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  • Campinas, 29 de agosto a 4 de setembro de 20116 Campinas, 29 de agosto a 4 de setembro de 2011 7

    Fotos:Antoninho Perri

    Foto: Joel Silva/Folhapress

    Benedict Anderson e as fronteiras (e anomalias) do nacionalismo

    SLVIO [email protected]

    Se estivesse vivo, o historiador e cientista poltico britnico Geor-ge Hugh Nicholas Seton-Watson (1916-1984) herdeiro de uma vasta tradio liberal de historio-grafi a e cincias sociais e autor do melhor e mais abrangente texto em lngua inglesa sobre nacionalismo at 1983 no teria observado, com pesar: Assim sou levado a concluir que no possvel elaborar nenhuma definio cientfica de nao; mas o fenmeno existiu e continua a existir.

    que um ano antes da morte de Watson, em 1983, o tambm historiador e cientista poltico Bene-dict Anderson publicaria a bblia da rea, trazendo no s as defi nies e an-lises de nao, nacionali-dade e nacionalismo, mas rompendo com as teorias at ento consagradas de nomes como Eric Hobsba-wm, Ernest Gellner e Elie Kedourie.

    Na introduo de Co-munidades Imaginadas: refl exes sobre a origem e a difuso do nacionalismo (Companhia das Letras), Anderson usa a observao de Hugh Seton-Watson para justifi car a publicao da obra. Este livro, escre-veu, pretende oferecer a ttulo de ensaio, algumas ideias para uma interpreta-o mais satisfatria da anomalia do naciona-lismo. A justifi cativa revelou-se desnecessria. Quase 30 anos depois, o clssico j teria sido traduzido para cerca de 30 idiomas, e as teorias e anlises nele contidas tornariam Anderson um dos mais infl uentes pensadores contemporneos da rea de humanidades.

    A formulao de Anderson para o conceito de nao se apoia sobre as expresses, por vezes paradoxais, de comunidade imaginada, limita-da e, ao mesmo tempo, soberana. Imaginada porque mesmo os membros da mais minscula das naes jamais conhecero, encontraro ou sequer ouviro falar da maioria dos seus com-panheiros, embora todos tenham em mente a imagem viva da comunho entre eles (). Li-mitada porque mesmo a maior delas () possui fronteiras fi nitas, ainda que elsticas, para alm das quais existem outras naes (). Soberana porque o conceito nasceu na poca em que o Iluminismo e a Revoluo estavam destruindo a legitimidade do reino dinstico hierrquico de ordem divina. Amadurecendo numa fase da histria huma-na em que mes-mo os adeptos mais fervorosos de qualquer re-ligio universal se defrontavam inevitavelmente com o pluralis-mo vivo dessas religies e com o alomorfi smo entre as pretenses ontolgicas e a extenso territorial de cada credo, as naes sonham em ser livres (). A garantia e o em-blema dessa liberdade o Estado Soberano, expe o intelectual na introduo da obra.

    O pensador e professor emrito da Univer-sidade de Cornell (EUA) esteve nos dias 18 e 19 de agosto na Unicamp, em sua primeira visita ao Estado de So Paulo. No Instituto de Filosofi a e Cincias Humanas (IFCH), Ander-son ministrou a conferncia Why we think that nation is good e conversou com alunos de ps-graduao que trabalham com pesquisas relacionadas s suas obras.

    A visita de Anderson foi organizada pela professora Eliane Moura da Silva, do Progra-ma de Ps-Graduao em Histria e Cincias Sociais da Unicamp (leia anlise na pgina ao lado). A docente ressaltou a importncia da pas-sagem do intelectual pela Universidade: Ele um dos principais pensadores contemporneos sobre temas relacionados antropologia, his-tria e lingustica. muito grande a infl uncia no Brasil de suas obras, sobretudo de Comuni-dades Imaginadas. Os cursos de graduao da Unicamp em histria e antropologia utilizam h muitos anos a obra de Anderson em suas referncias bibliogrficas. Seu pensamento tem uma infl uncia enorme nos estudos latino-americanos, salientou.

    Na entrevista que segue, Anderson fala sobre os temas abordados nas conferncias no IFCH, analisa as manifestaes nacionalistas

    no contexto de globalizao e discorre sobre os movimentos da Primavera rabe.

    Jornal da Unicamp - Gostaria que o sr. falasse sobre o tema de sua conferncia pro-ferida na Unicamp.

    Benedict Anderson - O que se espera de todos ns que, s vezes, reconheamos que nossa nao no boa. Em minha experincia, ns sempre perdoamos nossa nao. A famosa expresso certo ou errado, meu pas, signifi ca que mesmo que meu pas esteja errado, ele ainda meu pas. bem diferente da ideia de religio. No haver esta expresso: Minha

    religio, certa ou errada, pois uma religio errada impossvel...

    Falei tambm sobre algo que no muito dis-cutido em termos polticos, que a vergonha. Trata-se de um sentimento muito interessante. Todos pro-vavelmente a experimen-taram quando eram mais novos: foram levados por sua me para algum lugar, e ela fala de uma maneira que no te deixa confor-tvel e voc pensa: Por favor, pare. Voc quer enfiar a cabea na terra, mesmo que ela seja uma boa me...

    esse sentimento, o por favor, me, de novo no, que a vergonha. Se ela no fosse sua me, voc s acharia que ela estava falando muito alto, mas porque ela sua me, voc sente vergonha. Esse sentimento muito inte-

    ressante. Ele liga a ideia da nao emoo, e podemos encontr-lo em vrias situaes.

    JU O sr. poderia exemplifi car?Anderson Eu acabei de ir a Fortaleza,

    onde visitei um museu militar pequeno, de apenas duas salas, com fotos dos militares da Guerra do Paraguai. claro que o museu tem referncias sobre os grandes heris que derro-taram o Paraguai. Mais tarde eu estava conver-sando com o guia do museu e ele me disse: to vergonhoso, muito vergonhoso; ns quase cometemos um genocdio. Oitenta por cento dos homens do Paraguai foram massacrados, e eu me sinto envergonhado sempre que penso sobre isso. Ele no se sente culpado, no acha que a culpa dele. Mas o pas que ele ama o faz se sentir envergonhado.

    Na Guerra do Vietn muitos americanos pensaram: Isso uma vergonha para nosso pas, queremos am-lo e vejam o que nosso

    governo est-pido est fazen-do. E assim por diante.

    Eu tento en-contrar as di-ferentes razes que levam as pessoas a acre-ditar na bonda-de de seu pas. E a vergonha importantssima nisso. H mui-tas dimenses nisso, mas a que temos que

    comear. algo que voc no encontra em jornais e revistas com frequncia.

    JU O livro Comunidades Imaginadas j foi traduzido para cerca de 30 idio-mas. Que contribuies o sr. acredita ter dado com os conceitos contidos na obra?Anderson O escritor nunca um bom juiz para esse tipo de coisa. Mas h, agora, obras sobre a histria das ideias, sobre nacionalis-mo, e meu livro visto como uma transio na maneira como esses livros eram escritos. At aquele momento, nos anos 80, as pessoas escreviam sobre nacionalismo muito bem no que se referia aos movimentos nacionalistas: como eles comeavam, como agiam e quem os apoiava. E esses livros so escritos basicamente de um ponto de vista esquerdista e com um vis materialista. Eu promovi, digamos, uma mudana de interpretao. Este livro est na fronteira: basicamente materialista, mas um pouco desconstrutivista.

    Eu creio que a razo para que seja um sucesso por tanto tempo so quase trinta anos, no? que ele liga as duas coisas: em primeiro lugar, os que estudam o pensamento sem se preocupar com as bases materiais e os materialistas. O segundo ponto que a maioria dos livros sobre nacionalismo at aquela poca versava sobre a Europa. Este foi o primeiro tex-to terico que fez um esforo real para estudar o nacionalismo fora da Europa, nas Amricas e tambm na sia. Isso o torna mais atrativo

    para professores fora da Europa, d um lugar na ordem das coisas.

    JU Em que medida a globaliza-o tem infl uncia nas manifestaes nacionalistas?

    Anderson - Eu no tenho certeza que exista infl uncia uma questo de como voc compreende a globalizao. Os EUA, por exemplo, esto fazendo tudo o que podem para bloquear o livre comrcio com a China. Eles no querem deixar os chineses investirem l, eles impem todo tipo de tarifa sobre comida e outras coisas.

    Na Europa, tam-bm: Portugal con-tra Alemanha, Frana contra os britnicos e assim por diante. Voc pode notar em momentos de crise que a autopreservao da nao muito forte. No iria me surpre-ender se o euro casse eventualmente.

    Voc pode ver a mesma coisa na Pri-mavera rabe. mui-to visvel que a ret-rica e as imagens so de protestos nacionais. Como numa imagem que eu vi de uma mul-tido na Sria prestes a ser atacada: trs ou quatro blocos de pes-soas esto segurando bandeiras da Sria. Voc ouve os egpcios dizerem: ns estamos envergonhados. Ns so os egpcios. No so os muulmanos ou os rabes como um todo. E isso muda de lugar para lugar e pode parecer surpreendente para algumas pessoas, pois muitos acreditam que o que existe para os muulmanos o Isl, mas esse no o caso.

    Outra coisa que eu penso que as pessoas esquecem que, apesar da internet oferecer possibilidades, a maioria da comunicao que acontece nela ocorre entre pessoas que falam a mesma lngua, e normalmente esto no mesmo pas. Apesar de as pessoas poderem se comu-nicar com o mundo todo, a porcentagem que realmente o faz , na verdade, muito pequena.

    Tambm com o aumento da espiona-gem industrial entre grandes empresas, o surgimento dos hackers e tudo o mais, h muitos que acreditam que o sistema de internet aberto que temos hoje ser lentamente bloqueado por foras maiores numa tentativa de se protegerem. Esse acesso globalizado no ser assim daqui a dez anos. Ser algo como um acesso protegido. Parece difcil, mas eu acredito que vai acontecer, e que o nacionalismo

    Insurgente lbio observa terreno na cidade de Ras Lanuf: para Anderson, muito visvel que a retrica e as imagens so de protestos nacionais na chamada Primavera rabe

    ELIANE MOURA DA SILVA

    muito difcil fazer justia em poucas palavras s sofi sticadas an-lises de Benedict Anderson sobre o nacionalismo. O livro Comunidades Imaginadas: refl exes sobre a origem e difuso do nacionalismo (1983)