com elas ou captando-as; elas, por sua vez, utilizavam o seu poder de
barganha para direcionar, mesmo que em parte, as decises de acordo com seus interesses.
As caractersticas regionais referem-se, ento, a uma tendncia histrica patrocinada
pelos interesses localmente dominantes famlia, religio, poltica e empreendimentos no
sentido de favorecer prticas compatveis, e tornar-se parte da mesma estrutura de percepo
cultural (CASTRO, 1989a, p. 26). Desse modo, a identidade regional era influenciada pelo
comportamento da elite local em relao prpria regio, ao poder central e s outras
regies.18
A anlise regionalista era, assim, bastante complexa, pois envolvia identificao e
coeso no interior da regio, como tambm articulao com o poder central e competio
externa tendo em vista a defesa, a preservao ou a obteno de condies mais vantajosas.
Dessa forma, o regionalismo era simultaneamente intrnseco, relativo e relacional. De acordo
com Castro, a investigao sobre o regional evidenciou, de modo geral, a espacializao do
sistema poltico; por isso, a autora buscou compreender suas articulaes e interaes tanto no
17 Nesse sentido, as questes regionais poderiam ser tratadas de diferentes formas, fazendo-se necessrio analisar os recursos e a materializao da expresso poltica d diferenas. Um exemplo: nos pases com problemas de diferenas tnicas e culturais bem definidas, essas diferenas serviam como recursos para tornar visvel o confronto desencadeado por um poder poltico e econmico desigual.18 Interpretar o regionalismo dessa forma supunha ter como referncia a interao entre espao e poltica, na qualcada um era reciprocamente determinante e determinado. Logo, a ao poltica, enquanto atividade governamental, definia espaos, mas era tambm definida por eles. Assim, o regionalismo do Nordeste, segundo Castro, era produto da especificidade do carter poltico das interaes sociais regionais, e sua existncia resultava tanto dos fatores histricos locais como das relaes da regio com o poder central. O confronto de interesses regionais apontava para a questo do regionalismo entendido como mobilizao poltica de grupos dominantes numa regio que lutam para defender interesses especficos, contra outros grupos dominantes de outras regies ou contra o prprio governo central. Assim, o regionalismo seria um conceito poltico, vinculado aos interesses territoriais. Desse modo, o regionalismo referia-se tanto ao tema da participao poltica, como ao da organizao espacial, pois a manipulao poltica supunha tambm interveno espacial.
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mbito local quanto com o poder central. Essa deciso implicou analisar o regionalismo com
base na complexa relao entre espao, ideologia e poltica.
Pelo que foi exposto, foi possvel constatar que o regionalismo foi tomado como a
expresso poltica de uma regio, particularmente na tica do conflito (apesar de poder haver
coalizo de interesses, quando a regio poltica fundia-se com a regio de vivncia) entre os
da regio e os de fora. A elite conduzia a defesa da regio, mas, para que a regio fosse
considerada um espao da ao poltica, fez-se necessria a constituio de uma identidade
regional. Por conseguinte, a regio apresentava-se como representao (que tinha base
concreta) e ideologia e como um espao que possibilitava a disputa pelo poder.
A anlise centrada na elite pressupunha uma desigualdade de poder, um desnvel entre
os setores componentes da sociedade. Sendo assim, ficava implcita a existncia do conflito,
apesar de que a anlise de Castro centrava-se muito mais no estudo da elite e os conflitos
quando emergiam se apresentavam, principalmente como disputa entre grupos dominantes.
Diferentemente, na anlise de Gottman, o conflito ou desaparecia, ou perdia importncia, de
modo que o carter reivindicatrio que marcou o regionalismo perdeu evidncia. Assim, a
dimenso poltica perdeu importncia, apresentando-se como um carter organizacional.19
Sustentada no marxismo e na anlise com base em conflitos, Markusen (1981) afirmou
que o significado de uma regio encontrava-se, no na realidade emprica denominada regio,
mas nas lutas que nela ocorriam. Enquanto Castro (1989a) fez da regio um problema de
anlise o regionalismo seria um de seus contedos possveis , Markusen evitou abordar a
19 Diferentemente de Gottmam (1952), Castro (1989a) sustentou que a identidade estava intimamente relacionada ao conflito. Sua concepo de identidade diferenciava-se da concepo adotada pela antropologia tradicional, que considera o contato entre as diferentes culturas como o elemento essencial da construo de identidade. A autora no negou o contato entre culturas presente na identidade, porm procurou problematizar o aspecto cultural ligado noo de identidade ao conceb-lo como recurso poltico. Ela concluiu que o conflito entre identidades diferentes remete-nos disputa de poder, ou seja, o confronto com o outro (com o diferente culturalmente) um confronto de interesses, refletindo um desnvel de poder. Isso expressava ainda uma superposio de escala de poder no territrio (o regional e o Estado central). Nesse processo, a delimitao daregio e da identidade no podia ser rgida, ela era uma construo social poltica e era arbitrria e concreta ao mesmo tempo.
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regio, que, segundo sua anlise, no evidenciava as relaes sociais. Desse modo, a autora
centrou seu estudo, no na regio, mas no regionalismo, por entender que ele expressava as
lutas sociais, e a regio no.20
Entre as instituies da sociedade humana, Markusen (1981) afirmou que o Estado
Nacional foi a instituio central para a anlise do regionalismo. Para a autora, o Estado
Nacional foi uma forma de opresso e serviu como meio de manuteno da explorao de
uma classe social por outra. Enquanto instrumento de o poltica, o Estado usa o poder
poltico para negar a um grupo o direito plena parti na vida poltica de uma
sociedade ou mesmo o controle de seu futuro coletivo atravs do exerccio de mecanismo
poltico.
Markusen enfatizou, portanto, a dimenso poltica em seu estudo sobre o
regionalismo. Segundo a autora, mesmo uma questo regional de causa econmica teria
objetivo poltico, uma vez que se tornaria regionalizada precisamente por meio da
reivindicao contra uma instituio do Estado. Desse do, o regionalismo seria uma
reivindicao poltica de um grupo de pessoas identificado territorialmente contra um ou
muitos mecanismos do Estado Nacional.
Em Markusen, a natureza territorial de uma luta regional, a diferenciao territorial,
por si s, no seria a base para a definio regional para a luta regional. A diferenciao
era legitimada e expandida pelo Estado, de tal maneira que alguns grupos sociais
reivindicavam melhor tratamento para seu territrio com a finalidade de eliminar fontes
adversas de diferenciao.
Em Castro, o conflito no esteve dissociado da base territorial, j que a regio era um
elemento importante na definio da identidade regional. Assim como Anne Markusen, 20 Para investigar os conflitos sociais que constituem o regionalismo, a autora utilizou a definio marxista de alienao. Porm, enquanto no marxismo clssico a alienao desenvolveu-se na relao capital-trabalho, em Markusen, essa alienao encontra-se nas diversas instituies da sociedade humana, e no apenas na produo. Est no lar, no Estado Nacional e no conjunto de instituies culturais. Em qualquer uma dessas instituies, a opresso ou a explorao ocorre em comum com uma forma de alienao da sociedade humana.
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Castro destacou a dimenso poltica, mas a Markusen abordou a esfera poltica no sentido de
evidenciar que as reivindicaes regionalistas eram uma reao ao Estado. Nessa abordagem,
o Estado ganhou uma centralidade no encontrada em outros autores at aqui abordados.
Muito mais que em Castro, na segunda autora o Estado foi abordado como uma forma de
opresso poltica. Desse modo, a alienao era elemento de dominao ao mesmo tempo em
que impulsionava as lutas pelo fim da opresso. Em Castro, como vimos, o poltico foi
problematizado a partir do confronto, segundo a tica elite, e a identidade foi, ao mesmo
tempo, recurso de coeso interna e de dominao da elite em relao sociedade local; foi
tambm recurso poltico usado no confronto com outro grupo ou poder central.21
Tambm partindo do marxismo, Massey (1981) discutiu o gionalismo enquanto
produto da acumulao de capital. Essa acumulao, responsvel por uma diviso espacial do
trabalho, produziu uma diferenciao espacial desigual no capitalismo.22 Diferentemente de
quem parte da regio para definir e analisar o regionalismo, Massey defendeu que o estudo
deveria comear, no pela regio, mas pela acumulao de capital. Desse modo, a autora
priorizou a acumulao de capital na anlise da diferenciao espacial e, por conseguinte, do
prprio regionalismo. O desenvolvimento regional apresentou-se, ento, como um
desenvolvimento desigual. Problemas aparentemente especficos de uma regio estiveram
relacionados com um contexto mais amplo da dinmica econmico-social intraestatal.
Massey enfatizou a esfera econmica (enquanto acumulao capitalista) entendeu a
regio, sobretudo, como produto e desdobramento da div territorial do trabalho realizada
pelo capital. Nesse caminho, mas partindo da sociologia, Oliveira (1977) definiu regio com
21 Markusen (1981) teve o mrito de tornar mais complexo o estudo do conflito social, pela nfase dada opresso, mas, ao negar a regio, deixou de perceber que a base fsico-material de um territrio pode em alguma medida influenciar as relaes sociais e, portanto, o regionalismo. Ao colocar toda capacidade de determinao nas relaes sociais em si, independentemente da realidade fsica e/ou de outras dimenses, incorreu num certo determinismo que limitou a riqueza de sua anlise.22 Mesmo tratando dessa caracterizao, Massey chamou a ateno para o fato de que as formas de diferenciao espacial relevantes para a acumulao no se restringem economia pura. Vrios outros tambm podem influir na diferenciao espacial, como questes fundirias, luta de classes, polticas estatais, etc.
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base na especificidade da reproduo de capital, nas formas assumidas pela acumulao, nas
estruturas de classes relacionadas a elas e nas formas da luta de classes e do conflito social no
plano mais geral. A regio era o espao onde se imbricam a reproduo de capital e a luta de
classes, onde econmico e poltico se fundiam, assumindo uma forma especial de apario no
produto social e nos pressupostos de reposio. Mesmo dizendo que no queria criar uma
tipologia de regies a partir de uma tipologia de formas de capitais, Oliveira afirmou que as
diversas formas de acumulao do capital produziam diferentes regies.23
Ao apresentarmos a necessidade de incorporar uma anlise das relaes da
acumulao capitalista, no estamos propondo reduzir a regio e o regionalismo a um simples
movimento de homogeneizao ou de concentrao de capital. Queremos somente alertar para
o fato de que o regionalismo, a autonomia, o discurso, a identidade e a representao no
esto de todo isolados da realidade capitalista.
2.2 REGIONALISMO E AUTONOMIA NO AMAP
A anlise de Bourdieu (1999) ajudou-nos a compreender como foi construda a
imagem da regio amapaense, pois o Amap, enquanto regio poltico-administrativa era
produto da ao do governo federal, que criou o Territrio Federal do Amap, porm a
identidade desta regio no era fruto de um decreto-lei, mas de um processo mais complexo,
onde o simblico passava a ser elemento constituinte.
Por outro lado, se discordamos da geografia tradicional de Ratzel (1990a, 1990b), que
apresentou o ser humano como passivo diante do meio, tambm temos de constatar que as
construes sociais no so puro simbolismo abstrato. Elas so feitas em um territrio 23 Assim, a constituio das regies decorria do modo de produo capitalista, a partir do qual as regies eramespaos socioeconmicos aos quais se sobrepunha uma das formas de capital homogeneizando a regio por conta de sua preponderncia e pela formao de classes sociais e tanto a hierarquia quanto o poder eramdeterminados pelo lugar e pela forma em que eram do capital e de sua contradio bsica(OLIVEIRA, 1977).
personas
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concreto.24 No podemos deixar de constatar, por exemplo, que a realidade amaznica, por
causa do grande volume de guas, de alguma forma interagiu nas relaes que os seres
humanos estabeleceram entre si nesse espao, contribuindo para a conformao da identidade
do ribeirinho (aquele que vive margem do rio).
No Amap, a ao da elite poltico-administrativa foi fundamental para forjar
simblica e objetivamente o carter regional e tambm a imagem de progresso do TFA como
predestinado ao futuro estado.
O debate sobre regionalismo em Castro foi importante para nossa investigao, mas,
no caso do Amap, devemos considerar algumas especificidades. Por isso, nosso ponto de
partida afasta-se do objeto prtico de Castro (1989a). Em nossa anlise, no partimos de uma
regio j estabelecida (por exemplo, o Nordeste), que ia sofrendo mudanas, assim como sua
elite, j estabelecida e consolidada; partimos do prprio processo de constituio da regio (o
Amap). Nesse sentido, o estudo da gnese histrica do Amap possibilitou-nos compreender
como foi constituda a especificidade regional, assim como os prprios sentidos de
regionalismo.
Recorremos ao regionalismo para enfatizar a ao poltica de base territorial na
construo da autonomia do Amap. A mobilizao regionalista foi analisada em distintos
momentos, o que nos permitiu perceber formas diferentes de relao da elite poltico-
administrativa local com o poder central. O regionalismo amapaense foi fortemente marcado
pela ao direta do poder central. Essa ao especfica foi determinante para a diferenciao
inicial da regio amapaense, a criao da nova unidade federativa, a constituio de suas
fronteiras e da prpria identidade local. No primeiro to, foi o governo federal que
impulsionou a formao da elite no Amap que no se colocava numa posio de confronto
24 Pdua (1997) partiu da interpretao de natureza e mundo natural como construes sociais, mas reconheceuque a continuidade da vida humana depende da sua relao com elementos no-humanos (geomorfologia e clima, por exemplo) que possuem dinmica e constituio prprias. Assim, constatou a importncia dos elementos biofsicos como componentes intrnsecos do jogo de interao entre a sociedade e a natureza.
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com o primeiro, ao contrrio, havia associao direta e imediata com ele. Posteriormente, essa
relao assumiu outros contornos. O poder central passou a ser alvo de questionamento, e a
busca da autonomia sustentou-se na crtica da falta de apoio ao TFA por parte do prprio
governo federal.
Neste nosso estudo sobre o regionalismo, a elite, enquanto recurso conceitual e prtico
foi considerada elemento importante, mas devemos, desde j, fazer algumas observaes
necessrias a esse respeito. Primeiro, elite um termo com diversos sentidos, que variam
dependendo de quem e de como manipulado, o que o deixa, em alguns casos, com um
contedo impreciso e vago. A elite a expresso de uma dominao intelectual e econmico-
poltica que guarda proximidade ou relao direta com setores economicamente
dominantes da sociedade. Isso significa que a elite era a burguesia diretamente no poder? No
necessariamente, entretanto esteve diretamente ligada aos esquemas de dominao poltica
que envolviam diferentes classes e atores sociais.25
Afora isso, quando se examina a elite na tica do confronto interregional ou com o
poder central, normalmente se incorre em dois problemas: primeiro, minimizam-se ou
desconsideram-se os conflitos internos da regio (grandes proprietrios pequenos
produtores descapitalizados, por exemplo) essa minimizao diminui a capacidade de
compreender a complexidade de uma realidade marcada pelo conflito entre diversos nveis e
setores da sociedade, no apenas entre quem domina, mas tambm entre dominantes e
dominados; segundo, tende-se (at pelo silncio do pesquisador) a considerar a sociedade
local como totalmente passiva e receptora das aes da elite.
25 Para Bobbio a teoria da elite era aquela que afirmava que em toda sociedade, existe, sempre e apenas, uma minoria que, por vrias formas, detentora de poder, contraposio a uma maioria que dele est privada. [...] Ela pode ser redefinida como a teoria segundo a qual, em cada sociedade, o poder poltico pertence sempre a um restrito crculo de pessoas: o poder de tomar e impor cises vlidas para todos os membros do grupo, mesmo que tenha que recorrer fora, em ltima instncia (BOBBIO, 1984, p. 5). Poulantzas (1977) afirmou que as elites so diversas e suas fontes de dominao residem no poder econmico e no Estado. Elas influenciam e participam do poder poltico institucionalizado. O autor destacou ainda que a burocracia, como uma das elites, possui um poder poltico prprio, que esta manteria pelo simples fato do seu controle sobre o aparelho de Estado.
versus
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Por que, ento, recorremos elite no estudo do regionalismo na conformao do
Amap em estado? Porque ali as classes no estavam plenamente constitudas; estavam em
construo e ainda muito fragilizadas. No havia um significativo sistema de pequena
produo descapitalizada, muito menos um operariado forte e organizado, longe disso. At
mesmo os proprietrios de terra e os comerciantes eram frgeis, em relao aos quadros no
apenas nacionais, mas tambm regionais (quando comparados com outros do Par).
O Territrio Federal sob a imagem de progresso, recurso da ideologia que orientou a
busca da autonomia, foi potencializado com a presena Icomi que, por sua vez, foi
determinante na definio da funcionalidade da regio amapaense.26 A ao poltica no
caso, a mobilizao regionalista deu nitidez identidade regional e perspectiva
autonomista a partir dos elementos que a estruturaram: a Icomi e o TFA. Mais do que isso: a
ao poltica foi fundamental na construo concreta da regio, (re)organizando o espao, ou
seja, desestruturando-o e reestruturando-o. A regio representou-se, assim, como um produto
poltico, e no apenas fsico e econmico.
Tambm a perspectiva metodolgica de unidade histrica de Lucien Febvre (2004) foi
til para compreendermos a constituio do Amap como ente federativo brasileiro. O Amap
vivo, real e humano, enquanto unidade histrica, remeteu-nos questo da gnese: quando
surgiu este Amap? Procuramos compreender a gnese histrica do Amap no como algo
simples, produto de um ato repentino de um determinado momento (o decreto-lei que criou o
TFA ou a Constituio brasileira de 1988, que o transformou em estado), mas, ao contrrio,
26 A funo foi aqui entendida com base no conceito de espao como construo social de Milton Santos (1991), que o definiu como o meio, o lugar material da possibilidade de ocorrncia dos o meio onde a vida se torna possvel. O espao um conjunto de objetos (naturais e artificiais) e de relaes que se realizam