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1 Legitimidade das novas formas de controle social: uma perspectiva jurídica Flávio Marques Prol 1 Este artigo pretende analisar como dinâmicas institucionais e políticas recentes impactam a teoria da legitimidade democrática, em particular da perspectiva da relação entre direito e poder político. Tenho a intenção de demonstrar que uma ideia tradicional de legitimação democrática do poder político, baseada em uma concepção específica de direito, da separação dos poderes e de eleições livres, vem sendo superada por inovações no desenho institucional do estado e na relação entre sociedade civil e estado. 2 Tradicionalmente as ideias de separação de poderes e de eleições livres e periódicas eram suficientes para fornecer um paradigma teórico capaz de compreender a legitimação do poder político pelo direito. Em termos jurídicos, a Constituição forneceria as balizas de atuação de cada Poder, inclusive do Poder Legislativo. Ainda segundo esta visão tradicional, o Executivo e o Judiciário nunca poderiam ir de encontro ao que estaria previsto na Constituição e nas leis aprovadas pelo Legislativo. Contudo, essa visão parece ser insuficiente para análise das atuais dinâmicas políticas e institucionais. Não se trata somente da ampliação de atores estatais ou transformação de sua participação do processo de legitimação política, ainda que isso seja essencial. Para ficar no caso brasileiro, são exemplos da participação de novos atores estatais ou do incremento da importância de atores já tradicionais no processo de legitimação democrática das políticas públicas a atuação mais rígida dos Tribunais de Contas da União e dos Estados, as ações do Ministério Público, e a dinâmica própria dos três poderes, como sugerem as expressões “judicialização da política” e “ativismo judicial”. Trata-se também de considerar que a relação entre sociedade civil e estado tem tomado novos caminhos, conciliando a noção tradicional de representação política com formas inovadoras de controle social e accountability, muitas vezes com a transferência 1 Mestrando na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pesquisador do Núcleo de Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento NDD/CEBRAP. 2 O texto de GURZA LAVALLE, A. e ISUNZA VERA, E., 2012, afirma: “As ideias de sistema político e separação de poderes são, hoje, notadamente insuficientes para dar conta da complexidade dos controles democráticos intraestatais, multiplicados nas últimas décadas. Essa inadequação é certamente ainda maior para a compreensão dos controles democráticos propriamente sociais.” (p. 108). Da perspectiva jurídica, ver os trabalhos de RODRIGUEZ, J. R., 2010 e ROCHA, J.P., 2008.

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Legitimidade das novas formas de controle social: uma perspectiva jurídica

Flávio Marques Prol1

Este artigo pretende analisar como dinâmicas institucionais e políticas recentes

impactam a teoria da legitimidade democrática, em particular da perspectiva da relação

entre direito e poder político. Tenho a intenção de demonstrar que uma ideia tradicional

de legitimação democrática do poder político, baseada em uma concepção específica de

direito, da separação dos poderes e de eleições livres, vem sendo superada por

inovações no desenho institucional do estado e na relação entre sociedade civil e

estado.2

Tradicionalmente as ideias de separação de poderes e de eleições livres e periódicas

eram suficientes para fornecer um paradigma teórico capaz de compreender a

legitimação do poder político pelo direito. Em termos jurídicos, a Constituição

forneceria as balizas de atuação de cada Poder, inclusive do Poder Legislativo. Ainda

segundo esta visão tradicional, o Executivo e o Judiciário nunca poderiam ir de encontro

ao que estaria previsto na Constituição e nas leis aprovadas pelo Legislativo.

Contudo, essa visão parece ser insuficiente para análise das atuais dinâmicas

políticas e institucionais. Não se trata somente da ampliação de atores estatais ou

transformação de sua participação do processo de legitimação política, ainda que isso

seja essencial. Para ficar no caso brasileiro, são exemplos da participação de novos

atores estatais ou do incremento da importância de atores já tradicionais no processo de

legitimação democrática das políticas públicas a atuação mais rígida dos Tribunais de

Contas da União e dos Estados, as ações do Ministério Público, e a dinâmica própria

dos três poderes, como sugerem as expressões “judicialização da política” e “ativismo

judicial”.

Trata-se também de considerar que a relação entre sociedade civil e estado tem

tomado novos caminhos, conciliando a noção tradicional de representação política com

formas inovadoras de controle social e accountability, muitas vezes com a transferência

1 Mestrando na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pesquisador do Núcleo de Direito e

Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – NDD/CEBRAP.

2 O texto de GURZA LAVALLE, A. e ISUNZA VERA, E., 2012, afirma: “As ideias de sistema político e

separação de poderes são, hoje, notadamente insuficientes para dar conta da complexidade dos controles

democráticos intraestatais, multiplicados nas últimas décadas. Essa inadequação é certamente ainda maior

para a compreensão dos controles democráticos propriamente sociais.” (p. 108). Da perspectiva jurídica,

ver os trabalhos de RODRIGUEZ, J. R., 2010 e ROCHA, J.P., 2008.

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de obrigações para atores privados, como as experiências de orçamento participativo e

os conselhos de saúde.3

Mas o que isso significa em termos jurídicos? É com esta questão que este artigo

busca trabalhar. A ideia de que o direito se resume a um conjunto de leis formais

aprovadas pelo Legislativo as quais a pesquisa jurídica deve analisar pode ser

atualizada. A concepção tradicional de regulação jurídica, com leis rígidas e fixas que

atribuem claramente obrigações, vem sendo complementada pela pluralização de

centros normativos e a criação de regras flexíveis e adaptáveis, entre outras

modificações.4 Quais são os limites dessa nova forma de regulação jurídica? Quais são

as possibilidades que são abertas a partir dela?5

Para delinear possíveis respostas a essas perguntas, o texto está dividido da seguinte

forma: na primeira parte, reconstruo o que chamo de concepção tradicional de

legitimação moderna do poder político pelo direito a partir da obra de Max Weber.

Minha ideia é tentar demonstrar como os estudos de Weber sobre a dominação legal-

racional, modo típico de legitimação da autoridade política moderna, dependem de uma

concepção específica de direito (direito racional-formal) – seção 1.1. – e de uma

correspondente organização institucional (separação de poderes e um mínimo de

democracia) – seção 1.2..

Na segunda parte, pretendo apresentar algumas dinâmicas políticas e institucionais

que parecem superar, ainda que parcialmente, o quadro geral configurado a partir da

obra weberiana, tanto da perspectiva da concepção de direito como da organização

3 Adoto, neste texto, as expressões “dinâmicas institucionais” para fazer referência às alterações no

desenho institucional do estado e “dinâmicas políticas” para denotar às modificações na relação entre

sociedade civil e estado.

4 Ver: TRUBEK, L. e TRUBEK, D., 2007; LOBEL, O., 2004.

5 Nota-se que não farei, aqui, um estudo sobre a história da transição de um modelo de regulação

tradicional para um novo modelo, razão pela qual não tentarei apresentar os motivos da transição, nem

mesmo realizarei um recorte temporal de sua validade. Antes, quero reunir elementos que demonstrem

indícios da existência de uma nova forma de legitimação do poder político pelo direito, que igualmente

aponte para além da concepção tradicional, a partir da reconstrução de argumentos de pesquisas da

ciência política e de trabalhos no campo do direito. O estudo dos motivos que conduzem essa

transformação e qual a possível compatibilidade entre os dois modelos de regulação pode ser objeto de

pesquisas futuras, que teria que englobar a relação entre legitimidade política, capitalismo e direito, além

de incluir um estudo específico sobre a legitimação no que se costuma chamar de Estado de bem-estar

social, para saber em que medida, já naquele momento, havia determinada configuração da relação entre

legitimação e direito que fugia das características apresentadas pelo que chamo de concepção tradicional

de legitimação do poder político pelo direito. A meu ver, isso é feito, por exemplo, no último capítulo da

do texto Facticidade e validade, de Jürgen Habermas, quando o autor apresenta a superação dos

paradigmas formal e social pelo que nomeia de paradigma procedimental. Não há espaço para

desenvolver essa discussão aqui.

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institucional correspondente. Nesse sentido, uso como exemplo de dinâmica

institucional o debate sobre “judicialização da política” e “ativismo judicial”, a partir da

crítica à utilização desses conceitos realizada por Marcos Nobre e José Rodrigo

Rodriguez, e de dinâmicas políticas a proliferação de experiências participativas

orientadas pela noção de accountability e controle social democrático do poder político,

principalmente a partir dos trabalhos de Gurza Lavalle em parceria com Isunza – seção

2.1..

Ainda nessa segunda parte, pretendo demonstrar como a literatura jurídica da new

governance tenta dar conta dessas dinâmicas institucionais e políticas, a partir

principalmente da indicação de transformações na natureza do direito, no processo da

criação e nas consequências derivadas do descumprimento das regras jurídicas.

Por fim, concluo sugerindo que o estudo da legitimidade democrática

contemporânea pode ser enriquecido caso parta de pesquisas interdisciplinares que

conciliem as contribuições mais recentes da filosofia, da ciência política e do direito.

1. Concepção tradicional da legitimação moderna do poder político: o papel

do direito

Acredito que o estudo do tipo ideal de dominação racional legal e do tipo ideal de

direito racional formal, na obra de Max Weber, seja representativo do que chamo

concepção tradicional de legitimação moderna do poder político. Para isso, não

pretendo analisar a posição política/normativa do autor, o que demandaria uma análise,

a meu ver, muito mais abrangente da obra do autor, inclusive de seus discursos políticos

e biografia.6 Pretendo, contudo, demonstrar como o que seria a forma típica de

dominação moderna está relacionada a uma determinada concepção de direito e de

desenho institucional.

Para Weber, o estudo da legitimidade de uma ordem social exige não só a

verificação da efetividade das normas estatuídas pela autoridade política (ou seja, se

elas são respeitadas ou não), como também a consideração dos motivos e razões pelas

6 Para esse tipo de análise, ver, entre outros: MOMMSEN, 1977, HELD, D., 2006, cap. 5 e

SCHULCHTER, 1985. Agradeço a José Rodrigo Rodriguez pelo esclarecimento quanto a esse ponto.

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quais os participantes da ordem social reconhecem tais ordens como legítimas (ou seja,

o(s) porquê(s) do respeito aos comandos emitidos pela autoridade).7

Em outras palavras, uma ordem social só pode ser considerada legítima caso o

pesquisador analise não só a efetividade da ordem, mas também os motivos pelos quais

os próprios agentes sociais consideram as regras emitidas pela autoridade como

obrigatórias para as suas condutas individuais.8

Weber apresentou três tipos ideais de dominação legítima: tradicional, carismática e

racional-legal.9 O que nos interessa aqui é o último tipo. Para Weber, a ordem social

moderna seria legítima porque as pessoas acreditam na legalidade de um sistema de

regras abstratas estabelecidas intencionalmente e decretadas por uma autoridade

competente segundo um determinado procedimento previsto por essas mesmas regras.10

7 Weber define a existência de uma ordem social mais estável somente quando há uma “representação”

dessa ordem, pelos participantes de uma relação social, como uma ordem legítima. E essa legitimidade

existe somente quando os participantes da relação social agem de acordo com o que estaria previsto

considerando essas previsões como “obrigações”, ainda que outras razões possam estar motivando a ação.

Ver a seguinte passagem: “Toda ação, especialmente a ação social e, por sua vez, particularmente a

relação social podem ser orientadas, pelo lado dos participantes, pela representação da existência de uma

ordem legítima. A probabilidade de que isto ocorra de fato chamamos “vigência” da ordem em questão

[...] 2. Ao conteúdo do sentido de uma relação social chamamos a) “ordem” somente nos casos em que a

ação se orienta (em média e aproximadamente) por “máximas” indicáveis, e somente falamos b) de

“vigência” dessa ordem quando a orientação efetiva por aquelas máximas sucede, entre outros motivos,

também (quer dizer, num grau que tenha algum peso na prática) porque estas são consideradas vigentes

com respeito à ação, seja como obrigações, seja como modelos de comportamento [...] Uma ordem

observada somente por motivos racionais com referência a um fim, é, em geral, muito mais mutável do

que a orientação por essa ordem unicamente em virtude do costume, em consequência do hábito de

determinado comportamento, sendo esta a forma mais frequente de atitude interna. Mas esta, por sua vez,

é ainda mais mutável do que uma ordem que aparece com o prestígio de ser modelar ou obrigatória, ou,

conforme dizemos, “legítima”.” (WEBER, 2009, p.19). Sobre o assunto, ver também, HABERMAS,

2003, capítulo 2.

8 Há um problema na tradução do termo “Herrschaft” para o português, sendo que ele pode ser traduzido

tanto pelo termo autoridade como pelo termo dominação. A tradução brasileira de Economia e Sociedade,

revisada por Gabriel Cohn, adotou na maior parte das vezes a expressão dominação. Mommsen, em seu

livro The age of bureaucracy, explica que a tradução de “Herrschaft” por autoridade dá muita importância

às pessoas que exercem o poder, e menos a todo o sistema de legitimação de uma ordem política, que não

se resume à questão de quem está no governo.

9 Na realidade, a depender do texto, não são três, mas quatro. Não pretendo analisar a discussão a respeito

da melhor interpretação da teoria da dominação legítima em Weber. Ressalto somente que existe uma

discussão sobre a melhor forma de interpretação da teoria da dominação de Weber - se existiam três tipos

puros ou quatro, como indica o 7º parágrafo do Capítulo 1 da edição brasileira de Economia e Sociedade -

e como se deu a evolução da teoria nos próprios textos weberianos. Os seguintes textos parecem trazer

essa discussão com maior atenção: MOMMSEN (1977, p. 16-21); SCHLUCHTER (1985, pp. 82-83) e

KRONMAN (2009, p. 67), especialmente os dois primeiros.

10

Não me interessa, aqui, saber se em algum momento histórico isso foi completamente verdade. No

entanto, assumo que essa crença na legalidade explica até hoje, pelo menos em alguma medida, a

legitimidade das ordens emitidas pelo Estado. Weber explica: “A “legitimidade” de uma dominação deve

naturalmente ser considerada apenas uma probabilidade de, em grau relevante, ser reconhecida e

praticamente tratada como tal. [...] O decisivo é que a própria pretensão de legitimidade, por sua

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5

Além disso, Weber distinguiu uma ordem garantida pelo direito de outras ordens

sociais (como ordens que são respeitadas pelo costume, por exemplo) pela referência à

coerção que é exercida por um corpo burocrático especializado, regulado pelo princípio

da hierarquia oficial. Ou seja, pela existência de um órgão especializado em verificar o

cumprimento das ordens emitidas pela autoridade e que se organiza com subordinação

de funcionários inferiores a funcionários superiores, com instâncias fixas de

competência, controle e supervisão.

Em suma, para Weber, reivindicações modernas por uma organização social

legítima são refletidas no direito, que define coercitivamente quais são as regras sociais

que serão vinculantes a todos os cidadãos e garante a coerção por meio de um corpo de

funcionários. É importante ter em mente que em nenhum momento a análise weberiana

defendeu que toda legitimação da autoridade moderna apelaria à crença da legalidade.

Entretanto, o direito garantido por um corpo burocrático seria a forma típica de

legitimação das ordens sociais modernas.11

A formação de estados nacionais e a declaração de cartas de direitos na forma

jurídica de uma constituição, escrita ou não, que buscam garantir o monopólio da

violência em organismos do estado deveriam ser mais do que suficientes para

comprovar, pelo menos em parte, as afirmações weberianas.

Entretanto, afirmar que a legalidade garantida por um corpo burocrático é a forma

típica de legitimação da ordem social moderna não é suficiente para os fins de

compreender a legitimação do poder político pelo direito à luz de pelo menos dois

problemas: (i) o da definição do que se entende por legalidade (ou seja, o que é o

direito) e; (ii) o da organização institucional que se relaciona com essa determinada

visão de direito.

Acredito que em ambos os casos os estudos de Weber tenham ficado, pelo menos

em parte, superados. Talvez fosse possível demonstrar que a visão weberiana sobre

direito tenha sido superada pelo próprio desenvolvimento do pensamento jurídico ao

natureza, seja “válida” em grau relevante, consolide sua existência e determine, entre outros fatores, a

natureza dos meios de dominação escolhidos” (WEBER, 2009, p. 140).

11

Como afirma o próprio Weber, na observação preliminar da seção 2, do capítulo 3, da primeira parte de

Economia e Sociedade: “A dominação legal com quadro administrativo burocrático. Observação

preliminar: partimos aqui deliberadamente da forma de administração especificamente moderna, para

poder depois contrastar com esta as outras formas”. (WEBER, 2009, p. 142)

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longo do século XX, por meio do estudo de autores clássicos como Hans Kelsen,

Ronald Dworkin e Herbert Hart, por exemplo. Mas esse não é o objetivo desse texto.12

Meu principal objetivo é demonstrar como certos desenvolvimentos políticos e

institucionais das sociedades ocidentais podem exigir transformações conceituais na

compreensão dos atuais processos de legitimação da autoridade política. Antes disso,

contudo, é importante demonstrar qual era a visão específica de Weber sobre o direito e

qual a organização institucional que se coadunava com ela.

1.1. Direito racional-formal.

Para Weber, o direito ocidental moderno tinha características específicas. Elas foram

apresentadas, sobretudo, em seus escritos sobre sociologia do direito. Diversos autores

refletiram sobre a importância de ler a sociologia da dominação weberiana em conjunto

com sua sociologia do direito, apesar dos diferentes resultados dessas análises.13

O que

importa, para este texto, é ressaltar que a própria definição da dominação legal-racional

depende de uma concepção específica a respeito do direito.

Weber formulou uma tipologia do direito que variava em duas categorias básicas de

classificação: racionalidade/irracionalidade; materialidade/formalidade. A seguinte

passagem de Weber apresenta como os quatro tipos derivados da combinação dessas

categorias o ajudam a interpretar a evolução do pensamento jurídico ocidental:

“O desenvolvimento do direito e do procedimento jurídico, dividido em “etapas de

desenvolvimento” teóricas, conduz à revelação carismática do direito por “profetas

jurídicos” – por meio da criação e aplicação empírica do direito por honoratiores

jurídicos (criação de direito cautelar e de direito baseado em precedentes) -, à

imposição do direito pelo imperium profano e por poderes teocráticos e, por fim, ao

direito sistematicamente estatuído e à “justiça” aplicada profissionalmente, na base

de uma formação literária e formal lógica, por juristas doutos (juristas

especializados). As qualidades formais do direito desenvolvem-se nesse processo a

partir da combinação de um formalismo magicamente condicionado a uma

irracionalidade determinada pela origem em revelações, no procedimento jurídico

primitivo, passando eventualmente, por uma racionalidade material ou não-formal,

12

Sobre isso, ver os artigos de KENNEDY, D., 2001 e 2004, e RODRIGUEZ, J., 2010.

13

Entre outros, ver HABERMAS, 2003, cap. 2, TRUBEK, D. 2007, KENNEDY, 2004.

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ligada a um fim e patrimonial ou teocraticamente condicionada, rumo a uma

racionalidade e sistemática jurídica crescentemente especializada e, portanto,

lógica e, por essa via – sob aspectos puramente externos -, ao progresso da

sublimação lógica e do rigor dedutivo do direito e da técnica racional do

procedimento jurídico” (WEBER, 2004, p. 143, grifos meus).

Dessa longa passagem, o que importa ressaltar é que o direito ocidental moderno

seria caracterizado por sua racionalidade formal. De modo geral, Weber compreendia a

racionalidade jurídica formal como um sistema de regras abstratas e gerais, geralmente

em forma de código, que permitia a utilização da metodologia tradicional de

interpretação lógica do sentido para ser aplicado.

Essa metodologia, por sua vez, exige que: (i) toda decisão jurídica seja aplicação do

direito; (ii) a decisão derive de proposições jurídicas abstratas que se aplicam a casos

concretos; (iii) o sistema jurídico não possua lacunas; (iv) o que não possa ser

interpretado juridicamente seja irrelevante para o direito; (v) toda ação social relevante

possa ser vista como aplicação, execução ou infração de normas jurídicas (WEBER,

2004, p. 13).14

Em outras palavras, Weber observava o surgimento da racionalidade jurídica formal

como a criação consciente de um sistema de regras abstratas aplicáveis a todas as

situações de fato por meio de uma interpretação lógico-dedutiva que considerava

somente as interpretações abstratas de sentido (tanto da norma como da conduta efetiva

a ser analisada). Todas as situações de fato relevantes para o direito poderiam ser

subsumidas a normas jurídicas formuladas previamente, em geral expressas em um

código escrito.

14

No Ocidente, quatro características específicas e peculiares provocaram a formalização jurídica

plenamente especializada, com sublimação lógica e técnica racional: (a) desenvolvimento do poder

judiciário e destruição dos poderes estamentais em uma aliança entre poder principesco e portadores da

economia racional; (b) surgimento do direito natural, que foi utilizado nesse conflito em favor do poder

principesco e dos portadores da economia racional; (c) eliminação total do princípio “o arbítrio rompe o

direito comum”; d) a recepção do direito romano, com suas formalidades e tentativas de codificação.

De modo algum, entretanto, o desenvolvimento jurídico moderno contém somente tendências formalistas.

Para Weber, existem diversas tendências antiformais, sendo parte delas na área do desenvolvimento

interno do pensamento jurídico e parte por pressões externas. Da perspectiva interna, os próprios juristas

desprezam a visão de autômatos jurídicos (como a metáfora do juiz como “boca da lei”), o que já indica a

defesa de uma atividade jurídica “criativa”. Da perspectiva externa, interesses comerciais por formas

jurídicas aptas a atender os interesses econômicos (e não um formalismo puro), reivindicações materiais

por justiça no caso concreto, a despeito de qualquer textualismo legal e as exigências dos leigos de que o

sistema de justiça seja compreensível pressionam o direito no sentido contrário ao formalismo.

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Da perspectiva das qualidades formais do direito, portanto, a concepção tradicional

de legitimidade do poder político pelo direito depende tanto do progresso da sublimação

lógica por meio da criação de regras cada vez mais precisas quanto do rigor dedutivo do

direito como técnica “racional” de julgamento, no qual o direito é aplicado a partir de

considerações das características abstratas de suas normas e da sua subsunção aos fatos

concretos.15

1.2. Separação de poderes e eleições periódicas

Como observa Rodriguez (2010, p. 46), a partir do insight inicial de Franz

Neumann, essa concepção de direito de Weber tem como correspondente uma

determinada forma organizacional das instituições jurídico-estatais. A organização

institucional que se coaduna com essa visão de direito e de legitimidade é a da

separação de poderes em um sentido bem específico, com a formação de uma

burocracia e de um órgão judiciário que são somente responsáveis por aplicarem a lei,

nunca por sua criação.

A seguinte passagem do texto do próprio Weber é essencial, nesse sentido:

“Para nossas concepções jurídicas atuais, a atividade das associações públicas na

área do “direito” apresenta dois aspectos: a “criação do direito” e a sua “aplicação”,

que, por sua vez, tem sua continuação puramente técnica na “execução”. Por

“criação do direito” entendemos atualmente o estabelecimento de normas gerais

estatuídas, das quais cada uma, na linguagem dos juristas, assume o caráter de uma

ou várias “disposições jurídicas” racionais. A “aplicação do direito” significa para

nós a utilização daquelas normas estatuídas e das respectivas “disposições

jurídicas” (a serem deduzidas das primeiras pelo esforço do pensamento jurídico) a

“fatos” concretos que são a elas “subsumidos”.” (2009, p. 10, grifos meus)16

15

Embora isso não seja essencial para este texto, essas características do direito permitem a Weber

afirmar que o direito racional formal garante calculabilidade às transações capitalistas. Sobre o assunto,

que é controverso, ver, entre outros: NEUMANN, 2013, capítulos 1, 2 e 15, TRUBEK, D. 2007,

KRONMAN, 2009, capítulo 6.

16

Outras passagens também poderiam ser citadas para os mesmos fins: “O Estado burocrático sentencia e

administra na base de um direito racionalmente estatuído e de regulamentos racionalmente concebidos”

(WEBER, 2004, p. 530). “o direito é, segundo sua essência, um cosmos de regras abstratas, normalmente

estatuídas com determinadas intenções; a judicatura é a aplicação dessas regras ao caso particular e a

administração é o cuidado racional de interesses previstos pelas ordens da associação, dentro dos limites

das normas jurídicas e segundo princípios indicáveis de forma geral” (WEBER, 2009, p. 142).

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9

Segundo essa passagem, a diferença essencial na organização jurídica do Estado é

entre aqueles órgãos que “criam o direito” e aqueles que o “aplicam”. Nesse último

caso, a “execução” seria a “continuação puramente técnica” da “aplicação”. A ideia de

que somente um órgão do estado cria o direito enquanto outros o aplicam demonstra o

porquê Weber entendia a dominação legal-racional como uma dominação impessoal, na

qual supostamente haveria o império da lei sobre os homens, não de homens sobre

homens. Afinal, quem executa e aplica as leis simplesmente respeita as normas que

foram elaboradas por outras pessoas, não por eles próprios.17

O importante a ressaltar é que a organização institucional da dominação racional-

legal possui uma relação intrínseca com a própria descrição do desenvolvimento do

direito ocidental moderno feita por Weber e resumida na seção anterior: o direito é

racional e formal, no sentido de poder ser subsumido a casos concretos, porque assim o

exige o estado burocrático; por outro lado, somente esse direito racional e formal

possibilita a existência de uma burocracia que se legitima por “aplicar o direito”, nunca

por criá-lo.

Embora eu não tenha encontrado uma passagem em que Weber defenda

explicitamente a realização de eleições livres e periódicas para a escolha dos criadores e

de alguns executores (os chefes da organização burocrática) como uma necessidade da

legitimação moderna do poder político, esse passo me parece necessário para

compreender integralmente a concepção tradicional de legitimidade pela legalidade.

Nesse sentido, Schlchuter já afirmou, em seu clássico estudo da obra weberiana:

“Uma constituição considerada ‘válida’ deve dar expressão jurídica a tais regras

básicas: ela é fundada tanto na legalidade substantiva como formal. [...] O aspecto

formal compreende o constrangimento constitucional da legislação, o

constrangimento legislativo da administração, o caráter geral do direito e a divisão

constitucional dos poderes. O aspecto substantivo inclui, entre outros postulados, a

liberdade de autodeterminação do povo e a igualdade como “a igual, não a

17

Como, por exemplo, nas seguintes passagens: “quem obedece só o faz como membro da associação e

só obedece “ao direito”” (WEBER, 2009, p. 142); ou ainda “os membros da associação, ao obedecerem

ao senhor, não o fazem à pessoa deste mas, sim, àquelas ordens impessoais e que, por isso, só estão

obrigados à obediência dentro da competência objetiva, racionalmente limitada, que lhe foi atribuída por

essas ordens” (idem). A crítica a essa concepção de império da lei já foi feita em diversas matrizes. O

estudo de Franz Neumann continua muito original, ao demonstrar que embora a ideia de império do

direito seja ideológica - afinal são sempre homens que comandam outros homens -, ela expressa um

mínimo ético de igualdade formal essencial para garantir a liberdade humana. Para isso, ver:

NEUMANN, 1953.

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10

arbitrária, representação de todos os cidadãos” [...] Somente uma constituição

fundada nessas regras básicas pode dar origem a uma crença na legalidade que crie

uma legitimidade durável” (SCHLUCHTER, 1985, p. 109, tradução livre).18

Ou seja, somente uma ordem legal que inclua os princípios da liberdade de

autodeterminação do povo e da igual representação de todos os cidadãos poderia ser

considerada legítima. Nesse sentido, um conceito mínimo de democracia tem que ser

implementado para a ordem legal ser considerada legítima.19

Em síntese: a concepção tradicional de legitimação do poder político pelo direito

define que o direito racional formal, típico da modernidade ocidental, representa uma

possibilidade concreta de que os órgãos do estado sejam divididos entre aqueles que

“criam o direito” e aquele que o “aplicam”. Desde que haja um respeito mínimo a

procedimentos democráticos, a ordem social moderna será, em geral, considerada

legítima. A figura abaixo busca apresentar essa concepção de forma esquemática:

18

Além de Schuchter, HELD, 2006, cap. 5, parece adotar posição semelhante a respeito de Weber, em

particular quando demonstra a apropriação da obra weberiana pelos estudos de Schumpeter. Não há

espaço para desenvolver esse argumento aqui. Agradeço a Francisco Brito Cruz por essa observação.

19

Schulchter deixa claro que a qualificação que ele realiza da crença da legalidade weberiana são

interpretações do conjunto da obra do autor, mas que não estavam sistematicamente colocadas lá (ver,

SCHLUCHTER, 1985, p. 103, 105, 109).

Poder Executivo

Sociedade/

Povo

Eleições Eleições

Parlamento

Poder Judiciário

Criação do Direito

Execução do direito/coerção

Aplicação do direito/coerção

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11

Embora esse quadro seja em alguma medida válido até hoje, acredito que

desenvolvimentos políticos e institucionais ao longo do século XX apontaram para sua

superação. É o que tentarei demonstrar a seguir.

2. Novas formas de controle social de políticas públicas: um novo papel do

direito na legitimação do exercício do poder político?

Como afirmei, não estou interessado aqui em estudar como a concepção de direito

de Weber foi superada pelos debates de filosofia do direito ao longo do século XX.

Antes, meu interesse é estudar como dinâmicas institucionais e políticas apontam para a

superação dessa concepção tradicional de legitimação da ordem social, ainda que

parcialmente. Por consequência, acredito que a concepção tradicional de direito e a

correspondente organização institucional apresentadas no item anterior também possam

ser atualizadas.

Por um lado, por dinâmicas institucionais faço referência ao funcionamento das

próprias instituições do estado que apontam para além da ideia tradicional de separação

de poderes desenvolvida acima e que representam alterações no desenho institucional

do estado.

Um exemplo de dinâmica institucional concreta que aponta para além da concepção

tradicional de legitimação do poder político é aquela expressada pelo conceito de

“judicialização da política”. Como apontam Marcos Nobre e José Rodriguez, a própria

noção de “judicialização da política” já traz em si uma visão presa à concepção

tradicional de direito e de legitimação do poder político (NOBRE e RODRIGUEZ,

2012). Afinal, ao invés de tentar compreender a dinâmica efetiva dos poderes, a noção

de “judicialização da política” - assim como a de “ativismo judicial” - traduz uma

concepção implícita de direito e Poder Judiciário, na qual eles deveriam ser instâncias

totalmente alheias à política. Um conceito que expressa, ao mesmo tempo, “déficit

explicativo e bloqueio normativista” (idem).

Para os fins deste texto, importa ressaltar a relação entre os três elementos que a

crítica à noção de “judicialização da política” demonstra, tal como apresentada por

Nobre e Rodriguez: uma noção específica de desenho institucional (Poder Judiciário

não faz política) relacionada a um conceito específico de direito (o Judiciário aplica o

direito, não o cria), que expressam em grande parte o que venho chamando de

legitimação tradicional do poder político. Por trás das ideias de “judicialização da

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política” e “ativismo judicial” está a noção de que o poder que aplica o direito

(judiciário/passivo) não poderia criá-lo (política/ativo).20

Porém, se o Poder Judiciário tem se tornado mais ativo e decidido sobre políticas,

não seria o caso de atualizar o nosso aparato conceitual para entender esse fenômeno, ao

invés de criticar a realidade a partir de uma concepção normativa muitas vezes não

explicitada, mas implícita nos conceitos utilizados?

Por outro lado, existem também dinâmicas políticas que apontam para a superação

da concepção tradicional de legitimação.21

Por práticas políticas, faço referência à

“multiplicação de experiências participativas orientadas, implícita ou explicitamente,

pelas noções de accountability e controle social democrático sobre atores políticos e

políticas públicas” (p. 105), como apresentam GURZA LAVALLE E ISUNZA VERA,

2012. Nesse sentido, não é só a dinâmica institucional que estaria sendo alterada, mas a

própria relação entre Estado e sociedade civil que também apontaria para além da

relação tradicional definida por eleições livres e periódicas, como se mostrará a seguir.

2.1. Novas formas de controle social de políticas públicas

A ideia deste artigo é menos fazer um estudo de caso específico e mais de

sistematizar as possíveis consequências da diversidade de experiências de inovações

institucionais de controles sociais para a perspectiva jurídica da legitimação democrática

das sociedades contemporâneas. É importante ressaltar que essas experiências não são

restritas ao âmbito nacional ou regional. Como observam GURZA LAVALLE e

ISUNZA VERA, as inovações democráticas estão difundidas em diversos países, como

Índia, Inglaterra, México e Brasil (2012, p. 107).

Sigo a sugestão dos dois autores quanto à arquitetura da participação social no

controle de políticas públicas. Em artigo recente, os autores sugeriram uma tipologia

20

Assim como Nobre e Rodriguez, não faço referência, neste texto, a nenhuma noção de “judicialização

da política” específica, tais como apresentadas pelos diversos cientistas políticos e sociólogos do direito

que trabalham com ela. De qualquer forma, acredito que a utilização dos termos para a criação do

conceito “judicialização da política” já expressa o chamado “déficit explicativo e bloqueio normativista”

porque vê o judiciário como alheio à política, naturalizando uma determinada concepção de separação de

poderes.

21

Como disse antes, não pretendo apresentar aqui uma classificação que diferencia dinâmicas políticas e

institucionais e as transformar em duas categorias estanques. Contudo, para fins de simplificação do

argumento, talvez seja interessante diferenciar as transformações que ocorrem no interior das instituições

do próprio estado e as transformações na relação entre estado e sociedade civil, embora ambas estejam

intimamente relacionadas, como demonstra o próprio texto de Nobre e Rodriguez.

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13

para classificação da pluralização institucional de experiências democráticas, tais como

consultas não vinculantes, conselhos consultivos, políticas terceirizadas, orçamentos

participativos, entre outras, diferenciando o bem básico que é negociado entre sociedade

e estado e a lógica da ação social envolvida nessas trocas, como no quadro abaixo:

Tipos de lógica de ação e troca

Gráfico Bem básico

de troca

Gramática

relacional

Lógica da

ação Exemplos

S E

Informação

Sociedade informa

o Estado

Fazer

saber

Consultas não vinculantes,

caixas de queixas,

pesquisas de opinião

S E Sociedade é

informada pelo

Estado

Campanhas midiáticas,

transparência e acesso à

informação, relatórios

periódicos

S E

Sociedade e Estado

se informam

mutuamente

Conselhos consultivos e

mesas de diálogos

S E

Poder

Sociedade ‘mandata’

o Estado

Fazer fazer

Eleições, referendo,

plebiscito, mandato

revogatório

S E

Sociedade é

‘mandada’ pelo

Estado

Políticas terceirizadas

S E

Sociedade e Estado

se ‘mandatam’

mutuamente

Conselhos deliberativos e

orçamentos participativos

S E

Bens e

serviços

Sociedade provê o

Estado

Fazer ter

Impostos

S E

Sociedade é provida

pelo Estado

Transferências e subsídios

S E

Sociedade e Estado

se proveem

mutuamente

Obras com trabalhos dos

beneficiários e projetos de

coinvestimento

Quadro retirado de GURZA LAVALLE E ISUNZA VERA, 2012

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Avritzer concorda com o diagnóstico apresentado acima. Para ele, houve ampliação

das instituições participativas, com maior presença da sociedade civil nas políticas

públicas, embora o fenômeno seja mais perceptível nas áreas de assistência social,

saúde, meio ambiente e de políticas urbanas. Em trabalho recente, o autor afirmou: “A

participação política no Brasil democrático tem sido marcada por dois fenômenos

importantes: a ampliação da presença da sociedade civil nas políticas públicas e o

crescimento das chamadas instituições participativas” (AVRITZER, 2007, p. 443).

Mas a escolha conceitual entre diagnosticar o fenômeno apresentado como

ampliação de instituições participativas ou como pluralização de instâncias de controle

social não é trivial. Embora seja comum nomear as inovações democráticas ocorridas

nos últimos anos como instâncias participativas, GURZA LAVALLE e ISUNZA VERA

explicam que a expressão “controle social” talvez seja mais precisa para captar a

ampliação de instituições de governança, transparência, controles democráticos e

accountability, “cujos sentidos são sempre mais restritivos em relação à carga normativa

inerente à ideia de ‘participação’” (2010, p. 21), ainda que a escolha pelo termo

“controle social” não implique, de modo algum, o abandono daquela carga normativa.22

Desse modo, é importante frisar, “controle social” se refere tanto a iniciativas

extremamente individualizadas e muitas vezes não institucionalizadas por lei, como a

criação de um sistema de reclamações das entidades públicas, quanto iniciativas

coletivas e amplamente institucionalizadas, como a participação de determinados grupos

da sociedade civil nas decisões relevantes de determinadas políticas públicas.

Todo esse processo de inovação democrática parece afetar profundamente a própria

noção de representação política e, por consequência, a relação estabelecida entre os

representantes da sociedade civil nesses novos espaços e os “representados”. As

espécies de representação existentes nos diversos âmbitos de controle social são

distintas da representação parlamentar. Isso ocorre em especial, como defendem Gurza

Lavalle e Isunza Vera, no caso das modalidades mais exigentes de controle social

(aquelas que se aproximam dos ideais mais elevados, em geral inscritos sob a rubrica da

22

No Brasil, isso pode ser especialmente importante para avaliar os impactos recentes da aprovação de

iniciativas com grande potencial democrático, mas que em geral não são analisadas sob a rubrica da

participação, como o caso da aprovação da Lei de Acesso à Informação.

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participação). Mas não há espaço aqui para desenvolver em maiores detalhes essa rica

discussão.23

O que importa, para os fins desse texto, é pontuar como a literatura política indica o

surgimento e proliferação de novos espaços democráticos de controle social, que vão

desde iniciativas centradas na participação individual de cidadãos a iniciativas

institucionalizadas centradas na atuação de atores coletivos.

A meu ver, isso é mais do que suficiente para demonstrar alguma transformação no

processo de legitimação do exercício do poder político, ainda que eu não tenha qualquer

pretensão de esboçar a formulação de uma nova teoria da legitimidade.

O fato é que as iniciativas estatais passaram a ser formuladas, executadas e avaliadas

a partir de um complexo institucional e de controle social muito mais amplo e

diversificado do que o esquema previsto na parte um desse texto e, ao menos em tese,

mais permeável à participação da sociedade civil, que exige e demanda novos

mecanismos de legitimação e participação. Em outras palavras, a legalidade deixa de ser

a forma típica de legitimação da autoridade política.

Seguindo a distinção de perspectivas entre a hipótese institucionalista e a hipótese

da mobilização social na análise da participação social, proposta por COELHO e

FAVARETO (in GURZA LAVALLE, 2012, pp. 246-253), acredito que pesquisadores

do campo do direito poderiam trazer contribuições relevantes, ao analisar em que

medida o desenho jurídico das formas de controle social afeta o resultado das políticas

propostas, a partir de questões como: qual a natureza das normas que instituem essas

instâncias? Há sanção para o seu descumprimento? Qual a natureza das resoluções

tomadas a partir dessas instâncias?

Nesse contexto, da perspectiva jurídica, importa analisar mais detidamente como a

nova interação institucional no controle social de políticas públicas bem como a

23

Para tanto ver os textos de AVRITZER, 2007; GURZA LAVALLE E ISUNZA VERA, 2012. Deixo

de analisar também, a controversa questão do(s) porquê(s) do surgimento e proliferação de inovações

democráticas no final dos anos 80. Sobre o assunto, remeto, além dos textos indicados ao longo do texto,

à interessante provocação de Evelina Dagnino, que sugere que há uma confluência perversa entre dois

projetos bem distintos: o projeto de democratização efetiva das decisões políticas da sociedade, que se

intensificou no Brasil ao longo dos anos 1980, culminando com a Constituição e buscando expandir a

noção de cidadania; o projeto de que o Estado deveria se isentar do papel de garantidor de direitos (em

geral, descrito como o Estado neoliberal). A perversidade dessa confluência é a de que, “apontando para

direções opostas e até antagônicas, ambos os projetos requerem uma sociedade civil ativa e propositiva

[...] o risco é que a participação da sociedade civil nas instâncias decisórias, defendida pelas forças que

sustentam o projeto participativo democratizante como um mecanismo de aprofundamento democrático e

de redução da exclusão, possa acabar servindo aos objetivos do propósito que lhe é antagônico.” (2004,

pp. 142-144).

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definição das posições dos diversos atores e dos discursos impacta a concepção

tradicional de direito e de organização institucional de uma ordem que seja considerada

legítima.

2.2. Novas concepções de direito e de organização institucional na construção

de legitimidade?

Como dito anteriormente, quando menciono a possibilidade de uma nova concepção

de direito não pretendo designar a completa superação da concepção anterior, que fazia

referência à ideia de separação de poderes e de leis gerais, aprovadas pelo Parlamento,

“aplicadas” pelo Poder Judiciário e “executadas” pelo Poder Executivo. De fato, e pelo

menos em alguma medida, essas ideias continuam explicando parte do funcionamento

das instituições do Estado Democrático de Direito contemporâneo e seria até mesmo

ingênuo acreditar em sua completa superação.

Nesse sentido, acredito que podem existir duas perspectivas distintas para analisar

as dinâmicas apresentadas nas seções anteriores. Por um lado, seria possível descartar a

importância de qualquer perspectiva jurídica, uma vez que muitas das iniciativas

descritas na seção anterior simplesmente não têm qualquer conexão com a concepção

tradicional de direito, ligada à ideia de leis gerais aprovadas pelo Parlamento e válidas

para todos os cidadãos. Ou seja: segundo essa visão, o direito - ou os estudiosos do

direito - não teriam nada a acrescentar com a renovação da teoria da legitimidade

democrática do início do século XXI, uma vez que o direito não contribui com as

inovações democráticas que vêm ocorrendo ao redor do mundo.

Do outro lado, existe uma literatura jurídica que tenta apreender juridicamente os

novos procedimentos utilizados para legitimar as políticas públicas e dar conta das

dinâmicas institucionais apresentadas na seção anterior. A literatura da new governance

aponta que os diversos mecanismos de legitimação das novas políticas públicas podem

exigir teoricamente uma nova compreensão do papel do direito na construção de

legitimidade.

TRUBEK e TRUBEK são enfáticos quanto a esse ponto:

“Enquanto objetos regulatórios foram tradicionalmente perseguidos

exclusivamente por meio de leis, regulação administrativa e aplicação judicial, nós

presenciamos hoje a emergência de novos processos, que vão desde consultas

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informais a sistemas altamente formalizados que buscam afetar comportamentos,

mas que diferem em vários sentidos da regulação tradicional do comando e

controle. Esses processos, que nomearemos coletivamente “new governance”

podem encorajar experimentação; empregar participação dos interessados para

vislumbrar soluções; depender de amplas estruturas de acordo, normas flexíveis e

padrões revisáveis; e usar benchmarks, indicadores e revisão pelos pares para

assegurar accountability” (TRUBEK e TRUBEK, 2007, p. 3, tradução livre)

Nota-se, na passagem indicada, que os autores da new governance têm se debruçado

justamente sobre os fenômenos indicados nas seções acima, em especial as novas

formas de controle social de políticas públicas. Eles estão interessados, sobretudo, em

captar o que essa mudança significa para a concepção tradicional de regulação

jurídica.24

É importante ressaltar que a exigência de uma nova compreensão sobre a natureza

do direito não é mera consequência da ampliação de inovações democráticas. Como

alerta LOBEL (2005, pp. 275-291), pressões externas e internas ao direito promovem a

superação da ideia de direito compartilhada pela concepção tradicional de dominação

legítima. Ao lado das dinâmicas políticas e institucionais descritas, Lobel sugere que o

direito se adapta às mudanças externas do “aumento da competição global, privatização

e crises fiscais; novos modos de produção e padrões do emprego; mudanças ecológicas;

e avanços na comunicação, na ciência e na tecnologia” (2005, p. 277, tradução livre).25

Já da parte das mudanças internas, seria a própria reflexão jurídica que exigiria uma

24

Acredito que estudos jurídicos em diferentes campos poderiam vislumbrar potenciais de transformação

a partir dessa nova concepção de regulação. Nesse sentido, poderiam ser observadas transformações no

direito constitucional, com novas formas de proteção a direitos fundamentais, no direito administrativo,

com a delegação de competência legislativa a outros órgãos que não o Poder Legislativo, no direito

societário, com a criação e multiplicação de novos arranjos de parceria público-privada, no direito penal,

com a criação de Juizados Especiais e a previsão de espécie de negociação entre o promotor público e o

acusado, nos crimes de menor potencial ofensivo, e no direito ambiental, com a previsão de elaboração de

termos de ajustamento de conduta, isso para ficar em somente alguns exemplos.

25

Inclusive, para Lobel, as mudanças econômicas representam fator mais preponderante na demanda por

mudança da forma jurídica da regulação da vida social que os fatores institucionais e políticos. Entretanto,

essa tese é controversa e, acredito, não precisa ser considerada aqui para os fins de demonstrar que a

concepção de direito, de organização institucional e da construção da legitimação possa se alterar. Para se

apreender integralmente o porquê das transformações jurídicas e institucionais, com certeza seria

necessário realizar um estudo que integrasse igualmente a análise das influências econômicas sobre o

direito e as regulações jurídicas. Mas, aqui, não busco explicar os motivos da transformação do direito,

mas, antes, busco compreender se existem indícios dessa transformação. Sobre o assunto, ver ainda:

HÉRITIER, 2002, que defende a nova regulação como mero suplemento à regulação tradicional e

SABEL e ZEITLIN, 2007, que preveem uma transformação radical na regulação a partir dessas novas

técnicas de governança.

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atualização da ideia de direito.26

Mas, aqui, não busco explicar os motivos da

transformação do direito e sim se existem indícios dessa transformação.

Para a literatura da new governance, a transformação é evidente. A concepção de

direito emergente tem diversas características distintas da concepção tradicional.

Segundo Lobel, as normas jurídicas passam a ser procedimentais, reflexivas e flexíveis,

variadas de acordo com o contexto. Incapaz de ter certeza a respeito de como regular

interesses disputados intensamente pela sociedade, ou mesmo de regular questões de

elevada complexidade, os legisladores passam cada vez mais a emitir comandos que

simplesmente descrevem procedimentos ou determinam conteúdos que podem ser

revistos mais facilmente. Ou, ainda, delegam competência legislativa para outros órgãos

mais próximos dos atores regulados.

Nesse sentido, o processo de criação do direito deixa de estar centralizado no estado

e passa a ser considerado experimental e promotor de inovações, além de se basear no

aprendizado pela repetição e estar descentralizado em diversas instâncias. Essas

instâncias de criação do direito não estão mais centralizadas no Poder Legislativo

tradicional. Agências reguladoras, conselhos deliberativos, Bancos Centrais, autarquias,

instâncias de decisão do orçamento participativo, entre outros, todos passam a emitir

atos com conteúdo normativo que geram diversos impactos aos interessados.

De um lado, isso representa uma desconstrução da ideia de uma burocracia técnica e

altamente especializada, capaz de resolver sozinha quaisquer problemas sociais por

meio de uma legislação específica. De outro, com os novos espaços de regulação mais

permeáveis aos interesses organizados da sociedade civil, aumentam-se os riscos de

captura em detrimento dos interesses difusos ou coletivos.27

A coercibilidade do direito perde espaço para outros tipos de sanção ou são criadas

até mesmo normas que não preveem qualquer sanção, mas são voluntárias ou diretrizes

gerais. No Brasil, por exemplo, várias das deliberações em âmbito das conferências

26

Ressalto que não tenho interesse em analisar neste texto como o próprio pensamento jurídico criticou,

ao longo de todo o século XX, a possibilidade de existência de um direito racional formal.

27

São diversos os estudos sobre o assunto. Ver, por exemplo, MATTOS, 2006, capítulo 6, no qual é

apresentado estudo de caso sobre a participação pública nas regulações promovidas pela Anatel, e que

concilia preocupações com o potencial democrático e com o fenômeno da captura. Ver, ainda: DA

GAMA, 2004, que defende que o fenômeno da captura está disseminado nas agências reguladoras

brasileiras.

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nacionais não possuem caráter vinculante, seja para o Executivo, seja para o

Legislativo.28

O exemplo de TRUBEK e TRUBEK é outro e se baseia na aprovação da Diretiva

sobre Águas (Water Framework Directive), em âmbito da União Europeia, “que inclui

regras detalhadas assim como standards abertos e emprega obrigações jurídicas

compulsórias e guias não compulsórios, além de revisão pelos pares” (2007, p. 16). Para

os autores, a importância de normas não compulsórias está relacionada à possibilidade

de que os diferentes Estados-membros, nos mais variados contextos, possam ter algum

guia geral, ainda que apresentem caminhos distintos para perseguição das metas

vinculantes fornecidas pela diretiva.

Em síntese, para a literatura da new governance e em termos jurídicos, observam-se

transformações na natureza da norma jurídica, no processo de criação do direito (ou as

fontes normativas) e nas consequências jurídicas do cumprimento/descumprimento das

normas. 29

É evidente que todas as observações acima alteram significativamente o quadro

geral do desenho institucional esboçado ao final da primeira seção deste texto, sobre o

desenho institucional da legitimação pela legalidade. As dinâmicas políticas e

institucionais apontam para a superação de um determinado modelo de separação de

poderes, muitas vezes naturalizado.30

Nesse sentido, um novo quadro do desenho

institucional do processo de legitimação poderia ser esboçado como se segue:

28

Nesse sentido, ver Avritzer (2012, p. 20), que conclui, com base em pesquisa realizada pelo PRODEP e

pelo Instituto Vox Populi com participantes das conferências nacionais, que mesmo sem vinculação

expressa entre as deliberações e as ações do governo “há um esforço de implementação das decisões

tomadas nas conferências nacionais”.

29

Os estudos mais recentes de José Eduardo Faria concordam em grande medida com o diagnóstico

apresentado acima, embora o autor conecte essas transformações jurídicas mais aos impactos da

globalização econômica e da crise financeira recente do que à ampliação de espaços de controle social.

Ver, especialmente: FARIA, 2008, 2009 e 2011.

30

Franz Neumann já havia apontado para os riscos da naturalização de um determinado modelo de

separação de poderes, na introdução a uma edição norte-americana do texto O espírito das leis, de

Montesquieu (NEUMANN, 1957). Sobre o assunto, ver também, RODRIGUEZ, 2009 e NOBRE e

RODRIGUEZ, 2012.

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20

3. Conclusão

3. Conclusão

Ao longo deste texto tentei demonstrar como dinâmicas institucionais e políticas

podem exigir uma nova compreensão sobre a construção da legitimidade do poder

político, em especial da perspectiva da relação entre direito e poder político. Sem me

vincular a uma determinada teoria da legitimidade mais abstrata - republicana, liberal,

habermasiana ou rawlsiana, por exemplo -, argumentei também que pode haver uma

perspectiva jurídica a contribuir com os estudos sobre as novas formas de controle

social, em especial como demonstram as pesquisas da literatura da new governance.

Ouvidorias, sistemas de queixas

Poder Executivo

Sociedade

Eleições Eleições

Parlamento

Poder Judiciário

Criação do Direito

Execução do direito/coerção/

políticas terceirizadas

Aplicação do direito/coerção/justiça restaurativa/mecanismos alternativos de resolução de controvérsias

Conselhos deliberativos

Conferências/orçamento participativo

Plebiscistos

Audiências públicas/ amici curiae

Ministério Público

Controle de constitucionalidade

Anatel

Anvisa

ANP

Banco Central

Criação do Direito

Poder normativo de conjuntura

Leis

TACs

...

Sociedade Civil

Cidadãos

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Nesse sentido, a concepção tradicional de legitimidade, que carrega uma

determinada concepção de direito e de desenho institucional do Estado, pode ser

atualizada a partir de análises interdisciplinares que congreguem pesquisas realizadas

nos campos da ciência política e do direito, entre outros. Talvez assim seja possível

iluminar inclusive os debates mais abstratos de legitimidade a partir de elementos

concretos, ressaltando a importância do direito na construção política de uma sociedade

mais justa. Ainda que isso não implique ignorar os riscos que a institucionalização

jurídica apresenta.

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