fourier, o socialismo do prazer
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F O U R I E R
O SO C I LI SM O
DO
PR ZER
Gaucel e de seu ex-patro em Lyon) Bousquet. Em 1826assumiu um
posto na firma norte-americana Curtis c Lamb, incumbindo-se da cor
respondncia da filialparisiense,que porm foifechada umano e pouco
depois pela empresa.
Aproveitava a execuo da tarefa da redao de cartas comerciais
para escrevertambm cartas pessoais.Escreveu a numerosas personali
dades, solicitando-lhesapoio financeiro para a experincia do falanst-
rio. Encaminhou apelos, por exemplo, ao duque de Devonshire,ingls,
ao milionrio norte-americando RufusKing, aopresidente deSantoDo
mingo, Boyer, vivadelorde Byron, a prncipesrussos,a GeorgeSand,
Chateaubriand e SimnBolvar. No obtevenenhuma resposta.
Levava uma vida frugal. Comia em restaurantesbaratos e bebia vi
nho ordinrio sempre resmungando que estava sendo envenenado).
Tomava uma xcara de caf depois do jantar e gostava de jogar bilhar.
Permaneceu solteiro. Protegiacuidadosamente sua vidaparticular, sua
intimidade; contudo, h razespara crer quetevealgumas ligaesamo
rosas. Emile Lehouck chega a indicar o nome de uma de suas provveis
namoradas, Louise Lacombe Lehouck, 1978, p. 215).
Teve diversos endereos residenciais em Paris, todos prximo ao
Palais-Royal, que o deslumbrou desde a primeira vez em que estevena
cidade, aos vinte anos de idade. Todas assuashabitaes eram modestas.
No ltimo apartamento onde morou e onde morreu) vivia cercado de
plantas e gatos. Os vizinhose a porteira do prdio simpatizavamcom
ele, porm todos o achavambizarro. O insuspeito Pellarin,que lhe de
dicavauma admirao imensa, informa que Fourier andava pela rua
falando sozinho
Pellarin,
1843, p. 177). ^
Escreviamuito, todos os dias. Atendendo a insistentes pedidos de
seusamigos,dedicou-sea preparar um resumo
abrg)
de sua doutrina.
O resumo se transformou no livro O ovo
mundo
industrial, que saiu
em 1829. Na realidade, no era um mero resumo, porque trazia uma
importante inovao no seu pensamento: preocupado com a definio
de um caminho prtico para a transio nova sociedade, Fourier in
veste suas energias intelectuais no planejamento de um falanstrio
palavra composta de falange e monastrio ), onde se realizaria a
V I D
experincia
da
organizao
de um
ncleo
antecipador das novas condi
es
de vida. Essa experincia demonstrariaaos contemporneos as van-
tagens do novo modelo e,ao se multiplicar, promoveria a verdadeira
transformao da sociedade.
Em 1830, para
divulgar
o novo
livro, Fourier lanou
um
folheto
intitulado Annciodo ovomundo industrial . Maisumavezse de
frontou com uma reao desfavorvel. A revista catlica Universel
o
estigmatizou
como materialista
e
bufo .
EnaReme
Franaise
uma
resenha
no
assinada equiparou-o
a
Saint-Simon
e aRobert
Owen,
in
sinuando
quea nica
coisa que
o
distinguia
dos
outros
dois erao
estilo
grotesco em que escrevia.
A
resenha annima
daRevue Franaise
foi
a quemais
aborreceu
o
escritor, que
detestou
serposto nomesmosaco queOweneSaint-Simon.
Fourier atribuiu
a
perfdia
a
Franois Guizot, influente historiador
e
poltico, que era
colaborador
regular da publicao. Sua raiva foi to
grande que ele
nem
chegou a se alegrar muito
com
o primeiro comen
trio favorvel
e
bem fundamentado sobre
o
seu trabalho, que saiu
no
Mercam
de
France
au
X me
Sicle,
assinado
por
um novo discpulo:
Victor onsidrant
A
concorrncia das seitas de
Saint-Simon e Owen o
preocupava
cada
vezmais. Num
primeiro momento tinha ficado
bem impressionado
com as
iniciativas prticas
de
Owen
na
Inglaterra
e chegou a se
oferecer
para assessor-lo
o
oferecimento
foi
delicadamente recusado).
Depois
de algumas
conversas
com
saint-simonianos
Saint-Simon ti
nha morrido em 1825), leu uns
poucos textos publicados
por eles, com
pareceu
a
uma assemblia
da
seita
e
escreveu
o
panfleto
Armadilhas
charlatanismo das seitasde Saint-SimonOwen, publicado em 1831.
Alguns
entre os
saint-simonianos estavam organizados
de
forma
coesa e
centralizada,
como uma
igreja ,
em torno da liderana de
Pros-
per
Enfantin;
outros,
porm,
preservavam
sua
autonomia,
sua
reflexo
crtica. E dois
intelectuais
saint-simonianos
independentes
publicaram
artigos nos quais divulgavam com simpatia as idias
de
Fourier:
Jules
Lechevalier eAbel Transon. Omestre noseentusiasmou, mas osdisc
pulosficaram gratospela
ajuda.
3
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A
Harmonia
no
homogeneizar
no pasteurizar os
prazeres
mas
tambm noexacerbarartificialmente
seus aspectos mais contraditrios e com isso criaruma
situao muito diferente daquela
que
existe na civilizao.
Otempo
do prazer se modificar adequando-se
a novas
potencialidades humanas. As formas do
prazer
se
diversificaro
se
multiplicaro
atravs de uma expanso
das expresses
mais
sutis
do desejo que atualmente
so
cerceadas
pela
presso do produtivismo
pela
perseguio obsessiva da
rentabilidade e pelas
contingncias civilizadas.
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Este talvez
seja
um
dos
raros
casos de
um livro que engrandecesua orelha
Foi com
esse
sentimento
que recebi
o
gentil convite para escrev-la e com
essacertezaque me dirijo ao
leitor
na
condio de aprendiz que fala do livro
de
seu
mestre e
amigo.
Sim porque
Leandro Konder no
precisa
de
apresentaes
Filsofo
to conhecido
entre ns pensador
sem
preconceitos
sempre fiel
a
leituras no
dogmticas de
autores
importantes aberto a buscar o
novo
que ficara escondido em outras
pocas e
sempre
disposto a
conhecer
idias de
autores pouco valorizados.
Leandro rejuvenesce
as
idias ensina
que
o
novo se alimenta do velho
e que
presente e futuro noprescindem de
uma viso
crtica do passado. este
trao
o leitor ir
encontrar fortemente
tambm neste livro sobre Fourier.
Leandro filsofo
escritor
e ensasta
no
abre
mo da sua tarefa
de
professor
que faz
mapas
para nos aventurarmos
pela obra freqent-la descobrir
atalhos. Com este livro sobre Fourier
o
leitor pode
conhecer
a
vida
o pensamento e o legado desse
bizarro
pensador francs que tem muito
a
dizer
sobre
os anseios desejos
temores
crenas e utopias do mundo
contemporneo esse socialista utpico
em quem
socialismo e utopia eram to
especficos mas que foi pioneiro em
vrios
aspectos do
marxismo.
Embora
no fosse
revolucionrio
do ponto de
vista poltico Fourier
propunha
rupturas
de costumes
preconceitos
e
valores do seu
tempo. Como
situ-lo
pergunta
Leandro
no
quadro
das
posies
de
esquerda de que dispomos
hoje? Sero
as
atuais categorias
satisfatrias
paradele formular um
juzo? Provavelmente no. Entretanto
esse
excntrico filsofo
que Fourier
com posies questionveis e uma
teoria discutvel considerado
louco
por
alguns
pode
comsua vitalidade
suscitar modos mais criativose
bem-humorados
depensar a realidade
atual
na sua
ambigidade e incoerncia.
Todos
aqueles que seatreveram
um dia
e
ainda
se
atrevem
a
sonhar com
uma sociedade mais generosa e
solidria
onde justia
social
e fim de
qualquer tipo de
opresso
possam
conviver
com
desejo
paixo e
harmonia;
todos osquese
inquietam
e
teimam
em questionaro mundo e em buscar
alternativas devida
mais
humanas
certamente
encontraro
em ourier
socialismo do pr z r material
para
uma
profunda e instigante reflexo.
nia
ramer
copo vtlynGiumocli
Imeroco
Nillon Kanulho
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COPYRIGHT OLeandroKonder,
1998.
CAPA
velyn rumach
PROJETO GRFICO
velyn rumach
oode Souza
Leite
PREPARAO DE
ORIGINAIS
Luiz Cavalcanti de Menezes
Guerra
EDITORAO ELETRNICA
magem
Virtual
t
CATAL0GAC0.NA F0NTE
SINDICATO
NACIONAL
DOS EDITORES DELIVROS. RJ.
KK.f
98-074
Kcimler. Leandro, I93fi-
FurkTsocinlislm,lIopr.1Zer/LcaIldtoKonllcr-Ri
tfc Janeiro: ClWItao Brasileira.
1998.
Inclui bibliografia
ISBN: K5-2 l )- )46fi^)
1l ? CI lr CS 772~m7 2. Socialismo.
t-ilosolia francesa.
I.Ttulo.
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194
CDU-1 44
mK,o Branco 99
/20o andar,
20040-004,
Riode
Janeiro
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RJ0
deJaneiro, RJ, 20922-970
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1998
dedico
otrabalho ameu
flho cSo
* ^
**
E
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Sumrio
INTRODUO xi
Vida
1 FONTES 3
INFN I
E
UVENTUDE
4
3 GNESE DA TEORIA 6
4 OPRIMEIRO
LIVRO
7
5
DA PROVNCIA
A
PARIS
9
6
A
FALANGE EXPERIMENTAL
7 OS
LTIMOS
ANOS 4
Pensamento
7
1PENSAMENTO ELINGUAGEM 9
2 AATRAO PASSIONAL
3 A
IVILIZ O
E
S MULHERES 3
4 PERIODIZ O DO MOVIMENTO SOQ L
7
5 ASPAIXES
6 O
AMOR
7 EROTISMO EGASTROSOFIA 33
8
AS
SRIES
5
9 0FALANSTRIO 6
10 A
EDUCAO
8
11 AHARMONIA 4
12 APERSPECTIVA
44
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FOURIER
O
SOCI LISMO
DO PR ZEi
O legado
49
1. NOSCULO XIX SI
2 .NOSCULO
XX
3.NO
SCULO
XXI?
9
Vitalidade
6
1. ARGUMENTOS
O DESEJO 7
BIBLIOGRAFIA
7
introduo
Oome
de Charles Fourier
est
associadoaduas palavras explosivas -
utpoT6
Ie
VSt
Cm
Um
dS ampe S d S0dalism
Oprprio Fourier, contudo,
no se reconheceria
nessa designao:
nao se apresentava como socialista
e
fazia restries
utopia
O
nome socialista passou
a
ser usado
nos
anos trinta
do
sculo
XIX,
quando Fourier estava
velho, eera adotado,
predominantemente,
pelos saint simonianos que
ele considerava mistificadores.
Fourier se v ia
como
ura descobridor como um inventor , Para
ele os
inventores
no precisavam dispor de conhecimentos
eruditos
ou
de
formao
acadmica. Afirmava: Quanto mais um
inventor
for ile-
trado, incapazde desenvolver de maneira adequada suas invenes, tan
to mais importante
que
ocorpo sociallhe asseguremeiosparapS
a prova
(OC
X, p. 25). Estava convencido de que muitas vezes as
invenes ou
descobertas se
devem apessoas simples, como ele, que
se
orgulhava de
ser
autodidata, um mero
caixeiro . E
advertia- se as in
venes no forem aproveitadas, se
as
descobertas forem desmoralizadas
pela
ironia dos eruditos, quem sair perdendo ser
a
sociedade
Arande
descoberta
de
Fourier, segundo ele, foi ada lei da atrao
passional E
sua
maior inveno foi ado caminho a
ser seguido para
que,
com base nessa
lei,
a
humanidade
venha
a
superar
a
civilizao
e
seja
capaz de criara Harmonia .
Como
a
referida
inveno se inseriu
no movimento histrico
das
ide.associahstas,
Fourier
acabou
sendo
inevitavelmente considerado
por
todo mundo um terico socialista.
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FOURIER
O
SOCI LISMO
DO
PR ZER
Adescoberta da lei da
atrao passional , entretanto,
lhe confere
caractersticas extremamente originais. Fourier demonstra uma
notvel
confiana
nas
paixes humanas, quer
que
opoder
delas
seja plenamente
liberado e
rejeita
qualquer
represso
sobre seu
desencadeamento.
No
admite
que
sofram presses externas
moderadoras. Diz:
No
com
moderao
que
so feitas grandes coisas OC, I, p. 186).
A
enftica valorizao
daspaixes manifesta,
com
certeza,
a
dimen
so romntica da perspectiva do filsofo caixeiro . Dentro do
movi
mento gerai do romantismo, contudo, sua posio original. Michael
Lwy eRobert Sayre oincluem no socialismo utpico-humanista , ao
lado de Cabet, Pierre Leroux,
Enfantin,
George Sand eoutros Lwy
Sayre, 1993,
p.
32). Mas
sua incluso
nessa
categoria
genrica corre o
risco de sacrificar elementos altamente peculiares do que ele
criou
de
mais especificamente significativo.
Temos
boas razes para
classificar
Fourier como humanista , po
rm devemos imediatamente lembrarquesua radicalvalorizao
da
cria
tividade humana est ligada vinculao do
ser
humano aos desgnios
de Deus e
Providncia
Divina. Eessa vinculao faz
dele
um
humanista
bastante especial.
Temos tambm
razes
convincentes para
classific-lo como
utpi
co . No entanto, no podemos deixar de registrar o
fato
de
que
ele
definia
a
utopia como o sonho do
bem sem
meio de execuo, sem
mtodo eficaz OC, XI,
p.
356 . Como estava absolutamente seguro
de ter um
mtodo
eficaz
edispor
do meio adequado,
nada
mais natural
que no se considerasse utpico.
A
utopia,
afinal, nasceu
sob o
signo da ambigidade..Na prpria
origem da palavra
se
encontra
um
livro que expressa ao mesmo tempo
inconformismo e impotncia: Utopia de
Thomas
Morus,
denunciava
em
1516
a ociosidade
parasitria
da aristocracia e o culto
burgus
do
dinheiro,
combatia ao
mesmo
tempo
o
feudalismo
ea
lgica embrionria
do que vir ia
a
ser
o
capitalismo,
porm
no conseguia deixar de
repro
duzir, no interior mesmo doprotesto, algumas das caractersticas
mais
repressivas do
quadro institucional vigente
como,
por exemplo, aacei
tao da escravido).
INTRODUO
Na
esteira
do livro de Thomas Morus foram escritas
cidadedo sol
de
Tommaso Campanela,enova tlntida
de
Francis
Bacon,
nas quais
se manifestaa
mesma
ambigidade: por um lado, aprofunda insatisfao l
com asituao
existente,
com aorganizao da
sociedade,
com algumas
das
caractersticas
da
ideologia dominante; por outro, areproduo
de
critrios comprometidos com
a
ideologia contestada
e
com
a
estreiteza dos
horizontes da sociedade
que estava
sendo contestada.
No
perodo
que
se
segue
Revoluo
Francesa e
noqual
se realizam
importantes avanos
na
revoluo industrial,
a
utopia comea
a
se re
vestir
com as cores
do socialismo moderno, sem
perc^rluTcnffadito-
riedade intrnseca. Esse movimento perceptvel
na
Conjurao dos
Iguais ,
de Gracchus Babeuf,
com
sua proposta de
uma
ltima revolu-
o _capaz de impor aigualdade poltica escio-econmcITTper-
ceptvel tambm na trajetria
de
Henri
de
Saint-Simon, que levado a
conclamar
os cidados a uma reorganizao econmica da sociedade
atravs de reformas adequadas
a
promover
o
progresso.
Em Babeuf,agenerosidade do programaigualitrio tinha
como
con
trapartida
um
programa ditatorial
de
confiscos
e
violncia repressiva,
que
deveria
ser posto
em
prtica inexoravelmente por uma liderana5
revolucionria
asctica,
abnegada,
com
caractersticas que poderiam res
valarpara o fanatismo.
Em Saint-Simon,
o
esforo
no
sentido de isolar
os
parasitas da Corte
eda alta
Magistratura,
acpula da
hierarquia
eclesistica eos
grandes
proprietrios
de
terras,
leva oreformador a
misturar
numa mobilizao
conjunta os trabalhadores
eos
empresrios,
as mulheres e os
grandes
comerciantes, oslojistas e
os
banqueiros.
Fourier divergia radicalmente tanto da proposta
de
revoluo poltica
de
Babeufcomo do
programa
reformista
de
Saint-Simon. Contudo,
por
mais
enftico que
tenha
sido
na
expresso de suas divergncias,
o
nosso
caixeiro-filsofo
acabou sendo
posto ao
lado daqueles
que
criticava
com
aspereza:
aos
olhos
da
imensa maioria dos
seus contemporneos
e, mais
ainda, aos olhos das
geraessubseqentes,
ele
foi
visto
como elaborador
de
uma utopia.
Foi
includo entre
os
socialistas
utpicos .
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F O U R IE R O SO I LISMO
DO
PRAZER
Quando
nos
defrontamos
hoje
com
essa designao, somos
levados
a associ-la a algumas dasnossasapreenses mais
vivas.
O conceito de
socialismo
est
sendo rediscutido
luzda
extino
da experincia sovitica, do colapso do marxismo-leninismo , da
crise
dasexperincias empreendidas pelossocialistas aolongodo
sculo
XX.
O
conceito
de utopia tambm estsendoreavaliado soba
presso
dos que temem asconseqncias das
tentativas de
realizao dos sonhos
e a
violncia
daqueles quesedispem a acarretar grandes sacrifcios em
nome daconcretizao de
ideais sublimes.
Alguns crticos sustentam
que
na utopia se
manifesta,
mais doque uma impossibilidade prtica, uma
impossibilidade conceituai
(Berlim,
1991 .
Muitaspessoas se perguntam: os utopistas no tendema se tornar
intolerantes
e
autoritrios em
face daqueles que no
os acompanham
nas tentativas de efetivarem suasquimeras? Ossocialistas no acabam
sobrepondo seu compromisso
com
a sociedade nova ao respeito
aos
princpios democrticos na sociedade atual imperfeita?
Ascondies em que os socialistas atuamhoje so extremamente
delicadas.
Para
ter eficcia, um projeto transformador comprometido
com
a
superao
das
injustias
precisa
levar
emconta
mltiplas
objees,
numerosas dvidas.
Nessas condies,
somos
levados a indagar: o que teria a
teoria
de
Fourier
a nos oferecer, nasbatalhas que
estamos travando,
em
circunstn
ciasmuito distintas daquelasem que elese encontrava h doissculos?
A resposta a essa pergunta
no
nada fcil.Umaleiturahonesta dos
textos deFourierapresentapara nsenormesdificuldades. s
vezes
ele
parece, decididamente, incompreensvel.
Eem
algumas
ocasies oleitor
contemporneo pode
passar
porum trecho
pitoresco
eser
levado
a ter
a impresso equivocada de que o entendeu,sem contudo t-loefetiva
mente digerido, pondo-o em conexo com outras
passagens capazes
de
esclarec lo.
O filsofo hngaro
Georg Lukcs,
em seu
ltimo livro,
ontologi
do ser
soci l
no
volume
dedicado a
Hegel,
advertia
para
o
fato
de que
uma
boa
leitura
do
pensador francs precisaria averiguar
o que est no
fundo dassuas
generalizaes
inslitas . Esugeria:
Uma
anlise
crtica
X i V
INTRODUO
filosfica das categorias
presentes na
concepo econmico social
que
Fourier
tinha do presente seriauma das tarefas
mais importantes
e
mais
atuais da histria da filosofia do sculo
XIX
(Lukcs,
1971).
Talvez
o
desafio
ainda
seja mais
srio do
que
Lukcs
reconheceu:
possvel
que, para chegarmos
a
compreender
o
nosso autor em profun
didade, sejamos
obrigadosadecifrar no
s as
categorias econmico-so-
ciais
que
ele
utilizou,
mas
tambm
o
que
est
por trs
de suas
fantasiosas
categorias cosmolgicas.
Fourier muito
desconcertante.
Sua
obra
tem comportado leituras
diversas, contraditrias.
Muitos crticos recuaram
diante
dela, descarta
ram-na,
preferiram no
coment-la. H
casos em
que aqueles que
en
travamem contato com as idias de Fourier se limitaram a rir delas.
Existem cronistas
que
extraram
das
inslitas concepes matria
para
crnicas bem-humoradas. Opoeta brasileiro Olavo Bilac, numa crnica
de 1907,
falou
de uma rua tranqila
do
Rio de Janeiro queera
lugar
de
reunio de cachorros felizes
de
todos
os
tipos,
e
acrescentou: Aquela
rua era
o
falanstrio dos cachorros. Fourier, se
a
visse
teria a
satisfao
de ver
realizada por cachorros,
a
bela idia que
no
viu
realizada
por
homens. Ali de fato, de
acordo
com adoutrina
fourierista, capital,
tra
balho e talento eram comuns (Bilac, 1996, p.
765).
Alguns
escritores (como Flaubert eRalph
Waldo
Emerson) abomi
naram a
doutrina. Outros
poucos
entusiasmaram-se com ela. Da
niel
Gurin
chegou a
sustentar que
as
bases
da
revoluo
sexual
lanada
por
Fourier so
to
audaciosas
que,
comparados com ele,
Freud
eWi-
Iliclm Reich quase parecem tmidos (Gurin, 1975, p. 13).
Ainda
que
Daniel
Gurin possa
ter
exagerado, sua avaliao d con
ta
da
radicalidade do mpeto inovador de Fourier.
E
curioso que
um
pensador que recusava
firmemente
qualquer idia de revoluo poltica
(como
est claro
na crtica feita
a
Babeuf) chegue
a
ser encarado
na nossa
('poa
comoumadrstica
expresso
de
revolucionarismo.
Como poderamos
situar Fourier
nos quadros
conceituais elaborados
para omapeamento das
posies tericas
da esquerdanasituao
atual?
Podemos,
de
algum
modo, considerar satisfatrias
as
categorias
de
~\
XV
-
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11/49
FOURIER
O SO I LISMO DO PRAZER
que
dispomos
para
formular
um
juzo
global
sobre
a
filosofia
desse
pen
sador?
O
crtico
portugus
Ernesto Sampaio, no prefcio que escreveupara
uma antologia, afirmou: Fourier insuscetvel de reabilitao porque
est fora de todos
os
discursos dominantes do nosso tempo Sampaio,
1996,
p
9).
afirmao deixa prudentemente aberta
a
possibilidade
de
um resgate feito
a partir
de um
discurso
radical
de
oposio no ab
sorvido pelos
critrios
dominantes.
Noentanto, no
podemos
deixar de
formular
para
ns
mesmos uma questo
que vai alm
daquela que foi
abordada pelo crtico portugus: em
que consistiria
o discurso
con-
testador capaz de resgatar Fourier
hoje?
Decididamente, Fourier
nos
escapa. Somos obrigados
a
reconhecer
que no podemos
confiar
inteiramente no
mapa que utilizamos
para
atravessar o territrio doseupensamento
O
presente livro
tenta proporcionar aos
leitores alguns elementos
para um maior contato com o enigma Fourier , sem alimentar a pre
tenso
de decifr-lo .
primeira parte est
dedicada
a
relembrar
algumas
experincias
vi
vidas
que marcam
a
trajetria do filsofo. Na segunda
parte
abordado
omovimentodo seu pensamento.terceira ea quartapartetentam refletir
sobre
oseu legado e
sobre
a
vitalidade que
podevir aterasuacontribuio
para osdebates filosficos dos
socialistas
contemporneos.
De
maneira geral, acabei
aceitando a
caracterizao
do pensador
como
um socialista utpico ,
mas
procurei mostrar
em que consiste
a
espe ifi id de da utopia em Fourier eme empenhei em reconstituir a
origin lid de da sua fundamentao terica deum so i lismo do
pr zer
x v i
Vida
-
7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer
12/49
I FONT S
Informaes
sobre a
vida de
Franois Marie Charles Fourier podem ser
obtidas
principalmente
atravs da leitura de trs livros.
primeiro se intitula
Charles
Fourier
sa
vie
et
ses
thories Seu
amor Charles Pellarin era discpulo
de
Fourierelanou aobra
em 1838
pia Ltbrairie
de 1 cole
socitaire. Cinco
anos depois
em 1843) saiu
mn.i segunda
edio revista
eampliada. um trabalho prejudicado por
ria
ingenuidade
presente na preocupao de sublinhar as
qualidades
lu
mestre,
omitindo
e
suprimindo
fatos
e
circunstncias
que pudessemparecer um
tanto
excessivamente
perturbadores
aos olhos
de um
amplo
publico
leitor.
Apesar disso,
um
texto
pioneiro
e uma
preciosa fonte
Ir informaes.Asegunda
edio
em especial utiliza dados
extrados
kfl cartas trocadas entre Fourier eseu
mais
antigo discpulo, Just
Mui-
on, uma correspondncia
que depois se
perdeu e
no
pode
mais ser
-
7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer
13/49
FOURIER O SOC IAL I SMO DO
PRAZER
of CalifrniaPresse a mais completa biografiadisponveldo escritor
francs. Beecherassumesuaadmiraopor Fourier,masprope, a partir
do exame da trajetria do seu biografado, algumas questes que vo
alm daquelas comqueLehouck j se haviadefrontado.
Nas pginas que se seguemutilizamos dados colhidos nessestrs
livros
2 INFNCIA
E
JUVENTUDE
FranoisMarie Charles Fourier nasceu no dia 7 de abril de 1772, em
Besanon, uma cidade atrasada, que tinha na poca cerca de 35 mil
habitantes. Na regio, a maiorproprietriade terrasera a IgrejaCat
lica.Aolongodo sculoXVIIIBesanonsemantevefechada influncia
do iluminismo e repeliu as inquietaes e inovaestericas trazidas
pelas LuzesdaRazo .Balzac emseu romance lbert Savarusdizque
nenhuma
cidade
ofereceu um a
resistncia mais surda
e
mais muda ao
progresso .
Ospaisde Charles Fourier essefoi, afinal,o nome comque passou
a ser chamado) eram abastados. O pai, de quem herdou o nome, cha
mava-se Charles Fourrier comdois erres ; smaistarde que o filho
suprimiria um erre do sobrenome): era um comerciante prspero,
moravanumcasaro detrsandares na principalrua da cidade. Morreu
em 1781,aos 49 anos de idade.O filho,ento, ficourfo depai antes
de completar dez anos.
Ame, Marie Muguet, vinha de umafamliade comerciantesricos
eeraumasenhoramuito catlica,muito conservadora.AlmdeCharles,
transformado no nico varo da casa a viva tinha quatro filhas as
irms do futuro escritor,que sechamavamMariette, Antoinette, Lubine
e Sophie.
Sabe se pouqussimo da
infncia
de Charles.
Pellarin
relataalguns
episdiosedificantessobreatitudescorajosas tomadaspelo garoto fran
zinoem lutacontra meninosmaiores, valentes, sempredefendendoos
VIDA
mais fracos.
Mais confiveis parecem ser as informaes
proporcionadas
pelo
prprio
Fourier anos mais tarde
quando recorda momentosda
sua
revolta infantil
contra
aqueles que
o
obrigavam
a
comer coisas que ele
abominava como nabo
e
alho por.
Desde cedo Charles manifestou sua repulsa ao comrcio
que
era a
profisso de
seu
pai equal ele estava
destinado
segundo o
testamento
paterno.
Desde
cedo tambm ele
deixou
transparecer
sua desconfiana
em
relao estreiteza do catolicismo adotado
por
sua
me com aqual
entretanto, evitava polemizar).
Para escapar
ao
comrcio pretendeu estudar engenharia na Escola
Militar de
Mzires
mas o ingresso no
lhe
foi autorizado porque se
tratava
de
uma instituio destinada exclusivamente aos descendentes
de nobres. Pensou tambm
em
estudar direito na Universidade
de
Be
sanon mas logo se convenceu de que as disciplinas jurdicas no
lhe
despertavam nenhum interesse.
Acabou
portanto empurrado
para
as atividades comerciais que no
lhe agradavam. Com odinheiro que recebeu da herana do pai tratou
de
fazer
negcios
comprando mercadorias para
revend las.
Suas
operaes mercantis coincidiram contudo com
os
anos agita
dos da
Revoluo
Francesa.
H
indcios de que
Charles
acompanhou
inicialmente com simpatia
a
insurreio
popular
eo
movimento que
ps
fim monarquia.
Logo porm
os conflitos se
generalizaram
aguerra
civil se
espalhou por
todo oterritrio francs eo jovem
comerciante
se
viu envolvido nas aes militares.
Em 1793 aos 21 anos
de idade
estava em Lyon
para receber
um
carregamento de
acar
caf arroz e
algodo que
vinha de Marseille
quando
se
desencadeou na
cidade
uma rebelio contra ogoverno repu
blicano de Paris sob
aliderana
do general
monarquista Prcy. Para
sua
maisviva
irritao
Charles foi
compulsoriamente recrutado pelas tropas
rebeladas
e
suas mercadorias foram confiscadas
e
usadas
nos hospitais.
Poucos meses
depois
os sublevados
foram derrotadosese renderam
de
modo
que
Charles passou aser prisioneiro das
foras
republicanas
vitoriosas. Conseguiu
convencer
seus captores
de
que
era
inocente havia
sido
mobilizado
contra asua vontade porm continuou a ser conside
-
7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer
14/49
>
FOURIER O SOCIALISMO DO
PRAZER
rado suspeito de traio
e foi
posto sobvigilncia, sujeito
a
perquisies
policiais
Acabou sendo
recrutado
novamente
e
mandado para
participar
da
campanha
militar do
exrcito
republicano
na Alemanha, na
regio do
Reno, ondepermaneceu algum tempo,
em
1794-1795, at darbaixa
por
deficincias de
sade
3
GNESE DA TEORIA
Aquela
altura
dos
acontecimentos
no
podia
retomar os negcios que
empreendia por conta prpria, porque estava sem capital: alm
da
perda
das
mercadorias
confiscadas
em
Lyon, tinha perdido outra parte da sua
herana emmercadorias importadas
que
estavam a
bordo de um
navio
que
naufragou
perto do portode Livorno, na
Itlia.
Decidiu ento trabalhar para
um
comerciante, Bousquet, em
con
dies
quelhe
permitiriam,
como
umaespcie de
caixeiro-viajante,
fazer
algodequegostava:
viajar.
Estava
convencido
de
que
aRevoluoFrancesa tinha sido um
equ
voco. Partindo
da
percepo lcida
e
aguda de que era preciso transfor
mar asociedade,
porque
os
seres
humanos
estavam submetidos presso
de
instituies injustificveis, os revolucionrios
haviam metido os
ps
pelas
mos e tinham acabado
por
no mudar coisa
alguma.
Analisando as
relaes
do
escritor
com
aRevoluo Francesa, mile
Lehouck,
no clima
de entusiasmo
esquerdista
de
alguns ativistas
po
lticos
dos anos
sessenta
e
setenta, chegou
asustentar
que
Fourier sim
plesmente ultrapassou
a
Revoluo pela esquerda porque
descobriu
que
oreformismo no
levava
a
nada Lehouck,
1978,
pp. 62
e79). Na
realidade,
ascoisas nosepassaram
exatamente
como
Lehouck
asca
racterizou.
Se,
por
um
lado, Fourier, no
plano
ide l
tinha
exigncias
mais radicais do
que
aquelas
que
predominaram
na
conduo do pro
cesso
revolucionrio, no devemos ignorar que, por outro lado, no pla
no estrit mente poltico
ele
no tinha nenhum programa definido que
VI
DA
opusesse
esquerda
dos
jacobinos ou da Conjurao dos
Iguais lide
rada
por
Gracchus Babeuf
Fourier se
torna
descrente
em
relao
luta
poltica, em geral, tal
como era praticada; e
se
dispe abuscar ocaminho
pelo
qual aimpres
cindvel transformao da sociedade poderia se viabilizar. No final do
sculo XVIII,
ele, de fato, estava empenhado em avaliar as
causas
da
situao
em
que
se
encontrava
a
humanidade,
uma situao que lhe
parecia profundamente deplorvel.
Em 1799,
na poca em que Hegel est formulando em
Frankfurt
a
idia
bsica
da sua dialtica (a busca de uma
razo
que
fosse
a
unio da
unio e
da
desunio ),
Fourier,
sem conhecimento
algum do que
oseu
contemporneo estava fazendo,
faz a descoberta do
princpio
daquilo
que
ele
desenvolveria em
seguida
como asua crtica
civilizao .
Oprprio Fourier narra de maneira pitoresca oincidente
em
que
ele
fez
asua descoberta: num restaurante,
ao
pagar uma conta, ele des
cobriu que ama que havia
sido
comida por seu amigo e eventual
companheiro
de
mesa vinha de
Besanon;
e
que
em Par is e la
custava
mais de cem vezes
o
que valia
na
sua terra de origem. Tal como
para
Newton, uma ma
se
tornou para
mim uma
bssola
capaz
de
orientar
meus clculos
(OC,
X,
p.
17). Essa ma considerada
digna
de
se
tornar famosa . includa entre
as
quatro mas
clebres,
duas
pelos
desastres que
causaram, ade
Ado
ea
de Paris,
e
duas
pelos
servios que
prestaram
cincia,
a de
Newton
ea
minha (OC, X , p. 17). Fourier
afirma que foi a
partir
da
sua
ma que
se
deu conta da
desordem
fundamental do mecanismo industrial e comeou a desenvolver sua
denncia sistemtica dos males inerentes civilizao .
4 PRIMEIRO LIVRO
Como no
tinha
condies para comerciar por conta prpria, passou
a
trabalhar
para
Franois Antoine Bousquet.
Como commis
voyageuf
v j v
muito
e
tinha
a
satisfao de conversar
com
gente
comum ,
-
7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer
15/49
>
F O U R IE R
O
S O C I L IS MO
DO
PR ZER
pessoas que conhecia
por
acaso nas diligncias e nos refeitrios onde
comia. Maistarde escreveria: Setive xitono estudo da atrao,devo
issoemparte ao cuidadocom que observei as pessoas comuns, ao fato
de ter me colocado emlugares de onde podia ouvir as conversasdelas
OC, VIII, p. 189).
Quando no
estava
viajando,comparecia pontualmenteao escrit
rio do seupatro, ajudava-o na contabilidade. E cultivava em
Lyon
um
crculo de amigoscom os quais se divertia e aos quais expunha suas
idias. Os companheiros entre os quais
estavam
Henri Brun,J. B.
Dumas, J.
B.
Gaucel, Louis
Desarbres
e
Aim
Martin ficavam
impres
sionados comas teorias que lhes eram expostas, masno
chegavam
a
aderir a
elas
Em 1803 Fourier comeou a publicar algunsartigos no jornalBul
letin de
yon Pela primeira vez
passou
a exporpor escrito algumas das
suas idias. Afianava que a civilizao noera o destino da humani
dadee simuma formaparticular de organizao da vidaem sociedade,
uma formaque estavaimpedindo os sereshumanos de se relacionarem
de modo harmnico unscom os outros e todos com a
natureza
Insistiu
na tesede que Deusregia o mundo no pelacoero e sim pela lei da
atrao universal . Assim como no cosmo os astros se mantinham em
equilbrioporqueeramatrados unspelosoutros,a sociedade precisava
alcanar seu equilbrio atravs de um sistema a Harmonia no
qualos
indivduos
pudessem liberartodasas suas
paixes,
que natural
mente se equilibrariam umas s outras.
Asteorias provocaram algumasreaesirritadas.Leitoresdo jornal
fizeram
pelaprimeira veza Fourier uma
acusao
queele viriaaenfren
tar muitasvezes: a de que era louco. O escritorrespondeu lembrando
orgulhosamente que Colombo e Galileu tambmhaviam sido conside
rados malucos
Fourierse
gabava
deconhecerbema
geografia
daEuropa,que havia
estudado na escola, mas tambm ao longo de
suas
mltiplas
viagens.
Apoiado em seus conhecimentos geogrficos, tambm seanimava aopi
nar sobrequestesestratgicas afinal, conhecia o exrcitopor dentro).
E,ao dar seus palpites, suscitava
desconfiana
nasautoridades, quesus
V I D
peitavam
sem
razo) queeleestivesse
fazendo
crticas veladas aosdiri
gentes das campanhasnapolenicas.
Ao
que
tudo indicaFourierno
era
adepto
da
poltica
de
Napoleo,
porm
no
se
pode dizer que
fosse
hostil
a
ele.
Em alguns
momentos
dava a
impresso de
que oautoritarismo bonapartista
poderia encami
nhar
transformaes sociais
importantes,
que talvez ajudassem aprepa
rar o terreno para a criao da Harmonia .
Quando Napoleo
foi
derrotado,
em
1814,
Fourier fez uma
tenta
tiva
de entrar em contato
com
ele, atravs de
uma
carta que foi
inter
ceptada. O
conde
Beugnot,
ministro da
Polcia mandou seus agentes
prenderem
e
interrogarem
o
escritor;
depois
de
receber orelatrio, po
rm,
comunicou ao
rei Lus XVIII
quemandara soltar
o
elemento, por
quesetratavade um
visionrio,
ummaluco inofensivo .
Fourier
teve problemas
tanto com
a polcia do imperador na
era
napolenica) quanto
com
apolcia do
rei na
poca da restaurao mo
nrquica).
Em 1807 terminou de escrever
e
em seguida publicou seuprimeiro
livro
intitulado
teori dos qu tro movimentos
pesar dos
esforos
do
autor
e de
seus amigos,
vendeu pouqussimo.
Um
livreiro observou
que
o
ttulo no ajudava,
dava a
impresso de que era
um
livro de ma
temtica.
Beecher
diz
que
o
mais obscuro
e
enigmtico
dos trabalhos
de
Fourier Beecher, 1986,
p. 116). A
crtica foi devastadora:
umrese-
nhador escreveu
que se
tratava
com
certeza de um texto redigido no
hospcio e
outro
pediu uma
imediata interveno
do
Ministrio
da
Sade
Pblica para internar o doente.
5. DA PROVNCIA A PARIS
Fourier, desgostoso, passou
vrios anos
sempublicar
coisa alguma. Com
a
morte de
sua me,
em
1812,
herdou
algum dinheiro
e
deixou
seu
trabalho na firma
de
Bousquet.
Mudou-se para
a regio onde
viviam
duas das suas irms, procurando se reaproximar delas e de suas sobri-
-
7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer
16/49
FOURIER O SOCIALISMO
DO
PR ZER
nhas.De 1816a 1820viveu em casa delas. Foiumperodode intensos
estudos. Escreveu
todo um
livro sobre
as
atraes amorosas
e sexuais
entre as pessoasna Harmonia , procurando determinar em que con
dies seria
possvel
assegurar
umpatamar
razovel
de
satisfao
erti
ca, no
futuro
para
todos
os
indivduos homens
e
mulheres jovens
e
velhos.
Esse
texto O novo mundo
amoroso
permaneceu indito
at 1967,
quando foi finalmente publicado
por
Simone Debout.
Alm
disso
empenhou-se na preparao deumnovo livro queviria
a sairem1822,como ttulodeTratado
associao
domstica agrcola
e que maistarde viria a ser reeditadocom o ttulo de Teoria uni e
universal .
Mas tambmfoi um perodo de conflitoscomsuasobrinha
Hortense, filha da irm Mariette: embora defendesse o amor livre e o
direito dasmulheres
ao
prazer Fourier ficou chocado com
o
fato de que
a solteiraHortense, na ausncia dame passasse asnoitesfora decasa.
Segundo informao dePellarin em 1816 oescritor tinha um
plano
de trabalho que o deveria levar a escrever
nove
volumes que teriam
respectivamente, os
seguintes
temas: 1)a doutrinaabstratada atraoe
das paixes; 2) a sntese da atrao e dos equilbrios; 3) a anlise das
doze
paixes fundamentais
dos
seres humanos e dos 810 carteres
que
eles
podem
ter;4)a sntese domtodo e a
teoria
da transcendncia; 5)
a anlise crtica do
comrcio mentiroso
edaconcorrncia
complicadora;
6) o
exame
da contramarcha das
paixes;
7)a teoriada
analogia
uni
versal
e da cosmogonia aplicada; 8)a teoriaintegral da imortalidade da
alma; e 9) um repertrio e dicionrio.
Nos
anos
quese
seguiram
elaborao desse
plano
Fourier foi
pro
curado porum
funcionrio
pblico que havia
lido
sua
Teoria
dosquatro
movimentos
e
ficara
fascinado:
Just
Muiron
quesetornouseu
primeiro
discpulo.
Como
Muiron era completamente surdo
e
no
conseguia
fa
zer leitura
labial
ou falar
com
clareza o mestre e o discpulo se comu
nicavam
por escrito,
atravs
decartase bilhetes mesmo quandoestavam
frente a frente
O ambiente poltico na Frana estava muito tenso. Amonarquia
restaurada se sentia ameaada. Oassassinato doduque deBerry impor
tante
figura
na
sucesso
dinstica foi seguido poruma ondade repres-
VIDA
so.
O
poeta
Branger foi processado.
Henri
de Saint-Simon que
logo
se tornaria uma celebridade eviria aser considerado um dos expoentes
do socialismo utpico foi acusado como
inspirador do
crime.
A
censura
se
tornou
mais severa
Fourier teve medo de que
o seu
Tratado
da associao domstica
agrcola fosse
proibido. Just
Muiron
levou os
originais para serem sub
metidos a uma censura prvia eo censor
opinou: A leitura
de
to
es
tranhos
paradoxos apresenta tantas
dificuldades que
o
livro no
pode
ser considerado perigoso.
OTratado
ento foi
publicado. Apublicao entretanto
no foi
um
sucesso. Quatro resenhas saram
na
imprensa.
Os
resenhadores no
foram
to hostis como os que haviam comentado o livro publicado an
teriormente
mas assumiram
um
tom
condescendente
irnico
e
inter
pretaram a
obra como uma
espcie
de
stira.
Essa
interpretao no
agradou nemum poucoao autor.
Fourier decidiu se
instalar
em Paris a partir de
1823 para
cuidar
pessoalmente
da divulgao
de suas
idias
ede
seus
escritos em
contato
direto com os livreiros
e
algumas
personalidades
da capital. Redigiu um
folheto
intitulado
Sumrios
e
anncio
do
Tratado
da associao doms
tica-agrcola insistindo na seriedade de seus propsitos
e
reclamando
da
falta
de seriedade dos
jornalistas:
distribuiu-o
a
inmeras pessoas
encaminhando-o atravs de cartas personalizadas.
O
esforo
foi
intil;
a
esmagadora maioria dos destinatrios no respondeu
s
cartas
e
os que
responderam no manifestaram
em geral
interesse pela
obra. Oautor
comunicou melancolicamente ao amigo Muiron que
a
ofensiva propa-
gandstica
resultar
na venda de trs exemplares do Tratado.
6. A FALANGE EXPERIMENTAL
Como seu patrimnio
tinha
ficado reduzido retomou as atividades co
merciais que abominava
mas
podiam assegurar sua subsistncia. Para
sobreviver em
Paris
contou inicialmente com a ajuda de Muiron de
-
7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer
17/49
F O U R I E R O S O C I L IS MO
DO PR ZER
Gaucel e de seu ex-patro (em Lyon) Bousquet. Em 1826 assumiu um
posto na firma norte-americana Curtis cLamb, incumbindo-se da cor
respondnciada filialparisiense,que pormfoi fechadaum ano e pouco
depois pela empresa.
Aproveitavaa execuoda tarefa da redao de cartas comerciais
para escrever tambm cartas pessoais. Escreveua numerosas personali
dades, solicitando-lhesapoio financeiro paraa experincia do falanst-
rio. Encaminhou
apelos,
por exemplo,ao duquede Devonshire,
ingls,
ao milionrio norte-americando Rufus King,ao presidente de Santo Do
mingo,Boyer,vivadelorde Byron,a prncipesrussos,a George Sand,
Chateaubriand e SimnBolvar. No obteve nenhuma resposta.
Levava umavida frugal. Comia em restaurantesbaratos e bebiavi
nho ordinrio (sempre resmungando que estava sendo envenenado).
Tomavauma xcara de cafdepois do jantar e gostava de jogar bilhar.
Permaneceu solteiro. Protegia cuidadosamente sua vida particular, sua
intimidade; contudo, h razespara crerque tevealgumasligaesamo
rosas. Emile Lehouck chega a indicar o nome de uma de suasprovveis
namoradas, Louise Lacombe (Lehouck, 1978, p. 215).
Teve diversos endereos residenciais em Paris, todos prximo ao
Palais-Royal, que o deslumbrou desde a primeira vezem que estevena
cidade, aosvinte anos de idade. Todas as suashabitaes eram modestas.
No ltimo apartamento onde morou (eonde morreu) vivia cercado de
plantas e gatos. Os vizinhos e a porteira do prdio simpatizavam com
ele, porm todos o achavam bizarro. O insuspeito Pellarin, que lhe de
dicava uma admirao imensa, informa que Fourier andava pela rua
falando sozinho (Pellarin, 1843, p. 177).
Escrevia muito, todos os dias. Atendendo a insistentes pedidos de
seusamigos,dedicou-sea preparar um resumo abrg) de suadoutrina.
O resumo se transformou no livro O novo mundo industrial que saiu
em
1829.
Na
realidade,
no
era
um mero
resumo, porque trazia
uma
importante inovaono seupensamento: preocupado coma definio
de um caminho prtico para a transio nova sociedade, Fourier in
veste suas energias intelectuais no planejamento de um falanstrio
(palavra composta de falange e monastrio ), onde se realizaria a
1 2
V I D
experincia daorganizao deum ncleo antecipador
das novas
condi
es de vida. Essa experincia demonstraria aos contemporneos asvan-
tgens do
novo modelo
e,
ao se
multiplicar,
promoveria
a
verdadeira
transformao da sociedade.
Em 1830, para divulgar o novo livro, Fourier lanou um folheto
intitulado Anncio do novo mundo industrial .
Mais
uma
vez sede
frontou com uma reao
desfavorvel.
A revista catlicaUniversel o
estigmatizou
como materialista
e
bufo .
E
na
Revue
Franaise uma
resenha no assinada equiparou-o aSaint-Simon e aRobert Owen, in
sinuando
quea nica
coisa que
o
distinguia
dosoutros
dois
erao
estilo
grotesco em que escrevia.
A resenha
annima
daRevue
Franaise
foi a
que mais aborreceu
o
escritor, que detestouser postonomesmo saco queOwen
e
Saint-Simon.
Fourier
atribuiu a perfdia a
Franois
Guizot, influente historiador e
poltico, que
era
colaborador regular
da
publicao. Sua raiva
foi
to
grande que ele nem chegou a se
alegrar
muito com o primeiro comen
trio
favorvel e bem
fundamentado
sobre o seu trabalho, que saiu no
Mercure
de rance au X me
Sicle, assinado por um novo discpulo:
Victor
Considrant
Aconcorrncia
das
seitas
de
Saint-Simon e
Owen
o
preocupava
cada vezmais. Num primeiro momento
tinha
ficado bem
impressionado
com s iniciativas prticas de wen
n
Inglaterra echegou a
se oferecer
/
para assessor-lo
o
oferecimento
foi
delicadamente recusado).
Depois de algumas conversas com saint-simonianos Saint-Simon ti
nha morrido em 1825),
leu
uns poucos textos publicados
por
eles, com
pareceu a uma assemblia da seita e escreveu o
panfleto Armadilhas
e
charlatanismodas
seitas de Saint-Simon eOwen, publicado em
1831.
Alguns entre
os
saint-simonianos estavam organizados de forma \
coesa
e
centralizada, como
uma
igreja , em torno da liderana de Pros-
per
Enfantin; outros, porm,
preservavam sua
autonomia,
sua
reflexo
crtica. E dois
intelectuais
saint-simonianos
independentes publicaram
artigos nos quais divulgavam com
simpatia
as idias de Fourier: Jules
LechevaliereAbel Transon. O
mestre
no
se entusiasmou,
mas osdisc
pulos
ficaram gratospela ajuda.
-
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18/49
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FOURIER
O SO I LISMO DO PRAZER
7. OS
LTIMOS
ANOS
Pouco a poucoo escritor comeava aatrairummaior nmerode leitores
e admiradores. Diversas mulheres, impressionadas coma dennciados
prejuzos
que a
civilizao
acarretava para o sexo feminino, aproxi
mavam-se do tericoda Harmonia : ClarisseVigoureux,LouiseCour-
voisier, Desire
Veret,
Flora Tristan,
etc.
Tambm
alguns jovens
deou
trospases vierambater suaportae depois
divulgaram
suasconcepes
em
seus respectivos pases
de
origem,
como
Albert Brisbane
Estados
Unidos daAmrica doNorte),HughDohertyInglaterra),
Ludwig
Gall
Alemanha), Giuseppe Bucelatti Itlia) e TeodorDiamant Romnia).
Formou-se um
ncleo
de fourieristas que comeou a editarumse
manrio, intitulado O
Falanstrio.
Fourier encaminhava artigos para a
publicao, mas osseus seguidores noapreciavam suacolaborao.Ten
taram emvoconvenc-lo a se expressar numestilo mais acessvel, mais
simples, maisjornalstico. Pediram-lhe inutilmenteque no insistisse nas
speras crticas que
fazia aos
saint-simonianos.
O
resultado
desse empenho
foi
queo
mestre
se
irritou
com
os
discpulos;
e,
numa
cartaao editorda
Gazette
deFrance
fez questodeesclarecer, emdezembrode 1835: Nun
ca aceiteio termo fourierist Beecher,1986, p. 487).
Para
Fourier,
suas
teorias precisavam passar pelotestede umaapli
cao
prtica
para
finalmente demonstrarem para
todoo
mundo
oacer
to e a seriedade do seupensamento. A experincia da falangeexperi
mental ou falanstrio seria
decisiva.
Em 1832 articulou-seuma tentativa de organizaro primeiro falans
trio.Baudet-Dulary, umdeputadoda regio deSeine et
Oise,
cedeuum
terreno em Cond-sur-Vesgre e se disps a financiar parte das obras
necessrias. O jornallanou umacampanha para arrecadar os recursos
que
faltavam.
No
entanto,
o
empreendimento
passou
asedefrontar
com
dificuldades cada vez maiores. O arquitetoGengembre no gostava da
idiade se fazer ruas-galerias no vastoprdioonde se instalariam os
pioneiros
e
Fourier
insistia
na
defesa
dasua
concepo acabou
achando
queo arquiteto era
um
sabotador).
O dinheiro arrecadado pelo jornal
1 4
VID
foi
insuficientee Baudet-Dulary, depois de gastar mais do que havia
prometido, resolveususpenderseu financiamento.Atentativa fracassou.
Nova tentativa se fez na Romnia. O discpulo Teodor Diamant
conseguiu convencerum certoManolaite Emanuel Balaceanu a financiar
a experincia em terras que lhe pertenciam. No se sabe exatamente o
que aconteceu, mas o empreendimento no deslanchou e Diamant es
creveu a Fourier, em 1836, se queixando amargamente do outro Bee
cher, 1986, p. 483).
Fourierno desistia. Ato fim procurava um patrocinador. Como
disse francamente aMuiron, estava
convencido
dequeum grande pro
tetor era prefervel a cempigmeus . Enquantopde, enviou cartasa
grandes personalidades, homens ricose poderosos, dirigentes polticos
de diversas filiaes partidrias. Tinha
vivido
no
Ancien
Regime naRe
voluo, no Imprio, na Restaurao Monrquica e nos seus ltimos
anosviviasob o governodo rei-cidado Louis-Philippe, entronizado
cm 1830. Achava que nada de essencial havia se modificadoe que a
sociedade s se transformaria, de fato, quando fosse encaminhada a
superao da civilizao , de acordo comas teorias que expunha.
Em 1834entregou-se redao de uma carta aos deputados e aca
bouredigindooutro livro,que foi publicado emseguida: falsa inds
tria. Era um apelo veemente mudana. O escritorMichel Butor, 136
anosmais tarde, o caracterizariacomo amensagem de umagarrafa lan
adaao mar por um nufrago Butor,1970).
Sua sade se tornou extremamente precria. Sentia dores no est
mago, urinava comdificuldade, tinhanuseas. Levou umaqueda,com
suspeita de fratura no crnio.O braodireitoficouparalisado.Os ami
gos,
preocupados,erammantidosa certadistncia: insistiaem
passar
as
noites sozinho.
Namanhde 10de outubro de1837,aporteirao encontroumorto,
inteiramentevestidocomroupa de domingo,de joelhos, debruadoso
br e a
cama.
1 5
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20/49
1. PENSAMENTO E LINGUAGEM
O pensamento de Fourier no uma construo terica de fcil acesso.
Mesmo em
seus
aspectos aparentemente
mais
simples,
ele
de fato,
muitomaiscomplexo do que parece.
Sua
coerncia mais profunda no
ostensiva e
pode
escapar
ava
liao
rpida de um
leitor
menos
cuidadoso. H
momentos
em
que
Fou
rier se
compraz
em
misturar intuies fulgurantes com longas digresses
argumentativas. Ou se diverte empr lado a lado vises entusisticas
c cansativas demonstraes lgico-cientficas, cheias de clculos.
Aleitura dostextos de
Fourier
, com
freqncia,
irritante. Eeles
vezes d
a
impresso de
no
estar nem um pouco preocupado em
ser
coerente. No entanto, um exame mais atentodas relaes entre os di
versos textos mostra que as idias expostas em distintos contextos se
encaixam
umas nas
outras
e
mantm
uma
perfeita coerncia
com o
peculiar modo depensar donosso
bizarro terico,
que
Henri Lefebvre
caracterizou como
semilouco Lefebvre,
1975,p. 5 .
Uma
das
caractersticas que
o
leitor
mais
atento no pode perder
de
vista
ada importncia dalinguagem naobra de
Fourier.
RolandBarthes
|
chamou a
ateno para isso
Barthes,
1971).
A
maneira
pela
qual
ele
expressa
est
sempre
fortemente
ligada
quilo
que elequer
dizer. Para
entendermos
efetivamente o
que
est sendo
dito
precisamos
observar
nto
l o est izen o
m determinados trechos
deseusescritos
podemos perceber que
ele
as vezes
ch to por
convico.
Recusa-se a
pavimentar
com recursos
retricos agradveis o caminho pelo qual insiste em ver
seus
leitores
1 9
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7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer
21/49
FOURIER O SOCIALISMO DO
PR ZER
avanaremcom esprito honesto e predispostosa compreender a pro
fundidade dos problemas que nos cercam. \
Para sublinhar a
novidade do que est
revelando
ao
leitor,
permite-
]
se eventualmente bombarde-locom neologismos, comose o advertisse
deques
assimilando
a nova terminologia Fourier um criadorde ;
linguagem , lembra Barthes) lhe ser possvel digerir o carooda nova
teoria
Maso curioso queo mesmoescritorque seempenhaemespicaar
o leitor com a chatice de seus esquemas minuciosos, suas insistentes
explicaes cientficas e seusneologismos umescritor que tambm
mantm umarelao ldica, prazerosa, divertida comas
palavras^
H uma carta de Fourier que s veioa ser publicada recentemente
e que umaexpressoeloqente de como elebrinca comas palavras.
Aproveitando uma caracterstica da lngua francesa, o fato de que em
francs a palavra escrita s vezes se distancia muitodo somda palavra
falada, o filsofo redigiu umacarta,aparentemente dirigida a umaso
brinha
Laura),
aceitandoumconvite parajantarnodiaseguinte. Acarta
est datada de sbado, 24 de agosto de 1827 (em francs:
Samedi, 24
aot,dix-huit centvingt-sept).
Sque o signatrio escreveu:
amedit
24, ah ou dix-huit tes envintcette(Issomediz24, ah ou ento dezoito
te veio esta).
Acarta est toda redigidadesse modo.Emlugar de domingoento
teremos a alegria de te abraar (em francs:dimanche
on auradoncIa
joiedefembrasser), o quesel: Dix
manchons
nosrats dont Vage oie
deux temps bras
serre
dez
regalos nossos ratoscujaidadegansa dois
tempos brao
aperta).
Mais adiante aparece a referncia a uma tiaque
insiste
emestofarela
mesma
suas
cadeiras
em
francs:
tousses
fauteuils
sont
tapisss
par
elle-mme); e isso vira toussait
faute oeil
sont
pisser
pas,
raie lem aime (tossia, faltaolho, nosoparaserem mijados, eli
mina
o me ama ).
SimoneDebout, impressionada comesta carta, chegou a lhe dedicar
todo umlivro,na convico de que setrata deumabrincadeira significa
tiva, desmistificadora: Aspalavras diferentes quese precipitam a partir
dasmesmasfazemsurgiro quea conscincia e amoralreprovam, o
avesso
PENS MENTO
assustador
dos
grandes sentimentos
e dos
pensamentos
nobres. Ebem
esse
oobjetivo que
se
pretendia alcanar (Debout, 1974, p. 33).
De acordo com
Simone
Debout, ofilsofo se comprazia em esboar
brincalhonamente ambigidades que no cabiam nos esquemas inter-
pretativos
usuais dos civilizados . E, na linha de
Fourier,
a ensasta
sublinha
a
ambivalncia
do
som
da
palavra esboar
em francs:
griffon
ner
(que
soa
como
griffe au nez agarra no
nariz...).
2.A
ATRAO PASSIONAL
Mas oponto de
partida
de Fourierno propriamente uma filosofia da
linguagem: uma
intuio ontolgica
que o
convence de que tudo no
universo
est ligado atudo. Todas as_coisas esto postas
numa
relao
de interdependncia. O
que
se
passa amsro,
srTrmmnos, tem aver
com o que sepassa
com
a natureza emgeral eatmesmo
com
osastros
no cu.
As
vicissitudes do
ser
humano afetam oequilbrio do cosmo.
A
fora
que
move
o
universo
e
garante
o
equilbrio
ea
magnfica
sincronizao nos
movimentos de todos os
seres oque
Fourier
chama
de atraopassional.
OTmplso amoroso que leva
os
seres vivos a
se
sentirem atrados
uns pelos outros omesmo
impulso
que Isaac Newton
descreveu na
fsica,
na
forma da
atrao
gravitacional. Faltou aNewton, entretanto,
disposio para examin-lo tal como ele age
tanto no
cosmo
como na
vida
social.
Foi
com base
nesse
impulso
que
Deus
organizou
omundo.
S
que,
enquanto
os
astros obedecem
aos desgnios de Deus,
os
seres
humanos
aqui naTerra, se afastaram dos caminhos que
lhes
convinham eque lhes
estavam
indicados
pela
infinita bondade
divina.
A
civilizao ,
com sua
peculiar mistura
de
lgica egosta eirracionalidade, criou condies ins
titucionais que
acarretam
graves prejuzos expresso da
atrao
uni
versal.
A
atrao devia serreconhecida
como oimpulsonatural anterior
reflexo , que
persiste apesar
da oposio da
razo
(OC, VI, p.
57).
2
-
7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer
22/49
FOURIER O SOCIALISMO DO PRAZER
O grande desafio que Fourier prope humanidade ode superar
essa situao.
A
sociedade precisa
ser
transformada para
que
os
homens
venhama ser felizes, atendendo demanda de seus sentimentosmais
naturais . 5^
SimoneDebout enfatizaa originalidade da fundamentao terica
dessa proposta
de
ao transformadora: Fourier une a
teoria
do
senti
mento teoria das transformaes sociais (Debout, 1978,p. 171 .
Como
intuio
ontolgica,
a
atrao
passional
precisava ser
escla
recida, trabalhada pela reflexo,
eFourier
tinha clara
conscincia disso.
Ao
mesmo tempo,
contudo, o filsofo insistia, ao
longo
da
elaborao
da sua obra, na sua
convico
de
que a. v.erdade
daatrao
passional
no estava sujeita
aprovao
por
parte dos idelogos , quer dizer,
dos intelectuais civilizados pernsticos, sofistas , que
agiam
aseuver
como prepotentes profissionais da argumentao.
Fourier no
admitia
quelheviessem impor padres
sancionados
em
orne da cincia , critrios preestabelecidos doquedevia serconside-
ido certo ou errado .Seospretensos sbios noentendiam a im
portncia daatrao
passional,
pior
para eles;
isso
seria
um sinal de
que
haviamadotado idiasacumpliciadas coma represso e no conseguiam
se assumir comosujeitos desejantes. O autor da
Teoria
dos quatro
mo
vimentos, ento, era
perfeitamente coerente
ao entender que
seria
ab
surdo abrir mo de sua
condio
de sujeito desejante assumido, cons
ciente do poder da atrao passional que sentiaestar presenteem sua
prpria
pessoa,
para se impor o
respeito
descabido lgica
de criaturas
cujo horizonte estava comprometido com
a
cegueira
da
civilizao .
emtorno desse caroo ,
dessa
intuio ontolgica, que o pensa
mento
de
Fourier se organiza. Ele
no se desenvolve a
partir
de
uma
construo doutrinria predefinida, mas
em
funo da
recusa radical
da
civilizao e da confiana naatrao passional.
Procuremos lembrar aqui alguns dos
marcos
domovimento dopen
samento
de Fourier.
P N S M NTO
3. A
CIVILIZAO
E
AS
MULHERES
Acivilizao teve, em seus primeiros tempos,
certa
eficincia naintro
duo
de
novas
tcnicas
e novos
procedimentos organizativos na eco
nomia,
contribuindo
parao
aumento
da
produo
de bens
materiais.
Desde
o
comeo, porm,
esses
avanos foram acompanhados
de
efeitos
colateraisbastante negativos.
Os
civilizados eram
incitados
a
buscar
o
enriquecimento
a
qualquer
preo
e
isso acabava
por
lan-los
numa
competio
desenfreada
uns
contra
os
outros,
tornando-os cnicos,
egostas,
calculistas, desprovidos
de
sentimentos comunitrios.
As
diferenas
naturais
e
fecundas entre
indivduos e grupos acabaram se transformando emmonstruosas desi
gualdades. sleis
e
as instituies passaram
a
ser elementos de legitima
o
da opresso
e
dos privilgios.
A
ordem social
passou a servir para
assegurar condies
nas quais uma parte dos
seres
humanos
podia
satis
fazer
seus desejos em detrimento
dos mais
pobres
e dos mais fracos:
Essa
situao
vem
gerando tenses internas
cada vez mais
graves
no
interiordassociedades. Numtextode 1806,intitulado O descaminho
da razo
Ugarement de
raison ,
Fourieradvertianum tom sinistro
os
detentores
do
poder
eda
riqueza, dizendo-lhes
queos
tronos
estavam
assentados
sobre
barris
deplvora,exploses revolucionrias sedelinea
vam nohorizonte; e acrescentava: Quando
pensardes
nessas verdades
terrveis, soberanos e proprietrios, estremecei (OC,
XII,
p. 670).
.
Nas
condies criadas
e
mantidas pelo
regime
civilizado, as desi
gualdades sociais se acentuavam e as liberdades se tornavam ilusrias.
Seno geral, aliberdade ilusria (OC,
III, p.
162).
Os privilegiados,
oprimindoos pobres,impediam-nos de seremefetivamentelivres. Fou
rier
denunciava:
Toda a classe
pobre
est
inteiramente
privada da li
berdade poltica ou
social,
reduzida a submeter-se a trabalhos
assalaria
dos
que
aprisionam tanto
a
alma como
o
corpo.
Um
subalterno que
tivesse
opinies contrrias
sdo
seu chefe
seria demitido, perderia
o
emprego. Ele no tem, portanto, liberdade social ativa, notem
direito
de opinio, nem mesmo nos limites do senso comum (OC, III,
p.
158).
Acivilizao est cada
vez mais
dominada pelo esprito
mesquinho
-
7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer
23/49
F O U R IE R
O S O C I L IS MO DO PRAZER
dos comerciantes. Com a idia fixa de obterem lucro a qualquer custo,
oscomerciantessetornaramriqussimoseextremamentepoderosos, em
certoscasosmais poderososque algunsreis.Fourierimprecava: O co
merciante um corsrio industrial OC, III, p. 217). E explicava:
Hoje,
os
comerciantes
so
livres,
mas o
corpo social
no livre nas
relaes com eles, pois somos forados
a fazer
compras,
no
podemos
deixar de adquiriralimentos e roupas. Com
isso,
ficamos nasmosdos
vendedores, entregues velhacariadeles OC, III, p. 195).
^~ Astransformaesocorridas nacivilizao ao longo dosculo
XVIII
foramcontraditrias. Porum lado, houve
alguns
avanos tecnolgicos
dignos de nota; por outro,contudo, o fortalecimento do esprito mer
cantil
agravou
os
males
do regime civilizado. Ele
passou
a dar claros
sinais
deque
estava durando muito
mais do que
seria razovel
quedu
rasse. Com o prolongamento antinatural de sua existncia, o sistema
vinhaacarretando conseqncias especialmente deletriaspara a massa
dostrabalhadores e paraametade feminina da humanidade.
Defato, a civilizao impunhaaos trabalhadores condies inspi
tasde trabalho,jornadaspenosas e cansativas, atividades mecnicas nada
criativas; paralelamente, consagravao casamentomonogmico,manti
nha formasrudes de coerona organizaoda vidafamiliare impunha
smulheresuma situaoinsuportvel.
Na civilizao,afirmava Fourier,a mulher pressionada para esco
lher entre a prostituiomais oumenosevidente ou disfarada e a es
cravido
conjugai
OC,
I,p. 150).A Revoluo
Francesa
teria dado
uma prova eloqente
dasua inpcia ao
recuar diante
dodesafio de
abolir
o
casamento
monogmico, umainstituio queparecia ter sido inven
tada parapremiaros
perversos.
Quanto mais um
homem
astucioso e
sedutor, mais fcil paraele
alcanar
pormeio do
casamento
a fortuna
e a respeitabilidade
OC, V
p.
99
O
resultado
da
preservao
dessa
instituio era
previsvel:
o
amor,
para
subsistir,
era
obrigado
a neg-la,
tornando-se subversivo. No tendo outro caminho para satisfazer-se,
o amor setorna um conspirador permanente,que trabalha demaneira
infatigvel
na desorganizao da sociedade, desrespeitando todosos li
mites colocados pela legislao OC, V, p. 211).
P E N S M E N T O
O
casamento
monogmico, tal comoest institudo pelacivilizao,
contrrio
natureza;
por
isso quase
que
inevitavelmente acompa
nhado pela traio. Uma incansvel campanha
contra
o casamento leva
Fourier a
se
interessar pela figura do marido trado eo
filsofo
chega a
elaborar uma lista
contendo
76 espcies diferentes de cornos. Entre os
tipos de corno se destacam:
o
corno putativo que sofre as dores do uso
dos chifres antes mesmode receb-los),ocorno marcial que toma drs
ticas
medidas militares
dentro de casa
para evitar que acontea o que
afinal acaba
acontecendo),
o
corno sarcstico que
ridiculariza
os outros
cornos
sem se
dar
conta
de
sua
prpria situao), o corno resignado, o
corno
viajante,
o
corno
excessivamente absorvido pelos negcios,
o
cor
no de sade frgil, o
corno politicamente
hbil que faz aliana com
um
dos
amantes
da sua
mulher para combater
os outros),
o
corno tutelado
que obedece
a todas as ordens da
esposa),
ocorno mimado que
aceita
tudo,
desde que o papariquem), o corno cnico, o
corno
perplexo, o
corno fraternal,
o
corno inconformado
que
vive
provocando
escndalos,
etc. OC,XI,
vol.
3,pp.249 a 272).
Aviso satrica dos maridos trados fazia parte de
uma
estratgia
de
apoio
s
esposas que
traam.
Em
sua
eori
dos
qu tro
movimentos
o
filsofo se solidarizava resolutamente com asmulheres e com a rebeldia
delas, explicando
que era graas persistncia
com que
infringiam
as
regras que lhes eram
impostas
que as
mulheres
proporcionavam alguma
alegria aos homens e a
elas
mesmas. A
recusa
fidelidade
obrigatria
abria
caminho
para
os prazeres do
adultrio, partilhados
pelas esposas
e por seusamantes. A felicidade do sexo masculino se estabelecena
proporo da
resistncia das
mulheres
aos
preceitos da
fidelidade con-
jugai OC,I,p.l38).
Trata-se de uma
rebelio
plenamente
justificada, j
que sobre
as
costas
das
mulheres que pesa a civilizao,
com
toda a sua carga
inuma
na. Oscivilizados julgam as
mulheres
com base
em
seus
costumes atuais,
com base na
dissimulao que
inculcada nelas, quando
lhes
recusada
toda e qualquer
liberdade; eles acreditam
que essa
duplicidade
um
atributo
natural e
invarivel
do
sexo feminino OC,
I,p. 90).
Toda a
educao nas
sociedades civilizadas tem
se
empenhado
em
5
-
7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer
24/49
FOURIER O SOCIALISMO
PRAZER
inculcarnas mulheres um esprito de docilidade e de obedincia. E a
resistncia oferecidapor elasquemostra o nveldas liberdades efetiva
mente alcanadas em cada povo.
Fourier chegamesmo a sustentar que a posio das mulheres o
melhor
indicadordo
nvel
de
cultura
e deprogresso
social
autnticoem
cadasociedade: O progresso social e asmudanas de perodos histri
cos acontecem na proporo em que se realiza o avano das mulheres
em direo liberdade; e o declnio social ocorre como um resultado
da diminuio da liberdade das mulheres OC, I,p. 132).
Trinta e seis anosmais tarde,emseu
Manuscritos econmico filos
ficos de 1844 Marx retomaria essa idia de Fourier, escrevendo: A \
relao imediata, natural, necessriado ser humano com o ser humano
a relao entre homem e mulher. E acrescentando: Com base nessa
relao
pode-se portanto
julgar
todoo nvel de cultura
alcanado
pelo
serhumano terceiromanuscrito, Propriedadeprivadae trabalho ).
O tom
com que
Fourier defende a liberdade das mulheres franca
mente
polmico. Aliberdade amorosa desenvolve preciosas qualidades
nas classes que dela mais desfrutam: as senhoras da alta sociedade, as
cortess
debom-tom eas
pequeno-burguesas solteiras.
entre
essas
trs
espcies de mulheres que podemser percebidos os desenvolvimentos
mais felizes. Reunidas,
as
qualidades delas
constituiriam a perfeio
OC, I, p. 135).
As primeiras
so
finas,
galantes,
agem com segurana,
distinguem-se
das
burguesas vulgares
e
mesquinhas. As segundas
so
cordiais, generosas, simpticas, esto familiarizadas como prazer, so
compreensivas. Eas terceiras socriaturasurbanas
livres,
que,recorren
do imprescindvel dissimulao, podemdesfrutar dasaventuras veda
das smoas de boa famlia .
Essa posiosemantmaolongode todaa suaobra. Fourieradverte
que uma moa inexperiente, virgem, no tem perspiccia suficiente
paraperceber as
hipocrisias
de seus pretendentes, a delicadeza
postia
deles OC, VI, p. 274), demodoque searrisca a fazer ummau casa
me n t o
As moas,
ento,
devem
adquirirexperincia na vida
amorosa,
po
rm
devem
serprudentes; enquanto nose organizar a nova
sociedade,
PENSAMENTO
oque
elas
tm a
fazer
cuidar
de se
preservar, servindo-se, quando for
ocaso, de
artifcios
ementiras: evidente que
as
mulheres, oprimidas,
perseguidas em todos os
sentidos,
no tm outra
sada
senoa
falsidade;
ea culpa
disso cabe
inteiramente aos seus perseguidores e civilizao
OC, VII,p. 438).
4. PERIODIZAO
DO MOVIMENTO SOCIAL
Fourier desenvolveu
uma classificao
esquemtica dos perodos percor
ridos
pela
humanidade
em sua
evoluo
social. Para
ele,
os seres huma
nos
passaram pelos perodos
1)
ednico ou
primitivo), 2)
selvagem
ou
de inrcia),
3) patriarcal
ou de
pequena
indstria),
4) brbaro
ou
de mdia indstria) echegaram fase da 5) civilizao ou de grande
indstria).
Oque
dever
vir aps o55
perodo?
Aos olhos do pensador, a
supe
rao da civilizao apresentava
inegveis
dificuldades.
Segundo ele,
numa
primeira etapa
viria
a
transio:
ainda
sob
o
peso das
instituies
civiliza
das, os seres humanos precisariam
conquistar
alguns
direitos, algumas
ga
rantias protetoras, que
poderiam conter
e limitar osexcessos de
destruti-
vidade
da
civilizao.
Essa seria aetapa do garantismo o
62
perodo),
no qual dever ser encaminhada
a
experincia do falanstrio.
O
falanstrio assumiu
no pensamento
de Fourier
uma
importncia
crescente, na
medida
emqueele enfrentava as
dificuldades
deumasu
perao da
civilizao
sem
admitir a
hiptese de mudanas
provocadas
revolucionariamente.
Excluda a
via da
revoluo,
era
preciso
recorrer
via do exemplo: uma experinciabcm-sucedida numa pequena comu
nidade poderia demonstrar
aos homens na prtica como
eles poderiam
viver bem
melhor
em
outro
sistema
que no
o
civilizado.
?,anstrio ~9ue ser abordado em outro captulo, mais adiante
abriria
caminho
para
acriao
do regime societrio , permitiria
o
incio do 75
perodo,
odo sociantismo , operodo
da associao
sim-
7
-
7/25/2019 Fourier, o Socialismo Do Prazer
25/49
F O U R IE R O S O C I L IS MO
PR ZER
pies . E o perodo, ento, seria o da Harmonia ou associao
composta .
Ao todo, a humanidade, em sua trajetria social, atravessaria
perodos,que seestenderiam ao longode oitenta milanos, no finaldos
quaisse extinguiriaa vidahumana,animale vegetal, e a Terradeixaria
de
realizar
seu
movimento
derotao. Na
Teoria
dosquatro movimentos
h umcurioso quadro do cursodo movimento social que explicita a
previso
deumlongoperodo
ascensional
inauguradopelaHarmonia
e o annciode dois longosperodosde declnio ,antes do fim.
Fourier, contudo, recusava-se a falar sobre os perodosque viriam
aps a Harmonia , alegando que seus contemporneos no o com
preenderiam. Preferia, de fato, concentrar-se na
crtica
implacvel ci
vilizao.
Comojfoidito,emsua
anlise,
a
civilizao
era
reconhecida
como
umaorganizao quepodiaproporcionar
avanos
tcnicos eprosperidade
econmica. Impunha-se,porm, a ressalva: ela jamaisconseguiria tornar
o trabalhoemgeraluma atividade agradvel; e jamais poderia assegurar
bem-estar
paratodos.
Se
opovo
civilizado desfrutasse
deummnimo de
conforto e fartura, de alimentao e manutenogarantidas, elese entre
garia
ociosidade,
porque a indstria
civilizada
muito
repugnante.
preciso,portanto, queo trabalho,noregimesocietrio,setorne toatraen
te comoo so hojeas
festas
e osespetculos OC,VI,p. 13).
Alm da vantagem de tornar-se prazeroso, o trabalho, no regime
societrio, superaria amplamente a produtividade do trabalho civiliza
do: pouparia energia e obteria resultados muito melhores. Uma cozinha
societria, por exemplo, economizaria9/10 de combustvele 19/20 da
mo-de-obra utilizada nas
cozinhas
civilizadas. E a produoindustrial
seria rapidamente quadruplicada.
Porque, ento, as pessoasseaferrams instituies civilizadas e no
se
dispem
a aproveitaras possibilidades oferecidas pela superao da
malfadada civilizao?
Fourierexplica: Existe umavenda,umacatarata dasmais
espessas,
quecegao espritohumano. Essacataratase compe de500 milvolumes
que discursam contraaspaixes e contraaatrao,emvezde estud-las
P E N S M E N T O
OC,
VI, p.
27).
Em outro
texto,
ele fala de
600
mil volumes OC, II,
p.
xv). O
nmero, afinal, no tem
importncia. Oque importa que os
civilizados cultos esto imbudos
de
uma doutrina chamada mor