gallois, dominique - xamanismo waiapi

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I :';' UNiVE'RSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Reitor : Rodolfo Joaquim Pinio da Luz Vice-Reitor " Lrlciqlosé Botelho EDITORADAUFSC Di¡etor Executivo Alcides Buss Conselho E&toripl þfarj'a de Nazaré: de Matos Sanchez (Presiden- te), Arno Blass, Nilson Borges Filho, Ma¡li Auras. tirnara Benakouch¿'e Tånia Regina de Oliveira Ramos. DEDALUS - Acervo - FFLGH-FIL I llilil llllrillillllTl lllil lllilllill llil lllll lllll llilflil llll ( ¡ &/-' E. Jeatr Matteson Langdon (Orgimiza<Jora) XAMANISIT{O NO BRASIL: NOVAS PERSPECTIVAS SBD-FFLCH-USP ...EDITORA DA UFSC FlorianópoJis 'r ': 1996 .1.. /¿ f Ëiir ijj,i.=Fl_#!"¡ 21000004494

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do livro Xamanismo no Brasil, novas perspectivas

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  • I:';'UNiVE'RSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINAReitor : Rodolfo Joaquim Pinio da LuzVice-Reitor " Lrlciqlos BotelhoEDITORADAUFSCDietor Executivo Alcides BussConselho E&toripl farj'a de Nazar: de Matos Sanchez (Presiden-

    te), Arno Blass, Nilson Borges Filho, MaliAuras. tirnara Benakouch'e Tnia Regina deOliveira Ramos.

    DEDALUS - Acervo - FFLGH-FIL

    I llilil llllrillillllTl lllil lllilllill llil lllll lllll llilflil llll(

    &/-'

    E. Jeatr Matteson Langdon(Orgimiza

  • XAMANISMO WAIAPI: NOS CAMINHOSmvrsvEls, A RELAo r-PArE

    Dominigu e Tilkin GaIIois

    O xamanismo Waipi corresponde er muitos pontos s des-cries e generalizaes j amplamente divulgadas a respeito dostapratica.no continente sul-americano (Mtraux,7967 e P. Clastres,1932). A presente anlise visa preencher uma laouna na bibliografasobre os Waipi, uma vez que no se dispe de uma etnogtafra com-pleta sobre o assunto, to importante na atual situago de contato. Defatoo a atividade xamanstica , atualrnente, extremmente desenvol-vida entre as oomunidades locais que habitam a regio do Amapari,Ique assurne um oarter revivalista, de defesa necossr'ia para a sobre-vivnciado grupo.

    Os ndios Waipi, falantes de urna lngua Tupi-Guarani, habitam uma vasta ex-tenso da floresta tropical de terra firme na fronteira entr o Brasil e a GuianaFrancesa. A populao total da etnia de cerca de 800 pessoas, distribudasentre vios grupors territoriais: na Guiura Frances, 440 pessoas habitam o altorio Oiapoque; no Brasil, a rea de concentrao da etnia situa-se na regio do,A.mapaii, a noroeste do "Arnap" onde 310 Waipi distribuem-se entre l l aldeias;algumas famlias habitam o Parque Indgena do Tumucumque, rlo Parl H4aind4 informaes sobre dois grupos isolados, Iocalizados nos rios lpitinga (Par)e alto Amapari (Amap).

    39

  • A organizao e a interpretao do material etnogrficoz pro_cura atender a duas nossveis abordagens do xamanisro, tar como{3ram definidas por Hamayo.,, o *uriunismo , por ,,rn iado, urnudisposio especial do ser humano e, dornento e de organizao das relaes comisto , uma instituio (19g2,p.16). A pda essncia do i-paie, analisando_se o xparticular da pessoa hurnana, isto , corno experincia a nvel doindivduo. A segunda parte abord ar as rnediaioes desempenhadaspelos xams, que permitem delinear aspectos institucionais doxamanismo waipi. Essncia e funes xamansticas configurarr umsistema simblico d'e organizao das reraes entre os difere'tesnveis do cosmos. Assim, neste ensaio, o xamanismo waipi abor-dado enquanto uma "forma de controre do movimento',, qrl artera_no mesmo e no espao _ a posio e a relao entre as categorias deseres humanos e no-humanos que povoam o universo, nu

    "orr""p_o desta sociedade Tupi-Guaran i.3

    rrormalmente o coletivo paie-ko,,,a sociedade dos xams.,, tlma ca_tegoria de seres que poucos podern "enxergar" corr os olhos, masque todos sabem "representar,,, com palavras.Obtive inmeras descries das manifestaes do _paie. undos temas prediletos do irnagi'ario waipi

    - com detarhes rnais ou

    menos pormenorizados, mais ou r-el10s co'traditrios. No seu con--unto, essas inagens permitern compor uln retrato cresses seres, emsua representao idear; so imagens que assoclalll os aspectos vis-vers

    -

    para no especialistas -

    e invisveis da pessoa do xarn. varenotar, alis, que as descries fornecidas por no_xams (qr-re

    'oqodem "ver" a figura peculiar desses seres) nada devem, "_

    ,,urr"rode detalhes, quelas fornecidas por especiaristas, dotados do esperhowarua que lhes permite o acesso "verdadeira" configurao douniverso e cle seus habitantes

    A categoria i-paie

    A relao xamanstica

    2 *

    p?rq.-1de campo foi rearizada na rea do Amapari, que visito todos os anosdesde 1977. o levantamenro etnogrfico uitra e, "r.1"ii"iirt.iu, uorganiza.o social e a cosmologia?esta sociedade.3ic

    ogta,- lnc mlmt na sfo-nde

    40 41

  • a um, cada um desses elementos. De fato, a equao ,,ter paj,, re_quer anlise de seus dois termos: de um lad,o,;ter;,, que se refere aurna situao privilegiada de comu'icao corn o rnundo sobrenatu_ral, atravs de determi'ados processos de locomoo e acesso s for_as xnansticas; de outro lao, urn conjunto de substncias e a'nas,o "paj" propriamente dito. Finalment"e, us t"rricus l-,i"*i"rroit"r'manter ou eliminar o,,paj,, do corpo dos humano.,

    .firo_rrre aquitanto cura ou agresso, como iniciao dos xams Waipi.

    Caminhos da relao xamanstiaUma d

    literatura etnoIndividualmeverdade, estado xamanismo, qLre consiste nu[ra particurar concepo da cornuni-cao entre as diferentes esferas do universo. Associada s alter.aesatmosfricas, ao movimento das guas e ao deslocamento nos cami-nhos invisveis que recortarn todo o espao csmico, a relaoxamanstica ionsiste numa forma de controle do rnovime'to. vejamosde quais meios de controle dispem os xams.

    Elementos de clarividnciao poder xamanstico representado por dois erementos essen-

    ciais que estabelecem comunicao com o mundo sobrenatura l: warua,o espelho, e tups, os caminhos. So estes recursos de clarividnciaque permitem ao xam localizar-se no universo, sendo assim ele_mentos iridispensveis para todas as suas atividades. A posse do es-pelho determinante: diz-se que um xam ,,perde,, ," _paiequandoseu warua "quebrou" oLr "virou". woruo

    -que designa n-orrnarmentequalquer tipo de vidro, ou superfcie briilrante -

    traduzido nestecaso como "espelho',, porque ,,brilha', e sobretudo porque reflete umaimagem (ta'anga, imagem, que designatambm aiotoirafia). Aftin_o do warua seria, portanto, a de alcanar e revelar o mundo sobre_natural sob sua forma "verdadeira", Que s vista pelos xarns. ummundo ordenado imagem do mundo das origens, quando homens e

    rnrrnrgos, etc.

    Elementos de locomoo: sopro, fumaa e canto

    42 43

  • retirar as "armas" que provocam as doenas. A furnaa relaciona-seao vento, e este ao sopro, principal via de acesso ao _paie,,,caminho,,pelo qual se transferem e se retiram as substncias xamansticas.

    Entre os instrumentos da comu'icao xamanstica, temos queincluir, finalmente, apalavra-. como a fumaa de tabaco, ela exala_da pelo sopro. os cantos so

    -,n elemento relacional entre o xam es-e-us auxiliares, onde o xam apenas transmite as palavras dos o,-tros; os elementos musicais e o gestuar so, no entanto, aspectos es-senciais desta relao, qlle permitem assistncia idntificar as enti-dades presentes no corpo e nos instrurnentos musicais do xam (veradiante, descrio da cura).

    Recipientes

    E.tre os elementos externos, visveis, do xamanismo, a Iitera-tura etnogrfica costuma mencionar um artefato extremamente difun-dido em toda a Amrica do Sul: o chocalrro:marac,"considerado oobjeto mais sagrado por um grande nmero de tibos" (Zerries, 19 g 1,p. 328).

    E, nesse sentido, os Waipi no deixam de corresponder aospadres sul-americanos: seus xams fazem uso de chocalhos, deno-minados marari, feitos de pequenas cabaas presas a um cabo demadeira, cujo vercladeiro conteldo eles mantm em segredo. Fisica-mente, o chocalho contll apenas serne'tes e pedri'lras, ou miangas,ou qualquer outro objeto; si'rbolicamente contm o -paie propria-mente dito.

    os waipi Lrsa'pouco este instrumento, co'siclerado extrerna-mente "perigoso". s utilizado por ocasies do ritr-lal em tocaia,qle por sLa vez tambm externamente raro (ver adiante). Isso por-qLre, como todos os eleme'tos ligados ao -paie, o chocalho ao mes-mo ternpo "recipiente" e "canrinl.to,', ou seja, via de acesso clas e sentidades xamansticas. os chocalhos estabelecem este tipo de co.rnunicao apenas ern circrnst.cias muito especficas, qua'do sma'usea-dos por pessoas autorizadas, que sabem ,,clia,oar,, _ peiocaminho do sopro, do tabaco e clo canto

    - as foras que viro se

    abrigar'a cabaa. Fora dessas circunstncias, o crrocalh urn obje-

    f qualquer: os xams guardam-no err suas casas, fora do alca,cedas crianas, mas no Irre atribuem cuidados ou respeito especial.a

    leve como a bruma, voa caregado pelo gavio real, seguin_do a direo do vento, indicada peta fumaa dol cigarros o xamaque dirige (Seremete, 19g3).

    .

    Ii:

    I

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    !l

    4 A maioria dos xams, incrusive, no possui chocarho pronto, embora sempretenham disposio, plantadas perto de suas habitaoes, fiuia; ;b";. euandoprecisam de um chocarho parao ritual de cura em tocai4 improvisam sua con-feco na hora, colocando na cabaa pequenos objetos q".;;;;_ em seuspeg.ara. o ntarari, em sua forma, piatiamente ic,lti" uo" nroioo de cabomais cornprido, utirizado em.algumai danas coretivas. Em nenrrum os casos,estes artefatos so "sagrados" por si, eles ape'as servem de suporle ao.,sagra_do".5 Aku nta'e signtfltca, literalmente, ,,coisa quenle,, enqLanto ,zr, menos usado,

    'provavelmente uma corruptera.de pa.rav porluguesa "mar,,. ste re-ipiente tambm designado co_m.o kara^'y ot kara'y ,"r,, "recipiente t.i,,. ou"imuitas vezes os waipi se referirem a esie objeto "trLi"r, *.'r-,io qrunoofalam na lngua indgena, a paravra *bomba", que parce representar tudo queest envolvido no aku nta'e,: exprod", prouo." uma Iuz intensa, faz barurho,

    " mata indiscriminadamente., d.eixa marcai profr-rndas no rocar. o.

    ";-; podem(vi r a exoroso da "bomba", pois so ,puz", oe ve-ta se pi*i.u .,cira da.aia, bu da ardeia, ia'nca, ;;;.;'*;r envorra num mosquireiro. comgestos; cantos e sobretudo.sopios apropriados, o xam devolve o.loo,tu,'. El.

    "enxerga" quenr a mandou, sguino o ,r,pr do recipiente.

    44 45

  • iO xam pode ser considerado como um catnpo aberto de co-municao, totalmente visvel para os que cornpartilham com ele, oselementos de clarividncia, as armas e as substncias de reprocluodessas foras. Por isso, os que possuem essas qualidades

    - sejam

    eles humanos ou no-humanos -

    tm a capacidade de intervir nasrelaes simbolizadas pelos fios tups.

    Neste sentido, parece-me que se os pajs Waipi fazem usoto moderado dos chocalhos e das "bombas", porque esses artefa-tos vm multiplicar, ou condensar, os elementos do -paie,tornando--os ainda mais visveis aos seus inirnigos. Tornar-se visvel aos idimi-gos significa corno que uma "declarao de guerra,,, abrindo o cami-nho para uma srie infindvel de agresses e retaliaes. Nem todos osxams esto aptos a suportar as conseqtincias dessa guerra, nern to-dos controlam foras suficientes; da,talvez, a constante queixa dos'Waipi do Amapari, quando pretendem no ter mais ,,grandes,, pajs.

    O que fica evidente, porrn, que para o desempenho de suasatividades normais

    - sejarn de cura ou de agresso

    - o paj nern

    sempre precisa rnultiplicar suas foras atravs de receptculos cornomarari e aku nz'e- No fundo, ele tambm urn recipiente perma-rrente dessas foras, corlo me proponho mostrar a,gora.

    Instrumentos e auxiliares dos xamspi-wan: imagens da relao xamansticaO corpo do xam o receptcr-rlo dos elementos de sua fora,

    concebidos corno substncias ou individu alizados,corno modelos re-duzidos de seres vivos. Essas imagens ilustrarn a ntirna relao entreo corpo do paj e dois elementos freqenternente reificados pela litera-tura sobre xamanisrno: as "substncias mgicas" e os "espritos auxi-liares". Essas categorias no me parecem satisfatrias por serem cle-masiadam ente concretas ("s ubstnci as") ou excessivarnente abstra-tas ("espritos"). Vejarnos corno os Waipi representam esses ele-mentos da fora xamanstica.

    A relao entre o xam e sels "auxiliares,, representada,rraterialmente, pelo tups, um elo que prende e a[larra o xam aos

    rnestres dos animais e/ou das plantas (ver acima). Mas o elo superfi-cial representado pelo tupsou pelos animais empoleirados no cor-po do xam no esgota a complexidade das relaes que se travamelrtre este e seus auxiliares. De fato, os i-jar acabam por se fazerpresentes substancialmente no corpo do xam. Este visto como ..re-cipiente", e o conceito pi-wan corresponde a urna relao cleconsubstanciao:

    pi-wan fino, por isso ningum v. Tem pi_wande porcocaititu, de cobra sucuriju. T por fora do corpo, amarrado no paj,por isso arrebenta fcil. Paj est todo embrulhado, como iant tups(: teia de aranha).Envolvido num casulo, o xa''r est realmente preso teia de

    relaes que o une aos -jar, enquanto estes se respo'sabilizampelainjeo, dentro de seu corpo, de princpio s pi-wan,assim como dasarmas (ver adiante) que permitem aos xa's agredir, para defender asi mesmo e aos rnembros de seu grupo.

    Eur sua forma fsica, as substncias pi-wan so representadascomo lagartas brancas. como as Iarvas ern seus casulos, esto em-brulhadas em tipias. Alimentadas coln tabaco, elas se desenvolvernprogressivarn.ente, passando de uma forma indiferenci ad,a para aecloso de nm ser rnaduro. Quando totalmente desenvolvi dos, pi-wan adquirern a forma adulta, embora rniniaturizada, dos "espritosauxiliares". No espelho dos xams, qLe possuem a exclusividade dessaviso, pi-wan se apresentam sob forma antropomorfa,, urna formaque praticamente apaga a figura de seu depositrio. o xam no selirnita acarregar pi-wan, ele o qle seus pi-wan so. Trata-se deum princpio ativo que toma conta da totalidade da pessoa do xam:os "auxiliares" que cederam pi-wan esto onde o xam est.

    Paie na'e: ornamentos e armas

    ,4 146

  • esses enfeites como tcnicas de sedr-ro para aproxilrar-se de seuscongneres, ou cle suas vtimas.

    Aos adornos esto associadas uma srie de outras "coisas",que completam a irnagem do -paie: arcos e flechas, anzis, espingar-das, etc., so as "armas" que o acompanhafir perrnallentemente. Arepresenta,o faz referncia s arrnas de uso coLrente, muitas clelasobtidas atravs de trocas com a populao legional no-ndia e que,agora, fazem parte do dia-a-dia das aldeias.

    Essas imagens de armas e ferramentas dos brancos consistemnuma representao. superlativa do conceito tradicional de "arlrra"xamanstica, que os Waipi definem como am-ro (: as coisas dosoutros). Nas descries, am-ro so concebidas como algo cortante

    -

    uma lasca de pedra, nma ponta d.e flecl-ra -

    que retalha ilrternamenteas carnes da vtima.6 Vale ainda ressaltar qlue am-ro possui !_arnimuma forma zoomorfa. Encontramos nessa imagem uma clara associa-o com os outros elementos da relao xamanstica: as substnciaspi-wan,tambm comparadas con lagartas, so carregadas pelo xame transferveis de seu corpo para o corpo de um indivduo xamanizado.Como pi-wan, as lagartas am-ro tambrn se alimentam da fumaados cigarros; mas, diferena das primeiras

    -

    que seriam "brancas" -

    as segundas seriam "negras".No discurso dos no-xams, nem sernpre feita a distino

    entre pi-wan e ant-ro -

    que passam a ser designadas pelo primeirotermo ou ainda pela noo genrica de "efeito-esprito" aa1

    -

    con-fundidas como esto na ambivalncia de tudo que diz respeito aos

    6 Por esta razo, elas so muitas vezes chamadas de karuara, nutra aluso aoefeito dessas "armas" (ane posia karua:nosso-buraco/local-pulmo, e karuara: dor no puhno), isto , a dor provocada pelo retalhamento interno das carnes.O conceito {aipi de karuara pode ser definido como a conseqncia- e noorigem: da introduo de uma arma no corpo.

    7 Aa -

    um termo extremamente dfundido na literatura etnogrfica sobre povosTupi-Guarani

    - uma das categorias mais abrangentes do mundo sobrenatural,

    Que inclui classes de seres e, ao mesmo tempo, seus comportamentos. Nessesentido, prefervel defini-lo no como "um" esprito mas como "efeito-espri-to" (cfr. Viveiros de Castro, 1986 e Gallois, 1988, p.240).

    {

    i-paie. Alis, esta rnesma a:nbivalncia que reencontramos na des-crio das "armas" dos xams: os anzis, as espingardas em que setransmuteln as substncias am-ro, serveln tanto para a agresso cornopara a cura. Sob a forma de pedras, de flechas ou de espingardas, elasforneceln uma imagem de eficcia, dando a medida da fora cle im-pacto do i-paie. Assim, os rlumerosos "apetrechos" que envolvern osxams no seriam otttra coisa que irnagens superlativas desse poderdj= agresso.8

    Como as outras substncias do -paie, as substncias ant-rodesenvolvem vnculos privativos com selr depositrio: elas s agridemaos outros. Quando so propulsadas no corpo de um inirnigo, Inatam-no e clepois voltam par seu guardio. Os xams no podem perlane-cer muito tempo sem essas substncias, Luna vez que elas represetr-tam como que "anti-corpos", defendendo-os de agresses externas.Mas elas poclem sair por iniciativa prpria, quando foramtransgredidas as regras de convivncia que a preserla dessas subs-tncias irnpe.

    Individuahnente, pode-se perder- o -paie,Inas o -paie nvncaseperde, no se esgota, no morre. Os princpios ativos da relaoxamanstica sobrevivem morte do xam-depositrio.e Normalmen-

    8 Um xam recm-iniciado afirrna ter perrlanentemettte disposio: "Uma bici-cleta, em cima, no cu, moka nziti (: revlver), carro, na gua, igual polcia.Algemas para amarrar preso, igual polcia. Tudo para ajudar, quando precisa.Tem amigo soldado, ntekoro (negro), bravo, i-pin (preto) lulekoro ntojuretr. (: parente da Anaconda) E tambm meu amigo, porque lravo. Outrosamigos soywyra-jar (mestre das rvores) e kunaka-jar (mestre dastrmaumeira)que botou meuwarua, jabutietakru'u-jar (dono dapedra). Ywyrapira-iar (mes-tre da rvore nrassaranduba) deu tabaco pra mirn, no igual ntaktLre, outro,parece folha de baara. Tarelt-jar (mestre do tlairo) ntojtt, meu arnigo, porisso rpido pego peixe. Taiau-jar est l no final-da-terra, meu amigo,

    -j cl'ra-mei, mas no veio, porque est longe" (K., 1984).

    9 Razo pela qual no se faz roa, nern se constri casa, netr se passa nas proxirni-dades da sepultura de um xam, n'esmo morto h vrias dcadas. "E perigoso".A presena de substncias xamansticas constitui um dos elementos mais impor-tntes a serem considerados na complexa seleo de um local pua:moradia ouna abertura de novos caminhos. Nestas ocasies sempre necessria a vistoriaprvia de um xam, que poder detectar a presena de substncias e de forasperigosas, que, em certos casos, ele poder elininar.

    I

    48 49

  • te, as substncias expelidas voltam para seu nicho originrio, isto pata a entidade sobrenatural que as transrnitiu ao xam. As substlr-cias xamansticas possuelr, assim, uma certa autonomia em relaoao seu suporte, sobretLldo quando se trata de um xam recrn-inicia-do. A iniciao do xam consiste jr-rstamente no aprendizaclo clo con-trole dessas foras que podern agir por conta prpria. Porm, o contro-le global desses princpios no depende somente dos xarns hnrnanos,mas de toda uma teia de relaes que recorta os domnios do universo.

    Essa longa digresso nos traz de volta pergunta: quem au-xiliado por crem? Qual arcla.o entre o xam e seus auxiliares?

    Pae rima: auxiliares ou donos

    No segundo plo da relao xamanstica, encontramos os do-nos de espcies naturais que transfereln aos xams os princpios at-vos do -paie. Os Waipi enltffrerarart longas listas cle anirnais "quetlm -paie" e so, portairto, sr-lscetveis cle transmitir suas substnciase ajudar os xams hnmanos em sLras diversas atividades. As relaesestabelecidas pelos xams com as entidades sobrenaturais envolvempraticamente a totalidade dos domnios do universo, excluindo-seapenas a clareira, concebida como o espao particular sociedadedos humanos, vivos. Como aponta Overing a propsito do xamanismoPiaroa, no a oposio nattrezaJcultura nem a diferena humano/no-humano que enfatizada nessas relaes, mas sirn a clicotomiaentre esferas domesticadas, oLr no, pelo hornem (1982,p.3). Do pontode vista dos itumanos, a relao xamanstica consiste de fato numafonna de domesticao para fins pacficos ou para a guerra

    - de to-

    das as categorias possveis de altericlade.Os "auxiliares" pertencefi a diferentes classes de animais, de

    vegetais, de pedras e inclusive de elementos meteorolgicos. De urlamaneira geral, os informantes apontaram a superioridade do "donodas guas" (moju, a cobra anaconda) o que evidentemente se relaci-ona com a importncia desta entidade

    - representao suprerna do

    inimigo canibal na cosrnologia Waipi. De acorclo com a mitologia,foi anaconda

    -

    assim como ona, outra figura canibal -

    que transmi-tiu, no tempo das origens, suas foras aos xams.

    Essas entidades, alis, so qlrase sempre desigr-rados generica-nente corno paie-ko; mesrto que o xam no desenvoiva relaessistemticas coln a maioria deles, todos

    - isto , a socieclade dos pajs

    -

    costurnam atend-lo. Por esta razo foram inrteis ninhas tentativasde estabelecer, durante a pesquisa de campo, listas e classificaeserrtle esses "auxiliares", cL1relao coln os xalls hurnanos me pa-rece rrrerlos hierrquica que propriamente consubstancia[

    -

    atravsdos elenrentos warua, tups, pi-wan e ant.-t"o descritos acima

    -

    e

    transmitida em situaes apropriadas, qLre clescrevo agora.

    Aquisio e transrnisso do -paieO processo de xamanizao

    Todos podern "tel paj": honens, rnnlheres, crianas, qual-quer que seja a origem tnica, inclusive rro-ndios (karai-ku).Naverdade, todos podern ser contaminados, erl algnm momento cle suavida, pelo contato com alguma enticlade sobrenatural. Por isso, todosadquirem Lur polrco de -paie. Mas so raros aqueles que cor'seguem-

    conscientemente -

    corlserval'-se neste estado, normalmente prec-rio.r0 Se tornar um xarn irnplica na lnanuteno de uma quantidaclede substncias que podern diminuir ou nlesnlo desaparecer, depen-derdo do cornportamento de seus clepositrios e da natureza dos ali-rnentos qne eles ingerem. Inversameute. esse acervo pode aurnentar,pode ser foftalecido pelo aporte regular de novos elernentos, atravsde tcnicas apropriadas.

    10 Nos cadernos de campo, anotei repetidas \/ezes as queixas e as aspiraes dosxanrs, que sempre giran em torno da difcil conservao do -paie:"A.

    _ifoixam irnportante. Curou muita gente, curoll tuto que agora est doente. Notem mais nada. Deu tudo a outras pessoas, que no cuidaram de seus pi-wat4por isso, voltalam irritados paraA., deixar.rclo-o fraco e cloente"(l983). - J. eraxam. Quando caiu da rvore, num acident de caa que o deixou semi-invlido,seus pi-wan caram tambm. Agora no tem mais. or-r s urn pouco, como todorlLrndo" (1984).

    - I(. j teve pai, mas acabon. Disse: "Minha mnlher no quer

    s peixe pescado A atirei caa. Ai rneus pi-tvan espantaran. Fiquei muitodoente porque pi-wan dava porrada Agorrr no quero mais, qnelo trabalhar.Ainda tenho um pouco. Talvez devagar o dono cla samairma rne ensine durante osono" ( 1 986).

    50 51

  • Modalidades da eleio xamansticaEnquanto considerarm os o -paie como algo substancial que

    pocle ser incrementado ou diminudo, trataremos da rnanipulao dopcder xamanstico: tcnicas de transmisso e iniciao, cura e agres-so, como prticas voluntrias. No entanto, como ,.ter paj,, irnplicanlrra relao entre dois plos

    -

    entidades sobrenaturais de um laclo,xams humanos de outro

    - devemos considerar tambm seus aspec-

    tos involuntrios que, no fundo, caracterizam melhor o repasse deenergias xam ansticas.

    As situaes que presidem eleio de um xam so, por viade regra, incontrolveis. Resultam do contato com entidadesxamzursticas que se manifestam atravs de doena, no sonho ou, rnaisrepentinamente ainda, se apresentafir ao indivduo que anda sozinhopela mata. No Amapari, praticamente todos os ltorrens adultos, algu-mas mulheres e vrias crianas j foram atingidos, em algum rnoffren-to de sua vida, pelas substncias do -paie, que lhes foram transmiti-das nas mais diversas circunstncias.

    Doena, sonho, susto, so sintomas da comunicao que se es-tabelece ao nvel do princpio vital (-) do indivduo atingido. As en-tidades i-paie

    -representando os donos das espcies naturais-costu-mam se vingar das afrontas dos humanos pelo "roubo da alvra,', atra-indo-a durante o sonho ou ainda arrancando-a do corpo. No momen-to em que o - de rlrna pessoa est solto, vagando pelos caminhos donvisvel mas solidamente amarrado, e atrado, pelos fios dos i-paie, dada a esta pessoa a possibilidade de canalizar a viagem e os erl-contros que far sua alma, a fim de transformar-se em xam.

    Este processo inicial de eleio ao xarnanismo praticamenteno clepende das aspiraes do indivduo

    -

    uma vez que a cornunica-o com o sobrenatural, nestaprirneira fase, incontrolvel. O pro-cesso de iniciao, ao contrrio, depende da interveno de outrosxams e exige um longo resguardo que poucos indivduos tm condi-es

    -

    socialmente e fisicamente -

    de observar.Nem todas as doenas, nem todas as experincia-s de contato

    sobrenatural se constituem como o incio de uma carreiraxarnanstica.

    A manuteno de uma verdadeira reiao coln o mundo invisveldepende, principahnente, da idade e do sexo dos indivduos envolvi-dos. As crianas e as mulheres raramente conseguem rnanter-se noestado propcio para o desenvolvilnento dos pi-wan que podem teradquirido em alguma das circunstncias acima mencionadas. Asentidades presentes naquelas substncias abomjnam o clreiro exala-do pelas crianas e pelas mulheres. \4esmo assim, mulheres podempreservar seu -paie pelo menos nos intervalos de sua gravidez, comofez uma jovem cle dezoito anos que chegou a acurnulal'foras sufici-entes pala cu[ar seus parentes pela via xamanstica.

    A manuteno or-r a perda do -paie depende ainda da histriade vida de cada um, fazendo corn que ceftos ir-rdivduos se rnostrem,ou no, mais atentos s manifestaes internas e externas dos infor-tnios que os afligern. Quando urn inclivduo atingido de maneirarepetitiva, quando ele pode identificar ern sell estado o sinal de umaagresso

    - ou de urn desejo

    -

    ele poder ir-rterpretar sna cf oena colnouma forma de eleio. Neste caso, ele pode decidir-se a prosseguir ocontato estabelecido corn os i-paie, pelo rnenos como reao defen-siva. s vezes, melhor "col'npor" coff essas foras do que se deixardestruir por elas.

    H algurnas circunstncias em que a iniciao se torna quaseque obrigatria. Quando a doena diagnosticada pelos xarns cornoo ataque procedente de algurn grupo inirnigo (etnias vizinhas ou olt-tros grupos territoriais Waipi), o paciente praticarnerfe forado ase tornar xam. A comunidade

    -

    que ele passa a representar no afronto

    - controlar todos os passos de sua iniciao, para que ele possa

    ving-la. Este procedimento particularamente significativo dos as-pectos scio-polticos do xamanismo Waipi, que mencionareiadiante.

    A fixao do -paie

    Aps as prirneiras manifestaes do contato corrr as entidadesi-paie, o que normahnente ocorre com a observao dos sintomas detttna doena, cornea a fase de iniciao

    -

    olt "xantranizao" -

    pro-

    52 53

  • priamente dita.1 Consiste ern repetidas sees teraputicas, duranteas quais se procede injeo e f,rxao das substncias pi-wan eam-ro: a transmisso do -paie.

    O xam iniciador tratar. dias a fio do iniciando, soprando ta-baco em selr corpo. Numa sesso final, retira do corpo do paciente uminseto ou objeto que provocou a doena. No momento em que issoocorre, o inicianclo pode ser considerado xamanizado. Como no trata-mento de qualquer doena, a cllra corresponde reintegrao do prin-cpio vital que havia sado do corpo. No caso do iniciado, a reintegra-o do - adquire outro significado, ulr vez que no se trata sim-plesmente de repor o princpio vital, mas de reinserir um outro prin-cpio. O - que entra no novo xarn adquiriu, durante sua estadia nornundo invisvel, foras e poceres inacessveis aos lromens comulls.

    Resguardando o -paie

    O indivduo qlte, tlo estado propcio de doena, deseja rnantere incrementar as substncias que adquiriu por ocasio de uma curainicial, procura um xam que se disponha ajud-lo e com ele seisole num lugar afastado, onde passar vrios nreses "resgnardan-do".r2 Neste perodo, desenvolve-se ufft intenso tratamento que visano s clrar o mal que atingiu o iriiciando mas sobretudo orientar a

    11 No existe, entre os Waipi do Amapari, um ritual de iniciao propriarrentedito. A iniciao tem seu momento rais alto na "cura", e na reintegrao do -c',descrita acima. No entanto, os mais velhos mencionam o ritr-ral praticado nasaldeias dos Emerillon, no Oiapoque, que os Waipi costumavam visitar nosanos 30/40; nesta oportunidade alguns Waipi do Inipukr-r foram iniciados comoxams, segundo o itual Emerillon. Esse ritr-ral consistia numa festa pblicadurante a qual o iniciando consumia grande quantidade de suco de tabacqdurante nma noite e um dia. No final, desraiava e era levado na rede ondepermanecia sob a vigilncia da assemblia, aguardando a manifestao e arevelao de seus espritos auxiliares. Estes invadiam o corpo do xam quep3sava a represent-los, no transe, levando a pblico sua nova identidadeAtuahnente, no Amapari, nenhum xarl passou por tal experincia: o transe,alis, totalmente alheio ao comportanento dos xams Waipi que valorizamao contrrio a discrio e o recato nas slas lelaes com o sobrenatural.

    12 O resguardo do xam comparvel "couvade" (ji-koalco) observada pelospais de uma criana recm-nascida, sendo normalmente mais longo e "rgido"que este.

    viag-rn de seu princpio vital no mundo invisvel. E a fase de apren-dizado e de familiarizao com a "verdadeira" aparncia do tlniver-so.13 O novo xalr, glliado por seu mestre, aprende a se cotnunicarcom as entidades sobrenaturais e sobretudo procttra, no vasto panteondos i-jar, a entidade que lhe ser doravante associada.

    A procura longa, devendo-se esperar as manifestaes clessaentidade, que pode prorrogar por rnuito tempo novos contatos. Nofinal do aprendizado, uln desses espritos estar f,trtrremente associa-do ao xam e se far constantelnente presente. Os Waipi afirlnarnque este perodo pode variar de urn a dois ltleses: se o paj " for1e", rnanifestao vir logo; se o paj " fiaco", o aprendizado poderdurar mais de trs meses. Durante todo este tempo, o aprendiz fica narede, no desempenha nenhum esforo fsico e procura orientar todossus pensamentos para os caminhos do mundo sobrenatllral. Afasta-do das tarefas cotidianas, ele libera seu - para o contato coln a soci-edade dos i-paie, criando em volta dele tlma situao propcia visitadessas entidades, que evitam norlralmente se aproximar das aldeias,repulsadas pelos cheiros e pelos barulhos da vida dos humanos. Noisolamento, o iniciando passa o clia fumando e sonhando. Duranteesses sonhos, sell - se transporta para os domnios longnquos doslnestres das espcies llatlrais, onde apreude suas novas atribuies'

    As proibies observadas llesse peroclo so intmeras. A cadaLlma delas corresponde uma prescrio qtle normatiza o comporta-mento do iniciando

    -

    urrt comportarnento regido pela moderao,evjtando qualquer excesso. Essas regras, positivas e negativas, ffiff-cam o processo de transformao cla pessoa do xam e indicam ograu de controle que ele deve adquirir sobre si mestno, para rnanterperpetuamente abertas as vias de acesso ao sobrenatural.

    Interclitos e prescries podem ser agrupadas erl funo detrs cuidados bsicos, ou trs momentos que afetam o colllportafften-to fsico, mental e social do iniciando; so indicadores do grau de

    l3 cfr. Hamayon: "La maladie initiatique constitue le vritable apprentissage de lafonction et non une initiation proproment dite puisque le chamane d'une part seiorme plus aupres des esprits que d'un maitre, et que d'autre part il acquiert plusun savoir-faire qu'un savoir" (1982,p.20).

    'l

    5455

  • aproximao com a realidade dos i-paie.Nesse sentido, o resguardopode ser visto como um movimento, no espao e no tempo csrnico.Suas regras indicam a transformao e a translao do iniciando cleum domnio pra outro. Ele deve abandonar suas atividades uormaisno mundo dos humanos para integrar-se na sociedade dos i-paie, daqual ele passa afazer parte.

    A seguir, sintetizo as proibies ligadas ao resguardoxamanstico, tais como me foram explicitadas pelos Waipi, a partirde casos concretos:

    1) -.Evitar comportamentos excessivos - de fadiga e emoo -que teriam como conseqncia"lasgar" o casulo de fiostt'tpsque envolvem o iniciando, perdendo-se assim os "ca-minhos" de acesso ao mttndo sobrenatural, pelo quais tran-sita seu -. A moderao do esforo fsico envolve traba-lho (atividades de subsistncia, corno derrubada de roas,caa, pesca, etc.) e sexo, atnbos associados idia da "rup-tura" na relao xamanstica' O controle das emoes e daexaltao dos princpios espirituais, que se manifestam natristezaou alegria, nos sLtstos, no calor e nos barulhos estoassociados idia de "queda" clas substncias xarnansticas.

    2) Evitar poluies transmitidas por contgio (associado ma-nipulao de substncias) ou por ingesto de alimentos im-prprios (associado idia de ingesto canibal)' No casoclos alimentos, h diversas proibies envolvidas, que serelacionam no s com a origem (animal ou vegetal) dosprodutos, mas tambln col o processo cle preparao,armazenalnento e conservao clesses alimentos' O xamdever evitar, principahnente, o contato coll'I sangLle e colnoutras substncias

    - vellenosas ou no

    -

    qlle, pelo "chei-ro", incomodam e afastam as entidades sobrenatttrais,inviab ilizando a relao procurada.

    3) Afastarnento da vida social -

    desli-eando-se clos laos fa-miliares - paraconstruir novas relaes coll o mundo closi-paie. Quando os Waipi afirtnarn que, dttrante esse pero-

    do, o iniciando "no faznada" eles se referem apenas aocomportamento visvel do xam: naverdade, ele desenvo.l-ve uma intensa vida social e sexual em clomnios que dei-xam de ser acessveis aos seus farniliares.

    O ponto alto cla transformao operada pelo iniciando associado irnagem da procriao, ou seja, tltna consubstanciaoclue cornpleta a transferncia operada lla cltra inicial:

    Mulheres vm tambm. Temos relaes com elas' Eias sobonitas e jovens. Tm miangas. Quando voc acorda de manhcolrr esperrna em sua tanga, voc est quase paj' O esperma terido nas mulheres para engravid-las. As crianas ficaro com voc,dentro de voc... Tenho um monte dentro de mim agora, voc vque no uso miangas. No quero miangas de an dentro de rnimgotu. (Depoirnento fianscrito em A.Carnpbelt, 1982, p'253)

    A imagem das miangas que adornarn o xarn particular-rnente significativa desta fase final da iniciao. Nesta etapa, comoaponta Hamayou, a "intimidade com os esprtos" preparou o xarnpara o desempenho de suas fr,riles. Ele cornea a exerc-las nomolnento eln que a doena cessa e se transforma eln capacidadexamarrstica (1982, p.20). As substncias que penetraram no corpodo indivduo par agrecli-lo e recortar-lhe as carnes, Se encontramtransfiguradas em niangas, testemunhando da beleza dos seres do"verdadeiro" mundo.

    A reir-rtegiao vida norrnal deve ser feita progressivamentee lentalnente, tanto no que diz respeito alirnentao - pouca pimen-ta, cafnes leves, peixe

    -

    cotno nas atividades de subsistncia. Algr-r-mas proibies rnarcam clefinitivan-rente a vjda do xam que deixarde carregar e esquartejar a. c^a, evitar o contato cotrr muiheresmenstruadas e pal1urientes, obedeceudo assirn, ao profundo desgos-to pelo sangue que ele partilha con os i-jar.

    Do respeito a esses cotnportarnentos depende a permannciaclos poderes xamansticos. Como clizem os Waipi, "qttando opajttseguro, pode !" Por a entenda-se que exstem categorias de xams:

    56 51

  • os "fortes" que controlam totalmente seus poderes, enquanto os "fra-cos" esto sr-rjeitos

    - ou deveriarn se sujeitar

    - a tcnicas de controle

    mais sistemticas.

    Controle e distribuio do -paie entre os humanosGenealogia xamanstica no Amapari

    O elo existente entre o iniciando e o xarn que o orienta duran-te o resguardo, praticamente igual ao elo que permanecer, com-pletada a iniciao, entre o paj e seus auxiliares. No prirneiro caso,o elo se processa la prpria cura qlre inicia o resguardo: para comba-ter a doena, o xarn introduz no corpo do doente uma parte de seuspi-wan que levam consigo as "armas" destinadas a erradicar o mal.

    O doente colnllln, ulrra vez curado, pode voltar suas ativida-des fazendo com que as substncias inseridas pelo xam voltem aseu ninho original. No caso de um iniciando, a questo se complica,pois ele deve evitar, de todas as maneiras, a sada de to preciosassubstncias. De fato, elas continuarn ligadas por muito tempo ao xamdoador, permanecendo apenas temporariamente num corpo alheio.

    A iniciao do xam consiste justamente na gradual transfe-rncia de pi-wan alheios, emprestados por um lrestre, que proce-dem e facilitarn a introduo de substncias particulares ao novo xam. bem verdade que nlrnca h inciependncia total entre o mestre eseus alunos, pois estes continuam mantendo, para sempre, Llltt pollcode seus pi-wan. Por isso o mestre deve regularrnente soprar seltspacientes, para alimeniar o ponco de s que perfiraneceu no corpo closiniciandos. Isso, evidentemente, traz srias cornplicaes no ritmocoticliano das atividades do iniciando e cle seu rnestre, um par quedeve evitar separaes longas.ra14 Um caso interessante de relao entre um xam e seu mestre, transcrito de men

    caderno de campo: "Hoje, S. estpassanco mal, sentindo dores terrveis alturado corao. Disse que seus pi-wan esto lhe dando porradas. Esto irritadosporque R. foi embora (desceu para outra aldeia); disse que R, com cefiezatam-bm est sentindo dores. pi-war de R., no trax de S. chamam constantementea seu dono, pedindo-lhe comida: makure. R. cleveria voltar logo para o-peju,eles no tm nada para comer" (1983).

    Por esta raz.o, quando h festas de caxiri e cuando v,rios gru-pos locais esto reunidos, assiste-se a tantas sesses de sopro (-peju)e massagens recprocas, os xarns sopranclo tabaco Llln no outro. Nose trata, nesses casos, de curas propriamente ditas mas cle sesses derevitalizago dos princpios vitais distribudos, isto compartilha-dos, no corpo da coletividacle dos xams cle toda a rea do Arnapari.

    Tendo em vista o recente incremento das atividadesxamansticas no Arnapari, tais sesses so cada vez mais freqLientes.Entre os 1B xams em atividade naquela rea, apenas trs tm capa-cidade para transferir o -paie

    -

    dependendo cleles a manuteno des-tes princpios na comllnidade.

    A hierarquia do poder xamanstico definida pelos Waipiatravs de trs estgios:

    -

    paie rovij'. "paj-chefe", corn pleno controle de sua fora; so osnicos que podem transferir paie aos xarns-iniciandos;

    -

    paie uinan: que os Waipi tradnzirarn como "paj gasto" on "fra-co", referindo-se aqueles que j forant paie-rovin mas "perde-ram" a maior parte de suas substncias;

    -

    paie py'au:"paj novo" ainda "fraco" e portanto dependendo dereforos regulares de -paie; entre estes xams recm-iniciados,alguns j procedem cura de patologias especficas, embora suasituao seja ainda precria.

    Os servios de um xam so sempre relrlurlerados, aps oreestabelecimento do doente ou da sitr-rao cle infortnio. O paj"pede o que ele quer", na quantidade que ele deseja: redes, urLcll,taquaras, adornos plurnrios, miangas, cuias, etc. Entretauto, o po-der acumulado por um xarn controlaclo, socialtnente, pela comLt-nidade. Do sucesso de suas operaes e da rnoderao de seus "llo-norrios" dependero a manuteuo cle seu prestgio.

    EIes so constantemente solicitados. para diagnsticos, paracrlras propriarnente ditas ou para sirnples esclarecimentos sobre situ-aes de infortnio ou tenso nas relaes entre aldeias. No entanto,os xams raramente saem de suas habitaes: so os pacientes qlre se

    58 s9

  • deslocam, mesmo que isso represente uma longaviagem pela flores-ta. Em casos de urgncia, rnanda-se um emissrio que solicita a vin-da do xam, o que ele raramente recusa. Mas em muitos casos, oemissrio se limita a fazer uma descrio porrnenorizada da situa-o. Com isso, o xam poder diagnosticar distncia-pelavia dowarua e dos caminhos tups

    - mandando conselhos famlia do

    doente pelo emissrio. Individualmente, os xams rnais solicitadosevitam o quanto podem o desgaste de suas foras

    - como indiquei

    acilm, a qualidade do -paie pode ser avaliada "quantitativamente".Por isso, se deslocam o menos possvel'e preferem manter distncia-

    geogrfica e social -

    da vida comunitria.A preeminncia dos grandes xams se traduz essencialmente

    na acumulao de prestgio, sobre o qual eles podero sustentar opoder, propriamente poltico, de aglutinao de parceiros em suas al-deias, apoiando os lderes de seu grupo local

    - com quem se relacio-

    nam, noffnalmente, por laos de consanginidade. A natureza dasatividades dos pajs raramente permitem a esses indivduos acumu-lar poder poltico e fora xamanstica

    - duas formas de prestgio

    irredutveis.t5

    possvel afirmar que haver, en poucos anos, umaredistribuio de poder e prestgio entre as aldeias

    .do Arnapari: atu-almente, praticamentetodos os grupos locais possuem um xam. Umasituao que contrasta com o perodo anterior, quando

    -

    at o finalda dcada de70

    - havia apenas trs xams ativos no Amapari, ateu-

    dendo atodas as aglomeraes daquela rea.

    A difuso do -paie entre todas as aldeias da regio clo Arnapari

    -

    como demonstra a atual genealogia xamanstica- garante sem dit-vida a continuidade dessa atividade entre os Waipi, que pretendem

    15 Como sugere Chaumeil, necessrio distinguirmos entre as esferas do "poder"e do "poltico": "Toujours pens extrieur la socit, le lieu du pouvoir estinvariablement situ hos du champ politique; c'est un pouvoir sauvage et a-social, dans le sens ou il est l'explication ultime de tout malheur... Seuls lesindivius en position d'intermdiaires avec I'extrieur de la socit (sur-nature)sont susceptibles d'en dtenir une parcelle, la diffrence de ceux (chefs,troquerr.rs) dont le champ d'action est interne la socit et qui, dfaut deporlvoir, doivent se contenter de prestige" (.l983/84, p.129).

    estar recuperando, atualmente, o poder de interveno sobre o mun-do invisvel que lhes garantiam seus antigos xarns.

    A prtica atual do xarnanismo entre os Waipi do Amaparimudou, em relao descrio das atividades clesempenhadas no pas-sado. De acordo com os depoimentos de que disponho, as mediaesoperadas pelos antigos coln o mundo sobreuatural visavatn, sobretu-lo, garantir a fartura das aldeias, atravs de tcnicas propiciatrias-No presente, os eletnentos do -paie so direcionaclos para a defesa ea integridade da "boa sade" das comunidades.

    importante ressaltar este contexto histrico, atravs do qualo xamanisrno se tornou, no cotidiano do Amapari, uma atividade tovalorizada. Ele assume, hoje, um carter revivalista, devido no ape-nas ao seus aspectos teraputicos tnas, sobretudo, porque se consti-tui em um aparato cognitivo para interpretar novas situaes de con-tato inter-tnico.

    Mediaes xamansticas

    Na primeira parte deste artigo, tratei dos aspectos relativos experincia xamanstica entre os v/aipi, do ponto de vista das subs-tncias e dos instrumentos possudos pelos i-paie. Resta introduzir,nesta seo, outros aspectos significativos para o estudo doxamanismo, que dizem respeito pr.Jtca propriarnetlte dita: o planoda palavra e dos gestos, indicadores das r-nediaes realizadas pelosxams e das funes sociais qtte essas mecliaes sslllnelr'

    No dornnio da sociedade humana, qLe ele representa na rela-o xamanstica, o xam se v incumbido de responsabilidades fun-damentais para a sobrevivr-rcia de sra comunidade. Uma srie clepapis que ele pode desempenhar justatnente pela sua capacidade depenetrar em domnios no-humanos. No projeto iuicial de minha pes-quisa (Gallois, 1984/85) me propus estudar o xamanismo Waipi apartir de trs aspectos:

    60 6i

  • l. o xam como visionrio, conselheiro no caso de desequilbriosexternos que colocam em perigo a etnia Waipi ou a humanidadecomo um todo.

    2. o xam como mediador nas relaes e conflitos entre homens edonos das espcies necessrias subsistncia humana.

    3 - o xam como retaliador, quando sua ao se coloca em resposta atuao de xams de outras comunidades ou de outros povos.

    Embora este esquerna sintetize as principais mediaes desem-penhadas pelos pajs, seria mais significativo abord-ras atravs dacomunicao que os xams so os hicos a poder efetivar com omundo invisvel. Fles se movimentam ao longo de dois eixos bsicosna cosmologia waipi, no sentido vertical e horizontal, estabelecen-do comunicao nesses dois nveis, entre os homens e os domniossobre-humano e sobrenatural. Em ambos os casos, sua intervenovisa reequilibrar uma desordem olr urn conflito, para preservar a in-tegridade da humanidade. Na prtica aflral, as relaes efetivadaspelos xams em cada urna dessas esferas so bem diferenciadas, emerecem um rpido comentrio.

    Mediao humanidade/sobre-humanidadeO xam tem acesso morada do heri criador Ianejar (: nos-

    so dono) por seu dom de vis que lhe permite seguir os caminhosque levam ao cu. Por isso, ele pode intervir em situaes que afetarnos indivduos e/ou comunidade dos vivos como um todo. Especial-rnente, ele pode interceder junto a Ianejar para evitar o clesmorona-mento do cu, ou o incndio que vir

    -

    urn dia -

    destruir a humanida-de, de acordo com a viso cataclsrnica prpria dos povos Tupi-Guarani.

    Entretanto, na mediao entre a humanidade e seu dono, o xamno o nico intermedirio; sua interveno profiltica muitas ve.zes suplantada pela manifestao coletiva da comunidade, atravsdos rituais que fazem "subir ao cu".

    A precariedade da interveiro do xam ainda atestada porsua incapacidade de reter a vida de pessoas agonizantes, quando es-tas penetraralr na morada de lanejar. O xam, quando sobe ao dom-

    nro c cD.,' e por isso incapaz de fazervolta bebeu o caxiri dos mortos, conce_bido ento',, da separao definitiva domorto ern relao aos parentes que deixon

    'a terra. No rimite, ere

    poder trazer o morto para saber dele qual foi a causa cle sua morte.

    e referem capacidade dos antigosxams uzidas na morada celeste de Ianejar;Peas entas, etc.

    Se os xams podem cleslocar-se at a morada celeste cle "l1os-sos lnortos", eles tambm travatn contatos coln o outro aspecto dapessoa dos mortos, representada pelos espectros (on sombras) terres-tres. No presente, os xams evitam tanto quanto os homens colrulls ocontato com os espectros de antigos xarns, para evitar a contarnina-o e a perda de suas foras; suas relaes corr as solnbras dos mor-tos so, assirn, aperas profilticas, limitando-se a distanciar as som-bras que vm perturbar os parentes vivos.

    Mediao humanidade/sobre-n atur ezaOs xams so tambm capacitados a viajar ,.por terra,,, para

    travar contatos corn os donos de animais, cle prantas or-r objetos queeles reconduzem para. o domnio da hurnanidade. De acorclo corn oswaipi do Amapari, os antgos xams intercediam junto s abelhaspara obterrnel, ou junto ao dono dos mlrtlurs, para que haja fartr-rradessas aves. outros xams famosos eram aqueles que traziam tabaco,que conseguiam junto aos donos clas rvores.16 cito como exemplo o episdio relativo a uma 1rnlia que foi levada por.brasilei-

    ros at Macap, no incio deste sculo. De acordo coln o relato, urn menino foiassassinado pelos kar.aku: "o rapaz era grande paie por isso, quaado morreu,seus parentes na aldeia escutaram muito barulho, l mesmo no inipuku. or_rtropaie cantou na tocaia, falou com tcty-wer, perguntou "como voc'morreu ?,' -tcty-wer disse qr-re os karai-ku o assassinaram com faca nas costas. Ele no viu,porque tinha pano no olho. Todos choraram. Aconteceu em Macap, por isso,seus parentes nunca mais voltaram paral,' (Kumar, 19g6).

    6362

  • Mas a tradio contm, sobretudo, referncias aos poderes dostaiau-jar, especialistas no contato colr o dono das queixadas, quepodiam intervir para que os animais sejam soltos a favor dos caado-res. Esses ritos eram realizados ern tocaia, um abrigo de folhas depalmeiras onde o xam entrava sozinho; atravs do fumo e do canto,ele chamava os animais e setrs senhores; ele puxava os fios tupsat que os animais se aproximassem e sentassem perto dele natocaia;seguiam-se entendimentos corn o dono da espcie, que finahnenteconcordava em colocar suas criaturas disposio dos homens.

    O compromisso dos xams col os senhores dos animais con-sistia numa total translao do especialista para o domnio animal.Os xams so reponsveis pela procriao e alirnentao de suascriaturas, que eles guardam dentro cle si, nas pequenas tipias quemantm aquecidos seus pi-wa,. No entanto, nem todos os xamsconsegllem ter o total controle dos elementos apreendidos no mundodos -jar. Ao contrrio, eles so apenas auxiliares desses verdadeirosdonos das espcies naturais, razo pela qual os xams recm-inicia-dos devem manter em segredo suas relaes com entidades sobrena-turais, sob pena de perder as substncias dopaie que essas entidadeslhes transmitiram e que, no incio, so precariamente "anrtarradas" asuas pessoas.

    Nos quatro ptocedimentos caractersticos da atividadexamanstica (trazer ou mandar, aproximar ou distanciar) e de seusdons de transformao, encontramos a mesrna ambigidade entre anecessria cofirprovao do poder xamanstico e, ao rresmo ternpo, aimposio da reserva na manipulao desses poderes.

    Hoje corno antigamente, os xarns , para serern reconhecidos,devem comprovar sua fora. De acordo cofit as estrias sobre antigosxams, eles deviam provar a seus parentes que realmerfe possuam-paie. Por isso a comunidade exigia que os benefcios desse poderfossem colocados disposio de todos: por exemplo, na distribui-o dos objetos trazidos do cu, ou nas caadas coletivas de queixa-das, encabeadas por um xam que devia conduzir os animais rumoaos caadores.

    Atualmente, os xams colocam seus poderes disposio dosmembros.de seu grupo local, defendendo a comunidade contra os

    ataques dos inimigos, animais ou rrurnanos e, sobretudo, atravs desuas atividades teraputicas. No Arnapari, um xam somente serreconhecido colro tar quando tiver, efeiivamente, curado um doente.A comunidade controla, assim, o Llso que seus membros fazem do -paie, evitando que os xams beneficiem apenas a si prprios, ou aosseus parentes, ra forma de uma fartura de caao, " e's obtidoslunto aos -jar- Este controre tem importa'tes co'seqncias sobre odesempenho das atividades xamansticas, ulna vez que ao orientartoda sua fora para a atividade teraputica, os xarns deixam cre sercapacitados para outras atividades. De acordo corn os waipi, os atu-ars xams no conseguem mais trainda menos tabacA atividade propicIuto das relaes cconseguiam, vivendo totalmente afastados da vida cotidiana das ar_deias, evitando sobretudo, tratenvolve, de fato, umaretalhaocontra os agentes responsveish troca possvel, o que descart

    A cura xamansticaA atual revitarizao das prticas teraputicas tradicio'ais

    atestada pelo nrmero de xams recm-iniciads e pela intensa procu-ra desses especialistas, em consultas individuais

    - as mais freqentes

    - ou sesses prblicas. co'tribui, ara esta situao aprecariedade

    da assistncia mdico-sanitria narea,onde a pr."nu de enferma-rias no conseguiu enraiar surtos contnuos de gripe e, sobretudo,malia' No h, entretanto, conflto entre os agentes de sade e osterapeutas indgenas, ulna vez qlre os Waipi

    "orr-rid"ru,,. que os bran_cos no so realmente capazes de curar os doentes.,t poi isso, se'-I7 o descrdito para com as terapias dos brancos cria, serr dvida, dificuldadespara a erradicao de certas donas infecciosas e sobretudo da marria. Muitasfamlias, quando passam.pelos prtotairtstncia (onde se concentra maiorparte dos focos epidemiolgicoi), iniciam umlratamento que ser raidamenrernterrompido Iogo que se reintegiam u, ,ur"ld"iu., o"-rrrri,-i ii, i.tu.preconizadas pelos terapeutas idgenas.

    64 6s

  • pre afirmam que: "prirneiro o paie trata., depois leva para Funai oumissionrio para tomar remdios

    - eles que trn qve ajudar paie-

    ko" (e no o contrrio).As consultas ocorrem, sobretudo, por ocasio das festas de

    caxiri, reunindo famlias de diferentes aglomeraes que aproveitama oportunid ade para entreter-se com os xams. Ern situaes de emer-gncia, os doentes se deslocam at ahabitao dos xams. A consultaconsiste inicialmente num diagnstico e na prescrio de uma dieta ede regras de cornportamento adequadas situao do doente. Toda afamlia participa como tambrn recebe Llma pequena parcera das subs-tncias qle o terapeuta introduz no corpo do doente, colrro rnedidaprofiltica. Nesse estado, a comunidade presente poder participardos entendimentos entre os agentes causadores da doena, que falarnpelavoz do xarn.

    Observa-se nestas sesses ausncia total de teatralidade e ali-s, de qualquer barulho: tudo se passa a rneia-voz, lentamente e omais discetamente possvel. Qtrando atuam fora da tocaia, os xamsraramente tocam os chocalhos marari, usando apenas seu sopro paracomunicar-se coll1 as entidades sobrenaturais. o tabaco , entretanto,indispensvel para concretizar os caminhos que levaro seus pi-wanat as entidades desejadas.

    nas sesses de tocaia que os xams executam e utilizam detodos os meios que eles possuem para se comunicar com o mundo dos-jar,trazendo para o centro da aldeia os representantes do mundo dagua, dafloresta, do final da terra e, inclusive, da morada celeste dosrnortos. Essas sesses so relativamente raras e ocorrem lrorrnalmen-te em situaes de crise.

    J menconei que os xams evitam calttar em tocaia, conside-rando que esta atividade os torna imediatamente visveis aos seusinimigos qr-re podem localiz-los por meios dos caminh os tups queconvergeln para a tocaia. A cura ell tocaia exige do xarn um contro-Ie e urna viso perfeita dos caminhos do -paie, para evitar a entradade entidades ou de xams "dos outros", Que viriam apenas agred-loe contaminar a comllnidade presente ao evento. Por isso, o xam est

    inicialmente sozinho no abrigo: apenas e\e canta para chamar seusauxiliares, que se instalam em volta dele. uma vez abrigados dentroda tocaia, satisfeitos com as palavras de boas-vindas e as oferendasdo xam (zlimentos, caxiri e sobretudo tabaco), inicia-se uma longaconversao entre todos os presentes.

    A esposa do xam tem um papel importante nesse rnomento,ajudando o rnarido na conversao que se desenrola com as entidadespresentes e, sobretudo, "alimentando" seus pi-wan com tabaco, queela sopra em sua cabea. Sentados no lado de fora do abrigo, ou svezes, entrando para apoiar o xarn, os participantes tarnbm se en-tretm com os espritos, solicitando aos donos dos animais soltaremsuas criaturas, ou pedindo informaes sobre o destino de seus paren-tes doentes, ou sobre os parentes mortos.

    Dependendo da gravidade da doena, o paciente poder ser tra's-portado na tocaia, junto ao xam. Ali todos os i-paie presentes

    -

    hu-manos e no-humanos

    -

    procedero "cura,, propriamente dita, queconsiste numa manipulao dos princpios vitais do doente.

    As tcnicas de cura xamanstica dos waipi so praticamentesemelhantes s prticas de outras sociedades amaznicas. Limito-mea indicar alguns conceitos importantes para a cornpreenso do ritualde cura, que pode ser dividido em trs rromentos:

    1) Aproximao dos agentes sobrenaturais, atrados pelo xamatravs do tabaco e do canto;rB os auxiliares vrn se alojarno chocalho que o xam comea a tocar lentamente e de-pois mais enfaticamente,para indicar a aproximao dosespritos; esta aproximao tambm se manifesta pela vozdo xam, que transmite os nomes das entidades presentes.Quando as entidades convidadasj esto dentro datocaia,todos os participantes entoam "cantos',, ajudando ao xame afirmando suas boas intenes, enquanto anfitries.

    l8 Extremamente reservados sobre seus cantos, os xams afirmam terem cantospr1rrios. o que privativo, na verdade, menos a cano propriamente dita quea comunicao com algum domnio sobrenatural que o catoi"presenta. o cn-to - assim a emanao de r,rma relao, construdi durante a initiaao, transmi-tindo a palavra das entidadespaie.

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  • 19

    20 Por exemplo: chama-se o dono do mutrm para que ele esfrie o corpo ou a feridacom suas asas; chama-se o dono cla voe kumaka para que ele aplique suasmos geladas no doente, aliviando a febre, etc.

    Num primeiro nvel, aprticados xams do Arnapari pode ser'terpretada como urna atividade reg'ladora e rnoderadora nas rela-es entre os hornens e o mundo dos -jar,onde os xams se posicionamcomo defensores dos humanos, pacifcando e neutrar izand.o as agres-ses cle entidades sobrenaturais.

    o xamanismo seria assi'r u'rnecanls'ro uramente adaptativo,ura resposta s limitaes do meio-ambiente, no plano ecolgico.zrcorno sugere chaumeil, essa i'terpretao enfocaaperas urrr aspec-to da relao xamanstica, sendo assrn extrellarnente reducionista(1983/84,p.r2$- no plano simbrico que as funes do xamanismose revelam de modo rnais cornpleto, especialmente quando associa-das s concepes indgenas sobre a caa e a guerra (idern, p.I23).As representaes dos waipi sobre essas trs atividades foram ana-lisadas,'este trabalho, como parte de um mesrro sistema de predaoe/ou agresso. Retomarei, no que segue, os elementos bsios destesistema, que permitem adiantar algurnas concluses.

    No confronto com os domnios no_humanos, o xam, o guer_reiro e o caador sofrem alteraes

    -

    pero contato con o sangue, pelaaplicao de "remdios", pelo estado de raiva, etc. _ qr. o. aproxi_mam substancialmente das categorias que pretendem combater ouapresar' No caso do caador ou do guerreiro, a arterao e a aproxi-mao ternporria, concebida como uma tcnica de luta. No caso doxarn, a alterao configura um estado permanente, pois ele se torna,21 uma interpretao "e-colgica" do xamanrsmo entre os ndios Tukano foi apre-

    sentada por Reichel-Dolmatoff ( I 976).

    2) Manipulao das substncias vitais do doente, por massa_gens e suces, at absoro completa das substnciasexgenas (armas ant-ro) que provocavafi a dor e oretalhamento das cames do paciente. Esta operao se com_pleta quando o corpo do paciente for considerado totalmen_te"vazio", "s pele". De fato, a segunda etapa consiste emreintegrar o princpio vital, que o xam ou seus auxiliaresrecuperaram.unto ao agente da agresso. para tanto, o xarnse transforma ern ulna das criaflrras da effidade respons-vel e se clesloca at seu domnio.re Neste mornento, o xamtambm procede a uma srie de operaes destinadas a ali_viar as manifestaes secundrias da doena, isto , os sin_tomas, chamando aos animais que podero intervir ert mo_mentos especficos.20

    3) Rei'tegrao do pri'cpio vital e despacho das entidadessobrenaturais. A ltima etapa, de dessacralizao da tocaia,consiste na eliminao dos espritos auxiliares, literalmen-te "rnandados embora" pelo xam. Em muitos casos, as en_tidades atradas para uma cura no se desprendern to fa_cilmente nem esto dispostas a abandonar a criatura huma_na que haviam raptado; por isso, o xam deve mat_las, alimesmo, na tocaia. Nessa situao, ele usa de todas as armasque possui, por via de seus am-ro. Em casos menos dra_mticos, os agentes se vo, tranqilizados e satisfeitos comas oferendas que lhes foram feitas. Nesse caso, o xam re_colhe seu cesto, onde ter colocado a substncia patognicaextrada do corpo do doente e ir sozinho floresta, paradevolv-la ao seu proprietrio.

    Tenninada a ctfra, o xan. d,ever, tanto quanto o doente, ,,des_cansar", recolhe'do-se em suarede, obsen,ando o resguardo para evitara volta i'tempestiva das entidades sobrenaturais qu participararn dacura.

    Genealogia da vinganaMesmo que sumariame'te descritas, as atividades terapr:ticas

    desempenhadas pelos xams so reveladoras cre alguns aspectos es-senciais do xamanismo Waipi.

    I

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  • substancialnente "outro". o xam suporta a alteridacle ern sen pr-prio corpo, capacitando-o para uma relao imedia e pe.nare'tecoln o mundo no-humano. Ele ocupa uma posio ambgua, poistanto representa a sociedade dos vivos no mulrclo sobrenatural quantoellcarna a presena do sobrenaturai no munclo clos humaDos. Aespecificidade dos xams est nessa "mistura" que lhes conferern assubstncias -paie: urn estar interrnedirio, e'tre seres nonnalnenteseparados.

    cabe sociedade orientar e resgatar para isso o ,so qLle osindivduos xatnanizados faro de sua entrada privilegiada no rnundodos outros. o controle realizadopelos waipi do Amapari sobre seusxams permitem concluir sobre a natu.reza guerreira da prticaxamanstica naquela rea. os xarns literalmente "esgotarn" suas for-as na cura e na retaliao das agresses perpetr-adas por diferentescategorias de alteridade, atendendo assim s solicitaes de suas.es- opectivas comunidades.

    A-b, srgnrtrcatlvo que os xams raramente assulnern sozinhos um

    diagnstico, mas apenas co'firmam acusaes proferidas pela comu-nidade ofendida. Esta concomitncia de interesses, entre xams e co-munidades locais, reforacla pelo recente desenvolvimento da pr-tica xamanstica no Amapari, onde cada aldeia e, nas aglomeraesmais importantes, cada segmento residencial, tem se'prprio xam..Lernbro tambm qlre Lrlna das rnodalidades mais freqerrtes da eleioxamanstica consiste na transformao dos princpios patognicos ernprincpios de retaliao.

    A transformao da vtima ern vingador se opera atravs dacura, qLe consiste nllma purificao das substncias existentes e naabsoro de outras, que sero conservadas e controradas para sererdirecionadas contra o alvo irnplcito no diagnstico: o inimigo res-ponsabilizado pela agresso. o xam se transforma ern instrurnentopar a retaliao e aclquire, assim, urn papel essencial na sociedade.Ele represe'ta, e defende, seu grupo. cada com'nidade ma'ifesta,atravs da atividade de seus xams, sua particr-rlar posio na longahistria cle conflitos e atritos intercomunitrios, ou inter-tnicos.

    guisa de concluso i'rportante ressaltar o carter gueneiro do xamanisrno waipi

    lro contexto da etnologia Tupi-Gr-rarani, que tem tratado extensiva-meute da temtica da retaliao da vingana. Como bem clelnonstra-

    o - r-ro caso, o xam - participa, ide'tifica-se, corl o lado oposto. oxarn est assim ao [eslno tempo entre os homens e entre as enticla-des sobrenaturais que lhe conferem sua fora e para quem ele "cle-volve" as agresses. H, nisso, Lur compfomisso que Ievaria anula-o do conflito, Lttavez que cada agresso ser responcrida por outra,produzindo um ciclo ininterrupto de vingana entre as partes envolvi-das. Ao co ue devolve e neutraliza, a vinganareavivao " )ur-rindo o passado ao futnro, e porisso perma

    como indicam os cliagnsticos de rlrorte, doena e infortr'ioIevantados no Amapari, o confronto entre cada comunidade e o rlLur-do de fora aponta para diversas categorias cle i'i'rigos, todasimbricadas l'rlrrra agresso. Qr-rando nma categoria neutraljzada,outra toma seu Iugar: em toclos os casos, l-rave vingana. Nessecircuito de agresses e retaliaes, o xall o guerreiro por conta dequem se desfazem as unidades Iocais.e em torno cle quem se agregamnovos grllpos, ou identidades. do cor,fronto cotidiano corn os olr-tros, inirrrigos humanos ou anirnais, que os hornens se pensarn corlosociedade, rlur1r processo de identif ica.o constantementereatualizado, qlre configura a autonomia de cada unidade local, fa-mlia ou segmento residencial.

    Cada grupo Iocal se fecha sobre si, operando, atravs do siste_ma de acusaes xamansticas, constantes rupturas col o que elaconsidera e quer rnanter "fota" clo grupo. Nesta interpretao, o es_pao social waipi corresponde, una por Lura, a cadauniclacle localconstituda como centro. Nesse sistema, a noo de uma,,ideuticlacletnica" no tenr lngar entre os waipi, n'na sociedade segrlentada

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  • pelo confronto entre seus.xams. como i'stituio, o xarna'ismoperpetua esta concepo particurar da sociedade, embutida nacosmografia do universo'waipi, um mundo diviclido entre nichosem conflito que perpetuamente se entre_vingam.

    Enquanto i'stituio, o xarnanisrno constitui-se'L'.a alterna-tiva de defesa da sociedade, que cadaxam representamas'o abrange,em sla totalidade. os xams encarnam a diviso da sociedade e no acoletiviciade. Por isso, suas atribuies so lirnitadas no que diz res-peito ao destino da "verdadeira humanidade" qne a sociedade waipirepresenta.

    Est nos levam paraum rltimo aspecto, carac_terstico d aipi. Se como demonstrei neste ensaio, afuno do em darcontinuidade descontinuidade, compreensvel sua rnoderao nos conflitos que envolvern a etniawaipi, isto , a comunidade do Amapari corno um todo. os xamsclaquela rea no participam, ou fazem corn extrerna prudncia, dosmovimentos de resistncia contra a invaso e a presena de garim-peiros narea indgena. Para eles, a categoria genrica de no-ndios(karaku) no faz sentido, una vez que suas intervenes s podernse efetivar por meio de princpios agressivos qlle o xam adquirenuma aproximao substancial com os inimigos. com os bLancos,no htroca, no h compartilha de substncias, por isso no h reta-liao nem vingana possvel, pelo rnenos pela via xananstica.22

    Os brancos no participam do complexo circuito de troca epartilha de foras vitais necessrias manuteno da vicla dos indiv-duos, e tambrn necessrias perpetuao da sociedade rrumana. porisso, os brancos nunca so acusados, enquanto agentes cre agresso,nos diagnsticos proferidos pelos xams. A interveno dos brancoss processa pelo contgio, pela contaminao e pela destrr-rio. Elesse comportam "como" algumas das mais agressivas entidades domundo invisvel, mas no tm acesso ao saber sobrenatural. neste

    sentido que os waipi continuam se afirmalldo corro os represe'tan-tes da "verdadeira humanidade", cnjos xarls acedem ,,verdadeira,,configurao do universo.s

    22 cf. chaumeil: "on n'change de la violence qu'entre soi. c'est une violencemesure et partage. Avec les autres, ceux qui ne sont pas ncessaires larepT_duction symbolique et matrielle du "soi", il s'agit de uiol"n.. incontrIe"(198s, p. a).

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    os G{_}ARD[ES G C05{0S:PAJS E PROFTA,S EF{T'RE TS BAF{IWAI

    Robin M. Wright

    ste artigo procura entender a natltreza salvadora dos pajsentre os Baniwa, povo Aruak-falante do vale clo Alto Rio Negro nasfronteiras do Brasil, Venezuela e Colmbia. Na histria dos seus con-

    os Baniwa engajaranr-se errmovimentos milenaristas e messinicos des de, pelo lnenos, a rnetadedo sculo dezenove por poderosos, estes movi-mentos fundamgnlaram-se ern preocupaes religiosas tladici ra1srelacionadas escatologia, crlaao, e rerlovaao do mun-do.Eh*thlh-os-anterioreg*n s demonstrant os a lranelra elTl qne osmessias Baniwa essencialmente moldararn tais preocupaes religi-osas e as prticas rituais ara formular uma estratgia de resistnciacontra as externas de w t

    Aqui, a nossa ateno mais detalhada nos fr-ln-dam entos do proIisuqq_Egg$a, na cosrrlogonia, cosmologia, via-

    e cantos dos pajs. Mostraremos qlre a s-

    seJa lta culade indiv por doenas gaves, seja na proteo do mundo

    /

    Este artigo uma verso condensada de urn esfudo rlaior publicado em duaspartes na_revist^ Histoiy of Relgons (Universidade de Chicago), agosto e no_vembro de 1992.

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